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CONCEITO

Responsabilidade social diz respeito ao cumprimento de deveres e obrigações


em relação à sociedade na qual se está inserido. A necessidade de se
cumprirem esses deveres e obrigações alcança pessoas e empresas presentes
em uma dada sociedade. Para muitos sociólogos, responsabilidade social é a
forma de retribuir a um determinado grupo social, por algo alcançado ou
permitido, modificando hábitos e costumes, ou mesmo, o perfil dos sujeitos ou
locais que recebem o impacto da transformação. É justamente nesse sentido
que a responsabilidade social se associa à responsabilidade ambiental, na
medida em que a obrigação de preservar o meio ambiente onde estamos
inseridos é de todos nós, pessoas e empresas, incluindo-se nessa relação
também, os governos, agentes representativos dos cidadãos e das pessoas no
âmbito político. Como exemplo podemos citar o caso de uma empresa que se
instala em uma determinada região antes ocupada por um grupo de
moradores. Digamos que esses moradores utilizavam esse espaço para a
criação de animais, prática através da qual produziam recursos para a sua
sobrevivência. Surge, então, para essa empresa, de acordo com os princípios
éticos que norteiam a responsabilidade social, a necessidade de estabelecer
um novo cenário no local que possibilite a sobrevivência daqueles antigos
moradores, garantindo-lhes a dignidade humana, como cidadãos. Por outro
lado, observando-se os mesmos princípios éticos, é obrigação dessa empresa
zelar para a conservação do ambiente geográfico no qual ela está se inserindo,
tomando todas as medidas cabíveis para diminuir, o quanto possível, o impacto
ambiental causado pelas transformações decorrentes de sua instalação. Além
disso, é sua obrigação utilizar de forma responsável os recursos naturais de
que necessita para o seu processo produtivo, evitando esgotar os recursos
naturais. Seguindo-se o mesmo raciocínio, cabe ao governo, na qualidade de
gerenciador do Estado que a todos representa, através de órgãos próprios,
fiscalizar todo esse processo, a fim de garantir a segurança social e ambiental,
través da criação de legislação específica, bem como através da criação de
órgãos capazes de fazê-lo.
Sociobiodiversidade
é “a relação entre bens e serviços gerados a partir de recursos naturais,
voltados à formação de cadeias produtivas de interesse de povos tradicionais e
de agricultores familiares” (DINIZ;CERDAN, 2017, p.6). Ou seja, é a relação do
homem com a biodiversidade, com o conjunto de seres vivos, plantas, animais
e microorganismos de um ecossistema, para ser base de atividades agrícolas,
pecuárias, pesqueiras e florestais com potencial de uso econômico. Um
conceito importante dentro da sociobiodiversidade é o de cadeia produtiva. Os
autores Diniz e Cerdan (2017) o definem como um sistema integrado e
harmônico composto por atores independentes e por uma sucessão de
processos. Dentro desse sistema, os povos e as comunidades tradicionais não
apenas consomem e comercializam os produtos da sociobiodiversidade, como
também incorporam valores e saberes locais ao processo, em uma expressão
cultural. Alguns exemplos de produtos da biodiversidade são: açaí, óleos
vegetais, madeira de manejo, artesanato, borracha, castanha, farinha de
mandioca, pirarucu, frutas e polpas, cacau, entre outros
A sociobiodiversidade tem grande importância econômica para os povos e
comunidades tradicionais, pois os produtos e serviços oriundos dela podem ser
comercializados no mercado local e no mercado externo. Os produtos da
sociobiodiversidade criam cadeias de valor que podem impulsionar o
desenvolvimento socioeconômico de uma localidade. Quanto mais forte é uma
cadeia de valor, maiores são as oportunidades de desenvolvimento local. Esse
fortalecimento pode ser feito por meio de ações que integram produção
sustentável e geração de renda. Desse modo, aliamos a conservação da
biodiversidade, por meio de uma exploração sustentável dos recursos naturais,
e o empoderamento das populações tradicionais, que podem comercializar
seus produtos únicos e adquirir renda para suas famílias.
O consumidor está cada vez mais exigente. Atualmente, quem está à procura
de um bem ou serviço leva em conta não apenas o preço e a qualidade do
produto, como também busca marcas e empresas sérias, que estejam
comprometidas com a sociedade. Essa mudança no comportamento do público
levou às empresas a investirem na responsabilidade social. Responsabilidade
social diz respeito às ações voluntárias de uma organização para promover o
bem-estar do público, seja ele interno (colaboradores, acionistas etc.) ou
externo (consumidores, meio ambiente, comunidade geral etc.). Essas ações
são iniciativa da própria organização, sem imposição do governo ou incentivo
externo. A responsabilidade social representa o compromisso da empresa com
o ser humano, a comunidade e o meio ambiente.
A responsabilidade social implica em uma relação ética e transparente da
empresa com o público com a empresa, com a visão voltada ao
desenvolvimento sustentável. Isto é, a sustentabilidade nos âmbitos social,
econômico e ambiental. De acordo com a Norma Brasileira NBR 16001: •
Dimensão ambiental: diz respeito aos impactos da organização sobre sistemas
naturais, vivos ou não, incluindo ecossistemas terra, água e ar. • Dimensão
econômica: diz respeito aos impactos da organização sobre as circunstâncias
econômicas das partes interessadas e sobre os sistemas econômicos em
níveis local, regional, nacional e global.
• Dimensão social: refere-se aos impactos da organização sobre os sistemas
sociais (incluindo-se as questões política, cultural, institucional, espacial e
espiritual, entre outras) nos quais opera. Desse modo, as ações, estratégias e
políticas de uma organização no âmbito da responsabilidade social devem
levar em consideração esses itens. Ciente de seus impactos na
sociobiodiversidade onde está inserida, as empresas podem trabalhar para
serem aliadas no desenvolvimento socioeconômico sustentável da região.
HISTORIA
SOCIOAMBIENTALISMO

O movimento socioambiental
O mundo em pandemia revela que a perspectiva integrada tão cara
à sustentabilidade não diz respeito apenas à interdependência entre
dimensões ambientais, econômicas e sociais. A vida íntima de cada
pessoa em quarentena, em seus matizes emocionais, subjetivos e
relacionais, agora está claramente ligada aos rumos do planeta. E
são estes seres humanos que ajudarão a delinear prioridades no
que está por vir.

Sobre esse futuro incerto, argumentos racionais têm sido


apresentados com certa desenvoltura e apontam para a relevância
das consequências do desequilíbrio ecossistêmico, da cooperação
entre áreas de conhecimento, da demanda por instituições e
governança consistentes, e da capacidade de adaptação humana.
Mas tais argumentos estão restritos à ordem pragmática: como
analisar, como operar, como reestruturar, como resolver.

Essa é uma realidade que se repete mundo afora, onde possíveis


desdobramentos da pandemia incluem um plano de recuperação na
Europa associado à questão do clima, e a indicação de que Joe
Biden fará do Green New Deal sua bandeira de campanha para a
recuperação da economia nos Estados Unidos.

No entanto, o pragmatismo dessas estratégias guarda um estímulo


de fundo mais emocional: o diálogo com anseios da juventude,
personificada no impulso apaixonado de Greta Thunberg, na
Europa, e nas vozes dos jovens seguidores de Bernie Senders, nos
EUA, confiantes de que podem mudar o mundo. Os sinais de ajuste
de rota no Hemisfério Norte poderiam até estimular a China a
intensificar o coeficiente verde de suas ações pós-pandemia.

Já no Brasil, esse panorama não implica uma grande guinada, uma


vez que o atual governo é avesso a agregar o elemento
socioambiental ao desenvolvimento, enquanto o Congresso é
bastante conservador – o que poderia representar uma barreira a
políticas de caráter mais sustentável, mesmo na hipótese de uma
mudança de governo. Nesse contexto, a opinião pública seria
essencial para impulsionar uma retomada econômica que valorize
natureza e sociedade.
Especialistas e entusiastas que dispõem de espaço nas mídias
podem engrossar o coro da opinião pública que defende uma
recuperação mais verde e inclusiva no Brasil, se o quadro
internacional de fato se mover no sentido de novas economias
descarbonizadas. A pressão consistente nas redes sociais é o que
hoje contribui decisivamente para mudar os humores de políticos e
organizações. A população, entretanto, agrega impulso limitado a
essa dinâmica, já que historicamente defende a integridade
socioambiental por espasmos que surgem das grandes
hecatombes.

Nesse sentido, imaginar um país que siga sua vocação de


economia verde e inclusiva, e acompanhe uma eventual mudança
nos rumos da história global, significa olhar não só para os
argumentos lógicos que apoiam essa guinada. É também contar
com um espírito coletivo permanente que de fato sinta o valor de
atrelar a economia à preservação da natureza e das pessoas
afetadas por ela. Ou seja, é preciso, para além de uma abordagem
racional, estimular a sensibilidade brasileira, tão combalida pela
história recente da polarização e dos negacionismos.

Trocando em miúdos, as ações humanas e a pauta socioambiental


estão atreladas a elementos que dão sentido à vida, de modo geral.
A vida com sentido tem valor e é mais bem cuidada. A vida como
números e dados digitais é mais descartável, pois não instiga afeto.
Estabelecer vínculo é, portanto, essencial para dar sentido à vida,
seja na dimensão macro que nos conecta à ecosfera, seja nutrindo
essências humanas. A falta de sentido na vida e de vínculos
contribui enormemente para atitudes que degradam a natureza,
vitimizam pessoas na sociedade, geram comportamentos
autodestrutivos.
A problemática ambiental é tema de grande ênfase nas últimas décadas, a
ciência e tecnologia cada vez mais avançadas permitem à sociedade ter uma
maior dimensão e conscientização dos reflexos que a degradação e exploração
desenfreada dos recursos naturais acarretarão a população global a curto,
médio e longo prazo. Essa nova perspectiva que se inseriu na sociedade fez
que com que os olhos do mundo se voltassem a questão ambiental, e no final
do século XX início do XXI eclodiram algumas das principais conferências e
convenções mundiais sobre meio ambiente, tornando a partir de então esta
questão uma pauta definitiva nos grandes debates internacionais. De fato foi
uma grande evolução para os defensores do meio ambiente ter este tema
reconhecido internacionalmente como de suma importância, entretanto, a
ênfase dada a questão trazia os problemas ambientais sob um viés muito
técnico e sistemático, sob uma lógica jurídica tradicional, que não considerava
a complexidade e interdisciplinaridade de sua relação.
DOS MOVIMENTOS AMBIENTAIS AOS SOCIOAMBIENTAIS: O HUMANIZAR
DO MEIO AMBIENTE
O movimento ambientalista não tem um começo claro. Segundo McCormick
(1992, p.21), “não houve um acontecimento isolado que inflamasse um
movimento de massas (...). O movimento não começou num país para depois
espalhar-se em outro; emergiu em lugares diferentes, em tempos diferentes e
geralmente por motivos diferentes.” As raízes históricas do socioambientalismo
são normalmente associadas ao romantismo, no século XVIII, e às práticas
preservacionistas e conservacionistas propostas por John Muir e Gifford
Pinchot, a partir do movimento ambiental americano. Embora não haja uma
precisão de onde e em que lugar começou o movimento ambientalista, é
possível afirmar que a mobilização de grupos sociais em torno da causa
ambiental, diz respeito às novas sensibilidades e a mudança no padrão de
percepção do mundo natural, que se desenvolveu no século XIX, a partir do
reconhecimento dos efeitos de deterioração do meio ambiente e da vida nas
grandes cidades industriais. Somado a isso, surgiu o interesse específico na
criação de áreas protegidas, que estimulou o discurso e a valorização da
natureza. Ato simbólico, neste sentido, foi a criação do Parque Yellowstone,
nos Estados Unidos, em 1872.

O movimento ambiental, bem como o reconhecimento da proteção ambiental


como uma problemática mundial, são temas relativamente recentes diante do
cenário internacional e nacional. A concepção histórica de proteção ambiental
que se observa nos séculos anteriores ao XX é um desconhecimento ou falta
de consciência por parte da sociedade, cientistas e governo em relação à
questão ambiental. Os reflexos de anos de degradação desmedida dos
recursos ambientais, já não se escondiam mais por trás das justificativas e
anseios que o desenvolvimento e o progresso prometiam a sociedade. A
esgotabilidade dos recursos passa a ser visível, as catástrofes ambientais cada
vez mais recorrentes, e a conscientização de que os recursos são finitos
ensejam na sociedade uma inquietação e uma busca por respostas e ações
daqueles que tem o poder de representação. A problemática ambiental
colocada, na maioria das vezes, às margens das questões de natureza
internacional passa para a pauta de problema primordial e urgente a ser
ressaltado pela comunidade global.
A problemática ambiental é tema de grande ênfase nas últimas décadas, a
ciência e tecnologia cada vez mais avançadas permitem à sociedade ter uma
maior dimensão e conscientização dos reflexos que a degradação e exploração
desenfreada dos recursos naturais acarretarão a população global a curto,
médio e longo prazo. Essa nova perspectiva que se inseriu na sociedade fez
que com que os olhos do mundo se voltassem a questão ambiental, e no final
do século XX início do XXI eclodiram algumas das principais conferências e
convenções mundiais sobre meio ambiente, tornando a partir de então esta
questão uma pauta definitiva nos grandes debates internacionais. De fato foi
uma grande evolução para os defensores do meio ambiente ter este tema
reconhecido internacionalmente como de suma importância, entretanto, a
ênfase dada a questão trazia os problemas ambientais sob um viés muito
técnico e sistemático, sob uma lógica jurídica tradicional, que não considerava
a complexidade e interdisciplinaridade de sua relação.
Estendendo a problemática ambiental a uma perspectiva global, universal e
genérica, as grandes conferências, tratados e documentos que surgiram neste
cenário desenvolveram a questão ambiental e a necessidade de sua
preservação e conservação, sob enfoques predominantemente econômicos e
tecnológicos que tinham como meta e pauta principal a concretização de um
desenvolvimento sustentável. Ainda que praticamente em todos os documentos
contivesse referências expressas à proteção ambiental como um direito
humano fundamental ao desenvolvimento digno e com saúde bem como direito
das futuras gerações, na prática só efetivamente saíram do papel políticas
públicas de cunho econômico que visavam suprir os interesses do mercado
que agora deve tornar-se “ecologicamente correto”.
As políticas públicas que se desenvolviam com o intuito de proteger o meio
ambiente, já não poderiam mais se distanciar de políticas que envolvessem
também a sociedade.
A partir de então passam a se constituir alianças políticas estratégicas entre o
movimento social e ambiental, que primam pela superação das injustiças
ambientais e sociais, bem como a inserção definitiva das questões sociais no
âmbito de proteção ambiental.
A CONSTRUÇÃO DO MOVIMENTO SOCIOAMBIENTAL NO BRASIL

A partir da compreensão introduzida a nível mundial, inclusive com influências


dos movimentos por justiça ambiental iniciados nos EUA, passa-se a ter
compreensão de que a problemática ambiental é também um problema social e
que essa relação torna-se indivisível quando o homem precisa da natureza
para a manutenção de sua existência e vice-versa. Construído com bases em
ideias de ampliação e desenvolvimento de políticas públicas ambientais que
incluam e envolvam as comunidades locais, o movimento socioambiental no
Brasil se desenvolve sustentado na concepção de que os países pobres e
subdesenvolvidos submetidos à suportar a desigual e injusta distribuição dos
riscos ambientais, devem priorizar a promoção de um novo paradigma de
desenvolvimento que promova para além de uma sustentabilidade estritamente
ambiental (espécies, ecossistemas e processos ecológicos), uma
sustentabilidade social que seja capaz de contribuir para a redução da pobreza
e desigualdades sociais através da disseminação de valores como a justiça
social e ambiental.
Esta aliança passou a defender o modo de vida das populações tradicionais
amazônicas que estavam ameaçadas pelo desmatamento e exploração
irresponsável e predatória da floresta, influenciadas pela abertura de grandes
rodovias e pastagens destinadas as grandes fazendas agropecuárias. Esse
modelo de desenvolvimento que se levava àquela região colocava em risco a
sobrevivência física e cultural das populações tradicionais (indígenas e
seringueiros), e com a ajuda e influência de alguns líderes socioambientais
como Chico Mendes e Marina Silva, nasce uma aliança entre os Povos da
Floresta (índios, seringueiros, populações tradicionais, etc.) e os ambientalistas
que sob uma nova perspectiva passam a apoiar a luta política e social destes
povos que sobrevivem e tiram sua subsistência básica da pratica do
extrativismo, naquele caso ameaçado (SANTILLI, 2012, p.27). Por tratarse de
uma atividade não-predatória e inclusive como uma alternativa a exploração
indevida dos recursos naturais, esta luta passou também a pauta das lutas
ambientalistas. Este novo movimento que surge, socioambientalista, é capaz
de promover e valorizar a diversidade cultural através da consolidação de um
processo democrático que permita a efetiva participação social nas questões
ambientais. Este entendimento, corrobora-se em um novo paradigma de
desenvolvimento denominado por Boaventura de Sousa Santos de
ecossocialista contraposto ao capital-expansionista. Segundo a construção do
autor, o desenvolvimento social sob a perspectiva capital-expansionista é
medido essencialmente pelo crescimento econômico, industrial e tecnológico
que distanciam as relações entre a natureza e sociedade. Do oposto o
paradigma ecossocialista, emergente do movimento socioambiental, com
características que lhe são próprias no sentido de que o desenvolvimento
social será estimado pelo modo de como as necessidades humanas
fundamentais são satisfeitas, sendo maior em nível global, mais diverso e
menos desigual.
A partir dos anos 90 os conceitos socioambientais foram sendo incorporados
em outras áreas e passa-se a articular a viabilidade econômica, a inclusão
social e a conservação ambiental através de programas e políticas públicas de
desenvolvimento, que visem para além de um estrito fim econômico ou de
remediação ambiental, a constituição de um novo modelo que considere meio
ambiente e sociedade, temáticas intrinsecamente ligadas por sua essência.
Este novo paradigma socioambiental que se impõe torna-se mais exigente
quando se trata de garantir a proteção da sociobiodiversidade, entendida como
o conjunto de bens ambientais, culturais e étnicos e suas formas de interação
ou, como define Marés de Souza (2002, p.48), a continuidade da vida “em sua
multifacetária expressão de cores, formas e manifestações.” Um modelo de
desenvolvimento socioambiental é premissa básica, portanto, para uma efetiva
proteção à sociobiodiversidade que considere o meio ambiente em sua
amplitude em todas as suas interações, inclusive a humana, principalmente
quando trata-se de um país em desenvolvimento como o Brasil constituído de
umas das maiores biodiversidades do planeta.
Nas últimas décadas, com o notório agravamento da crise ambiental mundial,
evidenciada por fenômenos naturais como a destruição da camada de ozônio e
o aquecimento global, ligou-se um alerta para o perigo inerente à gestão
desqualificada do bem ambiental, de sorte que o crescimento ecômico - antes
pautado, desde a Revolução Industrial, na acumulação de riquezas e evolução
das teconologias -, passou a ser visto sob outro prisma: o da conservação do
meio ambiente, quebrando-se a premissa de que os recursos naturais
seriam infinitos.

Assim como o fez com o direito ambiental, a Constituição Federal de 1988


inovou e quebrou paradigmas relacionados ao direito indígena, dedicando-lhe
capítulo específico (Título VIII, Capítulo VII), abandonando a perspectiva
assimilacionista – que pautava até o próprio Estatuto do Índio (Lei 6.001/73,
arts. 3º e 4º) – e implantando um novo modelo multiculturalista, adequado à
realidade multiétnica brasileira.

Com efeito, sob o viés assimilacionista ou integracionista, objetivava-se integrar


/incorporar os índios à sociedade envolvente/dominante, revelando-se uma
situação de provisoriedade da condição de povo diferenciado a eles atribuída.
Tanto é assim que se conferia à União, nas Constituições anteriores à de 1988
(salvo a de 1937), a competência para legislar sobre “a incorporação dos
silvícolas à comunhão nacional”.

Agora, sob o viés constitucional multicultural, são expressamente reconhecidos


aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e
os direitos originários sobre as terras por eles tradicionalmente ocupadas (art.
231, caput, CF), consideradas como tais as terras por eles habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu
bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições (art. 231, §1º, CF).

   Nesse diapasão, é constitucionalmente reconhecida a coexistência de


culturas dentro de um mesmo Estado, as quais se interfluenciam sem qualquer
pretensão assimilacionista. De modo mais específico, confere-se aos índios o
“direito de serem índios”, proporcionando-lhes viver livremente de acordo com
sua organização social, usos, costumes e tradições. A propósito, destacam
FEIJÓ e SILVA (2013, p. 7) que:

“Neste novo cenário político e social introduzido pelo Estado Constitucional se


desenvolveu a ideia de multiculturalismo, consistindo no reconhecimento da
diversidade de culturas no mundo que coexistem e se autoinfluenciam. No
dizer de Boa Ventura de Souza Santos, “o termo ‘multiculturalismo’
generalizou-se como modo de designar diferenças culturais em um contexto
transnacional e global”. Compreendeu-se que os diversos povos que vivem em
seus costumes próprios, reproduzindo as suas tradições milenares, se
autorreconhecendo como segmento diferenciado da sociedade envolvente,
merecem o direito à preservação de sua singularidade sociocultural, posto que
sem ela perderiam a sua identidade enquanto povo, fator indissociável da
preserva-ção de sua dignidade humana”.

Assim, concluem as referidas autoras (2013, p. 8) que o multiculturalismo está


incorporado nas constituições pós-modernas, figurando como verdadeiro direito
fundamental, eis que inarredável da proteção à dignidade humana dos povos
indígenas.

Nada obstante, alerta Basso (2014, p. 7) que o multiculturalismo não pode ser
visto como mero conceito, afigurando-se mais adequado tratá-lo como um
“projeto”, no qual “o reconhecimento das diversidades culturais passa a compor
as metas e políticas de um determinado Estado-nação, naquilo que Keith
Banting e Will Kymlicka (2006, p. 1) denominam políticas multiculturais”. Exige-
se uma postura estatal ativa, com promoção de políticas

Assim, afigura-se imperioso reconhecer o papel fundamental das comunidades


indígenas na gestão ambiental sustentável, com base em seus conhecimentos
e práticas tradicionais. Nossa “civilização hegemônica do ocidente” em muito
tem a aprender, afigurando-se indispensável essa interligação cultural para, a
um só tempo, fortalecer a autodeterminação dos povos indígenas e preservar o
meio ambiente.

A propósito do tema, destaca-se o Princípio nº 22 da Declaração do Rio (1992):

As populações indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades


locais, têm papel fundamental na gestão do meio ambiente e no
desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os
Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura
e interesses dessas populações e comunidades, bem como habilitá-las a
participar efetivamente da promoção do desenvolvimento sustentável

Os povos indígenas têm o direito de manter e de fortalecer sua própria relação


espiritual com as terras, territórios, águas, mares costeiros e outros recursos
que tradicionalmente possuam ou ocupem e utilizem, e de assumir as respon-
sabilidades que a esse respeito incorrem em relação às gerações futuras.

Do mesmo modo, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho


(OIT) – promulgada no ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto nº
5.051/2004 –, em seu artigo 15.1, pontua que “os direitos dos povos
interessados aos recursos naturais existentes nas suas terras deverão ser
especialmente protegidos”, destacando que “esses direitos abrangem o direito
desses povos a participarem da utilização, administração e conservação dos
recursos mencionados”.

De fato, possuem as comunidades indígenas “um enorme potencial para a


conservação dos recursos naturais, tendo suas populações importante papel
na manutenção da biodiversidade brasileira” (SILVEIRA, 2009, p. 28).
Os dados do Ministério do Meio Ambiente, colhidos no Plano de Ação para
Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm)
deixam essa constatação assente, na medida em que, conforme histórico de
desmatamento na Amazônia Legal, no período de 2004 a 2016, os
desmatamentos em áreas indígenas representaram, em média, cerca de 2,5%
do desmatamento total na Amazônia Legal, sendo que, no ano de 2016, essa
porcentagem foi de apenas 1,3%, afigurando-se oportuno aqui ressaltar,
conforme bem lembram BRITO e BARBOSA (2015), que boa parte dessa
degradação não é provocada pelos indígenas, eis que “as terras indígenas, nos
últimos anos, têm sofrido constantes prejuízos ambientais decorrentes de
desmatamentos ilegais, da instalação irregular de madeireiras ao seu redor e,
principalmente, da presença constante de atividades agropecuárias no entorno
das aldeias”.

Diante de tantas transformações, cada vez mais se afigura indispensável


pensar novas estratégias visando a sustentabilidade nas terras indígenas,
garantindo uma gestão sustentável naqueles territórios, com políticas públicas
específicas voltadas àqueles povos, formuladas a partir da interinfluência entre
os saberes indígenas e a ciência não indígena, isto é, combinando-se práticas
sustentáveis indígenas com os estudos técnicos “não indígenas”, sem
pretensão assimilacionista.

TERRA: UM RECURSO NATURAL OU UM LUGAR DE VIDA E CULTURA

4 A FRONTEIRA ECONÔMICA AVANÇA SOBRE POPULAÇÕES TRADICIONAIS E


GRUPOS INDÍGENAS COM A PROMESSA DO DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO

A integração forçada dos índios à sociedade nacional é clara, algumas vezes,


implícitas noutras. Resulta de uma série de fatores combinados: o mito de um
povo único, a inaceitação da multiculturalidade; mas, a partir da década de
1970 ela se deve também (e muito fortemente), à ideologia do progresso e do
desenvolvimento (sem atenuantes). E, em consequência, o uso da terra como
recurso natural explorável, nutre as ações governamentais (através dos
grandes projetos de infraestruturas). E a Amazônia, como fronteira de recursos
tem sido o lócus privilegiado dessa exploração. Ou de empresários que
expandem a fronteira de recursos em várias direções: Roraima; sudeste, sul e
oeste do Pará; sul de Rondônia, sul do Tocantins, parte do Amapá e Acre. 4 A
fronteira avança estimulada, principalmente por novas atividades produtivas
para o mercado global - as chamadas commodities, como os grãos,
especialmente a soja, a siderurgia a carvão vegetal e outras, que atraem
migrantes; a eles se somam os que buscam emprego em frentes de
desmatamento, garimpos, grilagem e venda de terras e outras atividades legais
ou ilegais, geridas por novos capitais. E estes em suas marchas de penetração
deparam-se com os índios. A fricção é inevitável. A expansão dessas
atividades vem acompanhada de conflitos. Roraima é o caso mais exemplar.
Enquanto a população era reduzida, não havia conflitos e as terras indígenas
jamais tinham sido questionadas. O problema se instalou depois que intensas
correntes migratórias do nordeste do Brasil e do Rio Grande do Sul, a partir da
década de 1980, procuraram aquelas terras como novo lugar de fixação, com
atividades de uso extensivo como o plantio de arroz ou projetos de
assentamento. Em menos de 30 anos, a população cresceu mais de 400%,
passando de 79.159 em 1980 a 412.783 habitantes em 2008 (IBGE/estimativa),
sendo a mais recente frente de expansão da fronteira econômica da região. O
avanço sobre as terras indígenas intensificou-se e a oposição entre a atividade
econômica e o "primitivismo" dos índios instalou-se na vida do estado.

5 OS ÍNDIOS COMO AMEAÇA À INTEGRIDADE NACIONAL

Alguns segmentos da sociedade, partidários da linha integracionista, defendem


a fragmentação das terras indígenas contínuas quando em áreas de fronteiras,
em especial aquelas que se estendem sobre dois países contíguos (é o caso
de vários grupos indígenas da região). Enxergam aí um elemento facilitador da
independência dos grupos indígenas, constituindo-se, portanto, em ameaça à
soberania nacional, por conferir a eles a possibilidade de se estruturar, no
futuro, como territórios independentes, formando novas nações; daí as
tentativas de evitar tais continuidades de terras. Também neste caso Roraima
apresenta a situação mais conflitada porque de suas 32 terras indígenas, que
totalizam 103.415 km2, apenas três não se localizam em área de fronteira. 5

O argumento de um suposto separatismo retorna ciclicamente. Ele foi


fartamente veiculado pela mídia em desfavor da homologação da terra dos
Yanomami na década de 1990, assim como no conflitado caso Raposa Serra
do Sol, também em Roraima (na fronteira com a Venezuela e a Guiana),
habitada por 18.992 índios de 5 etnias - Macuxi, Tapamona, Wapixana,
Ingaricó e Taurepang. Elites locais, autoridades (governador, senador,
prefeitos), deslocaram-se a Brasília para prevenir o Congresso, o Judiciário e a
imprensa sobre a possibilidade de se criar ali o embrião de um território
independente. Daí porque propuseram a fragmentação da área em partes
descontínuas. Ora, obstaculizar ou fazer restrições à demarcação de uma terra
contínua, fracionando-a em áreas menores dificulta a circulação dos índios
quando de suas visitas a parentes noutras malocas, assim como a participação
em festas, colheitas, rituais etc, já que um fazendeiro de soja, arroz ou outra
cultura, instalado nos interstícios das partes fragmentadas não permitirá que
índios circulem em suas plantações e, menos ainda, que abram caminhos entre
elas para se locomover de uma fração de terra a outra.

Some-se a isto o fato de que a fragmentação vai na direção oposta do que


recomenda o parágrafo 2 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas, da qual o Brasil é signatário, quando esta dispõe que os
Estados devem facilitar a circulação dos índios entre si para preservar suas
culturas. Por fim, nega direitos e desrespeita o referido tratado internacional
que, em seu Artigo 36, assim dispõe:

1. Os povos indígenas, em particular os que estão divididos por fronteiras


internacionais, têm o direito de manter e desenvolver contatos, relações e
cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual, cultural, político,
econômico e social, com seus próprios membros, assim como com outros
povos através das fronteiras. 2. Os Estados, em consulta e cooperação com os
povos indígenas, adotarão medidas eficazes para facilitar o exercício e garantir
a aplicação desse direito.
Em Roraima, fazendeiros protestaram, queimaram pontes, obstruíram estradas
e ameaçaram defender com armas as terras conquistadas aos índios, para
legitimar a situação das fazendas de apenas seis grandes produtores de arroz.
Políticos mobilizaram a mídia e a população urbana. Os fazendeiros
questionaram as terras na justiça, chegando ao STF em meio a conflitos e
divisões internas, em protestos que ganharam repercussão nacional. O
Judiciário se viu pressionado pela rebeldia, a afronta, a força do poder político
e econômico e as adesões que as partes contrárias à demarcação contínua
conseguiram. Mas optou pelo direito dos índios, ao invés de negar-lhes isso,
influenciado por um imaginário temor de independência ou pela força do
capital. Sobre a questão o Ministro-relator do Supremo Tribunal Federal-STF,
Carlos Ayres de Brito, ao apresentar em 2008 seu voto expressou um
irrefutável ponto de vista:" é preciso que o Estado brasileiro defenda os direitos
à vida, à natureza e à cultura dos seus índios para que eles queiram o Brasil
como o país para ser o deles e (queiram nele) viver para todo o sempre". O
episódio evidenciou a responsabilidade do Estado de salvaguardar o direito dos
índios de viver em suas terras, sejam elas fronteiriças ou não; e se o fato não
for paradigmático como conduta para casos futuros, é emblemático em termos
de posição do Judiciário superior quanto à matéria.

6 A REDUÇÃO DA TERRA OU REMOÇÃO DE ÍNDIOS IMPLICA NA PERDA


DA CULTURA E DA IDENTIDADE

A questão da terra envolve e afeta, profundamente, a identidade cultural do


índio, posto que a cultura indígena não se dissocia da natureza em que eles
vivem. E não apenas em relação aos mitos, embora estes possam ajudar a
compreender suas relações com a natureza. Os Ianomami, por exemplo,
entendem a floresta como uma região habitada por espíritos guardiões (os de
seus antepassados). Dependendo da forma como eles tratem a floresta em que
estes vivem, a natureza será mais pródiga, menos pródiga ou mesmo avara; e
eles, por sua vez, serão beneficiados com saúde e fartura, ou penalizados com
escassez e doenças. Há portanto, uma integração profunda entre índios e
natureza e uma continuidade nesta integração mútua. Ser índio é ser índio
enquanto ser inserido na natureza. E é da inseparabilidade desses dois
elementos combinados que se origina uma cultura própria - a sua.

A redução da terra indígena pela perda de partes dela, seja como decorrência
da disputa do capital sobre elas, seja como consequência da ideologia de
integração dos índios à sociedade nacional como um processo "natural" e
irrenunciável, seja através da remoção, implica, de início, em doenças e mortes
que, certamente, diminuirão o contingente populacional já minoritário. 6 O
mesmo ocorre quando o ecossistema é alterado pelo impacto de grandes
obras, cortado por estradas ou diminuído. Estudos (ORLOVE; BRUSH, 1996)
mencionam que as políticas de conservação da natureza incluem três níveis de
esforços: (a) preservar espécies específicas; (b) estabelecer áreas reservadas;
(c) proteger ecossistemas, diminuindo o mais possível os hiatos entre as
partes. Num segundo momento, e a história vem demonstrando isto, implica na
perda da biodiversidade nesses espaços reduzidos ou alterados. O mesmo
ocorre quanto às áreas fragmentadas, descontinuadas.
Como consequência da redução ou da fragmentação de uma área antes
contínua, pela interferência de estradas, fazendas de gado ou por outros
motivos, segue-se o risco ou a perda efetiva das condições de sobrevivência
com base nos costumes tradicionais, a diminuição da biodiversidade pelo
empobrecimento da natureza, a escassez de produtos alimentares e dos
elementos da medicina indígena - dependente do aproveitamento de produtos
da floresta -, a contaminação de cursos d'água por inseticidas oriundos de
culturas que se instalam às proximidades e por outras razões.

Por fim, também as manifestações culturais como festas, rituais, práticas


alimentares, organização da família e do trabalho ficam dificultados ou
impossibilitados de se exercerem plenamente. A lógica que sustenta o
comportamento e os valores dos índios privilegia a conservação da
biodiversidade do ecossistema em que vivem e onde desenvolvem sua cultura.
Trata-se de uma lógica diferente daquela que é hegemônica no mundo
ocidental - mercadológico e industrializado -, razão porque nem sempre as
demandas dos índios são compreendidas e acabam por se afigurar como
descabidas ou intransigentes.

A remoção de grupos indígenas também não se processa sem dificuldades.


Em primeiro lugar, ela implica no abandono de lugares sagrados, onde residem
os espíritos de seus antepassados e deuses. Em segundo lugar, o saber
relativo à natureza - com a qual tem uma relação essencial e existencialmente
associada - torna-se desnecessário e inútil noutro ambiente que não o seu
próprio, onde esses saberes fazem sentido, têm utilidade, são reconhecidos e
valorizados socialmente. O rompimento do elo milenar que os liga à terra e à
natureza e do qual decorrem seus saberes e a partir dos quais articulam sua
forma de vida, abala os índios não apenas física, mas também social e
intelectualmente; ele provoca um vazio identitário e um visível desalento
existencial, que tem sido claramente observado e pode ser constatado em
grupos que, em décadas anteriores, vivenciaram ou vivenciam ainda este
processo de perda, conforme estudos feitos por José de Souza Martins
(MARTINS, 1997). Não há, portanto, a possibilidade, tantas vezes cogitada por
não-índios, de que eles sobrevivam numa natureza pobre, numa terra de
dimensão reduzida ou que sejam removidos para uma terra estranha, sem
haver um sério comprometimento de suas culturas.

NEGROS

O tráfico negreiro é considerado como uma das maiores tragédias da história


da humanidade, tendo apenas como similar o genocídio nazista. Em 1500, os
colonizadores portugueses aportaram nas costas brasileiras e começaram a
escravizar a população indígena para uso na plantação de pau-brasil. Por não
obterem resultados satisfatórios com a mão-de-obra indígena, eles resolveram
desenraizar os (as) africanos (as) de várias regiões da África, destruindo
impérios e tribos, para obrigá-los (as) a navegar através das rotas oriental,
transaariana e transatlântica, sob as ordens e negociações dos árabes e dos
europeus com o firme propósito de submetê-los (as) aos trabalhos forçados na
indústria açucareira, agricultura e pesca em crescente expansão. Entretanto,
alguns estudiosos (as) comentam que a escravização não foi inventada a partir
da deportação dos (as) africanos (as) para outros continentes, mas se trata de
uma prática antiga, retratada nos textos bíblicos e nas escrituras sagradas, e
aludida à servidão dos israelitas submetidos às ordens dos faraós no Egito
Antigo. É importante ressaltar que os vestígios e ruínas das antigas civilizações
egípcia, grega e romana, as quais são apreciadas em algumas de nossas
viagens culturais, foram construídas em grande parte com o trabalho escravo.
Há também opiniões que atribuem aos (ás) africanos (as) os primórdios do
tráfico e da escravização. Entretanto, é preciso ter cuidado com certas versões
que tentam justificar o regime escravocrata, quando afirmam que o sistema de
escravidão já existia na África
Outra versão sinaliza que os (as) africanos (as) escravizados (as) recebiam,
passivamente, os maus-tratos praticados pelos (as) senhores (as) de engenho,
feitores e capatazes. Essa crença interferiu negativamente no imaginário social
brasileiro que cria e reproduz imagens dissociadas do contexto em que viveram
os (as) nossos (as) antepassados (as) africanos (as) e ainda vivem os (as)
afrodescendentes na contemporaneidade. Tal crença disseminada sobre a
passividade do (a) africano (a) escravizado (a) influencia a imagem que
algumas pessoas têm hoje da população negra, produzindo efeitos de sentidos
negativos “na construção da auto-estima e da identidade tanto de pessoas
negras como das brancas” (MUNANGA; GOMES, 2006, p. 67). Estes autores
afirmam que a aceitação de rótulos como indolência, preguiça e conformismo
apenas reforçam os “equívocos históricos”. Dentre outras formas de
manifestação de racismo, a disseminação de imagens negativas, as
expressões pejorativas, as piadas racistas, a associação do (a) negro (a) à
criminalidade, à violência, à pobreza e à sujeira ainda persistem na atual
sociedade brasileira. Os (as) africanos (as) escravizados (as) não foram
indolentes. Inúmeras são as contribuições dadas por eles (as) aos setores
econômico, demográfico e cultural. Na versão de Munanga e Gomes (2006, p.
20), os (as) negros (as) serviram como força de trabalho, fornecendo a mão-de-
obra necessária às lavouras de cana-de-açúcar, algodão, café e à mineração.
Nessas atividades, eram submetidos (as) a tratamentos desumanos e
condições de vida precária, sem qualquer remuneração. Do mesmo modo, a
cultura brasileira recebeu significativas contribuições dos (as) negros (as)
africanos (as) para o enriquecimento do vocabulário da língua portuguesa do
Brasil4 , do campo da religiosidade popular (candomblé, umbanda, macumba),
da arte visual (objetos de ferro, figas de madeira; instrumentos musicais), da
dança (maculelê, bumba-meu-boi, capoeira, coco, jongo, congado), da música
(samba), da arquitetura, dentre outras. Em suma, o trabalho gratuito dessa
população corroborou na produção de riquezas que muito ajudou na
construção do Brasil colonial e, sem abandonar a luta e capacidade de
organização para sua própria libertação do cativeiro, eles (as) eram explorados
(as): “malnutridos, trabalhavam até 16 horas por dia, sob o chicote dos feitores
[...] do trauma irreversível da desculturação [...] da desestruturação dos laços
familiares"
Há um desconhecimento de grande parte da sociedade brasileira, incluindo os
(as) intelectuais, dos processos de luta e de organização dos (as) africanos
(as) escravizados (as), durante o regime escravista. É muito comum ouvirmos
as pessoas atribuírem, equivocadamente, aos (as) negros (as) um
comportamento passivo e resignado na longa história de duração da
escravidão ou demonstrarem certa ignorância no que se refere às revoltas
escravas e movimentos de luta após a escravidão e as ações dos movimentos
negros desde a década de 1970 até o presente em que se luta pelo acesso á
educação.
POLÍTICAS DE INCLUSÃO DESIGUAIS

Uma leitura crítica desses dados aponta que os (as) afrodescendentes nem
sempre aparecem numa posição significativa na educação brasileira, havendo
dificuldades para sua inclusão nas universidades públicas. Quando eles (as)
conseguem romper as barreiras de inclusão são lhes reservado o ingresso em
áreas de conhecimento de menor projeção social ou em cursos pouco
valorizados. Essa educação desqualificada e desigual tende a reduzir a
oportunidade dos (as) afrodescendentes concorreram a uma vaga nos
vestibulares que, por sua vez, cobram conhecimentos adquiridos no Ensino
Básico, os quais são “desconhecidos” pela população negra por terem uma
formação inadequada desde os primeiros anos escolares e menos compatível
com as exigências atuais da educação
Diversos aspectos das desigualdades sociorraciais tornaram-se importantes na
formulação de políticas públicas na sociedade brasileira, aparecendo tais
políticas “entre os temas prioritários do discurso político contemporâneo como
instrumento de constituição da cidadania plena e de consolidação da
democracia em bases justas”, (PEIXOTO, 2004, p. 11), mas as políticas de
inclusão de afrodescendentes mostram sua ineficácia na redução das
desigualdades raciais. É claro que o quadro de exclusão em que o (a) negro (a)
se encontra na contemporaneidade não é tão diferente da situação de
abandono pela qual passaram os (as) escravos (as) que não cruzaram os
braços, mas exercitaram a sua capacidade de luta e organização por melhores
condições de vida.
Em vista disso, organizações que promovem a diversidade, procuram refletir na
sua força de trabalho a sociedade pelo qual está inserido, sendo assim,
organizações menos monolíticas, mais pluralistas e multiculturais, estão mais
propícias, no meio deste mundo globalizado, a aproveitar da riqueza de uma
força de trabalho diversificada, justamente, espelhado na sociedade na qual
está inserido.
Na sociedade brasileira, as desigualdades raciais não podem ser entendidas à
luz das idéias que difundem a democracia racial, porque a discriminação, o
preconceito e o racismo, é que o mundo enfrenta desde a escravidão. São
quase quatro séculos de escravidão e a problemática do racismo ainda está
latente em nossa sociedade manifestando-se de forma sutil e camuflada.
Alguns esforços têm sido desprendidos na tentativa de solucionar o problema
por meio das políticas de ações afirmativas e as pressões do Movimento Negro
junto ao Estado Brasileiro.

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