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O Congueiro - documentação audiovisual coletiva do congo capixaba

por José Otavio Lobo Name 1

Resumo
O Congueiro divulga, nas redes sociais, produções audiovisuais do projeto de pesquisa
Holoteca digital do congo capixaba, servindo de meio de compartilhamento de
material etnográfico acerca do congo do Espírito Santo. As redes sociais e o
compartilhamento de vídeos pela internet possibilitam novas formas de
documentação das práticas e dos saberes tradicionais do congo, induzindo o
pesquisador realizador a encontrar caminhos entre a etnografia e o documentário
audiovisual.
Palavras-chave: documentário audiovisual; congo capixaba; etnografia.

Resumo longo

O Congueiro é o sítio de internet de apresentação pública das produções audiovisuais


do projeto de pesquisa Holoteca Etnográfica, e pretende se consolidar como um
espaço de divulgação e compartilhamento de imagens, vídeos, pesquisas e debates
acerca do congo do Espírito Santo. Surgido no século 19, o congo é um conjunto de
saberes, práticas e artefatos que se manifesta, principalmente, nos rituais das bandas
de congo, mas se estende por outros momentos da vida de seus praticantes. Através
de metodologias etnográficas, a pesquisa procura desenvolver formas de produção e
difusão audiovisual em que os processos de registro e de compreensão acerca do
congo estejam intrinsecamente ligados, levando o pesquisador e os participantes das
bandas a múltiplas possibilidades de interpretação dos fenômenos. É um saber que se
constrói, de modo geral, por meio de narrativas; a fala, os rituais, e objetos dos
sujeitos da pesquisa são registrados pelo pesquisador de modo a construir narrativas
com o grupo. Observa-se que, ao se verem nas imagens disponíveis n'O Congueiro, os
membros das bandas constroem novos significados sobre seus papeis sociais, e
desenvolvem a auto-estima. Paralelamente, a pesquisa estuda aspectos conceituais e
técnicos acerca de captura de imagens e sons, e de edição em fotografia e vídeo.

1
José Otavio Lobo Name - Professor de Antropologia Visual, Fotografia e Vídeo do Departamento de
Desenho Industrial - Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória, ES, Brasil.
email: jose.name@ufes.br
Este artigo apresenta as bases metodológicas e conceituais do projeto de
pesquisa Holoteca digital do congo capixaba, atualmente em desenvolvimento na
Universidade Federal do Espírito Santo, com financiamento de bolsista de iniciação
científica concedido pela Fundação de Amaro à Pesquisa do Estado do Espírito Santo
(Fapes), e Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq); e traz também seus primeiros
resultados em termos de dados oriundos da observação e da experiência empírica.
Apresenta também a caracterização, objetivos e resultados preliminares relativos a O
Congueiro, que é um conjunto de páginas de redes sociais construído para a difusão do
material produzido e para o estabelecimento de interação com os grupos estudados e
o púbico em geral.

O congo do Espírito Santo

Em linhas gerais, o congo capixaba se desenvolveu entre os trabalhadores


rurais a partir do entorno do Rio Doce, no sudeste brasileiro, e hoje em dia está
especialmente presente nos municípios de Serra, Vitória (capital do Estado), Vila Velha
e Cariacica (região metropolitana da capital), Fundão e Linhares, com algumas outras
bandas esparsamente espalhadas por quase todo o território estadual. O congo
capixaba distingue-se de outras manifestações como as congadas, o jongo, o caxambu
e ticumbi, igualmente espalhadas pelo sudeste do Brasil, por sua mitologia própria e
por um instrumento característico, a casaca, espécie de reco-reco de origem indígena
registrado apenas nesta região (NEVES, 2008, pp. 69-71).

A mitologia do congo apoia-se ainda na figura de São Benedito, o que é algo


comum dentre as manifestações culturais oriundas da escravidão negra no Brasil. O
congo capixaba adiciona um elemento a este culto: a lenda do salvamento dos
escravos que escaparam do naufrágio de um navio negreiro nas águas do Estado.

O estudo se desenrola nos contextos do congo capixaba, que tem ocorrência


mais marcante no município da Serra, mas tem afluência em todo o Espírito Santo,
especialmente na região metropolitana da capital, Vitória. Há registros de mais de
sessenta bandas em atuação, nos dias de hoje. Dentre elas, o projeto já obteve
registros de cerca de 20 bandas, algumas de forma bastante pontual. Cerca de cinco
bandas têm tido uma documentação mais sistemática; e em especial, a Banda de
Congo Amores da Lua, do bairro de Santa Martha, em Vitória, se constitui como o
universo principal da pesquisa.

Paradigmas conceituais

O objetivo desta pesquisa é o registro do desenvolvimento de estratégias e


procedimentos de documentação audiovisual que, apoiando-se na experiência
acumulada e nos preceitos metodológicos da etnografia, possam inspirar trabalhos
posteriores em outros campos. Por isso, a revisão bibliográfica concentra-se nos
pontos metodológicos que nortearam os procedimentos da pesquisa; e temos a
convicção de que os resultados da mesma poderão ser avaliados a partir destes
mesmos preceitos. Para isso, a pesquisa em pauta irá determinar os parâmetros de
captação, edição e difusão das imagens, possibilitando aos pesquisadores conhecer o
discurso audiovisual presente na construção do corpo, indispensável à sua leitura
como fonte de conhecimento do outro e de sua visão do mundo (Associação Brasileira
de Antropologia, 2015, p. 20).

No artigo "Aprender cinema, aprender antropologia", Peter Zoettl comenta


sobre como as imposições técnicas e metodológicas de Margareth Mead foram postas
em cheque por um grupo de estudantes de cinema etnográfico. A imposição do uso
tripé, durante a captura de imagens, e a crença na fidelidade do material filmado com
relação à realidade presenciada pelo pesquisador foram "naturalmente questionados"
pelo grupo, que ainda se familiarizava com o instrumental de vídeo (ZOETTL, 2011, p.
186). Isto vem apoiar a concepção de que não é um conjunto fechado de regras e de
procedimentos que irá garantir a validade de um material audiovisual em pesquisa;
antes, que é necessário que se estabeleça que saberes podem ser produzidos por este
meio. No presente caso, o processo se deu de maneira mais intensa, provavelmente
devido à experiência do pesquisador em produção audiovisual. Para o produtor
experiente, é fácil perceber o que "funciona" ou não. A questão que a pesquisa
abordou foi justamente a de definir a que "função" o trabalho deveria servir.
A atuação como documentarista tem permitido ver que, muitas vezes, o
pesquisador entende o objeto, mas não conhece as formas de produção audiovisual;
outras vezes, é o documentarista que não possui as ferramentas conceituais para a
abordagem do objeto, apesar de dominar a técnica. É necessário, então, que ambos os
parâmetros de pesquisa sejam estabelecidos ao mesmo tempo, ou a priori, de modo
que o trabalho analítico leve em consideração o exercício fílmico em si. Assim, junto
com o que se mostra do objeto, é necessário que se explicite a posição do olhar de
quem registra, não se deixando enganar pela ilusão de realidade do material
audiovisual.

A reconstrução narrativa da realidade, que a antropóloga e documentarista


Clarice Peixoto chama de filme espetáculo, em que a interferência do criador é total, a
ponto de dirigir as cenas, os personagens (que agem como atores) e a ação, não lhe
diminui seu valor documental, se tal direcionamento for fiel à observação e ao que se
quer narrar. Ao mesmo tempo e por outro lado, é no filme etnográfico, aquele que
registra a ação contínua do grupo, onde a presença do pesquisador e de sua câmera
mais influenciam a ação. (PEIXOTO, 1994, p.21). Nesta linha, o filme etnográfico é
aquele que apoia a observação etnográfica, obedecendo às suas regras, ou seja: o
pesquisador envolve-se com o grupo observado de forma consensual; estabelece, com
o grupo, os procedimentos de registro da observação; e apresenta e discute os
registros com o grupo. Assim, os significados que se produzem a partir da observação e
de seu registro são criados com a participação dos membros do grupo observado.
Reside aqui um ponto importante nesta pesquisa, o de estabelecer um conjunto de
saberes que reflita o pensar-o-mundo das pessoas que estão diretamente ligadas às
práticas do congo.

O estabelecimento de metodologias de campo em antropologia e etnografia é


contemporâneo ao aparecimento do cinema. A efetividade do relato fílmico se dá por
duas razões: traz um olhar mais objetivado, em comparação ao relato escrito, sobre os
povos estudados; e acaba por se configurar como mais uma mercadoria extraída
destas colônias econômicas, pois o filme atrai mais a atenção dos leigos do que o
diário de campo etnográfico. (idem, p.10). A suposta objetividade do cinema seria, no
entanto, falaciosa, uma vez que tanto na captação das imagens, quanto na edição,
fatores técnicos e narrativos acabam por determinar um direcionamento da visão
sobre o outro estudado. Fenômeno semelhante pode ser observado tanto na produção
audiovisual, quanto bibliográfica, acerca do congo capixaba. Por exemplo, o já citado
autor Guilherme Santos Neves, responsável por extenso registro das manifestações
culturais capixabas, apresenta em sua obra um tom de suposta objetividade, quando
parece se restringir ao registro do que presencia, mas o registro mantém-se à distância
que ele se impõe das pessoas e manifestações registradas.

Ao adotar a metodologia etnográfica como guia do trabalho de campo, o


projeto visa discutir as diferentes abordagens conceituais do cinema documentário.
Quando se tenta uma definição de documentário, o que parece simples, à primeira
vista, revela-se muito complexo. Tanto em termos gerais, como, por exemplo na
rotulagem dos títulos; como em termos metodológicos (os modos de produção que
caracterizariam o gênero), a definição de documentário divide críticos e realizadores.
Segundo Fernão Pessoa Ramos, o documentário se define pela intenção de seu autor,
reforçada pela indexação social e pela percepção do espectador (RAMOS, 2013, p. 25).
Mas quando se trabalha com uma enorme variedade de propostas, estilos e modos de
produção, como é o caso do YouTube, uma certa rigidez metodológica se impõe, para
que uma produção se enquadre como documentário.

O pesquisador Claude Bailblé, ao comentar sobre os conceitos éticos por detrás


do trabalho do documentarista, destaca a importância do relacionamento entre as
pessoas filmadas e o realizador, não só para o resultado imediato ("estético"), mas,
principalmente, com relação à fidelidade ao assunto e às pessoas que o representam.
Ele relaciona, também, o que chama de "contratos", entre o documentarista e as
diversas instâncias. O documentarista tem um contrato, em primeiro lugar, consigo
mesmo, com sua consciência. Deve equilibrar a vaidade do ego, a dúvida metodológica
e a noção subjetiva da sua posição no conjunto de processos criativos. Tem também
um contrato com seu objeto, construir uma relação de conhecimento e envolvimento
com o tema, questionando-se continuamente sobre o que sabe e o que deseja saber.
Outro contrato é com as pessoas com quem filma, os sujeitos do filme, que às vezes
têm que se submeter às perguntas constrangedoras ou rememorar momentos
sofridos. Deve ter empatia para com os envolvidos, mas com a distância necessária
para poder alcançar o depoimento desejado. Há o contrato com os produtores,
financiadores ou distribuidores do filme, que podem ter interesses paralelos e por
vezes conflitantes. E, por fim, um contrato com seu espectador, que é, afinal, a quem
se dirige o filme. (BAILBLÉ, 2012, p. 9-17).

Apesar do que parece ser uma atenção do documentarista para com as pessoas
e situações retratadas, observa-se, de uma maneira geral, que no campo do
documentário a ênfase maior está sobre o autor, e não sobre seu objeto. Jean Rouch,
por exemplo, ao apresentar suas restrições às equipes de filmagem, parece fazê-lo em
relação ao grupo que está sendo documentado: o técnico de som deveria, em sua
opinião, ser um falante da língua local; o diretor deveria ser o operador de câmera; o
etnógrafo deveria conviver ao máximo com o grupo retratado. Quando não procura
esconder os procedimentos técnicos de filmagem, característica de seu cinéma-vérité,
acaba por colocá-los em primeiro plano, sujeitando os retratados à lógica de produção
(ROUCH, 2003, p. 87).

Por sua vez, Bill Nichols, uma das principais referências contemporâneas em
documentário audiovisual, ao estabelecer que uma representação da realidade é, em
si, uma ficção (fabricação, em tradução direta), não deixa de reforçar o papel do
documentarista no processo, mas oferece a perspectiva de que o outro da narrativa
documental existe em uma relação metafórica com a cultura de onde advém
(NICHOLS, 1991, p. 204). Ou seja, no estabelecimento de seu objeto da documentação,
o realizador impõe-lhe sua alteridade. O outro interessa porque interrompe uma
narrativa hegemônica, apresentando paradigmas que não encontram espelho na
sociedade que o olha.

Deste modo, são esses os aspectos conceituais que este projeto encara: o
problema da alteridade, procurando fugir do exotismo e do estereótipo; os problemas
de relacionamento e da presença do documentarista; e as relações de construção de
identidades e de saberes que se estabelece durante a documentação.

Métodos e práticas da documentação


O objetivo inicial do projeto era promover a pesquisa de procedimentos técnicos e
metodológicos para a documentação audiovisual das manifestações do congo do
Espírito Santo. Antes mesmo da elaboração do projeto de pesquisa, registrado na Pró-
Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFES em março de 2015, alguns vídeos e
fotografias de cunho documental já haviam sido produzidos com resultados diversos.

Podemos apresentar a trajetória das atividades de documentação audiovisual, até


agora, em três períodos distintos: a primeira fase vai de 2013 até o fim de 2014,
embora se estenda até o fim dos festejos de São Benedito daquele ano, no domingo de
Páscoa de 2015; a segunda fase inicia-se na quaresma de 2015, quando foi
estabelecido, oficialmente, o projeto de pesquisa, e encerra-se na Páscoa de 2016; e
finalmente, a fase atual, que iniciou-se com a captação de imagens para os
documentários "Congo Falado", finalizado em março de 2016, e "Uma casaca", ainda
em fase de filmagens. Como se pode ver, as fases interpõem-se cronologicamente,
devido ao calendário próprio do congo, mas partem de conceitos distintos, como
veremos a seguir.

Com exceção dos documentários, os vídeos produzidos têm-se pautado pelo


registro das "saídas" das bandas. É importante destacar aqui que, apesar de as bandas
se apresentarem em ocasiões festivas, e serem encaradas por parte do público, e
mesmo da elite, como "diversão cultural", o congo é, para os seus praticantes e
devotos, uma manifestação religiosa. As "saídas" são atos de louvor aos santos, de
oferenda e de pagamento de promessas por graças alcançadas.

Os momentos mais importantes se concentram no circuito ritual em louvor a São


Benedito, e, embora cada banda encare os ritos de forma própria, ou mesmo acabe
por criar seus rituais exclusivos, os festejos ao Santo são formados pelos eventos
Cortada do Mastro, na data ou próximo ao Dia de N. S. da Conceição, 8 de dezembro;
Puxada e Fincada do Mastro, que acontece no Dia de Natal, para a maioria das bandas;
e Derrubada (ou Retirada) do Mastro, que acontece durante o mês de janeiro, para
algumas bandas (em especial aquelas igualmente devotas de São Sebastião, que se
comemora a 20 de janeiro), enquanto, para outras, irá ocorrer no Domingo de Páscoa
(caso da Banda Amores da Lua). Algumas localidades promovem encontros de bandas
em suas festas, especialmente nos municípios da Serra e do Fundão.
Desde que o projeto iniciou, já foram documentados praticamente três anos
litúrgicos do congo: 2013-2014, 2014-2015, e 2015-2016. Cada nova "saída" foi
apresentando seus desafios, contornados, na medida do possível, com ajustes no
equipamento ou na técnica de captação das imagens - e do som. O equipamento
usado tem sido praticamente o mesmo, desde o início: câmera DSLR Canon, à qual
sentiu-se a necessidade de incorporar uma objetiva mais clara, com ângulo de visão
mais amplo; e microfone multidirecional acoplado. As maiores mudanças, ao longo do
projeto, foram feitas na postura do operador no momento da captura. Conforme se
familiarizava mais e mais com o desenrolar dos eventos, mais intuitiva foi sendo a
decupagem prévia da captura, ou seja, as decisões relativas ao posicionamento da
câmera, aos ângulos de captura, e mudanças de posição passaram a acompanhar mais
fluidamente o desenvolvimento das performances das bandas. Atualmente, percebe-
se que, embora tenha-se a edição como destino do material captado, este, muitas
vezes, já apresenta, na câmera, uma fluidez de movimentos que dispensaria a edição.

Além disso, cada captura pode ser entendida como o "esboço" da seguinte,
contribuindo, com sua releitura, para a maior familiaridade do realizador para com o
que se irá desenrolar frente à câmera (COMOLLI, 2009, p. 25)

Com a crescente familiaridade do realizador para com a "narrativa" dos rituais


do congo, o planejamento da edição também se desenvolveu na direção de melhor
refletir os elementos narrativos presentes nos rituais. Apesar de ser uma performance
coletiva, em certos momentos alguns "atores" tomam a frente do rito. É preciso estar
atento a isso durante a captura, e certificar-se de que a edição preserva a história
narrada.

A edição dos vídeos incorporou, logo no início do projeto, uma série de


decisões formais, que dizem respeito ao ritmo da montagem, à plástica das imagens, e
aos elementos de pós-produção. No corte das cenas, procurou-se preservar, dentro
dos limites da representação audiovisual, o encadeamento da narrativa dos cortejos.
Ou seja, embora sejam momentos de música e dança, as festas do congo são, antes de
tudo, momentos de devoção e louvor, na cabendo, por isso, a imposição de uma
montagem de clipe musical. É um equilíbrio muito sutil, aquele entre a agilidade da
comunicação audiovisual contemporânea e a representação de um tempo religioso,
voltado a uma outra fruição. Do mesmo modo, optou-se por não usar variações da
percepção do tempo na edição: não há cortes em paralelo, nem flash-backs, nem
câmeras lenta ou rápida.

Em termos plásticos, a edição procura preservar as cores originais, sem a ilusão


de que o material filmado as reproduza fielmente. A fidelidade, no caso, é a da
allegiance, ou seja, o realizador partilha da mesma intencionalidade do rito
documentado: procura-se ressaltar a riqueza de detalhes das roupas e adereços, a
saturação das cores dos estandartes, as formas e os volumes de que se compõem os
cortejos. Este envolvimento do realizador é oriundo da convivência com os integrantes
das bandas, principalmente os mestres, quando de procura entender as motivações
dos agentes do rito.

Em suas versões finalizadas, os vídeos não possuem créditos de autoria,


recebendo apenas, em seus segundos iniciais, uma legenda a título de "rótulo", com
duração de cerca de dez segundos, identificando a banda, o evento em pauta, e a data,
coma assinatura "O Congueiro", que se repete ao final. Espera-se, com isso, que a
atenção se volte à ação que ocorre no vídeo, e não ao que seria o resultado de uma
intencionalidade cinematográfica.

O Congueiro

Tão logo se iniciou a produção dos vídeos de documentação do congo, ficou


estabelecido que eles teriam, como destino, a internet. Fosse para a divulgação do
congo, ou do projeto, fosse como material de divulgação das bandas, espécie de
retribuição do projeto às bandas. Mesmo com a intenção de se fazer conhecido, o
projeto procura não chamar mais atenção a si do que ao objeto da documentação. Ao
mesmo tempo, espera-se que outros realizadores se unam ao projeto, enriquecendo o
trabalho. Foi pensando nisso que se criou a entidade O Congueiro. Ela simplifica a
questão da autoria, sem mascará-la, ao adotar uma persona que se identifica com os
grupos documentados.

Junto com o nome, foram criados o canal no YouTube, uma página no


Facebook, além do registro do domínio "www.ocongueiro.com". Além disso, há um
álbum de fotos no perfil de Flickr do autor. O canal do YouTube e a página do Facebook
funcionam em conjunto: cada novo vídeo é compartilhado na rede social, cuja página
já conta com mais de 150 seguidores, na sua maioria integrantes de bandas de congo.
O canal do YouTube tem mais de cinquenta inscritos, e o número mais reduzido se
explica pelo fato de o site não ser, essencialmente, uma rede social. Ele oferece, no
entanto, ferramentas avançadas de acompanhamento estatístico, por meio das quais é
possível saber que os cerca de cem vídeos postados já têm, até o momento, mais de
dez mil visualizações.

O Congueiro ainda não apresenta uma grande movimentação em termos de


comentários, o que seria desejável, já que uma das intenções do projeto é a de que ele
se tornasse um elemento de interação entre os praticantes e devotos do congo. Os
visitantes do canal e da página têm se limitado a assistir os vídeos, compartilhá-los
ainda timidamente, e "favoritá-los", também com parcimônia. Isso talvez se explique
pelo fato de que, no universo das bandas de congo, o acesso à rede é ainda limitado,
concentrando-se entre os jovens, principalmente. Estes acessam majoritariamente
pelo celular, o que não favorece a interação por comentários, apenas por "likes". Mas
essas são apenas conjecturas, e não está no escopo atual desta pesquisa responder a
estas questões.

Considerações finais

A primeira constatação da pesquisa é a de que o congo do Espírito Santo não é


uma entidade única, tendo expressões bastante diversas entre as bandas. Ao mesmo
tempo, não é uma prática engessada na repetição de práticas e no simples uso de seus
objetos, mas trata-se, sim, de uma cultura viva e florescente, em constante
transformação. Dessa constatação veio a delimitação do objeto na Banda Amores da
Lua; se almejasse cobrir todo o universo das bandas de congo, seus devotos,
instrumentos e objetos, e suas práticas, a pesquisa estaria se arriscando a dispersar-se
sem conseguir oferecer algum resultado pertinente, seja em termos de documentação,
seja na forma de reflexão sobre a produção. Assim, embora se vá documentar todas as
manifestações possíveis, o material a que se dará mais importância, na quantidade e
no tratamento, será o relativo à Banda Amores da Lua.

É difícil avaliar, ainda, o que podem vir a significar os números de visualizações


e de compartilhamentos dos vídeos no YouTube e no Facebook. A pesquisa irá buscar,
em uma etapa posterior, ferramentas de análise desses dados, bem como outros
instrumentos que permitam conhecer melhor o público que a documentação vem
atingindo. No entanto, têm-se tido respostas bastante positivas, dos integrantes das
bandas, quanto ao valor que dão ao trabalho realizado.

Embora não faça parte do escopo deste trabalho analisar como o congo vem
sendo mostrado na mídia local, é notório que esta reforça estereótipos negativos
acerca da devoção e de seus praticantes, relacionando-os à pobreza, à ignorância, à
arruaça e bebedeiras. Os vídeos do projeto não procuram mascarar nenhuma
realidade, que inclui alguns excessos cometidos, durantes as grandes festas, em geral
por pessoas externas ao congo. Mas é objetivo, sim, do projeto, contribuir para a
valorização do congo, e um resultado positivo é observar o aumento da autoestima de
seus praticantes provocado pelas aparições nos vídeos.

Os desdobramentos do projeto deverão ir na direção do fortalecimento das


possibilidades de interação entre os praticantes e devotos do congo, por meio das
redes sociais, e o estabelecimento de formas de capacitação das comunidades
envolvidas com o congo nas técnicas de produção audiovisual e e difusão pela
internet.

Referências bibliográficas

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antropológicos: condições para o exercício de um trabalho científico. Rio de Janeiro:
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15, n. 1. Lisboa: CRIA / ISCTE-IUL, 2011. pp. 185-198.

Páginas de O Congueiro na internet

http://www.ocongueiro.com - portal, em construção, com o objetivo de reunir toda a


produção do projeto.

http://www.youtube.com/ocongueiro - canal dos vídeos do projeto no YouTube.

http://www.facebook.com/ocongueiro - página do Facebook destinada ao


compartilhamento do material da pesquisa e interação entre praticantes e
interessados.

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