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FELICIDADE NAS REDES SOCIAIS


Redes sociais estão cheias de imagens de plenitude total, onde só
há espaço para a diversão. Mas somos nós mesmos naquelas fotos?

Fabiana Moraes

Nos últimos anos, nos tornamos especialistas em narrar publicamente nossa existência através de
imagens: os pés na areia da praia, a farra com a família, a festa de sábado à noite, o almoço com as amigas, a
cerveja gelada à beira da piscina. Compartilhadas rede, elas confirmam: somos felizes. Os sorrisos vistos
naquelas fotos comprovam a vitória sobre a tristeza, são imagens que informam nossa incrível aproximação
com um mundo onde não há espaço para os aborrecimentos da vida. O nosso cotidiano, vejam (literalmente)
vocês, é quase totalmente povoado por pequenas delícias, amor, afeto, diversão. É algo que finalmente está
acontecendo conosco, e não com aquela gente feliz que costumávamos ver do outro lado da tela da TV ou do
computador.
É preciso dizer que as fotos que publicamos não atuam sozinhas no álbum público da plenitude: elas
recebem o endosso dos outros, que sublinham e aplaudem nossa felicidade ao clicar um “curti”, ao comentar
festivamente um “lindoooooo”, “maravilhosa!” ou “arrasou!” Educados, fazemos o mesmo. Nossa vida vai
assim se ressignificando: se antes eram apenas as visitas, sentadas no sofá da sala, que olhavam e comentavam
as fotos de aniversários e casamentos, agora somos consumidos por muitos, por gente que não
necessariamente faz parte do nosso cotidiano, mas fica sabendo, de longe, do nosso sucesso. Mostramos a eles
que estamos sempre ótimos, adaptados a um momento no qual “estar bem” não é apenas um caminho a tentar
se seguir, e sim um imperativo social – e o que esse imperativo produz ao mesclar-se a um aplicativo diz
muito sobre nós. Aqui, a vida festiva que compartilhamos com conhecidos (ou nem tanto) é analisada por
filósofos, jornalistas, sociólogos, blogueiras. Longe de ver com moralismo a maneira como nos expomos em
rede, eles refletem sobre aquilo o que estamos querendo dizer com nossas fotos – e o que realmente se
sobressai através das imagens de uma existência que parece perfeita. 
Estudando aquela que é atualmente uma das redes sociais mais utilizadas na disseminação da
felicidade calcada na imagem, o Instagram, Polyana Inácio, da Pós-Graduação em Comunicação Social da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/Minas), diz que o exagero nas auto-representações de
felicidade está relacionado a maneira como escolhemos ser vistos em sociedade – algo anterior a qualquer
rede social. “Desde sempre, ao nos apresentarmos publicamente, tendemos a criar uma estratégia sobre como
queremos ser vistos. No caso do Instagram acontece a mesma coisa. Nele temos como ‘amigos’ pessoas
íntimas e outras nem tanto. De modo geral, em função desta visibilidade, queremos ser bem vistos, queridos e
aceitos. É nesta hora que as pessoas podem se distrair quanto ao que estão fazendo, ao invés de pensar: ‘o que
realmente quero comunicar sobre mim?’”.
Neste sentido, o Instagram e outras redes não são em si os produtores de uma felicidade artificial, mas
servem, antes de mais nada, como grandes condutores, são vitrines pensadas para exibir o (super) humano. “A
raiz talvez se encontre na obrigação de aparentar energia e sucesso. Isto é uma exigência social presente em
vários segmentos, inclusive na Internet. Atualmente parece estranho envelhecer, se entristecer ou esperar”, diz
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Polyana Inácio. A busca pela validação do outro, natural e saudável, termina ganhando formas diferentes
quando essa validação ecoa na rede. “Será que às vezes não cometemos exageros por agir como se somente ali
fosse possível ter audiência, ver e ser visto?”, pergunta a pesquisadora.
A plenitude contemporânea é um dos objetos de estudo do sociólogo e professor da Universidade de
Brasília (UnB) Pedro Demo, que, em Dialética da felicidade: olhar sociológico pós-moderno (Editora Vozes),
divide esse estado de espírito entre o vertical e o horizontal. Neste, a felicidade tende a ser superficial, “Como
quando nos contentamos apenas com momentos felizes. É, de certa forma, a alegria do bobo alegre”; o outro,
vertical, é a alegria do “bom combate”, que, em geral, implica renúncia. “Difícil é ser feliz de modo duradouro
sem renúncia, segundo consta em muitas propostas espirituais.”
O caso é que as imagens, o “compartilhe o momento”, são manifestações materializadas dessa alegria
vapt-vupt, que precisa ser constantemente renovada (fotografada) para que nos sintamos realmente fazendo
parte da Grande Aldeia da Diversão. “A felicidade como condição mais permanente e profunda é outra coisa.
Aparentar felicidade é, muitas vezes, a única felicidade que resta, quando não se tem um projeto – sempre
reconstruído – de felicidade mais duradoura.”
Essa necessidade de ao menos aparentar um estilo de vida – e um estado de espírito – que são
superestimados no ambiente social também tem seus laços na chuva de representações que consumimos
diariamente via outdoors, celular, TV e, claro, internet. Agora, no entanto, não precisamos de “atravessadores”
para surgirmos na maioria destes suportes: somos produtores e disseminadores de nossas próprias imagens,
nossa vida vai direto para o You Tube e Facebook, o que nos dá mais controle e poder sobre quem somos – ou
queremos ser. Aí é que mora o nó: se podemos nos representar, se não precisamos de intermediários para
mostrar quem nós somos, porque insistimos em fazê-lo tendo como base uma lógica baseada na irrealidade
(pele sempre perfeita, corpo emagrecido, dentes mais do que brancos)? “A mídia gira em torno de simulacros
que mobilizam as pessoas, em especial seu inconsciente – não enchem a alma, mas podem encher os olhos.
Imagens de felicidade refletem naturalmente seu contexto cultural e civilizatório. No ocidente, a felicidade
está mais vinculada a riqueza, poder, efeito-demonstração, ostentação, bens materiais. Em outros recantos,
pode haver uma acentuação mais clara de outros valores mais duradouros e profundos, como renúncia, saber
disciplinar os desejos, conviver produtivamente com limites, tirar proveito das imperfeições. Por isso tanto
gente nas redes sociais se contenta em ser ‘seguidor’ – não tendo luz própria, serve a dos outros.”

O SCRIPT DA VIDA

Mesclando a filosofia de Baruch Spinoza a análises sobre a comunicação e o consumo atuais, o


professor Luís Peres, da ESPM de São Paulo, observa a existência de uma exuberante indústria cultural da
felicidade, produtora de imagens que nos mostram como poderíamos ser felizes se estivéssemos consumindo
isto ou aquilo. “São imagens que associam nossa existência a algo que nós não temos. É a contínua produção
do desejo: nela, ser feliz é conseguir aquilo o que desejamos, mas, quando conseguimos, já desejamos outra
coisa. O prazer é o suicídio do desejo.” Essa vontade de felicidade que superpovoa o ambiente virtual é algo
intríseco ao humano: ela dá sentido à vida, à vida virtuosa, à vida que vale a pena ser vivida. “Essa busca é um
processo que existe desde que o homem é homem. Sentimos a necessidade que o outro legitime essa
felicidade e, na internet, essa legitimação pode estar no botão ‘curti’. A existência não tem sentido nela
mesma, não nascemos felizes. Temos que buscar essa felicidade – e ela não está nas coisas”, diz.
Para a professora Ângela Prysthon, da Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Pernambuco (PPGCOM/UFPE), as redes sociais, desde o Orkut, servem como uma espécie de álbum de
figurinhas, um mosaico de referências. “Nesse sentido, as ‘imagens de felicidade’ têm uma relação direta com
as referências, com os gostos que formam as pessoas. Fica evidente, de certo modo, a ligação entre alegria e
consumo, já que muitas das referências são elementos da indústria cultura, da cultura de consumo. Então,
‘imagens de felicidade’ podem ser fotos de viagens, de refeições, de shows, de baladas, etc.“ É a própria
descrição daquilo o que vemos no Instagram, por exemplo.
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Para a pesquisadora, as redes sociais também sistematizam e formatam os modos de narrar nossas
vidas. “Adequamo-nos (conscientemente ou não) à timeline do Facebook, aos 140 caracteres do Twitter, aos
filtros do Instagram, aos boards e categorias do Pinterest, aos templates do Tumblr, quase que naturalizando
esses formatos pré-fabricados. Assim, tem-se também, de alguma maneira, uma certa pré-determinação do que
seria ‘felicidade’. As imagens de felicidade seriam pré-programadas nesses scripts: sorrisos na balada,
autorretratos itinerantes, evocando passados imaginários e nostalgias daquilo que nunca existiu via filtros
fotográficos, epigramas humorísticos, coleções de imagens alheias.” Prysthon observa que a discussão remete
às análises de três autores dedicados a pensar a contemporaneidade: Richard Sennett (O declínio do homem
público); Gilles Lipovestky (A era do vazio) e Christopher Lasch (A cultura do narcisismo), todos centrais nos
estudos de comunicação nos anos 80. “Vemos assim como é possível pensar a sociedade contemporânea a
partir de ideias de mais de trinta anos – ainda que reformulando muitas de suas hipóteses.”

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