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2 A carência da educação formal distorce os valores dos capitães de

areia.
Como podemos perceber ao longo do livro Capitães da areia (AMADO,
1937), os membros do grupo cometem diversos crimes ao desenrolar de toda a narrativa,
isso graças ao grande déficit educacional devido ao abandono estatal e familiar. A falta
da educação formal e parental impacta diretamente na vida dos garotos, pois são de
extrema importância para o desenvolvimento social e intelectual.
A educação formal possui um método de ensino pré estabelecido, segue leis,
regras e valores, é realizada em uma instituição, afastando as crianças da violência das
ruas, além de dividir os estudantes por nível de conhecimento e idade, gerando assim, um
ambiente próprio para a aprendizagem. Além de desenvolver um senso crítico que
permanece com o indivíduo por toda vida e o auxilia nas tomadas de decisões, tanto
coletivas quanto individuais.
Segundo Gohn (2006, p. 29), a educação “informal opera em ambientes
espontâneos, onde as relações sociais se desenvolvem segundo gostos, preferências, ou
pertencimentos herdados”, e na não-formal, os dados não são priorizados, e sim a
aprendizagem através da convivência. Levando isso em consideração, podemos
categorizar a educação familiar como informal, já que surge a partir das relações
cotidianas e tem foco no desenvolvimento do caráter e da ética.
Ao decorrer da narrativa, existem diversas situações que colocam a vida dos
garotos em risco que poderiam ser facilmente evitadas caso possuíssem um
acompanhamento estatal e/ou familiar, como a ingestão de bebidas alcoólicas, o uso de
cigarros, a realização de furtos e a realização de atos sexuais de forma precoce, abrindo a
possibilidade da contração de infeções sexualmente transitiveis, doenças hepáticas e
pulmonares, além de outros fatores.

O Sem-Pernas achava esquisito estar vestido de marinheiro com


sapatos de mulher. Andou para o jardim, pois queria fumar,
nunca tinha deixado de tragar o seu cigarro após o almoço. Por
vezes não havia almoço, mas havia sempre uma ponta de cigarro
ou de charuto. Ali era preciso cuidado, não podia fumar
abertamente. Se o houvessem deixado na cozinha de mistura com
a criadagem, como o deixavam nas outras casas onde penetrara
para depois roubar, poderia fumar, conversar na língua de poucos
termos dos Capitães da Areia.
Como podemos perceber na citação acima, o personagem Sem-Pernas, um dos
líderes dos capitães da areia, possui uma dependência química para com a nicotina. Um
vício que segundo a Pesquisa Especial de Tabagismo (PETab) feita em 2008 e divulgada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afeta mais de 24,6 milhões de
pessoas por todo o Brasil, sendo que 46% delas começam a consumir tabaco antes dos 16
anos.

3 A carência da educação formal distorce os valores dos capitães de areia.


Dois grandes problemas abordados na obra são a criminalidade infantil e o
abandono, que estão diretamente ligados. Pela ausência de responsáveis, os capitães da
areia se tornam donos de suas próprias vidas, sobrevivendo apenas dos espólios obtidos
provenientes de seus atos infracionais, além de estarem (AMADO, 1937) “Vestidos de
farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões” e dormindo em um
trapiche abandonado que “Durante anos foi povoado exclusivamente pelos ratos”.

Se faziam tudo aquilo é que não tinham casa, nem pai, nem mãe, a vida deles era
uma vida sem ter comida certa e dormindo num casarão quase sem teto. Se não fizessem
tudo aquilo morreriam de fome, porque eram raras as casas que davam de comer a um,
de vestir a outro (AMADO, 1937).
Em paralelo com a realidade, podemos citar um estudo feito pelo Tribunal de
Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) junto ao professor Daniel Cerqueira,
do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) do Rio de Janeiro, expondo que
“Para cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos nas escolas, há uma diminuição de 2%
na taxa de homicídio do município”.

Várias abordagens teóricas acerca da etiologia criminal


consideram que a probabilidade de se cometer atos de
delinquência e de crimes violentos não é uma constante na vida
do indivíduo. Por exemplo, a teoria internacional [Thorneberry,
1996], acentua que o crime segue um ciclo que se inicia na pré-
adolescência, aos 12 ou 13 anos, atinge um ápice aos 20 anos e
se esgota antes dos 30 anos. Esses padrões empíricos foram
descritos em vários trabalhos, como em Graham e Bowling
(1995) e Flood-Page et al. (2000), Legge (2008) e Hunnicutt
(2004) (CERQUEIRA, 2016).
Como disse o educador Daniel Cerqueira, a pré-adolescência é um momento
decisivo em nossas vidas quando falamos de criminalidade. Portanto, a acessibilidade a
ambientes inadequados nessa fase acaba por incentivar uma juventude de delitos, gerando
vários prejuízos à toda sociedade. No quinto capítulo da obra de Jorge Amado podemos
presenciar uma cena de estupro onde o líder dos capitães de areia, Pedro Bala, violenta
uma jovem que estava a caminho de sua casa, encarando essa situação como algo trivial.

E a agarrou pelo braço e novamente a derrubou na areia. O medo voltou a possuí-


la, um terror doido. Vinha da casa da avó e ia para sua onde mãe e irmãs a esperavam.
Para que tinha vindo de noite, para que se arriscara na areia do cais? Não sabia que a Meia
das Docas é a cama de amor de todos os malandros, de todos os ladrões, de todos
marítimos, de todos os Capitães da Areia, de todos os que não podem pagar mulher e têm
sede de um corpo na cidade santa da Bahia? Ela não sabia disto, mal fizera quinze anos,
havia muito pouco tempo que era mulher. Pedro Bala também só tinha quinze anos, mas
há muito tempo conhecia não só o areal e os seus segredos, como os segredos do amor
das mulheres (AMADO, 1937).

4 As metodologias violentas usadas contra as crianças no reformatório são jeitos


inefetivos para educar.
Em nossa sociedade, a violência contra crianças e adolescentes é um problema
estrutural, onde muitos acreditam que é necessária a educação, mas seus efeitos são muito
negativos e podem persistir por toda uma vida, pois a infância é decisiva para o nosso
desenvolvimento socioemocional, logo, as situações prolongadas de estresse excessivo
geram respostas biológicas que prejudicam todo o desenvolvimento físico e mental da
criança

Os problemas de saúde mental e social relacionados com a


violência em crianças e adolescentes podem gerar consequências
como ansiedade, transtornos depressivos, alucinações, baixo
desempenho na escola e nas tarefas de casa, alterações de
memória, comportamento agressivo, violento e até tentativas de
suicídio. (MAGALHÃES, 2009)

Esses comportamentos originados das agressões podem ser percebidos no Sem-


Pernas, que possui uma história de fundo repleta de violência. Ele claramente é o membro
dos capitães da areia mais instável e cruel, agredindo até mesmo seus próprios
companheiros, além de acabar comento suicídio no final da obra, na intenção evitar ser
torturado novamente.

Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, uma


mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se
esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o
fizeram correr com sua perna coxa em volta de uma saleta. Em
cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas
que ficaram nas suas costas desapareceram. Mas de dentro dele
nunca desapareceu a dor daquela hora. Corria na saleta como um
animal perseguido por outros mais fortes. A perna coxa se
recusava a ajudá-lo. E a borracha zunia nas suas costas quando o
cansaço o fazia parar (AMADO, 1937).

O reformatório na obra é apresentado como um ambiente tenebroso, responsável


por torturar crianças e adolescentes na intenção de educá-las. Porém, devido aos métodos
ineficazes, acabam gerando o efeito contrário, deixando os jovens mais agressivos e
revoltados com toda a sociedade. Todos esses malefícios se tornam visíveis no relato da
personagem Dona ’ninha.

É pra falar no tal do reformatório que eu escrevo estas mal


traçadas linhas. Eu queria que seu jornal mandasse uma pessoa
ver o tal do reformatório para ver como são tratados os filhos dos
pobres que têm a desgraça de cair nas mãos daqueles guardas sem
alma. Meu filho Alonso teve lá seis meses e se eu não arranjasse
tirar ele daquele inferno em vida, não sei se o desgraçado viveria
mais seis meses. O menos que acontece pros filhos da gente é
apanhar duas e três vezes por dia. O diretor de lá vive caindo de
bêbedo e gosta de ver o chicote cantar nas costas dos filhos dos
pobres. Eu vi isso muitas vezes porque eles não ligam pra gente
e diziam que era para dar exemplo. Foi por isso que tirei meu
filho de lá. Se o jornal do senhor mandar uma pessoa lá, secreta,
há de ver que comida eles comem, o trabalho de escravo que têm,
que nem um homem forte agüenta, e as surras que tomam
(AMADO, 1937).

Porém, isso não se limita apenas na ficção, na sociedade em que vivemos, muitas
instituições que seriam responsáveis por acolher e educar jovens infratores e/ou
abandonados, acabam por violentá-los, como foi o caso da fundação CASA (Centro de
Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), em Franca, no interior de São Paulo. O
caso veio à público em fevereiro de 2021, onde jovens de 12 à 18 anos eram abusados
pelos agentes socioeducativos e por outros adolescentes. As agressões eram das mais
diferentes naturezas, desde socos e pontapés a violências psicológicas e sexuais. “Estão
chegando muitos adolescentes mais novos e os mais velhos abusam. Quando tem
problema fora da Fundação, eles pagam lá dentro”, relata um funcionário do
estabelecimento que prefere não se identificar.
Esse método de ensino adotado pelas instituições socioeducativas já se
comprovou ineficazes, porque como dito anteriormente, as agressões deixam traumas por
toda vida, além de que um levantamento feito pelo Poder Jurídico de Mato Grosso no
Complexo Socioeducativo do Pomeri, em Cuiabá, revela que 71% dos adolescentes
envolvidos com atos infracionais retornam a vida de delitos mesmo após os reformatórios.
Além de que seis a cada 10 jovens apreendidos são reincidentes.

REFERÊNCIAS
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 92ª edição. Rio de Janeiro: Editora
Record,1988.
GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal, participação da sociedade civil e
estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 14, n.
50, p. 27-38, jan./mar. 2006.
CERQUEIRA, D.; RARIANE, M.; GUEDES, E.; COSTA, J. S.; BATISTA, F.;
NICOLATO, F. (2016). Indicadores Multidimensionais de Educação e Homicídios nos
Territórios Focalizados pelo Pacto Nacional pela Redução de Homicídios. Brasília: Ipea
2014.Pesquisa Especial de Tabagismo (PETab). Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). 2008.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022: artigo
em publicação periódica científica impressa: apresentação. Rio de Janeiro, 2003.
______. NBR 6024: numeração progressiva das seções de um documento. Rio de
Janeiro, 2003.
TAFNER, Elisabeth Penzlien; SILVA, Everaldo da. Metodologia do Trabalho
Acadêmico. Indaial: Ed. Grupo UNIASSELVI, 2008.

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