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2 Da hospitalidade
morada de seu pai, privadas pelo pai, segundo um desejo do próprio pai. E
segundo um juramento no momento de morrer, Édipo ordena expressamente a
Teseu jamais revelar o lugar de sua tumba a quem quer que seja, em particular
a suas filhas. “Édipo no limiar da morte declara a Teseu: a ti, filho de Egeu, dir-
te-ei qual tesouro conservareis, tu e tua cidade, ao abrigo da idade e das
inquietações. O lugar como Kurt, o lugar, o pátio, o intervalo onde devo morrer,
levar-te-ei ali eu mesmo sem que qualquer guia me tenha pela mão. Derrida
explica, Édipo pretende assim escolher a morada, sua última morada. Ele quer
ser o único a fazê-lo, ele é o único a decidir isso. Ele conduz suas próprias
exéquias em segredo, e apesar do amor por suas filhas, ele não revela a elas,
como se amar fosse finalmente isso mesmo que deveria significar, diz Derrida,
essa última prova de amor que consiste em deixar saber aos bem-amados
onde se morre, onde se está morto, e como se essa última prova de amor,
Édipo estivesse privado do direito de oferecê-la a quem devota seu amor.
“Estrangeiro, em país estrangeiro, então Édipo está numa situação de
clandestinidade, ele aí será escondido na morte: sepultado, inumado, levado
em segredo para dentro da noite de uma cripta.”
Teseu é seu hospedeiro, mas ele acabará se tornando refém do morto.
Édipo se dirige a Teseu, seu hospedeiro, como a um estrangeiro no momento
que vai morrer em terra estrangeira, a todos que te seguem diz ele, desejo que
sejam felizes, mas no meio da felicidade, não me esqueçam, mesmo morto, se
quereis que a prosperidade continue vosso legado para sempre
Ele roga, mas essa rogativa, diz Derrida, é uma injunção, ela deixa pressentir
uma ameaça, ela prepara uma chantagem, uma maldição caso não seja
cumprido o juramento.
O que está nas fundações da hospitalidade não é o monos dos vivos mas a lei
não escrita dos mortos. O que está enterrado, oculto, guardado, não são os
mortos, mas as leis não ditas que ditam as vidas dos vivos. Os mitos e as
superstições.
Todos os vivos na religião dos deuses lares se tornavam reféns dos mortos, por
sua obrigação de culto. O hospedeiro tornava-se um refém retido, um
destinatário detido. E quando as filhas de Édipo pedirem e suplicarem para
Teseu, para deixa-lãs ver a tumba, irem ao lugar secreto do segredo, Teseu
recusará alegando o juramento que o liga ao Deus.
Diz Derrida: ”Todo mundo é refém do morto, a começar pelo hospedeiro
(Teseu), ligado pelo segredo que lhe foi doado, confiado, obrigado desde então
pela lei que lhe tomba nas costas sem que ele tenha escolhido escolher ou
obedecer.
As duas filhas se lamentam, mas elas não deploram apenas não poder ver o
pai, mas elas se lamentam, diz Derrida, de duas coisas: de uma parte que seu
pai esteja morto em terra estrangeira, e de outra parte, que esta escondido,
em segredo, em uma terra estrangeira, seu cadáver, sem tumba, sem lugar
determinado, sem monumento, sem lugar de luto, sem culto, sem lar.
Na verdade. Derrida se serve de Édipo para mostrar a origem de uma
hospitalidade incondicional, de um segredo compactuado entre hospede e
hospedeiro, acima de qualquer monos, mesmo que esse hospede seja um
anomos, um fora-da-lei. Anne Dufourmantelle, em paralelo e simultaneamente
no livro “Da Hospitalidade“, comenta também o direito de morrer, quase
impossível hoje em dia, de morrer em casa, no lar, ao lado dos familiares.
Um acontecimento cruel em termos de hospitalidade foi o ato de jogar o corpo
de Osama Bin Laden perpetrado pelos EUA, no meio do oceano, para que as
pessoas nunca fossem visitá-lo e cultuá-lo.