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Associações Indígenas e
Desenvolvimento Sustentável
na Amazônia Brasileira
As Assoc|AçõEs INDÍGENAs Dos ~ O processo de multiplicação dessas associações tem sua origem
ANos 199o; ENTRE A NovA coNsnTulçAo na encruzilhada de vários processos sócio-políticos gerais,
E o "MERCADO DE PROJETOS" interagindo em nível nacional e internacional. No plano interno,
deve-se salientar, primeiro, a promulgação da Constituição de 1988
cujo artigo 252 abriu a possibilidade destas associações se consti
Constata-se na Amazônia, a partir do fim dos anos 1980, um pro tuírem como pessoas jurídicas. 0 segundo fator importante, a ní
cesso extremamente dinâmico de criação e de registro de associa
vel nacional, foi o processo de retração do Estado da gestão direta
ções indígenas na forma de “organizações da sociedade civil"
da “questão indígena” (restringindo-se, basicamente, a suas res
(OSC). Para se ter uma idéia da escala do fenômeno basta dizer
ponsabiiidades em matéria territorial)2 e o esvaziamento político
que existiam apenas dez destas associações antes de 1988 (Alto e
orçamentãrio da Funai, criada hã três décadas pelo regime militar
Médio Solimões, Manaus, Alto Rio Negro, Roraima) e que são hoje
no quadro de suas políticas de desenvolvimento da Amazônia.
mais de 180 nos seis estados da Amazônia Brasileira: AM, R0, RR,
AC, PA, AP (provavelmente mais de 250 na Amazônia Legal). Ou No plano externo, o primeiro fator foi certamente a globalização
seja, foram quase multiplicadas por 20 em pouco mais de uma das questões relativas ao meio ambiente e aos direitos das minori
década (ver lista em anexo e tabela 1).l as ao longo dos anos 70 e 80, bem como a crescente colaboração
entre ONGs ambientais e sociais em projetos que integrassem ob
Estas associações têm características diversas. A maioria é local
jetivos de conservação e preocupação pelo desenvolvimento co
(grupo de comunidades, bacia de um rio), representante de um
munitário - fenômenos que tiveram seu ritual de consagração na
povo ou regional. Varias são constituídas com referência a ativida
ECO 92 no Rio de Janeiro. O segundo, foi a decisiva descen
des profissionais ou econômicas (professores, agentes de saúde,
tralização da cooperação international, hoje igualmente reorientada
produtores, cooperativas). Existe também uma importante rede
para interlocutores da sociedade civil organizada, para o desen
de associações de mulheres, bem como diversas associações de
volvimento sustentavel e o incentivo a implementação de micro
estudantes indígenas. Embora ainda poucas tenham infraestrutura
projetos locais.
própria, a grande maioria destas está registrada em cartório ou
em processo de legalização, desempenhando regularmente fun O recente boom das associações indígenas tem, portanto, como
ções políticas de articulação interna e de representação interétnica. condições fundamentais de possibilidade, por um lado, o quadro
jurídico progressista da nova Constituição e, do outro, o “merca
Uma parte considerável e crescente dessas organizações indígenas tem
do de projetos ” aberto pela cooperação bi e multilateral e pelas
hoje acesso a fontes de recursos externos sob a forma de “projetos”
ONGs internacionais, seguidas pelos crescentes investimentos pú
destinados a diversos fins: gestão territorial, manutenção institucional,
blicos nacionais no setor das OSC (Ministérios do Meio Ambiente,
organização de assembléias e encontros, programas de saúde e de
da Saúde e da Educação).
educação, iniciativas relativas a auto-sustentação e comercialização,
divulgação e reafirmação culmral etc. Neste contexto, hoje é cada vez
UMAl MU'rAçÃo Do “MOVIMENTO ,
mais difícil distinguir entre associações “com” ou “sem projetos”; a rNmonNA't: DA ETNIcIuADE PoLrrlcA
diferença passa a ser entre associações que têm acesso a fontes de
línanciamento diversificadas, amplas e regulares (associações regio
A ETNIcIDAnE DE RESULTADOS?
nais, geralmente urbanas) e associações que contam apenas com al Esta combinação de tendências e dinâmicas produziu não somen
gims financiamentos reduzidos e pontuais (asstfiações locais, rurais). te um crescimento acelerado do número de associações indígenas
% população indígena país 35,20% 5,61% 5,22% 10,44% 9,48% 1,88% 61,85%
N° de terras indígenas 107 18 24 26 35 5 215
superfície / low' 441.523,33 60.783,54 19.407,59 154.545,42 280.249,66 41.965,21 998.472,75
% Superfície Norte 12,29% 1,69% 0,54% 4,50% 7,80% 1,17% 27,80%
(*): a presença dos mesmos povos ein varios estados faz que o total de povos é inferior a soma dos povos em cada estado.
(W): unidades de conservação federais e estaduais de uso indireto.
Fontes - Terras indígenas: banco de dados ISA 05/2000 (pesquisa F. Ricardo); Unidades de conservação: Mapa Amazônia 2000 ISA 12/1999 (pesquisa F. Ricardo) -
população indígena : FUNASA - fevereiro 2000 f dados geográficos : website IBGE.
Nota: As associações indígenas dos Seis estados da Amazônia Brasileira são atualmente objeto de pesquisa realizada pelo autor no contexto (le um projeto de cooperação
lSA-CNPq-IRD. Para se chegar a um número aproximado de organizações indígenas na Amazônia legal pode-se acrescentar aos números apresentados na Tabela 1 dados
oriundos de levantamentos indiretos como :
- L. Donisete Beizzi Gmpt'om', 1999: “Diretório de associações e organizações indígenas no Brasff'. São Paulo: Inep/MEC, i1i'ari7USP.'ilfato Grosso = 48, Tocantins = 9,
Maranhão = 12, ou seta 69 associações ;
- AM4, 2000: “PDM-Projetos Demonstrativos dos Pocos indígenas. Documento do Projeto. Anexo VH Brasília: MAM-Secretaria de Coordenação daAmazo'uta :
Mato Grosso = 38, Tocantins = I 0, Maranhão = 5 , ou seja 53 associações.
associações indígenas da Amazônia legal para articular seus pro vas expectativas materiais e sociais das suas comunidades de refe
jetos de desenvolvimento social e econômico. É, portanto, a partir 7 r rência, envolvendo seus membros em projetos locais de explora
da inter-mediação que estas associações garantem entre suas po ção dos recursos naturais que sejam, ao mesmo tempo, não pre
pulações de referência e o universo das parcerias disponíveis que datórios e capazes de promover uma certa auto-sustentação
serão definidas as condições sociais e políticas de possibilidade econômica das areas indígenas. Nesse contexto, não devera se ne
para a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável das gligenciar o lugar da diversificação complementar das atividades e
terras indígenas da Amazônia. Quatro parâmetros políticos e soci recursos econômicos extra-locais (ver acima nossa observação
ais fundamentais, externos e internos, muito provavelmente, con sobre o novo espaço translocal das comunidades indígenas), tam
di-cionarão o sucesso desta dinâmica. bém suscetível de aliviar o peso dos recursos naturais da floresta
O primeiro desses parâmetros será a possível capacidade destas I na formação da renda das comunidades e, portanto, de contribuir
organizações de continuar a mobilizar as redes de apoio e a mídia para a preservação ambiental de suas áreas.28
nacional e, sobretudo, internacional, ao redor de temáticas etno O último, porém não menos importante desses fatores, diz respei
ambientais que permitem manter um nível suficiente de pressão to ã determinação e a lucidez política que serão necessárias
sobre o Governo federal para induzi-lo a manter as conquistas diretorias das associações indígenas para contornar as novas for
territoriais do movimento indígena destes últimos 25 anos contra inte mas de subordinação e de clientelização no gerenciamento dos
resses econômicos locais e fluxos migratórios regionais crescentes. novos projetos socioambientais, não somente no contexto das re
O segundo parâmetro, associado ao anterior, residirá na çficiên lações que lhes são impostas pelas agências de financiamento (ou
cia política das associações para incentivar a elaboração de políti de comercialização), mas, igualmente, no contexto das relações
cas públicas e não governamentais de escaia apropriada, destina que elas mesmas constroem com os demais membros das suas
das a investir no conhecimento da biodiversidade e na gestão eco sociedades. A esse desafio acrescenta-se a complexa tarefa de ad
nômica sustentável das suas terras, envolvendo estreitamente seus ministrar as formas de diferenciação social e cultural surgidas no
habitantes e tomando em conta seus projetos sociais específicos. processo de transformação sócio-econôrnica induzido por estes
novos projetos de etnodesenvolvimento. (outubro, 2000)
O terceiro parâmetro, desta vez interno, remete ã possibilidade
das associações indígenas traduzirem esta expressividade políti Agradecimentos: Agradeço a M. Carneiro da Cunha, M. Fraboni,
co-institucional em autonomia econôrnica para as populações que W. Milliken, F. Pinton, A.R. Ramos, CA. Ricardo, F. Ricardo e a equipe
se'encarregam de representar. O desafio está em satisfazer as no editorial do ISA por seus comentarios e/ou revisão final do texto.