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O TEOREMA DE CAYLEY-HAMILTON

Oswaldo Rio Branco de Oliveira (IMEUSP) e Carlos Alexandre Gomes (UFRN)


http://www.ime.usp.br/~ oliveira oliveira@ime.usp.br
Ano 2015/2017/2019/2021

OBJETIVO

Nesta notas apresentamos quatro demonstrações do importante Teorema de


Cayley-Hamilton. A primeira demonstração é a mais trivial e curta que conhece-
mos mas não é a mais elementar pois faz uso do teorema fundamental da álgebra.
A segunda demonstração é a mais elementar, não utiliza o teorema fundamental
da álgebra e faz uso da decomposição de um operador linear. A terceira demons-
tração é frequente em livros textos e utiliza a noção de matriz adjunta. A quarta
demonstração utiliza uma versão da Fórmula Integral de Cauchy no espaço das
matrizes quadradas e complexas.

Introdução.........................................................................................................2

Prova 1 - Trivial, por indução e usa o teorema fundamental da álgebra....................3

Prova 2 - Elementar, por indução e não usa o teorema fundamental da álgebra.........4

Prova 3 - Usa matriz adjunta e não usa o teorema fundamental da álgebra...............6

Prova 4 - Usa matriz adjunta e a fórmula integral de Cauchy..................................8


INTRODUÇÃO

Indiquemos por V um espaço vetorial de dimensão n sobre o corpo K, fixado


K R ou K C. Consideremos uma aplicação linear

T V V.

Fixemos uma base B do espaço V . Seja


T B

a matriz de representação de T em relação à base B.


Seja C uma outra base de V . Escrevendo os elementos de C como combinação
linear dos elementos de B , encontramos a matriz de mudança de base

P I CB ,

da base C para a base B. Donde segue P 1 I BC . Então, temos

T C P 1 T B P.

Seja λ a variável em K. Propriedades de matrizes e determinantes garantem

detˆλI  T C  det ‰P 1 ˆλI  T B P Ž detˆλI  T B .

Logo, podemos associar à aplicação T um polinômio que independe da repre-


sentação de T . Formalizemos

Seja A uma matriz n  n, com coeficientes em K [notação, A > Mn ˆK].

O polinômio caracterı́stico de A é

pA ˆλ detˆλI  A, onde λ > K.

Assim, duas matrizes semelhantes tem iguais polinômios caracterı́sticos.


Definimos o polinômio caracterı́stico de uma aplicação linear T  V V , como o
polinômio caracterı́stico de qualquer uma de suas representações matriciais.

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Oswaldo Rio Branco de Oliveira

1. PRIMEIRA PROVA
(trivial e usa o teorema fudamental da ágebra)

Teorema (Cayley-Hamilton). Sejam A > Mn ˆR e pA ˆλ seu polinômio ca-


racterı́stico. Então,
pA ˆA 0.

Primeira prova (elementar). Usa o Teorema Fundamental da Álgebra (TFA).

O caso n 1 é óbvio. Suponhamos o resultado válido para n  1. Seja


T  Cn Cn o operador linear associado a A. O TFA (teorema fundamental
da álgebra) garante um autovalor λ e um autovetor associado v x 0. Seja
˜v, . . . ,  uma base de Cn . Mudando de base, se preciso, podemos supor

’ λ ‡ “
A , onde B > Mn1 ˆC.
” 0 B •

Então temos, com I a identidade de ordem n  1 e z a variável complexa,

’ zλ ‡ “
p T ˆz  det
” 0 zI  B •

ˆz  λ detˆzI  B 

ˆz  λpB ˆz .

Donde segue (cheque, particularmente a terceira e a última igualdades)

pT ˆT  ˆA  λI pB ˆA

’ 0 ‡ “ ’ λ ‡ “
pB
” 0 B  λI • ” 0 B •

’ 0 ‡ “’ pB ˆλ ‡ “
” 0 B  λI •” 0 pB ˆB  •

’ 0 ‡ “’ pB ˆλ ‡ “
” 0 B  λI •” 0 0 •

’ 0 0 “
¥
” 0 0 •

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2. SEGUNDA PROVA
(elementar e não usa o teorema fundamental da álgebra)

Teorema (Cayley-Hamilton). Sejam V um K-espaço vetorial de dimensão


finita n e T  V V linear e pˆλ o polinômio caracterı́stico de T . Então,

pˆT  0.

Prova. Extraı́da da referência [1], apostila de H. P. Bueno.

Consideremos um vetor não nulo e arbitrário v > V . Mostremos pˆT v 0.


Seja m o maior natural tal que o conjunto

A ˜v, T v, . . . , T
m1

é linearmente independente. Existem coeficientes α0 , . . . , αm1 tais que

ˆ1.1 T mv α0 v    αm1 T m1 v.

Seja W o subespaço gerado pelo conjunto linearmente independente A.


l Afirmação. T ˆW  ` W . De fato, dado w > W segue que existem
escalares β0 , . . . , βm1 tais que w β0 v  β1 T v    βm1 T m1 v. Logo,

Tw β0 T v  β1 T 2 v    βm1 T m v.

A identidade (1.1) garante que T w > W . Logo, T ˆW  ` W .

Consideremos a restrição T SW  W W . A representação de T SW na base


ordenada A ˜v, T v, . . . , T m1 v  é

’ 0 0  0 α0 “
– —
– 1 0  0 α1 —
– —
– —
A – 0 1  0 α2 — .
– —
– —
–      —
– —
” 0 0  1 αm1 •

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Oswaldo Rio Branco de Oliveira

Logo,
RR RR
RR λ 0  0  α0 RR
RR RR
RR RR
RR  1 λ  0 α1 RR
RR RR
RR RR
detˆλI  A RR 0  1  0 α2 RR
RR RR
RR RR
RR RR
RR     
RR
RR RR
RR 0 0 1 λ  αm1 RRRR
RR  

RR RR
RR λ 0   α1 RR
RR RR
RR RR
RR  1 λ  α 2 RR
λ RRRR RR
RR 
RR RR
RR    
RR
RR RR
RR 0 1 λ  αm1 RRRR
RR  

RR RR
RR  1 λ  0 RR
RR RR
RR RR
R 0 1 0 RR
m1 RRR
 
α0 ˆ1
RR .
RR RR
RR RR
RR    
RR
RR RR
RR 0 0 1 RR
RR   RR
O último determinante acima é ˆ1m1 . Logo, o coeficiente independente
do polinômio caracterı́stico detˆλI  A é α0 . É claro que o coeficiente
dominante de detˆλI  A é 1. Então, por iteração segue

detˆλI  A α0  α1 λ  α2 λ2    αm1 λm1  λm pW ˆλ,

onde pW ˆλ é o polinômio caracterı́stico da restrição T SW . Desta forma,


pela equação (1.1) segue

ˆ1.2 pW ˆT v T m v  α0 v  α1 T v  α2 T 2 v    αm1 T m1 v 0.

l Afirmação. Temos pˆλ q ˆλpW ˆλ para algum polinômio q ˆλ. De


fato, completando A a uma base de V obtemos a representação
’ A B “
T A de ordem m e C de ordem nm.
” 0 C •

Então, por propriedades de determinantes encontramos

detˆλI  T  detˆλI  A detˆλI  C  pW ˆλq ˆλ q ˆλpW ˆλ.

Devido a (1.2) concluı́mos então

pˆT v q ˆT pW ˆT v 0¥

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3. TERCEIRA PROVA
(usa matriz adjunta e não usa o teorema fundamental da álgebra)

Dada uma matriz A ˆaij  em Mn ˆK, seja Aij o determinante da matriz


quadrada de ordem n  1 que surge ao eliminarmos a i-ésima linha e a j-ésima
coluna da matriz A. A matriz dos cofatores de A é de tamanho n  n e
definida por C ˆcij  com cij ˆ1ij Aij . A matriz adjunta de A é a matriz
transposta de C. Notação,
adjˆA C t.

Nestas notas, utilizaremos o seguinte resultado (sem prová-lo).

Lema. Seja A > Mn ˆK. Então temos

A.adjˆA ˆdet AI,

com I In a matriz identidade de ordem n. Em particular, se det A x 0, segue


1
A1 adjˆA.
det A

Teorema (Cayley-Hamilton). Seja V um K-espaço vetorial de dimensão finita


n e T V V linear e pˆλ o polinômio caracterı́stico de T . Então,

pˆT  0.

Prova.

Seja B uma base de V eA T B a matriz de T nesta base. Consideremos


Aλ λI  A, com I a matriz identidade de ordem n. Assim, pˆλ det Aλ .
Seja
B adjˆAλ  ˆbij .

Logo, cada bij é um polinômio de grau no máximo n  1 na variável λ.


Escrevamos, para cada par i, j, tal polinômio como
ˆn1
λn1 .
ˆ0 ˆ1
bij bij  bij λ    bij

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Oswaldo Rio Branco de Oliveira

A matriz dos coeficientes do termo de ordem k (fixa) destes polinômios é


ˆk  ˆk  ˆk 
’ b11 b12  b1n “
ˆk  – —
B –    —, onde k 0, 1, . . . , n  1.
– —
ˆk  ˆk  ˆk 
” bn1 bn2  bnn •
Então, segue
B B ˆ0  B ˆ1 λ    B ˆn1 λn1 .
Como pˆλ detˆλI  A é mônico e de grau n, podemos escrever

pˆλ a0  a1 λ    λn .

Escrevemos também

BAλ adjˆAλ Aλ ˆdet Aλ I detˆλI  A.I

Substituindo as expressões para B, Aλ e detˆλI  A pˆλ encontramos

‰B ˆ0  B ˆ1 λ    B ˆn1 λn1 Ž ˆλI  A ˆa0  a1 λ    λn I.

Donde segue

B0 A  ˆB ˆ0  B ˆ1 Aλ    B ˆn1 λn a0 I  a1 Iλ    Iλn .

Igualando-se os coeficientes dos termos de mesmo grau obtemos


¢̈
¨
¨
a0 I  B ˆ0 A
¨
¨
¨
¨ a1 I B ˆ0  B ˆ1 A
¨
¨
¨
¨
 
¨
¨
¨
¨
¨
¨
¨
an1 I B ˆn2  B ˆn1 A
¨
¨
¨
¤̈ I B ˆn1 .
Multiplicando-se essas equações por I, A, A2 , . . . , An , segue que
¢̈
¨
¨
a0 I  B ˆ0 A
¨
¨
¨
¨ a1 A B ˆ0 A  B ˆ1 A2
¨
¨
¨
¨
 
¨
¨
¨
¨
¨
¨
¨
an1 An1 B ˆn2 An1  B ˆn1 An
¨
¨
¨
¤̈ An B ˆn1 An .
Adicionando-se membro a membro as igualdades acima encontramos

a0 I  a1 A    an1 An1  An 0  pA ˆA 0¥

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4. QUARTA PROVA
(usa fórmula integral de Cauchy e matriz adjunta)

Dada uma matriz A ˆaij  em Mn ˆK, seja Aij o determinante da matriz


quadrada de ordem n  1 que surge ao eliminarmos a i-ésima linha e a j-ésima
coluna da matriz A. A matriz dos cofatores de A é de tamanho n  n e
definida por C ˆcij  com cij ˆ1ij Aij . A matriz adjunta de A é a matriz
transposta de C. Notação,
adjˆA C t.
Nestas notas, utilizaremos o seguinte resultado (sem prová-lo).

Lema. Seja A > Mn ˆK. Então temos

A.adjˆA ˆdet AI,

com I In a matriz identidade de ordem n. Em particular, se det A x 0, segue


1
A1 adjˆA.
det A
Façamos algumas observações e introduzamos algumas notações e definições.
Notações. Fixemos A > Mn ˆK e seu polinômio caracterı́stico

pˆλ detˆλI  A, onde λ > C.

Observação 1. Cada entrada da matriz adjunta de A é dada por um polinômio,


em n2 variáveis e de grau n  1, nas n2 entradas da matriz A.

Definição. Consideremos uma função matricial F F ˆz , onde z é a variável


complexa, que assume valores no espaço de matrizes Mn ˆK. Isto é,
’ F11 ˆz   F1n ˆz  “
– —
F ˆz  –   —.
– —
” Fn1 ˆz   Fnn ˆz  •
A integral de F ao longo de uma curva γ no plano complexo, é feita coordenada
a coordenada e resulta em uma matriz de integrais. Isto é,
’ R F11ˆzdz 
Rγ F1n ˆzdz “
– γ —
S F ˆz dz
–
–
–
 
—
—.
—
– —
γ
” Rγ Fn1ˆzdz  Rγ Fnnˆz •

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Oswaldo Rio Branco de Oliveira

Observação 2. Seja M uma matriz em Mn ˆK. Dada g g ˆz  a valores complexos


e definida numa curva γ no plano complexo, é trivial ver que temos
’ “
–
”γ
S g ˆz dz — M
•
S g ˆz M dz.
γ

Observação 3. Dados dois números complexos, z e λ, com Sz S r e SλS  r, por


progressão geométrica temos
1 ª z n ª λn

zλ
1 1
z ‰1  λ
Ž
Q‹ 
zn 0 λ
Q z n1
.
z n 0

Ainda mais, fixado o ponto z, tal série converge absolutamente em todo ponto λ
da bola aberta B ˆ0, r  > C  Sw S  r e converge uniformemente, na variável
˜w

λ, em todo disco fechado D ˆ0, ρ ˜w > C  Sw S B ρ contido na bola B ˆ0, r .

Observação 4. Seja ˜e1 , . . . , en  a base canônica de Kn . Identifiquemos A > Mn ˆK


com o operador linear A  Kn Kn definido por Aˆv  Av, com v > Mn1 ˆK um
vetor coluna. Identifiquemos Mn1 ˆK  Kn e Aˆv   Av. Introduzamos a norma

YAY sup˜SAv S  v > Kn e Sv S 1.

Fixemos R, com R A YAY. Consideremos um número λ com SλS R. Então,


argumentando analogamente ao que foi acima para o número 1~ˆz  λ é fácil ver
que no espaço de matrizes Mn ˆK vale a seguinte fórmula para série de matrizes,
ª An
ˆλI  A1 Q λn1
.
n 0

Notemos que a convergência é absoluta. Ainda mais, a convergência é uniforme


na variável complexa λ, sobre a circunferência Γ ˜w > C  Sw S R.
Consideremos em Kn a norma euclidiana (i.e., a norma usual). Escrevendo
A ˆajk 1Bj,kBn e ek para o k-ésimo vetor canônico em Kn , valem as desigualdades
¾
Sajk S B SAˆek S B YAY B Q SalmS2.
l,m

[Se v v1 e1    vn en , pela desigualdade de Cauchy-Schwartz em Rn temos SAv S B


» » »
Sv1 SSAe1 SSvn SSAen S
»
B v12    vn2 SAe1 S2    SAen S2 Sv S2 Pl a2l1    Pl a2ln
Sv S2 P 2
l,m alm . Isto prova a terceira desigualdade acima. As demais são triviais.]
Logo, uma sequência (e uma série) de matrizes converge uniformemente em
Mn ˆK se e só se ocorre a convergência uniforme coordenada a coordenada.

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CONCLUSÃO. (Extraı́da do artigo de McCarthy [3]).
Seja k 0, 1, 2, . . .. Temos então
ª Ank
ˆzI  A1 Ak Q z n1
n 0

e
ª nk
S ŒnQ0 zn1 ‘ dz
A
S ˆzI  A1 Ak dz
Γ Γ
ª Ank
QS z n1
dz
n 0
Γ
ª ’ “
Q ”S z
1
n1
dz Ank
•
n 0
Γ
k
2πiA .

Donde segue
1
2πi S
Ak k
ˆzI  AA dz.
Γ

Portanto, se p pˆλ é o polinômio caracterı́sto de A, obtemos o seguinte caso


particular da fórmula integral de Cauchy,

pˆA 1
2πi RΓ pˆzˆzI  A1 dz

Reintroduzindo a definição do polinômio caracterı́stico e utilizando o lema sobre


matrizes adjuntas enunciado no inı́cio desta seção, encontramos
1
2πi S
pˆA detˆzI  AˆzI  A1 dz
Γ
1
2πi S
adjˆzI  Adz
Γ

Por fim, notemos que cada entrada da matriz adjunta adjˆzI  A é um polinômio
na variável z e assim sua integral ao longo da curva fechada Γ é zero. Segue então

pˆA 0¥

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Oswaldo Rio Branco de Oliveira

REFERÊNCIAS

1. Bueno, H. P., Funções de Matrizes (Versão Preliminar, 2002) - Universidade


Federal de Minas Gerais - Departamento de Matemática. Disponı́vel em
http://www.researchgate.net/publication/268338571_Funes_de_Matrizes

2. Fraleigh, J. B., A First Course In Abstract Algebra, 7th ed., Addison-


Wesley, 2003.

3. McCarthy, Charles A., The Cayley-Hamilton Theorem, The American Mathe-


matical Monthly, Vol. 82, No. 4 (apr., 1975), pp. 390–391.

4. Oliveira, Oswaldo R. B. de, The Fundamental Theorem of Algebra: An


elementary and direct proof, Math. Intelligencer 33 (2), 1-2, (2011).

5. Oliveira, Oswaldo R. B. de, The Fundamental Theorem of Algebra: from


the four basic operations, The American Mathematical Monthly, Vol. 119,
pp. 753-758, (2012).

6. Ulhoa, F. C. e Lourenço, M. L., Um Curso de Álgebra Linear, Edusp,


segunda edição (2013).

Departamento de Matemática
Universidade de São Paulo
e-mail: oliveira@ime.usp.br
http://www.ime.usp.br/~ oliveira

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