Você está na página 1de 12

A GEOGRAFIA E A QUESTÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE: A

TOTALIDADE, O COTIDIANO E O LUGAR


Evânio dos Santos Branquinho
Universidade Federal de Alfenas – Unifal-MG
evanio.branquinho@unifal-mg.edu.br

INTRODUÇÃO
Vemos que a questão da interdisciplinaridade acompanha a Geografia desde a
sua instituição como ciência moderna. Entretanto, as discussões mais específicas acerca
da interdisciplinaridade (e mesmo da intradisciplinaridade), propriamente dita, surgem a
partir da década de 1970.
O objetivo principal deste estudo é abordar a questão da interdisciplinaridade na
Geografia de uma forma crítica, contextualizá-la e propor um caminho de integração
através dos estudos do cotidiano e do lugar.
No contexto da mundialização, a Geografia assume cada vez mais um papel
multidimensional, que busca responder à crescente complexidade das relações
socioespaciais. Assim, entendemos que um único método não seja suficiente, mas qual
seria o caminho para integrá-los sem cair em confusão ainda maior? Se tomarmos como
exemplo os principais métodos utilizados na Geografia, que acabaram definindo
correntes dentro dessa disciplina: o hipotético-dedutivo, o fenomenológico e o
materialismo dialético?
Frente à insuficiência de afirmações como: “a interdisciplinaridade não se
ensina, não se aprende, apenas vive-se”, poder-se-ia perguntar, como? Então,
necessariamente se desembocaria numa questão acerca do método, que se coloca como
um dos objetivos específicos deste trabalho.
Como procedimentos metodológicos adotamos: levantamento bibliográfico
acerca da abordagem da interdisciplinaridade de um modo geral, assim como de sua
abordagem na geografia e, afora esta questão, de temas da geografia urbana,
especialmente, sobre a segregação socioespacial; uso de dados estatísticos, mapas e
imagens, e realização de entrevistas semi-estruturadas com a população.

A INTERDISCIPLINARIDADE
Richcard Hartshorne (1978), em debate na década de 1960 sobre a
especificidade da Geografia em relação às outras ciências, sustentava que a Geografia
preocupar-se-ia com os aspectos, não em si mesmos, mas na sua qualidade de elementos
de integração de áreas, não reconhecendo os dualismos como Geografia Física e
Humana, e sim estudos tópicos e regionais, que constituiriam métodos distintos, mas
não opostos.
Todos os estudos em Geografia analisam as variações espaciais e as conexões
de fenômenos em integração. Não existe dicotomia ou dualismo. Pelo
contrário, verifica-se uma gradação ao longo de um contínuum, desde os
estudos que analisam os complexos mais elementares em variação espacial
através do mundo, até os que analisam as mais complexas integrações em
variação espacial dentro de limites de áreas reduzidas (HARTSHORNE,
1978, p. 129)

Em meados da década de 1960, Pierre George, em sua obra Sociologia e


Geografia, situava a geografia como a disciplina que transitaria pelas outras a fim de
promover a integração desses conhecimentos. Neste sentido, a geografia possuiria uma
dimensão horizontal, daí sua originalidade, enquanto as outras ciências, como a
sociologia, por desenvolver pesquisas especializadas, teriam uma dimensão vertical:
George, comparando a geografia e a sociologia, para quem não haveria
sociologia científica sem o conhecimento da sociedade como um todo, evidencia o
problema metodológico na geografia que não possibilitaria uma interação mais eficiente
entre as disciplinas, implicando em uma dispersão do conteúdo: “A pesquisa geográfica
é induzida por dispersão essencial. Esta dispersão é responsável por seu esfacelamento,
porque não há mais unidade de método entre os diversos campos de estudo a que
conduz esta dispersão” (GEORGE, 1969, p. 18).
A integração dos diversos campos na geografia é fundamentada na interação das
forças naturais, econômicas e sociais que convergem para a constituição de uma
situação geográfica, superando a divisão entre a abstração da teoria e a realidade:
Se Pierre George segue a partir daí o caminho de um método de análise no
desenvolvimento de pesquisas pluridisciplinares, Casanova (2006), falando
especificamente da interdisciplinaridade, aponta para o caminho do método de
abordagem:
A interdisciplina, como relação entre várias disciplinas em que se divide o
saber-fazer humano, é uma das soluções que se oferecem a um problema
muito mais profundo, como a unidade do ser e do saber, o da unidade das
ciências, das técnicas, das artes e das humanidades com o conjunto
cognoscível e construível da vida e do universo (CASANOVA, 2006, p. 13).

É importante situar a interdisciplinaridade em um contexto maior de


fragmentação do conhecimento científico, que se aprofunda a partir do século XIX com
o positivismo, mas como indicou Casanova, a fragmentação alcança a própria vida, pois
a reprodução das relações sociais ocorre de modo a cada vez mais fragmentado.
Com efeito, à necessidade de dividir e articular a pesquisa e o ensino do
conhecimento sobre o mundo e as circunstâncias em que alguém vive, luta e
constrói, acrescenta-se a de compreender o “conjunto”, a “totalidade” ou o
“universo” em que se inserem as distintas disciplinas, especialidades ou
faculdades e seus esforços interdisciplinares (CASANOVA, 2006, p. 12).

Uma questão chave é: A Geografia foi capaz de promover a


interdisciplinaridade, e o que dizer da intradisciplinaridade?
Inicialmente é preciso considerar que não há um tudo ou nada de
interdisciplinaridade, esta de certa forma sempre esteve presente nas disciplinas, a
exemplo de estudos sobre a escala cartográfica, a dinâmica das massas de ar ou a
segregação socioespacial, nos quais são necessários para as suas abordagens os
conhecimentos de mais de uma disciplina.
Milton Santos identificou um “princípio de interdisciplinaridade” a todas as
ciências, citando Boudeville: “toda ciência se desenvolve nas fronteiras de outras
disciplinas e com elas se integra em uma filosofia. A geografia, a sociologia, a
economia, são interpretações complementares da realidade humana” (SANTOS, 1978,
p. 102).
Trabalhamos aqui com a noção de interdisciplinaridade como interação dos
diversos conteúdos das disciplinas visando a um conhecimento integrado. A articulação
ocorre no âmbito do objeto, com temas originariamente mais voltados a uma abordagem
integrada. Frente à complexidade do objeto, que expressa uma ou mais dimensões da
realidade (sociedade com globalidade), sustentamos que os principais métodos (citados
acima) também sejam articulados, a partir dos diferentes enfoques do objeto, visando à
construção de um conhecimento como totalidade.
Consideramos desse modo que o materialismo histórico e dialético tem a
potencialidade de integrar os outros métodos em virtude justamente de sua orientação à
totalidade. Também importante é que se trata de um método de interpretação, portanto,
que envolve uma visão política e ideológica do objeto, e não apenas de um método de
análise, que constituiria mais os procedimentos metodológicos da pesquisa.
Como exemplo, podemos citar a abordagem de Lefebvre (1974) sobre a
produção do espaço, na qual interage uma tríade de processos: a representação do
espaço, o espaço de representação e a prática espacial, para os quais são necessários a
convergência e integração dos conhecimentos filosóficos, sociológicos, históricos,
geográficos, psicológicos entre outros. A representação do espaço envolveria mais um
método racional, hipotético-dedutivo, os espaços de representação um método mais
fenomenológico, e a prática espacial, um método dialético envolvendo o espaço vivido,
percebido e concebido.
Frente a um saber hegemônico e institucionalizado, o conhecimento
inevitavelmente deve revelar sua natureza política, da práxis e do devir. Como expressa
Casanova (2006, p. 12):
Seu enfrentamento com as “disciplinas” opressivas ou sua indisciplina
perante a opressão teórica e metodológica implicará a construção de
“disciplinas” libertadoras, em que um dos objetivos consistirá em articular as
distintas especialidades do saber para ver o que escapa ao saber hegemônico
que seja significativo quando se quer conhecer algo, por exemplo as raízes da
injustiça social, ou construir algo, como “um mundo menos injusto”.

O materialismo histórico dialético expressa bem tanto uma concepção científica


quanto um projeto de transformação social pela práxis, para tanto uma categoria
fundamental dentro de seu arcabouço teórico é a de totalidade.
A TOTALIDADE
Tentamos adotar aqui a categoria da totalidade como princípio integrador das
diversas disciplinas, entendendo esta totalidade, como referido, enquanto a sociedade
em sua globalidade (SANTOS, 1978, p. 115).
A divisão das ciências, em si, não deve ser vista de modo negativo ou redutor,
pois levou a um aprofundamento do conhecimento, o problema maior foi sua
fragmentação dentro do positivismo e a especialização perdendo a noção da totalidade
(dialética) e aplicação de um único método principal a todas às disciplinas, proveniente
das ciências da natureza.
Na década de 1960, Karel Kosik chamava a atenção para a redução, no âmbito
metodológico, do conceito de totalidade:
O sentido principal das modificações introduzidas durante os últimos
decênios no conceito de totalidade foi a sua redução a uma exigência
metodológica e a uma regra metodológica na investigação da realidade. Esta
degeneração do conceito resultava em duas banalidades: que tudo está em
conexão com tudo, e que o todo é mais que as partes (KOSIK, 2011, p. 42).

Assim nenhuma ciência daria conta de abordar todos os fatos, mas sim que cada
fato em sua essência reflete a realidade, que só pode ser interpretada de modo
aproximativo. Segundo o autor, “[...] no pensamento dialético o real é entendido e
representado como um todo que não é apenas um conjunto de relações, fatos e
processos, mas também sua criação, estrutura e gênese” (KOSIK, 2011, p. 51).
A proposta seria a abordagem da totalidade como um sistema aberto, dinâmico
em sua concreticidade, ou seja, lógica e histórica.
[...] assim também a categoria da totalidade perde o caráter dialético se é
entendida apenas ‘horizontalmente’, como relação das partes e do todo, e se
desprezam os seus outros caracteres orgânicos; a sua dimensão ‘genético-
dinâmica’ (criação do todo e a unidade das contradições) e a sua dimensão
‘vertical’ que é a dialética de fenômeno e essência (KOSIK, 2011, p. 63).

A renovação crítica na geografia apontou o caminho do materialismo histórico


dialético, mas como assinalou Lacoste (1993), nem sempre a junção de um método
eminentemente histórico se integrou bem à dimensão espacial da geografia. O estudo da
vida cotidiana, dimensão temporal que se assenta na espacialidade do lugar, pode
indicar um caminho, pois como afirmou José de Souza Martins, em estudo sobre o
subúrbio, se não conseguimos definir a espacialidade de um fenômeno social, então não
entendemos este fenômeno, uma vez que estamos separando a classe social de seu
espaço (MARTINS, 1992).
O método indutivo empregado na Geografia clássica não conseguiu chegar ao
nível das generalizações, ou apenas precariamente, ao universalismo do conceito e da
teoria, acomodando-se no empirismo. É o que discutiremos a seguir, procurando
interagir os conhecimentos da sociologia, da história e da geografia a partir do estudo do
cotidiano.

A ABORDAGEM DA VIDA COTIDIANA


O estudo do cotidiano constitui um caminho, não o único, para uma abordagem
integrada da sociedade como globalidade contraditória e crítica; como uma dimensão
imprescindível da totalidade concreta.
Em A vida cotidiana no mundo moderno, obra em que nos apoiamos para a
discussão do cotidiano, Henri Lefebvre o concebe como:
O cotidiano é o humilde e o sólido, aquilo que vai por si mesmo, aquilo cujas
partes e fragmentos se encadeiam num emprego do tempo. E isso sem que o
interessado tenha de examinar articulações dessas partes. É portanto aquilo
que não tem data. É o insignificante (aparentemente); ele ocupa e preocupa e,
no entanto, não tem necessidade de ser dito, é uma ética subjacente ao
emprego do tempo, uma estética da decoração desse tempo empregado.
(LEFEBVRE, 1991, p. 31)

O caminho é descrever e analisar o cotidiano a partir da filosofia, para mostrar a


dualidade deste: decadência e fecundidade. Como exemplo o conceito de cotidianidade
que se concebe na filosofia, mas só se realiza no mundo real.
O autor propõe a abordagem do cotidiano como uma superação da filosofia, a
superação da racionalidade do pensamento pela materialidade do mundo real e,
portanto, da separação entre a razão (filosófica) e a realidade (social)
Em relação aos filósofos e às ciências sociais que desconsideraram o estudo da
vida cotidiana e fragmentaram a apreensão da realidade social. A totalidade aparece de
modo teleológico: “Além do mais, enquanto reflexão sobre uma realidade parcial da
vida social – a cotidianidade –, mas porque ela considera reveladora essa realidade
parcial, a análise não poderá dispensar teses nem hipóteses do conjunto da sociedade”
(LEFEBVRE, 1991, p. 34).
O percurso metodológico propõe a realidade cotidiana como ponto de partida e
de chegada de uma formulação teórica. Teoria e prática são abordadas de forma
dialética. Enquanto método de abordagem,
Este método, que atinge proposições que concernem à globalidade social,
opõe-se evidentemente ao empirismo, à coleta interminável de fatos ou
pretensos fatos. Não existem mais fatos sociais ou humanos sem ligação
(conceitual, ideológica ou teórica) do que grupos sociais que não estejam
reunidos por relações de conjunto. Tratando-se do cotidiano, trata-se,
portanto, de caracterizar a sociedade em que vivemos, que gera a
cotidianidade (e a modernidade) (LEFEBVRE, 1991, p. 35).

Rejeitando tanto um filosofismo quanto um economicismo em Marx, o autor


propõe a concepção da Produção além do ambiente da fábrica, em um sentido amplo:
das obras, do ser humano, das relações sociais, do espaço e do tempo, assim como a
reprodução dos mesmos.
Esse movimento se desenvolve na vida cotidiana, na qual se situa o núcleo
racional, o centro real da práxis: “A produção da própria vida pelo ser humano, na qual
se inclui também o consumo, mediado pela ideologia, a cultura, as instituições e
organizações” (LEFEBVRE, 1991, p. 39).
Lefebvre identifica esse processo na França a partir da década de 1960, mas são
transformações que remetem para além deste país, na escala mundial do modo de
produção capitalista. Verificou aí não apenas o recorte e a organização do cotidiano,
mas também sua programação, de onde definiu o conceito de sociedade burocrática de
consumo dirigido, cuja finalidade seria a sociedade burocrática de consumo dirigido: a
cibernetização da sociedade pelo caminho do cotidiano, em outros termos, consolidar o
cotidiano, estruturá-lo, torná-lo funcional.
Em relação à cidade e ao urbano, a cidade tradicional explode, enquanto a
urbanização se estende globalmente. A cibernetização da sociedade requer a
organização do território, para a qual o urbanismo atende às necessidades da reprodução
das relações produção capitalistas (LEFEBVRE, 1991, p. 73-74).
Entretanto, os irredutíveis, as contradições que nascem ou renascem, como
resíduos, resistências afloram e expõem as tensões e as contradições imanentes ao modo
de produção, sobretudo, pela diversidade do uso, na luta pela apropriação dos lugares.

O LUGAR
É no lugar que as estratégias maiores de reprodução convergem e interagem com
as especificidades de reprodução da vida, como indicou Martins (1992), onde se dá o
confronto entre a História e a memória, lugar do cotidiano e não da História.
O lugar se coloca como o espaço onde se concretiza o cotidiano, o espaço de
extensão e apropriado pelo corpo, de manifestação do vivido e definido pelo uso. É
neste que o cotidiano se efetiva; segundo Amélia L. Damiani (1999, p. 168): “O
cotidiano, como conjunto de atividades e relações, efetua-se num espaço e num tempo
sociais: o lugar e suas temporalidades”.
O lugar é definido pelo uso através dos sentidos, no plano do imediato, do vivido.
Portanto, por uma prática socioespacial que constrói referências, uma identidade, pela
vivência nesse lugar. Nesse sentido, Ana Fani A. Carlos (1996) propõe a abordagem do
lugar pela tríade: habitante-lugar-identidade.
É no lugar que se desdobra a relação (contraditória) entre o mundial (conjunto de
relações sociais de produção desenvolvido em escala global) e o local (plano do vivido,
do uso). O mundial penetra o local, sem contudo eliminar suas particularidades.
Ana Fani A. Carlos (1996, p. 66) assinala dois fenômenos contraditórios na
relação entre o cidadão e a metrópole, que se verificam no lugar: o estranhamento,
resultado da perda de referenciais e criação de novos padrões associados ao mundial
(individualismo, anonimato etc.); e o reconhecimento, resultado da constituição de
identidades que ocorrem no plano do vivido, pelas experiências de vida em determinado
lugar.
Damiani (1999) considera ainda que o lugar não é apenas o particular, mas o
diferente. Desse modo, a autora aponta duas noções de lugares: o diferente em relação
aos outros lugares e ao mundo; e o da particularização, ou seja, aquele constituído pela
segregação.
Apesar do cotidiano e o lugar se apresentarem como homogêneo, fragmentado e
hierarquizado, resultado da reprodução do mundial e sua forma de desenvolvimento
desigual, nem tudo foi reduzido a sua lógica e normatização. Nos interstícios dessa
ampla sistematização do cotidiano e dos lugares, a vida resiste, e surge o espaço (e o
momento) para o espontâneo, o informal, a obra humana, no qual novas formas de
apropriação vão se definindo.
Procuramos considerar também esses modos particulares de vida que convivem (e
resistem) a um padrão urbano ligado à reprodução do mundial, que indiscutivelmente se
impõe. Entretanto, ele não destruiu todas as outras formas de relações que se
desenvolveram no passado e persistem, ou buscam sua inserção nesse “novo” urbano.
Nesse sentido, a pesquisa busca também considerar o movimento entre essas tendências
(mundial/local, segregação/inserção) que resultam na construção do cotidiano, em suas múltiplas
diversidades e especificidades.

A PRODUÇÃO E O LUGAR DA/NA PERIFERIA


Tratamos aqui do estudo de caso acerca do bairro do Pinheirinho, localizado na
cidade de Alfenas-MG. O Pinheirinho constituiu-se na década de 1980, através da
instalação um conjunto habitacional (COHAB Francelino Pereira), caracterizando-se
como uma periferia típica de segregação socioespacial, em termos de precariedade de
infraestrutura e distância do centro. Como outros projetos da COHAB, carregava a
deficiência de ser apenas um projeto habitacional (em si já questionável) e não um
projeto urbano.
Após trinta anos, o bairro já passou por um processo de consolidação na
estrutura urbana, com a instalação de algumas infraestruturas e serviços coletivos. Nos
últimos dois anos, as instalações de um novo campus da Universidade Federal de
Alfenas, novos loteamentos e de um condomínio fechado (Residencial Porto Seguro)
vêm desencadeando processos de valorização e especulação imobiliárias. Essas
transformações mais recentes apontam para a constituição de periferias mais complexas,
onde não se verificam apenas um espaço homogêneo em termos de precariedade de
infraestruturas e serviços coletivos, mas uma heterogeneidade de usos e classes sociais e
de novas formas de segregação socioespacial.
Outro fato importante é que parte da população do Pinheirinho não percebe esse
espaço como uma periferia em termos de precariedade e segregação socioespacial.
Então como tratar esse lugar? O debate sobre a exclusão contribui nessa interpretação.
José de Souza Martins defende que não vivemos em uma sociedade de exclusão de
definitiva, mas um processo contínuo e dialético de exclusões e inclusões e, no caso das
periferias, de inclusões precárias, instáveis, como no caso dos subempregos e na
vulnerabilidade dos empregos. Portanto, essas moradores da periferia mesmo vivendo
algumas formas de inclusão com acesso a alguns bens e serviços, as exclusões dar-se-
iam sob novas formas como acesso a serviços culturais, educacionais e de lazer,
indicando situações que essas pessoas poderiam estar incluídas economicamente, mas
não socialmente, o que o autor chama a atenção para a constituição de novas formas de
pobreza (MARTINS, 2012).
Em termos de resultados preliminares, realizada uma primeira pesquisa de
campo, com a realização das entrevistas (cerca de 100), pode-se notar que de uma forma
geral a geografia foi capaz de promover a interdisciplinaridade, não obstante, em função
do tema, mais trabalhado pela geografia humana, sobretudo a geografia urbana, a
articulação maior se deu com outras disciplinas das humanidades, como história,
sociologia, nas quais o método do materialismo histórico-dialético tem uma grande
presença, uma linha do urbanismo também segue essa direção, que também utilizamos.
Até esse momento, um pouco mais distante ficou a integração intra-disciplinar,
especialmente com os métodos da geografia física, que trabalha mais com um método
hipotético-dedutivo, tais como a teoria de sistemas, o que pode apontar um caminho de
articulação com as ciências físicas e exatas, mas ainda não conseguimos integrar
satisfatoriamente. Os temas da geografia física aparecem mais próximos através da
questão ambiental (tais como índices de áreas verdes, alterações do microclima de
degradação geomorfológica), que também podem indicar um caminho de integração
intradisciplinar.
Esses resultados preliminares indicam que a pesquisa encontra-se em uma fase
intermediária, sendo necessário ainda um desenvolvimento melhor da fundamentação
teórica, especialmente dos métodos da geografia física, e da continuidade da pesquisa de
campo, direcionada mais aos seus métodos e temas, ou seja uma melhor articulação
entre a fundamentação teórica com a realidade do lugar, a fim de identificar as novas
formas de pobreza e de exclusões.
Os estudos da vida cotidiana e do lugar trazem o potencial para realizar um
estudo integrado, pois requer os conhecimentos e os diferentes métodos aplicados nas
diversas disciplinas. A totalidade é uma categoria chave, pois implica a superação das
divisões entre teoria e práxis, senso comum e ciência, parte e todo, contextualizando a
produção do conhecimento no conjunto da reprodução das relações sociais, e
relativizando-a em seu quadro espaço-temporal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARLOS, Ana Fani A. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996.
DAMIANI, Amélia Luisa. O lugar e a produção do cotidiano. In: CARLOS, Ana Fani
A. (org). Novos caminhos da Geografia. São Paulo, Contexto, 1999. p. 161-172.
CASANOVA, Pablo G. As novas ciências e as humanidades: da academia à política.
São Paulo: Boitempo, 2006.
GEORGE, Pierre. Sociologia e geografia. Rio de Janeiro: Cia. Editora Forense, 1969.
HARTSHORNE, Richard. Propósitos e natureza da geografia. São Paulo: Hucitec,
1978.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 9ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra.
São Paulo: Papirus, 1993.
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991.
LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. Paris, Éditions Anthropos, 1974.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo, Documentos, 1969.
MARTINS, José de Souza. A sociedade vista do abismo. 4ª Ed. Petrópolis: Vozes,
2012.
MARTINS, José de Souza. Subúrbio: Vida cotidiana e história no subúrbio da
cidade de São Paulo: São Caetano, do fim do Império ao fim da República Velha.
São Paulo – São Caetano do Sul: Hucitec e Prefeitura de São Caetano do Sul, 1992.
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1978.

Você também pode gostar