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FORMAS DE SISTEMATIZAÇÃO DAS SOCIOLOGIAS DAS RELAÇÕES RACIAIS

NO BRASIL

VERONICA TOSTE DAFLON


UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
VERONICATOSTE@GMAIL.COM

ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NA REVISTA SOCIOLOGIA & ANTROPOLOGIA EM INGLÊS:


DAFLON, Verônica Toste. Forms of systematization of the sociology of race relations in Brazil. REVISTA SOCIOLOGIA E
ANTROPOLOGIA, v. 8, p. 169-191, 2018.

INTRODUÇÃO

Ao longo da sua formação como pesquisadores e docentes, os acadêmicos que trabalham com
raça, racismo e discriminação racial costumam assimilar uma história canônica das
interpretações das relações raciais no Brasil. Essa história narra a recepção do racismo científico
no final do século XIX e em sequência descreve a emergência nas ciências sociais da ideia de que
o Brasil se caracterizava por relações raciais harmônicas e democráticas. Por fim, relata a ruptura
com essa visão e a construção do consenso em torno da existência de padrões de desigualdade
e discriminação racial no país, bem como a necessidade urgente de investigá-los.

A aquisição dessa espécie de “mapa” do campo é certamente obrigatória para qualquer pessoa
que pretende atuar na área. A despeito dos problemas, essa cronologia tem habilitado os
ingressantes no campo a construir referências comuns, a mediar suas interlocuções acadêmicas
e assumir uma perspectiva construtiva em suas pesquisas. Às vezes, contudo, ela pode assumir
forma demasiadamente mecânica e gradualista, sugerindo uma noção muito acumulativa de
ciência ou ainda leitura orientada por uma lógica da descoberta, que perde de vista a
historicidade e as inúmeras nuanças da vasta produção sobre relações raciais no Brasil.

O presente artigo sistematiza as contribuições de autores que buscaram sínteses mais


abrangentes dos movimentos interpretativos produzidos no campo, iluminando, assim,
diferentes aspectos dessa produção. Destaco aqui George Fredrickson (2001), Peter Wade
(1997), Edward Telles (2004) e Antônio Sérgio Guimarães (1999a) pela maneira como se
apoderaram de vastas produções acadêmicas sobre relações raciais no Brasil a fim de detectar
as diferentes chaves de pesquisa e reflexão teórica que os autores e escolas mobilizaram ao
longo do tempo.

O texto apresenta primeiramente a forma mais usual de descrever a história da produção


acadêmica sobre as relações sociais no Brasil; em seguida, sumariza a maneira como os quatro

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autores, a partir de filiações teóricas e disciplinares distintas, interrogaram essa história. Na
seção final aborda algumas pesquisas recentes que encarnam alguns dos insights obtidos por
esses autores em seus exercícios de revisão do campo de relações raciais no Brasil.

UMA NARRATIVA DAS INTERPRETAÇÕES

A apresentação da vasta produção acadêmica sobre relações raciais no Brasil costuma seguir
mais ou menos uma mesma narrativa: aponta-se primeiramente a recepção do racismo
científico de origem europeia entre intelectuais brasileiros como Nina Rodrigues, Sílvio Romero
e Oliveira Vianna. Esse conjunto de autores associava negros e mestiços à degenerescência,
inferioridade e inadequação ao progresso nacional, e, diante desse suposto problema, discutia
a viabilidade e o futuro de uma nação admitidamente mestiça como a brasileira. Em seguida,
assinala-se a ruptura produzida por Gilberto Freyre, que, visando interpretar as relações raciais
no Brasil, se desloca da ideia de “raça” para a de cultura. De modo geral, tende-se a pontificar
que se por um lado Freyre buscava suplantar as teses racistas da geração anterior, por outro
teria pintado um retrato demasiadamente positivo ou mesmo romântico das relações raciais no
país. Destaca-se particularmente a grande influência de Casa Grande & Senzala, bem como a
forma como Freyre, ao negar o mito da “raça”, teria colaborado para substituí-lo por outro: o
da “democracia racial”. Isso porque, a despeito de reconhecer a crueldade e a violência da
escravidão, Freyre difundiu ideias positivadas de mestiçagem, de diluição de fronteiras raciais,
bem como as teses do luso-tropicalismo e da harmonia racial brasileira (Ortiz, 1985; Munanga,
1999; Skidmore, 1976).

Em sequência costuma-se destacar a influência do paradigma freyriano sobre uma geração de


pesquisadores brasilianistas, como Donald Pierson, Marvin Harris e Charles Wagley, e assinalar
a hegemonia da tese da “democracia racial” no campo das relações raciais. Ressalta-se em
seguida a importância dos estudos desenvolvidos no âmbito do Projeto Unesco, que
colecionaram amplas evidências da existência de preconceito racial no Brasil em diferentes
regiões do país e iniciaram a ruptura com relação à visão anterior. Ganha destaque Florestan
Fernandes (1965; 1972), que associou a miscigenação, até então encarada como panaceia para
os problemas brasileiros, a uma campanha racista de branqueamento que teria como horizonte
o desaparecimento do negro. Fernandes se distingue por ter interpretado o preconceito racial
como forma de a elite branca manter seus privilégios patrimoniais e o monopólio das posições
sociais de status (Ortiz, 1985; Munanga, 1999).

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Mencionam-se em seguida as análises de Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva, que
produziram evidências importantes de discriminação racial no Brasil a partir de modelos
estatísticos avançados, aprofundando a crítica ao paradigma freyriano e minando
definitivamente a credibilidade do imaginário da “democracia racial” no meio acadêmico. O
diálogo Hasenbalg-Fernandes também ganha grande destaque, dadas as diferenças no
tratamento da relação entre racismo e capitalismo. De modo geral, costuma-se apontar como
principais características da geração que sucedeu Hasenbalg e Silva a superação da ideia de que
o Brasil seria pautado por relações raciais harmônicas e democráticas e a dedicação à
investigação de padrões de desigualdade e discriminação racial no país (Theodoro, 2008).

Não se deve perder de vista que essa narrativa cronológica é uma história intelectual em disputa.
Exemplo recente é a recuperação do trabalho de Virgínia Leone Bicudo, mulher negra cuja
pesquisa sobre atitudes raciais em são Paulo ficou esquecida e engavetada durante anos. Bicudo
abordou pioneiramente questões de identidade, consciência racial e estratégias de mobilidade
social tendo a combinação de raça e classe como eixos explicativos (Maio, 2010). Outro exemplo
é a crescente importância atribuída ao trabalho de Guerreiro Ramos por introduzir o tema da
“branquitude” no debate brasileiro muitas décadas antes de a identidade “branca” passar a ser
interrogada sistematicamente pelas ciências sociais (Sovik, 2009). Cabe ainda lembrar o
reconhecimento relativamente tardio de Manoel Bomfim, intelectual que rejeitou as
explicações de cunho racialista para os “males” brasileiros muito antes de Gilberto Freyre e, ao
fazê-lo, confrontou diretamente as questões sociais e políticas do Brasil nos primeiros anos da
República (Ortiz, 1985). Outros pesquisadores procuram trazer à tona ainda as contribuições de
intelectuais negros, como Abdias Nascimento, especialmente em seu intercâmbio intelectual
com Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes, e Lélia González, por chamar atenção
pioneiramente para as relações entre raça e gênero no Brasil (Chaloub & Pinto, 2016). Busca-se
também chamar atenção para as interlocuções entre academia e organizações negras, e como
se influenciaram mutuamente (Guimarães, 1999a). Dessa maneira, o cânone se torna alvo de
diversas disputas em torno dos autores mais representativos e de seu peso relativo dentro do
campo e da estrutura assumida pelo campo em si.

INTERPRETAÇÕES DAS INTERPRETAÇÕES

A abordagem aqui resumida pode muitas vezes sugerir uma lógica da acumulação e/ou da
“descoberta”, noções muito criticadas pela filosofia da ciência. A fim de contornar esse
problema, é importante elucidar de que maneira movimentos internos ao campo, que tocam

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questões de método e teoria, e externos, que dizem respeito à sua interação com
acontecimentos sociais e políticos e com reflexões originadas fora dos limites organizacionais da
área, afetaram a produção do conhecimento sobre o fenômeno do racismo na sociedade
brasileira. Assim, no próximo tópico me debruçarei sobre trabalhos que fizeram o gesto comum
de interrogar a literatura sobre relações raciais no Brasil sob outros ângulos e perspectivas a fim
de demonstrar como essa produção pode ser recortada de diferentes maneiras.

GEORGE FREDRICKSON E A COMPARAÇÃO HISTÓRICA ENTRE BRASIL E ESTADOS


UNIDOS

As comparações explícitas e implícitas do Brasil com os Estados Unidos predominam em


praticamente toda a literatura relativa às relações raciais no Brasil. A própria análise otimista de
Gilberto Freyre sobre as relações entre raças no país baseou-se em grande parte no contraste
com a situação racial nos Estados Unidos. O trabalho de Freyre, por sua vez, também influenciou
uma tendência historiográfica mais geral. Freyre não apenas produziu uma interpretação
nacional como também representou o Brasil no nível internacional, projetando uma imagem
que influenciaria a pesquisa comparativa entre EUA e Brasil ao longo de décadas (Costa Pinto,
2009). São justamente as formas comparação e contraste entre Estados Unidos e Brasil que
constituem o foco da leitura da produção sobre relações raciais nos dois países feita pelo
historiador George Fredrickson.

CULTURALISMO E CONTRASTE

Fredrickson (2001) pontua que a pesquisa comparativa sobre raça passou por diversas fases. Até
meados dos anos 1960, ela se orientou por uma perspectiva fortemente culturalista, que
buscava padrões de relações raciais no passado “católico”, “protestante”, “patrimonialista” ou
“liberal” das colônias que empregaram mão de obra escravizada com o objetivo de explicar
desenvolvimentos posteriores e padrões de relações raciais no presente. É exemplar dessa
produção a comparação histórica produzida por Frank Tannembaum (1946) a respeito do Brasil
e Estados Unidos no livro Slave and citizen, em que o autor argumenta ter sido o “humanismo
católico” do colonizador português responsável por um padrão de relações raciais mais
harmônico, brando e democrático do que o das colônias protestantes inglesas. Tannembaum
lançou, dentro e fora do campo da historiografia, a tendência de fazer inferências sobre o

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presente a partir do exame do passado escravista, dando um salto temporal sobre o longo
período que se estendeu entre um e outro (Cooper, 1996). Essa abordagem supunha que
determinados repertórios culturais não apenas eram capazes de explicar a forma assumida pela
escravidão nas colônias como também serviam para descrever tendências do presente. Tal
perspectiva foi muito generalizada nos estudos históricos sobre raça (Fredrickson, 2001).

ESCRAVIDÃO, DEMOGRAFIA E “PADRÕES”

Com o tempo as explicações sobre a escravidão se deslocaram dos culturais para outros fatores,
como, por exemplo, os demográficos. Em vez de expressar inclinações “culturais” dos
colonizadores, as diferentes formas assumidas pelas relações raciais sob o escravismo teriam
relação mais direta com os tamanhos das populações negras e brancas nas colônias. A própria
existência de uma camada social de “mulatos” no Brasil e outros países da América Latina é
assim atribuída a formas de gestão colonial em situações de escassez de trabalhadores brancos
para exercer tarefas de status intermediário e remunerado (Fredrickson, 2001).

O desequilíbrio demográfico entre homens e mulheres também aparecia como explicação: se


nos EUA havia um padrão de migração de famílias brancas e relativa proporcionalidade entre os
sexos, o fato de a colonização do Brasil ter sido um empreendimento majoritariamente
masculino teria levado a graus mais elevados de miscigenação e relativa tolerância com relação
a relacionamentos inter-raciais (Fredrickson, 2001; Degler, 1971). Cabe lembrar que,
diferentemente do que sugere Fredrickson, essa abordagem não foi ativada apenas na
comparação de Brasil e Estados Unidos. Charles Boxer (2002), ao estudar o Império Colonial
Português empregou amplamente essa perspectiva. Além de rebater as teses freyrianas de que
a colonização portuguesa seria não discriminatória, ele demonstrou que mecanismos mais
estritos ou mais flexíveis de exclusão foram empregados para administrar populações coloniais
conforme a conveniência e sua composição racial. Continuador do trabalho de Boxer, o
historiador português Francisco Bethencourt (2013) adota atualmente a perspectiva
demográfica para discutir raça e colonialismo em diversos casos nacionais.

TEORIAS DA MODERNIZAÇÃO

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Fredrickson (2001) assinala que nos anos 1970, apesar de um relativo declínio da abordagem
culturalista, muitas pesquisas historiográficas trabalhavam com a noção de “padrões raciais”
herdados do passado. Novas pesquisas históricas realizadas nos Estados Unidos começaram, no
entanto, a modificar essa tendência. Joel Williamson (1984), por exemplo, demonstrou que o
sistema racial binário dos EUA, assim como a one-drop-rule, não foi estabelecido com rigor até
o fim do século XIX e, portanto, não remonta ao sistema escravista. A one-drop rule, tão
amplamente mencionada como uma espécie de “regra inversa” à forma brasileira de
classificação, não se tornou norma legal até a era Jim Crow, na virada do século.

Em razão desse e de outros debates sobre classificação racial, tende-se hoje a evitar pensar em
“padrões raciais”. No campo da história, critica-se veementemente a premissa segundo a qual
durante o período escravista e colonial se formaram “padrões” imutáveis de relações raciais que
perduram até o presente.

Ainda conforme Fredrickson (2001), outras pesquisas desse período, apesar de se voltar para o
presente, comungavam da tese segundo a qual processos de urbanização e industrialização e a
emergência de uma ordem social competitiva tenderiam a promover o declínio da importância
das ideias de raça e racismo. Mitificados por noções teleológicas de desenvolvimento e
modernização, muitos historiadores teriam contaminado suas pesquisas com projeções futuras,
supondo que todas as sociedades capitalistas estavam em vias de extinguir formas “pré-
modernas” e “irracionais” de discriminação e desigualdade racial.

SOCIOLOGIA MACRO-HISTÓRICA

Uma das grandes inflexões na produção historiográfica sobre raça veio de pesquisadores que
começaram a trabalhar mais detidamente sobre o século XX, cessando de supor linearidade
histórica com relação aos séculos anteriores, e a interpretar a história de uma perspectiva
institucionalista (Fredrickson, 2001; Hanchard & Chung, 2004; Cooper, 1996). Já não se tratava
mais de buscar “padrões” de relações raciais no passado escravista ou supor a existência de uma
tendência etapista, cumulativa e linear de relações raciais, mas de investigar de que maneiras
os conflitos entre empresários e Estado, os fatores socioeconômicos e configurações de grupos
de interesse, poderiam ser analisados para a compreensão de formas de discriminação e
segregação legal estabelecidas ao longo do século XX (Fredrickson, 2001).

A análise histórica assumia assim um recorte mais contemporâneo. Além de se afastar de


leituras culturalistas do passado e de seus nexos com o presente, essa literatura tende também
a rechaçar as teorias da modernização (Fredrickson, 2001). Um trabalho exemplar nesse sentido

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é o de Anthony Marx (1998). Em Making race and nation, Marx procura entender por que os
Estados Unidos e a África do Sul impuseram formas de segregação legal às suas populações
negras, enquanto o Brasil não o fez. Ao analisar as políticas segregacionistas de uma perspectiva
histórica, comparativa e atenta a processos de nation-building, Marx (1998) sugere que a
exclusão racial institucionalizada pelo Estado, assim como o controle dos direitos de cidadania
e a consequente cristalização de divisões raciais, serviu a propósitos estratégicos nos Estados
Unidos e na África do Sul. O conflito entre o norte e o sul dos Estados Unidos e entre britânicos
e africâneres na África do Sul provocou cisões entre as populações brancas. A fim de
restabelecer a unidade e mitigar conflitos, as elites no poder estimularam o nacionalismo branco
e reforçaram distinções raciais com relação aos negros, utilizando raça como elemento de
construção nacional e pacificação interna. O Brasil, por sua vez, teria seguido trajetória distinta
pois, na ausência de conflito entre as elites brancas, houve menos pressão para reconciliá-las
mediante dominação racial. Assim, o Estado pôde investir em um ideário de democracia racial,
ao mesmo tempo que mantinha e frequentemente aprofundava práticas informais de exclusão
e discriminação.

A lógica do contraste que orientou os estudos entre 1930 e 1970 hoje cede terreno à da
comparação. Assim, enquanto nos anos 1970 o historiador comparativista Carl Degler (1971)
estabelecia fortes contrastes entre Brasil e Estados Unidos no que se refere a seus sistemas de
classificação racial, Reginald Daniel (2006) na década de 2000 afirmou que Brasil e Estados
Unidos estavam em “rota de convergência”: enquanto o primeiro caminharia em direção a um
sistema de classificação racial mais bipolar, o segundo caminharia para a multirracialidade e à
valorização da mestiçagem.

O que depreendemos da análise de Fredrickson (2001) é que a historiografia tende a ser cada
vez mais crítica à lógica do “contraste” entre Brasil e Estados Unidos, evita fazer saltos temporais
para explicar “padrões” e é cuidadosa ao tratar de cultura como um determinante. Para esse rol
de autores, é evidente que determinados padrões culturais de classificação e interação racial
também exercem influência sobre o desenvolvimento histórico, mas isso não pode
simplesmente suposto; precisa ser demonstrado.

PETER WADE: RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL E OS PARADIGMAS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Uma forma alternativa de organização das interpretações sobre as relações raciais no Brasil foi
produzida por Peter Wade. Antropólogo e especialista em relações raciais na América Latina,

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Wade (1997) agrupou a literatura brasileira sobre relações raciais em torno de diferentes
paradigmas teóricos das ciências sociais: o funcionalista, o marxista-estrutural e o pós-moderno.
Sua classificação visibiliza teorias que circulavam e estavam sendo mobilizadas na interpretação
no Brasil em diferentes momentos, e nos informa a respeito de que maneiras elas impuseram
determinadas balizas e, ao mesmo tempo, permitiram focalizar aspectos diferentes das relações
raciais. É importante frisar, no entanto, que sua revisão bibliográfica deve ser considerada com
certa reserva porque tende a privilegiar ou a literatura produzida por brasilianistas ou aquela
disponível em inglês. Isso faz com que perca certas nuanças e a originalidade de autores
brasileiros, destacados com muito mais ênfase por um comentador como Antônio Sérgio
Guimarães (1999a).

O PARADIGMA FUNCIONALISTA

Wade (1997) afirma que entre 1930 e 1950, o funcionalismo imprimiu uma tendência geral nas
ciências sociais, a de considerar os negros um “problema” nos processos de nation-building dos
Estados Unidos e América Latina. Voltada para ideias de integração, assimilação e a produção
de totalidades integradas, essa fase teria para ele as seguintes características: (1) a ideia de que
identidades raciais e étnicas estavam fadadas a desaparecer; (2) a associação muito forte de
indígenas e negros com o passado, com o primitivismo, o tradicionalismo, a escravidão e com
modos arcaicos de cultura, vida e produção; (3) a tendência a tomar as identidades raciais e
étnicas como objetivas, concretas, que poderiam ser simplesmente observadas.

De fato, em parte da literatura brasileira sobre raça havia uma ideia inicial de que os negros
portavam formas particulares arcaicas ou primitivas de vida. Essas ideias se refletem em
trabalhos focados na cultura afro-brasileira produzidos por autores como Nina Rodrigues, Arthur
Ramos e Gilberto Freyre. Essa tendência, no entanto, não é generalizável para todos os autores
desse período. Guimarães (2012; 1999a) mostra, por exemplo, como intelectuais e políticos
negros nos anos 40 e 50 foram críticos severos do culto a uma negritude atávica identificado
nesses autores.

Peter Wade (1997) apresenta também uma visão muito seletiva e parcial do projeto Unesco,
tomando traços dos trabalhos de Donald Pierson e Marvin Harris como representativos de toda
essa produção. Para Wade, de acordo com a visão geral do projeto Unesco os EUA com seu
sistema de “castas” eram sede de relações raciais e racismo “real”, pelas quais outras sociedades
deveriam ser medidas. Daí resultava o fato de que a forma como raça operava no Brasil se
tornava invisível. Um olhar mais atento sobre essa produção, no entanto, o desmente: Oracy

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Nogueira, Virgínia Leone Bicudo, Thales de Azevedo e Luiz Aguiar de Costa Pinto, entre outros,
foram bastante enfáticos em afirmar a presença de preconceito racial no Brasil e destacar suas
características particulares, que distinguiam as relações raciais no Brasil das que ocorriam nos
Estados Unidos.

Ainda no âmbito dos estudos Unesco, Wade (2002) destaca que Florestan Fernandes foi quem
falou mais explicitamente a respeito do racismo. Wade, no entanto, o critica enfaticamente,
destacando que a relação entre raça e capitalismo em sua obra demonstra adesão à teoria da
modernização. Wade resume suas ideias da seguinte maneira: para Florestan os negros libertos
teriam sido colocados no nível mais baixo da hierarquia ocupacional devido à sua falta de
educação e habilidades necessárias para o mercado de trabalho capitalista – ou a “ordem social
competitiva”. A despeito de a migração de trabalhadores europeus ter exacerbado essa
situação, tirando os negros do mercado de trabalho e causando sua marginalidade, a imigração
teria expandido a ordem competitiva, trazendo modernização e, com o tempo, a incorporação
gradual dos negros. Para Wade, Fernandes imaginava uma mudança gradual para um
capitalismo democrático em que a discriminação racial não teria mais função. Segundo a leitura
de Wade (1997), Fernandes reproduzia então uma visão de raça associada à teoria da
modernização similar àquela que alguns historiadores estudados por Fredrickson possuíam e
que dificultava a percepção de nexos entre o racismo e o tempo presente. Como veremos
adiante, Guimarães (1999a) faz uma leitura radicalmente diferente da obra e do legado de
Florestan Fernandes para o campo das relações raciais no Brasil.

O PARADIGMA MARXISTA-ESTRUTURAL

Wade (1997) descreve a produção dos anos 1970 como profundamente influenciada pelo
marxismo. Isso faz com que, no campo das relações raciais, a desigualdade e os mecanismos de
exploração se tornem foco de atenção cada vez mais importante, deslocando o olhar de
domínios menores e mais restritos de relações interétnicas. O autor salienta ainda que trabalhos
como o de Fredrick Barth sobre os grupos e suas fronteiras, por sua vez, estabelecem que a
identidade étnica é flexível, contextual e construída, e que isso produz abalos nas formas então
consagradas de interrogar grupos e identidades. Barth criticou a concepção de grupos étnicos
como entidades que se autoperpetuariam com um determinado repertório de atributos
culturais ao longo do tempo, estabelecendo as bases para pensar as identidades como
situacionais. Embora a abordagem de Barth não tenha sido incorporada diretamente ao campo

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de relações raciais no Brasil – algo que só verificamos mais recentemente; por exemplo, em
trabalhos como os de José Maurício Arruti (2006) e Jan French (2009) –, Wade (1997) está
correto em apontar que o principal impacto da sua obra se constata no fato de que as
identidades étnicas cessaram de ser vistas como destinadas a desaparecer com a
“modernização”: se elas eram flexíveis e conectadas à desigualdade, não haveria, portanto, uma
força intrínseca ao desenvolvimento capitalista que as levaria a desaparecer.

Para Wade (1997), a influência do marxismo e da economia política se fizeram sentir em


particular nos trabalhos de Hasenbalg e Silva. Hasenbalg argumentou que o racismo não era um
resquício anacrônico da escravidão, mas uma força ativa na sociedade capitalista, funcionando
a favor dos brancos em situações de competição. Alega, no entanto, que esses dois autores
ignoraram a natureza situacional da categorização racial e tomaram as categorias do survey
como dados objetivos. Essa leitura de Wade me parece equivocada e pouco generosa. Isso
porque Silva (1995), por exemplo, fez trabalhos específicos sobre o assunto e tanto ele quanto
Hasenbalg sempre insistiram que suas análises estatísticas sobre discriminação e desigualdade
não permitiam fazer inferências sobre como as pessoas vivenciam a discriminação e as
identidades, mas apenas sobre como a desigualdade opera em linhas raciais (Silva, Hasenbalg e
Lima, 1999).

O PARADIGMA “PÓS-MODERNO”

Wade (1997) assinala que nos anos 1980 e 1990 as principais influências sobre a produção
brasileira teriam sido o pós-modernismo e o relativismo. Além das contribuições de Derrida, que
mudam substancialmente a visão de identidade e diferença, Foucault é outra referência
fundamental. Ao criticar a ideia de ideologia como “falsa consciência” e postular que os
discursos e modos de representação constroem as realidades sociais, Foucault chamava atenção
para o fato de que as pessoas são mais do que simplesmente constrangidas pelo discurso: elas
são constituídas por ele, reproduzindo o discurso como verdade por meio dos seus próprios
pensamento e comportamento. Trata-se da “virada linguística” na teoria social. As ideias de
“descentramento” e “múltiplas identidades” de autores como Stuart Hall (apud Wade, 1997),
por sua vez, recolocam em outros termos a questão que por muito tempo ocupou os acadêmicos
brasileiros: seria raça ou classe a dimensão mais importante das desigualdades no país? Ao se
admitir a ideia de “identidades múltiplas”, classe e raça, assim como outras dimensões como
gênero, passam a coexistir e representar eixos não mutuamente excludentes da constituição
das desigualdades e identidades.

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O período descrito por Wade (1997) é também um momento de rejeição a explicações
totalizantes e crítica das metanarrativas do pensamento ocidental ou de ideias teleológicas de
progresso, que vêm acompanhadas de críticas feministas e pós-coloniais à autoridade do
pensamento ocidental e masculino. Politicamente, isso significou um certo declínio da política
de classe e o incremento da mobilização política em torno de questões como sexualidade e
gênero. Ao se organizar nesses eixos e ao criticar o silêncio das ciências humanas em torno
dessas categorias, os movimentos sociais produziram impactos significativos sobre as formas de
pensar raça e etnicidade (Wade, 1997). Com a ênfase teórica e política nas dimensões do
discurso e representações, a cultura se torna um dos focos principais e arenas de disputa na
produção acadêmica e reflexão política. Cultura, no entanto, não é agora vista como algo que
os grupos simplesmente “possuem”, mas algo que é vivido e aberto a diferentes leituras (Wade,
1997).

É patente na descrição proposta por Wade (1997) que a “voga pós-moderna” introduz
ambivalência, à medida que a academia passa a interrogar diretamente a construção da
identidade, mediante complexos processos relacionais e de representação, e, ao mesmo tempo,
estreita o diálogo com movimentos sociais que muitas vezes estão em processo de construção
identitária. Isso significa que, com alguma frequência, trabalhos acadêmicos que evitam a
reificação e essencialização das identidades e classificações raciais entram em conflito direto
com a autorepresentação política daqueles movimentos sociais que remetem a origens,
ancestralidades, essências e características que se afirmam como coletivas, em processos de
invenção de tradição.

EDWARD TELLES E AS DUAS GERAÇÕES

PRIMEIRA E SEGUNDA GERAÇÃO DE PESQUISADORES

Uma tentativa muito diferente de organizar a literatura sobre relações raciais no Brasil é de
Edward Telles (2004). Em vez de pensar em uma cronologia, em inflexões no campo ou
paradigmas, Telles, sociólogo especializado em relações raciais na América Latina, organizou a
literatura sobre relações raciais em duas grandes “gerações” de pesquisadores. Apesar de
advertir que nem sempre segue uma ordem cronológica linear e que há misturas de ideias e
mudanças de posição, ele argumenta que a produção no campo das ciências sociais pode ser
agrupada em duas correntes.

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A primeira geração é aquela que sustentou a tese da democracia racial, segundo a qual o Brasil
era, de modo singular, uma sociedade que incluía os negros. Telles associa essa geração ao
legado de Gilberto Freyre, para quem a miscigenação era um aspecto positivo da cultura
brasileira, e a desigualdade racial existente era resíduo do passado escravista, com tendência a
desaparecer em vista da ausência de mecanismos ativos de discriminação. São enquadrados por
Telles (2004) nessa geração os brasilianistas Donald Pierson, Marvin Harris, Charles Wagley e
Carl Degler. É ainda dessa geração que emerge a ideia de que a hierarquia das relações sociais
no Brasil é determinada pelo preconceito de classe – e não de raça –, particularmente nos
escritos de Harris e Wagley.

A segunda geração, por seu turno, teria desafiado a teoria de democracia racial ao argumentar
que o Brasil se caracterizava por formas severas de exclusão racial. Telles destaca que, sob a
liderança de Florestan Fernandes, os pesquisadores do projeto Unesco recolheram amplas
evidências de preconceito racial no país, e seus esforços conjuntos levaram ao questionamento
da tese da “democracia racial”. Telles (2004) sumariza essa discordância nos seguintes termos:
segundo a primeira escola de pensamento, havia pouco ou nenhum racismo no Brasil; já para a
segunda, o racismo seria generalizado.

IDEOLOGIA OU METODOLOGIA?

Telles (2004) conecta essas gerações a diferentes metodologias: para ele, em vez de expressar
necessariamente uma determinada visão normativa ou ideológica dos pesquisadores, o
desentendimento entre as duas gerações de estudiosos das relações raciais pode ser atribuído
a diferentes focos de pesquisa. De acordo com o autor, a primeira geração teria enfocado a
sociabilidade e as relações sociais principalmente entre pessoas da mesma classe social,
enquanto a segunda geração enfatizou a desigualdade e a discriminação entre pessoas de
diferentes classes.

Assim, a primeira geração teria sustentado a tese da democracia racial não necessariamente por
estar refém do paradigma freyriano ou piersoniano, mas porque focava a sociabilidade de
pessoas brancas e negras das classes populares, entre as quais há, de fato, relações próximas de
parentesco, amizade, vizinhança e casamento. Afinal, como explica Telles (2004: 7), “para
Pierson, um aluno da emergente escola de sociologia de Chicago, segregação e casamentos
inter-raciais seriam indicadores apropriados de adaptabilidade ou integração de grupos
minoritários na sociedade”. A segunda geração, por sua vez, ao enfatizar as relações entre

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pessoas de diferentes classes sociais, teria encontrado padrões mais rígidos e segregados de
relações raciais. Essa tendência teria sido ainda mais acentuada pelos trabalhos de Carlos
Hasenbalg e Nelson do Valle, que, apesar de produzir estudos estatísticos sobre uniões inter-
raciais e classificação racial, não teriam dialogado com os autores da primeira geração. A partir
dessa tipologia, Telles (2004) afirma que uma geração olhou e descreveu relações “horizontais”
e outra olhou para relações “verticais”.

Ao enfatizar o eixo estrutural das desigualdades a partir de uma abordagem dominantemente


estatística, diz Telles, sem dedicar igual atenção ao âmbito das sociabilidades, a segunda geração
se teria visto em dificuldades para produzir inferências lógicas e conciliar os fatos
aparentemente contraditórios de que o Brasil possui fronteiras menos rígidas entre negros e
brancos que os Estados Unidos e, ainda assim, é capaz de sustentar formas severas de
desigualdade racial. Seu objetivo, assim, é integrar essas observações em um só modelo que
permite explicar por que conviveriam no Brasil tanto formas de inclusão como de exclusão dos
negros: as primeiras, ambíguas, operariam nas relações horizontais entre os negros e brancos
das classes mais baixas; as segundas, rígidas, regeriam as relações verticais entre esses
indivíduos de diferentes classes.

A tese das “relações horizontais” e “verticais” de Telles é hoje uma das vias mais promissoras de
interpretação das relações raciais no Brasil, visto que lança um olhar atento para as interseções
entre raça e classe no país. No tocante à sua interpretação da bibliografia sobre relações raciais,
no entanto, embora produza um bom diagnóstico, é bastante claro que ela tende a planificar
demais o terreno: em busca de uma “síntese final”, Telles (2004) organiza a bibliografia
conforme determinadas ênfases e recortes que colaboram para o seu argumento. Com isso,
perdem-se algumas nuanças e uma grande zona de ambiguidade em diversos estudos, em
especial aqueles desenvolvidos entre as décadas de 1950 e 1970. Essas diferenças, mais ou
menos sutis, foram mais bem exploradas por Antônio Sérgio Guimarães. Ainda assim, Telles tem
êxito em produzir uma das revisões bibliográficas mais críticas a uma visão evolucionista de
ciência. Em sua descrição, não há um movimento de superação de uma determinada perspectiva
por outra mais “avançada”. Ao contrário, Telles sugere que há muito a ser recuperado e
aproveitado dos estudos desenvolvidos nas décadas de 1930 e 1940, haja vista sua capacidade
de elucidar determinados aspectos das relações raciais no Brasil dos quais a produção mais
recente não se ocupou.

ANTÔNIO SÉRGIO GUIMARÃES: “BAIANOS” E “PAULISTAS”?

13
É explorando mais ou menos a mesma questão de Telles a respeito das diferentes interpretações
das relações raciais que Guimarães (1999a) organiza a literatura sobre relações raciais. Em lugar
de recortar a literatura em “gerações”, como faz Telles, Guimarães, no entanto, se volta para o
tema clássico das supostas tradições regionais de estudos sobre relações raciais – a escola dos
“baianos” versus a dos “paulistas” – para depois refutar enfaticamente essa divisão. Guimarães
discute e busca contestar a ideia bastante difundida de que os estudos Unesco realizados no
Nordeste, a escola “baiana”, teriam preservado as ideias de “democracia racial” de Freyre e que
os estudos do Sudeste, a escola “paulista”, teriam chegado a um diagnóstico distinto,
demonstrando finalmente a existência do racismo e da discriminação racial.

Em sua opinião, além de não existir uma divisão geracional, a maioria dos estudiosos, à exceção
de alguns brasilianistas, independentemente de sua geração ou região, se distanciou do
paradigma comparativista e contrastante herdado de Freyre à medida que elaborava uma
problemática propriamente brasileira e colaborava para construir uma agenda brasileira de
pesquisas sobre a questão racial. Guimarães observa que a anuência em torno da existência do
preconceito racial no Brasil era muito maior do que se costuma supor e também que crescia a
concordância a respeito do caráter mitificador da ideia de democracia racial. Ainda de acordo
com a sua leitura, as diferenças regionais não chegaram a ser utilizadas para negar a
aplicabilidade das conclusões mais gerais sobre o preconceito racial no país.

É notável aqui a diferença de balanço do projeto Unesco feita por Guimarães com relação àquele
feito por Peter Wade, para quem esses estudos permaneceram apegados ao paradigma
freyriano. Guimarães (1999a) se diferencia dos autores até agora analisados porque faz um
trabalho muito cuidadoso de exegese da literatura de relações raciais no Brasil, debruçando-se
tanto sobre os brasilianistas como sobre os autores brasileiros. Além disso, diferente de Wade,
ele reconhece o impacto da recepção de teorias e métodos oriundos da academia norte-
americana, mas não presume adesão automática e sem mediações a conceitos como
“assimilação”, às teorias do preconceito racial e ao estrutural-funcionalismo de Robert Park.

Há, além disso, um grande contraste entre a sua forma de sintetizar os movimentos empíricos,
teóricos e metodológicos dentro do campo de relações raciais no Brasil e o modo de proceder
de outro autor aqui analisado, o sociólogo Edward Telles. Enquanto este último separa a
produção em duas gerações de estudos de natureza marcadamente distinta, Guimarães tende
a minimizar diferenças tanto geracionais como regionais, o que dá lugar a uma síntese
bibliográfica marcada por movimentos teóricos e metodológicos orientados por preocupações
brasileiras próprias, culminando em uma visão que se afasta do tema norte-americano da
assimilação cultural e integração dos negros à democracia.

14
Guimarães (1999a) se debruça sobre as pesquisas conduzidas entre as décadas de 1950 e 1970,
iniciando pelos Estudos Unesco e salientando como os autores dessa fase se distanciaram
paulatinamente dos legados de Gilberto Freyre e Donald Pierson, segundo os quais o Brasil teria
pouco ou nenhum preconceito racial. Cabe lembrar que boa parte da pesquisa sociológica
produzida entre 1940 e 1960 nos Estados Unidos se voltava para o arsenal teórico da Escola de
Chicago. Como destacaram Michel Omi e Howard Winant (1994), um modelo muito difundido
na época pressupunha que em situações de contato étnico sucediam-se etapas do conflito,
assimilação e, por fim, acomodação. Para Guimarães, porém, se os autores ocupados em pensar
a realidade brasileira, de modo geral, de fato se apoiavam nos estudos de comunidade da Escola
de Chicago, eles foram inovadores ao interpretar os dados da sociedade brasileira no tocante às
maneiras de conceber a formação dos grupos raciais e a sua natureza, discutindo se eles seriam
comunidades de status ou classes sem comunalidade.

Das inovações destacadas por Guimarães (1999a), podemos elencar algumas mais significativas.
Guimarães distingue a forma como Thales de Azevedo muda sua leitura da situação racial no
Brasil, passando a entendê-lo como um país que combinava em si tanto uma sociedade de
classes como uma ordem estamental, dentro da qual se constituíam comunidades de status
definidas a partir da cor e origem familiar. Tal movimento lhe permitiu então se afastar da ideia
de “sociedade multirracial de classes”, de Donald Pierson, para quem a competência individual
preponderava sobre a origem étnica como elemento determinante das possibilidades de
ascensão social no Brasil. Com isso, Azevedo admitia que a cor e a origem social no Brasil
construíam grupos de prestígio, ou estamentos sociais, entre os quais as oportunidades e
chances de mobilidade social se distribuíam diferencialmente. Outro destaque na revisão de
Guimarães é o trabalho de Oracy Nogueira, que se posiciona firmemente no campo da teoria do
preconceito racial e afirma a especificidade do preconceito racial brasileiro em relação ao norte-
americano. Efetivamente, Guimarães aponta com razão que Nogueira rompeu com o binarismo
entre raça e classe, que até então orientara os estudos no Brasil, para introduzir uma ideia
semelhante a conceitos hoje bastante conhecidos no campo de relações raciais, tais como as
ideias de “cromatismo”, “colorismo” ou “pigmentocracia” (Daflon, 2017).

De acordo com Guimarães (1999a), contudo, o verdadeiro expoente de toda essa literatura é
Florestan Fernandes, descrito por ele como pioneiro na forma de pensar a singularidade das
relações raciais no Brasil. Segundo o autor, uma das inovações de Fernandes foi trazer para o
presente a dinâmica do preconceito racial, interpretando-a como uma tentativa das oligarquias
dominantes de garantir seus privilégios herdados e que colaborava para a manutenção de uma
ordem burguesa incompleta, particularista e dotada de traços tradicionais. Outra novidade foi

15
o afastamento do quadro teórico da assimilação e integração do negro à democracia,
preocupação dominante nos Estados Unidos, bem como a introdução do debate sobre raça
numa agenda política propriamente brasileira. Segundo Guimarães (1999a), Florestan teve o
mérito de conciliar em sua obra as preocupações dos movimentos sociais negros com a
igualdade social e as dos nacionalistas com o desenvolvimento do país, articulando classe e raça
de uma forma estrutural e original.

BRASIL E ESTADOS UNIDOS

Todos os movimentos detectados no campo das relações raciais no Brasil estão, para Guimarães,
associados às mudanças não apenas na própria academia, como também na agenda antirracista
ocidental. Em Racismo e antirracismo no Brasil Guimarães (1999b) revisita a tradição
comparativista entre Brasil e Estados Unidos a partir de perspectiva internalista e externalista
para elaborar motivos pelos quais as semelhanças entre os dois países passaram durante muito
tempo despercebidas. Os motivos podem ser sumarizados da seguinte maneira: (1) a ênfase do
programa político do antirracismo ocidental no estatuto legal e formal da cidadania no lugar do
seu exercício fatual, prático e substantivo teria dificultado o enquadramento do Brasil, um país
que no contexto pós-abolição não estabeleceu uma legislação explicitamente racista nem
barreiras formais à mobilidade dos negros, no rol das nações marcadas pela exclusão e
discriminação racial; (2) a interpretação do fenômeno do racismo por meio da chave
individualista da noção de “preconceito racial”, que remete a atitudes e manifestações
individuais de aversão e antipatia, contribuiu para tornar invisível a dimensão estrutural do
racismo brasileiro; (3) a definição de “raça” presente no contexto norte-americano, referida a
noções de sangue, ascendência e a concepções mais rígidas de hereditariedade, tornava difícil
acomodar o modo de classificação racial praticado no Brasil em torno de noções de “cor” num
modelo de racialismo e racismo − nesse sentido, a problematização dos significantes raciais e a
percepção do seu caráter flutuante foram essenciais para se compreender o Brasil como um país
racialmente discriminatório e desigual; (4) essas mudanças foram proporcionadas, além de por
inovações introduzidas no campo de estudos de relações raciais aqui já mencionadas, pela
própria extinção da segregação racial legal nos Estados Unidos por obra do movimento pelos
direitos civis. Com o afastamento de uma problemática de natureza jurídica e legal, começou-se
a estudar nos próprios Estados Unidos os mecanismos mais sutis de produção de desigualdades
raciais. À medida que os racismos brasileiro e norte-americano foram se tornando mais
parecidos entre si, os movimentos negros e feministas ficavam cada vez mais vocalizados,

16
colocando em evidência os processos de naturalização e justificação social de hierarquias, assim
como as relações entre gênero e raça (Guimarães, 1999b).

Com efeito, a extinção das leis de segregação racial nos Estados Unidos na década de 1960
alimentou a ideia de que o racismo no país era superado e que políticas públicas como as ações
afirmativas seriam desnecessárias, uma vez que negros e brancos usufruiriam de iguais direitos
de cidadania. Para Eduardo Bonilla-Silva (2006), essa forma de negação do preconceito racial e
discriminação nos EUA pode ser chamada de “colorblind racism” (“racismo cego à cor”), algo
que operaria de forma similar ao mito da democracia racial no Brasil. E, portanto, se o
“colorblind racism” e o mito da “democracia racial” apresentam semelhanças na forma como
expressam determinados entendimentos acerca das relações raciais, é possível encontrar hoje
paralelos também na forma como os dois países classificam racialmente suas populações.

SÍNTESE

Na sua leitura da historiografia sobre raça, o historiador George Fredrickson destacou como a
interpretação histórica sobre relações raciais no Brasil se moveu de um paradigma culturalista,
que ambicionava encontrar “padrões” de relações raciais no passado escravista, para uma
abordagem institucionalista e contemporânea, focada no período pós-abolição e que procura
integrar o Estado, a economia e as identidades socioculturais em uma mesma abordagem.
Fredrickson acentuou particularmente a importância do progressivo deslocamento de uma
perspectiva de contraste entre Brasil e Estados Unidos para uma perspectiva comparativa,
disposta a reconhecer não apenas diferenças, mas também semelhanças entre Brasil, Estados
Unidos e mais casos de sociedades que passaram pela experiência histórica da escravidão e
colonização.

Peter Wade, por sua vez, organizou a literatura brasileira conforme o impacto e influência de
diferentes correntes teóricas – o estrutural-funcionalismo, o paradigma marxista-estrutural e,
por fim, abordagens pós-estruturalistas e pós-modernas de raça. A forma como Wade organiza
essa bibliografia é interessante por colocar em relevo o modo como o subcampo das relações
raciais se conecta ao campo mais amplo das ciências sociais e à teoria social. Mais sintético,
Edward Telles, por sua vez, descreveu duas “gerações” de estudos sobre relações raciais no
Brasil, que segundo o seu argumento teriam “olhado” para dimensões diferentes das relações
raciais, aparentemente sem as conseguir conectar. Apesar de produzir uma certa simplificação,
Telles chamou atenção para uma lacuna importante da produção mais contemporânea e que

17
marcou a primeira geração de estudos: a necessidade de ser produzida mais articulação entre a
dimensão da estratificação socioeconômica e a investigação das formas de sociabilidade
cotidiana entre pretos, pardos e brancos no Brasil.

Por fim, dos autores destacados, foi Antônio Sérgio Guimarães aquele que escreveu a história
mais nuançada das interpretações sobre relações raciais no país, produzindo um trabalho
exaustivo de exegese dos textos e buscando demonstrar de que maneira os autores adquiriam
poder explicativo à medida que se afastavam da problemática norte-americana e conquistavam
autonomia intelectual, construindo categorias próprias de interpretação e análise social. Sua
forma de organizar a bibliografia é particularmente interessante por associar uma leitura
internalista de ciência, isto é, referida aos seus movimentos interpretativos internos, a uma
perspectiva externalista, atenta à maneira como as mudanças sociais e políticas no Brasil e
Estados Unidos impactaram os respectivos campos de relações raciais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A síntese da bibliografia examinada no presente artigo aponta diversas mudanças históricas e


inovações introduzidas no campo de estudos das relações raciais ao longo do tempo. Procuro
agora apontar e enumerar alguns dos insights obtidos do exercício realizado. Primeiramente,
chama atenção a importância da mudança da análise comparativa e histórica, que se afasta de
uma perspectiva culturalista, das grandes tentativas de sínteses e estabilizações, para assumir
uma visão dinâmica e historicizada de raça e racismo. Como as relações raciais são mutáveis no
tempo e no espaço, a busca de uma história cumulativa e linear, de “origens remotas” e de
supostos elos entre o passado longínquo e o presente deve ser encarada com desconfiança. A
lógica do “contraste” e da oposição, que muito tempo orientou as pesquisas sobre Brasil e
Estados Unidos, por sua vez, cede lugar ao estudo não só das diferenças, mas também das
semelhanças e afinidades.

Assim, parece oportuno reexaminar a ideia longamente gestada no pensamento social brasileiro
de que as relações raciais no Brasil seriam “singulares”, “excepcionais” e, portanto,
incomensuráveis em relação a outros casos nacionais. Evidentemente o Brasil tem
especificidades, mas a ideia de “excepcionalidade” foi erigida por tempo demais como barreira
contra estudos comparativos do país com outras nações. Embora variem substancialmente
entre países, os elementos básicos da colonização, escravidão, embranquecimento, mestiçagem
e multiculturalismo estão presentes na América Latina e cabe, portanto, explorar as

18
possibilidades abertas pela comparação entre diferentes casos na região (Telles, 2014; Wade,
2014).

A essa tendência soma-se a importância de rechaçar o “nacionalismo metodológico” e o


“estadocentrismo” de algumas análises, que deixam de inscrever as dinâmicas internas do Brasil
no interior de um campo étnico-racial global e de uma política internacional do
desenvolvimento. Nesse sentido, é interessante a expansão recente dos estudos sobre relações
raciais para a América Latina − não construída como um bloco homogêneo, mas entendida
dentro de tendências regionais ditadas pela história de desenvolvimento e inserção global da
região.

O trabalho de Mara Loveman (2014) sobre a América Latina é exemplar nesse sentido. Sua
escolha dessa região como objeto de estudo não se justifica por supor homogeneidade entre
seus países, mas pela maneira como as nações latino-americanas sofreram alguns impactos
comuns ao construir seus Estados nacionais no contexto de um sistema internacional que
imprimiu determinadas tendências regionais, como as ideologias da mestiçagem e do
branqueamento. Tianna Paschel (2016) também desenvolve trabalho comparativo, esse entre
os movimentos negros no Brasil e Colômbia, que consegue articular os Estados como atores
importantes, mas sem deixar de incluir na análise tendências regionais e o reconhecimento da
existência e impactos de um campo étnico-racial global. Em suma, essas autoras tendem a
assumir que fronteiras territoriais nacionais não produzem uma delimitação “natural” de
quaisquer relações sociais, ainda que os Estados nacionais não possam ter o seu poder
negligenciado.

É também interessante olhar com mais atenção para clivagens internas, com análises
subnacionais que permitem reexaminar pressupostos de homogeneidade entre diferentes
estados ou regiões do país. A pesquisadora Kim Butler (1998), por exemplo, trabalhou sobre o
pós-abolição em São Paulo e Salvador, explorando os impactos da imigração europeia sobre as
identidades negras e o associativismo em São Paulo, tendo encontrado diferenças regionais
significativas.

Cabe ainda assinalar que tem sido insistentemente apontada na literatura a necessidade de
produção de mais pesquisas microssociológicas, que permitam decifrar operações mais
cotidianas do racismo e da discriminação racial no Brasil. As pesquisas realizadas desde meados
da década de 1970 no Brasil têm majoritariamente se ocupado de registrar as desigualdades
raciais e de refinar métodos de mensuração estatística da discriminação racial. Assim, vale
salientar a diferença entre a inferência estatística, que permite detectar uma ou mais

19
características em uma população, bem como registrar desigualdades, padrões distintos de
mobilidade social e mesmo estimar a discriminação por meio de modelos estatísticos, e a
inferência lógica ou causal, que autoriza produção de esquemas de explicação a respeito da
conexão entre duas ou mais dessas características (Small, 2009). Atualmente, é abundante a
literatura brasileira sobre a dimensão quantitativa e estrutural da desigualdade e discriminação.
No entanto, faltam mais estudos de percepção, etnografias, levantamentos de atitudes,
experimentos de laboratório e de campo que permitam tratar das dimensões causais das
desigualdades.

Uma boa orientação geral também consiste em tomar as fronteiras entre grupos como
problemáticas e não assumir que “raças” existem como grupos socialmente determinados e
coesos, cujas identidades são mecanicamente reconhecidas pelo Estado. A ênfase desloca-se
assim da pesquisa sobre a suposta “substância” dos grupos étnicos ou raciais para a análise
relacional da construção de fronteiras e de identidades coletivas (Lamont & Molnár, 2002). Cabe
lembrar que, como advertiu Guimarães (1999a), visões essencializadas de raça funcionaram
durante muito tempo como um bloqueio para a compreensão das singularidades do caso
brasileiro – e latino-americano – e que a construção de uma agenda de pesquisas sobre racismo
e discriminação racial no Brasil é devedora de um forte movimento de antiessencialismo no
campo de pesquisa das relações raciais.

Para finalizar, é importante trazer para a dimensão da pesquisa sobre raça a sua interação
complexa com outros eixos, como gênero, classe e sexualidade. A abordagem “interseccional”
propõe que as formas de opressão possuem afinidades, paralelos e mecanismos de reforço
mútuo. Isso significa dizer que, se por um lado, as categorias raça, gênero, sexualidade, origem
nacional etc. estão analiticamente separadas, empiricamente elas se encontram em processo
de interação e codeterminação (Hill Collins, 2015). Cabe assinalar, no entanto, que a mesma
advertência de que não se deve tomar raças como entidades estáveis, preestabelecidas e
fundadoras é aplicável a eixos como gênero, classe e afins. Tomar essas categorias como
estáticas e não problemáticas implica abdicar de uma parte essencial da pesquisa sociológica,
qual seja, a de historicizar categorias e interrogar as relações sociais sem assumir de forma
apriorística que elas representam posições fixadas. Como adverte Danièle Kergoat (2010), de
acordo com a configuração das relações raciais, o gênero (ou a classe, ou a raça) será o elemento
empírico relevante e unificador de uma determinada dimensão das desigualdades.
Reconhecidos o caráter mutável e dinâmico das relações sociais e sua suscetibilidade a ser
afetadas pelos próprios movimentos da sociologia, torna-se necessário reconhecer que o campo
está em movimento permanente. Diante dessa constatação, é fundamental exercitar a reflexão

20
sobre as possibilidades de abertura de novas frentes de pesquisa sobre relações raciais que
dialogam com o tempo atual e as questões do presente, sem deixar de lado a rica produção aqui
analisada.

Veronica Toste Daflon é bolsista de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em


Sociologia e Antropologia (PPGSA-UFRJ) e pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos
Sobre a Desigualdade (Nied) e do Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero (Neseg). É doutora
em sociologia pelo Iesp-Uerj e mestre em sociologia pelo Iuperj. Publicou os livros Tão longe,
tão perto: identidades, discriminação e estereótipos de pretos e pardos no Brasil e Guia
multidisciplinar da ação afirmativa: Brasil, Índia e África do Sul. Seus principais interesses são
gênero, raça e políticas públicas.

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FORMAS DE SISTEMATIZAÇÃO DAS SOCIOLOGIAS DAS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL

Resumo: Ao longo da sua formação como pesquisadores e docentes, os acadêmicos que


trabalham com relações raciais assimilam uma história canônica da produção desse campo. Com
algumas variações, essa produção é habitualmente organizada em torno de uma narrativa que
se inicia com a recepção do racismo científico no Brasil, passa em seguida para a formulação da
abordagem culturalista e da tese da “democracia racial” e segue para as rupturas que finalmente
conduziram ao reconhecimento e investigação de padrões de racismo e discriminação no Brasil.
O presente artigo apresenta uma síntese dessa história para em seguida interrogá-la sob
diferentes ângulos e perspectivas, com o objetivo de iluminar diferentes aspectos dessa

23
literatura. Para tal, apoia-se em intérpretes da sociologia e historiografia das relações raciais
visando apontar como determinadas reorientações teóricas e metodológicas no campo e
mudanças sociais de âmbito nacional e internacional estão conectadas a diferentes
interrogações lançadas sobre o fenômeno do racismo no Brasil.

Palavras-chave: Sociologia das relações raciais; raça; racismo; teoria sociológica.

FORMS OF SYSTEMATIZATION OF THE SOCIOLOGY OF RACE RELATIONS IN BRAZIL

Abstract: Throughout their training as researchers and teachers, academics working with race
relations assimilate a canonical history of the production in that field. With some variations, this
production is usually organized around a narrative that begins with the reception of scientific
racism in Brazil, then goes on to formulate the culturalist approach and the thesis of “racial
democracy” and, finally, mentions the ruptures that led to the recognition and investigation of
patterns of racism and discrimination in Brazil. This article presents a synthesis of this history
and then interrogates it from different angles and perspectives, in order to illuminate different
aspects of this literature. To achieve this objective, it relies upon interpreters of sociology and
historiography of race relations in order to point out how certain theoretical and methodological
reorientations in the field and national and international social changes are connected to the
different questions that were raised in regard to the phenomenon of racism in Brazil.

Key-words: Sociology of race relations: race; racism; sociological theory.

24

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