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Mecânica Aplicada I 2008/1

8.0 TRANSMISSÃO POR ENGRENAGEM HELICOIDAL

8.1 Engrenagem helicoidal


A engrenagem helicoidal (figura 139) é baseada no fresamento de uma engrenagem de dentes retos em termos do perfil
do dente, mas o dente descreve uma trajetória helicoidal.

Figura 139 – Engrenagem helicoidal.

As equações aplicadas para engrenagem de dente reto são utilizadas, apenas acrescentando alterações porque o dente
acompanha uma trajetória helicoidal. Isto é realizado com a utilização do plano normal e transversal.

8.2 Vantagens e desvantagens


De acordo com as características construtivas tem-se:
Vantagens:
- maior capacidade de carga;
- engrenamento suave e silencioso;
- admite maiores velocidades;
- possibilidade de conectar eixos com qualquer distância entre centros;
- possibilidade de unir eixos não paralelos.

Desvantagens:
- possui fabricação mais difícil;
- não pode ser usada para engrenagens de cambio;
- transmite esforços axiais.

8.3 Teoria da engrenagem de dentes helicoidais


Se um plano rola em um cilindro base, uma linha do plano paralelo ao eixo do cilindro gerará a superfície de um dente de
engrenagem cilíndrica evolvental (figura 140). Se a geratriz for inclinada em relação ao eixo, entretanto geraremos uma
superfície de um dente de engrenagem helicoidal.

Figura 140 – Geração da superfície evolvental.

Se uma folha de papel for cortada com uma aresta inclinada e enrolada sobre um cilindro (figura 141), esta extremidade
inclinada se transforma em uma hélice. Se a seguir a folha é desenrolada, cada ponto desta extremidade gera uma curva
evolvente. A superfície desenvolvida por todos os pontos da extremidade do papel é chamada helicóide de evolvente ou
helicóide regrada

Figura 141 – Geração da hélice.

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Nas engrenagens cilíndricas de dentes retos, o contato entre os dentes inicia-se por uma reta que tem a extensão de toda a
largura dos dentes, paralela ao eixo de rotação e praticamente um par de dentes de cada vez.
Já nas engrenagens helicoidais, o contato inicia num ponto, que se transforma em que se estende diagonalmente sobre
o flanco do dente. Esta linha de contato é inclinada com relação ao eixo de rotação. Isto permite o contato simultâneo de
vários dentes durante a transmissão.
É este engrenamento gradual dos dentes, e a transferência gradual da carga de um dente para outro, que possibilita às
engrenagens helicoidais transmitirem cargas em alta velocidade periférica (figura 142).

Figura 142 – Contato no dente.


8.4 Características geométricas

8.4.1 Relação de transmissão


A relação de transmissão continua a ser definida da mesma forma.
w1 d 2 z 2
i= = =
w2 d 1 z1

8.4.2 Passos
Numa engrenagem helicoidal podem ser definidos três tipos de passo:
Pn = passo normal
Pt = passo transversal
Pa = passo axial
Seccionando o dente da altura do círculo primitivo (figura 143), tem-se:
Pn Pt
Pn = πm n Pt = = πmt Pa =
cos β tgβ
onde mn é o módulo da ferramenta de corte

Figura 143 – Passos e espessura do dente.

A figura 144 mostra a relação entre os passos normal e transversal (passo circunferencial). Também está representada a
engrenagem em perspectiva e vista para a visualização

Figura 144 – Relação entre os passos normal e transversal

8.4.3 Hélice circular


A curva que serve de definição da engrenagem helicoidal é uma hélice cilíndrica. A hélice é uma curva enrolada sobre a
superfície de um cilindro, onde a distância entre dois pontos consecutivos sobre uma mesma geratriz é constante.
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Uma hélice pode ser obtida pelo enrolamento de um triângulo sobre a superfície de um cilindro. Assim a figura 145
apresenta a forma e os dados de uma hélice. O ângulo de hélice β é definido por:
πd
tg β =
ph

Ph

Ph
β

Ød π db
πd

ROTAÇÃO
EIXO DE
Figura 145 – Hélice cilíndrica.

8.4.4 Ângulo de hélice


O ângulo de pressão na seção transversal (perpendicular ao eixo) é αt (ângulo de pressão aparente ou transversal).
A figura 146 apresenta as relações entre os ângulos de hélice da base (βb) e do círculo primitivo (β).
πd πdb
tgβ = tgβb = onde Ph passo da hélice
Ph Ph

tg βb db
= = cos αt tgβb = tgβ . cosαt
tg β d

Ødb

βb β
Ph

Ph

Ød πdb
πd
ROTAÇÃO
EIXO DE

Figura 146 – ângulo de hélice.

A figura 147 apresenta o desenvolvimento de uma hélice e a sua relação com uma engrenagem helicoidal.

β Ph

πD
β

Ph da hélice.
Figura 147 – Passo

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8.4.5 Sentido da hélice


Para que duas engrenagens helicoidais se acoplem é necessário que os sentidos das hélices sejam contrários. Uma
engrenagem deve ter hélice à esquerda e a outra hélice à direita. Isso para condição de eixos paralelos.

8.4.6 Ângulo de pressão


Como na engrenagem helicoidal há dois planos de análise, normal e transversal. O mesmo ocorre com o ângulo de
pressão. Assim (figura 148):
αn = ângulo pressão normal
αt = ângulo de pressão transversal
β = inclinação da hélice primitiva

Pt = Passo primitivo (aparente) ou transversal: é o passo no plano transversal sobre a superfície cilíndrica primitiva

Pn = Passo primitivo (real) ou normal: é o passo no plano normal ao dente sobre a superfície cilíndrica primitiva

Pbt = (Passo de base aparente) ou de base transversal: é o passo no plano transversal sobre a superfície de base

Pbn = Passo (de base real) ou de base normal: é o passo no plano normal ao dente sobre a superfície cilíndrica de base

As relações entre os ângulos de pressão podem ser deduzidas da representação da cremalheira da figura 148.

BC EF
tgαt = tgαn = AC = DF EF = BC cos β
AC DF

tgαn = tgαt cos β

Figura 148 – Cremalheira helicoidal.

8.4.7 Módulo
Há o módulo normal mn e o módulo transversal mt.
mn
Pn = Pt cos β mn = mt cos β mt =
cos β

αn

Figura 149 – Ângulo deαtpressão nos planos.

8.5 Equações das engrenagens helicoidais

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mn z
Diâmetro Primitivo: d = mt z =
cos β
Diâmetro externo : d a = d + 2 mn

Diâmetro de fundo: df = d − (2(1,167mn))


d 1 + d 2 mt
Distância entre centros: a = = ( z1 + z 2 )
2 2
2πr
Passo da hélice: ph =
tgβ

8.6 Número mínimo de dentes para evitar interferência geométrica

Tabela – Número mínimo de dentes para ângulo de pressão de 20°


β 0° 10° 15° 20° 25° 30° 35° 40° 45°
Zmin 18 17 16 15 14 12 10 9 7

8.7 Razão de condução transversal

2 2 2 2
ra1 − rb1 + ra 2 − rb 2 − asenαt
εα =
Pbt

rb = r cos αt r a = r + mn Pbt = Pt cosαt εα ≥ 1,3(lim ite _ prático)

8.8 Razão de condução axial

L arg ura btg β btgβ


εβ = εβ = = εβ ≥ 1(é _ aconselhável)
Passo _ axial Pt πm t

8.9 Número virtual de dentes de engrenagem helicoidal

Da teoria da elipse pode-se fazer (figura 150):

a2 r r2 r
re = b=r a= re = =
b cos β r cos β cos β

Re = raio primitivo da engrenagem de dentes retos equivalente

8.9.1 Número virtual de dentes Zv

d v 2 re 2r 2r 1 2r z
Zv = = Zv = = =z Zv =
mv mn cos β.mt cos β
2
m t cos3 β mt cos3 β

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Figura 150 – Número de dentes virtual.

8.10 Interferência
O número mínimo de dentes de uma engrenagem helicoidal para que ela engrene sem interferência com uma cremalheira
(figura 151) pode ser determinada de maneira semelhante às engrenagens de dentes retos.
PE ha ha mn
senαt = PE = rsenαt senαt = = =
r PE rsenαt rsenαt

mn mt z mt cos β 2 cos β
r= = z min =
sen αt
2
2 sen2 αt sen2αt

rb

αt
αt

E
ha

Figura 151 – Relação engrenagem cremalheira.


Através da equação, pode-se deduzir a seguinte tabela:

Tabela - Número de dentes em função do ângulo de pressão – cremalheira.


β αn
14°30´ 20° 25°
0 32 18 12
5 32 17 12
10 31 17 11
15 29 16 11
20 27 15 10
25 25 14 9
30 22 12 9
35 19 10 7
40 15 9 6
45 12 7 5

A cremalheira é o caso limite. Se uma engrenagem engrenar sem interferência com uma cremalheira ela engrenará sem
interferência com qualquer engrenagem com número de dentes maior que ela.

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Para e interferência entre duas engrenagens, seguindo a mesma dedução que foi realizada para engrenagem de dentes
retos tem-se:

1
( z1senαt) 2 − 2 cos2 β
z2 = 2
2 cos β − z1sen 2αt

A partir desta equação, pode-se construir a tabela para α = αn = 20°:

Tabela – Relação entre número de dentes e ângulo de pressão – engrenagens.


Engrenagem de Engrenagem de dentes helicoidais
dentes retos β = 15° β = 30°
Zmin 13 12 9
Zmáx 16 16 12

8.11 Transmissão de forças em engrenagens helicoidais

Fa= Força axial: causará empuxo axial nos mancais e flexão nos eixos

Fr = Força radial: causará flexão nos eixos e reações nos mancais

Ft = Força tangencial: é a força efetiva na transmissão do torque


(também causará flexão nos eixos e reações nos mancais).
N M
M= Ft = Fr = Fttgαt Fa = Fttgβ
w r

Figura –152 – Forças atuantes na engrenagem helicoidal.

8.12 Distribuição dos esforços do engrenamento helicoidal sobre eixos e mancais


Um exemplo consiste na aplicação de uma engrenagem helicoidal num eixo bi-apoiado, sendo que a engrenagem está
posicionada mais próxima de um dos mancais (figura 153).

Figura 153 – Forças atuantes na engrenagem e nos mancais.

Já na figura 154, a engrenagem helicoidal está montada na extremidade do eixo em balanço.

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Figura 154 – Forças na engrenagem em balanço e nos mancais.

O valor das forças atuantes em cada mancal pode ser assim expresso:

P LI = P 2
IU + ( P IR − P Ia ) 2 PLII = P 2 IIU + ( PIIR ± PIIa ) 2 onde (+) para a figura 1 e (-) para a figura 2.

Sendo os valores das componentes tangenciais, radiais e axiais nos mancais I e II são:

PU .lII Pa .r o P R.lII
P IU = P Ia = P IR =
l l l

PU .lI Pa .ro PR.lI


PIIU = PIIa = PIIR =
l l l

Exercícios

Exercício 1: Dada uma transmissão por engrenagens helicoidais, determinar: a) d1; d2; a; αε; ph; zv; mt; αt; b) Determinar o
torque de entrada; c) Determinar as forças sobre as engrenagens e sobre os eixos.
Dados: z1 = 20; hélice direita; Z2 = 60; hélice esquerda; mn = 3; β = 25°; α = 20°

ACOPLAMENTO

A B

LIMITADOR DE TORQUE
Motor C D M = 40 Nm
N = 5 kW
n = 1750 rpm
giro para a esquerda

Exercício 2: Calcular o módulo normal, o diâmetro primitivo e o ângulo de inclinação da hélice de uma engrenagem
helicoidal, sabendo que o diâmetro externo d e1 = 206,54 mm, tem z1 = 56. Já o d e2 = 125,26 mm e a distância entre centros é de
160,40 mm.

Exercício 3: Calcular a altura total do dente de uma engrenagem helicoidal de módulo normal 2,75 mm e ângulo de pressão
de 20°. Ângulo de hélice de 25°.

Exercício 4: Uma engrenagem cilíndrica helicoidal te 85 dentes, ângulo de pressão normal de 20°, ângulo de inclinação de
hélice de 30°. Esta engrenagem deverá ser acoplada a um pinhão que transmite 5 kW a 1150 rpm. O número de dentes do
pinhão é o mínimo necessário para que não haja interferência. O módulo da fresa é de 5 mm. Determine as dimensões destas
engrenagens e os esforços sobre os dentes e um esquema destas forças.

Exercício5: Uma máquina necessita de uma potência de 7,8 kW a uma velocidade de 210 rpm. Proponha um redutor
constituído por engrenagens helicoidais que serão acopladas entre a máquina e o motor. Considerar que cada par de
engrenagem tem um rendimento de 99%. O motor a ser acoplado possui uma rotação de 1200 rpm. Determinar a potência do
motor a ser acoplado.
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Exercício 6: Dimensionar a transmissão para um cabeçote de furação, com engrenagens helicoidais, obedecendo as
dimensões indicadas no desenho e as informações.
Dados: m = 1,5 mm; β = 20°; α = 20°. Determinar a) a potência de acionamento; b) número de dentes das engrenagens; c)
forças e torques nos eixos e engrenagens; d) dados geométricos principais para definir as engrenagens.

motor 1200 rpm


CORTE AA

A A

B B

300 rpm
4 Nm
giro horário

CORTE BB

9.0 ENGRENAGENS HELICOIDAS ESCONSAS

Estas engrenagens são utilizadas em transmissão de movimento em que as linhas de centro dos eixos não são paralelos
ou concorrentes. São essencialmente engrenagens coroa-parafuso sem recobrimento, porque a peça básica tem forma
cilíndrica.
O contato entre os dentes destas engrenagens se dá de forma puntual, que se transforma em contato por linha com o
desgaste das engrenagens. Por esta razão, as cargas transmitidas são bastante leves.
Como o contato entre os dentes é puntual, a precisão de montagem é baixa, permitindo que a distância entre centros e o
ângulo entre eixos possa ser ligeiramente alterado sem modificar as condições de contato.
Normalmente os ângulos de hélice nestas condições possuem o mesmo sentido. Observar que para o cálculo, deve-se
utilizar o módulo normal (mn).
O processo de fabricação é semelhante para as engrenagens helicoidas montadas normalmente.
Como os diâmetros primitivos não diretamente proporcionais ao número de dentes, estes não podem ser utilizados para
calcular a relação de transmissão. Nestas condições utiliza-se o número de dentes.

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A velocidade de deslizamento entre os dentes é mínima quando o ângulo de hélice é igual para ambas engrenagens. Se
forem diferentes, a engrenagem de maior ângulo de hélice deve ser utilizada como engrenagem motora, para hélices de
mesmo sentido.
Como os dentes tem contato puntual, deve-se procurar um grau de recobrimento maior ou igual a 2. Por esta razão, estas
engrenagens possuem normalmente ângulos de pressão pequenos e dentes bastante altos.

Figura 155 – Engrenagens esconsas.

Para haver o engrenamento é necessário que os módulos normais (mn) das duas engrenagens sejam iguais. Os ângulos
de hélice podem ou não ser iguais e as engrenagens podem ter hélices de mesmo sentido ou não.
Sendo γ o ângulo entre eixos e β1 e β2 os ângulos de hélice das engrenagens, tem-se:

Pnz
Diâmetro primitivo d = d
π cos β

w1 n1 d 2 cos β 2
Relação de transmissão i= = =
w2 n2 d 1 cos β1

γ = β1 + β 2 hélices de mesmo sentido.


γ = β1 − β 2 hélices opostas.

Figura 156 – Disposição das engrenagens.

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