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As bonecas fetiches na cultura pop coreana

Uma análise da construção da figura pública e seus reflexos nos fãs

A cultura pop coreana, popularmente intitulada de K-pop, tornou-se uma das maiores
tendências na atualidade. Suas músicas com arranjos inovadores e melodias
envolventes, seus music videos com grandes produções, figurinos desejáveis no guarda-
roupa e coreografias criativas, e claro os artistas que tornam tudo isso possível com
muito talento e uma beleza que atraem muita atenção e até a curiosidade para conhecer
os segredos por trás. Desde 1992, com o grupo Seo Taiji and Boys, o K-pop vem
evoluindo nas suas produções, mas a figura do idol continua sendo muito forte. Não
apenas como referência de cantor ou dançarino, mas de um perfil a ser seguido. Nesta
resenha, irei abordar sobre a gestão das empresas, e a posição que os fãs colocam os
idols em suas vidas, com apoio do texto bonecas hiper-reais: o fetiche do desejo.

Devido à crescente do estilo musical, as empresas passaram a ver os artistas como suas
bonecas de desejo. É certo que a indústria cobra bastante e precisa de uma produção
frenética, mas as agências que são responsáveis pela gestão não realizam da forma
correta. Algo que ocorre muito nas empresas pioneiras do mercado. A maneira como o
ceo descarrega seus desejos e ambições não em corpos inorgânicos, mas faz dos
orgânicos “manipuladas, alteradas, destruídas, embelezadas”. A diferença é que uma
possui data de validade e a outra não. Digo no feminino, mas acontece com os homens
também. São essas empresas que gerenciam todo o conteúdo e relacionamento com os
fãs. Com os incessantes lançamentos de singles, os idols passam por uma rotina bem
cansativa de apresentações, encontro com os fãs, treinos, dietas e atividades de outros
contratos também. Sim, é correto pensar que faz parte do seu trabalho, mas em cada
retorno ver eles com peso muito baixo, e alguns casos infelizmente ocorre de precisarem
ser afastados devido ao extremo cansaço físico ou emocional. Situações essas que nos
mostram como a necessidade de colocá-los em um corpo cada vez mais perfeito tem
graves consequências para ambos os lados, os que vendem sua imagem e para os que
compram ela.

Pela globalização, o acesso a internet tornou-se acessível para grande maioria da


população, consequentemente está mais difícil controlar os conteúdos circulados e a
faixa etária presente nas redes sociais. E na internet o acesso a desentendimentos
também é grande. No K-pop elas acontecem por diversos motivos, mas a principal
causa vem de que cada indivíduo após ter tido acesso aos diversos conteúdos criados
pelas empresas para gerar uma conexão com o idol de forma quase instantânea, coloca
ele/ela em um pedestal e caracteriza a relação fã-artista como única. As frases “ele é
apenas meu”, “ele é o meu namorado”, “ela é apenas minha”, “ela é a minha namorada”
são muito recorrentes e pode parecer um equívoco pensar que é só dito da boca para
fora. Os artistas realmente são feitos para passar a imagem de serem seus (suas)
namoradas (namoradas), mas muitos levam isso a sério e chegam a gerar grandes
discussões na internet. As palavras, os gestos, as músicas, são pensadas para termos
uma experiência hiper-real, mas o que está ocorrendo é um descarrego emocional por
parte de jovens e adolescentes. "Contrastam com as frustrações realistas do cotidiano”.
Nesses momentos é perceptível o desejo, a posse, a fuga da realidade, a busca pelo
prazer, tudo ações do dominador da boneca.

Pondo todas as suas expectativas, sonhos, desejos e frustrações, esquecendo que relação
de fã-artista não é a mesma coisa que ter uma relação tanto de amizade ou amor real que
é muito importante para uma vida em sociedade. “O fetiche adquire dimensões que
fazem com que a boneca seja vivenciada como algo hiper-real que pode vir ou não a
substituir o contato com as mulheres orgânicas”. Nós humanos temos uma capacidade
desejados nos maiores projetos tecnológicos: a expressão. Como nesse contexto cada
ponta possui um humano, permite o desejo ser cada vez maior e deixar ainda mais
hiper-real e menor a distância entre os dois extremos. “a tecnologia e a fantasia instalam
uma ordem de hiper-realidade em que as linhas encontram-se praticamente borradas".

Indo mais além de intitular como uma relação real, algumas relações podem surtir
efeitos nos corpos dos fãs. Vendo o rosto fino e sem manchas, corpo definido e magro,
tudo em perfeitas proporções, leva algumas (na verdade muitas) pessoas olharem para si
mesmas e não se aceitarem por não ser como aquele que está na tela. Submetem a
realizar suas dietas para chegar ao tão desejado corpo. Muitos acabam frustrados por
não conseguir e começam a duvidar de si mesmos em um efeito dominó. Casos assim
ocorrem com todas as idades e em grande parte nos mais jovens, que ainda não possuem
instruções e mente trabalhada para lidar com um universo com questões tão complexas
como o K-pop. “Desembocam finalmente, na incorporação dessas imagens na própria
construção do corpo”. O caso mais famoso e até me atrevo a dizer doentio é do Oli
London. Influenciador britânico que morou uns anos na Coréia do Sul, disse que por
muito tempo estava confuso sobre sua identidade e após ter se apaixonado pelo grupo
BTS, em especial pelo membro Jimin, começou seu processo de transformação.
Realizou 18 procedimentos cirúrgicos para parecer com seu artista favorito. Ele também
mudou seu nome para o mesmo do cantor e se diz transracial, pois agora ele é um
coreano. “Eu sei que muitas pessoas não me entendem, mas eu me identifico como
coreano. Pareço coreano agora e me sinto coreano. Não me identifico como britânico,
então, por favor, não me chame de britânico porque me identifico como coreano. Essa é
minha cultura. Esse é o meu país de origem. É exatamente como eu sou agora.Eu me
identifico com a cultura. Morei na Coreia; falo a língua; tenho visual de coreano agora.
Pareço completamente coreano.” Palavras do Oli London em um vídeo publicado em
seu canal no Youtube.

Portanto, com o retorno dos fãs sobre como as empresas vão moldando seus artistas
mostra um círculo vicioso nesse fetiche. Que contempla um mesmo padrão de
tratamento na gestão, consumo constante dos conteúdos produzidos, popularizam
trazendo um retorno financeiro que vai alimentar o ego da empresa em se manter dessa
forma que funciona e não possui furos durante o processo. Felizmente uma onda de
conscientização está ocupando espaço nesse universo, tanto por parte dos fãs quanto das
empresas. Eles são pessoas e precisam ser tratados como tais. Ouvindo e apoiando-lhes
para criarem bons projetos juntos gerando uma boa relação na empresa e uma atitude
por parte dos artistas é aproveitarem essa relação forte com os fãs para auxiliá-los,
trazer conforto e bons momentos levando os fãs verem que todos possuem os mesmo
erros e acertos, mas sempre capazes de realizar seus objetivos.

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