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DOI: https://dx.doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n67.p55-74
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo dialogar acerca das práticas pedagógicas
dos professores da etnia Potiguara que atuam na modalidade da Educação de
Jovens e Adultos (EJA), no estado da Paraíba, e como essas práticas contribuem
para o fortalecimento da cultura indígena. Para tanto, nos baseamos em
autores que problematizam e refletem sobre a Educação de Jovens e Adultos,
tais como Machado (2009) e Silva (2011); sobre a Educação Escolar Indígena,
como Barcellos (2012), Munduruku (2009) e Palitot (2017); e no tocante às
discussões do campo das práticas pedagógicas, a exemplo de Bonin (2012),
Candau (2014) e Freire (1996), entre outros. De abordagem qualitativa, os dados
foram gerados por meio de entrevistas semiestruturadas com os professores
indígenas da etnia Potiguara que ministram os componentes curriculares
específicos à EJA indígena: Etno-história, Arte e Cultura e Língua Tupi, assim
como pelo diário de campo. Estes dados foram analisados sob as lentes da
Análise Crítica do Discurso de Fairclough (2016). Como resultado identificamos
que a educação contextualizada, o protagonismo indígena, a participação, a
criticidade, a organização e o diálogo são elementos presentes e potentes nas
práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores indígenas nos territórios
Potiguara. A conclusão que obtivemos é que tais práticas precisam ser assumidas
por todos os professores dos demais componentes curriculares, como dispositivo
para o fortalecimento da cultura dessa etnia.
Palavras-chave: educação de jovens e adultos; educação escolar indígena;
práticas pedagógicas.
ABSTRACT
PEDAGOGICAL PRACTICES IN THE EDUCATION OF YOUTH AND
ADULTS PARAÍBA’S POTIGUARA
This article aims to discuss the pedagogical practices of teachers of the Potiguara
* Doutora em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora da Educação Básica nos municípios de Ca-
bedelo e Capim, João Pessoa-Paraíba, Brasil. E-mail: aldasilvalopes@hotmail.com
** Doutor em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor na Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). João Pessoa-Paraíba, Brasil. E-mail: eduardojorgels@gmail.com
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Práticas pedagógicas na educação de jovens e adultos potiguara da Paraíba
ethnicity who work in the Youth and Adult Education (EJA) modality in the state
of Paraíba, and how these practices contribute to the strengthening of indigenous
culture. To do so, we base ourselves on authors who problematize and reflect
on Youth and Adult Education, such as Machado (2009) and Silva (2011); on
Indigenous School Education, such as Barcellos (2012), Munduruku (2009)
and Palitot (2017); and with regard to discussions in the field of pedagogical
practices, such as Bonin (2012), Candau (2014) and Freire (1996), among
others. From a qualitative approach, the data were generated through semi-
structured interviews with indigenous teachers of the Potiguara ethnicity who
teach the specific curricular components to indigenous EJA: Ethno-history,
Art and Culture and Tupi Language, as well as the field diary. These data were
analyzed through the lens of Fairclough’s Critical Discourse Analysis (2016). As
a result, we identified that contextualized education, indigenous protagonism,
participation, criticality, organization and dialogue are present and powerful
elements in the pedagogical practices developed by indigenous teachers in
Potiguara territories. The conclusion we obtained is that such practices need
to be assumed by all teachers of the other curricular components, as a device
for strengthening the culture of this ethnic group.
Keywords: youth and adult education; indigenous school education; pedagogical
practices
RESUMEN
PRÁCTICAS PEDAGÓGICAS EN LA EDUCACIÓN DE JÓVENES Y
ADULTOS POTIGUARA DA PARAÍBA
Este artículo tiene como objetivo discutir las prácticas pedagógicas de los
profesores de la etnia potiguara que actúan en la modalidad de Educación de
Jóvenes y Adultos (EJA) en el estado de Paraíba, y cómo estas prácticas contribuyen
para el fortalecimiento de la cultura indígena. Para eso, nos apoyamos en autores
que problematizan y reflexionan sobre la Educación de Jóvenes y Adultos, a
ejemplo de Machado (2009) y Silva (2011); sobre la Educación Escolar Indígena,
como Barcellos (2012), Munduruku (2009) y Palitot (2017); y con respecto a las
discusiones en el campo de las prácticas pedagógicas, como Bonin (2012), Candau
(2014) y Freire (1996), entre otros. Desde un enfoque cualitativo, los datos fueron
generados a través de entrevistas semiestructuradas a docentes indígenas de la
etnia Potiguara que imparten los componentes curriculares específicos em la
educación de jovens y adultos indígenas: Etnohistoria, Arte y Cultura y Lengua
Tupi, así como el diario de campo. Estos datos se analizaron a través de la lente del
Análisis Crítico del Discurso de Fairclough (2016). Como resultado identificamos
que la educación contextualizada, el protagonismo indígena, la participación, la
criticidad, la organización y el diálogo están presentes y son elementos potentes
en las prácticas pedagógicas que desarrollan los docentes indígenas en los
territorios potiguara. La conclusión que obtuvimos es que tales prácticas deben
ser asumidas por todos los docentes de los demás componentes curriculares,
como un dispositivo para el fortalecimiento de la cultura de esta etnia.
Palabras clave: educación de jóvenes y adultos; educación escolar indígena;
prácticas pedagógicas.
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Maria Alda Tranquilino da Silva; Eduardo Jorge Lopes da Silva
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Práticas pedagógicas na educação de jovens e adultos potiguara da Paraíba
postura e um trabalho adequado e responsável. O lócus da nossa pesquisa foi o litoral norte
Devem estar comprometidos em desenvolver da Paraíba, onde vive, há mais de 500 anos, a
o processo de ensino-aprendizagem não como etnia Potiguara em 32 aldeias nos municípios
únicos detentores de conhecimentos, mas como
de Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição, os
articuladores, facilitadores, intervindo, orien-
tando, problematizando, sem desconsiderar a quais possuem escolas no território, gestores
atitude de curiosidade dos diversos alunos para e docentes indígenas.
os novos conhecimentos. A escola indígena deve Para o tratamento dos dados, optamos por
ser espaço de pesquisa e de produção de conhe- escolher os princípios metodológicos da Análi-
cimentos e de reflexão crítica por parte de todos se Crítica do Discurso apresentada, inspirados
os que participam dela. (BRASIL, 1998, p. 43). em Norman Fairclough (2016), por ser uma téc-
Logo, nesse discurso, notamos uma preocu- nica que busca analisar criticamente qualquer
pação com uma prática docente comprometida, discurso presente na sociedade, além de ser
problematizadora e emancipatória, capaz de uma ferramenta de leitura crítica do mundo.
promover nos estudantes indígenas atitudes de Sobre a categoria central trabalhada nas
curiosidade para novos conhecimentos, como análises, utilizamos a interdiscursividade, a
também a promoção do diálogo, da participa- qual possibilitou observar como os discursos
ção e do protagonismo, possibilitando que os dos professores indígenas da EJA articulam-se
estudantes realizem a leitura de mudo, bem com diversos discursos postos em documentos
como um olhar crítico da sociedade onde se e dispositivos legais.
encontram inseridos. Os colaboradores da pesquisa foram nove
O presente estudo, de natureza qualitativa, professores indígenas Potiguara que atuam
teve por objetivo analisar os elementos discur- na modalidade em foco: duas mulheres e sete
sivos identificados nas práticas pedagógicas homens. As entrevistas foram realizadas no pri-
discursivas de professores indígenas da EJA meiro semestre de 2021. Quanto à formação e
que contribuem para o fortalecimento da cul- ao tempo de atuação na área educacional, essas
tura Potiguara. informações são apresentadas no Quadro 1.
Superior
Arte e cultura Aroeira 45 Masculino intercultural 3 anos 3 anos
Rio Tinto História
Cursando
Língua Tupi Arruda 40 Masculino Licenciatura 5 anos 4 anos
em Letras
Masculino Licenciatura
Etno-história Babosa 41 5 anos 3 anos
História
Licenciatura
Arte e cultura Carnaúba 37 Masculino 2 anos 2 anos
em Artes
Marcação
Superior
Língua Tupi Guajiru 47 Masculino intercultural 4 anos 4 anos
em Letras
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Maria Alda Tranquilino da Silva; Eduardo Jorge Lopes da Silva
Superior
Etno-história Goiabeira 42 Masculino intercultural 10 anos 8 anos
em História
Superior
Arte e cultura Jenipapo 43 intercultural 4 anos 4 anos
Baía da Feminino
em Letras
Traição
Cursando
o ensino
Língua Tupi Jatobá 30 Feminino superior 3 anos 3 anos
em
Matemática
Fonte: Elaborado pela autora deste artigo com base em dados da pesquisa.
* Para preservar o anonimato dos nossos entrevistados, os professores indígenas da EJA, utilizamos o nome das plantas me-
dicinais para representar cada um deles por compreender que elas fazem parte da cultura indígena.
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(2009, p. 18) enfatiza que é de fundamental movimentos sociais, entre eles o indígena, ini-
importância
ciam um processo de retomada dos territórios
[...] não reduzir a EJA a escolarização; ao con- na defesa da terra e de outros bens sociais, a
trário, é fundamental que se reconheça que a exemplo da educação, como ressalta Melatti
luta pelo direito à educação implica, além do (2007). O movimento social indígena traz
acesso à escola, a produção do conhecimento como contribuição e desafio a gestação de um
que se dá no mundo da cultura do trabalho e novo modelo de educação, não mais com uma
nos diversos espaços de convívio social, em
que jovens e adultos seguem constituindo-se
prática pedagógica integracionista com viés
como sujeitos. colonizador, mas que atenda às especificidades
dos sujeitos em uma perspectiva intercultural,
Concordamos com Machado (2009), a partir dialógica, emancipatória e democrática.
de cujas reflexões refletimos que a EJA ofertada
Nesse processo de luta e organização, é
à população indígena não deve reduzir-se ape-
importante destacar o decreto n. 6.861/2009
nas ao processo de escolarização. As práticas
(BRASIL, 2009), que dispõe sobre a Educação
pedagógicas devem considerar a diversidade
Escolar Indígena e define sua organização em
presente neste público, de modo que sejam
territórios etnoeducacionais; esse documento
considerados nos processos educacionais seus
é uma conquista da população indígena no
interesses e saberes.
campo educacional. O decreto supracitado
Na história do Brasil, as primeiras expe-
apresenta de forma sistematizada os obje-
riências educacionais ofertadas à população
tivos da Educação Escolar Indígena, a qual
indígena apontam para práticas pedagógicas
deve ser organizada com a participação dos
marcadas por um processo de dominação,
povos indígenas respeitando as necessidades
violência e negação, conforme afirma Saviani
e especificidades.
(2013, p. 29): “a educação foi marcada por
práticas de aculturação, isto é, a inculcação O Decreto nº 6.861/2009 (BRASIL, 2009),
nos colonizados das práticas, técnicas, sím- ao trazer no artigo 1º a importância da parti-
bolos e valores próprios dos colonizadores.” cipação das populações indígenas no processo
Essa repressão foi imposta por meio de um de organização da Educação ofertada às etnias
discurso e uma prática tradicional e autoritá- e o reconhecimento das especificidades desse
ria a qual considerava a cultura de referência público, traz à tona a necessidade de que seja
entendida como única com legitimidade, para pensada um Educação diferenciada para esse
ser transmitida pela escola, responsável, por público, que só será possível com a efetivação
muito tempo, pelo silenciamento da cultura e de práticas pedagógicas que considerem os
da história indígena. sujeitos como protagonistas do processo de
Ao refletirmos sobre as práticas pedagógicas ensino e aprendizagem.
na EJA voltadas para a população indígena, é Ainda no campo das conquistas, trazemos a
importante destacar quais são as práticas a que Lei nº 11.645/08 (BRASIL, 2008), que alterou
estamos nos referindo, que discursos podem a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
ser observados no tocante à educação no que estabeleceu a inclusão no currículo oficial da
tange ao jovem e ao adulto indígena. Esses rede de ensino a obrigatoriedade da temática
questionamentos fazem parte do cotidiano História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena em
que permeia o espaço escolar e são elementos todo território nacional (BRASIL, 1996). Tais
pertinentes para serem refletidos quando pen- alterações nas leis educacionais foram resul-
samos a Educação de Jovens e Adultos ofertada tado de um longo e constante movimento de
à população indígena. mobilização dos professores indígenas, o que
Cabe-nos lembrar que, somente a partir vai reverberar em novas políticas educacionais
de 1980, no contexto de luta e resistência, os para os povos indígenas que, aos poucos, vão
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Maria Alda Tranquilino da Silva; Eduardo Jorge Lopes da Silva
substituindo práticas tradicionais que ao longo econômica, cognitiva e cultural assim como da
da história foram ofertadas à população indíge- construção de relações igualitárias entre grupos
na com o objetivo de colonizar e eliminar essa socioculturais e da democratização da socieda-
de, através de políticas que articulam direitos
população do território brasileiro. da igualdade e da diferença.
Para Candau (2011), a cultura dominante,
por muito tempo, defendeu e ainda defende À luz da reflexão de Candau (2014), pode-
práticas pedagógicas hegemônicas que legi- mos inferir que a Educação Intercultural é uma
timam o silenciamento e tentam padronizar educação que acolhe a diferença enquanto
a educação. Essas ações trazem como con- riqueza, que procura promover um diálogo
sequência a perda de dialéticos, de saberes de respeito entre a diversidade presente no
ancestrais, de crenças e valores culturais. espaço escolar na direção da construção de
A realidade descrita por essa autora acon- relações de igualdade e respeito na sociedade.
teceu com as diversas etnias indígenas no Ao refletirmos acerca das práticas pedagógicas
Brasil, inclusive com os Potiguara na Paraíba. A na EJA indígena com sujeitos que possuem uma
imposição de práticas pedagógicas tradicionais cultura diferente, torna-se de fundamental
impostas no Vale do Mamanguape por meio das importância pensar em práticas pedagógicas
escolas não indígenas foi responsável também que contemplem no fazer pedagógico uma
pelo apagamento e esquecimento da língua educação em uma perspectiva intercultural.
materna, o Tupi, bem como de outros costumes, A educação em uma perspectiva intercul-
crenças e tradições presentes na cultura indí- tural é aquela que promove o diálogo entre os
gena, que foram sendo esquecidos, apagados, diferentes sujeitos e os saberes trazidos por
silenciados e perdidos (PALITOT, 2005). eles. Nessa direção, as práticas pedagógicas
Nesse contexto, pensar as práticas pedagó- na EJA, em uma perspectiva intercultural,
gicas na modalidade da EJA para os indígenas têm como desafio proporcionar o diálogo e o
significa pensar na diversidade. Segundo respeito entre os saberes, bem como valorizar
Candau (2011), essa discussão não é recen- e acolher as diferenças dos sujeitos que dela
te: diversos grupos, entidades e movimentos fazem parte, de modo que a diferença não
sociais buscam mecanismos para trabalhar as proporcione desigualdade e exclusão, como
diferenças no espaço escolar. O reconhecimen- ressalta Santos (1993).
to dessas diferenças traz à tona a necessidade Em se tratando da EJA indígena, as práticas
de que sejam pensadas práticas pedagógicas pedagógicas na direção da interculturalidade
interculturais. buscam articular os saberes indígenas aos sa-
Consideramos a dimensão cultural como um beres não indígenas sistematizados pela socie-
elemento de fundamental importância no pro- dade brasileira, de modo que os conhecimentos
cesso ensino-aprendizagem para os jovens e culturais sejam reconhecidos e valorizados
adultos indígenas, de modo que as práticas pe- como conhecimentos válidos, os quais devem
dagógicas sejam pensadas em uma perspectiva ser tratados em condição de igualdade com os
que contemple a especificidade desses sujeitos. conhecimentos não indígenas.
Quanto a isso, trazemos as reflexões de Candau A ausência de práticas pedagógicas que
(2014, p. 1) acerca da Educação Intercultural, contemplem, em seu fazer pedagógico, a inter-
que apresentam a seguinte contribuição: culturalidade apresenta algumas implicações
nos estudantes negros, indígenas, LGBTQIA+,
A Educação Intercultural parte da afirmação
ribeirinhos, populações do campo, entre outros
da diferença como riqueza. Promove processos
sistemáticos de diálogo entre diversos sujei- grupos. Uma das implicações descritas por Can-
tos individuais e coletivos, saberes e práticas dau (2014) é o não reconhecimento e pertenci-
na perspectiva da afirmação da justiça social, mento, bem como a falta de representatividade,
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Práticas pedagógicas na educação de jovens e adultos potiguara da Paraíba
pois eles não se sentem representados nos da comunidade, formar seus próprios médicos,
livros
didáticos, tampouco nas práticas peda- advogados e professores de modo que possam
gógicas tradicionais desenvolvidas pela escola. contribuir nas lutas diárias do seu povo e
Direcionando nosso olhar para as práticas garantir os direitos, os quais diariamente são
pedagógicas, compreendemos que elas são negados e violados (BONIN, 2012).
efetivadas por uma prática docente, à luz das No próximo tópico, trazemos os discursos
reflexões de Freire (1996), que nos leva a infe- acerca dos elementos pedagógicos presentes
rir a existência de duas práticas pedagógicas: nas práticas pedagógicas dos professores
uma delas é a que promove uma educação indígenas na EJA no litoral norte, no chão da
libertadora, problematizadora, questionadora escola indígena, de modo que será possível
e crítica; a outra é a prática docente bancária, perceber como elas acontecem no cotidiano
que enxerga o estudante como um ser sem luz, na modalidade em tela.
o qual não possui saberes, tendo o professor a
função de transmitir conhecimento por meio de
Os elementos pedagógicos na
conteúdos presentes em um programa, caben-
do-lhe o papel de despejar na cabeça dos estu- prática dos professores da eja
dantes informações para que possam adquirir no fortalecimento da cultura
habilidades necessárias para a sua faixa etária
de maneira mecânica e rápida, com o objetivo
potiguara no chão da escola
de aprender em um período estabelecido, não As práticas pedagógicas na Educação Escolar
importando como essa aprendizagem acontece. Indígena na modalidade da EJA apresentam-se
Diante do exposto, defendemos práticas como um elemento importante, de resistência
pedagógicas ofertadas à população indíge- e empoderamento quando pensamos em um
na na EJA que valorizem os conhecimento e coletivo que pertence a uma cultura diferente
saberes trazidos pelos estudantes, de modo que, por muito tempo, esteve à margem dos
que sejam ampliados e somados aos saberes e processos educacionais, gerando sentimentos
experiências do professor de forma dialética, e posturas de vergonha e silenciamento da sua
considerando o contexto social, político, cul- cultura, ao passo que novas práticas pedagó-
tural e ideológico em que estão inseridos os gicas vão sendo inseridas e trabalhadas nas
estudantes, seu ritmo de aprendizagem e sua escolas na modalidade da EJA pelos docentes
forma de aprender, de modo que as práticas da etnia. Diante disso, os estudantes passam a
pedagógicas possam contribuir com a eman- expressar sentimento de orgulho, participação,
cipação dos sujeitos e sua leitura de mundo criticidade, conscientização, diálogo, pertenci-
(FREIRE, 1996). mento e protagonismo sobre a cultura indígena
As práticas pedagógicas que defendemos Potiguara.
nesta pesquisa possui um víeis popular, Essas mudanças materializam-se em discur-
emancipatório, inspirado nos pressupostos da sos e atitudes dos jovens e adultos indígenas
educação popular que busca a emancipação na modalidade em tela, que, gradualmente, vão
dos sujeitos. Tais concepções são possíveis sendo percebidas pelos professores, resulta-
de serem observadas também na Educação do do trabalho que vem sendo realizado pela
Escolar Indígena, a qual traz como orientação escola mediante as práticas pedagógicas dos
uma Educação que vai além do processo de professores Potiguara sobre a cultura indígena
escolarização e decodificação de símbolos de valorização e respeito na perspectiva de uma
linguísticos. Para os povos indígenas, a Escola, mudança social.
através da Educação, tem o papel de formar Nas práticas pedagógicas dos professores
guerreiros para ler um documento a serviço é possível observar os seguintes elementos
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Práticas pedagógicas na educação de jovens e adultos potiguara da Paraíba
materna é apontado por eles como uma mu- A principal mudança é a consciência na escola
dança
social. indígena você sabe que é vivenciada a cultura
Nesse contexto, o ensino da língua Tupi indígena então quando os estudantes entram
nela já sabe que ele vai ter um currículo diferen-
contextualizada com a vida dos indígenas, ciado, também sabe que nela tem as atividades
como nos lembra Freire (1996, p. 14), “é muito sobre a cultura que é um dos critérios para per-
mais que formar, é muito mais que puramente manecer, é participar desses eventos culturais,
treinar o educando no desempenho de destre- esses momentos de vivências que são realizados
zas”, de modo que aprender o Tupi não é ape- na escola realmente fortalecem nossa cultura,
nas treinar um idioma, ser fluente e bilíngue. nossa identidade cultural. (GOIABEIRA, 2021,
grifo nosso).6
Essa língua tem todo um significado étnico
para os indígenas Potiguara da Paraíba, que, Como podemos observar nas práticas dis-
gradualmente, vem sendo recuperado pelos cursivas desses professores, ambos destacam
professores indígenas por meio de suas práti- a “participação” como um elemento pedagógico
cas pedagógicas de fortalecimento da cultura, importante que contribui para uma mudança
tendo em vista que as atividades realizadas tra- de postura do jovem e do adulto indígenas. Par-
zem discursos pedagógicos de reforço positivo ticipar da Escola Indígena e das atividades pro-
da língua, enquanto um bem social coletivo. postas por ela na modalidade da EJA, a partir
Outros elementos pedagógicos apontados de um currículo diferenciado que contemple os
dizem respeito à participação, criticidade e elementos da cultura Potiguara, com práticas
conscientização. Vejamos o que diz a prática pedagógicas de incentivo à cultura, possibilita
discursiva dos professores indígenas sobre que esses jovens e adultos se reconheçam en-
essa questão. quanto indígenas pertencentes a uma etnia,
com posturas participativas frente à cultura
Participação, criticidade e da qual fazem parte.
conscientização Sobre a participação, trazemos as reflexões
Nos discursos dos professores Alecrim e de Freire (1991, p. 75), que apresenta o seguin-
Goiabeira, é possível identificar, mediante as te entendimento:
práticas, dois elementos pedagógicos – a parti- [...] a participação não pode ser reduzida a uma
cipação e a criticidade –, os quais contribuem pura colaboração que setores populacionais de-
para fomentar as atividades realizadas nas vessem e pudessem dar à administração pública.
[...] Implica, por parte das classes populares, um
escolas indígenas: ‘estar presente na História e não simplesmente
Alguns alunos tinham um comportamento mais nela estar representadas’. Implica a participação
de vergonha e hoje você percebe um outra po- política das classes populares através de suas
sição relacionada a cultura indígena pelo fato representações ao nível das opções, das decisões
de estar participando da Escola Indígena e e não só do fazer o já programado.
das atividades de fortalecimento a cultura,
a gente incentiva muito essa participação, é À luz das reflexões de Freire (1991), po-
importante mostrar a eles nossa história, dos demos inferir que a participação vai além da
indígenas Potiguara; a importância do indígena colaboração da representação, acontecendo
na história do Brasil. Hoje você percebe alguma quando as camadas populares se apropriam
mudança no comportamento deles, de se orgu- de sua história enquanto sujeitos de direitos
lharem; você percebe ainda que eles ainda são
e conseguem exercer posturas e decisões que
tímidos mas já está bem melhor que antes, hoje
eles já participam um pouco mais. Os livros rompem paradigmas estabelecidos que não
trazem o indígena no passado e nós professores correspondem a suas realidades. É possível
tentamos mudar essa história. (ALECRIM, 2021, observar essa participação na população indí-
grifo nosso).5
6 Entrevista realizada na Baía da Traição em 21 de maio de
5 Entrevista realizada em Rio Tinto em 12 de maio de 2021. 2021.
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gena Potiguara, a qual, por meio de suas lutas consegue promover uma educação voltada ao
e organizações diárias, vem ressignificando a citado público não mais com viés de imposição
escola enquanto instituição e seu papel social, e alienação, mas na direção da criticidade do
como é possível observar na prática discursiva respeito às diferenças, da autonomia dos sujei-
de Santos e Silva (2021, p. 107): tos e do seu protagonismo.
Embora reconhecidos os esforços federal e Na Escola Indígena na modalidade da EJA,
estadual respaldados por leis, a movimentação a partir das práticas discursivas, é possível
das políticas públicas para colocar os ambientes perceber uma preocupação com o elemento
escolares a serviço dos interesses e necessi- da participação na modalidade nas atividades
dades dos povos indígenas, acontecem muitas realizadas, bem como na construção do conhe-
vezes, por iniciativas pensadas e executadas pela cimento. Existe um esforço em realizar ativi-
própria comunidade indígena, por meio de suas dades contextualizadas com a realidade dos
diversas representações, principalmente, pelos
estudantes, como já foi mencionado por outros
próprios professores indígenas, a exemplo da
comunidade Potiguara, no estado da Paraíba,
professores. Essas estratégias metodológicas
resultando, portanto, em atividades concretas contribuem no processo de participação, visto
de transformação a favor da educação escolar que as atividades realizadas nas práticas peda-
indígena, ao ponto de traduzir e expandir uma gógicas, por contemplarem a realidade desses
educação escolar autêntica e diferenciada, res- sujeitos, tornam-se significativas e atrativas,
peitando as especificidades socioculturais de o que contribui para uma maior participação
cada povo. dos estudantes.
Nos processos educacionais, a participação O professor Alecrim (2021) ainda men-
pensada e executada pela população indígena ciona, na sua prática discursiva, as mudanças
é de fundamental importância quando se pen- percebidas no livro didático acerca da cultura
sa em uma Educação Escolar Indígena na EJA, indígena. Segundo ele, a maioria dos livros traz
numa perspectiva emancipatória e cidadã, na esses coletivos utilizando verbos no passado,
qual os próprios sujeitos exerçam o papel de deixando claro o lugar que ocupam os indíge-
gestores, professores e legisladores das polí- nas no cenário educacional brasileiro.
ticas educacionais destinadas às populações No entanto, é necessário destacar que
indígenas, na direção da construção de uma esse discurso faz emergir outro elemento
educação que contemple, nos processos peda- pedagógico presente nas práticas pedagógi-
gógicos, a diversidade presente neste coletivo, cas: a criticidade dos sujeitos, mencionada
bem como os valores e saberes presentes nas também pelo professor Goiabeira (2021), ao
diversas etnias espalhadas pelo Brasil. destacar a mudança de consciência que a es-
A partir das contribuições de Freire (1991) cola indígena proporciona. Essa mudança diz
e de Santos e Silva (2021), podemos inferir que respeito à não aceitação do lugar que sempre
a participação é um elemento indispensável foi delegado por alguns setores da sociedade
para uma prática pedagógica progressista, brasileira de invisibilidade desses sujeitos.
especialmente na EJA indígena, pois possibi- Cada vez mais, é visível um movimento de
lita aos sujeitos inseridos no processo ensino luta e resistência, com avanços e limites por
-aprendizagem o exercício e o direito da fala, espaços garantidos por lei, que nem sempre
de interagir, intervir, sugerir e expressar seus são respeitados e ocupados pelos indígenas,
posicionamentos, elementos de fundamental sendo necessário um olhar crítico da realidade
importância no processo pedagógico na for- e uma mudança de consciência ingênua para
mação de cidadãos. Em se tratando do jovem e uma consciência crítica, como nos lembra
do adulto indígenas, é de extrema importância Freire (1996), para se poder avançar na ga-
esse elemento na prática pedagógica, o qual rantia dos direitos.
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Maria Alda Tranquilino da Silva; Eduardo Jorge Lopes da Silva
defender sua recuperação enquanto um bem dalidade da EJA: “faça o que mando e não faça o
cultural. que eu faço, quem pensa certo está cansado de
No contexto das práticas, menciona-se, ain- saber que as palavras a que falta a corporeidade
da, o elemento pedagógico da teoria articulada do exemplo pouco ou quase nada vale” (FREI-
à prática, a qual Freire (1996) vai denominar RE, 1996, p. 34). Portanto, à luz das reflexões
de corporificação das palavras pelo exemplo. de Freire (1996), podemos inferir que se uma
Vejamos, a seguir, os discursos dos professores prática discursiva na EJA indígena for vazia de
sobre essa questão. significado (com o professor incentivando o
estudante da modalidade a praticar a cultura,
Corporificação das palavras pelo mas não participando), dificilmente alcançará
exemplo e organização os objetivos de aprendizagem.
Outro elemento pedagógico que podemos As práticas pedagógicas dos professores
destacar nas práticas pedagógicas dos pro- indígenas na EJA, pensadas na direção do for-
fessores da EJA indígena de fortalecimento à talecimento da cultura Potiguara, incluem a
cultura indígena Potiguara é a “corporificação participação desses sujeitos nos processos e
das palavras pelo exemplo”, ressaltada também eventos de fortalecimento da cultura, podendo
por Freire (1996). Vejamos o que está posto no ser um espaço de potencialização, motivação
discurso da professora indígena Jatobá sobre e envolvimento dos estudantes com a cultura
essa questão e quais mudanças sociais podem local.
ser perceptíveis: A partir da participação dos docentes nesses
O professor indígena nesse processo é muito espaços, é possível que os estudantes passem
importante, mas nós precisamos ficar atento a enxergar a cultura como algo positivo, con-
como a história do professor ensina o estudante siderando que o docente, em muitos casos, é
a fazer, mas ele mesmo não vive. Como eu posso alguém de referência e respeitado pelos estu-
ensinar o meu estudante a entrar numa roda
dantes. Com a sua prática discursiva de forta-
de Toré, se eu mesma não entro? Como eu
ensino meu estudante a usar um cocar, se lecimento à cultura indígena aliada à prática
eu tenho vergonha de usar o meu? Balançar pedagógica e a sua vivência, o professor pode
uma Maracá, se eu não tenho uma? Todas ser um elemento potente nesse processo de
as disciplinas específicas entram no currículo valorização da cultura Potiguara, sendo impor-
como um divisor de águas. (JATOBÁ, 2021, tante ressaltar que as práticas pedagógicas na
grifo nosso).10
EJA indígena, quando nos referimos à cultura,
Na prática discursiva da professora Jatobá, não podem ser pensadas apenas na perspectiva
ela destaca um ponto que ainda não foi mencio- da transmissão de conhecimento, elas precisam
nado pelos demais colegas, que diz respeito à ser vivenciadas.
teoria relacionada à prática, ou seja, o ensino da Segundo Munduruku (2009, p. 22), “o pro-
temática da cultura indígena Potiguara media- fessor desempenha um papel fundamental, por
do pela vivência do professor. Não basta apenas ser o mediador do conhecimento”. Portanto,
ensinar os estudantes acerca da importância cabe-lhe, como facilitador do processo de
de praticar a cultura indígena, é necessário o ensino-aprendizagem, desenvolver práticas
professor vivenciá-la, ser agente multiplicador. pedagógicas que sejam promotoras de saberes
Na tradição indígena, aprender pelo exem- e referenciais positivos sobre a cultura indígena
plo é algo muito particular da cultura. Ouvir, Potiguara, bem como desenvolver referências
observar e sentir, portanto, não cabem na prá- positivas sobre outras culturas, para que sejam
tica pedagógica do professor indígena na mo- rompidas imagens discriminatórias e precon-
ceituosas que são construídas em relação à
10 Entrevista realizada na Baía da Traição em 20 de maio de
2021. cultura do outro.
Rev. FAEEBA – Ed. e Contemp., Salvador, v. 31, n. 67, p. 55-74, jul./set. 2022 67
Práticas pedagógicas na educação de jovens e adultos potiguara da Paraíba
No discurso, a professora Jatobá utiliza a atividades então a mudança está justamente aí,
expressão
“divisor de águas” ao mencionar a a conscientização do que é ser indígena e tra-
inclusão dos componentes específicos no cur- balhar com essas questões na escola é de suma
importância. (AROEIRA, 2021, grifo nosso).11
rículo e no fortalecimento da cultura indígena
Potiguara. O uso da metáfora denota uma se- Na aldeia São Francisco quando eu trabalhava
lá, nós tínhamos dias de juntar todo mundo
paração, uma divisão, levando o leitor a refletir
no pátio da escola e a comunidade participava
que existia um modelo de educação ofertada também do ritual do Toré. Graças a Deus, o PPP
à população indígena antes da inclusão dos nos dá autonomia para realizar atividades
componentes no currículo e que hoje, após a que venham fortalecer nossa cultura. Então
inclusão, a escola possui outra configuração, essa questão vai fazendo parte da rotina da es-
que possibilita práticas pedagógicas de valori- cola e do estudante, dessa forma é trabalhado
as temáticas indígenas, essas atividades vêm
zação, respeito e fortalecimento da cultura in-
fortalecendo temos o calendário próprio
dígena no espaço escolar, considerada, segundo das atividades é uma mudança lenta, mas
Fairclough (2016), uma mudança social, a qual nós já estamos vendo a nossa cultura sendo
vem sendo observada nas escolas indígenas fortalecida aos poucos. (BABOSA, 2021, grifo
Potiguara no litoral norte da Paraíba e, con- nosso).12
sequentemente, na EJA indígena do território. Nas práticas discursivas expostas é possível
No entanto, é preciso deixar claro que as observarmos processos pedagógicos de or-
mudanças sociais apontadas pelos professores ganização educacional, pontuados pelos dois
indígenas na EJA são resultado de um processo docentes nas mudanças sociais visualizadas a
de organização que identificamos como um partir do movimento de organização da Edu-
elemento pedagógico importante presente em cação Escolar Indígena no território Potiguara
suas práticas pedagógicas discursivas, como e na modalidade da EJA.
também nas lutas e mobilizações. Por meio O professor Aroeira reconhece o papel da
da organização, é possível observar, ainda, os Educação Escolar Indígena no fortalecimento
avanços e limites que são tecidos e construídos da cultura e destaca o processo de organização
no decorrer da história desse coletivo em uma dos indígenas Potiguara na efetivação desse
perspectiva nacional e local em diversas áreas, direito. A organização da Educação Escolar
principalmente no campo da educação, como Indígena no território Potiguara, realizada
podemos observar no discurso do professor pelos professores indígenas na escola, apre-
indígena Aroeira: senta-se como um elemento pedagógico de
Sim eu costumo dizer que a educação que as es- fundamental importância no fortalecimento
colas indígenas é um pilar nesse fortalecimento da cultura. É possível observar mudanças
dessa cultura porque assim, antes de conquistar
nos discursos dos estudantes, bem como nas
o direito de ter nossas escolas indígenas a uma
educação diferenciada específica a partir de posturas e comportamentos assumidos pelos
todo uma legislação, era muito difícil quando a jovens e adultos, os quais, segundo o professor,
gente participava de um evento os jovens não apresentavam comportamentos de “vergonha e
gostavam de dançar o Toré tinham vergonha, ficavam escondidos”. Após o trabalho que vem
ficavam escondidos. A partir do fortalecimen- sendo realizado na escola indígena, passaram
to da educação escolar indígena isso começa a
assumir outras posturas, de participação e
melhorar, no início nós sentimos essa resistência
que eu falei, era muito grande, mas agora a partir
aceitação da cultura.
das atividades sobre a cultura que é realizado O professor Babosa destacou, ainda, em sua
dentro das escolas a gente sente que isso vem prática discursiva, a importância do calendá-
mudando, temos dificuldade, mas é diferente.
11 Entrevista realizada em Rio Tinto em 15 de maio de 2021.
Nós precisamos trabalhar especificamente 12 Entrevista realizada em Marcação em 10 de junho de
com um calendário específico para nossas 2021.
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Maria Alda Tranquilino da Silva; Eduardo Jorge Lopes da Silva
rio específico, que possibilita o trabalho com vivência nos âmbitos estadual e municipal. É
temáticas do cotidiano indígena. Ações assim, necessário reconhecer os avanços e conquistas
aos poucos, vão contribuindo, segundo esse alcançados pelos Potiguara no que diz respeito
professor, para que aconteçam as mudanças, à Educação, percebida na organização das es-
mesmo que lentas. colas indígenas com atividades e eventos vol-
Sobre as mudanças sociais, Fairclough tados para o fortalecimento desta cultura em
(2016) argumenta que as mudanças acontecem todas as modalidades de ensino, com práticas
na problematização de práticas tradicionais. pedagógicas de reconhecimento e incentivo
Logo, podemos inferir que, ao problematizar à cultura, o que vem mudando a realidade de
práticas tradicionais, engessadas e descon- negação e silenciamento da cultura indígena
textualizadas, vivenciadas nos calendários do antes vivenciada na região do litoral norte da
sistema de ensino e impostas às escolas, por Paraíba.
práticas pedagógicas que contemplem a rea- Após dialogarmos acerca da corporificação
lidade indígena por meio do calendário, essa das palavras pelo exemplo, evidenciando a ne-
ação vai fomentando mudanças sociais, nas cessidade da teoria aliada à prática, no próximo
quais as datas comemorativas tradicionais da tópico discutiremos a importância do diálogo
sociedade não indígena trabalhadas na escola nas práticas pedagógicas como um elemento
vão sendo substituídas por momentos signifi- importante nesse processo.
cativos vivenciados pela população Potiguara,
inseridas nos calendários escolares das Escolas
Diálogo
Indígenas de forma sistematizada. Destacamos, ainda, nas práticas pedagógicas
Sobre o elemento pedagógico organização dos professores indígenas da EJA, o elemento
presente nas escolas indígenas, retomamos o pedagógico diálogo, de fundamental impor-
discurso do professor Babosa, que ressalta a tância no processo de ensino-aprendizagem,
importância do Projeto Político Pedagógico, como nos lembra Freire (1996, p. 135): “ensi-
um documento construído coletivamente, que nar exige disponibilidade para o diálogo.” Ao
apresenta, de maneira sistematizada, as ações pensar a educação de jovens e adultos para
desenvolvidas pela escola. Consideramos qualquer público em uma perspectiva liberta-
esse documento um instrumento importante dora e no protagonismo dos sujeitos, o diálogo
para a organização da escola e das práticas é um elemento de fundamental importância no
pedagógicas por ela realizadas, bem como um processo de ensino-aprendizagem, pois possi-
espaço para a construção e a consolidação de bilita que educador e educando questionem,
sua identidade. concordem, discordem, ouçam e falem em um
Segundo esse professor, o Projeto Político movimento dinâmico e dialógico.
Pedagógico serve também para possibilitar Sobre o diálogo, vejamos como esse elemen-
autonomia nas atividades de fortalecimento to pedagógico encontra-se presente na prática
da cultura desenvolvidas no chão da escola. pedagógica dos professores indígenas da EJA:
As reflexões de Barcellos (2012, p. 95) corro- Hoje a gente percebe algumas mudanças, temos
boram essa assertiva, quando ele argumenta estudantes que ainda tem vergonha de aceitar a
que diante dos diversos desafios e das “amarras sua etnicidade, mas hoje a gente já consegue um
estaduais e municipais, as conquistas educa- resultado bacana com muita conversa, porque
cionais na área indígena vão acontecendo, e eu acho importante ouvir, eles têm muito co-
ganhos, nos últimos anos, vêm paulatinamente nhecimento, mas eu também tento mostrar
nossa realidade e a importância de valorizar o
mudando a realidade”. que é nosso para que outras pessoas não tomem
Concordamos com esse autor, apesar dos posse da nossa terra e da nossa história. Quando
desafios que a Educação Escolar Indígena você conhece a si mesmo, o grupo étnico que
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Práticas pedagógicas na educação de jovens e adultos potiguara da Paraíba
você pertence, você pode falar com mais se- gem de forma democrática e dialógica. Ainda
gurança, quando não conhece é complicado, sobre os elementos pedagógicos presentes
a educação escolar indígena ajuda nessa parte nas práticas pedagógicas na EJA, no próximo
a gente se aceitar e valorizar. (ARRUDA, 2021,
grifo nosso).13
tópico discutiremos o protagonismo indígena
na modalidade em tela. Vejamos o que os pro-
Ainda com relação ao diálogo, o professor fessores apresentam em sua prática discursiva
Arruda menciona que, na sua prática, utiliza sobre essa questão.
muito das “conversas”. Na oportunidade, ele
relatou que existe uma troca, visto que oportu- Protagonismo indígena Potiguara
niza aos estudantes participarem expressando Por último, destacamos, enquanto elemento
suas opiniões e conhecimentos, expondo tam- pedagógico, o protagonismo indígena. Nele é
bém as suas. Esse movimento realizado na prá- possível identificar algumas mudanças sociais
tica pedagógica, embora não seja mencionado,
apontadas pelos docentes. Vejamos o que o dis-
entendemos como um elemento pedagógico
curso do professor Carnaúba apresenta sobre
no qual o professor não é apenas o transmis-
essa questão:
sor do conhecimento, mas o mediador das
aprendizagens por meio do diálogo, que, ainda O Tupí vem se fortalecendo e com ele nossa cul-
tura, algumas pessoas de vez em quando me pro-
segundo esse professor, proporciona uma “fala curam querendo saber o significado de palavras,
com mais segurança”, visto que possibilita aos frases ou coisas assim... e nesse momento que
sujeitos a apropriação dos conhecimentos que eu faço questão de mostrar qual a importân-
já possuem, tendo acesso a novos. cia do Tupi. A cultura especificamente a língua
A respeito do diálogo, Freire (1993, p. 60) tem muitas mudanças, tem estudante indígena
nos lembra que: que chega da universidade todo orgulhoso em
casa contando a mãe dele como os professores
No processo da fala e da escuta a disciplina na universidade ficaram satisfeito, em saber
do silêncio a ser assumida com rigor e a seu que nós indígenas voltamos a falar o Tupi que é
tempo pelos sujeitos que falam e escutam é um nossa língua, para mim é um orgulho isso, foi
‘sine qua’ da comunicação dialógica. O primeiro uma luta nossa muito grande conseguir que
sinal de que o sujeito que fala sabe escutar é a todas as escolas indígenas ensinassem o Tupi
demonstração de sua capacidade de controlar desde a base na infância até chegar na EJA,
não só a necessidade de dizer a sua palavra, isso para os Potiguara foi uma vitória muito
que é um direito, mas também o gosto pessoal, grande. (CARNAÚBA, 2021, grifo nosso).14
profundamente respeitável, de expressá-la.
A prática discursiva do professor Carnaúba
A partir das reflexões de Freire (1993), traz o protagonismo indígena enquanto ele-
podemos inferir que o diálogo é o exercício da mento pedagógico presente nas práticas dos
fala e da escuta, à medida que, na prática peda- professores indígenas na EJA. O fortalecimento
gógica na EJA indígena, o professor, enquanto da cultura por meio do protagonismo indígena
mediador dos conhecimentos, possibilita esse é percebido não apenas nas escolas indígenas,
movimento de fala e escuta de todos os envolvi- mas também em outros espaços, como na
dos do processo ensino-aprendizagem. Assim, universidade.
o diálogo está sendo efetivado, proporcionando Esse protagonismo indígena descrito no
aprendizagens. discurso desse professor vem acompanhado
Compreendemos o diálogo como um ele- de processos de luta, resistência e organiza-
mento pedagógico de fundamental importân- ção, liderado pelos professores Potiguara, que
cia nas práticas pedagógicas, possibilitando passaram a exigir uma educação diferenciada
que estudantes e professores participem dos e, nela, a inclusão, em todas as modalidades de
processos educacionais de ensino-aprendiza-
14 Entrevista realizada na Baía da Traição em 20 de junho de
13 Entrevista realizada em Rio Tinto em 21 de maio de 2021. 2021.
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Maria Alda Tranquilino da Silva; Eduardo Jorge Lopes da Silva
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Práticas pedagógicas na educação de jovens e adultos potiguara da Paraíba
cientes e protagonistas da sua própria história. bem como um instrumento de luta por políti-
(SANTOS; SILVA, 2021, p. 110). cas públicas na melhoria da Educação Escolar
O protagonismo indígena Potiguara, pe- Indígena e na modalidade da EJA no território
dagogicamente, é materializado em ação de Potiguara.
fortalecimento à cultura, como a semana cul-
tural, que traz para a sala de aula seus rituais, Considerações finais
as tradições, a língua, a medicina tradicional, a
espiritualidade e a ancestralidade, entre outros À guisa de considerações finais, percebemos
elementos, efetivados pelos professores, que que as práticas pedagógicas tradicionalmente
fazem parte da cultura e da tradição indígenas impostas para o público indígena possuem viés
Potiguara. homogeneizador, de forte influência colonial
Nessa direção, o protagonismo indígena e dominadora, características essas de uma
Potiguara é reafirmado cotidianamente quan- educação bancária, que, por muito tempo, foi
do os indígenas recusam uma categoria de ofertada à população de jovens e de adultos
educação versada na ideia de tutela ou política indígenas.
de apagamento dotada e naturalizada pelo No entanto, as práticas pedagógicas que
Estado brasileiro e propõem outra categoria vêm sendo construídas pela população indí-
de educação, pautada na sua ancestralidade gena Potiguara no litoral norte da Paraíba, na
e cosmovisão (SILVA; SANTOS; SILVA, 2021). modalidade da EJA, são aquelas que promovem
Na EJA indígena Potiguara é possível obser- uma educação contextualizada, com fomento
varmos ações de protagonismo dos professores do protagonismo indígena, da participação, da
nas práticas pedagógicas, as quais foram pon- criticidade, da corporificação da palavra pelo
tuadas nas ações desenvolvidas nos compo- exemplo e do diálogo.
nentes específicos Etno-história, Arte e Cultura A partir dos discursos postos, percebemos
e Língua Tupi, em favor do fortalecimento da que os elementos pedagógicos citados pelos
cultura, bem como nos movimentos de mobi- professores na modalidade em tela têm como
lização e reivindicação que acontecem em prol objetivo contribuir para o fortalecimento da
do fortalecimento e da efetivação das políticas cultura, de modo a se tornarem mais uma
educacionais indígenas no estado da Paraíba. ação de resistência dessa população no litoral
Percebe-se uma ação efetiva de luta e mobi- norte da Paraíba nas Escolas Indígenas e na
lização desses sujeitos na direção de cobranças Educação de Jovens e Adultos, de forma que a
dos órgãos públicos para ser cumprido o que educação ofertada na escola e na modalidade
determina a legislação educacional brasileira seja mais participativa, crítica, democrática e
acerca da educação para a população indígena. emancipatória.
Nesse processo de fortalecimento da cul- Apesar disso, destacamos a importância de
tura indígena Potiguara no chão da escola pensar as práticas pedagógicas a partir de um
na modalidade da EJA, são fundamentais os viés intercultural, de modo que seja contem-
elementos pedagógicos organização, critici- plada nos processos pedagógicos a dimensão
dade, participação, educação contextualizada, cultural, bem como o respeito às diferenças,
corporificação das palavras pelo exemplo, tendo em vista que os sujeitos da EJA com-
diálogo e o protagonismo indígena, pois con- põem um perfil não homogêneo. Vimos, entre
tribuem de modo mais efetivo e sistemático os professores entrevistados, a preocupação
para a construção de práticas pedagógicas de com o fortalecimento da cultura Potiguara na
fortalecimento da cultura, as quais se cons- EJA, uma vez que é recorrente em sua prática
tituem como mais uma ação de resistência discursiva que as atividades de consolidação
dessa população no litoral norte da Paraíba, cultural acontecem, de forma mais efetiva e
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Maria Alda Tranquilino da Silva; Eduardo Jorge Lopes da Silva
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74 Rev. FAEEBA – Ed. e Contemp., Salvador, v. 31, n. 67, p. 55-74, jul./set. 2022