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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZONAS
REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

EVERTON SOARES CANGUSSU

PROVAS MATEMÁTICAS NO ENSINO: UMA QUESTÃO DE LÓGICA

BELÉM – PA
2021
EVERTON SOARES CANGUSSU

PROVAS MATEMÁTICAS NO ENSINO: UMA QUESTÃO DE LÓGICA

BELÉM – PA
2021
EVERTON SOARES CANGUSSÚ

PROVAS MATEMÁTICAS NO ENSINO: UMA QUESTÃO DE LÓGICA

Texto de tese doutoral apresentado ao


Programa de Pós-Graduação em Educação
em Ciências e Matemática, Área de
concentração Educação Matemática, na linha
de pesquisa Fundamentos e Metodologias
para a Educação em Ciências e Matemática,
da Rede Amazônica de Educação em Ciências
e Matemática, como requisito exigido para a
obtenção do título de Doutor em Educação
Matemática.

Orientador: Prof. Dr. Iran Abreu Mendes

BELÉM – PA
2021
Dedicatória

Aos meus pais, à minha esposa e aos meus filhos!


Agradecimentos

O meu agradecimento especial vai para dois seres humanos fantásticos – o Prof.
Dr. Iran Abreu Mendes e a Profa. Dra. Marisa Rosâni Abreu da Silveira. Agradeço
ao meu atual orientador, Prof. Dr. Iran Abreu Mendes, por todas as contribuições
ao texto e por ter aceitado orientar-me após o falecimento da minha orientadora,
Profa. Dra. Marisa Rosâni Abreu da Silveira. Faz-se necessário aqui ressaltar a sua
inestimável contribuição para minha formação e para o texto de Tese que ora
apresento.

Agradeço à REAMEC, por tudo que faz, em prol da Região Amazônica. Agradeço
também às Coordenadoras - Geral e de Polo - da REAMEC: Profas. Dras. Marta
Maria Pontin Darsie, Terezinha Valim Oliver Gonçalves, Josefina Barrera Kalhil e
Gladys Denise Wielewski, pelo apoio e pelos conselhos, em diversas situações.

Agradeço aos amigos da turma REAMEC 2017, Polo Belém, pelas discussões e
contribuições durante todo o curso.

Agradeço aos colegas do GELIM, pelas contribuições no processo de formação.

Agradeço ao Prof. Dr. Licurgo Peixoto de Brito (In memoriam) e à Profa. Dra.
Rosália Aragão (In memoriam) por todo o apoio.

Agradeço ao IFMA, por me ter concedido uma bolsa parcial e pelo apoio
institucional no doutorado, sem os quais o presente trabalho não poderia ter sido
realizado.

Por fim, expresso minha gratidão à minha esposa, Adriana Cangussu, por todo o
apoio e dedicação.
CANGUSSU, Everton Soares. Provas Matemáticas no Ensino: Uma Questão de
Lógica. 2021. 120 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) –
Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática
(PPGECEM) da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
(REAMEC) da UFMT/UFPA/UEA.

RESUMO

Este trabalho resultou de uma pesquisa cujo objeto focal foi o ensino da Lógica,
voltada ao exercício das demonstrações na formação de professores. Teve como
objetivo analisar as contribuições da terapia conceitual wittgensteiniana como
suporte para o ensino de Lógica, por meio de uma linguagem adequada à
compreensão das provas matemáticas. Para alcançá-lo, buscou-se relações
pertinentes nas Escolas Filosóficas da Matemática e na filosofia do segundo
Wittgenstein, acerca do papel da linguagem nesse contexto de conhecimento.
Discutiu-se a importância do ensino de Lógica, especificamente, as demonstrações
matemáticas. Para tanto, abordou-se as concepções de Lógica nos discursos de
um grupo de docentes e nos livros de Lógica indicados em componentes
curriculares de um curso de Licenciatura em Matemática, de uma universidade
pública, no município de Imperatriz, estado do Maranhão (Brasil). Com base em
Wittgenstein, caracterizou-se a Filosofia Matemática, a linguagem e os métodos de
prova matemática, para discutir o uso da linguagem e uma metodologia do ensino
de Lógica que trate das provas matemáticas. Nesse caminho, recorreu-se à Análise
de Conteúdo, de Bardin, por meio de categorias de análise extraídas da
fundamentação teórica, na intenção de interpretar depoimentos de docentes e
conteúdo de livros de Lógica Matemática, adotados na disciplina de mesmo nome.
Os resultados apontaram possibilidades de relacionar as ideias de Wittgenstein aos
conteúdos constantes nesses livros e, assim, vislumbrar possibilidades de ensino
de Lógica relacionada à linguagem.

Palavras-chave: Ensino de lógica. Linguagem matemática. Demonstração


matemática. Prova matemática. Filosofia de Wittgenstein.
CANGUSSU, Everton Soares. Mathematical Proofs in Teaching: A Matter of
Logic 2021. 274 f. Thesis (Doctoral Science and Mathematics Education) –
Graduate Program in Science and Mathematics Education (PPGECEM) of the
Amazonian Science and Mathematics Education Network (REAMEC) at
UFMT/UFPA/UEA.

ABSTRACT

This work resulted from a research whose focal object was the teaching of Logic,
focused on the exercise of demonstrations in teacher training. It aimed to analyze
the contributions of Wittgenstein's conceptual therapy as a support for the teaching
of Logic, through a language suitable for the understanding of mathematical proofs.
To achieve it, relevant relationships were sought in the Philosophical Schools of
Mathematics and in the philosophy of the second Wittgenstein, about the role of
language in this context of knowledge. The importance of teaching logic was
discussed, specifically, mathematical demonstrations. Therefore, the concepts of
Logic were approached in the speeches of a group of teachers and in the Logic
books indicated in curricular components of a Licentiate in Mathematics course, at
a public university, in the municipality of Imperatriz, state of Maranhão (Brazil).
Based on Wittgenstein, Mathematical Philosophy, language and methods of
mathematical proof were characterized, to discuss the use of language and a
methodology for teaching logic that deals with mathematical proofs. In this way,
Bardin's Content Analysis was used, through analysis categories extracted from the
theoretical foundation, with the intention of interpreting teachers' testimonies and
content of Mathematical Logic books, adopted in the discipline of the same name.
The results showed possibilities of relating Wittgenstein's ideas to the contents
contained in these books and, thus, glimpsing possibilities of teaching Logic related
to language.

Keywords: Teaching logic. Mathematical language. Mathematical demonstration.


Math test. Wittgenstein's philosophy.
CANGUSSU, Everton Soares. Pruebas matemáticas en la enseñanza: una
cuestión de lógica. 2021. 274 f. Tesis (Doctorado en Educación Científica y
Matemática) – Programa de Posgrado en Educación Científica y Matemática
(PPGECEM) de la Red Amazónica de Educación Científica y Matemática
(REAMEC) en UFMT / UFPA / UEA.

Resumen

Este trabajo resultó de una investigación cuyo objeto focal fue la enseñanza de la
Lógica, enfocada en el ejercicio de demostraciones en la formación docente. Tuvo
como objetivo analizar los aportes de la terapia conceptual de Wittgenstein como
apoyo a la enseñanza de la Lógica, a través de un lenguaje adecuado para la
comprensión de las demostraciones matemáticas. Para lograrlo, se buscaron
relaciones relevantes en las Escuelas Filosóficas de las Matemáticas y en la
filosofía del segundo Wittgenstein, sobre el papel del lenguaje en este contexto de
conocimiento. Se discutió la importancia de la enseñanza de la lógica,
específicamente, de las demostraciones matemáticas. Para ello, los conceptos de
Lógica fueron abordados en los discursos de un grupo de profesores y en los libros
de Lógica indicados en componentes curriculares de un curso de Licenciatura en
Matemáticas, en una universidad pública, en el municipio de Imperatriz, estado de
Maranhão (Brasil). Con base en Wittgenstein, se caracterizó la Filosofía
Matemática, el lenguaje y los métodos de demostración matemática, para discutir
el uso del lenguaje y una metodología para la enseñanza de la lógica que trata de
las demostraciones matemáticas. De esta forma, se utilizó el Análisis de Contenido
de Bardin, a través de categorías de análisis extraídas de la fundamentación
teórica, con la intención de interpretar testimonios de docentes y contenido de libros
de Lógica Matemática, adoptados en la disciplina del mismo nombre. Los
resultados mostraron posibilidades de relacionar las ideas de Wittgenstein con los
contenidos en estos libros y, así, vislumbrar posibilidades de enseñanza de la
Lógica relacionada con el lenguaje.

Palabras clave: Lógica didáctica. Lenguaje matemático. Demostración


matemática. Exámen de matemáticas. La filosofía de Wittgenstein.
Lista de Siglas

GF ............................................................................................Gramática Filosófica
IF........................................................................................Investigações Filosóficas
OF ......................................................................................Observações Filosóficas
OFM ........................................Observações sobre os Fundamentos da Matemática
TLP ..........................................................................Tractatus Lógico-Philosóphicus
Lista de Figuras

Figura 01. Relação entre Filosofia, Matemática e Ensino ............................. 20


Figura 02. Tabela verdade de Kripke............................................................. 38

Figura 03. Matrizes para a Lógica Trivalente de ᴌukasiewics......................... 39

Figura 04. Diagrama da divisão de 11 maçãs para 3 pessoas ....................... 56


Figura 05. Diagrama para resolver 3 x 4 =12 ................................................ 56
Figura 06. Pontos geométricos equidistantes.................................................... 57
Figura 07. Fluxograma de categorização ..................................................... 65
Figura 08. Argumento lógico ......................................................................... 71
Figura 09. Demonstração usando tableaux semântico ................................. 71
Lista de Quadros

Quadro 01. Teses e dissertações, por grupo de palavras-chave, após filtro. 10


Quadro 02. Teses agrupadas, após filtro, no título, resumo e sumário ........... 11
Quadro 03. Dissertações agrupadas, após filtro, no título, resumo e sumário 13
Quadro 04. Ementa da disciplina Lógica Matemática.................................... 69
Quadro 05: Proposta de ementa da disciplina Lógica Matemática .................. 88
Quadro 06. A importância da Lógica Matemática nas demonstrações ......... 100
Quadro 07. Ensino de Lógica ........................................................................ 102
Quadro 08. Linguagem .................................................................................. 105
Quadro 09. O uso de demonstrações matemáticas ...................................... 107
SUMÁRIO
À GUISA DE INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 4
1. O INÍCIO DA PESQUISA ............................................................................................................. 10
1.1 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO ..................................................................................... 10
1.2 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................................... 14
1.3 HIPÓTESE E PROBLEMA CIENTÍFICO ............................................................................. 21
1.4 OBJETIVOS ........................................................................................................................... 22
1.4.1 Geral ............................................................................................................................... 22
1.4.2 Específicos ..................................................................................................................... 22
2. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS ................................................................................................ 25
2.1 UMA BREVE INCURSÃO PELA FILOSOFIA DA MATEMÁTICA .......................................... 25
2.1.1 Intuicionismo ................................................................................................................... 27
2.1.2 Formalismo ..................................................................................................................... 30
2.1.3 Logicismo ........................................................................................................................ 32
2.2 AS LÓGICAS .......................................................................................................................... 35
3. AS FILOSOFIAS DE LUDWIG WITTGENSTEIN ........................................................................ 42
3.1 WITTGENSTEIN – DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA ............................................... 43
3.2 PROVA MATEMÁTICA EM WITTGENSTEIN ........................................................................ 51
4. METODOS E EMPIRIA ................................................................................................................ 60
4.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA .......................................................................................... 60
4.2 MÉTODO DE ANÁLISE .......................................................................................................... 61
4.2.1 Analise de Conteúdo ...................................................................................................... 61
4.3 O LOCUS E OS SUJEITOS.................................................................................................... 66
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS ................................................................................................... 67
5.1 DO ENSINO DE LÓGICA ....................................................................................................... 67
5.2 DA LINGUAGEM .................................................................................................................... 77
5.3 DA LÓGICA MATEMÁTICA NAS DEMONSTRAÇÕES ......................................................... 81
5.4 DO USO DE DEMONSTRAÇÕES MATEMÁTICAS .............................................................. 84
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 87
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 92
APÊNDICES..................................................................................................................................... 96
EPÍGRAFE

A linguagem é uma fonte de mal-entendidos.


(SAINT-EXUPÉRY)
À GUISA DE INTRODUÇÃO

A epígrafe anunciada na página anterior deste texto é enfática como uma


enunciação provocativa a respeito da linguagem comumente utilizada na
comunicação entre humanos. Trata-se de uma passagem discorrida no livro de
Antoine de Saint-Exupéry (SD), intitulado O Pequeno Príncipe, no momento em que
o autor, ao humanizar a comunicação com outros animais, menciona um fato
relacionado à raposa, que afirma valorizar o silêncio nos primeiros encontros entre
amigos, justificando seu ponto de vista com a afirmação de que a linguagem é uma
fonte de mal-entendidos.
Talvez a justificativa da raposa seja coerente pela sua compreensão de que
não seja a via da linguagem a melhor para transmitir de forma mais exata possível
a informação relacionada ao que está organizado em seu interior, ou seja, no
sentimento que se organiza em seu pensamento, uma vez que ela admite que o
que existe em seu interior não consegue ser explicitado plenamente por meio de
um grupo de palavras encadeadas na forma de frases.
Por outro lado, o pensamento e a linguagem estão em ordem como estão. A
incompreensão no diálogo da raposa com o pequeno príncipe não define um
problema na linguagem, mas faz emergir um problema na compreensão do diálogo
entre um humano e uma raposa, ambos seres de vivências e contextos distintos, e
essa incompreensão da linguagem envolvida não é em virtude de ineficiência ou
de problema na linguagem, mas pelo uso de regras distintas em sua construção. A
linguagem provida pela raposa advém de seu contexto de vida e carrega consigo
regras próprias, regras essas desconhecidas pelo pequeno príncipe, que, por
conseguinte, tem sua linguagem pautada em suas vivências, com regras diferentes
das regras da linguagem da raposa. Enfim, é possível que a vivência prolongada
entre os dois seres promova o entendimento do regramento de suas linguagens,
minimizando as incompreensões e favorecendo uma boa comunicação. As
aproximações culturais e linguísticas ocorrem nas relações, no ato de cativar, um

4
lugar onde a linguagem torna-se plenamente compreensível, dissolvendo as
confusões1 conceituais.
Essa situação, portanto, pode ser considerada uma questão de lógica, que
envolve a linguagem, sua organização de modos de expressão e sua comunicação.
Tal questão de lógica mostra-se o cerne da discussão que levaremos como pauta
neste trabalho.
Existe pensamento ilógico? Uma pergunta de simples formulação, mas com
desprendimentos muito amplos é capaz de fazer-nos refletir sobre as Lógicas e
suas concepções históricas, partindo desde a Lógica Clássica de Aristóteles até as
Lógicas Heterodoxas do século XX.

Em 2017, realizei por meio de iniciação científica, um estudo sobre as


percepções dos discentes do curso de Licenciatura em Matemática, do IFMA,
Campus São Luís, Monte Castelo, sobre a disciplina Lógica Matemática,
componente curricular do referido curso. Os dados da pesquisa foram produzidos
por meio de entrevistas semiestruturadas, através quais foi possível destacar
percepções dos discentes acerca da Lógica. A partir das transcrições das
entrevistas, separamos os seguintes excertos para analisar as compreensões dos
discentes sobre o que é a Lógica e seu uso na linguagem e na Matemática.

A lógica nos molda. Até porque é um conhecimento básico para todas as


áreas. (Discente E).

Ter raciocínio lógico é você pensar de forma rápida, coerente, que as


coisas se encaixam. (Discente H).

Eu acredito que as deduções lógicas sempre chegam a uma verdade, no


momento acredito que sim. (Discente E).

1
As chamadas confusões ocorrem em nível conceitual, no qual os interlocutores atribuem
significados distintos para uma mesmo objeto, símbolo ou conjunto de símbolos, ocasionando
incompreensões ou compreensões equivocadas.

5
Inferimos que, de acordo com as falas dos discentes, a Lógica2 pode ser
identificada com uma crença em uma verdade absoluta e universal, que regula o
mundo, moldando-o de uma forma na qual a razão concebe a realidade como um
quebra-cabeça, em que as peças se encaixam perfeitamente, baseadas na
coerência do pensamento lógico.
Pensamos que as concepções dos discentes sobre Lógica podem ter
relação, entre outras coisas, com a compreensão dos professores formadores de
Lógica Matemática3 e suas representações.
Durante a maior parte de minha formação acadêmica, a percepção de que a
Matemática e a Lógica, enquanto ciências, representam ou nos conduzem à
verdade, sempre fez parte do meu discurso. Posso afirmar que essa visão persistiu
até meados de 2013, mesmo após o término do mestrado em Matemática. Atuando
como docente de Ensino Básico e Superior, principalmente, em curso de
Licenciatura em Matemática, defendi uma prática pedagógica que reforçava em
sala de aula um discurso da Matemática e da Lógica enquanto verdades absolutas,
revelando-me, assim, um multiplicador desse pensamento em sala de aula. No
entanto, em virtude do contato com novas leituras, discussões com pares e
discentes, notei contradições em minhas argumentações, em virtude de permitir
relativização de conceitos em certas situações e absolutização em outros
momentos, enfim, percebi-me um ser de conflitos.
Em meio a esse processo, observei certas carências na forma e no conteúdo
da disciplina Lógica Matemática, tanto em virtude do isolamento diante do currículo
do curso, quanto no que tange à sua importância nas demonstrações (ou provas)
matemáticas. A partir dessas observações preliminares, busquei traçar relações
causais, o que me levou a indagar sobre Lógica, Matemática e demonstrações
matemáticas, servindo como mola propulsora para realizar esta pesquisa científica.
Proponho uma pesquisa alicerçada na tríade: Ensino, Lógica e
Demonstração Matemática 4 . Uma demonstração ou prova matemática é uma
atividade que determina a verdade das proposições, as quais são denominadas por
Wittgenstein sob o nome de “fórmulas”, determinando, assim, o seu significado

2 Lógica enquanto área de conhecimento.


3 Matemática enquanto ciência.
4 Demonstração Matemática é tomada como sinônimo de Prova Matemática, considerado o

processo formal para validação de uma afirmação matemática (Balacheff, 1987).

6
(JOURDAN, 2009). Para Wittgenstein, a Matemática é normativa, suas proposições
são determinadas por regras em um processo de construção de significados, por
meio do qual as demonstrações são atividades que proporcionam novas
proposições, ou seja, o uso das regras em um determinado contexto gera novas
proposições (JOURDAN, 2009).
Em nosso texto, algumas palavras são tomadas não com o significado usual,
mas sim a partir de conceitos wittgensteinianos. Uma forma de vida é o lócus onde
um conceito toma seu significado, através do seu uso, e cada forma de vida possui
uma gramática, que é determinada pelas regras que são criadas a partir do uso da
linguagem. Os jogos de linguagem são o processo de articulação da linguagem e
dos seus significados, submetidos às regras existentes em cada forma de vida e
determinados pela sua gramática, observando que os significados e suas regras
não são fixados, mudam de acordo com o contexto social, no tempo e no espaço.
O termo uso que aparece tantas vezes, no texto, está invariavelmente ligado a
significado, pois, para Wittgenstein (IF5, 1979), o significado de um signo não está
associado somente a um objeto ou a nenhum objeto, mas principalmente ao seu
uso, ou seja, o significado de uma palavra é o seu uso. Outro conceito
importantíssimo é ver e ver como: ver como vai além do ato de simplesmente ver,
pois ver como carrega consigo toda a forma de vida do observador sobre o objeto,
atribuindo-lhe significados inerentes à forma de ver, atribuindo-lhe conceitos
advindos de sua forma de vida.
Pela diversidade das lógicas – clássica, ampliadas e alternativas –, é
possível que, em determinados argumentos ou falas, o docente esteja usando
conceitos oriundos de lógicas distintas, possibilitando confusões. Por outro lado, no
currículo do curso da instituição lócus da pesquisa, o plano da disciplina de Lógica
é denominado Lógica Matemática, ou seja, exclui-se as possibilidades de
apresentação de outras lógicas, fortalecendo o campo da Lógica Matemática e
consequentemente, o da Lógica Clássica. Sendo assim, não é curricularmente
ofertado aos discentes Lógicas, apenas Lógica Matemática, o que se torna um
obstáculo para uma discussão sobre as diversas Lógicas.

5 Investigações Filosóficas (IF) é a principal obra da segunda filosofia de Wittgenstein.

7
O texto é constituído por sete tópicos, a saber: À Guisa de Introdução;
Primeiro capítulo: O Início da Pesquisa; Segundo capítulo: Fundamentos
Filosóficos; Terceiro capítulo: As Filosofias de Ludwig Wittgenstein; Quarto
capítulo: Métodos e Empiria; Quinto capítulo: Análise dos Resultados; e, para
encerrar, Considerações finais.
No primeiro capítulo, intitulado O Início da Pesquisa, abordaremos o
levantamento bibliográfico cuja intencionalidade está na busca de fontes de
pesquisa para nosso estudo, bem como oferece um status quo dos estudos sobre
a temática. Logo em seguida, justificamos a necessidade desta pesquisa,
apresentando o problema científico, a hipótese e os objetivos. Nesse capítulo está
configurada a caracterização geral do trabalho, na qual apresentamos a motivação
inicial que ocasionou nosso envolvimento com o tema e o interesse no
desenvolvimento da pesquisa, seguidos de uma justificativa para o estudo realizado
em todas as suas etapas. Em seguida, apresentamos nossa hipótese e nosso
problema científico, acompanhados do objetivo geral e dos objetivos específicos da
pesquisa que originou a escrita da Tese.
No segundo capítulo, intitulado Fundamentos Filosóficos, abordamos um
breve histórico da Lógica e da Filosofia da Lógica, descrevendo desde os
primórdios da Lógica até as Lógicas do século XX. Ainda neste capítulo,
apresentamos as três principais Escolas Filosóficas da Matemática – o Logicismo,
o Intuicionismo e o Formalismo, bem como seus principais representantes e
buscamos relacionar o momento histórico da Lógica e da Filosofia da Matemática,
nos séculos XIX e XX.
O terceiro capítulo discute as ideias do filósofo Ludwig Wittgenstein.
Procuramos percorrer sucintamente os caminhos de constituição das suas
filosofias, partindo de sua primeira filosofia marcada no Tractatus Lógico-
Philosóphicus (1921) e findando com as Investigações Filosóficas (1953), obra que
inaugura e consolida a segunda filosofia de Wittgenstein. Neste capítulo, optamos
por destacar uma seção especial sobre a filosofia conhecida como fase
intermediária de Wittgenstein, na qual abordamos a Prova Matemática, temática
tratada nas obras Observações sobre os Fundamentos da Matemática (1956),
Observações Filosóficas (1964) e Gramática Filosófica (1974). Salientamos,

8
porém, que a única obra de Wittgenstein publicada ainda em vida foi o Tractatus
Lógico-Philosóphicus. As demais foram publicadas postumamente.
No quarto capítulo, denominado Métodos e Empiria, discorremos sobre os
procedimentos operacionais desenvolvidos nas etapas da pesquisa, considerando
tratar-se de uma pesquisa qualitativa do tipo ensaística, embora não tenha sido
descartada a parte referente à empiria concretizada na recolha de depoimentos de
docentes a respeito do tema foco do estudo.
Além da fundamentação teórico-filosófica, ancorada nas filosofias de
Wittgenstein e em teóricos sobre a temática, realizamos uma incursão sobre as
compreensões de docentes de um curso de Licenciatura em Matemática em uma
universidade pública, na cidade de Imperatriz – MA. Os dados foram produzidos
por meio de entrevista semiestruturada, com posterior categorização, com suporte
na Análise de Conteúdo de Bardin (2016). As categorias emergentes foram ensino
de Lógica, linguagem, a importância da Lógica Matemática nas demonstrações e o
uso de demonstrações matemáticas.
No quinto capítulo, realizamos uma análise das categorias à luz das filosofias
de Wittgenstein, buscando realizar uma forma de terapia. Para encerrar,
apresentamos nossas considerações finais reflexivas acerca do que o estudo
empírico e analítico representou para nossa formação e para a produção e nossas
informações acerca do tema investigado e no que concerne à sustentação da tese
anunciada previamente. Nesse sentido, apresentamos nossas conclusões sobre o
estudo e projeções para novas pesquisas.

9
1. O INÍCIO DA PESQUISA

Neste capítulo, abordaremos o levantamento bibliográfico que teve o objetivo


de buscar fontes de pesquisa para nosso estudo, bem como oferecer um status
quo dos estudos sobre a temática. Logo em seguida, justificamos a necessidade
desta pesquisa, apresentando o problema científico, a hipótese e os objetivos.

1.1 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO


Ao realizar um levantamento bibliográfico de Teses e Dissertações
disponíveis no Banco da CAPES (BDTD CAPES), por meio do endereço eletrônico
http://bdtd.ibict.br/vufind/, em um recorte temporal6 de 2000-2019, com auxílio do
mecanismo interno de busca avançada, usando a interseção das palavras-chave
de cada grupo, encontramos 20 teses e 43 dissertações, distribuídas de acordo
com o quadro 01.

Quadro 01. Quantidade de teses e dissertações por grupo de palavras-chave após filtro.

GRUPO DE PALAVRAS-CHAVE TESES DISSERTAÇÕES TOTAL

Lógica; Matemática; Wittgenstein. 03 08 11

Lógica; Jogos de linguagem; Wittgenstein. 05 09 14

Lógica; Ensino; Wittgenstein. 05 10 15

Lógica; Lógica Matemática; Demonstração. 02 11 13

Gramática; Lógica; Wittgenstein. 04 03 07

Terapia; Ensino de Matemática; Wittgenstein. 01 02 03

Fonte: http://bdtd.ibict.br/vufind/

6
O grupo precursor no estudo de Linguagem Matemática na perspectiva de Wittgenstein aplicada
ao ensino de matemática é o GELIM - Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguagem Matemática,
formado em 2007, sob a liderança da Profa. Dra. Marisa Rosâni Abreu da Silveira. As pesquisas na
linha de linguagem matemática na perspectiva de Wittgenstein têm início na década de 2000. Por
essa razão, optamos pelo período de 2000-2019 para busca de teses e dissertações na base de
dados da Capes.

10
Como a proposta aqui feita é discutir a compreensão dos docentes dos
cursos de Licenciatura em Matemática em relação às concepções de Lógica e sua
necessidade nas provas matemáticas, analisamos os discursos por meio da
Filosofia de Wittgenstein. Os trabalhos selecionados passaram por um filtro,
tomando como fator determinante os conceitos de Wittgenstein e as concepções
de Lógica. A filtragem supracitada foi realizada por meio da análise do título,
resumo e sumário, obtendo, assim, teses e dissertações agrupadas por título, autor,
instituição/programa de pós-graduação e ano, conforme quadros 02 e 03.

Quadro 02. Teses agrupadas, após filtro no título, resumo e sumário.

TÍTULO AUTOR INSTITUIÇÃO – PROGRAMA ANO

A matemática das
philosophische
NAKANO, Anderson UFSCAR - Programa de Pós-
bemerkungen: 2015
Luis. Graduação em Filosofia
Wittgenstein no contexto
da grundlagenkrise

Produção de sentidos e
construção de conceitos UFRGS -
SILVEIRA, Marisa
na relação Programa de Pós- Graduação 2005
Rosani Abreu da.
ensino/aprendizagem da em Educação
matemática

A significação de
representações químicas SILVA, Jackson Gois USP -
2012
e a filosofia de da. Faculdade de Educação
Wittgenstein

UFPA -
A Terapia de Wittgenstein TEIXEIRA JUNIOR, Programa de Pós Graduação
2016
e o ensino de Álgebra Valdomiro Pinheiro. em Educação em Ciências e
Matemáticas

Fonte: http://bdtd.ibict.br/vufind/

A matemática das philosophische bemerkungen7: Wittgenstein no contexto


da grundlagenkrise8 é uma tese de autoria de Anderson Luis Nakano (NAKANO,

7 O termo pode ser traduzido do alemão como Observações filosóficas.


8 Traduzido do alemão como Crise dos Fundamentos, refere-se ao momento histórico da crise dos
fundamentos da Matemática, iniciada no século XIX.

11
2015) que faz uma abordagem teórico-filosófica da obra Philosophische
bemerkungen (Observações Filosóficas) de Wittgenstein e seus conflitos consigo
mesmo, no que diz respeito aos fundamentos da lógica do Tractatus e com as
Escolas Filosóficas da Matemática proeminentes na primeira metade do século XX.
Em certo ponto (NAKANO, 2015), discute a concepção de prova matemática em
Wittgenstein, mas não faz qualquer análise acerca do ensino de Lógica ou de
Matemática, tratando no domínio do filosófico.
A tese Produção de sentidos e construção de conceitos na relação
ensino/aprendizagem da matemática, de Marisa Rosâni Abreu da Silveira
(SILVEIRA, 2005), aborda de forma teórico-filosófica a ressignificação dos
conceitos matemáticos. Apoia-se na filosofia de Wittgenstein para discutir o estado
de devir dos conceitos matemáticos e sua mutabilidade em face de novas formas
de vida.
Jackson Gois da Silva (SILVA, 2012) aborda na tese A significação de
representações químicas e a filosofia de Wittgenstein, por meio do método Terapia
de Wittgenstein, a significação das representações químicas, atrelando o
significado ao uso da linguagem e não a fatores externos; evidenciando a
importância de Wittgenstein no papel das regras na constituição dos significados.
Valdomiro Pinheiro Teixeira Junior (TEIXEIRA JÚNIOR, 2016) discute em
sua tese A Terapia de Wittgenstein e o ensino de Álgebra o ensino de Álgebra,
usando o método da Terapia de Wittgenstein sob a perspectiva da epistemologia
do uso de Arley Moreno para dissolver as confusões conceituais geradas pelo
ensino pautado em concepções essencialistas e referenciais da linguagem
presentes em textos matemáticos, nos PCN e em teses e dissertações. Propõe
que, a partir da epistemologia do uso, a álgebra tem uma gramática, portanto, é
arbitrária, autônoma e possibilita relações de sentido.

12
Quadro 03. Dissertações agrupadas após filtro no título, resumo e sumário.

TÍTULO AUTOR INSTITUIÇÃO – PROGRAMA ANO

A Lógica na Formação de
Sujeitos: um estudo sobre a PUC-RS - Programa de Pós-
RIBEIRO,
presença da lógica nos Graduação em Educação em 2015
Alessandro Pinto
processos de ensino e de Ciências e Matemática
aprendizagem de matemática

USP -
Argumentação e prova na MATHEUS, Aline
Mestrado Profissional em Ensino de 2016
matemática escolar dos Reis.
Matemática

Fonte: http://bdtd.ibict.br/vufind/

Alessandro Pinto Ribeiro (RIBEIRO, 2015), em seu texto de dissertação, A


Lógica na Formação de Sujeitos: um estudo sobre a presença da lógica nos
processos de ensino e de aprendizagem de matemática, aborda, sob a perspectiva
metodológica de estudo de caso, com abordagem de Análise Textual Discursiva,
analisando as diferentes concepções de Lógica dos docentes de Ensino Médio e
as suas percepções da Lógica em sua prática e nos livros didáticos.
Na dissertação Argumentação e prova na matemática escolar, Aline dos
Reis Matheus (MATHEUS, 2016) discute por meio de uma abordagem teórica e de
campo a importância da prova matemática e os motivos de seu pouco uso na
Matemática escolar. Busca compreender a noção de demonstração e o
desenvolvimento da Matemática; discute aspectos conceituais e epistemológicos
da prova matemática; e investiga as razões da ausência de trabalhos significativos
nesta temática. A abordagem metodológica de campo é um estudo de caso
realizado com um grupo de professoras de Matemática da Educação Básica,
quando foi possível, segundo o texto, observar as diversas causas do abandono
das demonstrações, entre as quais a ausência de discussão profunda na formação
inicial e presença do tecnicismo nas práticas de ensino.
Por meio do levantamento bibliográfico, não foram encontradas pesquisas
que vinculem o ensino de Lógica para fins de demonstração matemática com as
concepções dos docentes, tomando como análise a Filosofia de Wittgenstein e
usando como metodologia de tratamento das entrevistas a análise de conteúdo, de
Laurence Bardin (2016). Como foi possível observar, de todos os textos analisados,

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dois trabalhos podem ser tomados em aproximação tangencial: as dissertações A
Lógica na Formação de Sujeitos: um estudo sobre a presença da lógica nos
processos de ensino e de aprendizagem de matemática (2015) e Argumentação e
prova na matemática escolar (2016). O primeiro por evidenciar concepções dos
docentes de Matemática do Ensino Médio acerca da Lógica Matemática, à luz da
Filosofia de Wittgenstein. No entanto, essa concepção foi tomada para a criticidade
enquanto sujeitos e não para as demonstrações matemáticas, bem como o método
de análise utilizado foi a Análise Textual Discursiva, distinto deste trabalho. A
segunda dissertação, que usou um estudo de caso com professoras do Ensino
Básico, chega a uma conclusão que reforça a necessidade desta pesquisa, pois
observa ausência de estudos e de práticas de ensino de Matemática, nos quais as
demonstrações matemáticas possam ser apresentadas aos alunos, o que
corrobora em favor da importância e originalidade deste estudo, bem como da sua
relevância acadêmica.

1.2 JUSTIFICATIVA
Em 2003, a Sociedade Brasileira de Educação Matemática – SBEM,
publicou um documento intitulado Subsídios para a Discussão de Propostas para
os Cursos de Licenciatura em Matemática: Uma contribuição da Sociedade
Brasileira de Educação Matemática, com a finalidade de despertar discussões
sobre os cursos de Licenciatura em Matemática no Brasil. Em seu corpo o
documento indica alguns problemas a serem enfrentados por tais cursos.

A predominância da visão de Matemática como disciplina neutra, objetiva,


abstrata, a-histórica e universal, sem relação com os entornos sócio-
culturais em que ela é produzida, praticada e significada; A predominância
de uma prática de organização curricular em que os objetivos, os
conteúdos, a metodologia e a avaliação aparecem desarticuladas e
independentes; As discutíveis concepções de Matemática e de ensino de
Matemática que os cursos geralmente veiculam. (SBEM, 2003, p. 5-6).

Por meio das discussões atuais em sala de aula e observando a minha


prática docente, nas últimas duas décadas, acredito que a formação dos
professores de Matemática sofreu modificações positivas nos últimos anos. No

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entanto, os problemas indicados pela SBEM permanecem. Uma forma de modificar
essa realidade é uma docência voltada para a criticidade, argumentação e
esclarecimento. O ato de questionar o currículo e as concepções de Matemática e
de ensino se apresenta como o combustível para a efervescência das ideias,
movimentando o motor que produz novos conhecimentos.
Nesse sentido, a Lógica oportuniza ao docente incentivar discussões de
cunho matemático e filosófico, abrindo portas para a capacidade crítica do discente.
Uma formação pautada nesses critérios favorece o desenvolvimento de uma
liberdade de análise dos textos matemáticos, de uma compreensão das
demonstrações matemáticas, de um olhar com mais acuidade sobre os teoremas
e propriedades, o que compreendemos ser um ambiente propício à aprendizagem,
como ratifica o documento da SBEM.

O tratamento dos conteúdos se constitui também em um aspecto


importante, pois é fundamental que o professor em formação seja capaz
de explorar situações-problema, procurar regularidades, fazer
conjecturas, fazer generalizações, pensar de maneira lógica, comunicar-
se matematicamente por meio de diferentes linguagens, conceber que a
validade de uma afirmação está relacionada com a consistência da
argumentação, compreender noções de conjectura, teorema,
demonstração, examinar consequências do uso de diferentes
definições[...]. (SBEM, 2003, p. 15).

Entretanto, o ensino de Lógica no curso de Licenciatura em Matemática não


pode ser voltado unicamente para a estrutura lógica regida pelo Logicismo,
Intuicionismo e pelo Formalismo. Deve compreender, também, a diversidade do
pensamento matemático, matemático-filosófico e lógico, uma vez que a Matemática
e a Lógica são ciências com profícuo desenvolvimento teórico, filosófico e técnico,
com aproximações práticas e teóricas com diversas outras áreas do conhecimento
como a Física, Biologia, Filosofia, Engenharia, Economia etc.
No cotidiano, impregnados de ideias do senso comum, as pessoas usam
termos da Lógica sem se aterem à distinção da forma e do conteúdo, fazendo uma
miscelânea na argumentação que muitas das vezes é contraditória ou falaciosa. É
comum ouvir expressões do tipo: “todos os políticos são corruptos!”, “é lógico que
é verdade!”, “é uma coisa lógica!”, entre outras. Expressões como essas indicam

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possíveis confusões entre formas lógicas e formas de vida, ou seja, usar uma
estrutura normativa, a Lógica Clássica, para justificar uma gramática distinta da
Lógica impregnada de conceitos e significados em seu contexto cultural, o que pode
incorrer em incompreensões.
A Lógica é atributo da articulação da linguagem, sendo parte indispensável
para uma boa argumentação. Somos capazes de, por meio da racionalidade,
organizar as palavras em busca de uma boa argumentação e essa práxis está
ligada ao uso da Lógica na composição da linguagem, como asseveram Machado
e Cunha (2008).

A busca pela competência na argumentação, da compreensão das razões


próprias e dos outros nas tomadas de posição diante dos acontecimentos,
nas escolhas de pressupostos e nas tomadas de decisão é o objetivo
fundamental de um curso de Lógica. (MACHADO; CUNHA, 2008, p. 14).

No meio acadêmico e profissional, o uso da linguagem para minimizar


contradições é importante, no sentido de evitar confusões na compreensão da
mensagem. Em específico, um texto matemático, segundo Bicudo e Garnica
(2011), é um locus onde o formalismo matemático se expõe. Essa linguagem se
apresenta codificada de tal forma que se torna importante o conhecimento de
técnicas de demonstração e de suas representações. O conhecimento de Lógica
pode ser pensado como pré-requisito para a compreensão das estruturas
matemáticas, como complementa Marisa Silveira ao afirmar que

[...] as proposições matemáticas como teoremas, corolários, assim como


outra qualquer, são criadas com base na lógica e satisfazem
necessidades teóricas intrínsecas à matemática […]. As proposições
matemáticas exercem uma função normativa, são invenções humana e
não descobertas. (SILVEIRA, 2014, p.155-156).

A esse respeito, Silveira (2014) reforça a importância do ensino de Lógica


para uma boa compreensão da Matemática, reforçando sua importância no
currículo do curso de Licenciatura em Matemática. As técnicas de demonstrações

16
não são oriundas do empirismo clássico, em que as proposições podem ser
testadas experimentalmente, mas sim de uma construção racional que pode ser
experimentada pela racionalidade.
Tanto no contexto da Matemática, quanto no do senso comum, o conceito
de demonstração ou prova perpassa a ideia de convencimento, de um interlocutor
convencer outra pessoa sobre algo por meio de argumentos válidos. A forma da
argumentação, para o bom entendimento entre os interlocutores, está amplamente
ligada ao contexto, às terminologias, enfim, à linguagem compreensível para
ambos. Dá-se aí a importância do jogo de linguagem9, visto que, no processo de
convencimento, deverá haver uma sintonia fina entre os significados e sentidos das
falas de ambos, o que agrega o local e o global.
Nesse sentido, para Wittgenstein (IF, §23), “o termo “jogo de linguagem”
deve aqui salientar que o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de
uma forma de vida”. Tomando o conceito de jogo de linguagem para o ensino,
podemos observar que o professor e os discentes devem buscar uma comunicação
por meio da qual ocorra o mínimo distanciamento entre os significados dos objetos
matemáticos no contexto da sala de aula. Esse processo de articulação linguística
entre professor e discentes pode acarretar em aproximações conceituais, enfim,
em um consenso.
O jogo de linguagem pode ser visto também como ferramenta metodológica
para o ensino de Matemática, como afirma Silveira (2015). Concordamos que os
jogos de linguagem possam ser tomados como um processo para minimizar as
confusões conceituais (como interpretação distorcida de símbolos matemáticos em
outras ciências, uso inadequado de termos e conceitos matemáticos), que devem
ser parte da prática dos professores, haja vista a dificuldade de compreensão de
certos conteúdos matemáticos, tanto pela linguagem apresentada, como pela
forma. Nessa esteira, inferimos que o ensino de Lógica contribui na formação do

9
A significação na linguagem, para o segundo Wittgenstein, pode ser associada ao uso de
ferramentas em uma caixa. Cada ferramenta tem seu uso determinado, mas o usuário pode definir
um novo uso para uma determinada ferramenta. Assim é a linguagem: o uso das palavras pode ser
ressignificado de acordo com o falante, seguindo as regras de seu contexto. O jogo de linguagem
pode ser pensado como uma ação de uso da linguagem com seu significado determinado pelo uso
em um determinado contexto. O jogo de linguagem configura essa pluralidade de atividades, ações
de interlocução com objetivo de chegar a um consenso dos significados, apresenta aspectos de
ralações entre pessoas, fatos e coisas. Em virtude da pluralidade do jogo de linguagem, usaremos
também o termo “jogos de linguagem” para nos referir à multiplicidade de jogos.

17
professor de Matemática, fornecendo subsídios necessários para argumentar com
os alunos acerca de conceitos, buscar diversas formas coerentes de estabelecer
um consenso e persuadir os alunos da validade de certas afirmações matemáticas.
Mostrar também que a Lógica vislumbrada nas provas matemáticas como uma
semelhança de família na Matemática, é distinta das decorrências oriundas do
cotidiano, ou seja, como observado nos relatos dos discentes, as argumentações
usadas para o convencimento em situações empíricas fazem parte de uma forma
de vida e possuem uma gramática própria, distinta, então, da gramática da Lógica.
No ensino, os jogos de linguagem podem ser uma ferramenta didática com a
finalidade de dirimir confusões conceituais entre o professor e os discentes, pois o
professor, ao dialogar com os discentes, buscando a formalização de certos
conceitos ou na justificação de certas regras, busca o consenso em relação ao
significado dos fatos e das coisas.
Em relação à importância das provas e demonstrações matemáticas,
Almouloud (2012, p. 26) afirma que “as demonstrações produzem novas visões
matemáticas, novas ligações contextualizadas, e novos métodos para resolver
problemas, dando a elas um valor muito além de comprovar a veracidade de
proposições”, o que corrobora a relevância, ao abordar demonstrações e provas
matemáticas nos cursos de Licenciatura em Matemática, visto que se observa
deficiências observadas nessa seara (ALMOULOUD, 2012).
O interesse por desenvolver uma pesquisa sobre esta temática motivou uma
pesquisa realizada, por mim, em 2017, como mencionada na introdução do texto.
A partir dessa pesquisa, foi possível destacarmos trechos de uma entrevista
semiestruturada, os quais trago para dar suporte à justificativa desta tese. Em
relação à entrevista dos discentes, foi possível perceber um distanciamento entre
as compreensões da Lógica Matemática e de seu uso em demonstrações
matemáticas, discutidas no decorrer do curso, como podemos observar nas falas,10
a seguir.

Acredito que eu esteja começando a fazer esse comparativo na disciplina


de álgebra e acredito que um pouco das demonstrações que nós fizemos

10
Os depoimentos dos entrevistados foram transcritos e inseridos no texto, mantendo a
configuração da linguagem falada, ou seja, ipsis litteris.

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na linear retomavam um pouco dos conteúdos de introdução à lógica.
(Discente A).

Sinceramente, até agora eu não vejo muito a utilização da disciplina


depois que cursei. […] Eu pensava que outros professores iriam ensinar
as outras disciplinas iriam fazer um aproveitamento maior dela e o que eu
vi, realmente, foi muito pouco uso dela. (Discente F).

A lógica contribui muito para que a gente consiga estabelecer assim uma
maneira exata de falar cada sequência de frases, cada sequências de
palavras. Se a gente não atentar para os recursos da lógica, em cada frase
que a gente fala, a gente pode cometer erros que a princípio parece pouco,
mas se a gente for aplicar a um conteúdo matemático, esse erro pequeno
pode se tornar um erro absurdo. (Discente C).

Ao serem questionados se conseguiam traçar relação entre a Lógica


Matemática e demais disciplinas, os discentes A e B afirmaram que perceberam
sinais da Lógica nas demonstrações em Álgebra. No entanto, relatam que pouco
perceberam o uso da Lógica em outras componentes disciplinares do currículo do
curso. Evidenciam o pouco uso da Lógica nas demonstrações, visto que esperavam
que o conhecimento lógico fosse mais requisitado para aprendizagem dos diversos
assuntos relativos à Matemática abordados no curso. Quando questionados sobre
a utilização da Lógica na argumentação em contextos diversos, os discentes C, E
e H apresentaram respostas que revelam certas confusões entre a Lógica
Matemática, a “lógica” das relações humanas, a “lógica” da linguagem e o
significado do que se poderia compreender como verdade, evidenciando
inadequações e aproximações de conceitos das mais diversas Lógicas em
determinadas situações.
Entendemos que a discussão acerca do ensino de Lógica deve ser realizada
na formação do professor de Matemática com a perspectiva de abordar a temática
nas suas dimensões filosófica, da Matemática e no ensino, o que justifica pesquisas
nessa temática.

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Figura 01. Relação entre Filosofia, Matemática e Ensino.

Fonte: Elaborado pelo autor.

As dimensões da Filosofia e da Matemática (Figura 01) podem ser


associadas ao ensino, uma vez que, em princípio, para se ensinar Matemática
deve-se ter pleno domínio acerca do assunto a ser discorrido no processo de ensino
e, tanto a parte técnica relativa à Matemática quanto a filosófica são
interconectadas de maneira complementar para dar sentido e significado ao
conhecimento matemático, tornando essas três dimensões indissociáveis e
encadeadas, refletindo modos de pensar sobre algo (saber para explicar), fazer (a
partir do que se sabe para explicar) e disseminar os modos de saber e fazer
(explicar sobre o que se sabe para que se torne conhecido).
É sobre essas correlações que encadeiam Filosofia, Matemática e ensino,
que muitos pensadores, matemáticos, filósofos e professores têm se debruçado em
seus estudos e debates, durante muitos séculos, para encaminhar os processos de
ampliação dos modelos de pensamentos a respeito da interdependência entre a
realidade, a compreensão sobre a realidade e a expressão da realidade. Diversas
são as problemáticas sobre esse movimento epistêmico que fazem surgir
continuamente questões, hipóteses e discussões a esse respeito, tal como se
mostra o foco de nosso estudo: o debruçamento sobre uma problemática,

20
originando uma hipótese que será discutida em busca de uma compreensão e
explicação.

1.3 HIPÓTESE E PROBLEMA CIENTÍFICO


Diante das diversidades e divergências conceituais acerca de como se
compreende a Lógica, emergente dos depoimentos apresentados pelos discentes
do curso de Licenciatura em Matemática, inferimos que os jogos de linguagem
podem ser tomados como ferramenta para dissolução das confusões.
Nesse sentido, apresentamos a seguinte hipótese: o ensino de Lógica
pautado numa concepção wittgensteiniana contribui para a compreensão das
provas matemáticas no curso de Licenciatura em Matemática.
A tese pretende sustentar argumentativamente que uma abordagem do
ensino de Lógica pautada nas ideias do segundo Wittgenstein contribui para a
compreensão das Lógicas e da Matemática. Wittgenstein, em suas filosofias, não
apresentava preocupação com o ensino da Matemática e da Lógica, no entanto,
suas filosofias estão sendo usadas para justificar teses no ensino, principalmente,
a segunda fase de sua filosofia, centrada principalmente, no jogo de linguagem.
Wittgenstein, ao desenvolver suas filosofias, não apresentava preocupações com
questões de ensino, no entanto, em virtude, principalmente, de sua segunda
filosofia discutir a linguagem, chamou a atenção para diversas pesquisas na
linguagem matemática.
Segundo John Passmore (1980), quem ensina, ensina algo a alguém. Na
educação escolar, estamos diante da tríade - professor, conhecimento e aluno.
Segundo essa concepção, quem ensina deve conhecer o que ensina. Não há como
ensinar o que não sabe ou o que se tem fragilidade na sua compreensão. A
concepção que os docentes têm em relação à Lógica ou às Lógicas, o seu lugar no
currículo do curso e sua necessidade nas provas matemáticas, pode interferir no
ensino de Matemática. Em face do exposto, chegamos à seguinte pergunta de
pesquisa científica: de que maneira o ensino de Lógica contribui para a
compreensão das provas matemáticas e seus usos na formação docente?

21
1.4 OBJETIVOS
No intuito de buscar soluções para o problema de pesquisa, elencamos os
seguintes objetivos que são o norte do estudo, os quais foram divididos em objetivo
geral e específicos.

1.4.1 Geral
• Analisar as contribuições da terapia conceitual wittgensteiniana como
suporte para o ensino de Lógica, por meio de uma linguagem adequada à
compreensão das provas matemáticas.

Com esse objetivo proposto, o que se pretendeu foi estabelecer uma


discussão analítica acerca das contribuições que uma abordagem Wittgensteiniana
poderia trazer para o ensino de lógica no curso de Licenciatura em Matemática, de
modo a possibilitar uma compreensão mais ampliada sobre as provas e
demonstrações matemáticas como linguagem lógica de expressão comunicacional
dessa compreensão.

1.4.2 Específicos
• Estabelecer relações entre os princípios filosóficos básicos da Matemática
em seu desenvolvimento histórico e o lugar da Lógica nesse contexto;
• Discutir a importância do ensino de Lógica no contexto do curso de
Licenciatura em Matemática, que possibilite a constituição de uma
linguagem a ser incorporada na organização de provas e demonstrações
matemáticas;
• Discutir a importância do conhecimento sobre Lógica e suas implicações na
aprendizagem das provas matemáticas no ensino da Matemática;
• Caracterizar as concepções sobre Lógica evidenciadas em livros de Lógica
ou Lógica Matemática da ementa do curso de Licenciatura em Matemática
investigado;
• Esboçar uma proposta de ementa para a disciplina de Lógica Matemática,
na perspectiva da terapia conceitual wittgensteiniana, para o curso de
Licenciatura em Matemática investigado.

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Para analisar as possíveis contribuições do ensino de Lógica para o
desenvolvimento de habilidades relativas à compreensão e ao exercício de
demonstrações e provas matemáticas, destacamos que se faz importante
incorporar esclarecimentos acerca das relações filosóficas e entrelaçamentos
históricos entre a Lógica e a Matemática. Ademais, discutir a importância do ensino
de Lógica nos cursos de licenciatura como forma de observar como a Lógica, na
forma de componente curricular, articula suas abordagens clássicas ou não
clássicas, objetivando o seu uso além de sua necessidade nas demonstrações,
mas na percepção desta como uma linguagem dentre muitas outras.
A Lógica como expressão em forma de linguagem é comumente usada para
fins de argumentação, mas, no curso de Licenciatura em Matemática, não se pode
assegurar que seu uso esteja ligado unicamente às demonstrações e provas
matemáticas. Mesmo assim, sua inserção no currículo e seu estudo do curso
observado está limitado a uma disciplina de 40 horas, ministrada no primeiro
semestre do curso de Licenciatura em Matemática, o que pode apresentar indícios
de limitação de tempo e consequentemente de conteúdo abordado.
Com a preocupação de compreender os modos de inserção e o exercício
desse assunto na disciplina, propôs-se a discutir se o tempo disponibilizado para
abordagem do assunto está adequado, assim como discutir se a ementa e as
referências bibliográficas favorecem o exercício e a apropriação do que pode ser
uma boa argumentação. Discute-se ainda quais os subsídios necessários para a
aprendizagem acerca das demonstrações e provas matemáticas, sem deixar de
interpretar como estão postas essas ideias em relação às concepções de Lógica
discorridas nos livros didáticos sobre Lógica, indicados na ementa da disciplina
Lógica Matemática e analisados nesta pesquisa.
Logo, consideramos que se mostrou importante uma pesquisa sobre as
fontes bibliográficas dos professores de Lógica Matemática, ou seja, uma
investigação dos livros e dos trabalhos sobre Lógica inseridos na ementa da
disciplina do curso de Licenciatura em Matemática, com vistas a buscar
compreensões acerca dos modos como a Lógica é apresentada nesses textos e
como se desenvolve sob a forma de uma abordagem no ensino.
Com base nos objetivos enunciados e comentados anteriormente, é possível
admitirmos a necessidade de ensaiar uma abordagem que possa contribuir com

23
um exercício docente no ensino de Lógica Matemática no curso de Licenciatura em
Matemática, o que pode acrescentar ao ensino de Matemática no Brasil e
corroborar uma nova percepção do ensino de Lógica Matemática em suas relações
e implicações na aprendizagem de demonstrações matemáticas.
Para compreender melhor os movimentos epistemológicos nos quais as
Lógicas foram se estabelecendo na multiplicidade de expressões relativamente à
linguagem matemática, foi necessário realizar um breve estudo sobre as histórias
das correntes filosóficas que permeiam a Matemática em sua constituição
epistêmica e sobre essas Lógicas que se interconectam nesses movimentos.
Assim, no próximo capítulo, trataremos das correntes filosóficas da
Matemática, por meio das quais emergem as histórias relativas à Lógica e à Lógica
Matemática, resultantes desses movimentos estabelecidos pelas correntes
filosóficas, e, por fim, deteremos em quais correntes filosóficas e em quais
momentos surgiram as filosofias de Ludwig Wittgenstein, que propugnam suas
ideias sobre Lógica e linguagem.

24
2 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
Para alcançar os objetivos almejados na pesquisa, compreendemos que
seria necessário abordar três frentes teóricas: as correntes filosóficas da
Matemática, as histórias relativas à Lógica e à Lógica Matemática emergentes
desses movimentos estabelecidos pelas correntes filosóficas, e, por fim, o contexto
histórico em que emergem as filosofias de Ludwig Wittgenstein, que propugnam
suas ideias sobre Lógica e linguagem.
Nessa ordem, apresentaremos inicialmente uma breve incursão pela
Filosofia da Matemática, a fim de caracterizar cada uma das correntes de
pensamento que possibilitou a emergência dessas filosofias, seguindo com um
breve histórico acerca das lógicas e o surgimento da Lógica Matemática, de modo
a convergir nossa abordagem em direção aos enunciados relacionados às logicas
de Ludwig Wittgenstein, intencionando apontar potencialidades dessa lógica
Wittgensteiniana para abordar provas e demonstrações matemáticas.

2.1 UMA BREVE INCURSÃO PELA FILOSOFIA DA MATEMÁTICA


Com a crise dos fundamentos da Matemática, no fim do século XIX, os
filósofos intensificaram as discussões sobre paradoxos na teoria matemática e
buscaram esclarecimentos a respeito dos números naturais e do conceito de
infinito. Nesse contexto, estabeleceram discussões que convergiram para a
emergência de correntes de pensamento que se caracterizaram pela demarcação
de pelo menos três vertentes filosóficas relacionadas à Matemática, com propósito
de solidificar as suas bases (SILVA, 2007).
Sobre essas escolas filosóficas, Newton da Costa (1992) menciona que a
Filosofia da Matemática tem como finalidade enfatizar dois aspectos: “1º)
caracterizar e explicar o estado presente da evolução da Matemática, justificando-
o criticamente; 2º) clarificar e explicitar os conceitos e os princípios básicos dessa
ciência” (COSTA, 1992, p. 13). Enfim, tem ação avaliativa sobre as suposições e
as ideias nas quais a Matemática pode se fundamentar. De forma consecutiva, o
método científico utilizado está sustentado por uma lógica, visto que serão feitas
análises sobre processos dedutivos, cuja discussão já estava nas argumentações

25
apresentadas no Brasil, na década de 1920, por Amoroso Costa11 (1929;1981), ao
asseverar que

(...) o método matemático por excelência é a dedução. Qualquer teoria


matemática, uma vez construída, se exprime por uma cadeia de
proposições que se implicam logicamente. Toda cadeia desse gênero
exige, como ponto de partida, um sistema de noções não-definidas, em
termos das quais serão eventualmente expressas outras noções, e um
sistema de proposições não-demonstradas, ligando entre si as noções
primitivas, e das quais se deduzirão, pelas leis da lógica formal, outras
proposições chamadas teoremas. (COSTA, 1929; 1981, p. 181).

A citação anterior caracteriza bem as relações que se estabeleceram na


Europa, principalmente, na Alemanha e França, entre o final do século XIX e o início
do século XX, no que concerne à Filosofia da Matemática, momento em que foram
expostas discussões sobre as aproximações entre os fundamentos filosóficos que
balizavam a organização do conhecimento matemático produzido, historicamente,
em três escolas principais: o Intuicionismo, o Formalismo e o Logicismo, bem como
vertentes hibridas, conforme destacado por Oliveira (2010), ao mencionar o
Logicismo Intuicionista, proposto por Henri Poincaré, denominado
Convencionalismo, ao enfatizar, por exemplo, que o conceito de número é
produzido por uma intuição racional a priori (juízo sintético a priori segundo Kant) e
irredutível às operações lógicas.
Ainda a esse respeito, Poincaré (1995) considera que, se, no século XIX, os
matemáticos dividiam-se em duas correntes, uma que se apoiava na Lógica e outra
na intuição, uma releitura dos clássicos os enquadraria como intuicionistas. De
outro modo, a contemporaneidade lhes exigiria o enquadramento que aliasse a
Lógica ao seu pensamento intuicionista, o que fez emergir a noção
convencionalista em sua filosofia, na qual a Lógica organizava o pensamento em
sua expressão sob a forma de linguagem.

11Manuel Amoroso Costa foi um engenheiro civil, matemático e professor universitário brasileiro.
Foi professor da cadeira de eletrotécnica e aplicações industriais da Escola Politécnica do Rio de
Janeiro e diretor do Observatório do Valongo (RJ), entre 1911 e 1928, ano em que faleceu em um
acidente aéreo. Essa publicação, de 1929, foi póstuma, no ano seguinte ao seu falecimento. Outra
edição acrescida de novos ensaios do autor e de estudiosos contemporâneos de sua época foi
publicada em 1981.

26
Tratava-se da promoção e das discussões acerca do objetivo filosófico da
Matemática? O que deve se entender por esse objetivo? Para Bruter (2000), trata-
se de explicitar explicações acerca da problemática que se refere à natureza e ao
significado da Matemática, para alcançar os conceitos por ela utilizados, bem como
os processos mentais que acompanham o seu desenvolvimento e o papel da
estética como guia motor da pesquisa matemática. Nesse sentido, Bruter (idem)
destaca cinco temas de Filosofia da Matemática que apresentam um caráter
concreto às suas aplicações cujo eco ultrapassa em muito a mera Matemática:

O processo de representação que permite nosso acesso ao


conhecimento, o estudo estrutural dos problemas, um processo de
demonstração que consiste em inserir certos problemas em um quadro
mais vasto, o exame das relações entre globalidade e localidade, a prazo
entre contínuo e descontínuo, a universalidade de conceitos como os de
estabilidade, de singularidade e bifurcação. (BRUTER, 2000, p. 47).

Foi, portanto, em busca desses temas que, durante o século XIX, emergiram
discussões que procuraram agrupar os modos de pensar e de fazer Matemática
nas várias correntes de pensamento relativas à Filosofia da Matemática. No intuito
de melhor caracterizar esse movimento faremos, a seguir, uma breve incursão nas
três principais: Intuicionismo, Formalismo e Logicismo, de modo a apontar a
emergência de uma bifurcação nessas correntes, fazendo emergir uma filosofia que
centra sua fundamentação exclusivamente na Lógica da linguagem: a Lógica de
Wittgenstein.

2.1.1 Intuicionismo
O Intuicionismo é oriundo do conceitualismo propugnado por Immanuel Kant
(1724-1804), segundo o qual é por meio da intuição que os objetos matemáticos
são imaginados, criados e experimentados racionalmente. Para Kant, a mente
humana organiza seus juízos (enunciados, asserções), a respeito das coisas, em
dois grupos, sintéticos e analíticos, que emergem a priori (imaginados) e a posteriori
(resultantes de reflexões sobre o empírico). Neste sentido, Kant (2001, p. 63)
assevera que os conhecimentos são classificados como: a priori, “aqueles que não
dependem desta ou daquela experiência, mas em que se verifica absoluta

27
independência de toda e qualquer experiência” e diferenciam-se dos
conhecimentos a posteriori. “Distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori,
ou seja, na experiência” (KANT, 2001, P. 63).
Stephen Barker (1976) esclarece que conhecimento empírico (ou a
posteriori) é um tipo de conhecimento que necessita de justificação pela
experiência, no qual não basta acreditar como crença, pois requer justificativa, a
qual advém da experimentação. Como forma de ilustrar, suponha a existência de
corvos pretos. Para saber se os corvos são verdadeiramente pretos, deve-se ir
além do entendimento dos conceitos de corvo e da cor preta: é necessária a
observação empírica, ou seja, ter visto corvos pertos, ter observado penas de
corvos pretos ou ter ouvido relatos sobre a existência de corvos pretos. De outra
forma, um conhecimento é a priori se não necessita de justificação pela experiência,
como exemplifica, a seguir, Barker (1976). Imaginemos que uma pessoa saiba que
corvos são aves. Ela não precisa de experiência para obter esse conhecimento,
pois pode acessá-lo em livros, sem a necessidade de experiência adicional.
Barker (1976) afirma que um enunciado (juízo) é analítico se for suficiente
para saber sua veracidade uma reflexão sobre os conceitos e como combiná-los,
ou seja, unicamente a compreensão do enunciado é suficiente para determinar sua
verdade. Por outro lado, um enunciado é sintético, quando uma reflexão sobre os
conceitos e suas relações não for suficiente para determinar sua verdade. Nesse
caso, é necessário trazer algo a mais. Ainda segundo a concepção de Kant, “todos
os enunciados cuja verdade depende da forma lógica são analíticos [...] e esses
enunciados [são] os tipos básicos de enunciados analiticamente verdadeiros”
(BARKER, 1976, p. 20). Complementando, enunciados verdadeiros são analíticos
se são equivalentes na forma lógica a outros enunciados analíticos. E o que dizer
sobre enunciados sintéticos a priori? Para um enunciado ser sintético, sua
justificativa deve ir além das conexões entres os conceitos envolvidos, assim como
um enunciado a priori não pode ser justificado pela experiência. Sendo a priori e
sintético, o algo a mais que justifica seu caráter sintético não pode ser a
experiência. Nesse sentido, é “na Matemática que se encontravam os mais claros
exemplos de tal conhecimento sintético a priori” (BARKER, 1976, p. 22), ou seja,
esse algo a mais que necessita para a justificação do conhecimento sintético a priori
está na Matemática.

28
O Conceitualismo de Kant foi revisitado por um grupo de matemáticos,
dentre os quais, destacamos Leopold Kronecker (1823-1891), Henri Poincaré
(1845-1912) e posteriormente o matemático holandês Luitzen Brouwer (1881-
1966), que liderou um movimento matemático e filosófico denominado e
sustentador de que “a pura intuição da contagem temporal seria ponto de partida
para a matemática do número” (BARKER, 1976, p. 100), recebendo o nome de
Intuicionismo. Assim, o Intuicionismo ultrapassou a questão filosófica e adentrou as
discussões e as teses matemáticas, as quais passaram a questionar e a renegar
as ideias de George Cantor sobre o infinito e sobre a existência de mais números
reais que naturais. Os intuicionistas ironizaram as ideias de infinito de Cantor,
classificando-as como ato de fé.
Nesse contexto, para os intuicionistas, era necessária a remodelação da
Matemática, visto que os logicistas sustentaram sua teoria sobre uma lógica finita
para tratar de problemas infinitos, não sendo uma base consistente. Como para os
intuicionistas, “os objetos matemáticos são construções mentais” (MORTARI, 2016,
p. 468), para provar a sua existência seria necessário usar um método construtivo,
pensando a Matemática como a ciência das construções possíveis. A construção
de que o Intuicionismo fala é conceitual e não se refere a fatos empíricos e tem o
caráter de uma atividade humana, ou seja, os elementos da Matemática são criados
pelos matemáticos.
Outro aspecto que diferencia os intuicionistas é a Lógica dos Intuicionistas,
que é bastante diferente dos logicistas, que, por exemplo, não aceitam o princípio
do terceiro excluído e redução ao absurdo, uma vez que “pode haver um enunciado
dotado de sentido e que não seja nem verdadeiro nem falso” (BARKER, 1976, p.
102). Para Costa (1992, p. 38), “a Lógica, para Brouwer, não é fundamento para a
matemática, […] as leis lógicas (aplicáveis ao domínio da matemática) derivam-se
da matemática, ou melhor, da linguagem matemática”, o que mostra uma inversão
completa em relação ao logicismo. Para os intuicionistas, a Matemática é uma
atividade humana, é fruto da experiência e, devido ao processo histórico, evoluiu
tornando-se, rigorosa, intuitiva e fundamentada nos números naturais, enfim,
autossuficiente. Devido ao caráter subjetivo dos intuicionistas, a Matemática
enquanto ciência, torna-se inviável, dado o pluralismo das ideias. Esse perfil
subjetivo acarreta também, em possíveis construções de elementos de forma

29
inapropriada, tendenciosa, visto que o matemático pode ser conduzido ao erro por
acreditar em uma suposta verdade.

2.1.2 Formalismo
A concepção da Matemática como ciência do possível deve-se aos
formalistas, que a compreendiam como o estudo dos sistemas de axiomas
acrescidos de leis lógicas. Nessa corrente, infere-se o que é possível, por tudo
aquilo que não seja contradição. Outro aspecto importante diz respeito à sua
estrutura, que se baseia na enumeração de conceitos e de relações básicas,
oriundos dos axiomas e, a partir de demonstrações, constrói-se certa teoria. A esse
processo denominou-se método axiomático. Sendo assim, a demonstração
matemática torna-se mecânica e alegórica, visto que não há preocupação com a
natureza ou significado dos termos.
Para Barker (1976), o Formalismo é uma corrente filosófica da Matemática
cujos sistemas matemáticos devem ser vistos como sistemas formais,
analogamente a jogos de símbolos com sequências operacionais obtidas a partir
de regras bem definidas. Essa forma de pensar teve, entre seus defensores, David
Hilbert (1862-1943), como fundador e um dos matemáticos mais respeitados de
sua época.
O método axiomático já havia sido usado na Antiguidade por outros
matemáticos, em especial, em Os Elementos (século III a.C.), de Euclides de
Alexandria (300 a.C.). Embora a axiomática de Euclides contenha falhas de
precisão e de lógica, o método desenvolveu-se durante os séculos chegando a um
patamar de rigor bastante considerável, o que podemos observar nos trabalhos de
Peano e outros matemáticos do século XIX. Peano, por meio de três conceitos
primitivos e cinco axiomas, promoveu uma construção axiomática dos números
naturais. O nível em excelência foi atingido por Hilbert, ao desenvolver a Teoria da
Demonstração, em Grundlagen der Mathematik12, livro tese do Formalismo.
Os formalistas buscaram tornar o método axiomático essencial em
Matemática. Para isso, defendem que a Lógica formal e a Matemática devem se
desenvolver juntas. David Hilbert criou a noção de metamatemática, a qual tinha

12 Teoria da Demonstração em Fundamentos da Matemática, publicado em 1934.

30
por finalidade demonstrar a consistência da Matemática. De acordo com Gilles-
Gaston Granger (1994), em sua explicação, Hilbert colocou a problemática em
outra perspectiva, qual seja:

Propôs que se tomasse como teoria incondicionalmente fundamentada


uma parte restrita e muito intuitiva da aritmética, e que ela fosse utilizada
como instrumento “metamatemático” para mostrar a não-contradição do
conjunto do edifício clássico. Ele considerou, então, os enunciados dessa
disciplina como arranjos de “signos concretos”, sobre os quais incidissem
as operações de verificação, das quais Hilbert exige também que sejam
“finitistas” e efetivas. Ele pensava poder, assim, conferir cidadania às
teorias cantorianas sobre os números infinitos de diferentes ordens, cujos
objetos foram por ele qualificados como “ideais”, já que escapavam a um
exame direto que satisfizesse às exigências de sua metamatemática.
(GRANGER, 1994, p. 69).

Dessa forma, Hilbert elencou essa tarefa em três fases: axiomatização,


formalização e demonstração da consistência das axiomáticas formalizadas. O
processo foi promissor, no entanto, em 1931, um matemático e lógico chamado
Kurt Gödel (1906-1978) publicou resultados que questionaram os pilares
formalistas. Gödel demonstrou que existem proposições aritméticas que não são
verdadeiras, nem falsas, são definidas como indecidíveis.
O sistema aritmético consistente desenvolvido por Hilbert apresentou-se
como inconsistente. Nesse sentido, pode-se afirmar de maneira resumida que a
inconsistência da Matemática significa que, dada uma proposição, pode-se por
métodos diferentes mostrar sua validade e sua não validade, concomitantemente.
Para um formalista, “não há coisas como significado ou verdade nos
sistemas matemáticos” (BARKER, 1976, p. 132), pois os enunciados são formados
por símbolos e cada teoria apresenta sua sistematização adequadamente
formalizada, sendo adotados de acordo com o grau de confiança da comunidade
científica. Não distinguem sistemas corretos ou errados, mas sistemas como jogos
que podem ser adotados de acordo com cada corrente filosófica da Matemática.
De acordo com uma análise feita por Granger (1994), a respeito das
discussões filosóficas ocorridas entre Hilbert, Gödel e Brouwer, por volta de 1930,
o autor argumenta que

31
o móbil do formalismo hilbertiano, assim como do intuicionismo
brouweriano, é assentar a certeza de não-contradição das matemáticas,
a segurança de que jamais seus procedimentos levarão a colocar ao
mesmo tempo uma proposição e a sua negação ou, aritmeticamente, que
1 ≠ 1. Mas a tentativa brouweriana tem como resultado mudar a natureza
própria da disciplina visada; e a tentativa hilbertiana se choca contra a
metademonstração, feita justamente por Gödel no mesmo espírito de
Hilbert, de que é impossível a demonstração de não-contradição da
aritmética. (GRANGER, 1994, p. 69-70).

As discussões evidenciadas, no excerto mencionado anteriormente,


confirmam novamente a evidência de um problema polêmico e insolúvel
relativamente à demonstração abstrata de validade da Matemática por meio da
própria Matemática, uma vez que Frege e Russell já haviam anunciado, também,
nas primeiras décadas do século XX, suas tentativas de fundamentar a Matemática
em conceitos de pura Lógica, como o cálculo proposicional e o cálculo de
predicados. Entretanto, tal intenção foi enfraquecida filosoficamente com a
identificação de paradoxos, por Russell, e, posteriormente, por outros lógicos, na
teoria dos conjuntos. Assim, as discussões logicistas ampliaram-se, tornando-se
um dos objetos de estudos da Matemática daquela primeira metade do século XX,
momento em que se inserem as proposições de Wittgenstein.

2.1.3 Logicismo
No decorrer dos séculos, o desenvolvimento da Matemática gerou um
arcabouço de conhecimento, muitas vezes, desarticulado entre si e com noções
diversas e difusas; diversas, no sentido da multiplicidade de causas adotadas nas
explicações específicas para cada solução encontrada para um determinado
problema e difusa por não estabelecer uma única explicação generalizante, que
originasse um enunciado invariante.
Nesse cenário, a partir de meados do século XIX, importantes matemáticos
como Cauchy, Weierstrass, Cantor, Dedekind, dentre outros, realizaram um
movimento, intencionando fundamentar as explicações matemáticas, com base em
alicerces sólidos. A busca dessa reestruturação passou pela aritmetização da
análise matemática, organização de uma definição rigorosa para os números reais
e complexos, a partir dos naturais, os desenvolvimentos das explicações teóricas

32
para as geometrias não-euclidianas, dentre outros ramos do conhecimento
matemático, que passariam a emergir daquele período em diante.
Nesse afã da reestruturação da Matemática, a Lógica passou também por
um processo de transformação, passando a ser tomada por uma representação
fortemente ancorada em símbolos codificadores de uma linguagem mais hermética
e esotérica13 e dotada de operações algébricas. George Boole (1815-1864) foi um
importante nome atrelado à essa transformação, embora não tenha sido o único,
mas talvez o de maior destaque. De acordo com Costa (1992), Giuseppe Peano
(1858-1932) foi o responsável por usar a nova Lógica para melhor compreender
problemas sobre os fundamentos da Matemática, desenvolvendo uma linguagem
lógico-simbólica, permitindo avanços relevantes na Lógica e na explicação
fundamentada da Matemática. Outro matemático que contribuiu bastante para este
processo de transformação foi George Cantor (1845-1918), que desenvolveu a
teoria dos conjuntos, definiu conjuntos infinitos e finitos, conjunto vazio, números
cardinais, conceitos de ordem e de dimensão.
Os adeptos do Realismo acreditam que as entidades abstratas existem em
si e por si, contrariando os conceitualistas. Afirmam que os matemáticos não criam
ou inventam os objetos matemáticos, apenas os descobrem (BARKER, 1976). Na
linha histórica do Realismo, surgem os logicistas, que defendem a tese de que as
leis da Matemática dos números são deduzíveis da Lógica. Para o Logicismo

As leis da aritmética e todo o resto da matemática dos números se


relacionam às leis da Lógica da mesma forma que os teoremas da
geometria se relacionam com seus axiomas. (BARKER, 1976, p. 107).

Dentre os precursores do Logicismo, podemos citar, com bastante


relevância, o filósofo Gottlob Frege (1848-1925), que estabeleceu as teses centrais
do Logicismo. Para Frege, a Lógica tem a função de organizadora do pensamento

13 O sentido dado aqui é de uma linguagem de difícil compreensão por quem não faz parte do
coletivo que tem acesso a determinado tipo de conhecimento, ou seja, neste caso a linguagem
torna-se obscura ou até mesmo indecifrável por quem não tem conhecimento dos códigos
simbológicos que compõem tal linguagem. Por isso ela se mostra esotérica, uma vez que só os
iniciados neste campo de linguagem a compreendem.

33
científico dado seu caráter universal, autônomo e normativo. Acrescenta que,
dentre todas as ciências, aquela que é mais compatível a servir de modelo para o
sistema lógico é a Matemática, em face da sua característica de generalidade e
pela sua própria estrutura. Como a Lógica é o conhecimento de maior generalidade,
a Matemática é aquela que mais se aproxima, e, dentro da Matemática, a Aritmética
é a escolhida, pois suas leis normatizam o pensável e o intuível (FREGE, 1983).
Ainda segundo Frege, o domínio da Aritmética é o mais próximo do domínio da
Lógica, o problema consistia na linguagem. Para identificar os domínios da Lógica
e da Aritmética no plano simbólico, Frege sugere “a criação e sistematização de
um simbolismo adequado para expressar asserções gerais e existenciais, bem
como as conexões lógicas entre estes juízos [e...] a generalização da análise do
juízo em função e argumento para toda a linguagem” (NAKANO, 2015, p. 22). No
entanto, como suas obras praticamente não foram lidas em sua época, suas ideias
foram redescobertas por Bertrand Russell (1872-1970). A história fez jus à sua
significante contribuição, sendo, por muitos, reconhecido como o fundador do
Logicismo.
Deve-se a Bertrand Russell e Alfred Whitehead (1861-1947), na obra
Principia Mathematica, a culminância das ideias do Logicismo, que tem por tese
fundamental que a Matemática se reduz à Lógica Matemática. Ou seja, qualquer
ideia matemática pode ser definida por conceitos lógicos e todo enunciado
matemático válido pode ser demonstrado por meio de raciocínio lógico. Nesse
ponto, observamos que há uma diferença na tese logicista, defendida por Frege,
daquela defendida por Russell e Whitehead. Enquanto o primeiro defende que
apenas a Matemática dos números é redutível às leis lógicas, o segundo defende
que toda a Matemática poderia ser reduzida à Lógica.
Desse movimento, emergiu uma bifurcação filosófica, materializada nas
expressões apresentadas por autores como Ludwig Wittgenstein, em suas
discussões, acerca das possibilidades de pensar em outras lógicas que também
pudessem explicar processos de pensar e fazer Matemática, como, por exemplo, a
Lógica fundada na linguagem. Para melhor entender sobre essas lógicas,
retomaremos a seguir alguns pontos das trajetórias desse movimento.

34
2.2 AS LÓGICAS
Na Antiguidade, os filósofos estavam preocupados com a origem do ser,
suas mudanças e o seu devir. Essa preocupação ocupou vários pensadores, dos
quais destacamos Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia. Heráclito acreditava
que a existência estava justificada no devir, no processo, nas transformações do
ser no mundo, as mudanças e as contradições do homem, como afirmou em sua
célebre frase – nenhum homem atravessa o rio duas vezes. De outra forma,
Parmênides discordava de Heráclito, pois, para ele, o fluxo dos contrários era
oriundo da observação, ou seja, do sensorial, e esse é, por sua vez, uma mera
aparência do real. Para Parmênides, o real é imutável, pois o ser somente pode ser
pensado distante das aparências contraditórias; a verdade é a identidade do ser e
não a transitoriedade (ABBAGNANO, 2007).
Outros dois grandes ícones da Filosofia ocidental, Platão e Aristóteles,
também mergulharam nas discussões introduzidas por Heráclito e Parmênides.
Platão sintetizou os pensamentos de Heráclito e Parmênides, visto que concordava
com as fluxões entre as mudanças e as contradições, no entanto, esse dinamismo
contínuo está no mundo sensorial, aquele que sentimos, que vivemos, o mundo
sensível. Segundo Platão, há outro mundo, chamado mundo inteligível, onde as
verdades são imutáveis, pois se apresentam em essência, e, no qual não há
contradições, concordando, assim, com Parmênides. Para alegorizar seu
pensamento, Platão propôs o mito das cavernas, permeado pela Dialética, em que
discute a relação entre os dois mundos – sensível e inteligível –, relacionando com
as sombras e o real, o mutável e o imutável, o imperfeito e o perfeito, o estar e o
ser (ABBAGNANO, 2007).
Aristóteles, por sua vez, acreditava que havia apenas um mundo e nele
coexistiam seres mutáveis e seres imutáveis. Ademais, discordava do pensamento
de Heráclito, ao afirmar que a mudança advém da contradição, pois há seres que
mudam segundo suas potencialidades e essa mudança pode ser uma evolução da
forma anterior e não tão somente as contrariedades. Concordava com Parmênides
que o pensamento e a linguagem estão carregados de identidade. Discordava de
Platão sobre o método da Dialética ser uma ferramenta confiável da busca da
verdade, pois partiam do pressuposto sensorial, do discurso divergente e serviam
apenas para a arte da Retórica. Contrariando a Dialética de Platão, Aristóteles

35
propõe a busca pela verdade por meio de um conjunto de regras de demonstração
e provas, chamada de Analítica. Posteriormente, esse instrumento para o conhecer
passou a ser chamado de Lógica, que, a partir de princípios, regras e leis universais
do pensamento tinha a finalidade de obter a verdade. As ideias de Aristóteles sobre
Lógica foram reunidas em sua obra chamada Organon14 (ABBAGNANO, 2007).
O surgimento da Lógica é atribuído ao exercício praticado pelo filósofo grego
chamado Aristóteles (384-322 a.C.), ainda que, antes mesmo de sua teoria dos
silogismos, tenha havido por parte dos sofistas e de Platão preocupação com
validade de argumentos, enquanto os estoicos, como Crísipo (280-205 a.C.),
desenvolveram uma teoria lógica que se tornou a base da lógica de proposições,
como afirma Cezar A. Mortari (2016).
Na Idade Média, em virtude da lógica de Aristóteles não ter encontrado
continuadores que compreendessem o espírito de sua lógica de modo a levasse a
cabo suas discussões, seus pensamentos e suas formas de expressar esses
conhecimentos, essa lógica foi interpretada, por muitos, como doutrina ou dogma
de verdade, dificultando assim sua disseminação. Mesmo diante desse quadro,
ampliado com a escolástica, o exercício da logica aristotélica continuou, por meio
de uma racionalidade verbal, que para muitos foi se tornando uma forma de
pensamento que passaria, em seguida, a se constituir em um esforço para
complementar o aperfeiçoamento da Lógica Formal (BOLL; REINHART, 1992).
Com a ênfase dada ao humanismo, no Renascimento, a Lógica entrou em
combate ao modelo escolástico, posteriormente, com os pensadores modernos até
século o XVII, a arte de pensar para bem conduzir a razão. Tanto para os
pensadores que abordavam o raciocínio indutivo, quanto para o dedutivo, as leis
da Lógica e seus princípios representavam a estrutura do pensamento da época.
A partir do século XVIII, a Lógica começou a sofrer mudanças, tornando-se
cada vez mais simbólica e formal. Em 1854, George Boole publica o livro
Investigações sobre as leis do pensamento, que se torna um marco no estudo da
Lógica, usando uma linguagem simbólica com operações matemáticas, dando
início à artificialização da linguagem. Com a ascendente visão de que a Matemática

14Organon é o nome tradicionalmente dado ao conjunto das obras sobre lógica de Aristóteles.
Significa "instrumento" ou “ferramenta” porque os peripatéticos consideravam que a lógica era um
instrumento da filosofia e, a partir daí, passaram a designar o conjunto de textos de Aristóteles a
esse respeito.

36
seria uma construção intelectual, matemáticos, como Giuseppe Peano,
propuseram a construção dos números naturais, a partir de axiomas e de elementos
indefiníveis (zero, número e sucessor). Gottlob Frege (1848-1925) publica, em
1879, sua obra Begriffsschrift (Conceitografia), dando prioridade para a justificação
matemática das demonstrações por meio da Lógica, em que defendia a verdade de
uma lei matemática por meio de sua demonstração, ainda segundo Mortari (2016).
Gottlob Frege buscou construir a Aritmética pela Lógica, propondo a
Matemática como um ramo da Lógica, afirmando ser possível expressar os
enunciados aritméticos em termos lógicos (HAAK, 2002). As ideias de Frege foram
desenvolvidas por Bertrand Arthur William Russell (1872-1970), que buscou
consolidar suas ideias de que a Matemática seria uma ciência formal e de cálculos
puros, assim poderia ser organizada numa linguagem simbólica (ABBAGNANO,
2007).
Um procedimento simbólico usado para simplificação do processo de
decisão de operações lógicas é a tabela verdade, que teve seus primórdios
identificado nos escritos de Filo de Mégara, na Antiguidade, seguido por Boole e
Frege, na modernidade. Mas somente com Ludwig Wittgenstein e Emil Post é que
a tabela verdade da forma que a usamos hoje foi apresentada por ambos,
simultaneamente, no ano de 1921 (KNEALE; KNEALE, 1980).
No século XX, foram criadas novas Lógicas classificadas por Susan Haak
(2002) como Tradicional, Clássica, Ampliadas, Alternativas e Indutivas, sendo que
as Lógicas Ampliadas são aquelas que possuem algum grau de similaridade com
a Lógica Clássica/Tradicional, enquanto as Lógicas Alternativas rejeitam alguns
postulados da Lógica Clássica e se colocam como uma nova Lógica. O exemplo
mais comum da Lógica Clássica é a Lógica Matemática, enquanto que, em relação
às Lógicas Ampliadas, podemos destacar a Lógica Temporal e Modal.
Na Lógica Clássica, o tempo é muitas vezes descartado e as proposições
são apresentadas no presente do indicativo, salvo casos particulares como a
Lógica do tempo de Willard Quine (1908-2000), na qual, para contornar a
problemática do tempo verbal, fez a troca de verbos não flexionados por
quantificadores temporais do tipo “agora”, “então”, “antes de t”, “em t” e “depois de
t”, onde t é uma época temporal. Por exemplo, a proposição Maria é uma viúva,

37
passa a ser Maria agora é uma viúva, estabelecendo uma relação de tempo e
espaço para o sentido da proposição (HAAK, 2002).
Outro lógico que abordou tal situação foi Arthur Prior (1914-1969), que
propôs acrescentar operadores lógicos, ampliando a Lógica Clássica, na qual o
operador F, lido como “será o caso...”, transforma uma sentença no presente do
indicativo para uma sentença no futuro do indicativo, enquanto o operador “P”, lida
como “era o caso que...” transforma uma sentença no presente do indicativo em
pretérito. Por exemplo, a proposição “α: Maria está doente” pode ser alterada para
“Pα: Maria estava doente” ou “Fα: Maria ficará doente” (HAAK, 2002). Em virtude
da criação dos operadores lógicos, a lógica de Prior é considerada uma Lógica
Ampliada.
Uma Lógica Ampliada de destaque é a Lógica Modal Alética, que trata dos
conceitos de necessidade e possibilidade. Os primeiros estudos sobre Lógica
Modal estão relacionados a Aristóteles, Teofrasto (372 a.C. - ...) e Diodoro Cronos
(... – 284 a.C.), mas, como permaneceram num estágio embrionário, ficaram
estagnados por muito tempo, voltando a ser objeto de estudo no século XX, com
estudos de Clarence Lewis (1883-1964) e Ruth Barcan Marcus (1921-2012).
Para fundamentar seus estudos, C. Lewis adicionou novos operadores à
Lógica Clássica, surgindo a Lógica Modal Alética. Os operadores são “□α: é
necessário que α / necessariamente α” e “◊α: é possível que α / possivelmente α”,
onde □α e ◊α são funções de verdade (MORTARI, 2016). Uma consequência desse
modelo é a Lógica dos Mundos Possíveis, de Saul Kripke (nascido em 1940), que
apresenta uma tabela verdade a partir dos operadores □α e ◊α.

Figura 02. Tabela verdade de Kripke


α □α ◊α
V ? V
F F ?
Fonte: (MORTARI, 2016, p. 448)

Em virtude da relação de necessidade, se uma proposição □α é verdadeira


não implica que □α seja também verdadeira, ao passo que, se uma proposição □α
for falsa, devido à relação de possibilidade, não podemos afirmar nada em relação
a ◊α. Daí surge a noção de mundos possíveis, onde a valoração dependerá da
possibilidade de existência de um mundo onde a proposição α pode tomar seu valor

38
verdade, uma vez que, em cada mundo possível, a proposição pode assumir um
valor verdade distinto. Por exemplo, “□α é verdadeira se α é verdadeira em todos
os mundos possíveis [e] ◊α é verdadeira se α é verdadeira em algum mundo
possível” (MORTARI, 2016, p. 449).
Dentre as Lógicas Alternativas, destacaremos a Lógica Polivalente e a
Lógica Intuicionista. A Lógica Polivalente aceita mais de dois valores verdade,
contrariando o princípio da bivalência da Lógica Clássica. Foi desenvolvida de
forma independente, no início da década de 1920, pelo lógico polonês Jan

ᴌukasiewics (1878-1956) e pelo matemático polonês Emil Post (1897-1954).

ᴌukasiewics propôs uma Lógica Trivalente, inserindo o valor lógico indeterminado


I, criando um novo sistema de tabelas verdade (MORTARI, 2016).

Figura 03. Matrizes para a Lógica Trivalente de ᴌukasiewics

Fonte: (MORTARI, 2016, p. 464)

Posteriormente, ᴌukasiewics criou a Lógica N-valente denominada ᴌn e, em


seguida, estendeu a ideia para infinitos valores lógicos no intervalo de [0, 1],
atribuindo uma valoração probabilística que varia de falso em 0 até verdadeiro em
1. Em seguida, outros estudiosos desenvolveram esses conceitos da Lógica
Polivalente, como Lofti Zadeh (1921-2017), que, em 1965, introduziu a Lógica
Fuzzy.
Outra lógica alternativa que merece destaque é a Lógica Intuicionista. Foi
desenvolvida por L. Brouwer (1881-1966) e propõe um método construtivo da
validade das proposições, ou seja, para que uma afirmação matemática seja

39
verdadeira, ela deve ser provada de forma construtiva (MORTARI, 2016). Por
exemplo, na Lógica Clássica, para demonstrar a validade de uma proposição ∃𝛼𝑃𝛼,
basta mostrar que ∽ ∃𝛼𝑃𝛼 (onde ∽ significa negação e ∃ é o quantificador
existencial) é um absurdo e ∃𝛼𝑃𝛼 é verdade, pois ∽∽ ∃𝛼𝑃𝛼 é equivalente a ∃𝛼𝑃𝛼,
ou seja, ao negar o absurdo, chegamos à verdade da proposição. No entanto, para
a Lógica Intuicionista, essa demonstração não tem validade, visto que ∽∽ ∃𝛼𝑃𝛼
não implica ∃𝛼𝑃𝛼.

Segundo Susan Haak,

[...] um sistema lógico é correto se os argumentos formais que são válidos


no sistema correspondem a argumentos informais que são válidos no
sentido extrasistemático, e as fórmulas que são logicamente verdadeiras
no sistema correspondem a enunciados que são logicamente verdadeiros
no sentido extrasistemático. (HAAK, 2002, p. 290).

Ainda segundo Haak (2002), o sistema lógico pode ser classificado em três
tipos: o monismo, que considera a existência de apenas um sistema lógico correto;
o pluralismo, que considera mais de um sistema lógico correto; e o
instrumentalismo, que considera que não há uma Lógica correta, pois defende que
a noção de correção é inadequada. Assim, os monistas consideram que Lógica
Clássica e Ampliadas são válidas, enquanto Lógicas Alternativas não
correspondem a um sistema lógico correto. Por outro lado, os pluralistas acreditam
que ambos os sistemas são corretos.
Para Haak (2002), os monistas consideram as Lógicas Alternativas como
rivais, enquanto os pluralistas não veem da mesma forma, afirmando que há uma
aparente rivalidade. Os pluralistas se dividem em local e global: o primeiro
considera que um argumento é válido relativo a uma determinada Lógica, enquanto
o segundo afirma que um argumento deve ser válido em qualquer Lógica. Os
instrumentalistas rejeitam a ideia de correção de um sistema lógico, defendendo
que os sistemas são mais convenientes a cada contexto.
Entretanto, é importante destacar que os processos históricos pelos quais
as filosofias concernentes às Lógicas e suas correlações diretas com as

40
expressões matematizantes – que deram origem à criação da Lógica Matemática
e sua conformação como uma Lógica da linguagem matemática, durante as
primeiras décadas do século XX – tiveram contribuições de diversos filósofos e
matemáticos que demarcaram suas ações como personagens decisivas na
ampliação de estudos e discussões a esse respeito.
De acordo com Alberto Pasquinelli (1983), dentre esses, podemos citar os
trabalhos desenvolvidos sobre as relações entre positivismo e empirismo,
fundamentos, objetivos e métodos da ciência, lógica formal e aplicação, e
axiomática, que alimentaram inúmeras as discussões lançadas por Rudolf Carnap
(1891-1970), Gottlob Frege (1848-1925), Bertrand Russell (1872-1970), Alfred
North Whitehead (1861-1947) e Ludwig Wittgenstein, David Hilbert (1862-1943),
dentre outros.
Concernente ao trabalho foco desta Tese, esclarecemos que, conforme
explicam Blanché e Dupucs (2001), diversos foram os fatos contribuíram para atar
e desatar diferentes nós relacionados e ligados às discussões sobre a Linguística,
que começava a nascer, no que diz respeito ao absolutismo lógico e ao realismo
das essências, já evidenciados anteriormente, quando mencionamos as correntes
filosóficas e seus embates de ideias e pontos de convergências e divergências
ideológicas e conceituais. Blanché e Dupucs (idem) esclarecem, ainda, que foi
nesse movimento de embates dos fundamentos que Wittgenstein, em seu
Tratactus logico-philosophicus, apresentou sua posição teórica oposta ao logicismo
existente na Matemática axiomatizada daquele momento, com um conteúdo lógico
que configurava a Matemática como uma forma pura, cujas proposições
tautológicas eram privadas de todo o conteúdo. A esse respeito, Wittgenstein
considerava as tautologias válidas no absoluto, uma vez que o caráter tautológico
ou não de um enunciado pertencia e esse enunciado como coisa própria,
imutavelmente. Discussões mais ampliadas a esse respeito serão abordadas no
capítulo a seguir.

41
3 AS FILOSOFIAS DE LUDWIG WITTGENSTEIN
Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (Viena, 26 de abril de 1889 - Cambridge,
29 de abril de 1951), filósofo austríaco, foi considerado um dos principais
pensadores da virada linguística do século XX 15 . Foi estudar Engenharia na
Inglaterra e, a partir de 1911, após ter contato com Bertrand Russell,
acompanhando-o em suas pesquisas, interessou-se pelos fundamentos da
Matemática. Em 1921, publicou o Tractatus Lógico-Philosóphicus, no qual buscou
discutir “a natureza geral da representação, os limites do pensamento e da
linguagem e a natureza da necessidade lógica e das proposições lógicas”
(HACKER, 2000, p.7). Wittgenstein afastou-se do meio acadêmico durante dez
anos, e, em 1929, voltou a Cambridge para retomar seus estudos, debruçando-se
sobre os fundamentos da Matemática, caracterizando sua fase filosófica
intermediária, chamado de Wittgenstein intermediário. Após 1933, o filósofo
inaugura uma segunda filosofia, com a obra Investigações Filosóficas (1953),
publicada postumamente, na qual apresenta uma filosofia considerada inovadora,
no que diz respeito à linguagem e à filosofia da mente (HACKER, 2000).
Em relação à Filosofia da Matemática, Wittgenstein apresenta fragmentos
do Logicismo e do Intuicionismo, respectivamente, na sua primeira filosofia,
marcada pelo Tractatus Logico-Philosophicus 16 e pela sua segunda filosofia
inaugurada pela obra Investigações Filosóficas (ALVES, 1989). Essa ideia justifica-
se pelo fato de que, na primeira fase, ele busca fundamentar a aritmética no cálculo
proposicional, enquanto, na segunda fase, diferencia-se na forma de analisar os
conceitos, imagens e a linguagem, nos chamados jogos de linguagem. Wittgenstein
passa da forma lógica no Tractatus Logico-Philosophicus para forma de vida nas
Investigações Filosóficas.

15 A virada linguística ou giro linguístico é uma denominação adotada para o novo rumo que a
filosofia tomou a partir do século XX, que representou importante marco do desenvolvimento da
filosofia ocidental, cuja principal característica é a relação entre a filosofia e linguagem.
16Como forma de referenciar as obras de Wittgenstein usadas no texto, atribuiremos as seguintes

notações: Gramática Filosófica (GF); Investigações Filosóficas (IF); Observações Filosóficas (OF);
Observações sobre os Fundamentos da Matemática (OFM); Tractatus Lógico-Philosóphicus(TLP).

42
3.1 WITTGENSTEIN – DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA
Segundo Alves (1989), o primeiro Wittgenstein 17 apresenta aspectos
logicistas, finitistas e nominalistas. É logicista e finitista na fundamentação lógica
da Matemática e nominalista na fundamentação filosófica da Matemática. A
Matemática, nessa fase, está ligada à Lógica Formal, e, dessa forma, a estrutura
das proposições culmina na validade ou não de um argumento, ou seja, o cálculo
proposicional. Enfim, os conceitos e juízos matemáticos são apenas símbolos sem
sentido, assim como a Lógica, visto que, segundo Wittgenstein (TLP, 2017), não
são factuais, ou seja, não têm significado. Sua manipulação é simbólica, também
chamada linguística. Como os conceitos estão atrelados aos símbolos, ou melhor,
à Lógica Matemática, podemos inferir que não dependem da interpretação do
interlocutor, visto que não possuem variação de significação/sentido, ou seja, com
uma única forma de representação.
Para o primeiro Wittgenstein, “a forma lógica aparente da proposição pode
não ser sua forma lógica real” (TLP, 4.0031)18, ou seja, a linguagem natural possui
limitações ao representar uma estrutura formal, a forma lógica. Uma maneira de
minimizar as confusões é mostrar aquilo que não pode ser dito pela língua natural,
ou seja, ao que é possível dizer, que o faça, caso contrário, deverá ser mostrado,
visto que, nem tudo pode ser dito, mas pode ser mostrado (TLP, 4.115; 4.12;
4.1212; 7).

A proposição pode representar toda a realidade, mas não pode


representar o que deve ter em comum com a realidade para poder
representá-la – a forma lógica. Para podermos representar a forma lógica,
deveríamos poder-nos instalar, com a proposição, fora da lógica, quer
dizer, fora do mundo. (TLP, 4.12).

A proposição mostra a forma lógica da realidade. (TLP, 4.121).

17 Diz respeito a primeira filosofia de Wittgenstein, que foi pautada na obra Tractatus Lógico-
Philosóphicus (TLP).
18 É comum os comentadores de Wittgenstein usarem uma metodologia bastante peculiar nas

referências das citações, adotando a forma (Abreviatura do livro, aforismo) ou (Abreviatura do livro,
§aforismo). Adotaremos essa forma de citação.

43
O que pode ser mostrado, não pode ser dito. (TLP, 4.1212).

Para Wittgenstein, do Tractatus, existe uma espécie de isomorfismo lógico


entre o mundo e a linguagem lógica: para cada fato existe uma proposição. (TLP,
2.034; 1-1.11; 2; 2.01; 2.031). A estrutura da linguagem possui uma relação
isomórfica com o mundo e essa percepção só é evidenciada pela análise lógica da
linguagem. Por meio da essência da linguagem é que chegamos à essência do
mundo. (TLP, 5.4711; ARRUDA JUNIOR, 2017, p. 47). Essa forma de pensar nos
remete à forma referencial da linguagem, que foi amplamente alterada e combatida
pelo próprio filósofo em sua segunda fase. Para o primeiro e segundo Wittgenstein,
não existe um pensamento ilógico, mas por razões distintas. Para o primeiro, não
poderá existir um mundo onde sua estrutura esteja fora do espaço lógico (TLP,
3.031), enquanto, para o segundo, cada pensamento possui uma regra própria
advinda de sua forma de vida, portanto, não faz sentido o termo ilógico e sim jogos
de linguagem.
A proposição é para Wittgenstein “a função de verdade das proposições
elementares” (TLP, 5), sendo as proposições divididas em - proposição (Satz) e
proposição elementar (Elementarsatz). Aa Elementarsatz é a figuração da
realidade. Os nomes são as noções mais simples do Tractatus, pois “são os sinais
simples empregados na proposição” (TLP, 3.202) e nenhum nome pode “mais ser
desmembrado por meio de uma definição”, pois é um “sinal primitivo”. (TLP, 4.24;
3.26). O objeto é o seu significado do nome, então, se o objeto não existir, o nome
não terá significado. (TLP, 3.203; ARRUDA JUNIOR, 2017, p.53). Os nomes
possuem significado e as proposições lógicas possuem sentido. Uma proposição
com sentido é definida por Wittgenstein por pensamento (TLP, 3.3; 4).
Portanto, o mundo está bem definido, segundo o primeiro Wittgenstein, pois
é formado pela totalidade dos fatos e esses fatos são descritos pelas proposições
que constituem a linguagem, sendo a linguagem a totalidade das proposições (TLP,
4.001; 5.526). Dá-se, nesse ponto, a importância da Lógica, como a linguagem que
descreve o mundo.

44
Na segunda fase de Wittgenstein19, a partir de 1933, há mudanças bastante
significativas na forma de abordar a realidade. Abranda a visão sobre as coisas e
do mundo, passa a estudar os usos da linguagem e a significação distinta para
cada uso, ou seja, o uso da palavra determina seu significado, postulando uma
concepção polissêmica da linguagem. Wittgenstein (IF, §1) faz críticas ao modelo
referencial da linguagem de Santo Agostinho (354 d.C. – 430 d.C.) e ao Tractatus,
no qual cada palavra possui um significado e está associada ao objeto que designa.
As palavras são usadas para representar objetos.
A obra de destaque do segundo Wittgenstein é Investigações Filosóficas,
publicada originalmente em 1953, cujo conceito central é o jogo de linguagem,
analisando a polissemia das palavras. O segundo Wittgenstein chega a negar sua
primeira obra, alegando ter falhado no objetivo de resolver os problemas da
Filosofia. É bem verdade que seu objetivo não foi alcançado, no entanto, sua forma
particularizada de filosofar e repensar o conhecimento fez novas análises sobre a
Filosofia da Matemática e sobre a Lógica. No Tractatus Lógico-Philosophicus,
Wittgenstein acreditava que a linguagem era descritiva ou nominativa, tinha a
função de fazer uma referência biunívoca entre a Lógica e a linguagem, cada objeto
do mundo tinha uma única referência na linguagem, enquanto, nas Investigações
Filosóficas, há múltiplas linguagens, como afirma Wittgenstein (IF, §23). “É
interessante comparar a multiplicidade das ferramentas da linguagem e seus
modos de emprego, a multiplicidade das espécies de palavras e frases com aquilo
que os lógicos disseram sobre a estrutura da linguagem”. O filósofo compara a
linguagem ao uso de ferramentas, alegando que a mesma ferramenta tem diversos
usos distintos, enfim,

Pense nas ferramentas em uma caixa apropriada: lá estão um martelo,


uma tenaz, uma serra, uma chave de fenda, um metro, um vidro de cola,
cola, pregos e parafusos. – Assim como são diferentes as funções desses
objetos, assim são diferentes as funções das palavras. (E há semelhanças
aqui e ali). Com efeito, o que nos confunde é a uniformidade da aparência
das palavras, quando estas nos são ditas, ou quando com elas nos

19 O segundo Wittgenstein está relacionado, principalmente, às ideias da obra Investigações


Filosóficas.

45
defrontamos na escrita e na imprensa. Pois seu emprego não nos é tão
claro. E especialmente não o é quando filosofamos! (IF, §11).

Os jogos de linguagem de Wittgenstein consistem na técnica de construção


do significado da palavra por meio do uso que se faz atrelado ao contexto no qual
a palavra está empregada (GOTTSCHALK, 2007), bem como ratifica Wittgenstein
(IF, §7), ao afirmar que os jogos de linguagem são “o conjunto da linguagem e das
atividades com as quais está interligada”. Dessa forma, é através do diálogo
sistemático que ocorre a formação do significado de uma palavra, que pode ser de
imediato ou por meio de uma discussão indutiva, pois o objetivo do interlocutor é
obter um significado temporal e local da palavra. E, para que não ocorra
ambiguidades, faz-se necessário o estabelecimento de regras, o que configura um
jogo com o propósito de estabelecer o significado da palavra. Os jogos de
linguagem configuram uma pluralidade de atividades ou formas de vida,
apresentam aspectos de ralações entre pessoas, fatos e coisas. Wittgenstein (IF,
§23) exemplifica os jogos de linguagem como:

Comandar, e agir segundo comandos –


Descrever um objeto conforme a aparência ou conforme medidas –
Produzir um objeto segundo uma descrição (desenho) –
Relatar um acontecimento –
Conjeturar sobre um acontecimento –
Expor uma hipótese e prová-la –
Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e
diagramas –
Inventar uma história; ler –
Representar teatro –
Cantar uma cantiga de roda –
Resolver enigmas –
Fazer uma anedota; contar –
Resolver um exemplo de cálculo aplicado –
Traduzir de uma língua para outra –
Pedir, agradecer, maldizer, saudar, orar.

O segundo Wittgenstein, diferente de sua visão do Tractatus, não se


interessa por uma essência da linguagem, mudando de uma concepção
essencialista para pragmática, considerando que não há uma singularidade na qual

46
se possa sugerir qualquer essência da linguagem ou jogos de linguagem (CONDÉ,
1998).
É importante observar que, na segunda fase da filosofia de Wittgenstein, as
palavras têm múltiplos significados, pois estão diretamente vinculadas ao contexto,
daí a designação polissêmica, com vários sentidos, em que

essa pluralidade [do emprego de signos, palavras, frases] não é nada fixo,
um dado para sempre; mas novos tipos de linguagem, novos jogos de
linguagem, como poderíamos dizer, nascem e outros envelhecem e são
esquecidos. (IF, §23).

Essa polissemia é justificada por meio do conceito de forma de vida, que se


entende um lócus onde os jogos de linguagem estão inseridos. Como reforça Glock
(1998, p. 175): “diferentes formas de representação passam a ser compreensíveis
no contexto de diferentes formas de vida”. Em relação à linguagem, Wittgenstein
(IF, §19) afirma que “imaginar uma linguagem é imaginar uma forma de vida”. Ou
seja, uma forma de vida “é uma formação cultural ou social, a totalidade das
atividades comunitárias que estão imersas nos jogos de linguagem”, como afirma
Glock (1998, p. 174).
A linguagem surge a partir de uma forma de vida e envolve uma dimensão
biológica e cultural. A forma de vida apresenta-se como um lócus onde a linguagem
se abanca (CONDÉ, 1998; IF, §25), mas não como uma essência, uma vez que a
linguagem é autônoma e “nós reconduzimos as palavras do seu emprego
metafísico para seu emprego cotidiano” (IF, §116), de tal forma que

Se se pode explicar a formação de conceitos por fatos da natureza, não


nos deveria interessar, em vez da gramática, aquilo que na natureza lhe
serve de base? – Interessam-nos também a correspondência de conceitos
com fatos muito gerais da natureza. (Aqueles que, por causa da sua
generalidade, quase sempre não nos chamam a atenção). Mas nosso
interesse não se volta para essas possíveis causas da formação de
conceitos; não fazemos ciência natural nem história natural, – pois
podemos também inventar algo de história natural, para nossas
finalidades. (IF, 1979, p. 221).

47
Tanto a forma lógica, quanto a forma de vida são regidas por regras,
chamadas regras gramaticais ou gramática. Sendo a forma lógica baseada em
regras de sintaxe lógica ou gramática lógica, vinculada diretamente à sua figuração
pictórica. Para o segundo Wittgenstein, a gramática atribui as regras a serem
seguidas em uma determinada forma de vida e, consequentemente, no jogo de
linguagem no qual a linguagem estiver inserida, como afirma Glock

a gramática de uma língua é o sistema global de regras gramaticais, das


regras constitutivas que a definem pela determinação daquilo que faz
sentido dizer ao usá-la. De outra forma, o significado de uma palavra é
dado pela gramática, pois define sua forma de utilização. (GLOCK,1998,
p. 193).

A gramática define as regras a serem seguidas e, determinada atividade,


para ser realizada, deve seguir tais regras. Essas regras definem o uso da
linguagem em cada jogo de linguagem inserido em uma forma de vida. Diferente
da ideia de gramática (lógica), no Tratactus, pois a regra a ser seguida era da forma
lógica, ou seja, única. Nas Investigações, as regras da linguagem são contextuais
e temporais, constituem uma gramática profunda e isso “revela as diferentes
espécies do uso das expressões” (CONDÉ, 1998, p. 99), diferente da gramática
superficial atribuída à gramática dos linguistas.
A gramática é a lógica que determina as regras da linguagem, bem como o
que é possível e impossível no campo do sentido (IF, §520), onde “as regras
gramaticais incorporam as necessidades lógicas surgidas da prática efetiva de uma
dada comunidade, isto é, de uma forma de vida” (CONDÉ, 1998, p. 113). Nas
Investigações Filosóficas, a gramática é um conjunto de atividades regidas por
regras determinadas, a partir do uso das expressões, ou seja, não é apenas
formada por regras sintáticas e semânticas, mas parte de uma forma de vida.
Os jogos de linguagem são diversos, mas existem elementos comuns. Tais
elementos constituem o que chamamos de semelhanças de família. As
semelhanças de família não implicam identidade, tampouco a existência de uma
essência comum a todas as coisas, da mesma coisa presente em cada jogo de
linguagem, ou seja, “não há algo comum a todos os jogos” (CONDÉ, 1998, p. 92).

48
Para Wittgenstein, das Investigações Filosóficas, a linguagem é um conceito dado
por semelhança de família.

As semelhanças podem variar dentro de um determinado jogo de


linguagem ou ainda de um jogo de linguagem para outro, isto é, essas
semelhanças podem aparecer ou desaparecer completamente dentro de
um jogo de linguagem, ou ainda aparecer ou desaparecer na passagem
de um jogo de linguagem para outro. (CONDÉ, 1998, p. 92).

Um jogo de linguagem apresenta características próprias. Ao imaginarmos


uma família infinita de jogos de linguagem, podemos afirmar que cada jogo de
linguagem é distinto dos demais, uma vez que possui características únicas.
Embora possam ocorrer coincidências de certos elementos, em sua totalidade,
cada jogo de linguagem é diferente dos demais (ARRUDA JUNIOR, 2017; IF §65).
Por exemplo, a operação de “disjunção”, na Lógica Clássica, possui aproximações
com a operação de “união” na teoria dos conjuntos, no entanto, são estruturas
diferentes, com regras diferentes, mesmo que existam semelhanças de família.

Essas semelhanças criam uma espécie de parentesco entre as linguagens,


pois “se envolvem e se cruzam as diferentes semelhanças que existem entre os
membros de uma família: estatura, traços fisionômicos, o andar, o temperamento,
etc...” (IF, §67). Essa peculiaridade nos faz imaginar infinitos jogos de linguagem,
cada qual distinto do outro por pelo menos uma característica. Cada jogo de
linguagem inerente a uma forma de vida, possui um regramento próprio, uma vez
que o segundo Wittgenstein concebe a linguagem como um fenômeno constituído
de regras que determinam uma gramática para os diversos usos das palavras
(ARRUDA JUNIOR, 2017).
As semelhanças de família não definem um elemento essencial a todos os
jogos de linguagem, uma vez que os elementos não são comuns a todos os jogos
concomitantemente e podem aparecer e desaparecer dentro dos jogos (IF, §66).
Imaginemos um jogo de xadrez com suas regras. Se usarmos o mesmo tabuleiro
para jogar damas, as regras mudam, mas as peças podem ser as mesmas, ou seja,
não são as peças e o tabuleiro que definem o jogo, mas sim as regras, a maneira
como as usamos. Em cada jogo distinto, podemos perceber características

49
diferentes e semelhantes, ou seja, se em um determinado jogo uma regra faz
sentido, em outro jogo, a mesma regra pode ser perdida.
Assim, transportando esse pensamento para a linguagem, o significado é
dado pelo uso da linguagem (IF, § 43), ou seja, é na aplicação da linguagem nos
mais variados contextos que se define o significado das palavras. Os signos que
formam a linguagem recebem significado no seu uso, como afirma Wittgenstein:
“todo signo sozinho parece morto. O que lhe dá vida? – No uso ele vive!” (IF, §
432). Consequentemente, as mesmas palavras que ora significamos, se usadas
em contextos ou épocas diferentes, podem não ter o mesmo significado, assumem
outra funcionalidade, uma vez que “a significação de uma palavra é dada a partir
do uso que dela fazemos em diferentes situações e contextos” (CONDÉ, 1998, p.
89).
Há uma infinidade de significados para as palavras, basta que haja uma
variação de contexto e tempo, ou seja, o fator cultural e temporal é potencializador
de novos significados; o uso em cada contexto ou situação distinta proporciona a
mudança de significado (ARRUDA JUNIOR, 2017; CONDÉ, 1998), contrariando o
primeiro Wittgenstein (TLP, 5.6), que afirmava “os limites de minha linguagem
significam os limites de meu mundo”.
Wittgenstein da segunda filosofia acredita que para ensinar uma linguagem
é necessário o treino, uma vez que “o ensino da linguagem não é aqui nenhuma
explicação, mas sim o treinamento” (IF, §5), ou seja, o treinamento age como uma
espécie de jogo de linguagem e uso para a significação. Parte desse “treinamento
consistirá no fato de que quem ensina mostra os objetos” (IF, §6). Não estamos
falando em uma simples repetição de um procedimento, mas de um treinamento
sistemático em situações distintas em um mesmo contexto por meio de uma
descrição, configurando um jogo de linguagem.
Para o segundo Wittgenstein, as regras são inerentes à linguagem. A
construção do significado de uma palavra se dá nos jogos de linguagem, sendo que
esses fazem parte de uma forma de vida. Enfim, a gramática de um jogo de
linguagem está associada a regras que devem ser seguidas, evitando, assim,
confusões. Ou seja, seguir uma regra pode ser associado por semelhança de
família a obedecer a uma regra (GOTTSCHALK, 2014), não aleatória, e sim regras
que estão vinculadas a contextos e mudam com o tempo e espaço. Para

50
Gottschalck (2014, p. 77), “aprender o significado de uma palavra pode consistir na
aquisição de uma regra, ou um conjunto de regras, que governa seu uso”, ou seja,
o significado de uma palavra está no uso da regra, no contexto, na forma de vida
na qual essa regra está constituída.
Na próxima seção, abordaremos os conceitos de prova matemática e
demonstração, na visão de Nicolas Balacheff (1987), Gilles-Gaston Granger (1955)
e Wittgenstein. Será dada uma ênfase para a concepção de Wittgenstein, por ser
a abordagem que adotamos em nossa pesquisa.

3.2 PROVA MATEMÁTICA EM WITTGENSTEIN


Os escritos de Wittgenstein de 1929 a 1936 compreendem a sua fase
chamada intermediária e foram publicados postumamente nas obras Observações
sobre os Fundamentos da Matemática (1956), Observações Filosóficas (1964) e
Gramática Filosófica (1974). Nesses livros, Wittgenstein discute a Filosofia da
Matemática na qual podemos obter fundamentação para as provas matemáticas,
segundo o filósofo. Mas antes de abordarmos a prova matemática, na visão de
Wittgenstein, optamos por apresentar outras perspectivas como forma de
diferenciar.
Nicolas Balacheff (1987) diferencia explicação, prova e demonstração em
um processo de argumentação. A explicação toma o caráter de um discurso com o
objetivo de convencer o interlocutor sobre proposições ou resultados, que podem
ser refutados, debatidos ou aceitos. De outra forma, uma prova é uma explicação
que possui aceitação de uma determinada comunidade científica em certa época,
enquanto que uma demonstração é uma prova que toma como suporte regras
dedutivas oriundas de informações verdadeiras. Uma demonstração é um processo
particular de prova cuja validação é aceita universalmente e a temporalmente, caso
das demonstrações matemáticas.
Para Balacheff (1987), prova e demonstração estão em dimensões
diferentes. A demonstração é a prova no universo da Matemática, tomando como
pressupostos axiomas e teoremas matemáticos que, por meio de processos
dedutivos, chegam à validade de outras proposições e teoremas, uma espécie de
encadeamento lógico-dedutivo de verdades matemáticas.

51
Para Gilles-Gaston Granger (1955), conceitos como demonstração e
generalização são de caráter original da Matemática. O primeiro fundamenta o rigor
matemático e o segundo gerencia sua fecundidade. A demonstração é inerente à
Matemática e podemos pensá-la como uma “ciência demonstrativa por excelência,
que as matemáticas devem ser distinguidas de outros tipos de conhecimento”
(GRANGER, 1955, p. 90).
Granger (1955) classifica as demonstrações em três tipos – demonstração
direta, por absurdo e por recorrência. A demonstração direta é aquela que “passa
de um conjunto de proposições reconhecidas como verdadeiras à proposição que
se deseja estabelecer” (GRANGER, 1955, p. 97). Podemos perceber que
demonstrações silogísticas e por construção dependem desse modelo de
demonstração direta, no qual partimos da hipótese para chegar à tese. Em
demonstrações por construções, partimos de axiomas e figuras e, por meio de
construções válidas, seguindo definições matemáticas, chegamos a conclusões
também válidas.
A demonstração por absurdo

consiste em supor verdadeira, e em acrescentar à hipótese, uma


proposição contraditória àquela que se deseja provar; e em concluir – por
demonstração direta – outra proposição que contradiz a hipótese. A
suposição era, pois, falsa, e sua contraditória verdadeira. (GRANGER,
1955, p. 97).

Demonstrações dessa forma baseiam-se no princípio do terceiro excluído.


Para uma proposição há duas possibilidades: é verdadeira ou falsa, não havendo
uma terceira possibilidade. Sendo assim, se concluímos que uma proposição é
absurda, ou seja, falsa, a única possibilidade lógica é que sua negação seja
verdadeira. Observamos que essa modalidade de demonstração não é aceita pelos
intuicionistas, por eles não aceitarem o princípio do terceiro excluído em sua lógica.
O terceiro modo de demonstração classificado por Granger (1955) é a
demonstração por recorrência, que se refere

52
a proposições dependentes de um número inteiro, e permite mostrar, sob
certas condições, que uma proposição é verdadeira por maior que seja o
número inteiro do qual ela depende, se for verdadeira para um número 𝑎
determinado. (GRANGER, 1955, p. 97).

A demonstração por recorrência é também conhecida como demonstração


por indução finita, muito usada em situações no campo da Matemática discreta,
onde para provar a validade de uma proposição 𝑃(𝑎) com 𝑎 ≥ 𝑘 , sendo 𝑎 e 𝑘
números inteiros não negativos, testa-se a validade para 𝑃(𝑘) , depois supõe
verdade para 𝑃(𝑎) e usando prova direta mostra-se a validade de 𝑃(𝑎 + 1).
A partir desse momento, vamos apresentar a visão de Wittgenstein para
prova ou demonstração, uma vez que o filósofo não diferencia as duas
denominações: prova e demonstração possuem o mesmo status de validação
matemática de uma proposição.
Para o primeiro Wittgenstein (TLP, 6.2), as proposições matemáticas são
pseudoproposições, ou seja, não descrevem algo no mundo por não terem sentido,
pois são equações. A forma geral de uma proposição ou função de verdade é
[𝑝, 𝜉, 𝑁(𝜉)], onde 𝑁(𝜉) é uma aplicação sucessiva às operações elementares (TLP,
6; 6.001).
No Tractatus (TLP, 6.02), Wittgenstein define o número como expoente
𝑥 = Ω0 𝑥 Def.
Ω′ Ω𝑣′ 𝑥 = Ω𝑣+1′ 𝑥 Def. (1)
Assim, a sequência de números naturais 0, 1,2, 3, … é dada por
𝑥, Ω′ 𝑥, Ω′ Ω′ 𝑥, Ω′ Ω′ Ω′ 𝑥, … , onde Ω′ representa uma operação qualquer. O que
acarreta Ω0 𝑥, Ω1 𝑥, Ω2 𝑥, Ω3 𝑥, … , onde os expoentes representam a sequência
numérica. Ao invés de escrever [𝑝, 𝜉, 𝑁(𝜉)] , podemos representar por
[Ω0 𝑥, Ω𝑣′ 𝑥, Ω𝑣+1′ 𝑥]. Analogamente, podemos definir a mesma sequência como

0 + 1 = 1 Def.
0 + 1 + 1 = 2 Def.
0 + 1 + 1 + 1 = 3 Def.

53
Para o Wittgenstein intermediário, o cálculo carrega consigo a noção de
generalização da computação numérica, enquanto sequência operacional, como
também a palavra cálculo quando acompanhada de proposições ou predicados
possui uma ideia de formalização das provas (MARION; OKADA, 2012). No
procedimento acima, o cálculo realizado está associado à sequência operacional
de computação numérica, que poderia ser usado como processo de prova em outra
situação, ou seja, ao mostrar que 2+3=5, usamos o cálculo como prova de acordo
com o procedimento abaixo

Ω2 Ω3 𝑥 = Ω1+1′ Ω1+1+1′ 𝑥 = Ω′ Ω′ Ω′ Ω′ Ω′ 𝑥 = Ω5 𝑥. (2)

Na prova (2), podemos observar o método direto de prova com uso de


recorrência em virtude da definição (1). Na fase tractariana, Wittgenstein já
apresentava técnicas de demonstração, como descrito em (2), onde usando uma
função propriedade definida recursivamente por (1), constrói-se a prova de 2+3=5,
usando a forma direta e uma notação do número enquanto expoente de um
operador Ω.
Sobre o Wittgenstein intermediário, descobrir um novo método de prova
matemática acarretaria uma mudança de gramática da proposição matemática,
uma vez que para que o enunciado fosse decidível, acarretaria uma mudança no
seu regramento e no seu valor verdade (JOURDAN, 2009). O que nos leva a inferir
que, a cada método de prova distinto, segue-se uma metodologia distinta para sua
realização, em virtude da mudança de sua gramática e das condições para sua
validação. Complementarmente, a prova matemática altera a gramática dos
conceitos, como assevera Wittgenstein

A prova cria um novo conceito – na medida em que cria ou é um novo


sinal. Ou – na medida em que dá um novo lugar à proposição que é o seu
resultado. (Pois a prova não é um movimento, mas um caminho.). (OFM,
III, 41).

É compreensível que, ao provar uma proposição por duas formas distintas,


vislumbremos duas maneiras de ver a proposição e ambas podem ser válidas, uma

54
vez que “duas provas provam a mesma coisa quando elas me convencem do
mesmo” (OFM, III, 58), pois “toda prova mostra não somente a verdade da
proposição provada, mas também que ela é capaz de ser provada assim” (OFM,
III, 59).
Uma fórmula da Matemática enquanto regra sintática carrega uma relação
entre aplicabilidade e sentido, ou seja, se pode ser aplicada é porque tem sentido
(NAKANO, 2015). No que diz respeito a uma fórmula ou equação matemática, o
sentido aponta para a finalidade da equação, a equação diz quais operações com
os símbolos podem ser realizadas dentro do contexto proposicional de validade do
sentido. De outro modo, uma equação matemática, enquanto proposição
matemática, tem um caráter autônomo de verdade, não redutível a uma tautologia
ou a verdade de uma proposição empírica, mas como uma relação de prova.
Ressaltamos a distinção entre proposições matemáticas e proposições
empíricas, considerado que as primeiras não são descritivas, enquanto que as
proposições empíricas descrevem algo (STENLUND; BOISVERT, 2012), e,
consequentemente, o método de verificação da validade de cada uma delas é
diferente. A prova é a maneira que uma proposição matemática é verificada, onde
a verificação é um indício do sentido da proposição (OF, §166), como se a prova
fosse uma lupa para a proposição matemática, ou melhor, “como se a proposição
apontasse para uma escada, e a prova percorresse degrau por degrau da escada”
(NAKANO, 2015, p. 106).
Em certos momentos, as provas parecem mais rígidas e, em outros, mais
simplificadas. Por exemplo, em certo momento Wittgenstein afirma que “uma
equação só pode ser provada reduzindo-a a equações” (OF, §169), enquanto em
outro ponto, aceita uma representação por diagramas como uma prova, como
podemos notar nas figuras 04 e 05. Justifica-se que os diagramas são construídos
por meio das regras que poderiam ser expressas por equações; o processo de
construção da imagem representa a proposição matemática em uma simbologia
distinta e, consequentemente, sua própria prova, uma vez que “a proposição
matemática completamente analisada é a sua própria prova” (OF, §162).

55
Figura 04. Diagrama da divisão da divisão de 11 maçãs para 3 pessoas.

Fonte: (OF, §111)

Figura 05. Diagrama para resolver 3x4=12

Fonte: (OF, §117)

Assim, podemos perceber que o processo de prova usado nas figuras 04 e


05 é por construção, no qual os passos são dados no caminho da demonstração;
prova-se ao fazer a prova. O procedimento da prova valida a proposição
simultaneamente e dá significado para a afirmação já que “se você quer saber o
que está provado, olhe a prova” (GF, 2010, p. 293). Na figura 04, a divisão de 11
maçãs para 03 pessoas é demarcada na imagem e observa-se que restam duas
maçãs, o que mostra que 11 não é divisível por 3. De forma semelhante, na figura
05, constrói-se quatro linhas com três bolas em cada, o que mostra que o resultado
da operação é 12, reafirmando o método de prova por construção geométrica, no

56
qual as regras da prova se apresentam no decorrer do cálculo, pois “um cálculo
existe quando o descrevemos” (GF, 2010, p. 189).
Considere a seguinte proposição: “há um retalho (F) entre os limites AA?”
(GF, 2010, p. 192).

Figura 06. Pontos geométricos equidistantes

Fonte: (GF, p. 192)

A partir da figura 06, podemos dizer, pela observação visual, que F está entre
os pontos A. Mas podemos concluir também que F está entre os pontos B e F está
entre os pontos C. Todas as proposições que concluímos podem ser validadas, a
partir da primeira conclusão, ou seja, F está entre os pontos A, pois os pontos A
estão entre os pontos B e, por conseguinte, os pontos B estão entre os pontos C.
O que nos remete a um procedimento de prova por indução ou recorrência. A
proposição F está entre os pontos B e foi construída a partir da primeira proposição,
gerando um novo sentido para a segunda proposição, formada a partir do antigo
sentido, como afirma Wittgenstein (2010).
A nova proposição com novo sentido deve ter sido construída a partir da
proposição antiga e

Se uma proposição acarreta ou não outra proposição deve ser claro a


partir da gramática da proposição e apenas a partir disso. Não pode ser o
resultado de nenhum discernimento de um novo sentido: apenas de um
discernimento do antigo sentido. (GF, 2010, p. 198).

A partir da prova, a proposição matemática torna-se normativa e como tal


deve ser adotada como regra, sendo usada a partir da prova, sem a necessidade
de nova prova, ganhando liberdade, livrando-se do cordão umbilical que a prendia

57
à prova, como ratifica Wittgenstein (OFM, III, 28): “a proposição provada pela prova
serve como regra, portanto como paradigma. Pois nos orientamos pela regra”.
Acerca do pensamento de Wittgenstein, a respeito da Lógica e da
Matemática, o filósofo considera a primeira uma forma de organização do mundo,
um conhecimento a priori; enquanto a Matemática é uma atividade normativa e um
conhecimento a priori (GOTTSCHALK, 2014). Para Mathieu Marion e Mitsuhiro
Okada (2012), Wittgenstein possui uma única Filosofia da Matemática,
permanecendo com as ideias difundidas, principalmente, na fase intermediária, na
qual seu pensamento não pode ser associado a nenhuma das grandes escolas
filosóficas da Matemática, por mais que possua fragmentos do Logicismo, do
Intuicionismo, em seus escritos. Sobre a natureza do conhecimento matemático,
Wittgenstein preserva algumas teses, como reforça Gottschalk (2014, p.81), ao
afirmar que “a matemática não é refutável pela experiência (como advogava o
logicismo), baseia-se numa atividade humana (como defendia o intuicionismo) e
emprega signos escritos e sonoros (formalismo).” Observamos que esses signos
são usados em atividades com regramento e em contextos especiais, ou seja, não
são vazios como no Formalismo (GOTTSCHALK, 2014).
O estudo das Escolas Filosóficas da Matemática, dos sistemas lógicos e das
filosofias de Wittgenstein é importante para localizar a Lógica Matemática e as
provas matemáticas dentro desse espectro. De acordo com Gottschalk (2014), as
concepções filosóficas da Matemática influenciam nas práticas pedagógicas no
ensino e podem causar confusões advindas de “crenças equivocadas” sobre
aproximações de proposições matemáticas e hipóteses empíricas ou de que as
atividades matemáticas são decorrentes de “operações mentais”, daí a importância
do estudo dessas escolas filosóficas pelos docentes dos cursos de Licenciatura em
Matemática.
Ademais, a Lógica Matemática ensinada nos cursos de Licenciatura em
Matemática apresenta aspectos majoritários de um sistema monista (HAAK, 2002),
pois considera apenas a Lógica Clássica e Ampliada como válidas. Nesse sentido,
uma Lógica Intuicionista não é aceita num sistema monista, ou seja, a Lógica
Matemática, como um sistema monista, desconsidera a Lógica Intuicionista.
Enquanto, a mesma Lógica Atemática pode ser associada à Lógica da Escola
Logicista e à concepção do primeiro Wittgenstein (TLP, 4.023).

58
Diante do que foi exposto, consideramos importante refletir sobre a posição
de Wittgenstein e a natureza da necessidade matemática. A esse respeito, Silva
(2010) destaca que, para Wittgenstein,

Não há nada a colocar no lugar do platonismo porque o seu ataque é


dirigido precisamente contra o lugar. O platonismo é uma teoria sobre a
existência e a objetividade dos objetos matemáticos e o que Wittgenstein
pretende não é propor uma nova teoria ou uma nova formulação da
questão dos fundamentos das matemáticas, mas apenas nos persuadir
de que não há lugar para tais teorias: há apenas que ver como as
matemáticas funcionam na nossa vida de todos os dias e entender que há
nada que teorizar. (SILVA, 2010, p. 193).

Talvez essa seja uma das origens da proposta de terapia lançada por
Wittgenstein, que pode ser fundamental no exercício cotidiano da interlocução
matemática envolvida nos processos de demonstração e prova matemática, por
meio do exercício da linguagem oferecida pela Lógica sustentada no Tractatus, ou
seja, um processo de aprender continuamente essa interlocução por meio dos
jogos de linguagem.

59
4 METODOS E EMPIRIA
Neste capítulo, abordaremos o perfil metodológico da pesquisa e da análise
dos dados e faremos uso do método de Análise de Conteúdo, proposto por
Laurence Bardin (2016).

4.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA


Nossa pesquisa é empírica, baseada na materialidade das observações
extraídas da análise dos livros e das entrevistas. Para analisar as aproximações e
distanciamentos no campo do ensino, serão feitas análises das entrevistas
realizadas com docentes, configurando-se os sujeitos da pesquisa. Como estamos
usando um suporte lógico-matemático-filosófico como justificação de certos
conceitos aliado a uma apreciação das entrevistas, apoiada na Análise de
Conteúdo, de Bardin, e focada nas filosofias de Wittgenstein, estamos transitando
entre pressupostos epistemológicos e metodológicos (CRESWELL, 2014).
Epistemologicamente, “[…] buscamos compreender a perspectiva dos
participantes […] sobre os fenômenos que os rodeiam, aprofundar em suas
experiências, pontos de vista, opiniões e significados […].”, como afirma Sampieri
(2013, p. 376); e, metodologicamente, apoiando-nos em uma Lógica Indutiva,
estudando a problemática em seu contexto para buscar generalizações
(CRESWELL, 2014).
Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, seu caráter indutivo permite-nos
selecionar uma amostra da população para aplicar técnicas e instrumentos pré-
definidos e, por meio de raciocínio complexo indutivo-dedutivo, aplicado durante o
processo, chegar a “[…] padrões, categorias e temas “de baixo para cima”,
organizando os dados indutivamente até unidades de informação cada vez mais
abstratas”, como afirma Creswell (2014, p. 50).
Para justificar e operar com o dinamismo da pesquisa, foi necessária uma
imersão nos escritos filosóficos sobre a temática, que será desenvolvida por
abordagem bibliográfica em livros, artigos e teses. Segundo Ludke e André (1986,
p.13), a pesquisa qualitativa “envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no
contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo
do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes”. Nessa
esteira, para produção dos dados, ou seja, as impressões e conhecimentos

60
específicos dos sujeitos em relação à temática, utilizaremos entrevistas
semiestruturadas.
A entrevista semiestruturada foi realizada com os docentes de um curso de
Licenciatura em Matemática, pois, como formadores de professores, sua
compreensão sobre a temática envolvida tem ação multiplicadora entre os
professores em formação, daí seu grau de importância no contexto.
A princípio, optamos pelo instrumento de roteiro de entrevista
semiestruturada presencial, gravada em áudio, devido à oportunidade de observar
os meandros das falas, as expressões faciais e de linguagem durante o processo,
enfim, tornando possível o delineamento das impressões, como fundamenta
Szymanski (2004, p. 12), ao afirmar que “a entrevista face a face é
fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as
percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e
interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado”. Em virtude das
restrições causadas pela pandemia do Covid-19, as entrevistas passaram a ser
gravadas em vídeo, por meio da plataforma Google meet®.

4.2 MÉTODO DE ANÁLISE


As análises foram realizadas a partir da observação das entrevistas
semiestruturadas presenciais gravadas em áudio ou via conferência de vídeo com
posterior transcrição. A partir da produção de dados – entrevistas e pesquisa
bibliográfica –, os dados foram triangulados e sistematizados, segundo a Análise
de Conteúdo, de Bardin, em categorias ou temas, como ratifica Creswell (2014, p.
50). As categorias emergidas foram analisadas de acordo com uma perspectiva
wittgensteiniana, com suporte nos pressupostos filosóficos adotados na pesquisa.

4.2.1 Analise de Conteúdo


Historicamente, a Retórica e a Lógica faziam parte do arcabouço de
ferramentas de análise de um discurso. Segundo Bardin (2016), a Retórica
analisava as melhores formas de persuasão do discurso, enquanto a Lógica
buscava determinar o raciocínio correto, por meio de seus enunciados e
encadeamento entre eles. No início do século XX, a Escola de Jornalismo de
Columbia analisava jornais, enquanto, na segunda guerra, as propagandas foram

61
alvo de análise. H. Lasswell analisou jornais e propagandas, em 1915 (BARDIN,
2016).
Nos anos de 1940 a 1950, perdura uma visão objetiva da análise de
conteúdo, vista como uma técnica de investigação para descrição objetiva,
sistemática e quantitativa, defendida por W. Berelson e P. Lazarsfeld. Nos anos
1950 a 1960, surge, com A. George, o modelo Instrumental, que dá importância ao
que a mensagem tenta passar por detrás do óbvio, o que se tenta transmitir num
segundo plano que está ligado ao contexto e às suas circunstâncias (BARDIN,
2016). Observamos que essa visão instrumental da análise de conteúdo tem certa
aproximação com o conceito de “forma de vida”, no qual as palavras têm seu
significado construído em seu contexto, com regras oriundas de uma gramática
própria de uma forma de vida.
Nos anos de 1960 a 1975, surgem os computadores e com eles uma maior
sistematização e isso é marcado por três fenômenos, como afirma Bardin (2016):
o uso do computador, o estudo da comunicação não-verbal e a falta de precisão
das análises linguísticas. Na atualidade, os avanços nas técnicas foram notáveis,
inteligência artificial e a inovação metodológica, abrangendo campos antes não
observados – Lexicometria, Enunciação Linguística, Análise de Conversação e
documentação e banco de dados.
A Análise de Conteúdo é uma abordagem de análise de dados na
comunicação verbal ou não-verbal, que é feita entre sujeitos com o uso de signos
com significados construídos em cada contexto, sendo uma maneira de
compreender, sistematizar, analisar e descrever conteúdos presentes em
mensagens. Ademais, segundo Bardin (2016), a Análise de Conteúdo pode ser
também vista como um conjunto de técnicas com a finalidade de interpretar
objetivamente uma comunicação, usando para isso técnicas de análise de
frequência, categorização de estruturas, baseadas na inferência, e, dessa forma,
minimizando a subjetividade, com possibilidade de extrapolação dedutivas, com as
devidas fundamentações.
No sentido de agregar positivamente a credibilidade da Análise de Conteúdo,
realizada em sua pesquisa, devemos evitar certas tendências – superficialidade,
obviedade, a interpretação única, preconceito e parcialidade.

62
Quanto à organização da Análise de Conteúdo, preparamos as entrevistas
para a fase da pré-análise, que, segundo Bardin (2016), tem por finalidade
organizar as ideias, sistematizando-as para que seja dado o prosseguimento das
ações do método. Nesse sentido, foi realizada uma leitura flutuante para ter o
primeiro contato com os documentos, que foram entrevistas realizadas com
professores do curso de licenciatura de uma universidade em Imperatriz. Essas
entrevistas formam o corpus, que “é o conjunto dos documentos tido em conta para
serem submetidos aos procedimentos analíticos” (BARDIN, 2016, p. 126). A
constituição do corpus levou em consideração as seguintes regras – exaustividade,
representatividade, homogeneidade e pertinência, de acordo com Bardin (2016).
Em seguida, foram retomados os objetivos da pesquisa propostos à priori,
para que, por meio dos documentos produzidos na forma de entrevistas, se
chegasse a uma análise sobre as afirmações dos objetivos.
Vencida a etapa da pré-análise, partimos para a fase da codificação, que
para Bardin (2016, p.133) “corresponde a uma transformação – efetuada segundo
regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte,
agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou da
sua expressão”, enfim, é um processo sistemático para transformar e organizar
dados brutos segundo critérios bem definidos.
No caminho da codificação, tomamos o tema como unidade de registro, pois

geralmente é utilizado como unidade de registro para estudar motivações


de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências etc. As
respostas de questões abertas, as entrevistas (não diretivas ou mais
estruturadas) individuais ou em grupos, […] podem ser, e frequentemente
são analisados tendo o tema como base. (BARDIN, 2016, p.135).

A escolha da unidade de registro temática é coerente com a unidade de


contexto, pois, ao especificar o tema, o contexto será destacado
consequentemente. Para evitar transpor realidades, escolhemos uma codificação
indutiva, na qual não há códigos prévios. Os códigos foram surgindo a partir da
leitura e da releitura das entrevistas, marcando temas que possuíam relação com
os objetivos da pesquisa.

63
Como forma de enumerar os códigos, tomamos a presença/ausência aliada
à frequência, pois, assim, reforçamos a importância dos diversos códigos que
emergiram a partir de cada entrevista, dando ênfase àqueles que aparecem com
maior frequência, pois “a importância de uma unidade de registro aumenta com a
frequência de aparição” (BARDIN, 2016, p.138).
Para Bardin (2016), a Análise de Conteúdo Qualitativa tem por base a
inferência, está baseada no tema, e não na frequência. Por esse motivo, existe uma
necessidade de leitura e de releitura para fugir de obviedades, reforçar o contexto
e se distanciar de influências pessoais. As inferências propostas a partir de uma
análise temática devem ser realizadas a partir de um exaustivo trabalho de leitura
e de busca pela impessoalidade, visto que seu caráter qualitativo nos leva a uma
forma indutiva, principalmente, em nosso trabalho, pois optamos por não usar
categorias prontas, mas sim, desenvolver categorias a partir das leituras das
entrevistas, seguindo uma análise de conteúdo indutiva. Para tal, foram realizadas
várias leituras nas entrevistas, buscando elementos comuns a todos. Esses
elementos deram origem aos primeiros códigos.
Após uma primeira codificação, surgem códigos provisórios, o que é lugar
comum na codificação indutiva. Para realizar a Análise de Conteúdo, optei por usar
um software atlas.ti®, pois otimiza o trabalho de recorte e organização das
entrevistas. De acordo com o atlas.ti®, códigos provisórios e iniciais são precedidos
pelo símbolo hastag para fins de organização e, a partir do momento que se tornam
códigos definitivos, deixam de ser precedidos pela hastag. Os códigos que foram
revelados inicialmente foram: #a matemática é criação humana, #a matemática é
inata, #dilemas do ensino, #ensino de lógica, #linguagem descritiva do mundo,
#linguagem, #linguagem matemática, #lógicas, #matemática é ideia, #matemática
e lógica, #o uso de demonstrações matemáticas e #a lógica matemática nas
demonstrações.
Iniciando a etapa de categorização, realizamos novas leituras da entrevista
em consonância com a correlação dos códigos, então, por um processo de
diferenciação e reagrupamento, os códigos foram reorganizados: os códigos #a
matemática é criação humana, #a matemática é inata foram excluídos por se
distanciarem dos objetivos da pesquisa, seguindo a orientação da pertinência,
segundo Bardin (2016), enquanto o código #dilemas do ensino foi incorporado pelo

64
código #ensino de lógica; #linguagem descritiva do mundo e #linguagem
matemática recolocados para #linguagem; #lógicas para #a lógica matemática nas
demonstrações, e, por fim, #matemática e lógica uniu-se a #o uso de
demonstrações matemáticas, sendo possível avançarmos no processo de
categorização.
O fluxograma de Saldaña (2015) é uma forma de organizar a evolução de
códigos para categorias, bem como de mostrar por meio de um agrupamento de
códigos uma direção indutiva que parte da codificação para a categorização, enfim,
do particular para o geral. A partir de Saldaña (2015), podemos chegar às seguintes
categorias – ensino de Lógica, linguagem, a lógica matemática nas demonstrações
e o uso de demonstrações matemáticas.

Figura 07. Fluxograma de categorização

dilemas do ensino ensino de lógica

linguagem descritiva do mundo

linguagem

linguagem matemática

a lógica matemática nas


lógicas demonstrações

matemática e lógica o uso de demonstrações


matemáticas

Particular Geral
Fonte: A partir de Saldaña (2015)

Ainda segundo Saldaña (2015), a Análise de Conteúdo realiza um percurso


da emergência dos códigos para as categorias, com fins de formalizar conceitos e,
para realizar tal tarefa, a análise indutiva faz surgir códigos a partir do real e
caminha na direção do abstrato, do conceitual, obtidos pela categorização. Para
Bardin (2016, p.147), a categorização “é uma operação de classificação de

65
elementos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, reagrupamento
segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos”. As categorias
se juntam em classes e são denominadas por um título generalizador, o que se dá
por meio de um critério semântico ou temático para a categorização (BARDIN,
2016).

4.3 O LOCUS E OS SUJEITOS


Nossa investigação teve como sujeitos da pesquisa professores de
matemática do curso de Licenciatura em Matemática de uma universidade em
Imperatriz, Maranhão. A escolha se deu pelo fato de que o curso apresenta em seu
currículo a disciplina Lógica Matemática, com carga horária de 60 horas, ofertada
no primeiro período do curso. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética do
Instituto de Ciências da Saúde, da UFPA, sob o CAAE 17054819.3.0000.0018, e
aprovada, segundo o parecer nº 3.678.075, em 01 de novembro de 2019.
Devido à pandemia de Covid-19, apenas uma entrevista foi realizada no
formato de entrevista presencial, gravada em áudio. As demais foram realizadas
por vídeo chamada por meio do aplicativo Google meet®, não sendo possível o
contato presencial físico, mas elementos como expressões faciais e corporais
puderam ser captados pela gravação em vídeo e áudio. Dentre os cinco
professores selecionados para entrevista, em virtude das restrições ocasionadas
pela pandemia, mesmo no formato remoto, um deles não concedeu a entrevista. A
primeira entrevista foi realizada em fevereiro de 2020, de forma presencial,
enquanto as três outras ocorreram em março de 2021, na modalidade remota, por
vídeo conferência.

66
5 ANÁLISE DOS RESULTADOS
A partir de um estudo das entrevistas, por meio da Análise de Conteúdo de
Bardin (2016), chegamos às seguintes categorias, que passamos a discutir.

5.1 DO ENSINO DE LÓGICA


Ancorados nas ideias Wittgensteinianas sobre gramática, uso e significado,
o ensino de Lógica Matemática poderia ser aperfeiçoado no contexto de seus
argumentos, ou seja, as proposições lógicas poderiam ser diretamente usadas nas
proposições matemáticas, enfim, em suas demonstrações. Ver nas demonstrações
matemáticas o uso dos argumentos lógicos, cujas suas regras estarão em uma
forma de vida específica e o seu significado nas regras que relacionam os
argumentos lógicos às demonstrações, pois, assim como “uma palavra só adquire
significado quando se opera com ela, ou seja, seguindo uma regra”
(GOTTSCHALK, 2014, p. 77), um argumento está sujeito às mesmas condições e
fará sentido no seu uso nas demonstrações, visto que “compreender uma
proposição matemática significa compreender uma regra“ (GOTTSCHALK, 2014,
p. 78) e se somos capazes de segui-las, então, compreendemos.

Compreender uma palavra como "triângulo” é saber seguir uma regra de


utilização dessa palavra, e não a apreensão do que é triângulo. É neste
sentido que as definições têm um uso gramatical, e não descritivo.
(GOTTSCHALK, 2014, p. 77-78).

É importante destacar que a discussão não passa pelo questionamento da


validade do regramento de cada Lógica, mas, no uso das Lógicas, na coerência
entre a linguagem de cada Lógica com o seu contexto. E, nesse ponto, devemos
ressaltar a sua importância, pois a aplicação de uma determinada Lógica em um
contexto diverso seria como o uso de uma linguagem fora de sua forma de vida, ou
seja, desconectado de sua gramática associada aquele contexto, o que promove
confusão, conflitos de significação da linguagem por se tratar de dois jogos
distintos, por exemplo, usar Lógicas Polivalentes em demonstrações matemáticas.
Esse tipo de conflito pode ser minimizado pela ação do professor ao deixar claro o
jogo de linguagem que está sendo apresentado e quais as regras desse jogo,

67
evitando o uso inadequado de uma gramática diferente da gramática da
Matemática, pois “a significação de uma palavra é seu uso na linguagem” (IF, §43).
No decorrer da prática docente, é possível diferenciar as diversas Lógicas,
apresentando suas aproximações e distanciamentos. Esse movimento metodológico
contribui para definir uma Lógica que seja adequada ao uso na Matemática, destacando
suas regras e sua linguagem, mas esclarecer que existem outras Lógicas com suas
linguagem e regras, como defende o Docente C.

prefiro acreditar que há todos esses modos de demostrar-se a lógica. A


lógica de um feirante, a lógica de um indígena, a lógica do matemático, a
lógica do físico, talvez a lógica de um pedreiro. Então há vários
argumentos possíveis mediante a lógica. [...] Acho que a lógica é inerente
à humanidade, não necessariamente à matemática, [na matemática tem]
a lógica da matemática. (Docente C).

Com a diversidade das Lógicas, cada uma delas possui suas regras
próprias, suas gramáticas, fazendo parte assim, de formas de vidas distintas. No
contexto do estudo da Matemática, a Lógica Matemática é a linguagem usada nas
demonstrações, como ratifica Haak (2002, p. 212), ao afirmar que “os pioneiros da
lógica formal moderna foram motivados fundamentalmente pelo desejo de
representar argumentos matemáticos de maneira rigorosa”. Novos sentidos podem
surgir a partir de uma nova interpretação de uma proposição, agindo como
ferramenta de quebra de paradigma, como ocorreu com os números complexos e
geometria não-euclidiana. Essas matemáticas foram criadas a partir do que Gilles-
Gaston Granger chama de irracional por obstáculo (GRANGER, 2002), a saber: as
regras da criação surgem nos obstáculos do que está proposto. Nesse sentido, a
criação do novo passa também pela mudança de paradigma, criando um sentido
novo a partir do antigo (Wittgenstein, 2010).
Para analisar como a disciplina Lógica Matemática está posta no currículo
do curso, bem como a apresentação de sua ementa e fontes bibliográficas, o
quadro a seguir, apresenta a ementa da referida disciplina extraída do Projeto
Pedagógico do curso (PPC) de Licenciatura em Matemática.

68
Quadro 4: Ementa da disciplina lógica matemática
CARGA HORÁRIA: 60 H CRÉDITOS: 04 PRÉ-REQUISITO: SEM
Sistemas de Dicotômicos. Operações Lógicas sobre proposições. Tabela Verdade. Relações
de Implicações e de Equivalências. Argumento válido. Técnicas. Dedutivas e Quantificadores.

Bibliografia Básica:
ABAR, Celina. Noções de Lógica Matemática. São Paulo: PUC, 2008. Disponível em:
<http://www.pucsp.br/~logica/>
DAGHLIAN, Jacob. Lógica e Álgebra de Boole. 4ª Ed, São Paulo: Atlas, 2006.
FILHO, Edgar de Alencar. Iniciação à Lógica Matemática. São Paulo: Nobel, 2002.
Bibliografia Complementar:
BURRIS, Stanley N. Logic for Mathematics and Computer Science. Rio de Janeiro: Prentice-
Hall, 1998.
COPI, Irving Marmer. Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
SERATES, J. Raciocínio Lógico. 6 ed., Brasília: Olímpica, 1997.
SOARES, Edvaldo. Fundamentos de Lógica: Elementos de Lógica Formal e Teoria da
Argumentação. São Paulo: Atlas, 2003.
Fonte: PPC do curso de Licenciatura em Matemática

Como parte complementar na análise da disciplina de Lógica Matemática


ministrada no curso de Licenciatura em Matemática, buscamos pela ementa os
conteúdos a serem ministrados e as bibliografias básica e complementar. A
bibliografia básica é composta por três livros, os quais vamos analisar, por meio do
sumário e conteúdo dos capítulos, como esses textos abordam a Lógica
Matemática e a Lógica, se esses livros abordam a Lógica como processo de
organização do pensamento e da linguagem matemática, se apresentam técnicas
de demonstração, se fazem referência a outras Lógicas como intuicionistas e se a
abordagem metodológica pode ser associada ao pensamento do segundo
Wittgenstein.

Alencar Filho, Edgard. Iniciação a Lógica matemática. São Paulo, Nobel, 2002.
O livro está dividido em dezessete capítulos, compreendidos em 204
páginas. O autor não faz uma abordagem histórica sobre a temática e desenvolve
o conteúdo de forma consistente e tradicional dando ênfase para definições,
propriedades, teoremas e exemplos, usando uma construção da Lógica Clássica
para desenvolver o conteúdo - a dedução -, partindo de definições mais gerais, e,

69
à medida que avança nos capítulos, vai formando uma rede de definições e
propriedades que contribuem para a construção dos demais capítulos,
caracterizando um processo clássico na organização do conteúdo no decorrer do
livro.
O autor deixa claro que o livro aborda especificamente a Lógica Matemática.
Em virtude da especificação do objeto de estudo do livro, não se aborda ou se faz
qualquer menção a outros sistemas lógicos. A Lógica Matemática é uma lógica
bivalente que faz parte de um sistema lógico clássico e monista, ou seja, considera
a Lógica Clássica como o único sistema válido (HAAK, 2002), rejeitando a validade
de qualquer outra Lógica. Sendo assim, podemos afirmar que o autor adota uma
concepção da Lógica Clássica.
No decorrer do livro, o autor realiza diversas demonstrações lógicas para
provar a validade de propriedades e teoremas. Aborda os métodos de
demonstração clássicos e aborda demonstração por construção, usando a tabela
verdade. No capítulo 10, demonstra teoremas e propriedades por meio de tabela
verdade, ou seja, por construção; enquanto, nos capítulos 8 e 9, demonstra as
mesmas propriedades usando um método lógico-dedutivo.
Após realizar provas de uma mesma proposição, com técnicas distintas, o
autor aborda na prova da validade de um argumento (capítulo 11 e 12),
apresentado nas figuras 07 e 08, o uso de dois métodos distintos na mesma
demonstração, buscando contribuir com o amadurecimento técnico e teórico do
leitor. Propõe a resolução de um argumento lógico, no qual as proposições lógicas
são formadas por proposições matemáticas, ou seja, há a inserção de regras
matemáticas verificáveis nas proposições lógicas. Dentro da mesma questão, o
autor busca apresentar a linguagem da Lógica Matemática e a linguagem da
Matemática, cada uma com suas respectivas regras, apresentando a relação entre
essas duas linguagens por meio de uma terceira, a linguagem natural.

70
Figura 08. Argumento lógico

(3) Demonstrar a validade do argumento:


(1) (𝑦 = 4 → 𝑥 > 𝑦) ⋀ 𝑥 > 𝑧
(2) 𝑥 > 𝑦 ⋁ 𝑧 > 𝑦 → 𝑦 < 4 ⋀ 𝑦 ≠ 3
(3) 𝑦 = 2 → 𝑧 > 𝑦
∴ 𝑦 =2⋁𝑦 = 4→ 𝑦 < 4⋁𝑦 > 3

Fonte: Alencar Filho (2002, p. 147)

O desenvolvimento da demonstração acima é feito usando regras de


inferências lógicas associadas ao tableaux semântico, modificando cada linha
anterior e gerando via inferências novas linhas mais simplificadas, até que se obtém
a conclusão do argumento, ou seja, a prova. A prova, nesse caso, é realizada de
acordo com as regras de inferência 20 e as regras do tableaux semântico,
associando regras dedutivas e regras construtivas.

Figura 09. Demonstração usando tableaux semântico

Temos, sucessivamente:
(1) (𝑦 = 4 → 𝑥 > 𝑦) ⋀ 𝑥 > 𝑧 𝑃
(2) 𝑥 > 𝑦 ⋁ 𝑧 > 𝑦 → 𝑦 < 4 ⋀ 𝑦 ≠ 3 𝑃
(3) 𝑦 = 2 → 𝑧 > 𝑦 𝑃
(4) 𝑦 = 2 ⋁ 𝑦 = 4 𝑃𝐴
(5) 𝑦=4→𝑥>𝑦 1 − 𝑆𝐼𝑀𝑃
(6) 𝑥 >𝑦⋁𝑧>𝑦 3, 4, 5 – 𝐷𝐶
(7) 𝑦<4⋀𝑦≠3 2, 6 − 𝑀𝑃
(8) 𝑦<4 7 − 𝑆𝐼𝑀𝑃
(9) 𝑦<4⋁𝑦>3 8 − 𝐴𝐷

Fonte: Alencar Filho (2002, p. 147)

Algumas proposições são formadas por identidades matemáticas e outras


por afirmações matemáticas, mas não têm a finalidade de realizar demonstrações
matemáticas; são usadas como objetos dentro dos enunciados lógicos.

20A tradução das representações usadas no Tableaux são: Premissa(P), Premissa Adicional (PA),
Regra de Simplificação (SIMP), Regra Modus Pones (MP), Regra do Dilema Construtivo (DC) e
Regra de Adição (AD).

71
Como o livro é adotado na bibliografia do curso, conforme ementa, uma
apreciação sobre o livro pode ser feita pelo docente, a fim de realizar ajustes que
possam contribuir com o ensino. Nesse sentido, pontuaremos, a seguir, algumas
observações baseadas na filosofia do segundo Wittgenstein, quanto à metodologia
a ser adotada.
Considerando que a tabela verdade foi criação de Wittgenstein (KNEALE;
KNEALE, 1980) e é usada veementemente no texto como ferramenta de validação
lógica de proposições, deveria ser mencionado o surgimento histórico e seu
contexto. Os conteúdos poderiam ser introduzidos historicamente, o que
contribuiria para uma percepção temporal da temática e uma caracterização do
lugar da teoria no desenvolvimento da ciência, mostrando a evolução da Lógica
desde os primórdios até os dias atuais.
Por mais que se trate de uma abordagem com múltiplos métodos para
discutir uma mesma demonstração, ela não se baseia na Filosofia de Wittgenstein.
No entanto, o professor da disciplina pode analisar essa atividade numa
perspectiva Wittgensteiniana, como uma proposta de abordagem metodológica.
Analisando sob essa perspectiva, podemos identificar três jogos de linguagem no
texto do livro, a língua natural, a Lógica Matemática e a Matemática, cada uma
delas ancoradas em sua gramática própria. Observamos que, segundo nossa
análise, busca-se uma articulação desses três jogos de linguagem, criando um
novo jogo de linguagem, que ocorre entre o leitor e o autor, com a finalidade
dissolver as confusões conceituais. Em jogos de linguagem distintos, pode haver
elementos comuns, mas há, necessariamente, elementos distintos, ou seja, na
diversidade dos jogos de linguagem, existem similaridades e diferenciações,
criando uma teia de infinitos jogos.
Ao abordar demonstrações por dois métodos distintos, seria necessário,
dentro do jogo de linguagem da Lógica, esclarecer que existe uma linguagem da
demonstração lógico-dedutiva e outra linguagem do método da tabela verdade,
ambas com elementos distintos, mas tratando do mesmo enunciado, ou seja, o
objetivo é o entendimento da proposição e a eliminação das possíveis confusões
causadas no uso de cada linguagem.
Assim, o professor deve esclarecer o significado de cada símbolo usado
como operação lógica, bem como de cada símbolo matemático, cada um dentro de

72
seu regramento. Mostrar que é possível usar uma representação na língua natural
para cada símbolo, tanto lógico, quanto matemático.
Alertar para o uso de cada símbolo, dentro de cada gramática, para evitar
conflitos entre compreensões de símbolos e/ou enunciados matemáticos e
enunciados lógicos, por exemplo, a implicação tem usos distintos dentro da Lógica
Matemática e na Matemática. Deixar claro que o universo de estudo dentro dessa
temática é a Lógica Matemática, mas que a forma das proposições e os métodos
de demonstrações podem ser usadas na Matemática com certas adaptações, ou
seja, por meio de semelhanças de família.
Uma consequência desse movimento causado pelo jogo de linguagem é a
eliminação das dúvidas (SILVEIRA, 2015), o que acarreta um pensamento
organizado em relação ao proposto, pois supõe haver uma compreensão ampla
sobre as propriedades lógicas envolvidas. Ainda sobre o exposto acima, como as
proposições matemáticas usam dos mesmos métodos demonstrativos da Lógica,
uma organização do pensamento lógico pode promover o mesmo na Matemática,
bastando, para isso, a complementação teórica, pois há semelhanças de família.

ABAR, Celina. Noções de Lógica Matemática. São Paulo: PUC, 2008.


O livro está disponível online gratuitamente pelo site
https://www.pucsp.br/~logica/. Podem ser acessados os seus oito capítulos.
Segundo a autora, nas considerações iniciais, o livro aborda a Lógica Elementar
Clássica, na qual a Lógica Matemática está posicionada, o que configura um
posicionamento monista, segundo Susan Haak (2002). O livro é direcionado para
discentes do curso de Ciência da Computação, mesmo que, a disciplina tenha o
nome de Lógica Matemática no currículo do curso. Uma sugestão é que o nome da
disciplina fosse voltado para o curso, configurando uma ideia de pertencimento e
abrindo espaço para a complementação da ementa, abordando outras Lógicas,
como Fuzzy e outras Lógicas Alternativas, contribuindo para a formação dos
discentes.
Após a introdução do texto, abordando sucintamente o argumento dedutivo
e indutivo, a autora segue para o primeiro capítulo do livro, revisando en passant a
história da Lógica, dividindo-a em três períodos – Aristotélico, Booleano e Período
Atual. Uma introdução histórica deve buscar relação dos conceitos e definições do

73
conteúdo, buscando elos entre construção e significado, caso contrário, torna-se
alegórica.
No segundo capítulo, trata da apresentação da simbologia, das definições
de proposição, operações lógicas e da tabela verdade. Toda a construção é feita
de forma bastante sucinta, sem aprofundamento e de forma esquemática. No
terceiro capítulo, busca uma relação entre a teoria dos conjuntos e as operações
lógicas, associando união com disjunção, intersecção com conjunção,
complementar com negação e uma interpretação da tabela verdade associada ao
Diagrama de Venn.
É papel do professor de lógica buscar aproximações com a segunda filosofia
de Wittgenstein, em sua abordagem metodológica, uma vez que não é objetivo do
livro discutir esta filosofia. Propõe-se que o professor discuta a existência dos mais
diversos jogos de linguagem no corpo do texto, como a distinção da Lógica
Matemática e da teoria dos conjuntos, destacando e diferenciando seus símbolos,
notações e conceitos. A partir dessa dinâmica, esclarecer que se trata de jogos de
linguagem distintos que apresentam semelhanças de família.
Por exemplo, pode-se observar semelhanças de família entre as operações
de união de conjuntos e disjunção de proposições; intersecção entre conjuntos e
conjunção de proposições, entre outras, ressaltando a importância de apresentar a
não identidade dos entes e oportunizando um contexto histórico sobre a lógica de
Boole, Frege, Russell e Wittgenstein, em diferenciação da teoria dos conjuntos, de
Cantor, na Matemática, na qual esse autor oscilava entre concepções formalistas
e platonistas (VILELA; MONTEIRO, 2013).
No capítulo quatro, a autora discorre sobre operações regras de inferência e
equivalências, forma normal conjuntiva e forma normal disjuntiva e o problema de
Post. Como já mencionado, a abordagem é objetiva e resumida. No capítulo
seguinte, o texto introduz a álgebra de Boole, apresentando as notações e as
operações. Novamente, as notações são apresentadas e não discutidas, o que
pode sugerir ao leitor que o conteúdo já está posto ou subtendido, que não há
construção na Lógica. Uma nova notação com terminologia distinta é apresentada
e não há discussão sobre tradução e relação com as operações lógicas clássicas,
bem como o termo álgebra surge e, da mesma forma, não há discussão.

74
No quinto capítulo, é introduzido o conteúdo sobre argumento; são
apresentados métodos distintos, dedutivo e construtivo, para provar a validade de
um argumento. Nesse momento do curso, a autora preferiu não discutir linguagem
e argumentação, o que poderia contribuir para a construção de uma boa
argumentação e uma organização do pensamento lógico e matemático, no entanto,
o que se nota é uma síntese de conteúdo, com exagero simbólico, sem a devida
tradução que é necessária. No capítulo seguinte, apresenta-se a árvore de
refutação, uma construção que mistura regras de inferência, e a construção de uma
árvore, segundo regras dedutivas, momento em que se poderia discutir o uso de
métodos dedutivos e construtivos numa mesma atividade.
O livro finaliza com um estudo sobre cálculo de predicados, apresentando
os quantificadores e os argumentos categóricos. Nesse ponto, a autora poderia
também discutir a linguagem categórica usada na Matemática e buscar relações
com a Lógica, ampliando a compreensão sobre a temática, bem como discutir
modelos de argumentação válidos e não válidos, tão usados na sociedade, como
generalizações equivocadas, a saber: tomar o quantificador existencial como
universal.
Enfim, conforme observado em nossa análise, a autora aborda o conteúdo
de forma abreviada, com ênfase nos cálculos lógicos, optando por não propor
exercícios e provas dos teoremas da teoria, o que é um obstáculo para o
entendimento da proposição, uma vez que, para Wittgenstein, “o significado de uma
afirmação matemática é dado por sua prova” (MARION; OKADA, 2012, p.103) e
“se queremos ver o que foi provado, não devemos olhar para nada mais do que a
prova” (OF, §163), ou seja, a prova revela o significado da proposição. Assim, para
o entendimento do que está sendo apresentado no livro, o autor deveria inserir as
demonstrações. Uma abordagem wittgensteiniana pelo professor que adotasse o
livro buscaria relacionar o simbólico com a linguagem natural, realizando uma
tradução, contribuindo para esclarecer o uso de linguagem matemática em
contextos de linguagem natural. Essa dinâmica poderia provocar o esclarecimento
das diferenças de linguagem e de significado entre as proposições matemáticas e
lógicas, posicionando-as em seu lócus e dialogando sobre suas proximidades, suas
semelhanças de família. Assim, inferimos que haveria uma potencialização na
construção de argumentos tanto lógicos quanto matemáticos, mais coerentes.

75
DAGHLIAN, Jacob. Lógica e Álgebra de Boole. 4ª Ed, São Paulo: Atlas, 2006.
O autor afirma que o texto foi resultado de notas de aula de um curso de
Matemática, no qual buscou reforçar o sistema algébrico pela necessidade das
áreas computacionais e de automação. No primeiro capítulo, o autor reforça a
indicação do livro para a área de Ciência da Computação e Automação Industrial,
justificando sua abordagem tecnicista da Lógica Clássica e da Álgebra, de Boole,
caracterizando sua posição monista (HAAK, 2002). Faz uma breve apresentação
histórica, buscando elo com os primórdios da computação, sem atentar para as
crises dos sistemas lógicos no século XX. Apresenta o que chama de sistemas
dicotômicos que é associado a propriedade bivalente da Lógica Clássica e busca
relacionar a circuitos elétricos. Faz uso de uma notação não usual na Lógica
Matemática, preferindo a notação da álgebra de Boole. Pensamos que a introdução
dessa notação reforça o uso de novos símbolos o que necessita de um
esclarecimento sobre este posicionamento, indicando de onde provém essa
simbologia, sua relação com as simbologias clássicas de outros livros, fazendo sua
tradução com reforço no uso, uma vez que a notação usada é semelhante à
notação de operações matemáticas de adição e multiplicação. No uso da tabela
verdade, decide adotar notação numérica para Verdade (1) e Falsidade (0),
novamente inserindo uma representação não usual da Matemática para números
inteiros.
Nos capítulos dois a cinco, apresenta as operações lógicas, a tabela verdade
e os argumentos. Os conteúdos apresentados, nesses capítulos, são usados no
capítulo de argumentos, no qual a prova de sua validade é feita mediante a tabela
verdade. No capítulo seis, sobre técnicas dedutivas, o autor faz demonstrações
dedutivas sem o uso da tabela verdade, define os tipos de demonstração direta,
contra positiva, condicional, bi condicional e redução ao absurdo, mas não associa
qualquer destes métodos à Matemática. No capítulo seguinte, aborda fluxogramas,
reforçando a indicação do livro para as áreas técnicas da computação e automação.
No capítulo oito, aborda os quantificadores e os enunciados categóricos.
Não se evidencia qualquer exemplificação com problemas matemáticos,
restringindo-se a questões lógicas. Nos capítulos 9 a 13, aborda a Álgebra de
Boole, área específica da Lógica voltada para a Computação.

76
Assim, como os outros livros da ementa, esse livro apresenta conteúdos
semelhantes e de forma também similar não discute os métodos dedutivos e
construtivos enquanto os apresenta. O livro não aborda outras Lógicas, senão a
Clássica e não aborda demonstrações matemáticas, enfim, destaca-se pela
metodologia tecnicista com teoria direta e dedutiva, acompanhada de muitos
exercícios de fixação. Há uma sobrecarga de notação nas demonstrações sem uma
tradução para outra linguagem, o que acreditamos que dificulta o entendimento,
uma vez que “se você quer saber o que está provado, olhe a prova” (GF, p. 293),
ou seja, o significado do enunciado está na prova (MARION; OKADA, 2012).
Reforçamos que, nesse caso, a intervenção do professor com uma
abordagem Wittgensteiniana poderia promover contribuições importantes no uso
desses livros, como caracterizar a linguagem da Lógica e da Matemática usadas,
mostrar que na própria Lógica as linguagens podem ser distintas, ressignificar as
notações e operações lógicas, discutir a construção de argumentos válidos, tanto
na matemática quanto na Lógica, e buscar relações entre as demonstrações
lógicas e matemáticas. É importante ressaltar que o livro em questão não é indicado
para o curso de Licenciatura em Matemática, uma vez que o autor, na apresentação
do livro e em todo o seu interior, reforça sua indicação para a área da Computação
e Automação, o que pode ser percebido na notação, seleção de conteúdo e
exemplos.
É possível perceber que dentre os três livros da bibliografia básica, apenas
Alencar Filho (2002) é um livro direcionado para o curso de Licenciatura em
Matemática, sendo os demais livros produzidos para cursos de Ciência da
Computação e Automação, ou seja, evidencia-se um problema na elaboração da
ementa do curso, optando por livros que não compreendem os conteúdos da
disciplina, tampouco a metodologia específica da Matemática.

5.2 DA LINGUAGEM
Para Gottschalk (2014), as concepções acerca das Escolas Filosóficas
refletem na prática do ensino de Matemática, destacando duas abordagens -
empirismo e idealismo.

77
A concepção empirista da atividade matemática, herdeira de algumas
ideias do logicismo e formalismo, inspira-se metodologicamente nos
modelos das ciências da natureza: as proposições matemáticas são vistas
como hipóteses a serem testadas e suas demonstrações como
experimentos em um processo contínuo de exploração e de descoberta
de entes matemáticos. Por outro lado, a concepção idealista do saber
matemático, influenciada pelo intuicionismo, parte do pressuposto de que
a atividade matemática decorreria de supostas operações mentais a
serem potencializadas na escola. (GOTTSCHALK, 2014, P. 74)

Ainda segundo Gottschalk (2014), ambas as concepções – empirista e


idealista – acreditam em uma Matemática a priori com fortes laços na intuição ou
no empirismo, concedendo à linguagem matemática uma função meramente de
descrição ou comunicação, ou seja, um uso referencial da linguagem matemática.
No Tractatus, Wittgenstein elevou a Lógica à linguagem do mundo das
coisas e, com isso, tudo aquilo que tinha sentido segundo a forma lógica fazia parte
do mundo das coisas e poderia ter uma correspondência na linguagem. Como a
linguagem estava associada à Lógica, o uso referencial da linguagem era aceito,
ou seja, cada objeto poderia ser correspondido a uma palavra e o que era sem
sentido estava fora do mundo, como as contradições e tautologias.
A Lógica para o primeiro Wittgenstein era concebida “como a investigação
das formas fundamentais de um sistema de representação simbólica qualquer”
(BAKER; HACKER, 1985, p. 14), dessa forma, era por meio da forma lógica que o
filósofo buscava explicar a linguagem, numa maneira de formalizar e organizar,
dotando a linguagem de uma ordem lógica. Ainda segundo o Wittgenstein do
Tractatus, a linguagem tinha o caráter essencialista e referencialista: as coisas do
mundo tinham uma correspondência na linguagem, ou seja, “a essência da
representação, pensava Wittgenstein, reside na descrição, na representação de um
estado de coisas por meio de uma proposição” (BAKER; HACKER, 1985, p. 14).
A partir da entrevista semiestruturada com os docentes, codificação e
categorização realizada pela Análise de conteúdo de Bardin chegamos a uma
categoria denominada “Linguagem”.
Podemos perceber uma forte influência da concepção referencial da
linguagem, nos excertos abaixo, com uma tendência a universalizar significados,
fixando significados a símbolos, como se para cada signo houvesse um único
significado colado a ele.

78
Postulados, conceitos e teoremas da matemática é uma linguagem
específica que a matemática tem, a matemática tem uma linguagem
específica, uma simbologia específica, que diferencia de outras ciências,
mas os princípios são os mesmos basicamente, a ciência universal
(Docente A)

O que caracteriza a lógica matemática é a simbologia da representação


das proposições. Nós temos uma linguagem própria simbólica que evita
ambiguidade da linguagem, a linguagem natural comum ou a linguagem
do idioma de origem. (Docente A)

Para o Docente A, a Matemática possui uma simbologia específica, diferente


de qualquer outra, ou seja, para o docente, há símbolos que são usados apenas
na Matemática, que possuem significado dentro da Matemática, o que nos leva a
concluir que fora dela esses símbolos não possuem significado.
Esse tipo de concepção contribui para confusões na aprendizagem:
símbolos “matemáticos” aparecem com frequência em outras ciências, o que leva
o discente a estigmatizar símbolos, atrelando-os a significados fixos, dentro de uma
mesma ciência. Isso é incoerente, uma vez que os significados de cada símbolo
são atribuídos por meio de tradução, de preferência, no início dos livros, na primeira
aula, onde o significado de cada símbolo no contexto de uma ciência é fornecido
na forma declarativa no texto do livro ou pelo professor, ou seja, o significado do
símbolo é atribuído por nomeação, assim como ocorre em jogos de linguagem
primitivos, onde o interlocutor aponta e nomeia o objeto. Por exemplo, em equações
do segundo grau o símbolo Δ é chamado de “discriminante” e tem uma determinada
aplicação, enquanto, em cálculo diferencial, o mesmo símbolo Δ significa
“variação”. Enfim, na Matemática, o mesmo símbolo pode ter significados distintos
e cabe ao professor ou ao livro declarar seu significado para evitar confusões
conceituais.
No momento de nomear objetos, o jogo de linguagem usado é declarativo,
uma forma de jogo primitivo, na qual se nomeiam objetos por meio do gesto
ostensivo, ou seja, apontando para o objeto e declarando seu nome. Mas, após
essa fase inicial, os novos jogos de linguagem tomam outra configuração, por
exemplo, os jogos de linguagem da Matemática, no que diz respeito a proposições

79
e teoremas, passam a ser normativos, um teorema, após a demonstração, ganha
autonomia e age como norma, diferente da visão do Docente A, que acredita que
a Matemática é declarativa, uma vez que a “estruturação da matemática [...] cria
essa linguagem exatamente nesse sentido de descrever”. No entanto, para o
segundo Wittgenstein, a linguagem tem caráter de descrição, explicação e
normatividade, ampliando a concepção referencial da linguagem.

Nesse primeiro momento de sua nova investigação Wittgenstein está


tentando pôr em xeque aquela visão tradicional da linguagem que a pensa
a partir de atos de nomeação. Agostinho de Hipona é tomado como o
representante dessa tradição. Desde logo, Wittgenstein mostra que o ato
de nomear sempre está ligado a uma prática específica, está, neste caso,
vinculado a ir buscar e entregar. (GIANNOTTI, 2011, p. 295)

Nas Investigações filosóficas, Wittgenstein muda radicalmente sua filosofia


e associa a Lógica Clássica a uma das linguagens do mundo com sua gramática
própria inerente a uma forma de vida. Uma palavra passa a ter o seu significado no
uso dentro de uma forma de vida, ou seja, no jogo de linguagem é que o significado
é posto. A partir desse momento, não há uma linguagem universal, como outrora a
Lógica foi colocada, mas sim linguagens, múltiplas linguagens, com suas
respectivas gramáticas. Essa concepção da multiplicidade pode ser observada na
fala do Docente C, que afirma: “nessa multiplicidade, a lógica matemática ou a
lógica do matemático é uma das linguagens possíveis, não a única”.
Pela diversidade dos docentes, podemos notar em suas falas as diferentes
concepções acerca da linguagem. Enquanto para o Docente A, a linguagem tem
função descritiva e referencialista, para o Docente C, existem múltiplas linguagens.
Essa constatação mostra uma diversidade de formação e concepção dos docentes
do curso, o que pode refletir em suas práticas. Não buscamos aqui uniformização
do ser humano, mas alertar que um discurso pautado em diferentes concepções
sem as devidas justificativas pode causar confusões conceituais, pois o movimento
discursivo entre referencialismo e multiplicidade da linguagem transita entre dois
polos opostos no estudo da linguagem, o que exige do docente um cuidado
contextual e uso de jogo de linguagem para dissolver as incoerências.

80
O jogo de linguagem pode ser ensinado e, para isso, as regras devem ser
evidenciadas: “a construção de um jogo de linguagem, a apresentação de suas
regras, de sua gramática, e de seu funcionamento, separa a práxis linguística de
um de seus ensinos possíveis” (GIANNOTTI, 2011, p. 296), ou seja, o foco não
está na língua que está sendo usada, mas na forma de relacionar as ações falantes,
no sentido de criar os jogos de linguagem adequados a cada situação, afastando
os mal-entendidos produzidos pelo mal uso das palavras. O ensino de um jogo de
linguagem abrange técnicas, os atos se tornam intencionais, ganhando sentido e
sendo realizados para obtenção de resultados e compreensões (GIANNOTTI,
2020), como reforça Wittgenstein, “o que eu quero ensinar é: passar de um absurdo
não evidente para um evidente” (IF, §464).
Os jogos de linguagem têm uma função de persuasão, em suas relações,
busca-se, por meio do convencimento, o consenso. Para

entender seu funcionamento, articulamos modelos linguísticos em que as


palavras estão ligadas a ações correspondentes e vice-versa; desse modo
pressupomos que esse jogo, assim como outros jogos, estão se
incorporando ao nosso agir cotidiano. E passamos a integrá-los,
separando-os, chegando a uma visão da linguagem que não atribui a esta
uma estrutura única e uniforme. (GIANNOTTI, 2020, posição 5301-5304)

Nas ações configuradas nos jogos de linguagem, a incorporação do


significado de uma palavra ao compêndio de regras ora aprendidas passa a ser
aplicada em outros contextos. O significado de uma palavra aprendido em um
contexto é mutável e adaptável no espaço e no tempo, dada sua “multiplicidade das
ferramentas da linguagem e seus modos de emprego” (IF, §23).

5.3 DA LÓGICA MATEMÁTICA NAS DEMONSTRAÇÕES


Para Wittgenstein, nas Investigações Filosóficas, a gramática apresenta-nos
o que é lógico, delimitando os campos do sentido, atrelando a gramática às
possibilidades do possível e impossível (IF, §520-521). Como a Lógica Matemática
é uma das linguagens possíveis da Lógica, possui gramática e regras de sentido
que vinculam os conceitos matemáticos, por meio das demonstrações,
determinando um lugar, um contexto, onde as demonstrações e a Lógica
Matemática estão sujeitas a regras gramaticais semelhantes. No processo de

81
demonstração, a Lógica Matemática e os conceitos matemáticos inerentes à
demonstração fazem parte do mesmo jogo de linguagem, possuem semelhanças,
para determinar o sentido da prova matemática e seu regramento, no qual “a
demonstração é um tipo de linguagem também”, como ratifica o Docente C.
Para o processo demonstrativo, a Lógica Matemática age como justificador,
suportando as regras das ações, dos passos a seguir, mostrando o caminho
delimitado pelo regramento “para estruturar a matemática [...] a gente usa muito da
lógica para demonstrar os resultados [e] definir [os objetos matemáticos]”, como
ratifica o docente D. A Lógica permeia o regramento dos passos de uma
demonstração, bem como apresenta um norte acerca do método demonstrativo;
usa-se demonstração direta, por absurdo, por indução, entre outros, como
podemos observar no relato do docente D.

Quando ele vai fazer alguma demonstração, ele reforça [se a]


demonstração aqui eu vou fazer por absurdo por exemplo [ou] eu vou
fazer pela contra positiva e dá uma relembrada rápida [...] em como que é
a estrutura em uma demonstração contra positiva [...] como é a estrutura
de uma demonstração por absurdo. É esse tipo de dificuldade que eu sinto
nos meus alunos de análise. (Docente D)

Como observamos, no relato acima, no processo de ensino, o professor


buscar traduzir aos discentes o regramento das técnicas de demonstração e seu
processo de funcionamento, dentro de uma demonstração, esclarecendo e
apontando o caminho da demonstração justificado pela Lógica Matemática
considerada

fundamental, [como uma] sequência lógica, a [própria] sequência de uma


demonstração, o encadeamento de uma demonstração a partir das
hipóteses até a tese, nada mais se aplica do que os argumentos
fundamentais da lógica. (Docente A)

82
A Lógica Matemática apresenta uma gramática na qual os conceitos
matemáticos tomam sentido e se constituem em algo novo, em uma outra forma de
vida, a demonstração matemática. Então a demonstração pode ser pensada como
um jogo de linguagem constituído a partir dos conceitos matemáticos usados sob
a gramática da Lógica Matemática. Pois o uso dos conceitos matemáticos no
regramento da Lógica Matemática é que determina o jogo de linguagem chamado
demonstração; cada uso distinto está relacionado com a gramática e essa
variedade proporciona, para cada uso, diferentes significados, como ratifica Condé.

para o segundo Wittgenstein, aprender a significação de uma expressão


não se restringe a denominar objetos, mas principalmente a operar,
através de regras gramaticais, as expressões que constituem as
significações, isto é, aprender a significação de uma expressão é aprender
a operar com regras gramaticais. Nesse sentido, cada mudança de regra
implica a mudança de significação, pois a mudança de regra acarreta a
mudança no uso, e é o uso que constitui a significação (CONDÉ, 1998, p.
112).

Para Barker (1976), no meio acadêmico, disciplinas como Física, Biologia e


Química são exemplos de conhecimentos empíricos (a posteriori), pois necessitam
de observações experimentais para justificar suas hipóteses. Enquanto a Lógica é
um conhecimento a priori, pois busca o conhecimento e chega a conclusões por
meio de regras de validação de argumentos, dispensando as observações
empíricas.
Ainda sobre conhecimento a priori, Barker (1976, p. 16) define dedução
como “um raciocínio em que se pode saber, a priori, que, não havendo erro lógico
e sendo verdadeiras as premissas, a conclusão também terá que ser verdadeira”.
O autor ainda afirma que, em uma demonstração de um enunciado a priori, cada
etapa deve ser dedutiva, sendo objeto de falibilidade a inserção de algum passo
indutivo.
Segundo Barker (1976, p. 18), “a indução é um raciocínio em que a
conclusão obtida expressa uma conjuntura empírica muito mais ampla do que a

83
expressa pelos dados”. Nesse caso, não é possível concluir a veracidade a priori
do enunciado, uma vez que, mesmo que os dados sejam verdadeiros, a conclusão
não é generalizadora. Uma conclusão empírica não pode ser estabelecida jamais
por meio de raciocínio integralmente dedutivo, pelo menos alguma etapa deve ser
indutiva. Por exemplo, na observação de vários corvos, se todos forem pretos,
indutivamente, podemos concluir que todos os corvos são pretos, o que não
podemos garantir a priori. Podemos sim afirmar que os dados corroboram a
conclusão de que todos os corvos são pretos, mas não garante a afirmativa.
Os raciocínios indutivo e dedutivo estão relacionados a conhecimentos
empíricos e a priori, respectivamente. Logo, cabem à Matemática e à Lógica
raciocínios dedutivos, pois a Lógica é um conhecimento a priori e a Matemática,
também, segundo Wittgenstein (GOTTSCHALK, 2014). Assim, nas demonstrações
matemáticas, a Lógica Matemática e a Matemática, por serem conhecimentos à
priori, fazem uso de regramentos propositivos, suas estruturas se complementam
e criam proposições novas, com novos sentidos, a partir das proposições
anteriores. Neste caso, a Lógica Matemática age como o processo e a Matemática
como o conhecimento: o processo leva o conhecimento a novos conhecimentos,
não de forma externa, mas o processo e o conhecimento formam uma amálgama
que dá forma ao novo.

5.4 DO USO DE DEMONSTRAÇÕES MATEMÁTICAS


Para Wittgenstein (TLP, 6.2331), cálculo é diferente de experimento, o que
implica diferenciar Lógica e Matemática das Ciências Naturais. No cálculo, as
operações levam-nos a resultados e esses são causais, ou seja, há um conjunto
de regras que conduzem o cálculo a tal resultado, segundo Wittgenstein (TLP,
6.1261). Na Lógica, resultado e processo são equivalentes. Em um cálculo, se o
resultado é errado significa que houve falha no processo, enquanto, no
experimento, mesmo que o processo seja correto, pode haver resultado errado,
pois é não causal (NAKANO, 2015).
É no uso das demonstrações que os significados das operações lógicas são
apresentados e relacionados com os conceitos matemáticos. Está no ato de
escrever, ler, mostrar, apontar cada etapa da prova matemática. Todas essas
ações contribuem para a significação do conhecimento em pauta, uma vez que o

84
significado da palavra está no uso (WITTGENSTEIN, 1979) e “o conceito de uso é
entendido em uma perspectiva mais ampla, incluindo também a dimensão
pragmática, isto é, o uso nas Investigações não é meramente um uso de palavras,
mas de palavras, gestos e contextos” (CONDÉ, 1998, p.90).
Para o Docente C, as demonstrações são importantes para sistematizar o
conhecimento. O discente pode usar uma proposição matemática como forma de
justificar outra proposição, dando significado e ampliando seu poder de
argumentação.

Eu entendo que [a demonstração] é importantíssima. Ajuda


principalmente na aprendizagem justamente porque solicita o poder de
síntese do conhecimento já aprendido, solicita-se um poder de coerência
e de argumentação. (Docente C).

Na práxis de uma demonstração, usamos diversas regras, um grupo dessas


oriundas da forma lógica que valida o processo lógico-dedutivo inerente à Lógica
Matemática, como por exemplo, a necessidade das regras da operação condicional
em uma demonstração direta. Por outro lado, cada passo no processo de
demonstração usa de regras matemáticas para validar certas afirmações
necessárias para cumprir etapas na estrutura lógica. E para que possa chegar a
uma demonstração válida, não basta acreditar que está seguindo as regras, deve
realmente segui-las, de tal forma que essa ação não ocorre de forma privada: as
regras são expostas no processo.

Eis porque ‘seguir a regra’ é uma práxis. E acreditar seguir a regra não é
seguir a regra. E daí não podermos seguir a regra ‘privadamente’; porque,
senão, acreditar seguir a regra seria o mesmo que seguir a regra. (IF,
§202).

85
Da mesma forma, é a prova matemática, nada está escondido, como afirma
Wittgenstein, “diga-me o que procura e eu lhe direi o que está procurando” (GF, p.
294), o que está provado está na própria prova, os significados antigos e os novos,
bem como o processo de prova. E é papel do docente apresentar e discutir com o
discente o que tem para ver e usar na prova, o que ela nos revela e o que é
necessário para que isso ocorra. Nas provas matemáticas, não tiramos conclusões
antes da prova como nas Ciências Naturais, após a realização da prova, é que
novas informações podem ser esclarecidas, pois, nesse momento, conheceremos
sua gramática, como reforça Wittgenstein:

Devemos primeiro nos perguntar: a proposição matemática está provada?


Se está, como? Pois a prova é parte da gramática da proposição! (GF, p.
294)

As abordagens observadas estão pautadas principalmente em técnicas de


demonstração, usando assim, a Lógica Clássica, sob a roupagem da Lógica
Matemática, como ferramenta de justificação. Por outro lado, as pesquisas que
envolvem Wittgenstein não apresentam uma discussão sobre a eliminação das
confusões conceituais sobre as Lógicas que podem ocorrer devido às concepções
dos docentes nessa temática.
Esta pesquisa abordou uma discussão que perpassa pelas Lógicas, tanto
Clássicas, como não Clássicas. Identificou a relevância destas para a Matemática
e buscou, por meio da Filosofia de Wittgenstein, identificar possíveis confusões
conceituais advindas das concepções dos docentes do curso de Licenciatura em
Matemática da Universidade em foco. Ademais, mostramos que a Lógica é
necessária para as provas matemáticas, considerando que não são apenas
suficientes, mas necessárias para provar teoremas matemáticos, assim como o
conhecimento conceitual em Matemática.

86
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos sobre ensino de Lógica, sua importância nas demonstrações
matemáticas e acerca da relação entre Lógica Matemática e prova matemática
contribuem para melhorias no cenário dos cursos de Licenciatura em Matemática.
Percebemos, em Almouloud (2012) e Matheus (2016), que existe uma necessidade
ainda em pauta sobre o estudo das demonstrações matemáticas, principalmente,
pelas dificuldades relatadas em ambos os trabalhos, o que reforça o interesse em
estudos nessa área.
A partir de um estudo da linha histórica da Lógica e da Matemática, percebe-
se o quanto as duas estão intrinsecamente ligadas, chegando ao ponto de se
fundirem no Logicismo e provocarem mudanças epistemológicas no Intuicionismo.
Destacam-se as limitações da Lógica Matemática Clássica para os estudos
intuicionistas, promovendo pesquisa para a inovação em demonstrações, como as
demonstrações construtivas que consideram válidas demonstrações que podem
ser realizadas por construção geométrica, algébrica ou aritmética.
De acordo com os textos didáticos analisados e que são parte da ementa da
disciplina Lógica Matemática, do currículo do curso de Licenciatura em Matemática
em foco, é possível inferir que tais obras contribuem para a manutenção do status
quo, no ensino de Lógica, uma vez que são livros que abordam a Lógica de forma
a histórica, formal e sem incursões sobre outras vertentes da Lógica. Como são
fonte de apoio docente, é provável que tenham influência sobre a prática docente,
expondo evidências de uma perpetuação do que está estabelecido, uma Lógica
Clássica sendo ensinada aos discentes que tendem à sua reprodução. Nesse
sentido, pelo suposto desconhecimento das Lógicas Não Clássicas pelos
discentes, pela fragilidade no domínio das técnicas de demonstrações inspiradas
em determinadas Escolas Filosóficas, como o Intuicionismo, inferimos que os
discentes tendem a encontrar maior dificuldade em transpor o que está posto como
única verdade.
É possível que um discente desse curso tenha acesso a uma Lógica distinta
da Clássica somente em nível de pós-graduação ou de forma supra curricular,
podendo se deparar com Lógicas Intuicionistas, Modais, Fuzzy, entre outras. Esse
suposto contato com outras Lógicas é um momento de choque epistemológico,
uma vez que, durante toda a sua formação, tinha ciência da Lógica Matemática e

87
de sua verdade, e, ao se deparar com novos conceitos lógicos extensionistas ou
alternativos, esses podem promover rupturas epistemológicas que, possivelmente,
seriam mais bem discutidas com um docente da disciplina.
Não estamos a afirmar que a Matemática está errada ou que a Lógica
Clássica não tem validade, mas pensamos que é importante defender o direito de
o discente conhecer outros sistemas lógicos, outras formas de demonstração e,
quiçá, ampliar os horizontes do pensar em Lógica e Matemática. Riemann quebrou
paradigmas com a geometria diferencial, Einstein quebrou paradigmas com a
relatividade, Wittgenstein quebrou paradigmas com a linguagem. Seria razoável
pensar num ensino de Lógica mais abrangente, após décadas de um ensino
constante e repetitivo?
Nesse sentido, propomos uma prática docente que inclua elementos mais
abrangentes da Matemática e da Lógica, abordando de forma introdutória aspectos
filosóficos e históricos. Pensamos um ensino de Lógica que discuta
introdutoriamente as Escolas Filosóficas da Matemática e da Lógica, apontando
aproximações e distanciamentos, usando para isso uma metodologia baseada nos
jogos de linguagem de Wittgenstein, com o intuito de colocar à mesa os vários
significados de palavras e signos. Assim, promover-se-iam discussões sobre a
significação dos pontos de vista dos discentes e dos docentes, criando um jogo
entre significados distintos, com o objetivo de alcançar uma significação consensual
de tal forma que favorecesse a aprendizagem. Esse processo teria por objetivo
contextualizar e classificar uma Lógica específica para uso na Matemática, a Lógica
Matemática, sem que, para isso, ocultasse as diversas Lógicas existentes.
Como forma de direcionar e posicionar-nos a respeito desse estudo sobre o
ensino de Lógica no curso de licenciatura, propomos um esboço de ementa para a
disciplina, conforme o quadro 5.

Quadro 5: Proposta de Ementa da disciplina lógica matemática


CARGA HORÁRIA: 60 H CRÉDITOS: 04 PRÉ-REQUISITO: SEM
História das Lógicas. Escolas Filosóficas da Matemática. Lógica e Argumento. Usos da
Linguagem. Cálculo proposicional Clássico. Tabela Verdade. Tautologias e contradições.
Relações de Implicações e de Equivalências. Proposições Categóricas. Argumento válido e
inválido. Tableaux semânticos. Métodos da dedução. Provas matemáticas.

88
Bibliografia Básica:
COPI, Irving Marmer. Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. 2 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2016.
FILHO, Edgar de Alencar. Iniciação à Lógica Matemática. São Paulo: Nobel, 2002.
BARKER, S. F. Filosofia da matemática. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
KNEALE, W.; KNEALE, M. O Desenvolvimento da Lógica. 2. ed. Trad. M. S. Lourenço. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.
Bibliografia Complementar:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução: Alfredo Bossi. 5 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
BOCHENSKI, I.M. Historia de la lógica formal. Tradução: Millán B. Lozano. Madrid: Editorial
Gredos, 1966.
COSTA, Newton C. A. Ensaio sobre os fundamentos da lógica. 3. ed. São Paulo: Editora
Hucitec, 2008.
MORAIS FILHO, Daniel Cordeiro. Um convite à matemática: Fundamentos lógicos com
técnicas de demonstração, notas históricas e curiosidades. 3. ed. Campina Grande: Fábrica
do Ensino, 2010.

Fonte: do autor

A proposta parte de uma abordagem histórica das Lógicas, desde Aristóteles


até as Lógicas Contemporâneas, discutindo as transformações sofridas pelas
Lógicas. A partir do século XIX, discute-se em paralelo as Lógicas e o surgimento
das Escolas Filosóficas da Matemática, dando ênfase para o Logicismo,
Intuicionismo e Formalismo. É recomendável traçar aproximações com a Filosofia
da Matemática, de Wittgenstein, na qual se deve enfatizar as provas matemáticas
e sua abordagem.
Propõe-se uma abordagem voltada para a discussão da linguagem da
Lógica Matemática como uma das infinitas linguagens, com seu regramento,
simbologia e suas propriedades. Nesse patamar, discute-se os conhecimentos da
Lógica Matemática descritos na ementa com foco na tradução dos símbolos e
discussão dos conceitos com o objetivo de evitar interpretações equivocadas. Ao
final da ementa, apresenta-se as técnicas de dedução lógica, sendo, possível fazer
um paralelo, via semelhança de família, com o modelo dedutivo da Matemática. A
disciplina é finalizada com a apresentação e discussão das técnicas de
demonstração (provas) matemáticas, sendo recomendável fazer associações de

89
cada técnica com as Escolas Filosóficas da Matemática que as reconhecem como
válidas e discutir suas justificativas.
Em relação às demonstrações, segundo as ideias do segundo Wittgenstein,
os teoremas e regras lógicas necessárias para o uso nas demonstrações devem
ser traduzidos para uma linguagem que o discente possa interpretar e manipular,
reforçando que os teoremas são matemáticos e as regras que emolduram a
validade de uma prova são da linguagem lógica, sendo necessário a discussão
contínua de semelhança de família para esclarecer o que é Matemática e o que é
Lógica. Esse movimento deve partir do docente, uma vez que a tradução dos
símbolos lógicos e matemáticos para a linguagem natural e vice-versa é papel do
docente no melhor conduzir a prova matemática.
No processo de ensino, o docente poderá implementar as provas
matemáticas, de acordo com as regras lógicas cabíveis, esclarecendo o processo
lógico e o processo matemático, no intuito de provar a proposição matemática e,
se possível, obter novas conclusões matemáticas e lógicas. Deve-se buscar
minimizar possíveis confusões causadas por interpretação equivocada dos
significados de cada símbolo, regra, proposições e definições. Nesse processo, é
possível evidenciar a importância da Lógica Matemática para as demonstrações,
uma vez que as demonstrações são arquitetadas, segundo uma forma lógica, ou
seja, a prova é conduzida por uma forma (estrutura) normatizada pela Lógica, daí
a necessidade da Lógica nas demonstrações.
Em nosso estudo, relacionamos a Lógica Matemática com as Escolas
Filosóficas da Matemática e da Lógica, tendo como foco o período que vai do fim
do século XIX até meados do século XX. Assim, foi possível localizar a Lógica
Matemática em meio às Escolas Filosóficas e ao pensamento de Wittgenstein.
Posteriormente, discutimos a Lógica enquanto linguagem, na primeira e segunda
filosofia de Wittgenstein, apontando para as diferenças e as similaridades. Na
primeira fase de Wittgenstein, a Lógica é a linguagem do mundo das coisas, tendo
sentido tudo que pudesse ser colocado sob a forma lógica, enquanto, na segunda
fase, a Lógica toma seu espaço de uma das infinitas linguagens do mundo.
Analisamos os livros de Lógica adotados no curso de Licenciatura em
Matemática, em uma universidade pública, em Imperatriz, e percebemos que
apenas um dos livros da bibliografia básica é adequado ao curso, a obra de Alencar

90
Filho (2002). E, finalmente, tentamos esboçar uma proposta metodológica para o
ensino de Lógica no curso de Licenciatura em Matemática, nessa Universidade,
com foco nas ideias do segundo Wittgenstein. Há muito a ser feito, como construir
um plano de ensino de Lógica, no qual as especificidades ficariam sob a tutela do
docente e uma metodologia que privilegie os jogos de linguagem como ferramenta
didática e a filosofia da Lógica e da Matemática como suporte filosófico.

91
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução: Alfredo Bossi. 5 ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2007.
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da Silva. Provar e demonstrar: um espinho nos processos de ensino e
aprendizagem da matemática. In: Revista Paranaense de Educação Matemática.
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Petrópolis, RJ: Vozes, 2017. Coleção 10 Lições.
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Nonsense. A Critical Investigation into Modern Theories of Language. Basil
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BICUDO, Maria Aparecida Viggiani. GARNICA, Antonio Vicente Marafioti. Filosofia
da Educação Matemática. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
BLANCHÉ, Robert.; DUBUCS, Jacques. História da Lógica. Tradução António
Pinto Ribeiro e Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2001. (Série: o saber da
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BRUTER, Claude-Paul. Compreender as matemáticas: as dez noções
fundamentais. Tradução Luís Paulino Leitão. Lisboa: Instituto Piaget, 2000.
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COSTA, Manuel Amoroso. As ideias fundamentais da Matemática. Rio de
Janeiro: Livraria Pimenta de Mello, 1929. (Série Biblioteca Científica Brasileira).
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ensaios. São Paulo: editora Convívio/EDUSP, 1981. (Série Biblioteca do
Pensamento Brasileiro).

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Paulo: Editora Hucitec, 1992.
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GIANNOTTI, José Arthur. Heidegger/Wittgenstein: Confrontos. São Paulo:
Companhia das letras, 2020. E-Book.
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GLOCK, Hans-Johann. Dicionário Wittgenstein. Tradução: Helena Martins. Rio
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e seus reflexos no contexto escolar. In: International Studies on Law and
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GRANGER, Gilles Gaston. Lógica e Filosofia das Ciências. São Paulo: Edições
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HACKER, P. M. S. Wittgenstein: sobre a natureza humana. Tradução: João
Vergílio Gallenari Cuter. São Paulo: Editora UNESP, 2000. (Coleção Grandes
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KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução: Manuela Pinto dos Santos e
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KNEALE, W.; KNEALE, M. O Desenvolvimento da Lógica. 2. ed. Trad. M. S.
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2015 (Coleção contextos da ciência).
SILVEIRA, Marisa Rosâni Abreu da et al. Reflexões acerca da contextualização dos
conteúdos no ensino de matemática. Currículo sem Fronteiras. v. 14, n. 1, p. 151-
172, jan./abr. 2014.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA – SBEM. Subsídios
para a Discussão de Propostas para os Cursos de licenciatura em
Matemática: Uma contribuição da Sociedade Brasileira de Educação Matemática.
São Paulo, 2003, 43f. Disponível em:
<https://www.academia.edu/4256113/SUBSC3%8DDIOS_PARA_A_DISCUSSC3
%83O_DE_PROPOSTAS_PARA_OS_CURSOS_DE_LICENCIATURA>. Acesso
em: 23 ago. 2016.
STENLUND, S.; BOISVERT, A. Le Wittgenstein intermédiaire et les mathématiques
modernes. Philosophiques, 2012, 39(1), 125–161.

SZYMANSKI, Heloisa et al. Perspectivas para análise de entrevistas. In:


SZYMANSKI, Heloisa et al (Orgs.). A entrevista na pesquisa em educação: a
prática reflexiva. Brasília: Líber Livro Editora, 2004, p. 62-87. 87p. (Série Pesquisa
em Educação, 4)
VILELA, Denise Silva; MONTEIRO, Alexandrina. Paradoxos do Infinito e Teoria de
Cantor: desdobramentos para Filosofia da Educação Matemática. In. ENEM, XI,
2013, Curitiba. Anais... Curitiba, PR: SBEM, 2013. p. 1-9. Disponível em:
http://sbem.iuri0094.hospedagemdesites.ws/anais/XIENEM/pdf/1458_859_ID.pdf.
Acesso em: 23. Jul. 2021.
WITTGENSTEIN, Ludwig Joseph Johann. Investigações Filosóficas. Tradução:
José Carlos Bruni. 2 ed. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1979.
WITTGENSTEIN, Ludwig Joseph Johann. Observações Filosóficas. Tradução:
Adail Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
WITTGENSTEIN, Ludwig Joseph Johann. Observaciones sobre los
fundamentos de la matemática. Edición de G. Henrik von Wright, R. Rhees y G.
E. M. Anscombe. Versión espanola de Isidoro Reguera. Alianza Editorial, Madrid,
1987.
WITTGENSTEIN, Ludwig Joseph Johann. Gramática Filosófica. Tradução: Luís
Carlos Borges. São Paulo: Edições Loyola, 2010.
WITTGENSTEIN, Ludwig Joseph Johann. Tractatus Lógico-Philosophicus.
Tradução: Luiz Henrique Lopes dos Santos. 3. ed. 3 reimp. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2017.

95
APÊNDICES
APÊNDICE I - Proposta de roteiro de entrevista
INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO
REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA – REAMEC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E
MATEMÁTICA

PROPOSTA DE ROTEIRO PARA ENTREVISTA

Pesquisador: Everton Soares Cangussú

1) A matemática é uma criação humana ou descoberta? Justifique sua


resposta.
2) Qual a relação entre a Lógica matemática e a Matemática?
3) Lógica matemática é necessária nas demonstrações ou provas
matemáticas?
4) Existem outras lógicas além da lógica matemática? Caso afirmativo, como
vê a relação de outras lógicas com a matemática?
5) Qual é a importância da Lógica matemática no curso de licenciatura em
matemática?

96
APÊNDICE II - Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)

INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO


PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO
REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA – REAMEC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E
MATEMÁTICA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)


(Resolução 466/2012 e 510/2016 CNS/CONEP)

O Sr.(a) está sendo convidado(a) a participar como voluntário do projeto de


pesquisa intitulado “PROVAS MATEMÁTICAS NO ENSINO: UMA QUESTÃO DE
LÓGICA”. O objetivo deste estudo é mostrar como o ensino de Lógica contribui
para a compreensão das provas matemáticas, bem como, discutir a importância do
ensino de lógica no contexto do curso de licenciatura em matemática, buscando
caracterizar as concepções dos docentes sobre a Lógica apresentar uma discussão
acerca do ensino de lógica pautada nas ideias do filósofo Ludwig Wittgenstein. Para
realizar o estudo será necessário que o (a) Sr.(a) participe através de respostas à
questionários e entrevistas individuais. Para a instituição e para sociedade, esta
pesquisa servirá como parâmetro para avaliar a necessidade do ensino de lógica
no curso de licenciatura em matemática e como pode ser abordado sob a
perspectiva da prova de teoremas matemáticos, o que, contribuirá com a formação
de professores de matemática. O risco de participação nesta pesquisa é de
constrangimento (considerado mínimo) caso não esteja confortável em participar.
Em virtude de as informações coletadas serem utilizadas unicamente com fins
científicos, sendo garantidos o total sigilo e confidencialidade, através da assinatura
deste termo, o qual o (a) Sr.(a) receberá uma cópia. Os resultados encontrados ao
final desse projeto serão publicados em forma de artigo, e a propriedade dos
resultados gerados por esta pesquisa é de seu autor. A cópia do projeto com seus
resultados finais será disponibilizada ao diretor escola para que seja consultado
sempre que necessário. O (a) Sr.(a) terá o direito e a liberdade de negar-se a
participar desta pesquisa total ou parcialmente ou dela retirar-se a qualquer

97
momento, sem que isto lhe traga qualquer prejuízo com relação ao seu atendimento
nesta instituição, de acordo com a Resolução CNS nº466/12 e 510/2016.
Para qualquer esclarecimento no decorrer da sua participação, estarei disponível
através do telefone: (99) 98114-6190. O senhor (a) também poderá entrar em
contato com o email: evertoncangussu@gmail.com ou com o Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Amapá Rod. Juscelino Kubitschek,
KM-02 Jardim Marco Zero Macapá - AP, para obter informações sobre esta
pesquisa e/ou sobre a sua participação, através dos telefones 4009-2804, 4009-
2805. Desde já agradecemos!

Eu ___________________________________________(nome por extenso)


declaro que após ter sido esclarecido (a) pelo pesquisador, lido o presente termo,
e entendido tudo o que me foi explicado, concordo em participar da Pesquisa
intitulada “PROVAS MATEMÁTICAS NO ENSINO: UMA QUESTÃO DE LÓGICA”.

Imperatriz-MA, _____ de _________________ de 2019.

_____________________________________
Assinatura do pesquisador
Everton Soares Cangussú
Instituto Federal do Maranhão - Campus Imperatriz
Cel: 99 98114-6190
e-mail: evertoncangussu@gmail.com

_________________________________
Assinatura do participante

Testemunha n°1:_________________________________________

Testemunha n°2:_________________________________________

98
APÊNDICE III – Carta de anuência.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA REGIÃO TOCANTINA DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, NATURAIS E TECNOLÓGICAS.
CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

CARTA DE ANUÊNCIA

Autorizo o professor/pesquisador vinculado ao Instituto Federal do


Maranhão, Campus Imperatriz, EVERTON SOARES CANGUSSU, SIAPE
1731353, a realizar atividades relacionadas ao projeto de pesquisa intitulado
“PROVAS MATEMÁTICAS NO ENSINO: UMA QUESTÃO DE LÓGICA” neste
Centro.

__________________________________________________

Data:

99
APÊNDICE IV – Tabelas de Categorização das entrevistas

Com base nas informações obtidas nas entrevistas organizamos as


informações por categorias conforme os códigos apresentados nos quadros
apresentados a seguir:

Quadro 06. A importância da lógica matemática nas demonstrações

A importância da lógica matemática nas demonstrações


Documento Conteúdo de Citação Códigos
existe também uma introdução à lógica… né? éh::: pra poder
demonstrar né?... chegar:: por/pra eles entenderem que…
comé que eu mostro que o número par é dado de uma forma
né?... o número impar é dado de outra… e comé que eu A lógica
Docente B demonstro que… sei lá… n ao quadrado de um número par é matemática nas
par também… essas/essas condições é obrigatória que eles demonstrações
TENHAM uma noção de:: de lógica né? pra poder entender
esse tipo de passagem

Docente B levando em consideração ah:: agora aqui… o programa de A lógica


grafos… de coloração de/de:: de mapas né? éh:: existe uma matemática nas
prova m/matemática… só que é baseada em algoritmo… e demonstrações
isso… éh:: é uma prova… de algoritmo… porém… ela não é
uma prova… matemática clássica

na parte de Euclidiana… que é demonstração só que é uma A lógica


construção geométrica então também não passou pela parte matemática nas
Docente B de:: disso ai de lógica né? mas também passei por uma demonstrações
introdução à lógica… matemática… pra poder entender de
farma/de fato COMO É a construção matemática né

é fundamental a:: a:: a sequência lógica de:: de:: a sequência A lógica


de:: (de) uma demonstração o encadeamento de uma matemática nas
Docente A demonstração a partir das hipóteses até a tese nada mais é:: demonstrações
se aplica do que os argumentos fundamentais… da lógica…
os argumentos fundamentais

carece mais coisa porque no currículo ou não… ou seja… no A lógica


conteúdo programático de lógica trabalha-se de uma forma matemática nas
Docente A geral mas eu acho que precisa criar uma::… ou uma formação demonstrações
paralela uma extensão alguma coisa de um curso que trabalhe
especificamente com demonstração… os métodos de
demonstração… várias formas de demonstrar é:: as
proposições

Docente D para estruturar a matemática hoje a gente (acaba)/usa muito A lógica


da lógica para demonstrar os resultados… pra definir as matemática nas
nossas coisas né demonstrações

100
Docente D ela é fundamental… eu faço/trabalho com matemática pura e A lógica
assim… é só isso que a gente usa pra fazer nossas matemática nas
demonstrações ((riso))... a gente só usa éh:: raciocínio demonstrações
lógico… teoria da lógica mesmo

Docente D /o curso de introdução à lógica no início do curso de A lógica


matemática na UEMASUL.... isso eu até acho suficiente… o matemática nas
que eu acho que falta… são:: demonstrações em outras demonstrações
disciplinas que façam eles exce/eles/eles éh:: exercitarem o
conhecimento de lógica… parece que fica desconectado…
que eles aprendem lógica ali no primeiro periodo e depois
nunca mais vão usar… eles param de demonstrar

Docente D quando ele vai fazer alguma demonstração… ele reforçar falar A lógica
olha… essa demonstração aqui eu vou fazer por absurdo por matemática nas
exemplo… eu vou fazer pela contrapositiva… e dar uma/uma demonstrações
relembrada rápida na/na::... em como que é a estrutura em
uma demonstração por contrapositiva… como é a estrutura de
uma demonstração por absurdo é esse tipo de dificuldade que
eu sinto nos meus alunos de análise

Docente C eu acho que/que é importante sim pra:: pras demonstrações… A lógica


não sei se:: se:: em sua… formalidade… seu rigor… eu não matemática nas
sei dizer se é necessário… né demonstrações

101
Quadro 07. Ensino de lógica
Ensino de lógica

Documento Conteúdo de Citação Códigos


Docente B o que eu percebo… eles:: éh:: não tem familiaridade com esse Ensino de lógica
tipo de/de:: de lógica… a lógica de construção… de
demonstração assim… éh:: ah:: de/da turma de quarenta…
normalmente eu consigo ver um ou dois assim que… que
(fala) oh... ele entendeu melhor… entendeu BEM essa parte
ai… então ele consegue compreender… o restante da turma
fica cá quela cara de interrogação… que eles parecem que
não… éh:: vê que é isso que tem que ocorrer mas… fica
aquele esquema… não entendo porque que tem que ser
dessa forma sabe? fica aquele meio… meio perdido na
intenção de/eu concordo que tá certo… mas eu não consigo
confirmar que tá certo aquilo sabe

Docente B quando tá mais ao/mais ah… pro final do curso… são esses Ensino de lógica
tipos de pessoas… e quando tá mais no começo… que eu
tenho essa ideia da lógica… éh:: eu sinto isso… agora do
res/do/do resto da turma… não consigo avaliar:: o crescimento
dele… DENTRO dessa lógica né?... não consigo avaliar…
quanto melhorou… quanto… éh:: se diferenciou de/do início

Docente B é sim extremamente importante saber uma lógica né? ter Ensino de lógica
conhecimento de lógica… não necessariamente naquele…
que nem eu tava dizendo né? de:: saber que… uma instrução
p e uma instrução q… se uma é verdade e outra é verdade…
saber que isso é verdade… eu não preciso saber disso pra
saber entender lógica né? eu preciso saber que… ah se eu
tiver fogo alto… vai queimar meu arroz né? não é
obrigatório… mas eu preciso… entender… compreender
essa:: essa passagem né? eu tenho fogo alto… provavelmente
eu vou queimar o meu arroz né? eu tenho que saber disso…
eu tenho que saber essa:: essa relação entre as duas coisas
né? 


Docente B dentro de licenciatura… de exatas… eu preciso dessa lógica Ensino de lógica


pra saber entender… o quê que eu tô procurando… o quê que
eu tô olhando… e dentro desse:: desse mecanismos…
entendendo dessa construção… éh:: éh::... pode me auxiliar
quando eu olhar um aluno -- porque se eu sou licenciatura…
eu vou ser um professor -- então essa lógica eu posso olhar
pra um aluno que está aprendendo… e observar que a
construção de/de ideias dele… tem um caminho a ser
percorrido… né? então eu posso:: através da lógica que eu
aprendo éh:: auxiliar no aprendizado de um outro aluno n

102
Docente A a lógica que (a gente) fala… somente a lógica matemática que Ensino de lógica
tá na academia (ai) na graduação é a lógica aristotélica né...
bivalente ((notificação no celular)) com dois princípios da não
contradição do terceiro excluído e… é a lógica bivalente mas
existem hoje outras possibilidade de lógica… lógica bivalente
lógica polivalente que… é:: sai da questão determinística do
verdadeiro ou falso pra questão probabilístic

Docente A hoje tá melhorando () gradativamente isso tá melhorando Ensino de lógica


porque a:: até a:: algumas décadas atrás a gente via a
matemática como fazer conta cálculo e:: e não a compreensão
que essa ideia que hoje é permeada é:: matemática é
exercício… não… matemática é a ideia… exercício é uma
parte fundamental pra você compreender a ideia

Docente A antes de começar um curso de:: de:: de análise eu costumo Ensino de lógica
fazer isso uma recapitulação de lógica é:: o objetivo é enfatizar
a questão dos teoremas como sendo equivalência entre
proposições e as técnicas de demonstração

Docente A a disciplina lógica foi levada pra o primeiro período… segundo Ensino de lógica
período… ai quando a gente chega lá pelo sexto sétimo
período trabalhando tipo análise essas aulas abstratas… o
aluno já tem uma compreensão… uma vez que como ele
conhece técnicas de demonstração em lógica né? a::
demonstração de lógica e sequência de demonstração com
isso facilita também em cálculo porque mesmo na disciplina de
cálculo uma hora ou outra são apresentados demonstrações
de proposições

Docente A o que falta ainda é:: um trabalho em equipe coordenado… Ensino de lógica
porque na realidade as vezes no início do curso ocara faz
aquela formação de lógica mas um professor por exemplo… já
que nós falamos de geometria… ele num::: não tem nenhuma
relação com o professor de lógica…

Docente D a principal dificuldade assim dos alunos é em lógica e Ensino de lógica


definição assim… de eu perguntar alguma coisa e eles não
conseguirem usar a definição… negar a definição... que aí
entraria a lógica… e estruturar uma demonstração por falta de
conhecimento lógico

Docente D muitas vezes eu tenho que retomar as coisas de lógicas Ensino de lógica
porque eles não lembram… eles não conseguem negar a
definição…

Docente D em relação ao uso da lógica eu acredito que é:: que os dois Ensino de lógica
usem… tanto a licenciatura quanto o bacharelado… os dois/e
é útil e necessário nos dois… você tem que ter essa noção
matemática… esse rigor matemático nos dois cursos

103
Docente C as vezes é negligenciado um pouco ne/em sala de aula Ensino de lógica
quando a gente pensa só na/na:: quando a gente trás uma
conce/concepção de lógica só da matemática… só do
matemático né? que marginaliza um pouco todas essas
compreensões que:: éh:: as vezes… trazem um enxerto ali
todo significativo e relevante… que é mais descritivo né

Docente C o viés demonstrativo às vezes fica um pouco às margens né? Ensino de lógica
na UEMASUL a gente tenta trabalhar bastante com O uso de
demonstração… todo/as ementas praticamente se iniciam com demonstrações
o tópico demonstrações pra gente… trabalhar isso… então matemáticas
éh:: me incomoda éh:: a gente né? a marginalização
desse/desse OUTRO tipo de raciocínio né? a gente pode dizer
a mesma coisa também lá da:: matemática discreta… os
alunos… não consegue fazer nada porque o raciocínio é
totalmente diferente daquele:: braçal mesmo de fazer conta…
né? então eu acho que:: nesse quesito né? ah:: ampliar né?
ah… a linguagem:: de ampliar os modos de/de/de pensamento
né? desenvolvimento do raciocínio… é importantíssimo a
lógica… né? ah/a lógica matemática né? eu acho… não vou
falar necessária mas acho importantíssima né? eh:: como eu
disse:: não necessariamente uma disciplina de lógica… mas
atividades de lógica transversais… n
Docente C EU prefiro acreditar que:: há todas essas/esses modos Ensino de lógica
de/de/de mostrar-se a lógica né?... a lógica de um feirante… a
lógica de um indigena né? a lógica do/do/do:: matemático né?
a lógica do físico… talvez que:: a lógica de um pedreiro né?
então há vários argumentos possíveis mediante a lógica né

Docente C acho que a lógica ela é inerente à humanidade… não Ensino de lógica
necessariamente à matemática… então a lógica da
matemática

104
Quadro 08. Linguagem
Linguagem

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Docente A postulados e dos conceitos e teoremas da matemática é uma Linguagem
linguagem específica que a matemática tem… a matemática
tem uma linguagem específica… uma::... uma simbologia
específica que::... diferencia de outras ciências mas os
princípios são os mesmos basicamente... a ciência universal

Docente A estruturação da matemática ela cria essa linguagem Linguagem


exatamente nesse sentido de descrever… então a matemática
é:: uma lente pras as ciências experimentais e também pras
ciências sociais… hoje a matemática tá permeada em tudo os
princípios da matemática e a:: nossa… o que… o que faz… o
que diferença do outro é uma simbologia específica nós temos
uma simbologia específica uma linguagem específica que… é::
de uma certa forma ela é formal (e) dedutiva e com isso faz
com eles façam previsão e interpretação que de outra forma
em outra linguagem não seria permitido ou perfeito a
representação

Docente A o que caracteriza a lógica matemática é a simbologia da Linguagem


representação das proposições… nós temos uma linguagem
própria simbólica que evita ambiguidade da linguagem:: é:: a
linguagem natural comum ou a linguagem do idioma de
origem… aí com isso quando eu simbolizo uma::... uma
sequência de proposição e afirmações e eu faço manipulações
pela lei a lógica as:: disconectivas… regras disconectivas
operações… é:: eu fujo de uma certa ilusão que pode trazer
uma certa confusão da linguagem natural mas isso não
significa que são coisas distintas

Docente A eu incentivo muito que se faça:: é:: resolução de exercício Linguagem


estruturada na linguagem natural porque na realidade uma
coisa é você é:: apresentar uma função se for o caso e uma
derivada e outra coisa é você descrever isso na linguagem
natural “derivando a função em relação a x e tal” por
exemplo… o mesmo vale pra é:: é::: o mesmo vale também no
ensino fundamental e médio você tá fazendo uma resolução
de exercício e descrevendo… é:: igualando os dois lados (e
tal)... descrevendo o que sua mente desenvolve você fica…
fixa os conceitos e com isso você vai formalizando a:: a:: a
definição ou a proposição

Docente A o não domínio dessa linguagem é que é o empecilho ((risos)) a Linguagem


linguagem não é o empecilho
Docente D nossa linguagem é muito baseada na lógica então eu acho Linguagem
que… a lógica é ESSENCIAL na estru/na matemática… mas
existem/existe mais matemática além da lógica

105
Docente D Acredito que lógica é o ato de:: argumentar… né?... é uma… Linguagem
seria uma linguagem simples… pra argumentar e determinar a
veracidade do:: das coisas ou a:: falsidade das coisas

Docente D inclusive tive que explicar lógica pro meu irmão que é Linguagem
advogado e ele… é interessante ver ele argumentando usando
lógica sem saber que tá usando lógica

Docente D querendo te convencer de algo é verdadeiro ou que algo é Linguagem


falso… eles acabam usando a lógica acabam usando
princípios lógicos mas eles não sabem que estão usando

Docente D ela não consegue fazer uma demonstração de uma forma Linguagem
contínua… ela escreve assim etapa um escreve… daí ela:: vai
usar um teorema… ela escreve um:: ela tem que fazer isso…
tipo a estrutura de demonstração ela não faz de maneira
contínua

Docente C pra mim a lógica éh/é uma linguagem… é um:: um modo Linguagem
de/dizer… do/do fenômeno… é o modo de/de argumentar né?
então não se limita… a matemática pura… a matemática do
matemático né?... se ela é tão ampla assim… como:: como eu
tô dizendo… como uma linguagem… ela se adequa a qualquer
espaço… a qualquer ciência né? a qualquer outras áreas…

Docente C nessa multiplicidade a lógica matemática… né? ou a lógica do Linguagem


matemático é UMA das linguagens possíveis… não ah:: a
única né?

Docente C eu acho que tem que/que é importante sim fazer a Linguagem


demonstração… o que eu tô dizendo é de:: éh:: a linguagem O uso de
dessa demonstração né? porque:: a gente vai ver também… a demonstrações
gente tá falando de Wittgenstein são diferentes linguagens… a matemáticas
gente pode dizer que:: é só um modo de demonstração? é só
uma linguagem de demonstração?

Docente C os alunos precisam conhecer… então éh:: ah/o que eu Linguagem


defendo é que se haja um trabalho né?... éh:: mais direcionado
ah:: o conhecimento dessa simbologia… né? antes mesmo de
já:: éh:: impor uma necessidade de demonstração né

Docente C então acho que é um entrave sim mas por desconhecimento… Linguagem
né? e por:: a gente tem que entender que:: qual que é a
linguagem natural dos alunos né? é ah/a linguagem falada e a
linguagem escrita né? é o/é a vivência deles… desde oh/o
ensino básico então éh:: é preciso fazer essa transição de
modo que se:: que flua né? não necessariamente chegue e se
jogue assim… como:: causando uma quebra nisso né? éh/é
possível sim ao meu ver fazer uma transição dessa linguagem
escrita pra linguagem:: éh:: do sim/da simbologia
matemática… então éh:: eu acho importante fazer um trabalho
mais específico sobre isso já nos primeiros períodos…


106
Docente C a demonstração é um tipo de:: linguagem também né Linguagem

Quadro 09. O uso de demonstrações matemáticas


O uso de demonstrações matemáticas

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Docente B por exemplo… dentro do:: do/da situação do coloração de O uso de
grafo… eu tenho lá um mapa de cinco grafos… então eu demonstrações
consigo dentro desses cinco grafos eu já tenho uma matemáticas
construção de:: de coloração pra eles né?... e eu coloco um n
mais um… e ela continua valendo… então eu tenho uma/uma
prova por (andução) finita e ela basta como uma prova… éh::
é aquilo que a gente faz como prova (hoje)/éh:: nessa
estrutura de prova indução finita né?... éh:: então daí:: eu
tenho que olhar oh:: analisar o algoritmo… eh:: e se eu
consigo trabalhar dessa forma por prova por indução finita né?
ela tá sendo demonstrada na característica clássica… e ela
também é uma verificação

Docente B na parte de Euclidiana… que é demonstração só que é uma O uso de


construção geométrica então também não passou pela parte demonstrações
de:: disso ai de lógica né? mas também passei por uma matemáticas
introdução à lógica… matemática… pra poder entender de
farma/de fato COMO É a construção matemática né?

Docente B EDOs… que a demonstração não é tão importante né? O uso de


(aquele)/equações diferenciais e ordinárias… a demonstração demonstrações
já não é muito importante e sim apenas a ideia que/que/que matemáticas
forma aquilo e as resoluções daquilo né?... então ela já forma
uma/uma/uma:: uma ideia mais PRÁTICA por assim dizer…
de/de/da matemática né

Docente B eles também conseguem entender ah/ah/ah:: a construção O uso de


lógica né? ah:: construção a demonstração… pra ter um tipo demonstrações
de resultado e conse/mu/ah:: muitos deles conseguem matemáticas
inclusive ver aquele resultado como:: base pra OUTROS
resultados né?

Docente B aluno ter contato com a demonstração a partir de coisas que O uso de
ele JÁ SABE que tá correta… né? éh:: eu acho que isso… é demonstrações
um:: é um:: grande… impulso né? é um/é um impulsionador matemáticas
pra:: pra:: desenvolvimento lógico do aluno né

107
Docente B dentro de cálculo… não éh… não se/não se tem uma O uso de
obrigatoriedade de fazer uma demonstrações mais rigidas né? demonstrações
éh:: como se eu for/como se/como demonstrar vai/vai ser visto matemáticas
em análise… porque análise é que ficou com essa parte de
demonstrar as/ah:: fazer demonstrações mais rígidas do
cálculo… mas as demonstrações den/dentro do cálculo que
são:: peh:: mais especifica… aí sim ficou pra eles né?... a
mesma coisa acontece com EDO

Docente B o curso foi desenvolvido pra ser olhado por esse lado aí… O uso de
então… começa/comaça bem/bem assim... a nível deles né? demonstrações
como/com fundamentos né? com geometria… demonstrações matemáticas
mais acessíveis e vai escalando né?... pra que da forma…
quando ele terminar o curso eles… tenha todo essa estrutura
de lógica… formada né? essa que é a ideia… então éh/eu/a
gente distribui em nichos né? por assim dizer… 


Docente A eu discordo no sentido de que na realidade a:: a matemática é O uso de


baseada em definições é:: teoremas que são as afirmações e demonstrações
provas só que as provas… as provas (que) as provas matemáticas
dedutivas as provas formais é:: elas dependem de um
encadeamento de ideias

Docente A o matemático TEM que trabalhar com definição não com O uso de
conceitos vagos mas com definições precisas pra que não demonstrações
tenha ambiguidade nas coisas os objetos matemáticos são matemáticas
mínimos definidos… depois disso que tem clareza de que é…
e de que são os objetos que a gente trabalha né a gente vai e
cria as proposições com afirmações ou as seções que a gente
possa provar sobre esses objetos … então se eu posso provar
se essa coisa é provável e eu consigo fazer uma
demonstração com uma prova disso ai eu fecho o pilar da
matemática e (o caminho) é a lógica não tem outro caminho…
a sequência de:: de:: demonstração de qualquer proposição da
mas simples a mais complexa é uma sequência lógica de
raciocínio e de afirmações baseada é:: em coisas simples que
a gente definiu anteriormente nossos axiomas e baseados em
resultados simples que nós conhecemos anteriormente

Docente A ao longo do curso a gente tem problema com isso… nem O uso de
todos os alunos é:: vê com bons olhos a questão de demonstrações
demonstrar… ele acha que ele tem que fazer a conta é assim matemáticas
como eles dizem “fazer a conta

Docente D pro aluno receber alguns tipos de demonstrações é bom pra O uso de
ele perder essa ideia de que ele só tem que aceitar demonstrações
matemáticas

108
Docente C sou muito muito preocupado com o rigor né? eu tenho essa O uso de
preocupação… eh:: nas demonstrações e tudo… mas éh:: éh:: demonstrações
eu acho assim:: sem sentido nenhum você trabalhar matemáticas
diretamente com a demonstração formal… então primeiro (eu)
peço que os alunos… eles tentem explicar… né? a partir do
enunciado… qual o movimento talvez que eles fariam de
explicação né? eh:: pra dizer sobre aquilo… a melhor forma do
aluno éh:: organizar uma demonstração mais pra frente éh::
previamente organizar sua fala né? no movimento de
organização da sua fala ele pode ter uma estruturação melhor
depois… então… eu acho interessante partir desse movimento
de:: explicação… você explica mediante os seus
conhecimentos né? o que você trás (de)... conhecimentos
teóricos… da disciplina né? ou até mesmo… do cotidiano…
com o exemplo que você quiser né? pra depois começar a
construir hipótese e fazer a demonstração formal… então…
perceba que… éh/em sala de aula… a gente éh/as vezes a
gente PULA toda essa etapa e vai direto pra demonstração…
formal… o aluno não sabe nem o que fazer… não sabe nem
por onde começar… e se ele consegue no mínimo interpretar
o enunciado pra desenhar as suas hipóteses e tese… ele não
sabe o que fazer com aquilo né

Docente C eu acho que tem que/que é importante sim fazer a Linguagem


demonstração… o que eu tô dizendo é de:: éh:: a linguagem O uso de
dessa demonstração né? porque:: a gente vai ver também… a demonstrações
gente tá falando de Wittgenstein são diferentes linguagens… a matemáticas
gente pode dizer que:: é só um modo de demonstração? é só
uma linguagem de demonstração?

Docente C no ensino básico… é importante trabalhar com O uso de


demonstrações… só que:: éh:: ao avaliar… tem que ter todo o demonstrações
cuidado pra avaliar o desenvolvimento do raciocínio lógico éh:: matemáticas
com a simbologia que o aluno consegue trabalhar né? e tentar
aprimorar essa simbologia né? se a gente quiser fazer uma
transição mais/pra matemática mais formal… não
necessariamente só pelo raciocínio lógico… ((barulho no
fundo)) mas eu acho que é importante sim… desde/o quanto
antes os alunos começarem a trabalhar com demonstração
melhor

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Docente C o viés demonstrativo às vezes fica um pouco às margens né? Ensino de lógica
na UEMASUL a gente tenta trabalhar bastante com O uso de
demonstração… todo/as ementas praticamente se iniciam com demonstrações
o tópico demonstrações pra gente… trabalhar isso… então matemáticas
éh:: me incomoda éh:: a gente né? a marginalização
desse/desse OUTRO tipo de raciocínio né? a gente pode dizer
a mesma coisa também lá da:: matemática discreta… os
alunos… não consegue fazer nada porque o raciocínio é
totalmente diferente daquele:: braçal mesmo de fazer conta…
né? então eu acho que:: nesse quesito né? ah:: ampliar né?
ah… a linguagem:: de ampliar os modos de/de/de pensamento
né? desenvolvimento do raciocínio… é importantíssimo a
lógica… né? ah/a lógica matemática né? eu acho… não vou
falar necessária mas acho importantíssima né? eh:: como eu
disse:: não necessariamente uma disciplina de lógica… mas
atividades de lógica transversais… n

Docente C a demonstração tem esse poder principalmente porque:: éh:: O uso de


ela EXIGE né? ela solicita esse… éh:: esse:: essa articulação demonstrações
da ideia de um modo mais… sistematizado né? então éh:: não matemáticas
é uma ação:: assim:: muito explicativa né? eh:: eh:: que às
vezes se desprende um pouco né? é uma ação mais
direcionada… mais sistematizada… então éh:: o ato de
sistematizar

Docente C eu entendo que é importantíssimo sim… né? ajuda… O uso de


principalmente na/na aprendizagem justamente porque solicita demonstrações
o poder de síntese do conhecimento já aprendido né?... e matemáticas
solicita-se um poder de/de/de coerência né? de:: de
argumentação né? éh/não/não de criação né? mas de
trabalho/de trabalho com que:: ele está posto e produzido… só
que:: de um jeito sistematizado né? eu acho… (que) contribui
sim pra aprendizagem… né? é a base da ciência também… a
demonstração… a lógica né? então:: né? é importante

Docente C aplicar as minhas provas mesmo éh:: o maior índice de erro é O uso de
nas demonstrações demonstrações
matemáticas
Docente C quando vem um movimento de um pensar que é totalmente O uso de
diferente… né? que/que exige essa síntese toda… talvez nem demonstrações
é porque seja complexo né? porque tem demonstrações… matemáticas
simples né? mas é porque oh:: o modo de pensar é totalmente
diferente daquele que eles estão acostumados… por isso que
eu acho que:: o trabalho da demonstração né? o trabalho com
essa lógica matemática… ela não deve ser imposta… né? ela
tem que ser negociada né? aos poucos né? tem que ter um
diálogo intenso sobre… éh:: sobre a linguagem… sobre o
modo de expressar a matemática… tem que ter um diálogo
sobre isso né

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