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Trabalho de Conclusão de Curso - Hist ória da Alquimia no Ensino: Caminhos para int rodução de aspec…
T haís Cyrino de Mello Forat o, Fernando Guilger
Ciência e Religião no ensino de física: promoção da int ercult uralidade, direit os humanos e aprendizad…
Karel Pont es Leal, T haís Cyrino de Mello Forat o
XXI Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2015 1
Resumo
Este trabalho apresenta a síntese de uma proposta didática para o Ensino Médio,
propondo uma abordagem histórica da ciência em interface com a arte, a partir de um trecho
de A Divina Comédia de Dante Alighieri. Objetiva-se discutir o modelo Geocêntrico de
Universo de modo contextualizado e proporcionar reflexões epistemológicas, por exemplo,
sobre a diferença entre observar a natureza e construir modelos explicativos na ciência. Os
fundamentos metodológicos para a proposta utilizam as perspectivas de Zanetic (2006) e
Reis e colaboradores (2006), que defendem a interface entre arte e história da ciência para
uma compreensão da Ciência enquanto produção socio-histórica, influenciando e sendo
influenciada por elementos de seu entorno cultural. Para o desenvolvimento das aulas,
utilizou-se os parâmetros propostos por Forato (2009), que contemplam requisitos da
didática das ciências e da historiografia contemporânea. Como resultado, apresenta-se um
breve planejamento para quatro aulas, incluindo atividades, análise comentada do trecho do
poema A Divina Comédia e sugestões bibliográficas de apoio ao professor.
Dante Alighieri, poeta florentino do século XIII e XIV d.C, destacou-se pela
publicação de A Divina Comédia, série de poemas que captam o espírito político,
cultural e religioso do período, narrando as peregrinações do poeta pela dimensão
espiritual. Dentre os aspectos tratados na obra, encontramos referências a
Cosmologia da época. Visando abordar o modelo Geocêntrico de maneira
contextualizada, selecionamos, para este trabalho, o trecho da explanação feita por
Beatriz no Paraíso, acerca da hierarquia celeste (ALIGHIERI, 2010b, p.21-24).
1 Que defende uma visão integral e um entendimento geral dos fenômenos. "holistico", in Dicionário Priberam da
Língua Portuguesa [em linha], 2008 2013, http://www.priberam.pt/DLPO/holistico [consultado em 26-03-2014].
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Um claro exemplo recente é o livro Inferno, de Dan Brown. Embora seja uma ficção, com os conteúdos
apresentados a partir de uma perspectiva peculiar de seu autor, o livro alcança grande sucesso e está sendo
cotado para a produção de um filme em 2016.
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Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência.
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primeiro ano, foram detectados alguns indícios de uma visão confusa e limitada
sobre a ciência e aspectos de sua construção (GIL PÉREZ et al., 2001).
Tais indícios levaram ao desejo de encontrar uma abordagem que permitisse
problematizá-los. Para tanto, fez-se necessário pensar qual concepção de Ciência
permeia a prática docente, ou seja, a reflexão sobre a prática (ROLDÃO, 2007).
Partindo do pressuposto de que o discurso do educador é permeado pelos seus
valores, portanto, não-neutro, buscamos traçar qual visão de Ciência desejávamos
comunicar.
Pensando em Ciência como uma construção permeada pelo contexto em
que se insere, considerou-se que uma forma de trazer à tona esses fatores era usar
como abordagem algo que evidenciasse estes aspectos. Acreditamos que episódios
da história das ciências permitem explicitar sua relação com outros saberes de uma
determinada cultura. Neste caso, escolhemos a interface entre Ciência e Literatura,
por acreditarmos que o trecho recortado da obra de Dante, atende justamente a
estes fatores socioculturais envolvidos com a visão Geocêntrica na Idade Média.
Inúmeros desafios permeiam a utilização de HFC no Ensino, e tanto a
literatura na área (FORATO et al., 2012; MARTINS, 2007; MATTHEWS, 1995),
quanto a experiência obtida em sala de aula (PIBID), demonstram a necessidade de
que a inserção seja cuidadosa, contínua, não bastando uma intervenção pontual.
O plano da proposta piloto, desenvolvida e aplicada no âmbito do PIBID,
surgiu com o intuito de problematizar a visão Geocêntrica de mundo. Além de
conteúdos pertinentes ao modelo Geocêntrico, objetivava-se desconstruir a visão de
uma ciência de crescimento linear (GIL PÉREZ et al., 2001), além da concepção de
que os antepassados eram ignorantes e atrasados por não terem atingido nosso
conhecimento atual. Mostrando que as ideias da época eram fundamentadas por
uma visão de mundo diferente, objetivou-se diferenciar a observação dos fenômenos
celestes da explicação construída sobre eles (MARTINS, 2006).
Buscou-se, assim, apresentar como diversos modelos podem “atender” ao
mesmo fenômeno, e como a sua aceitação está sujeita a determinados
pressupostos do seu contexto histórico. Afinal, o Sistema Ptolomaico atendia com
boa precisão as necessidades da época, a despeito de sua complexidade
(MARTINS, 1994, capítulo 6; AVENI, 1993, capítulo 5). Desse modo, além de
destacar a importância do modelo Geocêntrico, preocupou-se em desmistificar a
história medieval, retratada como período de atraso intelectual.
Naquele contexto inicial do PIBID, trabalhar essa temática com uma
abordagem de Arte e HFC suscitou questões em que as concepções prévias foram
defrontadas com o conhecimento discutido (ZYLBERSZTAJN, 1983), propiciando o
debate sobre a Natureza da Ciência, relações da ciência com a religião e o interesse
pela Astronomia. Apesar da boa receptividade, os resultados também indicaram que
o tema precisava de aprofundamento, visto que a concepção de Ciência presente no
discurso dos alunos estava carregada de aspectos deformados sobre a ciência,
como os apontados por Gil Pérez e colaboradores (2001).
O plano predecessor avaliado trazia a proposta de se trabalhar a HFC em
convergência com a arte. Os dados obtidos naquela intervenção apontaram bons
indicativos em se usar a referida obra de Dante Alighieri, para introduzir o tema do
Geocentrismo em aulas de Física (GUILGER et al.,, 2013). A inovação desta
sequência em relação à anterior é um maior destaque ao poema, usando-o quase
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Resultado
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Devido a limitações de espaço não é possível apresentar todo o planejamento pedagógico em detalhes.
Oferecemos uma visão geral da proposta, que será descrita de modo integral em um artigo a ser submetido a um
periódico científico, após a interlocução com a comunidade no evento.
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5 Conjunto das doutrinas esotéricas, filosóficas e religiosas associadas a Hermes Trismegisto, representação
sincrética do deus grego Hermes e do deus egípcio Tot. "hermetismo", in Dicionário Priberam da Língua
Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/hermetismo [consultado em 29-03-2014].
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Prefacio da 2ª edição da Obra: ALIGHIERI, 2010a, p. 7
7
Neste sentido, é interessante fazer uma breve citação de obras que derivam da Divina Comédia. Sugerimos
alguns exemplos: O livro Inferno (Dan Brown, 2013), narrando as aventuras do simbologista Robert Langdon;
as músicas Dante’s Prayer (Loreena McKennitt, 1997) e Dante’s Inferno (Iced Earth, 1995); o jogo de vídeo-
game Dante’s Inferno (EA Games, 2010).
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Mas, o que são essas manchas Dante questiona a razão de manchas na Lua, que
sombrias invalidariam ou colocaria em dúvida a concepção
Deste corpo, (Lua) que lá embaixo na aristotélica de Universo, que atribuía a todos os
Terra corpos celestes um caráter perfeito, incorruptível.
Sobre Caim (humanidade) despertam Como o mundo supralunar de Aristóteles ela
fantasias?” imutável e imaculado, as manchas lunares eram
usadas como argumento contrário a visão
aristotélica predominante (MARTINS, 1994).
dize o que por ti a respeito pensas”. Beatriz questiona o uso exclusivo da razão para a
E eu: “O que nos parece aqui diverso explicação dos fenômenos, entretanto, pede que
De massas leves julgo o efeito, ou Dante diga sua opinião a respeito. Ele, de pronto,
densas”. responde que pode ser devido a variações de
densidade. Dante aqui apresenta uma das
argumentações da época para explicar as manchas:
Elas seriam causadas por buracos na superfície
lunar, que seria um corpo sólido, material.
Na oitava esfera muitos há, luzentes Beatriz contra-argumenta que apenas a variação de
Lumes (estrelas) dos quais, no qual densidade não seria o suficiente para produzir o
como no quanto, efeito observado nas estrelas, que são diferentes
Podem notar-se aspectos diferentes. umas das outras.
Se raro e denso isso causassem tanto, A outra crença era de que os corpos celestes eram
Só uma virtude em todos estaria, compostos de éter, um ente material com
Mais repartida ou menos; entretanto propriedades distintas da matéria terrestre dos
quatro elementos (MARTINS, 1994).
se rarear fosse a razão Ela diz ainda que se as manchas se devessem a
Das manchas que indagaste, ou parte a diminuição de densidade (buracos) em partes da
parte Lua e demais objetos celestes, eles apresentariam
Deveria ter de massa privação vácuos em sua matéria. A concepção de vácuo é
Este planeta; (...) totalmente inconcebível para os aristotélicos,
buracos são imperfeições que para Aristóteles
seriam inexistentes na região supralunar (MARTINS,
1994).
(...) ver-se-ia mui bem, Se assim fosse, diz ela, esses “buracos” ficariam
Nos eclipses de Sol, transparecer patentes nos eclipses, deixando a luz solar
Seu lume, como em corpo raro advém. transparecer por essas cavidades.
Desde que o raro todo não perpasse Assim sendo, a completude do corpo impede que os
O corpo, haverá um ponto desde o qual raios de luz ultrapassem a limitação do corpo.
Irá a matéria densa obstar que passe
A luz, que então vai refletir-se, qual
Toda cor volta do vidro polido
Cuja outra face disfarça um metal.
(espelho)
(...)No nono céu, o da divina paz, Aqui, ela explica a hierarquia celestial:
Um corpo gira, no poder de Quem Do último céu (9º) parte a essência para a
O ser de tudo que ele abrange jaz. movimentação das esferas seguintes;
O seguinte, (oitavo) que tantos lumes O oitavo céu é o das estrelas fixas, onde cada
tem, estrela opera como um espelho da Glória Divina,
O reparte em essências diferentes, dividindo esse poder em vários fragmentos.
Dele distintas, que ele contém. Os sete céus correspondem aos “céus dos
Os outros céus, nos modos pertinentes planetas”, e também repartem esse poder divino,
Às virtudes de vária condição, além de serem os responsáveis por determinar as
Distribuem os seus fins e as suas características das pessoas, de acordo com
sementes. combinações posicionais em relação aos signos do
Que do alto tomam e pra baixo dão. Zodíaco.
O movimento e a virtude dos céus, O que dá movimento as esferas celestiais, é o
Qual, do ferreiro, a obra do martelo, trabalho incessante dos anjos, onde cada classe
Deve provir dos beatos anjos seus; angelical corresponde a uma esfera. (Ordens
E o Céu, que tantos lumes fazem belo, pseudo-dionisíacas)
Da excelsa Mente que o move assimila Essa explicação serve para estabelecer uma
A imagem santa e faz dela o seu selo. amalgama entre os conceitos físicos estabelecidos e
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Considerações Finais
Compreende-se que existam algumas dificuldades para a aplicação desta
proposta, como a presença de um vocabulário e construção textual rebuscados,
para o estudante da Escola Básica. Entretanto, entende-se que a mesma pode ser,
igualmente, um interessante desafio ao professor e aluno, convidando ambos a
descobrirem novas perspectivas e formas de escrita, aliadas a discussões sobre a
natureza da ciência. Colocar os estudantes em contato com a poesia do período
pode ser uma experiência enriquecedora para observar algumas relações entre o
pensamento cosmológico e outras esferas sociais. Além disso, permite desconstruir
preconceitos comuns com o tema da visão geocêntrica, mostrando que tal
entendimento não se devia a uma ignorância conceitual dos fenômenos, mas a uma
percepção distinta de como eles se davam.
Envolver o estudante em diferentes estratégias pedagógicas permite
trabalhar diversas competências e habilidades, quando se busca trazer o aluno para
uma posição mais ativa em aula, convidá-lo a reflexão. Por exemplo, compreender
como o domínio da posição dos astros era importante para as navegações, já que os
navios dependiam de um conhecimento elaborado das cartas celestes para se
localizarem em meio ao Oceano. Além disso, é importante pensar em como o
modelo geocêntrico é mais intuitivo que o heliocêntrico, embora utilizemos este no
lugar daquele. Apresentar ao aluno essas questões permite trazê-lo para um ponto
de reflexão crítica de como a Ciência se estabelece e interage com a sociedade.
Deste modo, entende-se que a Divina Comédia pode ser um excelente recurso para
ensinar Ciências sob uma perspectiva contextualizada historicamente.
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ALIGHIERI, Dante. A Divina Comedia: Paraíso. Tradução: Italo Eugenio Marco. 2.ed.
São Paulo: Editora 34, 2010.
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