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A SUBVERSÃO DO TEMPO E DO ESPAÇO NO CINEMA: UMA PROPOSTA


INTERDISCIPLINAR PARA O ENSINO DA FÍSICA

Conference Paper · July 2020

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Nelson Silva Junior Marcos Cesar Danhoni Neves

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Universidade Estadual de Maringá
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A SUBVERSÃO DO TEMPO E DO ESPAÇO NO CINEMA: UMA
PROPOSTA INTERDISCIPLINAR PARA O ENSINO DA FÍSICA

Nelson Silva Junior – nelsonsj194@yahoo.com.br


Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Avenida Monteiro Lobato, s/n, Km 04
Ponta Grossa - Paraná
Marcos César Danhoni Neves – macedane@yahoo.com
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Avenida Monteiro Lobato, s/n, Km 04
Ponta Grossa – Paraná

Resumo: Este artigo apresenta uma proposta interdisciplinar para o Ensino de Física, a
partir do Cinema. O Cinema aqui, considerado, não como um complemento meramente
ilustrativo para as aulas de Física, mas sim como o ponto de partida para a construção de
um saber específico. A proposta metodológica para este estudo está pautada na pesquisa de
natureza qualitativa, que analisa e interpreta, de forma mais aprofundada, aspectos que
descrevem a complexidade do comportamento humano, possibilitando assim uma análise
mais detalhada sobre hábitos, atitudes, comportamentos do homem em sociedade. Quanto
aos instrumentais utilizados na pesquisa, estes foram: o estudo documental e bibliográfico e a
análise fílmica. Por se tratar de um estudo em fase inicial de desenvolvimento, os resultados
até agora registrados, restringem-se aos estudos comparativos com outras pesquisas que
abordam o tema Cinema e ensino de Física e a investigação de filmes que propiciem que a
proposta se efetive em sala de aula.
Palavras-chave: Ensino de Física, Cinema, Tempo, Espaço.

1 A PESQUISA

O cinema invadiu o cotidiano do homem moderno, com tal intensidade, que é impossível
não considerar sua influência nos diferentes aspectos da vida desse homem. Segundo Costa
(2005, p. XVII), “o cinema tem atuado tão fortemente sobre as formas de percepção e as
experiências do tempo e do espaço neste século, que já não há limites claros entre as
linguagens audiovisuais a que ele deu forma e as outras contemporâneas de linguagem.” Essa
linguagem, essencialmente visual, acabou por determinar padrões estéticos de imagem e de
som, que nos propiciaram formas de representar e perceber o mundo e o homem. O aparato
que ocupou, inicialmente, o posto de atração em feiras e circos, em pouco tempo viria a se
constituir numa importante linguagem artística e elemento determinante para a comunicação
de massa do século XX.
Tal como outras linguagens e expressões artísticas, o cinema é um meio para que o
homem expresse e problematize o seu tempo e sua existência, gerando vínculos com as mais
diversas áreas do conhecimento. Ao adentrar no campo educacional, o cinema não perde sua
licença poética, em detrimento do caráter pedagógico ou didático. É uma linguagem artística
que ao ser transposta para o meio escolar se torna uma fonte de conhecimento, que mediada
pela especificidade de uma área, pode proporcionar, não só uma experiência estética, mas
também uma experiência didática que possibilita confrontar temas educacionais, como o
processo de ensino e aprendizagem de uma área específica, com temas específicos do
contexto cinematográfico.
Vários estudos sobre cinema e sua relação com outras áreas do conhecimento, têm
apontado para a produção de diversos filmes, nos quais a inveridicidade de fenômenos físicos,
químicos ou naturais, são facilmente constatados. Antes de se utilizar um filme enquanto
recurso didático pedagógico há necessidade de entendê-lo enquanto uma produção que se
prevalece da liberdade da criação artística para concebê-lo numa perspectiva artística e
comercial. Aí a necessidade do papel mediador do professor que utiliza o cinema como
recurso didático pedagógico, numa perspectiva dialógica, que permita o acesso ao
conhecimento, seja pela análise de um fenômeno factual ou de um fenômeno manipulado, o
que é mais comum de se observar no cinema.
Nossos estudos apontam para uma relação entre os recursos cinematográficos utilizados
na narrativa fílmica e o ensino de Física. Esses recursos cinematográficos, muitas vezes,
propositadamente ou não, subvertem a noção do tempo e do espaço a fim de criar a diegese do
filme, estabelecendo o que chamamos de tempo e espaço diegéticos. O Tempo e o Espaço
enquanto elementos físicos são determinantes no conhecimento específico da Física e
consequentemente no entendimento do mundo que nos cerca. O nosso cotidiano apresenta
diferentes possibilidades e desafios para o nosso entendimento sobre diversos fenômenos
físicos, entre eles a questão do tempo e do espaço, fenômenos estes que o cinema nos
apresenta de forma recorrente como elementos constituintes das mais diferentes tramas e
ações.
O conhecimento científico, aqui entendido como aquele que “traduz uma forma de
conhecer o mundo muito particular” (PIETROCOLA, 2001, p. 29), nos permite interpretar a
realidade física presente na obra de arte, especificamente, na obra cinematográfica, assim
como entender a Física nas dimensões histórica e social. Quando o cinema se constitui
enquanto linguagem, deixando de ser um mero registro de imagens do cotidiano do homem
do início do século XX, ele passa a ser também uma fonte histórica e de conhecimentos.
Segundo Arlindo Machado (COSTA, 2005, p. XII), as histórias do cinema “são sempre a
história da sua positividade técnica, a história das teorias científicas da percepção e dos
aparelhos destinados a operar a análise/síntese do movimento”, estabelecendo assim uma
relação com o campo da ciência.
Essa percepção, citada por Machado nos leva a problematizar como a liberdade artística
do cinema, a sua poética, a partir de seus elementos fundantes como o enquadramento, a
edição e a montagem, subvertem fenômenos e conceitos da Física, como o tempo e o espaço,
para compor uma narrativa própria? Como isso é percebido pelas pessoas que assistem a um
filme? E em especial: como isto pode ser usado no ensino de Física?
Como ponto de partida para nossa investigação, temos como proposições que
provisoriamente respondem à nossa problematização:
- O tempo e o espaço real ao serem transpostos para uma obra fílmica estão sujeitos aos
efeitos cinematográficos, os quais, invariavelmente, criam realidades espaciais e temporais
que só são possíveis na narrativa cinematográfica.
- No cinema uma imagem é produzida para representar uma situação específica de espaço,
tempo e significado na narrativa. Para que isso seja percebido por quem assiste a um filme, é
necessária uma alfabetização cinematográfica que propicie a compreensão da linguagem
própria do cinema, o que é restrito a quem produz e não a quem assiste a um filme, o que faz
com que as pessoas, ao assistirem esse filme, não percebam a subversão do tempo e do espaço
presentes.
- O ensino da Física prevê a observação de fenômenos naturais, como a passagem do tempo e
o deslocamento no espaço. Os filmes podem ser elementos de observação que propiciam a
percepção do tempo e do espaço em situações que simulam o cotidiano do aluno que estuda a
Física.
Desde obras como Le voyage dans la lune (1902), de Georges Méliès, O encouraçado
Potemkin (1925), de Sergei Eisenstein, E o vento levou (1939), de Victor Fleming, Cidadão
Kane (1941), de Orson Welles até o cinema contemporâneo de Corra, Lola, corra (1998), de
Tom Tykwer, apresentam possibilidades para se entender esses conceitos – tempo e espaço –
como parâmetros físicos, bem como articulá-los ao processo artístico e outras formas de
expressão e produção humana, que facilitem a compreensão dos conteúdos no ensino de
Física, tais como “os tempos envolvidos nos processos biológicos ou químicos e mesmo sua
contraposição com os tempos psicológicos, além da importância do tempo no mundo da
produção e dos serviços.” (BRASIL, 2000, p. 25).
A partir da análise da imagem cinematográfica, ou seja, da imagem em movimento,
podemos evidenciar a ruptura entre o tempo físico (aquele que aconteceria numa situação
real) e o tempo diegético (aquele que acontece na situação do filme), sua relação com os
espaços físico e diegético. O tempo diegético, aquele que só existe dentro do filme, é
produzido a partir de elementos específicos da linguagem cinematográfica, como o
enquadramento, a edição e a montagem, porém, pode propiciar ao assistente mais atento, uma
reflexão sobre o conceito de tempo e espaço, enquanto grandezas físicas e suas relações com a
Mecânica, a Cinemática, a Termodinâmica e outros conteúdos específicos no ensino de
Física.
Nossa proposta configura-se num estudo analítico e interdisciplinar que propicia uma
abordagem inicial de conteúdos do ensino de Física, trazendo para o estudante aquilo que os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Física preconizam: o de promover o desenvolvimento
das competências que o conhecimento científico possibilita, a partir da interpretação de fatos,
fenômenos e processos naturais que fazem parte do cotidiano do aluno, seja ele um cotidiano
doméstico, social, artístico cultural ou profissional.
Desde o século XVII, com as projeções da chamada Lanterna Mágica, o homem antevia o
surgimento de um modelo de cinema que culminaria com o cinema proposto pelos irmãos
Lumière e por Thomas A. Edison, no final do século XIX. As primeiras exibições públicas,
porém restritas, ocorreram em 1893, quando Edison patenteou o quinetoscópio, um
equipamento munido de um visor, através do qual se podia assistir a exibição de imagens
como lutas de boxes, performances de animais amestrados, entre outras. O processo pelo qual
se podiam observar imagens em movimento no quinetoscópio, consistia num visor e uma
manivela, que acionava a apresentação de fotos tiradas em sequência e que davam a sensação
de movimento.
Os irmãos Lumière, além de terem promovido a mais famosa projeção pública, que
demarcou o início do cinema, em 1895, foram também responsáveis pela primeira estrutura
de distribuição de filmes, fornecendo para os vaudevilles - casa de entretenimentos variados,
projetores, filmes e operadores.
Os primeiros 20 anos do cinema demarcam um período preliminar à linguagem que o
mesmo estabeleceria. Um período de experimentações e descobertas, que conduz o cinema
aos “princípios específicos de sua linguagem, ligados ao manejo da montagem como
elemento fundamental da narrativa”. (COSTA, 2006, p. 22). Historicamente, esses primeiros
20 anos foram divididos nem dois períodos, chamados de Cinema de Atrações (1894 – 1907)
e Período de Transição (1906 – 1915). O Cinema de Atrações é caracterizado por apresentar
filmes onde o espetáculo visual predomina e não a narrativa. Aqui já se definem os planos e
uma estruturação nas relações causais e temporais entre os planos. Os filmes do Período de
Transição, já apresentam uma narrativa cinematográfica, na qual se podia perceber as
intenções e motivações dos personagens. É nesse período que a produção cinematográfica
passa a trabalhar, de forma sistematizada, com a conexão entre planos, dando origem a
montagem nos filmes.
Um dos principais nomes, na história da montagem cinematográfica, foi o norte
americano David Wark Griffith (1875 – 1948). A partir das obras de Griffith, os espectadores
passaram a perceber as atitudes emocionais dos personagens, o suspense e contrastes
dramáticos da história contada, com o uso criativo da montagem. É Griffith, também, o
responsável pela aceitação do longa metragem como forma definitiva para a narrativa fílmica.
Suas obras, O Nascimento de uma Nação (1915) e Intolerância (1916), são marcos do cinema
e contribuíram para o surgimento do estilo clássico hollywoodiano.
Enquanto Griffith dava continuidade à formação do sistema clássico hollywoodiano, no
qual a montagem segue uma proposta de invisibilidade e realismo. Já na União Soviética que,
segundo Saraiva (2006, p. 110) encontrava-se “com um pé no front da guerra civil e outro no
ambiente cultural onde vanguardista como Maiakovski, Malevich e Meyerhold lutavam por
uma revolução estética, cresceu-se uma geração de cineastas que revolucionaria o cinema para
sempre”. A revolução citada por Saraiva se deu na forma da montagem cinematográfica e foi
fruto da influência direta de artistas como Malevich e Tatlin, nas artes plásticas, Maiakovski
na poesia e Meyerhold no teatro.
A montagem no cinema ainda era um campo a ser explorado, quando o pintor soviético
Lev Kuleshov (1899 – 1970), passou a atuar no cinema como cenógrafo e defender a postura
de um cinema autoral, baseado na criação plástica. O cinema autoral, ao qual Kuleshov se
referia era aquele no qual o diretor determinava até mesmo o roteiro do filme e a criação
plástica a relação dos elementos que faziam parte da composição do plano. É a partir da sua
experiência como cenógrafo que Kuleshov aponta suas primeiras reflexões sobre a montagem
cinematográfica, quando o cinema passa a ser “encarado como um conjunto de signos, no
qual os elementos valem por sua posição dentro da composição e não por serem registro do
real.” (SARAIVA, 2006, p. 116). Kuleshov é considerado o fundador da Teoria da
Montagem.
A montagem cinematográfica soviética foi a escola do cinema dos anos 30 e 40, inclusive
do cinema clássico hollywoodiano. A partir dos estudos de Kuleshov, a montagem passou a
ser considerada o princípio de construção do cinema.
A pesar de Kuleshov ter iniciado, formalmente, os estudos sobre montagem, foi outro
cineasta russo que melhor elucidou os processos e elementos da montagem e acabou por
influenciar a filmografia posterior às suas principais obras: Sergei Eisensten (1898 – 1948).
Vindo do Teatro Operário Soviético, Eisenstein traz para o cinema a influência do teatro
baseado em estímulos sensoriais e emocionais, o que ele articula a partir da montagem nos
seus filmes.
O ato de cortar (literalmente), organizar e ordenar os planos, definir a duração de uma
cena ou de um plano, estabelece a forma plástica e rítmica de um filme e caracteriza a
montagem como elemento específico da linguagem cinematográfica. E é justamente nessa
especificidade da montagem que vamos encontrar o corpus da pesquisa proposta. Do cinema
clássico ao cinema contemporâneo, nos diferentes gêneros, movimentos e períodos, temos
diversos momentos nos quais a montagem aparece como o elemento ímpar da produção. A
concepção da montagem num filme dá a ele o que Gilles Deleuze chama de a imagem tempo,
uma imagem que representa, indiretamente, o tempo decorrido. Segundo Parente (2008),
Deleuze afirma que só o cinema é capaz de nos dar uma percepção direta do tempo.

Quando os cineastas do pós-guerra inventaram a imagem-tempo, criou-se


um curto circuito de indiscernibilidade entre o real e o virtual. Trata-se de
uma questão ao mesmo tempo artística, filosófica e política. O virtual não se
opõe ao real, mas sim aos ideais de verdade que são a mais pura ficção.
Tanto na filosofia, como na ciência e na arte, o tempo é o operador que põe
em crise a verdade e o mundo, a significação e a comunicação. (PARENTE,
2008, p. 142).

Quando assistimos a um filme no qual a mudança de plano representa um deslocamento


de tempo e espaço, nem sempre estamos atentos o suficiente para percebermos a ocorrência
de um fenômeno físico manipulado pela arte. Isso não é mesmo papel de quem está assistindo
a um filme. Para entendermos esse processo seria necessária a confluência de certas
percepções, noções e conceitos físicos, que apesar de presentes na obra cinematográfica, não
são o objeto de interesse do espectador. Porém esse processo pode ser de grande valia ao
transpormos a situação fílmica para uma sala de aula, na qual o objeto em discussão seja, por
exemplo, fenômenos físicos do cotidiano.
Segundo Peduzzi (2001), sabe-se que os modelos utilizados para se explicar tais
fenômenos, desenvolvem-se a partir da infância, muitas vezes fora do ambiente escolar, longe
do espaço formal de ensino e aprendizagem e que tais concepções são estruturadas a partir de
conceitos elaborados, proporcionando aos indivíduos, uma compreensão coerente sobre estes
fenômenos do cotidiano. Esses conceitos aparecem entre os estudantes de Física de todos os
níveis de escolaridade e isto é um fato relevante, que reforça a concepção de ensino a partir da
bagagem conceitual e cultural trazida pelo aluno. Muitos dos nossos primeiros aprendizados
sobre os fenômenos físicos acontecem diante de uma tela de uma televisão ou de um cinema,
assistindo-se a um filme, seja ele de ação, romance, aventura ou ficção.
O conhecimento físico/científico nos possibilita entender a natureza, o mundo físico, os
fenômenos naturais, presentes no nosso dia a dia. Por isso a necessidade contemporânea da
alfabetização científica e técnica dos indivíduos, numa perspectiva emancipatória, como
apregoava Paulo Freire.
Para o cientista educador Gaston Bachelar, a formação do pensamento científico se
manifesta a partir da formulação de problemas e estes, por sua vez, são frutos da nossa
interação com a vida cotidiana. Ainda, para Bachelar, essa cultura científica adquirida no dia a
dia, acaba por ser repensada quando se adentra ao mundo escolar e acadêmico. O
conhecimento empírico que os alunos trazem das suas atividades cotidianas, como assistir a
um filme, muitas vezes se manifestam como obstáculos epistemológicos para a efetivação do
conhecimento científico, porém são importantes no processo de aprendizagem, pois desse
conhecimento é que se originam os problemas.

E, digam o que disserem, na vida científica os problemas não se formulam


de modo espontâneo. É justamente esse sentido do problema que caracteriza
o verdadeiro espírito científico. Para o espírito científico, todo conhecimento
é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver
conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é
construído. (BACHELAR, 1996, p. 14)
Num cotidiano, essencialmente tecnológico, são as leis e teorias do campo da Física que
explicam a maior parte dos fenômenos aos quais estamos submetidos, geralmente a partir de
modelos teóricos. Para Lopes (2004), o ensino da Física sempre estará vinculado a modelos
teóricos, os quais permitem que o estudante relacione os conhecimentos fundamentais da
Física com a realidade que o cerca. Uma aprendizagem significativa em Física, entendida por
Peduzzi (2001) como aquela na qual o aluno chega a uma solução, estabelecendo uma relação
entre a sua estrutura cognitiva e a proposição de problemas advindos dos fenômenos físicos
que ele vivencia no seu cotidiano, pode ocorrer ao pensarmos na resolução de um problema
com enunciado aberto, que envolve dois carros numa perseguição. Uma situação recorrente
em filmes de ação, na qual o aluno poderia constatar, por exemplo, que nas condições reais,
que são apresentadas no tempo e no espaço diegético do filme, os carros jamais se
encontrariam. A constatação que determinada situação só é possível no espaço da arte
cinematográfica, nos aponta uma compreensão significativa sobre os fenômenos físicos e as
leis que regem estes fenômenos e não apenas para uma resolução mecânica de um problema.
Atividades que envolvem a resolução de problemas fazem parte de um processo de
aprendizagem que é consenso entre os educadores que trabalham com o ensino da Física,
cabendo aqui destacar o pensamento de Thomas Khun sobre o estudante que resolve muitos
problemas. Para Khun (1998), este aluno, muitas vezes, “pode apenas ter ampliado sua
facilidade para resolver outros mais”. A resolução de um problema muitas vezes parece ser
uma atividade matemática, mecânica, que a princípio consiste em encontrar a similaridade
entre um problema resolvido e um problema a ser resolvido. Para Neves e Savi (2000), o
ensino tradicional se baseia em “métodos manualísticos, livrescos, memorizativos e
matematizáveis para o ensino da Física”. Para os autores, a experimentação e a observação,
não fazem parte desse tipo de ensino e os conflitos cognitivos e epistemológicos, citados por
Khun não surgem num processo deste tipo.
A utilização de recursos e linguagens artísticas como o cinema, no processo de ensino da
Física, responde à dimensão artística e à função da arte, preconizadas nas Diretrizes
Curriculares do Ensino de Física:

A Arte concentra, em sua especificidade, conhecimentos de diversos


campos, possibilitando um diálogo entre as disciplinas escolares e ações que
favoreçam uma unidade no trabalho pedagógico. Por isso, essa dimensão do
conhecimento deve ser entendida para além da disciplina de Arte, bem como
as dimensões filosófica e científica não se referem exclusivamente à
disciplina de Filosofia e às disciplinas científicas. Essas dimensões do
conhecimento constituem parte fundamental dos conteúdos nas disciplinas
do currículo da Educação Básica. (PARANÁ, 2008, p.22)

O ensino de Física se configura num dos desafios contemporâneos da Educação Básica,


pois requer o pensar sobre a prática pedagógica do professor de Física, numa perspectiva
interdisciplinar. Perspectiva esta que proponha novas metodologias, capazes de integrar o
ensino a uma discussão epistemológica sobre a natureza do conhecimento científico, suas
possibilidades, suas limitações (se é que isso existe) e suas perspectivas. A dimensão artística
do cinema pode propiciar o exercício de se olhar cientificamente para um fenômeno
representado, não como um método ou instrumento fechado, encerrado na própria linguagem,
mas sim numa concepção integradora entre a Ciência e a Arte.
2 A METODOLOGIA

O principal objetivo de nossa pesquisa, o de desenvolver uma proposta interdisciplinar


para o ensino de Física a partir do cinema, nos leva a investigar um tema pouco estudado ou
mesmo novo: o uso de filmes no ensino de Física, não como um complemento meramente
ilustrativo, mas sim como o ponto de partida para a construção de um saber específico. “Esse
tipo de pesquisa serve para desenvolver métodos a serem utilizados em estudos mais
profundos”. (SAMPIERI, 2006, p. 112).
Nossa proposta metodológica para este estudo está pautada na pesquisa de natureza
qualitativa, aqui entendida, na perspectiva das ciências sociais, como o estudo de um nível de
realidade que não pode ser quantificado, ou seja, “trabalha com um universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que corresponde a um espaço mais profundo
das relações” (MINAYO, 1998, p.21). Segundo Marconi e Lakatos (2006), uma proposta
qualitativa, analisa e interpreta, de forma mais aprofundada, aspectos que descrevem a
complexidade do comportamento humano, possibilitando assim uma análise mais detalhada
sobre hábitos, atitudes, comportamentos do homem em sociedade. Quanto aos instrumentais
utilizados na pesquisa, estes foram: o estudo documental e bibliográfico e a análise fílmica.
Quanto ao estudo bibliográfico, utilizamos autores que trazem a discussão sobre temas como:
a formação do professor de Física, o Ensino de Física, a linguagem cinematográfica, a
História do Ensino da Física e a História do Cinema. Para tanto trabalhamos autores como
Pietrocola, Lopes, Neves, Piassi, Machado, Chaves, Braga e Guerra, Edgar-Hunt, Delizoicov,
Angotti, Mascarello, Costa, Eisenstein, Deleuze, Aumont, entre outros.
Para a análise das obras cinematográficas estamos utilizando a metodologia proposta por
Erwin Panofsky em seu livro “Significado nas Artes Visuais”, denominado metodologia
panofyskiana, “iconológico” ou histórico social. Sua análise consiste em seguir três passos: a
análise pré-iconográfica, a análise iconográfica e, por fim, a interpretação. A análise pré-
iconográfica tem por objetivo identificar os significados factual e expressional de uma
determinada obra. Já a análise iconográfica busca identificar os significados convencionais
expressos pelos elementos de uma obra. E por fim, vem a interpretação, quando se consegue
captar o significado dessa obra, seus valores simbólicos que representam signos da cultura na
qual foi produzida. Tal metodologia possibilita a análise de uma obra dentro do seu tempo e
espaço e em sua relação com outras produções culturais do período. (PANOFSKY, 2007). Os
filmes analisados são definidos a partir de critérios como: relevância da obra, período,
movimentos, acessibilidade e pertinência ao contexto escolar.

3 OS RESULTADOS

Por se tratar de um estudo em fase inicial de desenvolvimento, os resultados até agora


registrados, restringem-se aos estudos comparativos com outras pesquisas que abordam o
tema cinema e ensino de Física e a investigação de filmes que propiciem que a proposta se
efetive em sala de aula. Utilizado como instrumento para diferentes propostas pedagógicas, o
cinema tem sido objeto de estudos na área de formação docente do professor de Ciências,
como no caso da doutora Silvia Nogueira Chaves, professora da Universidade Federal do
Pará; como elemento de cultura midiática utilizado na educação científica, nos estudos do
doutor Luís Paulo Piassi, docente da USP; como fonte da história da Ciência nos estudos dos
doutores Marco Braga e Andreia Guerra do CEFET-RJ; como fonte de linguagem verbo
visual aplicada à divulgação da Ciência nas pesquisas do doutor Marcos Cesar Danhoni
Neves, da Universidade Estadual de Maringá, entre outros. Nosso estudo integra este quadro
de propostas ao trazer o cinema como dispositivo pedagógico capaz de propiciar um modo de
ver a Ciência a partir da produção cinematográfica, não só específica (Ficção Científica), mas
sim dos mais diferentes gêneros que o cinema produziu e que, cotidianamente, alunos e
professores consomem e apreciam, aproximando o conhecimento científico da fruição
artística. Diante do levantamento de estudos, como os apontados anteriormente, nossa
proposta se apresenta como inédita, enquanto proposta metodológica para o ensino de Física,
face às publicações encontradas até o presente momento.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BACHELARD, Gaston. A Formação do Espírito Científico. Trad.: Esteia dos Santos


Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio. Parte III Ciências da
Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasil, 2000
COSTA, Flavia Cesarino. O Primeiro Cinema: espetáculo, narração, domesticação. São
Paulo, SP: Azougue, 2005.
_____________________. Primeiro Cinema. In: MASCARELLO, F. (org.) História do
Cinema Mundial. Campinas: Papirus, 2006.
KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva,
1998.
LOPES, J. Bernardino. Aprender e Ensinar Física. Portugal: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2004.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social.
In: ________________ (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 9ª ed.
Petrópolis: Vozes, 1998.
NEVES, M.C.D. e SAVI, A.A. A Sobrevivência do Alternativo: uma pequena digressão
sobre mudanças conceituais que não ocorrem no ensino de Física. Ciência e Educação
(Bauru). Vol.6. nº 1. Bauru. 2000.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação
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PARENTE, André. As imagens-cristais na arte de Sonia Andrade. In: ARANTES, P. e
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2008.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva.
Trad. M.C.F. Keese e J. Guinsburg, 2007.
PEDUZZI, Sônia S. Concepções alternativas em Mecânica. In: PIETROCOLA, M. (org.)
Ensino de Física: conteúdo, metodologia e epistemologia numa concepção integradora.
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PEDUZZI, Luiz O.Q. e PEDUZZI, Sônia S. Sobre o papel da resolução literal de problemas
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PIETROCOLA, M. (org.) Ensino de Física: conteúdo, metodologia e epistemologia numa
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SAMPIERI, R. H.; COLLADO, C. F.; LUCIO, P.B. Metodologia de Pesquisa. Trad. F. C.
Murad. 3ª ed. São Paulo: McGraw-Hill, 2006.
SARAIVA, Leandro. Montagem Soviética. In: MASCARELLO, F. (org.) História do
Cinema Mundial. Campinas: Papirus, 2006.

THE SUBVERSION OF TIME AND SPACE IN CINEMA: A PROPOSAL


FOR AN INTERDISCIPLINARY TEACHING PHYSICS

Abstract: This paper presents an interdisciplinary proposal between Physics Teaching and
Cinema. The Cinema considered here not merely as an illustrative supplement for school
physics, but as the starting point for building a specific knowledge. The methodology for this
study is based in the qualitative research, which analyzes and interprets, in more depth,
aspects that describe the complexity of human behavior, allowing a more detailed analysis of
habits, attitudes, behavior of man in society. As for the instruments used in the survey, these
were the documentary and bibliographical study and film analysis. Because it is a study in
early stage of development, the results so far recorded are restricted to comparative studies
with other research that address Cinema and physics teaching and research films that
provide that the proposal becomes effective in the classroom.
Keywords: Physics Teaching, Film, Time, Space.

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