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Cultura e Interculturalidades na EJA

CULTURA E INTERCULTURALIDADES NA EJA

Marina Graziela Feldmann (PUC-SP)*


https://orcid.org/0000-0003-3008-2636
Ana Lúcia Pereira Nunes (UNEB-BA)**
https://orcid.org/0000-0002-2295-0379
Helga Porto Miranda (UNEB-BA)***
https://orcid.org/0000-0002-3609-4235

RESUMO
Este artigo visa discorrer sobre a temática da interculturalidade na educação
de jovens e adultos (EJA), assim como apresentar o mapeamento das pesqui-
sas realizadas sobre este tema, por entendermos a relevância do respeito
a diversidade cultural dos sujeitos que constituem a educação de jovens e
adultos, assim como desenvolvermos um trabalho que contemple a cultura e
a interculturalidade nesta modalidade. Partimos da afirmação que as cultu-
ras destes sujeitos da EJA, podem e devem ser contempladas em suas apren-
dizagens, e a interculturalidade deve estar contemplada nesse processo de
construção. Apresentamos o mapeamento das pesquisas realizadas nos úl-
timos vinte anos que trazem como temática a interculturalidade no contexto
da EJA. A investigação adotou a abordagem qualitativa e como procedimen-
tos realizamos um estudo bibliográfico e o mapeamento das pesquisas que
estão circunscritas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações,
no Scileo e Dialnet, que discutem a temática em questão, onde encontramos
apenas quatorze pesquisas que versam sobre a interculturalidade. Nossos
referenciais foram Candau (2002, 2008), Freire & Faundez (1985), Candau e
Moreira (2003), Vóvio (2009), dentre outros. Os resultados revelaram que a
temática da interculturalidade no contexto da educação de jovens e adultos
ainda é muito pouca pesquisada e debatida nesta modalidade da educação.
No entanto resultados ressaltam a importância de trazermos a este contexto
as culturas que permeiam seus sujeitos e suas relação interculturais. Sujei-

* Professora Titular do Departamento de Fundamentos da Educação da Pontifícia Universidade Católica


de São Paulo. Docente e Pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Currículo da PUC/SP. Líder do
Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Cotidiano Escolar (CNpq). E-mail: feldmnn@uol.com.br;
mgf@pucsp.br
** Doutora pelo Programa Educação: Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e
Professora Assistente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) – DEDC XV – Valença/BA. Membro do
Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Cotidiano Escolar – Coordenado pela Profa. Dra. Marina
Graziela Feldmann. Bolsista do CNpq. E-mail: alpereira@uneb.br
*** Professora Assistente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB-BA). Doutora em Educação: Currículo
pela PUC/SP. Mestre em Educação de Jovens e Adultos pela UNEB-BA. Membro do Grupo de Pesquisa
Formação de Professores e Cotidiano Escolar – Coordenado pela Prof. Marina Graziela Feldmann. Bolsista
CNPq. E-mail: helgaportopc@gmail.com; hmiranda@uneb.br

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tos estes dotados de valores, experiências, vivencias e culturas por muitas


vezes ainda são invisibilidades na educação de jovens e adultos.
Palavras-Chave: Educação de jovens e adultos; Culturas, Interculturalidades.

ABSTRACT
CULTURE AND INTERCULTURALITY IN YAE
This article aims to discuss the interculturality in youth and adult education
(EJA), as well as to present the mapping of researches on this topic, due to
the relevance of respecting the cultural diversity of the subjects from youth
and adult education. It also aims to develop a work that consider culture and
interculturality in this modality. We start from the statement that the culture
of YEA students, can and should be considerered in their learning, and the
interculturality must be part of the learning construction. We present the
mapping of the researches carried out in the last twenty years which focus
on the interculturality the YAE context. The investigation applied the quali-
tative approach and, as procedures, we carried out a bibliographic study and
the mapping of the researches that are circumscribed in the Brazilian Digi-
tal Library of Theses and Dissertations, in Scileo and Dialnet, which discuss
the issue in question, where we found only fourteen studies that deal with
interculturality. Our references were Candau (2002, 2008), Freire & Faun-
dez (1985), Candau and Moreira (2003), Vóvio (2009), among others. The
results revealed that the theme of interculturality in the context of youth
and adult education has been little researched and debated in this modality
of education. However, the results highlight the importance of bringing the
cultures that permeate these people and their intercultural relations to this
context, since they have values, experiences and cultures, still invisible for
the education of young people and adults.
Keywords: Youth and adult education; Cultures, Interculturalities.

RESUMEN
CULTURA E INTERCULTURALIDADES EN LA EJA
Este artículo tiene como objetivo discutir la temática de la intercultura-
lidad en la educación de jóvenes y adultos (EJA), así como presentar el
mapeo de las investigaciones realizadas sobre este tema, ya que enten-
demos la relevancia de respetar la diversidad cultural de los temas que
constituyen la educación de jóvenes y adultos, así como desarrollar un
trabajo que contemple la cultura y la interculturalidad en esta modalidad.
Partimos de la afirmación de que las culturas de estos sujetos de la EJA,
pueden y deben ser contempladas en sus aprendizajes, y la intercultura-
lidad debe estar contemplada en ese proceso de construcción. Presenta-
mos el mapeo de las investigaciones realizadas en los últimos veinte años
que tienen la interculturalidad como tema en el contexto de la EJA. La in-
vestigación adoptó el enfoque cualitativo y, como procedimientos, reali-

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zamos un estudio bibliográfico y el mapeo de las investigaciones que se


circunscriben en la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones,
en Scileo y Dialnet, que discuten el tema en cuestión, donde encontramos
sólo catorce estudios que tratan sobre interculturalidad. Nuestras refe-
rencias fueron Candau (2002, 2008), Freire & Faundez (1985), Candau y
Moreira (2003), Vóvio (2009), entre otros. Los resultados revelaron que
el tema de la interculturalidad en el contexto de la educación de jóvenes
y adultos aún es muy poco investigado y debatido en esta modalidad de
educación. Sin embargo, los resultados resaltan la importancia de traer a
este contexto las culturas que permean sus sujetos y sus relaciones inter-
culturales. Los sujetos dotados de valores, vivencias, vivencias y culturas
a menudo siguen siendo invisibles en la educación de jóvenes y adultos.
Palabras clave: Educación de jóvenes y adultos; Culturas, interculturalidades.

INTRODUÇÃO
Este artigo visa discorrer sobre a temática respeito a diversidade, aos valores, e sabe-
da interculturalidade na educação de jovens res dos sujeitos que frequentam a as salas
e adultos (EJA), assim como apresentar o de EJA.
mapeamento das pesquisas realizadas so-
bre esta tematica, por entendermos a re- METODOLOGIA
levância do respeito a diversidade cultural O levantamento das pesquisas correlatas é
dos sujeitos que constituem a educação de um instrumento metodológico para a cons-
jovens e adultos, assim como desenvolver- trução do objeto de pesquisa e aprofunda-
mos um trabalho que contemple a cultura e mento das pesquisas realizadas, com o intui-
a interculturalidade nesta modalidade. to de aprofundamento teórico. Entende-se
Abordamos as relações de cultura e in- que é relevante ler o que já foi pesquisado,
terculturalidade no contexto da EJA, assim escrito ou pensado sobre o tema proposto
como os autores de referência que debatem na pesquisa, e sondar os domínios teóricos
na atualidade as questões relacionadas esta que podem esclarecer questões relativas ao
modalidade e o trabalho desenvolvido neste objeto a ser estudado.
contexto com tantas especificidades, diver- Com o propósito de obter maiores in-
sidade e interculturalidades. formações acerca do tema a ser pesquisado
Realizamos a busca dos trabalhos rea- realizamos o levantamento das pesquisas
lizados nos últimos vinte anos, que estão correlatas, que esteve circunscrito às pro-
inscritos na Biblioteca Digital Brasileira de duções científicas disponíveis na base de
Teses e Dissertações (BDTD), no site Scielo, dados da Biblioteca Digital Brasileira de Te-
no Dialnet e no Relatório Retratos da EJA em ses e Dissertações da (BDTD), identificamos
São Paulo/2020, que versam sobre a cultu- as dissertações e teses que versaram sobre
ra e a interculturalidade no contexto da edu- os sabres e a interculturalidade na EJA, des-
cação de jovens e adultos, com o intuito de tacando principalmente ás que se referem a
debater a temática, ressaltando a acuidade educação escolar pública na modalidade da
do respeito as culturas de cada ser humano, educação de jovens, adultos e idosos. Para

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realização da pesquisa fizemos um recor- estão sendo utilizadas? Que considerações


te temporal dos últimos vinte anos, do ano trazem essas pesquisas? Apresentaremos o
2000 ao ano de 2020. que investigamos nas pesquisas realizadas.
Em nossa busca utilizamos inicialmen-
te a palavras-chave: Cultura; Intercultu- CULTURA E O ESPAÇO DE
ralidades; educação de jovens e adultos. INTERCULTURALIDADE NA EJA
Encontramos no BDTD, apenas 14 traba-
Para compreendermos a educação no con-
lhos, sendo 1 tese e 13 dissertações. Essas
texto da diversidade, faz-se necessário com-
pesquisas aventavam das temáticas sobre
preendermos a cultura e fazer usos dela.
as propostas curriculares intercultural, a
Para Freire & Faundez (1985, p.34) a con-
perspectiva intercultural em Freire, plura-
cepção de cultura é ampla,
lidade cultural na EJA, o reconhecimento
da cultura na EJA, o ensino da língua na Eja A cultura não é só a manifestação artística
ou intelectual que se expressa no pensamen-
e os sabres populares na EJA, todos trazem
to. a cultura manifesta-se, sobretudo, nos
as questões culturais e interculturais no gestos mais simples da vida cotidiana. cul-
centro do debate. tura é comer de modo diferente, é dar a mão
Ampliamos a busca para o Scientific de modo diferente, é relacionar-se com o ou-
Electronic Library Online (SCIELO), encon- tro de outro modo (...). cultura para nós são
tramos apenas um artigo que versa sobre: todas as manifestações humanas; inclusive
O discurso curricular intercultural na edu- o cotidiano, e é no cotidiano que se dá algo
essencial: o descobrimento da diferença.
cação de jovens e adultos e a produção de
subjetividades, do ano de 2012. A cultura está presente em todos os lu-
Posteriormente pesquisamos no portal gares que frequentamos, vivenciamos, se faz
Dialnet, que consta trabalhos realizados na atual, é real, dinâmica, dialógica, representa
América Latina, não encontramos nenhum seu povo, sua gente, sua forma de viver, de
trabalho com a temática da educação de jo- expressar-se, e conviver.
vens e adultos e interculturalidades. Para Candau (2002), a cultura é um fe-
E por fim trouxemos o trabalho de Rotou- nômeno plural, multiforme, heterogêneo,
lo (2020), que consta no Relatório Retratos dinâmico, entendida como tudo aquilo que é
da EJA em São Paulo – Histórias e Relatos da produzido pelo ser humano, que não é privi-
prática, publicado neste ano de 2020, que légio de certos grupos sociais. Para a autora,
aborda a interculturalidade no contexto do a cultura é o atual contexto da globalização,
Centro Integrado de Educação de Jovens e as culturas por não serem um fenômeno es-
Adultos (CIEJA) da Escola Emílio Vanzolini, tático, sofrem influências diversas, se modi-
que é uma Unidade Educacional que aten- ficando a todo o momento. Assim entende-
de jovens, adultos e idosos, nos três turnos: mos que temos culturas, diversas, não uma
matutino, vespertino e noturno, na cidade sobrepondo a outra e sim culturas diferen-
de São Paulo. tes que se interrelacionam, se complemen-
Para analisarmos estas pesquisas, bus- tam e se diferem. (CANDAU, 2020).
camos identificar as seguintes questões: O Na declaração Universal sobre a Diversi-
que dizem as pesquisas sobre a temática? dade Cultural, debate que a cultura adquire
Qual as ênfases nos estudos? Que temáticas diversas formas através do tempo e do espa-
vêm sendo pesquisadas? Que metodologias ço, ressalta que:

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Essa diversidade se manifesta na origina- Não há educação que não esteja imersa na
lidade e na pluralidade de identidades que cultura da humanidade e, particularmente,
caracterizam os grupos e as sociedades que do momento histórico em que se situa. A
compõem a humanidade. Fonte de intercâm- reflexão sobre esta temática é co-extensiva
bios, de inovação e de criatividade, a diver- ao próprio desenvolvimento do pensamento
sidade cultural é, para o gênero humano, pedagógico. Não se pode conceber uma ex-
tão necessária como a diversidade biológica periência pedagógica “desculturizada”, em
para a natureza. Nesse sentido, constitui o que a referência cultural não esteja presen-
patrimônio comum da humanidade e deve te. A escola é, sem dúvida, uma instituição 63
ser reconhecida e consolidada em benefício cultural. Portanto, as relações entre escola e
das gerações presentes e futuras. Em nos- cultura não podem ser concebidas como en-
sas sociedades cada vez mais diversificadas, tre dois pólos independentes, mas sim como
torna-se indispensável garantir uma intera- universos entrelaçados, como uma teia teci-
ção harmoniosa entre pessoas e grupos com da no cotidiano e com fios e nós profunda-
identidades culturais a um só tempo plurais, mente articulados. (CANDAU & MOREIRA,
variadas e dinâmicas, assim como sua von- 2003, p.159.)
tade de conviver. As políticas que favoreçam
De tal modo, o contexto da educação, da
a inclusão e a participação de todos os cida-
dãos garantem a coesão social, a vitalidade escolar, está intercalado à dimensão cultural
da sociedade civil e a paz. Definido desta e se constitui em um espaço social formado
maneira, o pluralismo cultural constitui a por complexas redes de interações, apre-
resposta política à realidade da diversidade sentando multiplicidades de significados,
cultural. Inseparável de um contexto demo- gêneros, etnias, religiões, valores, culturas.
crático, o pluralismo cultural é propício aos Não dá para pensarmos a educação de jo-
intercâmbios culturais e ao desenvolvimen-
vens e adultos, sem pensar e valorizar suas
to das capacidades criadoras que alimentam
a vida pública. (Declaração Universal sobre a
culturas, especificidades.
Diversidade Cultural, 2002, p.2) No entanto, Candau (2008) nos aponta
que estamos vivendo um momento de estra-
Ou seja, define como patrimônio da hu-
nhamento e de confronto intenso nas rela-
manidade esse pluralismo cultural, diver-
ções estabelecidas entre educação e cultura.
sidade cultural. E estas possiblidades de
Nos coloca ainda que durante longo tempo,
cultura, não podem está a parte do contex-
vivemos uma instituição escolar construída
to da escola, não podem e nem devem ser
sobre a afirmação da igualdade, ressaltando
desconsideradas no contexto da EJA, que é
a base cultural comum a que todos os cida-
permeada de sujeitos de culturas. Assim em
dãos deveriam ter acesso e colaborando na
um contexto democrático o pluralismo cul-
sua permanente construção. Ou seja, des-
tural, a interculturalidade, nos alimenta, nos
considera as diversidades e a interculturali-
constitui, nos faz diferentes, nos acrescenta.
dade em que estamos submersos.
Nos enobrece.
Corroboramos com Arroyo (1996, p. 43),
Segundo Candau (2002), pensar a edu-
quando nos afirma que:
cação escolarizada a partir da perspectiva
cultural é um dos maiores desafios da atua- Apesar dos avanços que tivemos no reconhe-
cimento da diversidade presente na nossa
lidade e consiste em buscar modalidades
sociedade e em nossas escolas e da diversi-
de práticas pedagógicas que possibilitem a dade nos processos de construção e apreen-
convergência de dois movimentos contradi- são do conhecimento, nosso comportamento
tórios em curso. continua linear. Não fomos preparados para

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tratar profissionalmente essa diversidade Vivemos e construímos nossas aprendi-


nem para entendê-la. Falta-nos uma leitura zagens entre culturas, embebidos por essa
teórica do peso da diversidade sócio-cultu- diversidade que nos afeta e nos constitui.
ral nos processos de aprendizagem. (...) O Precisamos perfilhar que os alunos e alunas
que já está sendo feito para incorporar essa
da EJA, possuem patrimônios culturais rela-
diversidade em nossas propostas pedagógi-
cas? O que está sendo inovado nas escolas
cionados às suas narrativas, suas vidas em
para darem conta dessa diversidade? comunidades, aos grupos sociais a que per-
tencem, ao contexto em que vivem.
Para o autor, não estamos aptos, ou fo- Já a discurso pela interculturalidade,
mos formados, preparados para tratarmos contrapõe-se às formas homogeneizadoras
dessa diversidade cultural em nossas pro- dos processos educativos, principalmente
postas pedagógicas. Ainda nos falta a com- na modalidade EJA, por apresentar e pro-
preensão, e o estudo aprofundado de que é blematizar experiências dominantes de cur-
cultura, como ela se dá em nossas vivências rículos monoculturalistas, ao mesmo tempo
e experiências educacionais, e como se faz em que produz subjetividades de classe,
importante que está se faça presente em gênero, raça, etnia. Nessa perspectiva com-
nossas relações, na escola, na sociedade. preendemos que há uma procura pela valo-
Somos diferentes e diversos, e o respeito ao rização e assentimento das diferenças atra-
ser humano inconcluso, diferente é primor- vés do diálogo e comunicação interculturais.
dial na sociedade em que vivemos. O conceito de intercultural traz em seu
As questões relacionadas a diversida- cerne a questão da reciprocidade e pode-se
de cultural, é relativamente nova e deba- ser encontrado e observado em discussões
temos e estudamos agora, assim a escola nas áreas da aprendizagem, na comunica-
pode construir uma nova forma de res- ção e nas relações humanas. Nesse sentido,
peitar e valorizar as culturas existentes, a perspectiva intercultural não pode ser
já que estamos em contato com ela a todo considerada como exclusivo do domínio pe-
momento. dagógico, mas também como uma atitude
Segundo Vóvio (2009, p.84), a cultura humanista que almeja o diálogo, o respeito
está presente: “no modo como se expressam, pelas diferenças e a compreensão mútua.
nos significados que atribuem ao processo Se observarmos dentro do âmbito edu-
de aprendizagem, no modo como percebem cacional, o interculturalismo tem sua base
a si mesmos e aos outros, nos interesses que principalmente nos processos educativos
possuem, nas questões que afetam sua vida reflexivamente concebidos, os quais pro-
e no modo como se posicionam socialmen- movem o pluralismo e a igualdade de opor-
te, entre outros.” Para a autora, pessoas jo- tunidades educativas e sociais. Para Vieira
vens e adultas são portadoras de cultura e (1995, p.143),
produzem cultura, o que exige, por um lado, O modelo intercultural implica uma dialéc-
identificar os conhecimentos, os valores, as tica em constante contradição: assegurar
a diferença e simultaneamente não a sus-
representações, as expectativas e habilida-
tentar. [...] O interculturalismo implica não
des que possuem, e, por outro, investigar as
somente reconhecer as diferenças, não so-
situações que vivenciam e como participam mente aceitá-las, mas – e o que é mais difí-
delas, o contexto em que estão inseridas e as cil – fazer com que elas sejam a origem de
atividades a que se dedicam. uma dinâmica de criações novas, de inova-

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ção, de enriquecimentos recíprocos e não direitos e culturas. Pensando a educação


de fechamentos e de obstáculos ao enri- sob a ótica da interculturalidade, Candau
quecimento pela troca. (2008) defende uma educação para o re-
Nesta perspectiva a educação intercul- conhecimento do “outro”, para o diálogo
tural no contexto da educação de jovens e entre diferentes grupos culturais e sociais.
adultos, deve possibilitar a ultrapassar o Uma educação para a negociação cultural,
etnocentrismo sociocultural, levando em que enfrenta os conflitos provocados pela
consideração uma educação global, as si- assimetria de poder entre os diferentes
tuações nas quais os indivíduos envolvidos grupos socioculturais nas nossas socieda-
sejam pertencentes a culturas multilíngues des e é capaz de favorecer a construção de
e pluriculturais, assegurando a educação um projeto comum, pelo qual as diferenças
aos trabalhadores, excluídos do processo sejam dialeticamente incluídas. (CANDAU,
educacional, os de classes menos favoreci- 2008, p.23).
das, correspondendo às suas necessidades Assim compreendemos a educação no
específicas. contexto da educação de jovens e adultos,
Pode proporcionar aos jovens e adultos que respeite as diferenças, que reconheça
a compreender que conviver com as dife- e respeite o ser humano, que se humanize,
renças, valorizar culturas, a diversidade, as que inclua. Que se alicerce no diálogo, no
diferenças é uma possibilidade de constru- respeito as diferenças, a diversidade, aos
ção de conhecimento e de Com-vivência, ou contextos interculturais.
Viver-Com. No entanto o que nos apontam as pes-
Segundo Peres (1999, p. 67) a educação quisas realizadas no contexto da Eja que
intercultural apresenta-se como: abordam a interculturalidade? É o que apre-
sentamos a partir de agora.
[...] como um projeto educativo que valori-
za a diversidade sociocultural, ao mesmo PRODUÇÃO ACADÊMICA
tempo que aposta na reanimação da cultura:
encontro, relação, convivência, festa, alegria,
NA ÚLTIMA DÉCADA SOBRE
fantasia e comunicação. [...] um projeto em INTERCULTURALIDADES NA EJA
construção, uma força dinamizadora da vida Ao iniciarmos a pesquisa na Plataforma
que, partindo do topos cultural, permitirá do BDTD, já calhamos que haviam poucas
um caminho mais humanizante para as mu- pesquisas no campo da educação de jovens
lheres e para os homens.
e adultos que abordavam a interculturali-
A educação intercultural busca valorizar dade, assim ampliamos nossa busca para
a diversidade sociocultural, a possibilidade o site do Scielo, onde encontramos apenas
de diálogo, da humanização nas relações, da um artigo, já no Dialnet, nos surpreendemos
convivência e junção entre culturas, valores, que apesar de haver artigos que abordavam
religião. Criando-se uma cultura de paz, de a temática da educação de jovens e adultos,
empatia ao outro, de tolerância, o respeito não havia nenhum artigo com a temática da
ao outro e à diversidade. interculturalidade, o que identificamos com
Propor uma educação que possibilite o a carência de pesquisas que abordem essa
reconhecimento das representações diver- temática, no contexto da EJA.
sas de valores, de conhecimento, de apren- Identificamos que estas pesquisas forma
dizagem, e de reconhecimento das diversos realizadas nas Universidades: Universidade

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Federal Rural do Rio de Janeiro (3), Univer- e com a formação crítica dos sujeitos por
sidade Estadual da Paraíba (2), Universida- intermédio dos posicionamentos de suas
de Federal do Pernambuco (1), Universida- identidades.
de federal de Santa Catarina (2), Pontifícia Por fim, identificou que o professor que
Universidade Católica do Rio de janeiro (1), atua junto aos alunos da EJA, podem produ-
Universidade Federal de Goiás (1), Universi- zir e implementar atividades didáticas que
dade federal do (1), Universidade federal da aliem os interesses dos discentes, contem-
Grandes Dourado(1), Universidade Federal plem suas culturas e estabeleçam situações
de Santa maria (1), e a Universidade Federal legítimas de interlocução entre os sujeitos
do Pampa (1). escolares. Ou seja, atividades que contem-
Os trabalhos encontram-se vinculados plem as culturas diversas desses sujeitos, a
aos Programas de Pós Graduação em: Edu- interculturalidade.
cação, Formação de Professores, Literatura Já o trabalho de Hennicka (2012), apre-
e Interculturalidade, Educação Agrícola e sentou como objetivo investigar quais as
Ensino de Línguas. Quanto as áreas apresen- contribuições e a atualidade das ideias e
tam-se ligados a: Ciências Humanas, Ciên- proposições epistemológicas Freireanas
cias da Educação, Agronomia, Linguística. para a Educação de Jovens e Adultos.
Iniciamos com a pesquisa de Bosco Para o desenvolvimento da pesquisa ado-
(2015), que buscou responder às seguintes tou a abordagem metodológica de cunho
perguntas: Quais os discursos sobre evasão qualitativo, utilizando a pesquisa do tipo
que se constituem na voz dos alunos eva- bibliográfica, realizou um mapeamento do
didos da EJA? Como estabelecer diálogos cenário histórico da Educação de Jovens e
entre evadidos e alunos da EJA no desenvol- Adultos, tendo como referência histórica e
vimento de atividades pedagógicas com as epistemológica a proposta de alfabetização
linguagens? de adultos idealizada por Paulo Freire.
Realizou uma pesquisa qualitativa, in- Identificou que os estudos de Freire
terpretativista e pesquisa-ação, com em- trazem muitas contribuições para a EJA, e
basamento na Linguística Aplicada. Ouviu uma delas é sua proposta de alfabetização
o relato dos evadidos, para elencar os mo- de adultos. Pois, está se diferencia das pro-
tivos que os levaram à evasão analisando e postas que tivemos e/ou temos, que propu-
interpretando as linguagens verbais e não- nham unicamente a codificação/decodifi-
verbais dos discursos, bem como, para evi- cação da leitura e da escrita, desvinculada
denciar alguns aspectos culturais, incluindo da realidade, da cultura e das necessidades
suas trajetórias de escolarização, que cons- dos(as) alfabetizandos(as), a proposta de
tituem suas identidades. Freire vai além, propõe a leitura da palavra
Os resultados da pesquisa evidenciaram e do mundo.
a importância do diálogo entre os sujeitos A pesquisadora realiza uma aproxima-
pesquisados. Também, a relevância do tra- ção, por meio de um paralelo, entre essa
balho com gêneros discursivos na sala de proposta Freireana e a EJA como ela se
aula, pois trabalhou a diversidade cultural a apresenta no atual cenário educacional
partir dos discursos interculturais legitima- brasileiro, demonstrou a atualidade das
dos pelas situações reais de interlocução, contribuições de Paulo Freire para a refe-
enriquecendo a proposta com as linguagens rida modalidade. Também realizou apro-

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ximações entre a proposta Freireana e a Nas considerações finais identificou que


perspectiva intercultural de educação, pro- há algumas compreensões culturais dife-
curando identificar as contribuições de am- rentes sobre o que é aprender/saber LI para
bas para a formação dos professores(as) da a professora e para seus alunos. Percebeu
EJA na atualidade. que há diferentes expectativas sobre os pa-
Para Hennicka (2012), a contribuição da péis que esses participantes devem assumir
pesquisa ficou centrada na atualidade das na sala de aula de língua estrangeira, pois,
contribuições de Paulo Freire para a EJA, as enquanto a professora idealiza um aluno au-
quais instigam o(as) educadores(as) a (re) tônomo, ativo e seguro, o aprendiz, por sua
criar, (re)inventar, (re)descobrir formas de vez, apresenta-se como isento da responsa-
(re)educar nossos jovens e adultos. bilidade no processo complexo de aprendi-
zagem, visto atribuir essa responsabilidade
Lendo os escritos de Freire e de interlocu-
tores, compreendi que a proposta de alfabe- a outrem.
tização de adultos freireana, era diferente Compreendeu que as diferentes posturas
das demais propostas que tivemos/temos, e compreensões culturais acerca do proces-
as quais propunham somente a codificação/ so ensino-aprendizagem de LI decorrem da
decodificação da leitura e da escrita, des- posição sociocultural que cada um desses
vinculada da realidade, da cultura, e das ne- participantes ocupa na sociedade. Observou
cessidades dos alfabetizandos. (HENNICKA,
que o estudo direcionou a refletir sobre a
2012, p. 125).
importância de desenvolver uma consciên-
A autora, aponta a relevância de desen- cia a respeito de uma abordagem intercultu-
volvermos o processo de alfabetização de ral em sala de aula, além de compreender-
adultos, vinculadas à realidade, e a cultura mos os papéis de professores e alunos neste
dos sujeitos da EJA, aponta este como um mesmo espaço.
dos diferenciais da proposta freireana. Con- Vieira (2011), abordou o tema da EJA, no
templar a leitura do mundo desses sujeitos ensino médio supletivo noturno, procurou
de direito, construir com ela a leitura da pa- compreendê-la na perspectiva do multicul-
lavra, mas também a leitura do mundo. turalismo crítico, sob a ótica da intercultu-
Já Araújo (2016), buscou identificar e ralidade. Como objetivo buscou analisar se
compreender como os aprendizes de língua os(as) professores(as) do Colégio Arpoador
inglesa (LI) do Ensino Fundamental de Jo- reconhecem e trabalham com a realidade
vens e Adultos, e sua respectiva professora heterogênea dos(as) alunos(as), e levou
atribuem significados culturais à LI e ao seu em consideração as práticas pedagógicas, o
ensino e aprendizagem; investigou também currículo e a construção da(s) identidades
os significados culturais interferem na dinâ- dos(as) alunos(as), além de buscar identifi-
mica da sala de aula. car as possíveis contribuições de uma edu-
Realizou uma pesquisa etnográfica, com cação intercultural para essa modalidade.
observação, entrevistas com os participan- Realizou uma pesquisa qualitativa, prio-
tes do estudo em situações reais, registro das ritariamente um estudo de caso, em um Co-
aulas em áudio e em vídeo para que podesse légio Estadual do Estado do Rio de Janeiro,
analisar as interações, bem como fez anota- denominado Colégio Arpoador. Foram sele-
ções do campo pesquisado e diário reflexivo, cionadas como estratégias metodológicas a
a fim de responder as perguntas do estudo. revisão de bibliografia, a observação, análi-

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Marina Graziela Feldmann; Ana Lúcia Pereira Nune; Helga Porto Miranda

se documental e a entrevista semiestrutura- educação escolar indígena deste município


da com os professores. visando identificar os limites e possibilida-
Os resultados indicaram que os profes- des da Geografia trabalhada em relação à
sores reconhecem a grande diversidade cul- educação intercultural.
tural dos(as) alunos(as). No entanto, essa Seu contexto foi a Secretaria de Educação
realidade não parece ser referência para do município de Caarapó no ano de 2015, e
pensar suas práticas pedagógicas e a sele- concentrou no Ensino Fundamental oferta-
ção do currículo. Para a autora: do na Escola Municipal Ñandejara Pólo, lo-
A educação intercultural não parece ser caliazada na reserva indígena Te‟Ýikue.
uma prática conhecida pelos(as) professo- Fez uma pesquisa qualitativa e através
res(as), mas foi possível perceber um esfor- da análise de documentos, realizou a leitu-
ço dos(as) mesmos(as) em compreender do ra e análise do projeto político pedagógico
que ela trata e como poderia ser promovida da referida escola a fim de identificar seus
no cotidiano escolar. A partir dos resultados,
principais objetivos e características em re-
a pesquisa procurou apontar dificuldades
encontradas na EJA de ensino médio e su-
lação ao currículo e em relação à educação
gerir caminhos de renovação, partindo do intercultural; realizou entrevistas semies-
princípio que a educação intercultural é ca- truturadas com os coordenadores e com os
paz de trazer múltiplos benefícios para esta professores, assim como fez a observação
realidade. (VIEIRA, 2011, p.05). de algumas aulas de Geografia no intuito
Para os professores ainda é novo traba- de identificar em que medida a Geografia
lhar com as questões culturais na sala de trabalhada contribuiu para a efetivação da
aula, ainda parece algo distante, o foco ainda interculturalidade.
é no conteúdo. A interculturalidade apesar Nas considerações identificou que a esco-
de se fazer presente, está no cotidiano do- la desde de 1997, já vinha trabalhando numa
cente, não consta nas atividades desenvolvi- perspectiva diferenciada, e isso refletiu nas
das pelos professores, aparece ainda como práticas dos professores, nas quais identifi-
uma necessidade formativa do professor. cou que apesar de se trabalhar ainda com con-
Corroborando Com Arroyo (1996), quando teúdo universais os professores de Geogra-
nos afirma que ainda não estamos prepara- fia buscaram construir mecanismos outros,
dos para trabalhar com a diversidade cultu- apresentando assim, devires possíveis dessa
ral e ainda carecemos de aprofundamento disciplina auxiliar na construção de diálogos
nos estudos, que as escolas ainda não estão interculturais. Para Silva (2016, p.110),
trabalhando estas temáticas, por falta de co- Além do mais, as condutas destes profissio-
nhecimento e/ou formação. nais, em nosso entendimento, também pro-
Silva (2016), realizou sua pesquisa na re- porcionam a possibilidade da contribuição
serva indígena Te‟Ýikue localizada no mu- da Geografia para a construção de uma edu-
nicípio de Caarapó, Mato Grosso do Sul, de- cação intercultural já que por meio de suas
práticas estes buscam produzir novas pos-
marcada em 1924, pelo Serviço de Proteção
sibilidades de trabalhar a geografia maior,
aos Índios (SPI) com 3.600 hectares e uma para que assim, possam estabelecer a certo
população de mais de 4.000 indígenas Kaio- modo um diálogo com os elementos da vi-
wá e Guarani. vência, da cultura e da realidade dos Guarani
Seu estudo teve como objetivo analisar e Kaiowá da Reserva Te‟ Ýikue. Sendo assim,
as características do ensino de Geografia na consideramos que as atividades propostas e

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Cultura e Interculturalidades na EJA

acima descritas foram construídas com pro- cio, 01 coordenador de curso, 01 diretor de
pósitos de dialogar com o contexto étnico e ensino do Campus Amajari.
cultural dos estudantes indígenas estabele- Na conclusão, percebeu a necessidade
cendo pontes de ligação entre o que é estu-
de consolidação da proposta pedagógica do
dado com a realidade vivida na reserva
IFRR/Campus Amajari, que recriem ações
Ou seja, através das atividades na disci- e estratégias didático-pedagógicas a partir
plina de Geografia, os professores consegui- das reflexões dos contextos locais/sujeitos,
ram um diálogo entre a vivência dos alunos, redimensionado a prática profissional dos
suas culturas, e a realidade dos índios. Houve docentes indígenas e da instituição citada
um diálogo permanente entre a disciplina e acima. Identificou também que:
o contexto da realidade da reserva indígena.
Aqui verificamos uma reflexão sobre o po-
Fomos identificando que as questões in- tencial comunitário quanto à área geográfi-
terculturais são também interdisciplinares, ca, bem como, os docentes demonstram suas
estão na disciplina de geografia, nas ques- preocupações sobre a parceria entre Insti-
tões linguísticas, na matemática, na língua tuição e comunidade. Portanto, conhecendo
portuguesa, nas línguas estrangeiras, enfim, as dificuldades culturais e metodológicas
a interculturalidade está em todos as ques- dos profissionais deste estabelecimento de
tões curriculares. ensino, uma vez que são oriundos de outros
64 estados e alguns não tinham experiência
Barros (2013), analisou a viabilidade da
no magistério, percebemos que os mesmos
metodologia em alternância, para a oferta têm buscado apropriar-se dentro das possi-
do curso técnico em Agricultura do Cam- bilidades existentes, da proposta pedagógica
pus Amajari/IFRR na comunidade indígena na perspectiva da pedagogia da alternância
Guariba, Estado de Roraima, através do diá- no processo de ensino-aprendizagem, numa
logo com educação indígena, no sentido de relação de troca de conhecimentos e expe-
garantir o acesso à formação profissional e riências entre os sujeitos diretamente envol-
respeitando as peculiaridades locais. Verifi- vidos a partir de uma postura profissional
aberta e flexível, considerando a diversidade
cou a demanda local, pela formação profis-
do contexto local. (BARROS, 2013, p. 63-64)
sional com a permanência do estudante no
seu espaço cultural. Aqui apresenta-se outro contexto que é
Realizou a revisão da literatura sobre a o da pedagogia da alternância, onde Barros
pedagogia da alternância, educação profis- (2013), traz uma outra dificuldade que é a
sional e educação indígena. Neste estudo, relação do professor com o contexto em que
empregou a abordagem qualitativa, com atua. Aponta que os professores em questão
pesquisa bibliográfica, entrevistas e obser- apresentaram dificuldades em relação a cul-
vações no espaço comunitário, através da tura e a metodologia, talvez por não conhe-
pesquisa do tipo etnográfico e usou como cerem o contexto e/ou ainda não apresenta-
instrumentos de coleta de dados, como: rem experiência em ensinar.
diário de campo, roteiro de entrevista e A pedagogia da alternância, propõe uma
máquina fotográfica, para registro dos en- troca de sabres, conhecimentos, experiên-
contros. cias, trocas essas essenciais para a constru-
Os sujeitos da pesquisa foram: 05 alunos, ção de conhecimento dos alunos e dos pro-
01 gestora/diretora, 01 tuxaua e 06 profes- fessores. Mais uma vez a interculturalidade
sores da Escola Est. Indígena Manoel Horá- está presente neste contexto.

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A pesquisa de Silva(2018), analisou um zeres, sabres e ressignificar o que pensam, o


conjunto de estratégias de alfabetização ofe- que dizem e o que sabem.
recido aos sujeitos da Educação de Jovens e Já Carvalho (2012), em seu artigo, apre-
Adultos, na Amazônia, através das formação sentou os argumentos sobre a relação entre
e prática docente desenvolvida pela Univer- currículo, discurso e subjetividades multi-
sidade do Estado do Amazonas (UEA) nos dimensionais, pretendemos. Realizou uma
62 municípios do estado do Amazonas, com análise dos processos de subjetivação do
foco na prática docente com os órfãos das sujeito da educação de jovens e adultos na
letras na Tríplice Fronteira Amazônica Pe- perspectiva intercultural, enfatizando o eixo
ru-Brasil-Colômbia, sob a ótica dos sujeitos pedagógico desse discurso e a regra de nor-
curriculares e gestores públicos no período matização do sujeito da interculturalidade.
de 2003 a 2010. Fez uma pesquisa de abor- A autora considerou importante a apro-
dagem qualitativa. ximação à construção de uma pedagogia na
O foco da pesquisa atravessou a frontei- perspectiva da interculturalidade, que pro-
ra geográfica desnudando a fronteira cultu- blematize o saber/ser do sujeito coletivo/
ral, com recorte no currículo possível cons- multicultural. Para ela se justifica pelos ris-
truído junto aos órfãos das letras do Progra- cos de estarmos a pedagogizar a diferença,
ma de Letramento Reescrevendo o Futuro isto é,
(PLRF). Os sujeitos foram ribeirinhos, indí- De estarmos novamente a fazer embalagens
genas, pescadores, povos da floresta e co- bem iguais, bem quadradas, e, nelas, tam-
munidade carcerária, que participavam do bém colocarmos os sujeitos sociais e cultu-
Projeto Órfãos das letras. rais; daí a necessidade de mantermos uma
Considerou que a proposta de extensão vigilância ética, estética e epistemológica
em letramento da Universidade do Esta- em relação aos nossos próprios discursos.
(CARVALHO, 2010, p. 59).
do do Amazonas (UEA), para formação de
educadores e órfãos das letras, em que pese Defende que devemos considerar aspec-
os resultados positivos para a educação no tos como: a concepção da linguagem; a his-
Amazonas e inserção de jovens e adultos no toricidade dos recursos; a desnaturalização
ensino oficial e, educadores prosseguindo dos discursos; a reflexão da teoria ; as rela-
na construção de novos conhecimentos com ções de poder-saber-ser como indicativos
especializações, mestrados e até doutora- da produtividade no campo educacional;
do, a política para a EJA precisa avançar na um currículo com um campo de estática,
perspectiva da educação popular libertado- ética e da política; para debatermos um cur-
ra, precisa ser fecundada por meio de situa- rículo intercultural.
ções problema e análise de possibilidades Buscamos também no documento Retra-
e limites, características de uma região de tos da Eja em São Paulo (2020), que traz um
fronteira e amazônica. retrato da EJA no município e apresenta as
Para Silva (2018), a prática docente histórias e os saberes dos professores e alu-
transformadora deve ser usada para dimi- nos deste contexto. Apresentam um espaço
nuir as desigualdades sociais, respeitar as intercultural no CIEJA da Escola Emílio Van-
diferenças e e dá acesso aos bens culturais. zolini, pois neste contexto falar de alunos é
Para a autora, o diálogo entre os especialis- falar de pessoas com suas histórias, confli-
tas, os educadores, podem revelar seus fa- tos, vivências, experiências e saberes.

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Cultura e Interculturalidades na EJA

Para Ruotolo (2020, p. 54), os alunos do mos dez anos, e o debate que sendo reali-
CIEJA são: zado sobre a interculturalidade na Eja, por
Pessoas que trazem em suas histórias, vivên- considerarmos u importante no tocante ao
cias de abandono, abuso, necessidade de dei- contexto da educação dos jovens e adultos.
xar o ensino regular para trabalhar, bullying, Calhamos que apesar de existir muitas
violência, mulheres que foram impedidas de pesquisas no âmbito da educação de jovens
estudar por atitudes machistas de pais e/ e adultos, quando relacionamos a intercul-
ou companheiros, preconceito, transfobia e
turalidade encontramos um número muito
tantas outras fobias relacionadas à identida-
de de gênero e orientação sexual.
ínfimo de apenas quinze pesquisas, realiza-
das nos últimos vinte anos, o que se cons-
Enquanto sujeitos de direitos e culturas, titui ainda insipiente para a sua relevância.
e que a escola precisa ser um espaço de aco- A realização desse estudo foi importan-
lhimento e respeito as diversidades. Preci- te, pois nos possibilitou conhecer as pes-
sa construir os espaços de inclusão, assim, quisas desenvolvidas no Brasil tendo como
para Ruotolo (2020, p. 54), a escola deve objeto de estudo a educação de jovens e
planejar e desenvolver, adultos e a interculturalidade que se cons-
Ações de inclusão e diálogo, respeitando a titui no contexto da educação. Nesse sen-
cultura e os saberes adquiridos em suas vi- tido, conhecer essas pesquisas nos chama-
vências são parte do cotidiano escolar. Essas
ram a atenção não apenas para a pequena
ações favorecem o estabelecimento de rela-
quantidade de pesquisas, mas também so-
ções de respeito e confiança na comunidade
escolar e, consequentemente, na resolução bre a importância de abordarmos as ques-
de conflitos. Para incluir os excluídos é pre- tões culturais e interculturais neste contex-
ciso ter a sensibilidade de encontrar a me- to de educação, com sujeitos de direitos e
lhor forma de acolhê-los. de culturas diversas.
A escola precisa constituir-se em um es- As pesquisas nos apontam o quanto é
paço de acolher essas culturas e desenvol- primordial trabalharmos no contexto da
ver a interculturalidade. EJA, a cultura, as relações interculturais,
A relações entre currículo a cultura e o respeito a diversidade em que vivemos,
suas interrelações, estão presentes no coti- as culturas que produzimos e que consu-
diano docente. Trabalhamos na EJA, com su- mimos.
jeitos excluídos por muito tempo, a margem Identificamos que as ênfases e tendên-
das políticas públicas, mas sujeitos de sabe- cias nos estudos recentes estão ligados a for-
res, de experiências, de culturas. A escola é mação do professor para trabalhar a inter-
espaço de acolhimento destas culturas, de culturalidade em seus contextos de atuação,
respeito as diferenças e de construção de assim como ao trambalharmos com a inter-
conhecimentos. culturalidade nos contrapomos a homogei-
nização cultural. Cabe ao professor se opor
CONSIDERAÇÕES FINAIS as desigualdades sociais, ao preconceito.
Com o objetivo de apresentarmos o ma- Aparecem relacionadas a disciplinas como:
peamento das pesquisas realizadas com a geografia, linguística e línguas estrangeiras,
temática da interculturalidade no contexto como se as demais disciplinas estivessem
da educação de jovens e adultos, no período fora deste contexto. A interculturalidade é
compreendido entre 2010 a 2020, nos últi- também interdisciplinar.

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Marina Graziela Feldmann; Ana Lúcia Pereira Nune; Helga Porto Miranda

Identificamos que cabe a escola, traba- Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino


lhar em prol de diminuir as desigualdades de Línguas) – Universidade Federal do Pampa,
Campus Bagé, Bagé, 2015.
sociais, respeito as diferenças e proporcio-
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promovendo a emancipação do cidadão. e cultura(s): Uma aproximação. Educação &
Sociedade. Ano XXIII, n. 79, p. 125-161. Agos-
As pesquisas realizadas na sua maioria to/2002.
são de abordagem qualitativa e fizeram uso
CANDAU, V.M.F.; MOREIRA, A. F. Educação esco-
dos procedimentos de revisão bibliográfica,
lar e cultura(s): Construindo caminhos. Revis-
observação em lócus, entrevistas. ta Brasileira de Educação, n. 23, p. 156 – 158,
Já as temáticas versam sobre a formação mai.– ago. 2003.
do professor para trabalhar com esta temá- CANDAU, V.M.F. Multiculturalismo e educação:
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Trazem como contribuições como pen- ADULTS EDUCATION - A FREIREAN PERSPEC-
TIVE AND INTERCULTURAL. 2012. 137 f. Dis-
sar as diferenças para além da sala de aula, sertação (Mestrado em Educação) - Universida-
buscar trabalhar as relações interculturais, de Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2012.
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Cultura e Interculturalidades na EJA

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