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A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE PARA O MEIO AMBIENTE

Marcel Alcleante Alexandre de Sousa


Acadêmico do Curso de Licenciatura Plena em Filosofia da UEPB*

Resumo
O texto procura abordar a temática do meio ambiente a partir da concepção ética de Hans Jonas. Desse
modo, o trabalho é apresentado a partir de duas partes referentes à discussão teórica. O primeiro momento
trata dos problemas causados pelo homem à natureza e o segundo momento é apresentado à concepção
filosófica fundamentada na responsabilidade. Por fim, chega-se a conclusão que a responsabilidade é
essencial para a preservação da natureza. Palavra-chave: Hans Jonas. Ética. Meio ambiente.

1 - Aspectos introdutórios

Este artigo apresenta de forma introdutória a concepção de responsabilidade para Hans Jonas como
fator essencial para a vida no planeta. Para esse desenvolvimento, apresenta-se um breve quadro conceitual
da filosofia prática do filósofo. Assim, para evidenciar a importância dessas noções, acredita-se que os
conceitos iniciais que aqui se apresentarão possam ser úteis a uma reflexão indispensável à vida. A ética e o
meio ambiente devem andar de mãos dadas, pois um permite que “um e o outro apareçam” de forma
equilibrada.
Na obra O Princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica percebe-se
que um dos aspectos da ética[i], na concepção de Hans Jonas, é a questão da responsabilidade voltada para a
natureza que engloba todos os seres vivos. Tendo em vista isso, ao se falar de natureza, pensa-se tanto no
ser racional como nos seres irracionais, ou seja, trata-se de cuidar da natureza como um todo. Assim, com a
teoria da responsabilidade[ii] é preciso perceber que a natureza deve ser compreendida como um organismo
vivo e universal.
Com isso, pode se dizer que o homem é o inimigo da natureza, pois ele utiliza a técnica de forma
exagerada para fins de interesse próprio. Em consequência deste fator a natureza é focalizada como assunto
da responsabilidade humana. Pois, o foco das relações humanas era o próprio homem que se voltava,
apenas, para o bem da cidade, ou seja, para o particular. Mas, cabe ao ser humano, por ser racional, se
preocupar com as futuras gerações (universal) e não somente com o presente (particular).
A partir disso, faz-se necessário zelar pelo meio ambiente que agora deve ser visto como a casa do
ser humano que é algo urgente e necessário, pois é a vida que está em jogo. Pode se dizer que a ética que
aqui é apresentada é um agir do agora (particular) e do futuro (universal) que se busca através da
responsabilidade da vida. Isso acontece porque o agir interfere na felicidade das gerações vindouras. Em
conseqüência disso, como se pode usufruir o que a natureza dispõe sem que seja maltratada já que deve ser
considerada uma casa e, se é uma casa, necessita-se usar o que ela oferece?
Assim, a apresentação que aqui segue pretende introduzir o leitor ao conceito de responsabilidade
tão frisado na obra de Hans Jonas, numa perspectiva de questionar o comportamento humano com fins a
um maior zelo pela natureza.

2 - De como o homem e a natureza se completam

Em se tratando da natureza, os homens anteriores à tecnologia lidavam com o meio ambiente de


forma equilibrada[iii]. Para fundamentar isso, Zirbel (2005, p.5) diz que:

A condição humana era compreendida como imutável, resultante da natureza do ser


humano e das coisas. Questões ligadas à uma possível modificação da sua essência
não eram alvo de discussão, nem mesmo a questão da sua permanecia ou não na
terra.

Fala-se assim porque ao usar o que a natureza dispunha não era o suficiente para deixar resquícios na
terra. As comunidades primitivas usavam uma tecnologia não avançada e não perigosa à vida, percebendo,
portanto, não uma privação ao meio ambiente, mas o uso ou uma relação com aquilo que a natureza podia
dispor[iv]. Nisso, o contato do homem com a natureza permitia que ela ao ser usada se renovasse. O uso não
lhe causava cicatrizes, seguia seu curso. Era um constante devir. Por isso, Renovando-se não havia com que o
homem se preocupar.
Fora dessa circunstância, perdeu-se de vista esta relação e encontrando-se com o aperfeiçoamento
da tecnologia, com o orgulho desequilibrado e com as habilidades, o ser humano segue o caminho do homo
faber destruindo o homo sapiens. Assim, pode-se conferir na argumentação de Hans Jonas que esse fato
tornou-se um problema para a vida no planeta, como podemos conferir a seguir:

[...] a autopropagação cumulativa da mudança tecnológica do mundo ultrapassa


incessantemente as condições de cada um dos seus atos contribuintes e transcorre
em meio a situações sem precedentes, diante das quais os ensinamentos da
experiência são impotentes (JONAS, 2006, p. 40).

Isso se fundamenta no que diz respeito ao uso indevido da engenhosidade do homem, ou seja, este
tem capacidade de aprisionar e domesticar o que deseja. Antes disso, se sentia pertencente à natureza. Ele
está na natureza, não acima ou abaixo, mas na natureza. Do ponto de vista anterior ao da tecnologia, suas
obras eram pequenas para um desequilíbrio ecológico.
Essa realidade leva a outra, a saber, o homem não se conforma com sua evolução, criou armas ou
utensílios de pedra ou do bronze, encontrou a forma de fazer o fogo. Ele dá passos. É nos passos dos
homens que se percebe uma contradição ao meio que pertence. Pois ele viola sua própria casa para se
autocivilizar. Fala-se, assim, porque a natureza é um espaço criado para si, ou seja, sua finalidade é ela
mesma. Mas o homem apropriou-se desequilibradamente desse espaço. Limitou-se a algo voltado para os
próprios interesses. A cidade tornou-se o único reduto da responsabilidade humana em si e para si. Isso é
apresentado por Alencastro (2009, p. 17) como um grave problema ao dizer que:

Nada é mais ameaçador do que este sucesso da tecnologia. O domínio da natureza


pelas ciências e pelas tecnologias se transforma no projeto central das sociedades
modernas. A técnica, antes um simples meio, passa a ser, como moderna
tecnológica, a própria finalidade.

Pertencendo a natureza, o homem, apesar de ser o mais engenhoso, em nenhum momento pode agir
com propriedade sobre algo que não lhe convém. Diz-se assim, porque a natureza não se limita a algo, ela é
universal. Nisso, a ação humana acaba tomando outros rumos. Não se pode perder de vista que por mais
limitado que seja o homem, ele consegue destruir em partes o todo. Sabe-se que a natureza é ilimitada
porque seguido seu processo normal cumpre uma constante mudança, um devir, ela se renova.
O homem sabendo de sua limitação age e suas ações se voltam para si próprio. Nesta perspectiva o
limitado pode acabar com o ilimitado, ou seja, o limitado estando no ilimitado necessita do que dispõe o
ilimitado, por exemplo, a natureza é a casa do homem. Em uma casa pode-se encontrar o necessário para
sobreviver. Destruindo a casa, como viverá? Então, o problema da ética voltado para a natureza (ecoética)
consiste em pensar a natureza como um mecanismo indestrutivo, mas que, devido à ação do homem, acaba
se deteriorando.

3 - Uma concepção de ecoética para o planeta

Essa linha de pensamento apresenta um novo paradigma ético, ou seja, os filósofos práticos
enxergaram uma lacuna do bem agir dos teóricos da ética tradicional e inauguraram um novo jeito de pensar
o bem coletivo. Esse bem está fundamentado na ideia de responsabilidade.

A partir de Jonas a responsabilidade não é mais centrada no passado e no presente.


A sua responsabilidade é com o futuro da humanidade, com as gerações futuras e
com a sobrevivência das mesmas. Diferente de Platão, Jonas não está preocupado
com a eternidade, mas com o tempo vindouro, compatível com a era da ciência e da
tecnologia, cuja responsabilidade passa a ser o alicerce, o principio orientador, para
as decisões que possam interferir nas diferentes formas de vida. (KUIAVA, 2006, p.
56).
Desse modo, o conceito de responsabilidade para o filósofo está fundamentado na condição que o
ser humano possui em refletir sobre os seus atos. Pois, “os danos causados devem ser reparados, ainda que
a causa não tenha sido um ato mau e suas conseqüências não tenham sido nem previstas, nem desejadas”
(JONAS, 2006, p.165). Por meio disso, antes era virtuoso o homem que agisse bem em relação a outro
homem. Agora é virtuoso quem, através das ações, pensa no bem do agora e no bem das futuras gerações. É
assim que se pode caracterizar a dimensão da nova ética. Mas, por que se deve ter este pensamento? Isso
acontece porque o homem detendo o poder sobre a natureza devido suas desregradas ações, agora deve,
acima de tudo, preservar por um bem que não lhe pertence em particular, mas sim, um bem de todos. A
natureza é pensada como objeto de responsabilidade. Não é mais uma ética da qual podemos colher os
frutos apenas agora, mas agora e depois.
Para ilustrar a ideia contida nesse paradigma, Aristóteles, nas primeiras linhas de sua obra
a Metafísica (A 980a), afirma que “todos os homens, por natureza, tendem ao saber”. Por meio dessa tese o
ser humano deve compreender que ele não pode ser escravo de outra coisa a não ser do saber e do agir
bem. Esse saber que aqui é ressaltado é um saber que antes de tudo antecede qualquer agir.
Com isso, quando se pensou no agir bem, levou em consideração que a vocação do homem estava
na esfera da polis, o qual se constituía uma ética própria. Mas a atuação sobre objetos não humanos não
formava um domínio eticamente significativo. Diz Ferraril (2007, p. 93) “cada ação feita ou omitida, em
relação ao meio ambiente, causa impactos positivos ou negativos para o futuro da humanidade”. Mesmo
com essa realidade, pode-se dizer que a habilidade humana ultrapassou seus limites, ou seja, a habilidade
era usada para as necessidades próprias do homem. O homem precisava dela para se manter ou
desempenhar algumas funções onde sobrevivia. Lavrava a terra para colher o que a natureza não dispunha,
ou se dispunha era distante ou inacessível. Foi assim que o homo faber caracterizado pela tecnicidade
triunfou sobre o homo sapiens caracterizado pela sua interiorização. Este utilizava a natureza para se
manter, enquanto aquele utilizava a técnica para destruir a natureza. O homo faber é caracterizado como
alguém que produzindo, produz algo a mais e sua produção fica sob suas ordens. O faber invadiu o espaço
do sapiens.
Percebe-se que o saber é um saber controlado. Controlado porque a tecnologia manipula.
Manipulando não se age pelo saber e sim pela irracionalidade dos instintos. Mediante isso, Hans Jonas, ao
se referir ao saber, diz que devemos ter autocontrole [v]. Aqui se trata de uma questão própria a todos:
exercer seus direitos e deveres para com o meio em que vive, ou seja, o planeta. A natureza é composta
pelo todo, por isso, o homem deve ter um olhar diferente para com o que lhe cerca. Essa consciência lhe
leva a perceber que a natureza deve ser vista de forma diferente da de como a viam.
O homem tem que ter um novo comportamento. O mundo não pertencendo aos homens da
técnica, estes devem preservar aquilo que não é só seu. Não deve pensar em sua geração, mas também
nas novas gerações que se encontram ameaçadas por seus atos. Assim, Hans Jonas (2006, p.45) reflete
sobre o dever com o seguinte argumento:

A presença do homem no mundo era um dado primário e indiscutível de onde


partia toda a idéia de dever referente à conduta humana: agora, ela própria
tornou-se um objeto de dever – isto é, o dever de proteger a premissa básica de
todo o dever, ou seja, precisamente a presença de meros candidatos a um universo
moral no mundo físico do futuro; isso significa, entre outras coisas, conservar este
mundo físico de modo que as condições para uma tal presença permaneça
intactas; e isso, significa proteger a sua vulnerabilidade diante de uma ameaça
dessa condições.

Com isso, o imperativo de Hans Jonas concretiza-se no que diz respeito à permanência da vida
humana. É assim que se pode dizer que sua ética denuncia e anuncia um imperativo. Denuncia quando se
dirige as éticas antigas mostrando o que faltou, e anuncia quando tira a cegueira que está no homo faber.
O seu imperativo, portanto, ressalta uma nova coisa, a saber, a existência humana na terra.
A era tecnológica põe em risco a sobrevivência de outros seres aqui na terra. Daí a importância de
um homo sapiens que usa suas habilidades de uma forma equilibrada. Pois o “homo faber” tende a
caminhar para ações destrutivas. Ações destrutivas não são convenientes às futuras vidas. Se não é
conveniente logo não haverá como existir, no futuro, a vida. Para onde caminharão as novas vidas, para o
lixo tecnológico? O que irão respirar? Não poderá haver vida sem um sistema ecológico, sem uma casa
para que os outros seres possam morar. O caminho é para a destruição da regeneração da natureza.
Trazendo presente o ser, pode-se também fazer uma compreensão do dever. O dever que proveio
da realização do homem em ter carregado consigo valores contrários a exigências, faz com que ele assuma
as exigências através da vontade. O princípio da responsabilidade também tem seu viés ontológico, pois, a
construção deste comprometimento é o reconhecimento da necessidade da vontade guiada pela razão
como forma de dever.
Para o filósofo, o ser está junto do dever ao dizer que “torna-se um dever, desde que haja uma
vontade que assuma essa exigência e trate de realizá-la” (idem, p. 149). Daí a importância do ser que se
realiza a partir da vontade que existe dentro de si como uma realização de si próprio. Ao falar acerca disso,
não se pode perder de vista que, quando o individuo age por aquilo que existe dentro de si, ele não age com
interesses, mas quando age pela obrigação, a ação se encerra no interesse. Segundo Hans Jonas assim como
a natureza encontra suas finalidades, deve-se ter também, este princípio como concretização do nosso bem
agir impulsionado pela força de existir como finalidade da vida, como auto-afirmação do ser, ou seja, o ser
não será outro, mas aquele que carrega valores fundamentais do ser, e não do não-ser. Embora se tenha a
negação do ser, é preciso notar que, partindo deste pressuposto, a vida caminha para sua extinção. Caminha
para a extinção quando partindo da negação do ser o homem afirma o não ser.
Não se deve ter o imperativo dominador que leva a obrigação como forma de dever, o que
ocasionaria a destruição. Mas, “alguns riscos não devem jamais ser corridos. Se alguma inovação técnica
possuir em si a possibilidade de pôr em perigo a existência da humanidade futura tal inovação deverá se
incondicionalmente proibida” (ZIRBEL, 2005, p. 7). Assim, as finalidades devem ser voltadas ao bem e para
que isso aconteça é necessário que a vontade seja pautada na relação direta com a natureza. Logo,
exercendo estas finalidades se auto afirma o ser. Desse modo, ressalta-se o respeito ao sim do ser. Logo,
não se deixa de lado que o sim para o ser e o dever movimenta tudo o que constitui o homem. Por isso, o
homem detendo o poder sobre a natureza tem responsabilidade por ela. É evidente que esta
responsabilidade tão lembrada por Hans Jonas é diferente do conceito que temos, ou seja, difere da idéia
de ter responsabilidade de varrer a casa, por exemplo. Isso é obrigação. O conceito de responsabilidade
para o filósofo está entrelaçado a um dever que afirma o ser.
Hans Jonas critica as éticas tradicionais que só refletiam de forma imediatista o aqui e o agora e
cria um novo imperativo que outrora não era refletido. A forma de expressar esta responsabilidade é o
sentimento de amor em relação ao meio ambiente. O ser é desvelado a partir da ação concreta de suas
finalidades[vi].

4 - Considerações finais

Quando se está no estágio de não reflexão nega-se o ser que se torna uma ameaça constante
fazendo com que exista conflito entre o ser e o não-ser. Então, os fins são muito importantes para a
preservação da vida. Serão eles os meios pelos quais poderá ou não existir a vida. Assim, algo que é valioso
tem brilho e tudo que se faz é para afirmá-lo. É nisso que se deve enxergar o bem, ou seja, o bem é a
finalidade de todas as ações. Sendo finalidade escolhe-se tudo para obtê-lo. Nesta perspectiva é preciso
perceber que está no ser o bem, porque a natureza é o coração do bem, da vida. O bem é algo que vale a
pena e não deve ser perdido, pois quando se perde algo, a reação é de culpa. Na Grécia antiga, quem eram
os homens virtuosos? Agora o homem virtuoso é aquele que faz do bem, o agora e o amanhã, sua virtude.
Não se trata mais de uma idealização, mas um ato concreto e importante. É algo que pede socorro de fora
e consegue chegar até o ser pelos sentimentos.
A teoria ética de Hans Jonas não é apenas objetivista, mas é objetivista e subjetivista. É objetiva
porque está fundamentada na razão. Subjetiva porque tem bases na emoção. É nesta visão que o bem agir
engloba, agora, a natureza. Por isso, a dimensão da responsabilidade leva o ser humano a perceber que
ele se encontra frente a dois caminhos: a vida (ser) e o da morte (não ser). Cabe a habilidade, pautada em
sua razão, caminhar para a afirmação do que mediante a sensibilidade surge do interior como algo que
modifica as antigas opiniões. Trata-se de um dever ser. Para ser é preciso assumir seu ser com dever.

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