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Universidade do Estado do Amapá

Curso de Licenciatura em Filosofia


Aline Vanessa Brito da Graça

ÉTICA AMBIENTAL: A EXPANSÃO DO ÂMBITO MORAL A PARTIR DE UMA


ÉTICA DA RESPONSABILIDADE, SEGUNDO HANS JONAS

MACAPÁ,
Março/2018
ALINE VANESSA BRITO DA GRAÇA

ÉTICA AMBIENTAL: A EXPANSÃO DO ÂMBITO MORAL A PARTIR DE UMA


ÉTICA DA RESPONSABILIDADE, SEGUNDO HANS JONAS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito parcial para
obtenção do título de licenciado em Filosofia no
Curso de Licenciatura em Filosofia da
Universidade do Estado do Amapá, sob a
orientação da professora Dra. Dilnéia Rochana
Tavares do Couto.

Macapá,
Março/2018
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Processamento Técnico da Biblioteca da Universidade do Estado do Amapá

G729e Graça, Aline Vanessa Brito da.


Ética Ambiental: a expansão do âmbito moral a partir de uma ética da responsabilidade,
segundo Hans Jonas. / Aline Vanessa Brito da Graça. --
Macapá, 2018.
24f.

Orientador(a): Prof.ª Drª DilnéiaRochana Tavares do Couto

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do


Estado do Amapá, Curso de Licenciatura em Filosofia, 2018.

1. Ética ambiental. 2. Moral3. Técnica4. Ética da


responsabilidade. I. Couto, Dilnéia Rochana Tavares do . II. Universidade do
Estado do Amapá. Curso de Licenciatura em Filosofia. III. Título.

CDD 23.ed. 100


1

ALINE VANESSA BRITO DA GRAÇA

ÉTICA AMBIENTAL: A EXPANSÃO DO ÂMBITO MORAL A PARTIR DE UMA


ÉTICA DA RESPONSABILIDADE, SEGUNDO HANS JONAS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito parcial para obtenção
do título de licenciado em Filosofia no Curso de
Licenciatura em Filosofia da Universidade do
Estado do Amapá.

Macapá, 14 de março de 2018.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________
ProfªDrª Dilnéia Rochana Tavares do Couto

____________________________________________
ProfªDrª Débora de Sá Ribeiro Aymoré

____________________________________________
Prof. Dr. Janilson Pinheiro Barbosa
2

ÉTICA AMBIENTAL: A EXPANSÃO DO ÂMBITO MORAL A PARTIR DE UMA


ÉTICA DA RESPONSABILIDADE, SEGUNDO HANS JONAS

Aline Vanessa Brito da Graça1

RESUMO: O objetivo da pesquisa é analisar a proposta de Hans Jonas de uma ética da responsabilidade, tendo
em vista o debate em torno às demandas éticas ambientais. H. Jonas, ainda no século XX, inaugura uma
abordagem nova acerca da perspectiva ética, em que todos os seres humanos e extra humanos, hoje, encontram-
se afetados pela conduta exercida pelo homem devido ao advento desmesurado da técnica cientificista que se
associa à ideia de progresso, emergindo novos problemas para o campo da ética. Desta maneira, em um primeiro
momento será colocado em questão as patologias encontradas nas éticas tradicionais, posteriormente apresentar
as consequências desenvolvidas devido ao uso da técnica moderna e concluindo o argumento com base nas
possíveis contribuições da Ética da Responsabilidade estabelecida por Jonas na contemporaneidade.Portanto, é
de suma relevância adentrar neste debate, haja vista que em um curto espaço de tempo o desenvolvimento das
técnicas têm crescido sem respeitar o processo de recomposição da natureza, o que acarreta em consequências
até mesmo irreversíveis, em menos de 20 anos vários animais estão tidos como extintos, além dos devastadores
acontecimentos revelados pela natureza.

Palavras-chave: Moral. Ética Ambiental. Técnica.Ética da Responsabilidade.

ABSTRACT: The goal of research is to analyze Hans Jonas’ proposal of an ethics of responsibility, in view of
the debate around to environmental ethical demands. Even in the 20th century, Hans Jonas inaugurates a new
approach to the ethical perspective, in which, today, all human beings and extra humans are affected by the
conduct exerced by man due to the advent unreasonable of the scientistic technique that is associated to the idea
of progress, emerging new problems for the field of ethics, in this way, at the first moment the pathologies found
in traditional ethics will be put into question, subsequently presenting the consequences developed due to the use
of modern technique and concluding the argument based on the possible contributions of this ethics of
Responsibility in the contemporary. Therefore, it is of the utmost relevance to enter into this debate, considered
that in a short amount of time the development of the techniques have grown without respecting the processo of
recomposing nature, which entails even irreversible consequenses, in less 20 years, several animals have been
extinct, beyond the devastating events revealed by nature.

Keywords: Ethical. Environmental ethics.Technique.EthicsofResponsability.

1DA ÉTICA TRADICIONAL À ÉTICA APLICADA


O modelo de ética tradicional, segundo Hans Jonas, não é capaz de acompanhar o
novo agir do homem, visto que sua natureza foi de fato modificada. O que cabe apresentar é
que o acelerado processo de desenvolvimento das técnicas fez com que o homem revelasse
seu poder com a natureza, desencadeando uma série de crises no meio ambiente.
Com isso, sendo o homem o detentor desse poder em suas relações, tem a
responsabilidade de assumir uma nova compreensão ética. Trata-se de expandir o âmbito
moral, visto que a ética tradicional engloba unicamente as relações do homem com ele mesmo

1
Acadêmica do curso de Licenciatura em Filosofia; trabalho de conclusão de curso; orientado pela
ProfªDraªDilnéia Tavares do Couto; Universidade Estadual do Amapá- UEAP
3

sem manifestar preocupações com aspectos extra humanos2 que até então se apresenta como
inovador.
Dessa forma, indaga-se: É possível a formulação de uma ética da responsabilidade,
face às aplicações das tecnologias desenvolvimentistas no contexto moderno? A partir de tal
questionamento Jonas identifica as lacunas encontradas nas éticas tradicionais, detectadas por
conta do novo agir do homem, portanto, para compreender a construçãode uma nova
concepção éticaserá relevante no primeiro instante assinalar a partir de qual momento as
éticas tradicionais se apresentaram como insuficientes para adentrarmos na compreensão das
éticas aplicadas, bem como, situar as consequências trazidas pelo uso exacerbado da técnica
moderna, e as possíveis contribuições de uma Ética da Responsabilidade ao pensamento ético
contemporâneo.
Desta maneira, cabe pontuar inicialmente as principais características da ética
tradicional para que possa ser identificado o ponto crucial de divergência desta para a
proposta de uma ética aplicada dentro do âmbito de uma ética ambiental.
A ética tradicional se caracteriza por não exercer ações que pudessem expressar um
domínio significativo no meio não humano,“a techne, como atividade, compreendia-se a si
mesma como um tributo determinado pela necessidade e não como um progresso que se
autojustifica como fim recíproco para da humanidade” (JONAS, 2006, p.35).
Portanto, compreende-se que a relação do homem com o mundo se sustentavapela
necessidade de usufruir o que fosse fundamental para si. Além disso, possui características
antropocêntricas, ou seja, “a significação ética dizia respeito ao relacionamento direto de
homem com homem, inclusive o de cada homem consigo mesmo” (JONAS, 2006, p.
35),assim a natureza sendo autossuficiente,as intervenções humanas não causavam
preocupações significativas.
Outro ponto relevante é que nas éticas tradicionais os aspectosresultantes das ações do
homem só eram observados em espaço-temporal próximos a seu agir, ou seja, não havia
preocupações quanto aos resultados das ações em longo prazo (isso no que se refere na
relação do homem com o meio ambiente), destarte a ética se preocupava com o aqui e agora,
tendo em vista que o manuseio da técnica não afetaria de forma significativa no ciclo natural
da natureza.
Portanto, cogitar a contingência de esgotamentos dos recursos em que o ecossistema é
capaz de fornecer era impossível de se supor, já que o homem acreditava que suas

2
Vai além da relação do homem com o mesmo. Refere-se a toda forma de vida e não somente do indivíduo, por
exemplo: os animais e as plantas.
4

intervenções no meio ambiente não interfeririam na sua manutenção, assim a preocupação


quanto ao agir se limitava com os seus conterrâneos alcançando até onde sua dimensão afetiva
fosse possível de ser afetada, segundo Jonas na Ética Tradicional “O homem bom era o que se
defrontava virtuosa a sabiamente com essas ocasiões, que cultivava em si a capacidade para
tal, e que no mais conforma-se com o desconhecido”(JONAS, 2006, p.36).
Contudo, se por um lado a ética tradicional possui como uma das suas principais
características o antropocentrismo, do outro, pode-se identificar nas éticas aplicadas a sua
característica interdisciplinar, abrangendo no seu vasto âmbito também a ética ambiental que
conceitualmente propõe a amplitude da ética, porque muito mais do que uma discussão
quanto ao agir do homem com o mesmo a ética ambiental engloba dentro desse debate a
natureza até então não contemplada.
Com isso, enquanto a ética tradicional evidencia sua característica envolta nas relações
com o homem,aséticas aplicadas propõem a construção de um modelo moral que tenha como
propósito compreender as dificuldades dos problemas sociais, sobretudo, a ética ambiental,
que tem por objetivo encontrar soluções para as possíveis dificuldades que as gerações futuras
poderão sofrer devido ao desenvolvimento exponencial das tecnologias.
Mediante as características apresentadas, entende-seque a ética tradicional
desconfigurou-se nesse novo cenário já que as ações do homem tomaram novas proporções,
dito isto “a ética tem a ver com o agir, a consequência lógica disso é que a natureza
modificada do agir humano também impõe uma modificação na ética”(JONAS, 2006, p.29).
Assim sendo, é a partir dos avanços das tecnologias modernas que o homem se viu
atrelado a necessidade de poder, pois a técnica por ser de características acumulativa
impulsiona a busca incessante quanto ao seu desbravamento em detrimento da ambição de
poder do indivíduo,o que traz como consequência uma série de problemas ao meio ambiente.
Pensar sobre fundamentos que tragam à tona soluções aos problemas desencadeados
pelo usotecnológico, se faz urgente. Segundo Alencastro:

A crise ambiental contemporânea colocou em xeque teorias clássicas, pois são


teoricamente insuficientes para resolver os dilemas que ora são colocadas em
discussão. A questões concernentes à sobrevivência do planeta exigem
reformulações. Evidencia-se, cada vez mais, que as doutrinas éticas e políticas
tradicionais carecem de séria atualização, pois têm como base premissas sobre a
condição humana que a atualidade tecnológica alterou profundamente.
(ALENCASTRO, 2009, p.19)

Desse modo, não se tinha entendimento quanto aos perigos da extinção da vida do
planeta, pois, parecia certo a infinitude dos recursos ofertados pela natureza, segundo Jonas,
mesmo que o homem “atormente ano após ano a terra com o arado, ela é perene e incansável;
5

ele pode e deve fiar-se na paciência perseverante da terra e deve ajustar-se ao seu ciclo”
(JONAS, 2006, p. 32), os danos que poderiam ser causados nesse caso pareciam estar claros e
definidos.
Jonas também atenta para o fato de que na ética tradicional os resultados das ações
correspondem aos homens que são afetados no presente, logo a esfera da moralidade se
estende aos contemporâneos em que as preocupações alcançam até o horizonte futuro de suas
vidas, para tanto se faz emergencial a aplicabilidade de novos princípios éticos que possam
integrar toda a biosfera3.
Em sua obra O Princípio Responsabilidade, publicado no ano de 1979,Hans Jonas ao
conceituar as características da ética tradicional afirma que todas as máximas desta, sejam
elas quais fossem, expressariam no fato de demonstrarem ideiasde um imediatismo das ações,
Jonas identifica algumas dessas máximas, a exemplo:

“Instrui teu filho no caminho da verdade”; “almeja a excelência por meio do


desenvolvimento e da realização das melhores possibilidades da tua existência como
homem”; ”Submete teu bem pessoal ao bem comum”;”Nunca trate os teus
semelhantes como simples meios, mas sempre como fins em si mesmos”; e assim
por diante. Em todas essas máximas, aquele que age e o “outro” de seu agir são
partícipes de um presente comum. (JONAS, 2006, p. 36)

Para Jonas então o uso inadequado do progresso tecnológico é uma atividade


executada pelo homem capaz de apresentar os riscos da permanência de uma ética
antropocêntrica, ou seja, a perspectiva da ética tradicional tornou-se insuficiente nesse novo
contexto.
Portanto, partindo da constatação de que o homem passou a intervir na natureza sem
se preocupar com a mesma a ética jonasianasustenta uma nova compreensão ética, ampliando
nesse sentido a moralidade.
Dito isto, os argumentos pontuados acima são imprescindíveis para compreender as
dificuldades que a ética tradicional tem em apresentar soluções frente aos problemas
contemporâneos,pois se a Ética remete diretamente a ideia do agir e senesse caso o agir foi de
fato modificado, logo concluímos a precisão de novos princípios éticos capazes de
acompanhar esse novo cenário.
Ainda sobre a ética tradicional de característica normativa, Jonas afirma que “todos os
mandamentos e máximas da Ética Tradicional, fossem quais fossem suas diferenças de
conteúdo, demonstram esse confinamento ao círculo imediato da ação” (JONAS, 2006,

3
Refere-se a todas as partes do planeta Terra em que existe ou há a possibilidade de existência de formas de
vida.
6

p.36).Todavia, Cortina salienta que “cada tipo de atividade têm suas próprias exigências
morais e proporciona seus próprios valores específicos”(CORTINA, 2005, p.147).
É no contexto desses valores específicos que surgem as éticas aplicadas, nos anos de
1960, assim as éticas ambientais inseridas no contexto das éticas aplicadas tem por escopo
encontrar soluções ante os desafios das gerações futuras, provocados pelas incertezas oriundas
do universo tecnocientífico, haja vista que as preocupações da ética tradicional, pautadas no
aqui e agora das ações humanas, tornou-se insuficiente e incoerente diante de catástrofes
provocadas pela ambição humana e no suposto poder atribuído ao homem quanto ao domínio
da natureza. Nesse sentido,

Ao mencionarmos as relações estabelecidas socialmente pelos homens, não


podemos deixar de verificar que são relações que envolvem a organização do poder
na sociedade. A articulação entre o dever e o poder leva-nos a perceber a relação
entre moral e política – o poder se estabelece na polis, numa determinada
organização social, em que se estruturam diversas formas de poder (RIOS, 2004, p.
22).

As éticas aplicadas surgem em face aos problemas ensejados pelo dito avanço técnico
e científico, constituindo um ramo contemporâneo da filosofia que tem por objetivo incidir de
forma prática e racional na resolução de problemáticas diagnosticadas.O século XX foi
marcado por elas: duas guerras mundiaisque, associadas ao uso de armas, causaram destruição
em proporções devastadoras. Somado a isso, a década de 1960 foi marcada por lutas que
propunham a extensão dos direitos civis às minorias sociais. Mulheres e o movimento gay
protagonizaram lutas muito importantes nesse período, configurando um novo cenário,
exigindo uma Ética que contemplasse esses atores sociais.
A Biologia também foi um campo do conhecimento que registrou grandes descobertas,
principalmente na seara genética, incidindo sobre a necessidade de um novo olhar e de
acirradas reflexões sobre o homem, a vida e a reprodução. Do ponto de vista sociológico, o
século passado foi palco das injustiças sociais, da exploração aviltante do trabalhador e de sua
pobreza material. Na ótica ambiental, diversos desastres4 foram registrados, imprimindo
níveis jamais vistos de degradação ambiental no planeta.

4
Em novembro de 2017, o jornal El pais, noticiou uma estimativa de que 25.000 espécies entre plantas e animais
tem grande potencial de estarem extintos até o ano de 2050, sendo essa ameaça provocada pela intervenção do
homem. https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/17/album/1508240799_444335.html#foto_gal_1 acessado em:
03 de março de 2018
Na Índia, em Julho de 2005, foi registrado um caso de alagamento por conta de fortes pancadas de chuva,
fazendo cerca de 1.200 vítimas fatais, atingindo principalmente homens e mulheres, o que dificultou o acesso a
água potável. https://exame.abril.com.br/mundo/as-piores-enchentes-do-mundo-nos-ultimos-10-anos/ acessado
em: 03 de março de 2018.
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Diante de todas as demandas supracitadas e da efervescência de acontecimentos que


marcaram o século XX, a ética aplicada surge com o propósito de oferecer um novo olhar
sobre a realidade humana, transcendendo a esfera individual para a coletiva, inserida em
macrodimensões. Assim,

A atual ética aplicada nasceu mais das exigências “republicanas” das diferentes
esferas da vida social (medicina, genética, meios de comunicação, ecologia, etc.)
que da “monarquia” de alguns princípios com conteúdo que desejaram se impor à
realidade social. As situações concretas não são mera particularização de princípios
universais, mas lugar de descoberta dos princípios e dos valores morais próprios do
âmbito social correspondente (CORTINA, 2004, p. 149).

Somado aos fatores descritos acima, a queda do muro de Berlim, em 1989, deu
celeridade ao fenômeno da globalização, responsável por problemas econômicos, políticos e
socioculturais. Destarte, a moral tradicional (normativa), fundada na consciência individual,
revela-se totalmente incapaz de responder aos problemas de um novo mundo e de uma nova
sociedade. É preciso uma moral que parta do conceito de uma ética solidária ou de uma Ética
da Responsabilidade.
Desta maneira, a ética tradicional, mostrando-se inadequada, já que temos agora um
novo agir do homem, faz-se necessário uma amplitude do âmbito moral, de pôr em prática o
que consiste as éticas aplicadas, “ao que tudo indica – em averiguar como podem esses
princípios ajudar a orientar os diferentes tipos de atividade” (CORTINA, 2005, p.147). A
exemplo de tais princípios tem como proposto por Jonas: o Princípio Responsabilidade.
No entanto, mais do que uma reflexão sobre como conduzir os princípios éticos a cada
caso concreto, é necessário refletir acercadas suas condições morais e os resultados que as
mesmas reproduzem, segundo Cortina “é mister averiguar quais são os bens internos que cada
uma dessas atividades deve trazer para a sociedade e quais valores e hábitos é preciso
incorporar para alcançá-los” (CORTINA, 2005, p.147).Não se deve, portanto, estabelecer
parâmetros de princípios éticos como se tivesse uma tabela preestabelecida do que é certo e
do que é errado.
Nesse sentindo, na contemporaneidade se faz possível com as éticas aplicadas discutir
os princípios a serem orientados nos mais diversos âmbitos, assim se discute ética
empresarial, ética econômica, bem como a ética ambiental que segundo Jonas tem como
princípio a Responsabilidade, trazendo à tona os problemas do uso desmesurado da técnica
para o campo de discussões das éticas aplicadas.
Frente a isso, a ética ambiental surge como propósito de ampliar o conceito de ética,
partindo de uma reflexão no que se refere ao agir do homem tanto no meio social do qual está
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inserido, quanto ao seu agir no que se refere à natureza, assim, se desvincula das
características antropocêntricas da ética tradicional para construir uma ética que compreenda
que o meio ambiente é parte imprescindível para a continuidade da vida planetária.
Mesmo tendo em vista a urgência de compreensão do homem em entender que a
natureza está inserida como peça fundamental para compor o quebra cabeça nas nossas
relações sociais, ainda assim a ética ambiental enfrenta grandes desafios quanto à sua
aplicabilidade, um deles é a necessidade de desvincular-se da ideia do progresso tecnológico
como se este fosse a finalidade do ser. Assim,

A partir do século XVII a era moderna elegeu o progresso como um valor e a


inovação como um imperativo, algo que atingiu seu auge no século XX
(principalmente após a segunda Guerra Mundial) e se entende até os nossos dias.
Esse movimento é marcado por uma postura ininterrupta de busca por meios
tecnológicos capazes de melhorar vida humana em todas as dimensões possíveis.
(OLIVEIRA e GUIMARÃES, 2016, p.275)

Através do uso da técnica, o progresso, apesar de não anular o seu lado benéfico
aponta para riscos iminentes, já que se constitui como sendo de caráter acumulativo, e que,
portanto, se mostra como uma problemática, segundo Jelson Oliveira e Paulo Guimarães, “o
problema é, como vimos acima, a lógica intrínseca desse progresso, ou seja, o modo como ele
proscreve qualquer reflexão ética em nome de um acumulo cada vez maior de conquistas”
(OLIVEIRA e GUIMARAES, 2016, p. 276).
Assim o progresso na atualidade tendo sentido de finalidade necessária para o
homem, dificulta o sentindo de aplicabilidade de uma Ética para o meio ambiente, pois, o
homem se vê atrelado a esse processo progressista das tecnologias.Frente a esse desafio,
percebe-se que o crescimento da técnica reflete como forma de agressão direta nos recursos
naturais e que, por isso, requer fundamentos que incorporem toda a forma de vida na Terra, e
não evidenciar somente as relações sociais do homem.
Conclui-se nesse primeiro momento que os princípios característicos da ética
tradicional nãopuderam mais se enquadrar nessa nova perspectiva da conduta humana, já que
as suas ações não são mais as mesmas, e estas ações surgem como reflexo direto do
refinamento quanto ao uso da técnica no manuseio das tecnologias desenvolvimentistas, o que
tornou emergencial a compreensão de uma Ética para o meio ambiente, de modo que reveja e
conduza as ações do homem para que não comprometa a qualidade de vida que a Terra pode
oferecer para as gerações futuras.
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2A TÉCNICA E O DEBATE DA PERSPECTIVA DA MORALIDADE: A ANÁLISE


DE JONAS
A partir da apresentação pontual acerca da compreensão dos conceitos das éticas
tradicional e aplicadas, foram detectados os motivos para que a ética tradicional se mostrasse
insuficiente nesse novo contexto. Jonas, com base nessa explicação aponta para o uso da
técnica como causa nunca vista para a vulnerabilidade da natureza.Nas palavras de Jonas,

Por meio de seus efeitos, ela nos revela que a natureza da ação humana foi
modificada de facto, e que um objeto de ordem inteiramente nova, nada menos do
que a biosfera inteira do planeta, acresceu-lha àquilo pelo qual temos de ser
responsáveis, pois sobre ela detemos poder. Um objeto de uma magnitude tão
impressionante, diante da qual todos os antigos objetos de ação humana parece
minúsculos! A natureza como uma responsabilidade humana é seguramente um
novum sobre o qual uma nova teoria ética deve ser pensada. (JONAS, 2006, p. 39)

O homem, no entanto, com toda sua ambição e engenhosidade, quando confrontado


com a amplitude e grandeza das coisas não-humanas, permanece pequeno, e é isso que o torna
audacioso porque mesmo tendo consciência de estar lidando com situações e circunstâncias
grandiosas, é capaz de lidar com elas e manobrá-las, manifestando dessa maneira seu poder
opressivo e explorador com os recursos que a natureza nos apresenta.
É relevante destacar o fato de que o homem, mesmo com sua auto-permissão nas suas
incursões pela natureza, não agredia seus recursos vindos tanto do céu, do mar ou da terra, de
maneira em que fosse possível cogitar a sua extinção. Pois, até aqui, o homem tirava o seu
quinhão sem desgastar os recursos em sua imensa extensão, adaptando-se ao ritmo do
restabelecimento do ciclo da natureza. Assim:

Todas as liberdades que ele se permite com os habitantes da terra, do mar e do ar,
deixam inalterada a natureza abrangente desses domínios e não prejudicam suas
forças geradoras. Elas não sofrem dano real quando, das suas grandes extensões, ele
recorta o seu pequeno reino. Elas perduram, enquanto os empreendimentos humanos
percorrem efêmeros trajetos. Ainda que ele atormente ano após ano a terra com o
arado, ela é perene e incansável; ele pode e deve fiar-se na paciência perseverante da
terra e deve ajustar-se ao seu ciclo. (JONAS, 2006, p.32)

Observa-se que a princípio o homem, mesmo de posse do uso da técnica, executando


ação sobre a natureza, não lhe causava danos a ponto de ser possível o questionamento de
insuficiência da produtividade do meio não-humano, todavia, com o crescimento acelerado do
avanço das técnicas, as intervenções do homem passaram a gerar um alerta, já que para
manter esse avanço, não é cedido ao meio ambiente um período de tempo para sua
reestruturação.
Se antes da Revolução Industrial tínhamos a técnica com um meio para se alcançar o
10

que fosse de fundamental para a vida, após esse episódio, o próprio desenvolvimento
tecnocientífico se torna finalidade independente de necessidades vitais, criando a falsa ilusão
“de crer que é uma vocação natural do homem a perpetuação do progresso técnico, sendo
impulsionado a sempre ultrapassar seus feitos” (PETERLEVITZ, 2013, p. 72), o qual faz com
que as ações sejam impossíveis de serem pensadas ou realizadas sem o suporte das
tecnologias.
Portanto, compreende-se que é difícil de imaginar a construção e desenvolvimento de
uma civilização sem relacioná-la à violação da natureza, poiso homem sempre visa o
progresso em uma perspectiva própria, de acordo com as suas necessidades.
Há uma passagem do livro O Princípio Responsabilidade, de Jonas, em que ele cita:
"o homem é o criador de sua vida como vida humana" (JONAS, 2006, p.32), ou seja, ele é o
protagonista da sua história, sua vida é assim, é como é, porque ele cria e adapta as coisas de
acordo com o seu bel-prazer.

A violação da natureza e a civilização do homem caminham de mãos dadas. Ambas


enfrentam os elementos. Uma, na medida em que ele se aventura na natureza e
subjuga as suas criaturas; a outra, na medida em que erige no refúgio da cidade e de
suas leis um enclave contra aqueles [...] Amolda as circunstâncias conforme sua
vontade e necessidade, e nunca se encontra desorientado, a não ser diante da morte.
(JONAS, 2006, p.32)

O desenvolvimento das tecnologias, assim, tende a atingir o limite inovador, se antes


tínhamos a técnica como um mecanismo fundamental para a sobrevivência do homem, “hoje
na forma da moderna técnica, a techne5 transformou-se em um infinito impulso da espécie
para adiante, seu empreendimento mais significativo” (JONAS, 2006, p. 43). Logo, a
tecnologia se posicionou como um problema ético, já que se encontra como um objetivo no
centro do homem, sendo conduzido de maneira que o seu manuseio tem afetado diretamente
não só os humanos, mas as espécies a seu redor.
O refinamento do uso das técnicas trouxe como consequência a degradação
significativa da natureza, dando espaço para reflexões quanto às possíveis soluções das
dificuldades enfrentadas, representando um problema de cunho filosófico, já que tais
consequências são detectadas devido às novas possibilidades de agir do homem, no entanto,
“issonão significa de modo algum a afirmação de que as máximas das éticas tradicionais
tenham perdido sua validade” (PETERLEVITZ, 2013, p. 73), o que Jonas propõe é a
expansão do âmbito da moralidade capaz de abranger a todos.

5
Tem sua origem na Grécia, compreendida como um estágio avançado do uso técnica, tendo propósito de
solucionar os problemas práticos de uma sociedade.
11

O avanço tecnocientífico, impulsionado pela necessidade acumulativa da


economia,reflete, portanto, diretamente na natureza, em que seus efeitos são destrutivos e que
por isso, exige uma reflexão ética emergencial, tendo como objetivo dar um novo caminho
para o percurso que essas ações tem se conduzido, para o filósofo, “pela primeira vez na
história, as ações dos homens parecem irreversíveis”(ALENCASTRO, 2009, p. 15).
Assim, a construção do pensamento de Hans Jonas se dá pela sua crítica no que se
refere ao uso da técnica moderna sem limites do homo faber6que não mede esforços de
sempre superar seus limites em detrimento próprio, explorando ao máximo os recursos que o
planeta é capaz de produzir, objetivando a prosperidade das descobertas tecnológicas.
Além do mais, Jonas não anula o uso da técnica propriamente dita (a técnica por si só
não é coisa alguma, pois só atua mediante a ação humana, está assim a nosso dispor), o que o
filósofo não concorda é que como consequência da sua utilização descontrolada, faz com que
o homem se aproprie do seu uso, no intuito de elevar a exploração da natureza em seu próprio
benefício.Como salienta Fonseca,

É preciso admitir que Jonas entende a técnica como a principal causa da atual crise
ambiental, é preciso também lembrar que a crítica que ele faz não se dirige à técnica
ou à civilização tecnológica enquanto tais (EpN, p. 119). Em verdade, sua crítica se
dirige ao uso da técnica com o propósito declarado, desde o início da modernidade,
de maximizar a exploração da natureza em proveito egoísta do homem. (FONSECA,
2012, p. 477)

Dessa maneira, a técnica moderna se manifesta como uma problemática,


principalmente, pelo fato de que ao mesmo tempo em que se revela como uma expressão
necessária para a vidatraz consequências nefastas, ameaçando a natureza e até mesmo a
própria espécie.
O homem como mediador das relações nunca havia tido preocupação no que tange as
consequências de seu agir com a natureza para médio e longo prazo, já que como mencionada,
a moralidade se estendia aos próprios contemporâneos, desse modo, com o crescimento
desenfreado da técnica moderna, o homem passou a necessitar de fundamentos que coloque
em xeque a condução desse novo agirabrindo possibilidades de questionamentos quanto ao
futuro.

Se antes a atividade técnica dispunha e orientava o homem para o futuro, agora ela
desestimula e desorienta porque se atrela ao tempo presente, negando o horizonte da
temporalidade no qual a vida se desloca. Em nome do elemento temporal que inclui
o ontem e o amanhã, a técnica centra-se no instante e faz do presente a meta dos
desejos e anseios humanos. O único destino passa a ser a realização de tais desejos

6
Quem é capaz de desenvolver e construir ferramentas inteligentes através das incursões pela natureza.
12

no presente imediato e esse é o princípio básico da ação técnica – e é justamente


sobre ele que Hans Jonas pretende aplicar a proposta de uma ética do
futuro.(OLIVEIRA, 2013, p.23)

A técnica, em vista disso, é um instrumento de poder e dominação na natureza, onde


guia as ações humanas para obter resultados instantâneos, contemplando o presente de uma
geração, assim, a preocupação com o espaço em uma extensão de tempo para o futuro não se
mostrava como uma problemática, haja vista, que a natureza matinha seu ciclo de
recomposição natural diante das ações do homem.
Como já mencionado, o modelo de ética tradicional é alvo de crítica para Jonas devido
seu caráter antropocêntrico, já que sua significação está a dispor das relações dos homens
entre si, ou seja, uma ética preocupada com o agir do homem com o mesmo, assim, quem rege
a valoração e importância das coisas humanas e não-humanas é o próprio ser humano.
Hans Jonas, em sua obra O Princípio Responsabilidade,tece sua argumentação em que
pontua as razões pelo qual esse novo modo de agir fez com que o modelo tradicional de ética
se mostre como uma compreensão de ética inadequada, e apresenta como a perspectiva de
progresso da atual civilização vinculada à noção tecnocêntrica,faz com que, hoje, seja
possível projetar um impacto na natureza, porém sem a capacidade de dimensionar com
exatidão.

[...] a civilização tecnológica está pronta para desencadear processos cujas


consequências não são possíveis de conhecimentos prévios e, por isso mesmo,
poderão comprometer a vida humana e extra humana em curto, médio e longo prazo.
Hans Jonas empreende em O Princípio Responsabilidade de 1979, um forte apelo
pela renovação da ética (FONSECA, 2009, p.152).

Assim, o uso desenfreado da técnica,associado ao avanço tecnológico, desencadeou


um novo agir, e gerou, como consequência, um deslocamento da ética tradicional,
necessitando, pois, de novos princípios éticos que possam abarcar não somente o individuo,
mas também a natureza.
É a partir das consequências nunca mensuradas que Jonas elaborou, de maneira
radical, a proposta de uma Responsabilidade Ética, “a ética almejada lida exatamente com o
que ainda não existe, e o seu princípio da responsabilidade tem de ser independente tanto da
ideia de um direito quanto da ideia de uma reciprocidade” (JONAS, 2006, p.89), é através da
metafísica o qual ele justifica que mais vale uma vida equilibrada, que uma vida intensa em
meio à destruição, onde se deve construir uma sociedade altruísta.
Mais do que uma reflexão sobre a Responsabilidade Ética, cabe dizer que as
consequências das tecnologias desenvolvimentistas revelaram, sobretudo, uma mudança na
essência humana, visto que aqui, a predominância é o desenvolvimento e utilização
13

imediatista das coisas como algo primordial à vida, distanciando-se do Ser, enquanto essência.
Assim, em plena era tecnológica Jonas traz à tona o debate ético, colocando no centro
das condutas humanas o princípio Responsabilidade, dito isto, este princípio surge como uma
forma de demonstrar que as premissas adotadas na concepção antropocêntrica não se
encaixam no modelo de condutas inédito adotado na contemporaneidade.
O problema, portanto, se encontra no fato do próprio homem isolar suas relações
sociais diante dos objetos extra humanos, para tanto, “somente uma ética fundamentada na
magnitude do ser, poderia ter um significado real e verdadeiro das coisas em si”
(BATTESTIN e GHIGG, 2010, p.74), ou seja, é partir de tal problema que se mostra como
fato imprescindível a articulaçãode uma Ética que compreenda o homem e a natureza como
uma unidade.
A Responsabilidade, portanto, é um princípio Ético que em meio aos enfrentamentos
de uma sociedade submersa nomundo tecnológico tem como propósito direcionar as ações
humanas para um agir responsável com o coletivo.
Esta,então, é a proposta de Jonas em alertar para o alcance da responsabilidade com o
meio, tendo em vista o uso desenfreado da técnica moderna, que apesar de ser uma das
principais causadoras das agressões ao meio ambiente, não é a responsável, já que a
responsabilidade é uma prerrogativa que cabe, exclusivamente, ao indivíduo, e reestrutura,
portanto, a ética como base para fundamentar o Princípio Responsabilidade.

3A CONTEMPORANEIDADESOB A PERSPECTIVA DE UMA ÉTICA DA


RESPONSABILIDADE: SEGUNDO JONAS
Perceber que a natureza é um problema de cunho filosófico e que se tornou uma
preocupação na contemporaneidade fez Jonas inaugurar um novo princípio ético, sendo esseo
“Princípio Responsabilidade” que aparece como um norte fundamental para conduzir as ações
do homem.

Nossa comparação se deu com as formas históricas da ética da simultaneidade e da


imediaticidade, para as quais a ética kantiana serviu de exemplo. O que está em
questão não é a validade delas para as novas dimensões do agir humano, que lhes
transcendem. Nossa tese é de que os novos tipos de agir exigem uma ética da
previsão e responsabilidade compatível com esses limites, que seja tão nova quanto
as situações que emergem as obras do homo faber na era técnica. (JONAS, 2006, p.
57)

Dessa maneira, o Princípio Responsabilidade é um fundamento necessário em meio às


demandas éticas ambientais, em que protagonizam, no atual cenário, todos os seres, visto que
14

toda a vida planetária se encontra ameaçada pelos avanços da tecnologia moderna cabendo ao
homem articular mudanças diante da possibilidade de extinção da vida.
O filósofo relata que a catástrofe causada devido à utilização das bombas em
Hiroshima e Nagasaki, que foram criações de cunho humano, deu início ao marco inicial do
seu potente domínio capaz de ameaçar a própria espécie e destruir a natureza, assim, fazer
uma reflexão racional acerca das consequências trazidasdo uso da técnica moderna é ter
consciência da necessidade de um novo agir, o que implica em uma reestruturação ética.
O Princípio Responsabilidade em meio à era tecnológica abre espaço para um debate
ético contemporâneo e a partir da ideia do imperativo categórico7proposto por Kant, neste
sentido Jonas desenvolve um imperativo adequado ao novo agir humano, “não ponha em
perigo as condições necessárias para a conservação indefinida da humanidade sobre a
Terra”(JONAS, 2006, p. 48), para tanto, a preocupação se encontra no risco existente da não
continuação da vida futura.

Hans Jonas determinou o Princípio Responsabilidade como sendo uma ética em que
o mundo animal, vegetal, mineral, biosfera e estratosfera passam a fazer parte da
esfera da responsabilidade. A reflexão sobre a incerteza da vida futura é resultante
de um equívoco cometido ao isolar o ser humano do restante da natureza (sendo o
homem a própria natureza). Somente uma ética fundamentada na magnitude do ser,
poderia ter um significado real e verdadeiro das coisas em si. (BATTESTIN e
GHIGG, 2010, p.74)

Enquanto o imperativo kantiano se refere ao comportamento privado, Hans Jonas


amplia esse âmbito, direciona o comportamento para a esfera coletiva, “nesse sentido, o novo
imperativo proposto por Jonas nos compromete, não apenas com o homem de nosso tempo,
mas com a possibilidade futura de uma vida humana”. (FONSECA, 2011, p.49). A urgência
de um comportamento voltado para o coletivo advém, portanto, da efervescência do progresso
da tecnologia moderna.
Portanto, uma Ética da Responsabilidade segundo Jonas é fundamentada na própria
existência do ser portador de deveres, em que o homem é livre para agir, mas mediante os atos
conscientes, ou seja, a liberdade é regida pela responsabilidade, o que, infelizmente, na
contemporaneidade, ainda não acontece, já que os atos intencionais de responsabilidade não
são recorrentes, visto que o homem se encontra ou pelo menos acredita ser dependente
incondicional das tecnologias.
O homem contemporâneo, assim sendo, é um ser dotado de direitos e deveres, tem a
devida obrigação em zelar pela permanência da vida, já que tem consciência da possível

7
Seu imperativo categórico “Aja de modo que tu também possas querer que tua máxima se torne lei geral”
(JONAS, 2006, p.47)
15

extinção da natureza, logo da vida humana, segundo Jonas “interessa assegurar uma
autenticidade humana, garantindo ao homem sua capacidade de escolha” (OLIVEIRA, 2012,
p.391), é preciso limitar os avanços tecnológicos e priorizar a permanência da vida, e
assegurar qualidade para as próximas gerações.
Para tanto, Jonas estabelece algumas categorias fundamentais que configuram a sua
proposta de uma Ética da Responsabilidade, sendo essas: A Heurística do medo, Fim e o
Valor, Ser e Dever, e principalmente, a relação entre Responsabilidade paterna, política e
total. De maneira sucinta, pontuaremos cada uma delas:
1A Heurística do medo é uma previsão da desfiguração e da autodestruição do homem, atua
como um alerta, pois nesse caso é através do medo que o homem poderá refletir e agir de
modo que evite a possível extinção dos seres na Terra, dessa maneira alerta para o cuidado
com a vida humana e extra humana, “o medo que faz parte da responsabilidade não é aquele
que nos aconselha a não agir, mas aquele que nos convida a agir. Trata-se de um medo que
tem a ver com a responsabilidade”(JONAS, 2006, p.351). Compondo o basilar de uma ética
da responsabilidade, capaz de frear as intervenções significativas do homem no meio
ambiente, com o propósito de transformá-la em ação.
2. Hans Jonas acredita que todas as coisas possuem seu Fim, as plantas, os animais, a natureza
em si, pois contribuem para o equilíbrio e manutenção da vida, mesmo que de forma instintiva
que é o caso dos animais, enquanto o homem tem sua finalidade reconhecida de maneira
consciente, e é seguindo o raciocínio de que tudo possui uma finalidade que se torna
imprescindível a preocupação com os avanços tecnológicos, já que a contemporaneidade
deposita nas tecnologias uma equivocada valoração como se ela fosse um fim necessário.
3. Diante das consequências geradas pelo agir do homem, Jonas faz um resgate do Ser para
fundamentar o Princípio Responsabilidade, “entende o Bem como pertencente à realidade do
Ser, pois lhe é próprio e poderá transformar-se em Dever na medida em que exista uma
vontade capaz de transformá-lo em ação”(BATTESTIN e GHIGG, 2010, p.80), o Ser
impulsionado a uma mudança do agir, devido à ameaça que tem cercado a biosfera, tem o
Dever de agir de maneira em que guie suas ações com a Responsabilidade que devidamente
lhe cabe.
4. De maneira breve se compreende que a Responsabilidade Paterna tem como propósito
educar a nova geração (as crianças), pois “visa a fazer da criança o melhor dos seres”
(JONAS, 2006, p.180). Já a responsabilidade política é um meio para se alcançar a suprema
responsabilidade, dessa maneira, enquanto na responsabilidade paterna as crianças precisam
de um processo educativo para a condução adequada do conhecimento, quem subsidia, ou
16

pelo menos deveria, é a esfera política que tem “o dever de assumir a educação dos filhos e os
pais, nesse caso, terão que confiar no estado”(BATTESTIN e GHIGG, 2010, p.81), assim, a
Responsabilidade Total se preocupa com a aplicabilidade das categorias, porque é um Fim
que exista qualidade para as vidas futuras.
Tais categorias são essenciais para fundamentar sua concepção ética, segundo Jonas, o
homem não possui vantagens diante dos outros seres, exceto o fato de que somente ele é
responsável pelo fim da existência da vida planetária, o que inclui a permanência da sua
própria existência.
A Ética da Responsabilidade de Jonas diferente do que se tinha na ética tradicional,
estende a concepção moral, dito isto, enquanto noção espaço-temporal passa a se preocupar
com todos (homens e natureza no geral) em médio e longo prazo, “essa é a tarefa da ética da
responsabilidade: colocar o poder sob o controle humano, de forma coletiva, tal como é
coletiva a posse do próprio poder” (OLIVEIRA, 2012, p.395).
Destarte, mais que uma responsabilidade, a ética jonasiana é uma preocupação com o
futuro, “é como nova dimensão ética (a dimensão da temporalidade) que o futuro deve ser
pensado e não como mera superação ou abandono dos valores éticos tradicionais”.
(OLIVEIRA, 2012, p.389), nesse novo cenário ético aparecem novos protagonistas
alcançando o futuro.
Como mencionado, o âmbito moral se estendia aos homens e não se mediam
consequências do agir cogitando o desgaste da natureza. Assim:

A base dessa nova exigência ética é o diagnóstico dos efeitos ou consequências do


poder tecnológico que deu ao homem não a possibilidade de alterar o futuro, mas até
mesmo de inventá-lo ou interditá-lo por completo – tamanho o risco evocado por
esse novo poder, magnânimo e ambivalente, diante do qual a vida se revela frágil e
vulnerável, algo nunca antes tematizado no campo ético-filosófico. (OLIVEIRA,
2012, p.389)

Preocupar-se com as coisas inanimadas e com o futuro destas e do próprio ser é uma
temática nova, uma vez que as mesmas surgiram mediantea necessidade, pois as rédeas
tomadas com os avanços das técnicas modernas fizeram com que o homem conduzisse esse
artifício, não somente como um meio necessário para a vida, mas como finalidade.
O homem, com isso, precisa se libertar de alguns costumes que atribui à sua vida,
como se estes fossem o meio necessário para a valoração dela, para isso, reverter a ideia de
que a tecnologia moderna é o único meio de progresso humano é um dos passos importantes
para trilhar um caminho diferente do que segue na contemporaneidade.
17

Assim sendo, a partir da ideia de que a tecnologia progressista éuma problemática de


posse do homem, faz-se preciso repensar nas condutas morais, haja vista que devido à postura
executada com esse novo agir foi gerado uma série de problemas ecológicos, então, Jonas
encontra na Responsabilidade um conceito chave para a ética contemporânea, à vista disso, “o
homem define-se pela responsabilidade que assume com as gerações futuras”(FERNANDES,
2002, p.3).
Compreende-se que cabe ao homem a consciência de uma responsabilidade, visto “que
só ele pode optar conscientemente e deliberar sobre alternativas de ação, essa capacidade
implica a assunção das suas consequências. Liberdade e Responsabilidade são
correlatos”(FERNANDES, 2002, p.17), por consequência, o homem é o ser que age de
maneira consciente, devendo agir através da liberdade que lhe é concedida tendo em vista a
responsabilidade como prerrogativa.
Com isso, a geração atual se tornou a responsável com a possibilidade de permanência
da vida, estendendoa garantia de uma vida próspera para as gerações vindouras, assumindo
uma obrigação moral.
Para Fernandes, a partir do problema questionado por Jonas (o uso indevido das
técnicas modernas),essa sua contribuiçãosurge comoum importante referencial também para a
filosofia da educação. Nas palavras de Fernandes:

Jonas aponta a vida como condicionante e limite da vivência dos valores. Assim, a
educação deverá visar como fins últimos, num processo dinâmico, dialogal e
planetário, a preservação e o desenvolvimento da vida tendo por base o cuidado ao
outro para efectivar a construção de uma sociedade humana justa e responsável. Para
Jonas o fim da educação é tornar as crianças adultas, ou seja, capazes de assumir o
<<princípio responsabilidade>>. (FERNANDES, 2002, p.17)

A educação nesse sentindo aparece como condicionante fundamental para a


responsabilidade a ser posta em prática pelo indivíduo, capaz de combater com a ideia de
extinção definitiva da vida, em que propaga através do conhecimento orientado por novos
princípios éticos a preservação da natureza.
Em um momento, em que os valores estão sendo atribuídos de maneira distorcidaa
educação possibilita a reflexão das ações do homem e, mais que isso,ela conscientiza que é
um bem maior o sentido da vida.
Assim sendo, na modernidade, o homem se deleita diante do seu sucesso nas
excursões tecnocientífico, na contemporaneidade, ele colhe as consequências de uma
exploração desregrada, “o esgotamento dos recursos energéticos e matérias-primas, as
catástrofes naturais e a exclusão social mostram ao homem os limites de seu projecto”
18

(FERNANDES, 2002, p.21) o que constata a sua tomada de consciência através das reações
manifestadas pela natureza.
Jonas apresenta o descontrole do avanço tecnológico e do poder que o mesmo tem
exercido no homem, dessa maneira, alerta para o caminho que esse novo agir tem levado, com
isso, cabe reforçar que é na geração atual que se encontra o dever de uma ação como forma de
reverter ou conter as consequências que poderão ser reveladas, em vista disso, “o dever com
as gerações futuras é um dever da humanidade independente se os seres são ou não nossos
descendentes” (BATTESTIN e GHIGG, 2010, p.75), sendo essencial, portanto, construir uma
sociedade que aja com base na responsabilidade motivado pela empatia com outrem.
Desse modo, compreender que cabe a geração do presente agir de maneira responsável
como forma de garantir a continuidade da vida futura, nos remete ao seguinte
questionamento: por que o agir do presente requer uma reflexão ética para com uma geração
que ainda não existe, e que, portanto, por uma ótica tradicional não requerem direitos, muito
menos executam deveres, deve ser uma preocupação para o homem?
Como visto, a ação humana tem tomado rumos devastadores sobre o meio ambiente,
tudo em prol do poder ocasionado pela busca incessante dos avanços das tecnologias, dando
abertura para o questionamento no que concerne a continuidade das próximas gerações,
portanto, tendo em vista que a humanidade se encontra ameaçada, para Jonas o Ser mais vale
do que a pretensão donão-Ser, porque é maior a importância em agir de maneira que propicie
a permanência da vida, do que correr o risco da não existência. Segundo Jonas:

Por meio da negação do não-Ser, o ser se torna um interesse positivo, ou seja, uma
escolha permanente de si mesmo. A vida como tal, no perigo desse não-Ser que é
parte da sua essência, expressa essa escolha. Assim, não passa de um paradoxo
aparente que seja a morte, ou seja, a possibilidade de morrer, ou ainda o fato de se
poder morrer a qualquer momento e a possibilidade de se adiar continuamente essa
morte no ato de conservação de si, o que estampa a marca da auto- afirmação do Ser,
por meio da luta individualizada dos seres existentes. (JONAS, 2006, p.152)

Jonas fundamenta a compreensão de um cuidado não recíproco, e exemplifica


pontuando o afeto e o cuidado em que os pais têm por seus filhos, já que esses fazem a
aplicabilidade da reciprocidade dando toda a assistência necessária aos seus sem esperar
recompensas por seus atos.
Portanto, o debate sobre a ética do futuro defende o direito do Ser que ainda não
existe, partindo de uma relação fundada na responsabilidade diante da não reciprocidade do
Ser do presente com o do futuro, pois a tomada de consciência do Ser do presente em se ter o
devido cuidado com o meio ambiente requer um resgate elementar fundado nessa não
reciprocidade.
19

E é partindo, da concepção ética esplanada que Jonas acredita que para se ter a
continuidade dos seres na Terra, assegurando uma vida autêntica, o dever Ser do futuro só
estará a salvo, se construído a partir de um dever do presente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É de suma importância que os questionamentos, no que se refere ao nosso agir com o
meio ambiente, sejam trazidos à tona, a partir da Revolução Industrial o homem deu seu
primeiro passo colossal, em que trilhou assim o seu percurso rumo aos desenvolvimentos das
técnicas modernas, remetendo-nos com o avanço dessas técnicas à ideia de progresso, porém,
tem deixado pelo caminho rastros capazes de atingir, agressivamente, o meio ambiente.
No atual contexto das tecnologias,a articulação de um novo princípio ético se tornou
fundamental para a implantação de uma nova cultura moral,capaz de estabelecer ao homem
noções necessárias para a permanência da vida nesse planeta.
As éticas tradicionais passaram, portanto, a deixar lacunas que precisavam ser
preenchidasjá que temos aqui um novo agir do homem, tornando-se uma preocupação diante
deste cenário contemporâneo, posto que pelas suas características antropocêntricas, ampliar o
âmbito da moralidade de maneira que englobe todos os seres é primordial para a continuidade
de uma vida harmoniosa.
Para tanto, tendo em vista que devido às ações humanas decorrentes do uso indevido
da técnica acontecimentos de magnitudes catastróficas tem assolado o nosso planeta, o
cuidado fundamentado na responsabilidade se faz necessário com a natureza.
E é partindo das possíveis dificuldades enfrentadas pelas pósteras gerações que se
encaixam as éticas aplicadas, pois, aparece com um meio de reflexão para novas articulações
que sejam capazes de desenvolver princípios que garantam a vida das próximas gerações e do
meio ambiente.
Assim, em meio ao desenvolvimento das técnicas, Hans Jonas apresenta a Ética
Tradicional como um modelo obsoleto diante do atual contexto. As ações do homem foram de
fato modificadas devido ao desenvolvimento das técnicas, e é a partir da percepção de que há
um novo agir que Jonas faz dessa questão um problema filosófico.
Se antes do crescimento exponencial das tecnologias o homem já utilizava a técnica
como um meio necessário para a vida sem atingir, agressivamente, o meio ambiente, na
contemporaneidade, a continuidade de uma vida íntegra para as gerações futuras se encontram
ameaçadas, visto que a utilização da técnica deixou de ser um meio para se tornaro fim pela
humanidade, o que afeta diretamente a natureza.
20

Mediante a este cenário, Jonas desenvolve o Princípio Responsabilidade, que segundo


o filósofo seria o princípio substancial que conduziria o modo de agir do homem, que expande
o senso de responsabilidade com capacidade de abarcar as gerações do futuro, para garantir a
estas uma vida digna.
Dito isto, ter a consciência de que os atos cometidos pela geração do passado e do
presente são as responsáveis pela garantia da vida futura, faz com que o homem
contemporâneo faça um resgate sobre o que realmente vale a pena no decorrer da existência: a
permanência da vida, e que, portanto, não pode uma geração que ainda não existe ser punida
sem ter direito à chance de viver, assim se faz necessário a construção de novas gerações
altruístas.

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