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PROJUDI - Processo: (Sem numeração) - Ref. mov. 1.

1 - Assinado digitalmente por ----------------------


16/03/2023: JUNTADA DE PETIÇÃO DE INICIAL. Arq: Petição Inicial

Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJDL5
EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA CÍVEL DO
FORO REGIONAL DE ARAUCÁRIA DA COMARCA DA REGIÃO
METROPOLITANA DE CURITIBA/PR

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por meio

de seu agente signatário, no uso de suas atribuições legais, com fulcro nos artigos

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129, III, e 230, caput, da Constituição da República, artigo 25, IV, “a”, da Lei Federal

n.º 8.625/1993, artigo 2º, IV, “a”, da Lei Complementar Estadual n.º 85/1999, artigos
300 e 303 do Código de Processo Civil, tendo como base as informações contidas no

Inquérito Civil n.º MPPR-xxxxxxxxxxxx vem respeitosamente perante Vossa


Excelência propor a seguinte

AÇÃO CIVIL PÚBLICA


com pedido de tutela provisória de urgência

contra ***************************************, brasileiro, pastor,


inscrito no CPF sob n.º xxxxxxxxxxxxxxx endereço eletrônico

‘*********@hotmail.com’, contato (41) xxxxxxxxxxx, residente e domiciliado na Rua


*****************************, n.º ***, Araucária/PR, com endereço profissional na

****************, n.º *****, Araucária/PR.

1ª Promotoria de Justiça do Foro Regional de Araucária/PR


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1. DA COMPLETA IRREGULARIDADE VERIFICADA NA COMUNIDADE
TERAPÊUTICA *******1

Como se extrai do inquérito civil, cuja cópia se encarta, em 07 de


novembro de 2022 esta 1ª Promotoria de Justiça recebeu da Vigilância Sanitária de

Araucária o Ofício n.º 023/2022, relatando a interdição e notificação da Comunidade


Terapêutica *******, localizada na Avenida **********, n.º *****, para que promovesse a

retirada de todos os acolhidos em um prazo de 10 (dez) dias.

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Segundo a VISA, o estabelecimento estava funcionando

clandestinamente há cinco meses, sem documentos de constituição de empresa,


alvará de localização, licença sanitária, certificado vigente do Corpo de Bombeiros,

certificado de responsabilidade técnica de nível superior, equipe técnica


contratada e laudo médico de encaminhamento dos dependentes químicos, além

de manter condições higiênico-sanitárias insatisfatórias.

Do relatório de situação sanitária verifica-se que o estabelecimento


clandestino está estabelecido em uma chácara, em área afastada do centro da cidade e

que se mantém com a cobrança de mensalidades, que variam de R$ 300,00 (trezentos


reais) a R$ 600,00 (seiscentos reais), a partir de contratação informal, pois não existe

formalização da prestação de serviços.

1
A palavra hebraica ******* significa “santo”, “puro” ou “limpo”, verdadeira contradição com a
situação encontrada pela Vigilância Sanitária na autointitulada comunidade terapêutica que adotou esse nome.
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Consta ainda que o imóvel não tem projeto básico de arquitetura

aprovado e tem apenas um banheiro coletivo para as 18 (dezoito) pessoas adultas


acolhidas. Os quartos apresentaram limpeza precária e infiltrações, as roupas ficam

amontoadas em camas e prateleiras, pois não há armários no local. O banheiro não tem
forro, “a fiação elétrica estava exposta, elevando o risco por choque elétrico”, foram

encontrados produtos saneantes clandestinos em grande quantidade, frutas e


verduras estavam acondicionados em um expositor de madeira em condições

inadequadas de conservação e limpeza.

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O estabelecimento não dispõe de técnico de nível superior, nem

equipe qualificada, “todo o processo de reabilitação fica sob a responsabilidade de


dois monitores, sendo que um deles ainda em processo de recuperação da

dependência química”. Os acolhidos são admitidos de forma voluntária, sem a


emissão de laudo médico prévio. Os medicamentos estocados não têm prescrição

médica, entre diversas outras irregularidades. Algumas dessas irregularidades


podem ser observadas nos registros da VISA:

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A despeito de todo esse tenebroso cenário, conforme relatou a VISA,

mesmo após o prazo concedido, os responsáveis não promoveram a retirada dos


dezoito adultos acolhidos.2

2
Fl. 13/21, do Inquérito Civil n.º xxxxxxxxxxxx.
4
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Diante de tais fatos, o Ministério Público do Estado do Paraná

solicitou que a Vigilância Sanitária e a Secretaria Municipal de Assistência Social


adotassem as medidas para que a interdição já decretada fosse levada a efeito,

inclusive com o encaminhamento das pessoas que lá estavam para seus familiares ou
para instituições consentâneas que respeitassem as normativas legais vigentes.

Ainda, considerando a inexistência de CNPJ relacionado ao estabelecimento,


solicitou-se a identificação do responsável pela autoproclamada comunidade

terapêutica.3

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Em resposta, a Secretaria Municipal de Assistência Social e a
Vigilância Sanitária realizaram operação conjunta em 11 de novembro de 2022, para

promover a interdição do estabelecimento. Ocorre que, ao chegarem lá, as pastas se


depararam com a resistência dos acolhidos, que alegaram “conflitos e prováveis

negativas da família em acolhê-los novamente, visto o histórico”. A SMAS ofereceu


os serviços socioassistenciais em funcionamento no município, notadamente o

Centro Pop e o acolhimento institucional, porém os presentes negaram a oferta.

O Sr. *************************************** (que se apresentou como


representante do estabelecimento) então requereu a dilação de prazo para

regularizar a situação em acordo com as exigências da autuação n.º *****/2022 4, sendo


o pedido deferido pela Vigilância Sanitária.5

3
Fls. 05/06, do Inquérito Civil n.º xxxxxxxxxxxx.
4
Anexo à fl. 12, do Inquérito Civil n.º xxxxxxxxxxxx.
5
Fls. 08/16, do Inquérito Civil n.º xxxxxxxxxxxx.

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Conforme decisão da VISA no procedimento administrativo n.º

*******/2022, em 24 de novembro de 2022 foram concedidos: a) o prazo de 30 (trinta)


dias corridos para a apresentação dos “protocolos de abertura dos

requerimentos/processos administrativos necessários para regulamentação da


documentação” e b) 90 (noventa) dias corridos para comprovação da

regulamentação integral das irregularidades contidas no auto de infração e


interdição cautelar n.º *****/2022.6

Posteriormente questionada pelo Ministério Público, a Vigilância

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Sanitária esclareceu que “após 2 (duas) tentativas de contato via e-mail em datas
distintas e alguns contatos telefônicos, sem sucesso, sempre coincidindo com a

finalização dos prazos de Notificação de Decisão Interlocutória, o estabelecimento


NÃO apresentou nenhuma manifestação. […] Não foi recebido nenhum

documento de solicitação, protocolo e/ou sinalização para início do processo de


regularização”.7

De outra banda, causou espanto o fato de que, neste intervalo, a

autointitulada comunidade terapêutica, ainda que completamente irregular (nem


sequer possui CNPJ), tenha recebido o apoio de parlamentares deste município. De

fato, durante a operação conjunta realizada pela assistência social e vigilância


sanitária para a interdição da casa, o Vereador Pastor ******************* esteve

oferecendo apoio ao estabelecimento irregular8:


6
Fls. 27/31, do Inquérito Civil n.º xxxxxxxxxxxx.
7
Fls. 39/40, do Inquérito Civil n.º xxxxxxxxxxxx.
8
Fl. 22, do Inquérito Civil n.º xxxxxxxxxxxx.

6
visita realizada ao estabelecimento e requereu “a sensibilidade do poder público”:
Mais que isso, o Vereador Professor ******* divulgou em seu site uma

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Ora, salta aos olhos que, em cumprimento às respectivas missões
constitucionais e legais, o Ministério Público, a Vigilância Sanitária e a Secretaria

Municipal de Assistência Social buscam nada além do que o estrito cumprimento


das normas vigentes aplicáveis às instituições que prestem serviços de atenção a

pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias


psicoativas!

Devemos relembrar que as pessoas lutando contra a dependência


de drogas estão em situação de extrema vulnerabilidade. É de extrema gravidade
que uma autointitulada instituição se apresente como comunidade terapêutica
sem que apresente as condições sanitárias para receber esses cidadãos, mediante,

inclusive, a cobrança de mensalidades. Em que se pese eventual boa intenção dos


responsáveis, o acolhimento e atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso,

abuso ou dependência de substâncias psicoativas é devidamente regulamentado


pela RDC n.º 29/2011 da ANVISA/MS para a garantia dos direitos das pessoas

acolhidas.

8
Não se pode perder de vista ainda um fato gritante e deveras
preocupante: esse estabelecimento não possui um responsável técnico de nível

superior legalmente habilitado e os pacientes são admitidos sem qualquer laudo


médico ou prescrição e não possuem fichas individuais em que se registre

periodicamente o atendimento dispensado, bem como as eventuais intercorrências


clínicas observadas. A pretensa comunidade terapêutica nem sequer possui licença

atualizada de acordo com a legislação sanitária local, exigida pelo artigo 3º da


mencionada resolução da ANVISA. Isso é brincar com a esperança depositada – e

quiçá com a vida - por essas 18 (dezoito) pessoas ali acolhidas.

Portanto, o Ministério Público do Estado do Paraná vem por meio


deste reclamar as medidas necessárias para a superação do evidente cenário de

descumprimento às normais vigentes encontradas na Comunidade Terapêutica


*******, quadro esse muito bem evidenciado nos relatórios dos órgãos municipais de

saúde e assistência social que instruem esta exordial.

2. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

2.1. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime


democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, consoante artigo

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127, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil. Não obstante, para

além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e
em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público promover o inquérito civil e a

ação civil pública, na forma da lei, para a proteção, prevenção e reparação dos danos
causados a interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos,

conforme redação do artigo 25, IV, “a”, da Lei Federal n.º 8.625/1993 e do artigo 2º,
IV, “a”, da Lei Complementar Estadual n.º 85/1999.

No caso concreto, os interesses coletivos tratam-se da saúde dos


indivíduos acolhidos referido local, cuja integridade, restará comprometida, diante

da ausência dos requisitos necessários para que sejam prestados serviços de forma

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regular pela pretensa comunidade terapêutica. Portanto, é inquestionável a

legitimidade ativa do Ministério Público para o ajuizamento desta ação.

2.2. DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL ÀS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS

DESCUMPRIDAS PELO ESTABELECIMENTO

Conforme esclarecido pela Nota Técnica n.º 01/2020, do Centro de


Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cíveis, Falimentares, de

Liquidações Extrajudiciais, das Fundações e do Terceiro Setor, as comunidades


terapêuticas acolhedoras são organizações de ambiente residencial destinado a pessoas com

problemas decorrentes do uso nocivo e/ou dependência de substâncias psicoativas, mediante


adesão voluntária, transitória e sob o regime de abstinência.

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Justamente por seu papel desempenhado em alinhamento com a

execução das políticas públicas de drogas e saúde mental, existe a necessidade de


regulamentação e fiscalização de tais ambientes, visando sempre a garantia de

direitos dos residentes, afinal o objetivo de qualquer intervenção em saúde mental


deve ser, sempre, o cuidado do paciente.

A principal normativa destinada às Comunidades Terapêuticas

Acolhedoras é RDC n.º 29, de 30 de junho de 2011, da ANVISA, que dispõe sobre os
requisitos de segurança sanitária para o funcionamento de instituições que

prestem serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso

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ou dependência de substâncias psicoativas, que traz condições organizacionais,

exigências sobre gestão de pessoal, infraestrutura e processos operacionais


assistenciais.

No âmbito municipal, a Lei Complementar n.º 23 de 2020 9 também


estabelece como infração sanitária “construir, instalar ou fazer funcionar, instituição
de longa permanência para idosos, casas de repouso, associações, clínicas, casas de
atendimento, casas geriátricas e estabelecimentos congêneres de atendimentos ao

idoso, sem licença sanitária, e/ou contrariando o disposto na Legislação Sanitária”.

Foi nesse contexto que a Vigilância Sanitária de Araucária procedeu


à interdição do estabelecimento em 20 de outubro de 2022:

9
Disponível em: <https://sapl.araucaria.pr.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/2020/1052/
lei_complementar_25-2020.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2023.
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Portanto, diante da variedade de irregularidades listadas pelo

Departamento de Vigilância em Saúde, notadamente em relação à Resolução de


Diretoria Colegiada – RDC n.º 29, de 30 de junho de 2011, da Agência Nacional de

Vigilância Sanitária, a definitiva interdição do estabelecimento é medida que se


impõe.

2.3. DOS DANOS MORAIS (OU EXTRAPATRIMONIAIS) COLETIVOS

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Para além disso, é forçoso reconhecer a imperiosa necessidade de

condenação do requerido por danos morais (ou extrapatrimoniais) coletivos, em


especial porque foi constatado cenário de ilegalidades e alto grau de reprovabilidade

sobre uma coletividade de pessoas afetadas, a saber, as dezoito pessoas acolhidas, as


pessoas lutando contra a dependência de drogas estão em situação de extrema

vulnerabilidade.

Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça já definiu os danos


morais (ou extrapatrimoniais) coletivos como aqueles compreendidos “como o

resultado de uma lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade, se dá quando a


conduta agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e

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os valores éticos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e
indignação na consciência coletiva (arts. 1º da Lei nº 7.347/1985, 6º, VI, do CDC e 944

do CC, bem como Enunciado nº 456 da V Jornada de Direito Civil)” (REsp n.


1.473.846/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em

21/2/2017, DJe de 24/2/2017). Ainda segundo a Corte da Cidadania, “o dano moral


coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação

da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de


conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a

demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral” (REsp n. 1.610.821/


RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15/12/2020, DJe

de 26/2/2021).

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Não se pode perder de vista que o artigo 1º, IV, da Lei n.º 7.347/1985

(redação da Lei n.º 12.529/2011), prevê a possibilidade de ação civil pública para
responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a qualquer interesse difuso ou

coletivo.

Nessa linha de intelecção a jurisprudência nacional se pronunciou

pela configuração de danos morais (ou extrapatrimoniais) decorrentes de ilicitudes


praticadas pessoas acolhidas em comunidade terapêutica, como se vê neste julgado:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMUNIDADE


TERAPÊUTICA – VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS
SEUS INTERNOS – DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO 1. O

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dano moral coletivo constitui categoria autônoma de dano que se
relaciona com a integridade psicofísica da coletividade, resultando de
um conceito de dano mais amplo, que não se restringe apenas à dor
psíquica (REsp 1.397.870/MG, Segunda Turma, DJe 10/12/2014). 2. O
dano moral coletivo busca sancionar o ofensor, inibir condutas ofensivas
semelhantes e, além disso, proporcionar uma reparação indireta à
coletividade, diante da intolerável lesão a um direito extrapatrimonial. 3.
"A condenação em reparar o dano moral coletivo visa punir e inibir a
injusta lesão da esfera moral de uma coletividade, preservando, em
ultima ratio, seus valores primordiais" (REsp 1303014/RS), sendo que "o
dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração
decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita" (REsp
1517973/PE). 4. Considerando que, durante o funcionamento da
comunidade terapêutica, diversos direitos fundamentais dos seus
internos foram violados, configurando nítida agressão aos valores
éticos e fundamentais da sociedade, suficiente para provocar repulsa e
indignação coletiva, fica evidente o dano moral coletivo. (TJMG -
Apelação Cível 1.0000.21.148907-5/001, Relator(a): Des.(a) Carlos
Roberto de Faria , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/03/2022,
publicação da súmula em 18/03/2022)

14
Assim sendo, levando-se em consideração os critérios de
proporcionalidade e razoabilidade, e considerando que haviam 18 (dezoito) pessoas

acolhidas na autointitulada Comunidade Terapêutica ******* impõe-se a aplicação


de condenação por danos morais (ou extrapatrimoniais) coletivos no montante de R$

50.000,00 (cinquenta mil reais), valor a ser destinado ao Fundo Municipal de Saúde
de Araucária, inscrito no CNPJ sob o n.º 10.373.665/0001-02.

3. DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA

Para além do que dispõe o artigo 12 da Lei n.º 7.347/1985, o Código

de Processo Civil, em seu artigo 300, caput, estabelece que a tutela de urgência será
concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o

perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

No presente caso, vê-se que a probabilidade do direito está

suficientemente retratada pelos elementos colhidos e encartados à presente peça


inicial, como exposto de maneira robusta. O perigo de dano também se faz presente,

uma vez que, como relatado, a comunidade terapêutica descumpriu as medidas


impostas administrativamente, as quais não se revelaram suficientes à correção das

diversas irregularidades – tanto que decorreu o prazo concedido para


regularização e nada foi feito! Há, portanto, periculum in mora ante a iminente

possibilidade de que as atividades da comunidade terapêutica continue em


andamento, em contrariedade à legislação vigente, urgência essa que é

contemporânea à propositura desta ação.

15 .
Outrossim, não há perigo de irreversibilidade dos efeitos da
decisão (artigo 300, § 3º, CPC) no caso em mesa, porquanto, em verdade,

irreversíveis poderão ser os efeitos da decisão denegatória.

Não obstante, conforme o teor do enunciado n.º 419 do Fórum


Permanente de Processualistas Civis, “não é absoluta a regra que proíbe a tutela

provisória com efeitos irreversíveis”. E, por tudo que foi exposto, as circunstâncias
deste caso concreto não recomendam, ao menos neste momento, o aguardo de outras

tentativas de ações protetivas de cunho administrativo, menos drásticas e invasivas,


notadamente porque outras abordagens já foram ineficazes.

Dessa maneira, os elementos de convicção que seguem acostados

comprovam a veracidade das alegações ora delineadas, a urgência da concessão da


medida e o fundado receio de ocorrência de dano irreparável, do que se infere que a

concessão da tutela provisória de urgência antecipada, ora requerida em caráter


incidental, constitui-se em medida de extrema necessidade neste pleito.

4. DOS REQUERIMENTOS E PEDIDOS

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

PARANÁ requer:

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a) a distribuição, a autuação e o recebimento desta petição inicial,

instruída com cópia da documentação ora encartada (artigo 425, VI, CPC);

b) liminarmente, sem oitiva prévia da parte contrária, a concessão


de tutela provisória de urgência de natureza antecipada para impor ao demandado

***************************************: I) a obrigação de não fazer consistente em


não fazer funcionar a autointitulada Comunidade Terapêutica ******* enquanto não

houver integral e fundamentada autorização por parte dos órgãos competentes,


especialmente os de saúde e assistência social, mediante comunicação prévia destes

órgãos ao Juízo, haja vista sobretudo o histórico de descumprimentos de sanções


impostas na via administrativa; II) a obrigação de fazer, em conjunto com a

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assistência social e saúde municipal, consistente em encaminhar os acolhidos para a
família ou, na impossibilidade, instituição do gênero;

c) nos termos dos artigos 497 e 536 do CPC e artigo 83, § 2º, da Lei
n.º 10.741/2003, a fixação de multa cominatória diária, no valor mínimo de R$

5.000,00 (cinco mil reais), para garantia da execução da tutela provisória concedida
antecipadamente, a qual deverá ser revertida ao Fundo Municipal de Saúde de

Araucária, inscrito no CNPJ sob o n.º 10.373.665/0001-02;

d) a expedição de ofício, com cópia da petição inicial e da decisão


do Juízo que a receber, para dar conhecimento da instauração do feito à Secretaria

Municipal de Assistência Social, à Secretaria Municipal de Saúde;

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e) a citação (preferencialmente eletrônica) do requerido para
oferecer contestação, se assim desejar, sob pena de revelia;

f) a produção de todos os meios de prova admitidos, bem como os


moralmente legítimos, nos termos do artigo 369 do Código de Processo Civil, em

especial a produção de prova documental, oral e pericial;

g) em sede de tutela final, a condenação de


*************************************** à interdição definitiva e consequente

encerramento do funcionamento da autointitulada Comunidade Terapêutica *******


nos limites territoriais do município de Araucária, salvo se houver comprovação de

inteira correção das irregularidades constatadas, mediante aprovação fundamentada


dos órgãos competentes e prévia demonstração ao Juízo;

h) a condenação de ***************************************

(i) à obrigação de não fazer consistente em se abster de exercer qualquer atividade de


coordenação, administração, gerência ou responsabilidade técnica de qualquer

Comunidade Terapêutica nos limites territoriais de Araucária, salvo se houver


comprovação de inteira correção das irregularidades constatadas, mediante

aprovação fundamentada dos órgãos competentes e prévia demonstração ao Juízo,


sob pena de multa cominatória diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais);

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i) a condenação de *************************************** ao

pagamento de condenação por danos morais (ou extrapatrimoniais) coletivos no


montante de R$ 50.000,00 (cinquenta) mil reais corrigido pelo índice IGP-M ou outro

que vier a substituí-lo, a ser destinado ao Fundo Municipal de Saúde, inscrito no


CNPJ sob o n.º 10.373.665/0001-02.

j) a condenação do requerido ao pagamento das custas processuais

e verbas decorrentes do ônus de sucumbência, cujo recolhimento deverá ser feito em


favor do Fundo Especial do Ministério Público, nos termos do artigo 3º, XV, da Lei

Estadual n.º 12.241/1998 e do artigo 118, II, “a”, parte final, da Constituição do
Estado do Paraná; e

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k) a dispensa de custas, emolumentos, honorários periciais e

quaisquer outras despesas, na forma do artigo 88 da Lei n.º 10.741/2003;

l) a expedição de ofício (com cópia deste processo) à Presidência


da Câmara de Vereadores de Araucária para ciência e adoção das providências que

entender cabíveis, inclusive em relação a eventual quebra de decoro parlamentar


pelos Srs. Vereadores Pastor ******************* e Professor *******, levando em

consideração seus atos em relação à irregular e autointitulada comunidade


terapêutica *******.

O Ministério Público consigna que não tem interesse na realização

de audiência de conciliação ou mediação, já que se trata de direito indisponível e de


titularidade coletiva (artigo 334, § 5º, CPC).

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E, por fim, dá à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais),
conforme artigo 292 do CPC.

Araucária/PR, datado e assinado eletronicamente

----------------------

Promotor de Justiça
FBS/VMBR

ROL DE TESTEMUNHAS:

A3AJZ KSHJG X4S73


1. -------------------------------, coordenadora da Divisão de Vigilância Sanitária (fl. 22);

2. -------------------------------, servidora pública da Divisão de Vigilância Sanitária (fl.


21);

3. -------------------------------, servidora pública da Secretaria Municipal de Assistência


Social de Araucária (fl. 12);

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