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De Amor, Amar e Amantes

Primeira Parte
Ocorreu-me esta manhã que qualquer livro que relate a história de
uma mulher não estará completo se não contiver uma discussão
honesta de suas crenças, experiências, aprendizagens e sonhos
sexuais. A abertura de outras mulheres - tanto através do que
escreveram como nos grupos de mulheres nos quais atuei como
facilitadora - ajudou-me a me compreender e a crescer e mudar.
Portanto, é em reconhecimento à abertura de outras mulheres que
partilh9 minh~ . próprias experiências. Publicar este capítulo faz
com que me sinta muito vulnerável. Espero que ele seja recebido
com a mesma sensibilidade com que tentei escrevê-lo.
Este capítulo não é uma mera história de "casos". Pelo con-
trário, ele mostra, acima de tudo, minha trajetória rumo à indepen-
dência e a auto-suficiência, em segundo lugar minhas tentativas de
desenvolver a interde pendência e , finalmente , minha nova consciên-
cia política. Se te mos como meta transformar a sociedade atual, na
qual a mulher é subserviente, propriedade e destituída de poder, 1

nossas relações amorosas/sexuais são um ponto de partida. -~'


À medida que pensava sobre meus relacionamentos, escrevia e
conversava sobre eles, comecei a entender o significado social mais
amplo da relação com um parceiro. É importante compreender
que n ossas expressões e inibições sexuais têm lugar num contexto
social.

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Aprendi muito com minhas três filhas - hoje mulheres adul-
tas - com as quais me sinto à vontade para discutir algumas de
minhas descobertas sobre relacionamento, sexo e sensualidade.
Somos quatro mulheres muito diferentes, cada uma tomando seu
próprio rumo em relação a homens e mulheres. As discussões que
tivemos sobre sentimentos e experiências ensinaram-me a expressar
em voz alta o que sempre guardei comigo.
Minhas filhas, contudo, estão na casa dos vinte e começando
a viver o período de quarenta ou cinqüenta anos de estar em rela-
cionamento. Este pode incluir o casamento ou alternativas dele,
parceria com homens ou mulheres, a maternidade fora ou dentro
do casamento.
Estou escrevendo sobre a idade de quarenta a cinqüenta anos,
na qualidade de mulher recentemente sozinha, e sobre o contexto
político/social da mulher de meia-idade. Preciso examinar a última
década para criar aquilo de que necessito para os próximos vinte
ou trinta anos de minha vida.

Os Valores Que Adotei


Criei-me numa época em que muitas de nós recebíamos as seguin-
tes mens'igens : "As moças permanecem virgens até o casamento";
" o casamento precoce é algo aceito e desejável" ; " o casamento é
uma relação monogâmica até a morte"; " os filhos são uma conse-
... qüência natural de uma relação conjugal" ; " o controle da natali-
dade e o planejamento familiar são um direito e um dever dos casais
responsáveis"; "o sexo é agradável se ocorrer num contexto de
amor e casamento".
Assumi esses valores e raramente os questionei. Lembro-me
de que, como adolescente e adulta jovem, discordava da "proibi-
ção ao sexo pré-conjugal", mas me comportava de acordo com os
padrões culturais.
Agora, na m~ia-idade, estou solteira e jovem de espírito, inte-
resses e energia. E claro que meu corpo está envelhecendo. Mesmo
assim, tenho a mesma energia e o mesmo impulso sexual dos trinta,
que é bastante. E esta é uma verdade para muitas de nós. Com

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_..__

minhas filhas crescidas, tenho tempo para me exercitar, dançar _e


cuidar de meu corpo. Isso me ajudou a conquistar um novo senti-
mento de bem-estar físico. Já não considero minha saúde como
fato assegurado, como o fazia antigamente. Aprendi a reconhecer
minhas áreas de tensão - geralmente o estômago, o pescoço e os
ombros - e a fazer alguma coisa para aliviar essa tensão quando
ocorre. Eu me cuido, não para evitar o envelhecimento ou para
manter o mito de que beleza se identifica com juventude, mas por-
que quero envelhecer com leveza tnental, física e espiritual.
Tendo descartado as regras que trouxe comigo, é importante
saber o que quero e preciso neste estágio da vida. Quais são as
minhas necessidades num relacionamento? E minhas necessidades
sexuais? Essas duas áreas estão intimamente relacionadas, mas não
são necessariamente a mesma coisa. Se o que quero se torna claro,
é mais provável que eu realize o que desejo.

Objetivos para um Relacionamento


Gostaria de ter a con1panhia de un1 homem e ser ca paz de me I
expressar plenamente - intelectual, sexual e espiritualmente.
Logo Que me divorciei, tive como meta sentir que eu era uma
pessoa de valor, mesmo sem um companheiro. Vivendo só durante
anos, tive tempo de aprender como ser solteira e feliz, de saber que
eu tinha dentro de mim a capacidade de tornar minha vida plena.
Atualmente, meu ideal consiste e1n t er um relacionamento que seja
ao mesmo tempo Íntimo, de comprometimenco e não-possessivo.
Valorizo o sentimento de ligação ombro-a-ombro - olhar juntos
para o mundo - e o compromisso de enfrentar os proble mas aber-
tamente. Numa relação dessa natureza, eu gostaria de ter a liber-
dade de me sentir atraída por outros homens e de escolher, sem
medo de culpa ou punição, o que fazer com essa atração. Isso
implicaria um compromisso de abertura a relacionamentos exter-
nos e uma determinação de elaborar o caos e os ciúmes que tão
freqüentemente ocorrem. Num contexto assim definido, existe
sempre a possi~ilidade de que meu parceiro ou eu fiquemos atraí-
dos pela terceira pessoa. Embora esta seja uma maneira arriscada

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. 1 - neste momento da vida prefiro o risco a ser
de viver uma re aça 0 '
sufocada pela possessividade. , . .
. mulheres são tão favoraveis a esses relacionamen-
Creio que as ulh
o os homens. O mito de que a m er tem pouco
tos a b ertos q Uant "d d d lºd
. u1 ual não tem desejo ou capaci a e e i ar com mais
1mp so sex , , d" 1 d 1
de um relacionamento simultaneamente, esta se isso ~en o .enta-
mente, à medida que discutimos abertamente entre nos sentlmen-
/ tos que há muito guardamo_s. _ _ .
o ciúme e a possessividade nao me sao estranhos. Mas sei que
" ••• 0 amor é uma rosa mas é melhor não a colher. Ele cresce so-

mente quando está no pé ... Você perde seu amor quando diz a
palavra 'meu' " (Neil Young). Eu já vivi a experiência de querer
que ele fosse meu - que o homem com quem estava não se envol-
vesse emocional ou sexualmente com ninguém mais. Sei o que é
o tormento e o ódio que se sente quando ele está com outra.
Gradualmente, contudo, à medida que vivi várias relações
importantes (e algumas não tão importantes assim), de uma mulher
possessiva e monogâmica que precisava de um companheiro para
enaltecer minha auto-estima, transformei-me numa mulher relati-
vamente não-possessiva, independente, à procura de um relaciona-
mento interdependente. Sinto que a nascente - a fonte - de minha
capacidade de dar e amar é profunda e duradoura. Às vezes cubro
esta fonte ou escondo a caçamba de modo que ninguém possa mer-
gulhar~ela, mas sei que a fonte borbulhante está lá.

Necessidades Sexuais
Enquan~o essa relação fundamental não ocorre, estou aprendendo
sobre minha nat~reza sensual e sobre os diferentes tipos de relacio-
namentos, sexuais ou não, com os homens. Nesse contexto, quando
uso O termo sexual estou me referindo especificamente ao ato de
fazer amor (que pode m· c1uir,
· em b ora nao
~ exc1usivamente
· o ato
sexual). Na realidade, acredito que todo relacionament~ com
homen~, mulheres e crianças tem uma dimensão sexual.
Minha necessidade se xua1, no momento, consiste
· em frequen-
··
temen te fazer amor co h
m um ornem que me ajude a me sentir sufi-
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cientemente segura para lhe dizer, verbalmente ou não, o que me
dá e o que não me dá prazer. Quero um homem que não se sinta
amea_çado pela minha paixão e intensidade física; que aprecie e
valorize o fato de eu ter muitos orgasmos e que possa valorizar da
mesma forma minha despreocupação quando escolho não ter
nenhum; q_ue tenha consciência de sua sensualidade integral (não
apenas genital), seu lado suave e delicado, bem como se orgulhe de ;
sua energia impetuosa; que tenha respeito e cuidado para comigo .
como eu tenho para com ele. Encanta-me o fato de ser na cama,
fazendo amor, o 1ugar no q uai posso me sentir mais igual a um
homem. Por algum motivo que ainda não compreendi bem, é na .
mutualidade da expressão sexual que me sinto mais capaz de comu- ,""
nicar minha capacidade de dar e receber, de ser ativa e passiva, de
atingir as alturas, de fruição, de explorar e compartilhar.
Como mulher, sinto atualmente que tomo para mim a respon-
sabilidade pela minha própria capacidade de usufruir minha sensua- ·/
lidade e de ter orgasmos. O orgasmo não é minha "meta". É da
experiência afrodisíaca como um todo que eu participo com pra-
zer, com ou sem orgasmo. Eu acreditava que cabia ao homem
'~ levar-me ao clímax" . Atualmente creio que é preciso um homem
que me permita sentir segura e considerada e que me encorage a
desfrutar de tudo que eu possa fazer com ele, que me ajude a me
· excitar sexualmente. Confesso que, no passado, se eu fizesse algo /
como esfregar'{<;m eu clitóris contra a perna de meu marido para me1

excitar, ficaria envergonhada. Era natural ele me excitar, mas eu ") '
não aceitava tomar a iniciativa de fazer coisas que me excitassem. (
Aprendi que encontrar as maneiras de me dar prazer é excitante \
para O homem também. Que delícia saber que o que é bom para l
mim geralmente é estimulante para ele também!
Compreendo agora que cabe a mim aprender como abando-
nar-me a estados de orgasmo e êxtase. O homem pode ajudar a
criar a atmosfera propícia, pode pôr as mãos, o pênis, o corpo no
lugar certo, no momento certo , mas só ~u sou ca?az de me soltar.
Quando falei com alguns homens sobre isso, surgiu em seus ro~tos
uma expressão de alívio. " Oh, eu não sou totalmente responsavel
pela estimulação e pela felicidade de uma mulher", é a mensagem
que lhes faz bem.

99

l
1 <

Aprendi a conversar sobre minhas áreas de timidez e sobr


meu prazer em ambientes românticos. Gosto de pedir um banho:
dois, uma mas~agem, não só pelo ól~o mas _pelas carícias. Posso pôr
um fundo musical, acender velas. Nao preciso esperar passivamente
que ele adivinhe o que desejo. A maneira como meu amante res-
ponde ou deixa de responder me diz muito sobre ele. Estamos sin-
tonizados na mesma faixa de onda? Estamos a fim das mesmas
coisas? De longas horas de amor romântico? Ou apenas de nos
tocarmos? Ou de uma rápida trepada? Fazendo com que meus
anseios no mon1ento sejam conhecidos, posso aprender também
sobre os anseios dele.

Enfrentando os Padrões Sociais


Embora eu seja uma felizarda por ter um corpo atraente, segundo
os padrões hollywoodianos, há momentos em que me sinto total-
mente feia e nada atraente. Mesmo que os homens ou as mulheres
possam me ajudar a me sentir melhor, dando-me apoio e me elo-
giando, em última análise, eu preciso aceitar e amar a mim mesma,
a meu corpo. Não é questão de olhar no espelho: posso estar 5 qui-
ffi s acima do meu peso e me sentir linda. Ou posso estar com o
peso correto e me sentir repulsiva. O meu âmago, aquele sentimento
de auto-estima, é alimentado e a poiado pelos outros, mas só se
realiza dentro de mim. Muitas vezes penso que eu estaria em melhor
situação se fosse fisicamente pouco atraente. Assim, eu teria a cer-
teza de que quando um homem faz amor comigo, é porque ele
ama a mim e não a meu corpo. Quando converso com mulheres
gordas ou muito magras ou que não são "bonitas", verifico que
essa idéia é falsa. Se não amam a si mesmas também não sabem por
que um homem as está amando .
.,,. Compreendi também que meus genitais são belos. Jamais se
ensina às mulheres que os lábios genitais e a vagina são encantado-
res. A maioria de nós cresce com a idéia de que não devemos olhar
para os nossos genitais. Embora os seios femininos sejam exibidos
em propagandas de sutiãs e de carros, o único lugar em que uma
menina que está se desenvolvendo pode encontrar uma foto dos

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genitais é nas ,.,revistas pornogra, f·1cas, que d eprec1am
. a mulher em
vez d e enaltece-la · Assi m, como e, que eu - como e, que nos , -
posso aprender a prez ar meus orgaos , - . Nenhum homem
sexuais?
po d e.d me convencer · Ele po d e, com compreensao - , me ajudar
. nesse
senti. o ' mas somente eu posso apren d er a me apreciar . e, assim,
.
ser 11vre para me dar.
T~~do freqüentado várias saunas onde a nudez é permitida,
~hegu:_1 a con~lusão de que há algo belo em todos os corpos. Mas
isso nao tne ªJuda necessariamente a aceitar minhas imperfeições.
Quando uso o termo "itnperfeições" fico com raiva de mim mesma
por aceita: os padrões culturais de beleza. Quem é perfeito, e po;
que devenamos lutar pela aparência externa, a todo custo? Estou
cansada de lutar contra a influência da sociedade - a Madison
1:venue, Hollywood, os pais e os antepassados. Mesmo assim, parti-
cipo de seus valores quando admiro as pessoas "bonitas".

Superando o Embaraço
A leitura e o diálogo com meu amante ou outras mulheres levaram-
-me ~ª compreender muito mais meu ser sexual integral. Lembro-me
da primeira vez que entrei etn contato com The Myth of the Vagi-
nal Orgasm, de Anne Koedt. Estava com quarenta e dois anos,
recém-divorciada e me sentindo feliz e curiosa. Corei quando o
coloquei na bolsa. "Droga", pensei, "por que não posso me sentir
bem saindo daqui com o livro que eu quiser, bem à mostra, seja ele
de antropologia social, The ]oy of Sex ou The Lesbian Nation?
Por q ue preciso esconder meus interesses? O que nossa cultura fez
para nos tornar tão embaraçados quando queremos obter determi-
nadas informações? Por que cresci sem jamais falar em minhas
fantasias, pensamentos e sentimentos sexuais?"
O que O ensaio de Koedt dizia não era surpresa para mim. Eu
sei muito bem o quanto o clitóris é importante no prazer que sinto
~a realção sexual e na masturbação. O que foi surpreendente é que
ela, sem qualquer pudor, publicou estas palavras! Minha experiên-
ci; própria e isolada estava sendo partilhada ~om outros h_o1nens e
mulheres. In crível! Cinco anos mais tarde eu ainda me sentia enver-

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ganhada e embaraçada quando p~ss_ava pert~ de uma banca de lite-
ratura feminina que estivesse ex1b1ndo o hvro de Betty Dodson,
Liberating Masturbation· l Seus quinze delicados desenhos a bico
de pena dos genitais femininos estavam acima do que eu conseguia
olhar cm público. Agora que já comprei e li o livro , digo nova-
mente : "É fantástico encontrar mulheres que desenham e escrevem
sobre a vida tal como ela é realmente vivida." Embora sempre
tenha gostado de sexo e tenha sido educada para senti-lo como
algo saudável e natural, raramente havia falado sobre minhas expe-
riências e sentimentos.

A Mudança de Valores
A mudança decorre da educação : a informação, a autodescoberta e
o partilhar. Se há dez anos atrás eu estivesse num grupo feminino
de discussão sobre experiências sexuais, eu ficaria de boca fechada
(por timidez ou embaraço), ouvidos abertos e pensaria: "Como
elas ousain dizer estas coisas?"
'f,
O ensaio de Koedt foi o primeiro de uma série de outros que
li. Ele me despertou. Emprestei-o a outras pessoas. Aprendi a falar.
Minha principal mensagem à mulher - seja ela casada, solteira,
velha ou moça, heterossexual ou homossexual - é de que leia e
dialogue. Temos muito a aprender umas com as outras - dos nove
aos nove nta! A sexualidade assume significados diferentes em mo-
mentos diferentes da vida, mas é sempre uma parte importante de
nós mesmas. Qualquer que seja a experiência que você tenha, ela é
sempre verdadeira para você. É válida. Através da aprendizagem do
que é verdadeiro para nós e para os outros, descobrimos que temos
muitas escolhas de como manifestar nossa sexualidade: permanecer
virgem até o casamento ou ter experiências sexuais pré-conjugais;
ser monogâmica ou ter amantes; tornar-se orgástica através da mas-
turbação e satisfazer o corpo ou permanecer não-orgástica; ser celi-

1. Dodson, Betty, Liberating Masturbation, 1974. Publicado e distri-


buído por Betty Dodson, Box 1922, N. York, N. Y. 10001.

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ba tária ou ter vários tipos de experiências sexuais·; engravidar e
criar filhos ou não ter filhos.
É essa oportunidade de escolha autodeterminada que nos
torna mulheres livres. Como cada uma de nós escolhe combinar
nossas necessidades sexuais com nosso sistema de valores depende
de nós.
Quando me casei, fiz uma escolha inconsciente e, agora vejo,
muito limitada em relação à minha sexualidade. Comprei o mito
cultural de que a monogamia faz parte do verdadeiro amor.
" Amando totalmente a meu marido", disse a mim mesma, "jamais
me sentirei atraída ou amarei outro homem" . Um conceito que,
agora que paro para pensar, me parece estranho. Por que uma ceri-
mônia legal me faria passar de uma pessoa atraída e interessada por
muitos homens a uma pessoa atraída por apenas um? Coloquei
viseiras em grande parte de meu eu sensual, sexual. Raramente me
permiti viver momentos de paixão ou sedução por outros homens.
Entorpeci essa minha parte. Inibi-me de várias maneiras. Perdi con-
tato com meu lado dançador, brincalhão, namorador, em parte
devido à minha timidez, em parte em função do medo de ser uma
" mulher má", em parte porque meu marido era possessivo e ciu-
me'fito e cabia-me não ser atraente para ninguém mais.
Que ultraje nos aprisionarmos tanto! O a mor assume muitas
formas : amar como um filho, amar como um amigo, amar como
um companheiro de brinquedos, amar como um amante. O que
aprendi nos últimos anos é que se me permito a liberdade de
estar aberta para o amor, posso escolher o que fazer com esses
sentimentos.
Lembro-me bem do dia em que resolvi quebrar a monogamia
de meu casamento. Embora não me recorde de que meu marido e
eu tenhamos verbalizado "Não vou dormir com mais ninguém",
havia um pacto implícito. Durante o período negro/cinzento de
minha depressão, ansiei por algo mais na vida, no casamento. O
"algo mais" de que necessitava não era apenas sexual. Nos dezes-
sete anos de casados, satisfizemo-nos explorando-nos mutuamente
e descobrindo novas formas de sexualidade a partir de nossos pri-
meiros dias de virgindade, em meio aos altos e baixos da criação de
filhos e da procura pro fissional. Como a maioria dos casais que

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estão juntos há muito tempo, tivemos períodos de tédi ,
em que um d e nos ' tln · necessidades sexuais do 0 , epocas
· h a mais
"· , , que o outro
e epocas em que riamos dos casais que ficavam até tarde n t
q u an d o prereriamos
r , . d as estas,
ir ce o para casa para fazer amor. Mas f· 1
d d, · , • no ina
o ecimo setimo ano, os meus sentimentos eram de que " -
t d .d nao
es ou sen o ouvi a ou compreendida ou tendo o consentimento
para ser a nova pessoa em transfarmação que deseJ· o ser" minh
. 1
ener?ia sexua tornou-se uma poderosa força propulsara. Meu
' a
anse~o por algo mais na vida foi inconscientemente traduzido pelo
\ desejo de novas experiências sexuais.
. Naquela época, eu estava sendo cortejada delicadamente,
discretamente, com humor, interesse e amor por um homem a
quem, com o tempo, me entreguei. Lembro-me de que um dia diri-
gia de volta para casa e d izia para mim mesma: "Se eu captar mais
uma mensagem sutil de que ele me quer, eu vou". No dia seguinte
ele ligou (o que não costumava acontecer). Pelo tom de sua voz,
percebi que aquela era uma oportunidade de estar com ele, não só
para almoçar mas para ir para a cama. (Será que essa oportunidade
já acontecera e eu não havia percebido?) No caminho, parei numa
banca de frutas para almoçar e comprei uma caixa de cerejas. "Que
simbólico", pensei. Aquela tarde terna, adorável, em que pela pri-
meira vez vi e senti outro homem e lentamente relaxei dentro dele,
foi d~liciosa. Espantei-me com a simplicidade, a humanidade e o
calor '(;,d e nossa relação. Não houve nenhum relâmpago! A paixão
selvagem não prevaleceu. Éramos dois amigos afetuosos, unidos.
Tive a felicidade de me iniciar no sexo fora do casamento com
alguém que sempre se importará comigo e será sempre importante
para mim. . 1
Os pensamentos que me ocorreram depois d~q~ele dia enso a-
rado não foram tão animadores: "Será que desisti de meu casa-
mento? Será que eu poderia conversar com meu marido sobre eSt ~
experiência, ou a mera menção ao fato exp1o d.ira' com ocasarnento?·

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Temores Sexuais
Tornei-me conscient d
, , e e um d e meus temores. Será que meu marido
tambem o possuia? De b . d .
. . · sco n que um os motivos pelos quais me
mantivera virgem até os · t ( _ _ ,
_ . . vin e o que nao era tao raro na epoca) e
nao concretizei nenhuma d as atraçoes
- sexuais
. por outros homens
durante meu casamento era que eu temia ser comparada sexual-
mente com outras mulheres. Embora freqüentemente olhasse para
os ~omens ou para um corpo masculino e desejasse saber como ele
sena na cama, eu jamais suportaria a pergunta: "Como é ela na
cama?" Meu senso de que devia ser a amante máxima era soberano.
Eu não só teria ciúme se meu marido dormisse com outra pessoa;
eu também indagaria: "Ela foi melhor do que eu?" Minha curiosi-
dade era grande, meu medo maior ainda, e durante muito tempo
meu compromisso moral de permanecer monogâmica· foi supremo.
Pressinto que meu marido tinha os mesmos temores. Gostaria de
saber quantos casais evitam conversar e/ou experimentar por causa
dessas idéias.
Bem, após viver e amar durante cinco anos na qualidade de
mulher solteira, desfiz-me do medo de ser comparada. Embora eu
ainda ache que a união sexual pode ser a troca de energia espiritual
mais elevada - até mesmo uma transcendência das duas pessoas
envolvidas 4r- , ela pode também ser uma experiência divertida,
lúdica e sem compromisso, que dispensa comparações. A intimi-
dade sexual pode ser semelhante às demais intimidades - divertida
e importante no momento em que ocorrem. Não tenho mais a
necessidade de ser a melhor. Cada parceiro, cada hora de amor é
diferente. Sou muito diferente com a mesma pessoa em momentos
diferentes. Descubro que um encontro sexual não é necessaria-
mente melhor que outro; eles são diferentes. Essa diferença depen-
de, em parte, daquilo que trago para a experiência. Se esta~ num
de espírito agitado, apaixonado, altamente energ1zado,
esta d o • h d' · -
posso envolver meu parceiro ~esta resposta. S~ m1n a 1spos1çao
tende para a delicadeza, a suavtdade e a s~nsuahdade, posso provo-
car esta resp o Sta em meu amante. Os sentimentos que ele traz para
.
nossa intimidade são igualmente importantes. Nossas duas energias
criatn algo novo a cada vez.
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Creio que minha maior insegurança, a de precisar ser a melhor
amante, era uma projeção. Eu estava preocupada em encontrar o
melhor an1ante. Encontrei u ma variedade de homens excitantes,
com disposições diversas, em ocasiões isoladas. O perfeccionismo
estraga a graça.

O Modelo Tradicional e o Modelo Novo

Assim que me divorciei, eu tinha a dolorosa consciência de estar


começan do tudo de novo com os homens~ como se tivesse dezoito
anos. Como encontrar os homens ? Como fazer um homem saber
que estava interessada por ele? Como responder quando ele estava
interessado por mim? O que ele pensaria de mim ... ? Seria ele um
bom companheiro perman ente ?
No início, essa última questão me perseguia. Embora possa
ter havido muitas semelhan ças entre minha nova condição de sol-
teira e a adolescência, havia, na ve rdade , uma d ifere nça enorme.
Eu vivera uma vida rica : sexualmente, fora feliz durante muitos
anos. Eu era uma mulher experiente e não uma menina de dezoito
anos. Mas minha primeira reação dia nte de q ualquer h omem era:
" Seria ele um bom chefe de família, um b o1n pai substituto para
as minhas'l'filhas ?" O úni.co conceito que eu tinha e m termos de
relacionamento com os homens era o de um casal duradouro,
vivendo sob o mesmo te to . Embora eu quisesse conceber cada
homem como uma pessoa com seus direitos, como um amigo e um
amante em potencial, como uma pessoa que poderia entrar e sair
de minha vida, minha cabeça estava programada para "casamento
e monogamia", e era difícil mudar. .
Algumas das experiên cias q ue tive moldaratn-me para um
novo estilo de vida no relacjonatnento com os homens. Tentei
isolar a essência de vários tipos de relacionamento:

Posso me sentir perdidamente apaixonada e não amar.

Posso me sentir amando profu ndamente e pouco apaixonada.

Po~sso me se_ntir apaix onada, amando e íntima por uma semana, ou um


mes, e dep01s ser capaz de dizer adeus.

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----- -- -· ·- ---- - - -- - -

Sou capaz de entrar numa sala cheia de pessoas e em cinco minutos


saber quem se sente atraído por mim e por quem me sin to atraída. (Será
que todos nós sabemos isto sempre, mas simplesm ente o negamos?)

Quando estou com meu eu altamente energizado, atinjo os outros ape-


nas com minha presença. Os outros, com o mesmo tipo de energia, res-
pondem.

Posso t re par com um amigo por uma noite e não me p reocupar se acon-
tecerá de novo, por mais agradável qu e t enha sido.

Posso fazer am or com alguém que amo e ficar profundamente ferida


quando fico sabendo que ele está com outra parceira.
Sou capaz de me abrir e me deixar tocar no fundo da alma, através da
união sexual e da transcendência mútua.

Os velhos padrões - o sexo existe apenas em função do amor,


do casamento e da procriação - não mais existem para mim (e
para muitas outras pessoas).
As opções são t antas. Limitamo-nos e nos privamos de muitos
tipos de experiências positivas pela nossa definição estrita de ser
sex ual. É particularmente importante para mim, como mulher,
saber gue tenho essas opções. L'xiste uma escolha. A mulher pre-
cisa se respônsabilizar por se u próprio corpo, seus próprios valores
e sua própria sexualidade.
A amizade, o amor e a sexualidade são bastante complicados.
Às vezes escolho o amor-amizade e omito o sexo. Às vezes escolho
o sexo-a mizade e não amo. Às vezes escolho apenas a amizade,
ou apenas o amor, ou apenas o sexo. O import~nte para mim é o
fato d e eu escolh er. Sou responsável por mim. E importante para
m im permitir todas essas possibilidades em minha vida, e agir de
acordo co m o que me parece acertado naquele momento. Caso
contr.irio, nego grande parte da min ha essência, do meu ser.
Quando encontro alguém a quem quero dar e receber amor-
-sexo-amizade , fico em êxtase .
. Falei sobre muitas coisas: o cont exto no qual cresci, os valo-
res que mantive durante a adolescência e o casamento, e o que
espero atingir num relacionamento com um parceiro. Partilhei
também alguns de meus temores, necessidades e aprendizagens
sex uais. Mostrei como o ambiente social restringiu minha visão e

107
influenciou minhas opções. Falei também sobre alguns de meus
conflitos e lutas internos, bem como das formas pelas quais tentei
resolvê1tos.
Na Segunda Parte, quero expor com mais detalhes as expe-
riências homem/mulher que modelaram meus pensa1nentos, senti-
mentos e anseios.

Segunda Parte
Perspectiva Política
As experiências que relato a seguir contêm dois assuntos: minha
procura constante de um melhor relacionamento com parceiros e
a evidência de que a r_elação de um casal é "política". Creio que a

108
l
1

maneira como as mulhe l . 1


que abrirá as portas de /:as~:~d:~~-nam com os homens é a chave 1

Tenhlo duas necessidades muito intensas: uma de me dar de i


ser sensua e sexual de . . ' , .
t ' amar intimamente; a segunda de me sentir
oilrte, competlehnte e eficiente no mundo. Em nossa c'ultura é difí- ,
c para a m u · f '
er satis azer a estas duas necessidades num relacio- ,,
namento com um h d. .
. ornem. O con icionamento de nosso papel ,
sexua1 e o sistema patriarca1 f·izeram com que seJa . contraditório
para
t a mulher . amar e se d ar, e mesmo assim . ter uma identidade
. .
arte e sentir-se competente.
. Espero que, compartilhando minhas experiências, estarei
ªJUd an d° ª. mim
. e a outras mulheres na aprendizagem de como
p~ssar da vida e do amor para alguém e através de alguém, para a
vida e o amor para si mesmo, em seu sentido mais elevado. Para
s_er numa relação de igualdade, é preciso que tenhamos atingido a
autovalorização.
Num primeiro capítulo sobre expectativas em relação aos
papéis sexuais, descrevi como fui condicionada como menina e
mulher e os efeitos deste condicionamento sobre meu casamento.
Mudar o padrão de meu papel sexual é algo que requer tempo e
experiência. Atualmente estou aprendendo a ser uma mulher mais
a~se_Etiva e ousada nas relações amorosas. Estou tentando aprender
a sair do</tJ controle dos homens, e ainda assim encontrar maneiras
de me relacionar, dar amor e ser positiva com eles. A relação
íntima, o laço, o companheirismo ou o casal constituem as bases
de nossa sociedade. É aqui que o pessoal se torna político; a ma-
neira pela qual nós, enquanto mulheres, nos relacionamos com
nossos parceiros, é algo que desempenha um papel importante na
maneira como toda a sociedade funciona. Se somos "propriedade",
acatando, servindo e promovendo nossos parceiros - como tem
feito a maioria das mulheres americanas tradicionais - ou se I)ü._S
definimos como iguais, afirmativas e importantes por nós mesmas,
é algo que terá um imenso impacto em nossa cultura.
orelato de minhas experiências nos últimos sete anos não
tem uma ordem : elas se sobrepõem no tempo e no espaço. Os
homens estiveram dentro e fora de minha vida. Houve épocas em

109
que pensei que não estava interessada pelo sexo oposto. Houve
altos _arreb~tadores e baixos solitários e tristes. Os relatos a seguir
levarao o leitor a percorrer a trajetória de minha aprendizagem.

Agndoce

Eu me permiti gostar de um homem casado. Por que durante cinco anos


alimentei a fantasia de que acabaríamos nos tornando companheiros
constantes? Ele me contou, e eu sabia que era verdade, porque conhecia
sua mulher, que seu casamento era um " casamento aberto". Ele me
disse que eles fizeram um acordo de que manteriam sua relação sem
falar nos amantes. Esse pacto tinha, de certa forma, o sentido de "vá se
distrair, divirta-se e volte. Não quero saber com quem você está se diver-
tindo, enquanto isto não balançar o barco do nosso casamento" .
Ele não queria contar à mulher que estava passando momentos co-
migo. Concordei, embora ficasse constrangida, pois ocasionalmente via
sua mulher e a admirava também. Começamos a nos apegar cada vez
mais um ao outro. Eu estava começando a querer ser a sua companheira,
mas sabia que ele não tinha a intenção de romper sua relação duradoura
com ela por minha causa. Foi então que a mulher dele se apro·:irnou de
mim - ela estava à procura de novas amizades. Como ela :1ão sabia de
meu grande amor por seu marido, senti-me culpada e embaraçada quando
ela telefonou. Em resumo, embora muito hesitante, disse-lhe que não
po=dia ser sua amiga. Evidentemente, ela entendeu. Jamais soube de
tod'os os detalhes, mas minha relação profissional e pessoal com seu
marido rompeu-se. Ele explicou que eu era uma pessoa tão fantástica
que meu envolvimento com ele realmente a ameaçou. Abrimos e fecha-
mos a porta de nosso relacionamento várias vezes durante os anos
seguintes. Nunca mais ele foi o mesmo.
Quando ele me procurava, de vez em quando, eu me perguntava se
poderíamos ser amantes novamente, sem que me sentisse degradada.
Ter sido afastada de sua vida profissional significou meu afastamento do
ambiente no qual eu estava aprendendo a me sentir competente e igual.
Quando senti que a relação acabava, um ano depois, disse a mim
mesma : " Acho que acabo de lhe dizer adeus, por isso estou chorando.
Quando falávamos de nós, você era honesto, e eu o respeito por isso.
Você disse que eu sempre estaria numa posição desvantajosa numa rela-
ção com você. Eu concordo".
Eu não conseguia lhe dizer, sem desabar em lágrimas, que ele er~ um
homem que eu me permitira amar porque me ajudou a crescer. Mmha
nova autoconfiança lhe agradava ao invés de amedrontá-lo.

110
Separamo-nos. Eu me mudei. Ele se divorciou. À distância tentei
abrir a porta mais uma vez. Senti-me verdadeiramente rejeitada. Escrevi
a ele: " Você ajudou - com uma rápida tacada - a acabar com minha
última depressão. Passei por momentos difíceis ao dizer-lhe adeus en-
quanto deixava a Costa Leste. Você fez por mim o que eu não pude
fazer. Sinto-me estranhamente perdida, flutuando, à deriva, mas navega-
rei de novo quando minha tempestade interior acabar. Tenho norteado
meu curso por algumas das estrelas brilhantes que você me ajudou a ver.
Obrigada. Adeus". (Eu me sentia toda machucada)
Senti-me deprimida, exausta, sem energias. Submergi em meu pró-
prio poço. Não tinha vontade de sorrir, de me dar ou estar presente
para quem quer que fosse .

Como afundei nesse poço? O que vejo quando examino aquele


fio longo, agridoce, na tapeçaria daqueles anos? Vejo que eu pre-
feria correr o risco da dor e da rejeição a perder o amor que eu
tinha para dar e o apoio que recebi.
Quando iniciei aquele relacionamento, pretendia apenas que
um amigo afetivo se tornasse um amante. Contudo, à medida que
meus sentimentos se aprofundaram, tive fantasias de me tornar sua
esposa e fundir nossas famílias. (Eu não lhe contei isso). Naquela
época minha necessidade inconsciente mais premente era de me
casar novamente, embora eu dissesse, com toda a honestidade:
"jamais me casarei novamente" . Eu ansiava por um cônjuge que
me permitisse manter minha identidade. Felizmente esta relação
não tl rminou em casamento. Eu não estava pronta. Eu teria sub-
mergido, servindo a ele, às crianças, tornando-o meu guia e não
meu igual.
Eu estava à procura de novos modelos de relacionamento
homem/mulher e esta parelha marido-mulher me intrigava. Jamais
conhecera um casal que admitisse abertamente que tinha amantes.
Ao iniciar uma relação com ele, foi bom saber que essa prática era
aceita pelo casal. Eu havia pensado nesse tipo de arranjo em meu
próprio casamento, mas não havia ousado falar no assunto seria-
mente.
Eu estava começando a perceber a complexidade de ser
amante de uma pessoa casada. Estava descobrindo o compromisso
e o vínculo tenaz que existe entre pessoas casadas, mesmo quando

111
a rela~ão_ é negativa. Uma terceira pessoa que chega à relação não
tem ~rre1tos, não tem como fazer as mais simples exigências. Eu
podena ter um lugar em sua vida - o acordo existente em seu casa-
mento o permitia. Contudo, quando o mar tornou-se tempestuoso
fui dispensada. '
Durante aqueles anos, aventurei-me com outros, aprendendo,
a cada _oportunidade, algo de novo. Coisas simples, coisas engraça-
das, cotsas exóticas. Um amigo pediu-me que o encontrasse numa
boate. Simples? Mas eu nunca havia ido me encontrar com um
homem tarde da noite. Sempre fora escoltada a esses lugares. Um
homem poderia vir à minha casa? O que os vizinhos pensariam?
O que isso importava? Como as atitudes deles afetariam minhas
filhas? O que as crianças pensariam? O que fariam?

Amor Telúnco
Uma de minhas relações transcorreu entre altos e baixos, idas e vindas, a
paixão e o esquecimento. Ele estava saindo de um casamento onde o
ódio era vociferado com veemência. Ele estava cansado. Eu estava .dei-
xando um casamento onde o ódio era negado. Para mim, chegava. O
cenário de nossos encontros era a natureza : bosques, samambaias e nos-
sas próprias qualidades terrenas.
'b ..• esta noite foi de uma nova dimensão, uma realidade sensual total-
mente nova. Achei que já havíamos atingido os limites do êxtase, mas
esta noite foi totalmente diferente. Ouvi-me dizendo : "Isto tem a força
e a beleza de uma densa floresta de pinheiros altos". As imagens esta-
vam todas à mão, irrompendo em minha cabeça: terra marrom e o amor
terreno, você é como florestas escuras com samambaias orvalhadas;
pinheiros majestosos cobertos de musgo macio, estampados de encontro
a um céu vermelho-alaranjado - imponência e força apontando para um
espaço desconhecido ...
Poucas semanas depois, dizia a mim mesma, ao me relacionar com
esta mesma pessoa : "Quando será que vou aprender! Você me disse que
não O acordasse pelas manhãs para fazer amor; eu agi de acordo com
meus próprios desejos, não acreditando que voe~ não iria gosta~. _Você
me disse: 'Meu corpo está cansado e quando voce chega me acanc1ando
nesta hora, parece um bebe que quer ped'll' comi'd a .1"
A

"Você parece não entender que estou começando a pedir o que de-
sejo! É difícil, para mim, arriscar-me a pedir! Estou começando a enten-

112
der que se eu aprender a pedir, também terei que saber como aceitar um
'não' como resposta".
Durante os meses que se seguiram houve períodos de longos silêncios,
seguidos de profunda proximidade, seguida de quebras de compromis-
sos, seguidas de nada. Eu resmungava para mim mesma, num misto de
autopiedade e ódio : " Como posso me sentir tão fodida? Eu lhe convido
para uma festa em minha casa e você comunica que está vindo com uma
mulher! Pelo menos eu disse 'não'. Que bom que coloquei meus limites
em vez de ser gentil e depois ficar ressentida."

Durante esses primeiros dois anos de separação e de divórcio


eu tentava encontrar novos meios de relacionar-me com os homens.
O tradicional relacionamento monogâmico, possessivo , seguro,
comprometido, tivera muitas vantagens, mas me condenara à estag-
nação, à depressão e à ausência de identidade naquele processo.
Enquanto pessoa hesitante, desajeitada, recentemente sozinha, eu
estava sintonizada com uma sensualidade, sexualidade, criatividade
e ludicidade aumentadas. Estava interessada em relações casuais.
Mesmo assim, quando encontrava (e ia para a cama com) um
homem, esperava o mesmo tipo de segurança e compromisso que
quando estava casada.
Sentia-me carente e insegura, procurando alcançar alguma '
segurança, embora não querendo vínculos. Estava experimentando ,
verbalizar minha raiva; mesmo assim, nessa situação, escolhi um
homem q'lte não desejava nada disso. Estava tomando a iniciativa ,,,
de pedir o que desejava, mas sentia-me ferida quando a resposta
era negativa. Não estava consciente de minhas contradições e meus
paradoxos. Tal como um filhote de passarinho que abre o caminho
que o liberta da casca, eu estava molhada, vacilante e insegura.
Minhas asas não funcionavam.

Você Não é Boba, Devia Saber!


Uma das relações foi vacilante e complicada desde o início. Daí a
seguinte cena : .
Velas e vinho, uma lareira emanando calor. Eu desejava saber seus
sentimentos em relação a nós. Você ficou ansioso, hesitante, evasivo ,
embora corajoso. Foi tão simples quando você finalmente declarou:

113
4

"Sou gay." Em algum momento você também disse: "Por A

• d
~
nao me aJU ou a d.ize-
" 1o antes.? V oce" nao~ , b b
e o a N atalie I Vque" voe
d e
' • oce ev
ter percebido!" . e
Por quê? Porque em todos os meus pensamentos sobre você b
nos, eu não eixei ess~ possi i a e aparecer como real porque re
' d · · 'bil'd d ' so
·
smto atrai'd a por voce.
" E agradave' 1 anm · har-me so b suas asas ou rir me
juntos. Gosto de nossas trocas de idéias e disputas intelectuais. Qu:os
saiba, jamais conheci alguém gay. Na verdade, há seis meses eu n;u
' al . o
estava certa qua_n to a p avra que_era malS co~umente usada para desig-
nar homossexuais do sexo masculino. Bem, foi bom ter esclarecido tudo.
Agora eu sei por que você estava sempre preocupado com minhas expec-
t ativas. Por que chorei tanto? Não consigo imaginá-lo fazendo amor
com outro homem. Existe um ódio tão grande à mulher nisto. Ou é
assim mesmo? Eu não sei! Est ou confusa, com raiva, ferida. Terei que
abandonar minhas fantasias e esperanças de ser sua amante.

Destas emoções confusas nasceu alguma luz. Eu não tenho


mais um ponto cego em minha visão. Quando alguém envia mensa-
gens de que ele ou ela é gay, estou aberta para percebê-las. A mu-
dança de perspectiva me foi importante . Este homem se tornou
um amigo pelo qual sentia atração, mas que não se interessava
sexualmente por mim. A afeição e o interesse eram compartilhados.
Comecei a derrubar alguns estereótipos e a me abrir para mais pes-
soas. Comecei a experimentar meus próprios sentimentos homos-
sexl,ljliS. A tomada de consciência de que os possuo não me assusta.
Estando consciente, posso escolher.
Antes desta experiência, eu não era capaz de ver ou de apre-
ciar pessoas que preferiam o mesmo sexo. Depois que tateei meu
caminho em meio ao choque e à confusão, tornei-me repentina-
mente mais receptiva. As pessoas gay e lésbicas de quem fui amiga
começara1n a partilh ar comigo suas experiências e sentimentos
secretos. Estava atônita com minha falta de sensibilidade e de per-
cepção , at é então, em relação às suas vidas. À medida que ouvia,
tomava consciência da incongruência que sentiam ao terem que
exibir uma fachada para grande parte do mundo - esconder
amor das pessoas - e compreendia algumas das opressões sociaIS .,i
que os discriminam legalmente no trabalho, na adoção de crianças,
na moradia e os condena ao ostracismo.
Sei que vivenciei uma cidadania de segunda classe por ter

114

,+
nascido n1ulher. Sei que não toleraria, neste ponto de minha vida,
um acréscimo de discriminação, opressão e ostracismo que se cria
se escolhemos como par alguém do mesmo sexo ; mas admiro os que
ousam expressar seus sentimentos apesar de tantas discriminações '
contra eles.

Será Que Não Vão Pensar que


Você Está Apaixonado Por Sua Mãe?
" Você está interessado por MIM? Meu Deus, você tem idade para ser
meu filho! Você não se preocupa que todo esse pessoal pense que você
está apaixohado por sua mãe? Você não fica embaraçado de ir comigo
ao restaurante e segurar minha mão, e sorrir desse jeito? "
Não ousei dizer estas coisas na primeira vez que pas!.ei um fim de
semana com este homem. À medida que mergulhávamos, brincávamos
e nos provocávamos na grande piscina do hotel, ficou evidente o que
seria o restante do fim de semana. Pela primeira vez, em muitos anos,
liberei meu eu brincalhão, risonho, de menininha. Atualmente trago
comigo no bolso esta parte minha, da qual lanço mão quando o mo-
mento e o estado de humor a comportam. Dois meses antes eu havia
sofrido uma histerectomia de urgência. Para mim, a cicatriz era uma
bandeira de advertência a qualquer homem de que eu não era mais
uma " mulher" . Meu acompanhante de vinte e dois anos estava mais
preocuffei.do em saber se conseguiria satisfazer uma mulher sexualmente
experiente. Çom alegria, satisfizemos as necessidades um do outro e
superamos nossos temores individuais.

Minha preocupação aguda com a idade foi jogada na lata do


lixo depois que vivenciei várias vezes que o interesse, o prazer e o
amor ultrapassam os limites das gerações. Há muito o que dizer
sobre as necessidades e os interesses mútuos das mulheres de meia-
-idade e dos homens mais jovens. Os homens mais jovens que
conheci não são fixados no sexo e na idade. Eles têm se mostrado
livres para falar sobre o que desejam e precisam sexualmente, o
que me deixa à vontade para fazer o mesmo. Eles têm sido cheios
de vida, estimulantes intelectualmente e revigorantes.
Sei que, se estivesse à procura de um relacionamento perma-
nente, constataria a impossibilidade de viver com alguém que se

11 5
encontra nos estágios iniciais de crescimento e de autoconheci-
~ento, em ~ermos de_ saber quem é e o que quer. Eu já passei por
isso e ajudei um mando durante parte desse processo. Não tenho 1
paciência de viver tudo de novo. Ao me relacionar com homens na \
casa dos vinte e dos trinta, acho encantador tomar parte de sua
vivência de autodescoberta, embora saiba que não me disponho a
ser a parceira principal. (Estou ciente de que mesmo em relação a
esse assunto posso mudar. Não existem absolutos.)

Toque-me, Abrace-me 1
No caso de um homem mais jovem - um amigo e colega-, decidi-
mos naõ manter um relacionamento totalmente sexual. Saber como
tocar e ser carinhoso sem ficar sexualmente excitado ou sem precisar
chegar a uma relação sexual é uma arte que foi esquecida. Podíamos
nos abraçar com ternura, massagearmo-nos nus e ser afetuosos. Embora
tivéssemos atração sexual, foi sábia a decisão de não ter relações ou de
não nos deixarmos erotizar. Isso me fez entender que o cérebro é o sis-
tema de controle de nossa sexualidade ou do nosso botão de "ligar".
Se eu quiser ser apenas sensual e afetuosa, posso.

Quantas vezes, nesta cultura, privamo-nos de contato e afeto


porque atribuímos a cada abraço conotações sexuais. Bernard Cun-
ther col8 ca muito bem esse problema em seu livro Sense Relaxation.

O toque e o prazer podem ser sensuais sem serem sexuais. Pode haver
muita comunicação, atenção, proximidade, abertura na interação senso-
rial mútua; satisfação. O abraço e o beijo geralmente ficam limitados à
família ou ao namoro. Aprendemos a não nos expressarmos, a sermos
reservados, frios . Numa viagem à Europa, Sidney J ourard contou o nú-
mero de vezes que amigos realizavam contato físico enquanto conversa-
vam ; a média foi cerca de 100 vezes por hora. Retornando para o Meio-
-Oeste, realizou novamente a contagem. A média caiu para 3 toques por
hora. Será uma surpresa que tantos americanos estejam fora de contato?
. . . Sentir-se bem com o contat o físico requer paciência e atenção.
Observe suas atitudes, como você entra em contato físico com o outro,
seus sentimentos. Lentamente, se quiser, você pode mudar essas reações
e se permitir gostar de tocar não só os outros mas o chão, você mesmo,
o papel, os alimentos, as árvores, os animais, as flores, a vida.

116
Na companhia desse homem eu estava aprendendo a dar e
receber afeto sem que nenhum de nós tivesse o intercurso sexual
como
. . "me t a " • s~ao tota1mente Justificados
· · o tempo e a paciência
s
inve udos na superação do antigo modelo: "Se somos sensuais
q~ando esta~os _jun:os, temos que ir para a cama". Até agora, em
minha expenenc1a, sao os homens mais jovens que se têm mostrado
capazes de ampliar o seu conceito do significado da sexualidade.
A ,sensualidade é uma experiência estimulante tanto para
quem da como para quem recebe. Gosto de minha capacidade de
tocar e abraçar tanto homens como mulheres.
Em Footholds, Philip Slater escreve:

Para um Erotismo sem Deveres :


Quando a satisfação sexual é plena, parece razoável que o orgasmo
não deva ser a meta de todo encontro erótico desde o início, mas um
resultado possível que surge naturalmente, à medida que o ato de amor
se realiza. Em outras palavras, num contexto sexual aconchegante, algu-
mas relações sexuais não são orgásmicas. Isto requer mais tempo de
lazer do que a maioria das pessoas dispõe, e uma constância de contato
físico que a maioria dos americanos acharia intragável. Mas serve como
contraste útil à maneira estabelecida de conceber o assunto, que é obses-
sivamente orientada para um objetivo.
Gostaria de ressaltar que esta proposta não deveria ser considerada
como algum tipo de ideal. · A última coisa que eu gostaria de fazer é
ãtrescentar um outro " deveria" aos nossos costumes sexuais, já tão
sobrecarregados. A remoção das limitações vitorianas da vida sexual na
América terá sido em vão se elas forem apenas substituídas por uma
série de sistemas de avaliação da sexualidade ( os itálicos são meus).

Furacão

Nosso começo e nosso fim não tiveram nada de lento ou cauteloso.


Deslizamos da pista de danças para uma atração instantânea, para a
cama, para um contato constante, para umas férias maravilhosas de d_uas
semanas juntos, para um platô, p~a uma ~ut,r~ mulher em sua VI~a,
para O meu pânico, para um final rmdoso e ~1stenco. Durante um peno-
do de seis meses, fui levada a passar de sentimentos cautelosos (embor~
agisse ousadamente) e de uma certa desconfiança, à crença, ao ª1:1º,r e_ a
doação. Embora ele estivesse apenas começando o processo de d1vorc10

117
e não estivesse me pedindo que fosse sua mulher, de alguma maneira eu
procurava por um companheiro constante e um pai para minhas filhas.
Ficava horrorizada com meus pensamentos. Temiai de certa forma justi-
ficadamente, ingressar numa parceria na qual, mais uma vez, eu seria
secundária, passiva e teria um homem dependendo de mim.
Tal como meu marido, meu novo amante era brilhante, cheio de vida
falante, dono de opiniões e pontos de vista políticos sólidos. Buscava 0'
poder, era um trabalhador compulsivo e se dava bem com alunos e jo-
vens. Lisonjeava~me com freqüência, comportamento que fiz questão
que ele deixasse imediatamente, pois minha e.xperiência com meu mari-
do, nesse sentido, fora muito negativa. Concluí que as pessoas que elo-
giam constantemente, na verdade querem que tenhamos essa atitude
para com elas, pois são inseguras. Existe uma inveja e um ódio subjacen-
tes a esta adulação florescente e repetitiva. Não a engulo, não confio
mais nela. Pedi a esse homem que parasse com isso. Ele parou.
Havia aspectos positivos em meu novo relacionamento amoroso, que
não estavam presentes em meu casamento. Desejávamos uma relação
não-monogâmica, não possessiva e desenvolvíamos ambos a capacidade
de conversar abertamente sobre nossas relações com outras pessoas. Éra-
mos capazes de discutir nossas necessidades, gostos e desejos sexuais e
divertíamo-nos experimentando e satisfazendo-nos mutuamente. Tam-
bém éramos capazes de discordar, brigar e nos refazer destas feridas.
Isso, para mim, era novo e empolgante. Contudo, à medida que me tor-
nei mais " apaixonada" , cornei-me menos capaz de me afirmar, mais
dependente de sua aprovação, mais necessitada de " tê-lo como ponto de
referência". Na verdade, no dia em que eu pensava seriamente se pediria
ou não que ele viesse morar em minha casa ( de qualquer modo, ele estava
lá a fuaior parte do tempo), ele me contou que um envolvimento com
outra mulher o deixara pouco interessado sexualmente por mim. (Ele o
colocou mais cruamente.) Fiquei ferida, com raiva, exaltada! Bati a porta
para nosso relacionamento.

Para aprender e mudar é preciso que eu examine aquilo em


que acredito em confronto com a maneira como me comporto.
Naquela época, eu manifestava crença num modelo não-monogâ-
mico e não possessivo de relacionamento entre duas pessoas. No
entanto, era doloroso para mim não ser a principal mulher em sua
vida. Quando ele mudou tão rapidamente em relação à nossa união
sexual, fiquei ferida e zangada. Ele foi a pessoa com quem comecei
a falar sobre minhas necessidades e interesses sexuais; por isso, ·
sentia-me particularmente vulnerável diante dele.

118
' -_.. . .:;s~. . .-.-,. ___,. . . ;. ,ü; ; i:=z==~!ml!!--------------------
. Nesse mo~ento da vida, sentia-me bem tendo um outro par-
ceiro, mas era incapaz de aceitar ou de tentar elaborar seu envolvi-
mento c?m outra mulher que nos roubava uma parte importante
de energia.
~ercebo_ agora que minha a1nbivalência - querer mn outro
parceiro mando, do tipo protetor, e querer ser so1teira e aprender
a enfrentar sozinha a vida - me assustava. Quando os ponteiros
começavam a indicar o desejo de um companheiro, eu fugia. Temia
que começar a amá-lo profundamente trouxesse dor, que se eu dei-
xasse que ele entrasse em minha vida ele iria ou me subjugar, ou
passar a gostar das pessoas que eu amava e me roubar a atenção
que elas me dedicavam. Chocada, percebi que eu ainda vivia, ou
revivia, meu casamento!
O medo de perder minha identidade e minha auto-suficiência,
o medo de repetir o padrão do meu casamento e de vivenciar
ciúme e dor, me fez fugir . Durante esse processo, aprendi que
posso atravessar o lodo e a agonia dessa experiência, alcançar uma
chuva purificadora e deixar o sol brilhar de novo. Sinto-me mais
capaz, hoje, de perceber o lado humano e o humor de minhas aven-
turas . O entusiasmo e a ternura de amar e o desafio de tentar
encontrar novas formas de relacionamento valeram os momentos
de raiva e de an~ústia.
Quando revejo o anúncio que escrevi naquela época para
publicar no jornal local, na sessão "Assuntos pessoais", percebo o
quanto ele era engraçado e patético. Ele revela que eu estava me
saindo bem comigo mesma, embora querendo alcançar os homens
e relacionar-me com eles de formas diferentes.
Embora o movimento feminista certamente estivesse nos bas-
tidores, dando-me o contexto a partir do qual meu novo eu emer-
gia, eu havia lido pouco sobre, por e para mul~eres. Mesmo assim,
este anúncio (que não tive a coragem de publicar) mostra que eu
desejava um tipo diferente de homem e um tipo diferente de rela-
ção. Relendo-o, percebo que eu temia que pudesse intimidar qual-
q uer homen1 que entrasse em contato com minha energia assertiva.

Mulh er alta, digna, sensual, 42 anos, terna, aberta, honesta, que aprecia
a natu reza, a arte, a fotografia, velejar, tênis, motos, viagens, luz de

119
--,

velas, conversar, divertir-se e amar. Está se firmando profissionalmente


no campo das relações humanas. Está satisfeita com sua recente situa-
ção de solteira, mas procura homens independentes, entre 25 e 55 anos,
de qualquer raça, para compartilhar tudo o que foi dito acima. Embora
suburbana, viveu em outras culturas e conhece muitos estilos de vida.
Prefere homens solteiros, aventureiros e conhecedores do movimento
feminista. Se você não estiver intimidado, escreva e envie foto. Promete-
-se discrição.

, ,,,. Lembro-me perfeitamente que evitei dizer que era psicóloga,


( com consultório particular, pois temia que isso pudesse afugentar
1 os homens. Eu ainda estava abafando minha competência e minha
" posição profissional. Demorou muito até que eu compreendesse
que se os homens se intimidam diante do que sou e do que faço,
, eles não me interessam.
Evidentemente, o patético fica por conta do fato de estarmos
numa sociedade de pessoas sós e solteiras que dispõem de tão pou-
cos meios para se comunicarem que se torna necessário colocar
anúncios nos jornais em busca de possíveis parceiros.

Amor Duplo
Por ~ ue é que quando estou arrebatada por um homem, outro amor
entra em minha vida? Parece que não é raro acontecer isso entre as pes-
soas. Quando estou amando, estou ciente de meu SER total que está
aberto, vulnerável, cheio de alegria, radiante. Esta energia abarca, envol-
ve, atrai os outros. Portanto, é natural, é provável que, na medida em
que amo uma pessoa, eu esteja ainda mais predisposta a amar outra.
Passei duas semanas muito importantes com um homem que eu esta-
va começando a amar. Era uma pessoa aventureira, competente, inde-
pendente, que sabia algo sobre partilhar sentimentos. Ele não me deixa-
ria fazê-lo " meu". Com ele, sentia-me protegida sem ser possuída,
adorada sem ser idolatrada, respeitada por minha inteligência e maneira
de ser. Eu gostava de sua maturidade e experiência, sua devoção e sua
paixão constante. Juntos, explorávamos a consciência e a transcendên-
cia extraterrena, através da sensualidade e da sexualidade.
. . . Sou uma pipa com uma linha comprida, infinita, que me permite
subir eternamente em espiral através do espaço iluminado pelas estrelas,
mas ligada a você-terra. Então, você viaja cada vez mais longe, inicial-

120
mente seguin?o meu trajeto e em seguida encontrando o seu próprio,
que O lev: alem .. Deixo-o partir, alçar vôo, flutuar, para depois guiá-lo
para O _c hao mac10, de um marrom profundo, e para a vida! Para a vida
que existe dentro de mim, onde há riqueza dos tons rosados das con-
ch as e a purpura
' e1egante .. . Esta noite, o amor abriu meu coração. E
bom amar de novo; permitir-me o luxo de sentir a abertura e a ternura
em meu coração e a paixão do meu corpo.
Nessa relação, senti-me livre para falar sobre minhas necessidades e
sentimentos sexuais :
• • • gostei do jogo que fizemos na cama esta noite. Eu estava me sen-
tindo pressionada pelo seu desejo fervilhante. Pedi-lhe que fingisse não
estar interessado por mim e que eu iria seduzi-lo. Você foi perfeito:
quase me convenceu! Senti-me estimulada e excitada sendo quem ten-
tava e seduzia. Mas, acima de tudo, esse jogo significou que fizemos
amor no ritmo que eu precisava nessa noite.
Mesmo nesse relacionamento, nossos antigos papéis sexuais e as exi-
gências sociais cobravam seu tributo. Durante o dia, enquanto viajáva-
mos, o velho sistema tomou o poder e eu embarquei: o homem se encar-
rega! Esse antigo costume é, em alguns aspectos, muito cômodo, o que
me fez temer, porque sabia que adotá-lo seria atrofiar minha capacidade
de tomar iniciativas.
O recepcionista do hotel, o bilheteiro, a garçonete, o porteiro, o guia
de turismo - todos com os quais entramos em contato - dirigiam-se ao
meu par, enquanto eu permanecia de lado, como uma espécie de apên-
dice inerte, parasita, sem utilidade. Fiquei com raiva : já vivera aquela
vida uma vez e não queria experimentá-la novamente! As palavras "con-
trole, opressão econômica, ser propriedade, ser possuída, poder-mas-
culino-de-tomada-de-decisões" , todas elas brotavam em minha cabeça.
E, mais grave do que tudo, era a presença de um fragmento meu que
gostava disso!
Mostrei-lhe minha indignação : " você aparentemente é solidário com
meus sentimentos de ser um cidadão de segunda classe, mas quando
você age, mostra não compreender a profundidade de minha revolta e
do meu tormento, na medida em que você se encarrega de tudo!"
Ambos aprendemos com o choro, a raiva, a empatia do outro. Man-
tivemos a comunicação aberta. Aprendi com ele como é difícil mudar
uma antiga maneira de ser, particularmente num país machista estran-
geiro, onde seu ego sofreria se eu compartilhasse da liderança.
Complicando ainda mais as coisas havia o fato de que esse homem
era casado. Ele decidiu evitar a dor e a raiva não dizendo nada à sua
mulher, embora ela tivesse deixado claro, de alguma forma, que sabia
da minha existência. Ambos eram cúmplices no ocultamento do fato.
Isso me afetou. Senti-me desonesta e diminuída nesse processo. Quando

121
ele e eu passávamos um dia ou uma semana juntos, eu sabia que nós três
estávamos implicados, mas não lidávamos com o fato. Ele havia esco-
lhido controlar a situação decidindo o que seria melhor para os três.
Pressentia que ele se protegia sob o pretexto de não feri-la. Achei que
era uma forma de dominação. Eu poderia ter assumido meu poder e ter
contado a ela sobre mim, mas com que finalidade? Era o casamento
dele e ele reivindicava o direito de lidar com ele à sua maneira.
Meus velhos temores de ser abandonada se a mulher descobrisse retor-
naram. Ele prometeu que nossa união não terminaria se ela descobrisse
a verdade. Confiei nele.
Fizemos um pacto de abertura e honestidade a respeito do relaciona-
mento com outras pessoas, e o respeitamos. Preferia mil vezes lidar com
a raiva e a dor do que com o engodo. Nós dois desejávamos uma relação
não-monogâmica e tentávamos imaginar até que ponto ficaríamos com
ciúmes se outro parceiro sexual surgisse. Nosso relacionamento foi esti-
mulante e significativo, na medida em que conversamos sobre nossos
pontos cegos, permitimo-nos ser duas pessoas independentes e nos abri-
mos mutuamente para novos níveis de vitalidade e profundidade.
Então , como é que, sentindo-me tão bem com esse amor, deixei
outro amor entrar em minha vida? Pareceu-me muito natural. Viver e
amar intensamente contém algo que atrai as outras pessoas.
Entra em minha vida uma criatura sinuosa, terna, rebelde, livre, sel-
vagem. Eu tinha um amor puro, simples para dar e disponibilidade para
receber. Nossos momentos juntos pareciam deter o tempo; nossos pen-
samentos eram simultâneos. Nosso amor e nossos corpos tinham como
que ondulações, como ouro e prata que se misturam e suavemente se
futíldem. Pareciam um mistério de alquimia, quase demasiado, muito
semelhantes, embora muito diferentes. Viajamos por vales, praias, cam-
pinas, florestas, absorvendo a natureza, rindo, pulsando em uníssono.
Era como se viéssemos das mesmas raízes. Ocorreu-me que ele era meu
"irmão" - minha parte masculina : o eu/macho estético, visual, artesão.
Ele era também o eu/macho-criança, furioso, questionador, que odeia o
mundo, que busca a essência, errante .
. . . Quando deitamos e dormimos, sonhei. Você estava vestido com
uma bonita roupa preta de aikidô - uma jaqueta larga, de lapela e cinto
de cetim, calças pretas apertadas nos tornozelos. Eu estava de branco.
Estávamos na praia em que estivemos à tarde. Havia muitas pessoas
abstratas nas laterais, usando cores decorativas - chifons dourados, rosa
e encarnados voando ao vento. O caminho até a água foi aberto pelos
espectadores coloridos, que se afastavam para nos deixar passar. Estáva-
mos nos casando. Minha mãe enviou um bilhete: "Como N atalie não
está mais dormindo em casa conosco, não iremos ao casamento". Fim
do sonho.

122
Estava amando esse homem b
casar. Talvez eu estivesse vivendo e~ ~ra certamente não desejasse me
e o sol. Isso m 1 b mm. a parte branco/preto - a sombra
um reto e em rava uma forte unagem que tive de dois cavalos
p e um branco. Estavam empinados sobre as patas traseiras d~
frent e um para O out · rrorça e energia. Estavam lutando
'
ro, com mwta
prazerosamente - e não brigando.
E stou . perplexa com a polaridade - os opostos, atraindo-se mutua-
mente.
. Smto que estou d eixan
· d o emergtr
· os opostos que existem em
mrm. De alguma forma, ele fazia parte desse processo. Será que minhas
d uas partes estão se unindo?
E ste segundo amante também era casado. Ele resolveu ser honesto
com ~ua mulher ~ontou-lhe que passava momentos comigo. Senti-me
respeitada e respe1tavel. Sua honestidade significava que cada um de nós
era responsá:el por nós. Admirei sua integridade. Ele teve que se haver
com os sentrmentos feridos e a indignação dela, mas recusou-se a ser
controlado por eles. Sua capacidade de permanecer aberto e claro com
cada uma de nós foi uma experiência nova, que me enriqueceu. Certa
vez, ele disse : " Não me escondo das coisas difíceis. Desejo relações que
nutram as pessoas. Gostaria de subverter qualquer sistema no qual hou-
vesse poderes desiguais".
Respeitei sua mulher quando ela adentrou minha casa com olhos
flamejantes de indignação. Ela me acusou de ser carente e não ter com-
paixão. Admirei sua capacidade de enfrentar. Estava também orgulhosa
de mim, pela minha honestidade e equilíbrio: " eu estava me sentindo
amada, e não carente, quando encontrei esse homem. Acho que esse foi
dos motivos pelos quais ele se sentiu atraído por mim". Ela disse:
"Você invadiu a nossa relação" . Eu disse: "Eu respondi aos convites
dele. Eu estava aberta ao amor, e ele também".
Mais tarde, pensei: "Ela está me pedindo, em nome do coleguismo,
que eu me una a ela contra um forte interesse dele. Isto é direito ou
justo? Ele a ama e está me amando. Por que eu não agiria segundo meus
sentimentos? Estou pronta a ouvir os seus e a me relacionar com você
também".
Mostrei-lhe também que eu estava me colocando numa posição muito
vulnerável. Que eu estava pondo em risco minha ternura para com seu
marido, sabendo que o laço entre eles era tão forte. Ela não havia pen-
sado no problema sob esse ângulo.
Em duas ocasiões, estivemos os três juntos. Inicialmente, a situação
foi tensa e carregada de angústia. Aos poucos, à medida que nós três
começamos a falar sobre nossos ter~ores, o desconforto diminuiu. Ele
disse que estava feliz por estarmos Juntos - ele amava a ambas. Com-
preendi, porque estava amando a ele e a outro.

123
Como me senti, amando estes dois home~s ao ~esmo tempo?
Parece ter sido uma das melhores épocas de minha vida! No entan-
to, meus temores eram vários. Será que cada um deles realmente
sentia O que disse, ou seja, q~e e_sta~a tud~ bem quando eu estava
com O outro? Minha experiencia tinha sido de que as palavras
podem ser ditas - "não terei ciúmes ou raiva" - os sentime~-
tos negativos aparecem sutilmente, encobertos, punitivos. Eu queria
acreditar que não tinha qualquer problema em amar abertamente
dois homens. Já havia estado em situações em que o homem amava
a mim e a mais alguém, mas para mim - uma mulher - amar dois
homens não era socialmente tão aceitável.
À medida que os dois entravam e saíam do meu espaço, havia
um início de culpa. "Como é que você pôde?" perguntava-me,
com a entonação típica dos pais. Depois, na medida em que a
comunicação manteve-se aberta entre nós três, gostei da experiên-
cia. Viver desta maneira exigiu tempo, flexibilidade, honestidade,
autenticidade e muito trabalho. Aprendi que podia estar intensa-
mente apaixonada por dois homens simultaneamente.
Por que me envolvi com dois homens que eram casados? Se-
gundo a análise tradicional, "você não quer se ligar a ninguém".
No meu caso, isso não era verdade. Eu me sentia muito próxima de
cada um deles - profundamente sintonizada, em contato e até
mesmo psíquicamente ligada. Quando penso em nossas ligações
, . . .
psaquicas, sinto arrepios.
Não queria ficar distante. Pelo contrário, o fato de estar envol-
vida em dois triângulos me permitiu expressar uma enorme capaci-
dade de amor e, ao mesmo tempo, manter meu espaço de vida pri-
vado. Meu inconsciente dirigiu a escolha dos amantes, embora eu
não tenha deliberadamente, ou nem mesmo conscientemente,
escolhido homens casados.
Enquanto vivia esses dois triângulos, eu me fiz muitas pergun-
tas e partilhei uma parte de minha forma de vida com alguns ami-
gos íntimos. Fiquei muito perturbada com alguns dos comentários
de meus confidentes. Um deles: " Natalie, você é uma mulher forte.
Por que você se mete em relacionamentos de casais? Deixe-os em
1" p . , .
paz_- asse~ vana~ semanas procurando o sentido que a situação
fazta para mim, a fim de responder a essa pergunta, tentando livrar-
124
-me do automático
. sentimento de culpa provm· do d o veIh o sistema
.
q-ue consiste em recriminar "a outra" Escrevi·. "Q d
de Ih · · uan o acontece
uma mu er ser a terceira numa relação, ela não deve ser cul-
d , A s d uas m u1· heres poderiam
pa a. De quem é a culp a ?. D e nmguem.
.
ap~~tar para O homem que amam e dizer você não devia amar duas
m _ eres ao mesmo tempo! Mesmo assim, ele ama. Pergunto a
mim mesma: fiz algo para isso acontecer? A resposta é 'não'".
A pergunta formulada por minha confidente traz implícita a
afirmação de que quando me sentir atraída por um homem casado,
devo refrear-me, colocar viseiras nos olhos e nos sentimentos. Ora,
eu certamente me lembrei disso . Disse-lhe que me preocupava com
~ua mulher e empatizava com ela. Ao que ele respondeu: "Mas é
isso que eu quero. Vai ser difícil para ela, e eu tentarei lidar com
isso. Não vou escolher ser controlado pelo fato de ela se sentir
ferida ou indignada. Quero ficar com você".
Deveria recriminá-lo por não desistir de mim? Não, também
não posso fazê-lo. Parece mais provável que nós três estivéssemos
nessa por alguma razão. Estaria faltando na relação deles algo que
me atraiu para ela naquele momento? Haverá alguma coisa faltando
em toda relação conjugal que atrai e convida uma terceira pessoa -
um ou uma amante?
Não há nada de novo nessa situação : ela é tão velha quanto a
espéci~ humana. O que é relativamente novo é a abertura e a acei-
tação do triângulo, e as várias multiplicações do triângulo - dois
casais, famílias extensas e uma rede de relações íntimas. Parece-me
que em vez de suprimir o que é natural e normal - dedicar-se, a~~r
e ser íntimo de mais de uma pessoa - estamos começando a aceita-
-lo abertamente como um modo de vida. As implicações sociais,
políticas e econômicas são imensas.
Para completar o relato dessa situação de "amor duplo ", pre-
ciso acrescentar que depois de um ano de envolvimento, o homem
ue revelou nossa relação à sua mulher achou que a dor e o ressen-
q ·
timento dela eram maiores do que e1e po d'1a suportar. D.
e1xou-me,
0
que evidentemente, foi torturante para mim.
Em lugar de estender-me sobre _m eu sentimento_ de a~andono,
gostaria de dizer que o sabor da dignidade e do respe1t 0 mutuo que
1

nós três tentamos ainda perdura. Parece que cada tnade depende

125
- -- ·--- - - -- - - •tll ili-"1.lil,~'_Jj
;i-~-
;-

da personalidade das pessoas envolvidas: o grau de segurança que


cada um sente, bem como os valores que adotam. Desde então par-
ticipei de uma tríade aberta menos tumultuada, onde permanece-
mos abertos e unidos.
Não pretendo atingir quaisquer regras ou soluções claras. Con-
tudo, sermos capazes de nos colocarmos com sensibilidade no lugar
da outra pessoa é um pré-requisito à manutenção de uma comuni-
cação triangular aberta. Também parece essencial estar em sintonia
com nossos próprios sentimentos e necessidades e ser capazes de
verbalizá-los.

Um Grupo Não -Monogâmico


A vida é sincrônica. Enquanto eu viv1a esses dilemas, alguns de
nós, solteiros e casados, formamos um grupo para discutir relações
não-monogâmicas. Definimo-nos desta forma : estamos voltados
para n ovas formas de relacionamento, onde o casamento estará
aberto a outros casais e/ ou pessoas solteiras. N assas perguntas são
as seguintes :

Como as pessoas lidam com seus sentimentos de posse, ciúme, culpa, de


se abrirem ou não para relações adicionais ?
q;
Quais os ganhos e quais as ameaças reais contidas na abertura de uma
relação ?

Quais os aspectos positivos e negativos para a terceira pessoa que ingres-


sa na relação conjugal (às escondidas ou abert amente)?

Quais os significados sociopolíticos desse estilo de vida?

Algumas das questões e afirmações iniciais faziam muito sentido para


mim. Várias pessoas fizeram estas afirmações:

B: Tenho medo de vir com meu marido se houver pessoas solteiras .. .


parece mais ameaçador à nossa relação. Preferiria começar apenas com
casais que estejam interessados em ex pan dir suas relações.
T : É in teressante p orque eu agora estou solteiro, envolvido com duas
pessoas e descobrindo que é bastante satisfatório. Eu estava muito mais

126
disponível quando era um homem casado do que como solteiro feliz.
Portanto, eu era muito mais uma "ameaça" para uma relação quando
era casado do que sou agora, solteiro.
M: Estou descobrindo muitas vantagens na não-possessividade e na falta
de compromisso. Realmente quero estabelecer relações amorosas muito
profundas, e é quase impossível desenvolvê-las com meus parceiros
quando não estou "comprometida" com eles.
N : Alguns casais pensam que, porque sou solteira, vou entrar toda con-
tente em suas relações conjugais. Eles não percebem que para mim -
uma pessoa que respeita os outros - é muito arriscado entrar na relação
de um casal. Como é que eu vou lidar com a sensação de vulnerabilidade,
de culpa, de dor iminente, de ser abandonada quando eles já tiverem
resolvido os problemas deles às minhas custas? Se amo uma pessoa
casada, mesmo que eu não queira ser a "outra", a situação é muito com-
plicada, geradora de ansiedade.
S : Eu não venho com meu marido porque ele não sabe que estou envol-
vida com outro homem. Quero ter uma oportunidade de discutir com
outras pessoas que têm um outro relacionamento escondido de seu côn-
juge. É válido? Funciona? Em que circunstâncias é melhor guardar
segredo dessas relações amorosas e não comunicá-las ao marido?
N : Se isso faz parte de um novo estilo de vida que está surgindo, quais
as suas implicações para a criação dos filhos , para a comunidade e para
a estrutura econômica de nossa sociedade?

'b
Encontramo-nos durante um ano. Ainda estamos levantando
questões e aprendendo a enfrentar os sentimentos que acompa-
nham as relações não-monogârnicas. Um grupo de apoio como o
nosso ajuda a nos mantermos honestos conosco mesmos e uns
com os outros. Algu1nas noites falamos sobre nossas relações pes-
soais, às vezes jogamos, rin1os, toca1no-nos e esquecemos os abor-
recimentos que advêm dos problemas que temos. Outras vezes,
discutimos as implicações mais amplas das relações abertas.

Algumas Questões e Percepções


A história de minhas relações é, em última instância, a história da j
minha tentativa de esclarecer duas questões. Será que eu preciso, f,.
1
7
será que eu devo viver sozinha para manter minha individualidade? , é)

'
127
E será que eu posso ser totalmente eu mesma numa relação amo-
rosa com um homem?
Em relação à primeira pergunta, minha luta interior encontra-
-se no seguinte pé: seria bom ter alguém em casa com quem pudesse
partilhar o cotidiano - a política da vida. Isso me daria apoio emo-
cional e uma sensação de continuidade.

r
Minha outra parte diz: a parceria limitaria minhas opções,
minha liberdade, minha independência de pensamento e ação. No
momento em que penso em me juntar a alguém, começo a engen-
drar expectativas irreais sobre o parceiro - achando que ele deve-
ria suprir tudo o que desejo de uma relação. Sei que é impossível
encontrar todos os atributos que gosto numa só pessoa.
Além disso, tão logo duas pessoas começam a viver juntas,
começam a ser tratadas de maneira diferente. São convidadas jun-
tas para os progra1nas e freqüentemente são tratadas como se fos-
sem uma só pessoa. Os casais se movem em círculos com outros
casais, excluindo uma grande parte da interessante população sol-
teira. Mais ainda, viver no mesmo espaço contém um elemento
territorial que mantém os outros afastados. As mulheres , em parti-
cular, eliminam a possibilidade de outros homens se relacionarem
com elas ou de convidá-las para sair.
Tenho também descoberto que ter amantes em vez de um par
cons,t;inte tem algumas características muito especiais. Gosto da
intensidade, do clímax das horas que passamos juntos. Não é fácil
planejar nossos encontros, mas eu gosto desses rnomentos. Deixa-
mos de lado nossas preocupações e damos um ao outro uma atenção
sem divisões. Planejamos esse tempo precioso cuidadosamente.
Vamos apreciar o nascer do sol na praia? Ou vamos ficar abraçados
diante da lareira, com vinho e comida enquanto nos fundimos?
Também faço questão de que conversemos sobre dificuldades que
possamos estar tendo um com o outro. Assim, nossos dias e nossas
noites, nossos momentos lúdicos, nossos diálogos e nosso amor são
peculiares. Existem muito poucos casais que disponham de tanto
tempo ou tenham tanta intimidade.
Não há regras. Mas há opções. A maioria das mulheres não
examino u o lado positivo da vida a sós devido às associações nega-
tivas que a sociedade lhe atribui.

128
A segunda questão presente em todas essas relações é a seguin-
te: no relacionamento com um homem posso ser assertiva comu-
' ' ..
nicar minha raiva de forma construtiva valorizar a mim e a meu
' 1

trabalho, ser interdependente e usar de toda a minha inteligência? j


Até agora, parece que só escolho homens que dizem não que-
rer discussões porque receberam uma dose exagerada de ódio de
suas ex-mulheres ( talvez a falta de discussão tenha sido a causa da
raiva de suas mulheres) . Tenho dificuldade de lidar abertamente
com o conflito quando o homem se mantém fora da arena. É neces-
sário o compromisso de duas pessoas para que a solução de um
problema seja negociada.
A maioria dos homens não aceita minha força - minha capa-
cidade de cuidar de mim e de dizer o que penso. Quase sempre sou
admirada à distância. Tenho uma indignação feminista quando
meus ex-parceiros escolhem mulheres mais jovens que possam criar
e promover ou mulheres desamparadas que possam proteger. O ego
masculino (que as mulheres têm ajudado a criar) ainda é frágil.
Por exemplo, fui a um baile à fantasia durante uma reunião
de Psicologia Humanística. Era a oportunidade para eu experimen-
tar uma nova "persona". Vesti-me de boneca, com um vestido
branco com babados e rendas. Prendi o cabelo com um laço de
cetim azul, passei ruge nas maçãs do rosto e pintei os lábios em
arco. Usei'{f,u ma fala macia de sulista, pisquei muito , contracenei
com os homens, pedia para ser servida, flertei descaradamente e fui
rodeada de escortes admiradores! Foi muito divertido! Quando
voltei para casa e pensei no significado de tudo isso, fiquei triste. _
, É desencorajador perceber que quanto mais eu crescer de uma
1
forma que gosto, tanto profissional quanto pessoalmente, menos '
homens responderão a mim. Para as mulheres, o desenvolvimento · t /
pessoal não leva necessariamente a mais opções no relacionamento '. ,,
; íntimo, nos compromissos. (No caso dos homens, o oposto e j
. . verdadeiro.)
Dispensei alguns homens que não haviam desenvolvido a capa-
cidade de se relacionarem ou de serem íntimos numa base de igual-
dade. Se um homem ainda está chamaJ!do as mulheres de "meni- V
nas" e diz que "as mulheres estão com o verdadeiro poder nas ,. ,
mãos porque exercem influência sobre os homens", compreendo

129

que estamos vivendo em mundos diferentes. Não tenho paciência
para educá-los continuamente. . . . . ,
Voltando às minhas perguntas 1n1c1ais: como e possível rela-
cionar-me com um homem que me permita exercer meu poder,
minha dignidade e minha auto-estima e, ao mesmo ternpo, amar,
ser provedora e íntima? E como posso mudar um sistema patriar-
cal que diz que as mulheres devem ser passivas e dependentes, a
fim de alimentar o ego masculino?
No processo de busca das vinhetas que designariam minhas
relações com os homens, neste capítulo, compreendi que faço parte
de uma revolução. Existe uma grande mudança no ar e eu - ao
lado de outras mulheres independentes e de espírito forte - faço
parte dela. De início, percebi apenas meu crescimento, meus pro-
blemas, minha dor e minha alegria , à medida que examinei estes
retrat os de minha relação com os homens. Pintei esses retratos
colocando as cores vibrantes ao lado das escuras, traçando linhas
que imprimiram à tela toda uma forma significativa - a forma da
minha vida. Essas pinturas têm uma característica em comum. Não
estou - e muitas pessoas não o estão - satisfeita com o modelo
tradicional de relacionamento. Nem estamos satisfeitos com a insti-
t uição d o casamento que cristaliza estas relações desiguais.
Agora que pintei esses retratos dos diversos relacionamentos
que'¾:ive, estou encontrando a galeria política em que eles precisam
ser pendurados. O exame do microcosmo da unidade conjugal des-
cortina todas as questões existentes entre homens e mulheres na
sociedade contemporânea.
Tal como a maioria das pessoas, estou à procura de um rela-
cionamento no qual possa dar e receber amor, companheirismo,
humor, intimidad e, sexo e sensualidade, h onestidade e abertura e \
urr1 com pro misso de trabalhar os pro blemas quando houver turbu- 1
lência. Quero também igualdade na relação e divisão do poder. O \
que significa isso? Significa que há uma dança do tipo "Eu cuidarei
de você, depois você cuidará de mim" . E " primeiro eu conduzo e
você me segue, depois a dança se inverte". T al casal é composto de
duas pessoas autônomas que se amam de uma maneira que trans-
cende os papéis sexuais prescritos e se torna algo maior do que
cada um isoladamente. /

130
Parece simples? Não é. As implicações de uma relação como
essa ten1 imensas conseqüências políticas. O atual sistema conjugal
terri a ín.t enção hnplícita de proteger o patriarcado, no qual o ho-
mem branco toma as principais decisões no lar (as decisões econô-
micas) e no escritório. Sabemos que quando os homens "vão para
o escritório", estão tomando decisões - na sala do conselho dos
bancos, na corporação, como chefes de instituições básicas, nas
companhias petrolíferas, no Senado, no Congresso e na Suprema
Corte - q ue têm repercussões sobre a vida de todas as pessoas.
Essas decisões afetam o poder das mulheres de ter propriedades,
igualdade salarial, igualdade de oportunidades profissionais e edu-
cacionais, direito ao aborto.
Os homens parecem ter horror de abrir mão de uma parte de
seu poder, mesmo que o mito do herói masculino na América os
tenha aprisionado numa competição feroz, na busca do sucesso e
no peso de ser o ganha-pão da família. Para eles o preço tem sido o
prejuízo de sua sensibilidade, de sua intuição e de sua capacidade
de cuidar dos outros. Os objetivos de realização, poder e produ-
ção, tal como definidos em nossa cultura, não permitiram que os
homens desenvolvessem todo o seu ser. A sociedade que criamos
enganou os homens e oprimiu as mulheres.
A igualdade na relação homem-mulher significaria que nós,
enqíianto mulheres, deveríamos assumir nossa parte de responsabi-
lidade pelas decisões tomadas em qualquer nível da sociedade. A
igualdade de poder e de controle numa relação pessoal significará,
no futuro, igualdade de poder no mundo.
Esse equilíbrio deve começar dentro de nós mesmos e nas
relações de casais. É na ligação a dois que o pessoal se torna polí-
tico . O que permito que exista em meu coração e no meu quarto
é o que existirá na sociedade mais ampla.

131

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