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PROJUDI - Processo: ************************** - Ref. mov. 1.

1 - Assinado digitalmente por Felipe Paschoeto Garcia:08571750920


18/05/2022: JUNTADA DE PETIÇÃO DE INICIAL. Arq: Petição Inicial

Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJ8ED
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
Promotoria de Justiça da comarca de Paraíso do Norte

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA


COMARCA DE PARAÍSO DO NORTE – ESTADO DO PARANÁ

D8GCF SDBR9 NJR6R


O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu
Promotor de Justiça que adiante assina, no uso de suas atribuições legais, com fundamento
nos artigos 127, caput, 129, inciso III, da Constituição Federal; artigo 25, inciso IV, alíneas
“a” e “b”, da Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); art. 68, inciso
VI, da Lei Complementar n.º 85/99 (Lei Orgânica do Ministério Público do Paraná); artigos
1.º, inciso IV e 5.º, inciso I, da Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), com suporte no
Procedimento Investigatório Criminal n.° ***************, vem, perante Vossa
Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

para reparação de dano moral


coletivo

em face de HOSPITAL **********************************, pessoa


jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ n.º ******************, CNES n.º ********,
com sede na Rua ******************, n.º ****, centro, neste município e comarca de
Paraíso do Norte/PR; e

************************, pessoa física, brasileiro, portador do RG n.º

1
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********** e CPF n.° ************, nascido em 15 de maio de 1971, natural de Paranavaí/


PR, filho de ********* ****** e de ************, residente e domiciliado na Rua
****************, n.° ****, bairro ***********, também podendo ser encontrado no
endereço profissional localizado na Rua *************** n.° *****, Centro, ambos neste
município e comarca de Paraíso do Norte/PR, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir
descritos:

I. Objetivo da ação.

A presente ação tem por escopo compelir os requeridos HOSPITAL

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********** e ************************ a indenizar o dano moral coletivo ocasionado
em razão da interrupção ilegal da obrigação de assistência à saúde, atendimento hospitalar e
atendimento de urgência e emergência, além das demais obrigações assumidas por meio do
Contrato xxxxxxxxx/2017 SGS (processo n.º xxxxxxxxxxxx), firmado com o Estado do
Paraná, deixando de assegurar aos usuários do SUS acesso ininterrupto a esses serviços.

II. Da legitimidade passiva.

A Constituição Federal, em seu artigo 196 e seguintes, definiu a saúde como


direito de toda a sociedade e dever do Estado. Estabeleceu também que as ações e serviços
públicos de saúde integram a rede regionalizada e integrada, constituindo um sistema único
(art. 198). A par disso, assegurou à iniciativa privada a prestação de serviços de saúde (art.
199), embora sob regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público (art. 197).

A iniciativa privada, portanto, pode prestar serviços na área de saúde,


inclusive com fins lucrativos, cobrando diretamente dos beneficiários. Mas, também, pode
participar do sistema público (SUS), nos moldes estabelecidos no §1º, do artigo 199 da
Constituição Federal e nos artigos 24 e 25 da Lei Orgânica da Saúde (Lei n.º 8.080/1990).

Ocorre que a partir do momento que passam a integrar o SUS, através de


contrato público ou convênio, as instituições privadas de saúde vinculam-se às normas e
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diretrizes traçadas pela direção do SUS, submetendo-se a controle ainda maior do poder
público e às diretrizes por ele traçadas.

A propósito, em seu artigo 26, §2º, e reproduzindo o texto constitucional, a


Lei n.º 8.080/1990 estabelece que:

“Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas


administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde –
SUS, mantido o equilíbrio-financeiro do contrato.”

Assim, tendo o HOSPITAL ********************************** –


celebrado o Contrato xxxxxxxxx/2017 SGS (processo n.º xxxxxxxxxx) com o ESTADO DO

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PARANÁ para prestação de serviços ambulatoriais e hospitalares de atenção à saúde dos
usuários do SUS, integrando, desta feita, o sistema SUS, tem-se que deveria executar suas
atividades em conformidade com as diretrizes do sistema, as quais são traçadas em nível
constitucional e legal, e reafirmadas no próprio contrato celebrado.

Tratando-se o serviço de saúde de serviço de relevância pública (art. 197 da


CF), o descumprimento das disposições constitucionais e legais a ele pertinentes legitima o
HOSPITAL ********** ********* a figurar no polo passivo da presente ação.

Do mesmo modo, o requerido ************************ é sócio-


proprietário e sócio-administrador do HOSPITAL ********** ********* , a quem
incumbe as decisões de gestão administrativa. Nesse sentido, aliás, foram os depoimentos dos
sócios-proprietários ********************* e ************************, os quais
afirmaram peremptoriamente que decisões administrativas e de gestão do hospital ficam a
cargo exclusivo do requerido ************************, sem qualquer deliberação prévia
do corpo de sócios-proprietários. Inclusive, segundo relato da sra. *********************,
a decisão de rescindir o contrato com o Estado do Paraná foi tomada unilateralmente pelo
requerido ********* (docs. 26/27).
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Assim, sendo o requerido ************************ o responsável pela


decisão de descumprir deliberada, ilegal e injustificadamente os termos do contrato firmado
com o Estado do Paraná, está ele habilitado a também figurar no polo passivo da demanda.

III. Do retrospecto fático.

III. a) Dos fatos que justificaram o ajuizamento da ação civil pública autuada sob o n.°
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.

O Ministério Público do Estado do Paraná, através desta Promotoria de


Justiça de Paraíso do Norte, instaurou o Inquérito Civil n.º MPPR- xxxxxxxxxxxxxx, com o

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intuito de “Apurar suposto descumprimento pelo HOSPITAL ********** das cláusulas do
Contrato n.º xxxxxxxxxxxx/2017 SGS, firmado com o ESTADO DO PARANÁ, para prestação
de serviços ambulatoriais e hospitalares de atenção à saúde dos usuários do SUS.” (doc. 2).

O procedimento foi deflagrado com base no ofício n.º 39/2021 da Secretaria


de Saúde do Município de Paraíso do Norte/PR, o qual noticiou que, a despeito da vigência
do contrato n.º xxxxxxxxx/2017 SGS (processo n.º xxxxxxxxxxxx) firmado com o Estado do
Paraná para prestação de serviços ambulatoriais e hospitalares, sobretudo de atendimento de
urgência e emergência, teria havido a recusa por parte do ora requerido em fazê-lo, ao
argumento de que não mais possuiria vínculo com o SUS (doc. 3).

Segundo o ofício, confeccionado com base em reclamações registradas na


Ouvidoria Municipal, a reclamante -------------------------- teria buscado o HOSPITAL
********** no dia 13 de abril de 2020, por volta das 20h30min, para atendimento de
urgência/ emergência de seu marido, o usuário -------------------------------- – que havia sofrido
acidente de trabalho, ferindo os olhos com uma máquina de solda – recebendo, contudo, na
unidade hospitalar, orientação da recepcionista para que procurasse a Unidade Básica de
Saúde localizada no Bairro América do município de Paraíso do Norte, uma vez que aquela
unidade hospitalar “não mais teria convênio com o SUS e nem contrato com o município”
(sic).
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Diante de tal informação, expediu-se ofício à 14ª Regional de Saúde de


Paranavaí/PR, solicitando informações a respeito da vigência do contrato n.º
xxxxxxxxxxx/2017 SGS (processo n.º xxxxxxxxxxxxxx). Em resposta, a Regional de Saúde
informou que referido contrato estava vigente, consignando, contudo, que, no dia 14 de abril
de 2021, o HOSPITAL ********** havia protocolado notificação manifestando a intenção
de cancelar o ajuste (docs. 4, 5 e 6).

Frente a tais informações, o Ministério Público expediu a Recomendação


Administrativa n.º 01/2021, recomendando, em suma, que o HOSPITAL **********
adotasse as providências necessárias no sentido de retomar imediatamente/não mais
interromper as obrigações de assistência à saúde, atendimento hospitalar e atendimento de

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urgência e emergência, além das demais assumidas por meio do contrato n.º xxxxxxxxx/2017
SGS (processo n.º xxxxxxxxxxx) firmado com o Estado do Paraná, assegurando aos usuários
do SUS acesso ininterrupto a esses serviços até rescisão formalizada do ajuste.

Concedeu-se o prazo de 24 (vinte e quatro) horas para resposta acerca do


acatamento do recomendado (doc. 7). A Recomendação Administrativa foi enviada e
recebida pelo HOSPITAL ********** no dia 17 de abril de 2021. Transcorrido, contudo, o
prazo concedido, não houve resposta formal quanto ao seu acatamento.

Neste contexto, diante da persistência no descumprimento das cláusulas do


contrato n.º xxxxxxxxxxx SGS (processo n.º xxxxxxxxxxx) pelo requerido HOSPITAL
**********, deixando em desamparo usuários do SUS não só do município de Paraíso do
Norte, mas também de toda a região –, sem atendimento necessário à garantia de seu direito
indisponível à saúde, o Ministério Público ajuizou ação civil pública com obrigação de fazer,
com pedido liminar, consistente em determinar o HOSPITAL
********************************** que retomasse imediatamente as obrigações de
assistência à saúde, atendimento hospitalar e atendimento de urgência e emergência, além das
demais assumidas por meio do Contrato n. xxxxxxxxxxx SGS, processo n.º xxxxxxxxxxx,
firmado com a Estado do Paraná, assegurando aos usuários do SUS acesso ininterrupto a
esses serviços até eventual
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rescisão formalizada do ajuste, sob pena de imposição de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais) por usuário em que constatada recusa de atendimento (doc. 11).

Concedida a liminar pleiteada, o requerido HOSPITAL


********************************** retomou o cumprimento do contrato, o qual se
findou em 19 de abril de 2021, após pedido de rescisão unilateral protocolado pelo requerido
na Secretaria Estadual de Saúde em 14 de abril de 2021 (doc. 9).

III. b) Da apuração realizada nos autos de Procedimento Investigatório Criminal n.°


MPPR-xxxxxxxxxxxxxxxxx

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Tendo em vista os fatos trazidos ao conhecimento do Ministério Público
que redundaram no ajuizamento da ação civil pública de obrigação de fazer, e vislumbrando
repercussão de índole criminal decorrente do comportamento dos requeridos, instaurou-se
procedimento investigatório visando apurar a prática de crimes de omissão de socorro e
condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial (artigos 135 e 135-A, do
Código Penal) (doc. 1).

Além da coleta de elementos informativos quanto a ocorrência dos crimes


investigados, a apuração foi eficaz em evidenciar a interrupção ilegal pelos requeridos da
obrigação de assistência à saúde, atendimento hospitalar e atendimento de urgência e
emergência, além das demais obrigações assumidas por meio do Contrato xxxxxxxxxxxx
SGS (processo n.º xxxxxxxxxxx), deixando de assegurar aos usuários do SUS acesso
ininterrupto a esses serviços.

Ouvidos nesta Promotoria de Justiça, ----------------------------- e


--------------------------------, aduziram, em síntese, que buscaram o HOSPITAL **********,
em meados de abril, especificamente no dia 13 de abril de 2021, por volta das 22 horas, em
razão de um acidente doméstico sofrido por ------, o qual teria lesionado seus olhos com uma
máquina de solda. Lá chegando, foram recepcionados pela secretária do hospital, a qual
informou que não poderiam ser atendidos pelo SUS, sob argumento de que “o
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contrato com o município havia se encerrado” (sic). Informaram, ademais, que ------ sequer
foi examinado por um médico, sendo que após retornaram para sua residência, somente sendo
atendido no dia seguinte na UBS do município (docs. 13 e 14).

Da mesma forma, ----------------------------- relatou que buscou o


HOSPITAL **********, no dia 18 de abril de 2021, por volta das 20 horas, para
atendimento de sua esposa, ----------------------, a qual estava grávida de 07 semanas, com
quadro de sangramento vaginal. No local, contou ------- que havia uma placa noticiando que
“não teria havido a renovação do contrato com o município e o Estado” e que, em razão
disso, o atendimento aos usuários do SUS não seria realizado. Ele relatou, ainda, que a
mesma informação recebeu da secretária a qual asseverou que não seria possível o

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atendimento via SUS, mas somente particular. ------- consignou que em nenhum momento
sua esposa foi examinada por um médico. Sem condições de arcar com os valores solicitados,
------- relatou que buscaram a Santa Casa em Paranavaí, conseguindo atendimento após
intervenção da Secretária de Saúde de Paraíso do Norte. Ressalte-se que, após examinada por
um médico, constatou-se que -------- estava em início de aborto (doc. 15).

Já ----------------------------- e ----------------------, quando ouvidos pelo


Ministério Público, relataram que sua genitora, Cleuza Stolaric Tadim, havia sido
diagnosticada com COVID-19, no dia 06 de abril de 2021, e, desde então, acompanhada pela
Unidade Básica de Saúde do Bairro América do Sul, quando teve piora em seu quadro clínico
no dia 17 de abril de 2021. Após avaliação médica, e diante da constatação da gravidade do
caso, sobretudo diante da baixa saturação apresentada, sra. Cleuza foi encaminhada, no
mesmo dia, ao HOSPITAL ********** com indicação de urgência para deslocamento até a
UTI médica (doc. 18). Ocorre, contudo, que, ao chegar na unidade hospitalar, Cleuza não
recebeu atendimento de urgência e emergência, tendo permanecido por mais de 01 (uma)
hora em espera, do lado de fora da unidade, conforme registro fotográfico feito por
familiares:
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Segundo Carlos Eduardo e Edilene, os quais estavam no local
acompanhando sua genitora, o requerido ************************ informou que não
atenderia a sra. Cleuza pelo SUS, ao argumento de que o hospital já havia atendido a “cota
física do Estado” e que não havia renovado contrato com o município de Paraíso do Norte.
Na sequência, Carlos Eduardo relatou que ********* indicou a possibilidade de internação
particular com valores de diárias que poderiam variar de R$ 900,00 a R$ 1.500,00, sugerindo,
ainda, que entregasse um cheque-caução, mas como não possuíam, Edilene acabou por
assinar uma nota promissória (docs. 16 e 17, 18, 19, 20 e 21). Por fim, prestado o
atendimento após a assinatura da nota promissória a pedido do requerido *********, a sra.
Cleuza foi encaminhada para o ambulatório do Hospital de Loanda/PR.

Visando verificar as informações apresentadas pelos requeridos no sentido


de que o HOSPITAL ********** já havia cumprido a cota física de atendimentos de
urgência e emergência que o obrigava em razão do contrato firmado com o Estado do Paraná
(doc. 8), requisitou-se da 14ª Regional de Saúde de Paranavaí as seguintes informações e
documentos:
a) o número de autorizações para internação hospitalar (AIH), boletins de produção
ambulatorial (BPA/FPO) emitidos pelo HOSPITAL ********** nos meses de março, abril
e
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maio de 2021, discriminadamente, em decorrência do contrato n.° xxxxxxxxxxxx SGS; b) os


valores recebidos/faturados pelo HOSPITAL ********** nos meses de março, abril e maio de
2021, discriminadamente, em decorrência do contrato n.° xxxxxxxxxxxx SGS.

A resposta apresentada pela 14ª Regional de Saúde foi taxativa em afirmar


que o HOSPITAL ********** não havia atingido a meta física de autorizações
hospitalares no ano de 2021, até o mês de maio, último do contrato. Nesse sentido, indicou
que, nos meses de janeiro a maio, o hospital recebeu R$ 12.266,24, R$ 14.845,16, R$
10.106,21, R$ 5.896,88 e R$ 8.239,28, respectivamente, valores aquém do teto financeiro
mensal estipulado no contrato, qual seja, R$ 27.050,55, e muito abaixo do valor anual
estipulado, de R$ 352.896,96 (docs. 5 e 29).

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Tais informações foram corroboradas pela servidora da 14ª Regional de
Saúde, Ana Maria Rafael Tavares (doc. 25), responsável por contabilizar a produção
ambulatorial e de internações hospitalares do HOSPITAL ********** para posterior
faturamento. Quando ouvida na Promotoria de Justiça, a servidora reforçou que nos meses
anteriores ao término do contrato, o HOSPITAL ********** havia apresentado muito
menos boletins de produção ambulatoriais e internações hospitalares do que tinha como meta.
A servidora asseverou, ademais, que, ainda que atingido o teto financeiro, o HOSPITAL
********** poderia lançar os boletins de produção ambulatorial e internações hospitalares
excedentes nos meses posteriores, esclarecendo, ainda, que, em razão do contexto pandêmico,
o ESTADO DO PARANÁ pagava até mesmo as internações excedentes.

Também ouvida na Promotoria de Justiça, a atual secretária de saúde de


Paraíso do Norte, -----------------------------, asseverou que, além dos usuários que tiveram
atendimento negado pelo HOSPITAL **********, ao menos outras 04 (quatro) pessoas a
procuraram para relatar a recusa, embora não quiseram registrar a respectiva reclamação. De
acordo com a secretária, a perplexidade dos munícipes foi tamanha, que o Município de
Paraíso do Norte chegou a criar um número de telefone específico para atendimento da
população a fim de orientar os usuários no caso de recusa de atendimento pelos requeridos e
encaminhá-los a outras unidades hospitalares referenciadas (doc. 22).
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Como se vê, a prova documental e oral produzida comprova a interrupção


ilegal, deliberada e injustificada pelos requeridos das obrigações de assistência à saúde,
atendimento hospitalar e atendimento de urgência e emergência, assumidas por meio do
Contrato xxxxxxxxxxxx SGS (processo n.º xxxxxxxxxxx), firmado com o Estado do Paraná,
deixando de assegurar aos usuários do SUS acesso ininterrupto a esses serviços durante dias,
em evidente descaso e prejuízo à sociedade.

Diante de tais fatos e provas, o Ministério Público, no exercício do seu


poder dever estabelecido nos artigos 127, caput, 129, incisos II e III, bem como na Lei
Federal nº 7.347/1985, notadamente seus arts. 1º, 3º e 5º, inciso I, propõe a presente ação
civil pública objetivando a reparação de dano moral coletivo, mediante o pagamento, em

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pecúnia, da compensação pelos danos à saúde pública.

IV. Da fundamentação jurídica.

A Constituição Federal consagra a saúde e a vida como direitos


fundamentais a serem resguardados a todos pelo Estado (lato senso), através da realização de
políticas públicas descentralizadas, com enfoque em cada área do governo (arts. 5º, 6º, 196 e
198, inc. I, da CF).

Na esfera infraconstitucional, a Lei Federal n.º 8.080/1990, que dispõe


sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, reafirma a
obrigatoriedade do Poder Público em fornecer à população os medicamentos, tratamentos e
quaisquer outros recursos necessários para a promoção desses direitos, prevendo
expressamente em seu artigo 6º que:

“Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado


prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
(…);
Art. 6º Estão incluídos ainda no campo de atuação do Sistema Único de
Saúde – SUS: (...)
I – a execução de ações: (...)
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d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.”

Já em seus artigos 7º, incisos I, II e XII, e art. 43, o citado diploma prevê
expressamente os princípios da universalidade do acesso à saúde, a integralidade de
assistência, resolutividade dos serviços, a continuidade de sua prestação e a gratuidade das
ações e serviços:

Art. 7: As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados


contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde – SUS
são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da
Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência;

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II – integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e
contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
[…]
XII – capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência.

Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada nos
serviços públicos e privados contratados, ressalvando-se as cláusulas ou
convênios estabelecidos com as entidades privadas.

Em que pese a prestação de serviços de saúde seja primordialmente de


responsabilidade do Poder Público, a Constituição Federal garantiu a participação do setor
privado no SUS, de maneira complementar (art. 199, §1º, da CF).

Ao participarem do SUS, os hospitais privados subordinam-se às suas


diretrizes, devendo observar as normas de direito público, bem como as estabelecidas
contrato ou convênio (art. 24, parágrafo único, da Lei 8.080/90), além dos princípios éticos
(art. 22 da Lei 8.080/90). É o que dispõe o artigo 198, §1º, da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.


§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do
sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de
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direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as


sem fins lucrativos.”

Aplicam-se à hipótese, ainda, as disposições abaixo transcritas da Lei 8.080,


de 19 de setembro de 1990:

Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.


Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão
observados os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção
do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto às condições para seu
funcionamento.
...
CAPÍTULO II

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Da Participação Complementar
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a
cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema
Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa
privada.
Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será
formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as
normas de direito público.
...
Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os
parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção
nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho
Nacional de Saúde.
§ 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da
remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de
Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico-
financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços
contratados.
§ 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e
administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde
(SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

Trata-se, pois, de verdadeira concessão de serviço público de natureza


essencial. A esse propósito, os artigos 10 e 11 da Lei Federal n.º 7.783/1989, estabelecem que
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a assistência médica e hospitalar são considerados serviços ou atividades essenciais, sendo


que o parágrafo único deste último dispositivo ainda conceitua: “São necessidades
inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a
sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.”

Sobre os serviços essenciais, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º


8.078/1990), não destoa. Em seu artigo 22, expressamente preconiza que tais serviços são de
caráter contínuo (art. 22):

“Os órgãos públicos por si ou suas empresas, concessionárias,


permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são
obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto

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aos essenciais, contínuos.”(grifou-se)

A continuidade é corolário do desempenho das ações e serviços de saúde,


cuja relevância pública mereceu atenção da Carta Magna (art. 197). Assim, ao celebrarem
contrato ou convênio com o SUS, os hospitais privados obrigam-se a cumpri-la.

Assim, os hospitais privados, assim como os públicos, sujeitam-se às


disposições da Lei Estadual n.º 14.254/2003, que em seu artigo 2.º, incisos I e V, expressa
que “São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado do Paraná:

I - ter um atendimento humano, digno, atencioso e respeitoso, por parte de


todos os profissionais de saúde;
(...)
V- receber do funcionário adequado, presente no local, auxílio imediato e
oportuno para a melhoria de seu conforto, bem estar e saúde; (...)”;
XXVII – a assistência adequada, mesmo em períodos noturnos, festivos,
feriados ou durante greves profissionais.

Ainda, aplica-se à espécie os artigos 2.º e 3º, da Portaria GM/MS n.º


1.820/2009, que expõem que “toda pessoa tem direito ao acesso a bens e serviços ordenados
e organizados para garantia da promoção, prevenção, proteção, tratamento e recuperação
da saúde”, e que “toda pessoa tem direito ao tratamento adequado e no tempo certo para
resolver seu problema de saúde”.
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No caso vertente, contudo, verifica-se que tais regramentos foram


frontalmente violados pelos requeridos HOSPITAL ********** e
************************, tendo havido deliberada, injustificada e ilegal interrupção do
atendimento aos usuários do SUS, sobretudo os de urgência e emergência, colocando em
risco à saúde e a vida da coletividade.

O Estado do Paraná, através da Secretaria de Estado da Saúde/Fundo


Estadual da Saúde, celebrou com o HOSPITAL ********** o contrato xxxxxxxxxxxx SGS,
processo n.º xxxxxxxxxxx, para prestação de serviços ambulatoriais e hospitalares de atenção
à saúde dos usuários do SUS. De acordo com os itens II, VII e XV, da CLÁUSULA
TERCEIRA – DAS OBRIGAÇÕES DAS PARTES, o contratado HOSPITAL **********

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assumiu o compromisso de:

(…);
II – Manter atendimento 24 horas por dia para atendimentos de
urgência e emergência, conforme pactuação com o Gestor Estadual;
(...)
VII – Fornecer gratuitamente aos usuários do SUS, os serviços e todos
os medicamentos que necessitem ser utilizados em ambiente hospitalar,
e;
(...)
XV – Garantir acesso da população a serviços de saúde, atendendo os
pacientes com dignidade e respeito, de modo universal e igualitário,
mantendo sempre a qualidade da prestação de serviços.

Do DOCUMENTO DESCRITIVO do aludido contrato, especificamente no


item 1.2 ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA E URGÊNCIA, colhe-se que este atendimento
englobava:

A assistência ambulatorial de urgência e emergência se desenvolverá no


hospital a partir da demanda espontânea, casos referenciados pelo
Complexo Regulador Estadual e SAMU 192, encaminhados pela rede
básica de saúde, unidade de pronto atendimento 24h ou pelos serviços
de atendimento médico de urgência conforme pactuado.

O hospital manterá o Serviço de Pronto Atendimento com rotina


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formalmente estabelecida, funcionando 24 horas, todos os dias da


semana, inclusive finais de semana e feriados, nas especialidades
médicas e serviços que demandem atendimento de urgência/emergência,
principalmente nas especialidades que possui cadastradas no CNES ou
manterá serviço para atendimento às urgências referenciadas.

Devidamente demonstrado que, à época da interrupção ilegal, durante dias,


o contrato em questão estava em plena vigência.

Não obstante a menção de que o HOSPITAL **********, no dia 14 de


abril de 2021, teria protocolizado pedido manifestando a intenção de rescindir o contrato
xxxxxxxxxxxx SGS, processo n.º xxxxxxxxxxx, (Protocolo n.º 17.536.711-0), a CLÁUSULA

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SÉTIMA – DA RESCISÃO expressamente previa que o referido ajuste somente poderá ser
rescindido nas seguintes hipóteses:

I. Pela SESA/FUNSAÚDE, quando houver descumprimento de suas


cláusulas e condições, ou seu cumprimento irregular, ou ainda, a paralisação
dos serviços sem justa causa ou prévia comunicação à Administração;
II. Por acordo entre as partes, desde que haja conveniência para a
administração, a qual deverá ser obrigatoriamente formalizada com
pedido mínimo de antecedência de 60 (sessenta) dias, sem prejuízo das
obrigações assumidas até a data da extinção;
III. Pelo contratante nas hipóteses previstas nos arts. 128 a 131 da Lei
Estadual n.º 15.608/2007;
IV.Caso o Hospital deixe de estar sob a Gestão Estadual.

É dizer, não era permitido aos requeridos interromper a prestação de


serviços de saúde unilateralmente, em prejuízo da saúde da coletividade. É exigido, para
tanto, o aval do Estado do Paraná. Para isso, inclusive, havia cláusula expressa de que
enquanto não houvesse a extinção formal do vínculo as obrigações nele constantes deveriam
ser cumpridas. Cuida-se, tal cláusula, de verdadeira materialização do princípio da
continuidade na prestação de serviço público essencial de saúde.

Todavia, a despeito dos regramentos constitucionais, legais, regulamentares


e contratuais, e não obstante ser intuitivo que serviços públicos de saúde, especialmente de
urgência e emergência, não podem ser interrompidos repentinamente, sem que fossem
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estabelecidas previamente alternativas ao atendimento dos usuários e sem que fossem


previamente cientificados, por meio de ampla divulgação da informação, ainda assim, os
requeridos ************************ e HOSPITAL ********** optaram, ilegalmente,
por interromper o atendimento à população via SUS.

Não seria preciso dizer a gravidade das consequências da conduta adotada


pelos requeridos e dos riscos a que foi submetida a população, ficando desamparada em
momento de maior vulnerabilidade, em que seu direito indisponível à saúde e à vida estão em
risco. Os relatos apresentados por --------------------------------, -----------------------------,
-----------------------------, ---------------------- falam por si só.

O prejuízo e a desestabilização da saúde pública de Paraíso do Norte e

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região foi confirmada, ainda, pelo relato da secretária de saúde -----------------------------. Não
à toa houve repercussão não só local, mas regional dos fatos, alcançando divulgação em
veículo de comunicação de grande alcance na região1.

Torna ainda mais gravosa a conduta ilícita dos requeridos se considerar que
a interrupção ilegal se deu na pior crise sanitária da história, isto é, no meio da maior
pandemia já vista. Na época da ilegal interrupção dos serviços, o número de mortes alcançou
recordes. Morria-se mais de Covid-19 do que por qualquer outra doença no mundo. Leitos
UTIs e de Enfermarias de hospitais públicos e particulares estavam lotados. No final do mês
de março de 2021, o Estado do Paraná contava com 844 (oitocentos e quarenta e quatro)
pessoas na fila de espera por leito de UTIs2. Portanto, não se observa pior momento em que
os requeridos poderiam escolher para descontinuar o atendimento aos usuários do SUS de
Paraíso do Norte e da região.

Ante a conduta ilícita praticada requeridos, a responsabilidade civil surge


como remédio mais idôneo para impor a reparação do dano moral coletivo perpetrado à saúde
da população.
1 https://globoplay.globo.com/v/9486950/
2 Disponível em: https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2021/03/31/parana-fecha-marco-com-2229-pacientes-
com-covid-em-utis-fila-de-espera-por-leito-tem-844-pessoas.ghtml. Acesso em: 20 abr 2021.
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A plena reparabilidade do dano moral é tese que vem sendo construída ao


longo dos anos, apontando irreversível tendência legislativa, doutrinária e jurisprudencial.

O direito à reparação de dano moral recebe dos mais diversos diplomas


legais a devida proteção, inclusive, estando amparada pelo art. 5º, inc. V da Carta Magna,
assim sendo passível de reparação:
“Art. 5º:
(…)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além
da indenização por dano material, moral ou à imagem;”

Outrossim, os artigos 186 e 927 do Código Civil assim estabelecem:

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“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Em sua redação original, o art. 1º da Lei 7.347/85 já previa a proteção de


valores imateriais de interesse coletivo. Em seguida, sob a regência da atual Constituição
Federal, o Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 6º, VI, foi o primeiro diploma a
estabelecer, de maneira expressa, a ressarcibilidade de danos morais causados à coletividade.

Foi também o Código do Consumidor, em seu art. 110, que adaptou a Lei
da Ação Civil Pública ao novo texto constitucional, acrescentando-lhe o inciso IV ao art. 1º,
ampliando sua tutela a qualquer interesse difuso ou coletivo.

Completando esse ciclo evolucional, o art. 88 da Lei 8.884/1994 reformulou


o texto do art. 1º, caput da Lei 7.347/85, deixando expresso que a ação civil pública também
é apta para obter a responsabilização por danos morais.
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Pode-se afirmar que o dano extrapatrimonial coletivo é uma figura jurídica


cujo conceito se deu, preliminarmente, a partir de uma abordagem doutrinária, posto que a
legislação tenha trazido este tema de modo genérico, notadamente no que se refere a uma
análise teórica mais profunda acerca do instituto.

Nesse sentido, no plano semântico, pode-se afirmar que “o dano moral


coletivo caracteriza-se como a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou
seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Assim,
quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio
valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi
agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer,

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em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial”3

Ainda, Felipe Teixeira Neto examina que é possível definir o dano moral
coletivo como aquele decorrente da lesão a um interesse de natureza transindividual titulado
por um grupo indeterminado de pessoas ligadas por meras circunstâncias de fato que, sem
apresentar consequências de ordem econômica, tenha gravidade suficiente a comprometer, de
qualquer forma, o fim justificador da proteção jurídica conferida ao bem difuso indivisível
correspondente, no caso, a promoção da dignidade de pessoa humana4.

No âmbito jurisprudencial, em recente julgado, o Superior Tribunal de


Justiça, por meio de sua Terceira Turma, considerou que, apesar de dispensar a demonstração
de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral, o dano moral coletivo somente é
configurado nas hipóteses em que há lesão injusta e intolerável de valores fundamentais
da sociedade, não bastando a mera infringência a disposições de lei ou contrato. Importante
consignar o destaque da Ministra Relatora Nancy Andrighi, no sentido de que “a condenação
em danos morais coletivos visa ressarcir, punir e inibir a injusta e inaceitável lesão aos

3 BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Revista de
Direito do Consumidor, São Paulo, n. 12, p. 44-62, out./dez. 1994
4 NETO, Felipe Teixeira. Dano moral coletivo. A Configuração e a Reparação do Dano Extrapatrimonial por
Lesão aos Interesses Difusos. Curitiba: Jiruá, 2014. p. 251
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valores primordiais de uma coletividade, sendo que tal dano ocorre quando a conduta
agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos
fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na
consciência coletiva”. Cita-se a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO.


COBRANÇA DE TARIFAS BANCÁRIAS. NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. FASES DA
AÇÃO COLETIVA. SENTENÇA GENÉRICA. AÇÃO
INDIVIDUAL DE CUMPRIMENTO. ALTA CARGA COGNITIVA.
DEFINIÇÃO. QUANTUM DEBEATUR. MINISTÉRIO PÚBLICO.
LEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSES INDIVIDUAIS

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HOMOGÊNEOS. RELEVÂNCIA E TRANSCENDÊNCIA.
EXISTÊNCIA. COISA JULGADA. EFEITOS E EFICÁCIA.
LIMITES. TERRITÓRIO NACIONAL. PRAZO PRESCRICIONAL.
DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. SÚMULA
284/STF. DANO MORAL COLETIVO. VALORES
FUNDAMENTAIS. LESÃO INJUSTA E INTOLERÁVEL.
INOCORRÊNCIA. AFASTAMENTO. ASTREINTES. REVISÃO.
REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. Cuida-se de
ação coletiva na qual são examinados, com exclusividade, os pedidos
de indenização por danos morais e materiais individuais, de
indenização por dano moral coletivo e de publicação da parte
dispositiva da sentença, decorrentes do reconhecimento, em outra
ação coletiva com trânsito em julgado, da ilegalidade da cobrança de
tarifa de emissão de boleto (TEC). 2. O propósito do presente recurso
especial é determinar se: a) ocorreu negativa de prestação
jurisdicional; b) é necessário fixar, na atual fase do processo coletivo,
os parâmetros e os limites para o cálculo dos danos morais e materiais
individuais eventualmente sofridos pelos consumidores; c) o
Ministério Público tem legitimidade para propor ação coletiva
versando sobre direitos individuais homogêneos; d) os efeitos a
sentença proferida em ação coletiva estão restritos à competência
territorial do órgão jurisdicional prolator; e) deve ser aplicado o prazo
prescricional trienal à hipótese dos autos; f) é possível examinar a
validade da cobrança de tarifa de emissão de boletos (TEC), decidida
em outro processo transitado em julgado, na hipótese concreta; g)
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cabe, no atual momento processual, analisar a efetiva ocorrência de


dano material e moral aos consumidores e se o dano material deve
abranger a repetição do indébito; h) a ilegalidade verificada na
hipótese enseja a compensação de danos morais coletivos; e i) é
exorbitante o valor da multa cominatória. 3. Recurso especial
interposto em: 30/05/2014. Conclusos ao gabinete em: 26/08/2016.
Aplicação do CPC/73. 4. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC/73,
rejeitam-se os embargos de declaração. 5. Devidamente analisadas e
discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o
acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há
que se falar em violação dos arts. 165 e 458, II, do CPC/73. 6. A ação
civil coletiva na qual se defendem interesses individuais homogêneos
se desdobra em duas fases, sendo que, na primeira, caracterizada pela

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legitimidade extraordinária, são definidos, em sentença genérica, os
contornos homogêneos do direito questionado. 7. A definição de
parâmetros e dos limites para a fixação dos danos materiais e morais
individuais se relaciona ao quantum debeatur do direito questionado,
o qual deve ser debatido nas ações individuais de cumprimento, que
também possuem alta carga cognitiva. 8. Se o interesse individual
homogêneo possuir relevância social e transcender a esfera de
interesses dos efetivos titulares da relação jurídica de consumo, tendo
reflexos práticos em uma universalidade de potenciais consumidores
que, de forma sistemática e reiterada, sejam afetados pela prática
apontada como abusiva, a legitimidade ativa do Ministério Público
estará caracterizada. 9. Os efeitos e a eficácia da sentença proferida
em ação coletiva não estão circunscritos aos limites geográficos da
competência do órgão prolator, abrangendo, portanto, todo o território
nacional, dentro dos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido.
Precedentes. 10. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais
indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial.
11. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência importa no não
conhecimento do recurso quanto ao tema. 12. O dano moral coletivo
é categoria autônoma de dano que não se identifica com os
tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou
abalo psíquico), mas com a violação injusta e intolerável de
valores fundamentais titularizados pela coletividade (grupos,
classes ou categorias de pessoas). Tem a função de: a)
proporcionar uma
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reparação indireta à lesão de um direito extrapatrimonial da


coletividade; b) sancionar o ofensor; e c) inibir condutas ofensivas
a esses direitos transindividuais. 13. Se, por um lado, o dano moral
coletivo não está relacionado a atributos da pessoa humana e se
configura in re ipsa, dispensando a demonstração de prejuízos
concretos ou de efetivo abalo moral, de outro, somente ficará
caracterizado se ocorrer uma lesão a valores fundamentais da
sociedade e se essa vulneração ocorrer de forma injusta e intolerável.
14. Na hipótese em exame, a violação verificada pelo Tribunal de
origem - a exigência de uma tarifa bancária considerada indevida -
não infringe valores essenciais da sociedade, tampouco possui os
atributos da gravidade e intolerabilidade, configurando a mera
infringência à lei ou ao contrato, o que é insuficiente para a

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caracterização do dano moral coletivo. 15. Admite-se,
excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a
título de multa cominatória, quando ínfimo ou exagerado, o que não
ocorre na hipótese em exame, em que as astreintes, fixadas em R$
10.000,00 (dez mil reais), não se mostram desproporcionais ou
desarrazoadas. 16. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa
parte, provido. (STJ - REsp: 1502967 RS 2014/0303402-4, Relator:
Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 07/08/2018, T3 -
TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2018). (grifou-
se)

Além disso, nesse contexto, pode-se afirmar que o dano moral coletivo é
aferível in re ipsa, isto é, quando a sua configuração decorre de mera constatação da prática
da conduta ilícita que, de forma injusta e intolerável, viola direitos de cunho extrapatrimonial
da coletividade, comprometendo a utilidade que a Constituição Federal e a lei, por meio da
sua proteção, visam garantir.

Diante disso, apresenta-se desnecessária a sua demonstração em concreto,


sendo presumível a sua ocorrência diante da lesão dos interesses e do comprometimento da
utilidade por eles almejada, quais sejam, no caso concreto, o direito fundamental à saúde da
coletividade, bem como a escorreita prestação dos serviços de saúde pública.
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Sobre a aferição in re ipsa do dano moral coletivo, segue precedente do


mesmo Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DE
JOGO DE BINGO. DANOS MORAIS À COLETIVIDADE.
CARACTERIZAÇÃO DE DANO IN RE IPSA. PRECEDENTES DO STJ.
VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE MORAL DOS CONSUMIDORES.
CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À
LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO,
NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. REEXAME DE PROVAS.
AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra
decisão que julgara Recurso Especial interposto contra decisão publicado na

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vigência do CPC/73. II. Na origem, trata-se de Ação Civil Pública, ajuizada
pelo Ministério Público Federal, com o objetivo de obter o reconhecimento
da invalidade e a decretação de nulidade dos credenciamentos, permissões,
concessões, autorizações, contratações e demais atos efetivados em matéria
de sorteios, na modalidade de bingos e lotéricas, com base no Decreto
estadual 40.593 ou em qualquer outra legislação, no âmbito estadual, e a
condenação dos requeridos ao pagamento de indenização por danos morais
coletivos. III. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido do
cabimento da condenação por danos morais coletivos, em sede de ação
civil pública, considerando, inclusive, que o dano moral coletivo é
aferível in re ipsa. Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 100.405/GO, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 19/10/2018; REsp
1.517.973/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, DJe de 01/02/2018; REsp 1.402.475/SE, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/06/2017. IV. O entendimento
firmado pelo Tribunal a quo - no sentido de que "o caso em apreço encerra
típica hipótese de violação à integridade moral dos ofendidos, no caso, os
consumidores de bilhetes lotéricos, sob o enforque da violação à honra, à
honestidade", não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em
sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na
Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. V. Agravo interno improvido.
(STJ - AgInt no REsp: 1342846 RS 2012/0187802-9, Relator: Ministra
ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 19/03/2019, T2 -
SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/03/2019). (grifou-se)
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Nessa seara, em acórdão relatado pela Min. Nancy Andrighi, o Superior


Tribunal de Justiça já consignou que se deve dispensar a comprovação de dor e sofrimento,
sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana.
Vejamos a íntegra da ementa:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO


POR DANOSMORAIS. ACIDENTE EM OBRAS DO RODOANEL
MÁRIO COVAS. NECESSIDADE DEDESOCUPAÇÃO TEMPORÁRIA
DE RESIDÊNCIAS. DANO MORAL IN RE IPSA. 1. Dispensa-se a
comprovação de dor e sofrimento, sempre que demonstrada a ocorrência de
ofensa injusta à dignidade da pessoa humana. 2. A violação de direitos
individuais relacionados à moradia, bem como da legítima expectativa de

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segurança dos recorrentes,caracteriza dano moral in re ipsa a ser
compensado. 3. Por não se enquadrar como excludente de responsabilidade,
nos termos do art. 1.519 do CC/16, o estado de necessidade, embora não
exclua o dever de indenizar, fundamenta a fixação das indenizações
segundo o critério da proporcionalidade. 4. Indenização por danos morais
fixada em R$ 500,00 (quinhentosreais) por dia de efetivo afastamento do
lar, valor a ser corrigidomonetariamente, a contar dessa data, e acrescidos
de jurosmoratórios no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês na
vigênciado CC/16 e de 1% (um por cento) ao mês na vigência do
CC/02,incidentes desde a data do evento danoso. 5. Recurso especial
provido. (STJ - REsp: 1292141 SP 2011/0265264-3, Relator: Ministra
NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 04/12/2012, T3 - TERCEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJe 12/12/2012).

Especificamente sobre a violação às normas que orientam a saúde pública e


o cabimento de dano moral coletivo, dispôs a Terceira Turma do STJ, no julgamento do
RESP nº 1784595 MS, em 18/02/2020, que “os danos morais coletivos configuram-se na
própria prática ilícita, dispensando, desse modo, a prova de efetivo dano ou sofrimento da
sociedade, baseando-se na responsabilidade de natureza objetiva, a qual dispensa a
comprovação de culpa ou de dolo do agente lesivo, o que é justificado pelo fenômeno da
socialização e coletivização dos direitos, típicos das lides de massa”.
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É possível constatar, a partir da análise doutrinária, bem como à vista dos


aludidos precedentes jurisprudenciais que o dano extrapatrimonial coletivo visa ressarcir,
punir e inibir a injusta e inaceitável lesão aos valores primordiais de uma coletividade que
compromete o fim almejado pela ordem jurídica com a sua proteção.

Nessa perspectiva, salienta-se, por fim, que consoante precedentes do


Superior Tribunal de Justiça, em situações graves, que colocam em risco a saúde e a
incolumidade pública, é despicienda a demonstração de prejuízos concretos, de
constrangimentos ou de sofrimentos psicológicos específicos sofridos, por tratar-se de abalo
presumível (in re ipsa), ressaltando que a saúde pública é bem jurídico constitucionalmente
tutelado, por cuja integralidade deve velar o Poder Público.

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No caso em tela, ao interromper ilegalmente, durante dias, as obrigações de
assistência à saúde, atendimento hospitalar e atendimento de urgência e emergência,
assumidas por meio do Contrato xxxxxxxxxxxx SGS (processo n.º xxxxxxxxxxx), os
requeridos não só violaram os direitos individuais dos usuários do SUS que buscaram o
HOSPITAL **********, mas violaram de maneira injusta e intolerável valores
fundamentais da coletividade, quais sejam, o direito à saúde e à dignidade da pessoa humana.

Portanto, a conduta dos requeridos redundou em dano moral coletivo, pois


agrediu, de modo injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos
fundamentais da sociedade em si considerada, provocando repulsa e indignação na
consciência coletiva. Assim, o pagamento da indenização pleiteada, além de sancionar os
ofensores, servirá para inibir a ocorrência de novas condutas ofensivas ao direito
transindividual à saúde da população.
Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJ8ED
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V. Do quantum necessário à reparação do dano moral coletivo.

Conforme mencionado, o dano moral coletivo se caracteriza pela violação


de direitos de certa coletividade ou ofensa a valores próprios dessa, hábil a ensejar a devida
reparação, mediante o pagamento de indenização pecuniária.

A forma de fixação é a de arbitramento judicial, revelando-se, assim,


oportuno o estabelecimento de alguns critérios ou parâmetros para a fixação do montante
devido a título de dano moral coletivo, que servirão como indicadores e orientadores para
estipulação do valor mínimo, com base no qual o r. Juízo arbitrará o importe pecuniário
necessário à indenização, valendo-se, é claro, da sua experiência, bom senso e razoabilidade.

D8GCF SDBR9 NJR6R


Em artigo recentemente publicado 5, tratando da reparação dos danos morais
sofridos em tempos de coronavírus, os autores defendem que, para ilícitos praticados durante
o período de calamidade pública, o quantum arbitrado para fins de reparação deverá ser
agravado, por aplicação analógica das normas contidas no Código Penal e no Código do
Consumidor, este último no que se refere aos crimes nas relações de consumo.

Assim, como primeiro parâmetro, indica-se tal circunstância, já que a


interrupção ilegal dos serviços de saúde pelos requeridos se deu no mês de abril de 2021,
considerado o mês mais letal da pandemia depois de março de 2020, com mais de 82 mil
mortes, um aumento em 23,5% em relação ao mês de março de 20216.

De outro lado, considerando que a primeira notícia de recusa de


atendimento se deu em 13 de abril de 2021 e perdurou, pelo menos, até 20 de abril de 2021,

5 SILVA, Geilton Costa Cardoso da. A reparação dos danos morais sofridos em tempos de coronavírus. ConJur,
12 de
maio de 2020.
6 https://www.cnnbrasil.com.br/saude/mortes-por-covid-19-no-brasil-tem-alta-de-23-5-em-abril/
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/04/24/abril-se-torna-o-mes-mais-letal-da-pandemia-no
brasil.ghtml
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/04/abril-foi-o-mes-mais-letal-da-pandemia-de-covid-no-
brasil-com-mais-de-82-mil-mortes.shtml
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data da publicação do termo de rescisão do contrato firmado entre o HOSPITAL ********** e


o Estado do Paraná, tem-se que, no mínimo, a desassistência da população perdurou por uma
semana, um considerável número de dias sobretudo quando se trata de atendimentos de
urgência e emergência. Indica-se, portanto, tal circunstância como segundo parâmetro a ser
valorado pelo Juízo.

A considerável repercussão do ato ilícito praticado pelos requeridos também


deve ser critério para arbitramento dos valores indenizatórios. Nesse sentido, como já
apontado, os atos repercutiram não só em âmbito local, mas também regional, alcançando
ampla divulgação em veículo de comunicação de grande alcance na região e no estado7.
Dessa forma, tem-se que ampla repercussão do ilícito perpetrado repercute na potencialização

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da repulsa e indignação da consciência coletiva, merecendo sensível valoração judicial.

Por fim, outro critério a ser abalizado é a condição socioeconômica dos


réus, sobretudo do requerido ************************. Além de exercer a medicina e ser
sócio-proprietário do HOSPITAL **********, é de conhecimento público que o requerido é
proprietário de terras, o que denota elevada condição socioeconômica.

Assim, com supedâneo nestes parâmetros norteadores, valorando a extensão


do dano moral coletivo externado, e prezando pela razoabilidade, o Ministério Público
entende prudente a fixação do valor mínimo de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais),
a título de indenização pelo dano moral malferido à coletividade, a ser pago solidariamente
pelos requeridos.

VI. Da tutela de urgência – indisponibilidade de bens

Com a finalidade de garantir a satisfação de futura execução, e preenchidos


os requisitos para a concessão da tutela de urgência (fumus boni iuris e o periculum in mora –

7 https://globoplay.globo.com/v/9486950/
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no caso presumido), como acima referido, busca-se a garantia da satisfação futura dos danos
morais coletivos.

A indisponibilidade de bens deve recair sobre o patrimônio dos requeridos,


de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento pelo ilícito civil praticado, com
preferência de valores monetários em conta-corrente.

O que se pretende com a indisponibilidade de bens é assegurar que haja o


futuro ressarcimento da coletividade, diante do risco de que, no futuro, não sejam mais
localizados bens garantidores de uma execução tendente ao ressarcimento à coletividade
(periculum in mora), fazendo-se necessário e imperioso o deferimento de tal medida cautelar.

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Cumpre destacar que o deferimento de tal medida cautelar não trará dano
algum aos demandados, uma vez que tal medida acautelatória apenas inviabilizará a
disponibilidade, alienação e dilapidação do patrimônio, para garantir futura execução. Trata-
se, pois, de medida constritiva de natureza preventiva.

Ressalte-se que, conforme firme posição jurisprudencial atual, para a


decretação de tal medida, não mais se exige prova da dilapidação patrimonial, posto que, em
havendo plena disposição, por parte do demandado, sobre esses bens, é inerente que poderá
deles se desfazer a qualquer momento, comprometendo a reparação civil.

VII. Do pedido

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ


requer:

a) o recebimento desta petição inicial, determinando-se o processamento da


presente ação civil pública de reparação de dano moral coletivo.

b) liminarmente, a decretação da indisponibilidade dos valores e bens,


imóveis e móveis (sendo estes veículos automotores) de propriedade dos requeridos, de modo
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a garantir o pagamento de reparação de danos morais coletivos, em valor não inferior a R$


150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

Para eficácia da indisponibilidade de bens, sejam determinadas, ainda, as


seguintes medidas:

b.1) A expedição de ordem de indisponibilidade de todos os bens imóveis


existentes em nome dos requeridos HOSPITAL ********************************** e
************************, cadastrando-se a indisponibilidade na Central Nacional de
Indisponibilidade de Bens – CNIB, por meio do endereço eletrônico:
http://www.indisponibilidade.org.br, consoante Provimento n.º 39/2014 da Corregedoria
Nacional de Justiça e Ordem de Serviço n.º 39/2015, da Corregedoria de Justiça do Paraná,

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sem prejuízo da expedição de comunicação, diretamente, ao Oficial de Registro de Imóveis
desta Comarca (ou outra onde esteja registrado o bem) para a averbação da indisponibilidade
de imóvel até o limite de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) (§1.º do art. 2.º do
Provimento n.º 39/2014-CNJ), determinando-se que se dê cumprimento à ordem, no âmbito
de suas atribuições (artigo 167, inciso II, alínea 11 da Lei n. 6.015/1973);

b.2) A determinação do bloqueio, pelo Sistema BACENJUD, de todos e


quaisquer ativos financeiros dos Requeridos, passíveis de constrição judicial, até o limite dos
valores acima especificado;

b.3) A expedição de ofício ao Banco Central do Brasil, solicitando-se


informações a respeito da existência de valores aplicados pelos Requeridos em Fundos de
Investimento (não abrangidos pelo Sistema BACENJUD), para bloqueio de numerários
aplicados;

b.4) A determinação de bloqueio, pelo Sistema RENAJUD, de quaisquer


veículos automotores existentes em nome dos Requeridos;

b.5) A realização de consulta à última declaração do imposto de renda do


Requerido ************************, CPF sob n. 809.285.959-00, pelo Sistema
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INFOJUD, a fim de se identificar outros bens que possam estar sujeitos à indisponibilidade (a
exemplo dos registrados em nome de cônjuge do Requerido pessoa física);

b.6) Havendo constrição de bens imóveis, móveis ou semoventes, seja


determinada a avaliação deles para análise acerca da necessidade (ou não) de se buscar outros
bens ou liberar o(s) que eventualmente exceder(em) ao dano até então apurado;

b.7) A liberação para o Requerido dos bens que se mostrarem excessivos


para o ressarcimento dos danos, a fim de se evitar qualquer constrangimento;

c) a citação dos requeridos para contestar a presente ação no prazo legal,


sob pena de revelia, nos termos do artigo 344 do Código de Processo Civil.

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d) A produção de todas as provas admitidas em direito, especialmente
inquirição de testemunhas, juntada de documentos e exames periciais que se fizerem
necessários.

e) no mérito, a procedência integral do pedido a fim de condenar os


requeridos HOSPITAL ********************************** e
************************, solidariamente, ao pagamento de indenização por dano moral
coletivo no valor mínimo de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a ser revertido ao
Fundo Municipal de Saúde de Paraíso do Norte.

f) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, nos


termos do artigo 18 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública);

g) A condenação dos requeridos ao pagamento das despesas processuais e


verbas honorárias de sucumbência, cujo recolhimento deve ser determinado que seja feito ao
“Fundo Especial do Ministério Público”, criado pela Lei Estadual nº 12.241, de 28 de junho
de 1.998, nos termos do artigo 118, inciso II, alínea “a”, parte final, da Constituição do
Estado do Paraná.

h) A intimação pessoal do Ministério Público de todos os atos do processo.


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Atribui-se à causa, apenas para efeitos fiscais, o valor de R$ 150.000,00


(cento e cinquenta mil reais), tendo em vista o inestimável valor à vida com saúde e
dignidade.

Paraíso do Norte, 18 de maio de 2022.

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Promotor de Justiça

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