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O ESPELHO DE LICHTENBERG

Seleção de aforismos escritos por


Georg Christoph Lichtenberg
(1742-1799)

Uberlândia, junho de 2018


1
O ESPELHO DE LICHTENBERG

Seleção de aforismos escritos por


Georg Christoph Lichtenberg1
(1742-1799)

Tradução: Prof. Dr. Bento Itamar Borges (UFU)

Revisão: Prof. Dr. Jakob Hans Josef Schneider (UFU)

Uberlândia, junho de 2018

1
LICHTENBERG, Aphorismen. Editora Insel (Insel Taschenbuch 165), 1976, 299 p.
[Editor: Kurt Batt, que publicou seleção de aforismos a partir da edição de Leitzmann,
de 1901]

2
“Entrego a vocês este livrinho, como um espelho,
para que nele se mirem e não como uma luneta,
através da qual venham a espiar os outros.”
(G. C. Lichtenberg)

3
Sumário

Datas e fatos relevantes na vida de Lichtenberg....................................p.5


Notas do tradutor, inclusive sobre a presente tradução..........................p. 9

1764-1772..............................................................................................p. 27
1772-1775..............................................................................................p.62
1775-1779..............................................................................................p. 92
1779-1789 .............................................................................................p. 145
1789-1793..............................................................................................p. 164
1793-1796..............................................................................................p. 199
1796-1799..............................................................................................p.216

Nomes citados......................................................................................p. 233

4
Datas e fatos relevantes na vida de Lichtenberg2

Lichtenberg
(1742-1799)

1742 Nasce em 1° de julho o décimo-sexto filho do pastor Johann Conrad Lichtenberg


com Henrike Catharine Eckhard, em Oberramstadt, ao lado de Darmstadt, no estado de
Hessen, uns trinta e poucos km ao sul de Frankfurt.

1745 A família se muda para Darmstadt, para onde o pai de Lichtenberg fora convocado
como primeiro pregador da cidade e para “definitor”, um cargo burocrático na
hierarquia eclesiástica.

1751 Morte do pai, aos 62 anos.

1752-1761: Frequenta o Pädagogium, escola de Darmstadt, quando era diretor J.


M.Wenck.

1759 Nasce Margarethe Kellner, sua futura esposa.

1763 Matricula-se na Universidade Georgia-Augusta, em Göttingen.

1764 Morte da mãe (11 de julho); começa a escrever suas anotações – até 1771, o
Caderno de aforismos A.

1765 Nasce Maria Dorothea Stechard.

2
Traduzido da seção Zeittafel, em PROMIES, Wolfgang. Georg Christoph Lichtenberg in
Selbstzeugnissen und Bilddokumenten. Hamburgo, Editora Rowohlt, 1964, p. 158-161

5
1765-66 Preleções sobre três ensaios, no Instituto Histórico onde lecionava Gatterer,
dentre eles “Sobre o carácter da história”. De 1765 a 1771, escreve o “Livro da
cornucópia” (Füllhornbuch), KA.

1766 Publica na Hannöverschen Magazin seu primeiro trabalho, Sobre o proveito que a
matemática pode trazer a um bel esprit.

1767 Nomeado professor de matemática e de língua inglesa na Universidade de


Giessen.

1767-70 Preceptor de estudantes ingleses em Göttingen.

1768-71 Caderno de aforismos B

1769 Escritos a um amigo, Caráter de uma pessoa que eu conheço, Considerações úteis
a um jovem erudito na Alemanha.

1770 Partida de Göttingen, através da Holanda, na primeira viagem a Inglaterra (de 25


de março a meados de maio). Em 31 de maio, nomeado professor de filosofia em
Göttingen; aula inaugural: Considerações sobre alguns métodos e certas dificuldades
para realizar o cálculo da probabilidade no jogo.

1771 Recebe a visita do poeta J. W. Gleim.

1772 Conhece Herder em Bückeburg e Möser, em Osnabrück.

1772-73 Viagens para determinar a locação astronômica de Hannover, Osnabrück e


Stade, a serviço do rei da Inglaterra. Nesses anos escreve o caderno C de Aforismos.

1773 Volta de Osnabrück em março. Texto: Contribuição patriótica para a metiologia


do alemão, ao lado de um prefácio sobre o estudo da metiologia propriamente dito. O
Timorus, escrito de 1771, é impresso em Königsberg. Passa uns dias em Stade, conhece
Sturz, navega até Helgoland. Visita Hamburgo, conhece Klopstock. Lichtenberg recebe
o arquivo de Tobias Mayers para editar. De agosto desse ano até maio de 1775:
Caderno de aforismos D.

1774 Nomeado membro extraordinário da Sociedade Científica de Göttingen; parte em


agosto para Inglaterra, segunda viagem.

1774-75 Permanência na Inglaterra.

1775 Anúncio de seu cargo de professor regular. Desde 31 de dezembro passa a viver
para sempre em Göttingen. Texto: Diário de viagem (RA); de julho até abril de 1776,
Caderno de aforismos E.

1777 Descoberta das chamadas “figuras de Lichtenberg”. Encontro com a menina


florista, Maria Dorothea Stechard. Texto: Notas de ataque em nome de Philadelphia.
Recebe a visita de Lessing. Texto: Sobre a fisiognomônica contra os fisiognomônicos e
De nova Methodo, commentario prior.

6
1777-99 Até o fim da vida, editor do “Calendário de bolso de Göttingen”, depois da
morte do físico Erxleben, fundador da obra.

1778 Primeiro encontro da Sociedade Científica sobre as figuras elétricas. Texto:


Cartas da Inglaterra. Viagem a Hamburgo, Wansbeck e à ilha Helgoland; condecorado
como Magister.

1778-83 Esclarecimentos sobre gravuras de Chodowiecki no calendário. Texto: Alguns


dramas antigos. Juli Merck visita Lichtenberg.

1780 Lichtenberg instala o primeiro para-raios em Göttingen. Textos: Sugestão de uma


Orbis Pictus para os escritores dramáticos alemães, poetas românticos e autores de
teatro; e Notícia do primeiro para-raios em Göttingen com algumas considerações a
respeito.

1780-85 Ao lado de G. Forster, torna-se editor da “Revista de Göttingen para ciência e


literatura”

1781 Recebe visitas do conde Karl August, de Weimar, e de Juli Garve. Texto: Sobre a
pronúncia do carneiro da antiga Grécia, em comparação com a pronúncia de seus
novos irmãos no Elba.

1782 Nomeado membro da Sociedade de pesquisadores naturais em Dantzig. Em 3 de


agosto, morre a pequena Stechard. Texto: História concisa de alguns notáveis tipos de
ar. Sobre a defesa do Sr. Vossens contra mim em março (Lenzmonat) do Museu alemão
1782.

1783 Recebe a visita de Goethe. Margarethe Kellner, supostamente, começa a trabalhar


para Lichtenberg. Colegas especiais escrevem Sobre a doutrina dos diversos tipos de
ar. Forster e Sömmering em demorada visita de duas semanas, em outubro. Imprime
Fragmentos de rabos, escrito em 1778, com ilustrações de rabos de porcos e de cães.

De 1783 a em diante, escreve para o calendário explicações sobre Hogarth, com


desenhos das mais proeminentes cabeças.

1783-4 Experimentos com balões.

1784 No outono, Bürger se muda para Göttingen, para morar na casa de Dietrich. Nova
edição reelaborada da obra de Erxleben “Fundamentos básicos de física (doutrina da
natureza)”. Em outubro, recebe a visita de Alexandre Volta. Texto: Pensamentos
misturados sobre máquinas aerostáticas.

1785 Fracassa finalmente o plano de viajar a Itália.

1786 Nasce o filho dele com Margarethe, Georg Christoph, que morreria em 1845.
Recebe a visita de Lavater e de Herschel. Em julho matriculam-se os príncipes ingleses
Ernst, August e Adolf, que moram na casa de Dietrich e recebem aulas de Lichtenberg
até janeiro de 1791. Em janeiro é nomeado professor Ordinarius.

1788 Agraciado com o título honorário de conselheiro (Hofrat).

7
1789 De janeiro até abril de 1793 Caderno de aforismos J. Nasce a filha Louise
Wilhelmine, que viveria até 1819. Cai doente. Casa-se com Margarethe Kellner, que
viveria até 1848. O governo adquire a coleção de física de Lichtenberg.

1790 No início de maio, retoma as aulas. Texto: Pensamentos matinais de Amintor.


Sobre algumas obrigações importantes diante dos olhos.

1791 Nasce o filho Christian Wilhelm, que viveria até 1860. Crise de ceticismo.

1792 Texto: Por que a Alemanha não tem ainda um balneário marinho público?

1793 Nasce a filha Agnes Wilhelmine, que viveria até 1820. Texto: Um sonho. Eleito
para membro da Sociedade Real de Ciências, em Londres. De maio desse ano até
setembro de 1796, Caderno de aforismos K. Começa a corresponder-se com Goethe.
Em dezembro, início do relacionamento com Doly.

1794 Em maio, prólogo da primeira edição de Explicações detalhadas das gravuras de


Hogarth (Comediantes, A sociedade do ponche, Quatro horários do dia). Até 1799,
saíram cinco remessas. Instalação de um para-raios em sua casa de campo, de frente a
cidade. Texto: Sobre medo de tempestade e desvio de relâmpagos. Solicitado como
colaborador de “Horen”, um caderno literário. Texto: Uma palavra sobre a era da
guilhotina.

1795 Dispensa um cargo na universidade de Leyden, na Holanda. Admitido na


Academia de Ciências de São Petersburgo. Nasce a filha Auguste Frederike, que viveria
até1837. Texto: Defesa do higrômetro e da teoria da chuva de Deluc. Nicolau
Copérnico viria a ser publicado em “Panteão dos alemães”, em 1800. Texto: O banho
de ar.

1796 De outubro desse ano até fevereiro de 1799, Caderno de aforismos L.

1797 Nascimento do filho August Heinrich, chamado de Henri, que viveria até 1839.

1798 Texto: Estivesse você sobre o monte Blocksberge!

1799 Morte de Lichtenberg, dia 24 de fevereiro, em Göttingen.

8
Notas do tradutor, inclusive sobre a presente tradução

“Não é estranho que uma tradução ao pé da letra seja quase sempre ruim?
E, no entanto, tudo se deixa traduzir bem.
A partir daí pode-se ver o quanto se quer dizer com
compreender por completo uma língua;
significa conhecer na íntegra o povo que a fala.”
(G. C. Lichtenberg, entre 1779 e 1789)

De início, aviso aos leitores que vou indicar os links para dois artigos que escrevi e mais
um que traduzi sobre Lichtenberg. E espero que isso possa equivaler a um estudo
introdutório sobre o autor e sua obra. Meus colegas tradutores Juan Villoro e Le Blanc,
que citarei em seguida, forneceram a respeito dele longas apresentações. Em
circunstâncias acadêmicas diversas, meu empenho com a obra traduzida implicou em
outras atividades, igualmente sérias e esclarecedoras, como pode comprovar aquele que
se dispuser a buscar e ler os referidos textos.

Na primeira seção destas Notas, pretendo contar um pouco da história das edições da
obra de Lichtenberg. Em seguida, passo a relatar como procedi ao traduzir e revisar a
presente seleção de aforismos de Lichtenberg. Pretendo também contar como conheci
Lichtenberg, em seu habitat, e o que fiz para torná-lo conhecido no ambiente intelectual

9
brasileiro, em quase duas décadas de peripécias que envolveram a tradução e a
divulgação desse pensador versátil e gozador.

1. As edições da obra de Lichtenberg

Os escritos deixados por Lichtenberg correram o risco de não se tornarem sua “obra",
pois dispersaram-se e caíram em mãos de parentes incapazes de aquilatarem o valor de
suas notas como literatura de relevância filosófica. O interesse imediato dos herdeiros e
depositários foi acima de tudo financeiro. Sua biblioteca, de três mil volumes, não teve
sorte diferente: foi leiloada por seu irmão oito meses depois de sua morte, para diversos
compradores, inclusive, felizmente, a Universidade de Göttingen à qual nosso autor
tanto se dedicara.

Esse irmão, Christian, ficou com os manuscritos, que foram aos poucos publicados em
edições parciais, já desde 1800. Mas só em 1844 foi dada ao grande público uma edição
ampliada e mais extensa, com a colaboração dos filhos de Lichtenberg. Os estudiosos,
todavia, viram problemas na seleção e na fidelidade das transcrições. Talvez até por
isso, os cadernos originais desapareceram e foram dados como perdidos por muito
tempo.

Devemos ao grande filólogo Albert Leitzmann, professor em Jena, a redescoberta de


grande parte dos originais, na casa de um neto de Lichtenberg, que vivia em Bremen:
oito dos onze cadernos de anotações, os tais “ensebados”. Nem todas as anotações
foram encontradas, até hoje. Constam como incompletos os cadernos G, H e K.

O editor Wolfgang Promies organizou uma preciosa coletânea de textos, imagens e


documentos de Lichtenberg, publicada pela Rowohlt, em 19643. Ao final da penúltima
seção, que leva não sem motivo o soturno título “O morto, os póstumos”, há uma
pergunta intrigante: “será que teremos que aguardar duzentos anos depois do aniversário
da morte de Lichtenberg para podermos conhecê-lo em uma edição livre de omissões?”
Promies, ele mesmo, cuidou de trabalhar por vários anos nessa tarefa; entre 1968 e

3
PROMIES, Wolfgang. Georg Christoph Lichtenberg in Selbstzeugnissen und Bilddokumenten. Reinbek
bei Hamburg, Rowohlt, 1964.

10
1992, quando publicou quatro tomos mais dois livros de comentários4. Desde o primeiro
ano da publicação deles, todavia, já se falava de um acontecimento literário, que
significou basicamente publicar sem exclusões nem correções os manuscritos originais
contidos nos cadernos. Foi essa edição, inclusive na opinião de Le Blanc, que renovou a
compreensão que temos hoje de Lichtenberg.

Nossa tradução, aqui apresentada, reproduz integralmente uma seleção que Kurt Batt5
organizou, segundo ele, desde um “viés” sobre a edição lançada por Leitzmann em
1901.6

2. Comentários sobre tradutores

2.1 Juan Villoro

O tradutor mexicano Juan Villoro7 escreveu um estudo introdutório de 70 páginas para


sua seleção de aforismos de Lichtenberg, reunidos por temas. O estudo leva o título
“Voz no deserto” e com isso nos remete a São João Batista – que não se define como
profeta, ao ser pressionado pelas autoridades, mas cita o profeta Isaías.8

A apresentação de Villoro destaca, em 16 seções, quadros da vida de Lichtenberg, desde


a infância curiosa, os almanaques, as mulheres, até a chave geral de leitura dos
aforismos: a leitura no espelho, pois o leitor poderia mirar-se no texto de Lichtenberg,
como num espelho. A penúltima seção, “luz provisória”, nos ajuda a organizar o amplo
material através das justificativas que orientaram a seleção do mexicano e, sobretudo, é
um balanço sobre a vastidão dos escritos de Lichtenberg:

4
Pela editora Hanser, de Munique.
5
BATT, Kurt. LICHTENBERG, Aphorismen. Insel Taschenbuch, 1976, 316pp.
6
A edição de LEITZMANN saiu em cinco volumes, em Berlim, na coleção Literaturdenkmale
(Monumentos da literatura), de 1902 a 1908.
7
LICHTENBERG, G.C. Aforismos; trad. e notas Juan Villoro. México, Fondo de Cultura, 1992 (1ª impr.
1989) O tradutor Juan Villoro viveu como adido cultural na Alemanha por três anos e de lá trouxe essa
contribuição para a cultura; ele nasceu em 1956 –meu malungo– e esteve envolvido em diversos projetos
e eventos culturais no México, onde também atua como escritor e crítico.
8
Evangelho de São João, 1:23

11
“Ao fazer uma antologia dos cadernos, não é difícil descartar centenas de
páginas que se referem à fisiognomônica e às ciências naturais, os jogos de
palavras intraduzíveis, os aforismos que não dizem nada sem uma explicação
que os acompanhe (...). Uma vez eliminado esse material, poder-se-ia fazer
diversas seleções de mil páginas cada”.9

E prossegue, admitindo que “propor uma ordem de leitura é já uma maneira de


interpretar”. O tradutor mexicano considera que só o cap. III, que intitulou “Sacerdote
de si mesmo”, é marcado por seu momento histórico: “a crítica à igreja católica e o
relativo apreço pelos protestantes estão marcados pelo clima da época. O importante, de
novo, é o templo pessoal de Lichtenberg”.

Podemos discordar dessa opinião restritiva sobre a influência da época, pois é visível
que, por exemplo, a experiência de vida na Inglaterra e, depois, a decepção com
Revolução Francesa, marcaram profundamente alguns cadernos de notas – ou seja, a
periodização é relevante. E preferiríamos ler e apresentar os aforismos de Lichtenberg
na mesma ordem cronológica dos “cadernos ensebados” (Sudelbücher) que ele deixou
sem publicar. Todavia, Villoro foi muito feliz com essa imagem do “templo pessoal”,
até porque, além de definir com uma boa imagem o deísmo em geral, também reconcilia
com a verdade da teologia aqueles que evitam igrejas e sacristias, já que cada um é um
templo. Todavia, para os deístas, se a fé é uma aposta, parece mais razoável arriscar
cada um por sua conta e sem pagar o dízimo.

2.2 Charles le Blanc

O canadense Charles le Blanc10, nascido em 1965, realizou um trabalho grandioso, em


vários sentidos, o que inclui uma leitura filosófica de Lichtenberg, acrescida de extensas
e fartas notas. Deu ao volume um título muito feliz: Le miroir de l’âme (O espelho da
alma). Seu estudo introdutório tem 85 páginas, um quarto das quais dedicadas ao tema
religião, além de outros, que lhe dão suporte. Eis alguns subtítulos de seu plano geral no

9
LICHTENBERG, G.C. Aforismos; trad. e notas Juan Villoro. México, Fondo de Cultura, 1992 (1ª impr.
1989), p. 75
10
LICHTENBERG, Le miroir de l’âme; trad. Charles le Blanc. 2 ed. Paris, Livraria José Corti, 1997.

12
estudo: “Contra o academicismo”; “Os combates de Lichtenberg: O humanismo da
Aufklärung; Combate entre intolerância e fanatismo; Combate pela razão e contra o
sentimentalismo; Combate pela ciência e contra a erudição”; “Pensamento filosófico:
Influências e questões principais; A origem de nossas ideias” (inclui: o sonho; o
kantismo de Lichtenberg; Lichtenberg e Spinoza; O livre-arbítrio, etc.); “Da religião:
Situação; Deísmo; O antissemitismo de Lichtenberg”; “A política” e, por fim “O
homem.”

Ora, de novo, podemos discordar desse elenco de temas – assim como outros poderiam
discordar de nossas preferências e omissões nessa e noutras empreitadas –, pois, por
exemplo, o homem Lichtenberg – e vale dizer o macho Lichtenberg – perpassa todos os
temas e trechos. O “homem” não pode ser um conceito final, um ponto de chegada, que
garanta uma unidade, perdida ou desprezada deliberadamente no gênero aforismo. E
para isso Lichtenberg deixou uma excelente concepção vazada em inglês: “The whole
man must move together” – o homem deve se mover por inteiro. Todavia, não podemos
negar o movimento, a inquietação, a ansiedade.

Em tempo, uma ressalva e um desacordo com Le Blanc: não faz sentido anunciar um
kantismo de Lichtenberg, nem mesmo no sentido negativo, pois suas críticas a Kant não
consideravam um movimento que se tornaria forte muito depois e nem se contrapunham
a essa tendência, de maneira organizada, como alternativa sistemática. O tradutor Le
Blanc exagera ao mostrar elementos da agenda filosófica que nem sempre foram
pretendidos por Lichtenberg e, de fato, muitos deles foram desprezados e até
questionados, como fez deliberadamente em relação ao colega Kant.

2.3 Uma tradução pioneira e rara para a língua portuguesa

João Fonseca do Amaral assina a tradução de alguns aforismos de Lichtenberg para


o português. A edição (Lisboa, Estampa, 1974) é muito descuidada e carente de
informações editoriais. A pesquisadora Iria Sponholz, citada adiante nesta
apresentação, teve notícia dessa desconhecida tradução – nem a Unesco mantinha

13
registro do livreto – e também supõe, por falta de dados, o mesmo que eu: Amaral
traduziu de alguma edição em francês e não, do original alemão.

A única referência é “título original: Aphorismes”. Além disso, a indicação lacônica


do índice – cinco cadernos – não coincide com a edição estabelecida por Promies e
tampouco as datas dos cadernos estão certas. Até o prenome de Lichtenberg vem
errado na “Nota bibliográfica” de meia página – sobre a vida do alemão... Sobre o
tradutor Amaral, há pouquíssimas referências na internet, mas dá para saber que ele,
de fato, traduziu autores franceses, como Flaubert.

Faltou a ele também a cortesia que vemos e buscamos nos demais casos. Em sua
curtíssima nota “biográfica”, ocupa um terço das linhas para falar das doenças e da
suposta hipocondria de Lichtenberg. Pior: na primeira das cem páginas do corpo da
tradução, Amaral revela em nota de rodapé que o autor fazia alusão “à sua
deformidade”. Lamentável e inoportuno expediente que inverte a pirâmide de
virtudes de nosso heroico cientista e autor “multimídia”, grande gozador e querido
pelos estudantes e pessoas comuns de Göttingen. Posso mostrar em notas de rodapé
que, entretanto, mesmo uma tradução de segunda mão pode acertar.11

Assim, quem quis ler Lichtenberg em português teve, entre 1974 e 2002, apenas
uma opção. Agora já são três fontes de acesso ao genial cientista alemão, na língua
de Camões, João Rosa e Mia Couto.

3. Como trabalhei na tradução desta obra

Muito. Antes de mais nada, confirmo: trabalhei muito. Eu traduzi todos os aforismos
editados por Kurt Batt, com a ajuda de dicionários de mesa comuns, disponíveis no

11
A) Amaral: Saíram para a rua com vinho que se não encontrava em “bouteilles”, mas nas suas cabeças.
/ Borges: E iam pela rua com o vinho, que já não estava mais nas garrafas 11, mas nas suas cabeças.
(Ambos nos referimos ao termo em francês, com soluções gráficas distintas); B) Amaral: Uma das duas
irmãs tomou o véu e a outra a ponte das calças./ Borges: Uma irmã agarra-se ao véu, e a outra, à
braguilha. (Aqui há variação entre termos usados em Portugal e no Brasil).

14
Instituto Goethe de Porto Alegre, na biblioteca da PUCRS e os volumes de minha
própria casa, como os familiares Duden e Langenscheidt, o extenso Brockhaus, bem
como outras obras de referência mais específicas. Mas, numa segunda fase, pude
acessar excelentes fontes de referência online, inclusive os comentários das extensas
edições alemãs acima citadas.12

Só depois de concluída minha tradução para o português é que li os trabalhos de Juan


Villoro e Le Blanc, nessa ordem. Tive então a monástica tarefa de encontrar os
aforismos coincidentes em ambas edições. Raros foram os trechos comuns às três
seleções (Batt, Villoro, Le Blanc) e mesmo bem poucos entre uma e outra. Nos casos
em que um deles traduziu o mesmo trecho que eu, raramente alterei alguma coisa em
minha tradução – e eventualmente, é claro, achei que alguma solução minha soou
melhor em português.

Seja como for, esse expediente foi de grande utilidade, pois confirmei a minha própria
tese de que em geral não traduzimos errado, mas diferentemente. Aliás, até traduzimos
diferente de nós mesmos. Pois num lamentável episódio em que o computador apagou
duas semanas de trabalho intenso, tive que refazer todas as páginas para, depois, ver que
a digitação de alguma forma recuperada por um hacker continha algumas variações em
relação à primeira remessa. Pude, nesse caso, optar entre duas versões de minha lavra.
Sem crise com as versões.

Ao longo da tarefa, notei que muitos autores eram citados repetidas vezes por
Lichtenberg e que, portanto, seria mais útil e elegante acrescentar uma lista de autores
citados, ao final, para consulta do leitor. Mesmo que hoje em dia cada leitor possa puxar
do google longas fichas sobre um autor, mantive minha lista em respeito ao formato de
livro que o atual PDF apresenta, pronto para a impressão e com propósitos de relativa
autonomia. Estão aí em média duas ou três linhas para cada um dos cento e pouco
autores caros a Lichtenberg – e também outros, prontos para serem criticados por ele.

12
Por exemplo: https://www.dict.cc/ e outros que entram por acesso direto através de:
https://www.google.com.br/search?source... e que leva a bancos de dados diversos.

15
Além das informações em separado sobre os autores, investi bastante para explicar
termos, corrigir raros erros de digitação no original de Kurt Batt, bem como traduzir
expressões vazadas em latim ou francês, por exemplo, e indicar localização geográfica
de alguma referência distante de nosso cotidiano. Essas duzentas e poucas notas não
pretenderam, todavia, comentar o autor e muito menos sacar de suas linhas uma ou
outra filosofia eivada de projeções extemporâneas. Isso fica para o leitor, que
certamente vai deixar-se conduzir primeiramente pela apreciação estética e por seus
próprios princípios morais, digamos assim.

Sem maiores delongas, devo acrescentar que logo percebi a diferença entre o meu
projeto e os de Juan Villoro e Le Blanc. O mexicano dividiu os aforismos de
Lichtenberg por temas, que agrupou sob títulos bastante apropriados e convidativos à
leitura. Sua tradução e, com certeza, sua anterior seleção de aforismos seguiu sobretudo
critérios literários, estéticos, e sua motivação pareceu ser a admiração pelo autor. Um
belo trabalho de tradução e de apresentação, para a sorte dos que puderam desde então
ler Lichtenberg em espanhol.

A tradução do canadense Charles Le Blanc é a mais extensa dessas três, com quase
quinhentas páginas; e traz também, conforme antecipamos acima, uma longa
apresentação, com um caráter mais acadêmico – por exemplo ao oferecer detalhadas
informações sobre as subsequentes edições da obra, ou seja, um cuidadoso
“établissement tu text”. Além disso, tanto na apresentação como nas notas de rodapé,
nota-se uma tendência a “elevar” a figura de Lichtenberg a um posto, digamos, mais
acadêmico, inclusive ao ver nos aforismos mais intenção ou influência filosóficas que
os demais tradutores ou leitores. Eu evitei essa tentação de ver em Lichtenberg o
precursor disso e daquilo, mesmo sabendo de célebres ilações como as de Wittgenstein
sobre a filosofia como correção da linguagem.

Eu traduzi os aforismos da coletânea editada por Kurt Batt por tê-la comigo à
disposição e por aprovar a seleção feita por ele. E insisto em dizer que a traduzi na
íntegra, pois não omiti nada e isso significa que trouxe para a língua portuguesa
também os palavrões e as passagens ofensivas (aos reis e ao Papa, por exemplo) e, o que

16
é mais grave, encarei também os aforismos difíceis e obscuros. Pois é comum que um
tradutor passe por cima do que não entende ou não gosta. Isso seria péssimo: uma
seleção dentro de uma seleção – e por motivos nada justificáveis. Nesses casos de
dificuldade, preferi comentar o trecho e, eventualmente, citar os termos originais.

3.1 Revisão qualificada de minha tradução

O leitor pode ficar tranquilo e confiante no texto que agora tem em mãos para lê-lo em
português corrente do início do século XXI, se bem que não garanto fidelidade às
recentes reformas ortográficas, por discordância teimosa. Contei com a gentilíssima e
muito cuidadosa leitura de um colega de trabalho na UFU, o Prof. Dr. Jakob Hans Josef
Schneider, que leu minha tradução linha por linha, com o texto original do lado. Depois
nos reunimos em subsequentes ocasiões, para acertar e corrigir termos e expressões.
Mais que isso, ele reconheceu pensadores e obras que eu teria deixado passar. Para esses
acréscimos sugeridos por ele, acrescentei nas notas de rodapé as letras JS. O professor
Jakob Schneider estudou em Bonn e Tübingen, onde também foi professor contratado.
Foi professor visitante em Praga, Metz, Riga, Letônia, e na PUCRS, de Porto Alegre
(2005-06). Mais sobre ele em http://lattes.cnpq.br/3307242915679679

3.2 Minha tradução não é defesa de tese (Lichtenberg não é aqui um corpus)

O espírito do leitor já foi preparado para o que se segue, desde a epígrafe no início
destas minhas notas. Admiro e respeito Lichtenberg também por haver ele apoiado
preventivamente seus futuros tradutores. A categoria – tão maltratada e esquecida,
apesar das normas da ABNT – agradece em várias línguas e com um nobre sorriso.

Sem querer ser rude, esclareço então que esta minha tradução não é uma tese de teoria
literária e muito menos sobre alguma teoria da tradução. Eu quis reescrever em
português o que Lichtenberg escreveu duzentos e tantos anos antes, em alemão. Gosto
muito desse autor e aprovo o gênero aforismo e a peleja antiacadêmico e contra os
sistemas. Sou um militante da causa “ensaio” e, portanto, igualmente influenciado pelo

17
mesmo Montaigne que é uma das fontes de Lichtenberg. Além dessa motivação estética
e ideológica, cacifei-me para a tarefa da tradução por conhecer bem, desde criancinha, a
língua portuguesa, código que também pude abordar desde a linguística, que estudei na
graduação e nas filosofias da linguagem pelas quais passei, ao longo da carreira de
docente.

Quanto à língua alemã, sei que a conheço o suficiente para a tarefa realizada. Eu já
havia quebrado há muito tempo a resistência contra publicar, pois o trabalho acadêmico,
inclusive na revista Educação e Filosofia, sempre me levou a traduzir e publicar. Eu
poderia mesmo aliviar alguma eventual desconfiança em relação a minhas credenciais
se dissesse à moda aforismática: há outros colegas por aí que sabem mais alemão que
eu, mas não se dispuseram a esse serviço braçal. Isso já havia funcionado antes para
mim, na sala de aula, quando ensinei inglês e alemão, sem medo de patrulhas lexicais.

Houve uma época, já nos anos noventa, quando a tecnologia digital tornou possível
“colorizar” antigos clássicos do cinema, arte que surgiu em preto e branco. Os fanáticos
adoradores da obra aurática reagiram contra aquela adaptação para a TV, pois não
queriam ver Casablanca colorida nem o Encouraçado Potenkim enferrujado na telinha.
Os artistas da versão recente e os donos dos canais responderam com classe e
inteligência: quem quisesse ver tais filmes em preto e branco que procurasse os
controles no aparelho de TV que retiram as cores. Havia na máquina até um modo
sépia, para envelhecer as cenas para os nostálgicos. A parábola aqui corre assim: quem
não quiser ler esta ou outra tradução qualquer pode sempre ler os originais. A analogia
aqui tem, todavia, seus limites; não douramos as pílulas eventualmente amargas da
farmacinha desse Lichtenberg, que transitou volta e meia por um mundo meio cinza.

E quero prestar um serviço ou dois nestas notas introdutórias, sem ressentimentos.


Primeiro, a edição completa à venda hoje de escritos e cartas de Lichtenberg é
anunciada pela editora Hanser em https://www.hanser-
literaturverlage.de/buch/schriften-und-briefe/978-3-446-10802-8/, em cinco volumes
que custam em média 80 euros cada. Mas hoje podemos ler gratuitamente também as
obras de Lichtenberg em http://gutenberg.spiegel.de/buch/aphorismen-sudelbucher-
6445/2. Como prova da utilidade dessa formidável fonte de consulta, transfiro para o

18
rodapé desta página aqui a cópia do texto original do primeiro aforismo que traduzi e
apresento neste volume, acesso em 27.04.2018:13

Outro serviço, contra a tendência ao isolamento que infelizmente caracteriza a academia


brasileira e seu entorno editorial: divulgo aqui uma tese que toma os aforismos de
Lichtenberg como corpus para um exercício de tradução, dentro de uma determinada
teoria e com objetivos específicos. Ótimo trabalho, sem dúvida, que converge para
nossa campanha de divulgação e interpretação desse autor alemão. A tese defendida por
Iria Sponholz na Universidade Federal de Santa Catarina, em 200214, traz em anexo
umas trinta páginas de aforismos. A título de curiosidade vou comparar aqui dois ou três
trechos curtos de minha tradução com os da tradução de Iria Sponholz, que só conheci
agora, em 2018, ao compor estas notas.15 Sem dramas.16

13
(caderno)A / 1765 – 1770 / „Der große Kunstgriff kleine Abweichungen von der Wahrheit für die
Wahrheit selbst zu halten, worauf die ganze Differential-Rechnung gebaut ist, ist auch zugleich der
Grund unsrer witzigen Gedanken, wo oft das Ganze hinfallen würde, wenn wir die Abweichungen in einer
philosophischen Strenge nehmen würden.“ Talvez um dia eu me disponha a scanear as dezesseis páginas
da edição de Kurt Batt, onde ele oferece um quadro de equivalência para a indicação dos trechos que
selecionou. É muito complicado para ser transcrito por digitação. Se isso interessa a quem se dispuser a
adquirir o livro original, informo que essa seção está entre as páginas 300 e 316. Com isso seria possível
recuperar o texto original de cada passagem, embora a paginação não seja a mesma.
14
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/83669/184738.pdf?sequence=1
15
a) Es gibt Gesichter in der Welt, wider die man schlechterdings nicht “du”
sagen kann. /Sponholz: Existem rostos no mundo, aos quais mal se pode dizer “tu”. / Borges: Há rostos
neste mundo, diante dos quais simplesmente não se pode dizer “tu”. /; b) Die Leute, die niemals Zeit
haben, tun am wenigsten. / Sponholz: As pessoas que nunca tem tempo são as que menos fazem./ Borges:
Aqueles que nunca tem tempo fazem o mínimo/.c) Wie gehts, sagt ein Blinder zu einem Lahmen. Wie Sie
sehen, antwortete der Lahme. Sponholz: Como vai, um cego pergunta a um aleijado. Como você vê,
respondeu o aleijado. / Borges: “Como vai?” disse o cego para o aleijado. “Como se vê, meu Senhor”,
respondeu o aleijado.
16
Volto com mais um exemplo de traduções que se esclarecem, pois sempre é possível trabalhar em rede,
ou seja, cooperar. O aforismo de Lichtenberg “Seine Bücher waren alle sehr nett, sie hatten auch sonst
wenig zu tun” foi traduzido por Iria assim: “Todos os seus livros eram bem legais, no mais tinham pouco
haver”. Ora, não vamos escapar de um termo coloquial para “nett”, mas há um descuido em “haver”. Ao
propor uma correção na tradução de Iria, resolvo voltar à minha própria solução e modificá-la um pouco,
para melhor, como se deve esperar. Resultado da mistura de duas traduções para o português: “Seus livros
eram todos muito bonitinhos; no mais, não tinham quase nada a ver”.

19
4. Como conheci Lichtenberg e parte de sua obra

O DAAD concedeu-me uma bolsa de estudos para a minha pesquisa de doutorado em


filosofia, nos anos de 1993 e 94.17 Fui aceito na universidade de Kassel, mas acabei
morando mais ao norte, perto de Lüneburg e de um grupo dedicado a uma certa Teoria
Crítica, mais à esquerda. Antes, porém, fiquei dois meses em Göttingen para continuar
aprendendo alemão, então de maneira intensiva, no Instituto Goethe. A bela cidade
medieval era um ambiente estimulante para quem, aos trinta e oito anos, voltava a viver
no ritmo de estudante, misturando-se com jovens de vários países e predisposto a
apreciar a liberdade e os testemunhos da história. Isso se resolvia em passeios de
bicicleta pelos parques e a pé pelas calçadas da cidade velha. Um de nossos
passatempos era procurar nas paredes das casas as placas que registravam nomes de
moradores e visitantes famosos da filosofia e das ciências.

Um dia, passeava com dois colegas pela área central, perto do principal monumento da
cidade, que é a escultura da Menina dos Gansos, Gänseliesel. Os formandos depositam
flores em volta da fonte e sobem na grade para beijar-lhe o rosto. O bronze das
bochechas está gasto e brilha, pois a cidade costuma acolher quinze mil estudantes, que
representam dez por cento da população da cidade. Não se fazia, no tempo do filme de
rolo, muitas fotos. Eram poses escolhidas. De repente pareceu engraçado apoiar-me
sobre o ombro de um baixinho em bronze, instalado bem ao nível do piso da rua, sem
pedestal algum. Meu colega escocês apoiou-se no outro ombro do sujeito, que nem
parecia um “vulto da pátria”. E o italiano clicou a cena, que depois ganharia
importância.

Aos poucos, vi outras imagens do baixinho, que se trajava como um pajem de filme de
época, que abre as portas de carruagens e de castelos, usando um tipo de fraque. Nas
lojas de souvenir vendiam miniaturas da referida estátua e aqueles medalhões com o
perfil de quem parecia ser um símbolo daquela cidade universitária de referência.

Nossa professora de alemão no Goethe levou-nos um dia em uma visita guiada ao


Museu Histórico de Göttingen, onde estão referências de uns vinte ganhadores do
17
O texto de minha tese de doutorado, defendida na UFMG, em 2000, está publicado pela editora da
PUCRS: BORGES, Bento Itamar. Crítica e teorias da crise. Porto Alegre, Edipucrs, 2004.

20
prêmio Nobel que estudaram ou lecionaram na Georgia-Augusta Universität. E havia
uma sala especial dedicada ao sujeito homenageado na calçada: Georg Christoph
Lichtenberg. A figura está, aliás, plantada bem no meio do caminho entre a universidade
e a casa de Dietrich, onde ele sempre morara, como inquilino.

Infelizmente, perdi as poucas fotos que havia trazido da Alemanha em 94, inclusive
aquela ao lado de Lichtenberg. Levei o álbum para a sala de aula e ele teve o mesmo
fim de tantos livros de minhas estantes.

Pouco tempo depois, já em Lüneburg, ao norte, adquiri num sebo um exemplar com
uma seleção de aforismos desse autor, que eu conhecera no meio de uma brincadeira e
que já começava a estudar e compreender. Por essa época, li em uma revista de Teoria
Crítica, editada pela editora local Zu Klampen, um artigo que se referia a Lichtenberg,
como precursor da crítica às pseudoteorias racistas.

De volta ao Brasil, cuidei de concluir minha tese mas não me tornei doutor de imediato.
Por intrigas acadêmicas, tive que me inscrever em uma nova universidade, frequentar
cursos, reescrever a tese que viera quase pronta da Alemanha. Em Belo Horizonte,
durante uma disciplina com o Prof. Rodrigo Duarte, pude explicar a ele e aos colegas
quem era um tal de... Lichtenberg, citado em passant num livro de Apel, se não me
engano. Não esnobei, nem tripudiei, ao prestar os esclarecimentos, pois eu já sabia à
altura que esse autor era mais elogiado que lido. Ou lido por escritores distantes, em
busca de epígrafes.

Depois da defesa do doutorado, em 2000, tirei uma licença para um pós-doutorado em


Porto Alegre, período de um ano em que pesquisei sobretudo os gêneros literários da
filosofia18. Ao me dedicar ao ensaio, de Montaigne a Adorno, vi que poderia
desenvolver um capítulo contíguo sobre os aforismos, numa variação quase que de grau.
E de repente me vi traduzindo trechos do volume de Lichtenberg, do qual fizera uma
cópia xerox para preservar a relíquia encontrada meio ao acaso em um sebo na
Alemanha.

18
A parte mais extensa dessa pesquisa de pós-doutorado, sob a tutoria do Prof. Jayme Paviani, resultou
no livro Ensaios filosóficos e peripécias do gênero, publicado pela editora da Universidade de Caxias do
Sul (Educs, 2006) e, depois, em segunda edição, pela Liber Ars, de São Paulo (2014).

21
5. O que fiz em favor da divulgação do autor, nesse período da tradução

Não posso me contentar com a simples lista de três ou quatro artigos em que trabalhei
nesse período, pois são várias histórias de peripécias acadêmicas que, como diria
Montaigne, merecem ser contadas. Vou, a seguir, fornecer os links para quem quiser ler
tais materiais e apreciar um pouco mais as elaboradas frases de Lichtenberg e as
consequências que ele promove.

De 2001 até 2013, quando me aposentei, no meio de muitas outras tarefas acadêmicas e
políticas, continuei a tarefa artesanal da tradução, sempre interrompida, mas enfim
concluída. Nesse ínterim, ofereci dois cursos de graduação em que o material da
tradução foi central, um deles para a história da filosofia no período vivido por
Lichtenberg, o racionalismo tardio, da segunda metade do século XVIII; o outro
abordou a prática mesma da tradução, com um apelo à hermenêutica de Gadamer e a
autores pós-modernos.

Já em 2003, estive no II Colóquio Nacional de Filosofia da Linguagem, organizado em


Goiânia por um grupo ligado ao CNPq, para apresentar uma comunicação19 sobre duas
raras citações na obra de Wittgenstein: “Toda a nossa filosofia é correção do uso da
linguagem, portanto, a correção de uma filosofia e, por sinal, da mais geral”. A frase é
de Lichtenberg e seria muito limitada a interpretação que caísse na mera admiração de
um ou na alegada missão de precursor do mais antigo. Wittgenstein foi adiante e
explorou melhor as ideias pioneiras, sim, de nosso autor sobre o uso da linguagem e
suas implicações, ao citar uma segunda passagem de Lichtenberg: “Por que é que os
problemas gramaticais são tão duros e aparentemente inerradicáveis? – Porque eles
estão interligados com os mais antigos hábitos de pensamento, i. e., com as imagens
mais antigas, que estão gravadas na nossa própria linguagem”.20

19
As "fichas" (Zettel) de Wittgenstein: observações sobre gênero literário. In: II colóquio nacional de
filosofia da linguagem, 2003, Goiânia.
20
Os leitores queiram desculpar-me, pois não encontro o caderno de resumos ou de fac-símile dessa
minha conferência. Mas deixo aqui, de segunda mão, em uma tese, os endereços para a localização dos
originais de Wittgenstein, a quem interessar possa. Trata-se da tese de Marcelo Silva de Carvalho (USP,
2006), que se pode ler em

22
Em 2006, enviei uma proposta de comunicação para o XII Encontro da Anpof, a ser
realizado em Salvador, Bahia, onde já estivera, aliás, no evento anterior. A comissão de
avaliação dos originais recusou minha proposta, em que eu apresentaria Lichtenberg
“enquanto filósofo”. Devido a alguma crítica de colegas da UFU ao comitê de seleção,
consegui uma segunda chance de enquadrar o estranho autor alemão. Mas eu fiz foi
xingar a banca e conceder que o alemãozinho talvez não fosse mesmo um filósofo com
pedigree, bem como questionei a pertinência de minha própria figura ao clubinho dos
filósofos de carteirinha. Desculpem-me, mas foi hora de rodar a baiana, in loco. (Em
tempo: expresso novamente meus respeitos ao Prof. João Carlos Sales e seus colegas de
Salvador, pois o evento foi muito bem organizado e ao mesmo tempo descontraído – e
eles nem notaram esse pequeno entrevero aqui relembrado).

Segundo tempo. Pensei que o problema era comigo e resolvi, então, traduzir um artigo
de Günther Patzig,21 que apresentava o “filósofo Lichtenberg” sem maiores ressalvas. O
texto foi aceito – liberado pela revista alemã Text + Kontext – e publicado em 2007 pela
revista Educação e Filosofia, da Universidade Federal de Uberlândia. Ótimo. Um
colega, que decerto foi o parecerista, prestigiou a tradução e referendou o autor, que ele
conhecera na Universidade de Berlim. Pois a academia é assim e eu aceito esse jogo
limpo: o parecerista disse que o Patzig disse que o Lichtenberg é filósofo. (Eu mesmo
só fiz traduzir e trazer água para nosso moinho, ou seja, eu acabei dizendo de maneira
indireta que Lichtenberg foi filósofo, sofreu e amou na vida).

Terceiro tempo: enviei em seguida a mesma proposta feita a Anpof para o comitê do IX
Colóquio Internacional de Filosofia, em Bariloche, em 2008. Fui aceito. Viva! A
Fapemig, todavia, não me concedeu ajuda de custos para viagem até a cidade Argentina,
pois só costumavam financiar grupos. Essa foi a desculpa deles. Não fui, pois não iria
improvisar um time, silkar camisetas, etc. E fim de jogo, nesse caso. Mas sem cair pelas
tabelas.

http://filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp.br/files/posgraduacao/defesas/2007_docs/doc_marcelo.
pdf
21
http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/ volume 21, número 41, ano 2007: Sobre o
filósofo Lichtenberg, autor Günther Patzig.

23
Em 2011, participei de uma edição do Colóquio Kant, em minha própria casa, a UFU,
onde me inscrevi e aonde fui sem maiores complicações. Todavia, parte da plateia
entendeu erradamente minha exposição ao achar que eu fazia piada com assunto sério,
até sagrado, no caso: Kant. Na verdade, a graça estava nas cartas que Lichtenberg
escrevera para o colega em Königsberg; eu apenas traduzira as cartas de um e de outro.
E, é claro, ri das anedotas de Lichtenberg, pois é para isso que elas servem. Saí do
evento com essa impressão, e com o plano de corrigir o equívoco. E de fato fiz isso,
tomei essa iniciativa, ao publicar em seguida uma versão estendida e cheia de aspas, nos
anais do referido colóquio22, organizado pelo distinto colega Olavo Calábria.

Participei de algumas edições do evento organizado pela Sobreski, Sociedade Brasileira


de Estudos de Kierkegaard, sob a coordenação e o incentivo do Prof. Álvaro Valls. Em
uma delas, apresentei conferência que saiu depois publicada pela revista da
Universidade Federal de Sergipe, como “A voz no deserto: Kierkegaard sobre
Lichtenberg.”23

Em 2012, compareci a um evento em Brasília, que veio a ser uma despedida um tanto
turbulenta de minha carreira de palestrante. O grupo que me convidou trabalha com
ciências da religião e achou futuro em minha sinopse, sob o bem apanhado título “A
religião de Lichtenberg”24. Fiz todo um estudo, bem recortado e bem situado, sobre as
convicções do autor, que depois ilustrei com diversos aforismos pertinentes ao tema
religião. Nenhum problema, a não ser pelo auditório que eu mesmo ajudei a esvaziar um
pouco antes, ao brigar com alguma seita de devotos de Nietzsche que tentavam dominar
o discurso e tumultuar o evento. Um pouco de agressividade, talvez, para não encerrar
uma longa atuação pública com lamentos e frases frias. Não me arrependo de minha
performance, pois isso seria uma recaída feia nas vergonhosas virtudes cristãs, como
diria o louco. E tive a honra de contar com a presença do eminente Prof. Oswaldo
Giacoia, bem como as de minha filha Maíra Selva e o colega Márcio Gimenes, entre os
remanescentes naquele auditório no Planalto Central. Fechou.
22
http://www.sociedadekant.org/2011/06/17/i-coloquio-kant-da-ufu-29-a-30-de-agosto-de-2011/ Esse é o
link com o convite. Os anais desse evento foram publicados pelo Prof. Olavo Calabria, em PIMENTA,
Olavo C. ; BORGES, B. I. . Kant e Lichtenberg: críticas e interlocuções. I Colóquio Kant da UFU, v. 1, p.
16-27, 2011.
23
CADERNOS UFS DE FILOSOFIA (ONLINE), v. VII, p. 4-16, 2010.
24
http://periodicos.pucminas.br/index.php/interacoes/search/search O artigo saiu no número 7, volume
12, em 2012, da revista ainda editada por Vani Rezende, na Faculdade Católica então sediada em
Uberlândia, MG, com acesso em PDF.

24
6. Acertando as contas com a universidade pública e com o público-leitor

Ao lançar, enfim, esta tradução, cumpro minha promessa de concluir e publicar a


tradução dos aforismos de Lichtenberg, que tanto renderam – em diversos sentidos –, no
ambiente intelectual. Dinheiro não espero nenhum, a propósito de renda. O
compromisso de “publicar” realiza-se aqui, por via eletrônica. Espero, assim, colaborar
com os leitores do amplo círculo www e retribuir um pouco por todas as informações e
dispositivos que já utilizei nesses trinta anos de internet.

Por outro lado, deixo claro que não quis encaminhar esta publicação para a editora da
UFU ou qualquer outra, por dois motivos ou mais. No caso da UFU, eu não concordava
com uma edição bilíngue – que não se aplica a esse gênero de texto, conforme entendo e
ao contrário do que queriam os colegas mediadores. Em um livro impresso, isso
dobraria o custo, além do mais. Por fim, desisti de encaminhar a publicação eletrônica
através da mesma Edufu por estar aposentado e sem condições de acompanhar uma
tramitação que levaria no mínimo um ano e meio.

E é claro que pesava ainda o receio de que meus rascunhos fossem parar na gaveta de
outro parecerista que rejeitasse de novo meu caro Lichtenberg – que volta e meia tem
suspensa sua carteirinha de filósofo. Por isso, aqui vai o texto online, com chance de
cópia e impressão para quem quiser deitar no velho e bom papel um Lichtenberg
incrivelmente guardado em arquivos de impulsos eletrônicos – Alexandre Volta, colega
de nosso autor, acharia isso formidável, tanto quanto um para-raios no jardim daquela
casa em Göttingen.

Agradeço aqui, ao colega de trabalho Prof. Dr. Jakob Hans Josef Schneider, pela
cuidadosa revisão. E reconheço a contribuição da Universidade Federal de Uberlândia,
que me garantiu liberdade de pesquisa e condições de trabalho - e também por
conceder-me uma “folga para... trabalhar”, ou seja, uma licença capacitação, de três
meses. Agradeço a todos que tiveram paciência com minhas constantes citações da obra
e da figura de Lichtenberg, em casa e na sala de aula, nesse longo período dedicado à

25
tradução. E daqui em diante, conto com todos os leitores e as leitoras para a divulgação
desses aforismos e notas.

O alemão Kurt Batt selecionou para a última capa de sua edição de Lichtenberg uma
excelente frase com cara de promoção de vendas: “Quem tiver duas calças, faça
dinheiro de uma e compre este livro”. As coisas melhoraram, pois agora ninguém
precisa diminuir seu guarda-roupa para ler páginas tão inteligentes e fermentadas
durante tantos anos de vida. Não sei se livro eletrônico tem contracapa; se for o caso,
prefiro indicar como arremate esta outra bela frase do espirituoso cientista: “Es gibt
Leute, die können alles glauben, was sie wollen; das sind glückliche Geschöpfe!“ Ou
seja, “Há pessoas que podem acreditar em tudo o que querem; essas são criaturas
felizes!”

2007. O tradutor saiu da Autobahn entre Kassel e Berlim só para fazer uma nova
foto ao lado de Lichtenberg, desta vez com mais conhecimento, respeito e
admiração. Que a imagem não se perca agora na nuvem.

26
1764-1772

A grande artimanha de considerar os pequenos desvios da verdade como se fossem a


própria verdade, com a qual se constrói todo o cálculo diferencial, é também ao mesmo
tempo o fundamento de nossos pensamentos espirituosos, que muitas vezes desabariam
por completo se tomássemos com rigor filosófico seus desvios.

Pode-se perguntar se é possível que as ciências e as artes atinjam um máximo, que


nosso intelecto não possa ultrapassar. Talvez esse ponto esteja infinitamente distante, se
bem que a cada aproximação reste-nos menos caminho a trilhar.

A invenção das mais importantes verdades depende de uma refinada abstração, e nossa
vida comum é um esforço constante para nos incapacitar para ela; todas as habilidades,
costumes, rotinas, em uns mais que em outros, e a ocupação dos filósofos consistem em
fazer desaprender essas pequenas habilidades cegas, que nós adquirimos por observação
desde a infância. Portanto, um filósofo deveria ser cuidadosamente educado como já se
faz com uma criança.

Assim como a orelha serve para medir proporções, no desenho, talvez pudesse também
a língua calcular superfícies de corpos.

As maiores coisas no mundo são conseguidas por outros meios, a que não damos
atenção. Pequenas causas que não notamos e que por fim se acumulam.

Rousseau tinha razão ao dizer que o sotaque é a alma da fala. E o que encontramos, ao
examinarmos pessoas que muitas vezes passam por tolas, é apenas o tom de sua fala. E
como falta sotaque aos escritos, deve então o leitor ser conduzido a ele de modo que se
mostre mais claramente através da locução onde cabe a entonação. E eis que, na vida

27
em geral, a fala se diferencia de uma carta e que um discurso simplesmente impresso
deveria se diferenciar daquele que se profere de fato.

Adaptar a versificação aos pensamentos é uma arte muito difícil; o desleixo nisso
responde por uma parte considerável do ridículo. Relacionam-se ambos como o estilo
de vida e o ofício, na vida comum.

Já que todos os membros das classes animais exibem tão sabiamente os desígnios de seu
grande Criador, pode-se perguntar por que então muitas vezes as pessoas ganham
excrescências, isto é, membros sem finalidade.

Os burros estão na triste situação em que agora vivem no mundo, devido talvez à idéia
puramente jocosa de um rapaz indecente. Ele é o culpado de os burros serem
transformados para sempre em animais desprezíveis e que como tais vão continuar, pois
muitos tropeiros lidam com seus aprendizes25 de modo tão terrível, e isso não se deve ao
fato de serem animais preguiçosos e lentos, mas é assim apenas por serem burros.

A superstição das pessoas comuns remonta a sua precoce e fervorosa instrução


religiosa. Elas ouvem falar de mistérios, milagres, obras do diabo e consideram tudo
isso muito verossímil, como se casos assim pudessem ocorrer em qualquer lugar e com
todas as coisas. Se, ao contrário, alguém lhes mostrasse antes a natureza mesma, então
mais facilmente venerariam o sobrenatural e o misterioso da religião. Já que elas agora
têm isso por algo muito comum, não achariam extraordinário se alguém lhes dissesse
que hoje viu seis anjos atravessando a rua. E até mesmo as imagens da Bíblia são
inconvenientes para as crianças.

Não existem sinônimos; as palavras que assim nos parecem expressaram provavelmente
espécies e não uma coisa só para seus inventores.

O caracol não constrói sua casa, ela cresce nele, desde dentro.

25
Aprendizes ou alunos, conforme o francês élève.

28
Talvez muitas conclusões possam ser tiradas sobre o caráter das pessoas a partir de seus
sonhos, se eles se mostrarem com clareza. Todavia, só um sonho não bastaria; teria que
ser uma grande quantidade.

O medo da morte, insculpido no homem, é ao mesmo tempo um grande meio, do qual


se servem os céus, para impedi-lo de cometer muitos crimes; outros serão evitados pelo
temor dos perigos da vida ou de doenças.

Os grosseiros pecados que o homem pode cometer vêm menos de sua própria culpa que
da disposição das coisas externas. Se não pudesse evitar a ação de certas coisas e
destruir outras, como poderia errar, se lhe resultasse vantajoso tudo que praticasse
contra todas as criaturas, exceto ele mesmo?

Os alimentos têm, presumivelmente, uma influência muito grande na condição humana,


como ela se apresenta hoje. O vinho expõe mais nitidamente seus efeitos. Os alimentos
o fazem mais lentamente, mas talvez com a mesma certeza. Quem sabe se não devemos
freqüentemente agradecer a uma sopa bem cozida a invenção da bomba pneumática e
atribuir a uma sopa mal cozida a ocorrência de uma guerra. Isso mereceria uma
investigação mais acurada. Contudo, quem sabe se com isso o céu não atinge suas
grandiosas finalidades, conserva fiéis os súditos, muda governos e liberta Estados. Será
que não são os alimentos que fazem aquilo que chamamos influência do clima?

Repetidas vezes vi andarem juntas a ambição impetuosa e a desconfiança.

Muitas vezes percebi que ficava com dor de cabeça quando olhava demoradamente a
mim mesmo em um espelho côncavo.

Quando, uma vez ou outra, tomei muito café e por isso me espantava com tudo, pude
notar então, com clareza, que eu me assustava antes mesmo de ouvir um barulho.
Portanto, nós ouvimos, digamos assim, com outras ferramentas além das orelhas.

Pessoas que não dispõem plenamente da refinada arte do disfarce e não se aplicam a
enganar os outros revelam-nos, geralmente no primeiro encontro, o esboço geral de todo
seu modo de pensar. Quem quiser, portanto, lisonjear a inclinação dos outros e aprender

29
a se apropriar dela deverá ficar muito atento no primeiro encontro; ali se encontram
geralmente reunidos os pontos determinantes de toda a mentalidade.

Sonhava recentemente, de manhã, que eu estava deitado na cama, acordando, e não


conseguia respirar. Aí me despertei subitamente e senti que eu tinha apenas uma
carência moderada daquilo que me faltara então. A um corpo que apenas sente sucedem
sensações ruins sempre maiores que a um que esteja conectado a uma alma pensante,
em que o próprio pensamento freqüentemente evita muito de desagradável, que as
sensações não significam nada ou que seria possível livrar-se delas quando quisesse.
Nós estamos muitas vezes de tal modo em nosso corpo que partes pressionadas doem
intensamente, mas só por sabermos que poderíamos nos livrar daquela situação, quando
bem quiséssemos, sentimos então de fato muito pouco. Isso reforça uma observação que
fiz abaixo, a saber, que se pode aplacar uma dor de cabeça apertando tal parte do corpo.

A morte é uma grandeza fixa, mas a dor é variável, que pode crescer indefinidamente.
Eis uma proposição que os defensores da tortura deveriam admitir, senão torturam em
vão; contudo, em muitos a dor acumulada é um valor menor que a morte.

Os preconceitos são, por assim dizer, os impulsos criativos dos homens. Desse modo,
eles fazem muitas coisas sem grande esforço, o que lhes torna difícil demais refletir até
chegar a uma decisão.

Uma língua que sempre expresse ao mesmo tempo o parentesco das coisas seria para o
Estado mais útil que a característica universal de Leibniz. Penso em coisas como, por
exemplo, curador de almas em vez de pregador, imbecil em vez de almofadinha,
bebedor de água em vez de poeta anacreôntico.

Debitum naturae reddere geralmente significa morrer, em latim.26 Ah, poderia


significar mais ainda! Muitas fraquezas em que incorremos são dívidas que pagamos à
natureza.

Nossa vida se equilibra tão exatamente entre o prazer e a dor que, às vezes, coisas úteis
a nossa subsistência poderiam até se tornar perniciosas, como o ar alterado
26
A frase latina seria, por extenso, “quitar a dívida com a natureza”.

30
naturalmente, pois afinal fomos criados no ar. Mas quem sabe se muitos de nossos
prazeres não dependem desse balanço? Essa sensibilidade talvez seja uma parte
importante das vantagens que levamos sobre os animais.

Uma sensação que se expressa com palavras é sempre como uma música descrita por
palavras; não há homogeneidade suficiente entre as expressões e as coisas...

É de fato um preconceito muito cego e indecoroso para nossos tempos esclarecidos que
aprendamos geografia e história romana antes de fisiologia e anatomia, e a doutrina
pagã das fábulas, quase igualmente indispensável para o homem, deveria ser cultivada,
antes dessas ciências, ao lado da religião. Eu acho que o mais encantador espetáculo,
para um ser criado mais elevado que o homem, seria a visão de uma grande parte da
espécie humana a recuar alguns milênios. E, na incerteza e com a carta branca, procurar
as regras para o mundo e morrer sem ter feito nada de útil para si e para o mundo, sem
conhecer seu corpo, que foi a parte nobre deles, pois um olhar em direção a ele, a eles, a
seus filhos, a seus próximos e a seus descendentes, poderia ter-lhes trazido felicidade.

Para tornar bem palpável uma ventura que nos parece indiferente, temos sempre que
pensar nela como se estivesse perdida e que nós a recuperamos nesse momento. Mas,
para realizar com sucesso essa tentativa, é preciso passar um pouco pelos diversos
sofrimentos.

Os verbos que as pessoas mais usam todos os dias são em todas as línguas os mais
irregulares: sum, sono, είμί, ich bin, je suis, jag är, I am.

Os críticos nos ensinam a nos atermos à natureza e, embora os escritores leiam isso,
consideram sempre mais seguro agarrarem-se a outros escritores que já se agarraram à
natureza. A maioria lê as regras deixadas por Home e quando querem escrever pensam
em uma passagem de Shakespeare. Certamente é bom ter um original tão grandioso
diante dos olhos; contudo, é claro que quando não se consegue atingir um tal modelo,
sucede distanciar-se para o lado que se desvia mais ainda da natureza; ou é preciso ser
um grande gênio, que se aproxima da natureza mais ainda que a primeira cópia. Se,
contudo, isso acontece então o autor tentou necessariamente atingir mais a natureza que
a cópia, e não se pode mais então dizer adequadamente que ele desenhou sua criação de

31
acordo com uma pintura, e sim que se serviu dela exatamente como alguém às vezes se
serve da medida a olho nu na geometria prática, para experimentar medidas e não para
verificar a exatidão da medida, mas antes para ver se não cometeu um engano através de
um erro de cálculo, que chegue a comprometer a metade do que se busca.

Em sua comédia, muito respeitosamente, Dante Alighieri chama a Virgílio seu mestre,
apesar de, como nota o Sr. Meinhard, utilizá-lo muito mal; uma prova clara de que já
naquela época se louvava os antigos, sem saber porquê. Elogiá-los e fazer coisas
diferentes – eis a fonte de nossos escritos medíocres: esse respeito que se tem pelos
poetas que queremos alcançar, mesmo sem compreendê-los.

Para alguém, crime é aquilo que o mundo chama de crime; raramente é aquilo que
merece castigo, mas lá está, sob a longa série de ações que se espalham como raízes em
nossa vida: essa ação é aquilo que geralmente dependia de nossa vontade e que
podíamos ter evitado da maneira mais fácil.

Há um certo tipo de gente que facilmente faz amizade com qualquer um, para logo em
seguida odiá-lo e de novo amá-lo. Imagine-se a espécie humana como um todo, em que
cada parte se encaixa em seu lugar, então os mesmos homens se tornam peças que
podem ser jogadas em qualquer lugar para preenchê-lo. Raramente encontram-se
grandes gênios entre homens desse tipo, embora sejam amiúde tomados como tais.

Sem dúvida, passamos muitos anos para compreender o verdadeiro sentido de uma
palavra em nossa língua materna, incluindo-se aí também os significados que o tom
pode conferir a tal palavra. Expressando-me matematicamente, diria que o entendimento
de uma palavra apresenta-se a nós através de uma fórmula, na qual o tom é a variável e
a palavra, a constante. Abre-se aí um caminho para enriquecer incessantemente as
línguas, sem aumentar as palavras. Eu descobri que a expressão “está bem” é proferida
por nós de cinco maneiras diferentes e cada vez com um novo significado, que
certamente também é determinado por uma terceira grandeza variável, a saber, a
mímica.

A medida do maravilhoso somos nós; e se procurássemos uma medida comum, então o


maravilhoso seria excluído e todas as coisas seriam do mesmo tamanho.

32
Um bobo da corte que se imagina um príncipe não se diferencia em nada do príncipe
que de fato é bobo, em nada, exceto que aquele é um príncipe negativo e este, um bobo
negativo; considerados sem suas insígnias,27 são ambos iguais entre si.

Nenhum príncipe pode jamais avaliar um homem em seu proveito, pois dizer que um
regente seja geralmente um homem ruim é uma conclusão fundada em mais de uma
experiência. O príncipe de França assa empadas e engana donzelas ingênuas, o príncipe
espanhol ataca prostitutas28, ao som de tambores e trombetas, o último príncipe da
Polônia, que era príncipe-eleitor da Saxônia, disparou uma zarabatana no traseiro do
bobo da corte, o príncipe de Löwenstein lastimou apenas a perda de seu arreio após um
grande incêndio; o conde de Kassel, para agradá-lo, conduz uma dançarina a uma suíte
de seu príncipe que não tem mais valor que ele e foi enganado pelo povo mais
deplorável, o duque de Württemberg é um doido, (...)29, o príncipe de Weilburg banha-
se em público, no rio Lahn; em sua maioria, os demais que dominam este mundo tocam
tambores, são fouriers30 e caçadores. E esses são os mais elevados dentre os homens!
Como é que se pode ainda seguir suportando este mundo? De que adianta a introdução
ao mundo dos negócios, a leitura das Arts de s’enrichir par l’agriculture,31 e dos “Pais
de família”, se um bobo é o senhor de todos e não reconhece nenhum superior exceto
sua estupidez, seus caprichos, suas prostitutas e seus camareiros? “Oh! Se o mundo um
dia acordasse! E se morressem na forca três milhões, com isso tornar-se-iam então mais
felizes talvez uns 50 ou até mesmo 80 milhões!” Assim falou certa vez um cabeleireiro
numa pousada em Landau. Ele foi, com razão, considerado completamente louco. Foi
agarrado e espancado até a morte sem chegar a ser preso, por um sub-oficial. O sub-
oficial perdeu a cabeça.

27
O termo Zeichen tanto pode indicar emblemas e condecorações palacianas, quanto a convenção
matemática de operações com valores negativos e positivos.
28
A expressão [hurt Hasen in Stücken] é duplamente violenta, no contexto da caça, pois compara
mulheres a coelhinhas e insinua manter relações com meninas até a exaustão; prazer sádico, que
despedaça.
29
Em geral, a edição mexicana, traduzida por Juan Villoro, omite trechos de alguns aforismos, mas aqui
deu-se o contrário: ela trouxe – meio cifrado, todavia - o que a edição alemã de Kurt Batt deixou fora, a
saber, “o rei da Inglaterra se m... nas inglesas” (p. 194)
30
Certamente o posto militar de furriel, que se encarrega de alojamentos.
31
Devia ser um título corriqueiro de livro técnico, como este escrito por Despommiers e publicado em
Paris, 1830 (4. ed.): A arte de se enriquecer pela agricultura, ou novos meios de economia rural
adequados a conduzir à fortuna, segundo a prática das firmas-modelo. O tradutor Juan Villoro refere-se
à publicação de um artigo com esse título, em Göttingen, em 1768, mas cita como autor um francês por
nome Prommier.

33
Platão expressa-se muito instrutivamente, então, quando diz que as paixões e os
impulsos naturais são as asas da alma. Tais comparações esclarecem as coisas e são
como que traduções dos conceitos graves de um homem em uma língua conhecida por
todos; são definições verídicas.

Sem dúvida, pode haver criaturas, cujos órgãos são tão finos, que eles não estão em
condições de apanhar um raio de luz, assim como nós não poderíamos apanhar uma
pedra, pois nossas mãos seriam antes destruídas.

Eis aqui uma observação correta: pessoas que imitam demais perdem sua própria força
criadora. Esta é a causa da decadência da arquitetura italiana. Quem imita sem o
conhecimento das causas da imitação geralmente erra, tão logo seja abandonado pela
mão que o conduzia.

Já no meu tempo de escola, nutri idéias sobre suicídio, que iam imediatamente contra os
pensamentos geralmente aceitos no mundo. E me lembro que uma vez até disputei em
latim sobre o suicídio e procurei defendê-lo. Devo, contudo, confessar que a inteira
convicção da justeza de uma coisa (como os atentos leitores terão notado isso)
geralmente tem sua razão última em algo obscuro, cujo esclarecimento é extremamente
difícil ou pelo menos assim parece, pois justamente a contradição que percebemos entre
a frase claramente expressa e nosso sentimento confuso é mesmo o que nos faz crer que
ainda não encontramos a razão certa. Em agosto de 1769 e nos meses seguintes, pensei
no suicídio mais do que antes e sempre achei que um homem cujo impulso de
autoconservação esteja muito enfraquecido, de modo que ele possa ser facilmente
dominado, poderia se matar sem culpa. Se um erro foi cometido, ficou então muito mais
recuado. Para mim, uma imaginação quiçá tão vívida da morte - de seu começo, e como
a morte é muito fácil - é culpada por eu pensar assim em suicídio. Todos aqueles que me
conheçam apenas no meio de grandes grupos - e não em circunstâncias de intimidade -
talvez se espantem caso eu diga algo assim. Ora, o Senhor Ljungberg sabe que uma das
minhas idéias prediletas é desejar a morte para mim e que às vezes esse pensamento
pode me ocupar de tal modo que eu pareço mais sentir que pensar e então, para mim,
metades de horas passam como minutos. Não é nenhuma sangrenta autocrucifixão o que
eu favorecia contra minha própria vontade, mas antes uma volúpia espiritual para mim,

34
que eu, a contragosto, aprecio parcimoniosamente, pois temo às vezes que possa surgir
dali aquele amor contemplativo da melancólica coruja noturna.

25 de fevereiro de 1770
O que é que às vezes nos liberta firmemente de uma aflição secreta, de modo que a idéia
de estarmos sob a proteção do mais bondoso cuidado tem sobre nós o maior efeito? E,
contudo, não é raro que estejamos quase sujeitos muitas vezes dentro de uma meia hora
a essa mesma aflição? Comigo pelo menos ocorre de tal modo que, sem que eu possa
dizer, eu reconsidero minha aflição por um novo ângulo e entendo outras relações, nada
mais. Se isso acontecesse, então eu não teria sequer deitado no papel esta observação.
Ao contrário, creio que a sensibilidade moral no homem é diferente para tempos
distintos: a da manhã mais forte que a da noite.

Troveja, uiva, berra, sibila, assovia, ruge, zune, zumbe, brame, sacoleja, grasna, range,
canta, chia, crepita, estronda, rasga, estala, matraqueia, rosna, resmunga, choraminga,
soluça, cicia, murmura, arrebenta, gargareja, pigarreia, soa, borbulha, ronca, espalma,
silvar, arfar, cozinha, gritar, chorar, soluçar, grasnar, gaguejar, balbuciar, arrulhar,
soprar, tinir, balir, relinchar, chilrear, raspar, ferver. Estas palavras e outras mais, que
expressam sons, não são meros signos, mas antes um tipo de escrita figurada para o
ouvido.

Tornar-se mais sábio significa sempre conhecer cada vez mais os erros aos quais possa
ser submetido esse instrumento, com o qual sentimos e julgamos. Cautela ao julgar é o
que hoje em dia se recomenda a todos e a cada um. Se conquistássemos a cada década
apenas uma verdade incontestável de cada autor da filosofia, então nossa colheita seria
sempre bastante rica.

Há pessoas que até mesmo em suas palavras e expressões têm algo de especial (a
maioria tem pelo menos algo que lhes seja mais próprio), pois são então maneiras de
falar que ficam na moda por muito tempo, e assim nada mais que isso. Tais pessoas
merecem sempre atenção, mas cabem aí muito orgulho e independência da alma, até
que se chegue tão longe. Alguns têm emoções novas, mas é velha a expressão com a
qual querem interpretá-las diante dos outros.

35
Há tantas invenções raras da arte poética que devemos agradecer àqueles homens do
mundo, que as souberam fundar sobre o órgão sexual; todos os ideais de meninas e
coisas assim. É uma pena que as fogosas meninas não devam escrever sobre os belos
rapazes, como elas tão bem poderiam fazê-lo, se lhes fosse permitido. Portanto, a beleza
deles não foi ainda desenhada pelas únicas mãos que os poderiam desenhar com fogo. É
provável que o espiritual - que alguns olhos encantados avistam em um corpo que as
encantou - mostra-se às meninas nos corpos masculinos de uma maneira totalmente
diferente de como se desvelam para os rapazes nos corpos femininos.

Quando ele devia usar sua razão, então acontecia a ele como se um destro, sempre
habituado com sua mão direita, tivesse que fazer algo com a esquerda.

Ele não tinha apetite para nada e, entretanto, comia de tudo.

Ele não seguia nem o caminho completamente largo para a eternidade, nem o totalmente
estreito, mas tomou, com freqüentes rezas e uma farta mesa, o intermediário, que se
poderia denominar o caminho espiritual-principesco.

A plebe deseja para si o ouro e as honrarias dos cargos, e se sentiria enganada quando os
conseguisse. Ora, entre os grandes tornou-se moda invejar a cisterna e o saco de palha
do camponês; mas alguns se sentiriam também ludibriados, caso fossem colocados
nessa condição. Pode-se dizer, contudo, que o poeta concebe um ideal; mas será que o
camponês não idealiza também a posição dos grandes?

Há livros de um certo tipo, e temos uma grande quantidade deles na Alemanha, que não
desencorajam a leitura, não adormecem de imediato e nem fazem resmungar, mas no
prazo de uma hora põem o espírito num certo esgotamento, que guarda sempre uma
semelhança com aquele torpor que se pressente algumas horas antes de uma tempestade.
Deita-se fora o livro e aí não se tem vontade de fazer mais nada; mas ao começar a
escrever, eis que se redige da mesma maneira. Até mesmo bons textos parecem adotar
essa morna insipidez, quando se começa a lê-los. Por experiência própria, eu sei que

36
contra essa triste situação nada ajuda mais rapidamente que uma xícara de café e um
cachimbo cheio de Varinas32.

Winckelmann, Hagedorn e Lessing comunicaram a nossos críticos alemães um espírito


completamente novo. Antigamente dizia-se de uma gravura em cobre que a gravura era
ruim, mas agora os juízos são mais ardorosos. Julgarão assim uma Coeur-Dame:33 o
rosto tem traços muito locais; dos olhos de Juno, que o fabricante das cartas tentou
alcançar, os olhos só têm o tamanho, mas nada do foco tranqüilo, que fez Páris vacilar,
nada do céu neles, que se abre e se fecha com eles. A boca parece também tão ideal, tão
afrancesadas as madeixas, que não brincam invejosas em volta de toda a face, mas
ficam engomadas com muita pomada, fixas em um lugar, parecem descuidadas, como
se tivessem que esconder demais ou muito pouco. Em sua estatura nada é grego e ela
poderia agradar também aos sereres34; sente-se falta do esbelto curvar-se do corpo, que,
ao afastar o rosto, nos parece oferecer o seio quente e elástico. As mãos estão como que
retorcidas pela doença inglesa e parecem ajuntadas. O colorido é como aquele feito por
um pintor ruim, que pinta sobre gesso fresco e, para que um lugar cause a impressão de
fusão suave, abandona outros sete totalmente isolados. Em resumo, em toda a Coeur-
dame, não encontramos nem o mais fugaz vestígio do gênio, que com um único traço
nos obrigasse a guardar uma tela para pessoas que nos são próximas, compadecermo-
nos dos soluços abafados que nos dirigem e, diante de suas lágrimas pintadas, chorar
lágrimas vivas, que são o mais elevado presente do homem cheio de sentimentos.

Observações para o esclarecimento da história do espírito deste século. A história de um


século é formada pela história dos anos particulares. Para uma descrição emblemática
do espírito de um século, não se pode ajuntar os retalhos de cem anos particulares;
entretanto, a quem o quiser esboçar, será sempre útil conhecer também os derradeiros
anos, que lhe podem oferecer sempre novos pontos para traçar suas linhas contínuas.

A plebe arruína-se pela carne, que se delicia diante do espírito, enquanto o erudito é
arruinado pelo espírito, que tanto se deleita em contrariar o corpo.

32
Fumo oriundo da cidade venezuelana Barinas e comercializado na Holanda, à época de Lichtenberg.
33
A dama de copas, no jogo de cartas.
34
Povo habitante do Senegal e outros países africanos.

37
Com uma só língua na boca, essa mulher já tinha aquela fama. O que não teria feito
então se tivesse mil línguas! 35

Nos romances há doenças mortais, que na vida comum matam em igual medida, e,
inversamente, há doenças que são mortais na vida comum, mas não nos romances.

Quanto a seu caráter, os alemães estão de tal maneira a meio caminho entre os franceses
e os ingleses que nossos romancistas facilmente descrevem um desses dois, quando
querem apenas pintar um alemão com cores um pouco mais fortes.

Dizem no jornal Zuschauer que “the whole man must move together”.36 No homem,
tudo deve ter uma única finalidade.

Ele era o que, em todos os países entre o Reno e o Danúbio, se denomina uma boa pele.

Cada pessoa deveria estudar filosofia, bem como as belas ciências, na medida suficiente
para tornar mais agradável a volúpia. Se nossos nobres provincianos, cavaleiros da
corte, condes e figuras do gênero houvessem percebido isso, admirar-se-iam com
freqüência dos efeitos de um livro. Eles mal poderiam acreditar até onde Wieland
elevou o champanhe: sua cor sempre rosada, seu véu prateado e sua nebulosidade de
linho trariam mais perto do sublime até mesmo os agrados de uma bela jovem aldeã de
pele macia.

O sangue, que durante quarenta gerações sempre fluiu debaixo do próprio colete, corria
então pela primeira vez sob um emprestado.

Seu casaco valia mais que sua honra, e qualquer comerciante judeu ter-lhe-ia pago mais
pela peça de roupa que pela honra.

35
O termo fama pode ser proveniente do italiano (e pende para má fama, decerto) e talvez haja aí uma
insinuação de víbora, com duas línguas ou uma, bifurcada.
36
“O homem todo deve se mover junto”, em inglês no original, assim como deveria estar o título do
jornal londrino, The Spectator, de Joseph Addison e Steele, que escreviam sobre grande variedade de
temas e apresentavam uma vívida galeria de perfis, inclusive de membros de um clube ligado ao jornal,
cuja linha moral influenciou outros países europeus no início do século XVIII. (cf.
www.wenku.baidu.com)

38
Seu estilo brinca com algo de lohensteiniano.37

É de fato possível que, quando partes do cérebro, que deveriam ser simétricas, não o
são, isso poderia trazer vantagens para o entendimento. Nós podemos nos satisfazer
com um olho só, e assim também com um lado do cérebro, o outro pode eventualmente
endurecer logo ou então sofrer transformações, que com uma idéia modificam o
resultado de toda a disposição do cérebro. Dizem que as pessoas adultas são muitas
vezes bem perspicazes; o lado crescido endurece mais, e talvez implique em uma
modificação unilateral semelhante no cérebro, que é mais vantajosa que nociva para o
gênio, já declarado como uma condição doentia, enfim. Eu notei que pessoas com
fisionomias assimétricas tinham as mentes mais refinadas. Se pudermos confiar em uma
certa imagem que vi do Sr. Voltaire – e me asseguraram que era uma cópia de uma
máscara que em Mannheim foi fundida sobre seu rosto –, então um lado de seu rosto é
muito mais curto que o outro, e seu nariz, um pouco torto, embora quase imperceptível.
K....r38, visto de um lado, parece mais jovem que do outro. Essa irregularidade, embora
pouco escandalosa, dá mesmo a estas duas notáveis fisionomias um certo ímpeto, de
onde vem o sal e o azedume, que tanto caracterizaram seus escritos. Uma pessoa, que
tivesse um olho na perspectiva e o outro no microscópio, representaria, dentre homens
comuns, uma figura extraordinária.

Deus criou para as mulheres longos cabelos, que caem em torno dos ombros, mas um
peruqueiro achou por bem mudar isso e penteá-los para cima.

Billingsgate: o lugar em Londres onde as mulheres pescadoras ficam sentadas e


esbanjam tantas anedotas refinadas.

Classificar os diferentes estilos de escrita. Lessing, Wieland, Kästner escrevem, dentre


os alemães, a melhor prosa...

37
Termo talvez relativo a Daniel Caspar Von Lohenstein (1635-1683), escritor barroco da região da
Silésia, que deixou poemas muito extensos e carregados, ou apenas uma referência à região de
Lohenstein, na Alemanha.
38
Talvez Lichtenberg refira-se ao rei, o Kaiser¸ nesse caso Frederico, o Grande, rei da Prússia, com quem
Voltaire conversou várias vezes. Mas poderia ser também algum Kästner, por exemplo. [JS]

39
Costumava dar nomes a suas faculdades da alma, as superiores e as inferiores: a Câmara
dos Lordes e a Câmara dos Comuns. E muitas vezes a primeira deixava aprovar uma
bill39 que a segunda indeferia.

Nós não podemos ver absolutamente nada da alma, senão o que não esteja gravado nas
feições. As caras de uma grande reunião de pessoas poderiam ser denominadas uma
história da alma humana, escrita com um tipo de signos chineses. A alma molda a face
em torno de si, como o magneto espalha a limalha. A variedade de posicionamentos
desses pedaços determina a diversidade daquilo que a alma deu às partes. Quanto mais
nos demoramos a observar rostos, mais percebemos, nos assim chamados rostos
insignificantes, coisas que os individualizam.

Nossas câmaras de obras de arte estão cheias de taças de marfim, uma prova da
predileção de nossos queridos antepassados; uma peça de marfim de onde o grego teria
entalhado um Apolo, escavam eles um buraco para servir de copo.

O sentimento vívido, que o homem comum chama de saudade de casa.

Eu invejo pouquíssimas pessoas, digamos: Wieland, Sterne, Horácio, Kästner e, se bebi


um pouco de vinho, o Senhor Gleim. Sim, ao beber vinho, já vejo em retrospectiva, no
momento em que dava ao empregado o dinheiro para a garrafa, como ele é um dos bem-
aventurado neste vale de lágrimas. Ora, se Sterne houvesse descrito para nós a história
natural da embriaguez, do mesmo modo como já a consideraram o poeta, o filósofo e o
amante! Há poucas coisas no mundo tão dignas de um filósofo como a garrafa que
esvazia cum spe divite40 garganta abaixo um apaixonado ou um poeta. Spes dives, o
teólogo bebe e um tema do sermão se transforma em ganhos de prebenda, ele abraça a
garota, ainda apenas uma alma, que espera a recompensa de seu futuro soldo por deixar
engravidar seu corpo. O jurista sorve um vinho Borgonhês e os que praticam coisas
odiosas tornam-se seu pão; capacidades e habilidades com títulos transformam-se de
fato em embaixadas. Oh! O além da botija, o quanto não está lá! Homens, aproveitem o
vinho como filósofos e descubram o que o vinho é. Assim como se comporta o gozo
animal diante do prazer - - - platônico, também a embriaguez do cocheiro e do tocador

39
Declaração, como a dos direitos humanos, ou lei em geral.
40
Cum spe divite (e também spes dives, em seguida): com vitalidade torrencial (frases de Horácio).

40
de tambor diante de um estado, que precede o êxtase não platônico, como o refinado
amor diante do ainda duvidoso gozo, para o qual eu não quero arriscar nenhuma
palavra.

Todo homem tem também seu backside41 moral, que ele não mostra sem necessidade, e
que ele recobre, até onde puder, com as calças da decência.

Na casa em que eu morava, tinha aprendido o som e a afinação de cada degrau de uma
velha escada de madeira e também o compasso das pisadas de cada um de meus amigos
que iam visitar-me. E eu devo confessar que tremia toda vez que os degraus eram
pisados por um par de pés em um tom que me era desconhecido.

Caráter de uma pessoa que eu conheço.


O corpo dela é constituído de tal forma que mesmo um desenhista ruim, no escuro,
poderia desenhá-lo melhor e se ela pudesse mudar alguma coisa nele, daria menos
relevo a algumas partes. Sempre esse ser humano esteve satisfeito com sua saúde,
mesmo considerando-se que ela não é das melhores, mas ele tem o dom de se aproveitar
bem, em alto grau, dos dias saudáveis que teve. Então a faculdade da imaginação, sua
mais fiel companheira, nunca o abandona. Quando fica de pé atrás da janela, a cabeça
apoiada entre as duas mãos, e o transeunte não vê nele nada mais que um tristonho
cabisbaixo, então confessa em silêncio que novamente divertiu-se em demasia. Ele tem
apenas uns poucos amigos; na verdade, seu coração é aberto apenas para alguém
presente, mas o mantém aberto para diversos ausentes. Sua gentileza faz com que
muitos creiam que ele seja seu amigo; ele os serve também por ambição, filantropia,
mas não pelo impulso que o leva a servir seus amigos de verdade. Uma ou duas vezes
ele amou; em uma não foi infeliz, mas na outra deu sorte. Ele conquistou um bom
coração apenas com a pura vivacidade e leviandade, e embora muitas vezes se esqueça
de ambas, sempre as venerará como qualidades de sua alma, que lhe conseguiram as
horas mais agradáveis de sua vida. E se pudesse escolher para si mais uma vez uma vida
e outra alma, eu não saberia se ele iria escolher outras, caso ele ainda pudesse uma vez
mais recuperar as suas. Quanto à religião, desde garoto pensou muito livremente, nunca
buscando ali a honra de ser um espírito livre, mas também nunca visava acreditar em
tudo, sem exceções. Ele pode rezar com ardor e nunca poderia ler o Salmo 90 sem um
41
Traseiro, fundos, nádegas

41
elevado e indescritível sentimento: “antes que as montanhas nascessem...”42 é para ele
infinitamente mais que “Canta, alma imortal...”43 Ele não sabe a quem mais detesta:
jovens oficiais ou jovens pregadores? Com nenhum dos dois tipos poderia conviver por
muito tempo. Seu corpo e suas roupas raramente serviram para freqüentar assembléias,
e suas opiniões... menos ainda. Ele não espera mais do que três pratos no almoço e dois
à noite, com um pouco de vinho e nem quer receber menos que batata, maçã, pão e um
pouco de vinho todo dia; em ambos os casos, ele ficaria infeliz. Ele ficou doente sempre
que viveu alguns dias fora desses limites. Ler e escrever são para ele tão necessários
quanto comer e beber. E espera que nunca lhe faltem livros. Ele pensa muito na morte,
mas nunca com repulsa. Desejaria poder pensar em tudo com muita calma e espera que
seu Criador um dia peça-lhe contas com suavidade, pois da vida ele de fato não foi um
proprietário tão parcimonioso e nem tampouco um perdulário.

Texto para o Senhor Ljungberg, escrito na bebedeira pelo Senhor S.


Meu querido amigo, com certeza eu nunca escrevi antes a um amigo mais do que agora
estou a te escrever. E o que foi, então? A descrição de uma das mais belas criaturas, que
talvez já tenha vivido para nós. Pense na mais bonita! É dizer muito, mas eu conheço
você e isso me torna tão confiável. Imagine uma garota, não tão rica, mas abastada, para
sua condição, bondosa, e que a todos quer agradar e talvez (eu quase não me atrevo a
escrever esta linha) até agrade de fato e pode prestar-se de maneira confiável a dar
prazer. Não muito alta, mais carnuda que gorda, que cresceu como, como--- a mais bela
garota deve crescer, como um arco, em que todavia o lado convexo se torna peito,
barriga e coxa. Ternura, modéstia e todas as virtudes no rosto fino, bondade, bom gosto,
um amorzinho de vivacidade e leviandade gentil. Os seios dela – oh! Ljungberg,
Ljungberg, o quanto havia lá, que tanto! Luxúria humana, a mais elevada obra da
perfeição que os céus buscam. Luxúria – você conhece esta palavra no sentido que lhe
damos, em nosso sentido emotivo, isso habita nela. Esta linha é compreensível para nós,
mas talvez seja nonsens para todo o restante dos viventes. A linguagem dela! Anjos
deviam falar assim - e eu sou devoto, sou bem-aventurado, sou um anjo. Seu beijo,
minhas sensibilidades estão afinadas em um tom alto demais para as palavras terrenas --
- Nonsens do encantamento, nonsens, nonsens. Pensado, sentido é melhor que falado,

42
Salmo 90, que assim prossegue: “... e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és
Deus.” (Trad. João Ferreira de Almeida, Soc. Bibl. Do Brasil)
43
Verso de Klopstock, Messíada, I, vers. 1

42
sentimento celeste, quando expresso, é nonsens, nonsens. Cale-se ou aprenda melhor o
alemão! Não há língua alemã para essa sensação, nada em alemão. Gottsched, o que é
você, Riedel, Kästner, Wieland, cor rósea e prata, amém!

A Terra, este berço comum, que já embalou bem uns cinqüenta milhões de crianças de
toda a espécie de classes.

Eu mesmo não queria ser jamais o homem que domina a Alemanha de maneira tão
absoluta como administro minha escrivaninha. Com certeza, eu iria simplesmente
entornar o tinteiro e, ao tentar arrumar as coisas, provocaria mais desordem ainda.

Dentre todos os animais do mundo, o homem é o que chega mais próximo do macaco.

Essa coisa, cujos olhos e orelhas nós não vemos e do seu nariz e de sua cabeça vemos
apenas um pouco, ou seja, em resumo, nosso corpo.

Ele cresceu mais que sua biblioteca, assim como alguém fica sobrando fora do colete.
As bibliotecas geralmente podem se tornar apertadas demais ou frouxas demais para a
alma.

Os pequenos preconceitos-centavos, pequenas virtudes-centavos, as verdadezinhas-


centavos.

Isso é tão evidente quanto (a-x) . (a+x) = a2 – x2

O orgulho dos homens é uma coisa estranha que não se deixa imediatamente reprimir.
E, se alguém tapou o buraco A, espia de novo para fora por um outro buraco B, antes
que alguém o veja. E se alguém tapa ali, então o orgulho fica atrás do buraco C, e assim
por diante.

Cabeça e pés, que tão longe estão no sentido físico, quanto estão próximos no sentido
moral e psicológico. A alegria e a tristeza não se mostram tão imediatamente ao nariz
quanto aos pés, embora esteja situado a menos de três polegadas da alma. E eu posso
notar isso diariamente de minha janela, de onde posso ver com clareza nos pés dos

43
estudantes, se eles estão vindo de um Kollegio ou se estão com vontade de ir para lá.
Aquele em que se repara uma sola gasta, que revela a fome da alma regendo, este no
passo lânguido, em que o salto e os artelhos lentamente vão se amontoando um em
direção ao outro, que é sempre um sinal de recente satisfação. Junto aos estudantes, em
quem não pude notar nada disso, quase sempre vim a saber, mais tarde, se eles iam
visitar um colega ou se de lá voltavam. Em Catilina, como os escritores latinos diziam,
isso deve ter sido tão notável, que algumas pessoas, muito antes que Cícero descobrisse
a famosa conspiração naquela cabeça, já teriam observado em seus pés; é que ele às
vezes ia pela rua numa marcha muito regular, depois devagar, aí virava para trás como
se houvesse esquecido seu lenço de bolso, depois ficava bem quieto de pé, e aí corria de
repente, até que um novo projeto o atravessasse e o fizesse ficar parado. Em nosso
amigo desbotado não se poderia notar nada desse jeito, pois ele mancava muito forte e
seu andar parecia quase sempre o de alguém que vai a um Collegium e ao mesmo tempo
sai dele. Eu tentei outros meios para penetrar por trás de seu caráter.

Parece-me que a imitação é sempre uma coisa muito melindrosa, pois ou minha maneira
de pensar aponta para o Norte e meu original também – bom, pois assim vamos um
pouco mais rapidamente para onde teríamos talvez mais tarde chegado sozinhos – ou eu
aponto para o Leste e o original para o Norte – aí toda coisa que extraímos juntos é algo
sem afeto, uma coisa mediana de um nordeste nada cardeal – ou eu aponto para o Sul e
meu original para o Norte; sim, meu bom Deus, aí ficamos completamente imóveis e
não saímos do lugar.

Alguma coisa da paixão começou a tocá-lo então, antes que a tivéssemos sentido, não
muito antes de nos deixarmos barbear pela primeira vez. No começo era uma coisa sem
rumo algum e ele só podia notar que suas ansiedades habituais não se aplacavam, mas
também eram arrastadas por algo pelo menos tão forte, não mais até ali, mas para lá
longe. Um equilíbrio irritante, agita-se e sacode-se sem que se saiba porquê, apenas para
não ficar parado e para transferir novamente a outra coisa a sobrecarga, uma situação
estranha, pela qual nós homens temos todos que passar. E vocês, garotas? Ah! Isso eu
não sei. Feliz é quem passa rápido por ali ou bem antes recebeu uma imaginação
clareada por uma educação benéfica, de modo que esse doce tumulto na alma nada mais
lhe inspire do que belas esperanças e o conduza finalmente por um caminho encantado
até a bela criatura, confundindo a certeza encantada com a estimulante incerteza.

44
Há dois jeitos de prolongar a vida: primeiro, que se distanciem bastante os dois marcos
– “nascido em tal ano” e “morto no ano tal” — de modo a ampliar o caminho. E para
isso foram inventadas tantas máquinas e coisas, que, quando vistas isoladas, não seria
possível acreditar que elas pudessem servir para ampliar um caminho – nessa
especialidade, alguns médicos realizaram muitas coisas. O outro jeito é ir mais devagar
e deixar as duas datas quietas, onde Deus as quer; e este é o jeito dos filósofos, que
acharam que o melhor é sair por aí a coletar plantas para estudos botânicos44, e ao
mesmo tempo ziguezaguear, saltar uma valeta e depois pular de volta, onde esteja limpo
e ninguém o veja, arriscar uma cambalhota e assim por diante.

Na sentença “2 vezes 2 são 4” ou “2.2=4” já está de fato algo da paralaxe do sol ou o


formato de laranja que a Terra apresenta.

O ímpeto de escrever livros, que normalmente surge ao lado de outros também fortes na
fase da primeira barba, apareceu para mim um pouco mais cedo. Minha primeira
comichão, quando começo a contar do primeiro verso da Messíada,45 caiu no sexto ano
do hexâmetro alemão e por volta do décimo quarto, quando inicio meu nascimento.
Essa é uma época um tanto melindrosa, e aí os pais e mestres têm que estar muito
atentos a suas crianças. Por isso quero descrever o que em mim palpitava: poder-se-á
julgar mais facilmente que aparência deve ter aquele que sente isso. Eu achava que
minha família tinha uma linguagem corriqueira, sentia falta de adjetivos aqui e ali e me
enchia de orgulho ao encontrar alguns, sobretudo os que eu mesmo criava, etc.

Na Alemanha, o imposto de consumo mais pesado sempre cai sobre a sátira. De uma
ingênua memória de três folhas manuscritas deve sempre o autor, com a maior frieza,
deduzir garantidamente três por cento para o governo de..., pelo menos cinco para o
Senhor de..., pois ele vale tudo, dez por cento para a Prelazia ou para o imposto de
excomunhão e, depois ainda, junto com isso, oito por cento de contribuição para o
mecenato. Ao final, não fica para o autor mais que um caput mortuum46 de uma lição de

44
“Herborizar”, conforme escreveria Saint-Hilaire em seus diários nas províncias do Brasil, no início do
século XIX, quando essas excursões e coleções eram tarefas e atribuições ligadas à “filosofia”; depois,
“história natural”, etc.
45
Obra de Friedrich Gottlieb Klopstock.
46
Expressão dos alquimistas para o resíduo sólido de uma análise, após destilação.

45
moral duramente regateada: que ninguém mais consegue se anunciar com um salário
superior a 200 táleres e que os mais de baixo não lêem mais.

Classificação. Eu divido meu público assim: pessoas que não têm nenhum salário fixo e
nem qualquer receita, pobres diabos; pessoas que se situam abaixo de 500 táleres de
salário ou de uma receita determinada; pessoas que têm mais de 500 táleres; pessoas que
chegam aos milhares ou que são coerentes. Essas são as quatro classes na ordem natural,
sendo a quarta a maior delas. Eu declaro solenemente diante do altar que, contra a
quarta classe – e nem sequer contra a terceira -, nunca em meus escritos falei ou pensei
algo, mas que também jamais falarei ou pensarei algo que possa ir contra essas classes
tão dignas. À segunda classe asseguro minha amizade de companheiro. Todavia, a
primeira... Vejam aí o ilimitado campo para um escritor satírico alemão; pobres diabos
há por toda a parte e provavelmente existirão como tais, enquanto nosso mundo for
mundo.

Nas senhoritas, o point d’honneur47 e o centro de gravidade coincidem; nas pessoas


masculinas, o centro assenta-se um pouco acima, no peito, em torno do diafragma. Daí,
naquela região dos homens a abundância elástica de empreendimentos esplêndidos e
justamente ali o vazio exausto nas iniciativas menores.

Para nós, torna-se belo tudo que tem alguma relação com o amor erótico, nessas horas,
nas quais o próprio afeto animal dorme e o restante de nossas ferramentas sensíveis
confronta a alma, que só pensa no divertimento passado e no vindouro, que é a vontade
mais real. Não temos pelos nossos pobres rapazes mais amor que os gregos. Quando
nossos novos tempos fornecem uma bela peça de escultura, tem que ser de uma garota.
O artista cristão não encontra a beleza e se ele a encontrasse e a apresentasse, então o
espectador não a reconheceria.
2 de maio de 1769

3 de maio de 1769
Não têm muito crédito no mundo toda essa gente que compra de nós coisas das quais
não precisamos mais e que só por causa disso deitamos fora. Os antiquários, os

47
A “questão de honra” ou o ponto - nesse caso, próximo ao umbigo - a conotar decência, virgindade.

46
judeuzinhos, todos os trapeiros, os que carregam esterco, todos que têm sua categoria e
por fim se perdem completamente no desonesto.

Ele sabia pelo menos 10.000 palavras em alemão e, até onde pudesse interessar, era
capaz de declinar e conjugar todas, mas em seu cérebro afastaram-se de tal modo dos
conceitos propriamente ditos, que os deviam designar, pelo menos umas 8.000 palavras,
e assim eles acabavam dando em outras completamente diferentes ou então ficavam
mais da metade em grande confusão; daí as extraordinárias idéias das ciências, cujos
livros ele compulsava todos os dias. Muitas palavras eram para ele de uma abrangência
abominável, de modo que elas não designavam nem dois, nem três gêneros, mas o
gênero inteiro e cada indivíduo. Encontraremos nele então um significado especial para
o termo belles lettres.48 A palavra profissão expressava para ele os conceitos tendência,
inclinação e paixão. Em resumo, em uma cabeça onde as palavras não estão
corretamente dispostas, ali está uma maneira completamente diferente de pensar, um
outro ius naturae49, outras belles lettres, toda a economia doméstica se transforma e
torna alguém um estranho em sua própria pátria e no mundo. Gostaria de recomendar
aos jovens que organizem com precisão todas as palavras novas e as classifiquem como
se faz com os minerais, o que permitirá encontrá-las, quando alguém depois perguntar
ou quando eles mesmos quiserem empregá-las. Isso se chama organização econômica
das palavras e é tão lucrativa para a razão quanto a economia monetária o é para o
bolso.

Beber, quando não nos acontece antes dos trinta e cinco anos, não merece tanta
repreensão quanto imaginarão muitos de meus leitores. É mais ou menos por essa época
que o homem desponta acima das trilhas labirínticas de sua vida e anda no nível sobre o
qual vê diante de si seu futuro aberto. Aflige-se ele, tão logo entenda que aquele
caminho não é o certo; geralmente é tarde demais para procurar um outro, quando já não
suporta ir a pé. Se essa descoberta vem acompanhada de inquietação, então, como já o
revelou a experiência, às vezes o vinho opera maravilhas; quando se bebe de cinco a
seis copos ou até chegar-se à horaciana spes dives.50 O vinho dá então ao homem a
condição que ele perdeu – quando o pano de fundo obstrui a visão, aí irrompe a alma e

48
Na Alemanha, a beletrística refere-se quase sempre às artes menores da literatura destinada ao
entretenimento e pode pender para o pejorativo.
49
Lei natural.
50
Ver nota 40, acima.

47
leva a cabo por toda a parte a mais bela perspectiva, iluminada pela mais pura luz rósea
ou pelo verde mais refrescante que apenas pode ansiar por um olhar que restaure e uma
alma que o preencha agradavelmente – o sistema de mentalidades encontra toda a
aparência exterior em harmonia com seu mais agradável estado,

Ele já havia adotado há muito tempo o tácito propósito de fazer algo que viesse a ser
publicado ou no jornal dos eruditos ou no caderno de política.

A fruição de si mesmo ocorre mais nas almas tranqüilas, diz Winckelmann.

Ele era tão frágil e delgado, que um Zéfiro tombá-lo-ia com um sorriso. E um vento
Norte mais malvado poderia reduzi-lo a vapor.

Ele e seu servo eram tão unidos, um dependia tanto do outro, que poderíamos chamá-los
de um animal quadrúpede. O homem quadrúpede casado.

Uma janelinha denunciava apenas que também lá ainda era um lugar por onde a luz
penetra, ao passo que chuva e vento deviam ficar fora dali.

Duelo. Coragem pouco verdadeira, ligada ao propósito irresistível de fazer algo fácil,
mas que parece reparar a carência dos falsos conceitos de honra e mérito; e leviandade,
ligada a uma falta de conhecimentos sólidos – é pouco mais ou menos o que possui o
estudante que gosta de se duelar. Um duelo em Göttingen exige a dita coragem de que
se necessita para beber até o fim um bowl of punch.51 Cinqüenta já encontraram sua
morte bebendo tanto e apenas um único morreu em duelo. Não se admira, pois, se tantos
lançam mão desse meio para recuperar uma honra que se supõe perdida...

Ele não podia ficar sem seus brinquedos; se não o deixassem ter um pássaro, então ele
quereria manter amantes.

Atira bem, supõe-se, aquele que bebeu um pouco; eis aí a afinidade entre artilharia e
arte poética.

51
Jarra de ponche.

48
_O que o Senhor tem aí?
_Uma bússola, para viajar pelo mundo afora.
_Como assim, em uma carteira?
_Sim, são cinqüenta Louisdor52 em dinheiro vivo e mais letras de câmbio para outros
milhares.

A única coisa que ele tinha de masculino em si não podia, por causa de sua riqueza,
deixar ver. Mi si nihil aliud virile, sexus esset.53 (Petrônio)

Normalmente a gente o chamou de Meia-cabeça, não por causa de algo especial na


disposição e na forma de seu crânio, porém, mais por causa daquela invisível índole
que, de acordo com o juízo da maioria, assenta na cabeça.

Ele trajava o libré da fome e da miséria.

Ele tinha muita filosofia – ou common sense que simulava filosofia.

Discurso de um suicida, redigido pouco antes do ato. Amigos! Eis-me agora diante do
manto, a ponto de retirá-lo para ver se lá detrás será mais tranqüilo que aqui. Não se
trata de nenhum ataque de louco desespero; eu conheço bem demais a corrente de meus
dias a partir dos poucos elos que já vivi. Estou cansado para continuar; aqui quero
esmorecer por inteiro ou pelo menos passar a noite. Natureza, toma aqui de volta minha
matéria! Misture-a de novo na massa das criaturas, faça de mim um arbusto, uma
nuvem, tudo que quiseres, até mesmo um homem, mas não queira mais refazer-me.
Agradeço à filosofia, por não atrapalharem aqui quaisquer farsas piedosas o fio de meus
pensamentos. Basta; eu penso. Não tenho nada a temer. Bem, então abram as cortinas!54

Sua pronúncia era igual à de um Demóstenes ainda com os cascalhos na boca.

52
Moeda de ouro francesa, cunhada ao tempo de Luís XII (1601-1643)
53
A conferir: “Se nada mais em mim é viril, que fosse o sexo”.
54
Esse discurso parece remeter às últimas palavras de Sêneca, relatadas por Tácito. (Ch. Le Blanc)

49
Ele precisava de seu bastão para medir toda espécie de coisas, as físicas e as morais,
pois ele dizia com freqüência: “eu não me preocupo nem esse tanto com isso”, e
indicava na cana da bengala, com a unha de seu polegar, o tamanho de sua preocupação.

Ela vestia vermelho e azul por baixo da saia, com listas muito largas, como se a anágua
tivesse sido confeccionada com uma cortina do teatro. Eu teria desembolsado muito
dinheiro por um lugar na primeira fila, mas não houve encenação naquela noite.

Já que ele, ao ser gerado, não deu um bom resultado para seu pai, nenhum artista se
atreveu depois a consertar as coisas mais uma vez em uma gravura de metal.

Alguns se tornam intelectuais da mesma maneira como outros se alistam como


soldados; simplesmente porque não prestam para outro posto. Sua mão direita deve
conseguir-lhe pão, mas eles se deitam, digamos, como os ursos no inverno e chupam o
próprio dedo.

Ofensas da razão e do humor.

To be or not to be – Toby55 or not Toby, that is the question.

O chiste e o humor devem ser utilizados com cautela, como todas as substâncias
corrosivas.

- Quem está aí?


- Só eu.
- Oh! Isso já é excessivamente bastante.56

O Senhor Schnetter, mordomo do Senhor von Reineck, escreveu abaixo de seu nome:
“Gouverneur”. Quantos disparates não se alojam em uma cabeça, tão logo encontre um
espaço desses.

55
A frase inicial é a conhecida fala de Hamlet, na peça de Shakespeare. Toby pode ser uma referência a
uma caneca para cerveja, com figuras cômicas, comuns na Inglaterra do século XVIII. Há um museu para
isso: http://www.tobyjugmuseum.com
56
O capítulo 29 das Minima moralia, de T. W. Adorno, intitulado “frutos anões”, contém o aforismo “em
muitos homens chega a ser uma pouca-vergonha quando dizem eu”.

50
Se um dia um anjo nos falasse de sua filosofia, creio que muitas frases soariam como 2
vezes 2 é 13.

E iam pela rua com o vinho, que já não estava mais nas garrafas57, mas nas cabeças.

Comparação entre Y e J (Yorick e Jacobi). Ao escrever, prefiro sempre bey a bei.58

O ditado mais antigo deve ser: O exagero não faz bem.

Tome cuidado para que minha paciência não se esgote enquanto procedes tão
lentamente. Juro por minha honra que não vou dar corda nela nem uma vez mais por tua
causa.

Se eu um dia publicar sua biografia, procure logo no índice as palavras “bouteille”59 e


“autofruição”, pois elas contêm o que mais importa sobre ele.

Ele se movia tão lentamente quanto um ponteiro das horas debaixo de um monte de
ponteiros dos segundos.

Não seria bom se os suicidas eventualmente pudessem, com a linguagem que lhes fosse
apropriada contar seus motivos, pois nesse caso cada ouvinte iria reduzi-los a sua
própria linguagem e não só enfraquecê-los, mas também fazer deleas outras coisas. Para
entender corretamente uma pessoa, deveríamos de vez em quando ser aquela pessoa que
queremos entender. Quem entende o que é doutrina60 vai me apoiar. Ficar mais a sós,
pensar em si mesmo e fazer seu mundo a partir de si pode nos proporcionar grande
prazer, mas aí trabalharíamos descuidadamente numa filosofia, de acordo com a qual o
suicídio seria lícito e permitido. É bom então agarrar-se novamente ao mundo por causa
de uma garota ou de um amigo, para não cair em decadência completa.
57
Bouteillen, adaptado do francês.
58
Yorick é um personagem de Sterne, um cura de aldeia, no romance Vida e opiniões de Tristram
Shandy. Muitas vezes, em Lictenberg, Yorick é o próprio Sterne. Jacobi talvez seja Johann Georg Jacobi.
Aqui, então, vemos uma comparação entre o idolatrado Sterne e um autor menos sério, para o que vale a
diferença entre o respeito pela grafia arcaica (bey, com y de Yorick) e a moderna (bei – em alemão o j de
Jacobi soa como i, Iacobi).
59
garrafa
60
Ou “sistema de idéias” (Gedankensystem)

51
Hoje consultei alguma coisa de Lacaille sobre a teoria dos cometas. Quando me senti
um tanto cansado, apoiei-me em minha mesa, porque é o lugar onde eu geralmente
penso em mim mesmo, de modo que meus pensamentos retomam agora esse fio. Nos
pensamentos há certos ventos do Passat, que por um dado período sopram firme, e se
alguém quiser dirigir e manobrar como lhe aprouver, então vai o vento sempre
impulsionado para frente. Nos dias de novembro, como agora, todos os meus
pensamentos se arrastam entre a melancolia e a tarefa de humilhar a mim mesmo,
quando sobretudo nenhuma corrente especial me empurra para o lado, e eu
freqüentemente não saberia mais me encontrar, se as duas bússolas, a amizade e o
vinho, não me virassem e me dessem coragem para lutar against a sea of troubles.61
Minha razão segue hoje os pensamentos do grande Newton em torno do edifício do
mundo, não isenta da comichão de um certo orgulho, pois sou afinal também do mesmo
material que aquele grande homem, pois seus pensamentos não me são
incompreensíveis e o meu cérebro tem fibras que correspondem àqueles pensamentos. E
o que Deus através desse homem deixou comunicar à posteridade será ouvido por mim,
pois isso se instala despercebido nos ouvidos de milhões. Neste ponto, sigo a venerável
filosofia até este ponto, enquanto que para outra finalidade duas criadas (a Stella
mirabilis e o Planeta) nem sequer por um ângulo consideram importante empregar toda
sua graça contra o entendimento - que se acredita, portanto, a flutuar acima da Terra -
mas misturam logo sua luz comum, sem antes trazer o entendimento para debaixo do
mesmo foco de sua ironia. A imaginação, com a qual eu sigo a mais sutil expressão
idiomática de uma descrição de Wieland, cria para mim meu mundo próprio, pelo qual
eu, tal qual um mágico, caminho e vejo florescer as sementes de uma pequena
leviandade em todo o campo do prazer espiritual; essa imaginação é tão fortemente
atraída por um nariz finamente aquilino e por um braço sadio desnudo em seu ímpeto
mais veloz, que não resta do movimento precedente nem um fugaz tremor. Assim,
agarro-me ao mundo entre a filosofia e a astúcia das criadas, entre as perspectivas
espirituais e as impressões mais sensuais, cambaleando daquelas para estas, até que eu,
depois de uma breve luta encontre repouso para que meu duplicado Eu, que um dia foi
completamente retalhado, esmoreça de um lado e evapore de outro em uma vida pura.
Nós dois, eu e meu corpo, nunca fomos tão nós dois como agora; às vezes nem sequer

61
Contra um mar de problemas.

52
nos reconhecemos, então corremos de tal modo um contra o outro, que nós dois não
sabemos mais onde estamos.

Em nossas prematuras e excessivas leituras, de onde conservamos tantos materiais que


não utilizamos, e com as quais nossa memória se acostuma a conduzir a economia
doméstica do sentimento e do gosto, ali então precisa muitas vezes de uma filosofia
profunda, para que pudéssemos devolver para nosso sentimento o primeiro estado da
inocência, e achar uma saída do entulho das coisas alheias, se sentir por conta própria,
falar por contra própria e, eu quase diria, também existir, um dia, por conta própria.

— O Sr. sentiu-se bem em nossa sociedade?


Resposta: Muito, quase igual me sinto em meu quarto.

Nenhum escritor deve jamais acreditar que aquilo que agrada uma sociedade mesclada,
possa por isso agradar ao mundo. A pequena sociedade dispõe de todos os meios
necessários para considerar um pensamento em todas as suas relações. Ela pode medir o
tempo a partir das oportunidades e circunstâncias, tempo de que o autor precisava para
fazer com que o pensamento apareça. A comparação do tempo ou de outras
circunstâncias com o peso interno do pensamento poderia ser chamada de o seu
momento, e nota-se às vezes que um pensamento ruim pode criar um grande momento,
quando vem de maneira inesperada e aí não custou tanto tempo. O mundo avalia a obra
simplesmente de acordo com o peso e não com o tempo gasto em sua realização. Se o
leitor conhecesse exatamente as circunstâncias, então, o pensamento não perderia nada,
mas é o maior disparate acreditar que aquilo que eu digo a uma sociedade que eu
conheço deva ter efeito sobre todo um público que eu ignoro, todavia.

O que só afeta a mim eu apenas penso; o que atinge a meus bons amigos eu lhes digo; o
que pode afligir apenas a um pequeno público eu escrevo; o que o mundo deve saber,
isso será impresso. Eu só preciso de um exemplar de uma idéia que me diz respeito, e o
mesmo tanto para amigos e para o pequeno público, cada um impresso como lhes
aprouver e o mais confortável possível. O mundo, por sua vez, demanda vários
exemplares e assim mandamos imprimir. Se fosse possível falar com o mundo de
alguma outra maneira, então seria certamente preferível mais amiúde retirar livros de
circulação, em vez de imprimi-los.

53
Durante dois anos, urinei no mesmo penico que ele e já posso então saber o que ele tem.

Nele, a razão e a imaginação viveram um casamento muito infeliz.

Aprender a provar a si mesmo e a doutrinar-se traz tantas vantagens e não é tão perigoso
quanto barbear-se. A certa altura da vida, cada um devia aprender a fazê-lo, pelo receio
de se tornar a qualquer momento presa fácil de uma navalha manuseada maldosamente.

De quem quer dar aulas pode-se com razão exigir que diga tudo em um tom de voz, que
dê a entender que ele, em caso de penúria, não perderia sua nobre postura. Seja lá o que
for, justo ou não, pecado original ou nobreza de alma, basta, nós preferimos ler onde
acreditamos que nossa voz seja pelo menos necessária para tirar de lá o que o autor
inseriu; e se ainda não for mais que um “se você assim crê”, então que seja assim.
Permite-se a um homem que nasceu livre expressar suas dúvidas; ele tem permissão
para negociar com suas opiniões. Se ele compreende seu negócio no comércio, então ele
tem que saber o que é o contrabando no país: que apenas ofereça suas opiniões a tais
pessoas, que delas possam precisar, sem impô-las a ninguém, nem como faz o
mandarim armado de pistola, nem tampouco como muitos judeus através de elogios ou
com a troca de peças gastas. Digamos francamente e com voz clara: quem tiver olhos
para ver, veja, e quem tiver ouvidos para ouvir, ouça. Hoje em dia virou moda encarar a
redação de livros como o fim último dos estudos. Daí que tantos estudem para escrever,
em lugar de estudar para saber. O que se adquire apenas para revender na primeira
oportunidade nunca se mistura bem conosco e nunca nos pertenceu direito. Já são bem
antigas a idéia e a expressão mesma de se apropriar logo dos pensamentos dos outros.
Em escolas municipais comuns, fala-se em converter in succum et sanguinem,62 mas eu
aposto que essa maneira de falar é emitida muitas vezes sem conhecimento; senão não
se proporia com tanta freqüência frases para que a mais sã alma possa extrair um suco
moral tão reduzido quanto aquele que o nosso estômago pudesse retirar de pedras de
sílex.

Que não se leia muito. E só se leia o que há de melhor, devagar, e interrogue-se a si


mesmo a cada passo: porque eu acredito nisso? Decorre isso do restante de meu sistema
62
Suco e sangue (expressão típica da linguagem bíblica).

54
de idéias ou é anexado apenas pela preguiça de investigar, pelo preconceito, fides
implicita63 e coisa parecida? Se outrora uma peça desse tipo se alojou aí, começamos a
construir em cima dela; então, é comum derrubarmos tudo e aí uma porção de coisas
boas fica inutilizada. E aí redobramos o esforço para ajustá-las tão convenientemente ao
sistema para que tragam bons resultados.

Sem minha convicção interior, não me poderiam satisfazer toda a honra, ventura e
aplauso do mundo, e se de acordo com minha convicção eu sou assim, então o juízo de
um mundo inteiro não pode atrapalhar o meu prazer. Elogiar a felicidade do mendigo
diante do rei tornou-se um prazer do pensamento pomposo de escritores medíocres. O
que me aborrece é o simples fato de que tantas pessoas digam que não são proprietárias
desse pensamento, mas ele é bem fundado. Eu acredito que muitas vezes é melhor nos
leitos dos doentes que no primeiro lugar à mesa real. Eu pelo menos tive de vez em
quando em um quartinho de doente instantes que eu não temo equiparar aos mais felizes
desta vida que me resta; é compreensível que tenham sido tristes também, mas
igualmente tristes seriam na saúde perfeita que se goza fora da cama.

Poder elaborar algo em prosa ou em versos é em certas épocas tão confortável quanto
barbear a si mesmo ou arrumar o próprio cabelo.

Ele entendia todas as expressões da declinação - e da inclinação - de chapéu.

Em todas as ciências, há verdades correntes, úteis e bem acabadas, que ainda não foram
vistas pela imprensa.

O barômetro cai com mais freqüência quando fica nublado e as nuvens não são a causa
disso assim como as feiras anuais em muitos lugares não provocam chuva.

Quando os javalis estragam os campos do pobre homem, credita-se em favor dele na


rubrica danos de caça sob a Divina Providência.

63
Fé implícita.

55
Não se admira que os garotos peraltas gostem tanto de se ver no espelho; eles se vêem
por inteiro. Se o filósofo também tivesse um espelho em que pudesse mirar sua figura
completa, nunca o largaria.

Um erro que o escritor espirituoso compartilha com aquele que escreve mal é que não
costumam iluminar adequadamente seu objeto; do qual, aliás, precisam só para se
exibirem. Ou se conhece o escritor ou, senão, nada. Por mais que se relute em suprimir
um parágrafo espirituoso, é necessário fazê-lo, quando ele não emana necessariamente
da coisa. O suplício devagar acostuma o chiste aos freios, que a razão tem que lhe
impor, para que ambos possam se dar de maneira honrada.

Ele tinha em si alguma coisa daquilo que um Herrnhuter64 chama comumente de


criatura ungida; já o teólogo de gabinete classifica como piedade o que o homem
sensato, que conhece o mundo, chama de simplicidade e insensatez.

Uma força a centrifugar o pensamento.

Se a natureza não quisesse a cabeça pronta a ouvir as demandas do ventre, como acharia
então necessário encaixar a cabeça acima do ventre? Mesmo sem fazer propriamente
aquilo que se chama pecado, a parte de baixo teria se fartado de comer e acasalar até a
saciedade, enquanto a cabeça, sem corpo, forjaria sistemas, cairia na abstração, e, sem
vinho e sem amor, poderia falar, cantar e prosear sobre o êxtase e os encantos
platônicos. A natureza, ao nos intoxicar com beijos, foi mais perversa que os inimigos
que na guerra envenenam suas flechas.

Quisera eu ser um rei, apenas para ser chamado, apesar de meus escassos talentos, L. o
Grande.

É tão tênue o diafragma entre prazer e pecado, que despedaça a corrente do mais lento
sangue em um septuagenário. O quê? Quer, então, a natureza o que ela não quer? Ou
pensa a razão o que ela não pode pensar? Seu tolo! Fora com essa maldita democracia,
em que todos querem dirigir a palavra. Se eu quiser, devo levantar um argumento

64
Membro de uma seita pietista protestante fundada em 1722, na Morávia, pelo conde Zizendorf (1700-
1769).

56
forasteiro, implantado, indigno e dar obstinação à carne e ao sangue, apesar de tudo?
Uma sentença, meu senhor, desta constante e firme tendência de todo um sistema para a
voluptuosidade? Sim, atire ao povo faminto um biscoito e satisfaça-o, ou contenha a
enchente com um leque. Pecado, que pecado? – três mil vozes contra uma: não é nada.
Uma distinção escolástica ou um engodo dos padres. Portanto, aqui me perfilo firme, e
isso sou eu. Sejam o que vocês quiserem. Coragem!65

Dentre as mais sagradas linhas de Shakespeare, eu desejaria que viessem impressas em


vermelho as que ele escreveu graças a uma taça de vinho bebida em um momento feliz.

Certo amigo meu costuma repartir seu corpo em três andares: a cabeça, o peito e o
baixo-ventre. E muitas vezes ele desejaria que os moradores do andar de cima se
entendessem melhor com os de baixo.

Querido amigo, você veste seus pensamentos de maneira tão peculiar que eles não se
parecem mais com idéias. Diga-me se esta idéia não usa um traje esquisito, e você deve
ver nuas todas as minhas, antes ainda que elas cubram minhas reflexões com seu libré.
É uma vergonha que nossas palavras sejam quase todas ferramentas abusadas, que com
freqüência ainda exalam o cheiro da sujeira, com que foram profanadas pelo donos
anteriores. Eu quero trabalhar com as novas ou falar apenas comigo mesmo por toda a
eternidade, sem precisar de mais vento que o pássaro do verão que parte zunindo.

Com beber, , aqui eu quero geralmente dizer: tomar com os sentidos abertos um
trago na hora certa, que com tal magia sobressai-se em nosso íntimo e reúne todas as
forças espirituais para uma festa de alegria, na qual a mais vigorosa razão tira folga; ora,
esse sorvo da bouteille (que é o sentido próprio da palavra) acontece ou sob o luar de
um ar impregnado de aroma de flores, completamente só, como Agaton, antes que
Danae66 o pegasse, ou em sociedade, como ele logo depois teve oportunidade, tanto faz.
Por isso chamo de êxtase esse estado suave de sensibilidade em que a cada impressão
exterior correspondem novos pensamentos indizíveis, ou o estado de repouso lascivo,
que não é tanto o efeito de uma filosofia bem digerida, mas sim de um feliz e generoso

65
Isso parece ir além do lema em voga: “sapere aude” (ouse saber), sempre associado a Kant e que fora
escrito por Horácio.
66
Ágaton e Danae são persongaens de romance de Wieland.

57
gole. Milhares de pessoas morrem por ano, simplesmente por não suportarem a sede,
sem terem jamais bebido uma gota sequer desse tipo de que falo, assim como há
honestos pais de dez filhos que nunca provaram do amor.

Polícia, parolice, parvoíce, politiquice, pulhice, pelintrice, paspalhice .67

Apóstolo, apostila, postila.68

Eles acreditam freqüentemente que para ser um belo espírito, dever-se-ia viver com
certo desleixo e ao mesmo tempo engordar o gênio com costumes pervertidos.

De que adianta a alguém ler os antigos, tão logo perca o estado de inocência, se onde
quer que olhe avista de novo por todo lado seu sistema? Por isso, julga a cabeça
mediana que é fácil escrever como Horácio, porque ele considera fácil escrever melhor,
e porque esse melhor é infelizmente pior. Quanto mais se envelhece (pressupondo-se
que com a idade cresça nossa sabedoria), mais se perde a esperança de escrever melhor
que os antigos. Por fim, percebe-se que a natureza é o parâmetro que afere toda beleza e
correção, que todos trazemos em nós mesmos essa medida, mas tão coberta pela
ferrugem dos preconceitos e das palavras sem sentido e mesmo de falsas opiniões, a tal
ponto que já não serve mais para medir nada.

É, pois, tão injusto que o homem saia de novo para o mundo através da mesma porta
pela qual entrou?

Eu não falo agora com vosso humor, que tudo sabe disfarçar, mas com vossa
consciência falo eu.

Em sua “Der Arzt”, o senhor Unzer deixou primorosas provas de que o gênio é um tipo
de doença, de modo que as pessoas deveriam se assustar com a possibilidade de

67
Tradução aproximada de uma sequência de combinações sonoras que mostra como Lichtenberg jogava
livremente com as palavras, em associações que podem revelar sentidos escondidos. Do original, “Polizei,
Polzei, Plotzei, Platzei, Platzerei, Plackei, Plackerei”, só a primeira e a última palavras têm sentido e
existem como tais; uma transformação entre “polícia” e “trabalheira maçante”, além de que a terminação
“erei” é um sufixo para coletivos enfadonhos, como tranqueira e porcaria.
68
Postila é comentário ou explicação ditada pelo professor; vem do latim escolástico “post illa” , que é o
início da fórmula “após aquelas palavras do autor”.

58
desejarem contrair a mais perigosa das doenças dos nervos. E a mais invejável das
nações sublunares, ou seja, a Inglaterra, também reconheceu isso, pois um de seus mais
famosos investigadores da natureza, o grande Hill69, inventou um chá, que inibe em nós
a capacidade de refletir, uma prova segura de que esse grande espírito sustenta que
pensar é uma enfermidade. Só por causa disso os alemães são desprezados pelos
gauleses perambulando na garoa e pelos afinados italianos. Esse mal vulgariza-se mais e
mais na Alemanha, onde todos querem pensar hoje em dia, pois até mesmo nos púlpitos
e entre os artesãos esse mal se espalha. Eu vejo como num sonho que um dia – oh! Que
vergonha! – minha pátria, perdida em pensamentos, começará a crer que no pódio das
nações um hinozinho não poderia alçá-la um degrau sequer.

Nem tudo no mundo pode estar totalmente correto, porque os homens ainda devem ser
regidos por embusteiros.

Diante de muitas coisas que me causam dores reais, outras pessoas dizem apenas que se
lamentam.

Sa Majesté très Voltairienne,70 o rei da Prússia.

Exatamente refinado ele não era, contudo ele entendia da arte, quando ele às vezes
precisava andar a cavalo nos vizinhos.71

Na concórdia entre a fraternal bebedeira masculina & a fraternidade feminina animada


pelo café.

Devemos nos fazer amáveis à maneira das outras pessoas e não à nossa.

Há um ditado em inglês, que soa assim: “ele é burro demais para se tornar um bobo”. Aí
se esconde uma observação finíssima.

69
Certamente, o Dr. John Hill.
70
Sua muito voltaireana majestade – o que deve referir-se a Frederico, o Grande, que o filósofo francês
visitou por volta de 1750, na Prússia.
71
Transcrição do trecho original, para que o leitor não pense em uma brincadeira entre caipiras mineiros:
“...auf seinen Nebenmenschen zu reiten”.

59
Aprendeu tudo, não para se exibir, mas para aplicar.

Conseguir ao mesmo tempo lembrar-se de coisas muito distantes e em seguida mostrar


que havia, contudo, um contexto. Este é um dos jeitos de Yorick.72

O particular em vez do universal, proprie communia dicere,73 roubos de gansos em vez


de roubalheira, eis o elemento da expressão.

As considerações sutis só devem vir depois de feitas as considerações naturais, e,


sobretudo, só depois de se submeter as coisas a testes, para ver se algo pode ser
esclarecido de modo simples e natural.

Popular, como Gellert, Shakespeare e Hogarth.

O mais belo tipo de ironia é defender uma coisa absolutamente indefensável, com
argumentos cheios de azedume satírico, muitas vezes citar e explicar passagens.

Às vezes deve-se examinar o que é mais esquecido pelas pessoas, onde seu olhar não
alcança e o que é tido como familiar demais, que mais uma investigação não vale a
pena.

Também as coisas mais comuns seriam expressas diferentemente por cada um que
quisesse seguir seu próprio sentimento individual; isso raramente acontece antes de uma
certa idade madura, quando se percebe, que se é uma pessoa tão boa quanto Newton ou
o pregador da aldeia ou o funcionário público e todos os nossos antepassados.
Shakespeare é uma prova disso.

Talvez isso só tenha surgido em mim através de um constante hábito desde a infância.
Que perspectivas obteríamos, se pudéssemos despir nosso capital de verdades para
livrá-las daquelas que não lhe são tão essenciais, mas crescem, ao contrário, na
freqüente repetição!

72
Ver nota anterior, 58.
73
É difícil dizer “com sua palavras o que é dito comumente” (parte de um dito de Horácio).

60
Que se pergunte a si mesmo sobre a possibilidade de explicar as coisas minúsculas. Esse
é o único meio de se formar um sistema correto, investigar suas forças e tornar sua
leitura útil.

A arte de começar todas as coisas bem lá do fundo e de decompor uma pergunta em mil
outras subordinadas.

61
1772-1775

Uma irmã agarra-se ao véu, e a outra, à braguilha.

Em mim, o coração fica mais perto da cabeça do que nos demais homens - no mínimo, a
distância de um pé. Decorre disso minha grande capacidade de justiça, pois as
resoluções que tomo podem ser ratificadas ainda quentes.

Sentenças-remendos.74

Uma moeda de três vinténs é sempre melhor que uma lágrima.

Vocês, que podem falar com tanta sensibilidade sobre a alma de suas garotas, saibam
que eu não invejo vossa alegria, contudo não creiam de modo algum que fazem ou
dizem algo tão sublime; e nem se julguem mais nobres que a plebe, que com certeza não
está errada ao agarrar-se ao corpo. O que, então, tem um jovem leitor de resenhas em
favor da idéia de um sentimento tão fino! O servo do camponês, com olhos de cobiça,
procura na fenda de uma anágua o céu, que tu procuras nos olhos. Quem tem razão? Eu
não posso levar em consideração nenhum motivo para esta pergunta e ainda menos
resolvê-la, mas quero de coração sincero aconselhar todos os sensíveis candidatos a que
venham sentar junto ao camponês, ou, senão, isso poderia acabar em vastidões
enfadonhas.

Nunca uma razão ficou tão quieta e com pose mais majestática.

O relógio de areia não lembra apenas o tempo fugidio, mas também o pó em que um dia
nos desfaremos.

Esta frase faz parte das oficinais.


74
A partir de Flickwort (ou Füllwort), que significa “termo expletivo”, com função enfática, Lichtenberg
dá o passo seguinte, alargando o sentido para frases inteiras, que seriam como tapa-buracos em textos.

62
A dor que já se foi é agradável à lembrança, bem como a felicidade passada. O mesmo
se dá com o prazer vindouro e também com o do presente. Assim, torturam-nos apenas
a dor esperada e a que experimentamos agora. Temos no mundo, portanto, uma
preponderância marcante do lado do prazer, que ainda aumenta em nossa constante
busca de satisfação, cuja manutenção nós poderíamos em muitos casos prever quase
com certeza, ao passo que a dor futura pode ser muito mais raramente prevista.

Algo que, com a velocidade do raio ou da luz, pudesse se mover de uma ponta a outra
de um grãozinho de areia, parecer-nos-ia em repouso.

Sim, as freiras não apenas professaram um forte voto de castidade; elas também tem
grades reforçadas diante de suas janelas.

Ele pode ficar o dia todo tomando banho de sol debaixo de uma idéia quente.

Freqüentemente pensamos que em horas diferentes tínhamos caligrafias diferentes, ao


passo que para um terceiro sempre parecem a mesma.

Os gênios ingleses chegam antes da moda; os alemães vão em seu séquito.

Aqueles por quem ele era ainda tão adorado não passavam de candidatos ao
sentimentalismo.

Na Alemanha do presente século, corre o preconceito de que o ato de escrever serve


como medida do mérito. Uma filosofia saudável expulsará, quem sabe, pouco a pouco
essa falsa impressão.

O que significa a alguém apoiar-se no cotovelo direito, depois de ficar apoiado por uma
hora no esquerdo...

É verdadeira a proposição de que há cem brincadeiras contra alguém que tenha juízo, e
com isso algum imbecil sem sutileza se consola ao pensar – se isso não fosse exigir

63
demais de sua tola cabeça – que, de novo, para cada cem pessoas que não têm nem
espírito, nem inteligência, exista uma com sutileza.

Querer deduzir muitas coisas a partir da sabedoria divina não é muito melhor que fazê-
lo por meio de sua própria razão.

Quase se pode supor que, se a religião protestante e a fria e sã razão forem mais
divulgadas e se a sadia e útil filosofia se tornar corriqueira, as belas artes vão decair
visivelmente. Sim, pode-se questionar se as conseqüências danosas não vão se estender
ainda mais. A mais sã filosofia tende a se perder em sugestões. Aos fantasiosos, que
aprenderam a misturar na proporção conveniente a mais fina superstição com a razão
sadia, cabe a tarefa de conferir aos humores coagulados dos corpos dos povos, friamente
considerados, liquidez, calor e velocidade, para assim capacitar os membros do corpo de
modo que nem todas as suas decisões passem primeiramente pela cabeça. A inclinação
pelo particular. Daí nunca poderia ser tampouco universalizada uma filosofia. Na
verdade, para um escritor, razão e experiência poderiam governar de algum modo a
sensação, se ele possuísse ambas em grande quantidade; ele nunca poderia, contudo,
elevar sua obra por meio de tiradas de espírito diante das quais o mais fino imitador
devesse confessar que elas estejam fora de sua alçada. Parece que os céus mesmos
tenham reservado para si a comunicação das mais particulares idéias e descobertas, pois
eles raramente são o fruto do esforço.

A propósito de nossa religião, nós, protestantes, acreditamos viver doravante em tempos


muito esclarecidos. É como se um novo Lutero surgisse? Talvez os nossos tempos ainda
sejam chamados tempos de escuridão. Talvez pudéssemos fazer girar ou parar o vento
antes que fôssemos capazes de alinhavar as convicções humanas.

Isso é tão natural para o homem quanto pensar ou atirar bolas de neve.

Era impossível que ele deixasse de incomodar as palavras em posse de seus


significados.

Hospedei-me certa vez em Hanover, de modo que minha janela dava para uma rua
estreita, que se comunicava com duas avenidas. Era muito divertido ver como as

64
pessoas mudavam o semblante, quando vinham pela ruazinha, onde elas pouco
acreditavam que seriam vistas. Um urinava ali, a outra lá prendia as meias, aquele ria
dissimuladamente e um outro balançava a cabeça. Garotas sorridentes pensavam na
noite anterior e arrumavam suas fitas para novas conquistas assim que dobrassem a
próxima esquina.

Dificilmente poder-se-ia encontrar uma pessoa, cujo juízo sobre o bem e o belo pudesse
ser visto como a voz da natureza humana. De início, acreditaríamos que um homem da
maior experiência e de espírito elevado escreveria sempre o melhor. Contudo, não é o
homem de espírito exatamente igual um homem? Não apenas um gênero humano de
sábios declarados não seria o mais feliz, tanto quanto um de loucos ou pândegos
barulhentos. E como também a felicidade do gênero consiste antes na mistura de todos
eles; assim, nenhum membro dele pode recomendar o seu sistema de pensamentos e
opiniões como a medida da excelência. Sêneca e Plínio75 têm tanta razão quanto Cícero.
Escreverá melhor aquele que o fizer em busca da aprovação dos mais inteligentes
daquela classe que quisesse instruir com seus escritos. Regras gerais nunca serão
indicadas para isso.

Em Atenas, a sã razão reinava muito menos que na Lacedemônia. 76 Aquela cidade era
extremamente volúvel, pois mandava executar seus generais e se arrependia disso;
envenenou Sócrates, para punir seus inimigos, e erigiu uma coluna em sua homenagem.

A astronomia é talvez a ciência com a menor quantidade de descobertas ao acaso. O


intelecto exibe aí toda sua grandeza, enquanto o homem pode aprender da melhor
maneira o quão pequeno ele é.

Os suboficiais de menor estatura são os mais cheios de orgulho.

Eu já pensei muitas vezes naquilo em que propriamente o grande gênio se distingue da


turba comum. Eis aqui algumas anotações que fiz. A cabeça comum está sempre

75
Pode ser Plínio o Velho ou Plínio, o Jovem, cf. lista de nomes ao final desta obra.

76
Lacedemônia é o outro nome da cidade Esparta que, no sec. V a. C. derrotou Atenas na guerra
do Peloponeso (431-404 a.C.)

65
adaptada à opinião e à moda dominantes; a condição em que agora tudo se encontra é
vista por ela como a única possível, e comporta-se passivamente diante de tudo. Não lhe
ocorre que, desde o formato dos móveis até a mais fina hipótese, tudo é decidido no
grande conselho da humanidade, do qual faz parte. O homem comum calça sapatos de
solado fino, justamente quando as pedras pontiagudas ferem seus pés; e deixa a fivela
do sapato recuar até os artelhos, por causa da moda, mesmo que isso o leve a perder o
calçado. Não pensa ele que a forma do sapato depende tanto dele quanto do bobo, que o
usou primeiro, com sola fina sobre um miserável calçamento. Ao grande gênio por toda
parte ocorre perguntar: não poderia isso também ser falso? Ele nunca dá seu voto sem
refletir. Conheci um homem de grande talento, cuja doutrina inteira se diferenciava
tanto quanto sua mobília, por meio de uma organização e de uma prontidão especiais.
Em sua casa ele não aceitava nada em que não visse claramente utilidade; era-lhe
impossível adquirir algo, simplesmente porque outras pessoas já possuíam aquilo. Ele
pensava: “então, decidiram sem mim que assim devia ser; talvez tivessem decidido
diferente, se eu tivesse ficado por perto”. Graças a esses homens, que de vez em quando
agitam de novo, pelo menos quando as coisas querem decantar na inércia, nosso mundo
ainda é jovem demais para isso. Ainda não temos permissão para nos tornarmos
chineses. Se as nações fossem completamente separadas umas das outras, então talvez
todas chegassem, se bem que em diferentes graus de perfeição, ao estado de paralisia
dos chineses.

A conversão do criminoso antes de sua execução pode ser comparada a um tipo de ceva.
Engorda-se espiritualmente aquele que em seguida terá a garganta cortada, para evitar
uma recaída.

Se eu não estiver muito enganado, estão chegando ao fim os tempos em que a Europa
deva copiar o sistema dos alemães, assim como busca na Holanda cravo e canela.
Metade de nossos compatriotas está tão envolvida com o levante crítico e com a onda de
resenhas omnium contra omnes77 que é incapaz de escutar; e a outra metade jaz em um
sono sentimental e não ouve e nem vê o que se passa a sua volta...

Os homens não fazem nenhum sacrifício sem esperarem algo; daí decorre o acúmulo de
prêmios no céu, flagelos e coisas desse tipo. A filosofia do homem comum é a mãe da
77
Todos contra todos.

66
nossa filosofia; de sua superstição poderia surgir nossa religião, assim como nossa
medicina teria vindo de seu conhecimento de remédios caseiros. Ele faz algo, sem
prever recompensa; ele a manteve, contudo, sem ter consciência de um merecimento
recente. O que seria mais natural que encontrar uma ligação entre aquele mérito e este
prêmio? O que seria mais importante para o fundador da religião e mais útil para a
sociedade? Assim, os homens tornaram-se desinteressados por causa de seu próprio
interesse, e o que a sorte, além disso, lhe tivesse proporcionado ser-lhe-ia computado
como um pagamento que criaria ainda mais obrigações.

Jacobi,78 você não deve acreditar que sua arte seja mais importante que a do homem que
enverniza mesas de café em Birmingham.79

Os católicos não pensam que a fé dos homens também se modifica, assim como, aliás,
os tempos e os conhecimentos humanos. Engordar aqui e deixar intacto ali é impossível.
A verdade também precisa de uma nova roupagem para ficar atraente aos novos tempos.

Dois em cima de um cavalo durante uma pancadaria: um belo símbolo para uma
constituição do Estado.

Um homem, que se ocupou de um campo restrito com cuidado e ponderação,


certamente irá – onde as coisas não dependem do gosto, mas da razão – julgar com
acerto fora desse campo, quando o caso se lhe apresentar conveniente, ao passo que o
outro, que sabe de tudo, não se sente em casa em lugar nenhum. Se, hoje em dia, um
conhecimento diversificado não se deixa tão facilmente adquirir de livros, sem outro
esforço além da memória, então permite-se ainda dizer algo, mas como este é com
certeza sempre o caso, então prefiro, justamente por esse motivo, um conhecimento
modesto, porém claro.

Nossos antepassados, por um bom motivo, organizaram de tal modo essas coisas e nós,
de novo, com um motivo, acabamos com elas.

78
Ver nota 34, acima.
79
Talvez uma referência ao seu conhecido escritor e teólogo alemão, aqui comparado com um
trabalhador braçal qualquer da próspera cidade inglesa – parte da constante comparação da literatura dos
dois países.

67
Eu também deixei minhas penas grudadas nesse galho com visgo.

Escrever um romance é agradável principalmente porque todas as opiniões que se quer


de bom grado deixar correr no mundo um dia podem sempre encontrar um homem, que
as exponha como suas próprias...

Desbravar o tempo.

Ele era dedicado como um chefe no bate-estacas: ele comanda, conduz a mais grossa
corda e trabalha o mínimo.

Não há, então, nenhuma diferença entre justiça e trabalho forçado?

Assim como Júlio César podia escrever uma carta e ao mesmo tempo ditar outras, ele
tinha o dom de bater com um pé um compasso musical e com o outro contar gotas
hepáticas em uma colher.

Muitas vezes, ele falava com muita liberdade em lugares onde cada um assumia um ar
de santidade e, em compensação, pregava a virtude, em lugares onde ninguém as
pregava antes.

Mesmo sem estarmos cientes, com que facilidade o egoísmo se nos torna a mola
propulsora de muitas ações que parecem elas mesmas completamente independentes! E
isso podemos inferir do fato de que há gente que ama o dinheiro enquanto dinheiro, sem
nunca precisar usá-lo.

Se houvesse apenas beterrabas e batatas no mundo, talvez alguém um dia dissesse: é


uma pena que as plantas estejam de cabeça para baixo!80

Quando alguém ataca médicos, advogados e os pobres filósofos, caem no riso os que ali
são sensatos. Contudo, quando se vai a um clérigo ruim – e certamente há mais pessoas

80
Essa passagem se parece com uma de Aristóteles (De anima, II, 4. 416 a 3), em que as plantas são
vistas como pessoas invertidas, de cabeça para baixo, pois aquelas se alimentam pelas raízes. (JS)

68
ruins aí que em qualquer outra faculdade, pois é mais difícil ser bom nessa área – então
lançam-se por aí em fervorosa perseguição até mesmo pessoas de bem.

Poder-se-ia nomeá-lo o tico-tico-rei dos escritores.81

Um dia Alcebíades82 resolveu cortar fora o rabo de seu cachorro. Quando alguém lhe
pediu motivos para tanto, respondeu que era simplesmente para dar aos atenienses um
assunto para discussão.

Eu não posso levar a mal nenhuma garota que não se deixa conduzir pela vontade dos
pais, na hora de escolher um esposo. Deveria entregar algo, que ela tantas vezes
contempla no espelho, que ela tão bem asseou e perfumou com talco? Estaria obrigada a
entregar a um insuportável estranho aquilo que por tanto tempo foi sua única
preocupação enfeitar, cuidar e conservar?

Uma regra geral para escritores, sobretudo para aqueles que querem descrever seus
sentimentos, é não acreditar que aquilo que fazem indica neles uma especial disposição
da natureza.83 Outros talvez possam fazer isso tão bem quanto você, mas não fazem
disso um negócio, pois parece-lhes ingenuidade lidar com coisas tão simplórias.

Nos debates, a maneira mais fina e mais amarga é apresentar primeiro as razões do
oponente com um vigor maior do que ele próprio estaria em condições de aplicar (e aí
vale qualquer sofisma), e depois então varrer tudo para fora do caminho, com a
argumentação acertada. Isso pode valer também na sátira.

O mais ousado vôo dos homens delirantes.

Eu realmente notei nele aquela névoa de êxtase, que sempre costuma formar-se no
semblante de quem se acredita superior aos demais.

81
Zaunkönig (“rei da cerca”), um dos menores pássaros da Europa, com o estranho nome científico
“Troglodytes troglodytes” – daí que nosso pequeno e famoso pássaro brasileiro sirva bem aqui.
82
O amigo de Sócrates, que aparece no diálogo O banquete; participou da malfadada expedição contra
Siracusa; refugiou-se em Esparta, de onde instigou guerra contra Atenas; acabou assassinado na Pérsia.
83
Cf. Kant, Crítica da faculdade de julgar, § 42 (Akad. Ausg. V, p. 300ss) [JS]

69
Há homens que não escrevem tão bonito; ao contrário, cada Decennio e todo Saeculo
pode imitar tanto a cara da moda em uma pessoa que o próprio diabo acreditaria que
escreviam assim por natureza. Por mais forte que a tempestade caia, há sempre patifes
complicados a nadar em cima.84 Eu prefiro sempre o homem que escreve de um jeito
que pode se tornar moda, ao que escreve conforme manda a moda.

Eles realizam suas proezas, e nós traduzimos para o alemão o que se conta delas.

Na espessura da Terra, mal penetramos uma parte em oito mil.

Ora, se eu fosse escolher uma tarefa, que milhares de pessoas já tivessem escolhido
antes de mim, então com certeza não seria a de escrever compêndios.

Quando alguém gosta muito de fazer uma coisa, encontra quase sempre aí algo que vai
além da coisa mesma. Seria muito útil uma investigação profunda sobre isso – e
certamente compensaria.

Um sujeito escreveu a outro a respeito de uma canção: envia-me, portanto, a letra da


canção que os alunos cantam na cidade de G. A melodia eu conheço e começa assim:
“dra ri li-li-li da-rá”.

Com voluptuosa ansiedade.

Duas pessoas combinam o que querem conversar entre si em sociedade e como querem
fazer troça um do outro.

Não a grandeza do espírito, mas a força do vento é que fez surgir dali um homem.

Se um dia a gente viesse a fazer no mundo só o necessário, então milhões viriam a


morrer de fome.

84
Cf. Dante Alighieri, Divina comédia, sobre os patifes que flutuam na água; é necessário que alguém os
espanque, para que afundem. [JS]

70
A expressão vox populi vox dei85 contêm mais sabedoria do que hoje em dia se costuma
enfiar em quatro palavras.

Contra a redação de compêndios. E ridicularizá-los o quanto for possível.

Não se trata de odiar o vício, e sim de ter medo de grilhões no pescoço. Em outras
palavras: quem pode em cada caso diferenciar virtude e medo das correntes?

Nossas mentalidades são tão diferentes quanto nossas fisionomias, e quem pode então
nos provar que nossas ferramentas internas, sobretudo o cérebro, não sejam
marcadamente distintas? Quão variados são os acontecimentos da vida, de onde se
seguem as mentalidades e opiniões! Por isso, são elas sempre humanas. A maioria dos
homens aceita as opiniões do jeito que são emitidas por outrem. É inconcebível como os
alemães vão longe nisso. Na Inglaterra, quase cada um tem sua própria opinião e com
isso não quero dizer que cada um tenha uma opinião diferente. Isso confere à faculdade
de julgar um jogo mais leve, ao passo que as opiniões instruídas a restringem. No novo
país, poder-se-ia obrigar as crianças a usar máscaras modeladas em cobre. Devíamos
nos esforçar para conhecer facta e não opiniões e, em contrapartida, devíamos indicar
um lugar a esses factis em nosso sistema de opiniões. Raciocina-se apenas uma vez por
conta própria sobre as coisas mais ordinárias, mas resguarda-se de acolher algo que era
opinião de um outro; pelo menos, ela não deve qua talis86 entrar, se não é a nossa. É
incrível como podem os homens repetir mecanicamente coisas uns para os outros. O
maior de todos os homens, que pesa tudo que gasta em sua própria balança, acredita-se
um dia seguro demais, por um instante, e deita algo que não tinha pesado. Se eu não
estiver muito enganado, aí está propriamente a diferença entre o grande escritor e o
ruim: aquele raciocina com as próprias forças exercitadas a partir dos factis, enquanto
este ajunta as mutiladas opiniões alheias com as que carecem de estudo. Não é segundo
o grau que um escritor ruim diferencia-se do bom; e é por isso que há grandes escritores
ruins. Que a história seja uma mestra da vida, eis uma frase que decerto é sempre
investigada e repetida por muitos. Tomara que um dia seja investigado de onde
obtiveram a razão os homens que se levantaram por meio de sua própria razão. Eles

85
“A voz do povo é a voz de Deus”.
86
Latim: enquanto tal.

71
tomam a razão nos próprios incidentes, onde os episódios se dão, e não lá, onde são
contados. Alguns podem ter tido muita leitura e mostrar pouca inteligência...

Ele não carregava um patíbulo às costas, mas, sim, nos olhos.87

Nossas fraquezas deixam de ser nocivas assim que as conhecemos.

Se alguém bate na testa de Lavater e diz: “Então acorda, sonhador!”, aí os candidatos do


sentimentalismo xingam, os cidadãos grunhem e resmungam, as entidades políticas
cochicham nos ouvidos pela rua, tão ocupados, tão loquazes, numa indiscrição tão cheia
de segredos, que dava para acreditar que a abadessa tivesse dado à luz gêmeos ou que o
arcebispo estivesse com gonorréia. Mas quando alguém bate na cabeça do bom senso,
isso merece tanto respeito quanto um canteiro de favas.

Muitas coisas em nosso corpo não nos pareceriam tão porcas e obscenas, se não nos
enfiassem a nobreza na cabeça.

A gente lê também a fim de conhecer outros escritores. Alguém, que da infância em


diante, não tivesse conhecido senão as obras-primas da inteligência humana, faria
caretas de espanto, se tivesse que ler alguns de nossos novos escritores. Parecer-lhe-iam
uma música tocada em um piano desafinado ou em frigideiras, almofarizes e pratos.
Uma situação que seria boa para usar.

Há demasiada tendência a acreditar que o trabalho torna-se mais fácil, quando se tem
algum talento. Gente, quem quiser fazer algo grandioso trate de agarrar firme.

Sempre: como isso pode ser melhorado.

Um relógio que sempre anunciasse a seu dono: aos quinze minutos, “Você...”; aos
trinta, “Você é...”; aos quarenta e cinco, “Você é um...”; e quando batesse a hora cheia:
“Você é uma pessoa”.

87
A frase parece referir-se a uma peça de Schiller, em que aparece algo como uma verdade-carrasco, que
carrega consigo um instrumento de execução. Lichtenberg deve referir-se a si mesmo, pois emprega o
termo Buckel, mais adequado a sua corcunda – e não simplesmente “costas”..

72
Isso é verdade, eu não posso fazer os meus próprios sapatos. Mas minha filosofia, Vossa
Majestade, eu não encarrego ninguém de escrevê-la...

Ou seja, levar corujas para Atenas ou carregar compêndios até Göttingen.

Quando preparava uma resenha, permitam-me dizê-lo, ele sempre era capaz de ter as
mais impetuosas ereções.

O que é a loquacidade? Tagarelar significa falar tão pormenorizadamente, com uma


indescritível diligência, sobre as coisas mais corriqueiras já sabidas ou sobre as quais
ninguém quer saber, de modo que o outro não possa entrar na conversa, enquanto o
tempo passa e a espera se alonga. A língua alemã carece muito de termos que estejam
em proporção com as outras ações do homem sensato, como o palavreado deveria ater-
se à conversa conveniente e sensata. Falta-nos, então, uma tal palavra para calcular ou
fazer contas.

A comédia não melhora nada, de imediato, e talvez nem mesmo a sátira consiga isso;
quero dizer, não se larga dos vícios que ela ridiculariza. Mas eis o que elas podem fazer:
ampliam nosso raio de visão, aumentam a quantidade dos pontos fixos, a partir dos
quais poderíamos nos orientar rapidamente em todos os acontecimentos da vida.

Sobre a “História de Sichuan”88.


Sátiras são permitidas em todo o país, e, sob o último governo, saíram mais fortalecidas
ainda, com a publicação de um anúncio muito misericordioso, impresso nos jornais89 de
Sichuan.
O Manifesto propriamente dito:
Não se permite, porém, que a sátira estenda-se expressamente a ninguém que tenha
vivido depois do rompimento do dique – assim chamavam o dilúvio90- exceto seis ou
sete homens que viveram antes disso, os quais a sátira tampouco pode atingir. Quem for
contra, deve suportar o terceiro grau da crítica, que consiste no seguinte: que se coloque,

88
Província no centro da China, que, antes do acordo postal de 1906 era chamada de Sezuan, Setzuan,
Zhengzhou, Szechuan, etc. Capital: Chengdu.
89
Intelliegenzblatt era, no séc. XVIII, uma publicação oficial alemã, nos moldes ingleses, para emitir
comunicados e portarias, precursora dos cadernos de anúncios.
90
Sündflut é uma curiosa corruptela popular de Sintflut (dilúvio), pois Sünd significa “pecado”, ao passo
que a etimologia de “sint” evoca mais o caráter demorado e violento da enchente mítica purificadora.

73
em lugar a ser escolhido pela própria pessoa, um emplastro vesicatório do tamanho de
um prato de estanho e que depois a carne viva seja esfregada com pimenta e sal.

Promoção ao grau burguês.

Uma pessoa escolhe para si um tema, ilumina-o com sua pequena lâmpada, dá o melhor
de si, e escreve a seguir sobre observações cotidianas em um aceitável estilo em voga,
que qualquer aluno de ginásio também vê, mas não poderia ter dito com tanta pompa.
Para esse tipo de escrita, que é o predileto das cabeças médias e abaixo da média e que
formigam em todos os países, em que são comumente vazadas as sátiras de revistas, eu
não poderia encontrar expressão melhor que candidatos à prosa. Essa pessoa executa,
quando muito, o que as pessoas sensatas já haviam pensado a partir da mera palavra.

O pensamento tem ainda em sua expressão muita liberdade de ação; eu apontei com o
castão da bengala o que me cabia indicar com a ponta de uma agulha.

Visitas ativas e passivas.

Um rei ordena, sob pena de morte, que uma simples pedra seja vista como diamante.

Ele levava consigo um papelzinho em que anotava o que via como uma especial graça
manifestada por Deus e o que não se esclarecia de nenhuma outra maneira. Em sua mais
fervorosa oração dizia ele, às vezes: “Oh! Querido Deus, escreva alguma coisa no
papelzinho.” Tais expressões, ímpeto das mais sensíveis almas, são ao mesmo tempo
segredos confiados entre Deus e a alma.

Um prefácio poderia ser intitulado abana-moscas. E uma dedicatória soa como um


saquinho de moedas.

É como se o Sr. S., que pelo portal da história entrou no templo da fama, quisesse então
sair de lá sorrateiramente pela portinhola da arte poética.

74
Os redatores de jornais construíram para si uma capelinha de madeira, que eles também
chamam “o templo da fama” e ali afixam e retiram o dia inteiro e dão tantas marteladas
ruidosas que até abafam suas próprias palavras.

Se você quiser ser um dos grandes em um certo gênero literário, leia algo além desse
tipo de escritos. Se não quiser, porém, estender seus galhos sobre um grande pedaço do
campo, então, é sempre proveitoso para sua fertilidade ter raízes que avançam bem
longe. Um mero leitor de Wieland nunca vai chegar a ser um Wieland. E quero crer que
ele de bom grado seria fiador da verdade dessa máxima.

De olhos fechados, pode-se certamente colocar o dedo sobre uma linha de qualquer
livro e dizer: “um livro inteiro pode ser escrito sobre esse assunto”. Quando nós abrimos
os olhos, raramente nos sentimos enganados.

Tão tolo quanto deve parecer ao caranguejo quando vê o homem andar para a frente.

Hoje em dia, com três gracejos e uma mentira é feito um escritor.

A primeira sátira foi certamente feita por vingança. Utilizá-la para o aprimoramento do
próximo, contra os vícios e não contra seus portadores, é já um pensamento enxaguado,
arrefecido, domesticado.

A melhor fortaleza contra as intempéries do destino continua a ser uma sepultura.

Ele derramou uma página bem lavarteada.91

Tremendos autores de citações poéticas.92

O homem talvez seja metade espírito e metade matéria, assim como o pólipo, que é
meio bicho e meio planta. As mais esquisitas criaturas encontram-se sempre nas regiões
limítrofes.

91
geLavatert: referência pejorativa a Lavater – e que talvez evoque “lava”, “avalanche” ou até mesmo
“ejaculação”.
92
Mistura de “citador” e “tremedor” (a partir dos respectivos verbos zitieren e zittern)

75
Ele reconheceu em mim alguns fios da mais devota baba e cuspiu sua benzida vaia
sobre minha pequena obra.

Transformar-se em um boi ainda não é suicídio.

Ele escreveu oito volumes, mas com certeza teria feito melhor, se plantasse oito árvores
ou gerasse oito filhos.

Ao elaborar algo, tenha diante dos olhos a confiança em si mesmo, o nobre orgulho e o
pensamento de que os outros não são melhores que você, que evitam seus erros e, em
contrapartida, cometem outros que você evitou.

Um autêntico e dominical felizardo93 em idéias.

Pode-se presumir que “Deus criou o homem a sua imagem” significa que o homem é
quem criou Deus conforme a sua.

Hoje em dia já temos livros de livros e descrições de descrições.

Oh, céu! Apenas não permita que eu escreva livro algum sobre livros!

Então, que Deus tenha pena daqueles que vieram da graça divina!

O que mais esmorece a força íntima que nos impulsionaria é vermos outras pessoas se
apossando de um renome, quando estamos convencidos de que não o merecem.

O bom escritor é aquele que é lido por muito tempo, e depois de um século ainda será
impresso em todos os formatos e se transformará, exatamente por causa disso, na
diversão dos homens em geral. O gênero humano, em conjunto, celebra o que é bom; ao
passo que o indivíduo freqüentemente elogia o ruim.

93
“Sonntagskind” é felizardo, mas, ao pé da letra, é “criança que nasceu num domingo”.

76
Regras para o escritor: para todas as classes sociais, ser compreensível e agradável; em
segundo lugar, ter diante dos olhos a posteridade ou uma certa sociedade, a Corte etc.

Os gênios abrem caminhos; as belas almas os aplanam e embelezam. Seria aconselhável


arrumar a estrada entre as ciências, para que pudéssemos cruzar de uma a outra com
mais facilidade.

Resenhador, um quasi recens natus94 que escreve recensões.

Com as anedotas e com a música sucede o mesmo: quanto mais se ouve, mais se exigem
proporções refinadas.

Uma observação, que vi confirmada por diversas experiências, é que quase sempre os
mais inteligentes dentre os eruditos são aqueles que se ocupam de alguma arte paralela
ou por mera bisbilhotice, como se diz em língua corrente.

Uma invenção semi-nova com um nome absolutamente inédito.

O sábio sadio, um homem que não adoece ao refletir.

O que havia de shakespeariano para se fazer neste mundo foi em grande parte feito pelo
próprio Shakespeare.

Talvez nossa Terra seja uma femeazinha.

Trata-se de um trabalho em que, acho eu, a própria paciência se descabela.

Ora, pois, se não é o dinheiro, o que neste mundo me faz levantar mais para o alto o
queixo, olhar mais aberto para longe, pisar no palco com mais firmeza e atacar os outros
mais duramente?!

Eu queria ter tido a companhia de Swift na barbearia, a de Sterne no cabeleireiro,


Newton à mesa do desjejum e Hume para tomar um café.
94
Latim: um quase recém-nascido.

77
Não seria deveras admirável se o tempo atirasse o relógio de areia na cara de uma tal
velhacaria?

Alguns médicos querem agora até acreditar que o gênero humano deva atribuir as
doenças venéreas, além de outras, às sátiras escritas sobre médicos.

Assim como certos escritores dizem, após terem golpeado rudemente sua matéria, que
ela se decompõe por si mesma em duas partes.

Quando se começa a falar sobre algo, torna-se plausível, mas assim que se pensa nisso,
julga-se então falso. É muito importante o primeiro olhar que lanço no espírito a uma
coisa. Nosso espírito percebe confusamente a coisa por todos os lados, o que muitas
vezes tem mais valor do que uma idéia clara, quando vista de um lado só.

Deus criou o homem a sua imagem, diz a Bíblia. Os filósofos fazem exatamente o
contrário, pois criam um Deus com a sua cara.

Eu acho que o pior pensamento pode ser dito de tal maneira que tenha o efeito do
melhor pensamento, mesmo no caso em que o último recurso fosse este: colocar o pior
pensamento na boca de um mau caráter em um romance ou comédia.

Logo sabemos se um homem que escreve é bom ou ruim na escrita. Porém, nenhum
mortal pode descobrir se um outro, que nada escreve e fica parado, pode revelar
inteligência ou, com esse comportamento, esconder a mais pura ignorância.

As meninas camponesas caminham com os pés descalços, enquanto as nobres andam


com os seios à mostra.

O pouquinho de cabeça que ainda lhes resta é despedaçado por tais coisas.

Eu imagino que, se chegamos aos limites das coisas, erguidas para nós, ou se ainda
estamos antes deles, então podemos espreitar o infinito da mesma maneira que em cima
da superfície da Terra olhamos para fora o incomensurável espaço.

78
Não se deve notar em nenhuma obra, sobretudo a literária, o esforço que custou. Um
escritor que ainda quer ser lido pela posteridade não deve desanimar, mas lançar
referências a livros inteiros e emitir pensamentos para disputas em qualquer canto de
um capítulo, de modo que se acredite que ele os tivesse que jogar fora aos milhares.

Tramado pela erudição que acorda e pelo bom senso humano adormecido.

Nosso mundo ainda vai se tornar tão refinado que acreditar em um Deus será tão risível
quanto é hoje em dia a crença em fantasmas.

Pode-se aceitar que o homem seja a mais nobre criatura pelo simples fato de nenhuma
outra ter-lhe contestado o posto.

Grandes medalhões – como Gellert, Hagedorn e alguns outros – foram fundidos pela
mesma natureza, que nos parece retribuir com pequenas moedas correntes.

Algum de nossos antepassados deve ter lido em um livro proibido.

A barra de chocolate com arsênico, sobre as quais são inscritas as leis.

As tiradas de espírito embotam-se com o passar dos anos, enquanto outros


conhecimentos permanecem.

Deve-se investigar se é de alguma maneira possível fazer algo sem que se tenha sempre
em vista o melhor para si mesmo.

Carunchos nas engrenagens de um relógio de madeira.

Nossas melhores expressões envelhecerão; muitas palavras, que antes eram ousadas
metáforas, ficaram agora em baixa. Assim, a dificuldade na imitação é, de algum modo,
propícia à duração de uma obra, quando se faz com estilo algo que não pode envelhecer
tão facilmente.

79
A falta de idéias torna tão desprezível nossa poesia atual. Inventem, se quiserem ser
lidos. Com mil diabos, quem não gostará de ler algo novo?

Podemos tanto repetir uma coisa do jeito que já foi dito, quanto continuar afastando-a
do bom senso humano, ou ainda aproximá-la dele; a primeira opção é o que faz a cabeça
fútil, a segunda é obra do entusiasta, e a terceira é a do verdadeiro filósofo, que conhece
o mundo.95

O alemão nunca é mais imitador do que quando quer ser absolutamente original, só
porque outras nações também são assim. Aos escritores originais de outras nações
nunca lhes ocorre a meta da originalidade. O esprit du corps96 é intelectualmente
generoso – em uma liga de resenhadores, alguma cabeça tem de repente uma idéia, que,
isoladamente, ninguém teria tido.

É ao apreço quase sempre estúpido diante de velhas leis, dos antigos costumes e das
velhas religiões que devemos agradecer por todo o mal deste mundo.

Em uma razão ainda virgem.

Neste século, primeiro fizemos o ímã artificial, demos grandes passos na descoberta da
extensão dos mares e levamos à perfeição o hexâmetro alemão.97

Não seria possível tratar os eruditos como nos tribunais de outrora? Os jurados mais
jovens executavam o enforcamento.

Ele bebeu o cálice do orgulho.

Quando um livro e uma cabeça se chocam e produzem um som oco, o vazio está, por
acaso, sempre no livro?

95
Cf. Montaigne, que definira o filósofo pela “Weltweisheit”: o homem que conhece o mundo, mas
eventualmente também certa “sabedoria mundana”..
96
Solidariedade, corporativismo.
97
Referência à tradução das obras de Homero, em versos, por Johann Heinrich Voss. [JS]

80
Nos tempos remotos, davam atenção a cometas e auroras boreais, a fim de satisfazerem
outras necessidades. O observador, que era antes movido pela superstição, deixa-se hoje
levar pela ambição e pela curiosidade.

Com um pensamento, o filósofo passa muitas vezes por cima dos grandes da Terra. O
grande homem não se importa com eles e sente isso.

O mundo decerto ainda não é tão velho assim, pois os homens ainda não aprenderam a
voar.

Heinrich98 disse certa vez “pelo destino”, em vez de “por sorte”.

Conforme entendo a psicologia, eis aí uma teoria que corresponde exatamente àquela
bem conhecida explicação da física: a aurora boreal vem do brilho das sardinhas.

Custa-me acreditar na possibilidade de provar que fomos obra de um ser supremo e não,
ao contrário, o passatempo montado por um ser muito imperfeito.

Quanto mais racionalmente alguém aprende a fazer distinções em um idioma, mais


difícil lhe parece falá-lo. Na fala espontânea, há muito de instintivo, inatingível pela
razão. Dizem que certas coisas devem ser aprendidas na juventude, o que vale para
pessoas que cultivam sua razão em detrimento de todas suas outras faculdades.

Letras com braços de homenzinhos e letras com pernas de mulherzinhas.99

Há pessoas que possuem menos gênio que talento para pressentir os desejos do século
ou talvez da década, bem antes que se manifestem.

Gente, eu não sei o que vocês querem. Nunca tive vontade de ser um grande homem e
isso vocês um dia deviam ao menos ter perguntado a mim, de antemão. Acham então
vocês que seria necessária a força de um leão para se açoitar as costas de um pecador

98
Com certeza, Johann Heinrich Braunhold (c.1747-1793), ver lista de autores.
99
Buchstabenmännchen und –weibchen: talvez algum recurso didático da época de Lichtenberg, para
ensinar as primeiras letras, com bonecos para cada letra. Haveria, então letras masculinas e letras
femininas.

81
até dar no sangue? Não se exige ser um grande homem para se dizer a alguém a verdade
e é sorte nossa que até o pobre diabo possa dizer verdades.

Se nós pensássemos mais por nossa conta, teríamos muito mais livros ruins e muito
mais livros bons.

Se hoje em dia alguém quiser trazer um pensamento mordaz, fará seu experimento em
um pobre escritor assim como os fisiologistas adestram cães.

Todo o universo em um jorn-all.100

Hão de rir de nós, então, o primo anjo e o primo macaco.

Existe hoje um certo tipo de gente, na maioria jovens poetas, que, com as ventas
abertas, enunciam a palavra alemão. Um sinal seguro de que o patriotismo nessas
pessoas chega a ser imitação. Quem vai então sempre se gabar do alemão? “Eu sou uma
garota alemã” é por acaso algo mais que inglesa, russa ou taitiana? Querem vocês com
isso dizer que os alemães possuem também espírito e talento? Oh! Só um ignorante ou
um bobo negam isso. Eu me disponho a provar, caso ele se apresente para afirmar, seja
ele príncipe, duque, bispo, lorde, conselheiro, um dom fulano ou seja lá o que for. Bem,
é um bobo ou ignorante quem nega isso – o que eu aceito pura e simplesmente. Eu vos
peço, compatriotas, larguem dessa bazófia completamente inútil. A nação que se ri de
nós e aquela que nos inveja tem que fazer cócegas em si mesmas, sobretudo quando
tomam consciência de que isso lhes deve ser dito.

Eu gostaria de ter criado a palavra sabichão101, mais que qualquer outra, pois ela honra
fielmente aquele que a compôs...

Vistos em sua maioria, os eruditos não fazem por si nada mais além de aparar suas
unhas e suas cerdas. No mais, deixam que outros arrumem seu cabelo, façam suas

100
Zeitungs-All talvez em referência a algum jornal que já levasse o título Allgemeine Zeitung (jornal
geral ou universal, como o de Frankfurt, fundado em 1949). Ou mesmo uma boa expressão inventada para
dizer de uma só vez “Jornal de tudo”, all inclusive, um “Mundiário de notícias”.
101
Ou “super-sábio” (Superklug), que tem acepção pejorativa, de quem se acha como tal.

82
roupas e preparem sua comida, para que possam observar nuvens e trovoadas dentro de
suas cabeças.

O homem dispõe de tanta inteligência, que quase não presta para nada neste mundo.

Eu conheço bem as pessoas que você tem em mente; elas são só espírito e teoria, mas
incapazes de pregar um botão. Ele é só cabeça – e mão alguma para pregar botão.

Roma, Londres, Cartago são meras nuvens mais duráveis, que vão mudando de forma e,
por fim, se desfazem todas. Quantas vezes o homem considera essencialmente
diferentes coisas que apenas variam de grau, para mais ou para menos.

Se o mundo o conhecesse tão bem como eu o conheço, meus senhores, ele o colocaria
em suas parábolas em lugar da raposa e do camaleão.

Além das qualidades que ele tinha em comum com todos os outros animais, ele
compartilhava outras com termômetros, higrômetros e barômetros.

A frase, porém, deve ser multiplicada por meio de uma fratura.

Se a perspicácia for uma lente de aumento, então uma tirada espirituosa é uma lente de
redução. Então vocês acham que as descobertas são feitas só com lentes de aumento?
Eu acho que são realizadas mais descobertas no mundo intelectual com lentes que
diminuem ou pelo menos com outros instrumentos parecidos. A lua, quando vista com
as lentes invertidas, se parece com Vênus, e a olho nu se parece com esse planeta visto
por meio de um bom telescópio e na posição correta. Em lunetas comuns de teatro, as
sete estrelas da Plêiade aparecem como uma nebulosa. Uma entidade superior a nós
acha que o mundo, em que crescem tão bonitas as grandes árvores e as ervas,
justamente por causa disso, é uma camada de musgo. O mais belo céu coberto de
estrelas nos parece vazio, quando visto por uma luneta na posição invertida.

Esforça-te para não estares abaixo de teu tempo.

83
Ele era tão maníaco pela observação atenta, que sempre via um grão de areia antes de
ver uma casa.

Sobre os ultra-inteligentes: por meio da observação freqüente em busca de regras para


descobrir algo, a alma recebe finalmente, sem perceber, uma amaldiçoada facilidade
para ignorar o que é natural.

Se o Papa quisesse se casar, eu não saberia recomendar-lhe nenhuma mulher mais


virtuosa.

Na república de letras, dos eruditos, todos querem mandar, mas não há ninguém lá
nascido para o comando. E isso é ruim. Cada general deve, digamos assim, desenvolver
um plano, ficar de sentinela, varrer a guarita e buscar água, pois ninguém quer fazer
para os outros o serviço braçal.

A saia estava em perfeitas condições, mas na anágua ela tinha rasgado um buraco tão
grande que de vez em quando tropeçava nele.

Tudo vai se tornando refinado: a música, antes, era barulho; a sátira vem dos pasquins, e
onde hoje se diz “tenha a bondade”, era para alguém antigamente dar um sopapo ao pé
do ouvido.

O nonsense é realmente uma coisa triste. E um professor que escreve tais coisas deveria
ser amistosamente aposentado.

Eu espero que meus leitores do sexo masculino, em sua maioria, foram Primaner102 e
sabem por experiência como era intenso o impulso naquela época para resenhar livros.
E que lisonjeiro era carimbar para pessoas mais velhas do que nós os entreebillets103 da
alma pecadora para o templo da fama.

102
Alunos do último ano, formandos.
103
Tíquetes de entrada, ingressos.

84
Se alguém faz algo com assiduidade, a Idea rectrix104 é às vezes completamente
diferente da coisa, para ser vista impressa bonitinha, diferente de poupar quase cem ou
mil...

Durante uma leitura, dois propósitos devem estar diante de nossos olhos, para que
resulte sensata: primeiro, conservar as coisas e unificá-las em um sistema, e então,
principalmente, apropriar-se da maneira como aquelas pessoas consideraram as coisas.
É por isso que todos devem ser alertados a não ler livros de remendões, sobretudo se
eles ali inserem seus arrazoados. Podemos aprender coisas a partir de suas compilações;
no entanto, não se aprende a dar uma boa forma a sua maneira de pensar, o que para um
filósofo é igualmente importante, se não for o mais importante.

Se naquele tempo cobrassem uma taxa sobre pensamentos, eles certamente iam ficar
insolventes.

Ele não tinha, em todo o corpo, nenhum bolso seguro para o dinheiro.

Como se tornam um dia esquecidos nossos nomes, atrás daqueles que inventaram o vôo
e coisas parecidas.

Há um certo tipo de absurdo artificial, que o cabeça oca facilmente toma por profunda
sabedoria, e até mesmo por uma tecelagem de gênio, irrupção estimulada de um
entusiasmo sem fundamento, uma ganância febril atrás de originalidade, sem a autêntica
sensibilidade, em que o resenhador de Frankfurt ou o formando de todos os lugares
acredita farejar a inspiração shakespeariana, e ouve o sussurro dos cedros eternos do
Líbano, os passos tonitruantes do anjo exterminador e o clangor da trombeta dos
últimos dias. Não é nada. Aposto cinco contra um que o homem que o descreveu é um
tolo ingênuo, que quer parecer mais do que é, e com isso sua pobre alma é estragada
para a glória da posteridade, como se nunca houvesse visto a luz ou nunca tivesse
pensado na sentença sobre a contradição.

104
Idéia-guia, que dirige.

85
Quando uma obra fica para a posteridade, e ele não pode ser culpado se ela contiver
uma dúzia de bem expostas verdades novas e úteis, encadernadas com cantos de latão e
garras de metal.

Livros são escritos a partir de livros, e nossos poetas lerão na maioria das vezes poetas
por meio de outros poetas. Os eruditos deviam dedicar-se mais a trazer para os livros
seus sentimentos e suas observações.

Também eu ouvi com má vontade sua musa bafejando odes.

Orgulhosa, com o peito estufado e a cabeça meio voltada, vinha ela de passo, igual a
vaidade quando olha se o cortejo a vem seguindo atrás.

Este seria um tema para Hogarth: um alferes, que depois de uma batalha, durante a qual
se agachou para se esconder, pendura seu chapéu atrás de uma moita e nele quer fazer
um furo a bala.

O outono, que devolve de novo à terra as folhas que ela emprestara ao verão.

Eu sempre admirei seu forte pela linguagem mestiça.105

Uma vida de 45 anos e alguns dias dá algumas dúzias de milhões de minutos.

Depois de uma múltipla experiência, estou convencido de que os mais importantes e


difíceis negócios do mundo, que trazem à sociedade o máximo de vantagens, por meio
das quais ela vive e se mantém, são conduzidos por pessoas com um salário que vai de
300 a 800 ou mil táleres. Para a maior parte dos empregos com um salário de 20, 30, 50,
100 táleres ou mesmo de 2000, 4000, 5000 táleres, poder-se-ia com meio ano de aulas
capacitar cada menino de rua. E se a tentativa não der certo, não se deveria culpar a falta
de conhecimento, mas antes a falta de habilidade para esconder essa falta com uma cara
conveniente.

105
Kauderwelsch, que lembra Rotwelsch (gíria de malandros e ladrões), refere-se a línguas mescladas ou
pidgin, ou ainda, sem maiores distinções técnicas, o patoá.

86
Índice de erros de impressão na lista de erros de impressão.106

Como viram que não lhe poderiam implantar uma cabeça católica, então limitaram-se a
derrubar sua cabeça protestante.

No resto, era um homem igual a nós; apenas era necessário beliscá-lo com mais força
para que gritasse. Ele tinha que ver duas vezes aquilo que devia notar, ouvir duas vezes
o que devia lembrar; e o que os outros deixam de fazer após um tapa na cara, ele só
deixava depois do segundo.

Finalmente lá vinha ele, exatamente como prometera, depois de um quartinho de hora,


que era, porém, quase tão longo quanto uma vez e meia a usual hora civil.

Os cristãos com tanga de couro (maçons).

Fazer exatamente o contrário também é imitar; chama-se a isso imitar o contrário.

Muitas das cabeças originais de nossa época deveriam ser consideradas extravagantes,
pelo menos o tempo necessário para nos tornarmos tão sábios quanto elas.

Se pelo menos ainda colocassem em baixo de suas odes: “aguardem a continuação”, eu


até que poderia admitir.

Eu não consigo neste mundo entender o que ganhamos ao alisar a barba dos antigos a
cada oportunidade; eles não poderiam nos agradecer por isso e, se pudessem, jamais
tirariam conclusões da testa larga e chata e da cara de teimosia na qual se demora cada
alemão que atira farpas. É uma honra deveras impressionante para nós, velhos
estudantes, que há dois mil anos existisse gente mais inteligente do que nós. Vocês
acham que nós ainda vivíamos nos tempos em que a grande sabedoria consistia na
consciência de não se saber nada? Neste capítulo, nenhum bispo empresta a vocês o
título de mestre, e muito menos um vintém, no meio da riqueza que consiste em ser
pobre. Não, amigos, nós estivemos adormecidos esse tempo todo. Essas frases são hoje
em dia nada mais que belos ninhos de onde voaram embora as verdades. Elas
106
Ou algo como “errata na errata”.

87
acompanham o filósofo na galeria de arte, mas no orçamento doméstico não valem um
tiro de festim. Uma magnífica honra hoje em dia é ser convencido de que não se sabe
nada. Daí, vocês já podem concluir que é impossível a frase continuar valendo, ou então
são paradoxais vossas reclamações sobre os tempos presentes, mesmo sob outro ponto
de vista. Vocês não podem negar que hoje em dia temos mais gente que nada sabe, e em
breve a ingênua convicção disso será ensinada a eles.

Entrego a vocês este livrinho, como um espelho, para que nele se mirem e não como
uma luneta, através da qual venham a espiar os outros.

Na Inglaterra, eu li com estes meus olhos que, embora o discurso de um certo membro
do parlamento tivesse sido bem elaborado, era ainda muito sensato.

Quatro deputados urinam nas rodas de uma carroça. Ela sai de repente e aí eles ficam a
mijar uns nos outros.

Ninguém pode ter um mau gosto, mas há muita gente que não tem gosto algum...

...No dia em que a história fechar seus livros, eu bem que gostaria de tirar uma horinha
para dar uma olhada no livro de registros, para ver se algum país já foi tão indecente
com seus escritores quanto a Alemanha. Eu duvido que haja. Pelo menos na Europa,
não há, ou seja, que deve acontecer logo, pois no futuro, quando todos formos ajustados
ao modo dos chineses, quando nossas moedas se juntarem depois da peleja atual para
forjar um único relógio político, quando os servidores da polícia vierem até nossa casa e
quando a tinta for medida semanalmente com um dedal, isso vai deixar de acontecer. O
único povo do qual ainda espero algo parecido é certamente o neozelandês e, na
verdade, porque na Alemanha estamos no mesmo meridiano deles e por serem também
orgulhosos, valentes e leais. E, por fim, porque a falta completa de pena e de tinta não
lhes deixa alternativa; eles já devoram atualmente seus antagonistas em disputas
eruditas e de outros tipos.

Com isso, poder-se-ia ter movido um homem muito firme a fazer algo muito pior.

Corpo e alma: um cavalo atrelado a um boi, na mesma canga.

88
Antes, exigia-se apenas que as meninas fossem bonitas; hoje elas devem também
parecer inteligentes...

Os assim chamados homens de bons hábitos, que, cá entre nós, são os mais desleixados.

Um diálogo de imprecações e xingamentos.

Palavrões e coisas parecidas:


Alter Krachwedel - Velho Krachwedel107
Alter hosenhuster - velho que tosse nas calças108
Dreck auf den Bart - porcaria na barba [ofensa pesadíssima entre árabes]
Bärenhäuter - folgazão, preguiçoso109
Alte Hure - puta velha
Bankert - bastardo110
Flegel - malcriado como um porrete
Reckel - magro como vareta
Bengel - garoto brejeiro, malcriado, fedelho, catatau, maroto, malandro
Tölpel – pateta, desastrado, desajeitado111
Gelbschnabel – fedelho112
Schuft – safado, canalha, bandido
Hundsfott – estúpido, mandrião, sem-vergonha113
Esel - burro
Schlingel – trapaceiro, maroto114
Maulaffe - papa-moscas, boquiaberto, embasbacado, basbaque

107
Talvez o personagem Krachwedel do romance Teutsche Nächte, de Johann Beer (1655-1700), ou
simplesmente a junção de barulho com balançar o rabo, por exemplo, ou chocalhar uma vara de tanger
vacas.
108
O velho e humilde órgão produtor de flatulência.
109
O termo Bärenhäuter (e a figura a que se aplica), que veio a ser título de um dos contos dos Irmãos
Grimm e que foi traduzido como Pele de urso, poderia ser conhecido de Lichtenberg, pois os contos
vieram da literatura oral corrente na Alemanha. Ao pé da letra, é “esfolador de ursos”.
110
Termo mais carregado que “ilegítimo”e que indica “a criança concebida no catre em que a empregada
dorme”.
111
Um tipo de gaivota; nome que Lutero deu a seu cachorro.
112
Ao pé da letra, “bico amarelo”, com a variante “Grünschnabel” (bico verde), que pode remeter a
algum filhote de pássaro, feio e abestalhado.
113
A referência original, chula, é a genitália canina, pela maneira desavergonhada como cães e cadelas se
acasalam, na rua; há várias derivações, inclusive “cachorrada”, no sentido de vulgar, “sacanagem”, etc.
114
Termo talvez relacionado a Schlinge (estilingue), laço, armadilha.

89
Klotzkopf - cabeça de toco, catatau
Dummkopf – idiota, otário
Schurke – patife, malandro, safado
Spitzbube – moleque, pimpolho
Dieb - ladrão
Hure - puta
Nickel – atrevido, obstinado, teimoso115
Mensch – cara, cabra, homem, sujeito
Drecksau - porca imunda, traste, patife
Schlampe – rameira, prostituta, porcalhona
Vettel – traste, trapo, bagaço
Betrüger – embusteiro, intrujão
Lork - sapo
Affengesicht - cara de macaco
Narre – bobo, palhaço
Matz – apelido para Mateus
Lausewenzel – sujeito piolhento116
Flöhbeutel - Saco de pulgas
Galgenschwengel - badalo de forca
Galgenvogel - corvo117
Sauwedel – vara para conduzir porcos
Lümmel, Saulümmel - malcriado, malcriado como um porco
Laffe - patife118
Schelm - maroto, manganão
Rotzlöffel - colherada de imundície, nojento
Schnauzhahn - bico de galo, “galudinho”, atrevido, quem grita demais sem ter o que
dizer
Hundejunge – filhote de cachorro, menino da rua, moleque
Poltron - poltrão
Lausebalg - carcaça piolhenta, maroto, malandro
Schandbalg – traquinas, nascido da vergonha (bastardo)

115
Talvez venha de “nicken”, acenar com a cabeça, fazer que sim
116
Wenzel é apelido de Wenceslau
117
“Pássaro da forca”, que não se importa com nada
118
Talvez de “schlaffe” (mole, fraco)

90
Scheissmatz – molequinho de merda
Knasterbart - barba que fede fumo barato
Memme – maminha, covarde
Hexe - bruxa
Kanaille - canalha
Trulle – mulher desmazelada119
Schindaas - carniça esfolada, canalha
Regimentshure - puta do batalhão, rameira, “maria batalhão”
Regimentsnickel – o subalterno que sempre concorda e abaixa a cabeça diante de
ordens, “pau mandado”
Luder – vagabunda
Hol dich der Teufel – Que o diabo te carregue!
Dass dich tausend Teufel zerreissen - Que mil diabos te rasguem!
Dass dich der Donner und das Wetter erschlüge - Que o trovão e a tormenta te
fulminem!
Dass Du tausend schwere Not hättest - Que tenhas milhares de penúrias severas!
Dass Du die Kränke hättest - Que pegues todas as moléstias!
Blitz, Hagel und alle Wetter - Raio, granizo e toda tempestade!
Schwere Not - Miséria grave, penúria
Himmel Sakrament - Sacramento do céu
Potz Donner und der Teufel - Com mil trovões e o diabo!
Tausend Sakrament - Mil sacramentos!
Beim Teufel - Pelo diabo!

119
Figura diabólica de Troll, na mitologia nórdica

91
1775-1779

Ele repartia as bênçãos dominicais e, freqüentemente, também distribuía pancadas na


segunda-feira.

De suas idéias teria sido possível fazer algo, se um anjo estivesse disposto a compilá-
las.

Limpador de traseiros, com epígrafes.

Os pensamentos, densos; e as partículas, tênues.

Que as coisas mais importantes são feitas por meio de tubos. Provas disso: primeiro, os
órgãos genitais, a pena para escrever e nossas armas de fogo. Sim, o que seria afinal o
homem senão um feixe emaranhado de tubos?

Encontrar-se-á em todos os homens de espírito uma inclinação para a expressão breve,


para dizer rapidamente o que deve ser dito. As línguas fornecem assim uma forte marca
do caráter de uma nação. Que difícil é para um alemão traduzir Tácito! Os ingleses são
mais concisos que nós, alemães; e quero com isso me referir a seus bons escritores. Eles
levam grande vantagem sobre nós ao disporem de termos peculiares para as espécies,
que permitem maior detalhamento, onde nós freqüentemente usamos com limitações o
gênero. Não atrapalharia, se contássemos as palavras para cada parágrafo e que cada vez
procurássemos nos expressar com o mínimo delas.

O homem era tão gravemente minucioso em tudo que ele dizia, e tinha um jeito tão
morno e burocrático de se expressar que quase nenhum vivente podia agüentar muito
tempo perto dele.

Está de acordo com a ordem da natureza que animais desdentados tenham chifres. Que
milagre se isso acontecesse mais amiúde com gente velha!

92
Os vendedores têm seu Waste-book120 (em alemão, acho que seria Sudelbuch ou
Klitterbuch), no qual registram dia a dia tudo que vendem e compram, tudo misturado,
desordenadamente. Daí dão entrada no Journal, onde tudo fica mais sistemático, e
finalmente vai para o Leidger at double entrance,121 à maneira da contabilidade italiana.
Neste livro, puxa-se o saldo de cada homem, primeiro como debitor e depois como
creditor. Isso merecia ser imitado pelos eruditos. Primeiro um livro, em que escrevo
tudo, do jeito que vejo ou como meus pensamentos me inspiram; em seguida, isso pode
ser transposto para um outro, em que as matérias sejam separadas e organizadas. E o
Leidger poderia então trazer em uma expressão ordenada as coisas interligadas e a
explicação que dali flui.

Antes que possas reencontrar uma gota d’água perdida no oceano aéreo.

Um livro deve conter um spiritus rector,122 senão vale menos que um tostão.

Há uma grande diferença entre seguir acreditando em alguma coisa e voltar a crer nela.
Acreditar ainda que a lua tenha influência sobre as plantas denuncia burrice e
superstição, mas voltar a crer nisso é sinal de filosofia e reflexão.

Para escrever de maneira espirituosa, deve o autor familiarizar-se bem com as


expressões artificiais de todas as classes sociais; uma obra-prima de cada um deles, lida
de passagem, é suficiente. Pois, o que é banalizado com seriedade pode ser
graciosamente profundo.

O animal que se afoga em uma lágrima.

120
Na contabilidade comercial, esse livro equivaleria a um diário geral, um rascunho, cujos dados serão
depois lançados em rubricas específicas, mas tanto o inglês waste quanto o alemão sudeln indicam sujeira
(“caderno-borrão”) e coisa mal feita, provisória. Esta nota justifica-se pelo fato de Lichtenberg ter
justamente chamado Sudelbücher a seus cadernos de anotações de onde são retirados estes e tantos outros
aforismos. NB. Em Portugal, desde 1960, uma papelaria vende caderno sem pauta, para notas, com a
marca “Sebenta”.
121
O termo em inglês seria ledger (e não Leidger, como Lichtenberg escreveu), nosso livro-razão, no
sistema de partidas dobradas: entradas e saídas; credita e debita. Se a alteração foi proposital, com Leid,
temos referência às dores e penas, ao passo que o neologismo Leidger traz um bom trocadilho, ao insinuar
“mais enfadonho” ou “mais sofrível”.
122
Espírito-guia, condutor.

93
Estou convencido de que tudo ficará bem no dia em que a história fechar seus livros,
mas quem pode levar a mal se eu de vez em quando resmungar meu contrabaixo nesse
concerto?

Nada pode contribuir mais para a serenidade de uma alma que a ausência completa de
qualquer opinião.

As formas dos argumentos estão com mais perfeição nos discursos de Burke do que em
Goethe, que seguia as formas de Shakespeare. E aquele chegou a ser chamado grande
orador, assim como associou-se ao nome de Shakespeare, da mesma maneira que o
burro do porão (piolho)123 passa a ter o nome de centopéia: porque ninguém queria se
dar ao trabalho de contar os pés do bichinho.

Quem tiver duas calças, faça dinheiro de uma e adquira este livro.

Certamente nada na Alemanha pode ser mais digno da atenção de uma cabeça satírica
que o fervor ridículo, hoje tão difundido, em busca de originalidade. Nessa peleja,
fracassam as melhores cabeças. E aí o alemão descuida daquelas ciências, para as quais
a natureza parece tê-lo destinado, sobretudo a clarificação na filosofia e na mais elevada
história...

O homem se deu ao trabalho de exibir meus erros. Como o serviço que ele me prestou
não é exatamente o mais agradável, então eu posso de certa forma reclamar uma
indenização. Não exijo nenhuma satisfação maior que esta: que ele faça então publicar
algo de sua própria lavra.

Seu relógio já havia desmaiado algumas horas antes.

Odes, se alguém as lê – digamos com todo o respeito – suas ventas arreganham e seus
artelhos se esticam.

123
Kelleresel, que ao pé da letra seria “burro do porão”, por uma redução de “assel” a “esel”, equivale nos
trópicos ao tatuzinho de jardim (Porcellio scaber) e, em inglês, é “piolho doméstico”.

94
Cultivamos nossas cabeças em estufas.

As profundezas secretas e imensas da filosofia. Ele conhecia a fundo essa ciência com
todos seus abismos.

Jacob Böhme é um dos primeiros escritores de nossa nação e assim vai permanecer. É o
homem cujos escritos contêm tudo aquilo que a pureza e a justa medida transmitem
diluído e deteriorado em nós, seus parvos seguidores, munidos de uma inteligibilidade
apenas aparente. Nunca alguém se igualou a ele naquilo que os críticos hoje em dia
chamam a teia do gênio elevada às nuvens ou a efervescência genial no fundo do
oceano, nem a metade dos pensativos adeptos das grandes idéias contidas em lemas e
inventadas, nas quais suas almas se beijam, em uma chuva dourada de palavras e
expressões que conferem sensualidade à alma sedenta. Pois nossos dois prussianos e
nosso suíço são cabeças simplesmente originais, pessoas que apenas escrevem uma
Babel mais sutil.

Escritos satíricos é o que eles queriam. Aí choveu, relampeou e caíram epígrafes como
granizo. E sabem qual foi a resposta? A velha sentença açoitada – havia cem pândegos
para cada sensato. Quem poderia então levar a mal os gozadores, dos quais a Alemanha
está repleta, se eles enchessem o mundo de escritos sensatos? Refiro-me àqueles em que
não é de se esperar um grãozinho sequer de humor, de onde se originaram a comédia
sensata, a farsa sensata, nossa sátira sensata; sim, faziam-se até sensatos jogos de
palavras.

Eu conheço bem os sabichões, que poderiam também dar tantas pinceladas no côncavo
até que parecesse convexo.

Desde quando então o nada bom e o bem ruim são a mesma coisa?124

E posto que, por palpitar em um jovem o impulso de se tornar uma cabeça original,
escreve-nos um romance, uma balada ou algo parecido, diante dos quais todo homem
sensato passa os olhos compassivos por sobre o infeliz gênio jovem. Isso por acaso já é

124
Schlecht und recht / recht schlecht

95
motivo para fazer esticá-lo e alargá-lo, para chocar, cochichar, cacarejar e abafar o
barulho como se o papa tivesse dado a luz gêmeos? Quando alguém escreve mal, está
bem, deixem-no escrever. Transformar-se em um boi ainda não chega a ser suicídio.

Tinha o efeito que os livros bons geralmente têm. Tornava mais tolos os tolos, mais
sagazes os inteligentes, e os outros mil restantes ficavam intactos.

Na Inglaterra, os bois e os buldogues têm mesmo seus caprichos. E há entre eles os que
são originais, tanto quanto entre os escritores de lá.

Cuidado! Devagar, para que os anjos não se riam de vocês. O tema é ruim, mas vocês
ainda não o conhecem por completo e por isso comportem-se com cautela. Vocês sabem
que inicialmente o ímã só servia para os prestidigitadores?

Vocês esperam de verdade que isso aconteça. Não quero dizer nada contra isso, mas não
acredito mesmo, até que não possamos criar ouro e prata em estufas e invenções possam
ser lançadas por aí como minuetos.

Um ruído formidável, como se um regimento inteiro espirrasse ao mesmo tempo.

Quanta tagarelice! O que é que vocês queriam, então? Quando as estrelas não mais
forem fixas, como poderiam então dizer que tudo que é verdade seja verdadeiro?

Seus textos são feitos do amor pátrio com o qual se debocha de nossa querida pátria.

A erupção de um pincel muito ensebado.

Na verdade, fui para a Inglaterra aprender a escrever em alemão.

A coragem, o palavrório e a multidão estão de nosso lado. O que mais podemos querer?

O que não se mostra logo não vale três tostões; o que cresce artificialmente.

96
O caráter alemão. Esta é a reclamação da biblioteca geral já mil vezes repetida, diante
do que nossa paciência se esgota quase por completo. Eu pergunto logo: o que é um
caráter alemão? O quê? Fumar tabaco e manter a honestidade, não é mesmo? Oh! Seus
patetas simplórios! Ouçam, sejam gentis e digam-me: como está o tempo na América?
Devo responder em vez de falar do clima entre vocês? Bem, lá relampeia, cai granizo, o
tempo é fechado, abafado, insuportável: neva, sopra um vento frio e o sol brilha.

Os ingleses fazem pelo som “Liberty” o mesmo tanto que muitos homens honestos na
Alemanha fazem pela coisa “Freiheit”.125

Os católicos e os outros homens.

Desde o ano 1764 já não acredito mais que alguém possa convencer por escrito seus
opositores. Não peguei na pena por esse motivo, mas tão somente para irritá-los e para
dar coragem e força aos que estão do nosso lado, além de dar a conhecer aos outros que
eles não conseguiram nos convencer.

Há pessoas com caras tão gordas, que poderiam rir debaixo do toucinho, de modo que o
maior mago da fisiognomonia nada perceberia, ao passo que nós, pobres criaturas
ressecadas pelo vento, com a alma imediatamente debaixo da epiderme, sempre falamos
a língua em que não se pode mentir.

Para aprender a falar corretamente uma língua estrangeira e empregá-la efetivamente


em sociedade, com o apropriado sotaque do povo, não basta que se disponha de
memória e ouvido; é preciso praticar um certo grau de peraltices.

Cuide para que não ganhes por acaso um emprego que não dominas, de modo que não
tenhas que parecer o que não és; nada é mais perigoso e nada perturba mais a calma
interior; nada prejudica mais a honradez. E comumente resulta no completo descrédito.

Saibam vocês muito bem que alguém está autorizado a ser prolixo, se for pago por
empreitada medida em folhas. E eu odeio a descrição de uma batalha cuja leitura toma
menos tempo que a batalha mesma. Nada deve ser expresso com mais cautela que o
125
“Liberdade”, em inglês e alemão, respectivamente.

97
juízo: “obscuro”. Não se requer nenhuma arte para achar algo obscuro; pois os elefantes
e os poodles poderiam, sei lá, encontrar alguma coisa escura.

Vocês desejam que nós tenhamos uma cabeça, e eu queria que vocês tivessem duas e
que ficassem bem sentados no tanque, com o formol acima de suas quatro orelhas.

Vão até lá e escrevam um dia uma sátira do servidos da câmara, do filho natural ou do
bastardo do filho natural ou do filho enjeitado do bastardo. Vocês serão dados ao
carrasco. Seja como for, se vocês quiserem fazer na Alemanha sátiras dos senhores da
nobreza, então aconselho-vos duas passagens, que vocês mesmos podem escolher no
Velho Testamento, ou concorram a um empreguinho nos trópicos. E caso isso não lhes
caia bem, então calem o bico.

Não há pessoa mais presunçosa que aquelas que pintam seus sentimentos, sobretudo
quando aí dispõem de um pouco de prosa para comandar.

Eu não dou um centavo por todas as anotações de um homem que, por exemplo,
pudesse ir descalço a Roma, para se lançar aos pés de Apolo no Vaticano. Essas pessoas
falam apenas de si, quando acreditam falar sobre outras coisas, e a verdade
simplesmente não pode cair em mãos piores.126

Também eu li muitas vezes com encantamento minha prosa a descrever sentimentos,


que cobria meu mortal invólucro com um arrepio lascivo; eu acreditei com cabeça e
coração protestante ouvir os passos do Todo-poderoso no átrio de um templo católico
com música sacra e sob a trovoada dos tambores chorei lágrimas devotas. Com inefável
volúpia, recordo ainda o dia, quando na Abadia de Westminster, caminhei sobre as
cinzas dos reis e recitei comigo mesmo as palavras: “Antes que se formassem as
montanhas, a terra e o universo, desde toda a eternidade vós sois Deus.”127

Na sístole e na diástole das narinas.

126
Lichtenberg deveria ter em mente a figura de Winckelmann, fanático cultor de antiguidades.
127
Salmos, 90:2

98
É impossível compreender como pode haver gente capaz de considerar uma farsa aquele
tecer do gênio nas nuvens, em que uma cabeça quente cospe idéias meio cozidas. Sim,
como se pode ser tão cruel e avaliar capítulos inteiros cheios de belas expressões na
mesma proporção em que pode caber assunto em uma semente de mostarda.

Os que demonstram que não há nada para demonstrar. Há um tipo de palavreado vazio a
que fazem parecer cheio de substância, por meio da novidade expressiva e das
metáforas inesperadas. Klopstock e Lavater são mestres nisso. Como brincadeira, até
que passam, mas, para falar sério, é imperdoável.

A verdade tem que vencer milhares de empecilhos para chegar intacta ao papel e depois
voltar do papel à cabeça. Os mentirosos são seus mais frágeis inimigos. Mas, eis aqui os
adversários da verdade: o escritor entusiasta, que fala de todas as coisas e vê todas elas
como outras pessoas honestas, quando são golpeadas; o conhecedor da alma humana,
refinadamente afetado, que, como um anjo dentro da mônada, vê e quer ver sua vida
inteira espelhar-se em cada ação de um homem; o homem bom e piedoso que, por
respeito, acredita em tudo e não investiga nada daquilo que aprendeu antes dos quinze
anos e edifica sua diminuta indagação sobre fundamentos que não averiguou.

Eu creio que de cinqüenta leitores que acham beleza em Homero, quando muito um o
entende; eles nunca ouviram críticas a ele e podem, portanto, deleitar-se com sua leitura,
embora se exija muito para compreendê-lo adequadamente. Um livro que se perpassa
inteiro com um olhar e que se compreende bem aos vinte anos não agrada mais tão
facilmente por volta dos trinta; daí decorrem as miseráveis imitações dos antigos, que
lemos em autores jovens. Eles imitaram, por exemplo, Horácio e Shakespeare tal como
eles os viram, e estou muito bem convencido disso, mas não o Horácio e o Shakespeare
que o homem mais experiente, mais esperto e mais inteligente encontra. Um cola-se
meramente à expressão e às maneiras que não consegue atingir; o segundo quase nos
joga de volta às coisas dessa maneira que são justamente similares às que gostaríamos
de retirar do original. Um terceiro, a pura expressão, embora não tenha visto e nem
experimentado nada no mundo, diz-nos coisas que já sabemos de cor, etc. Eis um sinal
seguro da qualidade de um livro: agradar sempre mais a alguém à medida que ele ou ela
envelhece. A um jovem de dezoito anos, que queira dizer, tenha permissão para dizer e,
sobretudo, tenha capacidade de dizer o que sente, proferir uma sentença sobre Tácito:

99
Tácito é um escritor difícil, que desenha bons personagens e às vezes pinta-os de
maneira primorosa; contudo finge obscuridade e irrompe com freqüentes observações
ao narrar acontecimentos que não explicam muita coisa, e deve-se saber bastante latim
para poder compreendê-lo. Aos vinte e cinco, talvez, pressupondo-se que ele tenha feito
algo mais que ler, dirá: Tácito não é o escritor que outrora julguei obscuro, mas acho,
todavia, que o latim não é a única coisa que se deve saber para poder compreendê-lo,
pois para isso deve-se trazer muita contribuição pessoal. E aos quarenta, quando tiver
conhecido o mundo, talvez dirá: Tácito é um dos maiores escritores que já viveram.

Margate.128 Lá acontece o mesmo que nos demais balneários: recupera-se um


pouquinho da saúde perdida e perde-se lá o coração.

Eles vendem tudo: até as camisas e um pouco mais.

Um gole de razão.

Eles apenas lêem, sem ver, e tomam canja de galinha.

A expressão quase lessinguiana,129 a que o pensamento se assenta como uma luva.

Fazer a barba do Papa. Chamam isso reforma?

Um livro é como um espelho: quando um macaco se olha nele, não se pode esperar de lá
o reflexo da imagem de um apóstolo. Não dispomos de palavra alguma para falar de
sabedoria com os tolos. Já é sábio aquele que entende os sábios.

Nada além dos ossos e a sobrecasaca.

O homem não é algo tão difícil de se conhecer como pensam muitos daqueles que,
plantados em casa, ficam contentes dentro de seus pijamas, quando acham que se
mostra verdadeira uma observação de La Rochefoucauld. Sim, eu afirmo, a maioria

128
Margate, cidade litorânea, 100 km a leste de Londres, que já era famosa à época em que Lichtenberg
visitou a Inglaterra (em 1775).
129
Relativo a Lessing, cf. lista de nomes ao final desta obra.

100
conhece as pessoas mais bem do que se imagina e tiram proveito disso no comércio e no
tráfico;130 entretanto, tão logo escrevessem que as pessoas não se dão a conhecer de
jeito nenhum, aí estaria o diabo à solta e tudo ficaria tão bonito quanto um feriado; e
como pareciam em outros tempos tão à vontade, agora fazem caras de solteirona
posando para um pintor de retratos.

Acima de tudo, odeio demais esses moleques que consideram sátiras as grosserias de
Sachsenhausen.131 Com um par de beicinhos enfeitados, botam a pique, e com a
lingüinha sibilante, com a qual apresentam suas indelicadezas, acham que se redimem
pela metade.

Dizer algo breve não é nenhuma arte, quando se tem algo a dizer, como fez Tácito;
todavia, quando não se tem nada para dizer e, mesmo assim, um livro é escrito e torna
mentirosa a verdade com seu ex nihilo nihil fit,132 aí, sim, merece crédito.

Ao pegar agora na pena, sinto-me tão pleno, meu tema tão desenvolvido, vejo com tanta
clareza meu livro germinar ante meus olhos, que eu quase poderia tentar expressá-lo
com uma única palavra.

Em nossos dias esclarecidos, quando desprezar Voltaire é o critério da inclinação para a


filosofia e considerar Wieland um pobre pecador vale como talento para o belo.

Um formando no ginasial, que tem adoração por Goethe e atira cuspe em Wieland.

O homem que acredita que um compêndio seja um livro ou que registrar facta133 fosse
escrever história.

Ele julga isso da mesma maneira que um Professor iuris134 sentenciaria uma sátira.

130
Em alemão, “Handel und Wandel”, talvez para significar “no atacado e no varejo” ou “em qualquer
situação prática e prosaica”.
131
Deve ser o atual subúrbio de Frankfurt sobre o Meno, cujo festival da limpeza da fonte tornou-se o
carnaval local desde 1500; à época de Lichtenberg, era uma região de horticultura.
132
Latim: “nada vem do nada” ou “o nada nada produz”.
133
Latim: fatos.
134
Latim: professor de direito.

101
Eu escrevi muito pouco para os eruditos. Tanto é assim que eu converso com os
iletrados muito mais do que eles gostariam. Parece-me, aliás, que todas as notas recaem
numa disputa de palavras; quando alguém se dirige ao escritor, admite-se sempre que se
tem em mente o erudito. Isso é, entretanto, ingenuidade. Antes era assim, mas desde que
a palavra livro foi tomada em um sentido tão amplo, incluindo-se aí compêndios,
compilações, observações meteorológicas e querelas, uma multidão de não eruditos
escreve não apenas livros, mas também – se isso for adiante do jeito que eu espero –
vai-se incluir entre os livros a lista de resultados da loteria e os catálogos com amostras
de padronagem de tecidos; então, os eruditos propriamente ditos vão se deitar sobre as
invenções já estabelecidas; escrever não vão mais e, sim, fazer e passar adiante o
palavrório a respeito. Além disso, são os livros escritos apenas para serem lidos ou por
acaso também como parte da economia doméstica?

A regra áurea: quando o teu pouquinho não for em si nada especial, então pelo menos
diga-o de uma maneira um pouco especial.

Em uma de minhas viagens, fui conduzido a um gabinete de bustos e estátuas. A mim


agradou, apesar de tantas velhas cabeças valiosas, um busto de Demócrito, que devia
estar por volta de seus 50 ou 60 anos, ou seja, mais velho que os demais. No entanto,
para não rir diante da mulher que me mostrava o gabinete, meu elogio dirigiu-se a um
velho Calígula; os sinais da ressurreição, a terra do jardim romano, estavam ainda atrás
das orelhas. E a mulher disse que eu deveria ser um senhor de bom gosto.

Ordem é o que vocês não deviam procurar no livrinho. A ordem é filha da reflexão, e
meus inimigos usaram de tão pouca reflexão contra mim, que eu não consigo de modo
algum vislumbrar porque eu deveria empregar alguma reflexão contra eles.

Carta sobre a literatura mais recente: E eu agradeço mil vezes ao querido Deus por
haver permitido que eu me tornasse um ateu.

Devíamos levar ao palco tipos alemães. Excelente. E as personalidades alemãs, nos


subjugariam, por causa disso, com coleiras de ferro. Não é verdade?

102
Em vez de se arranjarem com sua coleção exagerada de sapatos, meias, lenços nada
transparentes e demais panos suntuosos, as garotas liam o jornal dos sábios e fundavam
uma sociedade de leitura, recitavam odes e espreitavam o bramido do gênio nas nuvens.

Tais pessoas deviam andar com um zero dependurado no botão da camisa, para que se
pudesse saber quem são.

Ali sentam-se eles, juntam as mãos, e de olhos fechados querem esperar até que o céu
lhes mande um espírito shakespeariano. “Não se fiem no fato de Shakespeare ter
nascido”, assim o diabo consola as bestas. Shakespeare não recebeu nenhuma revelação.
Ele aprendeu ou experimentou tudo o que diz a você. Então, para se escrever como
Shakespeare, deve-se aprender e passar por experiências, senão não resulta em nada. Se
querem considerar a obra de vocês semelhante à dele, é como comparar um ovo a outro
ovo. Aquele que está acima de vocês vê a diferença num piscar de olhos, tão logo queira
desfrutar sob o sol dele o que vocês arranjaram com uma lâmpada. Como sabemos,
Shakespeare atendia na porta de seu Teatro de comédias e ganhava dinheiro com isso. O
que não fez ele por dinheiro, não é mesmo? Foi lá e estudou os antigos, folheou os
dicionários até secar os lábios. E copiou excertos, não é? E por acaso tornou-se
preceptor, labutou até ficar pálido, tornou-se professor, recomendou de novo os antigos,
aperfeiçoou regras para a sala de aula, etc.? Não; nada disso; ele consumiu seu dinheiro
em cafés ingleses, comendo em restaurantes, em lugares ao ar livre – tudo isso em uma
nação que se orgulha de não esconder suas inclinações. Ali é que ele aprendia a
compreender a língua dos antigos, para logo em seguida lê-los em uma tradução que ele
poderia, sem muito esforço, melhorar. A observação e o conhecimento de mundo são a
razão de tudo – e alguém deve ter antes observado bastante para utilizar as anotações
dos outros, de modo a parecer que fossem suas próprias; senão, apenas são lidas e
tornam-se lembranças, sem se misturarem com o nosso sangue. Toda a leitura dos
antigos é em vão, se não for assim exercitada. Vemos isso em nossos jovens; para eles o
estudo dos antigos é o correto lema: eles sempre se remetem a estes, mas quando
escrevem, eis então de novo, como antes, a prosa de candidatos ao liceu.

Alguém que ainda nem sequer pode distinguir leitura passiva e leitura ativa.

103
Não lancem xingamentos contra nossas metáforas. O único caminho é usá-las, quando
traços fortes começam a desbotar, para renovar-lhes seu frescor, bem como o de toda a
vida e trazer-lhes calor. É inacreditável a extensão da perda de nossas melhores
palavras. A palavra “sensato” teve desgastada quase por completo sua efígie; seu
significado é bem conhecido, mas não é mais possível senti-lo, por causa da multidão de
homens sensatos que pleitearam tal título; “insensatos” é, a seu modo, mais vigoroso.
Uma criança sensata é um frouxo, um piedoso gabarola que não vale nada. Um rapaz
insensato - isso soa bem melhor...

Vale a expressão “ser atingido por um mal” tanto quanto “ser castigado”? Ou é o
mesmo que “examinar seu coração”? Nós devíamos fazer uso mais amplo da palavra
“para casa”, pois ela é muito forte; “chamar alguém para casa”, isso é a alma, a suprema
convicção, confessar com vergonha.

Há quem acredite ser sensato tudo o que é feito com uma cara séria.

Uma cidadezinha, onde uma cara sempre rima com outra.

Demóstenes no carro postal, em vez de à beira mar.

Bah! Deter-se nessas ninharias equivale a carregar os canhões para abater um


passarinho de beira de rio. E pessoas sensatas mal sabem se você deu o golpe ou se foi
espancado.

O que é, pois, a fisiognomonia de L... senão uma águia quadrúpede, desprovida de asas.
E o que é a obra “Aussichten in die Ewigkeit” senão um querubim com cabeça de
macaco?135

Idéia delirante do homem: quem ele seria se desse o nome elefante ao ácaro e se ele
chamasse o sol de faísca?

Seria isso um pecado? Tanto quanto pular uma janela e roubar maçãs.

135
Referência a Lavater e sua obra introspectiva “Visões em direção à eternidade”, mais relevante como
testemunho de seu temperamento religioso, no âmbito da igreja de Zwinglio (4 vols. 1768-1778).

104
Eu me refiro expressamente às chaminés em cima dos telhados, pois quando alguém diz
que na Baixa Saxônia as pessoas entram em casa também pela chaminé, isso é uma
mentira estúpida; as pessoas não descem pela chaminé adentro, mas a fumaça sai, sim,
pelas portas das casas.

Eu só queria, por um único dia, ser o Rei da Prússia; aí eu desgrenharia a cabeça dos
berlinenses.

Quando a verdade foi encontrada na natureza, lançaram-na de volta em um livro, onde


ela é guardada em condições ainda piores.

Sugestão para um inverno frio: queimar livros.

Ele escreve de tal forma que até o juízo do anjo fica paralisado.

Diga se existe algum outro país, além da Alemanha, em que se aprende a torcer o nariz
antes de aprender a limpá-lo?

É, pois, a reflexão algo diferente da consulta e inventar algo mais que transformar?

Não só os famintos trabalharam nisso, como também os eruditos.

Uma expressão feliz vale tanto quanto um bom pensamento, porque é quase impossível
expressar-se bem sem mostrar-se o que se expressa de uma boa perspectiva.

Em vez de Goethe, leia-se gótico.136

Ganhar para si, ao escrever, um par de moedas.

Os sofrimentos do Senhor Barão von Werder.137

136
Isso devia soar como uma errata: de Goethisch (relativo a Goethe) para Gothisch (gótico).
137
Decerto, uma brincadeira com o jovem Werther, da obra de Goethe. Werder é também nome de lugar,
bairro na cidade de Bremen, que fica próximo da Holanda, país em que há uma ilha com o mesmo nome.

105
Minha conversa é deveras séria, queridos compatriotas, quando confesso que os alemães
não têm um esprit, pois esse nome não cabe ainda a nosso raro e fajuto ateísmo. Para
um ateu francês, que dispõe de esprit, admite-se que se converta apenas em caso de
doenças dolorosas e no leito de morte, ao passo que os nossos costumam converter-se
por causa de qualquer tempestade. Além do mais, as pequenas canções de nossos jovens
não são prova alguma de que tenham esprit. É, de fato, verdade que o esprit é
nonsens,138 mas nem todo absurdo revela esprit.

O país em que Shakespeare é mais conhecido que Pôncio Pilatos.

Uma questão de preço endereçada ao céu.

Quando via uma mosca voar em volta da lâmpada e agonizar, dizia ele: beba até o fundo
de teu cálice amargo, pobre animal! Um professor compadecido te assiste.

O caráter dos alemães em duas palavras: patriam fugimus139 (Virgílio).

O leite do catecismo.

O obscuro sentimento da perfectibilidade do homem faz com que a meta lhe pareça
sempre ainda distante, quando já a alcançou, e a razão não brilha para ele o bastante. O
que vem a ser fácil parece-lhe ruim e assim ele se estende do ruim ao bom e do bom a
um tipo de ruim que ele considera melhor, em vez de apenas bom. O bom gosto é
aquele que ou se põe de acordo com o meu gosto ou se lança sob o domínio da razão.
Daí se vê como é proveitoso procurar por meio da razão regras para o gosto.

A fisiognomonia, uma comédia.

Seria melhor que tais pessoas fossem para a cama, em vez de tagarelar sobre tais coisas.

138
Lichtenberg utiliza o termo em inglês para “absurdo” e deve aqui referir-se às passagens bíblicas que
associam fé e loucura, espírito e escândalo.
139
Latim: “abandonamos a pátria”, no início da écloga I.

106
Certamente não queremos ficar mascando muito a caneta.140

Um nariz com asas.

Quem vai se desfazer em lamentos pelo que ele pode desmanchar?

Nem todos os bem nascidos serão bem morridos, ou seja, defuntos nobilíssimos no
reino dos mortos.

Enquanto eu assim estudava e dormia.

Querem desenhar o guarda-noite de acordo com sua voz? Com freqüência nos
enganamos, de modo que não se pode conter o riso, quando o erro é revelado. É por
acaso diferente com a fisiognomonia? As pessoas com as quais se viaja à noite em um
carro postal.

Não queira ensinar prudência a nenhum entusiasta. Tais pessoas dizem que querem ser
prudentes e crêem também ser prudentes, mas são neste mundo as almas mais
desprovidas dessa virtude.

“Como vai?” disse o cego para o aleijado. “Como se vê, meu Senhor”, respondeu o
aleijado.

A continuação do bem e do conveniente no mundo. Se estiver na natureza humana, que,


por exemplo, a religião cristã um dia desabe, assim vai acontecer, com ou sem oposição;
o recuo e o atraso por um curto prazo são apenas uma curva infinitamente pequena
numa linha. Pode-se apenas lamentar que justamente nós fôssemos os espectadores de
tal desastre e não uma outra geração. Ninguém pode nos levar a mal, se nós trabalhamos
o quanto podemos para formar nossa época conforme nossas cabeças. Eu sempre penso
que nós, que pisamos este globo, servimos a um fim que nem mesmo uma conspiração
conjunta do gênero humano poderia impedir. Assim como um bom livro vai para a
posteridade, mesmo que todos os tribunais da crítica se unam para torná-lo suspeito, não

140
Federkauens é uma imagem para a indecisão do escritor, que não sabe direito o que vai escrever e, na
espera, se distrai mordendo a caneta (pena).

107
por meio da sátira, mas com a cara de inocentes cordeiros e com o sotaque do amor à
verdade - sim, se eles se calassem completamente sobre o livro. Quando ele contiver
verdades às dúzias, pronunciadas corretamente e com vigor, quando o psicólogo
vislumbra o resto da obra mais que o necessário, uma legião de jocosos escritores de
coleções141 que pouco poderão fazer para detê-lo em seu caminho para a eternidade,
assim como eu não posso abanar de volta com uma cartolina a tempestade ou a enchente
que se aproximam.

Por inveja, incompreensão ou estupidez, um homem – mas não o homem – pode


condenar um bom livro. Ele pode levar um editor à mendicância. Um homem pode
louvar algo ruim e condenar algo bom – mas não o homem.

Os famosos são, para difamar, os melhores.142

Onde o elevado ímpeto das odes começa a se desfazer em Babel.

Queremos deixar as encucações metafísicas para aqueles que não possam fazer nada
melhor. Sem se afastar da paróquia da filosofia beata, pode-se fazer e dizer muita coisa
boa e útil, sim, mais do que quando se perde nas finas sutilezas. A filosofia deles fica
para as pessoas, as outras, para os professores...

Eu não alimento uma idéia artificial demais em relação ao homem; em vez disso,
julgue-o com naturalidade, sem considerá-lo nem bom demais e nem excessivamente
mau.

Nem toda cabeça original conduz uma caneta original, e nem toda caneta original é
regida por uma cabeça original.

141
Bibliothekenschreibern. O termo pode indicar os compiladores como também o típico rato de
biblioteca público, o maluco que lê afoitamente e toma notas em papel de embrulhar pão.
142
Aqui o tradutor reservou-se o direito de alterar os termos do trocadilho, que no original giram em torno
de “negro” e “denunciar”, pior: “denegrir” [Schwarzen /anschwärzen]. Todavia, em alemão, uma
expressão como “schwarzfahren” significa “viajar sem bilhete”, clandestino – mas não guarda
necessariamente ligação com raça ou cor de pele, mais ou menos como “câmbio negro” em português
sugere algo escondido, ilegal, assim como comprar “no escuro” um bilhete de loteria lacrado, por
exemplo.

108
Se eu conheço bem a genealogia de Dona Ciência, a ignorância é sua irmã mais velha. E
não é algo que clama aos céus tomar por noiva a irmã mais velha quando uma das mais
novas ainda está disponível? De todos aqueles que a conheceram ouvi que a mais velha
tem seus próprios encantos, que ela é uma moça roliça e bondosa, e que, justamente por
ficar mais dormindo que acordada, dá uma excelente esposa.

Com a pena na mão, galguei com sucesso os baluartes, de onde foram repelidos outros,
armados com espadas e anátemas.

Nossos filósofos ouvem tão pouco a voz do sentimento, ou melhor, eles dispõem do
fino sentimento tão raramente, que a cada acontecimento no mundo eles indicam mais o
que sabem e não como percebem, e, como isso nada vale, não chegamos nem um passo
mais perto da verdadeira filosofia. O que o homem pode saber é já também o que ele
deve saber?

Sobre estilo e conhecimento da natureza humana, algo muito útil pode ser escrito. Devia
ser trazido à luz o estoque de regras magnas que não são usadas ou, talvez, o
desperdício de grandes provisões. A expressão de Tácito devia ser analisada e
recomendada. Um bom escritor simplesmente não deve se importar, caso não seja
compreendido também dentro de dez anos. O que este século não compreende será
compreendido no próximo.

Aqueles que são efetivamente filósofos. E os titulares.

Todos os entusiastas que eu conheço cometeram sempre o erro terrível de, ante a menor
faísca que sobre eles caiu, queimarem tudo como se fossem fogos de artifício
longamente preparados. Sempre da mesma forma e com o mesmo estrondo; já que as
sensações no homem sensato sempre foram proporcionais à impressão causada. O
leviano continua friamente a raciocinar de acordo com a primeira impressão; o homem
sensato sempre se volta e vê o que o instinto diz a respeito disso.

Aqueles propositais encaixes e encadeamentos do todo, que, no fundo, revelam o mestre


na arte dramática e que tanto admiramos em Lessing.

109
Quem pode dizer até onde vai a perfectibilidade humana? Da criança, que cambaleia
agarrada à mão de quem a conduz, até Terzi,143 em Londres. Quem pode afirmar que o
homem nunca aprenderá a voar? No mínimo, pode-se dizer até onde o homem chegou e
pode chegar em uma arte, cujo propósito principal seja fazer-se cada vez menos visível,
à medida que se torne maior.

Nossos gênios sequer conhecem o proveito que os poetas antigos ainda tiram – senão
não teriam nenhum — de conhecermos aqui e ali as opiniões, aliás, nada primorosas do
povo comum. Pois nossas canções populares são muitas vezes repletas de uma
mitologia, que ninguém na cidadezinha conhece tão bem quanto o bobo que as compôs.

É tão pouco provável que “Götz von Berlichingen”144 venha a ser representada em
Drurylane,145 quanto os cardeais instituírem um soberano na Igreja de São Pedro.

O homem exagera. Mas eu também não faço isso? Ele gosta de ouvir a si mesmo em
seu entusiasmo. E eu? Não gosto de ouvir minhas próprias tiradas espirituosas ou
mesmo, em meu menosprezo a sangue frio, tudo aquilo que é feito por sentimento?

A saber, toda irmã de cama e de reza.146

Deve-se seguir o sentimento que se tem e colocar em palavras a primeira impressão que
uma coisa provoca em nós. Não que eu aconselhasse a procurar dessa maneira a
verdade, mas porque é a voz autêntica de nossa experiência, o resultado de nossas
melhores observações, já que caímos facilmente na conversa fiada consoante ao dever,
até que possamos refletir. Até lá, sugerir a filosofia beata.

Escrever assim, como Herder, é pouco cristão diante da posteridade, ou seja, os


invejosos artífices de palavrórios já querem encontrar invenções em seus escritos,
mesmo que essas pessoas honestas não tenham gastado uma sílaba pensando nisso.

143
Certamente, Francesco Lana Terzi (1631-1687), jesuíta italiano que teria voado em um balão.
144
Peça de Goethe (1773)
145
Teatro real, em Londres: www.londontheatre.co.uk
146
Buhlschwester é peça de M. M. R. Lenz (1774) e pode conotar “prostituta”, algo como “irmã
carinhosa”, ao passo que o segundo termo remete a reza e, talvez, também a cama, com pequena variação
na grafia (betten/Bett).

110
Uma regra capital na filosofia é não erigir nenhum Deum ex machina,147 não aceitar
nenhum sentido, nenhum instinto onde ainda seja possível sair por meio de associações
e mecanismos.

Grandes descobertas raramente são feitas por pessoas que leram muito. Digo isso não
para desculpar a preguiça, pois o inventar pressupõe uma ampla auto-reflexão sobre a
coisa. Deve-se mais ver do que deixar dizer sobre si. Associação.

As ações de uma pessoa, a maneira como cuida de sua casa, são comumente
prolongamentos de sua condição íntima, seu cérebro, etc. Assim como o ímã dá forma e
ordem à limalha de ferro.

Eu não preciso da palavra “diabo”, que aparece freqüentemente em minha humilde obra,
no sentido em que a toma o homem comum, mas, sim, como fazem os filósofos
recentes, para manter a paz com todas as seitas; assim, é mais comparável com x, y, z
dos estudiosos de álgebra, ou seja, uma grandeza desconhecida.

Se as pessoas contassem com sinceridade seus sonhos, revelariam assim seu caráter
mais rapidamente que pela análise dos traços do rosto.

Que influência haveria sobre um povo que não aprende línguas estrangeiras? Presume-
se que seria algo parecido com a influência que o afastamento completo de toda
sociedade poderia ter sobre uma pessoa em particular.

Se formássemos as mães! Ou seja, educar as crianças nos ventres maternos.

Para construir-se para si mesmo uma reputação, não há caminho mais seguro que
quando se escreve sobre coisas que têm uma aparência de importância, com o que,
todavia, o homem sensato simplesmente não gasta tempo para examinar.

Ele interrompeu a si mesmo.

147
Artifício engenhoso e eventualmente apelativo, para resolver um problema, como no teatro que usa
maquinário para fazer descer no palco um ator fantasiado de divindade.

111
Um homem me disse, recentemente, que é uma vergonha a Alemanha deixar-se guiar
por periódicos e jornais de eruditos. Eu não teria esperado do referido homem nem
mesmo uma observação como essa; então, a Alemanha é feita de eruditos redatores de
jornais? Eu não creio que haja um homem sensato que se ocupe da opinião de um
jornal, quero dizer, que condene um livro que o jornal tenha condenado ou que o
prestigie devido ao jornal apregoá-lo, pois o que está em disputa é apenas o conceito de
um homem sensato.

Uma ventura prolongada já começa a perder-se simplesmente por conta de sua duração.

Ler significa tomar emprestado. E da leitura saem as invenções que amortizam a conta.

Quando se gosta de saber o que outras pessoas pensam sobre uma certa coisa que me diz
respeito, pensa-se apenas o que nós, nas mesmas condições, pensaríamos delas. Não se
considera, nesse tópico, ninguém moralmente melhor do que cada um e ninguém como
mais simples. As pessoas notam, com mais freqüência do que se acredita, tais coisas que
nós diante delas pensamos ter escondido com habilidade. Mais da metade dessa
observação é verdade. E isso já é sempre muito para um máxima que alguém estabelece
aos trinta anos de idade, como é o caso desta que me proponho.

Doutorar-se é confirmação do espírito; crisma.

Baixo alemão, alto alemão e alemão seráfico.

Estou convencido de que se um dia Deus criasse um homem, tal como o imaginam os
Magistri e professores de filosofia, deviam levá-lo de imediato para o hospício. Pode-se
elaborar daí um tipo de fábula: um professor pede que a Providência faça um homem à
imagem de sua psicologia. Ela faz isso e o professor é levado para a casa de loucos.

Cada barra de cera para selar papéis traz-lhe à lembrança a infidelidade do homem e a
queda de Adão.

112
Os mais veementes defensores de uma ciência, que não poderia suportar o mais ínfimo
olhar atravessado em direção a ela, são comumente aqueles que não a fizeram progredir
e que sabem, em segredo, dessa carência.

Fazer com que gente esperta acredite ser o que não é – eis algo que na maioria dos casos
é mais difícil que tornar-se de fato o que se quer parecer.

Nós, o rabo do mundo, não sabemos o que a cabeça pretende.

Agora, quando o mundo já se agüentou de pé, parece quase desnecessário manipular os


homens com artifícios. Permita-se que as crianças façam mais do que o possível,
reunindo-as sob a proteção das pessoas mais velhas. Não encham demais os ouvidos
delas com os nomes e feitos de grandes homens; mas, exortem-nas, façam com que
parem de ultrapassar os outros. Quem é sempre exortado para superar seus colegas de
brincadeiras vai, aos quarenta, deixar para trás todos eles. Das escolas de Eton e
Westminster148 vem gente, seja como for, que prefere fazer algo a conversar fiado.
Quando eu quero me divertir, penso comigo em um de nossos rapazes alemães,
instruído, de quinze anos, na companhia de um inglês da mesma idade, que volta da
escola de Eton. O primeiro, de peruca, empoado, humilde, tenso, pronto para
descarregar um monte de erudição diante da menor pressão. Em suas opiniões, é
simplesmente uma cópia menor e ruim do papai ou do preceptor, um mero reflexo. Até
o décimo sexto ano admira; aos dezessete, dezoito, dezenove, vinte, é visto com
expectativa e sossego. Aí, entretanto, começa a afundar o edifício erguido sobre
fundamentos ocos; aos vinte e um, vinte e três, uma cabeça medíocre e assim até o final.
Os ingleses, seus limpos cabelos encaracolados em volta das orelhas e caindo na testa,
as faces coradas, as mãos arranhadas e em cada osso um esfolado. Horácio, Homero e
Virgílio sempre presentes. Determinados e originais em suas opiniões, enganam-se mil
vezes, mas se corrigem por si, etc.

Eu prefiro mil vezes ler As mil e uma noites, Robinson Crusoé, Blas149 e Findling150 a
ler a Messíada.151 Eu entregaria duas Messíadas em troca de um pequeno trecho de

148
Duas escolas tradicionais da Inglaterra: Eton, que fica em Windsor, e a outra, ao lado da Abadia de
Westminster, em Londres, que surgiu no século XI, sob os cuidados dos monges beneditinos.
149
Gil Blas (fr.: L'Histoire de Gil Blas de Santillane) é um romance picaresco, escrito por Alain-René
Lesage, publicado entre 1715 e 1735 - a obra-prima do gênero burlesco.

113
Robinson Crusoé. Eu não diria que falte gênio bastante à maioria de nossos poetas para
escrever um Robinson Crusoé; o que falta mesmo é inteligência.

Nas pessoas que tiveram um crescimento exagerado das canelas, pode-se geralmente ver
a parte debaixo do queixo.

A superfície do planeta que mais nos entretém é a do rosto humano.

E não vejo porque, já que o autor só ficou no ventre da mãe nove meses, um livro deva
ficar na escrivaninha nove anos. Não se pode pensar em nada mais simples. Não me
surpreende que um Estado (e eu aposto que seria divertido para Horácio referir-se aos
nove meses de gravidez) não possa de jeito nenhum subsistir sob tais leis. Eu não sei de
nenhuma província na Alemanha, em que os eruditos deixem suas obras nove anos
paradas, mas sei de um país em que o juiz segue a regra de Horácio; eles deixam mesmo
de lado o processo durante nove anos, e no fim tomam decisões mais sábias do que em
países onde impera a pressa.

Todo pobre diabo deveria ter pelo menos dois nomes honrados, de modo que ele
pudesse arriscar um, para ganhar o pão. E é por isso que alguns autores mantiveram
anônimos alguns escritos. Se fosse possível contar com dois nomes honestos, seria
possível a alguém defender-se com um, caso ficasse privado do outro.

Eu conheci pessoas que bebiam às escondidas e apareciam bêbadas em público.

Eles marcam o carro postal com listras vermelhas, a cor da dor e do martírio. Eles o
forram com pano encerado, não – como se acredita – para proteger os viajantes do sol e
da chuva (pois os viajantes levam seu inimigo embaixo: os caminhos e o carro), mas
sim pelo mesmo motivo do capuz sobre o rosto do carrasco: para que os presentes não
possam ver a cara de horror, que eles decepam.

150
Trata-se do romance Tom Jones, o enjeitado, de Henry Fielding (1707-1754); [No original: The history
of Tom Jones, a foundling – daí, “Der Findling”, em alemão.] Em inglês e em alemão, o ponto de vista é
o da criança que foi “achada” e não exatamente da condição negativa expressa pelo termo em português,
que se refere a atitude dos pais que a abandonam.

151
Poema de Klopstock.

114
Choveu tanto que os porcos ficaram lavados e os homens, emporcalhados.

As consciências das pessoas são como os corpos, mas não têm a mesma delicadeza e,
além disso, são delicadas em um homem, enquanto em outros têm a espessura de um
couro suíno. Portanto, eu conheci gente cuja consciência era tão tenra, que eles não
queriam acreditar que o sol esteja imóvel e nem por dinheiro algum pisariam um
pedacinho de pão – contudo, por outro lado, dispõem dos bens das viúvas e dos órfãos
como se fossem seus...

Deve-se beber de vez em quando, para deixar mais flexíveis as idéias no cérebro e as
rugas na pele, bem como para evocar de novo as velhas rugas.

Lá, onde apenas se conhece gente metida com livros e em cada coisa apenas se vê o que
já se sabe.

Um meio para se conseguir fama: raciocinar com aparente coerência, ao embrenhar-se


confiante em uma matéria obscura e desconhecida, onde ninguém acha que vale a pena
acompanhá-lo.

Que prazeroso é observar como uma coquete se arrepia, se levanta e vai em frente, sem
querer atravessar a linha que separa as mulheres idosas e as jovens. Eu notei isso na
Senhora Baumin (Baumwoll-Marie). Elas trabalham esfregando e lavando. Além do
asseio, colocam pintas no rosto152, o mais eficaz quesito, que vai sempre na direção
contrária da idade e tanto elas querem arrastar para cima, que um dia percebem que os
outros já começam a acreditar que elas de fato já estão do outro lado; aí cedem de fato e
passam mesmo para o outro lado.

Os ladrões seriam mais perigosos, com certeza – ou haveria um novo tipo de ladrões
perigosos – se um dia as pessoas se pusessem a cursar Direito, a fim de efetuar roubos,
assim como ele é estudado para proteger pessoas honestas. Certamente, virão grandes

152
Desde o século XVII, a pinta no rosto foi moda entre mulheres; de seda ou feita a lápis cosmético,
servia para dar recados a pretendentes no teatro e na passarela. O costume aparece no filme La Discrète,
dirigido por Christian Vincent (França, 1990)

115
avanços para o aperfeiçoamento das leis, quando houver ladrões que as estudem a fim
de se safarem ilesos delas.

Quando leio um livro alemão impresso com caracteres latinos, ocorre-me sempre como
se eu devesse primeiro traduzi-lo, mais ou menos como ao pegar um livro de cabeça
para baixo e assim lê-lo; eis uma prova do quanto nossos conceitos dependem desses
signos.

Ele dizia que gostava tanto de ler ensaios de gênios, porque ele sempre se sentia mais
forte, em seguida.

Poucos livros levam tanto tempo para serem escritos quanto para serem encadernados, e
tudo demanda para isso esforço e cuidado – o papel, a composição, a impressão, a
encadernação – tudo, exceto o acabamento.

Há algumas semanas apresentou-se a mim em Göttingen, para oferecer seus serviços,


um homem que podia, a partir de dois pares de meias velhas de seda, fazer um par novo.
Nós também dominamos o ofício de elaborar um livro novo com os retalhos de uns
tantos livros velhos.

Deve-se aconselhar muito a cada pessoa para que mantenha relações com pessoas
inteligentes, porque mesmo um tolo pode aprender, por imitação, a agir de modo
razoável. E até os maiores tolos aprendem a imitar, inclusive os macacos, os poodles e
os elefantes.

Porque será que alguns pensamentos desagradáveis incomodam muito mais vivamente
de manhã, quando se desperta, do que algum tempo depois, quando se sabe que todos na
casa já se levantaram, ou também quando a gente mesma se põe de pé ou ao meio dia ou
mesmo à noite, quando nos recostamos na cama? Eu tive diversas experiências com
isso, ao ir para a cama à noite completamente tranqüilo em relação a certas coisas que,
por volta das quatro da madrugada, voltariam a me preocupar muito. E isso chegou
muitas vezes a me tirar o sono, a ponto de revirar na cama. Todavia, às nove horas da
manhã seguinte – ou mesmo antes – estavam de volta comigo a indiferença ou a
esperança.

116
Escrever com sentimento. Para isso, precisa-se de algo além de lágrimas e luar.

Quanto ao cérebro, não importa apenas seu tamanho mas, também sua fineza e seu peso
específico.

As línguas vivas estão quase todas mortas, para os estrangeiros que não viveram no
meio do povo que as utiliza. Quando a idade um dia chega, como é difícil - quase
impossível - aprender todas as pequenas conexões da linguagem!

Quando se investiga com exatidão muitas histórias miúdas, encontrar-se-á sempre o


pouco de verdade que se esconde nelas e, muitas vezes, algo completamente diferente
daquilo que se acostumou a imaginar. Por exemplo, as bruxas, tão perseguidas outrora
com fogo e água, não são de modo algum as criaturas usualmente representadas na
imaginação comum. E suspenderam um tanto cedo demais a queima delas em fogueiras.
Eu reuni cento e cinqüenta passagens153 e daí posso provar que as bruxas do mundo que
nos precedeu são as que hoje chamamos “irmãs de café”,154 nome sob o qual incluo
todas as pessoas idosas do sexo feminino, que, em sua juventude, tanto aprenderam que
bem prontamente leram na Bíblia até alguns Nomina propria no Velho Testamento e
poderiam recitar todos os números, se estivessem escritos por extenso. E dedicaram-se
depois das histórias da Bíblia, mormente à história privada de todas as famílias em sua
cidadezinha, e poderiam manter registro sobre estados de gravidez, noivados,
casamentos e arranjos para a cabeça. Elas, que a qualquer doençazinha de uma donzela,
já vêem apontando maduro o filho bastardo e adivinham o homem e o baile que foram a
causa e a oportunidade para os hipotéticos casamentos entre pessoas solteiras e não
raramente dão fundamento, com suas fofocas, a divórcios que de fato vem a ocorrer. Em
resumo, todas essas insensatas donas idosas, que falam demais e saem fazendo visitas,
são tanto a peste e a deterioração da boa sociedade quanto a asseada matrona sensata,
mãe honrada, é um adorno para a vida social. Que as bruxas nadassem na água é uma
mera expressão figurada e creio que apenas queriam com isso dizer que o chá e o café
são na verdade seu elemento, e creio seriamente que nossas novas bruxas não poderiam

153
Segundo editores alemães, “150 Loca” seria apenas uma expressão fictícia, um exagero.
154
A comparação entre as “irmãs de café” (Kaffeeschwestern) e as bruxas – ou sibilas – volta em outro
aforismo, logo a seguir, no mesmo Caderno F dos Sudelbücher.

117
se afogar no café, pois eu mesmo vi uma delas beber quatorze xícaras, quando as mais
sadias vaqueiras da Vestfália morreriam com apenas quatro...

Assim como pintam um zero sobre a cabeça dos santos.

E é porque os homens podem reter tão pouco do que lêem que muito raramente pensam
por conta própria. Quando um homem sabe repetir bem o que os outros disseram, é que
geralmente refletiu muito consigo mesmo, mas apenas se sua cabeça não for um mero
contador de passos, pois assim são muitas cabeças admiradas apenas por exibirem boa
memória.

Dar o último retoque em sua obra significa queimá-la.

Minha opinião sobre o título dos livros já a expus em outro lugar. Às vezes, é necessário
dar ao povo coisas velhas sob um novo título e trazer-lhes algo com nova mistura.
Quantos laxantes não há – como o ruibarbo, os sais, o maná, a jalapa – para administrar
às escondidas ao doente, embora não se possa enganar o estômago e as vísceras. Existe
justamente um tipo de embuste permitido, que uma sensibilidade refinada facilmente
distingue. Dourar as pílulas.

Ele ficou tanto tempo naquela gestação, sem que nada surgisse de lá, de modo que agora
é bem provável que só a cesariana resolva.

Ela foi morta pelo Furore Wertherino. O Furor Wertherinus.155

As florestas diminuem a cada dia, a lenha escasseia. O que vamos então fazer? Oh! Na
época em que acabarem as florestas, certamente poderíamos queimar livros até que as
novas cresçam...

Ele declamava lá embaixo seu abracadabra transcendente.

155
Estudiosos das obras completas de Lichtenberg explicam que a expressão foi formada a partir do
"furor teutonicus" que descrevia a paixão belicosa dos guerreiros germânicos, na epopéia Farsália, de
Marco Lucano (39 – 65 d. C.). Todavia, a expressão “furore uterino” equivalia a ninfomania e histeria, na
medicina antiga. E Lichtenberg poderia ter conhecido a obra de Fischer e Fuchs: Disputatio inauguralis
medica, de furore uterino (publicada em Erfurt, 1728). Enfim, a mulher que morreu depois de ler a obra
de Goethe, que Lichtenberg detestava: Werther.

118
Ele dá nomes que deveriam ser pregados em todos os patíbulos do mundo.

Seu Diabolus familiaris156 foi, com certeza, o que lhe deu inspiração para isso.

O lugar não parece uma cidade, mas, sim, um mercado de trastes com casas demolidas.

A perfectibilidade humana daria um poema magnífico, bem como a fisiognomônica.


Sem desmerecer um Haller.157

Eu não entendo porque muitas partes do corpo humano são cobertas de pelo, a não ser
que no momento do banho a água se mantenha ali por mais tempo e, ao resfriarem-se,
aquelas partes se fortalecem e arrefecem, pois elas são as de que mais se necessita.

Pode-se lamentar os erros de um grande homem, mas ele não merece uma reprimenda
só por causa disso; o homem deve ser assumido como um todo.

Se eu pelo menos soubesse quem ensinaria ao homem honesto que ele não é um esperto.

Então eles queriam mandar os católicos para o céu com explosões de pólvora?

O mundo é sempre, ao juízo deles, ou bondoso demais ou injusto.

A primeira regra para os romances e para o teatro é considerar os diferentes personagens


ao mesmo tempo como pedras no jogo de xadrez, sem procurar ganhar o jogo através da
mudança das regras que orientam o movimento das peças, para não arrastar um cavalo
como se fosse um peão, que são personagens bem determinados, nem tampouco colocá-
los fora de ação, para atingir sua meta, mas sim, de preferência, vencer por meio da ação
delas. Na verdade, seria um milagre conseguir evitar isso, pois vai contra a natureza.

Era um escritor atuante e um muito aplicado leitor de seus próprios artigos nos
periódicos científicos e nos jornais.

156
No sentido socrático, certamente, como “demônio pessoal” ou gênio, que vale como princípio moral.
157
Certamente Albrecht von Haller.

119
Ele parecia tão amarrotado quanto uma menina em roupas de homem.

O completo idiota, o corriqueiro homem racional, e o furioso têm geralmente seus


sinais, pelos quais são facilmente reconhecidos, mas determinar as gradações e nuances
ali, (o que é na verdade a especialidade da fisiognomônica) é muito difícil.

Há pessoas cujos lábios contornam com a mesma largura a boca toda, o que lhes confere
a aparência de um arcabuz. Com estas, raramente conseguimos entabular alguma coisa.

O que eles chamam coração está bem abaixo do quarto botão do colete.

Escrever com sentimento significa para os senhores sempre falar de ternura, amizade e
filantropia. Seus cordeirinhos! Teria eu dito logo: isso é apenas um raminho da árvore.
Vocês deviam em geral mostrar as pessoas, o homem terno e o janota carinhoso, o tolo
e o ladrão, o camponês, os soldados, o postilhão; mostrá-los todos como são, eis o que
chamo escrever com sensibilidade. O que vocês escrevem é para nós tão detestável
quanto vosso violino sem fim, na mesma corda de sempre. Ora, o homem constitui-se
ainda de algo mais que testículos.

O que é, pois, o homem senão uma xícara de café? Ele junta engenhosidade, para
esvaziar no pratinho, mas o pratinho sem café não vale nada e a cabeça nada vale sem o
pratinho.

Era como se o tempo ainda estivesse imberbe.

Quem não usou seu talento para instruir e melhorar o semelhante ou é um homem ruim
ou uma cabeça extremamente limitada. Uma das duas deve ser o autor do sofredor
Werther.158

Ensaio sobre o guarda-noite. Eu mesmo sou um guarda-noite, meus senhores, na


verdade não por profissão, mas por diletantismo. Eu não posso mesmo dormir à noite e

158
Por essa época, Lichtenberg não apreciava Goethe, nem o movimento Sturm und Drang. Uma década
depois, essa relação seria diferente, apesar da constante intriga de ciúmes entre os dois. Cf. Patzig.

120
já avancei noite adentro, como costumam fazer os diletantes, mas sem a bazófia toda da
maioria dos que são profissionais nisso.

Eu acho que, se alguém quer construir no ar, castelos são sempre melhores que casas de
cartas de baralho.

Eu creio que a fonte da maior parte da miséria humana esteja na indolência e na moleza.
A nação que tinha a maior energia sempre foi também a mais livre e a mais feliz. A
indolência não é capaz de vingar nada, mas faz suportar as maiores injúrias e a mais
pesada opressão.

Para fazer o maior barulho, escolhem as pessoas mais baixinhas, os tambours159.

Viajar à Grécia moderna, para visitar a tumba sagrada das belas artes.

Em Göttingen, o homem que apara o cabelo da cabeça merece mais respeito dos rapazes
do que aquele que empreende melhorá-la por dentro.

Não apenas para as pessoas sensatas, pessoas bonitas sem juízo tornam-se odiadas
beldades, como também perde seu valor a extrema prontidão para servir, em pessoas
desprovidas de dons.

Grande asseio sem esnobismo, e sem que se note que ela é procurada por demais;
flexibilidade e modéstia sem afetação. E a benevolência sem compulsão pode vir a ser
beleza. E pode, pelo menos, trazer amor.

As pessoas que, por interesse, são boas para alguém estão também à espera de
vantagem.

Porque são tão bonitas em seu luto as viúvas jovens? (Investigar)

159
Tambours, do francês, que também serve para “tocador de tambor”, o que nos faz hoje lembrar do
recente romance de Günter Grass, Die Blechtrommel (O tambor, 1956, depois filmado por Fassbinder),
cujo protagonista toca tambor e se recusa a crescer.

121
Isso significa que devemos iluminar com a luz da verdade, sem chamuscar a barba de
ninguém.

Eu ainda não encontrei ninguém que não ache agradável a sensação de cortar com
tesoura uma folha de estanho.

Eu carimbei todas as minhas obras com um F duplo. Não por causa de alguma conversa
de artistas gravadores sobre as miscelâneas da desordem, mas sim por serem as iniciais
de minhas divindades caseiras, a quem ofereço sacrifícios diários: a Fama e a Fome.

Uma expressão algo melindrada.

É enquanto são escritos que se aprende o manejo dos livros.

Quão próximo de uma grande descoberta podem passar de vez em quando nossos
pensamentos?

Como se diz, alguém se paramenta para uma função, quando é o ofício que lhe devia dar
camisa.

Muitos homens se torturam durante a vida para, frígidos e impotentes, estudar o


desenvolvimento da opinião de um escritor. Eu admito que seria necessário o prazo de
uma vida para traçar o sistema desse homem, para limpá-lo da sujeira sebosa dos
revisores; tudo isso é verdade, mas basta um quarto de hora com a sã razão em vigília
para ver que toda a Historie não valia três vinténs.

Aconselha-se com freqüência pensar por conta própria apenas para distinguir os erros
alheios no estudo da verdade. Isso tudo pode ser útil nos estudos, mas decerto não basta.
Quanta leitura desnecessária nos será poupada! A leitura é, então, estudo? Alguém já
afirmou, respaldado pela verdade, que a fartura de impressos de fato ajudou a ampliar a
erudição, mas o conteúdo teria diminuído. Ler muito é prejudicial ao pensamento. Os
maiores pensadores que me apareceram foram justamente, dentre os eruditos que
conheci, aqueles que leram menos. O prazer dos sentidos não vale nada, então?

122
A maioria dos eruditos é mais supersticiosa do que eles mesmos dizem, e até mais do
que eles mesmos acreditam. Não é possível tão facilmente livrar-se por completo de
maus costumes; o que se consegue é escondê-los do mundo e evitar suas conseqüências
danosas.

Dar a seus órgãos alguma coisa para brincar não é o que se chama estudar.

É certo que nossa bem-aventurança atual, sobretudo até onde dependa da bondade da
constituição política, não cresceu na relação em que nosso conhecimento aumentou. De
onde é que se move isso? Da educação dos Individuorum? Certamente não apenas daí.

Cada coisa é igual a si mesma; cada um dos pedacinhos representa o todo. Às vezes vi
minha vida inteira passar em uma hora.

O vinho produziu muitos feitos grandiosos.

Alega-se contra o vinho apenas os atos ruins a que ele conduziu, embora ele leve
também a mil ações boas, de que não se toma conhecimento. O vinho estimula a ação: o
bem nas boas e o mal nas más.

Quando ele falava, as ratoeiras na vizinhança toda se fechavam por si mesmas.

Os tolos, que não conhecem suas fraquezas, querem normalmente reformar a nação,
mas só os maiores gênios o fazem, acionados pelos acasos mais felizes. Em vez de
oporem-se com estúpida valentia à corrente de preconceitos e enfermidades enraizados
de uma nação (imitação, por exemplo, entre os alemães), é mais conveniente e mais
adequado às forças usar aquela fraqueza, para tornar os homens mais sábios e mais
felizes.

Eu vejo em meu rosto uma sepultura, dia 16 de abril de 1777.

O homem se torna um sofista e excessivamente espirituoso, quando seus conhecimentos


básicos não bastam; e, por conseguinte, todos se tornam assim quando se trata da
imortalidade da alma e da vida após a morte. Aí somos todos incapazes de

123
profundidade. O materialismo é a tangente160 que não pode coincidir com a reta da
psicologia.

O fato de termos gosto apenas pelas coisas inglesas e francesas é um sinal de que nosso
gosto e nossas forças se distanciaram. Nosso apetite pede algo mais gostoso do que
aquilo que no momento nosso solo pátrio produz.

Em nossos poetas da moda161 pode-se ver facilmente como a palavra gerou a idéia; em
Milton e Shakespeare, é o pensamento que produz a palavra.

Creio que jamais, entre os assim chamados jovens estudantes alemães, a soma das
cabeças vazias tenha sido maior que atualmente. Esta é a causa de tantos jovens
Werthers, não porque o livro seja escrito com maestria, mas sim porque pode-se
precisar de tais cordeiros angelicais para o que der e vier. Eles passam pelo dono do
restaurante, sem pagar, e choram sobre o túmulo de Gellert, eles desenham silhuetas e
farejam o orvalho do Gólgota, eles poderiam precisar de um Gassner protestante, que
dominasse as metáforas, para invocar ou expulsar o demônio, e de um Hancock162, para
demarcar os limites de uma república de ladrões. Isso não é caráter algum. Indolência,
insensatez e falta de experiência em tudo que se denomina ciência séria, que os tornou
embotados para tudo, exceto a especulação sobre o ímpeto, a partir do qual arranjaram
para si uma história natural, uma estética, uma filosofia; aí eles procuram toda a nobreza
da alma e o céu neste mundo.

Eis o que me confessou um grande amigo: quando se sentava com grande apetite diante
de um bom prato, sempre sentia em si uma esperança muito viva de que um dia se
tornaria um grande homem. Esse sonho o enganou. Ele não se tornou nenhum grande
homem, se bem que veio a ser um homem bom e útil.

É muito perigoso, diz Voltaire, ter direito a certas coisas sobre as quais grandes homens
se enganaram.

160
Asymptote: em português, assintótico refere-se à impossível coincidência de duas retas cujo ponto de
tangência desloca-se para o infinito.
161
Na Alemanha, à época do Sturm und Drang, que não agradava a Lichtenberg.
162
Certamente, John Hancock (1737-1793), pioneiro da independência norte-americana.

124
Falta ainda aos alemães, sem dúvida, um Boileau.

Sempre fico triste ao pensar que podemos chegar longe demais na investigação de
muitas coisas, ou seja, nossa bem-aventurança poderia ser prejudicada. Encontro em
mim mesmo uma amostra disso. Se coubesse em meus esforços conhecer o coração
humano, teria sido menos feliz. Eu prefiro perdoar de antemão as pessoas por suas
maldades, é verdade; quando alguém fala mal de mim em público, sobretudo quando
isso acontece para divertir a sociedade, então não posso absolutamente me rebelar por
causa disso contra tal pessoa; eu procuro usar da plena razão para não levar isso a mal,
embora não deva ser com o sangue agitado e o calor ou a rude calúnia, que creio não
merecer. Por outro lado, importa-me muito pouco o elogio das pessoas, e sua inveja
seria em todo caso a única coisa que ainda me poderia alegrar. Isso não deveria existir
no mundo. Portanto, aqui também é necessário o crescimento harmônico do sistema de
conhecimento como um todo. Onde uma parte é cultivada demais, sempre se segue ao
final uma pequena ou uma grande desgraça.

O homem inclina-se fortemente a crer que não é visto quando ele mesmo nada vê, à
maneira das crianças, que cobrem os olhos com as mãos, para não serem vistas.

A mais bela passagem do “Werther” é onde ele atira contra o covarde.163

O editor mandou pendurá-lo in effigie diante de sua obra.164

Em Göttingen, de fato, não há comédias, no sentido formal; mas justamente por isso
fica mais fácil arranjar uma, ao recolher uma cena aqui e outra ali.

Se a fisiognomônica viesse a ser o que Lavater esperava dela, então as crianças seriam
enforcadas, antes de praticarem os atos que merecem a forca. Seria celebrado então,
todo ano, um novo tipo de crisma: um autodafé165 fisiognomônico.

163
Referência ao suicídio do protagonista da obra de Goethe, que Lichtenberg desaprovava, em geral e,
mais ainda, nesse particular.
164
Referência a uma prática penal antiga, também usada hoje em passeatas contra ditadores, por exemplo,
em que, na falta da pessoa que se quer julgar ou executar, queima-se ou enforca-se um boneco que a
represente. Lichtenberg devia reprovar a impressão do retrato de um autor, na capa de uma obra
medíocre.

125
Eu não posso dizer que eu fosse inimigo dele, nem tampouco bom para ele, pois eu
nunca sonhei com ele.

Liscow166 diz que a multidão medonha de miseráveis escritores é tão hábil para
implantar a barbárie quanto uma horda de ostrogodos e visigodos. (excelente!)

Uma criança inteligente, se for criada junto com uma boba, pode tornar-se abestalhada.
O ser humano é tão perfectível e corruptível que pode tornar-se, por causa da razão, um
idiota.

Eu só consigo ganhar para meu lado a superfície das pessoas; seu coração só se
conquista com o prazer sensível delas e disso estou tão convencido quanto sei que estou
vivo.

Também as imaginações são uma vida e um mundo.

Epitáfios para livros.

Há pessoas de índole inofensiva, que disso se envaidecem e sempre falam de sua


honestidade. Como praticam a coisa quase como uma profissão, sabem choramingar
sobre seus salários por meio de uma auto-proclamada modéstia, que esgota a paciência
da gente, diante dos credores sempre submetidos a exortações.

O que emperra a depuração da verdade não é a mentira, mas antes o refinamento das
observações falsas.

Eu já notei claramente que tenho muitas vezes uma opinião quando estou deitado e uma
outra quanto estou de pé, sobretudo se comi pouco e fico abatido.

Com a tira, que devia ser uma atadura para curar seu coração, estrangularam sua paz.

165
Fogueira da Inquisição, para executar infiéis, bruxas e hereges.
166
Certamente, trata-se de Christian Ludwig Liscow (1701-1760), filho do pastor Salomo Liscow e autor
de sátiras contra a igreja, a escolástica e os homens de letras que viviam a bajular príncipes e aristocratas.
O comentário entre parênteses – “excelente” ou “formidável” – é, sim, de Lichtenberg.

126
Dentre as vítimas trazidas até ele, o nome honrado de um inimigo era sempre o que
mais lhe agradava.

Lá estava ele tão triste quanto o bebedouro na gaiola vazia de um passarinho que já
morreu seco.

Outrora, quando a alma ainda era imortal.

Ele saiu dos anos das odes e chegou à idade dos salmos.

Toda imparcialidade é artificial. As pessoas sempre tomam partido e estão certas ao


agirem assim. A imparcialidade mesma é parcial. Ele era do partido dos imparciais.

Lá, onde o olho vê algo confuso, está uma forma de morte, pois onde não há imagem
clara, não há imaginação.

O que podemos julgar com sentimento é muito raro e simples; o resto é preconceito e
complacência.

Deixa-se hoje contemplar sua sombra como antes contemplavam sua água.

Os mouros são ridicularizados por praticarem o tráfico de gente. Mas o que é mais
cruel: vender escravos ou comprá-los?

Verdade, instrução e aprimoramento da humanidade são as metas principais de um


escritor; se ele mantiver isso, ser-nos-iam bastante indiferentes os métodos...

Merece destaque a opinião das pessoas que consideram que a Terra de fato seja
redonda, mas acreditam que andamos no lado côncavo, como os bois andam dentro de
uma roda para mover um moinho.

Eis aí pessoas realmente perigosas: os fanáticos sem capacidade.

127
Um ímã que se apaixonou por seis libras.

Um corpo esguio agrada por causa do melhor encaixe na hora do coito e da variedade de
movimentos.

A cara e a alma estão uma para a outra como a metrificação para os pensamentos.

Não há no mundo regra de vida mais importante do que esta: aproxime-se o quanto for
possível de pessoas mais habilidosas que você, mas não a ponto de lhe parecerem
incompreensíveis. É mais fácil elevar-se pelo impulso da ambição que rebaixar-se
diante dos grandes, com base numa fria decisão.

A garota é bem boa; deve-se apenas deixar que façam outra moldura em volta.

E aí um dia os anjos darão boas risadas.

Para purgar uma tamanha imundície, umas poucas páginas de calendário eram
certamente insuficientes.

Em Lavater, não há nada da suave luz do sol de Ticiano, mas sim uma neblina sagrada
que ele fumega em cima de tudo. Relampeia o pó mágico do licopódio e faz o violino
trovejar.

Ele devia um dia ver as cabeças que são sacudidas em sua fisiognomônica.

Onde Lotte na peça167 corre em volta e dá tapas nas orelhas de todos, aí poderia estar a
Germânia, que esbofeteia todas as nove musas.

“É uma pena que não seja pecado beber água!”, gritou um italiano. E completou: “Que
gosto bom ela teria!”

Cada coisa tem seu lado de dia útil e seu lado dominical.

167
Werther, de Goethe.

128
Assim como a assimilação produz sílabas e palavras, podem também as sílabas, por seu
lado, render in nominibus propriis cores para a formação imaginativa e traços para a
caracteriologia. É valida toda pesquisa sobre a origem das imagens que formamos em
nós de pessoas que nunca vimos, as formas de ruas e cidades que jamais freqüentamos.
Para a cara do General Lee, que eu fabriquei para mim, o duplo E tem mais peso que
todas suas más ações, que me chegaram aos ouvidos.

Muito pode ser deduzido a respeito de um homem, a partir de sua amante; nela se vêem
as fraquezas e os sonhos dele. Ex sócio, não reconhecemos bem nem a metade do que
podemos ex socia.168

E o que é o estado doentio (não a doença) senão a desfiguração interna?

Um discurso não precisa ser impresso. Tivemos bons oradores em épocas de escritos
presumivelmente ruins, e não se deve recitar para o ouvido algo de leitura agradável;
são coisas completamente diferentes. O lugar de uma pintura não é debaixo da lente de
um microscópio. Nossos dramaturgos não deviam se esquecer disso.

Os humanos e os macacos não podem ser cevados à vontade, como o gado.

Se eu tiver ainda que indicar um sinal do entendimento, que quase nunca me ludibriou,
é este: pessoas que são muito mais velhas do que parecem raramente tiveram muita
inteligência, e, inversamente, pessoas jovens que parecem velhas, também se
aproximam da sabedoria vetusta. As pessoas hão de me entender e não por acaso
acreditar que as palavras “parecer jovem” significam saúde e cor fresca e a “aparência
da velhice” compõe-se de rugas e palidez.

Eu recomendo mais uma vez os sonhos, pois vivemos e percebemos tão bem durante o
sonho quanto acordados e eles são tão bons quanto a vigília. Uma das vantagens do
homem é sonhar e saber que sonha, mas ainda não fizemos um uso certo disso. O sonho
é vivo e, combinado a tudo mais que somos, torna-se aquilo que chamamos vida

168
O tradutor Le Blanc sugere que Lichtenberg estaria a brincar com a frase “Noscitur ex socio qui non
cognoscitur ex se”, que pode ser traduzida, na linha do “diz-me com quem andas”, por “quem não é
conhecido por si mesmo, é conhecido por seu companheiro”.

129
humana. Os sonhos se perdem ao acordarmos, mas não se pode dizer onde começa o
despertar de uma pessoa.

Uma voz agradável muitas vezes está ligada às demais propriedades boas do corpo e da
alma. E ademais tantas cantoras boas são prostitutas, enquanto a maioria das pessoas
tem uma voz feia.

Ao que me parece, a Messíada, de Klopstock, só pode apresentar dificuldade assim que


se queira encontrar em tal obra o que lá meteu a gritaria dos redatores de jornal e dos
bardos. A mim ocorre como se a poesia fosse extremamente fácil – e não difícil demais.
Quero dizer, não seria ela profunda demais, mas, ao contrário, fútil em demasia.

Se a razão, filha dos céus, pudesse julgar sobre a beleza, então a doença seria a única
feiúra.

O belo absoluto na formação do rosto grego: eis algo que sempre nos parece suspeito,
pois reconhecer o absoluto é um tipo de erudição.

Que eu deixe algo passar primeiro por minha razão, antes de lhe dar crédito, não é para
mim em nada mais maravilhoso que eu mastigar algo na ante-sala de minha boca, antes
de deitá-lo goela abaixo. É curioso dizer tal coisa, clara demais para nossos tempos, mas
receio que daqui a duzentos anos isso será muito obscuro.

Uma das maiores conveniências do casamento é poder encaminhar a sua esposa uma
visita que você não suporta.

É estranho – e eu nunca notei isso sem um sorriso – que Lavater tenha achado nos
narizes de nossos atuais escritores mais do que o mundo sensato encontrou em seus
escritos.

Não me espanta que se sonhe com coisas tão tolas; o que me admira, no entanto, é que
alguém acredite ser a mesma pessoa ao fazer e ao pensar uma tal coisa.

130
Eu acredito justamente no contrário do que aqui se diz, ou seja, que a maior parte do
bem é praticada no mundo por pessoas que, por causa de suas boas maneiras, não são
reconhecidas e tampouco creio que a beleza tenha trazido a maioria das desgraças ao
mundo, se bem que possa ter favorecido a sorte ou, antes, a volúpia de uma pessoa em
particular.

Enquanto alguém contempla a eternidade e lê para mim coisas do céu, que eu não vejo,
fico calado, porque tal pessoa também deveria acreditar em mim, quando eu, por minha
vez, proclamasse minhas profecias. Contudo, quando olhamos este mundo, só uma das
diferentes opiniões tem razão, ou são ambas sem razão. Todos nós juramos sobre os
quatro silogismos, prestamos o juramento supremo da lógica.

Não se pode apenas tornar transcendentes coisas do mundo corpóreo, mas também
trazer de volta, do mundo dos espíritos para o corpo, coisas retroscendentes.169

Considere-se, de repente, um nervo. Da ponta de meus dedos jorram milhares de


sensações como pequenos rios despercebidos dentro de um rio maior, para o qual, de
novo, outros maiores confluem, conduzindo uma nova água, até que eles finalmente,
unidos em uma corrente principal, deságüem no mar do cérebro, cuja situação e
capacidades você julga estando de fora da abóbada óssea. Lá dentro, o cérebro poderia
ser cozido, desidratado e petrificado, sem que você notasse.

Não se deve querer encontrar em uma testa essa essência inconcebível que nós mesmos
somos e que ainda nos poderia ocorrer de modo ainda mais inconcebível, se
pudéssemos chegar mais perto ainda dela.

Querer julgar a mão, que alguém descreve, a partir da forma da mão física, eis a
fisiognomônica.

Tirar o chapéu é um encurtamento de nosso corpo, um apequenamento.

Quando a cara está repleta de pequenos vulcões, então concluo que há um incêndio.

169
Transzendent/retroszendent.

131
A emissão tão freqüente de juízos falsos pelas pessoas decorre, certamente, não apenas
do desconhecimento ou da falta de idéias, mas, sobretudo, de não levarem cada ponto da
sentença ao microscópio, para submetê-los à reflexão.

Milhares de pessoas reconhecem o nonsense de uma frase, sem estarem em condições e


sem disporem de capacidade para refutá-la formalmente.

Reunir pensamentos na sacolinha da coleta para o discurso de aniversário do rei.

Um apetite sadio – e o quanto isso está ligado à alta consideração pela mulher que fez a
comida.

Eu cheguei muitas vezes a acreditar com muita convicção que, para agradar à
posteridade, dever-se-ia ser odiado pelos contemporâneos, de tal modo que senti uma
inclinação a agredir todo mundo.

Eu sinto muito mais compaixão em meus sonhos do que quando estou acordado.

Os pastores, inocência enlutada, hic niger est.170

Desde os primeiros poetas do mundo até o fabricante de versos.

Um coração puro e uma camisa limpa. (Um coração puro é uma coisa excelente, algo
assim como uma camisa lavada.)

Ninguém jamais se contradiz, quando se põe a escrever com firme opinião, embora, no
caso da mais firme opinião, seja possível tratar superficialmente o assunto, e quando se
conhece demais o objeto, de modo que já se comece a acreditar que todos deveriam

170
A frase completa de Horácio é “Hic niger est, hunc tu, Romane, caveto!” / “Esse é um homem mau,
romano. Cuidado com ele!” (Horácio, Sermões, 1.4.85). Nietzsche também utilizou o trecho em aforismo
de A gaia ciência: “Hic niger est. – Er hat für gewöhnlich keinen Gedanken, - aber für die Ausnahmen
kommen ihm schlechte Gedanken.” / „Esse é um homem mau. – Ele costumava não ter pensamentos, --
mas, excepcionalmente, vieram-lhe maus pensamentos“.

132
entender o uso das palavras, que parecem ambíguas só a quem carece de instrução. Eu
perdôo o Senhor Lavater, por haver encontrado tantas contradições em meu ensaio; ele
não foi o primeiro que acreditou encontrá-las ali, e um dos maiores pensadores que já
me precederam confessou que só entendeu minha opinião numa segunda leitura
cuidadosa e teria então concordado plenamente comigo. Eis uma grande falha de um
escrito, eu não o nego, e isso devia servir-me de aviso para o futuro: ler tudo primeiro
para minha cozinheira, antes de mandar imprimir, como fazia Molière.

Quando uma pessoa não tem as mãos, aprende a aparar com os pés a pena com que
escreve. O mesmo acontece no cérebro, onde a educação e a meta são as mais eficazes.

Um coração mole.171

Um forte sentimento, de que tanto se vangloria, é quase sempre a simples conseqüência


do declínio da capacidade do entendimento. Eu não tenho o coração muito duro, embora
a compaixão, que sempre sinto em meus sonhos, não possa ser comparada com aquela
que apresenta a mente desperta; ela é um prazer para mim, que se aproxima da dor.

O ensaio de um filósofo, sem rival na Europa, com uma introdução feita por alguém, do
tipo que agora faz falta na Alemanha – seriam bem-vindos, às dúzias, com grande
proveito.

Uma cara de amém.

Quando as pessoas finas deste mundo dizem “só Deus sabe porquê”, há sempre um sinal
seguro de que elas, além do bom Deus, conhecem um outro grande homem, que
também conhece esse porquê.

É um amor triste, quando alguém se deita com outro pela primeira vez, na sepultura.

O ideal de força e virtude devia ser a maior beleza, o que, com certeza, assim
chamaríamos e devíamos chamar. Ora, poderia tal ideal disputar com o contentamento

171
Ou “moleza de coração”, pois a partir de “Hartherzigkeit” (dureza de coração, falta de remorso),
Lichtenberg muda o prefixo para “schlapp”, que é mole, frouxo. “Cardioflacidez”.

133
do prazer sensível, que também dita as regras. Nós amamos a nós mesmos nos outros:
onde reconhecemos a bondade, o rosto nos agrada. Mas pode-se contar de fato com a
beleza? Belo é com freqüência o nome que as pessoas dão ao que lhes agrada, e isso é
relativo.

Eu devo pedir encarecidamente a meus leitores que aqui não considerem nomes, mas
apenas coisas que na Alemanha talvez tenham mais peso que em qualquer outro país do
mundo e que em parte alguma é mais fácil adquirir, se nos referirmos aos últimos anos.
Às vezes, as obras famosas não são nada mais que filosofia para calouros, com excertos
não conferidos e oriundos de viagens corriqueiras, e tudo isso proferido sob repiques de
sinos e guizos que até os pesquisadores são levados a acreditar que se trata de uma festa.
Na assembléia fechada das cabeças pensantes, ouve-se estipular o valor de tais obras.

Sem dúvida, nosso sentimento não é a medida para a beleza no imenso plano da
natureza.

Nada diverte mais que a vontade de dar uma mijada no inimigo, quando se sofre de
estrangúria.172

Esta é uma verdade muito proveitosa. E assim como a moedinha da sorte, se for
conservada em uma cabeça sadia, toda manhã aparecerá uma nova verdade a seu lado.

Não posso negar que elevou-se em mim a uma altura lamentável a desconfiança em
relação ao gosto de nossa época. O que me fez não acreditar em mais ninguém, sem
provas, foi ver todo os dias pessoas se apropriarem do nome gênio como o tatuzinho-de-
jardim pegou o nome da centopéia – não porque tivesse ele tal quantidade de patas, mas
sim porque a maioria dessa gente não queria contar além de quatorze.173

172
Distúrbio urinário, com dores e demora no funcionamento. E decerto o alívio é maior, quando se
consegue urinar – e aí não convém interromper.
173
O nome do bicho devia ser “Kellerassel” e não “Kelleresel”, o que daria algo como “burrinho do
porão”. Trata-se de animalzinho invertebrado, com dez patas, conhecido no Brasil como “tatuzinho de
jardim”; nome científico: “Porcellio scaber”.

134
A prudência de uma pessoa pode ser medida a partir do cuidado com que reflete sobre o
porvir ou o fim. Respice finem.174

Até mesmo com os cães, podemos obter sucesso, quando são bem ensinados, mas não
se deve restringir seu contato apenas a pessoas dominadas pela razão; devemos deixá-
los também com crianças, para que assim se humanizem. Isso confirma o principio que
sigo: deve-se manter as crianças sempre ao lado de pessoas que sejam apenas um pouco
mais inteligentes que elas mesmas.

Ele adorava pimenta e linhas denteadas.

Dentre as diversas obras de um homem famoso, eu preferiria ler o que ele suprimiu a ler
o que ele deixou publicar.

Seu tinteiro era um verdadeiro templo de Jano; quando estava tampado com a rolha,
então reinava a paz no mundo inteiro.175

Ao prólogo poderia ser dado o nome de pára-raios.176

À maneira de uma fama embriagada.

Fisiognomônica (crianças). Diante dos rostos feios, a indignação se torna mais perversa
que diante dos bonitos. Chamam maldade a muita coisa que se faz com uma cara feia.

Notei com muita freqüência o seguinte: quanto mais diversificados são os


acontecimentos que nos afetam, mais rapidamente passam de fato nossos dias, embora
mais demorado nos pareça o tempo decorrido na soma desses dias; no caso inverso,
quanto mais homogêneas forem as ocupações, mais longos se nos tornam os dias e mais
curto o tempo que passou ou sua soma. A explicação disso não é tão difícil.

174
A frase completa é “Quidquid agir, prudenter agas et respice finem”; “Qualquer coisa que faças, faze-
o com prudência e considera o fim”. Provérbio medieval, reproduzido em 1472 na Gesta Romanorum,
cap. CIII, cf. Paulo Rónai, Não perca o seu latim.
175
Os romanos abriam a porta do templo de Jano em tempos de guerra e a fechavam em épocas de paz.

176
O cientista hipocondríaco Lichtenberg fez instalar o primeiro para-raios da cidade na Universidade de
Göttingen, onde trabalhava. E o segundo, na sua casa de campo.

135
Deus, que dá corda em nossos relógios de sol.

Fazer tudo que termina em –ejar não tem muito valor: nem gracejar, nem rumorejar. 177

De modo especial: pessoas com caras nada parecidas são de resto muito parecidas umas
com as outras. Pelo menos, as condições de seu ânimo não estão nas de sua cara.

Não dizer que aquele que tem essa cabeça é um homem sensato, mas em vez disso
tentar levá-lo até lá – quem assim parece é, em cem contra um, um homem sensato.

Algumas pessoas maldosas afirmaram que, assim como não haveria ratos onde não
criassem gatos, tampouco haveria possessão diabólica onde faltasse exorcista.

Quão perfectíveis são as pessoas e o quanto precisamos de instrução já se vê a partir do


fato de que agora podemos em 60 anos abraçar a cultura que todo o gênero humano
levou 5000 anos para adquirir. Um jovem de 18 anos pode obter para si a sabedoria de
eras inteiras. Quando aprendo, compreendo em poucos segundos a frase “a força
atrativa do âmbar que esfregamos é a mesma que troveja nas nuvens, que acontece tão
rapidamente”, então aprendi algo cuja descoberta custou à humanidade alguns milhares
de anos.

Quando se vem um dia a saber que uma certa pessoa é cega, então pensa-se que ela
poderia ser encarada também por trás.

Eles sentem com a cabeça e pensam com o coração.

Um erudito que chora por não entender seus próprios escritos; eis uma idéia de
palhaço...

Das cabeças dos grandes gregos e romanos não se deve abstrair regras para a forma
visível do gênio, a menos que se possa contrapor-lhes gregos idiotas.

Em alemão, a terminação é –eln; em witzeln e schwärmeln. O português dispõe de seus sufixos que
177

modulam aspectos verbais, como em evanescer, esmorecer, amortizar, esbravejar etc.

136
Sterne e Fielding. Sterne não fica sobre um degrau muito alto, nem no mais nobre
caminho. Fielding não fica absolutamente elevado, sobre um caminho mais nobre ainda.
É o caminho sobre o qual andará aquele que um dia será o maior escritor do mundo, e
seu ‘Enjeitado’178 é com certeza uma das melhores obras jamais escritas. Se ele tivesse
sabido nos fazer simpatizar um pouquinho mais com sua Sophia e se tivesse ele estado
menos tempo onde só ouvíssemos ele próprio, então talvez não existisse nenhuma obra
acima da sua.

O impulso de reproduzir nossa espécie disseminou também uma quantidade de outras


coisas.

A leitura em demasia instalou entre nós uma barbárie erudita.

Indiscutivelmente, a beleza masculina ainda não foi bastante desenhada pelas únicas
mãos que a poderiam retratar, as femininas. A mim é sempre agradável ouvir falar de
uma nova poetisa. Ah! Quanta coisa descobriríamos, se elas não se formassem ouvindo
apenas poesias de homens!

Pessoas com pés grandes costumam ser ruins de marcha; o que passa nos pés falta aos
joelhos.

De vez em quando fiquei bem alegre comigo mesmo, quando fui julgado por pessoas
que se pretendiam conhecedores da natureza humana e sábios do mundo. Que erros
terríveis cometeram! Um me considera muito melhor e o outro, muito pior do que eu
era, e tudo isso a partir de fundamentos muito refinados, em que cada um acreditava.

No título inglês original e na Alemanha aparece a Expressão “foundling/Findling”, pois Tom Jones, foi
178

um menino encontrado, ou seja, “enjeitado” antes. No Brasil: A história de Tom Jones (Editora Abril).

137
Além de seu rebanho espiritual, que ele desinteirava um pouco, onde podia, tinha ele
200 cabeças andando pelo prado e que ele regularmente tosquiava.

Por toda parte anunciam o que ainda há de se produzir.

Quando uma irmã rezadeira se casa com um irmão rezador, nem sempre resulta daí um
casal rezando.179

É uma mentira do temperamento.

De fato, não mandamos mais bruxas para a fogueira. Por outro lado, queimamos toda
carta em que uma dura verdade seja dita.

Alguns finos observadores alegam haver descoberto que no amor o poético-exaltado


cresce na proporção em que o terrenal-hercúleo diminui, e também, segundo eles, a
mulher, nesse conhecimento através da tradição, deve ser muito mais do que pensam
muitos débeis Petrarcas,180 e com muito cuidado sabem distinguir entre os admiradores
da pena e os amantes do couro.181

179
Difícil saber até onde vai a malícia de Lichtenberg nesses termos pejorativos, pois a Betschwester
(irmã de reza) e o Betbruder (irmão de reza) que se casam podem formar tanto um casal que reza quanto
um casal que se deita, pois betendes soa como bettendes e leva o sentido da reza para a cama; talvez isso:
um casal de carolas que não irá apenas rezar mais. Le Blanc, na tradução francesa, foi mais longe e usou o
duplo sentido de “ejaculation”, mas em português de hoje o equivalente “jaculatória” é pouco conhecido.
180
Em referência a Francesco Petrarca (1304-1374), ver lista de autores.
181
Pena e couro soam parecido em alemão (Feder/Leder) e há centenas de provérbios com “pena”,
indicando o ofício do escritor e do legislador, e eventualmente algum que relacione ambas palavras, como
“Eine kleine Feder schützt ein grosses Leder“. (Uma pena pequena protege um grande couro, talvez
significando salvar a própria pele.)

138
A língua do Doutor Zimmermann, médico da corte, perde-se num chilreado de
papagaios.182

As mais inteligentes pessoas podem fazer tais caras estúpidas, no que dão provas
suficientes de como tudo é tão patognomônico.

Há dois tipos de fanfarrões: o positivo, que se enche de empáfia, e o negativo, tacanho,


que sabe sair de fininho, mas vão ambos para o mesmo fim leviano; o fato de que o
segundo tipo ainda engane honradas pessoas decorre, além do mais, do fato de que, em
questões morais, ainda nem se aprendeu a fazer contas.

É necessário a um escritor sair para o mundo afora, não tanto para que assim veja
muitas situações, mas para experimentar ele mesmo muitas delas.

Vale toda uma vida aquela única hora que o carrasco concede a um condenado à morte.

Sabemos seguramente que ele quase sempre levava de duas a três horas para emitir um
palavrão, digamos assim. A natureza se esforça tanto, para que naqueles anos os homens
evitem criancices, enquanto as cabeças fracas se dão ao trabalho de trabalhar na
contramão da natureza.

182
Trata-se, certamente, de Johann Georg Zimmermann (1728-1795), ver lista de autores. Lichtenberg
associa seu palavrório à algazarra de pássaros, como se fosse uma língua, o “papagaiês” ou “gaivotês”.

139
O fato de que o excesso de leitura resulte com freqüência em pensadores tão ruins pode
estar fundado também na disposição de nosso cérebro. Não é, de fato, indiferente se eu
aprendo sem esforço uma frase ou se eu mesmo chego até ela, no fim das contas, ao
seguir meu sistema. No último caso, temos um enraizamento profundo; no primeiro,
mera colagem superficial.

Freqüentemente, saio da janela quando passa um conhecido, não tanto para evitar que
ele se dê ao trabalho de acenar para mim, mas antes para me poupar do embaraço de
constatar que ele não ia cumprimentar-me.

A visão de nós mesmos, que podemos ter em sonhos, decorre de nos vermos no espelho,
sem pensarmos que estejamos lá dentro; mas, no sonho, a representação é mais viva; e a
consciência e o pensamento estão mais fracos.

Há com certeza poucos deveres no mundo tão importantes quanto promover a


continuação da espécie humana e preservar a si mesmo, pois não somos levados a
cumprir nenhum outro dever por meios tão excitantes como nesses dois casos.

A fisiognomônica deve deixar-se conduzir aos princípios; e até onde eu saiba, não se
encontrou ainda um único princípio infalível. Serão quase irreconhecíveis as poucas
frases que alguém emita a respeito desses princípios, no meio do bosque das exceções,
assim que as observações aumentarem e não se desenharem mais apenas as silhuetas de
bobos e de eruditos.

Diferenciavam-se como o marcador de compasso e o tambor.

140
Quando leres a história de um grande assassino, em vez de amaldiçoá-lo, agradeça
sempre ao bondoso céu, por não haver colocado tua cara honesta no começo de uma tal
série de circunstâncias.

Tu acreditas que eu corro atrás do esquisito por desconhecer o belo. Não; é porque tu
não sabes o que seja a beleza que eu busco o estranho.

Na palavra “erudito”, esconde-se apenas o conceito de que muito se ensinou, mas não
que ele tenha aprendido algo; daí dizerem os franceses, de modo muito engenhoso –
como tudo que vem desse povo – não les enseignés, mas les savants, e os ingleses
dizem não the taught ones, mas os learned.

É para mim sempre um sentimento muito desagradável, quando alguém tem compaixão
por mim, do jeito que se toma comumente a palavra. Por isso, quando estão mesmo
zangadas com alguém, as pessoas também usam da expressão idiomática “com alguém
assim, há que se ter compaixão.” Esse tipo de compaixão é uma esmola – e a esmola
pressupõe carência, de um lado, e abundância, de outro – embora seja ainda assim tão
pouca...

(Lion)183 Isso se passou provavelmente a menos de dois anos em... Encontrava com
freqüência um prazer em imaginar meios que poderiam tirar a vida deste ou daquele
homem, sem que fosse notado, ou atear fogo, sem que ninguém notasse. Sem jamais
haver tomado a firme resolução de fazer algo assim ou também sem a mínima
inclinação, adormeceu ele muitas vezes com tais pensamentos. Não podia mais desde
seus dezesseis anos se convencer de que Cristo fosse Filho de Deus; isso se lhe tornou
tão familiar e fundiu-se tanto a ele que era absolutamente impensável admitir aquilo. Ele
só lamentava que Cristo mesmo não tivesse deixado nada escrito e não nos desse mais

183
Lion é um pseudônimo de Lichtenberg, para esse esboço de uma autobiografia, que não foi concluída.

141
notícias sobre José de Arimatéia. Sabia muito bem o que pode fazer um fanático
piedoso com coisas assim. Sua fé na eficácia da oração; sua superstição em tantas
passagens, ajoelhar-se, tocar e beijar a Bíblia; adoração formal de sua Mãe Santíssima;
adoração dos espíritos, que pairavam em volta dele. Eu não juro de modo algum pela
verdade dessa narrativa. Uma garantia não vale nada; eu me refiro ao sinal intrínseco da
concordância e dos indícios da sinceridade, que, desde que o mundo existe, irão valer
apenas para o que se pode conhecer que busca sinceramente a verdade e tem espírito de
observação. A confiança pode enganar, porque ela se enraíza no coração daquele em
que se confia, quando a constituição dele não é a mais pura.

Do mesmo jeito que fazem os rapazes: tanto se unham e se esfolam, até que conseguem
desencravar uma barba.

Recomendar, por ser o melhor, o método da caderneta ensebada de notas. Não deixar
sem registro nenhuma locução, nenhuma expressão. Adquire-se riqueza também ao
amealhar verdades de um centavo.

(Lion) Apaixonou-se aos dez anos por um rapaz chamado Schmidt (Escola Pública, o
melhor da sala), filho de um alfaiate. Gosta de ouvi-lo contando histórias e traz todos os
rapazes para uma conversa com ele, mas nunca conversou com ele, mas ficou muito
satisfeito ao ouvir que o rapaz tinha falado algo sobre ele. E um dia, depois da aula,
subiu no muro para vê-lo sair da escola. Agora, quando se lembra ainda claramente de
sua fisionomia, era simplesmente bonito: um nariz chato e bochechas coradas. Era,
porém, o melhor da escola. Eu deveria magoar a mim mesmo, ao aumentar a
desconfiança do mundo por meio dessa livre confissão, mas eu era um ser humano, e se
a felicidade é algo acessível no mundo, não o será por meio da dissimulação, de jeito
nenhum, pois senão nada sólido pode surgir daí. Felicidade duradoura só se encontra na
sinceridade; amor com a filha de Weiland184 descrito com exatidão e de modo

184
Weiland deve ser um sobrenome comum, de uma pessoa comum e não uma grafia errada de Wieland,
escritor que parece não ter cruzado o caminho de Lichtenberg – e talvez nem tivesse uma filha, etc.

142
comovente, e depois com Justine; que nunca foi mais forte. Ele nunca tinha se
apaixonado tão severamente – e Marie, da Saxônia, e Marie de D... Ele conheceu
poucas pessoas no mundo, cujas fraquezas não tivesse descoberto depois de um prazo
de três semanas (contando-se apenas as horas de relacionamento), o que podia equivaler
a um trimestre no calendário, e ele ficou convencido de que todo o fingimento não vale
nada diante de uma relação de três semanas, pois toda arte da defesa militar inclui a arte
do cerco, para aqueles que podem ver. Nunca esqueço a pequena viela (dando a volta,
pelos fundos), onde a filha de Weiland me encontrou certa vez, mais ou menos uma e
meia da tarde; nunca vou esquecer, parece-me como se fosse uma noite, porque aí todos
estavam sentados à mesa, muito sutil, mas de coração sincero. Nunca agi mal, por
cobiça, e isso é tão verdadeiro quanto Deus estar vivo.

Uma regra para leitores: reunir em poucas palavras o propósito e as idéias centrais do
autor, e se apropriar delas sob essa forma. Quem lê assim fica ocupado e lucra; há um
tipo de leitura, porém, em que o espírito não ganha nada e, o que é pior, ainda perde; é a
leitura que não se alinha com o repertório próprio do leitor, que não se associa com seu
sistema de opiniões.

“O pássaro mais colorido tem o pior canto”. Isso vale também para pessoas, e onde o
estilo é pomposo, como no caso de Zimmermann,185 aí nunca se deve procurar
pensamentos profundos.

Olhar em uma rua o rosto das pessoas comuns sempre foi um de meus maiores prazeres.
Nenhuma lanterna mágica compete com esse espetáculo.

A liberdade dos ingleses distingue-se da nossa em Hannover, pois lá é assegurada


mediante leis, ao passo que aqui depende da benevolência do rei. Ela não pode,

185
Trata-se, certamente de Johann Georg Zimmermann (1728-1795), ver lista de autores.

143
portanto, ser minada senão por meio de suborno dos membros do parlamento, o que
parece ser o caso atualmente; a guerra contra as colônias foi conduzida contra a voz do
povo. Que bom seria, se se pudesse pesar os votos, em vez de contá-los.

Não existe nenhum critério mais seguro para apontar um grande escritor que o de deixar
compor livros a partir de suas observações en passant. Tácito e Sterne são, cada um a
seu modo, modelos disso.

O que constitui a principal diferença entre os eruditos ingleses e os alemães é não


apenas sua ocupação precoce com os antigos, mas também o fato de que serão cedo
encorajados a saber a fundo o que eles aprendem. Eles não se satisfazem facilmente e
insistem mais em idéias claras. Nossa juventude se estraga com a terrível leitura
confusa, e, certamente, mais que tudo neste mundo, através de nossos poetas, que tanto
transbordam de sentimento.

Talvez chegue logo um tempo em que veremos que nós estamos acima dos antigos em
muitos aspectos, em que nos julgamos hoje estar abaixo. Na arte da escultura e na
pintura, isto é demasiadamente claro. Winckelmann era um entusiasta, um homem que
se simpatizava com os antigos, que se enaltecia com saudade, quando se encontrava nas
terras clássicas, que formava seu gosto de acordo com os padrões segundo os quais
devia julgar os antigos...

Aprender a imaginar, pela contemplação, que ninguém é perfeitamente feliz é talvez o


caminho mais curto para a felicidade. Certamente, não há ninguém feliz por completo,
embora haja tão altos graus de sofrimento para nós. E isso é o mal.

144
1779-1789

Os olhos de uma mulher são para mim partes tão essenciais que eu os contemplo
longamente e penso em meu íntimo tanta coisa a respeito deles e, se eu fosse apenas
uma cabeça, as garotas não poderiam ser para mim outra coisa senão olhos.

Na verdade, de cada acontecimento da vida, tenha o nome que quiser, minha


hipocondria está de prontidão para sugar a maior quantidade possível de veneno, para
uso próprio.

Muitas vezes, de noite, eu tive que rir de uma ideia que, no decorrer do dia, me
parecesse ruim ou mesmo injuriosa.

Naquele tempo, eu brincava de ateu, em sociedade, meramente por exercitii gratia.186

Uma grande falha de meus estudos, na juventude, foi que investi demais no projeto do
edifício. A conseqüência foi que eu não pude construir o andar de cima e nem fechar o
telhado. Ao fim, via-me na necessidade de contentar-me com alguns quartinhos no
sótão, que eu quase terminei de construir, sem poder, contudo, impedir que com o mau
tempo a chuva os invadisse. E assim acontece com muitos!

Nos meus anos de universidade, eu tive liberdade demais e, infelizmente, um conceito


exagerado sobre minhas capacidades e por isso sempre adiei – e essa foi minha ruína.
Nos anos de 1763 a 1765, se eu tivesse podido me habituar a praticar pelo menos seis
horas por dia as coisas mais difíceis e sérias (geometria avançada, mecânica e cálculo
integral), então eu poderia tê-las levado mais longe. Eu nunca estudei para ser um
escritor; apenas li o que me agradava e guardei o que tinha impressionado logo minha
memória, sem minha participação, ou, pelo menos sem um propósito determinado.
Todavia, já que eu exercitei uma certa observação de mim mesmo, então talvez possa,

186
Só por esporte ou “just for fun”.

145
no curto tempo que ainda me resta viver, prestar um serviço útil ao dizer aos outros com
vivacidade e com energia o que eles não devem fazer.

Eu acho que fui muitas vezes avarento com as observações, e com isso sempre as
poupei para o futuro, sem jamais querer gastá-las. Pode ser que dessa maneira muitas
não viessem à luz de jeito nenhum.

L. era bom de coração, só que nem sempre se deu ao trabalho de mostrá-lo. Meu grande
erro, a razão de todo meu dissabor.

A lembrança de minha mãe e de sua virtude tornou-se em mim algo cordial, que eu
tomo sempre com os melhores êxitos, quando eu vacilo um pouco para o mal.

Sempre que eu cravo um prego, só para alinhavar alguma coisa, então penso no que vai
acontecer, antes que eu o puxe de volta. Com certeza, aí tem alguma coisa. Eu grampeei
o papelão em minha cama, em novembro, e antes que o prego fosse extraído, estava
meu grande amigo Schernhagen em Hannover, morrera um de meus filhos e tinha ido
por água abaixo meu plano de viajar à Itália.

Não é um traço excelente do caráter de Rousseau em suas Confissões, onde diz que
atirou pedras em árvores, para saber se seria salvo ou condenado? Grande Deus, quantas
vezes fiz coisas parecidas! Sempre preguei contra a superstição e sou sempre o mais
terrível intérprete de meus próprios sinais. Quando N... estava moribundo, tirei a sorte
pelo vôo dos corvos, para me consolar na hora da despedida. Eu tinha diante de mim,
quando estava à janela, uma alta torre sobre as quais muitos corvos pousavam. Será que
viriam da esquerda ou da direita? Vieram da esquerda e aí eu me senti reconfortado.
Todavia, a verdade é que eu não tinha estabelecido ao certo a qual dos lados da torre
cabia ser chamado esquerdo. Rousseau foi primoroso ao empenhar-se em procurar uma
árvore bem grossa, que ele então dificilmente erraria.

O que acontece de modo grave em outros casamentos, imitamos (eu e minha mulher)
para fazer graça. Nós brigamos com toda cerimônia, na brincadeira em que cada um
exibe tanto humor quanto possa inventar. Nós fazemos isso para ajustar o casamento.

146
Nós atiramos às cegas para que, se um de nós tiver que casar de novo um dia, não
venhamos a perder a prática.

Em todas as coisas do mundo há um coup d’oeil,187 quer dizer, cada homem racional,
que ouve ou vê algo julga instintivamente a respeito. Ele deduz o valor interno de um
livro a partir de seu título ou da espessura. Bem entendido, eu não digo que tais coisas
dirijam seu próprio julgamento, mas apenas que ele conecta também um juízo sobre
uma coisa, proporcionado por essa escassa informação, com a primeira vista dela,
muitas vezes sem que ele tome clara consciência disso. E a experiência do minuto
seguinte também suspende com freqüência o juízo...

É excelente a frase de Möser: ‘a farinha, mas não o moinho’. Os frutos da filosofia, mas
não a filosofia. Quando perguntamos ‘que horas são’ não queremos saber nada sobre o
mecanismo do relógio de bolso. O conhecimento dos meios tornou-se hoje em dia uma
ciência de renome, e ninguém a emprega para sua felicidade ou a felicidade do mundo.
Conhecimento dos meios sem uma aplicação apropriada – sim, sem dom e sem vontade
de empregá-los –, é o que hoje se chama comumente erudição.

Há uma grande diferença entre acreditar em algo e não poder acreditar no contrário. Eu
posso muitas vezes acreditar em algo, sem que o possa comprovar, assim como não
acredito em algo que não possa refutar. O lado que eu tomo não é determinado por
provas estritas, e sim por meio da preponderância.

De acordo com minha crença, o que consegue a maioria dos deístas, sobretudo entre
pessoas de espírito e reflexão, são as imutáveis leis na natureza? Quanto mais alguém a
conhece, mais verossímil se torna o fato de que jamais aconteceu no mundo algo
diferente e mesmo agora não acontece. Não é milagre algum que séculos inteiros sejam
enganados – e ainda mais facilmente os homens em particular –, que se acredite em
alguma coisa a partir de milhares de interesses, que até seja prazeroso acreditar em algo
sem investigação, pois isso vemos todos os dias; todavia, é inconcebível que o sol
escureça na lua cheia, que a água se transforme em vinho, e coisas parecidas.

187
Do francês, breve olhar, olhadela, “golpe de vista”.

147
Engana-se quem pensa que toda nossa novidade pertença à moda, pois há algo sólido
por trás dela: o progresso da humanidade não pode ser subestimado.

Eu acredito que há uma grande diferença entre instruir-se e ser racional. Pode haver
pessoas que possuem apenas o bom-senso e, contudo, refletem excelentemente sobre as
regras que o mesmo bom-senso deve seguir; assim como um fisiologista conhece a
construção dos corpos, embora seja ele mesmo muito doente. Os grandes analistas da
cabeça humana nem sempre foram os racionais-práticos. Não falo aqui de moral, mas de
lógica.

O tronco para as mais finas ramificações de nossas ciências e artes encontra-se em


algum lugar em nossa selvageria ou barbárie (a média entre selvageria e refinamento);
quanta filosofia não se exige para procurá-lo, mas quanta utilidade teria também!

Assim como é doloroso não termos feito muitas descobertas, tão logo as vejamos
realizadas, se bem que ainda fosse necessário um salto, assim dói infinitamente mais
não havermos expressado com palavras os milhares de pequenos sentimentos e
pensamentos, os verdadeiros sustentáculos da filosofia humana, os quais, quando são
expressos por outras pessoas, despertam nossa admiração. Uma cabeça erudita só muito
raramente escreve tudo o que todos podem escrever e deixa para trás o que poderia
escrever e através do que se tornaria eternizado. Em minha vida, fiz muitas observações
como as de Hartknopf188 à beira da cisterna.

Para o espírito das pessoas não se providencia menos que para o corpo dos animais; o
que aqui chamam de impulso e impulso artificial é lá o sadio bom-senso humano.
Ambos são passíveis de asfixia, com a única diferença de que o animal pode consegui-la
apenas de fora, ao passo que o homem pode sufocar-se por dentro. O animal é para si
sempre sujeito; o homem é também objeto para si.

188
Certamente, o personagem de Andreas Hartknopf, romance autobiográfico de Karl Philipp Moritz
(1756 – 1793).

148
Se o mundo ainda se mantiver por uma imensa quantia de anos, então a religião
universal será o espinosismo189 depurado. Uma razão abandonada a si mesma não
conduz a nada mais que o espinosismo, e é impossível que conduza a outra coisa.

Eu e mim. Eu me sinto – são dois objetos. Nossa falsa filosofia está incorporada em
toda a linguagem; nós não podemos, por assim dizer, raciocinar sem que raciocinemos
errado. Não se pensa que o falar, seja lá sobre o que for, seja uma filosofia. Cada um
que fala alemão é um filósofo do povo, e nossa filosofia acadêmica constitui-se de
resumos dela. Toda nossa filosofia é correção do uso da linguagem, portanto a
retificação de uma filosofia, e na verdade, da mais comum.

Só a filosofia comum tem a vantagem de estar de posse das declinações e conjugações.


Com a linguagem da falsa filosofia, nos ensinam sempre a verdadeira. Explicar palavras
não ajuda; pois com isso eu ainda não mudo os pronomes e suas declinações.

Os espíritos livres e racionais são brigadas ligeiras que partem sempre adiantadas para o
reconhecimento dos lugares aonde também se dirige no fim das contas a corporação
pesada dos ortodoxos.

Assim como o direito supremo é altamente injusto, também inversamente o mais injusto
é muitas vezes justíssimo.

Onde antes estavam as fronteiras da ciência, ali está hoje o seu centro.

As mais perigosas inverdades são verdades moderadamente deturpadas.

O muito ler faz orgulhosos e pedantes; o muito ver faz sábios, pacíficos e úteis. O leitor
explora demais uma única idéia; o outro (que vê o mundo) pega alguma coisa de todas
as classes sociais, modela-se de acordo com todas, vê como o mundo pouco se preocupa
com os eruditos da abstração, e torna-se então um cidadão do mundo.

189
Relativo a Baruch Spinoza, o mesmo Bento Espinosa - (1632-1677); ver lista de autores.

149
A mais segura convicção de que alguém pudesse ser capaz, se quisesse, é causa de
inatividade em muitas boas cabeças, e isso não é sem razão.

Quem está apaixonado por si mesmo tem pelo menos em seu amor a vantagem de que
não guardará rivalidade com muitos.

Em pessoas medrosas, uma incapacidade imaginária pode desempenhar o papel de


incapacidade efetiva, no trabalho da cabeça bem como no agir do corpo.

Como propósito, toda virtude não presta muito. Sentimento ou costume é o que conta.

Não se deveria ridicularizar ninguém em sua profissão; tal pessoa pode se tornar infeliz
por causa disso.

Existe nas garotas uma certa virgindade da alma bem como um desvirginamento moral;
este ocorre em muitas já muito precocemente.

A expressão Culto ao Senhor deveria mudar e não mais ser usada para as idas à igreja, e
sim para boas ações, tão somente.

Em todo caráter humano assenta-se algo que não se deixa quebrar: o edifício ósseo do
caráter. E querer mudar isso significa sempre ensinar uma ovelha a buscar o bastão.

Onde a moderação é um erro, aí a indiferença é um crime.

Eu conheço a cara da cortesia afetada; é o mais baixo grau da distração.

Transformar o homem naquilo que a religião quer assemelha-se à empreitada dos


estóicos; é apenas mais um degrau na escala do impossível.

Engana-se muito quem quer, a partir do que uma pessoa diz ou faz em sociedade,
deduzir seu caráter ou suas opiniões. Não se fala e nem se age sempre diante de sábios;
o prazer de uma noite pode depender de um sofisma. Não julgue tampouco nenhuma
filosofia racional de Cícero a partir de seus discursos.

150
As pessoas de fato boas, de coração aberto, não devem nunca ser buscadas entre
torneadores de frases, como Sterne.

Quando as pessoas dizem que não querem ser presenteadas, isso é geralmente um sinal
de que elas querem ganhar algo de presente.

O homem ama a sociedade, ainda que seja apenas a companhia enfumaçada de uma vela
a queimar.

Não se deve confiar em nenhuma pessoa que, ao jurar, coloca a mão sobre o coração,
como garantia.

As criadas beijam as crianças e as sacodem vigorosamente, quando são observadas por


uma pessoa do sexo masculino; por outro lado, apresentam-se tranqüilas, quando
mulheres olham para elas.

Eu já notei que as pessoas com profissão, muitas vezes, não conhecem o que há de
melhor.

Quão felizes viveriam muitos, se se preocupassem com as coisas dos outros menos do
que com suas próprias.

O homem é capaz das maiores obras, tão logo suas energias espirituais comecem a
minguar, assim como em julho às duas horas da tarde, quando o sol já se põe a recuar e
some, é mais quente que em junho ao meio dia.

É verdade, todo mundo atrasa e se arrepende dos adiamentos. Eu creio, contudo, que
mesmo o mais ocupado acha tanto do que se desculpar quanto o mais preguiçoso, pois
quem mais faz vê também mais e com maior clareza o que poderia ter sido feito.

Há pessoas que podem acreditar em tudo o que quiserem. Que criaturas felizes elas são!

151
Eis que a coisa hoje já não é diferente: a maioria das pessoas vive mais segundo a moda
que de acordo com a razão.

Muitas vezes, a nobre simplicidade nas obras da natureza funda-se simplesmente na


altiva miopia daquele que as observa.

Errar é humano, na medida em que os animais raramente cometem erros ou nunca


erram. Pelo menos os mais espertos dentre eles.

As pessoas mais sadias e bonitas, edificadas segundo as regras, são aquelas que se
permitem tolerar tudo. Tão logo uma delas apresente uma deficiência, exibem também
sua própria opinião.

Quando vêem um homem que pensa livremente, os homens do clero fazem tanto
alvoroço quanto as galinhas, quando entra na água um patinho, criado entre frangos.
Eles não consideram que as pessoas podem viver nesse elemento tão seguramente
quanto eles no seco.

É de se admirar até onde vai um sadio bom-senso humano. Dá-se aqui o mesmo que na
vida em geral; o homem comum vai indo a pé, aonde o nobre viaja numa carroça
puxada por seis cavalos.

Um grande gênio raramente fará suas descobertas nas veredas de outros. Quando
descobre coisas, usualmente também traz à luz os meios para tal.

Uma garota que, para seu namorado, se descobre de corpo e alma revela todos os
segredos do gênero feminino; cada uma das meninas é administradora dos mistérios de
todas as mulheres. Há lugares em que meninas camponesas se parecem com as rainhas –
e isso vale para o corpo e para a alma.

Ele tem fineza bastante para se fazer detestável, mas não ainda o suficiente para se
recomendar.

Há de fato muitas pessoas que lêem pela mera razão de não terem que pensar.

152
Eis uma velha regra: um insolente pode parecer modesto, quando quer, mas ninguém,
por modéstia, torna-se desavergonhado.

De tudo que escrevi sobre fisiognomônica, gostaria apenas que duas observações
passassem para a posteridade. São pensamentos totalmente simples e ninguém vai me
invejar por causa deles: uma é que eu reconheci a semelhança entre fisiognomônica e
profecia; o outro é que fui convencido de que a fisiognomônica vai sufocar debaixo de
sua própria gordura.

Quando a inoculação da varíola tornar-se comum, perderemos uma classe de rostos.


Mais ainda, quando as doenças forem erradicadas, inúmeros gêneros de fisionomia
desaparecerão.

Há poucas pessoas, que podem fazer uma cara de espanto quando olham para o sol.

Há rostos neste mundo, diante dos quais simplesmente não se pode dizer “tu”.

Sobre a educação dever-se-ia não raciocinar, mas antes reunir experiências: qual nação
produziu o povo mais grandioso e mais ativo? Não os grandes compiladores e
escrevedores de livros, mas antes os mais constantes, os mais generosos, os mais
habilidosos nas artes, e assim por diante – ora, os ingleses bem que poderiam ser isso
tudo.

A finalidade de toda educação é conduzir crianças virtuosas, sensatas e sadias. Em que


medida isso se põe de acordo com nossos métodos? Nossa repetição nas aulas de
geografia não parece promover adequadamente nada disso. Alguém em seus vinte anos
ainda pode acreditar que o reino da Prússia seja uma ilha, e por causa disso, mesmo
assim ser um excelente homem, sob todos os aspectos. Eu conheci um assim. Deve-se,
com efeito, na educação, tomar em consideração as convencionais belezas do espírito,
mas são as derradeiras.

É deveras errado quando se quer ensinar tudo com amor a nossas crianças, pois na vida
mais elevada, quando nos tornarmos mais velhos, poucas coisas nos agradam e nós

153
devemos sempre nos deixar oprimir sob um plano, que nós não vislumbramos. Portanto,
quanto mais cedo, tanto melhor nos habituamos àquela vida futura.

Eu gostaria de ter um filho, de que eu pudesse me apropriar completamente; eu queria


incentivá-lo em tudo aquilo que eu deixei passar, conforme percebo agora, tarde demais.
Os pais não incentivam suficientemente seus filhos a fazer aquilo que eles agora
reconhecem ter deixado de lado. Em geral, acredito que há poucos professores
lecionando de tal modo que evitem ensinar o que eles mesmos, se fossem jovens com a
cabeça de hoje, evitariam aprender.

Era um primor de garoto; quando ele nem tinha seis anos, já podia rezar o Pai Nosso de
trás para frente.

Se os casamentos pudessem estabelecer a paz, então devia-se permitir a bigamia para os


poderosos.

Os que querem dominar os súditos esperam que as estrelas fixas girem em torno da
Terra, apenas para que a Terra fique imóvel.

O fato de escreverem tanto contra a religião e a Bíblia acontece mais por ódio contra
uma certa classe de pessoas. Quando os filólogos começassem a dominar, poderia
facilmente ocorrer aos antigos clássicos Homero, Virgilio, Horácio e outros uma honra
semelhante com grande vantagem. Ser-nos-ia, então, permitido ter um dia um papa
filólogo.

A mais triste espécie de escritos é aquela que nem contém raciocínio suficiente para
convencer e nem graça suficiente para deleitar; a ela pertencem alguns rabiscos do Sr.
Dr. Zimmermann, médico da corte em Hannover.

A mim sempre me pareceu como se o valor dos novos fosse contraposto ao dos antigos
em uma balança muito viciada e que se concedesse a eles vantagens que não merecem.
Os antigos escreviam em uma época em que não tinha sido ainda inventada a grande
arte de escrever mal, e o simples escrever significava escrever bem. Eles escreviam
verazmente, assim como as crianças falam a verdade. Hoje em dia, quando aos

154
dezesseis anos nos tornamos autoconscientes, já nos encontramos, eu diria, possuídos
por um mau espírito; e exige-se certamente mais energia para exorcizá-lo – o que só se
consegue através da observação de si mesmo e na peleja contra a reputação e o
preconceito e contra o poder de quatorze anos de ensino – e para em seguida recomeçar
cada um ainda sua gerência doméstica da natureza. Nas primeiras eras do mundo exigia-
se escrever com naturalidade, ao passo que agora escrever naturalmente é, eu diria,
quase anti-natural. Com certeza, Homero não sabia que escrevia bem, assim como
Shakespeare. Nossos bons escritores atuais devem todos aprender a fatal arte de saber
que eles escrevem bem.

Seria com certeza muito útil indicar ao mundo os escritores que, sozinhos, criaram a
partir de si mesmos, com o conhecimento dos outros, seus predecessores. Só com esses
é que se aprende, e são certamente muito poucos os que podem ser lidos com facilidade
por todo mundo. Os outros seguem a copiar e, em sã consciência, são uns cunhadores de
moedas falsas.

Merece ser vista com reservas a difundida máxima de que a vida de um erudito consiste
em seus escritos.

Há infelizmente na Alemanha, embora apenas – graças a Deus! – entre os que de fato


não atingiram a maioridade, a opinião comum de que alguém deve entender muito
daquilo sobre o que muito escreveu! As pessoas que não são pensadores e apenas
escrevem por escrever e para aparecer no catálogo da feira e geralmente entendem,
quatorze dias depois, menos do assunto sobre o que escreveram do que o mais miserável
dentre seus leitores. Que Deus proteja a todos contra esse tipo de escrevinhador! É
infelizmente o mais comum.

Eu creio que alguns dentre os maiores espíritos que até hoje já viveram não leram nem a
metade e de longe não sabiam nem a metade do que sabem muitos de nossos eruditos
medianos. E muitos de nossos tão medíocres eruditos teriam podido ser homens mais
grandiosos, se não tivessem lido tanto.

A maneira simples de escrever já é por isso recomendável: porque nenhum homem


direito carrega suas expressões com afetação ou sutilezas.

155
Um povo pode em seus escritos parecer mais sensato do que é, pois pode por muito
tempo ainda escrever a língua de seus pais, quando já lhe começa a faltar seu espírito.
As metáforas em nossa língua surgem todas com o gracejo e agora é o menos
espirituoso quem a emprega. Os países orientais com suas muitas imagens não pensam
mais do que nós. Assim também a gente concebe a exterioridade dos costumes das
pessoas honestas, sem que eles o saibam. A língua mais rica em imagens deve perder
com o tempo o figurativo e simplesmente arrefecer para signos que se aproximam do
arbitrário. Assim, o conhecimento da língua pode se tornar muito útil.

Em meus anos de universidade e nos seguintes, conheci admiradores entusiastas de


Haller e alguns de Klopstock. Os de Haller – e eu trato aqui simplesmente do poeta –
eram geralmente pessoas de espírito e capazes de reflexão, que nunca descuidaram de
sua ciência ganha-pão. Por outro lado, os admiradores entusiastas de Klopstock se
portavam justamente ao contrário. Quase todos eram simplórios insuportáveis, que
sentiam náuseas diante das ciências que deviam aprender adequadamente. Os
almanaques de museus eram sua leitura principal. Se eram juristas, eis que nada
aprendiam. Se eram teólogos, então se tornavam pregadores precoces – e ainda
escapavam os melhores. Eu não conheci médicos que se tivessem simpatizado com
entusiasmo por Klopstock. Eu não sei de nenhum admirador declarado de Haller, que
tenha lido sua poesia com grande prazer e escrevesse em seguida algo impressionante;
por outro lado, é uma coisa bem conhecida que entre os mais zelosos admiradores de
Klopstock acham-se as cabeças mais vazias desta nação. O fato é verdadeiro. Eu mesmo
não o posso explicar.

Agrada-me sempre apreciar mais o homem que escreve de um jeito que pode vir a ser
moda do que aquele que escreve à maneira do que é a moda.

Não é estranho que uma tradução ao pé da letra seja quase sempre ruim? E, no entanto,
tudo se deixa traduzir bem. A partir daí pode-se ver o quanto se quer dizer com
compreender por completo uma língua; significa conhecer na íntegra o povo que a fala.

Há uma ortografia verdadeira e uma outra, cheia de cerimônias.

156
Um tinha uma ortografia errada e o outro tinha uma correta cacografia.

É um dos maiores artifícios do orador apenas persuadir de vez em quando as pessoas,


quando seria possível convencê-las; em seguida elas se comportam muitas vezes
convencidas daquilo sobre o que só se pode persuadi-las.

As artes exercitam a percepção e a fantasia - e refinam ambas. Mas como essas


capacidades e seu aperfeiçoamento são indispensáveis para alcançar os fins da natureza
humana, gostaríamos de beatificá-las ou de admiti-las nas práticas virtuosas.

Os rouxinóis cantam e nisso nem fazem idéia do tipo de alarde que os apaixonados e os
poetas fazem de seu canto. E nem sabem que existe uma sociedade essencialmente mais
elevada que se entretém com Filomelas190 e seus lamentos. Talvez um gênero mais
elevado de espíritos cuide de nossos poetas como nós criamos rouxinóis e canários; seu
canto lhes é agradável justamente porque não encontram ali sentido algum.

As cartas de um homem prudente contêm sempre o caráter das pessoas a quem ele
escreve. Isso pode ser mostrado com muita beleza em um romance epistolar.

Há tantas instruções para produzir vinho de maneira correta, mas nenhuma ainda para
bebê-lo adequadamente. A vinha só prospera sob a proteção de um céu plácido; almas
semelhantes deveriam ter aqueles que bebem o vinho da melhor maneira. Aquele que
bebe mais de uma garrafa sem conversar em francês ou sem falar sobre sua garota, sem
reafirmar sua amizade por mim, sem entoar cantigas, sem revelar segredinhos
quaisquer, etc., e aquele outro que, lá pelo quarto copo, não pergunta com a cara
vermelha se não o considero um sujeito corajoso, que enfileira anedotas ranzinzas, em
resumo, o infeliz cheio de vinho que sempre quer levar uns socos – e com freqüência de
fato toma alguns – agiriam ambos mais sabiamente se bebessem água.

Oh! Historiadores, não hierarquizem os heróis, de modo que sem vocês os mais
brilhantes atos deles fossem esquecidos depois de séculos, pois sem esses tais
esplendores nunca se poderia ter de vocês alguma experiência.

190
Cf. Mitologia grega – Filomela, filha do rei Pandion, de Atenas, que foi transformada em rouxinol.

157
Lá fica ele como Niobe entre os filhos de seu escárnio e tem de ver como Apolo lhe
atira um depois do outro por cima dos mortos amontoados.191

O livro que merecia ser o primeiro do mundo a se tornar proibido seria um catálogo de
livros proibidos.

De um que sempre pensa tão somente no presente poder-se-ia dizer que não inventou a
imortalidade da alma.

Em uma terra onde brilhassem no escuro os olhos das pessoas apaixonadas, não se
precisaria de lanternas à noite.

Como ele era negligente com seus próprios deveres, então sobrava-lhe bastante tempo
para ver quem dentre seus concidadãos descuidava de seus deveres e daí poder
denunciá-lo à autoridade.

Arlequim quer se matar e, depois que arranja objeções para todo tipo de morte, decide-
se finalmente por matar-se por meio de cócegas.

Não há nenhuma dificuldade na arte de fazer os outros rirem, desde que a alguém seja
indiferentemente cabível rir de nossa piada ou de nós mesmos, que a contamos.

Agora fabricam-se doutores tão jovens, já que doutores e mestres se espalharam a ponto
de conceder dignidade ao nome de batismo. Também se tornam doutores e mestres
aqueles a quem tais honras são concedidas tantas vezes quanto os nomes de batismo,
sem saber como.

Esse homem trabalhou em um sistema da história natural, no qual ele organizou os


animais de acordo com a forma dos excrementos. Ele criou três classes: os cilíndricos,
os esféricos e aqueles em forma de bolo.

191
Niobe vangloriara-se de superar a deusa Leto pelo valor da sua descendência, razão pela qual Apolo e
Artemis assassinaram os filhos dela.

158
Não é então nada além de uma simples permuta do meu e do teu em ambos, no homem
honrado e no patife. Um olha aquele como se fosse esse e o outro toma esse por aquele.

Dever-se-ia escrever catarro, quando ele já estiver na garganta, e catarrrro quando se


alojar no peito.

Quando se olha o título e como ele perde seu valor, quase se chega a acreditar que mais
honras viessem para o mundo; assim como o valor do dinheiro cai, quando o valor do
ouro sobe demais.

A pele humana é um solo em que crescem cabelos; espanta-me o fato de que ainda não
descobriram um meio de semear nela uma lã a fim de se tosquear as pessoas.

O pai: Minha filhinha, você sabe, Salomão diz “Quando os rapazes maus te atraírem,
não os siga”.
A filha: Mas, papai, o que devo então fazer quando os bons rapazes me seduzirem?

Em minha opinião, a arte de julgar livros sem os haver lido pertence às maiores
descobertas em que a razão humana se derramou nos últimos tempos.

“A megera” poderia vir a ser uma excelente revista mensal de política.

As belas mulheres são hoje em dia contabilizadas entre os talentos de seus homens.

Enquanto as pessoas escrevem abertamente sobre pecados sigilosos, eu me propus a


escrever secretamente sobre pecados públicos.

A noiva era marcada pela varíola e o noivo, cheio de caroços. Os gozadores diziam que
se o parzinho tivesse sido antes fundido em um só, suas caras dariam uma excelente
prancha de assar crepes.

Ele engolia muita sabedoria, mas era como se tudo lhe caísse na goela errada.

159
Há sermões que a gente não pode ouvir sem chorar lágrimas e que, sem algumas de riso,
não podem ser lidos.

Hoje em dia, tanto desapareceu o direito de ganhar nos socos, que até podemos chegar à
liberdade de qualquer um cerrar os punhos dentro dos próprios bolsos da calça.

Ontem à tarde, às 3 e ¾, faleceu suavemente meu relógio de bolso. Ele já havia


adoecido três meses antes.

Constantemente se punha a copiar excertos, e tudo que lia passava apenas perto de sua
cabeça, indo de um livro a outro.

Dentre todas as curiosidades que ele colecionara em sua casa, era ele sempre, no fim das
contas, a principal delas.

De tanto ler Homero, lia sempre apenas, em vez de Atenas.192

Havia pelo menos seis semanas que ele tinha se lavado apenas em pensamento.

Um gera o pensamento, o outro o apadrinha sobre a pia batismal, o terceiro tem filhos
com ele, o quarto o visita em seu leito de morte, e o quinto o sepulta.

Ele podia pronunciar a palavra suculento de tal forma que quando alguém o ouvia
acreditava morder um pêssego maduro.

O livro ainda precisava ser calafetado, para rechear o esboço.

O gosto da sopa era tão repugnante que, para se acreditar que alguém tivesse intenção
de envenená-lo, só teria sido necessário ser um grande general ou um rei.

Em um comunicado, em que uma nova fonte de águas medicinais era anunciada,


indicava-se também que um belo e espaçoso cemitério estava ali por perto.

192
Em alemão, Agamemnon / angenommen, sendo o segundo termo o verbo annehmen (aceitar, receber,
supor) no particípio passado.

160
Nós não nos devoramos uns aos outros; apenas somos os açougueiros uns dos outros.

Um aborrecido banco de igreja.

Nós, os excomungados por Deus: os assalariados, os servos, os escravos, os serviçais


que trabalham por eito, etc.193

Torres de igreja: funis invertidos para levar a oração aos céus.

Pára-raios da corte real – um título.

Um cabeleireiro para homens, que, se for preciso, pode se dar também com as mulheres.

As escolas – casas eruditas de raspagens. Ele passou a vida inteira a raspar os auctores
classicos.

Ele tinha em alta estima o ensino no seu quarto e era, portanto, totalmente a favor da
alimentação erudita no estábulo.

O burro me parecia um cavalo traduzido para o holandês.

A saúde se mostra mais quando o corpo dança do que quando ele escreve.

Acorrentado aos remos da galé universidade.

Seu estado era tão deplorável ali quanto o de um incenso completamente queimado.

Os eruditos alemães mantêm os livros abertos durante um tempo excessivo e os ingleses


os fecham cedo demais. Ambos são com isso de alguma utilidade no mundo.

193
Sem pretender aqui uma precisão terminológica, a primeira categoria ganha por dia, ao passo que a
última cumpre tarefas por área quadrada, na agricultura (também vale dizer “à jeira”, em vez de eito).

161
Através de uma atenção estrita a seus próprios pensamentos e sentimentos – que se
deixem exprimir da forma mais vigorosamente individualizante, com palavras
cuidadosamente escolhidas, que se deitam imediatamente por escrito –, pode-se em
pouco tempo receber um repertório de anotações, cujo proveito é muito diversificado.
Nós conhecemos a nós mesmos, conferimos firmeza e coerência a nosso sistema de
pensamento; nossa conversa em sociedade adquire uma certa marca pessoal, como os
rostos que ao bom entendedor muito revelam e que têm um efeito ruim quando são
escassos. Consegue-se um tesouro, que pode ser utilizado em futuras elaborações e que
forma ao mesmo tempo seu estilo e fortalece o sentido interior e a concentração diante
de tudo. Nem todas as riquezas são conseguidas por sorte, mas muitas vêm como fruto
daquilo que se deixa de gastar. Assim, a atenção pode permitir que se substitua o
pensamento por sua economia e a carência de gênio pelo exercitar-se.

Não permita que tua leitura te domine; pelo contrário, exerça sobre ela teu poder.

Cismar e pensar medrosamente sobre o que poderia ter sido feito é o pior dos males que
se pode realizar.

Dentre os livros conhecidos por todos devem ser lidos apenas os melhores e, portanto,
nada mais que aqueles quase desconhecidos, cujos autores são, todavia, homens de
espírito.

De cada instante da vida, agradável ou desagradável, que cai da mão do destino, fazer o
melhor instante: nisso consiste a arte da vida e a prerrogativa propriamente dita de uma
criatura racional.

Não ir para a elaboração antes de estar satisfeito com o equipamento todo, isso anima e
alivia o trabalho.

Nenhuma investigação deve ser considerada excessivamente difícil e coisa alguma,


arranjada demais.

É excitante ouvir uma donzela estrangeira falar nossa língua e com lindos lábios
cometer erros. Com homens a coisa não é bem assim.

162
Eu posso imaginar uma época para a qual nossas concepções religiosas pareceriam tão
esquisitas quanto a que temos hoje do espírito cavalheiresco.

Eles falam em favor de sua religião não com a moderação e a tolerância com que seu
grande mestre lhes doutrinou com atos e palavras, mas antes com o zelo
contraproducente dos filósofos sectários e com um ardor, como se estivessem a praticar
injustiças. De cristão eles não tem nada, mas são parte da cristandade.

Dizer muito com poucas palavras não significa montar primeiramente um ensaio e
depois encurtar os períodos, mas antes repensar primeiro a coisa e, por assim dizer, a
partir do refletido extrair o melhor daquilo que foi pensado, de tal maneira que o leitor
inteligente perceba bem o que foi deixado de fora. Isso significa, na verdade, com o
mínimo de palavras, dar-se a entender que muito foi pensado.

A maioria das pessoas mantém os olhos fechados, enquanto o barbeiro raspa sua caras
com a navalha. Seria uma ventura se em outras circunstâncias pudéssemos fechar
também os ouvidos e outros sentidos, além dos olhos.

Se uma história escrita sobre um rei não foi parar na fogueira, então não me apraz lê-la.

Não é de se estranhar que os dominadores do gênero humano ultrapassem tanto em


hierarquia o mestre dos homens? Daí se vê que tipo de animal subjugado é o homem.

Houve um tempo em Roma em que os peixes recebiam uma educação melhor que as
crianças. Hoje, nos dedicamos mais a ensinar os cavalos. Ora, é muito estranho que o
homem que monta cavalos no palácio tenha um salário de milhares de táleres, ao passo
que os professores das primeiras letras têm que passar fome – e são eles que dão
instrução aos súditos da mesma corte.

Se alguém vertesse em denso texto todas as idéias felizes que lhe ocorrem na vida,
resultaria daí uma boa obra. Cada um é gênio pelo menos uma vez por ano. Estritamente
falando, aqueles que compõem a categoria dos assim chamados gênios simplesmente
ajuntam com mais força as linhas que trazem suas boas e densas idéias. Vê-se, portanto,
quanta chance aproveitam as pessoas que tudo registram.

163
1789-1793

Por acaso, vi como os corvos pousam sobre porcos que pastam e os observam a fuçar a
terra. Quando aparece uma minhoca, voam até ela e a apanham, para logo em seguida
voltarem ao velho posto de antes. Uma esplêndida alegoria para o compilador, que
remexe, e para o escritor cheio de astúcia, que se aproveita dele sem muito esforço.

Fica de cabelo em pé aquele que considera quanto tempo e esforço foram empregados
para explicar a Bíblia. Provavelmente daria um milhão de volumes tamanho in octo,
cada um tão espesso quanto um da “Biblioteca Geral Alemã”. E qual será o prêmio
desse afã, após séculos ou milênios? Certamente nada mais que admitir isso: a Bíblia é
um livro igual a todos os outros, escrito por homens. Por homens, que eram um pouco
diferentes de nós, por terem vivido em outros tempos. Em diversas aspectos, eram um
pouco mais ingênuos que nós e por isso igualmente muito mais ignorantes. A Bíblia é,
portanto, um livro que contém muito de verdade e de falsidade, de bom e de ruim.
Melhor é o esclarecimento que mais contribuir para que a Bíblia seja vista como um
livro completamente normal. Tudo isso também já poderia ter acontecido, se nossa
educação, nossa leviana credulidade e o atual estado de coisas não se pusessem contra.

Escrever é excelente para despertar o sistema que dorme em cada homem, e cada um
que já tenha escrito certamente descobriu que a escrita sempre acorda algo que antes
não se reconhecia claramente, embora já estivesse em nós.

Eu creio que aqueles eruditos que se acham capazes de avaliar tudo não aprenderam a
aquilatar o valor de cada um de seus confrades. No progresso científico, a verdade é que
não se trata de alguém haver realizado algo nele, qualquer coisa que só possa ser
chamada de grandiosa. Ah! Se cada um fizesse o que pode, elaborasse a parcela de
conhecimento que domina e para o qual tem uma visão mais afiada do que milhares de
outros! De fato, aí está a questão toda.

164
Que a filosofia kantiana194 venha a reinar como quiser. Contudo, se não quiser
degenerar em velhas e conhecidas ninharias, ela deve admitir que algo no mundo
corresponde a nossas representações.

Porque o pulmão supurado dá poucos sinais de dor e a unha com panarício faz tanto
alarde?

Se tudo é forte e sadio nas entranhas das pessoas pequenas, então elas são comumente
mais cheias de vida que as outras, porque para o mesmo volume de sangue produzido há
menos massa para alimentar. Anões são em geral tão idiotas quanto os gigantes, pois as
forças faltam àqueles e excedem ao controle destes. Talvez ainda alcancemos o tempo
em que se mutilem as pessoas, à maneira da poda de árvores, para que se carreguem dos
melhores frutos do espírito. A castração de cantores já é exemplo disso. A questão é
saber se pintores e poetas não se submeteriam também à navalha.

Se uma cidade inteira pudesse ser construída em cima de uma balança, seria estranho
notarmos a constante oscilação.

Se é que a útil classe popular laboriosa deva elevar-se em conhecimento, é certamente


necessário que a classe mais alta esteja muito adiante, para arrastá-la. Todavia, esse
“muito adiante” é relativo. Se nossos eruditos progredirem assim em seu trabalho, vão
na mesma medida se distanciar sempre mais da classe humana comum, e o fervor para
atraí-los a si será sempre maior, mas também crescerá o desdém com que olham para
eles. O católico é mais justo quanto a isso, pois vai além daquilo que estipulamos: que o
de baixo deve ceder. Ele veleja devagar, para manter a seu lado os velejadores ruins.
Nós vamos a toda com nosso barco e ficamos na expectativa de que os pequenos nos
sigam, o que não é de se esperar.

Nas asas do pulmão.

194
Relativo a Immanuel Kant (1724-1804), ver lista de autores

165
Embora eu já saiba que muitos não lêem os livros que exemplarmente resenham, então
não consigo entender em que seria nefasta a leitura que alguém faça do livro que se
deveria criticar.

Instrução muito útil: não imprimir nenhum livro extraordinário sem um índice
completo.

O mais fraco de todos os homens é o voluptuoso, que sai à cata de corpos e de espíritos,
ou seja, o biscateiro e o beato, que fornicam com as moças e com a religião. Deus
proteja todos os homens contra um rei rufião e um ministro rufião desse porte. E que
Deus guarde ambos, para que não tenham súditos inteligentes.

A Baviera, diz o rei, é um paraíso, habitado por animais (por bestas, devia ter dito ele).

Um alfabetizador e um professor não podem ensinar a um indivíduo; ele simplesmente


educa todo o gênero humano. Um pensamento que merece muito empenho e debate.

Vulgarizalemanizados: ele germano-avacalhou isso.195

O máximo que um espírito rasteiro pode reunir da experiência é a prontidão para


escarafunchar as fraquezas das pessoas melhores.

O cântico para a prostituta de Salomão.

Os católicos queimavam outrora os judeus e não tinham em mente que a mãe do querido
Deus era daquela nacionalidade, e mesmo hoje não levam em consideração que cultuam
uma judia.

As pessoas fazem, quando chegam ao leito de morte – e mesmo antes na cama – coisas
que antes não fariam, enquanto seres sensatos. Retoma-se a antiga fé infantil, e da

195
Em Verhunzdeutschen, a raiz hunz remonta a cão (Hunde), em verbo depreciativo leve, que equivale a
tornar vulgar, agir de maneira descuidada, decair; todavia, para evitar a associação entre decadência e
cachorrada, preferimos mudar de bicho.

166
mesma maneira que se volta a cagar na cama, já não se sabe mais então o que é que está
indo embora.

Isso significa por a mão na boca e em seguida fofocar um pouco por entre os dedos.

As pessoas mais preparadas para ocupações práticas, ou para o que o mundo dos
eruditos agora chama trabalho, são as que menos se divertem consigo mesmas. Para
elas, é sempre necessário um impulso que venha de fora.

Eu creio que muita gente, ocupada em educar para o céu, se esquece de educar para a
Terra. Eu devia pensar que o homem agiria da maneira mais sábia, se ele antes se
permitisse ficar por inteiro em seu lugar. Pois se nós somos colocados nesse lugar por
uma entidade sábia, sobre o que não paira qualquer dúvida, então deixamos fazer o
melhor nessa estação e não nos ofuscam revelações, que são sempre enganosas. O que o
homem acha necessário saber para sua felicidade ele o sabe sem qualquer revelação
além daquela que já possui por sua própria natureza. Deixar que ele encontre sua
finalidade – quantos paliativos para a paz temporal já causaram estragos – como já se
viu. Sim, se tivéssemos a ver com pessoas sinceras (Deus nos livre e guarde), que todo
domingo ia à igreja e recebia a hóstia!! O banho de sangue que o paliativo já causou é
bem conhecido. A introdução de uma religião natural não teria causado isso, se a gente
tivesse se mantido igualmente fiel a ela. Eu vejo todos esses estatutos humanos como
simples subterfúgios, para ganhar tempo na busca do verdadeiro caminho. Não se devia
dispor da palavra religião. Como e quando ela surgiu? Fazer dela uma doutrina genuína
da felicidade – para onde tudo o mais se encaminhasse. De acordo com aquilo que eu
penso de religião, então eis um apanhado de instruções para a bem-aventurança, que
uma parte dos investigadores do gênero humano (seus representantes) procura tão
demoradamente inculcar nos que não investigam, até que eles mesmos tenham
bisbilhotado algo melhor. Enquanto a plebe descansa, o que não fez pelo bem o espírito
progressista do investigador! Certamente muita desordem surgiria agora, se
quiséssemos o melhor, no sentido mais próprio do termo. Mas eles não são culpados
disso, enquanto nós o somos, visto que em tal medida os levamos a crer.

167
Eu esqueço a maior parte do que li, assim como esqueço das comidas que ingeri, mas
sei o quanto ambas, a leitura e a comida, contribuem, não obstante, para sustentar meu
espírito e meu corpo.

Também os selvagens correm mais do estampido da espingarda que dos chumbos.

Ele se apaixonara pelo querido Deus.

As penas brancas nos chapéus das senhoras são bandeiras brancas hasteadas como sinal
de capitulação.

Em nossa pobre educação, que nos leva a esquecer de novo na segunda metade da vida
o que aprendemos na primeira: o tão simples ato de escrever exige esforço e daí passa-
se a crer que seja simples e bom tudo o que tenha sido trabalhoso.

Poeira solar: o facho de luz no quarto que assim chamam com tanto glamour é, na
verdade, um pózinho imundo.

Seus livros eram todos muito bonitinhos; no mais, não tinham nada a ver.

Seria possível uma criatura pensante a quem fosse mais fácil ver o futuro que o passado.
No instinto dos insetos, já há coisas que nos fazem acreditar que são conduzidos mais
pelo futuro que pelo passado. Se os animais tivessem tanta lembrança do passado
quanto pressentimento de fatos vindouros, então muitos insetos nos ultrapassariam.
Todavia, parece que a força do presságio está sempre em relação inversa com a
lembrança do passado.

O melancólico, poético, etc., no amor é, na verdade, uma forma de contemplação do


gozo, pois o homem tem mais de uma forma para sua sensação interna.

O homem provocava grande ventania. B.: Oh! Não! Se pelo menos fosse vento! Estava
mais para um vácuo soprando para dentro.

168
Com ele, põem-se a perder o lúpulo e o malte. B.: Isto pressupõe que com ele
houvéssemos arranjado cerveja. Mas não era isso. Tudo não passava de sopa aguada.

Em Göttingen, moramos em fogueiras196 providas de portas e janelas.

O livro precisa ser primeiramente debulhado.

Dieterich é uma carta em um envelope sem lacre.

Uma leitura que salta de um lugar para outro foi sempre minha grande satisfação.

Se na casa de penhores aceitassem gente, então eu gostaria de saber direito quanto


valeria minha pessoa para garantir um empréstimo. Assim, as torres para prender
devedores são na verdade casas de penhores em que não se toma dinheiro emprestado
contra o depósito de móveis, mas dá-se o proprietário mesmo como garantia.

O crime da filosofia insultada.

Eu li em algum lugar que facilitaríamos as considerações sobre os Estados, se, no


melhor dos casos, pensássemos neles como indivíduos. São, portanto, além disso,
crianças e, na medida em que são assim, chegam quando muito a monarquistas. Mas
assim que as crianças crescem não se deixam mais tratar como antes, pois tornam-se
então muitas vezes mais espertas que o pai.

É sem dúvida impossível introduzir uma nova religião, tão eficaz quanto a dos cristãos.
Por isso, permaneçam aí e agüentem assim, de preferência, pois com certeza também as
palavras de Cristo são de tal maneira constituídas que, enquanto o mundo subsistir,
podemos fornecer com elas o melhor.

Eu bem que gostaria de saber o que sucederia se toda a Europa fosse um dia
verdadeiramente arqui-católica, sem protestantes que debochassem ou que despertassem
mentes inteligentes, e se não houvesse mais párocos de quem se envergonhar; se tudo

196
Aqui, no sentido restrito de fogueiras medievais, para executar condenados: monte de achas, de onde
parece provir o verbo scheitern, fracassar.

169
ocorresse como alguns séculos antes. O Papa seria então venerado como deus e seus
excrementos seriam avaliados e vendidos a peso de ouro. Sim, até mesmo a Bíblia
poderia começar assim: “No princípio, o Papa criou o céu e a Terra”.

Os mitos dos físicos.

Esclarecimento, para todas as classes sociais, consiste de fato em chegar aos conceitos
corretos de nossas necessidades essenciais.

O sabichão é uma das mais desprezíveis formas de idiota.

A filosofia popular corrente é, estritamente falando, o corpo da filosofia kantiana.

Aprender a falar a filosofia kantiana. Depois de certa idade, fica difícil falar novas
línguas, mas sempre se pode ainda aprender a escrevê-las.

Em minha enfermidade dos nervos, achei muitas vezes que aquilo que regularmente
ofendia meu sentimento puramente moral passava para o físico. E quando Dieterich
disse certa vez “Deus devia matar-me”, fiquei tão mal que tive que proibi-lo de entrar
em meus aposentos por uns tempos.

Entre os católicos, as pessoas comuns preferem rezar a um santo ou dirigem suas rezas a
ele em vez de falarem com o querido Deus, da mesma maneira que os camponeses
preferem sempre se agarrar a seus servos. Aves de mesma plumagem se juntam no
mesmo galho.197

Quando a geada da morte guarnecer minha cara.

O Sr. Kant, pelo menos diante de seus leitores, não agiu amistosamente, pois sua obra
foi escrita de tal maneira que deve ser estudada como obra da natureza. Em obras assim,
o esforço e o zelo da pesquisa são entretidos através da tradução, de modo que a
ocupação toda seja valiosa e que a gente encontre algo digno do esforço, se algo for

197
Ditado alemão, que equivaleria a “birds of feather flock together” – pássaros com penas da mesma cor
se juntam em um mesmo bando.

170
descoberto. Não é, todavia, de se esperar isso de obras humanas, pois aí pode ser que o
autor tenha errado e tudo desvie para o Jacob-Böhmismo.198 O Sr. Kant já tinha
certamente muito crédito no mundo, mas seu livro atingiu um assunto que não é em si o
mais interessante para todos, e a gente ainda teria que conhecer conceitos, como o de
representação, depois de repetidas leituras do livro. Os temas do livro do Sr. Kant são
certamente muito interessantes, mas isso nem todo mundo poderia saber de imediato.

Como é que o homem chegou ao conceito de liberdade? Foi uma grande idéia.

Nossos teólogos querem, por meio da violência, fazer da Bíblia um livro em que não
haja bom senso algum.

A doutrina da liberdade humana nos mostra como uma hipótese falsa é às vezes
preferível a uma correta. Certamente, o homem não é livre; contudo, faz parte de um
estudo profundo da filosofia não deixar que essa idéia nos iluda – um estudo, para o
qual, entre milhares que não tem tempo e paciência, e entre cem, com paciência e
tempo, é difícil haver um com espírito para tanto. A liberdade é, portanto, a mais
confortável forma para se pensar a coisa e vai permanecer sempre a mais costumeira, já
que tanto dispõe da aparência a seu favor.

Dois sistemas certamente conduzem um espírito prudente a um sistema, pois vale-se do


deísmo aquele que testa sua correção no espinozismo, assim como medidas tiradas a
olho nu servem de prova para as mais exatas medições.

Deve ter existido gente que, ao deitar por escrito um pensamento, encontrava na mesma
hora a melhor forma de fazê-lo. Eu acredito pouco nisso. Fica sempre a pergunta se a
expressão não melhoraria caso as pessoas ponderassem mais vezes seus pensamentos,
se não teriam sido encontradas expressões idiomáticas mais acertadas, se não ficaram
excluídas diversas palavras inicialmente tidas como necessárias, que vieram a ser,
porém, na verdade, apenas explicações inúteis, pelo menos para o leitor razoável. – Não
faz parte da natureza humana escrever dessa maneira, logo no primeiro lance, como
fazia Tácito, por exemplo. Para apresentar bem claramente um pensamento, há que se
enxaguar muito e apurar o caldo, assim como fazemos no laboratório, ao isolar um
198
Ver Böhme, na lista de autores.

171
corpo. Para se convencerem disso, simplesmente comparem os primeiros exercícios das
Reflexões de La Rochefoucauld com os últimos..., então encontrarão o que eu disse...

Mas assim é, quando se quer por meio do olho revelar às pessoas aquilo que, para ser
perfeitamente apreendido, teria que ser cheirado.

A mim agradam as pessoas que tem nervos iguais a cordões baratos.

Saber servir-se em seu proveito dos eventos inesperados na vida de tal forma que as
pessoas acreditem que foram previstos e desejados – muitas vezes o nome disso é sorte
e é o que forma o homem do mundo. O simples fato de conhecer essa regra e mantê-la
sempre em mente já é, de fato, um reforço. Segundo o julgamento de La Rochefoucauld,
o cardeal de Retz199 devia possuir essa qualidade em alto grau.

Ah! Se pudéssemos transpor o ponto sem volta. Meu Deus, como anseio pelo instante
em que o tempo para mim acabará, no colo do maternal tudo ou nada onde eu outrora
dormi, quando o Hainberg200 foi varrido pela água, quando Epicuro, César e Lucrécio
viviam e escreviam e Espinosa arquitetava o maior pensamento que já apareceu na
cabeça de um homem.

Sobre poemas líricos, cita-se com freqüência o tipo de verso


/-UU/----/-UUU/ etc.
Se os pensamentos fossem indicados por 1 e o nonsense marcado com zero, então ia
ficar muitas vezes assim:
000/000/00
Ou coisa parecida.

Eu creio do fundo de minha alma e de acordo com as mais maduras reflexões que a
doutrina de Cristo, purificada das malditas garatujas clericais e bem entendida segundo
nossa maneira de expressar, é o sistema mais perfeito – ou, pelo menos, o mais perfeito
que posso imaginar – para se promover a paz e a felicidade no mundo mais

199
Trata-se de Jean-François Paul de Gondi (1613-1679).
200
Hainberg é um morro da cidade de Göttingen que, talvez, tenha sido um dia atingido por enchente –
ou, antes, pelo Dilúvio.

172
rapidamente, com mais vigor, mais segurança e maior abrangência. Contudo, eu creio
que ainda existe um sistema, que cresce completamente a partir da razão pura e para lá
mesmo conduz. Todavia, é apenas para pensadores treinados e de modo algum para os
homens em geral. E se encontrassem uma via de acesso, deviam escolher a doutrina de
Cristo para tal exercício...

Quem tem menos do que aspira deve saber que tem acima de seu valor.

Aqui, onde as doenças custam pouco e os remédios são tão caros.

Atrás, ele ajuntou uma trança falsa e, na frente, uma cara de piedade, que não era muito
autêntica, e que também sobrava para um lado com algum movimento mais vigoroso.

Exercite, exercite suas forças! O que hoje te custa esforço vai se tornar finalmente um
gesto maquinal.

Uma jaula cheia de salafrários e prostitutas.

Eu não creio que seria completamente impossível uma pessoa viver para sempre, pois o
emagrecer continuamente não implica necessariamente o conceito de término.

A palavra Organisation que agora é tão usada do francês poderia ser aplicada
perfeitamente para a erudição. Uma pessoa tem que ter hipóteses e teorias para
organizar seus conhecimentos, senão tudo permanece apenas entulho. E há uma
multidão de tais eruditos.

Uma inteira via láctea de idéias.

A garota olhava para cima com eixos óticos paralelos e com um olhar de repouso e de
paz interior, como se ela visse os céus se abrirem, e com um brilho angelical no rosto,
como se um raio de luz celestial de fato caísse sobre ela.

Na Inglaterra, ficou estipulado em uma agremiação política de mulheres que, em casos


relevantes, só duas delas podiam falar ao mesmo tempo, além da presidente da entidade.

173
Esse ainda é o silêncio que ecoa depois do pesado trovejar da superstição.

O mundo das palavras.

Há de fato muitos cristão corretos, sem dúvida alguma, assim como por toda a parte e
em todas as cidades há pessoas boas. Mas até onde se sabe, in corpore e o que elas
enquanto tais empreenderam nunca valeu muito a pena.

Se houvesse ainda um animal que superasse em força o homem, que talvez nos desse
prazer brincar com ele, como crianças brincam com joaninhas, ou espetá-los no armário
de vidro, como se faz com borboletas, tal bicho seria no fim das contas exterminado,
sobretudo se não fosse superior ao homem em capacidade mental. Ser-lhe-ia impossível
sustentar-se diante do homem. Dever-se-ia então impedir que ele exercitasse suas
capacidades, mesmo no menor grau. Ora, o despotismo vem a ser um bicho desse tipo,
que, não obstante, se mantém ainda em muitos lugares. A história animal tem que
aceitar, entretanto, que o bicho na verdade não pode dispensar o homem.

Se os cães, as vespas e as grandes abelhas fossem dotados de razão humana, talvez


pudessem apoderar-se do mundo.

Poder-se-ia referir à religião católica como aquela que devora Deus.

Essa doutrina toda não serve para nada, a não ser a sua própria disputa.

Revolução Francesa, a obra da filosofia. Mas, que salto desde o “cogito, ergo sum”201
até ressoarem no palácio real os primeiros gritos de “à la Bastille”! O som das últimas
trombetas em favor da Bastilha.

Esta é a parede reforçada202 de minha constituição moral. Aí eu posso agüentar alguma


coisa.

201
O famoso lema de Descartes, “penso, logo existo”.
202
Wetterseite é o lado da casa, a janela, ou da montanha, castigado pelas tempestades.

174
Virgens, como só aparecem três por século.

A mosca que não quer ser esmagada por uma palmada encontraria sua máxima
segurança se pousasse nas costas daquela mão que busca golpeá-la.

Material suficiente para ficar calado.

Quando converso com uma pessoa, noto logo se ela dispõe de elasticidade ou se cede a
qualquer pressão. Os barbeiros são pura maleabilidade. Kästner é rijo. Meister203 era
elástico.

Um escravo da fé.

Ao bater, tinha uma certa inclinação sexual: espancava apenas sua mulher.

Às vezes eu não me via em condições de dizer se estava doente ou se estava bem.

Aquelas cabeças com o carimbo da convenção na testa.

Um peixe que se afogou no ar.

Coletânea de excertos – cofrinho de níqueis.

Eu acho que, assim como os partidários do Sr. Kant sempre culpam seus opositores por
não o haverem compreendido, em igual medida acreditam muitos que o Sr. Kant tem
razão, pois são justamente estes que o entendem.

Sua204 maneira de pensar inova e diverge consideravelmente do usual; e então, se


alguém de repente consegue um entendimento nela, daí vem a grande inclinação a
admiti-la como verdadeira, tanto mais quanto é sabido que ele tem muitos discípulos

203
Talvez em referência a Albrecht Ludwig Friedrich Meister (1724-1788), ver lista de autores, onde
também consta Kästner.

204
Provável menção a Kant.

175
zelosos; mas as pessoas deviam sempre refletir a respeito do seguinte: essa compreensão
ainda não fornece nenhum fundamento para defendê-la como verdadeira. Eu acho que a
maioria, por causa da alegria de entender um sistema muito abstrato e mal redigido,
acreditou ao mesmo tempo que esse sistema tivesse sido demonstrado.

Seria esquisito se o verdadeiro sistema da filosofia e o do universo se originassem


ambos na Prússia. Para calcular eclipses, os dois servem, mas certamente o sistema
kantiano, ao contrário, admite menos epiciclos.205

Nada é mais comum que uma pessoa achar-se convencida da verdade de uma coisa até
que compreenda a opinião que um grande homem nutriu a respeito. Mas são duas coisas
completamente diferentes. Isso já aconteceu muitas vezes comigo. Eu creio que alguns
que trabalhavam as dificuldades encontradas no sistema de Tycho Brahe e todos os
epiciclos pensaram – Deus seja louvado – que eu pudesse finalmente passar tudo a
limpo.

Ele emitia seu juízo de acordo com o momentâneo estado dos agregados de suas
sensações.

A melhor maneira de louvar os vivos e os mortos é desculpar suas fraquezas e nisso


deve-se aplicar todo o conhecimento possível da natureza. Mas nada de celebrar em
versos as virtudes que eles não possuíam – isso deteriora tudo e põe sob suspeita a
própria verdade. Pedir desculpas pelas falhas é o que se recomenda ao autor de
apologias.

Ele aprendeu a tocar algumas pecinhas no piano da metafísica.

Embebedar-se com o vinho tirado de garrafas alheias e ainda dar a impressão de ser o
dono da bebida. Mais ou menos assim procede a maioria dos escritores alemães.

Ele teve com sua mulher um filho, que alguns considerariam apócrifo.

205
Pode-se ver aí uma referência à vaidade de Kant, que, ao contrário de Ptolomeu, não admitiria
“pequenos círculos cujos centros se deslocam em torno de uma circunferência de diâmetro maior”. Mas,
talvez nosso autor estivesse pensando na vizinha Dinamarca, terra de Tycho Brahe.

176
Os doutrinadores da fé, em sua maioria, defendem seus enunciados, não por estarem
convencidos da verdade que ali possa estar contida, mas antes porque eles um dia
afirmaram que tais enunciados eram verdadeiros.

Depois de uma guerra de trinta anos contra si mesmo, chegou-se finalmente a um


acordo sobre a nova situação, mas o tempo gasto ficou perdido.

Sempre fico magoado quando morre um homem de talento, pois o mundo precisa mais
dele que o céu.

O relógio da cidade sofre mais uma vez seu surto reumático.

Não existe neste mundo criatura mais insidiosa e malévola que uma prostituta, ao ver-se
forçada pela idade a se tornar uma beata rezadeira.

Afinal, em que as prostitutas poderiam converter-se? Quer dizer, quando ainda não
havia freiras, nos tempos antigos.

Um mundo em que as pessoas nascem anciãs e se tornam cada vez mais novas até
chegarem a ser crianças, que vão ficando cada vez mais pastosas até que seja possível
trancá-las em uma garrafa, onde depois de nove meses todas perderiam a vida e aí
ficariam tão diminutas que seria possível engolir dez Alexandres sobre uma fatia de pão
com manteiga. As garotas entre cinqüenta e sessenta anos sentem um prazer esquisito ao
engarrafarem velhotes miniaturizados.206

Há alguns pretensos matemáticos que, de bom grado, gostariam de ser considerados os


enviados da sabedoria, na mesma medida em que teólogos se arvoram em ministros de
Deus – eles enganam o povo com palavrório algébrico, a que chamam de matemática,
da mesma maneira que os outros o iludem com algaravias que qualificam como
bíblicas.

206
Esse argumento, original ou plagiado, está no filme O curioso caso de Benjamin Button (2009),
baseado no romance de Scott Fitzgerald (1920): um velho que vai ficando cada vez mais moço.

177
Horrores da pré-história.

Oh, Deus! Quantas vezes me convenci de que meus pensamentos agradariam os


melhores homens, se eles os lessem, mas eu não os sabia trazer em palavras e tampouco
estava tão ansioso para dizê-los e para tanto tive que me deixar menosprezar por muitos
literatos fúteis e compiladores superficiais, por certos tipos que vinham com
atrevimentos meramente empíricos e até por um confuso escrevinhador de epigramas. E
também tive que confessar que de acordo com minha conduta as pessoas não teriam
razão alguma, pois como podiam elas saber aquilo que minha própria indolência
dissimulava diante de meu livro ensebado? Quando Deluc me escrevia, eu jamais
respondia a ele em uma carta na qual ele não aprendesse algo; então isso me colocava
acima de todas as opiniões do mundo, mas, uma vez mais isso era apenas diante de
meus próprios olhos.

Agora jorra na França o vinho dos mártires.

“Evite Diógenes e tenha medo da lanterna”, diz Haller. Agora poder-se-ia recomendar:
escapar de Mirabeau e temer a lanterna.

O melhor vinho renano é aquele proveniente de terrenos jamais banhados pelos rios
Reno e Mosel.

Um jeito de andar, como se ele quisesse engatinhar sobre sua cabeça.

Há muito tempo penso na autofagia da filosofia. A metafísica já comeu boa parte de si


mesma.

Eu impus a mim mesmo a regra de nunca ser pego na cama pelo sol nascente, enquanto
estiver sadio. Isso não me custou nada além de enunciar isso, pois eu sempre me
acostumei às leis que eu mesmo outorguei, de tal modo que eu nunca as decretei antes
de saber se me seria impossível transgredi-las.

Eu tenho consciência de que em geral pensei muito, muito mais do que li; daí que
desconheço muito daquilo que o mundo sabe e aí me engano muitas vezes, quando me

178
misturo com a sociedade, o que me torna acanhado. Se eu pudesse de tal modo dizer
tudo aquilo que reuni com o pensamento, integralmente, como se acha em mim, então
conquistaria os aplausos do mundo, embora nem tudo pudesse parecer bonito demais.

À guisa de comparação: ele sempre usa esporas, mas jamais monta um cavalo.

O rei francês é agora mero pensionista da França.

Eu creio que floresceríamos sempre, como os jovens, se pudéssemos estar sempre tão
despreocupados quanto eles. Ou seria o inverso: o desabrochar das flores é que nos
deixa tranqüilos?

Se o céu achasse necessário e útil relançar a mim e minha vida em nova edição, queria
então comunicar aos lá de cima algumas notas nada desprezíveis, que dizem respeito
principalmente ao desenho do retrato e ao projeto geral.

Ele menospreza a mim, por me desconhecer. E eu desprezo suas acusações, porque me


conheço.

Uma considerável nuvem de marcas de erros de impressão fazia sombra no desfecho.

Eu sempre disse que no ramo dos mecânicos prospera mais quem recebe como enxerto
galhos novos de relojoeiros.

Cada um de nós estaria sempre disposto a se tornar prudente por meio dos infortúnios,
se já na primeira desgraça instrutiva viesse uma indenização.

Os que se acreditam em qualquer oportunidade autorizados ex officio a fazer piadas são


para mim o tipo mais detestável de gente.

O almanaque ilustrado do mundo.

179
A gente fica perdida quando ganha tempo demais para pensar em si, pressupondo-se que
uma pessoa veja a si mesma não como objeto de observação – como se fosse um
preparado químico de laboratório – mas antes como o todo que alguém de fato é.
Toma-se consciência de muita coisa triste, pois que todo o prazer se esvai diante da
perspectiva de organizar ou manter reunida essa tristeza toda.

Eu creio, contudo, que no caso dos alemães, em comparação com os ingleses, a razão
serve mais para camuflar aquilo que jamais deveria acontecer. O alemão não ri, por
exemplo, em muitas oportunidades por saber que é indecoroso, ao passo que ao inglês
nem ocorre rir em tais ocasiões.

Um dos traços mais marcantes de meu caráter é certamente a singular superstição que
me leva a tirar de cada coisa um pressentimento e dar no decorrer de um dia a centenas
de coisas o valor de oráculo. Eu não preciso descrever isso aqui, já que eu me conheço
bem demais. Cada inseto a rastejar serve como resposta aos questionamentos sobre meu
destino. Não é de se estranhar tal coisa em um professor de física? Ora, não está isso por
acaso arraigado na natureza humana mesma, embora apenas em mim pareça
monstruoso? Não teria levado minha medida além da proporção da salutar mistura
natural?

Frederico Guilherme I e seu Gabinete de atiradores de granada.

Não deveria ser permitido ao rei de França eleger-se deputado na assembléia nacional.
Seria melhor para ele.

Em um homem que se gaba de temer a Deus, nunca se deve procurar uma convicção
cristã propriamente dita.

180
À flor segue-se a fruta ainda por madurar; a flor contém em si a perfeição. Assim
também acontece com as pessoas. Um jovem é considerado mais perfeito que um
homem de trinta ou quarenta anos, e só sem seguida configura-se a conclusão de um
novo estado, a maturidade.

Assim como fazem os sultões, todos os grandes senhores deveriam aprender uma arte;
vivemos agora tempos esquisitos, quando não se pode saber se um dia teremos que
recorrer a ela. O rei turco de antanho esculpia e lavrava com esmero arcos e flechas; o
de hoje pinta musselina para as mulheres.

Sua testa merece ser punida pelo ferro em brasa do historiador.

Uma garota in usum Delphini,207 ou seja, que não tem vagina ou tem uma inútil, unida,
mera cicatriz.

208
Ele escrevia e pensava sem rodeios, sem deixar que tudo passasse primeiro pelo
filtro da conveniência.

O orgulho defensivo, que igualmente ofende.

Neste mundo, pode-se viver bem de presságios, mas não de dizer a verdade.209
207
Edição “para uso do Delfim”, expressão latina para identificar as edições de clássicos latinos que os
eclesiásticos J. B. Bossuet e P.-D. Huet realizaram em 1688 com o propósito de apoiar a educação do
filho de Luís XIV de França, o Delfim. Por analogia, diz-se edição ad usum Delphini de toda a edição
para fins pessoais, mas corrupta por causas não exclusivamente literárias. Cf.
http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=946&Itemid=2
208
Há um erro de impressão na edição original, que nos confunde [fígado/vida]; deve ser “frisch vom
Leber weg” ( e não “Leben”), o que significa “falar sem rodeios, abertamente, francamente”, etc. [JS]

181
A simpatia é uma péssima esmola.

É como pó de diamante, que, embora sem brilho algum, serve para polir outras gemas.

Muitos escritores, assim que conseguem algum aplauso, acreditam que tudo que vem
deles interessa ao mundo todo. O seboso ator de teatro Kotzebue210 achava-se
respaldado para contar ao público até mesmo que aplicou um supositório em sua
moribunda esposa.

Januarius é o mês em que se apresentam aos bons amigos votos que nos meses restantes
não serão realizados.

É a arte retórica, que anda por aí a cobrir de flores as veredas da persuasão.

Não é o conhecimento da natureza humana, mas dos costumes, o que – eu diria –


qualquer moleque peralta é capaz de obedecer.

As pessoas que inventaram o perdão dos pecados por meio de fórmulas em latim são
culpadas das maiores perversões do mundo.

Ela era à época a vice-esposa do conde. Madame Pompadour, vice-rainha de França.

209
Wahrsagen/Wahrheitsagen.
210
Certamente, August Von Kotzebue (1761-1819), ver lista de autores.

182
Uma das mais difíceis artes para as pessoas é certamente encorajarem a si mesmas.
Aqueles que são desprovidos de tal virtude vão encontrá-la primeiro sob a poderosa
proteção de um que a possui e que pode então nos ajudar quando tudo vem a faltar.
Posto que haja tantas dores no mundo e que contra elas nenhuma criatura humana
corajosa é capaz de consolar sozinha os fracos, então para isso a religião é excelente.
Com o pensamento em Deus e sem outros meios, ela é de fato a arte de providenciar
consolo e coragem no sofrimento, bem como força para reagir. Eu conheci pessoas cuja
ventura era seu Deus. Acreditavam na felicidade. Sua fé as tornava corajosas; a coragem
trazia-lhes felicidade, a felicidade os encorajava. Perde muito a pessoa que deixou de
acreditar no ser sábio que dirige o mundo. Eu acho que esta é uma conseqüência
necessária de todo estudo da filosofia e da natureza. Na verdade, não se perde a fé em
um Deus, mas ele deixa de ser o Deus de nossa infância, pronto a nos socorrer; ele passa
a ser uma criatura cujos caminhos não são os nossos e já não partilhamos de seus
pensamentos – e isso não tem servido muito aos desamparados.

A.: Esse homem tem muitos filhos.

B.: Sim, mas na maior parte deles só lhe coube fazer a revisão final.

Um desses escravos africanos nas lavouras da literatura.

É muito estranho que se marquem as sílabas longas com um – e as curtas com ͜ , pois o
primeiro é o caminho mais curto entre dois pontos e o segundo é uma linha torta. O
inventor desses sinais devia estar pensando em algo completamente diferente, se é que
para isso pensou em alguma coisa.

Já que um homem pode enlouquecer, não consigo entender porque um sistema de


mundo não se pode tornar louco também...

183
A.: Porque o Sr. não sustenta seu sogro?

B.: Por quê?

A.: Ele é um homem pobre.

B.: Mas é um sujeito trabalhador. E eu não tenho dinheiro bastante para transformá-lo
em um malandro folgado.

Além do tempo, há um outro meio de promover grandes mudanças: é a violência.


Quando um vai indo lento demais, então o outro com muita freqüência toma a dianteira.

Não é uma piada engraçada, e sim a pura verdade, que antes da revolução havia mais
verba para os cães de caça do rei de França que para a Académie des Inscriptions et
Belles-Lettres.

O mundo não está aí para se tornar conhecido por nós, mas para que nele nos formemos.
Esta é uma idéia kantiana.

Depois que eu registrei muitas observações sobre os homens e as verti em palavras


cheias de sentimentos que lisonjeavam minha própria superioridade, descobri muitas
vezes que no fim das contas o melhor era justamente aquilo que escrevera à maneira do
homem comum, ou seja, sem aquele excesso de sentimentos.

Os déspotas alemães serão solícitos em evitar coisas que não teriam em outros tempos
surgido com tanta facilidade.

De tudo aquilo que é planejado no mundo, dois terços não foram pensados.

184
Durante muito tempo eu não consegui entender de onde provém que me custe um
esforço tão terrível para ler nos livros de diversos escritores generalistas famosos, mas
finalmente depreendi um esboço da coisa e é daí que os homens, em comparação aos
verdadeiros grandes homens, são tão triviais que não somos atraídos a examinar o que
eles sabem.

O padre diz: Oh! Selvagens neozelandeses, vós sois antropófagos!

O neozelandês retruca: E vós sois teófagos, senhores vigários!211

Na França livre, país onde agora cada um pode mandar enforcar quem quiser.

O mundo ali fora das janelas polidas é mais importante que o das terras de além-mar e
só será, quem sabe, ultrapassado pelo que estiver nos esperando do lado de lá da
sepultura.

É deveras espantoso que, a partir de obscuras idéias sobre causas, tenha sido construída
a crença em um deus, sobre o qual nada sabemos e nada podemos saber, pois toda
inferência sobre um criador do mundo recai sempre em antropomorfismos.

Coisas esquisitas ocorrem quando o juízo amadurece ou sente suas forças de comando,
sem ter nada que governar. Cai-se nos erros dos pequenos príncipes e torna-se ridículo
diante dos grandes. Quem leu muito e dispõe de pouca habilidade para governar é
ridicularizado diante dos sábios. Se, no fim das contas, eu tiver um dia que fazer o papel
de bobo, preferiria então ser motivo de riso diante dos grandes, mas não dos sábios;

211
Adoto aqui a solução do tradutor Juan Villoro para Menschenfresser/Gottfresser: antropófago/teófago.

185
diante dos eruditos, mas não do pensador, que sempre me avalia pelo modo como
utilizei meus talentos.

Seu forte era expressar de maneira aceitável aquilo que outras pessoas tinham pensado.

Hoje, quando são lidos tantos ensaios sobre a genialidade, cada um acredita ser um
gênio. Estão perdidos os pretensiosos que cedo demais se consideram gênios.

Sem abrir mão de minha plena comodidade, sempre cresci no conhecimento de mim
mesmo, sem ter a força para me tornar melhor. Sim, muitas vezes eu me considerei
compensado por toda minha indolência, pelo fato de haver percebido isso. E a satisfação
que me dava a descoberta precisa de uma falha em mim era muitas vezes maior que o
remorso despertado em mim pelo próprio erro. Assim, agia em mim mais o professor
que o simples homem. O céu conduz maravilhosamente seus santos.

Uma regra de ouro: não devemos julgar as pessoas de acordo com suas opiniões, mas
sim pelo que tais opiniões provocaram nelas...

Deve um povo, quando bem entender, mudar sua Constituição? Sobre tal questão,
dizem muita coisa boa e muita besteira. Eu creio que a melhor resposta a isso é: quem
vai contestar, se o povo está decidido?...

Havia muito talento enfiado naquele homem e ele contribuiu para isso; todavia, falta-lhe
simplesmente tudo que, cá entre nós, pudéssemos chamar de rolha, de modo que mesmo
antes que ele pudesse reunir alguma coisa que nos valesse a pena já evaporava com
facilidade através de seu gargalo de tagarela.

186
Eu dei uma olhada no catálogo das doenças e lá não encontrei nem a preocupação, nem
as idéias tristes. E isso é uma grande injustiça.

Ele dedicava a si mesmo muita atenção hipocondríaca.

O que é dito depende tão extraordinariamente da maneira como alguém o diz, que chego
a acreditar que as coisas mais corriqueiras podem ser ditas de tal modo que um outro
chegue a acreditar que o diabo tenha sido a inspiração.

Hupazoli escreveu 22 volumes sobre seus feitos – e isso também explica porque ficou
tão velho. Eu conheci alguns outros guarda-livros assim. Eles geralmente vivem muito.
Imitar a dieta deles não ajuda muito. Os imitadores seguem só sua própria cabeça, por
meio de decisões racionais e isso é tão inútil quanto tentar suprir a falta de genialidade
com recurso a regras. Considera-se aqui como efeito o que de fato é a causa. Os homens
bem regulados pelo relógio geralmente vivem muito, pois a capacidade de envelhecer os
transforma em homens que funcionam bem. O imitador já se acha grande demais dentro
de si mesmo e o triunfo sobre suas próprias inclinações é uma guerra de nervos – e isso
não fica bem com uma vida longa.

Eu conheci um homem que tinha a estranha mania de, na hora da sobremesa, escavar as
maçãs em corpos geometricamente regulares, onde ele sempre comia as migalhas.

Muitas vezes encerrava-se a resolução do problema das frações comendo-se a maçã


inteira.

187
Eu fico atento à virtude de minha empregada, como se fosse a minha própria, diz uma
velha governanta.

O todo-poderoso Deus do trovão só é admirado no momento em que não troveja –, ou


logo a seguir, quando o trovão se afasta.

Ele pediu pedra e deram-lhe um pão. Sobre um sujeito que quer visitar um museu de
minerais e rochas e a quem oferecem antes um bom café da manhã.

A natureza criou de tal forma as mulheres, que elas não devem agir por princípios, mas
segundo sentimentos.

Que Deus – ou seja lá o que for – tenha levado o homem a procriar por meio do
prazeroso coito, eis algo a se considerar também no princípio soberano de Kant.

Se o sono é meio-irmão da morte, então a morte é meio-irmã do diabo.

Os opositores da República Francesa falam sempre que ela seria obra de umas poucas
cabeças rebeldes. Aqui pode-se perguntar francamente: o que foi até hoje em grandes
oportunidades a obra de muitos ao mesmo tempo? Muitas vezes, foi a obra de apenas
um. E o que foram sempre nossas guerras entre potentados senão a obra de poucos? O
rei e o ministro. Eis aí um paupérrimo raciocínio. E inclusive a diversidade nas cabeças
impede o progresso mental; só deve e pode haver poucos, quando algo grandioso tiver
que ser executado; os demais, a multidão, deve ser conduzida – chamem a isso
convicção ou tentação, tanto faz. Também falam com desdém que agora até os
fabricantes de cerveja e de perfumes desempenham cargos importantes. Para isso, é
necessário apenas um ousado bom senso. Deveria então uma equipe de recenseadores se

188
debruçar antes sobre todos os fragmentos da graça natural para que um povo pudesse ser
comandado? ( Mero andaime do pensamento)

Não poderiam ser elevados a nome de batismo os títulos de Mestre, Doutor, etc?

Em nome do Senhor, chamuscar; em nome do Senhor, queimar, assassinar e despachar


para o diabo – tudo em nome do Senhor.

Ele cuidou de dar a si mesmo e aos filhos tanto circenses, que no fim começou a faltar
pane para todos.

Há muita gente que só consegue ouvir depois que lhes cortam fora as orelhas.

Óxido de prata nos dentes é bom para... explodi-los.212

Muitos coelhos são a morte dos cachorros, diz o guarda-florestal, pois tinham matado a
tiros um cachorro – foi por descuido, pois os atiradores eram muitos.213

Na verdade, nenhum filósofo além dele fazia frete para levar colegas à feira de
convenções.

212
Decerto à época de Lichtenberg já se utilizava bicarbonato de sódio para escovar os dentes. E seria
engraçado se alguém usasse outro composto, por engano, como óxido de prata, que é explosivo.
213
Aqui aparece invertido o provérbio original, que seria algo como “muitos cães, lebre morta”.

189
Herder disse com belas palavras que “podemos aceitar como um axioma da história que
nenhum povo é oprimido, a menos que se queria deixar oprimir”. (Ideias para uma
filosofia da história da humanidade, segunda parte, livro IX, cap. IV)

Os tempos atuais são excelentes para um Cervantes. Os tempos de Cervantes ainda


estão aí, maduros, mas ele mesmo ainda não reapareceu. Os idiotas se acumulam, mas
ainda não dispomos de arreios suficientes para tanta cavalgadura.

Quando alguém na Conchinchina diz: “Doii” (doji, tenho fome), saem então as pessoas
a correr, como se houvesse um incêndio, para lhe providenciar o de comer. Em muitas
províncias alemãs, uma pessoa necessitada poderia dizer “tenho fome” e essa frase de
nada ajudaria; seria como se ela dissesse aos alemães “doii”.

Especialmente quando sobrevém a sombria nuvem clerical.

Dentre todas as capacidades intelectuais, compilar e reunir excertos é para a maioria dos
homens uma tarefa de fundição. Percebe-se cotidianamente também que certos homens,
que em sua juventude criaram a expectativa de trazer grandes avanços às ciências,
depois, na idade madura, simplesmente para brilhar amiúde nos catálogos de feiras ou
para fazer fortuna, sobretudo porque perceberam que en gros214 na Alemanha não se
distingue com muita clareza, no burburinho do mundo das letras, quem se tornou
compilador. Eu creio haver algum mérito em reunir sob um certo ponto de vista o que
está em uma centena de livros, contudo dever-se-ia reconhecer a diferença entre tais
homens e os outros, que ampliam a ciência, a qual desloca as fronteiras...

Mandar pagar por livros como se tivessem a cabeça a prêmio.

214
Francês: em geral, por atacado.

190
Uma pessoa não gosta de desistir de falsas opiniões sobre os outros, tão logo se
considere justificada e acredite poder assim alardear algum feito em aplicações sutis do
conhecimento que tem dos homens. Só certos iniciados podem lançar tais olhares ao
coração dos outros. Por isso é que há poucas disciplinas do conhecimento humano em
que um saber pelas metades pode provocar maiores estragos do que a inteira ciência que
lhe corresponde.

Será que por acaso alguém acredita que os velhos abusos do mundo se deixam apagar
com facilidade? A Revolução Francesa vai deixar atrás de si muitas coisas boas, que
sem ela não teriam vindo ao mundo, seja lá o que for. A Bastilha passou e o inseto
infame, que o Sr. de Born descreveu em sua “Monachologie”,215 foi com isso eliminado
com calda de enxofre.

Pode-se ver claramente que tipo de bicho é um soldado na guerra ora em curso: ele se
deixa usar tanto para estabelecer a liberdade, quanto para suprimi-la, para depor reis e
para confirmá-los no trono. Contra a França, a favor da França e contra a Polônia.

A grande obra trágica das pandectas.216

O que na verdade torna o céu tão agradável aos pobres é pensar que lá reinará a
igualdade das classes sociais.

215
Von Born (1742-1791), ver lista de autores.

216
Do grego. pandéktes, ou seja, que compreende tudo (falando de um título de livro, espécie de
dicionário universal), no plural, é 'coletânea de leis compiladas por Justiniano', pelo latim tardio.
Pandectae [Houaiss].

191
Dentre os equívocos ou os falsos relatos da Revolução Francesa, também se inclui a
crença de que a nação será conduzida por alguns vilões. Ora, esses malvados não
deveriam, ao contrário, se aproveitar dessa disposição?

Meu corpo é a parte do mundo que meus pensamentos podem modificar, pois mesmo as
doenças imaginárias podem se tornar reais. No resto do mundo, minhas hipóteses não
podem atrapalhar a ordem das coisas.

A.: O senhor envelheceu um bocado.

B.: Sim, é o que costuma acontecer quando se vive muito.

O ovário que contém o futuro.

Diante da perda de pessoas que nos eram queridas, não existe lenitivo melhor que o
tempo e a distração escolhida com cuidado e inteligência, na qual nosso coração não
possa nos repreender.

No “Allgemeine Literaturzeitung”,217 comentou-se certa vez que em Paris deviam


trancar à chave as estátuas para evitar a barbárie de sua destruição. Em nenhum outro
lugar teria acontecido tanta coisa violenta por ocasião da revolução. Seria como se a
natureza jamais deixasse a cargo da metafísica a realização de seus planos. Teria sido
igualmente bom se as cidades da Calábria tivessem sido mantidas em segurança por um
prazo suficiente, até que a natureza concluísse as obras no porão que tinha projetado
debaixo delas.

217
Jornal de divulgação e crítica literária, fundado em Jena, em 1849 e que teve a participação de
Wieland, um dos fundadores.

192
A dogmática, fecunda e bondosa mãe da polêmica.

Não é de se estranhar que cada um possa ser seu próprio médico e também advogado de
si mesmo? Todavia, assim que alguém queira ser sacerdote de si mesmo, lançar-lhe-ão
injúrias e lamentos, para o que contam com os deuses da Terra. Porque tanta
preocupação por parte dos deuses da Terra em atenção ao eterno bem dos homens, já
que deixam então irresponsavelmente de lado os bens temporais? A resposta não é
muito difícil.

A filosofia recusar-se a filosofar. Será que haveria situação pior para alguém?

Talvez não haja no mundo um homem sequer, que, havendo se transformado num
canalha por causa de mil táleres, não preferisse pela metade da quantia permanecer um
homem honesto...

E com ira mansa (suave), ele pregava a força da fé católica, a única capaz de salvar as
almas.

Eles sentem a pressão do governo tão pouco quanto a força do vento.

Em França, a coisa está fermentando. Ainda não se pode dizer o que dali vai sair: vinho
ou vinagre?

193
Eis o essencial por toda parte: duvidar de coisas nas quais agora se acredita por
completo, sem maiores investigações.

Vale a pena, quem sabe, para meu próprio governo, investigar com muita seriedade
porque a maioria das descobertas tem que ser feita por acaso. Essencial é decerto o fato
de que as pessoas aprendem a ver tudo da mesma maneira que seu professor e os que
freqüentam esse meio. Por isso, deveria ser muito útil dar de vez em quando uma
indicação sobre como alguém, poderia desviar-se regularmente da regra.

Quando me deparo então com uma idéia nova, uma teoria, cabe sempre perguntar: ora,
isso também é de fato tão novo quanto lhe parece? Eis aí, aliás, um lembrete para não se
ficar pasmo com nada neste mundo.

Certamente, dar sua opinião a respeito de tudo, com o máximo possível de novos
adendos; senão, será perda de tempo – apenas tenha cautela na hora de mandar
imprimir. Não apenas o calmo pensar, mas também as anotações facilitam muito a
impressão, e abrem caminho para o dom de jogar o colorido de suas próprias idéias,
mesmo sobre aquilo que já se aprendeu de cor e salteado.

Procurar ver em cada coisa algo que ainda ninguém viu e na qual ninguém pensou até
agora.

Fazer diante de tudo a pergunta “isso também é verdade?” – e aí procurar os motivos


que levam alguém a acreditar que tal coisa não seja verdade.

194
Reunir em todos os trechos não apenas verdades, mas também usos e expressões para
determinadas oportunidades; quando alguém ocasionalmente passa os olhos em tais
anotações, amplia-se seu repertório por meio das semelhanças.

Nada emperra mais o progresso da ciência que alguém acreditar que sabe o que ainda
não sabe. Incorrem nesse erro os que forjam hipóteses com fanatismo.

O homem é uma obra-prima da criação também ao achar, mesmo diante de todo o


determinismo, que age como criatura livre.

Quanto mais tempo dura o mundo, mais descobertas são feitas, já dizia o Mestre.
Acontece assim também com o fogo que se alastra; o efeito arranja novas causas.

Buscar sempre as causas últimas, não tanto em razão delas mesmas, mas por revelarem
a coerência e por seu uso meramente heurístico.

É curioso que apenas os homens extraordinários façam as descobertas, que depois


parecem tão fáceis e simples. Isso pressupõe que são necessários conhecimentos muito
profundos para a percepção das mais simples – todavia verdadeiras – relações das
coisas.

Para um homem de espírito, a palavra dificuldade não pode ser pensada de maneira
alguma como algo existente. Fora com ela!

Eu reservo o título de grande homem àquele que muito pensou, leu bastante e teve
ampla experiência, e que sabe aplicar à melhor finalidade tudo que pensou, leu e

195
vivenciou, em cada coisa que realizou, e, portanto, também em cada livro que escreveu;
apresentar tudo de maneira tão vívida que cada um possa ver como ele mesmo viu.

Um bom recurso para invenções consiste em pensar um sistema, abstraindo-se de certos


componentes dele, e buscar entender como o restante se comportaria; por exemplo,
imagine-se o mundo sem ferro. Onde estaríamos? Eis um velho exemplo.

Perguntar a si mesmo toda noite, a sério, que novidade foi aprendida no decorrer do dia.

Uma tirada espirituosa leva a descobertas; o juízo vem observá-las.

O que me aparta de minhas velhas doutrinas não são meus progressos individuais,
subjetivos. Não; são progressos da ciência mesma.

Trabalho da fala e obra sonora. Se alguém se intromete numa conversa em língua


estrangeira, ressoa para um outro ouvido como se fosse traduzido para o alemão.

Deve-se fazer algo novo, para que algo novo possa ser visto.

Os estudos se fortalecem muito, pelo menos para mim, quando se assimila com tal
clareza tudo que se lê, a ponto de possibilitar fazer aplicações ou até adendos.

196
Por fim, inclina-se a acreditar que se poderia descobrir tudo por si mesmo. E algo assim
dá coragem, assim como no livro nada desencoraja mais que o sentimento de
superioridade.

Nas considerações comuns das pessoas sobre a entidade que criou o mundo, mescla-se
todavia abertamente uma grande quantidade de disparates piedosos e não-filosóficos. A
exclamação “que tipo de ser criou tudo isso!” não é todavia em nada muito melhor que
uma sobre “o tipo de mineração na qual a lua foi encontrada”, pois dever-se-ia
primeiramente perguntar de maneira definitiva se o mundo foi de fato feito e, em
segundo lugar, se o ser que o criou estaria em condições de construir um relógio de
latão que marcasse as horas com um sino. Estou falando de derreter o metal, forjá-lo em
folhas, cortar as rodas e afiar seus dentes. Eu creio que não. Isso só pode o homem
fazer. E mesmo um homem mais perfeito poderia idear todo tipo de dispositivos, mas se
nosso mundo foi um dia feito, então isso se deve a um ser que não está no mesmo nível
da humanidade, da mesma forma que a baleia não pertence ao gênero da cotovia. Por
conseguinte, eu não consigo me espantar o bastante quando homens famosos dizem que
a asa de uma mosca contém mais sabedoria que o mais perfeito artifício mecânico de
marcar horas.218 A frase não diz nada além de que o processo de fabricação dos relógios
não serve para fazer asas de mosca. E os homens, se seguirem o processo da produção
de relógios, não chegarão a tais asas. Devemos ser ponderados e abandonar essas inúteis
insinuações pietistas.219 Não se deve falar disso aqui, contudo deve-se dispor de força
para pensar coisas desse tipo, pois a força é necessária.

Uma cabeça espirituosa e ao mesmo tempo distraída aprende basicamente pouco,


porém, com certeza, faz desse pouco o melhor uso possível, ao passo que um erudito -
menos engraçado, porém decerto mais profundo – não está em condições de fazer uso
de seu saber.

218
Certamente, a teoria de Aristóteles, na Physica: a arte procede como a natureza procederia, se esta
fosse arte (ars imitatus naturam) [JS]
219
Certamente, Deus como artífice do mundo (Cf. Santo Agostinho, Confissões, livro XI: O mundo, a
criação, como obra de arte). [JS]

197
Ao refutar algo, é extremamente importante não proceder apressadamente; ao contrário,
interpretar detalhadamente cada vírgula e não dar o passo seguinte antes que esteja
fartamente demonstrado o ponto em questão. Não se apressar. E é nisso que costumo
errar sempre.

Quando tiveres lido um livro ou um ensaio, cuide para que não o tenha lido em vão;
procure assimilar daí algo que o torne melhor, algo para usar em sua própria instrução
ou para a economia do escritor, isto é, seus recursos limitados.

Na natureza, não vemos palavras, mas sempre apenas suas iniciais, e quando em seguida
queremos ler, então descobrimos que as novas pretensas palavras são simplesmente, de
novo, as primeiras letras de outras palavras.

198
1793 - 1796

As melhores leis podem ser simplesmente respeitadas e temidas, mas não amadas. Bons
governantes são respeitados, temidos e amados. Que impressionante fonte de felicidade
para um povo!

Em muitas pessoas, a produção de versos costuma ser uma doença do desenvolvimento


do espírito.

Quanto mais grandioso e mais abrangente é o projeto no qual uma revolução se encaixa,
tanto mais dores ela causa aos que nela se envolvem. Entrementes, fortalecer-se
pacientemente por meio da razão não é para qualquer um – mesmo que isso fique fora
do escopo revolucionário – e que isso aconteça é mais improvável ainda quando mais
incerta for a chance de que alguém venha a saborear os frutos do projeto da revolução.

A chegada de minha idade, eu a percebi primeiro na diminuição da memória. Daí que eu


ora me explicava com a desculpa de não exercitá-la, ora lamentava tal conseqüência da
velhice que me advinha. Durante toda minha vida, pressenti essas ondas de medo e de
esperança.

Oh! Eu me lembro ainda muito bem da maneira que eu deveria sentir, ao nascer do sol.
E como eu queria! Mas, nada sentia, até que encostava a cabeça ora neste ombro, ora no
outro. E aí, a piscar os olhos, quantas vezes falava muito sobre sensações e com isso
enganava até a mim mesmo – e não apenas os outros! Essa sensação veio, porém, a
primeira vez alguns anos mais tarde e de maneira particularmente aguda a partir de
1790, quando eu freqüentemente via o sol nascer. Os objetos de preocupação que aí me
angustiavam eram, sobretudo, os amigos falecidos – às vezes os recém-falecidos –,
minha mulher e meus filhos. Foram muitas as vezes que verti lágrimas e que me vi de

199
joelhos. Ah! Se minhas decisões tomadas pudessem durar mais tempo! Sem dúvida, as
fraquezas de meu corpo são culpadas disso. Mas, certamente, não constitui uma
leviandade – já que me magoa tanto – o mundo rotular como suposta veleidade de
caráter o que, na verdade, é tão somente uma condição doentia.

Minha constante comparação dos anos de um escritor, cuja vida eu leio, com os meus
anos, que eu ia completando em minha juventude: eis um traço da natureza puramente
humana.

Só por volta do fim de minha vida é que começo a trabalhar e a ajuntar um lucrinho com
meu lado espirituoso.

Tudo o que faço eu agora ponho para render alguma grana. Os carvões220 ainda estão aí,
mas sem levantar chama alguma.

Meus ouvidos se irritam com os estrondos de maneira extraordinária. Mas eles deixam
de causar sua impressão adversa, tão logo estejam associados a alguma finalidade
compreensível.

Foi uma idéia engraçada... imaginar um sujeito tão grande e gordo que estivesse com
um lado num pólo e a outra metade na linha do Equador. Que vida triste! Mas de fato já
me aconteceu muitas vezes suar na parte de cima, enquanto os pés estavam frios como o
gelo.

Já fui muitas vezes repreendido por erros que meu algoz não cometeu, só por faltar-lhes
forças ou espírito para tanto.

De vez em quando, ao ler um bom pensamento meu em um de meus velhos cadernos de


notas, fico admirado de como ele poderia ter-se tornado estranho a mim e a meu
sistema, e aí me alegro tanto com ele como se fosse um pensamento de um de meus
predecessores.

220
No alemão atual, “Kohle” (carvão) é gíria para dinheiro. Daí preferirmos “grana”, em vez de
“lucrinho” (Profitchen).

200
Dentre tudo que faço e deixo de fazer, nada me magoa mais que a obrigação de ver o
mundo do mesmo modo que o homem comum, sobretudo por saber, como cientista, que
o homem comum adota uma perspectiva errada.

No dia 10 de outubro de 1793 enviei do jardim a minha querida mulher uma flor feita
com folhas coloridas que caíam no outono. Era para representar minha pessoa na
situação em que me encontro hoje, mas não deixei que isso fosse dito assim.

Se minha filosofia não prestar para descobrir algo novo, pelo menos terá ela coragem
bastante para considerar que não está bem resolvido aquilo em que acreditamos por
tanto tempo.

Obviamente, eu pressenti, embora de maneira vaga, diante do acabamento gráfico de


meu volume de Hogarth que o reduzido espírito ali não está em condições de dar vida a
tanta massa – digam o que quiserem, eis a verdade. Deveriam mandar imprimir livros
cada vez menores, na proporção de sua falta de espírito.

Eu não consigo largar de pensar que morri antes de nascer e que através da morte
regresso àquela condição. É uma ventura, em muitos aspectos, que tal idéia não possa
ser claramente interpretada. Mesmo que o homem pudesse adivinhar esse segredo da
natureza, seria, todavia, contra o interesse dela que o homem o pudesse provar. Morrer e
tornar-se de novo um vivente com lembranças de sua existência anterior é o que
podemos chamar um desmaio; despertar de novo, com outros órgãos, que primeiro tem
que ser recriados, significa nascer.221

Nada nos faz envelhecer mais rapidamente que a constante idéia vaga de que estamos
ficando velhos. Eu percebo muito disso em mim; isso faz parte do veneno que sugo.

Se houvesse uma obra de cerca de dez volumes, em grande formato,222 e cada um


contivesse algo novo, em capítulos nem sempre grandes demais, de maneira
particularmente especulativa, sobre o que cada um nos fizesse pensar e sempre

221
“resurectio mortuorum” (JS)
222
“Foliant”, “in-fólio”, são expressões da tradicional arte da impressão e encadernação. Esse formato é o
padrão, que equivale ao A3 de hoje em dia, é dobrado apenas uma vez e proporciona grandes volumes,
com lombada, etc.

201
oferecesse novas soluções e avanços, então, acho que eu poderia me arrastar de joelhos
atrás de tal obra até Hamburgo, se me convencesse de que depois me restaria bastante
saúde e vida para lê-la de ponta a ponta, com tranqüilidade.

Às vezes, acontece com minha saúde o mesmo que entre o moleiro e a água que ele
represa para mover a roda: eu sempre tenho que me concentrar ao ar livre pelo menos
dois dias por semana para poder moer nos cinco restantes.

Em minha vida já me prestaram tantas homenagens que eu não merecia, de tal forma
que posso eventualmente tolerar bem uma imerecida exposição ao ridículo.

A máxima ventura neste mundo, pela qual suplico aos céus todo dia, é que eu seja
sobrepujado em forças e conhecimentos apenas por pessoas sensatas e virtuosas.

É raro que permaneça muito tempo sem explicação aquilo que parece muito esquisito. O
inexplicável não é mais – e talvez nunca tenha sido – algo para se estranhar.

Há muitos anos já pensava que nosso mundo pudesse ser obra de um ser subalterno, e
ainda não consigo deixar de pensar nisso. É uma estupidez acreditar que é impossível
haver um mundo livre da doença, da dor e da morte. Pois não é justamente assim que se
imagina o céu? Falar de um tempo de provações ou de formação gradual significa
pensar em Deus sob categorias muito humanas e isso tudo é mero palavrório. Por que
não poderia haver degraus na escala dos espíritos, subindo até Deus? Porque não
poderia ser nosso mundo, talvez, a obra de alguém que ainda não tinha entendido direito
as coisas – uma tentativa? Eu penso em nosso sistema solar ou em todas nossas estrelas
nos confins da Via Láctea. Talvez sejam as nebulosas, avistadas por Herschel, nada
mais que amostras ou coisas do tipo que foram entregues antes da hora, faltando ainda o
trabalho de acabamento. Quando tomo em consideração a guerra, a fome, a pobreza e a
pestilência, eu não posso acreditar que tudo seja a obra de um ser extremamente sábio;
ou então esse ser tinha que achar uma matéria independente de si, que limitou de tal
forma que esse mundo precário só existisse em relação ao melhor dos mundos,
conforme já se ensinou bastante também.223

223
Lichtenberg refere-se, certamente, a Leibniz. (JS)

202
Quando consideramos a natureza como mestra e as pobres criaturas humanas como sua
audiência, tendemos a admitir uma idéia bem singular de gênero humano. Estamos
sentados juntos no mesmo banco do colégio e temos os princípios necessários para
entender e para apreender a lição. Contudo, estamos sempre a espreitar mais a conversa
de nossos colegas que a exposição de nossa professora. Ou então, quando um colega ao
lado anota a aula e copiamos dele, tomamos furtivamente algo que ele talvez tenha
ouvido sem compreender e aí aumentamos as discrepâncias ao acrescentar nossos
próprios erros de ortografia e de interpretação.

Há verdades que vagam por aí tão enfeitadas que até poderiam ser tomadas por mentira,
mas mesmo assim são as puras verdades.

Neste mundo, para ficar satisfeito ou até mesmo alegre, requer-se olhar para tudo
apenas superficial e rapidamente; tão logo alguém se ponha mais pensativo, também
mais sério se tornará.

O fato de acreditarmos que algum homem extraordinário, de quem ouvíramos falar, nos
pareça menor quando o vemos pessoalmente decorre muitas vezes – e decerto sempre –
de aí vermos que ele tem a cara comum de um ser humano qualquer.

A boca não fala daquilo que falta ao coração – eu achei isso muitas vezes tão verdadeiro
quanto a frase contrária. 224

O erro comum de todas as pessoas de pouco talento, que exibem mais erudição que
inteligência, é decaírem mais em explicações artificiais que em naturais.

Eu estou convencido de que existem óculos para as faculdades da alma, assim como
lentes para os olhos. Seria estranho se algo assim não fosse possível. Se o espírito de
humor enfraquece-se com a idade, então pode muitas vezes a leitura de registros de
palavras efetuar comparações que, sem isso, seriam impossíveis.

224 Referência à passagem Bíblica: “Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca.” (Mt.
12, 34)

203
É certamente melhor não ter estudado absolutamente nada sobre uma coisa do que
conhecê-la superficialmente, pois o puro e sadio bom senso humano, quando quer julgar
algo, não erra tanto o alvo quanto a erudição pelas metades.

Há uma quantidade de pequenas falsidades morais que a gente pratica sem achar que
sejam prejudiciais, assim como alguém que, indiferente em relação a sua saúde, fuma
tabaco.

Ao contrário da soberba, o orgulho é uma nobre paixão, pois enxerga seus próprios
erros.

Professar um voto em uma ordem religiosa é um pecado maior que sua violação.

Antes da repreensão, deveríamos sempre tentar desculpar os outros.

Eu achei muitas vezes que pessoas comuns que não fumam em lugares onde o cigarro é
um costume, eram sempre pessoas muito boas e ativas. Isso é fácil de explicar em
pessoas do povo, pois nessa classe revela-se algo de bom principalmente ao não se
deixarem levar por uma moda dessas ou geralmente deixarem de fazer algo que pelo
menos no começo não é agradável. Eu também devo confessar que, dentre todos os
eruditos que conheci em minha vida e que eu chamaria acertadamente de gênios,
nenhum sequer fumava. –Será que Lessing era fumante?

É perigoso para o aperfeiçoamento de nosso espírito sermos aclamados por causa de


obras que não exigem toda nossa capacidade. Ficamos, então, geralmente paralisados
por isso. La Rochefoucauld acreditava que nunca uma pessoa fez tudo o que poderia ter
feito – considero que isso vale para a maioria dos casos. Toda alma humana tem um
porção de indolência, que a inclina a preferir fazer o que lhe parece fácil.

Um dos maiores e ao mesmo tempo mais comuns erros humanos é achar que os outros
não conhecem as fraquezas deles, por não terem sido discutidas ou deitadas no papel.
Eu creio, todavia, que a maioria das pessoas pode ser conhecida mais pelos outros que
por si mesmas. Eu sei de escritores famosos e ao mesmo tempo fúteis (e há multidões

204
deles na Alemanha) que, em toda sua presunção, foram considerados um bando de
cabeças ocas por grandes inteligências que pude consultar.

Quando uma pessoa começa – ela mesma – a envelhecer, então considera as outras de
sua mesma idade como mais jovens do que considerava anos antes as pessoas com
aquela mesma idade. Assim, por exemplo, o ourives K., que eu conheço há trinta anos,
eu o tomo por jovem, mesmo que ele seja agora alguns anos mais velho que seu pai era,
quando o vi então pela primeira vez – e à época eu certamente não o julgava novo. Em
outras palavras, consideramos a nós mesmos e a outros como jovens naquela idade em
que ainda éramos mais novos e já considerávamos velhos os outros.

Há quem não consiga chegar a uma decisão sem antes dormir em cima da coisa, e isso é
muito bom. Todavia, pode haver casos em que se corre o risco de virar prisioneiro na
armação da própria cama.

Será que alguém fica vermelho de vergonha no escuro? E será que se pode empalidecer
de susto na escuridão? Eu acredito mais nesta que na primeira situação, pois perde-se a
cor por motivos pessoais, ao passo que é também por causa dos outros que alguém se
enrubesce. Será que as mulheres ficam coradas de vergonha no escuro? Eis uma
pergunta difícil; pelo menos, lança uma dúvida que não se deixa resolver com a ajuda da
luz.

Dificilmente haverá falha maior que explicar os grandiosos ou, no mínimo, reluzentes
feitos de algumas pessoas a partir de certas disposições angelicais e de alguma grandeza
da alma. Talvez possa um dentre mil ser verdadeiro; mas quem estudou um pouco as
pessoas geralmente encontrará bem nas proximidades as causas de tais façanhas. Ou
seja, trata-se de proceder com elegância literária, quando se busca tudo com tal
profundidade.

Eu não acredito que as pessoas deveras piedosas sejam boas por causa de seu pietismo,
mas, pelo contrário, é por causa da bondade que vieram a ser devotas.225 Há certos
caracteres que se situam com naturalidade em todas as relações domésticas e sociais e

225
Lichtenberg parece referir-se a uma tese de Platão, no Euthyphron.[JS]

205
toleram aquilo que se reconhece em parte como proveitoso e em parte como incapaz de
melhorar. Portanto, imputar isso à religião poderia bem ser uma fallacia causae.226

Eu sempre achei, no transcurso de minha vida, que quando todos os recursos falham,
não há meio mais seguro para conhecer o caráter de um homem que uma brincadeira
que ele leve a mal.

Dentre todos nós, quem é que não fica doido um dia na vida, ou seja, quando se acha
sozinho e imagina um outro mundo, em condições mais felizes que as realmente
existentes? Ter juízo significa aí simplesmente reencontrar-se, assim que a peça
termine, e ir, depois da comédia, de volta para casa.

Os homens pensam sobre os acontecimentos da vida de maneira não muito diferente


daquela com que falam a respeito deles.

Nunca se deve julgar a pessoa pelo que ela escreveu, mas sim pelo que ela fala, no meio
social, sobre homens que estão à sua altura.

O fato de as pessoas emitirem tantos juízos errados não provém, com certeza, apenas da
falta de inteligência e de idéias, mas decorre principalmente de elas não submeterem ao
microscópio e à reflexão cada ponto da sentença.

Gente que costuma ler muito pela rua geralmente não tem muita leitura em casa.

Aqueles que nunca tem tempo fazem o mínimo.

Nós nos tornamos ranzinzas ao envelhecermos ou quando o amor e, mesmo muitas


vezes também, a amizade envelhecem. As coisas podem ficar velhas para uma pessoa,
mesmo que ela permaneça jovem. Muitos acreditam que é sempre durante um temporal
que o verão cede seu lugar ao inverno.

Se nos fosse possível rastrear os grandes feitos e pensamentos, voltando até suas fontes
originais, descobriríamos que muitas vezes eles não estariam de maneira alguma no
226
Falácia causal, erro de raciocínio que confunde causas diferentes ou a relação entre causa e efeito.

206
mundo, se as garrafas de onde foram tirados permanecessem lacradas com rolha. É
incrível o que pode sair dali, quando são abertas. Algumas cabeças não dão resultado
algum, se não saírem pelo gargalo, como bulbo de jacinto a florescer depois do inverno.
O covarde tira da garrafa sua coragem, o tímido busca ali confiança em suas próprias
forças, e o miserável encontra na bebida seu consolo.

O ser humano pode se entregar a tudo e até mesmo bancar o corajoso, se começar certo,
mas isso tende a funcionar melhor, quando já se vem ao mundo munido.

Os reis acreditam muitas vezes que seus generais e almirantes agem como patriotas que
zelam por sua própria honra. Com muita freqüência, a mola propulsora de grandes
façanhas é uma garota que lê o jornal.227

Sim, de repente investigar bem a fundo por que é tão comum que árvores floresçam sem
trazer frutos, e não apenas nos pomares. É exatamente o que acontece com nossas
crianças educadas: sempre esse esmerado florescer infrutífero.

Talvez nunca tenha existido um pai que não tenha um dia considerado sua cria como
algo completamente original. Todavia, creio que os pais intelectuais estão mais expostos
que os de qualquer outra classe a esse equívoco carinhoso.

Eu estou convencido de que a pretensa profundidade prejudica muito o ensino dos


rudimentos. Não é de modo algum necessário que o professor exponha a fundo a coisa
ao principiante; mas o mestre, que escolhe essa disciplina deve compreendê-la a fundo
assim que passa a cuidar do aprendiz.

É uma lástima quando um jovem, com o qual se gastou algum tempo, torna-se, no fim
das contas, um poeta. Quinze minutinhos de música noturna para muitos anos de
serviços prestados. Aqueles pais que percebem em seu garoto esse desejo de seguir a
profissão de poeta deveriam dar-lhe uma surra demorada o suficiente para que desista
de compor versinhos – ou então se torne um grande poeta.

227
Pode-se entender disso que os militares agem para se exibirem diante de moças que leiam sobre eles na
coluna social de um jornal.

207
Diante da atual anarquia em França e da discórdia na convenção das nações, deve-se
sempre perguntar: quanto será que toca aos emigrantes e quanto se deve à influência das
cortes estrangeiras? O certo é que estas não forneceram os exércitos para o combate.

Parece que com o conhecimento de certas verdades e suas aplicações na vida ocorria
quase o mesmo que com as plantas: depois de atingirem uma certa altura, são podadas
para que o crescimento comece de novo. O mais alto grau de liberdade política faz
fronteira direta com o despotismo. Não é uma beleza a constituição inglesa? Ela já
combinou liberdade republicana e monarquia, para evitar uma total reviravolta na
democracia, que a fizesse recair na pura monarquia ou no despotismo.

A mais triste realização que a Revolução Francesa nos deixou foi indiscutivelmente a
impressão de que cada anseio de demanda racional, requerida por causa de Deus e dos
direitos, é visto agora como um embrião de insurreição.

Não vem ao caso saber se o sol nunca se põe sobre os domínios de um monarca – como
a Espanha outrora se gabava – mas importa antes perguntar o que o grande astro tem
para ver durante seu trajeto por cima desses países.

Fala-se muito de bons reis, que foram, na verdade, essencialmente ruins enquanto reis,
apesar de boas pessoas. Eis aí uma grande confusão no conceito. É possível que alguém
seja um bom homem, sem ser um bom rei, assim como se pode ser um homem honrado
que cavalga mal. Esse é, sem dúvida, o caso de Luís XVI. De que adiantavam suas boas
atitudes? Elas não conseguiram tornar seu povo feliz. Não se deve dizer que ele não
fosse bom, em comparação com outros. Ele era com certeza muito melhor que muitos
de seus antecessores.

Estabelecer igualdade e liberdade, do jeito que agora ficou na memória de tanta gente,
foi o mesmo que deixar um décimo-primeiro mandamento por causa do qual os outros
dez foram suprimidos.

Geralmente, usa-se remover a opinião anteriormente formada, sem encostar a mão na


cabeça do convertido. Na França, o procedimento agora é mais rápido: arrancam fora a
opinião junto com a cabeça.

208
O que preocupa os grandes agora é certamente que já não conseguem reprimir seus
súditos, como ocorreu na França, onde ainda cortaram a cabeça do rei.

Agora são os alemães, ingleses, franceses, piemonteses, espanhóis, portugueses,


napolitanos e holandeses os que ambicionam conquistar o santo sepulcro da monarquia
francesa. Será que vão conseguir?

É uma grande questão saber como, neste mundo, se conseguiu acertar mais: através
daquilo que se diz bem fundamentado ou do que é dito pela mera beleza. É difícil dizer
algo ao mesmo tempo muito profundo e muito bonito; pelo menos, no instante em que
se sente a beleza, a profundidade não é completamente reconhecida. Desaprova-se o
palavrório fútil, que agora é impresso na França sobre assuntos políticos. Eu acho que
essa censura é ela mesma algo superficial e mostra que, não o conhecimento da natureza
humana, mas simplesmente o sistema guiou a pena na mão dos autores, pois tais livros
não foram escritos para o gênero humano e a razão abstrata, mas sim para pessoas
concretas de um determinado partido e certamente atingem seu objetivo de forma mais
certeira que todas as obras remetidas a pessoas abstratas, que ainda não existiram e
nunca vão existir.

Eu não vejo com tanta malícia o fato de que na França tenham abdicado da religião
cristã; são apenas subterfúgios. Ora, e se o povo retornasse para o colo dela, sem
qualquer coação externa, por acreditar-se que sem ela não existiria felicidade? Que
exemplo para a posteridade e que precioso experimento, desses que na verdade não são
realizados todos os dias! Sim, talvez fosse necessário um dia suprimir por completo a
religião, para implantá-la então de novo, após sua purificação.

Não resta dúvida que diante de tanta desigualdade das classes sociais, todas as pessoas
podem ser igualmente felizes; tenta-se apenas fazer cada um tão feliz quanto for
possível.

Eu daria alguma coisa em troca para saber exatamente em favor de quem são praticados
os atos, sobre os quais as pessoas dizem oficialmente que teriam sido em prol da pátria.

209
Se a igualdade de condições, sobre a qual tanto se escreve e se fala hoje em dia, for em
alguma medida desejável, então ela deve manter necessariamente alguma analogia com
aquela igualdade, que foi introduzida através de leis prudentes, após a supressão do
direito do mais forte. Daí parecer absolutamente estranho o argumento a que se apela
em defesa da desigualdade – quando alguém diz que as pessoas nascem umas mais
fortes que outras –, pois a isso pode-se objetar que foi justamente por nascerem com
forças desiguais e porque os mais fortes gostariam de devorar os mais fracos que as
pessoas se reuniram em sociedades e, através de leis, implantaram uma igualdade maior.
É por acaso diferente o assim chamado equilíbrio da Europa? De maneira geral, seria
bem melhor dizer: equilíbrio das classes sociais, em vez de igualdade.

Construir uma república com o entulho de uma monarquia recém-demolida é sem


dúvida um grande problema. A coisa não caminha sem que antes cada pedra seja
talhada com formato diferente. E isso toma tempo.

Há um empecilho no caminho da fama e da imortalidade dos escritores, que é maior que


a inveja e a maldade de todas as revistas de críticas e jornais juntos; é a circunstância
fatal de terem que mandar imprimir suas obras em um material que ao mesmo tempo
serve também para embrulhar cebolas no mercado.

Dificilmente haverá no mundo mercadoria mais esquisita que os livros! São impressos
por pessoas que não têm noção do que sai no papel; são comprados, encadernados,
resenhados, lidos – e até mesmo escritos – por quem não os entende.

Muitos sacerdotes de Minerva guardam não apenas alguma semelhança com a deusa
mesma, como também com sua famosa ave, pois no escuro eles até pegam
camundongos, mas à luz do dia não conseguem enxergar a torre da igreja, a menos que
rachem a cabeça ao colidirem com a parede.228

Se a Inglaterra é uma formidável potência em corridas de obstáculos sobre pernas de


cavalos, eis que temos também os nossos campeões em golpes de pena. Conheci alguns
que, com uma única frase escrita, saltaram por cima das mais altas sebes e das mais
largas valetas da crítica e do bom senso, como se fossem simples pacotes de feno.
228
Os filósofos e a coruja, mascote da deusa Minerva, que eles adotaram sem pensar bem.

210
Não é de se estranhar que se considere sempre como juiz competente o público que nos
elogia, já que o declaramos incapaz de julgar as obras do espírito tão logo passe a nos
reprovar?

Não existe maior empecilho para a marcha das ciências que a ânsia de querer sentir
cedo demais o gosto do sucesso daí decorrente. Isso é muito apropriado aos tipos
alegres ou animados; por isso, eles raramente produzem muito, pois esmorecem e se dão
por vencidos tão logo percebam que não saem do lugar. Eles avançariam, todavia, se
tivessem empregado menos esforço durante mais tempo.

Dentre todos os capítulos que o agradável proseador Montaigne nos deixou, o que
sempre me satisfez menos foi aquele sobre a morte, embora contenha muitas idéias
excelentes. É o décimo-nono do primeiro volume. Pode-se entrever em toda a extensão
do capítulo que o valente filósofo tinha muito medo da morte e deu um péssimo
exemplo, ao aplicar tão violenta ansiedade com a qual torceu seus pensamentos em
jogos de palavras. Quem realmente não teme a morte dificilmente saberá falar disso
com tantos motivos mesquinhos para nos consolar, como Montaigne conseguiu.

Em muitas pesquisas, não há prejuízo algum quando se começa a percorrer seus temas
com o pensamento sujeito a uma leve embriaguez e nesse estado são tomadas as
primeiras notas, para em seguida, todavia, concluir tudo com a cabeça fria e a calma
reflexão. Uma leve animação por meio do vinho favorece os saltos das invenções e da
expressão; todavia, só a razão tranqüila é propícia à ordem e ao planejamento.

Só mesmo uma tradução extremamente miserável poderia estragar um bom livro,


perante um homem de espírito, que lê por atacado e não fica dependurado em
expressões e sentenças. Sem dúvida, não foi escrito para a posteridade um livro que não
tenha esse caráter, que mesmo o pior tradutor dificilmente consiga arruiná-lo para o
leitor culto.

É uma pena que não se possa, no caso dos escritores, ver suas eruditas vísceras a fim de
se investigar o que eles comeram.

211
Os pregadores encarregados dos discursos fúnebres para livros são bem diferentes
daqueles que despacham cadáveres, pois estes costumam elogiar os serviços prestados
pelo ilustre falecido, ao passo que os livros são xingados à exaustão.

Muitos dos assim chamados escritores famosos, pelo menos na Alemanha, são pessoas
pouco importantes na sociedade. São apenas seus livros que merecem atenção e não os
autores mesmos, pois estes são na maioria dos casos muito menos reais. Eles sempre
tem que cuidar de alguma coisa – e só se forem consultados – e aí é sempre de novo o
papel que escreveram. Eles são conselheiros carentes e professores fúteis para aqueles
que lhes apresentam questões.

Esteve há algum tempo na moda, e talvez não tenha passado ainda, acrescentar ao título
de um romance: “uma história verdadeira”. Ora, isso é apenas uma inocente fraude de
pequeno porte, mas quando nos recentes livros de história a palavra “romance” é
suprimida da capa, eis aí uma atitude nada inocente.

Talvez alguns livros ruins, hoje desprezados, prestem a um bom livro exatamente o
serviço que um dia as pobres peças de teatro prestaram às de Shakespeare, que eram ao
mesmo tempo obras escritas. Assim, vem a calhar para o escritor ruim o consolo de que
um dia a posteridade reconheça seu mérito.

B. dispõe de um grande talento poético, que nele, todavia, fica envolvido por uma
estranha matéria, assim como no lápis o grafite se esconde na madeira: quando se
esquece de apontar o lápis, acredita ele às vezes que está a escrever, quando na verdade
apenas arranha o papel com o pedaço de pau.

As pessoas agora esperam tanto da América e de sua situação política que poder-se-ia
dizer que os desejos – pelo menos os secretos – de todos europeus esclarecidos sofrem
um desvio para o oeste, assim como nossas agulhas magnéticas.

Ele não consegue conter suas tintas e quando chega a manchar alguém é geralmente ele
mesmo que leva a pior.

212
Seria certamente bom se não houvesse suicídio. Mas que não se julgue isso tão
apressadamente. Como é que no mundo todo – por exemplo, nas tragédias – a gente ia
querer se livrar das pessoas inúteis? É perigoso deixar que elas sejam assassinadas por
outras. Tudo está sabiamente arranjado.

Ele não era nem dono, nem arrendatário das ciências que expunha em conferências, pois
não possuía sequer uma gleba delas.

Há hoje em dia tantos gênios, que a gente pode se alegrar bastante quando de repente
alguém surpreende os céus com a dádiva de ter uma criança normal.

Não seria bom dar por encerrada a teologia, digamos, por volta de 1800? E proibir que
os teólogos façam novas descobertas.

Ele negociava com opiniões alheias. Era professor de filosofia.

Ele tinha muitas doenças, todavia seu ponto forte estava no departamento de asmas.

O bom tom fica lá, cerca de uma oitava abaixo.

Uma moça que mal tinha passado por doze modas de idade.

No caminho da investigação da natureza, caímos em uma trilha tão funda que sempre
seguimos os outros. Nós devíamos é procurar sair daí.

O que as pessoas dizem sobre a vantagem e os danos do Esclarecimento poderia, com


certeza, ser bem apresentado em uma fábula sobre o fogo. Ele é a alma da natureza
inorgânica, seu uso moderado torna a vida agradável para nós, aquece nossos invernos e
ilumina nossas noites. Mas para isso precisamos de tochas e lampiões, pois iluminar as
ruas por meio de casas incendiadas é um sistema muito maldoso de iluminação. E
tampouco podemos permitir que as crianças brinquem com esse fogo.

Para cada faculdade deveria haver pelo menos um professor realmente valioso. Se as
dobradiças são de bom metal, então o restante da porta pode ser de madeira.

213
Para certas pessoas, uma cabeça pensante pode ser uma criatura mais fatal do que o
mais declarado dos canalhas.

Quanto mais mudo é o peixe, mais eloqüentes são então suas vendedoras.

Vivemos em um mundo onde um louco produz muitos loucos, ao passo que um homem
sábio produz poucos sábios.

Panteão dos alemães.


Eu estive também diante da tumba de Newton na Abadia de Westminster; eu vi o
monumento a Shakespeare, misturado aos de outros heróis. Devo confessar, entretanto,
e talvez isso me passe vergonha, que a impressão foi ambígua e estranha. Foi
impossível convencer-me de que Newton e Shakespeare fossem homenageados por
meio daquele mausoléu, mas antes, se é que não me engano ao interpretar minha própria
cara, assim me pareceu como se esses monumentos estivessem lá para honrar a outros e
para atribuir dignidade ao lugar. Foi-me impossível livrar-me desse sentimento. –De
que adiantaria instalar Lutero em um panteão para alemães? Isso seria em honra dele?
Impossível; seria para a glória do panteão. Se uma instituição desse tipo prestasse para
algo, então deveriam ser erigidos homens cujos feitos foram grandiosos, mesmo sem
brilho; homens que conquistaram mérito simplesmente por sua ação em favor da pátria
e dos companheiros – e nenhum escritor é assim. Um escritor que, para eternizar-se,
precise de um busto sobre uma coluna, não merece valer para sempre.

Como a música agrada aos ouvidos, quando alguém se põe a ouvi-la! E quantas vezes
lhe soam maçantes os ensaios da mesma peça musical.

Os santos de madeira entalhada conseguiram neste mundo mais que os vivos.

É muito prudente que os peixes sejam mudos, pois, se na água o eco se propaga de
maneira extraordinária, não ouviriam sua própria palavra. Creio que seria uma das
maiores desgraças para o mundo se o ar levasse nossos sons vinte milhas adiante, sem
perderem força.

214
Tem muito que aprender aquele que ainda não domina uma ciência de tal forma que se
sinta mal ao infringir suas regras, como se cometesse um erro gramatical em sua língua
materna.

A inclinação humana a valorizar miudezas produziu muitas coisas grandiosas.

Até aqui estamos de acordo: a religião cristã tem mais defensores entre as pessoas que
comem de seu pão que entre aqueles convencidos de sua verdade. Não se deve neste
caso consultar livros – isso é o de menos –, pois milhares não os recebem para ler, mas,
sim, olhar para as pessoas que quotidianamente arrematam retalhos e arranham alguma
tarefa para se manterem de pé, e que nas universidades, a partir da cantina gratuita, são
educadas e estragadas com mimos.

215
1796-1799

Condenamos muitas vezes os grandes homens, porque eles poderiam ter realizado
muitas coisas boas, mas não as realizaram. Eles poderiam retrucar: pensem no mal que
poderíamos ter feito e não fizemos.

Um rostinho que não é para ser beijado, mas mordido, escreve o fogoso Lion (tirar um
pedaço).229

E com isso fazer ou pensar algo que ninguém ainda neste mundo tenha jamais feito ou
pensado.

Pois havia toda espécie de coisas para admirar e para amaldiçoar. É quase sempre o que
acontece no caso dos mais famosos homens.

Através da linguagem comum que veio com ela, a Revolução Francesa trouxe então
para o meio do povo um certo saber, que dificilmente será destruído de novo...

A.: É, você engordou muito.


B.: Engordei?
A.: Desta vez você está mais gordo que nunca.
B.: Eis aí uma obra da natureza exausta, que já não tem mais forças para produzir senão
a banha, que a gente poderia em todo caso cortar fora, sem cometer algo desumano.
Sim, a banha. A gordura não é nem espírito nem corpo, mas simplesmente algo que a
natureza cansada deixa assentar-se em mim. E isso vale tão bem para mim, como para a
grama que se alastra no jardim do cemitério.

Os santificados escultores dos concílios.

229
Lion seria um codinome do próprio Lichtenberg, uma persona sexual, um “leão”.

216
O astrônomo sabe dizer se a lua é habitada com a mesma credibilidade com que sabe
quem foi seu pai – mas não com a confiança que tem ao dizer quem foi sua mãe.

Hoje, 20 de outubro de 1796, leio o livro de Huergelmer, Der politische Tierkreis oder
die Zeichen der Zeit,230 publicado em Estrasburgo, por Georg König. O livro é bem
redigido e contém, em trechos parcialmente originais e cheios de citações, o melhor que
pode ser dito contra os poderosos e as monarquias atuais. Algumas passagens são, aliás,
irrefutáveis. Se for permitido, contudo, que de repente os governos do povo tomem
conta de tudo, então outras circunstâncias vão se seguir tão desfavoráveis à razão como
as atuais, pois esperar que o sistema republicano possa ser completamente livre de
calamidades e crises é um sonho, uma mera idéia. E o que será do mundo se isso for
levado adiante? –Eu creio, sem querer por causa disso emitir meu juízo, que vamos
passar de um sistema a outro, através de revoluções sem fim. E a duração de cada
sistema vai depender para cada um da bondade temporária dos sujeitos envolvidos. Não
se pode ainda julgar nada em relação à América, pois ela está longe demais dos países
que pensam diferente – e os que deste lado do mundo pensam diferente, não tem mais
apoio suficiente. Uma monarquia com poderes limitados parece no fim das contas
inatingível. E mesmo aí recai-se sempre de novo na benevolência dos sujeitos et sic in
infinitum.231

Os grandes conquistadores serão sempre admirados e utilizados como critério para a


periodização da história universal. Isso é triste, porém faz parte da natureza humana.
Diante do corpo grande e forte, mesmo de um tolo, parecerão sempre desprezíveis o
pequeno corpo do mais elevado espírito e, conseqüentemente, o grande espírito mesmo,
pelo menos para a maior parte do mundo – e isso enquanto gente for gente. Dar
preferência aos grandes espíritos instalados em pequenos corpos é uma consideração
que mobiliza a menor parte da humanidade. Em uma feira de animais, os olhares se
dirigem sempre para os bois maiores e mais gordos.

230
Há pouquíssimas referências a essa obra, cujo título pode ser traduzido como “Zodíaco político ou os
sinais dos tempos”. Cf., p. ex. um estudo que a considera de autor anônimo, ligada aos jacobinos. Talvez
Huergelmer seja um pseudônimo: http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/ahrf_0003-
4436_1978_num_232_1_1025_t1_0335_0000_2,
231
Latim: e assim até o infinito.

217
O cofrinho das preocupações, o sacrário da mais íntima economia da alma, que só se
abre à noite. Cada um tem o seu...

Há por aí hoje em dia mais mestres da integridade que homens íntegros.

Um chocolate para a alma. E quem dele come será conduzido à vida eterna.

Em um certo país N. N.232, em caso de guerra, o regente e seus conselheiros, enquanto


durassem os combates, deveriam dormir em cima de um barril de pólvora e, de fato, em
quartos especiais do castelo, de modo que todas as pessoas possam ver claramente, para
conferirem também se a vela fica acesa todas as noites. O barril não apenas está lacrado
com o selo dos deputados do povo, como também preso ao chão com correias, que são
igualmente lacradas da forma apropriada. Os selos são verificados todas as noites e
todas as manhãs. Dizem que desde então as guerras naquela região acabaram por
completo.

Um ato servil nem sempre é ação de um escravo.

Um turno utile e então de novo um turno dulce; distração e instrução, segundo Swift já
disse.233

Teria sido, quem sabe, bom para Viena, se os franceses tivessem chegado lá, no outono
de 1796. Eu não falo dos bárbaros, mas sim dos espirituosos e simpáticos oficiais, que
talvez melhorassem um pouco a raça dali, pois se as ovelhas austríacas quisessem
produzir lã de melhor qualidade, então deveriam permitir a entrada de carneiros
franceses. Senão, continuam a ser os idiotas de sempre.

Não é a pregação feita dentro das igrejas que vai tornar desnecessário o pára-raios
instalado em cima delas.

É certamente um trambolho234 o homem que não sabe raciocinar de improviso sobre


matérias de sua especialidade e que precisa primeiro subir em cima de seus excertos e

232
N. N. : nomen nescio (lat.: cujo nome não sei – lugar imaginário)
233
Útil / doce.

218
entrar em sua biblioteca. Hoje em dia uma pessoa tem que se tornar famosa em uma
arte, que era desconhecida pelos antigos, celebrizados por seu próprio gênio. Quase
todos nossos eruditos famosos são um tipo de massa; não há pedras preciosas entre eles.
Simplesmente não se vai muito longe com a fama deles. Suas obras serão esquecidas
como a poesia de Cícero, que não estava em condições de salvar sua prosa que ia ao
encontro da eternidade.

O querido Deus com seus vassalos. Em vez de uma monarquia divina, temos por ora um
sistema feudal.

Como um hexâmetro, ia ele subindo a rua, devagar e garboso. E, atrás dele, sua mulher
pisava miudinho, à moda de um versinho de cinco sílabas.

Eu quase diria que os gregos não estragavam, com o aprendizado de línguas mortas, os
melhores anos de sua juventude, e eles aprendiam as línguas de que necessitavam,
através das coisas e não como nós, que, ao contrário, perdidos em inumeráveis coisas,
aprendemos as coisas por meio das palavras. Plutarco já estava em idade avançada
quando aprendeu latim.

Os bons tempos da vida feliz, quando não se pensa ainda na idade que se tem e nem se
adota um livro de contabilidade para as perdas e ganhos.

Na Alemanha, as janelas do Esclarecimento tem que pagar, no mínimo, uma pesada


tarifa.

Agora, quando nos jornais tanto se fala sobre a vanguarda dos exércitos e a honra da
coroa, é desejável que um verdadeiro patriota e filantropo passe a saber: primeiro, onde
estão as vanguardas propriamente ditas? Na parte dianteira ou lá atrás, nos lados ou no
meio? Ou será que os exércitos, quando marcham contra os inimigos, nunca trazem
consigo sua elite, e, sim, a deixam para trás, bem escoltada como se fosse uma relíquia
sagrada? Em segundo lugar: em que consiste realmente a verdadeira honra das coroas?

234
Artefakt, no sentido de excrescência, cicatriz em mutilação, que denuncia erro médico. Também em
português, cf. Aurélio e Houaiss, artefato é “observação ilusória durante uma medição ou experiência
científica e que se deve a imperfeições no método ou na aparelhagem”.

219
Em estarem os súditos satisfeitos com seus módicos recursos para viver e junto de
companheiros honestos, ou consiste antes tal honra em mandar que atirem para matar ou
mutilar centenas de milhares, para enriquecer alguns mercadores de tralhas e para
comprar, com os despojos desses excessos, pedras preciosas para enfeitar a coroa?235

Benvenuto Cellini236 fez uma excelente observação, que contraria o dito popular: as
perdas não nos ensinam a ser inteligentes, pois os novos prejuízos sempre se nos
apresentam sob uma nova roupagem. Isso eu conheço bem, por experiência própria.

Ah! Se houvesse uma corte suprema de apelação para os assuntos do gosto e da crítica
em geral...

Acreditais, pois, que o bom Deus seja católico?

Ajunta-se237 a mocidade com pessoas de mais idade. Eu acho que em muitos casos seria
melhor, em vez da tentativa de levar algumas dessas a remoçar, a remoção de jovens
para a junta de anciãos.

Com os ovos de Páscoa acontece o mesmo que com o Cristo Sagrado:238 no exato
momento em que a gente descobre de onde eles vem, já é hora de parar de ganhá-los.

Assim, por exemplo, a palavra incomparável239 é em alemão incomparavelmente


mesquinha.

O alemão adora as distinções exatas. Porque não classificar então os que nasceram
fidalgos como: altamente nobres, mais altamente nobres e nobilíssimos? E os senhores,
em bem-nascidos, mais bem-nascidos e otimamente-nascidos?

235
Esse jogo com “coroa” e “coroas” certamente faz também menção à moeda sueca, a coroa,
Kronen.(JS)
236
Lichtenberg deve ter lido as memórias de Cellini, escultor e ourives florentino (1500-1571), em
tradução de Goethe.
237
O termo “adjunto”, do latim “adjungiere”, contém jung (jovem). A tradução aqui tenta levar o jogo na
outra direção, com “remoçar” e “remoção”, para estranhar sempre a mão dupla dessa aproximação.
238
A comparação deve restringir-se aqui, certamente, à Eucaristia, pão consagrado ou “transubstanciado”;
e a hora de parar é o fim da infância, com suas fábulas e lendas. Ou seria a velhice, na extrema-unção?
239
unvergleichlich

220
Eu não saberia dizer se a pobreza cresceu na Alemanha, mas, sem dúvida, houve um
aumento de pontos de exclamação. Onde antes se colocava apenas! agora ficam !!!

Eu me convenço a cada dia de que minha solidão distrai muito meu sistema nervoso, ou
quem sabe até o produz. Eu não encontro quase mais nada para me entreter, além de
minha própria cabeça, que está sempre ocupada. E como meus nervos jamais foram os
mais fortes, tem que surgir necessariamente daí o cansaço. Eu percebo muito bem que a
vida em sociedade me anima. Eu me esqueço de mim mesmo, ou melhor, minha cabeça
fica na receptiva, em vez de produzir, e com isso descansa. Aí a leitura já se torna para
mim um repouso, embora não seja o que a sociedade é, pois eu sempre deixo o livro de
lado e novamente tenho que agir por mim.

Alguns conceitos comuns foram mobilizados pela guerra atual. Não se pode dizer que
isso já tenha ocorrido com freqüência. Não! Jamais foi assim: depois da invenção do
livro impresso, depois da Reforma, depois do estabelecimento de tantos jornais e
revistas, depois de tantas bibliotecas de empréstimo e da mania de leitura daí
decorrente, que certamente nunca foi tão comum. Reuniram-se muitas coisas que nunca
estiveram e nem podiam estar juntas e que fazem de nossos tempos os mais
extraordinários que já existiram.

Um filósofo meio resmungão, Hamlet, creio eu, Príncipe da Dinamarca, disse que há
muitas coisas no céu e na terra, que não constam em nossos compêndios. Se essa pessoa
simplória, de cuja loucura estamos cientes, tivesse com isso a intenção de alfinetar a
física, então poder-se-ia responder-lhe com toda tranqüilidade: Está bem, Alteza, mas
em contrapartida estamos abonados por uma quantidade de coisas em nossos
compêndios, que não figuram nem no céu, nem na terra.

A imortal musa sussurrante (ou) que murmura a loucura dos grandes, etc.240

Sempre causa em mim uma estranha impressão, quando vejo um grande erudito ou
mesmo um homem importante e estabelecido pensar que houve uma época em que se
entoava uma pequena cantiga para encorajar as joaninhas a alçar vôo.

240
O ritmo desta frase parece imitar a métrica do primeiro verso da Odisséia. (JS)

221
Uma pergunta capciosa, quase como: e se os gêmeos pudessem ser meio-irmãos?

Quando nossa teologia avançar tanto que se transforme aos poucos em teonomia, do
mesmo jeito que a astrologia virou astronomia, então seria o caso de questionar se não
seria mais apropriado chamar o Novo Testamento de Testamento Intermediário.

Enquanto passava pelo cemitério, ele disse: esses aí certamente podem estar seguros de
que escaparam do carrasco. Mas nós não podemos.

Há alguns dias voltei a ler que um pregador em Lüttichischen,241 se não me engano, que
morreu aos 125 anos, teria respondido nestes termos ao bispo que lhe perguntara como
conseguira atingir tal idade: “eu me abstive de vinho e de mulheres, bem como evitei
enraivecer-me”. Parece-me que exatamente aí está a grande questão: o homem
envelheceu tanto por abster-se daqueles venenos ou porque dispunha de um
temperamento que lhe possibilitava passar sem eles? Eu acho impossível não votar na
última opção. O fato de que o uso de tais prazeres venenosos possa encurtar a vida de
alguém nada prova sobre a possibilidade de prolongá-la mediante o artifício contrário de
privar-se deles. Quem carece de tal temperamento certamente não prolongaria seus dias,
caso se afastasse do convívio com o sexo oposto. O mesmo acontece com a lenda de
que os verdadeiros cristãos sempre são gente direita. Sempre existiram pessoas
honestas, antes do cristianismo, e ainda há – Deus seja louvado! – algumas desse tipo, lá
onde não existe cristão algum. Seria, portanto, absolutamente possível que alguns
desses sejam bons cristãos porque o verdadeiro cristianismo significa aquilo em que se
teriam tornado mesmo sem o cristianismo. Estou seguro de que Sócrates viria a ser um
bom seguidor de Cristo.

Eis, então, os quatro princípios da moral:


1. Princípio filosófico: Faça o bem por causa de ti mesmo, pelo respeito à lei.
2. Princípio religioso: Faça o bem, pois é a vontade de Deus, por amor a Ele.
3. Princípio humano: Faça o bem, porque ele promove tua própria felicidade, por
amor de ti mesmo.

241
Na verdade, Lüttich, que vem a ser a atual cidade de Liége, na Bélgica.

222
4. Princípio político: Faça o bem, porque ele promove o bem-estar da grande
sociedade, da qual você é uma parte, por amor à sociedade, levando a si mesmo
em consideração...

Será que esses princípios não se reduzem a um só, apenas visto desde outras
perspectivas? (...)

Quem estiver a fim de educar suas crias para a prostituição e o roubo – e isso às vezes
pode ser útil (melhor dizendo) – deve cuidar principalmente de ensinar logo os
rudimentos dessas práticas, antes que as crianças cheguem a saber do que se trata: dos
vícios.

No dia 24 de julho de 1797, por volta das 3:30 da tarde, nasceu meu sétimo filho, um
garoto, de um parto muito feliz. Fiquei muito comovido. No mesmo dia, recebi de meu
irmão uma carta encabeçada por “Gotha, 20 de julho”, na qual ele me contava do
garotinho que adotara, cujo pai, o marceneiro Paul ainda estava vivo. É uma das mais
lindas crianças que ele já viu, e ele, assim como tantos romanos, acha mais agradável
educar filhos de outras pessoas do que se dar ao trabalho de criar ele mesmo os seus. –
Aqui eu quero pegar meu irmão em suas próprias palavras. Poderei dar-lhe muitas
crianças para criar, que ele não fez e pelas quais tenha mais obrigações do que com os
filhos do marceneiro Paul, ou seja, minhas próprias, de seu irmão, feitas por conta
própria (...)

Não é de se estranhar que alguém chegue à mais alta honraria no mundo (rei), sem
passar pelos exames exigidos de qualquer um que queira ser o físico da comarca?

Falar de Deus: tratá-lo como o barão de todos os barões não é apenas ridículo, mas
exagerado e afetado. Todavia, conde dos condes é altamente ridículo. Que os senhores
condes alemães possam com isso aprender em que escalão se encontram, aos olhos do
público: em um perigoso aut, aut.242

Ele era um inesgotável contador de histórias e um homem extremamente divertido. A


luz de sua presença de espírito brilhava sobre cinqüenta talheres à mesa. Todavia, por
242
Latim: ou isso, ou aquilo.

223
perto tinha que estar alguém para limpar de vez em quando a lamparina, senão
começava a queimar escuro e podia até mesmo apagar. E era impossível arrumar aquele
pavio com a espevitadeira.

Ora, eu de fato ainda acho que não há nenhum sentido racional na pergunta: os objetos
fora de nós tem realidade objetiva?243 De acordo com nossa natureza, somos obrigados a
dizer a respeito de determinados objetos de nossa sensação que eles se encontram fora
de nós – não podemos fazer nada diferente disso... A questão é quase tão tola quanto
saber se a cor azul é realmente azul. Não conseguimos sair fora dessa pergunta. Não
podemos nos pronunciar sobre isso, pois das coisas sobre as quais eu digo que estão
fora de mim, eu tenho que vê-las assim – tenham elas, de resto, um arranjo com aquele
estar-fora-de-mim – quando me exalto, com raiva.

Com certeza, nenhuma invenção custou aos homens menos esforço que esta: o céu.

Os encantos do corpo dela encontravam-se justamente no ponto muito particular em que


a força de atração começa a passar para o lado da repulsão.

O que torna tão aprazíveis a alguém a verdadeira amizade e ainda mais o feliz laço do
matrimônio é a ampliação de seu eu e, de fato, por sobre um campo em que as pessoas,
quando sozinhas, não conseguem levar a cabo nem com todas as artes deste mundo.
Não obstante, duas almas que se juntam não se unem tanto a ponto de não restar sempre
ainda para os dois a proveitosa diferença, que torna tão agradável a comunicação. Quem
lamenta a si mesmo suas dores, certamente o faz em vão, mas quem leva seus lamentos
a sua mulher faz a queixa a um si mesmo que pode ajudar e que de fato ajuda pela
compaixão. Assim também, quem gosta de ouvir seus méritos enaltecidos encontra em
todo o caso na mulher um pequeno público, diante do qual ele pode se vangloriar, sem
arriscar cair no ridículo.

Quando se põe a filosofar, ele costuma lançar sobre os temas um aprazível clarão de lua,
que, embora agrade no conjunto, não mostra nitidamente nenhum objeto sequer.

Política experimental: a Revolução Francesa.


243
Lichtenberg devia estar pensando aqui no Descartes das Meditações.

224
Mesmo as mais suaves, mais modestas e mais bondosas garotas exibem sempre ainda
mais suavidade, mais modéstia e mais bondade, diante do espelho, que é onde se acham
mais bonitas.

É uma ventura que a ausência de idéias não traga as mesmas conseqüências do vácuo,
senão muitas cabeças vazias implodiriam sem ar durante a leitura que se atrevem a fazer
de obras que não entendem.

Quando a gente diz que Deus ouve e vê tudo, porque não representá-lo com olhos e
orelhas, em retratos feitos – tanto faz – com pincéis ou pela fantasia? Mas custa-me
acreditar que seja correto pintá-lo com apenas dois olhos, pois então ser-lhe-ia
impossível ver o que acontece a suas costas. Fica ainda a questão sobre quem o retrata
da maneira mais sensata: quem o representa como uma pessoa humana ou quem o
recobre com inúmeros olhos?

Eu receio que a educação que ministramos com demasiado cuidado esteja a nos fornecer
frutos anões.

A religião, um affaire dominical.244

Que magnífico não seria o mundo, se os grandes senhores prezassem a paz como a uma
amante! Na guerra, eles tem muito pouco a temer por suas vidas.

Ele tocava um pequeno negócio de eclipses.

Sua consciência foi elevada ao posto de conde.

Este é um dos ditos graciosos que, infelizmente, em vez de voarem por aí, elevaram-se
acima das nuvens. É o que acontece a coisas aladas:245 quem não sabe contê-las tem que
aprender a fazê-lo.

244
Um assunto, um negócio, mas também um caso amoroso, uma escapada como se faz para ver a
amante.
245
Os alemães tomaram de Homero a expressão “palavras aladas” (épea pteróenta) para sinônimo de
citações, como na obra Geflügelte Worte, de Georg Büchmann (Berlim, 1905)

225
O que caracteriza mais nitidamente a verdadeira liberdade e seu uso legítimo é o abuso
que dela fazem.

Ele, muito falaz, esgotou completamente o meu juízo, com seus arrazoados ardilosos.

A gente autorizou a entrada dos interesses também lá onde apenas os ditames do amor
deviam valer: no enlace matrimonial.

De tal forma destaca-se agora a razão, acima do reino dos sombrios e quentes
sentimentos, que nos lembra os picos alpinos acima das nuvens. Eles recebem no rosto
um sol mais puro e mais claro, mas são frios e não dão fruto algum. Vangloriam-se
ambos de sua altura: a razão e os Alpes.

A palavrinha que talvez não soe muito musical: puta.

As garotinhas brincam de girar rapidamente e fazem voar suas pequenas saias para em
seguida agacharem a fim de, com essas manobras e sua esperteza, prender debaixo das
roupinhas rodadas um pouco de ar, que logo escapa. Esse jogo de vaidades –
enfatuarem-se para não apanhar nada – continua a ser muitas vezes sua ocupação
também na idade madura e usam exatamente a mesma armadilha.

Na peça de Shakespeare, “Midsummer night´s dream”,246 ele servia para fazer o papel
de luar.

Nebulosamente sorrateiro.

É uma coisa bem sabida que aqueles quinze minutinhos duram mais que um quarto de
hora.

Nós logo saberemos o que vai ser da República Francesa, assim que as leis dormirem
até tarde.

246
Sonhos de uma noite de verão.

226
Eleger a tabuada como santa padroeira.

Não há em nossos dias nenhuma passagem do Evangelion mais seguida que a


recomendação para nos tornarmos criancinhas.

Na loteria, em que a roda da fortuna o torturou com tanta vivacidade, conseguiu ele
chegar até bem perto do tiro de misericórdia.

A Alemanha provou-se corretamente cristã diante da França sem Cristo. Depois de


ganhar dos franceses uma bofetada em um lado da cara, ofereceu também o outro.

Quando alguém é refutado com tanta veemência, aí de fato não sei mais o que resta para
a honra, senão, quando muito, arremessar pedras contra as vidraças do adversário...

Muito antes da Revolução Francesa, ele já havia enfiado na cara um nariz tricolor.

A linha da humanidade e a linha da urbanidade não coincidem.

O impulso natural de deixar descendência foi perdendo força, na medida em que afligia
cada vez mais a preocupação com os mantimentos.

Os prefácios de muitos livros saem geralmente tão estranhos porque os eruditos


costumam escrevê-los ainda durante a febre do parto.

Ele pendia a cabeça para um lado, como fazia Alexandre.247 Igual Cervantes, mantinha
sempre a braguilha aberta. E assim como Montaigne, não sabia fazer cálculos, nem com
cifras, nem com moedas de centavos.

Fala-se muito de Esclarecimento e mais luz é o que se deseja. Meu Deus! De que
adianta, porém, toda essa luz se as pessoas ou não tem olhos ou os deixam fechados de
propósito?

247
Certamente, Alexandre III, o Grande (356-323 a.C.), ver lista de autores.

227
Sem o tempero das pequenas desavenças; o casamento seria quase como um poema sem
R.

Ele deu nomes a suas duas pantufas.

Agora são freqüentes os decretos que visam impedir qualquer candidato ao cargo oficial
de pregador que não tenha estudado as línguas básicas (orientais). Oh! Meu Deus da
justiça, como deixam todo dia subir aos tronos e ministérios pessoas que não sabem
nada de sua área, nem mesmo na língua materna.

De todo o amor por mudanças que o sexo feminino encerra, sobressai-se a vontade
máxima de mudar de sobrenome.

É possível afagar o rosto de alguém com tanta intensidade que a um terceiro pode
parecer que lhe deram uns tapas.

Pode-se ver aqui quanta coisa nesse mundo depende de como se apresentam: o café,
quando bebido em uma taça de vinho, torna-se uma bebida miserável, ou a carne,
cortada à mesa com tesoura, ou até mesmo, como eu vi certa vez, alguém passar
manteiga em um pão com uma velha navalha de tosquiar, embora limpa.

As instituições policiais em uma certa cidade podem ser, com razão, comparadas às
matracas, movidas a catavento, que são colocadas nas cerejeiras. Elas ficam em
completo silêncio, quando o alarme seria mais necessário e fazem um barulho terrível
quando, por causa do vento forte, não vem pássaro algum bicar as frutas.

De minha parte, posso ilustrar em que consiste a utilidade de um procedimento prudente


e firme em tudo que nos acontece nessa vida: eu não consigo imaginar nenhum
incidente mais terrível que se alguém atirasse por descuido em um de meus filhos. E de
fato conheço muitas pessoas que eu perdoaria sem grande esforço, e outras que eu
nunca mais quereria ver diante de meus olhos, e outras ainda em quem eu poderia atirar
e de fato meteria uma bala nelas ali mesmo no lugar em que as encontrasse, se eu
tivesse uma arma ao alcance.

228
Naquela oportunidade, alguns volumes impressos in-quatro foram elevados à categoria
de in folio, e foi-lhes permitido trazer folhas de títulos, de igual dimensão, que
deveriam, porém, ser escondidas pelas dobras, no ato da encadernação.

Se não existissem recordações da juventude, a idade não seria sentida. O fato de


simplesmente não se poder fazer o que antes podia é o que nos adoece, pois o idoso é
certamente uma criatura tão perfeita, em sua atitude, quanto o rapazinho.

É bom quando pessoas jovens, a certa altura da vida, são acometidas pelo mal da poesia,
mas simplesmente não se deve deixar – pelo amor de Deus – que esse veneno seja
inoculado por elas.

Patíbulo equipado com um pára-raios.

Naquele tempo ele se queixava muito de calos nos cotovelos.

Ele sempre amolava a si mesmo e se tornou, no fim das contas, mais rombudo que
afiado.

Eu daria uma boa parte de minha vida para saber qual era a altitude média marcada no
barômetro do paraíso.

Gostaríamos de dispensar os grande senhores dos campos de batalha, contanto que para
isso conseguíssemos ainda mais numerosos senhores da cidade e dos países.

O hábito é, em muitas coisas, uma coisa ruim, pois faz com que tomemos o injusto por
justo e o erro como verdade.

Uma cara de patife não muito bem tricotada pela natureza em volta daquele pescoço.

Há pessoas de tão pouca coragem para afirmar algo, que elas não ousam dizer que sopra
um vento mais frio, tão frio quanto o podem sentir, se elas não ouviram antes que outras
pessoas o tenham dito.

229
Muitas vezes, Jean Paul é nada menos que insuportável e vai se tornar ainda pior, se não
chegar logo onde possa ficar em paz. Ele tempera tudo com pimenta caiana, e vai se
deparar com o que eu certa vez previ para Sprengel: ele vai ter que comer chumbo
derretido ou brasa ardente, para depois achar gostoso o resto frio do assado. Se ele
retomar do começo, vai se tornar uma grande figura.

Eu fiquei sabendo, por fontes seguras... que desde a Revolução Francesa já não ocorre
entre as pessoas de classe e de família nada daquele ceticismo religioso, que outrora ali
reinava. As pessoas aprenderam a rezar; muitas damas que antes não queriam saber
nada a respeito, estão de repente completamente favoráveis à religion de nos pères.
(Muita gente só reza quando começa a trovejar). E acredita-se, porém, que tais pessoas,
teriam pensado mais nisso e também teriam pretendido mais, inclusive, o próprio
gouvernement de nos pères, com isso.248

Ele tinha uma tosse tão cavernosa que era possível a cada vez ouvir a dupla caixa de
ressonância: seu peito e seu caixão.

Ele parecia mais a obra de um marceneiro que uma criatura realmente humana.

Acima de tudo, uma objeção à maneira como atualmente lidam com a astronomia. De
fato, exagera-se demais. Eu pergunto aos senhores se faz tanta diferença assim situar no
mapa um lugar, com um desvio de um quarto de milha. Oh! Meu Deus de justiça! De
quantos graus é o erro da administração de nossas cidades? E quanta coisa não teria que
ser ajustada nas cidades, para corresponder à representação geográfica que ficou
acertada?...

Jean Paul busca o aplauso de seus leitores mais por meio de um coup de main249 que de
um ataque planejado para conquistar.

É quase impossível escrever algo bom, sem pensar, no ato, em alguém ou numa certa
seleção de pessoas, às quais se dirige a palavra. Pelo menos, isso alivia a exposição em
mil casos contra um.

248
Religião de nosso pais / governo de nossos pais.
249
Francês: golpe de mão.

230
O espírito humano tornar-se-á cada vez mais uniforme, quanto mais elevar-se acima do
corpóreo. Todavia, quanto mais se aproximar do corpo, mais freqüentes terão que ser os
desvios, exatamente como eu disse no caso dos planetas.

Pelo amor de Deus! Mas nada de sátiras que foram buscadas em receitas. Receita para
um romance e assim por diante. O pior de tudo é quando se encerram com um probatum
est.250

A questão sempre é saber se, no fim das contas, o espírito de contradição não traz em
seu todo mais proveito que o de conciliação.

Aproveitar a poda de árvores. Como Taxus, etc. e buxos251, assim são tratados os
eruditos na corte e no Estado.

Sobre o caráter moral da Venus dos Médicis.

Eu já notei bem umas cem vezes e não duvido de maneira alguma que meus leitores
possam ter visto cento e uma ou cento e duas vezes que livros com títulos cativantes e
bem inventados raramente prestam. Provavelmente foram ideados antes mesmo do livro
ou, quem sabe, por uma outra pessoa.

Ele (Lion) me confessou que em sua idade considerava então algumas idéias maliciosas,
que ele tinha mandado publicar, como as marquinhas que um simpático pintarroxo
deixara em cima de seus livros, papéis e móveis, ao voar pela sala – depois que uma
gata feriu o passarinho e que, aí, Lion perdoou o pássaro pela sujeira.

De miraculosa beleza.

Lá, onde as virtudes crescem selvagens.

Latim: está provado – fórmula antiga em receituário.


250

O nome completo da primeira planta é “taxus baccata” (em Portugal, teixo), que assim como a outra,
251

buxo ou buxinho (buxus sempervirens) são muito usadas para jardinagem, em sebes podadas.

231
Alguém há de querer saber que em todo o país, nos últimos 500 anos, ninguém teria
morrido de alegria.

Será que a razão, ou talvez mais apropriadamente, o entendimento, quando se mete nas
causas últimas, teria mais sucesso do que se caísse em um ditame do coração? Persiste
ainda uma grande dúvida: onde estamos mais fortemente ligados ao mundo que nos
rodeia? Pelo lado do coração ou da razão?

Não seria muito daquilo que o Sr. Kant ensina a respeito da lei do costume uma simples
conseqüência da idade, quando as paixões e as inclinações perderam sua força e só resta
a razão?...

Cabe ao Sr. Kant, sem dúvida, o mérito inegável de haver arrumado a fisiologia das
disposições de nossa mente; contudo esse conhecimento mais íntimo dos músculos e
nervos não nos trará pianistas mais exímios e nem melhores dançarinos. Às vezes,
desconfio que o aplauso obtido por sua Crítica da razão pura talvez o tenha levado
longe demais, em seguida.

Será então que nosso conceito de Deus não é apenas uma personificação da
impossibilidade de agarrar algo por meio de conceitos?252

Eu acho que cada pessoa é, no fim das contas, uma entidade tão livre que não se pode
contestar seu direito de ser o que acredita ser.

Assim como o ser humano continua a morrer por causa da idade, outras coisas tornam-
se continuamente boas com o tempo. Isso não vale para nossa sabedoria.

252
Eis um daqueles casos da tradução: “incompreensibilidade” não é um termo tão rico quanto o original
alemão, Unbegreiflichkeit, que sugere “falta de mordência” – pois o conceito agarra, tem grip.

232
Nomes citados

Alcibíades: O amigo de Sócrates, que aparece no diálogo O banquete; participou da


malfadada expedição contra Siracusa; refugiou-se em Esparta, de onde instigou guerra
contra Atenas; acabou assassinado na Pérsia.

Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), rei da Macedônia, filho de Felipe II e aluno de


Aristóteles, conquistador da Pérsia, senhor da Ásia Menor, fundador de Alexandria, no
Egito.

Böhme: Jacob Böhme (1575-1624), teólogo e místico alemão, autor de Mysterium


Magnun, influenciou fortemente o pensamento moderno na Alemanha.

Boileau: Nicolas Boileau (1636-1711), escritor francês, defendeu os antigos na querela


"antigos e modernos" e contribuiu para fixar o ideal literário classicista, escreveu uma
Arte Poética (1674).

Braunhold: Johann Heinrich Braunhold (c.1747-1793), o criado de Lichtenberg, de


1771 a 1779, e depois garçom e cervejeiro do restaurante "Unterm Zimmerhofe"; suas
expressões cômicas e tiradas inteligentes foram reunidas por Lichtenberg em uma lista
chamada "Henrikodulia", à moda grega

Burke: Edmund Burke (1729-1797), filósofo e político anglo-irlandês, escreveu cartas,


discursos, panfletos, aforismos e o tratado de estética Investigação filosófica sobre a
origem de nossas idéias do Sublime e do Belo.

Calígula, apelido de Caius Caesar Augustus Germanicus (12-41 d.C.) imperador


romano; devasso e cruel, foi assassinado depois de reinar com extravagância (37-41 d.
C.).

Catilina: Lúcio Sérgio Catilina (109-62 a.C.), cruel e corrupto administrador romano,
que conspirou contra Cícero, pelo cargo de cônsul. As Catilinárias são a coletânea de
discursos proferidos contra ele, por Cícero.

Cellini: Benvenuto Cellini (1500-1571), escultor e ourives italiano, de Florença.

Cervantes: Miguel de Cervantes (1547-1616) escritor espanhol, combateu em Lepanto,


foi prisioneiro de piratas, excomungado, autor de Dom Quixote de la Mancha, romance
que satiriza a literatura cavalheiresca.

233
César: Caius Julius Caesar (100 ou 101-44 a.C.), estadista romano, cônsul, imperador e
conquistador. Escreveu cartas e comentários de guerra, como em De bello gallico.

Cícero: Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) filósofo romano, orador, escritor, advogado e
político (foi cônsul influente), escreveu refinadas cartas a Ático e discursos políticos
contundentes.

Dante: Dante Alighieri (1265-1321), poeta italiano, prosador, teórico da literatura e


filósofo moral, mais conhecido pelo monumental poema épico A divina comédia.

Deluc: Jean-André Deluc (1727-1817), naturalista suíço, que estudou a atmosfera,


primeiro a empregar a palavra "geologia".

Demócrito (c. 460-c. 370 a. C.) filósofo grego pré-socrático, que reduziu a natureza a
um conjunto de átomos em movimento no vazio infinito; propôs ética da moderação e
influenciou o epicurismo.

Demóstenes (384-322 a.C.), proeminente orador e político grego, de Atenas - consta


que era gago e exercitava sua dicção diante do mar ruidoso e com pedrinhas na boca.

Dieterich: Johann Christian Dieterich (1722-1800), editor e amigo de Lichtenberg, a


quem alugava uma casa em Göttingen, desde 1776 até sua morte, em 1799.

Epicuro (341-270 a.C.), filósofo grego, buscava a tranquilidade da alma, fundou uma
escola em Atenas, o Jardim; só nos restaram três cartas de sua extensa obra, que fundou
um importante corrente do pensamento antigo.

Erxleben: Johann Christian Polycarp Erxleben (1744-1777), naturalista alemão,


professor de física e medicina veterinária na Universidade de Göttingen.

Espinosa: Baruch Spinoza ou Bento Espinosa (1632-1677), filósofo holandês, de


família judia portuguesa, expulso da sinagoga por acusação de heresia; escreveu um
Tractatus theologico-politicus e uma Ética.

Fielding: Henry Fielding (1707-1754), escritor britânico de comédias (O amor sob


várias máscaras, Pequeno Polegar) e romances realistas, como Tom Jones, o enjeitado.

Frederico Guilherme I (1688-1740), rei da Prússia de 1713 a 1740, conhecido como o


"rei-soldado", anexou a Pomerânia sueca, após guerra com Espanha, levou prosperidade
a seu povo, acabou com a servidão, defendeu camponeses, construiu escolas.

Gassner: Johann Joseph Gassner (1727-1779), padre católico alemão, em Klösterle


ganhou fama de exorcista e foi perseguido como impostor.

Gellert: Christian Fürchtegott Gellert (1715-1769), escritor alemão, representante do


iluminismo pietista.

234
General Lee: Henry Lee (1756-1818), célebre oficial da cavalaria norte-americana na
Guerra de Independência - e pai do outro General Lee, Robert Edward Lee (1807-1870),
que lutaria na Guerra Civil americana (1861-1865)

Gleim: Johann Wilhelm Ludwig Gleim (1719-1803), poeta alemão, diplomata e amigo
de Kleist, escreveu imitaçoes de Anacreonte e Horácio, além de obra inspirada no rei
Frederico II.

Goethe: Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), escritor alemão, uma das maiores
figuras de expressão romântica e clássica, escreveu Os sofrimentos do jovem Werther,
Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, Fausto.

Gottsched: Johann Christoph Gottsched (1700-1766), escritor alemão, dramaturgo e


teórico da literatura nos primórdios do Iluminismo, leitor de Leibniz e Wolff, deixou
obras sobre poética, retórica e oratória.

Hagedorn: Friedrich Von Hagedorn (1708-1754), poeta alemão, escreveu fábulas e


outras narrativas, reunidas em Fábulas e contos em verso (1738) y Poesias morais
(1750).

Haller: Albrecht von Haller (1708-1777), famoso médico suíço e poeta do Iluminismo,
professor em Göttingen, onde presidia a sociedade científica local, com fama de gênio
precoce, teria traduzido grego aos cinco anos.

Hancock: John Hancock (1737-1793), pioneiro da independência norte-americana.

Heinrich: Johann Heinrich Braunhold (c.1747-1793), criado de Lichtenberg e depois


garçom no restaurante "Unterm Zimmerhofe"; suas expressões cômicas foram reunidas
por Lichtenberg no caderno "Henrikodulia", à moda grega.

Herder: Johann Gottfried von Herder (1744 - 1803), escritor e filósofo alemão, ligado
ao movimento Sturm und Drang, autor de Idéias sobre uma filosofia da história da
humanidade e Ensaio sobre a origem da linguagem, ambos de exaltação nacionalista.

Herschel: William Herschel (1738-1822): astrônomo que construiu o primeiro


telescópio capaz de ver além do sistema solar.

Hill: Dr. John Hill (1716-1775), físico, botânico e escritor inglês, que em 1761 publicou
um trabalho pioneiro sobre a relação entre o consumo de tabaco e a ocorrência de
câncer de pulmão.

Hogarth: William Hogarth (1697-1764), pintor e gravador inglês, que elaborou série de
estudo de costumes em que aliou humor e espírito moralizador.

235
Home: Henry Home, Lord Kames (1696-1782) advogado e filósofo do Iluminismo
escocês, mais conhecido por seu Elements of Criticism (1762), obra marcante na
história da estética que propunha equilibrar beleza para agradar olhos e ouvidos.

Homero (talvez do séc. VIII a. C.), poeta épico grego, considerado o autor da Ilíada e
da Odisséia; conforme Heródoto, teria vindo da Ásia Menor; poemas homéricos,
recitados em festas, poderiam ser compilações da literatura oral.

Horácio: personagem de Hamlet-, um grande amigo do príncipe, que se dirigiu a


Elsinore com o intuito de presenciar o funeral do Rei seu pai.

Horácio: Quintus Horatius Flaccus (65-27 a.C.), poeta latino, que foi para humanistas e
clássicos franceses um modelo das virtudes poéticas, expostas na Ars Poetica.

Hume: David Hume (1711-1776), filósofo britânico, nascido na Escócia, grande


representante do empirismo, que aproximou-se de um ceticismo moderado, escreveu
Tratado da natureza humana e Ensaios morais e políticos.

Hupazoli: Um dos raros homens que viveu em três séculos (Sardenha, 1587-1702); teve
5 esposas, 24 filhos, além de 25 ilegítimos; não fumava, só bebia água, nunca adoeceu,
etc. e, de fato, consta que escreveu 22 volumes de anotações sobre suas atividades.

Jacobi: Johann Georg Jacobi (1740-1814), irmão do filósofo Friedrich Heinrich Jacobi,
poeta, que estudou teologia em Göttingen entre 1763 e 66. Lichtenberg, que o conhecia
pessoalmente, era um severo crítico de sua "musa brincalhona".

Jean Paul, pseudônimo de Johann Paul Friedrich Richter (1763-1825), escritor


romântico alemão, muito admirado, inclusive por Herder e Wieland. Lichtenberg já
devia ter lido seu romance Hesperus (de 1775).

Kant: Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, que nunca saiu de sua cidade
Königsberg (hoje Kaliningrado, na Rússia), de vida austera e obra extensa e influente,
sobretudo as três críticas; leu textos de Lichtenberg (física) e trocou algumas cartas com
ele.

Kästner: Abraham Gotthelf Kästner (1719-1800), matemático alemão, professor de


ciências naturais, colega de Lichtenberg e Erxleben. Escreveu o sarcástico Sinngedichte
(1781) sobre personalidades de seu tempo.

Klopstock: Friedrich Gottlieb Klopstock (1724-1803), poeta alemão, estudou teologia


em Jena e Leipzig, entusiasmado leitor de John Milton, escreveu Messíada, uma
epopeia religiosa, e peças patrióticas.

Kotzebue: August Von Kotzebue (1761-1819), dramaturgo alemão, autor de um vasto


número de peças teatrais sentimentais, com retratos da vida alemã na província.

236
La Rochefoucauld: François, duque de la Rochefoucauld (1613-1680), aristocrata
francês que se envolveu em guerras e disputas políticas, inclusive contra Richelieu;
moralista pessimista, autor de Reflexões ou sentenças e máximas morais (1664).

Lacaille: Abade Nicolas Louis de Lacaille (1713-1762), astrônomo francês que deu
nome a diversas constelações.

Lavater: Johann Kaspar Lavater (1741-1801), escritor, teórico e teólogo suíço,


celebrizado pelo seu sistema de fisiognomonia, depois rejeitado como pseudociência.

Leibniz: Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716), filósofo, cientista, matemático e


diplomata alemão; autor conhecido pelas Mônadas e pela idéia do melhor dos mundos,
além de inventor do cálcuo integral (autoria disputada por Newton).

Lessing: Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781), poeta, dramaturgo, filósofo e crítico


de arte alemão, representante do Iluminismo e crítico do anti-semitismo; seu estudo
sobre Laocoonte inovou a reflexão na estética.

Liscow: Christian Ludwig Liscow (1701-1760), alemão, filho do pastor Salomo Liscow
e autor de sátiras contra a igreja, a escolástica e os homens de letras que viviam a
bajular príncipes e aristocratas.

Ljungberg: Jöns Mattias Ljungberg (1748-1812), astrônomo sueco que estudou em


Göttingen e que teve por Lichtenberg uma duradoura amizade.

Lohenstein: Daniel Caspar Von Lohenstein (1635-1683), escritor barroco alemão, da


região da Silésia, que deixou poemas muito extensos e carregados.

Lucrécio: Titus Lucretius Carus (c. 98-c. 55 a.C.), poeta e filósofo latino, autor de
Sobre a natureza das coisas, poema filosófico que opõe a física e a moral epicurista ao
temor dos deuses e da morte, que impedem a felicidade.

Luís XVI: Rei francês condenado e decapitado no mesmo dia, 21 de janeiro de 1793.

Lutero: Martin Luther (1483-1546), teólogo alemão e reformador protestante; monge


agostiniano obcecado com a idéia de salvação, condenado por Roma por criticar as
indulgências (1520), sua traduçao da Bíblia (1521-1534) é um marco nas letras alemãs.

Madame Pompadour: Jeanne Antoinette Poisson, (1721-1764) marquesa e amante


declarada do rei Luís XV, com importante papel na política e na cultura, protetora de
filósofos, artistas e escritores.

Meinhard: Johann Nikolaus Meinhard (1727-1767), autor alemão, traduziu para o


alemão Elements of Criticism, de Henry Home, e publicou um ensaio sobre poetas
italianos, elogiado por Lessing.

237
Meister: Albrecht Ludwig Friedrich Meister (1724-1788), matemático e físico alemão,
que estudou e lecionou em Göttingen (inclusive filosofia) e escreveu sobre geometria.

Milton: John Milton (1608-1674), poeta inglês, autor de poemas religiosos e apoiador
de Cromwell; depois, cego, abandona a vida pública e dita os longos poemas bíblicos O
paraíso perdido e O paraíso reconquistado.

Mirabeau: Honoré Gabriel Riqueti, conde de Mirabeau (1749-1791): escritor, político e


orador francês, ligado à maçonaria e que teve influência na Revolução Francesa.

Molière, apelido de Jean-Baptiste Poquelin (1622-1673), dramaturgo francês, inspirado


na commedia dell'arte e protegido de Luís XV, criou e dirigiu peças burlescas como
Tartufo, Escola de mulheres, O doente imaginário.

Montaigne: Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592), escritor e filósofo francês,


dedicou-se nos últimos vinte anos de sua vida a redigir seus Ensaios, onde propunha
equilíbrio moral baseado na prudência e tolerância.

Moritz: Karl Philipp Moritz (1756-1793); alemão, escreveu romances autobiográficos -


como Anton Reiser e Andreas Hartknopf - e ensaios sobre estética; foi professor de
Alexander von Humboldt.

Möser: Justus Möser (1720-1794), famoso jornalista alemão, historiador e advogado;


escreveu Fantasias Patrióticas e desenvoveu concepção de Estado orgânico, sem
imposição de um soberano; crítico precoce do capitalismo.

Newton: Isaac Newton (1642-1727), cientista inglês, construiu telescópios e fez


experiências em ótica (inclusive sobre cores da luz solar) e em mecânica; publicou
Princípios matemáticos da filosofia natural (1687).

Petrarca: Francesco Petrarca (1304-1374), poeta e humanista italiano, historiador,


arqueólogo e autor de poemas em dialeto toscano, de refinado lirismo amoroso,
reunidos no Cancioneiro.

Platão (427-347 a.C.), apelido de um filósofo e matemático do período clássico da


Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em
Atenas; aluno de Sócrates e professor de Aristóteles.

Plínio o Jovem: Caius Plinius Caecilius Secundus, sobrinho de Plínio o Velho (61 ou
62-c. de 114 d.C.), escritor latino, orador, cônsul, autor de Panegirico de Trajano e
Cartas.

Plínio o Velho: Caius Plinius Secundus (23-79 d.C.), naturalista e escritor latino,
morreu na erupção do Vesúvio, autor de História Natural, compilação em 37 volumes.

238
Plutarco (c. 50-c.125), escritor grego, viajou ao Egito e a Roma, escreveu Obras
Morais e Vidas Paralelas, que influenciariam Montaigne, Rousseau e a Revolução
Francesa.

Retz: Jean-François Paul de Gondi, cardeal de Retz (1613-1679).

Riedel: Friedrich Justus Riedel (1742-1785) escritor alemão e teórico da estética


literária, professor em Erfurt, co-fundador da "Biblioteca alemã", morreu louco.

Rousseau: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo, teórico político e escritor


suíço ligado ao Ilumismo, escreveu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os
homens, Do Contrato Social, Emílio ou da Educação.

Schernhagen: Johann Andreas Schernhagen (?-1785), alemão de Hannover, amigo de


Lichtenberg desde 1772, estudante de direito, um entusiasmado admirador da física.

Sêneca: Lucius Annaeus Seneca (cerca de 60 a.C.-39 d. C.), escritor latino, autor de
Controvérsias, um valioso documento sobre a educação na oratória no início da era
cristã, bem como o elegante texto de Consolação a minha mãe Hélvia.

Shakespeare: William Shakespeare (1564-1616), poeta e dramaturgo inglês, autor de


peças famosas como Hamlet e Romeu e Julieta, além de mais de cem sonetos e alguns
poemas longos.

Sócrates (470 - 399 a.C.), filósofo grego, que nada escreveu e é conhecido através das
obras de Aristófanes, Xenofonte e Platão, que fez dele personagem central de seus
Diálogos. Foi condenado pela cidade Atenas a beber veneno.

Sprengel: Matthias Christian Sprengel (1746-1803), historiador e professor de filosofia


em Göttingen, escreveu diversos trabalhos sobre a história dos EUA, sobre as colônias,
tráfico de escravos e Ilhas Falklands (Malvinas).

Sterne: Laurence Sterne (1713-1768), escritor inglês, nascido na Irlanda e mais


conhecido pelos romances A vida e as opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy e
Viagem sentimental pela França e Itália.

Swift: Jonathan Swift (1667-1745), escritor irlandês e grande nome da sátira na


literatura de lingua inglesa, sendo As viagens de Gulliver sua obra mais conhecida.

Tácito: Publius Cornélius Tácito (c. 55-c. 120 d. C.) Historiador latino, mestre da prosa
concisa, escreveu Histórias, Diálogo sobre os oradores e Germânia.

Terzi: Francesco Lana Terzi, (1631-1687), jesuíta italiano que teria voado em um balão.

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Ticiano: Tiziano Vecellio (1488?-1576) pintor italiano, que trabalhou para papas e reis,
aliava lirismo e inovaçoes técnicas, que anteciparam o barroco e até o modernismo.
Obras famosas: A vênus de Urbino, Danae, A ninfa e o pastor.

Tycho Brahe (1546-1601), astrônomo dinamarquês, construiu um observatório em


Copenhague e deixou considerações sobre Marte, que permitiram a Kepler enunciar as
leis dos movimentos dos planetas.

Unzer: Johann August Unzer (1727-1799), médico alemão que publicou uma revista
mensal de medicina, sob o título “Der Arzt” (O médico), entre 1759-1764, traduzida
para várias línguas, além de manuais na área.

Virgílio: Públio Virgílio Marão (70 -19 a.C.), poeta romano clássico, mais conhecido
pelas Éclogas (ou Bucólicas), as Geórgicas e o poema épico Eneida, que o imperador
Augusto encomendou para narrar a origem e a glória de Roma.

Voltaire: apelido de François Marie Arouet (1694-1778), escritor francês, admirador do


sistema politico inglês que expressou suas idéias liberais em romances curtos (Cândido)
e ensaios históricos.

Von Born: Ignaz Edler von Born (1742-1791), mineralogista austríaco e metalurgista,
autor de sátira intitulada Monachologia, na qual os monges estão descritos na
linguagem técnica da história natural; tomou parte ativa na vida política da Hungria.

Voss: Johann Heinrich Voss. (1751-1826), poeta e estudioso classicista alemão, mais
conhecido por suas traduções da Odisséia (1781) e da Ilíada (1793), de Homero, para o
alemão.

Wieland: C. M. Wieland (1733-1813), poeta alemão, autor do romance Agathon e de


contos de sucesso.

Winckelmann: Johann Joachim Winckelmann (1717-1768), historiador de arte e


arqueólogo alemão; estabeleceu distinções entre arte Grega, Greco-Romana e Romana e
é geralmente considerado o pai da história da arte.

Yorick é um personagem shakespeariano, citado pela primeira vez na Cena I do Quinto


Ato da peça Hamlet: é a famosa caveira que Hamlet segura – e que tinha sido um bobo
da corte, ligado à infância de Hamlet. Yorick é também um personagem Sterne, um cura
de aldeia, no romance A vida e as opiniões de Tristram Shandy. Muitas vezes, em
Lichtenberg, “Yorick” indica o próprio Sterne.

Zimmermann: Johann Georg Zimmermann (1728-1795), médico alemão, contista,


filósofo, estudou em Göttingen e foi médico na corte do Rei prussiano Frederico, em
Hannover.

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“Há pessoas que podem acreditar em tudo o que querem;
essas são criaturas felizes!”

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