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ENCONTRO | COM ROBERTO MALLET

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ENCONTRO | COM ROBERTO MALLET

A vida moderna é uma agitação disper-


sante. E somos um produto dessa agitação.

À medida que crescemos, surge uma


desconexão entre nossa existência concreta
e a dimensão do nosso pensamento, que de-
veria ser um guia para nossos sentidos e ob-
jetivos.

E justamente por haver essa desconexão,


o pensamento acaba por nos enganar, guian-
do a nossa vida para direções estranhas, que
nos chegam de fora: das informações que re-
cebemos diariamente, das pessoas influen-
tes nos meios de comunicação, etc.

Porém, não apenas estamos sofrendo


com essa desorientação, mas também com
uma falta essencial. Estamos à procura de
algo, mas ao mesmo tempo percebemos que
nossos desejos podem não passar de fanta-
sias.

No Encontro você verá que o caminho


da vida humana não é apenas um caminho
fixo, mas são vários caminhos. E o modo de
trilhá-los já foi exposto há milhares de anos
por muitos de nossos antepassados, que ma-
pearam os problemas fundamentais da na-

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tureza humana, tais como Sócrates e Platão.

Retornando à questão da Modernidade,


um dos problemas que nos levam à descone-
xão com essas respostas do passado é que a
própria ideia de natureza humana é contes-
tada.

Esse é um vício mental (não apenas in-


telectual) que vem de séculos – pelo menos
desde o século XIII, quando Guilherme de
Ockham com seu nominalismo começou o
deslocamento entre a dimensão mental e a
dimensão concreta da vida.

Um dos sintomas desse vício é que a


mente só absorve o conhecimento em sua
forma verbal, de afirmações, sem ligar-se ao
referente real.

Na era da informação e das redes sociais,


isso gera um fenômeno de poluição do es-
pírito com conteúdo irrelevante, errôneo ou
até danoso – como opiniões ideológicas, ima-
gens pornográficas e propaganda.

E para a pessoa imersa no caos moderno


essa poluição pode aparentar ser a totalidade
do real e o que há de mais importante e in-

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questionável, quando na verdade só o parece


pela reprodução em massa dessas informa-
ções.

Um exemplo claro disso é o tom inflama-


do dos debates políticos atuais, em que pes-
soas se envolvem com todo fervor em ques-
tões que sequer estudaram a fundo e cujas
consequências não entendem realmente, re-
sumindo-se muitas vezes a um movimento
de estímulos emocionais e afetivos.

Nada disso é realmente a nossa substân-


cia, mas sujeira que veio de fora.

Na Ética a Nicômaco Aristóteles mapeia


o que cada tipo de pessoa quer em sua vida.
Ele chega à conclusão que todas as pesso-
as querem a Felicidade. Porém, se questio-
na: por que a maioria das pessoas parece ser
frustrada e não feliz?

Sua resposta, coincidindo com o que fa-


lamos, é que as pessoas colocam a felicidade
no lugar errado. E buscando o que não as sa-
tisfaz, acabam frustradas.

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A MEDITAÇÃO
Para limparmos nosso ser, é preciso me-
ditar, para retomar a conexão entre nosso
pensamento e a voz de nosso coração.

E é necessário fazer um alerta importan-


te: devemos ignorar as imposições de fórmu-
las para “viver bem”. O caminho para retomar
o contato com o sentido dispensa fórmulas
e deve partir da sua situação existencial con-
creta. Tudo o mais é alienação.

O primeiro elemento dessa situação con-


creta é o seu caráter, que será explicado na
segunda conferência do Encontro.

Meditar é ocupar-se de um tema, rode-


ando-o. E há alguns temas essenciais a todo
ser humano, como a morte.

Dizia Nelson Rodrigues que o homem


que não pensa na morte é mais árido que
três desertos.

Você já pensou no que vai acontecer


quando você morrer? Quais arrependimen-
tos você não gostaria de deixar? O que gosta-

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ria de ter realizado? O que terá sido desperdí-


cio de seu tempo e esforço?

E depois que você morrer? Virá o nada?


Se for o nada, isso não lhe causa alguma re-
volta? Se não for o nada, como será seu en-
contro com Deus?

As respostas não virão rápido. E isso faz


parte, mas o caminho se faz ao caminhar.

O encontro da voz própria é um resulta-


do do encontro com o coração, limpo da con-
fusão que o separa da mente.

Na segunda conferência do Encontro


você entenderá o que é personalidade e como
cultivá-la para que ela se torne mais integra-
da a nosso ser, inclusive à voz e à expressão.

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LEITURA COMPLEMENTAR
Os Homens Ocos (Hollow Men), de T. S.
Eliot, trad. Ivan Junqueira

“A penny for the Old Guy”


(Um pêni para o Velho Guy)

Nós somos os homens ocos


Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sombra sem cor


Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram


De olhos retos, para o outro reino da
morte
Nos recordam - se o fazem - não como
violentas

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Almas danadas, mas apenas


Como os homens ocos
Os homens empalhados.

II

Os olhos que temo encontrar em sonhos


No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.

Que eu demais não me aproxime


Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas
cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo

- Não este encontro derradeiro


No reino crepuscular

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III

Esta é a terra morta


Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.

IV

Os olhos não estão aqui


Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos
perdidos

Neste último sítio de encontros


Juntos tateamos

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Todos à fala esquivos


Reunidos na praia do túrgido rio

Sem nada ver, a não ser


Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.

Aqui rondamos a figueira-brava


Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada

Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino

Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação

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Tomba a Sombra
A vida é muito longa

Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o

Assim expira o mundo


Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um
suspiro.

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