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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (UFG)

FACULDADE DE HISTÓRIA (FH)


MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA (PROFHISTÓRIA)

GABRIELA SANTOS ALMEIDA

A família escrava nos livros didáticos de história

Goiânia
2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE HISTÓRIA

TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO (TECA) PARA DISPONIBILIZAR VERSÕES ELETRÔNICAS DE TESES

E DISSERTAÇÕES NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG

Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás (UFG) a disponibilizar,
gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD/UFG), regulamentada pela Resolução CEPEC nº
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1. Identificação do material bibliográfico
[ X ] Dissertação         [  ] Tese          [  ] Outro*:_____________
 
*No caso de mestrado/doutorado profissional, indique o formato do Trabalho de Conclusão de Curso, permitido no documento de área, correspondente ao programa de pós-graduação, orientado
pela legislação vigente da CAPES.
 
Exemplos: Estudo de caso ou Revisão sistemática ou outros formatos.

2. Nome completo do autor


Gabriela Santos Almeida
 
3. Título do trabalho
A família escrava nos livros didáticos de História​
 
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b) novo Termo de Ciência e de Autorização (TECA) assinado e inserido no arquivo da tese ou dissertação.
O documento não será disponibilizado durante o período de embargo.
Casos de embargo:
- Solicitação de registro de patente;
- Submissão de artigo em revista científica;
- Publicação como capítulo de livro;
- Publicação da dissertação/tese em livro.
Obs. Este termo deverá ser assinado no SEI pelo orientador e pelo autor.

Documento assinado eletronicamente por Raquel Machado Gonçalves Campos, Professora do Magistério Superior, em
10/04/2023, às 15:27, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de
novembro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por Gabriela Santos Almeida, Discente, em 10/04/2023, às 15:51, conforme horário oficial
de Brasília, com fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE HISTÓRIA
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA
(PROFHISTÓRIA)

GABRIELA SANTOS ALMEIDA

A FAMÍLIA ESCRAVA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE


HISTÓRIA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós Graduação em História, Mestrado
Profissional em Ensino de História
(ProfHistória), na Faculdade de História
da Universidade Federal de Goiás (UFG),
como requisito para a obtenção do título
de Mestre profissional em Ensino de
História.
Área de Concentração: Ensino de história
Orientadora: Professora Drª Raquel
Machado Gonçalves Campos

Goiânia, 2023
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do
Programa de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.

Almeida , Gabriela Santos


A FAMÍLIA ESCRAVA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA
[manuscrito] / Gabriela Santos Almeida . - 2023.
216 f.

Orientador: Profa. Dra. Raquel Machado Gonçalves Campos .


Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de História (FH), Programa de Pós-graduação em Ensino de
História, Goiânia, 2023.
Bibliografia. Anexos.

1. Livro didático. 2. Escravidão. 3. Familia Escrava. 4. Ensino de


História. I. Campos , Raquel Machado Gonçalves , orient. II. Título.

CDU 94
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE HISTÓRIA

ATA DE DEFESA DE DISSERTAÇÃO

Ata nº 022/2023 da sessão de Defesa de Dissertação de GABRIELA SANTOS ALMEIDA, que confere o


título de Mestre(a) em Ensino de História, na área de concentração em Ensino de História.

Ao/s  vinte e quatro dias do mês de março do ano de dois mil e vinte e três, a partir da(s)  14h00,
via Videoconferência, realizou-se a sessão pública de Defesa de Dissertação intitulada “A família escrava
nos livros didáticos de História​”. Os trabalhos foram instalados pelo(a) Orientador(a), Professor(a)
Doutor(a)  Raquel Machado Gonçalves Campos (ProfHistoria/UFG),​  com a participação dos demais
membros da Banca Examinadora: Professor(a) Doutor(a) Maria Lemke (FH/UFG)​, membro titular externo;
Professor(a) Doutor(a) Juçara da Silva Barbosa de Mello (PUC-Rio), membro titular externo. Durante a
arguição os membros da banca  não fizeram  sugestão de alteração do título do  trabalho. A Banca
Examinadora reuniu-se em sessão secreta, a fim de concluir o Julgamento da Dissertação, tendo sido(a) o(a)
candidato(a)  aprovado(a)  pelos seus membros. Proclamados os resultados pelo(a) Professor(a)
Doutor(a)  Raquel Machado Gonçalves Campos, Presidente da Banca Examinadora, foram encerrados os
trabalhos e, para constar, lavrou-se a presente ata que é assinada pelos Membros da Banca Examinadora,
ao(s) vinte e quatro dias do mês de março do ano de dois mil e vinte e três.

TÍTULO SUGERIDO PELA BANCA

Documento assinado eletronicamente por Sônia Maria De Magalhães, Coordenadora de Pós-


Graduação, em 24/03/2023, às 16:51, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 3º
do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por Maria Lemke, Professora do Magistério Superior, em


24/03/2023, às 17:50, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 3º do art. 4º do
Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por Raquel Machado Gonçalves Campos, Professora do


Magistério Superior, em 28/03/2023, às 14:48, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento
no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.

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Referência: Processo nº 23070.013212/2023-23 SEI nº 3582095

 
AGRADECIMENTOS

No processo de elaboração dessa dissertação, várias pessoas e encontros


contribuíram para que ela se tornasse possível, cabe aqui eu tentar reconhecer o papel de
todos que me ajudaram.
Aos meus amigos e amigas que me acompanham desde minha infância, Rafaela,
Andressa e Thiago, que sempre me escutam e apoiam em situações difíceis e que são
meus companheiros em momentos de alegria.
Agradeço também à Prof Dra. Heloisa Fernandes Capel, por ter me encorajado a
me candidatar no PROFHISTÓRIA e me ajudar nos meus primeiros meses.
À professora Dra. Sônia Maria de Magalhães, pela leitura atenta do meu projeto
de qualificação e por todos conselhos e sugestões.
À professora Dra. Maria Lemke, por também contribuir na minha qualificação, e
por aceitar fazer parte da banca de defesa.
À professora Dra. Juçara da Silva Barbosa de Mello, por aceitar o convite para
compor a banca.
Nem dezenas de páginas seriam suficientes para descrever toda a gratidão que
tenho pela minha orientadora, a professora Dra. Raquel M. G. Campos Salomon. Desde
minha graduação tive o prazer de ser sua orientanda, e esta relação se manteve até este
mestrado. Confesso até que não fui uma das melhores orientandas, mas o seu trabalho e
empenho foi, e continua sendo excepcional. Muito obrigada pelas palavras de conforto e
por não me permitir desistir.
Por fim, eu preciso agradecer a minha família, em especial aos meus pais, por
terem me dado apoio e sustento em toda minha jornada de estudos, além de terem me
fortalecido no momento tão conturbado como foi a pandemia. Não conseguiria sem
vocês. Wagner e Patrícia, este título eu dedico a vocês.
RESUMO
Esta dissertação teve como objetivo analisar como os livros didáticos de História do 7º e
8º ano de Ensino Fundamental aprovados pelo PNLD de 2020 abordam questões como a
existência de famílias escravas, a resistência escrava ao cativeiro, a participação de
escravos em movimentos sociais e seu papel na luta abolicionista, a partir de discussões
historiográficas recentes. Inicialmente, é apresentado um panorama da historiografia
sobre a escravidão no Brasil e as principais correntes historiográficas sobre o tema. Em
seguida, é analisado o conteúdo dos livros didáticos. A partir da leitura e análise dos
livros, percebe-se que a grande maioria dos livros aprovados apresentam e se baseiam em
estudos historiográficos recentes, contudo muitos não abordam, ou abordam de maneira
muito rasa a existência de famílias escravas. E é levando em conta esta lacuna, que é
proposto o “Manual Didático – FAMÍLIA E AFETIVIDADE ESCRAVA NO SÉCULO
XIX". Neste material busquei apresentar textos de apoio e sugestões de fontes periódicas
aos professores para abordar em sala de aula os diversos tipos de constituição de famílias
e afetividades entre escravos. Além disso, neste material também busco apresentar a
trajetória da historiografia sobre o tema em Goiás.

Palavras-chave: Livro didático; Escravidão; Familia Escrava; Ensino de História


ABSTRACT

This dissertation aimed to analyze how the 7th and 8th grade History textbooks for
Elementary School approved by the PNLD of 2020 address issues such as the existence
of slave families, slave resistance to captivity, the participation of slaves in social
movements and their participation in the abolitionist struggle, based on recent
historiographical discussions. First, an overview of the historiography on slavery in
Brazil and the main historiographical tendencies on the subject are presented. Next, the
content of the textbooks is examined. From the reading and analysis of the books, it can
be seen that the great majority of the approved textbooks present and are based on recent
historiographical studies, however many do not address, or address very briefly, the
existence of slave families. And it is taking into account this gap, that the “Manual
Didático – FAMÍLIA E AFETIVIDADE ESCRAVA NO SÉCULO XIX" is proposed. In
this material, I have tried to present support texts and suggestions of periodical sources
for teachers to approach in class the various types of family constitution and affectivity
among slaves. Besides, in this material I also try to present the trajectory of the
historiography about the theme in Goiás.

Keywords: Textbooks; Slavery; Slave Family; History Teaching;


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC Base Nacional Comum Curricular


UFG Universidade Federal de Goiás
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
PNE Plano Nacional de Educação
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PROFHISTORIA Mestrado Profissional em Ensino de História
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11

Capítulo 1. 14
Antigas e novas perspectivas: como a escravidão e a abolição esta sendo
estudada na academia?

1.1. Casa-Grande & Senzala 15

1.2. Historiografia marxista 21

1.3. Historiografia anos 1980 25

1.4. Estudos sobre família escrava 28

Capítulo 2. 33
2.1. Escravidão e abolição retratada nos livros didáticos

2.1.1. Araribá Mais História 36

2.1.2. História: escola e democracia 43

2.1.3. Historiar 61

2.1.4. História sociedade & cidadania 69

2.1.5. História.doc 77

2.1.6. Teláris História 89

2.1.7. Estudar História: das origens do homem à era digital 98

2.1.8. Convergências História 110

2.1.9. Vontade de Saber História 120

2.1.10. Inspire História 130

2.1.11. Geração Alpha História 136

2.2. Coleções mais adquiridas 143

2.3. O que não se fala? 147

2.4. Novas fontes e documentos para o Ensino de História 149

2.4.1. Imprensa periódica nas aulas de História 153

Capítulo 3. Parte Propositiva 156


Manual Didático
FAMÍLIA E AFETIVIDADE ESCRAVA NO SÉCULO XIX.

Considerações Finais 211


Coleções Didáticas 213

Referências 214

Anexos 216
INTRODUÇÃO

Durante minha graduação em História na Universidade Federal de Goiás tive


muita proximidade e realizei pesquisas de iniciação científica sobre temas que envolviam
o movimento abolicionista, a escravidão e o século XIX, neste momento, parte das
minhas fontes para pesquisa eram periódicos. Após o fim da minha graduação entrei no
Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História na UFG. Mesmo não tendo
grande contato com a sala de aula como professora de História, notei que nem tudo que
aprendi de novo sobre História do Brasil na universidade era o que estava nos livros
didáticos. A disparidade entre o que é aprendido nos últimos anos do Ensino Médio e o
que se aprende na academia é muito grande. E em certo ponto, tal disparidade é
justificável, os saberes acadêmicos são, e devem ser, diferente dos saberes escolares.
Contudo, práticas próprias dos saberes de historiadores podem ser aplicadas, em certa
medida, no cotidiano das aulas de história como uma forma não só de aproximar o
estudante com o processo de construção do conhecimento histórico, como também como
forma de desenvolver cidadãos críticos, ativos e transformadores de seu meio social.
Deste modo, no decorrer do meu primeiro ano de pós-graduação, percebi que existia a
possibilidade de aproximar questões recentes da historiografia, desveladas por mim
principalmente durante minha trajetória acadêmica, com o que é ensinado nas aulas de
história na educação básica.
A escrita deste trabalho amadureceu durante os anos que fui discente no
PROFHISTÓRIA. A partir das aulas, das reuniões de orientação e das sugestões e críticas
da banca de qualificação, busquei elaborar um material que desse suporte a professores
que desejassem trabalhar sobre o tema e que conduzisse os alunos para uma melhor
compreensão dos diversos aspectos que permeavam as relações escravistas no Brasil.
Meu ponto de partida foi a escrita do primeiro capítulo. Nele identifiquei as
principais correntes historiográficas sobre a escravidão, seus principais historiadores,
fontes e argumentos. Foi fundamental que a escrita deste elemento da dissertação tenha
sido realizada antes de qualquer outra etapa, pois com a leitura das referências pude
compreender melhor como as coleções didáticas abordam o tema. O primeiro capítulo é
dividido estruturalmente em três subcapítulos, onde cada um aborda um eixo explicativo.
Inicialmente, discuto as contribuições de Gilberto Freyre, com Casa-grande & Senzala,
publicado em 1933, os apontamentos do sociólogo pernambucano sobre a benignidade
das relações, o patriarcalismo como fator fundamental para a colonização, a

11
miscigenação, e as rupturas do pensamento freyreano frente à intelectuais da época. Em
seguida é discutido as contraposições da “Escola Paulista de Sociologia”, que a partir de
referenciais marxistas, relacionam raça e questões econômicas no Brasil e se opõem a
“benignidade” da escravidão de Gilberto Freyre, enfatizando que pelo contrário: a
escravidão foi uma nódoa na sociedade brasileira, marcada pela extrema violência. Por
fim, discuto como surgem novas perspectivas sobre a escravidão a partir da década de
1980, alguns de seus representantes e as transformações que proporam para se pensar a
escravidão no Brasil, enfocando principalmente, nos estudos sobre resistências e família
escrava.
No capítulo seguinte foi feita a análise das onze coleções da disciplina de História
que foram aprovadas no PNLD de 2020 para os anos finais do Ensino Fundamental.
Foram estudados os volumes do 7º e 8º ano, analisando inicialmente as propostas do
material do professor e sem seguida, investigando capítulo por capítulo do livro do aluno,
como os autores incorporam no material do aluno e nas sugestões ao professor novas
perspectivas e estudos recentes sobre a escravidão, sobre o sistema colonial, e
principalmente sobre a formação de famílias escravas. Também é pontuado como são
utilizadas fontes e documentos históricos nestas obras.
Em seguida, é exposto como as coleções foram recebidas pela comunidade
escolar, ordenando quais obras foram mais adquiridas pelo PNLD. Para esta investigação,
foi necessário organizar os dados estatísticos publicados no website do FNDE, a tabela
divulgada apresentava os valores pagos para a aquisição de todas as coleções de todas as
disciplinas dos anos finais do Ensino Fundamental que seriam utilizadas a partir do ano
de 2020. Portanto, foi necessário filtrar apenas os valores gastos para adquirir as coleções
de História, e em seguida, organizar estes dados de forma decrescente, ordenando as
coleções mais adquiridas até as menos adquiridas. Estes dados foram comparados com
dados já divulgados pelo FNDE sobre as coleções mais utilizadas no edital no PNLD
anterior, evidenciando que além de muitas obras se repetirem, as três obras mais
adquiridas no último edital são as mesmas do penúltimo edital.
No mesmo capítulo, é feito uma síntese geral de como as coleções se utilizam e se
baseiam em estudos recentes da historiografia e estudos sobre famílias escravas.
Elencando e exemplificando como algumas coleções utilizam-se de forma satisfatória ou
não, destes conhecimentos.
Por fim, ainda no segundo capítulo é discutido brevemente sobre algumas
propostas sobre o uso de novas fontes históricas e documentos em sala de aula, e sobre

12
como o professor pode incorporar os jornais e periódicos em aulas de história. Esta
discussão é fundamental para se entender a proposta do produto final da dissertação, um
manual exposto no capítulo seguinte.
A proposta de produto final para esta dissertação é um manual didático voltado a
professores de história, intitulado “Manual Didático – Famílias e afetividade escrava no
século XIX”. Este material é dividido em quatro partes principais, uma introdução, onde
se contextualiza as circunstâncias sociais da população negra no Brasil, e aborda a
legislação e as diretrizes educacionais que reforçam o ensino de relações étnico raciais.
Nas orientações iniciais discorre-se sobre a metodologia para o uso das fontes do
material, além de se pontuar a sua importância para a construção do conhecimento
histórico e criticidade. Logo após, é proposto uma sequência didática com três momentos,
que tem como objetivo compreender as diversas formas de representação de famílias
escravas em jornais oitocentistas. Por fim, textos de apoio e sugestões de fontes
periódicas são apresentadas. O conteúdo destes textos e dos excertos de jornais
desenvolvem a temática sobre relações familiares entre escravos no século XIX, e um
tópico específico, analisa a produção historiográfica sobre as famílias escravas em Goiás.

13
Capítulo 1 – Antigas e novas perspectivas: como a escravidão e a abolição esta sendo
estudada na academia?
As tendências historiográficas e os estudos sobre a escravidão brasileira podem
ser classificados a partir de três eixos principais:
Inicialmente, vejo a necessidade de analisar e apresentar os debates
historiográficos sobre a escravidão no Brasil. Nesse sentido, parto da divisão adotada por
historiadores como Suely Robles Reis Queiroz1, Rafael de Bivar Marquese2, que
defendem o desenvolvimento dos estudos sobre escravidão a partir de três eixos
principais: a publicação de Casa-grande & Senzala, em 1933, por Gilberto Freyre, com a
defesa do patriarcalismo e da benignidade as relações senhoriais no Brasil, quando
comparada às de outros países escravistas, em particular os EUA. Em seguida, a partir de
1950, atrelados a uma perspectiva de explicação marxista e inicialmente patrocinados
pelo projeto Unesco, Florestan Fernandes, Roger Bastide e Oracy Nogueira, entre outros,
desenvolvem diversos artigos sobre a questão racial e as desigualdades no Brasil,
evidenciando as relações entre a raça e condições socioeconômicas. Ainda inspirados
pelas teorias marxistas, intelectuais como Fernando Novais, Fernando Henrique Cardoso,
Ciro Flamarion Cardoso, Emilia Viotti, etc, dão continuidade às interpretações
estruturalistas. De modo geral, seus trabalhos divergem das teorias de Gilberto Freyre,
defendendo, entre outros pontos, a relação entre escravidão e acumulação de capital e sua
inserção em um contexto mundial de formação do capitalismo, a negação da amenidade
das relações, acompanhada da ênfase na violência como instrumento fundamental para a
exploração do trabalho de escravizados. Por fim, a partir da década de 1980, devido às
crises e esgotamento dos modos de explicação estruturais, à estruturação e ao
crescimento dos programas de pós-graduação no Brasil, dentre outros motivos,
pesquisadores passaram a analisar as relações escravistas a partir de outras perspectivas.
Influenciados pelas mudanças da historiografia no exterior e formados profissionalmente
para serem historiadores, retornaram aos arquivos, , inaugurando outras abordagens de
estudo sobre a escravidão. Ganharam notoriedade temas como a formação de uma família
escrava, relações de gênero presentes no cativeiro, as diferenças entre escravidão urbana
e rural, além da análise de práticas e estratégias de liberdade e alforria, evidenciando

1
QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em debate. In: FREITAS, Marcos Cezar (Org.).
História e historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo. Contexto, 1998.
2
MARQUESE, Rafael de Bivar. As desventuras de um conceito: capitalismo histórico e a historiografia
sobre a escravidão brasileira. Revista História (São Paulo). 2013, n.169, pp.223-253.

14
principalmente a autonomia dos cativos e sua possibilidade de agir como sujeitos ativos
e atores sociais.

1.1. Casa-Grande & Senzala

A publicação, em 1933, de Casa-Grande & Senzala pelo sociólogo


pernambucano Gilberto Freyre é entendida por muitos historiadores como o marco inicial
de uma discussão nas ciências humanas sobre a escravidão brasileira. Freyre indica que
as relações familiares e as relações entre senhor e escravo, presentes nas casas-grandes,
podem ser meios de se explicar a formação da sociedade brasileira como um todo,
apresentando uma narrativa sobre o nordeste brasileiro, em específico sobre Pernambuco
e o Recôncavo Baiano, do século XVI, de características agrárias, escravocratas e
híbridas.
A base, a agricultura; as condições, a estabilidade patriarcal da família,
a regularidade do trabalho por meio da escravidão, a união do português
com a mulher índia, incorporada assim à cultura econômica e social do
invasor.
Formou-se na Ámerica tropical uma sociedade agrária na estrutura,
escravocrata na técnica de exploração econômica, hibrída de índio – e
mais tarde de negro – na composição. (FREYRE, G. 2003, p. 69)

Em Casa-Grande & Senzala, a sociedade era caracterizada como paternalista.


Uma vez que a Coroa se muda para o Brasil, as relações pessoais e de parentesco ganham
ainda mais relevância, formando uma rede de relações privadas capazes de percorrer
todas as instituições. A família do nordeste seria um dos principais fatores coesivos e
harmoniosos, que foram capazes de permitir a socialização e redução de distâncias entre
as raças.
Quanto ao colonizador português, são destacadas três características fundamentais
para a colonização do território que viria a se tornar o Brasil. A capacidade de mobilidade
foi uma delas. Diferente de outros navegantes europeus, para Gilberto Freyre, o
navegante português tinha a capacidade de se adaptar aos trópicos, flexibilizando-se tanto
social quanto fisicamente devido sobretudo ao fato de já estarem acostumados com o
clima tropical e terem uma “herança semita adaptável”.3 A falta de capital e de pessoal
teriam sido compensados pela mobilidade, mas principalmente pela miscibilidade
portuguesa. A desproporção entre homens e mulheres brancas levou à aproximação
sexual entre portugueses e mulheres indígenas e negras escravizadas, e

3
FREYRE, Gilberto. op cit, p. 69.

15
consequentemente, a uma miscigenação racial, assegurando a tentativa de colonização e
suas características de permanência. Outra condição favorável seria a aclimatação;
diferente de colonizadores oriundos de países de clima frio, Portugal teria um clima
parecido com o clima africano, assim, seus deslocamentos para os trópicos não geraram
grandes dificuldades de adaptação. Os mestiços nascidos na colônia, resultado das
relações entre brancos e mulheres de cor, estariam ainda mais ambientados ao clima
tropical fisicamente.

O português não: por todas aquelas felizes predisposições de raça, de


mesologia e de cultura a que nos referimos, não só conseguiu vencer
as condições de clima e de solo desfavoráveis ao estabelecimento de
europeus nos trópicos, como suprir a extrema penúria de gente
branca para a tarefa colonizadora unindo-se com mulher de cor. Pelo
intercurso com mulher índia ou negra multiplicou-se o colonizador
em vigorosa e dúctil população mestiça, ainda mais adaptável do que
ele puro ao clima tropical. A falta de gente, que o afligia, mais do
que a qualquer outro colonizador, forçando-o à imediata
miscigenação - contra o que não o indispunham, aliás, escrúpulos de
raça, apenas preconceitos religiosos - foi para o português vantagem
na sua obra de conquista e colonização dos trópicos. Vantagem para
a sua melhor adaptação, senão biológica, social. (FREYRE, G. 2003,
p. 75)

Quanto aos negros de origens africanas, estes tiveram papel fundamental na


colonização, contribuindo com o colonizador português talvez até mais do que os nativos
indígenas. Com a análise de relatos e comparações de negros com brancos e com
indígenas, para o sociólogo, os negros escravizados contavam com características físicas
e psicológicas favoráveis à empreitada colonizadora: eram adaptáveis ao clima e calor
tropical. Enquanto os indígenas não dispunham de capacidades técnicas e sociais para o
trabalho, eram introvertidos e tímidos, os negros, tendo como exemplo as populações
contemporâneas a ele, eram extrovertidas e expansíveis.

A introversão do índio, em contraste com a extroversão do negro da


África, pode-se verificar a qualquer momento no fácil laboratório que,
para experiências desse gênero, é o Brasil. Contrastando-se o
comportamento de populações negróides como a baiana - alegre,
expansiva, sociável, loquaz - com outras menos influenciadas pelo
sangue negro e mais pelo indígena - a piauiense, a paraibana ou mesmo
a pernambucana - tem-se a impressão de povos diversos. Populações
tristonhas, caladas, sonsas e até sorumbáticas, as do extremo Nordeste,
principalmente nos sertões; sem a alegria comunicativa dos baianos;
sem aquela sua petulância às vezes irritante. Mas também sem a sua
graça, a sua espontaneidade, a sua cortesia, o seu riso bom e contagioso.

16
Na Bahia tem-se a impressão de que todo dia é dia de festa. Festa de
igreja brasileira com folha de canela, bolo, foguete, namoro.(FREYRE,
G. 2003, p. 372)

Tais contrastes de disposição psíquica e de adaptação talvez biológica ao clima


quente explicariam em parte ter sido o negro na América portuguesa o maior e mais
plástico colaborador do branco na obra de colonização agrária; o fato de haver até
desempenhado entre os indígenas uma missão civilizadora no sentido europeizante.
Assim, a formação do Brasil, para Gilberto Freyre, era entendida como um
“equilíbrio de antagonismos”, que tinha como representantes fundamentais o senhor e o
escravo, mas que também era percebido em toda a colônia, tanto na sua economia,
quanto nas suas relações sociais. Esta harmonia entre relações possivelmente antagônicas
era possível graças às condições favoráveis e particulares do Brasil.

É verdade que agindo sempre, entre tantos antagonismos contundentes,


amortecendo-lhes o choque ou harmonizando-os, condições de
confraternização e de mobilidade social peculiares ao Brasil: a
miscigenação, a dispersão da herança, a fácil e freqüente mudança de
profissão e de residência, o fácil e freqüente acesso a cargos e a
elevadas posições políticas e sociais de mestiços e de filhos naturais, o
cristianismo lírico à portuguesa, a tolerância moral, a hospitalidade a
estrangeiros, a intercomunicação entre as diferentes zonas do país.
(FREYRE, G. 2003, p. 117)

Contudo, uma das questões motivadoras de discussão e críticas a Gilberto Freyre


foi a sua defesa de uma benevolência dos senhores de escravos, principalmente quando
comparada ao caso da escravidão norte-americana. Para Freyre, essa benevolência
resultou em um caráter ameno nas relações entre senhores e escravos na colônia
portuguesa. O que não significa que o autor desconsiderasse ou negasse a violência do
período e da relação escravista; ao contrário, deixa claro sua existência em algumas
situações. Freyre não analisa profundamente a situação dos escravos do campo,
preferindo enfatizar a escravização doméstica, cuja relação seria de benevolência.

Mas aceita, de modo geral, como deletéria a influência da escravidão


doméstica sobre a moral e o caráter do brasileiro da casa-grande,
devemos atender às circunstâncias especialíssimas que entre nós
modificaram ou atenuaram os males do sistema. Desde logo
salientamos a doçura nas relações de senhores com escravos
domésticos, talvez maior no Brasil do que em qualquer outra parte da
América. A casa-grande fazia subir da senzala para o serviço mais
íntimo e delicado dos senhores uma série de indivíduos - amas de criar,

17
mucamas, irmãos de criação dos meninos brancos. Indivíduos cujo
lugar na família ficava sendo não o de escravos mas o de pessoas de
casa. Espécie de parentes pobres nas famílias européias. À mesa
patriarcal das casas-grandes sentavam-se como se fossem da família
numerosos mulatinhos. Crias. Malungos. Moleques de estimação.
Alguns saíam de carro com os senhores, acompanhando-os aos passeios
como se fossem filhos. ( FREYRE, G. 2003, p. 435)

Relações de poder e violência extrapolam a vida privada das relações sexuais, e


eram sentidas também nas relações políticas e sociais. O senhor de escravos é
identificado como um sujeito sádico, enquanto o escravo seria masoquista, porém, era
considerada como uma característica necessária (FREYRE, G. 2003, p. 114). Senhores de
escravos, mesmo sendo severos e violentos, contavam com a fidelidade de seus escravos,
visto que eram ligados pela familiaridade patriarcal.
Devido à aproximação sexual com mulheres de cor, à miscigenação e ao caráter
do colonizador português, a sociedade rural brasileira seria desprovida de tensões e
preconceitos raciais, uma vez que, para Freyre, os colonizadores não se preocupavam
com questões raciais, apenas questões religiosas (FREYRE, G. 2003, p. 91).
Gilberto Freyre defendeu a miscigenação de raças, como um fenômeno positivo
para a formação do Brasil. A herança cultural de negros, indígenas e mestiços estava
presente na colônia nas relações sexuais, no ambiente doméstico, na alimentação.
Inspirado na Antropologia Cultural norte-americana de Franz Boas, Freyre interpreta o
conceito de “raça” por um viés culturalista, e não mais biologizante. Com isso, suas
teorias romperam com pressupostos pseudocientíficos de cunho determinista e racista,
defendidos por intelectuais do fim do século XIX e início do XX, que percebiam a
mestiçagem como uma degradação racial e que marginalizavam o negro e a cultura
africana.
Kabengele Munanga4 aponta que, principalmente após a abolição, era preciso
desenvolver uma narrativa para “resolver” o problema da identidade nacional no Brasil,
visto que surgiam novos cidadãos, que antes eram caracterizados como propriedade. As
elites intelectuais brasileiras irão buscar referenciais teóricos em cientistas europeus, o
que seria comum e esperado em países colonizados. Estas teorias apontavam para a
mestiçagem como um processo de degeneração de raças puras.

4
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade
negra. 3ªed. Belo Horizonte. Autêntica Editora, 2008.

18
O fim do sistema escravista, em 1888, coloca aos pensadores brasileiros
uma questão até então crucial: a construção de uma nação e de uma
identidade nacional. Ora, esta se configura problemática, tendo em vista
a nova categoria de cidadãos: os ex-escravizados negros. Como
transformá-los em elementos constituintes da nacionalidade e da
identidade brasileira quando a estrutura mental herdada do passado, que
os considerava apenas como coisas e força animal de trabalho, ainda
não mudou? Toda a preocupação da elite, apoiada nas teorias racistas da
época, diz respeito à influência negativa que poderia resultar da herança
inferior do negro.5

Como representante dessa elite intelectual, Silvio Romero, se baseando em teorias


darwinistas, considera que todos brasileiros são mestiços: “Todo brasileiro é um mestiço,
quando não no sangue, nas idéias".6 Romero não desconsidera a contribuição social e
cultural proveniente das populações indígenas e negras, porém, afirma que foram os
portugueses que mais contribuíram para a formação da população brasileira. O processo
de mestiçagem seria uma longa “transição” para que se pudesse chegar a um “tipo
superior”: a raça branca, considerada biologicamente superior, prevaleceria.

De tudo que fica dito é fácil tirar a conclusão. Dos tres povos que
constituíram a actual população brasileira, o que um rastro mais
profundo deixou foi por certo o portuguez; segue-se-lhe o negro e
depois o indígena. À medida, porém, que acção directa das duas ultimas
tende a diminuir, com a internação do selvagem e a extincção do trafico
dos pretos, a influencia européa tende a crescer com a immigração e
pela natural propensão para prevalecer o mais forte e o mais hábil. O
mestiço é a condição dessa victoria do branco, fortificando-lhe o sangue
para habilital-o aos rigores de nosso clima.
É em sua fôrma ainda grosseira uma transição necessária e util, que
caminha para approximar-se do typo superior.7

No pensamento de Silvio Romero, é perceptível seu entendimento evolucionista


das sociedades e raças, apontando níveis gradativos de intelectualidade e hierarquizando
povos de acordo com um suposto desenvolvimento.
Nem todas as tribus indigenas, além disso, tinham um igual
desenvolvimento intellectual; é licito admitir uma certa gradação por
este lado.
Resta-me falar dos povos negros que entraram em nossa população.
Eram quasi todos do grupo bantú. São gentes ainda no período do
fetichismo, brutaes, submissas e robustas, as mais próprias para os
árduos trabalhos de nossa lavoura rudimentar.

5
MUNANGA, Kabengele, op cit. p. 48
6
ROMERO, Sylvio. História da litteratura brasileira.2.ed., melhorada pelo autor. Rio de Janeiro. H.
Garnier, 1902. p. 4.
7
ROMERO, Sylvio.op. cit. p. 91

19
O negro é adaptavel ao meio americano; é susceptível de aprender; não
tem as desconfianças do indio; pôde viver ao lado do branco, alliar-se a
elle. Temos hoje muitos pretos que sabem ler e escrever; alguns
formados em direito, medicina, ou engenharia; alguns commerciantes e
ricos; outros jornalistas e oradores. Ao negro devemos muito mais do
que ao indio; elle entra em larga parte em todas as manifestações de
nossa actividade. Cruzou muito mais com o branco. 8

Nina Rodrigues, médico e antropólogo da Faculdade de Medicina da Bahia


também seguindo pensamentos do darwinismo social, rechaça a miscigenação de raças,
expondo a degeneração social advinda do sujeito negro. Rejeitando o pensamento de
Silvio Romero, Nina aponta que o cruzamento de raças não resultaria em uma população
branca, mas sim em uma população enegrecida.

Admittindo, como admitto, a população brazileira assim dividida em


grupos ethnicos distinctos, consoantes com as proporções variaveis em
que entraram em sua composição as tres raças puras, afasto-me
definitivamente do Dr. Sylvio Romero, a cujos importantes trabalhos na
especie devo ensinar-vos a render o devido e merecido preito.
Não acredito na unidade ou quasi unidade ethnica, presente ou futura,
da população brazileira, admittida pelo Dr. Sylvio Romero: não acredito
na futura extensão do mestiço luso-africano a todo o territorio do paiz:
considero pouco provavel que a raça branca consiga fazer predominar o
seu typo em toda a população brazileira.9

Lilia Schwarcz esclarece que, para Nina Rodrigues, o maior problema vivenciado
no Brasil era a falta de uma homogeneidade étnica, fruto da mestiçagem. “Os grupos
negros, por sua vez, eram considerados em seu conjunto [...] um impedimento à
civilização branca, ou melhor ‘um dos fatores de nossa inferioridade como povo’”.10
Considerando portanto a heterogeneidade brasileira, para Nina Rodrigues, seria
necessário criar instrumentos jurídicos que diferenciassem as penas legais para cada
classe da população. Uma vez que não compartilham de uma mesma “cultura mental”,
algumas raças inferiores (negros, mestiços e indígenas) não seriam suficientemente
desenvolvidas (tal qual os brancos civilizados) e carregariam consigo a criminalidade e o
baixo nível psíquico de discernimento e consciência de livre-arbítrio.11
Que a cada phase da evolução social de um povo, e ainda melhor, a
cada phase da evolução da humanidade, se comparam raças

8
ROMERO, Sylvio.op. cit. p. 74.
9
RODRIGUES, Raimundo Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brazil. Editora
Guanabara. 1995.
10
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo. Companhia das Letras, 1993. p. 208
11
RODRIGUES, Raimundo Nina. op cit. p. 112

20
anthropologicamente distinctas, corresponde uma criminalidade propria,
em harmonia e de accordo com o gráo do seu desenvolvimento
intellectual e moral.12

Portanto, se nota o descompasso e a ruptura do pensamento freyreano em relação


ao de intelectuais de sua época, como Oliveira Viana, Paulo Prado, Silvio Romero, Nina
Rodrigues, etc, seguidores de teorias racistas biologizantes herdadas do pensamento
europeu evolucionista e que defendiam o embranquecimento como forma de evolução
social. Casa-grande & Senzala enfrenta estas teorias advogando em defesa da
miscigenação como algo positivo ao país.
Suely Reis destaca o duplo caráter da produção freireana, caracterizada por um
paradoxo “conservador/revolucionário”. “Revolucionário” uma vez que se inspira em
métodos de análise provenientes da Antropologia Cultural de Franz Boas, diverge de
teorias racistas fortemente aceitas em seu tempo, além de destacar o papel do africano e
de sua cultura na formação do Brasil. Já sua face conservadora se revela ao defender a
brandura e amenidade da escravidão: “Seus argumentos para ressaltar a benignidade da
escravidão revelam ter sido influenciado pelo pensamento conservador do século XIX,
cuja substância seria ‘a apologia do passado e a consequente defesa do status quo’”. 13

1.2. Historiografia marxista

A partir da segunda metade do século XX, se engendram novas possibilidades


interpretativas que romperam com e criticaram o pensamento de Gilberto Freyre. O
marco dessas novas linhas teórico-metodológicas é o estabelecimento da Escola Paulista
de Sociologia, constituída por sociólogos da USP, e tendo como nomes principais
Florestan Fernandes, Emília Viotti da Costa, Fernando Henrique Cardoso, etc. Tais
intelectuais se afastaram das teorias freyreanas, interpretando as relações sociais e
históricas fundamentadas em princípios da teoria marxista. Iniciada por Florestan
Fernandes, com a obra A integração do negro na sociedade de classes, essa corrente
historiográfica e interpretativa bebia em conceitos e pressupostos sobre a formação de
Brasil que haviam sido elaborados por Caio Prado Júnior, que interpretava essa formação
sob a perspectiva do método dialético marxista14.

12
RODRIGUES, Raimundo Nina. op cit. p. 50.
13
QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em debate. In: FREITAS, Marcos Cezar (Org.).
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998 p. 104.
14
Cf. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Brasiliense, 2004

21
Durante o ano de 1951, a Unesco lançou o Programa de Pesquisas sobre as
Relações Raciais no Brasil, que tinha como objetivo financiar diversas pesquisas que
tratassem do tema, buscando compreender como se estruturava o equilíbrio e a tolerância
racial no país. O projeto foi motivado por uma demanda social sobre o passado recente;
devido à Segunda Guerra Mundial e ao Holocausto, o problema da raça entrou em
debate, de modo que se reivindicavam iniciativas de estudos sobre o tema. Longe de
reafirmar a tolerância racial brasileira, os resultados das pesquisas revelaram o contrário:
a inconsistência do mito da democracia racial no Brasil.
Em 1955, Florestan Fernandes e Roger Bastide, patrocinados pelo Projeto
UNESCO, publicam os resultados de suas pesquisas sobre as relações raciais em São
Paulo15. Para os autores, assim como São Paulo, o futuro do Brasil poderia ser o de uma
sociedade de classes moderna, mas onde a população de cor não estaria apta a integrar
esse cenário. Sendo comparada com o caso norte-americano, na realidade brasileira os
ex-escravos não tiveram meios de se integrar à sociedade capitalista, sendo excluídos do
mercado de trabalho formal.
Florestan Fernandes expõe que a escravidão servia como um elemento
fundamental para o desenvolvimento do capitalismo mercantil e criticava a visão
amenizadora da violência senhorial. Inseridos em uma sociedade estamentada, os negros
se encontravam relegados à condição de mercadoria, ou seja, faziam parte da sociedade
apenas como força de trabalho e propriedade de seu senhor.

Em termos da apropriação do homem pela violência, a “escravidão


moderna” apresenta muitos pontos de contato e de semelhança com a
“escravidão antiga”. No entanto, a escravidão moderna é, em sua
essência, uma escravidão mercantil: não só o escravo constitui uma
mercadoria, é a principal mercadoria de uma vasta rede de negócios
(que vai da captura e do tráfico, ao mercado de escravos e à forma de
trabalho), a qual conta, durante muito tempo, como um dos nervos ou a
mola mestra da acumulação do capital mercantil. De outro lado, embora
o senhor comprasse o escravo, o que ele queria era a energia humana,
não como simples variedade ou equivalente da “energia animal em
geral”, porém como uma modalidade de energia que podia ser
concentrada e utilizada intensivamente, através da organização social do
trabalho escravo, como se o organismo humano fosse uma máquina. O
inconveniente de que essa máquina não só se desgastava mas também
perecia durante o processo de produção apenas intensificava o circuito

15
BASTIDE, ROGER; FERNANDES, Florestan. Relações Raciais entre brancos e negros em São Paulo:
ensaio sociológico sobre as origens, as manifestações e os efeitos do preconceito de cor no município de
São Paulo. São Paulo: Anhembi, 1955.

22
da circulação, tornando tal rede de negócios uma inexaurível mina de
ouro. 16

A passividade e anomia dos escravizados persiste no pós-abolição; para


Florestan, a população agora liberta se isola economicamente nessa nova sociedade,
supostamente democrática, mas ainda influenciada pelas relações senhoriais. Assim, a
integração do negro na sociedade de classes seria uma forma de rompimento com o
passado escravista, levando também à modernização econômica do país.

[...]percebe-se com facilidade como a degradação pela escravidão, a


anomia social, a pauperização e a integração deficiente combinam-se
entre si para engendrar um padrão de isolamento econômico e
sociocultural do negro e do mulato que é aberrante em uma sociedade
competitiva, aberta e democrática. Se as impulsões econômicas, sociais
e políticas que orientaram a formação e o desenvolvimento ulterior
imediato do regime de classes fossem mais poderosas, concentradas e
tenazes, parece provável que os mecanismos espontâneos de reação
societária seriam suficientes para compelir o “negro” aos ajustamentos
dinâmicos, requeridos pela situação histórico-social. Como essas
impulsões não se objetivaram socialmente, o destino da “população de
cor” ficou entregue às potencialidades dinâmicas de um equipamento
adaptativo e integrativo basicamente modelado para funcionar na
sociedade de castas. Ele era apropriado para promover ajustamentos que
resguardavam ao máximo a distância social existente entre o “branco” e
o “negro”, como se este ainda vivesse sob o jugo da dominação do
senhor. Por isso, operava como um fator de preservação e de
reintegração, na ordem social competitiva, do padrão de isolamento
sociocultural em que se fundava o equilíbrio de relações raciais e o
domínio da “raça branca” no regime escravocrata.17

Quanto à democracia racial, Florestan Fernandes entende que, com a abolição,


objetivando-se evitar tensões sociais, buscou-se uma “justiça social” que incorporasse
lentamente a população de cor ao trabalho livre, negando oportunidades de ascensão
social e ainda veiculando-os ao passado escravocrata. O sociólogo destaca, contudo, a
incongruência de se supor uma democracia racial em uma sociedade escravista, em que
não se pode haver igualdade entre senhores, escravos e libertos: “A ordenação das
relações sociais exigia, mesmo, a manifestação aberta, regular e irresistível do
preconceito e da discriminação raciais – ou para legitimar a ordem estabelecida; ou para
preservar as distâncias sociais em que ela se assentava”.18 Imposto de baixo para cima, o

16
FERNANDES, Florestan . Circuito fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. São Paulo :
Globo, 2010. p. 33
17
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Volume I - O legado da raça
branca. São Paulo. Dominus Editora. 1965. p. 193
18
ibid, p. 197.

23
mito da democracia racial passou a caracterizar a “ideologia racial brasileira” e difundir
generalizações sobre a questão da raça no Brasil.
Em 1966 Emilia Viotti publica o livro Da Colônia à Senzala, obra fruto de sua
tese de livre docência. Nele a historiadora busca compreender as transformações que
levaram à decadência do sistema escravista nas zonas cafeeiras em São Paulo, Minas
Gerais e Rio de Janeiro, tendo como método de análise o materialismo dialético. Para
Emilia Viotti, o fim da escravidão se insere em uma série de transformações do sistema
colonial, movidas pelas modificações do capitalismo, principalmente com a Revolução
Industrial, impossibilitando a manutenção da escravidão. Também se opondo a Gilberto
Freyre, Viotti considera que o racismo e o preconceito racial eram parte fundamental da
sociedade colonial, formando um sistema disciplinar baseado na violência e estruturas de
poder hierárquicas. A escravidão, vista como um sistema que constantemente gerava a
violência, tanto do escravo, quanto por parte do senhor, não poderia ser considerada
benevolente.

Não faltaram senhores benevolentes e dedicados que tratavam seus


escravos com humanidade, nem escravos que revelaram sua devoção, às
vezes de forma patética, mas a instituição escravista propiciava os
excessos, os crimes, a espoliação de um grupo pelo outro. A idealização
da escravidão, a ideia romântica da suavidade da escravidão no Brasil, o
retrato do escravo fiel e do senhor benevolente e amigo do escravo que
acabaram por prevalecer na literatura e na história foram alguns dos
mitos forjados pela sociedade escravista na defesa do sistema de que
não julgava possível prescindir.19

Como a sociedade brasileira fora moldada pela distinção racial entre brancos e
negros, entre dominantes e dominados, com a abolição esse sistema de valores e
costumes não desaparece e a população liberta continua dependente.
Octávio Ianni também tece críticas à obra de Freyre: para o sociólogo, um dos
problemas no estudo de Gilberto Freyre é seu a-historicismo, sua ausência de perspectiva
histórica. Freyre propõe uma história, uma série de acontecimentos, mas não
contextualiza os embates e tensões sociais que a permeiam: “explica os acontecimentos
sem preservar e incorporar interpretativamente os movimentos, desigualdades,
desequilíbrios, tensões ou antagonismos que expressam o andamento histórico”20. Para
Ianni, Freyre omite em suas obras a dialética das relações externas e internas ao se tratar

19
COSTA, Emília Viotti da Costa. Da senzala à colônia. São Paulo, Fundação Editora da Unesp, 1998, p.
335
20
IANNI, Octávio. Escravidão e história. Debate & crítica, São Paulo, p.131-144, 1975 . p. 140

24
da formação do escravismo no Brasil, pontuando apenas uma concepção social e cultural
e não tratando das relações econômicas capitalistas mercantis em que o Brasil se inseriu.
Deste modo, assim como outros integrantes da Escola Paulista, Ianni defende a
necessidade da análise do tema entendendo a existência uma dependência entre a
formação social do escravismo e as relações econômicas do capitalismo mundial.

1.3. Historiografia anos 1980

A partir da década de 1980, com o aumento do número de cursos de


pós-graduação no Brasil, com o florescimento de movimentos historiográficos e sociais a
nível mundial, como os estudos feministas, e com a influência da historiografia francesa,
diversos historiadores contestam os paradigmas teóricos da década de 1960, destacando a
necessidade de se buscar outras perspectivas e reavaliar fontes de análise. Um marco
exemplar desta corrente foi a Coleção História da Vida Privada no Brasil, publicada
durante a década de 1990. Seus organizadores se espelharam na proposta francesa,
coordenada por Philippe Àries e Georges Duby, contemplando em seus artigos as
propostas da Nova História, e relacionando aspectos do cotidiano e da privacidade dos
colonos com uma estrutura de organização da colônia maior e mais ampla. Além disso,
com o Centenário da Abolição, no final da década de 1980, tem início uma série de
trabalhos que inauguram novas abordagens sobre o estudo da escravidão, agora não mais
sob o prisma do marxismo.
Se antes, o escravo era reduzido à condição de mercadoria/coisa, um sujeito
passivo e inerte, a partir da década de 1980, pesquisadores buscaram entender as relações
sociais sob a ótica do subalterno, valorizando suas experiências e evidenciando o papel
dos escravos como sujeitos ativos. Maria Helena Machado aponta como os trabalhos
recentes sobre história social superam modelos fixos e repensam a participação escrava.

Assim, à historiografia brasileira, neste momento, se descortina um


novo universo analítico no qual temas como a organização do trabalho e
da vida escrava, a problemática da constituição e quebra da família
entre cativos, a gestação de uma cultura escrava, a questão do liberto no
mundo escravista e o destino da mão de obra liberta no período
pós-abolição surgem como desafios a exigir o aprofundamento das
análises recentemente iniciadas 21

21
MACHADO, Maria Helena P. T. Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a história
social da escravidão. Revista Brasileira de História, v. 8, n. 16, p. 143-160, 1988. p. 145

25
O debate sobre o caráter violento da escravidão retorna à historiografia. A partir
da década de 1980, historiadores consideram que havia espaços de negociação dentro do
sistema escravocrata, entre senhores e escravos. Um sujeito escravizado teria a
possibilidade de utilizar estratégias para sobreviver e garantir um cativeiro mais brando.
Assim, se reforça a ideia de que os cativos tinham um papel social e possibilidade de
planejar seu destino, ainda que não fosse regra geral do sistema. Os trabalhos de Sidney
Chalhoub e Silvia Hunold Lara representam claramente esta visão, negando a ideia do
“escravo coisa”. Chalhoub expõe sua posição sobre a violência, se contrapondo às teorias
da historiografia marxista.

Para Gorender, “o primeiro ato humano do escravo é o crime, desde o


atentado contra seu senhor à fuga do cativeiro”. Os negros, portanto,
oscilavam entre a passividade e a rebeldia, sendo que os atos de
inconformismo eram a única forma de os escravos negarem sua
coisificação social e afirmarem sua dignidade humana. O raciocínio
apresenta, sem dúvida, certo charme poético, e teve o mérito de inspirar
estudos sérios sobre a rebeldia negra em décadas de sufoco e repressão
política. Da mesma maneira, a ênfase de F. H. Cardoso na suposta
“reificação” dos escravos é parte de um esforço acadêmico bem
conhecido e louvável no sentido de denunciar e desmontar o mito da
democracia racial no Brasil. O fato, todavia, é que fora do contexto
específico de denúncia política que estava na origem de Capitalismo e
escravidão, e levando-se em consideração os problemas apontados
quanto à forma de utilização das fontes no livro, não subsiste qualquer
motivo para que os historiadores continuem a conduzir seus debates a
respeito da escravidão tendo como balizamento essencial a teoria do
escravo-coisa
A violência da escravidão não transformava os negros em seres
“incapazes de ação autonômica”, nem em passivos receptores de
valores senhoriais, e nem tampouco em rebeldes valorosos e
indomáveis.22

Chalhoub reitera seu ponto de vista, na conclusão de seu livro, alegando que
diferente da teoria do “escravo-coisa” proposta por Fernando H. Cardoso e Gorender, os
escravos se afirmavam enquanto humanos a partir de sua ação de revolta e resistência:

Procurei demonstrar também que a outra face da teoria do escravo-coisa


é a ênfase na rebeldia negra. Apesar das diferenças de formulação, a
idéia sempre presente aqui é a de que as práticas mais abertas de
resistência por parte dos negros eram a única maneira de eles se
afirmarem como pessoas humanas, como sujeitos de sua própria
história.23

22
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 42.
23
CHALHOUB, Sidney. op. cit. 1990. p. 250

26
Silvia H. Lara salienta que a ênfase na análise macroeconômica e no caráter
violento da escravidão proposta pelos marxistas uspianos, reverberava uma “óptica
senhorial” e excludente, ainda que não fosse a intenção.24 A autora declara na introdução
de seu primeiro livro, que seu trabalho não se deterá em interceder pelo caráter
benevolente ou cruel da escravidão. Caberá sim compreender “o modo como senhores e
escravos viviam e percebiam sua prática”, como vivenciavam suas experiências,
resistências, práticas de liberdades e acomodação.25
Jacob Gorender é o principal crítico destas novas perspectivas sobre a história da
escravidão, apontando que seria uma aproximação do patriarcalismo de Gilberto Freyre, e
uma tentativa de se justificar o passado escravista26, contudo seus ataques não obtiveram
tanto êxito. No fim de 1990, Sidney Chalhoub publica na Folha de S. Paulo uma resenha
sobre o livro de Gorender, A escravidão reabilitada, dando início a uma discussão
acalorada nas páginas do periódico, juntamente com Gorender e Silvia H. Lara.
Esta nova tendência historiográfica se caracteriza agora por estudar fenômenos
históricos sob outras perspectivas, como as relações de gênero, demografia, laços de
família, questões religiosas, mentalidades, processos de alforria e busca por liberdade, os
embates, resistências e acomodações dentro das relações escravistas, etc. Diversos
trabalhos apontam para a existência de meios de negociação e relações de embate para a
obtenção de alforrias e de liberdade, seja pelo quilombismo, pelas fugas, por processos
institucionais, ou adesão aos movimentos abolicionistas.
Métodos e técnicas de pesquisa sobre demografia histórica também foram
utilizados para se analisar a escravidão brasileira. Tais avanços permitiram que se
descobrissem melhores indicações sobre a expectativa de vida, taxas de fecundidade,
mortalidade, faixas etárias e relações econômicas de tráfico e comércio. Fruto destas
iniciativas demográficas, desenvolveram-se também estudos sobre as características da
família escrava, que antes era desconsiderada pelos marxistas. Stuart Schwartz defende
que as relações de convivência complexas – compadrio, casamentos, concubinatos, etc –
em que se insere o conceito de família, devem ser analisadas a partir de seu próprio
tempo e de sua regionalidade, visto que não há uma explicação homogênea e nacional.

24
LARA, Silvia Hunold. Conectando Historiografias: a escravidão africana e o antigo regime na América
portuguesa. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia A. (Org.). Modos de governar: ideias e
práticas políticas no Império Português (séculos XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2005. p. 25.
25
LARA, Sílvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na Ca­pitania do Rio de Janeiro,
1750-1808. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1988. p. 21
26
Cf. GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Editora Ática, 1990.

27
“É possível reconciliar a perspectiva nova e mais matizada da família
escrava brasileira com as condições demográficas gerais e negativas da
escravidão brasileira devido às variações regionais e temporais. Em
certas áreas e em certas condições, prevaleciam estruturas familiares
mais estáveis e regimes demográficos mais saudáveis entre os escravos
brasileiros. Os estudos recentes estão procurando definir onde, quando e
por que tais condições prevaleciam. Apesar das diferenças, quase todos
os estudos deixam claro que o panorama tradicional da família escrava
relativamente a uma patologia social precisa de revisão rigorosa em que
a ausência de uniões formais sancionadas pela igreja e, portanto, o alto
índice de ilegitimidade entre os escravos não serve como prova da
ausência de vida familiar.27

Conectando discussões sobre cultura, religião e movimentos de resistência


escrava, em 1986, João José Reis, em Rebelião escrava no Brasil, investiga os episódios
que culminaram na Revolta dos Malês, inserindo-a em um conjunto recorrente de
revoltas e rebeliões de escravos da Bahia, e não apenas como mais um exemplo de uma
revolta regencial. Ele também analisa as heranças étnicas e religiosas que eram
compartilhadas pelos cativos baianos, formando assim uma identidade entre os revoltosos
relativamente comum, os objetivos dos revoltosos e sua conexão com a religião e com a
cultura africana.28
Os instrumentos para a obtenção de liberdade passam a ser estudados, não apenas
com as revoltas escravas e com os quilombos, mas também com os processos jurídicos
instaurados por sujeitos escravizados e com os relatórios policiais de crimes cometidos e
sofridos pelos cativos29. Os estudos sobre processos criminais pela historiografia
evidenciaram ainda mais a participação dos escravos como sujeitos históricos e agentes
ativos em seu cotidiano. A institucionalização de casos particulares, a ação criminosa e
violenta, e o combate e a resistência ao domínio de seus senhores eram meio de se
garantir a sobrevivência no cativeiro.

1.4. Estudos sobre família escrava

Os estudos em história social sobre as condições familiares e os laços afetivos


entre escravos no Brasil foi influenciado pela repercussão de estudos norte-americanos

27
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: Edusc, 2001. p. 34
28
REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil. A história do levante dos Malês (1835).
29
Cf. LARA, Silva Hunold. Campos da Violência. Escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro,
1750-1808. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1988; MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. Crime e
Escravidão. Trabalho, luta e resistência nas lavouras paulistas 1830-1888. São Paulo, Brasiliense.
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente, Escravidão urbana do Rio de Janeiro. São Paulo. Vozes,
1998; FERREIRA, Ricardo Alexandre. Crimes em comum: escravidão e liberdade sob a pena do Estado
imperial brasileiro (1830-1888) . São Paulo: Editora Unesp, 2011.

28
sobre as relações escravistas no sul dos Estados Unidos e no Caribe30. Revisitando fontes,
estes trabalhos representaram uma virada historiográfica, passando a compreender o
escravo como sujeito ativo e agente de transformação de sua realidade histórica.
Recuperando aspectos do cotidiano e da experiência dos escravos de forma ampla
passou-se a discutir os campos de resistência, acomodação e autonomia destes sujeitos
oprimidos no sistema escravista. Mesmo que inseridos em um sistema que a
desagregação familiar é uma possibilidade, a constituição de núcleos familiares e
relações afetivas e de parentesco foram fundamentais para a construção da autonomia.
A inexistência ou o silenciamento sobre a família cativa que se notava nos
trabalhos já citados de Nina Rodrigues, Gilberto Freyre e na historiografia marxista era
justificado por diversas questões. Questões raciais também entram em pauta, o discurso
racista impôs a ideia de inferioridade do negro, ou até a “anomia” e “a promiscuidade”
dos escravos.
A dificuldade em se formar núcleos familiares poderia ser explicada pela escassez
de mulheres e a maior quantidade de escravizados homens traficados, visto que nas
lavouras a demanda e o interesse senhorial em mão de obra masculina é superior. Como
também, alguns historiadores defendem a falta de interesse das classes senhoriais em
incentivar a concepção de crianças entre seus escravos, pois o gasto com a criação da
criança e os possíveis inconvenientes desta relação seria superior à compra de cativos
traficados. Robert Conrad31 descreve a situação demográfica sobre escravos até a
proibição do tráfico da seguinte maneira:
Com o tráfico já quase terminado em 1852, a pressão britânica foi
aliviada. Todavia, um golpe decisivo fora desfechado na escravatura
brasileira, já que a população de escravos dessa nação, segundo as
palavras do historiador norte-americano Philip D. Curtin,era "uma
população de escravos diminuindo naturalmente", dependendo do
tráfico africano para sua existência permanente. Uma variedade de
condições e políticas contribuíram para um excesso de mortes sobre os
nascimentos entre os escravos do Brasil e sua consequente incapacidade
para manterem seus números através da reprodução natural. Essas
condições incluíam uma proporção baixa de mulheres em relação para
os homens, escassez de casamentos e de vida familiar (ver Tabela 18,
para estatísticas de casamentos entre os escravos), a desatenção habitual
para com a prole dos escravos, o uso freqüente de severo castigo físico,
trabalho esgotante tanto para mulheres quanto para homens, roupas
inadequadas, alimentação e habitação deficientes e pouco higiênicas,

30
Sobre o tema, se destacam as obras de Eugene Genovese, Roll Jordan Rol1. The World the Slaves Made,
New York, Vintage Books, 1976 e o trabalho de Herbert Gutman, The Black Family in Slavery and
Freedom 1750-1925, New York, Pantheon Books, 1976.
31
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira. 2º ed. 1978.

29
jun tamente com cuidados médicos-pouco eficientes, epidemias e (para
os africanos importados recentemente) um novo ambiente pouco
saudável. (CONRAD, R. 1978,p. 34-35)

Contudo, o modelo de explicação baseado no tráfico atlântico só faz sentido no


período anterior a 1850, visto que com a proibição do tráfico, houve o interesse dos
senhores de escravos em prolongar a vida de seus escravos e incentivar a reprodução.

À medida que o problema do trabalho se ia intensificando, os brasileiros


começaram considerando várias soluções, incluindo a "reprodução"
sistemática dos escravos. Enquanto os fazendeiros haviam tido
assegurado um fornecimento regular de africanos, pouco interesse
houvera na reprodução natural. Cerca de dois terços ou mesmo mais dos
escravos transportados para o Brasil eram homens e, assim, estes
continuaram excedendo em muito o número de mulheres nas províncias
do café, no sul e no norte, particularmente nos municípios que mais café
produziam, até o final da escravatura. Depois de 1850, contudo, os
brasileiros olharam esperançosamente para a bem sucedida
"reprodução" de escravos nos Estados Unidos e pensaram que o Brasil
poderia seguir seu exemplo. (CONRAD, R. 1978,p. 42-44)

A partir da análise de inventários post-mortem redigidos no Rio de Janeiro entre


1790 a 1830 Manolo Florentino e José Roberto Góes (2017) argumentam que este
modelo puramente econômico não é capaz de explicar o funcionamento integral da
instituição escravista. “As estratégias senhoriais deveriam ser, antes de mais nada,
32
políticas” , pensar as relações entre senhores e escravos a partir de uma perspectiva
empresarial não condiz com a realidade e a racionalidade do período. A base do sistema
escravista consiste no domínio e posse privada de senhores sobre seus escravos. O
escravo, diferente do trabalhador, não tem posse sequer de si mesmo, portanto não o
“vende”, o seu senhor lhe obriga a trabalhar. Portanto, estratégias políticas deveriam ser
utilizadas pelos senhores para a manutenção de suas propriedades. Os autores apontam
que uma grande parcela da historiografia reforçou a se pensar o cativeiro e as relações
entre classes como um constante conflito, cujas relações entre senhores e cativos fosse
marcada exclusivamente pela oposição.
Os autores refletem e tecem suas teses sobre a organização da sociedade
escravista brasileira tendo como auxílio inicialmente o estudo etnográfico de Marshall
33
Sahlins e fazendo uma analogia com a experiência escrava. De acordo com Sahlins,
diferente das sociedades civilizadas, nas sociedade tribais o Estado, como instituição

32
FLORENTINO, Manolo. GÓES, José Roberto. A paz nas senzalas: Famílias escravas e tráfico atlântico,
Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1850. São Paulo: Editora Unesp, 2017.
33
Cf. Sahlins, M. Sociedades Tribais.

30
capaz de manter a paz, não existia. Assim, os integrantes deste grupo social se viam em
estado social de guerra já que todos teriam o direito de usar a força e guerrear. Mas,
apesar de ser sempre uma possibilidade, ela não se efetivava, havia uma prerrogativa de
se buscar manter a paz e lutar contra a guerra. As trocas materiais, os laços de parentesco
e rituais eram instrumentos capazes de manter relações recíprocas e laços de pacificidade.
(FLORENTINO, M; GOÉS, J. R; 2017, p. 27)
Os plantéis se caracterizavam como lugares propícios para conflitos e embates
entre escravos, devido a constante chegada de “estrangeiros” vindo do tráfico as relações
entre escravos nem sempre eram amigáveis. Manolo Florentino e José Roberto Goés
apontam que nos documentos reunidos para a escrita do livro perceberam a existência de
uma preferência dos escravos em uniões matrimoniais endogâmicas por naturalidade.

A seletividade na escolha dos parceiros significava uma opção


preferencial por iguais, isto é, exprimia um duplo e simultâneo
movimento de constituição e de recusa do outro. Sob a reiteração desse
arranjo matrimonial é possível perceber a produção recorrente do
dessemelhante, do estrangeiro. O status comum de escravos não era
suficiente para aparar as arestas entre uns e outros. Ao contrário, é
provável até que o cativeiro muito contribuisse para exasperar as
diferenças que os constituíam, em mais de um sentido. Por que não? A
escravidão, afinal, não devia ser um meio muito propício ao acalanto de
sentimentos mais tolerantes. (FLORENTINO, M; GÓES, J. R; 2017, p.
30)

A busca pela paz e a cooperação entre escravos seria fundamental para sua
própria sobrevivência no sistema. O sistema escravista reproduzia constantemente o
elemento estrangeiro, o “diferente”, que ao mesmo tempo, passa a constituir o grupo de
escravos, o “igual”. Dessa forma, para os autores, os escravos buscavam criar elementos
de parentesco enquanto o tráfico e a necessidade de mão de obra insere o elemento
estrangeiro. “Espécie de meta-nós, era o parentesco escravo a possibilidade e o cimento
da comunidade cativa. Era o amálgama imprescindível a senhores e escravos, por
intermédio do qual se tecia a paz das senzalas.”(FLORENTINO, M; GÓES, J. R; 2017, p.
31)
O primeiro capítulo de Na senzala, uma flor34 se inicia com a descrição de um
requerimento feito por Luiz Gama, ao Presidente da Província, em junho de 1872. Nele o
rábula escreve defendendo o escravo Serafim, pais de dois filhos e casado com Romana,
também escrava. Seu senhor lhe ameaçava de morte para ter sua esposa (Romana) como

34
SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava,
Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999

31
manceba e prostitui-la. (SLENES, R. W. 1999, p.35) Para Slenes, o requerimento oferece
algo novo, que não era presente na historiografia sobre a família escrava, a união estável
e relativamente duradoura entre Serafim e Romana, visto que tinham dois filhos, e sua
capacidade de se opor e resistir à violência de seu senhor para defender sua família.

Este livro procura resgatar a capacidade dos Serafins e Romanas de


construírem famílias conjugais, extensas e intergeracionais, e de agirem
em concerto com seus companheiros para definir projetos em comum.
Analisa as razões práticas e simbólicas que os levaram a valorizar os
laços de parentesco, consanguíneos e afins. Isto é, procura descobrir a
"flor" na senzala — as "esperanças" e as "recordações" forjadas pelos
escravos a partir de sua experiência e de sua herança cultural — que o
viajante oitocentista Charles Ribeyrolles, citado na epígrafe deste
estudo, se recusou a ver. Finalmente, tenta pesar na balança os diversos
significados da família cativa, que, ao promover a autonomia e a
dependência do escravo, era a um só tempo abalo e arrimo para o
escravismo.(SLENES, R. W. 1999, p.36)

Robert W. Slenes em Na senzala, uma flor afirma discordar da tese de Paz nas
Senzalas, para ele, considerar a família escrava como fator estrutural para manutenção e
reprodução do escravismo seria inverter o raciocínio defendido pela Escola Paulista de
Sociologia. Para o autor, formar e manter vínculos familiares era uma forma de luta por
autonomia entre os escravos, as relações de familiaridade não enfraqueceram as
resistências, mas sim as fortaleciam, e para os senhores, tais relações lhes permitiam um
maior controle sobre seus cativos “os senhores médios e grandes de Campinas não só
olhavam com favor, mas incentivavam o casamento religioso de seus escravos”
(SLENES, R. 1999, p. 93). Portanto, a partir de Slenes, a família escrava não se
caracterizava como elemento pacificador, como defendem Florentino e Góes.
Por meio das recordações, práticas e tradições de origem africana os escravos
formavam identidades próprias e vínculos de solidariedade no ambiente violento e
patriarcal que se encontravam. Assim, sutilmente no âmbito familiar se engendraram
formas de resistência que iam além do aquilombamento e das fugas. Portanto, Slenes
discorda plenamente das ideias produzidas por uma historiografia que negava a
autonomia do escravo, e que enxergava uma dominação e manipulação do senhor sobre
seu escravo, o cativo exercia sem dúvidas, um papel histórico. Porém, não nega o caráter
violento da escravidão e não defende a brandura da escravidão.

32
Capítulo 2
2.1 – Escravidão e abolição retratada nos livros didáticos

Materiais didáticos, como apostilas, livros didáticos, cadernos, dicionários, etc.


são produzidos intencionalmente pela indústria cultural para fins educacionais e
funcionam como mediadores para a aquisição de conhecimentos e facilitadores do
processo educativo. Dentre esses materiais, os livros didáticos se mantém como o
principal instrumento pedagógico em sala de aula. Muito usado no ambiente escolar, o
livro didático também é alvo de críticas e de vigilância e regulamentação por meio de
instituições e órgãos públicos. Cabe, portanto, reafirmar com Bittencourt,35 que não é
possível existir um “livro didático ideal”, que não tenha problemas e deficiências, e que
resolva todos problemas do conhecimento em sala.

A definição do conceito de livro didático, para Circe Bittencourt, não é


uma tarefa tão simples, já que esse objeto é definido culturalmente, possui diversas
dimensões e é influenciado por diversos sujeitos.

A familiaridade com o uso do livro didático faz que seja fácil


identificá-lo e estabelecer distinções entre ele e os demais livros.
Entretanto, trata-se de objeto cultural de difícil definição, por ser obra
bastante complexa, que se caracteriza pela interferência de vários
sujeitos em sua produção, circulação e consumo. Possui ou pode
assumir funções diferentes, dependendo das condições, do lugar e do
momento em que é produzido e utilizado nas diferentes situações
escolares. É um objeto de “múltiplas facetas”, e para sua elaboração e
uso existem muitas interferências.36

Instituído pelo governo federal em 1985 e tendo entrado em vigor em 198637, o


Programa Nacional do Livro Didático tem como objetivo principal avaliar e distribuir
livros didáticos e literários para a rede pública de ensino de forma gratuita e universal.
Desde seu nascimento até os dias atuais, o programa passou por transformações e
mudanças, como por exemplo a inserção de materiais pedagógicos de multimídias, como
jogos e cd-s. A publicação de chamamento mais recente foi o Edital 001/2018, para a

35
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. 4º ed. São Paulo.
Cortez, 2011. p. 300
36
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. op cit, p. 301.
37
Decreto nº 91.542, de 19 de Agosto de 1985 - Publicação Original. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-91542-19-agosto-1985-441959-publicacao
original-1-pe.html . Acesso em 11/01/2022.

33
aquisição pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) de 2020,38
que selecionou obras didáticas e literárias destinadas ao uso de estudantes e professores
dos anos finais do ensino fundamental, tendo elas um ciclo de quatro anos de utilização
escolar. De acordo com esse edital, para serem aceitas, as coleções inscritas precisavam
respeitar e cumprir diversos critérios avaliativos regulamentados pelo MEC, tanto no que
refere à sua qualidade editorial e textual, quanto à sua abordagem teórico-metodológica,
o respeito às legislação e diretrizes educacionais, cidadania e ética, etc.

Como um todo, o objetivo principal da avaliação era garantir que as obras


didáticas e literárias estivessem em consonância com as competências e habilidades da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC): “A avaliação objetiva sobretudo garantir que
os materiais contribuam para o desenvolvimento das competências e habilidades
envolvidas no processo de aprendizagem nos anos finais do ensino fundamental,
conforme definidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)” (BRASIL, 2018. p.
37) Dentre os diversos documentos legais elencados como critérios eliminatórios, no
item 2.1.1 do anexo III “CRITÉRIOS PARA A AVALIAÇÃO DE OBRAS
DIDÁTICAS” (BRASIL, 2018. p. 35), nos cabe aqui reforçar a obrigatoriedade do
respeito à Constituição Federal de 1988; à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDB (Lei 9.394/1996); ao Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei
8.069/1990); ao Plano Nacional de Educação PNE - 2014-2024 (Lei 13.005/2014); e às
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Parecer CNE/CP nº 3/2004 e
Resolução CNE/CP nº 01/2004).

No item seguinte são listados alguns conceitos éticos básicos para convivência e
cidadania que as obras didáticas e literárias também precisam seguir, para, esta pesquisa,
destacaremos, em particular, os itens “a”, “c”, “e” e “f”.

2.1.2 Observância aos princípios éticos necessários à construção da


cidadania e ao convívio social republicano
A obra deve:
a. Estar livre de estereótipos ou preconceitos de condição
socioeconômica, regional, étnicoracial, de gênero, de orientação sexual,
de idade, de linguagem, religioso, de condição de deficiência, assim

38
BRASIL. Ministério da Educação. Edital consolidado PNLD 2020 -20/11/2020. EDITAL DE
CONVOCAÇÃO 01/2018 – CGPLI - EDITAL DE CONVOCAÇÃO PARA O PROCESSO DE
INSCRIÇÃO E AVALIAÇÃO DE OBRAS DIDÁTICAS E LITERÁRIAS PARA O PROGRAMA
NACIONAL DO LIVRO E DO MATERIAL DIDÁTICO PNLD 2020. Brasília. MEC: Secretaria de
Educação Básica. 2018

34
como de qualquer outra forma de discriminação, violência ou violação
de direitos humanos.
b. Estar livre de doutrinação religiosa, política ou ideológica,
respeitando o caráter laico e autônomo do ensino público.
c. Promover positivamente a imagem de afrodescendentes,
considerando sua participação em diferentes trabalhos, profissões e
espaços de poder, valorizando sua visibilidade e protagonismo social;
d. Promover positivamente a imagem da mulher, considerando sua
participação em diferentes trabalhos, profissões e espaços de poder,
valorizando sua visibilidade e protagonismo social, com especial
atenção para o compromisso educacional com a agenda da
não-violência contra a mulher;
e. Promover positivamente a cultura e a história afro-brasileira,
quilombola, dos povos indígenas e dos povos do campo, valorizando
seus valores, tradições, organizações, conhecimentos, formas de
participação social e saberes;
f. Representar a diversidade cultural, social, histórica e econômica do
país;
g. Representar as diferenças políticas, econômicas, sociais e culturais de
povos e países;
h. Promover condutas voltadas para a sustentabilidade do planeta, para
a cidadania e o respeito às diferenças.
i. Estar isenta de publicidade, de marcas, produtos ou serviços
comerciais, exceto quando enquadrar-se nos casos referidos no Parecer
CEB nº 15 de 04/07/2000; (BRASIL, 2018, p. 39)

As obras didáticas aceitas foram apresentadas e resenhadas no Guia do Livro


Didático, oferecido às unidades escolares para suporte na escolha das obras que melhor
se adequassem ao projeto pedagógico da escola. No componente curricular de História,
das treze coleções avaliadas, onze delas, voltadas para os anos finais do Ensino
Fundamental, foram aprovadas. No Guia são disponibilizados, além das resenhas de cada
coleção, os critérios de escolha, a descrição física das obras e análises metodológicas.
Neste trabalho, foi feita a escolha de se limitar à análise dos livros didáticos de
História do 7º e 8º ano do ensino fundamental, e não a uma coleção completa. Além dos
critérios apontados pelos editais e pelo Guia, busco discutir como a escravidão, a família
escrava e a abolição são retratadas naqueles livros, bem como compreender a utilização
de fontes históricas diversas, em específico a imprensa oitocentista. Procuro, desse modo,
compreender se há realmente uma diversidade de fontes e documentos históricos, e se o
que é disponibilizado em sala para os estudantes dialoga com discussões historiográficas
do âmbito acadêmico. Contudo, não é minha intenção julgar o que se encontra nos livros
didáticos à luz do que é discutido na academia, como se tratasse de apontar um atraso ou
uma deficiência. As disciplinas escolares e os conhecimentos acadêmicos se relacionam
para além de uma suposta “transposição didática”, como defendem alguns educadores.

35
As disciplinas escolares, e aqui incluo a disciplina de história, não se desenvolvem
hierarquicamente de modo subalterno aos “saberes eruditos” da academia. Seus
conteúdos e currículos se transformam historicamente, e em consonância com o papel
social da escola.

A seleção dos conteúdos escolares, por conseguinte, depende


essencialmente de finalidades específicas e assim não decorre apenas
dos objetivos das ciências referência, mas de um complexo sistema de
valores e de interesses próprios da escola e do papel por ela
desempenhado na sociedade letrada e moderna. 39

2.1.1. Araribá Mais História

A coleção “Araribá Mais História” teve sua primeira e única edição publicada em
2018, e é uma obra coletiva, ou seja, foi elaborada por diversos autores, sob supervisão
da Editora Moderna.40 O Manual do Professor se divide entre orientações gerais e
orientações específicas. As orientações gerais têm o mesmo conteúdo para toda a
coleção: apresentam a proposta teórico-metodológica em que se baseiam, desenvolvem
também textos orientadores para a formação e o ensino de história e expõem as diretrizes
para o componente curricular de História da Base Nacional Comum Curricular - BNCC.
Seguindo as orientações da BNCC, a coleção se desenvolve a partir de uma
perspectiva de História cronológica e integrada, que se justifica “pela necessidade de
utilizar um sistema de datação que permita localizar acontecimentos no tempo, identificar
sua duração e relacioná-los segundo critérios de anterioridade, simultaneidade e
posterioridade” (EDITORA MODERNA, p. XVII). Os autores também afirmam no
manual o empenho da obra em abordar narrativas do passado que tratem de questões
como a cultura material, relações sociais, disputas políticas, além de também afirmarem
que convidam o estudante a pensar historicamente e exercer um aprendizado crítico, e
encorajar o professor a problematizar as narrativas históricas (EDITORA MODERNA,
2018, p. XVIII.).
Em todos os volumes, o manual do aluno se divide em oito unidades, e
cada unidade reúne de dois a quatro capítulos. Seguindo as diretrizes da BNCC, o
volume do 7º ano apresenta a história do Brasil de forma cronológica, iniciando-se com a
expansão marítima, seguida do processo de colonização portuguesa até os últimos anos

39
BITTENCOURT, C. op cit, 2011. p. 39.
40
EDITORA MODERNA, obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna;
editora responsável Ana Claudia Fernandes. Araribá Mais: História 7º ano – Manual do professor. 1. ed. –
São Paulo: Moderna, 2018

36
do Brasil como colônia portuguesa. E a temática retorna no 8º ano a partir da crise do
sistema colonial, passando pela independência, o Primeiro e o Segundo Reinado, até
finalizar com um capítulo sobre o fim da escravidão.

Araribá Mais - História - 7º ano Araribá Mais - História - 8º ano

Unidade I – Reinos e Povos da África Unidade I – Revoluções na Inglaterra

Capítulo 1 - Os reinos do Sahel Capítulo 1 - As Revoluções Políticas

Capítulo 2 - Povos iorubás e bantos Capítulo 2 - A Revolução Industrial e as mudanças


na sociedade

Capítulo 3 - Os impactos da Revolução Industrial

Unidade II – A Europa Moderna em formação Unidade II – O Iluminismo, a Independência dos


Estados Unidos e a Revolução Francesa
Capítulo 3 - O Renascimento
Capítulo 4 - O Iluminismo e a independência dos
Capítulo 4 - A Reforma protestante e a Estados Unidos
Contrarreforma
Capítulo 5 - A Revolução Francesa
Capítulo 5 - O Estado absolutista e o
mercantilismo

Unidade III – América: terra de muitos povos Unidade III – A Era de Napoleão e as Independências
na América
Capítulo 6 – Os Astecas
Capítulo 6 - O império Napoleônico e a Revolução
Capítulo 7 – Os Incas de São Domingo

Capítulo 7 - Independências na América espanhola

Unidade IV – A Expansão Marítima europeia, a Unidade IV – A Independência do Brasil e o Primeiro


conquista e a resistência na América Reinado
Capítulo 8 – Grandes Navegações Capítulo 8 –A crise do sistema colonial no Brasil

Capítulo 9 – Espanhóis na América Capítulo 9 – Brasil independente

Capítulo 10 – Portugueses na América Capítulo 10 – O Primeiro Reinado

Unidade V – A colonização na América Unidade V – Revoluções e novas teorias políticas do


século XIX
Capítulo 11 – A colonização inglesa na América
Capítulo 11 - Revoluções e unificações na Europa
Capítulo 12 – A colonização espanhola na América
Capítulo 12 - A Europa industrial e os
Capítulo 13 – A colonização portuguesa na trabalhadores
América

37
Unidade VI – A Economia açucareira Unidade VI – A era do imperialismo
Capítulo 14 – O principal negócio da colônia
Capítulo 13 - A Segunda Revolução Industrial
Capítulo 15 – Os holandeses no Nordeste
Capítulo 14 - O capital financeiro e a expansão
imperialista na África, na Índia e na China

Unidade VII – A expansão da América portuguesa Unidade VII – Brasil: da Regência ao Segundo
Reinado
Capítulo 16 – Os jesuítas na América portuguesa
Capítulo 15 – O período regencial (1831-1840)
Capítulo 17 – A expansão para o interior
Capítulo 16 – O Segundo Reinado
Capítulo 18 – A crise no império e as rebeliões na
colônia Capítulo 17 – O fim da escravidão no Brasil

Unidade VIII – A mineração no Brasil Colonial Unidade VIII – A expansão dos Estados Unidos no
século XIX
Capítulo 19 – A exploração de ouro e diamante
Capítulo 18 - A expansão para o Oeste e a Guerra
Capítulo 20 – A sociedade mineradora de Secessão

Capítulo 19 - Crescimento econômico e


Capítulo 21 – Novas configurações na colônia imperialismo

Quadro 1 - Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da Coleção Araribá Mais História

No livro do 7º ano, a figura do negro escravizado aparece no capítulo 13, que


reflete sobre a colonização portuguesa na América e o início do tráfico de escravizados.
Porém, questões que dizem respeito ao cotidiano dos escravizados só são brevemente
apresentadas no capítulo seguinte. Os autores apresentam as experiências dos grupos
sociais presentes nos engenhos e, ao tratarem do sujeito escravo, reforçam a ideia de uma
vida de violência para a maioria, que era percebida pelos trabalhos insalubres, os castigos
físicos e a desagregação familiar.41 (ANEXO 1) Na versão do livro para os estudantes,
os autores não relatam a existência de famílias escravas e afirmam que o cuidado para
não se ter descendentes era também uma forma de resistência. Porém, como texto
complementar para o professor, se encontra uma breve sugestão de que a família seria
uma forma de criação de laços de sociabilidade entre escravizados e libertos. (ANEXO 2)
Na seção “Em debate” (ANEXO 3) os autores trazem a discussão historiográfica
sobre o caráter violento, ou não, da escravidão. Apresentando que os trechos que se

41
EDITORA MODERNA, obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna;
editora responsável Ana Claudia Fernandes. Araribá Mais: História 7º ano. 1. ed. – São Paulo: Moderna,
2018. p 157

38
seguem exprimem diferentes visões sobre a escravidão. Trechos dos livros Casa-Grande
& Senzala, de Gilberto Freyre, A escravidão reabilitada, de Jacob Gorender, e uma
reprodução da aquarela Um jantar brasileiro, de Jean-Baptiste Debret, são reproduzidos
para se evidenciar a existência de diferentes visões entre os historiadores. Como
orientação aos professores o livro explica as perspectivas historiográficas da seguinte
forma:

No início da década de 1930, o sociólogo pernambucano. Gilberto


Freyre estudou a sociedade colonial. O resultado de seu trabalho foi
publicado em 1933 no livro Casa-grande & senzala. Freyre concluiu
que, apesar da violência que a escravidão representou, teria havido entre
senhores e escravizados mais integração que conflito. Para sustentar sua
posição, o sociólogo utilizou alguns exemplos, como o fato de os filhos
dos senhores e escravizados brincarem juntos e a mestiçagem.
O historiador Jacob Gorender discorda do sociólogo pernambucano.
Sem negar as trocas culturais entre negros e brancos, ele afirma que
essa visão esconde o traço mais importante do escravismo no Brasil: a
exploração e a dominação. Até mesmo a mestiçagem seria, segundo o
historiador, uma evidência da violência da escravidão, já que muitas
relações entre senhores e mulheres escraviza das eram fruto das
relações de poder que eram impostas. (EDITORA MODERNA, 2018,
p. 162)

Nas perguntas desenvolvidas para os estudantes. O livro questiona que aspecto


cada um dos autores destaca para analisar a escravidão, com qual visão a pintura de
Debret mais se relaciona, e por fim, pede aos alunos que escrevam “suas ideias a respeito
da escravidão na América portuguesa” e responda com qual visão suas ideias mais se
parecem, com Gilberto Freyre ou com Jacob Gorender. Nenhuma outra possibilidade de
análise historiográfica é apresentada para alunos ou para professores. E ambas as
perspectivas já foram problematizadas por uma historiografia mais recente, que defende a
necessidade de se ultrapassar a simples dicotomia entre violento ou benevolente.
Defendendo de modo geral que a escravidão foi um sistema violento em vários aspectos,
porém evidenciando os escravizados como sujeitos históricos ativos, capazes de reagir ao
cativeiro moldando suas experiências em espaços de negociação, confronto, resistências e
acomodações
Posteriormente, no penúltimo capítulo do 4º bimestre, o cotidiano dos
escravizados retorna, desta vez no contexto da sociedade mineradora. São abordados o
aumento do tráfico depois da descoberta de metais preciosos, a condição de vida

39
desgastante dos escravizados das minas e a possibilidade de alforria dos escravizados de
ganho que viviam em pequenos centros urbanos. E, como orientação ao professor, é
discutida a prática do concubinato entre libertos e escravizados. (ANEXO 4)

Sobre as relações sociais na região das Minas, comente que a


aglomeração nas cidades, por exemplo, permitia aproximar mais as
pessoas, intensificando a convivência e as relações entre elas. A
sociedade urbana das minas, composta de muitos forasteiros,
escravizados e poucas mulheres brancas, propiciava a formação de
uniões espontâneas e livres. É interessante destacar que o concubinato
foi uma prática comum entre as camadas sociais pobres. No entanto,
como o casamento conferia status e segurança à população na sociedade
colonial, muitos preferiam se casar. Há registros, também, de
casamentos entre escravizados e entre libertos, pois o casamento
conferia dignidade às pessoas. (EDITORA MODERNA, 2018, p. 222)

Já no volume do 8º ano, o conteúdo de história se volta ao século XIX, mas ainda


com uma perspectiva eurocêntrica, com pouca atenção para as sociedades africanas,
asiáticas e periféricas. Na Unidade IV: A Independência do Brasil e o Primeiro Reinado,
pouco ou quase nada se discute sobre a escravidão e o cotidiano dos escravos; o foco
está nos acontecimentos políticos do período. Nesta unidade temos o Capítulo 8 - A crise
do sistema colonial no Brasil, o Capítulo 9 - Brasil independente e o Capítulo 10 - O
Primeiro Reinado. No oitavo capítulo os autores procuram apresentar o aprofundamento
da crise do sistema colonial português, os problemas econômicos e políticos por que
Portugal passava durante o século XVIII, e os movimentos sediciosos do período, em
Minas Gerais com a Conjuração Mineira e na Bahia com a Conjuração Baiana. O
conteúdo afirma a participação popular e o caráter opositor dos sediciosos frente às elites.

[...] o movimento baiano teve caráter popular e um forte conteúdo de


oposição à elite econômica e social. Contou com a participação de
pequenos comerciantes, soldados, artesãos, alfaiates, negros libertos,
mulatos e escravos, além de alguns homens brancos mais abastados.
O primeiro ato da conjuração ocorreu no dia 12 de agosto de 1798,
quando alguns locais públicos de Salvador amanheceram cobertos de
cartazes, chamando o povo à revolução. Vários deles atacavam a
administração portuguesa, reivindicavam melhores remunerações aos
soldados e denunciavam a corrupção das autoridades. (EDITORA
MODERNA, 2018, p. 110)

A participação popular de negros livres e escravizados na Conjuração baiana é


reforçada na página seguinte, no box Documento (ANEXO 5). Propõe-se evidenciar as

40
influências dos ideais iluministas da Revolução Francesa a partir de trechos de dez
boletins Do Povo. Contudo, mesmo expondo e transcrevendo de forma acessível os
panfletos, os autores não apresentaram informações mais básicas sobre o panfleto como o
seu nome e suas datas de publicação.
O nono capítulo se intitula “Brasil independente” e inicia-se com um subcapítulo
sobre a chegada da família real ao Brasil. Posteriormente descrevem-se em outros
subcapítulos as mudanças ocorridas na Corte, a Revolução Pernambucana de 1817 e a
volta de D. João a Portugal. Por fim, discorre-se em uma página sobre o processo que
resultou na proclamação da independência e os grupos políticos envolvidos. O Capítulo
10 - Primeiro Reinado relata os movimentos de resistência interna e os processos para a
formação de um Estado nacional, também explica o processo de elaboração da
Constituição de 1823 e os grupos sociais envolvidos, principalmente proprietários rurais.
O capítulo se encerra com um tópico sobre a abdicação de D. Pedro I. De forma
resumida, a Unidade IV reserva grande parte de seu conteúdo para o relato de processos e
disputas políticas e econômicas, e muito pouco se fala sobre o cotidiano, as camadas
populares e a sociedade dos primeiros anos dos oitocentos.
Na sétima unidade, retoma-se a história do Brasil, iniciando-se, de acordo com
uma ordem cronológica, com o período regencial, para finalizar com a abolição da
escravidão. Os temas abordados são divididos entre os capítulos 15, 16 e 17. No capítulo
15 - O período regencial (1831-1840) se apresentam ao estudante os grupos políticos do
período regencial e as principais revoltas do período, sendo elas a Sabinada (1837); a
Revolta dos Malês (1835); a Balaiada (1838-1841); a Cabanagem (1835-1840); a Rusga
Cuiabana (1834) e a Guerra dos Farrapos (1835-1845). Nos subtópicos de cada revolta
regencial os autores se preocuparam em identificar, ainda que brevemente, os grupos
sociais envolvidos e as motivações mais gerais dos movimentos. Os autores apontam que
“As rebeliões expunham também as fortes tensões sociais no interior do país, onde a
maioria da população era vítima da pobreza e da violência da escravidão.” (EDITORA
MODERNA, 2018, p. 197)
No Capítulo 16 – “O Segundo Reinado”, aborda-se o período que se inicia com a
proclamação da maioridade de D. Pedro II em 1840 e vai até o fim da década de 1870.
Neste capítulo são apresentadas as forças político-partidárias em embate, o Partido
Conservador e o Liberal, e a instituição do Poder Moderador do imperador. Além disso,
são apresentados dois conflitos do período: A Revolução Praieira (1848) e a Guerra do
Paraguai. Por fim, o capítulo traz informações sobre as atividades econômicas do

41
Segundo Reinado, principalmente o café. Muito pouco se diz sobre o sujeito escravo e as
camadas populares, suas aparições no capítulo se reduzem à charge conhecida De volta
do Paraguai, de Angelo Agostini, que relata um escravo que volta da Guerra do Paraguai
e vê a mãe amarrada em um tronco, e a uma fotografia de Marc Ferrez que mostra
escravos colhendo café em uma fazenda no Vale do Paraíba, de 1885. Cabe pontuar que
infelizmente, não há nenhuma problematização sobre os documentos expostos, o
contexto de sua criação e das intencionalidades dos autores. Na legenda atribuída à
charge de Agostini, sequer citam o periódico em que foi publicada42. ( ANEXO 6)
Nas duas páginas seguintes, o box “em debate” os autores aprofundam a discussão
sobre a historiografia da Guerra do Paraguai, citando um trecho do livro História do
Brasil, de Bóris Fausto, onde o historiador apresenta diferentes versões sobre o conflito: a
historiografia brasileira tradicional, a historiografia tradicional paraguaia, uma
historiografia focada no imperialismo inglês, ligada às correntes marxistas
latino-americanas e por fim e mais recentemente, uma perspectiva que se concentra em
analisar as relações dos próprios países envolvidos no evento.
O capítulo 17, intitulado “O fim da escravidão no Brasil”, trabalha com o declínio
do regime escravista, com a abolição e o pós-abolição. Ele caracteriza o processo como
lento e gradual e enfatiza as contradições do período, uma vez que, mesmo libertos, os
ex-escravos continuaram relegados a posições sociais subalternas e alguns ainda
mantinham vínculos com seus ex-senhores. Os autores apresentam as etapas que levaram
ao fim da escravatura: a pressão inglesa para o fim do tráfico, as leis abolicionistas, o
papel das campanhas abolicionistas da década de 1880 (citadas brevemente). Cabe
destacar que é mencionada a existência de uma rebeldia escrava contra a escravidão.

Por volta de 1885, a campanha abolicionista tornou-se mais intensa.


Associações e clubes voltaram-se contra a escravidão, fazendo
propaganda e levantando fundos para a compra de carta de alforria.
Intelectuais, jornalistas, advogados, profissionais liberais e mesmos
fazendeiros aderiram à causa abolicionista. (EDITORA MODERNA,
2018, p.219)
Ao mesmo tempo que a campanha abolicionista se intensificava, as
fugas de escravos tornavam-se mais frequentes. Ativistas, entre eles
filhos da elite cafeeira, organizavam grupos para ajudar escravos a fugir
das fazendas, conduzindo-os a lugares seguros, como a cidade de

42
A caricatura foi publicada por Ângelo Agostini no periódico A vida fluminense, em 11 de junho de 1870.
Como legenda, abaixo o cartunista pública: “Cheio de glória, coberto de louros, depois de ter derramado
seu sangue em defesa da pátria e libertado um povo da escravidão, o voluntário volta ao seu país natal para
ver sua mãe amarrada a um tronco horrível de realidade!…”

42
Santos. Nessa região, escravos fugidos formaram o quilombo do
Jabaquara, que chegou a reunir cerca de 10 mil pessoas. (EDITORA
MODERNA, 2018, p.220)

O livro também discute, em um subtópico específico do capítulo, a Lei de Terras e


como ela influenciou na situação fundiária do país, o período pós-abolição e a crise da
estrutura monárquica. O capítulo termina trabalhando com a chegada de europeus e as
políticas de imigração a partir da segunda metade do século XIX.
Nas últimas páginas do capítulo, os autores trazem na seção “Em debate” o trecho
de um texto publicado por Wlamyra Albuquerque na Revista de História da Biblioteca
Nacional (ANEXOS 7 e 8). O material defende a compreensão de que a abolição não foi
um ato de bondade da Princesa Isabel, ou apenas fruto da luta de abolicionistas ilustres e
brancos, ela foi de fato atingida pela luta e pelo protagonismo de sujeitos escravizados,
homens livres e negros, o papel das mulheres no processo não é citado. O que é
fundamental para que o estudante compreenda as disputas por memória na história, bem
como a existência de distintos sujeitos atuando nos processos históricos do passado.
No capítulo, os autores nada falam sobre outras formas de resistência à escravidão
além das revoltas e das formações de quilombos. As orientações ao professor trazem
trechos da obra A Abolição, de Emília Viotti da Costa, e de um artigo de Clóvis Moura43
clássicos da historiografia marxista. Contudo, diferentes perspectivas poderiam ser
abordadas, contemplando também produções e estudos historiográficos mais recentes.

2.1.2. História: escola e democracia

A coleção História: escola e democracia foi aprovada pelo PNLD de 2020 e está
em sua primeira edição. Ela foi escrita por Flávio de Campos, Regina Claro e Miriam
Dolhnikoff, e publicada pela Editora Moderna.44 Flávio de Campos é formado em
História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em
História Social pela USP e doutor em História Social também pela USP. É professor de
História Medieval do Departamento de História da Universidade de São Paulo.45 Regina
Claro é bacharel em História pela USP e Mestre em História Social, com ênfase em
História da África, também pela USP. Ela desenvolve projetos de capacitação de

43
O trecho citado faz parte do artigo “Escravismo, colonialismo, imperialismo e racismo” In: Afro-Ásia, n.
14, p. 124,1983.
44
CAMPOS, Flávio de; CLARO, Regina; DOLHNIKOFF, Miriam.. História: escola e democracia: manual
do professor 1. ed. São Paulo: Moderna, 2018. (Coleção)
45
http://lattes.cnpq.br/9293196827164795. Acesso em 02/03/2022.

43
professores da rede pública de educação na área de História e cultura africana e
afro-brasileira em atendimento à Lei 10.639/03.46 Miriam Dolhnikoff é graduada em
História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, fez mestrado em História
Econômica pela Universidade de São Paulo e doutorado em História Econômica também
pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é docente da Universidade de São
Paulo no Departamento de História e no curso de Relações Internacionais.47
O material de apoio ao professor é dividido em quatro partes: um capítulo em que
discutem-se História e Historiografia, com textos explicativos sobre teoria e metodologia
da história, o papel do historiador, a virada metodológica e interpretativa na
historiografia, política e cultura, além de um subtópico sobre história e historiografia da
África. O segundo capítulo do material do professor apresenta as propostas de ensino da
coleção, suas preferências e o caminho metodológico que segue. Em seguida, um capítulo
se divide em textos suplementares sobre a História da África e sobre temas teóricos e
metodológicos, como as discussões sobre documentos históricos, memória coletiva,
crítica ao documento, história oral, música, leitura, periódicos, etc. Por fim, há diversas
referências bibliográficas sobre os temas: Educação e Ensino de História; História da
África; Teoria, metodologia e história; e Jogos, esportes e modalidades lúdicas.
O segundo capítulo, com as propostas de ensino da coleção, é fundamental para
que o professor de história conheça as perspectivas que o livro trilhará, quais seus
pressupostos básicos e referências bibliográficas.
Os autores reafirmam que, com o estabelecimento da BNCC, dos PCN e com a
criação do ENEM para o ingresso em universidades públicas, houve uma intensa
mudança nos currículos escolares como também no ensino de história. Tem fim a história
tradicional, que defende a memorização, o acúmulo de informações, datas importantes e
heróis nacionais. E se desenvolve uma história que busca ser crítica e transdisciplinar,
que exige do estudante competências e habilidades, e que se conecta com outras
disciplinas curriculares. E é no âmbito destas mudanças que a coleção procura se situar.
Os três autores reforçam também a necessidade de o conteúdo despertar o
interesse dos estudantes e de retratar as suas diversidades sociais e culturais, atribuindo
ao jovem um papel ativo e transformador da sociedade e do meio em que vive.

46
http://lattes.cnpq.br/4814006868831865 . Acesso em 02/03/2022.
47
http://lattes.cnpq.br/6801460391169350. Acesso em 02/03/2022.

44
É interessante notar que os autores assumem que os livros da coleção vão
incorporar a historiografia recente em seus conteúdos e propor atividades que vão além
da compreensão textual.
Nosso material não pretende substituir o professor. Até porque essa
coleção é o resultado de muitos anos de atividades pedagógicas de seus
autores. Procura auxiliar o professor ao oferecer uma visão de história
que tenta incorporar a historiografia recente e também ao propor uma
série de atividades diversificadas, das mais simples operações de
verificação e compreensão de leitura até análises de imagens, de
documentos escritos e mapas, instigando relações, associações e
comparações.(CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. X)

Quanto às questões teóricas, defendem que, ao elaborar um livro, não se deve


simplificar e reduzir a História. As lutas sociais do passado não devem ser analisadas de
maneira maniqueísta, e se deve compreender a historicidade de cada acontecimento, os
sujeitos e os interesses envolvidos. A História não é apenas o estudo do passado, mas é
necessária para se problematizar questões que também estão no tempo presente e cujo
conteúdo esteja próximo à realidade do estudante, sendo fundamental, portanto, também
trabalhar as diversas temporalidades históricas. (CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF,
2018, p. XI)
Também assumem que a coleção tem caráter engajado nas lutas sociais e
defendem que o estudo da história permite o exercício da cidadania. Por isso, os autores
entendem queue não é suficiente expor os problemas existentes no passado, sendo
igualmente necessário evidenciar a existência de mecanismos, no presente, que garantem
a perpetuação de injustiças sociais.
A adoção de atividades e estratégias lúdicas me parece um diferencial da coleção.
A história adquire significado para os estudantes quando é situada em seu cotidiano e em
seu tempo histórico, quando estimula seu interesse. Visto que a ludicidade e os jogos são
elementos centrais da infância, aliar as brincadeiras e os jogos com o conhecimento
histórico é uma maneira de articular reflexões, estimular habilidades cognitivas, valorizar
o conhecimento prévio do estudante e estabelecer relações entre a imaginação, os desejos
e o passado. Assim como na sociedade real e na vida adulta, os jogos também
estabelecem regras, objetivos, organização e se guiam por princípios éticos.

Articular jogos/brincadeiras e História não é apenas uma forma mais


estimulante de organizar e produzir o conhecimento histórico. É aliar as
habilidades instrumentais e competências cognitivas do jogo às da
reflexão. É valorizar o repertório infanto-juvenil sem realizar a apologia

45
do senso comum e muito menos da ausência de significação. É tentar
apresentar uma história viva e desenvolver a capacidade operativa e
decodificadora das engrenagens sociais simultaneamente à
compreensão e ao contínuo exercício de práticas lúdicas. É tentar
salientar e disseminar o prazer das operações reflexivas. Como na
Grécia Antiga, procura-se estabelecer a paidia (os jogos) em sua estreita
vinculação com a paideia (educação). (CAMPOS; CLARO;
DOLHNIKOFF, 2018, p. XII)

Os autores elaboraram um quadro de conteúdos voltados aos professores, que vai


além daqueles da BNCC e expõe os assuntos tratados ao longo de todos os anos finais
do Ensino Fundamental. (ANEXO 9)
Na elaboração da coleção, os autores criaram ícones gráficos para o material do
professor (ANEXO 10), além dos ícones do livro do aluno (ANEXO 11). Nota-se a
preocupação em criar ícones específicos para a Lei 10.63948 e Lei 11.645,49 deixando o
professor ciente e relembrando-o da legislação vigente.
Os volumes desta coleção não dividem seus capítulos em unidades, mas sim em
bimestres, evidenciando ao professor quais capítulos desenvolver durante o ano. São de
dois a três capítulos por bimestre e quatro bimestres. No quadro a seguir temos a divisão
dos capítulos do livro do aluno do 7º ano e 8º ano e a especificação das seções e dos
subcapítulos que mais interessam à pesquisa.

História: escola e democracia – 7º ano História: escola e democracia – 8º ano

Primeiro Bimestre Primeiro Bimestre


Capítulo 1 – A transição da Idade Média para a Capítulo 1 – As revoluções inglesas
Época Moderna
Capítulo 2 – A Ilustração e o despotismo
Capítulo 2 – A expansão marítima europeia esclarecido

Capítulo 3 – A independência dos Estados Unidos

48
LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 03/03/2022.
49
LEI Nº 11.645, DE 10 MARÇO DE 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada
pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 03/03/2022.

46
Segundo Bimestre Segundo Bimestre
Capítulo 3 – Reforma Protestante e Reforma Capítulo 4 – A Revolução Francesa e o Período
Católica Napoleônico

Capítulo 4 – A sociedade do Antigo Regime Capítulo 5 – A Primeira Revolução Industrial

Capítulo 6 – A idade do ouro no Brasil e as


revoltas coloniais

Terceiro Bimestre Terceiro Bimestre


Capítulo 5 – A América Capítulo 7 – As independências da América Latina

Capítulo 6 – O Brasil antes de Cabral Capítulo 8 – A Independência do Brasil

Capítulo 7 – A conquista colonial portuguesa Capítulo 9 – Nações, nacionalismo e socialismo

Quarto Bimestre Quarto Bimestre


Capítulo 8 – O Antigo Sistema Colonial Capítulo 10 – A construção dos Estados Unidos da
América
Capítulo 9 – A economia colonial e o tráfico
negreiro Capítulo 11 – A Segunda Revolução Industrial e o
Imperialismo
Capítulo 10 – A sociedade escravista colonial
Capítulo 12 – O Segundo Reinado e a
proclamação da República

Quadro 2: Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da Coleção História: escola e


democracia

No início de todos os capítulos, questões introdutórias são feitas ao leitor na seção


Jogo Aberto, cujo objetivo é sondar o conhecimento prévio do estudante:
Na seção Jogo aberto propomos uma sondagem de conhecimentos
prévios. Os conhecimentos dos estudantes não estão limitados apenas às
informações que possuem, mas também às suas crenças, à sua forma de
ver e explicar o mundo. Desta forma, ao solicitar que registrem as
respostas tomando por base apenas seus conhecimentos, pretende-se
possibilitar que os alunos organizem suas ideias para aproximá-las do
conhecimento cientificamente organizado que será apresentado no
decorrer do capítulo. Desse diálogo, espera-se a reformulação dos
conhecimentos prévios e a construção de conceitos científicos a partir
daqueles espontâneos, investindo-se, dessa maneira, em uma
aprendizagem significativa. Dessa forma, estimulamos a elaboração de
questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em relação aos
documentos visuais apresentados, o exercício da construção de
interpretações e o estabelecimento de contextos históricos específicos.
(CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p.4)

Assim, iniciam o capítulo 8 do volume do 7º ano solicitando a observação e a


elaboração de suposições sobre quatro gravuras de cidades portuárias (ANEXO 12 e 13),

47
sobre as quais são perguntados o local e a data de cada imagem, a atividade econômica
retratada e as relações estabelecidas entre elas. Espera-se, portanto, que os alunos leiam
as legendas de cada gravura e identifiquem espacialmente e temporalmente e consigam
vincular as imagens à questão das relações entre metrópole e colônia, além de
identificarem a atividade econômica comercial. É oportuno notar que os autores sugerem
ao professor leituras, tanto da historiografia “tradicional” quanto recentes, para que se
discuta em sala a questão historiográfica do sentido da colonização.
Posteriormente, o capítulo apresenta conteúdos referentes ao sistema de capitanias
hereditárias, suas divisões e o desempenho insatisfatório na grande maioria delas.
Seguem apresentando a criação do governo-geral na colônia, como forma de garantir o
domínio territorial. Os autores dissertam em um pequeno parágrafo sobre os chamados
“homens bons”, as pessoas às quais se permitia exercer funções públicas nas vilas e
cidades coloniais.

HOMENS-BONS
Nas vilas e cidades coloniais foram criadas as Câmaras Municipais
encarregadas de exercer as funções administrativas, judiciais, policiais e
financeiras na localidade. Nas eleições para as Câmaras Municipais só
podiam participar os chamados homens bons. Ou seja, homens de
posses, fazendeiros, clérigos, funcionários do Império e nobres
Excluíam-se, portanto, mulheres, escravizados, pobres, judeus,
estrangeiros e pessoas que desenvolvessem trabalhos manuais. Com
elevado grau de autonomia, as Câmaras eram o principal espaço de
expressão dos interesses dos poderosos dos municípios. (CAMPOS;
CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. 170)

Ao lado do parágrafo, o box “Tá ligado” ajuda o aluno a compreender o texto por
meio de perguntas e propostas de atividades. Neste caso, indagam os estudantes sobre
quais as funções das Câmaras Municipais e quem eram os chamados “homens-bons” na
sociedade colonial. O que leva o estudante, a partir da leitura do parágrafo ao lado, a
compreender sobre a participação política de alguns sujeitos e a exclusão de outros.
Os temas seguintes se propõem a apresentar as estruturas da economia colonial e a
conceituar termos como: latifúndio; monocultura; mercado externo; plantation;
mercantilismo, metalismo; balança comercial favorável; colonialismo; sistema colonial;
exclusivo metropolitano; pacto colonial; protecionismo, dentre outros. Contudo, o
capítulo traz também questões relativas à justiça e à Inquisição no período colonial.
Explicam então como os governadores-gerais, junto ao clero e aos ouvidores, tentaram

48
conter práticas consideradas imorais e o destino das populações marginalizadas que
foram julgadas por tais condutas.
O capítulo seguinte, A economia colonial e o tráfico negreiro (ANEXO 14 e 15),
se inicia também com a sondagem de conhecimentos prévios dos estudantes a partir de
imagens propostas. Uma delas é a pintura Engenho, de Frans Post, de 1644, e a outra é
uma gravura de Cícero Dias, nomeada como Casa-grande do engenho Noruega, antigo
Engenho dos Bois (Pernambuco), elaborada para o livro Casa-grande & Senzala, de
1933, de Gilberto Freyre. Perguntam-se ao leitor o suporte, a data e o tema de cada
imagem, quais atividades ligadas à vida cotidiana e à atividade comercial podem ser
percebidas em cada gravura, e quais os elementos comuns entre elas. Como sugestão de
resposta ao professor, os autores apontam que a primeira imagem, a pintura de Frans
Post, representa a paisagem do engenho de açúcar e da propriedade rural e a produção do
açúcar, já na segunda, a gravura de Cícero Dias, se observa a arquitetura de um engenho
de açúcar, além do cotidiano dos que ali moravam, tanto na casa-grande quanto na
senzala. Em ambas as imagens se veem as atividades do dia a dia dos colonos e
escravizados. Os autores afirmam que na gravura de Cícero Dias é possível perceber

[...]o trabalho dos escravizados domésticos e os espaços da família do


dono do engenho. Temos ainda, à esquerda do engenho, a senzala, onde
estão alguns escravizados descansando e tocando música e crianças
brincando. É importante destacar a criança branca tratando a criança
negra como um animal de carga e as mulheres negras cuidando das
crianças brancas. (CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p.180)

Os autores destacam ao professor que outros aspectos da vida no engenho podem


ser tratados além da produção de açúcar. Ao sugerirem a análise de tais gravuras,
destacam aspectos do cotidiano da colônia que muitas vezes são silenciados nos livros
didáticos, como a existência de famílias e crianças escravizadas, o trabalho das mulheres
negras no ambiente doméstico, os esporádicos momentos de distração entre cativos.
Após as atividades da abertura do capítulo, os subcapítulos seguintes
tratam do engenho de açúcar e o processo de produção dessa mercadoria , diferenciando
os tipos de engenho entre trapiches e reais e apontando as razões para o desenvolvimento
do plantio açucareiro no Nordeste. Em seguida, também apresentam características do
cultivo de fumo e algodão e do desenvolvimento da pecuária na América portuguesa e
suas relações com a indústria têxtil inglesa. Além disso, também traçam um paralelo
entre o tema e a indústria do fumo na atualidade e o tabagismo. O conteúdo restante do

49
capítulo trabalha com o seu objetivo central: diferenciar os conceitos de escravidão e
escravismo. Desta forma, desenvolvem textos seguintes sobre a escravidão na África,
conceituando o termo escravidão desde a Antiguidade, com o Egito, Mesopotâmia,
Grécia e sociedades africanas pré-coloniais e sua função social em tais regiões. Logo
após, exemplificam as táticas portuguesas para capturar africanos escravizados,
estimulando guerras entre povos africanos e oferecendo mercadorias em troca de
prisioneiros, além de contratarem pumbeiros (negros e mestiços contratados para comprar
escravizados dos chefes de aldeias) para adquirir mais mão de obra. O tráfico de
escravizados, que já ocorria no século XV, aumentou ainda mais quando se notou quão
lucrativa seria sua utilização na América portuguesa. Os autores descrevem alguns dos
reinos africanos que tinham parcerias com os portugueses e os principais portos
africanos. Contam brevemente que os próprios colonos também se interessavam em
participar do vantajoso tráfico negreiro, usando como exemplo o ocorrido com um
ex-escravizado:

A partir do século XVII, os próprios colonos da América portuguesa


também começaram a participar do tráfico. A riqueza produzida pelo
comércio de africanos era tanta que até homens pobres da colônia
mudaram-se para a África a fim de comprar e vender escravizados,
tornando-se ricos e poderosos.
Foi o caso, por exemplo, de um ex-escravizado chamado João de
Oliveira, que, depois de obter a liberdade, saiu da América e foi para a
África por volta de 1733, para se dedicar ao tráfico negreiro. Como
ex-escravizado, João de Oliveira não tinha muito dinheiro. Mas depois
de um tempo acumulou tanta riqueza que pode abrir, com seu próprio
dinheiro, dois novos portos de escravizados na costa africana.
(CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. 189)

Assim, a América portuguesa se tornou o principal mercado de compra de


escravos no mundo, e as suas relações com a África se estreitaram. E as consequências do
tráfico para as sociedades do continente africano se acentuaram ainda mais. É nesse
contexto que se entende o que é escravismo, como um sistema econômico que moldou a
economia colonial, fruto da Modernidade, e estruturado a partir de relações de poder e
interesses econômicos. O sujeito escravizado era uma propriedade de um senhor, visto
como mercadoria que poderia ser vendida para obtenção de lucros. Como material
complementar, os autores oferecem ao leitor parte da história do Reino do Ngola
(ANEXO 16), e da Rainha Ginga (ANEXO 17), que revelam como se dava a dominação
portuguesa e os conflitos internos entre povos africanos.

50
Ao final do capítulo, a seção Quebra-cabeça propõe exercícios para que o
estudante retome as principais ideias do capítulo atual ou até de anteriores. No capítulo 9,
os autores procuraram reforçar os objetivos principais, comparar a escravidão na África e
na América, identificar os envolvidos no comércio negreiro e seus interesses, conceituar
termos, e diferenciar escravismo, escravidão e servidão medieval. (ANEXO 18)
Em seguida, na proposta de leitura complementar, é apresentado o texto
setecentista de André João Antonil. E como atividades se pede para os alunos elaborarem
um roteiro de informações sobre o texto, refletirem sobre a importância do trabalho
escravo para o autor do excerto, e por fim, redigir um diário de um dos personagens
fictícios da época. Como recomendação ao professor, os autores sugerem que na segunda
questão os alunos relacionem o trabalho manual e braçal do passado com a realidade
atual, marcada pela desvalorização de trabalhos braçais e manuais e pelo desemprego de
parte da população.(CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p.197) Com os
personagens fictícios propostos pelos autores, se nota o interesse de ampliar a
compreensão do cotidiano e da sociedade da época: além dos tradicionais personagens
“senhor de escravos branco” e “escravo de lavoura”, outros personagens são sugeridos,
como o escravo recém chegado, o escravo doméstico, a escrava que trabalha na
casa-grande, uma escrava grávida, e por fim, a mulher do senhor de engenho. Além de
identificar “novos personagens”, a atividade manifesta na descrição de seus personagens,
os laços de família presentes no engenho. (ANEXO 19)
No décimo e último capítulo, “A sociedade escravista colonial”, os autores
apresentam de maneira admirável o cotidiano da sociedade escravista, relatando desde os
trabalhos exercidos pelos escravizados até as violências sofridas e as formas de
resistência. Apontam como objetivo central do capítulo

Apresentar o cotidiano do trabalho dos escravizados no campo e nas


cidades, a disciplina da dominação e as muitas formas de resistência e
sobrevivência no cativeiro, por meio, inclusive, daquilo que o
historiador Robert Slenes definiu como espaços de sociabilidade.
(CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. 200, grifo do autor)

Utilizando-se da estratégia introdutória de sondagem de conhecimentos e


observação de imagens, quatro imagens são exibidas nas primeiras páginas (ANEXO 20
e 21) e, a partir delas, imagens, solicita-se que os estudantes apontem características da
sociedade colonial. A imagem 1, é uma litografia de Johann Moritz Rugendas, Jogar
capoeira ou Dança de Guerra de 1835, retrata negros escravizados praticando capoeira, e

51
no espaço reservado às sugestões de respostas ao professor, os autores afirmam que a
capoeira tinha também a função de defesa: como um movimento de luta, proibida por
muito tempo, ela se caracterizou como instrumento de resistência. A imagem 2 é uma
litografia de Jean-Baptiste Debret, Aplicação de castigo de 1839, que mostra uma cena de
um castigo físico, em que um escravizado é amarrado e chicoteado por outra pessoa
negra, em um pelourinho, enquanto outros observam e aguardam sua vez. A imagem 3 é
uma pintura em óleo sobre tela, de Frans Post, intitulada Paisagem de várzea com cabana
de 1658, que retrata escravizados dançando e os autores defendem que mesmo com o
trabalho desgastante e árduo, era possível a organização de momentos de descontração e
sociabilidade. A litografia da imagem 4 foi produzida por Zacharias Wegener em 1641, e
é intitulada O homem negro, ela representa um homem negro armado, ao lado de um
tronco ao qual se encosta um escudo e sobre ela os autores reforçam que remete à
liberdade original que tinham, e que foi perdida no cativeiro. Todas imagens refletem
distintos momentos do cotidiano da escravidão, os castigos físicos, as resistências, os
momentos de lazer e a liberdade perdida. Ao final, os autores afirmam que “Essa
sociedade estava toda alicerçada no trabalho escravo e, ao mesmo tempo, os escravizados
eram tratados como objetos, sem vida e sem alma. Essas imagens mostram, ao contrário,
que eles sentiam dor, se divertiam, dançavam, enfim, eram humanos.” (CAMPOS;
CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. 201)
Nos subcapítulos a seguir, se expõem as funções e características dos grupos
sociais da colônia e é reafirmada a oposição que estruturava a sociedade dos séculos XV
e XVI: escravizados e senhores. Também se salienta que o prestígio dos outros grupos
sociais se determinava pela sua aproximação ou distanciamento da escravidão. A posse
de escravizados era símbolo de status social, portanto o chefe da família patriarcal, o
senhor de engenho, detinha o poder tanto econômico e político, quanto social. Em torno
da figura do chefe da família patriarcal, se agregaram escravizados, homens livres e
proprietários pobres, sendo oferecidas proteção e moradia nas fazendas, exigindo-se em
troca obediência e trabalho.
Os autores também caracterizam o trabalho escravo na América portuguesa,
explicando as maneiras de um negro recém chegado do continente africano se “adaptar”.
Argumentam que a manutenção do modelo escravista só era possível por meio da
violência constante, era por meio dela que o ser humano traficado se transformava em
escravizado. Identificam também os termos pelos quais os escravizados eram chamados

52
pelos homens brancos, ladinos ou boçais, dependendo de seu local de nascimento e de
seu ajuste ao cativeiro. (CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. 203)
São apresentadas aos alunos não só as experiências do cativeiro no campo, como
também as experiências nas cidades, conceituando-se a exploração do trabalho dos
escravos de ofício, negros de ganho, pajens e mucamas, amas de leite e tigres.
A exploração do trabalho e do corpo das amas de leite é mais detalhada pelos
autores na seção de Leitura complementar (CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2018,
p. 206) “Aluga-se para pessoas de fino trato” (ANEXO 22). São exibidas duas fotografias
do século XIX de amas de leite com crianças brancas, e anúncios de jornal alugando o
trabalho das escravizadas. Aponta-se que tal prática era comum e que as mulheres
precisavam abrir mão de alimentar seus próprios filhos, para oferecer seu leite ao
filho de uma senhora branca. A abordagem de tal prática vincula-se à discussão anterior
sobre o cerne do escravismo, a qualificação do escravizado como uma mercadoria que
tem o propósito de gerar lucro.
As várias maneiras de resistência eram formas dese reagir à desumanização do
cativeiro e da violência. Os passados e raízes dos escravizados eram lembrados e
celebrados em conjunto ou individualmente, transformando os espaços de sociabilidade
do cativeiro em meios de se humanizar.

Durante quase quatro séculos, a escravidão foi a principal relação de


trabalho no Brasil. A mistura de lembranças do passado com a vida no
cativeiro possibilitaram aos africanos desenvolver uma maneira de
suportar a condição de escravizados. Era preciso um jeito novo para
lidar com a opressão do senhor branco e para se comunicar com outros
africanos de origens diferentes. Enfim, para preservar a humanidade que
a escravidão insistia em querer tirar. (CAMPOS; CLARO;
DOLHNIKOFF, 2018, p. 207)

A formação de uma família e de laços familiares é apontada pelos autores como


mais um dos mecanismos de resistência e de alcance de pequenas conquistas.
Apropriando-se da alegoria da flor na senzala, de Robert Slenes50, os autores identificam
a formação de famílias escravas em meio ao ambiente violento do período escravista.
Porém, longe de se assemelharem às relações parentais e conjugais monogâmicas
impostas pela religião cristã, a emergência da família escrava se adaptou às condições
inerentes ao cativeiro. Para permitir ao leitor que ele se aproximasse daquele período e

50
Os autores fazem referência no título do subcapítulo ao livro de Robert Slenes, Na senzala, uma flor, Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

53
vislumbre o ambiente que relatam, os autores utilizam a litografia Habitação de negros,
de Johann Moritz Rugendas. (fig.1)

Figura 1 - Excerto da página 207 do livro História: escola e democracia. 7º ano. 2018

Além dos laços de família, os laços de fraternidade presentes nas irmandades e


associações religiosas também são citados muito brevemente em um parágrafo do texto e
nas páginas seguintes dois textos complementares tratam da relação do fogo com a
espiritualidade para cativos em suas cabanas e da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos. Contudo, os laços de solidariedade entre escravizados
presentes nas associações de ofício receberam mais atenção. Escravizados que
compartilhavam do mesmo ofício e da mesma etnia se associavam em grupos e se
encontravam em diferentes lugares da cidade. Participar de uma associação garantia
proteção e união entre cativos. “Apesar do papel subalterno, a serviço de seus senhores
nas ruas das cidades, aprendendo e difundindo conhecimentos, o negro escravizado
encontrou diferentes formas, muitas vezes silenciosas, de resistência à condição de
"coisa" (CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. 210). A prática da capoeira
também é citada como forma de resistência ao cativeiro e, para abordar o tema, os autores
sugerem um projeto interdisciplinar junto às disciplinas de Educação Física e Arte. Além
disso, destacam com o ícone gráfico que o conteúdo põe em prática a Lei 10.639.
As práticas de resistência individual e coletiva explicitamente delituosas também
são apresentadas. O roubo, o banzo e o suicídio são destacados como práticas individuais
para reagir à coisificação da escravidão.

54
Assassinatos de senhores, ataques, furtos, quebras de ferramentas e
máquinas eram formas de reagir à escravidão. Enganar o senhor era
também um meio de resistir às condições desumanas do cativeiro.
O suicídio era um ato de resistência individual extremo e último recurso
e alternativa para escapar definitivamente da escravidão. Entre as
explicações mais conhecidas para o suicídio de escravizados estão a do
banzo e o desejo de retorno à África em espírito. O banzo era a
profunda tristeza que se abatia sobre os africanos recém-chegados,
fazendo-os perder o apetite e a vontade de viver e levando-os à morte.
O suicídio seria uma forma de atravessar a Kalunga (o Mar Oceano) em
espírito e retornar à terra natal. (CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF,
2018, p. 212)

A quilombagem é muito bem abordada na obra, com a identificação de quilombos


de diversas capitanias da colônia, como as de regiões de Minas Gerais e Rio Grande do
Sul. Também se traçam paralelos entre a alimentação destes povos, utilizam-se de mapas,
citam-se os Palmares, as reações do governo português e se propõe uma discussão
considerando a atual questão do direito à terra das populações quilombolas. Também se
fala sobre as formas de reação das autoridades da época para frear as resistências dos
quilombos. Mesmo que elas tenham criado leis e contratado bandeirantes, os quilombos
continuaram existindo e resistindo, em suas diversas formas e características.
Por fim, como leitura complementar, os autores oferecem a leitura de um texto
sobre a infância e as brincadeiras no engenho de açúcar, fomentando um paralelo com a
atualidade a partir da prática de bullying nas escolas.
Já no volume do 8º ano, os conteúdos de história do Brasil se iniciam no Capítulo
6 – “A idade do ouro no Brasil e revoltas coloniais” e nele os autores discutem as
transformações da sociedade colonial, o desenvolvimento da mineração e o consequente
crescimento das Minas Gerais. Além disso, buscam mostrar que o mercado interno se
expandiu e que a relação com a metrópole se tornava cada vez mais divergente, o que,
somando-se com demandas políticas e sociais, fez eclodir revoltas contra o poder
metropolitano português.
Neste capítulo também se problematiza a visão heróica que o bandeirantismo
recebeu na história. Sem deixar de assinalar seu papel importante para o projeto
colonizador com as expedições, os autores não deixam de apontar a violência contra
indígenas e negros escravizados, que eram recapturados e tinham seus quilombos
destruídos.
Compara-se a composição da sociedade colonial do litoral e a das sociedades
mineradoras, apontando-se a existência, em comum, de um grande número de mestiços,

55
filhos de senhores brancos com escravas. Nessa passagem, os autores também enfatizam
a feição paternalista do senhor de escravos e a instabilidade da sociedade mineradora, já
que o deslocamento de uma região para outra era comum, não se percebendo tanto uma
fixação em um só local. Neste capítulo os autores abordam igualmente a Inconfidência
Mineira e a Conjuração Baiana.
Os conteúdos dos capítulos são alternados entre história do Brasil e história geral,
propiciando que o educando compreenda as mudanças históricas de forma global,
relacionando as conjecturas nacionais com o contexto internacional. Deste modo, o
Capítulo 8 – “A independência do Brasil” analisa o processo emancipatório e suas
tensões sociais anteriores e posteriores, os movimentos contestatórios da primeira metade
do século XIX e as principais atividades econômicas presentes.
O capítulo se inicia contextualizando o Brasil frente aos movimentos opositores
ao sistema colonial, a pressão sofrida por Portugal e a possibilidade de invasão francesa,
com a consequente mudança da Corte Portuguesa para o Brasil e as mudanças ocorridas
na nova capital do Império, o Rio de Janeiro. Descrevem-se posteriormente as primeiras
revoltas do século XIX, a Revolta Pernambucana de 1817 e a Revolução do Porto, em
1820, que resultou no retorno de Dom João VI a Portugal. Mesmo com a independência
em 1822, e com a outorga da Constituição de 1824, destacam os autores, a escravidão
persistiu, tornando-se uma instituição legalmente inscrita no arcabouço jurídico e
institucional liberal do novo país, com a determinação do voto censitário, excluindo
grande parte da população.
O livro destrincha de forma instrutiva as mudanças políticas na formação do
Estado brasileiro, fazendo relação com as transformações sociais. Quanto às revoltas e
rebeliões do período regencial, elas são diferenciadas a partir da inscrição socialde seus
dirigentes:

Ocorreram basicamente dois tipos de rebeliões. De um lado revoltas


dirigidas por grupos dominantes nas províncias, ansiosos por conquistar
maior espaço no governo central. De outro, os movimentos populares,
em que a população livre pobre e os escravizados levantavam-se contra
a dominação social a que estavam submetidos.
Das rebeliões coordenadas pelas elites provinciais destacam-se a
Farroupilha ou Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul
(1835-1845), o início da Balaiada, no Maranhão (1838-1839) e a
Revolução Praieira, em Pernambuco (1848). Já as revoltas populares
foram a Cabanada, em Pernambuco e Alagoas (1832-1835); a
Sabinada, em Salvador (1837-1838); a Cabanagem, no Pará
(1835-1840) e a segunda fase da Balaiada (1839). Por fim, entre os

56
escravizados, houve duas revoltas importantes, a dos Malês, em
Salvador (1835) e a terceira fase da Balaiada (1839-1841). (CAMPOS;
CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. 150, grifo do autor)

Como proposta da pesquisa, cabe aqui me deter as revoltas que contaram com a
participação de escravizados. A Revolta dos Malês, de 1835, é bem discutida e ganha
bastante visibilidade quando comparada a outras. Os autores afirmam o caráter religioso
do levante, visto que a revolta recebeu aquele nome devido à participação de
escravizados muçulmanos. Ocorrida na Bahia, a revolta tinha como maioria uma
população escravizada descendente de diversas etnias africanas, as quais são descritas ao
leitor. Apontam-se também os objetivos do movimento: tomar o poder e adquirir
liberdade de culto. A participação feminina também é citada, com os exemplos de Luísa
Mahin e Maria Felipa de Oliveira (fig. 2). Por fim, são apresentadas as consequências do
levante derrotado: prisões, julgamentos e devassas, além do temor das elites ao imaginar
a possibilidade de uma revolta escrava no Brasil assim como ocorreu no Haiti.

57
Figura 2 – Box Mulheres Guerreiras – História: escola e democracia-8º ano, p. 152.

Além das revoltas propriamente escravas, destaca-se a participação de indígenas,


negros, mestiços e escravizados na Cabanagem (1835-1840), cujos objetivos iam além
das reivindicações da elite branca, com a busca de melhoria das condições de vida na
província do Grão-Pará. Durante a terceira fase da Balaiada, no Maranhão, houve a
participação expressiva de escravizados fugidos que realizavam fugas e invasões em

58
fazendas. Como resposta à radicalização do movimento, o governo central promoveu
ataques e destruição de quilombos.
A forma como os movimentos são abordados pelo livro se mostra em consonância
com a legislação para as relações étnicoraciais e com a historiografia recente. Os autores
provocam a discussão sobre a participação ativa dos escravizados enquanto sujeitos
históricos, evidenciam a elaboração de estratégias por ambos os grupos para
reivindicarem seus direitos, e promovem a discussão dos meios aos quais os escravizados
recorriam para resistir à escravização.
O capítulo 12 – “O Segundo Reinado e a proclamação da República” – apresenta
como objetivos analisar a relativa estabilidade após a formação do Esado brasileiro, as
mudanças depois da Guerra do Paraguai, o fortalecimento do Exército como força
política, e o processo que levou ao fim da escravidão.
Os autores destacam ao professor, nas páginas iniciais do capítulo, suas
perspectivas ao trabalhar a temática da escravidão, destacando as permanências da
cultura afro-brasileira no país, elencando personagens negras importantes e
problematizando questões raciais:

Neste capítulo em que se trata do fim da escravidão no Brasil


procuramos reforçar uma identidade positiva e fortalecida para a cultura
afro-brasileira. Nesse sentido, é importante destacar para os alunos a
sequência de fotos e imagens de negros protagonistas da cultura
brasileira desde o século XIX e de lideranças negras importantes no
processo de abolição.
Por essa razão registramos Machado de Assis, Carolina Maria de Jesus,
Abdias do Nascimento, André Rebouças, Ruth de Souza, José do
Patrocínio, Lélia Gonzalez, Francisco Nascimento, Ismael Ivo,
Chiquinha Gonzaga, Heitor dos Prazeres, Milton Santos e Emanoel
Araújo. Acerca de Machado de Assis pode ser interessante exibir aos
estudantes o vídeo de propaganda de um banco no qual ele era
representado como branco: https://goo.gl/BYafPZ, a versão corrigida
pode ser vista em: https://goo.gl/UH8mlR. Acessos em: 8 nov. 2018.
(CAMPOS; CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. 234)

No subtópico relacionado ao fim da escravidão no Brasil, (CAMPOS;


CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. 237) os autores afirmam que o trabalho escravo não
foi alterado após a independência, mas que integrantes da elite branca começaram a lutar
pelo seu fim, questionando sua legitimidade. Exemplificando com a figura de José
Bonifácio, apontam que o estadista pregava pelo fim da escravidão a partir do argumento
de que ela era um perigo para a ordem, levava tanto o escravizado quanto o branco a se

59
barbarizar, não permitiria uma civilidade nos modelos europeus e impediria o
crescimento econômico.
A Inglaterra pressionava o governo brasileiro em favor da abolição com o
argumento de direito internacional. Mas delineiam que o principal motivo para a pressão
inglesa era evidentemente seus interesses econômicos. Quanto ao fim do tráfico,
defendem que a Lei Eusébio de Queiroz foi promulgada devido à intensa pressão
britânica e pelo receio da elite branca de uma possível guerra racial. (CAMPOS;
CLARO; DOLHNIKOFF, 2018, p. 239) Já a Lei do Ventre Livre, de 1871, é destacada
pelos autores como uma forma que o governo encontrou para realizar a abolição de forma
lenta e gradual, sem prejudicar os grandes proprietários e prevendo pagamento
indenizatório.
Também evidencia-se a atuação do movimento abolicionista, que ganhou força a
partir da década de 1870, e que se divide em três vertentes: abolicionistas vindos da elite:
jornalistas, estudantes, advogados e trabalhadores do comércio que se reuniam em clubes
pró-abolição e sociedades secretas; abolicionistas populares: quando o movimento ganha
mais apoio popular no fim do século, e passa a ocupar as ruas das cidades, com combate
à proposta de emancipação gradual e defesa de reformas profundas, que fossem capazes
de integrar o ex-escravizado como cidadão. Luís Gama, José do Patrocínio e André
Rebouças também têm suas histórias contadas como exemplos de abolicionistas
populares urbanos que se dedicavam à causa nas cidades, se apropriando dos periódicos
como instrumento de luta; e, por fim, a resistência a escravidão mobilizada pelos
chamados cometas e pelos caifazes, com o aumento do número de fugas das fazendas, o
que gerava um clima tenso entre proprietários e favorável aos abolicionistas. Pela pressão
dos movimentos abolicionistas e com a resistência escrava, o governo promulgou a Lei
dos Sexagenários, a segunda lei abolicionista do Brasil. (CAMPOS; CLARO;
DOLHNIKOFF, 2018, p. 240-241)
O livro destaca que a Abolição, em 1888, não significou a vitória dos movimentos
abolicionistas, pois o decreto assinado pela princesa foi realizou nenhuma medida de
integração do negro na sociedade para que exercecem sua cidadania de forma plena, os
escravizados foram libertados e abandonados à própria sorte (CAMPOS; CLARO;
DOLHNIKOFF, 2018, p. 242)
Os autores afirmam que, apesar das políticas de branqueamento, a cultura africana
ainda resistiria. Apresentam as danças e as músicas como uma das amostras da
apropriação da cultura africana aos interesses eruditos. O maxixe e o lundu, de origem

60
africana e comuns às camadas, eram antes vistos como um ataque à boa moral da época,
depois o incorporaram ao piano e retiraram a percussão africana, mudaram seus nomes e,
assim, eles passaram a ser tocados nos salões,por brancos e para brancos.
Como materiais complementares aos professores e alunos, o livro oferece diversas
possibilidades para se aprofundar sobre o tema. Se destaca o papel de intelectuais negros
que são protagonistas do passado e do presente, homens e mulheres que se dedicavam à
literatura, ao teatro, a música, evidenciando seus saberes e suas vozes.

2.1.3. Historiar

A coleção Historiar, da Editora Saraiva, foi aprovada pelo PNLD-2020 e se


encontra em sua terceira edição,51 tendo como autores Gilberto Cotrim e Jaime
Rodrigues. Gilberto Cotrim é bacharel e licenciado em História pela Universidade de São
Paulo (USP), é mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, advogado e professor de História na rede particular de São
Paulo.52 Já Jaime Rodrigues possui bacharelado e licenciatura em História também pela
USP, é doutor e mestre em História Social pela Universidade Estadual de Campinas, e
professor associado na graduação e pós-graduação do curso de História da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp). Foi professor de História da rede pública e particular de
ensino.53
O Manual do Professor dessa coleção se divide em duas partes principais, uma
geral e uma específica. Na parte geral os autores apresentam os pressupostos e
concepções da coleção, sua organização, propostas de avaliação, as possibilidades de uso
do livro didático e de trabalho com outras fontes, e uma sessão específica com textos
sobre os povos indígenas e a África e seus descendentes, visando a esses grupos oferecer
protagonismo na História.
Como pressupostos teóricos, os autores afirmam que a partir do ensino de história,
a coleção tem o objetivo de formar estudantes para o exercício da cidadania. Quanto à
História, citam Marc Bloch, para defender que a história não é apenas o estudo do
passado, ou dos homens no tempo, mas uma forma de compreender as mudanças e
permanências do passado a partir de questões suscitadas no tempo presente. Também
explicam brevemente o alargamento do conceito de documentos e fontes históricas, e
51
COTRIM, Gilberto; RODRIGUES, Jaime; Historiar: ensino fundamental, anos finais. 3. Ed. São
Paulo: Saraiva, 2018. (Coleção) . 7º ano
52
Informações disponibilizadas pelo autor na contracapa do livro didático Historiar.
53
http://lattes.cnpq.br/1528186404909984. Acesso em: 14/03/2022.

61
com isso a ampliação dos interesses e campos de estudo na historiografia. Defendem a
história como um campo de estudos aberto a interpretações: não é possível reconstituir o
passado de forma integral, não é possível que a história seja uma verdade pura e absoluta,
se entende que a construção do conhecimento histórico é constante, e por isso, ela está
sempre aberta a novas interpretações, e novos estudos. Por fim, apontam que o livro

[...] privilegiará, sempre que possível, os protagonismos coletivos com


base nos pressupostos da História Social, sem perder de vista a
importância das individualidades, das mentalidades, das conjecturas
políticas e econômicas para a compreensão do processo histórico”
(COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. VII)

Estruturalmente, os livros se dividem em quatro unidades, cada uma referente a


um bimestre letivo, e organizadas de forma cronológica. No 7º ano, os temas referentes à
história do Brasil se situam nas duas últimas unidades.

Historiar– 7º ano Historiar – 8º ano

Unidade 1 – Mundo Moderno Unidade 1 – Do súdito ao cidadão


Capítulo 1 – Modernidade e monarquias nacionais Capítulo 1 – A Revolução Inglesa

Capítulo 2 – Renascimento cultural Capítulo 2 – Era do Iluminismo

Capítulo 3 – Reformas religiosas Capítulo 3 – Revolução Industrial

Capítulo 4 – Absolutismo e mercantilismo Capítulo 4 – Revolução Francesa

Capítulo 5 – Época de Napoleão

Unidade 2 – Contatos e confrontos Unidade 2 – América independente


Capítulo 5 – Grandes Navegações Capítulo 6 – Independência dos Estados Unidos

Capítulo 6 – Povos Africanos Capítulo 7 – Independências na América Latina

Capítulo 7 – Conquista da América Capítulo 8 – Independência do Brasil

Capítulo 8 – Colonização espanhola na América

Unidade 3 – Formação do Brasil colonial Unidade 3 – Brasil Império


Capítulo 9 – Início da colonização Capítulo 9 – Primeiro Reinado

Capítulo 10 – Estado e religião Capítulo 10 – Período regencial

Capítulo 11 – Sociedade açucareira Capítulo 11 – Segundo Reinado

Capítulo 12 – Da Monarquia à República

62
Unidade 4 – Transformações no Brasil colonial Unidade 4 – Domínio das grandes potências
Capítulo 12 – Escravidão e tráfico de escravos no Capítulo 13 – Europa no século XIX
Atlântico
Capítulo 14 – Imperialismo na África e Ásia
Capítulo 13 – Conquistas e fronteiras
Capítulo 15 – América no século XIX
Capítulo 14 – Sociedade mineradora

Quadro 3 - Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da coleção Historiar

O Capítulo 9 é o primeiro capítulo do volume do 7º ano a tratar sobre a história do


Brasil. Seus objetivos são principalmente evidenciar as motivações portuguesas para a
colonização, compreender as mudanças nas sociedades indígenas após a chegada dos
colonizadores e estabelecer paralelos com a disciplina de ciências, ao tratar sobre a
extração do pau-brasil e o desmatamento na Mata Atlântica. O Capítulo 10 se detém na
análise das relações entre Estado e religião nos primeiros anos de formação do Brasil. Os
autores tratam de assuntos políticos básicos, como as capitanias hereditárias e a criação
do Governo-geral, mas também apontam a realidade de algumas mulheres que
conseguiram desafiar o poder masculino no Brasil colonial e administrar pequenos
comércios e chefiar famílias (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 153). Os autores
discutem minuciosamente o papel da Igreja Católica na vida colonial, suas obrigações e
deveres, estruturas e hierarquias, e sua presença no cotidiano dos colonos, com as
festividades e também com as visitações da Inquisição. Os autores também trazem
brevemente no capítulo práticas religiosas coloniais que não eram cristãs, como as
religiões africanas, e, por fim, instigam o debate a partir da questão da tolerância religiosa
na atualidade.
No Capítulo 11 – “Sociedade açucareira”, apresentam a economia e algumas
questões do cotidiano da sociedade, aspectos políticos do período, como a União Ibérica
e o governo holandês, tendo como foco principal do capítulo o açúcar. Os autores
destacam que, nos engenhos, trabalhavam pessoas livres e escravizadas e diferenciam as
tarefas dos feitores, mestres de açúcar e escravos. Apontam também a transição da mão
de obra indígena para a escrava, destacando as longas e exaustivas jornadas e o trabalho
pesado a que os escravos eram submetidos. Como atividade complementar, os autores
sugerem ao professor que apresente um texto elaborado pelos autores aos alunos, e que
identifiquem e resumem os argumentos presentes neste texto. O texto apresenta as visões
de Sérgio Buarque de Hollanda, Caio Prado Jr, e Fernando Novais sobre os motivos que

63
levaram os portugueses a escravizar africanos (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p.
170-171).
Iniciando a Unidade 4, o Capítulo 12 trata sobre o processo de escravidão dos
africanos no Brasil, diferencia escravidão e escravismo, apresenta algumas formas de
resistência e alguns aspectos do cotidiano dos escravizados, além de sugerir que alunos
pesquisem sobre intelectuais e artistas negros.
Nas primeiras duas páginas do capítulo, há uma imagem de mulheres celebrando
uma homenagem a Iemanjá, em Salvador, e, ao lado, o box “Investigando”, onde se
indagam dos conhecimentos dos alunos sobre esse tema e se sugere a pesquisa sobre
alguns intelectuais (ANEXO 23 e 24). Nas páginas seguintes, os autores apresentam os
diferentes conceitos de escravidão, diferenciando a escravidão moderna da escravidão
antiga e da escravidão medieval. Eles mencionam também a escravidão na África e o
desenvolvimento da escravidão comercial. Ao trabalhar sobre o processo de se “tornar
escravo”, dividem-no em três etapas: a captura, o período nos navios negreiros e a venda
no mercado de escravos. As revoltas dentro dos navios negreiros também são brevemente
citadas como uma forma de resistir ao cativeiro (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p.
192-193). A biografia em primeira pessoa de Mahommah Baquaqua é apresentada aos
alunos como documento escrito sobre o tráfico negreiro, ao professor se reforça que tal
tipo de atividade pode fazer com que os alunos reflitam sobre a luta da escravidão a partir
da perpectiva dos sujeitos escravizados. (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 195)
De forma descritiva, enumeram os grupos e os países de origem dos escravizados
trazidos ao Brasil. Apontam também os agentes do tráfico e indicam onde cada povo
europeu comercializou escravos. A queda da demografia, o pouco desenvolvimento da
agricultura e da economia são indicados como impactos negativos do tráfico de escravos
na África. Já no Brasil, os impactos do tráfico são descritos a partir da análise de uma
tabela sobre o aumento do desembarque de africanos, do século XVI ao XIX (COTRIM;
RODRIGUES, 2018, p. 197).
No livro, o cotidiano dos sujeitos escravizados é dividido em dois subtópicos:
“Boçal e ladino” e “Trabalho na cidade e no campo”. No primeiro apresenta-se a
diferenciação que os colonizadores faziam a partir do conhecimento da língua
portuguesa. No segundo, fala-se sobre os escravos de ganho e se enumeram outros tipos
de trabalhos, indicando-se que eles iam além da agricultura e mineração. O papel dos
feitores e os castigos físicos públicos também são destacados, juntamente com o excesso
e as más condições de trabalho. Como formas de resistência, os autores destacam a luta

64
com conflitos contra a escravidão e as negociações com seus senhores. A fuga, o ataque
às plantações, as rebeliões e a formação de quilombos são descritas como resistências
conflituosas. Já as negociações são descritas em poucas linhas e de forma resumida:

As negociações entre senhores escravos faziam parte do cotidiano da


escravidão e funcionavam como estratégia de sobrevivência, já que os
escravizados não recebiam pagamento nem tinham descanso como os
trabalhadores livres.
Muitos escravos obedeciam a seus senhores para conseguir alimentos,
roupas, um pedaço de terra, senzalas separadas onde pudessem morar
somente com suas famílias, a oportunidade para expressar sua cultura
(como falar seu idioma e realizar festas) e o direito de comprar a
liberdade, quando juntassem o dinheiro necessário para isso (COTRIM;
RODRIGUES, 2018, p. 202).

A formação de quilombos é exposta também como uma forma de luta, não apenas
abrigando escravizados fugidos, mas também indígenas e brancos pobres. Os exemplos
do Quilombo dos Palmares e da figura de Zumbi são detalhados na página seguinte.
O capítulo 13 analisa as expansões territoriais e deslocamentos durante o período
colonial, as expedições dos bandeirantes e o papel dos jesuítas no projeto colonizador.
Nada se diz sobre o cotidiano de escravizados.
O capítulo 14 busca compreender a interiorização e a fundação de cidades devido
à mineração, além da dinâmica das populações das cidades mineradoras. Os autores se
detêm principalmente nos aspectos econômicos das sociedades mineradoras e no
controle de Portugal na exploração. Contudo, contam sobre a vida de Chica da Silva,
ex-escrava que conseguiu sua alforria e se tornou parte da elite. Quanto aos escravizados
nas minas, evidenciam a grande quantidade de mestiços e negros, insistem na violência
extrema da escravidão e, como forma de resistência escrava, citam as fugas, os
quilombos e as revoltas, mas nada explicam ou detalham. No box “Outras HISTÓRIAS”
oferecem um trecho sobre as irmandades negras e duas questões de interpretação de texto
para serem respondidas pelos alunos no caderno (ANEXO 25).
O volume do livro Historiar para o 8º ano contém em sua terceira unidade os
conteúdos sobre o período imperial brasileiro, abarcando desde o Primeiro Reinado até a
Proclamação da República54. O Capítulo 9, o primeiro da Unidade 3, estuda as principais
características do Primeiro Reinado no Brasil, as transformações sociais e territoriais, as
disputas entre sujeitos históricos, suas revoltas e os motivos que levaram ao seu fim. Em

54
COTRIM, Gilberto; RODRIGUES, Jaime; Historiar: ensino fundamental, anos finais. 3. Ed. São
Paulo: Saraiva, 2018. (Coleção). 8º ano.

65
seu início, é abordado o reconhecimento internacional da independência brasileira e a
organização institucional e simbólica nos primeiros anos do império: a elaboração de uma
Constituição pela Assembleia Constituinte, a criação de símbolos nacionais, o surgimento
dos partidos políticos da época. Os autores reforçam que, durante a Assembleia
Constituinte de 1823, a escravidão foi um tema debatido, indicando quea grande maioria
de seus deputados considerava a população negra um perigo e preferiu mantê-la sem
direitos, na condição jurídica depropriedade de outra pessoa, o que significou a
manutenção da escravidão no Brasil independente. Eles apresentam também a divisão
dos poderes da Constituição de 1824, conceituando o voto censitário e o regime do
padroado, problematizam seu caráter excludente, visto que a imensa maioria da
população não tinha propriedade e consequentemente, não participava da política.
(COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 136). Uma das revoltas tratadas no capítulo é a
Confederação do Equador. Focando na liderança de Frei Caneca e Cipriano Barata, os
autores citam superficialmente a problematização da pobreza de uma parte da população
e a defesa do fim do tráfico e da igualdade entre cidadãos como bandeira por parte de um
grupo de líderes do movimento.
O capítulo 10 se dedica a tratar do período regencial, caracterizado por ser
politicamente e socialmente agitado. Os autores apresentam a Revolta dos Malês, a
Cabanagem, e Farroupilha, a Sabinada e a Balaiada como revoltas provinciais
representativas da época. Dentre as motivações das revoltas, destacam que “estavam em
jogo questões como: fortalecer o poder central ou dar autonomia para as províncias;
manter ou abolir a escravidão; adotar a monarquia ou a república como forma de
governo.” (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 148) Nas suas primeiras páginas, o
capítulo esmiúça bem as divisões políticas e os partidos do período, diferenciando seus
objetivos, setores sociais, e líderes de destaque. Quanto às revoltas provinciais, apenas
uma página é reservada a cada uma, com exceção da Farroupilha, que ganha duas
páginas. Os autores oferecem ao professor como material complementar um texto que
trata das concepções historiográficas sobre a Revolta dos Malês, defendendo, em sua
conclusão, que, apesar de derrotado, o movimento abalou estruturas do sistema
escravista, tendo sido um movimento de resistência que almejava a liberdade (COTRIM;
RODRIGUES, 2018, p. 153). Na página seguinte, um boxe traz uma atividade para ser
respondida pelos alunos a partir da leitura do texto “Os legados da escravidão na
América”, desenvolvido pelos autores, contudo, não se oferece material de apoio ao
professor para fomentar a discussão em sala (ANEXO 26). No final do capítulo, a

66
seguinte questão é lançada aos estudantes: “Com base no que você aprendeu sobre a
Revolta dos Malês, na Bahia (1835), debata a seguinte afirmação: "Os escravizados eram
facilmente dominados pelos senhores". Como resposta sugerida ao professor temos:
“Tema para debate. Os alunos devem perceber que a Revolta dos Malês foi um exemplo
marcante de que os escravos lutavam pela liberdade. A resistência à escravidão assumiu
várias formas, dentre elas, a luta armada” (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 160). Tanto
a questão, quanto a sugestão de resposta é pouco desenvolvida, embora se afirme que se
trata de um tema para debate, o livro não oferece subsídios nem ao professor, nem ao
aluno para instigar as discussões, além disso, não se apresenta nenhum outro exemplo de
resistência além da luta armada.
O conteúdo do Capítulo 11 engloba todo o Segundo Reinado: analisa seus
embates políticos; caracteriza a economia cafeeira; o processo que levou ao fim do tráfico
negreiro; a chegada de imigrantes; a construção de um ideal de nacionalidade a partir do
Romantismo e da cultura popular. Assim como nos outros capítulos, as disputas políticas
e partidárias ganham destaque. A economia cafeeira também ganha enfoque no conteúdo
do capítulo para os alunos, nos boxes complementares, como atividade e com textos de
suporte ao professor. Já o fim do tráfico de escravos é pouco discutido, não se apresentam
aos alunos os motivos internos, e principalmente externos que levaram à promulgação da
Lei Eusébio de Queiroz em 1850. A Lei de Terras é caracterizada pelos autores,
informando-se que foi aprovada no mesmo ano em que se proibiu o tráfico (1850), e que
devido a sua configuração, muitas pessoas mais pobres não conseguiam comprovar o
usucapião da terra e ter direito a propriedade, fazendo com que o patrimônio dos grandes
proprietários se mantivesse e dificultando a acesso à terra dos mais pobres. Porém, não é
problematizada a relação da Lei de Terras com o fim da escravidão como um instrumento
que desvalorizou ainda mais o trabalho dos negros, já que financiou a vinda de colonos
estrangeiros livres, e como ela ainda é percebida na atualidade, com a tradição do
latifúndio no Brasil e os problemas de acesso à terra.
Os autores declaram que o Romantismo distorceu elementos culturais populares
para que se tornassem aceitos pela elite. Também apontam a capoeira como uma prática
para “superar as dificuldades do dia a dia” e para criar “laços de solidariedade e enfrentar
as violências do regime escravagista” (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 177)
O capítulo 12 estuda os processos que resultaram no fim da monarquia e na
implantação da república; caracteriza a Guerra do Paraguai, suas diferentes visões e as
consequências; e analisa o movimento abolicionista e o posterior fim da escravidão.

67
(COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 180) Ao discutir o fim da escravidão, o livro defende
que a campanha abolicionista cresceu após a Guerra do Paraguai e que os abolicionistas
se manifestavam em comícios e nos periódicos, para, em seguida, apresentar uma
pequena biografia dos abolicionistas Luiz Gama, André Rebouças, José do Patrocínio e
Chiquinha Gonzaga. Na página seguinte, descrevem a Lei do Ventre Livre e a Lei dos
Sexagenários. E defendem que estas leis permitiram aos senhores de escravos ganhar
tempo até a abolição, ao mesmo tempo em que levaram a uma intensificação da busca de
liberdade pelos meios legais e jurídicos. Logo em seguida afirmam que:

Em 13 de maio de 1888 a escravidão foi extinta no Brasil, com a


promulgação da chamada Lei áurea, assinada pela princesa Isabel. Ela
exercia a regência do Império enquanto dom Pedro II, seu pai, viajava
pela Europa. Mais de 700 mil escravizados foram libertados com a Lei
Áurea. (COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 187)

Como orientação ao professor, sugerem que se apresentem as visões sobre a Lei


Áurea e sobre o 13 de maio como uma data comemorativa

O significado do 13 de maio de 1888 como data simbólica pode render


um bom debate em sala de aula. A assinatura da Lei Áurea pode ser
interpretada de várias maneiras, de acordo com quem analisa a data.
Para os simpatizantes da Monarquia, a família real e os parlamentares
foram os únicos responsáveis pela libertação dos escravizados no
Brasil. Para eles, a data é vista de forma positiva e a princesa Isabel é
considerada “a redentora”. Também há quem pense que comemorar essa
data é um engano, já que a lei não acabou com a discriminação contra
os negros no país. Para substituir esse 13 de maio, os movimentos
negros propuseram comemorar o Dia da Consciência Negra em 20 de
novembro, considerado data provável da morte de Zumbi, líder do
Quilombo dos Palmares. Nas últimas décadas, o dia 13 de maio passou
a ser visto de forma crítica, não como algo positivo ou negativo. Sem
afirmar que a princesa Isabel foi bondosa ao libertar os cativos,
valoriza-se a assinatura da lei como o reconhecimento da pressão dos
negros (escravizados ou libertos) pelo fim da escravidão. Segundo esse
ponto de vista, em 13 de maio de 1888 não houve uma “doação real”,
mas sim uma conquista popular da liberdade. Indague os alunos a
respeito das diferenças no significado atribuído às datas comemorativas.
(COTRIM; RODRIGUES, 2018, p. 186)

2.1.4. História sociedade & cidadania

A coleção História sociedade & cidadania55 aprovada pelo PNLD de 2020, está
em sua quarta edição. Ela foi escrita por Alfredo Boulos e publicada pela editora FTD. O
55
BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania. Ensino Fundamental: anos finais. 4. ed.
São Paulo. FTD, 2018.

68
professor Alfredo Boulos Júnior possui doutorado em Educação pela PUC de São Paulo e
mestrado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP).56 Suas coleções são
muito conhecidas e são uma das mais distribuídas pelo PNLD.
As orientações ao professor se dividem em oito capítulos em que se discorre sobre
a metodologia da disciplina de História, a metodologia de seu ensino, a legislação atual e
a BNCC, as seções e divisões do livro, projetos integradores e algumas orientações para
avaliação. No subcapítulo reservado à metodologia da área de história, o autor retoma
ideias básicas que constituem a disciplina: o compromisso do historiador de se voltar ao
passado a partir de demandas impostas por problemas do presente; a cautela para não se
deixar levar por anacronismos. Também apresenta textos caracterizando as três principais
correntes historiográficas da História e posiciona qual perspectiva a coleção se guiará.

Nesta coleção, pautamo-nos por alguns referenciais teóricos da História


Nova, daí entendermos a História como um conhecimento em
permanente construção, por isso tomamos o documento como ponto de
partida e não de chegada na construção do conhecimento e, além disso,
incorporamos a ação e a fala das mulheres, dos negros, dos indígenas,
dos operários e de outros sujeitos históricos antes relegados ao
esquecimento.
Ao longo da obra, utilizamos também a história social inglesa,
recorrendo mais de uma vez aos trabalhos de Christopher Hill, E. P.
Thompson e Hobsbawm para compreender episódios decisivos na
formação do mundo atual, como a Revolução Inglesa, a Revolução
Industrial, a Revolução Francesa, o imperialismo, o movimento
operário, entre outros. Por fim, é preciso dizer que demos maior ênfase
ao conhecimento da história política e do passado público, sem prejuízo
para momentos de ênfase na história cultural, por considerarmos que
neste nível de ensino isso é decisivo para o desenvolvimento de uma
consciência crítica por parte do aluno. ( BOULOS JÚNIOR, 2018, p.
VI-VII)

O autor também elenca conceitos chave para o ensino de história, como “história”,
“tempo”, “cidadania”, “memória”, “identidade”, entre outros, e os conceitua com a ajuda
de textos teóricos.
Quanto ao ensino de história e sua metodologia, o autor também recorre aos
trabalhos da professora Circe Maria Bittencourt para defender a distinção do
conhecimento histórico de uma suposta transposição acadêmica. Também apresenta a
nova concepção de documento para a historiografia recente e orienta os professores
quanto ao seu uso. Textos sobre o uso de imagens e do cinema em sala de aula também
fazem parte do exemplar do professor. No material procura-se ainda relacionar o ensino
56
http://lattes.cnpq.br/1421259871718064. Acesso em: 28/03/2022.

69
de história com a cidadania e com a necessidade de se estudar a temática afro e indígena.
Boulos defende que é necessário que o tema entre em sala não apenas para se cumprir a
legislação, mas também para promover a cidadania entre os alunos, a tolerância, o
respeito e a identidade. No capítulo sobre a estrutura dos livros da coleção, se descreve a
função de cada boxe no texto, e as categorias de atividades que se encontram no final do
livro do aluno. O autor oferece ao professor um roteiro para orientar quando for
necessário fazer análises de documentos escritos.
Quanto à estrutura do livro do aluno, os conteúdos são divididos em capítulos,
que por sua vez, são divididos em quatro unidades. Mais uma vez, apenas os subcapítulos
que interessam à pesquisa serão citados.

História sociedade & cidadania – 7º ano História sociedade & cidadania – 8º ano

Unidade I Unidade I
Capítulo 1 – Povos indígenas: saberes e técnicas Capítulo 1 – Iluminismo

Capítulo 2 – Povos e culturas africanas: malineses, Capítulo 2 – Revoluções na Inglaterra


bantos e iorubás
Capítulo 3 – Revolução Industrial

Capítulo 4 – Revolução Francesa e a Era


Napoleônica

Unidade II Unidade II
Capítulo 3 – Mudanças na Europa feudal Capítulo 5 – Rebeliões na América portuguesa

Capítulo 4 – Renascimento e Humanismo Capítulo 6 – Formação dos Estados Unidos

Capítulo 5 – Reforma e contrarreforma Capítulo 7 – Independências: Haiti e América


Espanhola

Capítulo 8 – Chegada da família real e a


emancipação política do Brasil

Unidade III Unidade III


Capítulo 6 – Estado Moderno, absolutismo e Capítulo 9 – O reinado de D. Pedro I: uma
mercantilismo cidadania limitada

Capítulo 7 – As grandes navegações Capítulo 10 – Regências: a unidade ameaçada

Capítulo 8 – Conquista e colonização espanhola na Capítulo 11 – Segundo Reinado: política,


América economia e guerra

Capítulo 9 – América portuguesa: colonização Capítulo 12 – Abolição, imigração e indigenismo


no Império

70
Unidade IV Unidade IV
Capítulo 10 – Africanos no Brasil Capítulo 13 – Industrialização, imperialismo e
Havia escravidão na África antes dos europeus? resistência

Capítulo 11 – Europeus disputam o mundo Capítulo 14 – Estados Unidos e a América Latina


atlântico no século XIX

Capítulo 12 – A formação do território da América


portuguesa

Quadro 4 - Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da coleção História sociedade &
cidadania.

O conteúdo de História do Brasil no livro do 7º ano se inicia no capítulo 9, com o


encontro de nativos e colonizadores portugueses. Neste capítulo, se descreve o processo
de divisão do território com capitanias hereditárias, a instauração do Governo-Geral e a
economia colonial. Neste subcapítulo, o autor elenca as razões para a compra de
africanos, o funcionamento dos engenhos e o processo de produção do açúcar. Além do
açúcar, também se enfatizam outros gêneros, como tabaco e o fumo. Tanto nas
orientações ao professor, como no livro do aluno, realmente se oferece uma perspectiva
historiográfica recente sobre os conteúdos. Neste capítulo em questão, são publicados
excertos das obras de Stuart B. Schwartz e James Lockhart, Boris Fausto, Sheila de
Castro Faria, Manolo Florentino e João Fragoso. A concepção de pacto colonial como um
monopólio exclusivo da metrópole também é problematizada, para isso, se utiliza a seção
“Para refletir” e se oferece um trecho de um texto de Sheila Faria de Castro sobre o tema,
com perguntas balizadoras57. Sobre a sociedade colonial, o autor afirma que novos
estudos trazem novidades sobre o assunto, além dos senhores de engenho e dos
escravizados, também havia comerciantes, pessoas livres, mestiços, trabalhadores
assalariados, dentre outros. Ao retratar a experiência dos escravizados na colônia, o livro
aponta a importância do trabalho escravo para a economia, a porcentagem de sua
participação nas categorias de trabalho, as senzalas como suas moradias e a historiografia
recente sobre família escrava. Sobre o tema, o autor afirma:

Estudos recentes sobre registros de batismo, casamento e morte de


escravos vêm mostrando que as famílias escravas tinham práticas,
visões e valores próprios. E mais: reagiam à imposição de seus

57
BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania. Ensino Fundamental: anos finais. 4. ed.
São Paulo. FTD, 2018. (Coleção). 7º ano. p. 170.

71
senhores, tomavam iniciativas e buscavam viver do seu jeito
(BOULOS JÚNIOR, 2018. p. 173).

Iniciando a Unidade IV, o Capítulo 10 – “Africanos no Brasil”, reflete sobre a


experiência africana desde a escravidão antes da chegada dos portugueses até as formas
de resistência no território brasileiro. Caracteriza-se a escravidão das sociedades
tradicionais africanas anteriores à chegada dos europeus e busca-se diferenciá-la da
escravidão após o século XV com o tráfico atlântico. O capítulo discorre sobre as regiões
de origem e a quantidade de escravizados trazidos da África. Como sugestão de atividade
ao professor, o livro apresenta um texto que problematiza a afirmação de que “africanos
escravizaram africanos”, e traz questões sobre o assunto aos alunos. (BOULOS JÚNIOR,
2018. p. 181) A perda do nome africano e o batismo após sua chegada também entra em
pauta, sustentando-se que, junto com essa “troca”, os escravizados também perdiam a
liberdade. O processo de travessia do mar é descrito como exaustivo, super lotado, sem
condições de higiene e propício para inúmeras mortes, salientando-se, porém, que,
mesmo com as perdas, o tráfico continuava extremamente lucrativo (BOULOS JÚNIOR,
2018. p. 181). Quanto ao trabalho que os escravos realizavam, assinala-se a existência de
longas jornadas de trabalho, de distintas ocupações possíveis para homens e mulheres
escravizados, e de trabalhadores libertos. A violência e a má alimentação presentes no
cotidiano dos escravizados são abordadas no capítulo de forma sucinta.
O capítulo enfatiza bastante a cultura africana que foi incorporada à nossa
sociedade, relacionando-a também às resistências ao cativeiro. Nesse sentido, citam a
prática da capoeira, os festejos e as irmandades religiosas:

A escravidão é uma instituição muito antiga e existiu em várias partes


do mundo. Mas, onde houve escravidão, houve resistência. No Brasil,
não foi diferente. O excesso de trabalho, a disciplina rigorosa, os
castigos, o fato de o senhor não cumprir com a palavra quando um
escravizado conseguia juntar dinheiro para comprar sua carta de
alforria, tudo isso provocou diferentes formas de resistência entre os
escravizados. Eles resistiam praticando religiões de origem africana;
jogando capoeira; promovendo festejos, como o congado, o reisado, o
jongo; e fundando irmandades. (BOULOS JÚNIOR, 2018. p. 187).

As quatro últimas páginas do corpo de texto do capítulo formam um subcapítulo


intitulado “Outras formas de resistência”, no qual se afirma que:

Os africanos e seus descendentes resistiram também desobedecendo,


fazendo corpo mole no trabalho, quebrando ferramentas, incendiando

72
plantações, suicidando-se, agredindo feitores e senhores, negociando
melhores condições de vida e trabalho, fugindo sozinhos ou com
companheiros e formando quilombos. (BOULOS JÚNIOR, 2018. p.
189).

Contudo, nos tópicos seguintes, apenas se aborda a formação de quilombos,


especialmente de Palmares e das expedições contra ele (intituladas como guerras” e dos
remanescentes de quilombos. Mesmo elencando outras formas de resistência, nada se diz
sobre elas.
No fim do capítulo, o box “Vozes do passado” (ANEXO 27) traz o trecho de um
tratado de paz proposto por escravos de engenho da Bahia em 1789, presente na obra
“Negociação e conflito'', de João José Reis e Eduardo Silva. Com o documento
apresentado e com as orientações de respostas e comentários ao professor se espera que o
estudante compreenda a participação dos escravos como sujeitos ativos e capazes de
transformar sua realidade, além de entenderem que o texto oferece um exemplo de
resistência ao cativeiro: as negociações entre escravizados e senhores. (BOULOS
JÚNIOR, 2018. p. 199).
O box seguinte, “Vozes do presente”, caracteriza e aponta as diferenças e
semelhanças entre a servidão medieval, a escravidão moderna e a escravidão antiga.
Oferece textos de apoio ao professor e outras perguntas aos alunos. (BOULOS JÚNIOR,
2018. p. 201)
O capítulo 11 trata das disputas entre portugueses, holandeses e espanhóis pelos
territórios americanos entre os séculos XVI e XVII, as invasões holandesas no Brasil e as
suas consequências culturais e econômicas. O capítulo 12 tem como tema as
transformações territoriais da América portuguesa, com apresentação das figuras dos
bandeirantes, dos jesuítas e dos soldados como agentes de proporcionaram a expansão
territorial. Discutem-se também atividades econômicas como a pecuária e a mineração
como fatores que igualmente contribuíram para expansão do território e os tratados e
acordos internacionais que Portugal assinou para legitimar suas posses.
No volume do 8º ano da Coleção História sociedade & cidadania,58 a História do
Brasil aparece a partir do capítulo 5 – “Rebeliões na América portuguesa”. O capítulo
caracteriza as seguintes revoltas: Revolta de Beckman (1684); a Guerra dos Emboabas
(1707-1709); Guerra dos Mascates (1710-1711); a Revolta de Vila Rica (1720); a
Conjuração Mineira (1789) e, por fim, a Conjuração Baiana (1798). A partir da

58
BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania. Ensino Fundamental: anos finais. 4. ed.
São Paulo. FTD, 2018. (Coleção). 8º ano.

73
compreensão e análise das revoltas em questão, se pode perceber a participação ativa dos
colonos reivindicando melhorias, se voltando contra companhias jesuíticas, exigindo a
redução de impostos e, inspirados por ideais iluministas, já no século XVIII, contestando
abertamente a legitimidade da submissão ao governo português. Salienta-se que, apesar
da reação da Coroa portuguesa prendendo e executando líderes do movimento, houve
mudanças proporcionadas por esses movimentos. A participação de afrodescendentes na
liderança de movimentos é destacada no material do professor no subcapítulo da
Conjuração Baiana. Além disso, outro texto de apoio discute o trabalho dos escravos na
cidade de Salvador na primeira metade do século XIX, onde se afirma que pelas péssimas
condições de vida em Salvador, e pelo intenso tráfico nos portos, a taxa de reprodução
entre escravos era muito baixa. Os senhores preferiam alugar escravos de ganho da
cidade e receber uma parte de seu trabalho. Estes escravos tinham a possibilidade de
guardar parte de seu ganho para comprar a sua alforria e ter atividades de lazer.
(BOULOS JÚNIOR, 2018. p. 80)
O capítulo 8 se inicia temporalmente com a chegada da família real ao
Brasil e a transferência da Corte, caracteriza a Insurreição Pernambucana de 1817 e
apresenta o movimento português Revolução Liberal do Porto, que culminou no retorno
de D. João VI e na emancipação em 1822 por D. Pedro.
No capítulo seguinte se desenvolve uma análise sobre os primeiros anos do
reinado de D. Pedro I, as batalhas provinciais por independência, a legitimação da
emancipação por outros países e a escrita de uma nova constituição pela Assembleia
Constituinte, em 1823. Abordando apenas questões políticas, o capítulo se encerra com a
abdicação de D. Pedro I.
Em seguida, o capítulo 10 estuda o período regencial, dando ênfase em algumas
revoltas regenciais, como a Cabanagem, a Guerra dos Farrapos, a Revolta dos Malês, a
Sabinada e a Balaiada. Ao tratar da Revolta dos Malês, iniciada em 1835, o autor é breve
e aponta a exploração no trabalho e a perseguição religiosa como as motivações da
insurreição escrava e muito pouco se fala sobre a religião praticada. Como resultado da
revolta, indica-se que muitos revoltosos foram obrigados a retornar à África e aponta-se
a existência de uma tentativa de branqueamento por parte das autoridades da Bahia. Ao
professor, ressalta-se como encaminhamento do tema que uma maioria de mestiços e
negros da Bahia do século XIX era oprimida por uma minoria branca e que, entre os
oprimidos, os africanos livres ou libertos eram os que mais sofriam. Como forma de
resistência, organizavam-se em comunidades e cultuavam suas religiões (BOULOS

74
JÚNIOR, 2018. p. 165). Quanto às motivações da Sabinada (1837-1838), o autor aponta
o aumento de impostos e a possibilidade de convocação para lutar contra os farroupilhas
no sul do país. A participação escrava é relatada apenas quando em relação à convocação,
por parte dos rebeldes, para que escravizados lutassem a seu lado, com resposta negativa
por muitos deles (BOULOS JÚNIOR, 2018. p. 166). Na Balaiada (1838 -1841), a
participação dos negros é relatada como tendo ocorrido desde o início do movimento de
cunho popular: junto aos bandos de indígenas, vaqueiros e desempregados, a população
quilombola atacava fazendas e defendia pautas como a expulsão de comerciantes
portugueses, substituição do governo provincial e fim da escravidão (BOULOS JÚNIOR,
2018. p. 167).
O capítulo 11 intitulado “Segundo Reinado: política, economia e guerra” se inicia
com a comparação de duas charges que retratam a Guerra do Paraguai – uma publicada
no Brasil e outra no Paraguai. A partir de questões norteadoras aos alunos, pretende-se
discutir as diferentes representações veiculadas por essas imagens e como elas
evidenciavam posicionamentos opostos. (BOULOS JÚNIOR, 2018. p. 178) O capítulo
segue com questões políticas do período, se utilizando de charges e textos de apoio ao
professor para contextualizá-las. Ao fim do capítulo há subtópicos a respeito da pressão
inglesa para o fim do tráfico e do o tráfico entre províncias. O autor relata que, com a
aprovação da Lei Bill Aberdeen, o tráfico negreiro aumentou e o preço dos escravizados
também. O tráfico entre províncias se intensifica após 1850, com a Lei Eusébio de
Queiroz, e o acesso à terra para ex-escravos, imigrantes e pessoas pobres se torna ainda
mais difícil com a aprovação da Lei de Terras. Em seguida, Alfredo Boulos discute o
racismo biológico e as políticas e teorias de branqueamento, usando como exemplo a
pintura “A redenção de Cam” (BOULOS JÚNIOR, 2018. p. 191).
O capítulo 12 se divide entre os seguintes temas: abolição, imigração e
indigenismo durante o Império. O que nos interessa mais de perto é o que é oferecido
aos leitores a respeito do processo abolicionista. O autor afirma que esse processo se
iniciou antes das leis abolicionistas e se estendeu pelo século XIX. Além da legislação, o
autor também enfatiza a resistência escrava e o movimento abolicionista como fatores
que levaram ao fim da escravidão. Como exemplos de resistência, ele cita a
desobediência, as fugas e revoltas, a quilombagem, os levantes urbanos e a busca por
liberdade religiosa (BOULOS JÚNIOR, 2018. p. 204). O autor acentua bastante as
revoltas escravas, retornando os conteúdos presentes no capítulo anterior. Os textos de
apoio ao professor oferecem uma bibliografia com textos recentes sobre o tema. Quanto

75
ao movimento abolicionista, afirma-se que foi um movimento social que ganhou força na
segunda metade do século XIX e congregava defensores de “diferentes origens e cores”
(BOULOS JÚNIOR, 2018. p. 206). Um artigo da historiadora Hebe Maria Mattos é
apresentado no box “Para saber mais” (ANEXO 28), que traz breves biografias dos
líderes abolicionistas André Rebouças, José do Patrocínio, Luiz Gama e Joaquim
Nabuco. Em seguida, destaca-se a participação de artistas no movimento abolicionista,
como Angelo Agostini, e se acrescenta ao texto a charge conhecida como De volta do
Paraguai, com uma proposta de diálogo em classe, porém a imagem não conta com
legenda, citação de origem ou referência de publicação. Também é oferecido ao professor
um texto de apoio que lista a bibliografia e principais produções do artista ítalo-brasileiro
(ANEXO 29). Em seguida, enfatiza-se que o governo e a elite defendiam uma abolição
lenta e gradual, assim foram aprovadas as leis abolicionistas. Com a Lei do Ventre Livre,
de 1871, também se reconhece o direito do escravo poder juntar dinheiro para comprar
sua carta de alforria, conquistando a liberdade. Ao mesmo tempo, as campanhas
abolicionistas ganham força e crescem pelo país. Após quatorze anos da promulgação da
Lei do Ventre Livre, em 1885 se aprova a Lei dos Sexagenários, e sobre esta se declara
que ela trouxe insatisfação e acirrou ainda mais os ânimos e o movimento abolicionista,
unindo diferentes setores da sociedade. As relações entre escravizados e senhores para a
busca da alforria é discutida brevemente em um trecho de um artigo oferecido no
conteúdo para professores. Nele a autora evidencia que existiam estratégias cotidianas
estabelecidas entre escravizado/senhor para a obtenção da liberdade:

As alforrias, através de seu caráter ambivalente, evidenciam que, ao


lado de uma ideologia de concessão senhorial, também foram
conquistadas a partir de estratégias tecidas quotidianamente do lado
escravo. Restrita ao âmbito doméstico, cabia apenas ao/à proprietário/a
legislar sobre a alforria - pelo menos até 1871 quando se garantiu a
cativos/as recorrer na justiça o direito à liberdade. [...]
O fato de as alforrias terem se restringido ao campo costumeiro até a
década de 1870 obrigava que os/as escravizados/as tivessem bom
relacionamento com seus proprietários para que pudessem, por sua
parte, criar as condições para a alforria. Mostrar-se merecedor/a da
liberdade foi uma estratégia largamente utilizada pelos/as
escravizados/as.
Negociar melhores condições de sobrevivência e, quiçá, a liberdade sob
as circunstâncias do cativeiro exigiu dos/as cativos/as obediência,
fidelidade, humildade, dependência e muitos bons serviços. 59
59
NASCIMENTO, Flaviane Ribeiro. No agreste das mulheres a alforria no quotidiano da escravidão
feminina (Feira de Santana, 1850-1888). Revista Histórica on-line, n. 42, jun. 2010. apud: BOULOS
JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania. 8º ano . Manual do professor. 4. ed. São Paulo. FTD,
2018.

76
Por fim, o autor trata do Treze de Maio de 1888 como uma lei que foi também
resultado da pressão da campanha abolicionista e que foi comemorada em todo o país.
Contudo, na sessão de atividades do capítulo, um texto de apoio ao professor trata
das crianças após a Lei do Ventre Livre. Se antes de 1871 a presença de crianças em
documentos da época era muito rara, depois da promulgação da lei se tornou mais
comum a discussão sobre a infância escrava em periódicos, ações judiciais e debates
políticos. Além disso, no texto de apoio, o autor elenca diversos espaços e ocupações de
crianças escravas.60
De modo geral, o livro relata, de forma não muito extensa, a existência de famílias
escravas e sobre como eram meios de resistir ao cativeiro. O que já é louvável e merece
destaque, visto que incorpora no texto base discussões recentes sobre o tema e oferece
outras possibilidades de se pensar o cotidiano da colônia. Quanto à resistência dos
próprios escravizados, cita-se principalmente a quilombagem, a capoeira e as irmandades
religiosas.

2.1.5. História.doc

A coleção História.doc61 foi publicada pela Editora Saraiva e escrita pelos


historiadores Ronaldo Vainfas, Jorge Ferreira, Sheila de Castro Faria e Daniela Buono
Calainho. Foi analisada a 2º edição, de 2018, que foi aprovada pelo PNLD de 2020.
Diferentemente do que ocorre nas outras coleções, todos os autores de História.doc
possuem o título de doutores em História e são professores universitários em exercício ou
aposentados. Ronaldo Vainfas é licenciado e mestre em História do Brasil pela
Universidade Federal Fluminense (UFF), é Doutor em História Social pela Universidade
de São Paulo (USP). Atualmente é professor aposentado da UFF. Tem como temas de
pesquisas relações luso-brasileiras entre os séculos XVI e XVIII, em específico
religiosidades, sexualidades, colonização, escravidão, dentre outros.62 Jorge Luiz Ferreira
também é graduado e mestre em História pela UFF e Doutor em História Social pela
USP. Atualmente é professor titular da UFF. Suas pesquisas estão relacionadas à História
60
ARIZA, Marília B. A. Crianças /Ventre Livre. In: SCHWARCZ, Lilia Mortiz; GOMES, Flávio dos
Santos (Org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras,
2018. p. 169-170. apud: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania. 8º ano . Manual do
professor. 4. ed. São Paulo. FTD, 2018.
61
VAINFAS, Ronaldo et al. História.doc. Ensino fundamental: anos finais. 2º ed. São Paulo: Saraiva,
2018. (Coleção)
62
http://lattes.cnpq.br/2893624319383287. Acesso em 25/04/2022.

77
Política e Cultural da História do Brasil República.63 Sheila de Castro Faria possui
licenciatura e bacharelado em História pela UFF, assim como mestrado e doutorado na
mesma instituição. Seus principais temas de estudo são: escravidão, alforrias, Brasil
Colônia e Império. Atualmente é professora aposentada também da UFF64. Por fim,
Daniela Buono Calainho é graduada em História pela UFF, possui mestrado em História
Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado em História pela
UFF. É professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisa
principalmente temas como inquisição, escravidão e religiosidades com ênfase em
História Moderna e História do Brasil65.
O Manual de apoio ao professor se divide em dois capítulos principais: um diz
respeito à fundamentação teórica e pedagógica da obra e o outro descreve o plano geral
dos volumes e sua adequação à BNCC.
A partir dos quatro critérios de enquadramento de coleções didáticas de História
propostos por Tania R. de Luca e Sônia R. Miranda,66 que são: tipo de abordagem,
perspectiva pedagógica, relações com o desenvolvimento da historiografia e perspectiva
programática, os autores se localizam e definem as perspectivas adotadas.

1. No caso do "tipo de abordagem", optamos por uma Visão Global que


busca articular a informação histórica derivada de um conhecimento
acumulado", com a "dimensão construtiva do conhecimento histórico"
[...]
2. A "perspectiva pedagógica" aqui adotada é do Paradigma
Cognitivista, que pressupõe a construção de um diálogo com o
estudante, desde a abertura dos capítulos até o roteiro de estudos que
encerra cada um deles. [...]
3. Quanto à "relação da coleção com o desenvolvimento da
historiografia", a nossa opção foi pela Perspectiva Eclética, porque
mantivemos "a narrativa com base nos recortes clássicos de conteúdos",
mas incorporamos, no tratamento desses recortes, renovação
historiográfica de caráter tópico.
4. A "perspectiva programática" dominante em nossa coleção é a
Perspectiva Integrada, que procura articular a História da Europa, a
História do Brasil, a História das Américas, a História da África e a
História da Ásia, tomando a História da civilização como eixo
estruturante da cronologia. Adotamos, assim, no tocante à
temporalidade, aquilo que Jean Chesnaux chamou de "quadripartição da
História: Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea". (VAINFAS, R.
et al. 2018, p. VIII, grifo do autor)
63
http://lattes.cnpq.br/4838146606344520. Acesso em 25/04/2022.
64
http://lattes.cnpq.br/8266246924327353. Acesso em 25/04/2022.
65
http://lattes.cnpq.br/2666311687962975. Acesso em: 25/04/2022.
66
LUCA, Tania Regina de; MIRANDA, Sonia Regina. O livro didático de História hoje: um panorama a
partir do PNLD. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 48, 2004. apud: VAINFAS, Ronaldo et
al. História.doc. Ensino fundamental: anos finais. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2018. (Coleção) p. VI.

78
Os autores descrevem brevemente o percurso e contexto histórico dos livros
didáticos exclusivos sobre história do Brasil, apontando que esse padrão de publicação
entrou em declínio a partir do século XXI, com a Perspectiva Integrada – concepção
esta que foi adotada na coleção. Defendem que o estudo da história do Brasil inserida da
divisão temporal quadripartida é mais apropriada e benéfica ao aprendizado histórico,
pois "eurocêntrica ou não, a colocação do Brasil [...] em posição subordinada à dinâmica
internacional é mais fiel ao papel do país no processo histórico ocidental, onde ele se
inclui” (VAINFAS, R. et al. 2018, p. IX).
Como renovações teórico-metodológicas os autores acrescentam que os livros de
história recentes e também esta coleção contam com o recurso do hipertexto. Com ele o
conteúdo não precisa ser lido de forma linear e é integrado e dialoga com outros tipos de
textos, documentos e imagens. Assim, integrados ao hipertexto, descrevem o tratamento
dado aos documentos históricos e às imagens que compõem a coleção. Apontam que,
apesar de essenciais ao ensino de História, algumas vezes os documentos são inseridos
em livros didáticos como meio de comprovação do texto-base. Porém este procedimento
não é mais tão frequente nos livros de história recentes. Para a coleção História.doc, os
autores sustentam que a noção de documento precisa ser problematizada, dando
importância ao seu contexto de produção.

[...] destacar a nossa opção por problematizar o documento escrito: na


época de sua produção; na linguagem; no fato narrado; na agência ou no
autor que o emitiu; no receptor da mensagem; na memória da fonte,
sobretudo no caso de "documentos monumentais". (VAINFAS, R. et al.
2018, p. XI)

Na coleção, relatam que a imagem é elemento fundamental no hipertexto e recebe


seções exclusivas nos capítulos. Concebida como documento histórico, ela tem seu uso
ilustrativo condenado pelos autores, que, pelo manual, buscam orientar o professor a
analisá-las a partir do método iconológico de Erwin Panofsky.

O pressuposto aqui é o de que a imagem, em um livro didático de


História, não deve ser tratada como simples ilustração do que está
escrito, e muito menos como retrato fixo do passado, como se fosse o
registro de uma verdade histórica. (VAINFAS, R. et al. 2018, p. XI)

Além da problematização de documentos históricos, do uso e da análise


iconológica de imagens, os autores também citam a interdisciplinaridade como um dos

79
aspectos renovadores da coleção. A interdisciplinaridade começou a ser defendida pelos
historiadores desde o surgimento dos Annales a partir de 1930, quando se defende que a
escrita da história não se limite ao prisma político, mas abarque também o social e o
cultural, com as pesquisas acadêmicas dialogando com diversas disciplinas como a
Sociologia, Antropologia, a Psicologia, as Artes, dentre outras. A interdisciplinaridade no
ensino de história e nos livros didáticos também já é consensual. Os autores afirmam
seguir esse direcionamento enfatizando a Antropologia nos textos-base e a Geografia no
hipertexto. (VAINFAS, R. et al. 2018, p. XII)
Como inovação teórico-metodológica, os autores constroem as narrativas a partir
do que chamam de “Jogos de escala”. Defendem o uso do termo “inovação”, uma vez
que, para eles, tal proposta é uma ação de fato original em livros didáticos. Eles
apresentam pontos de vista e visões de diferentes grupos sociais contrapondo suas
narrativas no texto, com boxes, imagens, textos complementares, etc. Essa inovação,
como defendem, estabelece vínculo e familiaridade entre a história e o leitor, além disso,
ao articular eventos de perspectiva geral com episódios e personagens “menores”, se
contempla a metodologia de pesquisa da micro-história. “Em termos concretos, todos os
capítulos da coleção contêm uma narrativa microanalítica. Os temas de cada capítulo são
introduzidos por um personagem, algumas vezes por um episódio, raras vezes por um
grupo (personagem coletivo).” (VAINFAS, R. et al. 2018, p. XV) No quadro a seguir
estão descritos os capítulos presentes nos volumes do 7º ano e 8º ano da coleção
História.doc, e nos capítulos que interessam à pesquisa, temos a descrição que os autores
dão aos personagens e as narrativas abordadas como “Jogos de escala”.

História.doc – 7º ano História.doc – 8º ano

Unidade 1 – Mudanças no feudalismo e a expansão Unidade 1 – A crise do Antigo Regime


atlântica europeia
Capítulo 1 – A Europa no tempo do Iluminismo
Capítulo 1 –Mudanças e crise da sociedade
medieval Capítulo 2 – A Revolução Francesa

Capítulo 2 – A Europa das navegações oceânicas Capítulo 3 – Revolução Industrial

80
Unidade 2 – Sociedades ameríndias e conquista Unidade 2 – Américas Independentes
europeia
Capítulo 4 – Movimentos de independência
Capítulo 3 – Impérios Asteca, Maia e Inca americanos

Capítulo 4 – A conquista da América Capítulo 5 – Rebeliões e conjurações no Brasil


“Luís Gonzaga das Virgens, pardo, soldado do
Capítulo 5 – A sociedade tupinambá em exército colonial português, enforcado sob a
Pindorama acusação de crime de lesa-majestade por participar
da conjuração baiana ou dos alfaiates, ocorrida na
cidade de São Salvador, Bahia, em 1798.”
(VAINFAS, R. et al. 2018, p. XVIII)

Capítulo 6 – A construção do Império do Brasil

Capítulo 7 – Rebeliões no Brasil regencial


“Cosme Bento das Chagas, ou Preto Cosme,
liberto que organizou um quilombo e liderou a
participação de escravizados e libertos na revolta
da Balaiada, ocorrida no Maranhão, uma das
principais revoltas do período regencial.”
(VAINFAS, R. et al. 2018, p. XVIII)

Unidade 3 – A modernidade no Ocidente europeu Unidade 3 – Escravidão e liberdade


Capítulo 6 – Renascimento e Humanismo Capítulo 8 – A cafeicultura no Brasil escravista
“Os irmãos Antônio e Francisco Clemente Pinto,
Capítulo 7 – Reformas religiosas que investiram na cafeicultura escravista durante o
século XIX, fazendo grande fortuna.” (VAINFAS,
Capítulo 8 – Monarquias absolutistas R. et al. 2018, p. XVIII)

Capítulo 9 – Os Estados Unidos entre o liberalismo


e a escravidão

Capítulo 10 – Crise da escravidão e da monarquia


no Brasil
“José do Patrocínio, ou "Zé do Pato", jornalista e
abolicionista radical, que atuou no período de crise
da escravidão e da decadência do Império do
Brasil.” (VAINFAS, R. et al. 2018, p. XVIII)

Unidade 4 – América e África na modernidade Unidade 4 – A burguesia domina o mundo


Capítulo 9 – Pirataria e colonização nas Américas Capítulo 11 – Lutas dos trabalhadores

Capítulo 10 – A Africa Centro-ocidental no tempo Capítulo 12 – Nacionalismos em conflito na


do tráfico de escravos Europa

Capítulo 11 – A Africa ocidental no tempo do Capítulo 13 – A partilha do mundo entre as nações


tráfico de escravos – iorubás, fons, jejes e haussás industrializadas

Capítulo 14 – Ciências e costumes na sociedade


burguesa

Unidade 5 – América portuguesa

81
Capítulo 12 – Economia e sociedade na América
portuguesa
“Mestre de Campo Garcia d'Ávila Pereira de
Aragão, da poderosa família da Casa da Torre, da
Bahia, acusado de maus-tratos a seus escravos, na
segunda metade do século XVIII.” (VAINFAS, R.
et al. 2018, p. XVII)

Capítulo 13 – Os holandeses no Brasil

Capítulo 14 – Palmares, a guerra dos quilombos


“Zumbi dos Palmares, último líder e guerreiro do
quilombo do Nordeste açucareiro destruído pelas
milícias coloniais em fins do século XVII.”
(VAINFAS, R. et al. 2018, p. XVIII)

Capítulo 15 – Ouro e pedras preciosas no Brasil


“Francisca da Silva, ou "Chica da Silva", como é
conhecida na literatura brasileira, liberta que se
tornou companheira do contratador de diamantes
do distrito diamantino, João Fernandes de Oliveira,
no século XVIII, em Minas Gerais.” (VAINFAS,
R. et al. 2018, p. XVIII

Quadro 5 - Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da coleção História.doc

No manual do professor também defendem a necessidade de um ensino de


História engajado nas lutas sociais e com ação combativa contra preconceitos. Assumem
o propósito de
[...] promover positivamente a imagem e a cultura dos africanos e
afrodescendentes, dos povos indígenas, dos povos do campo; a imagem
da mulher e a temática de gênero; a educação e a cultura em direitos
humanos, realçando, aqui, os direitos das crianças, dos adolescentes e
dos idosos. (VAINFAS, R. et al. 2018, p. XX, grifo do autor)

Especificamente sobre o ensino de História da África, repetem o discurso de um


ensino engajado, e também amparado pela legislação educacional que impulsionou e
tornou obrigatório o estudo do tema. Hebe Mattos e Martha Abreu67 problematizam as
pedagogias de combate ao racismo e à discriminação propostas em 2004 pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Parecer CNE/CP nº 3/2004 e Resolução
CNE/CP nº 01/2004). As orientações de combate à discriminação racial presentes nas
Diretrizes implicitamente reforçam a dicotomia entre negros e brancos,

67
MATTOS, Hebe; ABREU, Martha. Em torno das "Diretrizes curriculares nacionais para a educação
das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana”: uma
conversa com historiadores. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 21, n. 41, 2008.

82
senhores/escravos. Para as historiadoras, é impossível estabelecer uma separação rígida
entre essas populações.

[...] não é possível no Brasil, em termos históricos, separar de forma


rígida negros e brancos como se fossem, respectivamente, descendentes
de africanos e de senhores de escravos. Muitos africanos e descendentes
de africanos tornaram-se senhores de escravos; as relações interétnicas e
a chamada ideologia do branqueamento tornaram brancos muitos
descendentes de cativos. Por sobre eles, uma prática de silenciar a
respeito das cores, ou de multiplicá-las num quase arco-íris descritivo,
procurou também desconstruir o continuum hierárquico branco/preto,
herdado da experiência colonial. (MATTOS, H. ABREU, M. 2008 apud
VAINFAS, R. et al. 2018, p.XXI)

Os autores da coleção concordam com a problematizações das historiadoras,


afirmando que o racismo vindo do passado escravista precisa ser combatido, mas também
afirmam que não se pode reduzir a realidade da sociedade brasileira a um passado
dicotômico entre brancos e negros (VAINFAS, R. et al. 2018, p. XXI).
No volume do 7º ano, o conteúdo sobre História do Brasil se inicia na última
unidade e conta com quatro capítulos. No capítulo 12, intitulado “Economia e sociedade
na América portuguesa”, são abordadas as estruturas políticas, econômicas e sociais da
América portuguesa, a produção açucareira, dispositivos administrativos e a mão de obra
utilizada. O personagem retratado é o mestre de campo Garcia d’Ávila Pereira de Aragão,
membro da poderosa família da Casa da Torre, na Bahia. Garcia d’Ávila, mesmo sendo
um dos homens mais ricos da Bahia, foi denunciado ao Tribunal do Santo Ofício de
Lisboa por ser extremamente violento com seus escravos em 26 diferentes casos. Mesmo
com mais de 56 pessoas testemunhando em seu desfavor, o processo foi arquivado e não
houve nenhuma pena. Para os professores, os autores sugerem que comentem que mesmo
que raros e desvantajosos a um proprietário de escravos, os casos de violência extrema
existiam. No mesmo capítulo, no box “Você já ouviu falar…”, os autores diferenciam
brevemente a escravidão moderna, escravidão antiga e a servidão.

...que pessoas escravizando outras pessoas foi uma situação que sempre
existiu nas sociedades humanas, mas somente em alguns lugares e
épocas ela foi a base da economia? Foram os casos, por exemplo, da
Grécia e de Roma, na Antiguidade, e da América, no Período Moderno,
onde as pessoas submetidas à escravidão eram consideradas uma
mercadoria, podendo ser vendidas. A grande diferença é que, no
Período Moderno, o comércio de escravos pelo oceano Atlântico se
tornou uma atividade econômica muito lucrativa e fundamental para
suprir de mão de obra as lavouras da América. Muito diferente do

83
sistema de servidão medieval, em que o trabalhador não podia ser
comercializado, embora fosse vinculado a um senhorio. (VAINFAS, R.
et al. 2018, p. 195)

Ao longo de todo o capítulo, por meio de seções, boxes, atividades


complementares e sugestões ao professor, os autores intercalam a micro-história de
Garcia d’Ávila e de sua família com o panorama geral da sociedade colonial. Ao fim do
capítulo, discutem sobre a mudança na mão de obra utilizando os mesmos termos usados
na época: “negros da terra” para se referirem aos indígenas escravizados e “ negros da
Guiné”, aos escravizados nascidos na África.
Já no capítulo seguinte, que trata da ocupação holandesa no Brasil, me parece
necessário destacar o personagem escolhido para o “Jogo de escalas”. O pernambucano
Henrique Dias era um escravo que foi libertado após se apresentar e servir na guerra
contra os holandeses. No subtópico do texto-base, os autores acrescentam que a alforria
de escravos era possível, embora não fosse comum, e a libertação se desse por questões
específicas. A grande maioria permanecia como cativo até a morte. Destaca-se que
mesmo em uma sociedade com a maioria de negros escravizados, Henrique Dias, negro
liberto, ascendeu socialmente e foi reconhecido. Após ter recebido sua alforria, Dias se
tornou capitão do mato e formou um pequeno grupo de libertos que caçavam escravos
fugidos. Os autores sugerem ao professor um debate entre alunos sobre a possibilidade de
ascensão social de negros em uma sociedade marcadamente escravista a partir de um
sistema de recompensas da Coroa. O que reforça a ideia defendida anteriormente sobre a
impossibilidade de se entender a formação da identidade brasileira a partir de uma
oposição rígida entre brancos senhores e negros escravos. No boxe “Você já ouviu
falar…” os autores revelam como os termos crioulo, preto, e mulato, eram definidos na
época. “...que, na linguagem da época, crioulo era o nome que se dava aos negros
nascidos na colônia, enquanto preto era o natural da África, e mulato era o filho de
branco com negra ou crioula?” (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 214, grifo do autor)
O último tópico do capítulo 13 é intitulado “Henrique Dias: um herói negro”.
Afirma-se que o personagem se distingue tanto na guerra (lutando contra holandeses),
quanto no mato (como capitão do mato caçando escravos e destruindo quilombos).
Acrescenta-se, ainda, que ele se tornou um herói nacional e que buscou melhorar a sua
vida e a de seus próximos em uma sociedade racista e colonial. (VAINFAS, R. et al.
2018, p. 219)

84
A possível “hipocrisia” de ser um liberto negro e depois se tornar capitão do mato
é discutida em uma das atividades do fim do capítulo, na sessão “O passado presente”.
No texto os autores defendem que história e memória são diferentes e que: “a história
"luta" contra a memória. A primeira se esforça para reconstruir o passado com base em
documentos. A segunda busca reconstruir uma história afinada com os valores de seu
tempo. Uma história, por assim dizer, oficial e politicamente correta” (VAINFAS, R. et
al. 2018, p. 221)
Os autores seguem afirmando que Henrique Dias, mesmo sendo negro, foi
retratado no século XIX por Varnhagen como herói nacionalo, enquanto que, no século
XXI, o Movimento Negro Unificado o descreveu como traidor da “raça negra”.

[...] No entanto, ao tratar das guerras pernambucanas contra os


holandeses, elogiou Henrique Dias por "renunciar aos defeitos de sua
raça" (negra) para servir ao rei de Portugal. Como se fosse "um negro
de alma branca", para citar expressão muito usada no século XX,
sobretudo quando se tratava de personalidades como Pelé.
No século XXI, ao contrário, Henrique Dias foi tomado como traidor da
raça negra por diversos brasileiros integrantes do Movimento Negro
Unificado. Não só por servir à Coroa portuguesa, mas por ter combatido
quilombos, atuando como capitão do mato. Um dos críticos de
Henrique Dias chegou a dizer que os capitães do mato eram pessoas de
caráter flutuante, uma ralé a serviço dos senhores de engenho,
oferecendo Henrique como exemplo. Muitos militantes dessa causa
usam o termo capitão do mato para designar os negros que traem a luta
pela igualdade racial, atuando em favor do sistema racista que prevalece
no Brasil. (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 221)

Acredito que seja uma perspectiva problemática defender que o Movimento


Negro não se guia pela “História” e apenas por uma “Memória com valores de seu tempo
e politicamente correta”. No texto escrito pelos autores não fica claro onde Francisco
Varnhagen elogiou Henrique Dias, e nem quem foi o crítico de Henrique Dias no
Movimento Negro. Já na orientação ao professor referente a essa seção os autores
reafirmam o contexto social em que Henrique Dias se inseria, declarando que a
historiografia do século XIX optou por “celebrar” o protagonismo militar contra os
holandeses, enquanto o Movimento Negro no século XXI optou por “condenar” sua
escolha de ser capitão do mato, o que era comum para muitos libertos.
Henrique Dias foi mesmo capitão-do-mato na juventude, líder de um
bando que caçava escravizados fugidos e reprimia quilombolas. Muitos
africanos ou afrodescendentes libertos faziam o mesmo naquela época.
Henrique Dias, nesse ponto, nada tem de excepcional. O protagonismo
dele aparece apenas nas guerras pernambucanas, seja na resistência aos

85
holandeses, seja na luta pela expulsão deles. Ele fez uma escolha. Foi
esta última escolha que a historiografia do século XIX celebrou. Foi a
primeira escolha que o Movimento Ne gro condenou no século XXI.
Isso comprova que Memória e História se opõem. E vale lembrar que a
atuação de Henrique Dias foi reconhecida pelo governo brasileiro em
1992 e 2012. Basta conferir as condecorações em governos muito
diferentes. (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 221)

O capítulo 14 é reservado apenas para o estudo do Quilombo dos Palmares e para


a figura de Zumbi, que é o tema em todos os tópicos do texto-base e seções do hipertexto
para os alunos. Nada se diz sobre outros modos de resistência no século XVII ou outros
quilombos. Um dos objetivos gerais do capítulo, apontado pelos autores no manual, é:
“Apresentar os diversos tipos de quilombos que existiram no Brasil durante a vigência do
sistema escravista”. Porém, para satisfazer esse objetivo principal, só se oferecem textos
complementares aos professores.
O próximo capítulo estuda a sociedade colonial do século XVIII, as Reformas
Pombalinas e de que forma a atividade mineradora impactou o Império português. A
personagem analisada é a parda alforriada pelo seu senhor e companheiro, Francisca da
Silva. Inserindo sua vida particular no contexto geral, os autores destacam que a
liberdade de Chica da Silva era uma exceção, pois, em primeiro lugar, havia poucas
mulheres nas áreas de minas e, em segundo, aquelas que se alforriaram conseguiram
pagar por sua liberdade com o pecúlio de seu trabalho como “negras de tabuleiros”
vendendo quitandas e objetos nas ruas. (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 235) Chica da Silva
se tornou parte da elite mineira e sua família se manteve no poder por anos a seguir,
assim, seu passado de escrava teria ficado apagado. (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 243)
No volume referente ao 8º ano, temos no 5º capítulo a abordagem das principais
revoltas e conjurações dos séculos XVII e XVIII. O personagem do capítulo é Luís
Gonzaga das Virgens, participante da Conjuração Baiana em 1798. No capítulo se
conceitua revolta, sedição, inconfidência e conjuração, e a partir das diferenças de cada
termo, são apresentados os contextos de cada movimento. Luís Gonzaga era pardo e
soldado do exército colonial português. Os autores reforçam que, em tese, as punições
eram as mesmas a todos, contudo, na realidade, variavam de acordo com a posição social
do acusado, punições mais severas eram dadas aos envolvidos de camadas sociais mais
baixas.
O capítulo 6 estuda a construção do império no Brasil, iniciando-se com a
chegada da família real e terminando com a abdicação de Dom Pedro I. O capítulo
analisa os acontecimentos em Portugal que levaram D. João a vir para o Brasil; a

86
urbanização da capital e a chegada da imprensa e de artistas; a volta de D. João para
Portugal e a independência; o Primeiro Reinado e a Constituição de 1824; e por fim, a
abdicação de Dom Pedro I. A personagem do capítulo é Maria Quitéria de Jesus
Medeiros.
O capítulo 7 se chama “Rebeliões no Brasil regencial”, mas vai além do período
em que o Brasil foi governado por regentes. São apresentadas questões políticas, como
as formações de grupos políticos e as ações das regências, como a criação da Guarda
Nacional e a instituição do Ato Adicional. Em seguida, são discutidas as revoltas
regenciais, afirmando-se que, apesar de suas pretensões, “Nenhuma delas, entretanto,
pretendia mudar profundamente a estrutura da sociedade. E nenhuma propôs realmente
acabar com a escravidão” (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 121). Descrevem em subcapítulos
específicos a Cabanagem, a Sabinada e a Balaiada, movimento no qual o personagem do
capítulo se insere. Cosme Bento das Chagas, ou Preto Cosme, foi um liberto que viveu no
Maranhão no mesmo período da Balaiada. Enquanto o movimento se organizava, o
quilombo formado por Preto Cosme surgiu como outra frente na luta. Escravos e libertos
foram soldados nas revoltas, porém não lhes era concedido o protagonismo na luta. Os
autores reforçam que mesmo com a participação de libertos e escravos, a abolição não se
tornou pauta de defesa destes movimentos; pelo contrário, muitos a temiam. Visto que a
maioria da população no Brasil era escrava e com o exemplo do que ocorreu no Haiti, a
elite temia revoltas escravas, o que fazia com que, de acordo com os autores, elas fossem
reprimidas com bastante violência. Como exemplos de revoltas escravas, são
apresentadas brevemente a Revolta das Carrancas, a Revolta dos Malês e a Revolta de
Manuel Congo. Ao final do capítulo se estudam a Farroupilha e o início do Segundo
Reinado. (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 125)
O capítulo 8, “A cafeicultura no Brasil escravista” tem como personagens os
primos Antônio e Francisco Clemente Pinto, investidores que enriqueceram com a
cafeicultura e com a mão de obra escrava. Neste capítulo se estudam o crescimento da
economia baseada no café e a crise do trabalho escravo. Os autores apresentam bem o
quadro demográfico no texto-base, nos boxes do hipertexto e no material ao professor,
relacionando o tráfico com a economia cafeeira e seu crescimento. Contudo, ao mesmo
tempo, destaca-se que a Inglaterra pressionava o governo imperial para a abolição do
tráfico, nesse contexto se cria a Lei de 7 de novembro de 1831, e posteriormente a Lei
Bill Aberdeen e a Lei Eusébio de Queiroz. Os autores realizam um trabalho
interdisciplinar nos elementos do hipertexto; no box “Outras histórias” oferecem o texto

87
de uma peça teatral e questões aos alunos para que elaborem interpretações sobre o
tráfico de escravos representado no teatro (ANEXO 30). Quanto aos personagens
retratados no capítulo, os autores defendem que os primos Clemente Pinto só
conseguiram enriquecer com o café devido à mão de obra escrava, e como em 1850 o
tráfico negreiro havia sido abolido, a mão de obra em suas fazendas era suprida pelo
tráfico interprovincial.
O capítulo 10, “Crise da escravidão e da monarquia no Brasil”, dá continuidade
aos conteúdos dos capítulos anteriores, analisando principalmente o declínio do regime
escravista e da monarquia. O personagem retratado no capítulo é o jornalista e
abolicionista José do Patrocínio. Como objetivos gerais do capítulo, os autores elencam:

• Analisar o protagonismo negro no processo abolicionista,


• Apresentar as condições que desembocaram na abolição da escravidão
no último país escravista do continente americano.
• Contextualizar as crises que levaram à solução republicana de governo
no Brasil ressaltando sua antiguidade no pensamento de certos setores
da elite política. (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 174, grifo nosso)

O capítulo se inicia com a contextualização da Guerra do Paraguai desde o início


até seu fim, explicando também sobre a convocação de homens livres e escravos para os
batalhões, a promessa que tiveram e a liberdade conquistada por aqueles que eram
escravos. Em seguida, apresenta-se o processo abolicionista que ocorreu no Ceará e
resultou no fim da escravidão em 1884. Como sugestão de atividade complementar ao
professor, os autores trazem um pequeno trecho de um texto publicado por Machado de
Assis no periodico A Terra da Redenção, em que ele compara a escravidão a uma mancha
e afirmaque no Ceará se iniciou a liberdade. (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 179). Indica-se
o crescimento do movimento abolicionista a partir de 1850 e explicam-se os pontos de
vista dos abolicionistas para a abolição, lenta e gradual ou imediata, com ou sem
indenizações. No boxe “Outras Histórias” os autores relacionam a história com a
economia a partir da ideia de propriedade e de escravidão. No mesmo boxe, mostram
uma imagem de Luís Gama e trazem uma breve biografia do abolicionista paulista
(ANEXO 31). Como texto complementar ao manual do professor, os autores oferecem
um trecho de um texto sobre a existência de quilombos abolicionistas, defendendo que
estes eram uma maneira de resistir durante os últimos anos da escravidão (VAINFAS, R.
et al. 2018, p. 180). Destacam também o papel da imprensa como meio de divulgação dos
ideais abolicionistas e crítico à escravidão. Divulgam uma charge de Angelo Agostini em

88
seguida, com uma legenda abaixo, porém não se indica em qual periódico ela foi
publicada (ANEXO 32). No boxe “Outras histórias” os autores mostram como
funcionavam as rodas de expostos, relacionando-a com a vida de José do Patrocínio, que
foi batizado como exposto para não ser escravizado (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 182).
No subcapítulo seguinte, explicam a Lei do Ventre Livre e a possibilidade de compra da
alforria com o direito de pecúlio adquirido, e a Lei dos Sexagenários, apresentando
novamente uma charge de Angelo Agostini sobre o tema. Por fim, apontam que o
crescimento do movimento abolicionista, a fuga de escravos e a criação de quilombos
contribuíram para a abolição da escravidão (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 185). A seguir,
os autores descrevem que muitos libertos foram para as cidades em busca de emprego e
se formou o que conhecemos hoje como favelas. Também oferecem a reflexão sobre o
ideal de embranquecimento da população, com o boxe “Que há na imagem?” que traz o
quadro de Modesto Brocos, A redenção de Cam (VAINFAS, R. et al. 2018, p. 186). O
conteúdo seguinte do capítulo evidencia as razões e motivos que levaram ao fim do
império e à Proclamação da República em 1889.

2.1.6. Teláris História

A coleção Teláris História foi editada pela editora Ática e escrita por Cláudio
Vicentino e José Bruno Vicentino68. Cláudio Vicentino é licenciado em Ciências Sociais
pela USP, e José Bruno Vicentino tem licenciatura em História pela PUC-SP. Ambos são
professores de História no Ensino Fundamental, Médio e em cursos pré-vestibulares.
Se comparado com outras coleções, o Manual do Professor desta coleção é breve
e sucinto, diz muito pouco sobre temas teóricos no campo da história, e se reserva um
pouco mais a explicitar seu alinhamento com a BNCC. Reforçam o papel da história
como uma disciplina para se estimular a criticidade dos alunos, por meio da pesquisa e
dos questionamentos, e assim formar indivíduos críticos e responsáveis, capazes de
interpretar sua realidade. De acordo com os autores, todos os volumes da coleção
contarão com “conteúdos mais críticos e atividades mais atraentes” (VICENTINO, C.
2018, p. V)
Os autores também retomam a Diretrizes Curriculares Nacionais e a Lei nº
9.394/96 para relembrar a importância do ensino da cultura e história indígena, africana e
afro-brasileira no ensino de história, e da necessidade de materiais que combatam o

68
VICENTINO, Cláudio; VICENTINO, José Bruno. Teláris história. 1. ed. São Paulo. Ática, 2018.
(Coleção)

89
racismo em favor de uma educação e de uma sociedade igualitária. Sendo essa a proposta
da coleção, afirmam que buscam enfrentar os estereótipos relacionados a estes povos que
são comuns nos livros didáticos de história.
Quanto aos fundamentos da coleção, se diz que a coleção tem o objetivo de levar
o estudante a compreender os processos históricos de maneira abrangente, entendendo o
“encadeamento dos acontecimentos ao longo do tempo”. Os conteúdos são desenvolvidos
de forma cronológica e reúne o estudo da História Geral com a História do Brasil. Quanto
à disposição dos conteúdos nos volumes, os autores optaram por selecionar episódios
principais e emblemáticos para explicar a formação da nação, o que se justifica uma vez
que o Brasil teve um passado colonial e se insere em uma sociedade ocidental.
(VICENTINO, C. 2018, p. X). Nos tópicos seguintes, apresentam a estrutura da coleção,
seus capítulos, boxes, materiais e atividades, e enfatizam o alinhamento com a BNCC e
com seus pressupostos, como as competências emocionais e as habilidades.

Teláris história – 7º ano Teláris história – 8º ano

Unidade 1 – Europa, América e Oriente: Unidade 1 – Mundo contemporâneo: a era das


transformações, encontros e conquistas. revoluções
Capítulo 1 – A formação das monarquias Capítulo 1 – O Iluminismo e a independência das
centralizadas europeias 13 colônias da América do Norte

Capítulo 2 – A expansão marítima europeia Capítulo 2 – A Revolução Francesa

Capítulo 3 – América: povos, reinos e impérios Capítulo 3 – As rebeliões na América Ibérica


antigos

Unidade 2 – Transformações culturais, religiosas e Unidade 2 – Europa e América após o Antigo


políticas na Europa moderna Regime
Capítulo 4 – O Renascimento cultural Capítulo 4 – Napoleão e o Congresso de Viena

Capítulo 5 – A Reforma religiosa Capítulo 5 – A Revolução Industrial

Capítulo 6 – O Estado absolutista europeu Capítulo 6 – As independências na América


espanhola

Capítulo 7 – A independência da América


portuguesa

90
Unidade 3 – Europa e a colonização da América Unidade 3 – Centros de poder e dominação colonial
da África e da Ásia
Capítulo 7 – O mercantilismo e a colonização da
América Capítulo 8 – Os Estados Unidos na século XIX

Capítulo 8 – A administração na América Capítulo 9 – A Europa no século XIX


portuguesa
Capítulo 10 – O imperialismo na África e na Ásia
Capítulo 9 – As fronteiras na América portuguesa

Unidade 4 – Escravidão, economia e dinamismo Unidade 4 – O Brasil monárquico: Primeiro e


colonial Segundo Reinado
Capítulo 10 – Povos africanos e a conquista dos Capítulo 11 – O Primeiro Reinado
portugueses
Capítulo 12 – O período regencial
Capítulo 11 – Escravidão, tráfico e práticas de
resistência Capítulo 13 – Segundo Reinado: economia e
sociedade
Capítulo 12 – A produção açucareira na América
portuguesa e outras atividades Capítulo 14 – A política no Segundo Reinado

Capítulo 13 – A atividade mineradora e o Capítulo 15 – O fim da monarquia no Brasil


dinamismo econômico e cultural

Quadro 6 - Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da coleção Teláris história.

A partir da disposição de capítulos do volume do 7º ano, cabe aqui analisar os


capítulos apenas da Unidade 4, em especial o capítulo 11: Escravidão, tráfico e práticas
de resistência.
O capítulo 10 se resume em conteúdos voltados às sociedades africanas, sua
economia, política, e principais características de cada reino. Porém, um dos objetivos do
capítulo é que o estudante reconheça a herança dos povos africanos para o Brasil e a sua
importância. Para isso, a seção interdisciplinar “Conexões” traz um texto intitulado “A
herança africana do Brasil”, que segue com questões sobre o tema. (VICENTINO, C.
2018, p. 194)
O capítulo 11 “Escravidão, tráfico e práticas de resistência” se inicia com uma
reprodução da litografia de Johann Moritz Rugendas Festa de Nossa Senhora do Rosário,
de 1835, e abaixo se tem perguntas pessoais sobre o que a imagem representa. Na
abertura do capítulo, além da imagem, os autores fazem uma breve introdução sobre a
prática da escravidão, e as transformações após a chegada dos europeus. Os conceitos de
escravidão antiga, servidão medieval e escravidão moderna são muito bem detalhados,
com tabelas apresentando as quantidades estimadas de pessoas escravizadas que foram
traficadas. Em seguida também apresentam as mudanças ocorridas após a chegada dos

91
europeus e os destinos e números do tráfico. No Brasil, os autores explicam como era
feito o transporte dos escravizados e quais seus principais pontos de desembarque e
venda. Também explicam aos alunos o processo de mudança de mão de obra, e os
motivos pela escolha da mão de obra africana escravizada no Brasil. No subtópico
seguinte, descrevem o processo de compra de escravizados, quais cidades lideravam a
venda de cativos, e o cotidiano de violência presente quando se trabalhava no processo
de produção do açúcar. Quanto às formas de resistência, os autores citam as fugas, furtos,
incêndios e destruição de plantações; a recusa ao trabalho e o banzo; as práticas culturais,
como a capoeira e festividades; as uniões familiares; os cultos africanos, e por fim, os
quilombos. Nos boxes “Conheça mais” e “Trabalhando com documentos” trazem textos e
perguntas sobre as festividades de origem portuguesa e de origem africana presentes na
América portuguesa, relacionando-as com as religiões cultuadas. Ainda que brevemente,
o subtópico mostra que os africanos escravizados não aceitavam passivamente o
cativeiro, se uniam e formavam laços identitários e de apoio (VICENTINO, C. 2018, p.
216). Ao fim do capítulo, discorrem sobre a formação de quilombos como uma prática de
resistência coletiva, destacando como exemplo o Quilombo dos Palmares.
O capítulo 12 descreve a economia colonial com enfoque na produção açucareira
e a chegada dos holandeses no Brasil. Assim, descrevem também a formação da
sociedade açucareira, com senhores, escravizados e comerciantes, apresentando também
a estrutura dos engenhos de açúcar. Como texto complementar ao professor, apresentam
um trecho de um texto sobre as condições de vida nas senzalas, publicado na Revista
Superinteressante, (VICENTINO, C. 2018, p. 224). Ao fim do capítulo, como projeto
final do 2º semestre se propõe uma roda de conversa com o tema: O racismo no Brasil
atual. Na mesma proposta, apresentam o trecho de um texto de Darcy Ribeiro,
explicitando os duros castigos sofridos pelos escravizados ( ANEXO 33).
O capítulo 13 analisa a atividade mineradora na América portuguesa e a expansão
e o povoamento que ela gerou, além disso, também descrevem sobre as transformações
sociais e culturais permitidas a partir da mineração. Nesse sentido, os autores destacam
que o crescimento populacional nas regiões de mineração fez surgir uma população
marginalizada, e incluídos nessa população, tinhamos os negros alforriados. Além disso,
também citam a criação de irmandades religiosas para “homens de cor”
Na edição do 8º ano da coleção Teláris História, os conteúdos que aqui nos
interessam se iniciam a partir do Capítulo 3: “As rebeliões na América Ibérica”. Este
capítulo busca identificar os principais eventos rebeldes ocorridos na América Ibérica,

92
reconhecendo os diferentes grupos sociais participantes, as suas características e as suas
motivações. Inicialmente os autores apresentam os movimentos ocorridos na América
Portuguesa, e em seguida os movimentos espanhóis, são eles: a Revolta de Beckman
(1684); a Guerra dos Emboabas (1707-1709); a Guerra dos Mascates (1710-1711), a
Revolta de Filipe dos Santos (1720); a Conjuração Mineira (1789); a Conjuração Baiana
(1789); a Rebelião de Tupac Amaru (1780); o movimento comunero (1781). Os autores
defendem a abordagem conjunta das rebeliões ocorridas na América espanhola e na
América Portuguesa como uma forma de compreenderem a proximidade entre as duas
regiões: “O trabalho comparativo, identificando semelhanças e diferenças, é importante,
assim como a discussão da ideia de unidade nacional, ainda que os movimentos
estudados não tivessem ambições nacionais, segundo as análises historiográficas atuais.”
(VICENTINO, C. 2018, p. 50) Mesmo que a participação de sujeitos escravizados nos
movimentos em questão tenha sido pequena (com exceção da Conjuração Baiana),
reforçam que as resistência de escravizados ao cativeiro se deu em diferentes formas:
rebeliões, fugas, atentados, práticas culturais, etc.

Um tema importante a ser abordado durante a discussão sobre a questão


das revoltas é que a resistência dos escravi zados assumiu formas muito
diversas, por exemplo, as fugas, os atentados contra seus senho res e as
práticas de resistência cultural, tais como a capoeira, as batucadas e as
crenças religio sas que se mantiveram nas so ciedades das colonias. Se
julgar oportuno, peça aos alunos que pesquisem sobre o tema
"resistência indígena e negra no Brasil colonial". Nesse caso, uma fonte
de pesquisa é o site Impressões Rebeldes (<www.historia.uff.br/
impressoesrebeldes>), acesso em: 17 set. 2018; uma grande base de
dados de movimentos de contestação da ordem que se desenrolaram
durante o período colonial. Ele pode fornecer ideias e informações para
que os alunos pesquisem sobre a luta de africanos, indígenas e outros
grupos sociais da colônia. (VICENTINO, C. 2018, p. 52)

O Capítulo 7 aborda o processo de independência da América portuguesa e as


transformações ocorridas a partir da chegada da família real portuguesa no Rio de
Janeiro. Em um dos subcapítulos os autores descrevem a estrutura urbana da cidade do
Rio de Janeiro quando a corte portuguesa chegou, e a diferença com o que era a realidade
dos padrões europeus. Com a volta de D. João para Portugal, o capítulo encerra-se com a
discussão sobre a regência de D. Pedro I (1821-1822) e a proclamação da independência.
Quanto à proclamação, os autores apontam que não houveram mudanças profundas na
economia e na sociedade brasileira, a escravidão se manteve como base da produção
agrícola e alicerce da sociedade, e se antes o Brasil era dependente de Portugal, com a

93
emancipação passou a tornar-se dependente da Inglaterra. (VICENTINO, C. 2018, p.
117)
Na abertura da Unidade 4 “ O Brasil monárquico: Primeira e Segundo Reinado”
(ANEXO 34) os autores apresentam uma fotografia que retrata escravizados
aparentemente jovens, trabalhando na colheita do café no Rio de Janeiro no ano de 1882.
O autor da fotografia é Marc Ferrez. Os autores apontam em box do texto, que “ Os
escravizados trabalhavam desde os 7 anos. Aos 12 seu preço dobrava, pois já podiam
trabalhar mais, e aos 15 anos eram considerados adultos. Faziam parte das propriedades
da fazenda.” Declarados como parte dos bens, se pode inferir a partir da leitura destas
páginas iniciais que existe uma presença de cativos jovens trabalhando na agricultura.
Junto à imagem de Marc Ferrez, posiciona-se os retratos de D. Pedro I e D. Pedro II. No
material para os professores, os autores declaram que a relação entre escravidão e
manutenção da organização política do império será tratada ao longo dos capítulos
seguintes, e que a abolição foi um dos fatores que se somaram à crise de legitimidade da
monarquia e possibilitou a proclamação da República. (VICENTINO, C. 2018, p. 177)
O capítulo 11 tem como objetivos conhecer o cenário político, social e econômico
do Primeiro Reinado e entender os movimentos de contestação e resistência. Já na
abertura do capítulo, os autores apresentam uma obra que é a representação da Batalha do
Jenipapo (ANEXO 35), ocorrida no Piauí, a partir das perguntas norteadoras, o que se
busca compreender é que as batalhas pela independência foram conflituosas e que houve
a participação de vários grupos sociais, o que se opõe à ideia de que a independência se
deu de forma pacífica. (VICENTINO, C. 2018, p. 178). Destaca-se o caráter excludente
da primeira Constituição Brasileira, onde se instala o voto censitário e centraliza o poder
do governo na figura do imperador. O capítulo finaliza-se com o processo de desgaste do
reinado de D. Pedro I, sua volta para Portugal e com o início do período regencial.
O capítulo 12 estuda as características sociais, políticas e econômicas do período
regencial, descrevendo também as rebeliões que ocorreram no período, por fim, explica a
política indigenista no pós-independência. São descritas as seguintes rebeliões: A Revolta
Rural dos Papa-méis, a Insurreição Malê, a Sabinada, a Balaiada, a Cabanagem, e a
Revolução Farroupilha. A participação popular, principalmente de quilombolas e
escravizados, é brevemente citada nos subcapítulos sobre a Revolta Rural dos Papa-méis,
sobre a Balaiada e sobre a Cabanagem. Quanto à Insurreição dos Malês, o capítulo não
dedica ao tema muito espaço no livro do aluno, contextualiza o movimento e também a

94
etimologia da palavra “malês”. Para os professores, orientam que outros temas também
podem ser tratados e que as rebeliões eram também uma forma de resistência:
Orientações didáticas
Ao trabalhar a Insurreição Malê, diversos temas podem ser abordados,
como: religião dos africanos escravizados, identidade, resistência,
delação, etc. É importante destacar que os africanos não eram passivos;
eles empenharam-se em inúmeras formas de resistência (na produção,
na relação com os senhores, nas fugas) e de luta contra a escravização.
Destaque também as características dos africanos islamizados
conhecidos como malês, ressaltando que sob esse grupo se reuniam
diferentes etnias da costa ocidental africana e que muitos deles sabiam
ler e escrever em árabe. Além disso, como forma de aprofundar a
discussão em torno da resistência negra, é interessante propor a
elaboração de uma biografia de personalidades negras que participaram
de movimentos de resistência durante o Primeiro Reinado ou nas
Regências. O resultado do trabalho pode ser apresentado em forma de
seminário ou mural, de maneira que as informações pesquisadas sejam
compartilhadas com a classe. (VICENTINO, C. 2018, p. 196)

O 13º capítulo analisa aspectos econômicos e sociais do Segundo Reinado,


principalmente a importância da cafeicultura, o fim do tráfico negreiro e a Lei de Terras.
O fim do tráfico negreiro é explicado pelas questões inglesas, mais econômicas do que
humanitárias, relacionando-o com o aumento do tráfico interprovincial e o aumento do
valor dos escravizados. Para os professores autores apresentam um texto que destaca a
presença do trabalho escravo nos centros urbanos (VICENTINO, C. 2018, p. 209). Na
seção “Trabalhando com documentos, discutem os casos das amas de leite, mulheres
escravizadas que logo após o parto, são alugadas por seus senhores para amamentar
outras crianças. É exposto um retrato de uma ama de leite junto a uma criança, e também
um anúncio de aluguel de uma ama de leite, publicado em jornal em 1862 (ANEXO 36).
Ao tratar sobre a Lei de Terras de 1850, destacam que foi aprovada ao mesmo tempo da
proibição do tráfico, e que tornava ainda mais difícil o acesso à terra por imigrantes,
indígenas, e pela população livre e pobre em geral. Assim, gerou o aumento das
desigualdades e ampliou ainda mais os territórios de grandes fazendeiros. É reservada ao
final do capítulo uma discussão sobre o papel das mulheres durante o império. Além de
descrever o cotidiano de mulheres brancas, também citam os locais de trabalho e
ocupações de mulheres escravizadas.Apontam também que apesar de não votarem ou se
candidatarem a cargos políticos, essas mulheres atuavam politicamente de outras
maneiras, como por exemplo no movimento abolicionista.
No Brasil do século XIX, a mulher não podia votar nem ser votada, por
ser considerada "incapaz" de tomar decisões importantes (assim como
as crianças, os indígenas e os escravizados). No entanto, considerando

95
que a prática política vai muito além das eleições e da ocupação dos
cargos públicos, podemos afirmar que muitas mulheres atuaram
politicamente em momentos decisivos da história do Império. Um
exemplo foi sua participação no movimento abolicionista, nas décadas
de 1870 e 1880. Nos eventos culturais que promoviam a causa
antiescravista, cantoras, atrizes, compositoras, poetisas e espectadoras
ajudaram a arrecadar fundos para a libertação de escravizados,
colaborando para o fim do regime escravista. (VICENTINO, C. 2018, p.
213)

O capítulo 14 trata sobre questões políticas referentes ao Segundo Reinado: os


grupos políticos, a Revolução Praieira e seus desdobramentos, a Guerra do Paraguai e as
diferentes visões sobre o conflito.
O capítulo 15 detém a retratar o processo e as causas que levaram ao fim da
monarquia no Brasil, destacando também o fim da escravidão e o papel e a importância
dos movimentos abolicionistas. No início do capítulo (ANEXO 37), temos uma foto da
apresentação da comissão de frente da escola de samba Paraíso do Tuiuti, no desfile do
Carnaval de 2018, a comissão foi nomeada O grito da liberdade, e seus participantes
eram todos negros, e estavam caracterizados como escravos usando correntes, algemas e
instrumentos presos ao rosto. Aos alunos, os autores oferecem perguntas para que
interpretem a denúncia feita pela escola de samba e o período e grupo social que
buscaram retratar. Destaca-se as seguintes causas que levaram ao fim da escravidão:
escassez de mão de obra; a repercussão dos ideiais abolicionistas; fatores econômicos
como o alto preço de escravizados, o risco de perder o capital investido e as diversas
formas de resistência e luta de escravizados; a Guerra do Paraguai; a resistência dos
escravizados; e o crescimento de movimentos e associações abolicionistas.
Em seguida, na seção “Vivendo no tempo” (ANEXO 38) apresentam um texto
sobre os movimentos abolicionistas no Brasil entre as décadas de 1870 e 1880, explica-se
a mudança de protagonismos no decorrer das décadas, os principais líderes abolicionistas
e seus locais de atuação. Ao fim, três questões são oferecidas como atividade aos alunos,
a última dessas atividades sugere aos alunos que escrevam uma carta ou artigo
defendendo a abolição, para isso é preciso que o aluno imagine que vive no século XIX
no Brasil, e que retome o que já aprendeu sobre a temática, elaborando justificativas e
defendendo sua ponto de vista.
Os autores discutem também as leis de alforria, detendo-se à Lei do Ventre Livre
(1871) e a Lei dos Sexagenários (1885), logo abaixo, apresenta um gráfico retirado da
obra de Emilia Viotti, Da senzala à Colônia, onde está representado o declínio da

96
população escravizada entre 1832 a 1887, orientando também o professor a pontuar que a
partir do quadro se pode perceber que a elite agrária conseguiu dirigir uma abolição lenta
e gradual, de acordo com suas necessidades (ANEXO 39). A Lei Áurea é citada de forma
breve: “Em 13 de maio de 1888, finalmente, o Congresso brasileiro votou o fim
definitivo da escravidão em todo território nacional. A Lei Áurea foi assinada pela
princesa Isabel, que substituía dom Pedro II (o imperador estava na Europa)”
(VICENTINO, C. 2018, p. 238). A seguir, discutem o destino dos libertos, defendendo
que mesmo com a emancipação, a abolição não significou igualdade e acesso à cidadania
plenamente. Também como parte do capítulo, os autores apresentam as principais ações
afirmativas, como a Lei de Cotas (Lei 12.711 de 2012) e citam algumas outras, como a
Lei 12.288 de 2010, que cria o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei 16.639 de 2003, sobre
o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana em escolas, explicando sua
importância para a correção de desigualdades sociais da atualidade.
Os autores propõem aos alunos a elaboração de um projeto em cada semestre,
com o objetivo de exercer a cidadania problematizando temas atuais. O projeto proposto
para o segundo semestre sugere a elaboração de um folheto com o tema “As marcas da
escravidão no Brasil de hoje”. A proposta é dividida em dois momentos, se inicia na
unidade 3 e é finalizada na unidade 4. (ANEXO 40). Na abertura, os autores apresentam
os objetivos principais do projeto, como desenvolvê-lo, textos de apoio, e dicas para
pesquisa.
O projeto deste semestre envolve a produção de material informativo à
comunidade sobre a trajetória da escravidão no Brasil, passando pelas
dificuldades de inserção das comunidades afrodescendentes até as
atuais práticas de trabalho escravo que ainda persistem em nosso país.
Dessa forma, vocês vão mostrar às pessoas um pouco da trajetória da
escravidão no Brasil, bem como ajudar a conscientizá-las sobre a
importância da luta pela superação dos preconceitos. (VICENTINO, C.
2018, p. 142)

Como textos de apoio aos estudantes, oferecem trechos das obras das
historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling69 e Emília Viotti da Costa70. Sugerem que
o folheto contenha, no mínimo, três partes principais: “1. Um resumo da história da
escravidão no Brasil; 2. Os problemas atuais que a escravidão nos deixou; 3. A luta
contra o trabalho análogo à escravidão ainda existente no Brasil” (VICENTINO, C. 2018,
p. 142).

69
SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2015. p. 92.
70
COSTA, Emília Viotti da. A abolição. 8 ed. São Paulo: Ed. da Unesp, 2008. p. 137-138

97
Ao fim do capítulo 14 já espera-se que os alunos tenham finalizado a primeira
parte do projeto. Neste momento os autores discutem sobre o trabalho escravo na
atualidade, apresentando um texto de apoio e um trecho da Lei 2.848 de 194071 e
propõem que todo o material produzido seja impresso e distribuído pelos alunos. Ao fim
do projeto, os alunos e professores devem discutir sobre o processo de elaboração, as
possibilidades de aperfeiçoamento e refletir sobre o tema em conjunto (VICENTINO, C.
2018, p. ).
Lendo as orientações gerais aos professores percebe-se que não há nenhuma
discussão historiográfica e teórica sobre a História ou sobre o ensino de História, nem
mesmo um posicionamento prévio sobre as correntes historiográficas que a coleção irá
seguir. Esta suposição é comprovada ao analisar os capítulos dos volumes voltados para o
7º e 8º ano: é presente no material do aluno e do professor trechos de obras de
historiadores marxistas como também de historiadores pertencentes à nova historiografia,
contudo não se problematiza as diferentes perspectivas que tais obras têm sobre alguma
temática.

2.1.7. Estudar História: das origens do homem à era digital

A coleção “Estudar História: das origens do homem à era digital” foi escrita
pelas historiadores Patrícia Ramos Braick e Anna Barreto, foi publicada pela editora
Moderna e se encontra em sua terceira edição72. Patrícia Ramos Braick foi professora da
educação básica de Belo Horizonte (MG) em escolas públicas e privados, era também
mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS)73. Patrícia Braick faleceu em abril de 2021. Anna Barreto é mestre em Ciências
com concentração em História Social pela USP-SP, e professora da rede pública e privada
de educação básica de São Paulo.
Os volumes do manual do professor desta coleção são divididos em duas partes, a
primeira parte contém orientações gerais, comuns a todos os volumes, a segunda contém
orientações específicas, com textos de aprofundamento voltados à série específica e com
o livro do estudante.

71
Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal, para estabelecer penas ao crime nele tipificado e
indicar as hipóteses em que se configura condição análoga à de escravo. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.803.htm>.
72
BRAICK, Patrícia Ramos; BARRETO, Anna. Estudar história: das origens do homem à era digital:
manual do professor. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2018.
73
http://lattes.cnpq.br/4437246118895031. Acesso em 12/07/2022.

98
Nas orientações gerais as autoras expõem aos professores a proposta e estrutura
da coleção, oferecendo reflexões sobre a prática docente, sobre o ensino de história e
apresentando os pressupostos teóricos e metodológicos seguidos pela coleção. As
características das correntes teóricas da historiografia são discutidas e esmiuçadas pelas
autoras, reservando tópicos específicos para o materialismo histórico, para a História
Social Inglesa, para a Escola dos Annales, para História Cultural e recupera também a
trajetória da historiografia nacional desde a criação do IHGB até a expansão da
historiografia brasileira durante a década de 1990. Quanto ao posicionamento das autoras
frente às correntes teóricas da historiografia apresentadas, elas pontuam que as mudanças
teóricas influenciam nos livros didáticos e oferecem subsídios para seus conteúdos. A
coleção utiliza aportes de várias correntes, buscando tornar o ensino significativo aos
alunos. Considerando a história como uma disciplina dinâmica e buscando abarcar as
complexidades presente nas relações humanas no decorrer do tempo, as autoras propõem
uma articulação entre diferentes elementos de análise:

Entendemos a história como algo dinâmico que, em permanente


construção, comporta diversos aspectos da experiência humana ao
longo do tempo. Para abarcar a complexidade das relações que
estruturam os diferentes momentos da história, esta obra se propõe a
manter uma articulação entre a política e o cotidiano, entre a economia
e as relações sociais e entre a cultura formal e os aspectos simbólicos
presentes nas sociedades estudadas. (BRAICK, P; BARRETO, A. 2018,
p. XII)

Além de pontuar a abordagem de aspectos econômicos e políticos, já comuns nos


materiais didáticos de história, as autoras indicam diversos exemplos de temáticas
oferecidas pelas novas abordagens historiográficas e suas possibilidades nos materiais
didáticos.

Temas como a alimentação, o vestuário e os costumes aparecem como


proposta de estudo em diferentes ocasiões: no 6º ano, quando tratamos
dos gregos e dos romanos da Antiguidade, dos islâmicos e dos europeus
medievais; no 7º ano, quando enfocamos os escravizados africanos na
América portuguesa; no 8º ano, quando abordamos as alterações dos
costumes franceses da época da grande revolução; e no 9º ano, quando
tratamos sobre os jovens dos movimentos contraculturais da década de
1960. (BRAICK, P; BARRETO, A. 2018, p. XIV)

Enfatizam também a importância de se tratar questões de gênero e alegam tratar


sobre o tema em toda a coleção, evidenciando as diferenças sociais entre homens e

99
mulheres ao longo do tempo. O protagonismo de sujeitos que antes foram marginalizados
pela historiografia é relembrado e destacado pela coleção, incluindo a história
afro-brasileira.

A coleção ainda destaca o papel de grupos e camadas sociais que, na


história tradicional e positivista, não eram contemplados, como os
operários e os trabalhadores em geral, abordando seu cotidiano e modo
de vida. Enfoca também a questão indígena − desde antes da chegada
do europeu ao continente americano até a atualidade, quando diferentes
povos indígenas usam tecnologias digitais − e a história e a cultura
afro-brasileira, por meio das manifestações políticas, artísticas e sociais,
chamando a atenção para o protagonismo da população negra na
conquista de direitos.
Ressaltamos que, sempre que pertinente ao tema estudado, damos
destaque para a luta pela igualdade de direitos e pela defesa dos direitos
humanos. (BRAICK, P; BARRETO, A. 2018, p. XIV)

Os tópicos seguintes oferecem ao professor um excelente e completo arcabouço


teórico e metodológico sobre a natureza do saber histórico, como o uso de fontes em sala,
questões sobre história e memória, e a respeito da natureza do trabalho do historiador.
Também discutem sobre questões relativas ao ensino de história e da história como
componente curricular escolar, como a formação da consciência histórica; a promoção da
cidadania e da tolerância; a interdisciplinaridade; dentre outros temas.
Na segunda parte do manual do professor encontramos textos de aprofundamento
sobre os conteúdos abordados em cada volume. Todos os textos oferecidos foram escritos
por autores clássicos e especialistas sobre o assunto, abordando questões sob diferentes
perspectivas temáticas e também análises recentes da historiografia. No volume do 7º ano
as autoras publicaram um trecho da obra de Wlamyra de Albuquerque e Walter Fraga
Filho74, o texto trabalha a formação de laços familiares e comunitários pelos escravizados
como forma de resistência à violência desagregadora inerente à escravidão. (BRAICK, P;
BARRETO, A. 2018, p. XLIV) (ANEXO 41)
O quadro a seguir exemplifica a organização de unidades e capítulos dos volumes
do 7º e 8º ano da coleção

Estudar História: das origens do homem à era digital Estudar História: das origens do homem à era
– 7º ano digital – 8º ano

74
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador:
Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. p. 95-103.

100
Unidade I – O surgimento da Modernidade Unidade I – O mundo ocidental em transformação
Capítulo 1: Os Estados europeus e o absolutismo Capítulo 1: Das Revoluções Inglesas à Revolução
monárquico Industrial

Capítulo 2: Humanismo, Renascimento e Capítulo 2: Novas ideias: o iluminismo e os


Reformas Religiosas fundamentos do liberalismo econômico

Capítulo 3: Expansão marítima europeia

Unidade II – A conexão entre mundos Unidade II – Revoluções e independências


Capítulo 4: Expansão portuguesa na África e na Capítulo 3: A independência dos Estados Unidos
Ásia
Capítulo 4: França: revolução e era napoleônica
Capítulo 5: Colonização espanhola e inglesa na
América Capítulo 5: Independências na América espanhola

Capítulo 6: Colonização portuguesa na América

Unidade III – A construção do Império Português na Unidade III – Brasil: da crise do sistema colonial ao
América Segundo Reinado
Capítulo 7: Nordeste açucareiro Capítulo 6: Das rebeliões coloniais às lutas pela
emancipação na América portuguesa
Capítulo 8: Sociedade escravista e cultura
afro-brasileira Capítulo 7: Do Primeiro Reinado às Regências

Capítulo 9: Expansão das fronteiras da América Capítulo 8: O Segundo Reinado


portuguesa

Unidade IV – Mudanças na economia do mundo Unidade IV – Transformações no século XIX


ocidental
Capítulo 9: Revoluções e novas teorias políticas do
Capítulo 10: A mineração na América portuguesa século XIX

Capítulo 11: Mercantilismo: uma economia de Capítulo 10: Os Estados Unidos no século XIX
transição
Capítulo 11: A nova ordem econômica e o
imperialismo

Quadro 7 - Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da coleção Estudar História: das
origens do homem à era digital

O quarto capítulo do volume do 7º ano da coleção Estudar História: das origens


do homem à era digital traz aos leitores uma discussão sobre a conceitualização de
“escravidão”. Relembram os alunos que durante o 6º ano foram estudado as práticas de
escravidão na Antiguidade, e em seguida, a diferencia da prática na África antiga. A
relação entre escravização e cor da pele a partir do século VII na África também é
pontuada. As autoras destacam que a prática do racismo foi consolidada apenas após a

101
chegada por portugueses na África no século XV, e após a chegada dos portugueses, se
consolidou o tráfico atlântico e a escravidão moderna. (BRAICK, P; BARRETO, A.
2018, p. 71-72) A coleção contém algumas seções extras, uma delas é a “Refletindo
sobre”. Neste subcapítulo do livro, essa seção questiona os alunos a respeito de práticas
racistas no dia a dia, e sugere que debatam com os colegas sobre o tema. Ao professor o
manual instrui que se problematize e desnaturalize práticas racistas. (ANEXO 42) Outra
seção que cabe aqui pontuar é a “História em construção”, que busca oferecer textos aos
alunos e os leva a compreender as mudanças e construções da historiografia e diferentes
perspectivas. Aqui, o texto publicado é de autoria das historiadoras Lilia Schwarcz e
Heloisa Starling75 e compara a escravidão moderna com a escravidão nas antigas
civilizações, colocando a violência como alicerce do sistema escravista moderno. Ao fim,
se tem uma pergunta interpretativa sobre o mesmo. (ANEXO 43)
O sujeito escravizado volta a aparecer no livro na Unidade III “A construção do
Império Português na América”, que se divide em três capítulos: capítulo 7 - “Nordeste
açucareiro”, capítulo 8 “Sociedade escravista e cultura afro-brasileira”, e capítulo 9
“Expansão das fronteiras da América portuguesa”. O capítulo 7 se detém principalmente
a analisar a economia açucareira nos anos iniciais da colônia, os escravizados ganham
espaço quando se discute sobre a organização dos engenhos e seus sujeitos: os senhores
de açúcar, os arrendatários, os trabalhadores livres, e os escravizados. Destaca-se a
lucratividade do tráfico como principal motivo para a substituição da mão de obra
escrava indígena pela africana, e descrevem as atividades realizadas pelos escravos nos
engenhos. Na seção “Refletindo sobre” as autoras instigam que os alunos exercem a
empatia e se coloquem no lugar dos africanos traficados. “[...]Como você imagina que
era ser levado de seu lugar de origem e separado de sua família à força para trabalhar em
um continente desconhecido? Debata com os seus colegas.” (BRAICK, P; BARRETO,
A. 2018, p. 129)

No capítulo 8 “Sociedade escravista e cultura afro-brasileira” as


autoras se reservam a discutir questões relativas à sociedade e ao
cotidiano dos escravizados, e as influências de sua cultura. Enumeram
como objetivos do capítulo:
Espera-se que, ao estudar o capítulo 8, os alunos possam:
• compreender a dinâmica do comércio de escravizados na América
portuguesa;

75
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia
das Letras, 2015. p. 91.

102
• identificar os mecanismos do tráfico negreiro e os motivos que
levaram o Brasil a tornar-se o principal destino de africanos
escravizados no mundo;
• entender as características da sociedade escravista brasileira e suas
heranças culturais e sociais;
• conhecer o cotidiano dos negros escravizados e suas estratégias de
resistência contra a escravidão no Brasil;
• compreender a importância da influência cultural africana na formação
cultural brasileira;
• destacar a importância das religiões como um modo de manutenção da
identidade cultural dos africanos escravizados. (BRAICK, P;
BARRETO, A. 2018, p. 138)

Na abertura do capítulo há uma foto de baianas na Lavagem do Bonfim, de 2018,


e ao lado um texto e questões. (ANEXO 44) O capítulo apresenta aos alunos o processo
do comércio de escravizados, sua procedência e os números do tráfico. No mesmo
capítulo também explicam a diferença entre uma “sociedade com escravos” e uma
“sociedade escravista”, argumentando que pelo Brasil ter sido uma sociedade escravista,
com a força de trabalho braçal reservada aos escravizados, a cultura da sociedade
escravista entendia que ter um escravo era sinônimo de status social, e via com desprezo
o trabalho braçal. Por meio de uma pergunta aos alunos e com um texto de apoio ao
professor, as autoras discutem sobre a desvalorização do trabalho braçal na atualidade.
(BRAICK, P; BARRETO, A. 2018, p. 142)
Sobre o cotidiano dos escravizados na América portuguesa, as autoras comentam
a divisão de grupos entre os escravizados: boçais, ladinos e crioulos. Além de explicarem
também como essas categorias influenciavam no trabalho. Apontam também que o
trabalho nos latifúndios era exaustivo, e frequentemente eram castigados. Porém, os
senhores de escravos muitas vezes não concordavam com o excesso de violência, devido
ao alto custo de um escravo.
As autoras destinam um subcapítulo para discorrer sobre a formação de famílias
de escravizados. Revelam que a formação de famílias entre escravizados não pôde ser
contida, mesmo que desagradasse seus proprietários. Mesmo com o menor número de
mulheres vindas do tráfico, a reprodução natural tende a equilibrar os gêneros. As autoras
recorrem a estudos recentes sobre a formação de famílias escravas para defender que
houveram famílias estáveis, nucleares e monogâmicas durante a escravidão.
Salientam também que havia uma preferência entre cativos de se casarem com
pessoas de mesma origem africana. Explicam também que a Igreja Católica apoiava o
casamento entre escravizados, e que a família de escravizados estava sempre sob ameaça,
já que o proprietário poderia separá-los através da venda. Por fim, concluem que a

103
formação de famílias se tornou um recurso para africanos reconstruírem seus laços
afetivos e recriar sua cultura. (BRAICK, P; BARRETO, A. 2018, p. 144)
No box “Saiba mais” apresentam formas que os escravizados africanos se
relacionavam em parentesco, como o apadrinhamento, as famílias de santo, e o malungo.
Para os professores, as autoras discorrem sobre a historiografia sobre famílias escravas, e
oferecem fontes bibliográficas para consulta. (ANEXO 45)
O subcapítulo seguinte discorre sobre os meios de resistência dos escravizados,
que já estavam presentes desde a viagem nos navios. Ao chegarem na colônia, e serem
submetidos a rotina de trabalho desgastante, muitos de rebelavam e reagiam ao cativeiro,
as autoras citam formas individuais de resistência, como fugas, greves de fome e
sabotagem, como também formas coletivas, como fugas em grupo e revoltas. Também
apontam formas de resistência disfarçadas, como o culto a orixás africanos associados
com santos católicos. E por fim, como atos de desespero, e depressão, citam o banzo e o
suicídio.
Os mocambos ou quilombos são descritos no subcapítulo seguintes como
comunidades de reuniam além de escravizados fugidos, brancos, pobres, indígenas, etc.
O Quilombo dos Palmares é dado como exemplo e discorrem sobre sua formação e seu
fim.
Ao fim do capítulo, como leitura complementar, as autoras publicam um trecho do
artigo “Amas de Leite” de Lorena Féres da Silva Telles76, junto com a pintura de Lucílio
de Albuquerque, Mãe preta, de 1912, e com uma fotografia de uma roda dos expostos
(ANEXO 46). As questões buscam a reflexão do estudante sobre as contradições na
condição das amas de leite, e o impacto que gerava na vida pessoal e familiar destas
mulheres. Além disso, questionam sobre a relação entre a pintura e o que foi apresentado
no texto. Por fim, perguntam aos alunos suas opiniões sobre os desafios atuais das
mulheres que trabalham na casa de outras pessoas e ainda exercem os serviços
domésticos na sua própria casa.
Como atividade complementar, o manual sugere que o professor aprofunde sobre
o tema pesquisando em jornais na Hemeroteca da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
sobre anúncios de aluguel de amas de leite.

Atividade complementar
76
TELLES, Lorena Féres da Silva, Amas de Leite. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos
Santos. Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. 1ºed. São Paulo. Companhia das Letras.
2018

104
Para aprofundar o estudo sobre o tema, solicite aos alunos que
pesquisem na hemeroteca on-line da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro anúncios oferecendo serviços de amas de leite. No período entre
1850 e 1859, há mais de 4 mil inserções de propagandas a respeito de
“aluguel” de ama de leite. (Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=364568_04&P
agFis=3&Pesq=ama%20de%20leite>. Acesso em: 10 set. 2018). Outros
jornais da mesma época também podem ser consultados para verificar
se havia esse mesmo tipo de propaganda, como o Jornal do Commercio
de São Paulo ou o da Bahia (consultar o acervo disponível em:
<http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx>. Acesso em: 10 set. 2018).
Solicite aos alunos que separem quatro ou cinco anúncios e analisem as
fontes a partir das seguintes questões: qual é a data dos anúncios? O que
é anunciado? Quem é o anunciante? A quem se destina?
Espera-se que os alunos identifiquem que, no período da escravidão no
Brasil, as escravizadas que tinham possibilidade de amamentar (ou seja,
as que tinham dado à luz há pouco tempo), as chamadas amas de leite,
eram anunciadas pelos seus senhores como produtos a serem
alugados.(BRAICK, P; BARRETO, A. 2018, p. 148)

O capítulo seguinte, “Expansão das fronteiras da América portuguesa” analisa a


pecuária para a expansão do território português na América, problematizam a figura dos
bandeirantes, avaliam a participação dos jesuítas neste processo, discorrem também sobre
as principais revoltas na América portuguesa e salientam o papel dos indígenas, ora
confrontando, ora se aliando aos portugueses.
O capítulo 10 “A Mineração na América portuguesa” inicia-se com uma
contextualização sobre a crise econômica de Portugal e a importância da descoberta de
ouro no Brasil. Assim analisam o contexto em que se povoou a região das minas e a
criação da capitania de Minas Gerais. As autoras também identificam os grupos sociais
da sociedade mineira: a elite mineradora, os negros escravizados, e as camadas
intermediárias. Os negros escravizados eram a maioria dos habitantes das regiões de
minas, devido ao árduo trabalho na mineração, contraíam doenças, eram castigadas
fisicamente e sua expectativa de vida era de sete a doze anos, uma expectativa de vida
menor do que no nordeste açucareiro. Assim, como forma de resistência, muitos
escravizados fugiam das áreas de mineração e formavam quilombos.
A situação das mulheres e da família nas sociedades mineradoras também é
apresentada. é publicado um trecho do texto de Luciano Figueiredo, Mulher e família na
América portuguesa77. O autor afirma que devido a possibilidade de obtenção de alforria,
a circulação de homens e a pressão da Igreja católica contra a coabitação sem o

77
O trecho citado é parte da obra: FIGUEIREDO, Luciano. Mulher e família na América portuguesa. São
Paulo: Atual, 2004. p. 65.

105
matrimônio, muitas mulheres se tornaram chefes em seus domicílios, pois conseguiam
uma relativa autonomia no mercado de trabalho. (ANEXO 47)
No volume do 8º ano a unidade a Unidade III desenvolve a história do Brasil
desde a crise do sistema colonial até o fim do Segundo Reinado, abarcando os capítulos
6, 7 e 8.
O capítulo 6 “Das rebeliões coloniais às lutas pela emancipação na América
portuguesa” ocupa-se em estudar inicialmente a crise de Portugal no século XVIII e as
reformas pombalinas, em seguida aborda a Conjuração Mineira e a Conjuração Baiana.
Também apresentam a conjuntura européia que resultou na vinda da família real para o
Brasil e as mudanças que ocorreram no Rio de Janeiro. Esclarecem também sobre a
Revolução Pernambucana em 1817 e a volta de D. João para Portugal em 1821. Por fim,
contextualizam o processo que levou à independência do Brasil, e revelam a situação dos
negros e indígenas com o fim da colonização.
Os sujeitos escravizados são retratados no capítulo 6 apenas no subcapítulo que
discorre sobre a Conjuração Baiana e no último subcapítulo, que apresenta a sua situação
no fim da colonização. As autoras defendem que as reivindicações dos conspiradores se
baseavam em ideais iluministas, que incluíam desde reformas mais gerais até as
exigências de camadas sociais menos favorecidas. A abolição da escravidão e a
implantação de uma república democrática também faziam parte do plano. Assim, essas
ideias atraíram também as camadas populares da sociedade, como pequenos
comerciantes, soldados, negros libertos e escravizados. Também alegam houve uma
repressão rápida do governo ao movimento no seu início, e que as penas aplicadas aos
conspiradores não foram as mesmas, suas condições sociais influenciaram nas sentenças
aplicadas. (BRAICK, P; BARRETO, A. 2018, p. 121) Nas últimas páginas do capítulo as
autoras reforçam que mesmo com a chegada da família real e com a independência,
negros e indíginas continuaram marginalizados socialmente. Os escravizados
continuaram sendo explorados nas atividades agrícolas, urbanas e mineradoras. Alegam
que alguns conseguiam comprar a alforria mas ainda conviviam com o preconceito e com
o estigma da escravidão. E que muitos também se envolveram em revoltas, como a
Conjuração Baiana e a formação de quilombos e a articulação de fugas. (BRAICK, P;
BARRETO, A. 2018, p. 130)
Uma das atividades do capítulo aprofunda a compreensão sobre a participação de
escravizados em mobilizações em busca de liberdade. O enunciado da questão afirma:
“Na Bahia, as guerras de independência terminaram em 2 de julho de 1823. Nesse

106
processo, houve algumas mobilizações de escravizadas, como demonstra o texto a
seguir:” Em seguida é apresentado um trecho da obra de João José Reis e Eduardo Silva,
“Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista”78 :

Com efeito, os escravos, sobretudo os crioulos e os pardos nascidos no


Brasil, mas também os africanos, não testemunharam passivamente o
drama da independência. Muitos chegaram a acreditar, às vezes de
maneira organizada, que lhes cabia um melhor papel no palco político
em via de ser montado com a vitória baiana. [...] Escrevendo a seu
marido em Portugal, a 13 de abril de 1823, a dona Maria Bárbara
Garcez Pinto informava-o em sua pitoresca linguagem: ‘A crioulada fez
requerimentos para serem livres’. Em outras palavras, os escravos
negros nascidos no Brasil (crioulos) ousavam pedir, organizadamente, a
liberdade!
[...] Comparados aos africanos, os escravos nascidos no Brasil eram
melhor tratados – tinham certos privilégios ocupacionais, podiam mais
facilmente constituir família, adquiriam a alforria em maior número.
[...] Sentiam-se, eram brasileiros, e por isso achavam natural que
pudessem se libertar junto com o país. Afinal, seus senhores não
falavam tanto em liberdade?” (REIS, J. J; SILVA, E. 1989, p. 92-93
apud BRAICK, P; BARRETO, A. 2018, p. 132)

A primeira pergunta da questão indaga os alunos sobre o que o texto revela sobre
os escravos da Bahia em relação ao processo de independência. Como sugestão de
resposta ao professor as autoras escrevem:

O texto revela que alguns escravos que viviam na Bahia tiveram uma
ação política resultante da consciência do processo histórico em curso,
ao requererem, por escrito (o que revela também o letramento de alguns
escravos) e de forma organizada, sua libertação. Muitos escravos,
principalmente aqueles que nasceram no Brasil, se sentiam brasileiros e
no direito de obter a liberdade com a independência do país (BRAICK,
P; BARRETO, A. 2018, p. 132)

A questão seguinte questiona os alunos se é possível afirmar que o texto reproduz


uma visão tradicional da historiografia sobre a participação popular na independência. A
resposta sugerida afirma que:

Não. A visão tradicional sobre a independência do Brasil desconsidera a


participação das camadas populares, incluindo os escravos negros, no
processo. Segundo ela, o povo teria assistido a tudo passivamente, sem
qualquer tipo de participação. Já o texto apresenta outra visão, a de que
os negros escravizados, aproveitando-se dos acontecimentos que
levariam à ruptura do Brasil com Portugal, começaram a reivindicar sua

78
O trecho citado é parte da obra: REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência
negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

107
liberdade. Outros acontecimentos também revelam a participação do
povo, como a Batalha do Jenipapo, no Piauí, na qual sertanejos lutaram
para garantir a independência e a manutenção da unidade política
brasileira. (BRAICK, P; BARRETO, A. 2018, p. 132)

O capítulo 7 abarca conteúdos da história do Brasil desde o Primeiro Reinado até


o golpe da maioridade em 1840. Os objetivos do capítulo são:

• contextualizar o processo de formação do Estado brasileiro durante o


Primeiro Reinado e o período regencial;
• caracterizar os grupos políticos que lideraram a Assembleia
Constituinte de 1823;
• identificar o caráter autoritário da Constituição de 1824;
• problematizar o conceito de cidadania e a condição das mulheres,
dos negros e dos indígenas durante o Primeiro Reinado e a
Regência;
• analisar as políticas indigenistas do Primeiro Reinado;
• explicar as razões da Confederação do Equador e da Guerra da
Cisplatina, relacionando-as à crise que culminou na abdicação de D.
Pedro I;
• caracterizar o período regencial (1831-1840);
• relacionar as chamadas revoltas regenciais aos embates políticos,
econômicos e sociais do período;
• reconhecer a grande participação das camadas populares nos
movimentos que criticavam o governo imperial e reivindicavam
melhores condições de vida;
• analisar os interesses dos grupos políticos durante a Regência e
relacioná-los ao golpe da maioridade;
• reconhecer algumas manifestações da cultura afro-brasileira na
primeira metade do século XIX. (BRAICK, P; BARRETO, A. 2018,
p. 134, grifo nosso)

As autoras avaliam como os negros, mulheres e indígenas foram representados na


Constituição de 1824 e concluem que ela tinha um caráter contraditório, pois mesmo se
alinhando aos ideiais liberais europeus, excluia a maioria da população do direito à
cidadania e mantinha a escravidão. Os escravos não eram considerados cidadãos e não
tinham nenhum direito, a maioria dos negros libertos não tinha a renda mínima para votar
e também não podiam se eleger. Mulheres também estavam impedidas de votar e de se
eleger, a população indígena sequer foi mencionada na Constituição de 1824, pois sequer
eram considerados brasileiros, e a grande maioria dos homens livres pobres também não
tinham renda mínima suficiente. Portanto, a maioria da população estava privada do
direito à cidadania e à participação política. No box “Refletindo sobre” as autoras
defendem que a exclusão da maioria da população do direito ao voto era uma forma de
manter o privilégio das elites, e questionam os estudantes sobre a importância do voto, e

108
se ao completar 16 anos, irão exercer o direito de votar. (BRAICK, P; BARRETO, A.
2018, p. 138)
O sujeito negro e escravizado é visto novamente no decorrer do capítulo quando
tratam das revoltas regenciais. A Cabanagem é descrita como um conflito agravado pelo
“abismo social que separava a pequena elite de homens brancos, formada por
proprietários de terra e um grupo de ricos comerciantes de Belém (principalmente
portugueses), da maioria da população composta de indígenas, negros e mestiços”.
(BRAICK, P; BARRETO, A. 2018, p. 147) As autoras apontam que o movimento
ganhou força em 1834, mas que em 1840 foram derrotados. Contudo, houve uma
singularidade deste movimento no sentido de que grupos sociais diferentes, indígenas,
mestiços, e negros africanos se uniram contra a autoridade portuguesa, lutando por
direitos e liberdades, numa sociedade que se viu ainda mais abandonada pelo poder
central depois da abdicação de D. Pedro I.
A Revolta dos Malês, de 1835, é descrita no livro como a mais importante
rebelião de escravos urbanos de toda América. A ligação pelo trabalho e pelo ambiente
urbano formou uma rede de solidariedade entre escravos e libertos que propiciou uma
luta contra a escravidão. A revolta foi protagonizada por africanos de origem nagô e
haussá, e defendiam o fim da escravidão e da conversão forçada ao catolicismo.
Sobre a Revolta dos Farrapos, ocorrida no Rio Grande do Sul, diferente de outras
coleções, as autoras evidenciam o discurso incoerente da elite revoltosa em relação ao
trabalho escravo, e a participação dos negros no conflito. Um trecho do texto Guerreiros
descartáveis, de Vinicius Pereira de Oliveira e Cristian Jobi Salaini79 é apresentado, nele,
os autores destacam a participação negros, índios e mestiços em diversos setores, também
revelam que escravos participaram do conflito pela esperança de alforria, contudo, ela
não se concretizou.

Somente nos últimos anos, a importância e a dimensão da participação


negra neste conflito têm recebido maior atenção. Hoje é possível
afirmar com segurança que negros, índios e mestiços desempenharam
papel fundamental na Guerra dos Farrapos não somente como soldados,
mas também trabalhando em diversos outros setores importantes da
economia de guerra, como nas estâncias de gado, na fabricação de
pólvora e nas plantações de fumo e erva-mate cultivadas pelos rebeldes.
[...]

79
O trecho citado é parte do artigo: OLIVEIRA, Vinicius Pereira de; SALAINI, Cristian Jobi. Guerreiros
descartáveis. Revista de História da Biblioteca Nacional, n. 58, jul. 2010. p. 48-49.

109
Apesar das promessas, em nenhum momento a República
Rio-Grandense libertou seus escravos. A questão da abolição era
controversa entre seus líderes. Ao mesmo tempo que o governo rebelde
prometia liberdade aos escravos engajados e condenava a continuidade
do tráfico de escravos, seu jornal oficial, O Povo, estampava anúncios
de fugas de cativos. [...] Anos após o fim do conflito, vários líderes
farroupilhas ainda tinham escravos, como Bento Gonçalves [...], que
morreu deixando 53 cativos para seus herdeiros. (OLIVEIRA, V. P.;
SALAINI, C. J. 2010, p. 48-49 apud BRAICK, P; BARRETO, A. 2018,
p. 151)

Por fim, o capítulo identificam as manifestações culturais e religiosas de negros


escravos ou libertos, que, apesar da marginalização, resistiram culturalmente. Dentre
estas práticas as autoras destacam a capoeira, o jongo (uma dança de roda), a folia de reis,
e as Congadas. Pontuam que várias dessas práticas foram consideradas ilegais pela
legislação vigente e que a repressão e criminalização da cultura africana tinha uma
motivação evidente: “O objetivo era claro: a cultura dos negros, associada à vadiagem e à
violência urbana, deveria ser combatida para não afetar a cultura elitizada, moldada de
acordo com os padrões europeus e considerada “civilizada”.” (BRAICK, P; BARRETO,
A. 2018, p. 153)

2.1.8. Convergências História

A coleção Convergências referente à disciplina de história foi publicada pela SM


Edições e escrita por Caroline Torres Minorelli e Charles Hokiti Fukushigue80 . Caroline
possui bacharelado e licenciatura em História e especialização em História e Teorias de
Arte: Modernidade e Pós-Modernidade pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL-PR), e atuava como professora da rede básica de ensino público. Charles Hokiti
Fukushigue também possui bacharelado e licenciatura em História e especialização em
História Social e Ensino de História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR),
Charles atua como professor de Ensino Fundamental, Médio e Superior do ensino público
e particular.
O manual do professor inicia-se especificando os conteúdos da BNCC
contemplados na obra, em seguida apresenta um quadro caracterizando os temas
contemporâneos inseridos nos currículos pela BNCC. Destacam que a coleção aborda
todos os temas na seção “Ampliando fronteiras”. A necessidade e importância do

80
MINORELLI, Caroline Torres; CHIBA, Charles Hokiti Fukushigue. Convergências história: EF anos
finais – manual do professor. 2. ed. São Paulo: Edições SM, 2018. 4 v.

110
trabalho em sala de temáticas sobre as relações étnico-raciais e ensino de história e
cultura afro-brasileira, africana e indigena também são descritas

O trabalho com esse tema visa à valorização cultural pluriétnica, além


de problematizar adequadamente as tensões nas relações étnico-raciais
históricas e contemporâneas. Tal abordagem tem o objetivo de levar os
alunos a se conscientizarem de que o racismo é uma construção social e
histórica, devendo ser combatido em todas as suas formas, contribuindo
assim para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária,
democrática e inclusiva. (MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H. F; 2018, p.
XIV)

Na seção que apresenta a proposta teórico metodológica do componente curricular


de História os autores destacam que os professores devem estabelecer relações entre o
presente vivenciado pelos alunos e outras temporalidades. Os autores também apresentam
um breve panorama das mudanças ocorridas na disciplina de história nas academias e nos
currículos escolares. As mudanças de paradigmas na história durante os anos de 1990
influenciaram os currículos, inserindo novas produções historiográficas ao conteúdo de
história. Assim, concluem que a História se renova, produzindo diferentes interpretações
sobre o passado.
No tópico “História, cidadania e o combate à discriminação e ao preconceito” os
autores descrevem as principais leis sobre o tema na educação, e apontam que “
Trabalhando e problematizando em diversos momentos valores e conceitos como
igualdade, resistência, dignidade, respeito, entre outros, esta coleção procura auxiliar o
professor a promover uma educação voltada para o respeito à diversidade.”
(MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H. F; 2018, p. XXII)
O uso de fontes históricas como indícios do passado é defendido pelos autores,
declarando que elas não são reflexos fiéis do passado. Apontam que o uso de documentos
na coleção tem o objetivo de:
incentivar os alunos a fazer questionamentos às fontes e, com base na
aplicação dos conceitos apresentados, construir uma relação entre
passado e presente que contribua para a ampliação de seus
conhecimentos a respeito do funcionamento da sociedade atual e da
maneira como o conhecimento histórico é concebido. (MINORELLI, C.
T; CHIBA, C. H. F; 2018, p. XXIII)

Ao analisar o manual do professor é perceptível que, diferente de outras coleções


aprovadas no PNLD, esta coleção não deixa claro e não se posiciona sobre quais
abordagens historiográficas se baseiam.

111
Os capítulos analisados são os que estudam a história do Brasil colonial e
imperial, no volume do 7º ano nos interessam as unidades 7 e 8, e no volume do 8º ano as
unidades 4, 5 e 6. A tabela a seguir descreve a estrutura de todos os capítulos do volume
do 7º e 8º ano.

Convergências História – 7º ano Convergências História – 8º ano

Unidade 1 – A Europa Moderna Unidade 1 – O Iluminismo e a Revolução Industrial


Capítulo 1: Mudanças políticas e econômicas Capítulo 1: O Iluminismo

Capítulo 2: Expansão marítima europeia Capítulo 2: As Revoluções Inglesas

Unidade 2 – O Oriente: China e Japão Unidade 2 – A Revolução Francesa e a Era de


Napoleão
Capítulo 3: A formação do Império Chinês
Capítulo 3: A Revolução Francesa
Capítulo 4: A China imperial
Capítulo 4: A volta do regime centralizado
Capítulo 5: A formação do Japão

Unidade 3 – Os povos da África Unidade 3 – Independências na América


Capítulo 6: Conhecer a História da África Capítulo 5: A formação dos Estados Unidos

Capítulo 7: Reinos e impérios da África Capítulo 6: A independência do Haiti e das


colônias espanholas

Unidade 4 – A América antes da chegada dos Unidade 4 – De colônia a Império


europeus
Capítulo 7: Mudanças na colônia
Capítulo 8: Maias, astecas e incas
Capítulo 8: O Primeiro Reinado
Capítulo 9: Os indígenas do Brasil

Unidade 5 – Cultura e religiosidade na Europa Unidade 5 – O período Regencial e o Segundo


Moderna Reinado

Capítulo 10: O Renascimento europeu Capítulo 9: O período Regencial

Capítulo 11: As Reformas religiosas e a reação da Capítulo 10: O Segundo Reinado


Igreja Católica

Unidade 6 – A colonização da América Unidade 6 – A transição do Império para a República

Capítulo 12 – A América espanhola Capítulo 11: Trabalho e sociedade no Império

Capítulo 13 – A América portuguesa Capítulo 12: Do Império à República

112
Capítulo 14 – A colonização da América do Norte

Unidade 7 – O Brasil colonial Unidade 7 – A Europa no século XIX e o


Imperialismo
Capítulo 15 – A escravidão e a produção de açucar
Capítulo 13: As transformações na Europa no
Capítulo 16 – Os holandeses no Brasil século XIX

Capítulo 14: O crescimento urbano e o


imperialismo europeu

Unidade 8 –A expansão do território colonial Unidade 8 – Neocolonialismo e a expansão dos


Estados Unidos
Capítulo 17 – Rumo ao interior da colônia
Capítulo 15: O neocolonialismo europeu
Capítulo 18 – A descoberta de ouro no Brasil
Capítulo 16: A expansão dos Estados Unidos no
século XIX

Quadro 8 - Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da coleção Convergências História.

Na unidade 7, intitulada “O Brasil Colonial” se encontram o Capítulo 15 “A


escravidão e a produção de açúcar” e a Capítulo 16 “Os holandeses no Brasil”. O
Capítulo 15 é dividido em quatro subcapítulos, são eles: “Uma atividade lucrativa”, “O
engenho açucareiro”, “A resistência à escravidão” e “A sociedade colonial”. No primeiro
subcapítulo os autores reforçam a lucratividade do tráfico negreiro para a Coroa
portuguesa, e por meio de um mapa exibem as principais rotas do comércio de
escravizados entre os séculos XVI ao XIX. Os autores afirmam que devido ao
crescimento da economia açucareira no século XVI houve a necessidade de mão de obra,
isso gerou o aumento no número de pessoas trazidas para a colônia. Por meio de gravuras
e litografias os autores enumeram as etapas do tráfico humano, desde a captura no
interior da África até a venda no mercado de escravos. Os autores oferecem como
orientação ao professor sobre o que dizer aos alunos que expliquem que: “os traficantes e
os senhores separavam os escravizados intencionalmente, não permitindo que uma
família ficasse junta, pois era o modo de dominá-los.(MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H.
F; 2018, p. 185)
Para o professor, sugerem que trabalhem o tema contemporâneo “Educação em
direitos humanos” a partir de um trecho do livro Cinquenta dias a bordo de um navio
negreiro, escrito por Pascoe Grenfell Hill. O trecho do relato sugerido aos professores o

113
autor relata uma situação dentro de uma navio negreiro, em que devido uma tempestade,
os africanos escravizados foram mandados para o porão, lá eles buscaram
desesperadamente por ar. As perguntas sugeridas são: “1. A que situação os africanos
foram submetidos e como reagiram a ela? 2. Reflita sobre o relato e comente sobre sua
impressão em relação a esse documento histórico.” (MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H.
F; 2018, p. 185) As respostas sugeridas são:

1.Os africanos foram encaminhados para o porão, cujo espaço era


insuficiente para todos. Lá, eles buscaram desesperadamente por ar
fresco.
2.Converse com os alunos sobre a impressão que eles tiveram a respeito
do relato e quanto à cena descrita. Questione-os sobre a situação
desumana à qual os escravizados foram submetidos nessa época.
(MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H. F; 2018, p. 185)

Na pergunta da atividade os autores consideram este texto como um documento


histórico. Contudo, só é oferecido o trecho do relato e a referência da edição recente, os
autores nada dizendo sobre quem o escreveu, quando, e em qual situação. As perguntas
feitas questionam apenas sobre o que foi escrito, ou seja, interpretação de texto, e a
opinião sobre o relato. Para os professores, os autores pedem que “questionem sobre a
situação desumana" a que os escravos foram submetidos. O trecho publicado faz parte do
livro Cinquenta dias a bordo de um navio negreiro, escrito por Pascoe Grenfell Hill
(1804-1882), um religioso protestante que relata sua experiência em 1843, a bordo de um
navio interceptado pela Coroa Britânica. Assim, pode-se perceber que o trecho descreve
uma experiência vivenciada durante o século XIX, já nos últimos anos de escravidão,
temporalmente distante e em um contexto diferente da temática abordada pelo capítulo.
Neste caso, diferentemente do que alegaram no manual sobre a proposta da coleção em
relação às fontes históricas, nada foi “criticado” sobre o documento, pelo contrário, foi
entendido como um reflexo fiel do passado.
Em seguida, explicam as diferenças entre as lógicas de escravidão antes do século
XVI, durante a Idade Média, e a partir do século XVI, reforçando ao professor a
necessidade que os alunos compreendam a lógica mercantilista implícita na estrutura do
sistema colonial.
O subcapítulo seguinte, “O engenho açucareiro”, descreve de maneira muito
simples o funcionamento do engenho de açúcar, conceituando o que é “engenho”,
"senzala", “casa-grande" e “senhor de engenho”. Enfatizam que o açúcar era um artigo de

114
luxo na Europa, e que com a produção no Brasil, o produto se tornou mais acessível. Por
meio de uma ilustração baseada na obra de André João Antonil81, descrevem sobre os
processos de produção do açúcar. Também explicam os papéis e funções de cada pessoa
no engenho, os escravizados e os trabalhadores livres, como os purgadores, mestres do
açúcar, feitores, e artesãos.
Ao descrever os modos de resistência à escravidão, apontam que poderiam ser
realizadas de forma indivual ou coletiva, e que era uma resposta dos escravizados ao
regime escravista e “às péssimas condições a que foram submetidos”.

A resistência era realizada de forma individual ou coletiva.


Individualmente, os escravizados podiam fugir, quebrar ferramentas,
trabalhar em ritmo mais lento que o de costume, entre outras práticas.
Quando agiam de modo coletivo, promoviam rebeliões, boicotes,
sabotavam o engenho, queimavam plantações, planejavam grandes
fugas, etc.
Além disso, os africanos escravizados resistiam preservando as
tradições culturais de seu lugar de origem, como danças, cantos e rituais
religiosos, mesmo quando eram proibidos de praticá-los.(MINORELLI,
C. T; CHIBA, C. H. F; 2018, p. 190)

Nos tópicos seguintes se explica de forma extremamente simplista o que foram os


quilombos, e citam o Quilombo dos Palmares e o Quilombo do Quartarê. No manual do
professor os autores oferecem o trecho do texto “Quilombos brasileiros: resistência,
repressão e consolidação”, de Fernando Bueno Oliveira, publicado nos anais do
Congresso Internacional de História: Cultura Sociedade e Poder82.
A escravidão negra no Brasil, ao longo dos períodos Colonial e
Imperial, despontou-se como o meio mais eficiente que os grandes
senhores de engenho, de minas e de lavouras cafeeiras encontraram para
a produção e a manutenção de suas riquezas. Entretanto, para que a
força escrava se mantivesse numa condição "ideal", os senhores se
utilizavam de diferentes meios com vistas a ter-lhe à sua total
disposição.
Diante das situações de maus-tratos, os africanos escravizados
desconheciam outra opção que não fosse a de rebelar contra a "ordem"
vigente. Rebelavam-se de diferentes formas, a fuga era uma delas. Os
escravos que escapavam e eram posteriormente apanhados, eram
castigados nas mais terríveis proporções.

81
A ilustração foi feita baseando-se na obra ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1982.
82
A referência publicada pelos autores é a seguinte: OLIVEIRA, Fernando Bueno. Quilombos brasileiros:
resistência, repressão e consolidação. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA: CULTURA.
SOCIEDADE E PODER, 4, 2014, Jataí. Anais. Jataí: UFG. p. 2. Disponível em:
<www.congressohistoriajatai.org/anais 2014/Link%20(286).pdf>. Acesso em: 2 out. 2018. Contudo, o site
se encontra fora do ar.

115
As diferentes formas de resistência resultavam das brutalidades a que
estavam submetidos, as quais foram muito bem expressas por Clóvis
Moura (1987). Diferentes formas de repressão foram praticadas pelos
senhores a fim de manter a "ordem" da escravaria, com a maior
intenção de evitar e/ou eliminar as eventuais fugas.
Por mais que grande parte das temáticas relacionadas a quilombo o
limite como elemento isolado do passado, não se preocupando em
estabelecer uma relação com a economia do Brasil Colônia e/ou do
Brasil Império, deve-se considerar que a força escrava esteve presente
na dinâmica econômica brasileira, em seus ciclos econômicos, com
exceção da fase industrial. Na realidade, as agressões a que os africanos
escravizados eram submetidos resultavam do medo dos senhores em
perder a mais importante peça geradora e mantenedora de suas rendas.
(OLIVEIRA, F. B. 2014. apud MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H. F;
2018, p. 190)

Como atividade complementar aos alunos, os autores oferecem um texto


intitulado “Trabalho e dignidade no período colonial”, onde mais um vez, reforçam as
péssimas condições de vida e trabalho da população escrava, jornadas desgastantes,
violência em casos de insubordinação e desumanização. Contudo, apesar deste cenário,
os autores defendem que “escravizados lutavam diariamente por sua dignidade”
(MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H. F; 2018, p. 192) e que além dos meios coletivos e
individuais de resistir, passaram a pressionar seus senhores por condições dignas:

De acordo com o antropólogo Kabengele Munanga e a pedagoga Nilma


Lino Gomes, no livro O negro no Brasil hoje, de 2006, além das
diferentes formas de resistência individual e coletiva, os grupos
escravizados passaram, cada vez mais, a pressionar os senhores por
condições dignas de vida, cobrando o fim de abusos como castigos
físicos e longas jornadas de trabalho. Os trabalhadores escravizados
exigiam também melhoria na alimentação e no vestuário, remuneração
pelo trabalho realizado na terra dos senhores e independência para a
manutenção das próprias roças e do comércio do que produziam.
(MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H. F; 2018, p. 192)

Quanto à sociedade colonial, o livro afirma que principalmente durante os séculos


XVI e XVII, as camadas sociais estavam divididas em categorias bem definidas, são elas:
latifundiários, grandes comerciantes, trabalhadores livres, escravizados, e religiosos.
O Capítulo 16 explica de maneira bastante resumida e simples a ocupação
holandesa no Brasil. Nada se diz sobre a sociedade colonial neste processo, e nem sequer
cita os escravizados.
A Unidade 8 “A expansão do território colonial” abarca o Capítulo 17 “Rumo ao
interior da Colônia” e o Capítulo 18 “A descoberta de ouro no Brasil”. O capítulo 17 se
detém a estudar o papel das bandeiras na formação do território colonial, e o papel dos

116
indígenas, em nada fala sobre escravizados. Já o capítulo 18 elenca como objetivos
“Compreender o contexto da descoberta do ouro na colônia portuguesa; conhecer o
cotidiano da nas vilas e cidades mineradoras; reconhecer as formas de resistência à
escravidão” (MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H. F; 2018, p. 224) Os sujeitos
escravizados são citados no capítulo no tópico que se refere ao trabalho nas minas. Ao
caracterizar os escravizados neste contexto, os autores apontam que eles eram a maior
parte dos trabalhadores e que seu trabalho era extremamente difícil, eram sujeitos a
longas jornadas e muitos deles eram vítimas de doenças. Defendem também, tendo como
base relatos da época, que escravizados que trabalhavam em minas dificilmente supera
sete anos de trabalho. Ainda no capítulo 18, os autores afirmam que a forma mais
expressiva de resistência de escravizados era a formação de quilombos, mas que, com o
desenvolvimento da mineração, outras formas de resistência surgiram (MINORELLI, C.
T; CHIBA, C. H. F; 2018, p. 230). Em seguida, discorrem sobre as irmandades religiosas
e celebrações. Os autores apontam que escravizados e livres podiam participar de
irmandades, e que era um ambiente de convívio e sociabilidade e assistência mútua, para
os escravizados, as irmandades poderiam contribuir para a compra da alforria. E que a
imposição da religião católica com as práticas religiosas de origem africana se
combinando, resultando em práticas de sincretismo religioso.
Ao final do livro do 7º ano, na seção “Aprenda mais” é sugerido aos alunos um
documentário realizado pela TV Senado intitulado “Brasil no olhar dos viajantes” com a
seguinte orientação: “Esse documentário de quatro episódios é disponibilizado no site da
TV Senado. Por meio de imagens, documentos e depoimentos de especialistas, você vai
conhecer como viajantes europeus viam Brasil no período colonial.”
No volume do 8º ano, a Unidade 4 compreende o capítulo 7 “Mudanças na
colônia” e o capítulo 8 “O Primeiro Reinado”. O capítulo 7 analisa as mudanças
ocorridas no Brasil entre o fim do século XVIII e início do XIX, compreendendo as
revoltas do período e o contexto que levou à independência. A presença dos negros
escravizados é citada no subtópico referente à Conjuração Baiana. Os autores apontam
que um dos objetivos dos revoltosos era o fim da escravidão. Com a ofensiva contra o
movimento, ele perde força e seus líderes são enforcados e esquartejados em público,
como uma uma forma de conter os ânimos e desencorajar possíveis futuros levantes de
escravizados. O capítulo explica a chegada da coroa portuguesa e as mudanças no Rio de
Janeiro, segue com o processo de independência, abarcando a Revolução Pernambucana,
A Revolução do Porto, o Dia do Fico, em 1821 e a independência em 1822.

117
O capítulo 8 contém 4 páginas e estuda todo o Primeiro Reinado: se apresenta as
principais características da Constituição de 1824 e se reafirma que a estrutura
socioeconômica do Brasil não se alterou, pois o documento reconhecia implicitamente a
escravidão. Aborda também a Confederação do Equador e a crise do Primeiro Reinado,
com a abdicação de D. Pedro I em 1831.
A Unidade 5 contempla o capítulo 9 “O período regencial” e o capítulo 10 “O
Segundo Reinado”. No capítulo 9 os autores enfatizam a instabilidade do período
regencial, demarcando cronologicamente os anos de Regências Unas e Regências Trinas.
Estudam também a Farroupilha, a Cabanagem e a Revolta dos Malês. A presença de
escravizados é citada dos subtópicos referentes à Cabanagem e à Revolta dos Malês. A
Revolta dos Malês (1835) é caracterizada pelos autores como um movimento organizado
exclusivamente por escravizados. Destacam que seus objetivos incluíam “a libertação de
escravos de origem muçulmana, além de garantir melhores condições de vida a eles e a
liberdade religiosa aos africanos”. (MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H. F; 2018, p. 129)
Ao fim do capítulo, a seção “Para investigar” (ANEXO 48) dispõe de três obras de
Debret (Os refrescos no Largo do Paço, depois do jantar, de 1835; Um jantar brasileiro,
de 1839; e As lavadeiras do rio das Laranjeiras, de 1839) por meio das quais analisam
descritivamente e interpretam o cotidiano brasileiro. Os autores descrevem elementos do
cotidiano presentes na primeira obra: Os refrescos no Largo do Paço, depois do jantar, de
Debret, e as outras duas obras servem de apoio para as questões. Os autores indagam o
leitor sobre o espaço, o trabalho e as condições sociais retratadas.
O capítulo 10 tem como objetivos a compreensão das principais características do
Segundo Reinado e o estudo do crescimento da economia cafeeira relacionada com a
expansão das ferrovias e a questão da mão de obra. Citam a Lei Eusébio de Queiroz
(1850) e em um boxe do capítulo, os autores abordam a pressão inglesa pela abolição da
escravidão e seus interesses econômicos. (MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H. F; 2018, p.
134) Descrevem também sobre o crescimento do cultivo de café e a urbanização de
algumas cidades a partir do século XIX. Como texto complementar ao professor, os
autores publicam um trecho da obra Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil
escravista83, de João José Reis e Eduardo Silva. O trecho defende que o sistema de
escravização por ganhos era uma forma híbrida de trabalho, entre escravo e assalariado, e
permitiu aos escravizados e libertos mais autonomia.

83
O trecho citado é do livro: REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociações e conflitos: a resistência
negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

118
Na unidade 6 do volume do 8º ano se encontram o capítulo 11 “Trabalho e
sociedade no Império” e o capítulo 12 “Do Império à República”. O capítulo 11 reforça o
caráter escravista da sociedade brasileira da época e aborda as condições sociais de
ex-escravizados e escravizados, também contextualiza a chegada de imigrantes no país, e
relata alguns aspectos da cultura durante o Segundo Reinado. O capítulo aponta sobre a
presença da mão de obra escrava em diversos espaços, e enfatiza que as condições de
vida de cada indivíduo variava de acordo com a região que estavam e com o trabalho que
faziam. Assim, o trabalho escravo no campo tinha características diferentes do trabalho
escravo na cidade, para representar o assunto, os autores publicam outras obras de
Debret.
O capítulo 12 “Do Império à República” trata sobre a Guerra do Paraguai, os
fatores que levaram à crise do Império, a abolição e a Proclamação da República. Como
causas da crise do Império, os autores destacam o movimento republicano, que surge
após a Guerra do Paraguai; o movimento abolicionista, a questão religiosa e a questão
militar. Ao retratar o fim da Guerra do Paraguai e as condições dos escravizados, o
capítulo também publica a charge de Angelo Agostini, De volta do Paraguai, de 1970.
No mesmo tópico, também descrevem a formação do movimento abolicionista,
argumentando que a abolição, desde 1850, já era um assunto discutido, porém, o
movimento abolicionista ganhou força principalmente a partir de 1880, com a publicação
de jornais defendendo a causa e com a adesão de diversas camadas sociais. Por meio de
um trecho da obra de Boris Fausto84 os autores pontuam que uma das formas que o
movimento abolicionista teve para apoiar à resistência escrava foi facilitando e
organizando fugas e rebeliões. Sem fazer relações explícitas no corpo do texto com
mudanças econômicas e sociais, a abolição da escravidão é citada, com a assinatura na
Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Contudo, descrevem que apesar da lei, a luta dos
africanos e afrodescendentes não teve fim.
No entanto, mesmo após essa conquista, a luta dos africanos e
afrodescendentes continuou, pois não houve no período pós-abolição
uma política que lhes garantisse uma vida digna. Sem acesso à terra, à
educação, à saúde ou à assistência econômica, muitos ex-escravizados
ficaram sem trabalho e sem meios de subsistência, e outros passaram a
trabalhar em troca de salários baixíssimos e em condições não muito
diferentes às da época da escravidão.
Além disso, continuaram a sofrer com o preconceito com a
discriminação, o que dificultou muito a inserção de les na sociedade, a
participação na vida política do pais e a garantia de direitos igualitários
como cidadãos. (MINORELLI, C. T; CHIBA, C. H. F; 2018, p. 164)
84
O trecho citado é do livro: FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2012. p. 187-188.

119
De forma geral, a coleção Convergências História, apresenta as temáticas sobre o
Brasil de forma muito simples e básica, isso pode ser percebido ao se comparar o volume
textual desta coleção com outras coleções. Além disso, a forma em que os temas são
abordados e as questões propostas aos alunos não condiz com a faixa etária de alunos de
7º e 8º ano e não estimulam a criticidade e o pensamento autônomo.

2.1.9. Vontade de Saber: História

A coleção “Vontade de Saber: História” escrita pelos historiadores Adriana


Machado Dias, Keila Grinberg e Marco César Pellegrini foi publicada pela editora
Quinteto e se encontra em sua primeira edição85. Adriana M. Dias é licenciada e
bacharela em História e especialista em História Social e Ensino de História pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL), é também autora de livros didáticos de
História para o Ensino Fundamental e Médio86. Keila Grinberg possui bacharelado,
licenciatura e doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense, realizou seus
pós-doutorados na New York University e na University of Michigan. Também é
professora titular do Departamento de História da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (UNIRIO). Estuda dentre outros temas a História do Brasil Império,
Escravidão, Ensino de História87. Marco César Pellegrini é bacharel e licenciado em
História pela UEL, é editor de livros e autor de livros didáticos de História para o Ensino
Fundamental e Médio.
O sumário do manual do professor elenca os seguintes tópicos: A estrutura da
obra; A Base Nacional Comum Curricular; O papel do professor; Práticas pedagógicas,
Proposta teórico metodológica da coleção; Habilidades de História na BNCC; Quadro de
conteúdos; Referências Bibliográficas.
No tópico sobre a estrutura da obra se explica ao professor como se dá a
disposição dos conteúdos do manual do professor e do livro do aluno: o conteúdo das
seções e subseções da coleção, as diferentes propostas de atividades aos alunos, as
orientações e textos complementares aos professores.
A coleção defende o uso de diversos recursos didáticos em sala de aula, como a
tecnologia, a televisão e o cinema, artes gráficas e literatura, jornais e revistas, a prática
85
DIAS, Adriana Machado; GRINBERG, Keila; PELLEGRINI, Marco César. Vontade de Saber: História
– EF: anos finais – manual do professor. 1. ed. São Paulo, 2018. 4 v.
86
http://lattes.cnpq.br/5212705677912110. Acesso em 03/09/2022.
87
http://lattes.cnpq.br/9043294734454422. Acesso em 03/09/2022.

120
da sala de aula invertida, e a pesquisa em sala. Para os autores, a literatura em sala de
aula estimula não só a capacidade de leitura, mas a criatividade, a interpretação e a
imaginação, sendo crucial que se contextualize a obra literária estudada. (DIAS, A. M.;
GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018. p. XXXII) Já os jornais e revistas são
descritos como uma importante fonte de informação e capaz de auxiliar os estudantes na
formação de um pensamento crítico e seu uso é incentivado pelos autores sempre que for
possível. (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. XXXIII)
Para tratar sobre as propostas teórico-metodológicas da coleção os autores
conceituam e contextualizam as mudanças na historiografia durante o século XIX. O
surgimento da Escola dos Annales é discutido, e se compara suas características com a
corrente filosófica positivista. Além disso, percorrem pelas gerações seguintes dos
Annales, até as perspectivas recentes da Nova História e da Nova História Cultural, que
consideram como referencial fundamental para a coleção.
Assim, consideramos referenciais importantes vários dos pressupostos
teóricos da Nova História Cultural e, também, da Nova História,
principalmente no que se refere à ideia de conhecimento histórico em
permanente construção, aberto à multiplicidade de fontes e análises e
favorável ao diálogo com outras disciplinas. As abordagens sugeridas
por essas correntes historiográficas propiciam a inclusão de temas e
perspectivas antes pouco valorizados, como a história do cotidiano, a
história feita sob o ponto de vista das minorias e a valorização das
manifestações populares, sem, com isso, desprezar as expressões
culturais advindas das elites letradas. Além disso, abrem espaço para
que se destaquem sujeitos históricos que geralmente estão ausentes no
discurso tradicional. (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M.
C; 2018, p. XXXIV)

Quanto aos tratamentos de fontes históricas, os autores descrevem como era a


análise da veracidade das fontes feito pela tradição de estudiosos iluministas durante o
século XVIII, e em seguida, também descrevem sobre a Escola Metódica alemã do século
XIX, que foi centrada em documentos oficiais e de cunho político. Por fim, trata sobre a
mudança na análise documental proveniente, principalmente, a partir da década de 1920,
com os Annales, onde se alarga as possibilidades de fontes para o trabalho de
historiadores. Essa ampliação no conceito de fontes e documentos históricos foi
incorporada gradativamente nas escolas e no ensino de história, desta forma, defendem
que os professores orientem seus alunos a problematizar e indagar fontes históricas.

Diante dessa renovação no ensino de História, acreditamos ser fundamental


que o professor oriente os alunos acerca da necessidade de, ao analisar fontes
históricas, levar em consideração contextos, funções, estilos, argumentos,

121
pontos de vista e intenções dos seus autores. Isso porque as fontes históricas,
por serem efeitos de ações humanas do passado, não carregam em si o passado
tal como ele aconteceu. Elas trazem, no entanto, a versão do autor sobre esse
acontecimento. Além disso, as fontes são sempre lidas de acordo com os
valores do momento histórico de quem as analisa. As perguntas fundamentais
feitas por aqueles que desejam analisar uma fonte histórica são: Quando?;
Quem?; Onde?; Para quem?; Para quê?; Por quê?; Como?. As ausências
dessas respostas também são dados importantes para a interpretação das fontes
históricas.
Esses pressupostos devem ser seguidos, e com ainda mais cuidado, ao utilizar
fontes iconográficas, pois utilizá-las de modo acrítico pode levar a equívocos
que devem ser evitados tanto por historiadores quanto por professores de
História. (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p.
XXXIV)

Nos tópicos seguintes o manual do professor apresenta textos de apoio


conceituando termos fundamentais para o ensino de história: Política, Trabalho,
Sociedade e Cultura. Também discorre sobre a trajetória histórica do ensino de História
no Brasil, e as principais leis que o regem. O quadro a seguir elenca os capítulos
presentes nos volumes do 7º ano e 8º ano, e para esta análise, apenas os últimos capítulos,
que tratam sobre história do Brasil serão aprofundados.

Vontade de Saber: História – 7º ano Vontade de Saber: História – 8º ano

Capítulo 1 – Construindo a História Capítulo 1– Estudando a História

Capítulo 2 –As civilizações na América Capítulo 2 – O Iluminismo

Capítulo 3 – Reinos e Impérios africanos Capítulo 3 – A Revolução Americana

Capítulo 4 – Renascimento e humanismo Capítulo 4 – A Revolução Francesa e o Império


Napoleônico

Capítulo 5 – As Grandes Navegações Capítulo 5 – A Revolução Industrial

Capítulo 6 – Reformas religiosas e Absolutismo Capítulo 6 – As independências na América


Espanhola

Capítulo 7 – A colonização da América Espanhola Capítulo 7 – O processo de independência no Brasil

Capítulo 8 – A colonização na América portuguesa Capítulo 8 – A consolidação da independência


brasileira

Capítulo 9 – A expansão das fronteiras na Colônia Capítulo 9 – O Segundo Reinado


portuguesa

Capítulo 10 – O mundo no século XIX


Quadro 9 - Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da coleção Vontade de Saber:
História

122
Porém, nos primeiros capítulos dos livros da coleção trabalham temas teóricos e
metodológicos na área de história. O primeiro capítulo do volume do 7º ano, intitulado
“Construindo a História” aborda temas iniciais do estudo da história como produtora de
conhecimento, como o conceito de história e seus objetivos, as relações entre tempo e
história, rupturas e permanências e o tempo cronológico, tempo histórico. Também
conceitualiza os termos: sociedade, cultura, trabalho, política e economia. O material do
aluno aborda a historiografia como a produção de conhecimento pelos historiadores, e as
relações de sentido que produzem entre passado e presente. A seção “Explorando o tema”
traz ao estudante uma discussão sobre os diferentes tipos de fontes históricas. ((DIAS, A.
M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p.20)
No livro do estudante, no capítulo 8 “A colonização da América portuguesa” os
autores discutem sobre alguns aspectos da mão de obra escravizada e sobre a trajetória
dos africanos para o Brasil (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018,
p. 160). A discussão sobre o início da colonização no Brasil se inicia neste capítulo com
um tópico que trabalha a chegada dos europeus e suas relações com os povos indígenas
nas primeiras décadas do século XVI, aborda também as formas de exploração do
trabalho indígena e do território. O material apresenta também questões sobre a mão de
obra africana, explicando como os escravizados são capturados, transportados e vendidos
na colônia. No material reservado ao professor, há uma orientação para que se diferencie
as práticas de escravização na Antiguidade, na Idade Média e na Modernidade (DIAS, A.
M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 170). Em seguida, na seção “
História em construção” os autores aprofundam a discussão sobre a escravização de
africanos (ANEXO 49), e a partir de um texto explicativo, analisam as razões para o
tráfico de escravizados. O capítulo elenca características da realidade e cotidiano do
engenho de açúcar em uma ilustração, a representação mostra a senzala, as matas, a
casa-grande, citando o trabalho das amas de leite, as pequenas lavouras, etc (ANEXO
50). O capítulo continua com o conteúdo apresentando a chegada dos holandeses no
Brasil, e a administração de Maurício de Nassau. Por fim, antes da seção de atividades, é
trabalhado a resistência africana por meio dos quilombos na seção “Explorando o tema”
(DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 180). Por mais que
caracterizem a formação de quilombos como uma das formas mais importantes de
resistência, os autores citam também outras práticas, como a destruição de ferramentas, a
violência e a preservação de costumes e da cultura.

123
O capítulo 9 do volume do 7º analisa principalmente as formas de expansão do
território colonial, e os meios pelos quais Portugal buscou assegurar a exploração e
dominação territorial. Além de abordar o bandeirantismo, a formação das capitanias
hereditárias e a mineração, o capítulo apresenta também a formação social da população
colonial e as principais revoltas do período. As revoltas são vistas como causa de uma
tributação exagerada da Coroa e de conflitos territoriais e políticos. São exemplificadas
de forma breve a Guerra dos Emboabas, a Guerra dos Mascates, e a Revolta de Felipe
dos Santos, nada se diz sobre a participação popular nos movimentos. Em relação à
população colonial, ao tratar dos africanos e afrodescendentes o material do aluno afirma
que eram a principal mão de obra na colônia, e elencam espaços onde essa população
trabalhava. Ao professor, o material sugere que se comente sobre a incorporação violenta
desses povos na sociedade colonial, e que a partir da imagem apresentada no material do
aluno, uma aquarela que mostra africanas trabalhando como vendedoras de doces e uma
delas carregando uma criança branca, o professor comente sobre as escravas de ganho, e
diga que provavelmente, a criança branca é filha do proprietário da mulher negra (DIAS,
A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 202).
No volume no 8º ano, o capítulo 7 estuda o processo que levou à Independência
no Brasil, o capítulo 8 trata sobre os anos posteriores à Independência e como ela foi
consolidada, e por fim, o capítulo 9 objetiva-se a tratar sobre o Segundo Reinado.
O capítulo 7 se inicia abordando os ideais iluministas que influenciaram os
movimentos revoltosos no Brasil a partir do século XVIII, assim, a Conjuração Mineira e
a Conjuração Baiana são abordadas como exemplos. Os autores afirmam a defesa pelo
fim da escravidão e enfatizam a participação popular na Conjuração Baiana, alegando
que devido a situação de crise, pobres, escravizados e negros livres eram os que mais
sofriam, portanto aderiram ao movimento. E como forma de represália ao movimento, o
governo português agiu punindo os revoltosos, principalmente, os afrodescendentes.
(DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 147). O capítulo continua
abordando questões políticas entre Brasil e a Europa, a transferência da corte, o processo
de independência, e as mudanças na cidade do Rio de Janeiro, contudo, os autores
apontam que apesar disso, a situação da mão de obra escrava praticamente não se alterou:
A escravização de africanos e seus descendentes era uma prática
institucionalizada pelo governo português no Brasil. Ao longo de todo o
período Colonial, a principal mão de obra era a de pessoas escravizadas.
No final do período Colonial, a situação de indígenas e escravizados de
origem africana pouco mudou. A maioria continuou a ser subjugada e
tratada de maneira desumana pelos colonizadores. Os direitos dos

124
indígenas nem sequer eram citados nas primeiras legislações oficiais do
Brasil. (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p.
155)

Como orientação aos professores, os autores discorrem sobre os primeiros anos


da imprensa no Brasil, a chegada da Imprensa Régia e os primeiros periódicos publicados
e apresentam um trecho de um artigo sobre os conteúdos publicados pela Imprensa
Régia. (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 157)
Toda a coleção apresenta muitas obras de Debret ao longo dos capítulos sobre o
Brasil. Na seção “Investigando na prática” os autores defendem as obras de Jean-Baptiste
Debret como uma representação do cotidiano brasileiro por meio da arte. São analisados
e descritos os elementos da cotidianidade de duas aquarelas do artista, Loja de Barbeiros,
de 1821, e Negros vendedores de carvão e vendedoreas de milho, de 183588. Nas
orientações ao professor, os autores sugerem um trecho do trabalho de Raimundo
Campos sobre a representação de escravos por Debret89. O texto pontua a importância das
obras do artista francês e sua presença em diversos lugares, meios de comunicação, e
livros didáticos, mas também acrescenta suas contradições, um liberal que mesmo sendo
contra a escravidão, afirmava que era um mal necessário. (DIAS, A. M.; GRINBERG,
K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 160)
O capítulo 8 inicia-se trabalhando sobre a composição da sociedade brasileira
após a independência, apontando que a maior parte da população era formada por pessoas
livres e pobres, e que cerca de 30% eram pessoas escravizadas. Na seção “História em
construção” o livro trata sobre as discussões historiográficas sobre o significado da
Independência e da participação popular neste processo. Esta proposta aproxima o
estudante, ainda que de forma simples, das discussões historiográficas recentes. O
capítulo aborda também a formação da Assembleia Constituinte e a elaboração da
Constituição de 1824, enfatizando principalmente a divisão de poderes e as
características do sistema eleitoral. As razões que levaram à crise do governo de D. Pedro
I e sua abdicação também são elencadas. Logo após, a divisão partidária e as tendências
políticas do período Regencial são descritas, caracterizando como se deu a composição
dos grupos políticos: restauradores, liberais moderados e liberais exaltados.

88
A legenda da imagem apenas informa que a aquarela foi produzida no século XIX. Porém,
especificamente, ela foi feita no ano de 1835.Cf: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/3747
89
CAMPOS, Raimundo. Debret: cenas de uma sociedade escravista. São Paulo: Atual, 2001. p. 30-34. (O
olhar estrangeiro). Apud: DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 160

125
Neste mesmo capítulo trazem tópicos específicos para o estudo dos movimentos
de contestação ocorridos no período Regencial: o Levante dos Malês, a Cabanagem, e a
Revolução Farroupilha. No Levante dos Malês, ocorrido em 1835, os autores evidenciam
a participação da camada popular, já que o movimento foi organizado por escravizados e
ex-escravizados, estes insatisfeitos com suas condições de vida e trabalho buscaram
conquistar o poder na província da Bahia. No tópico seguinte, o capítulo apresenta as
principais “nações” africanas trazidas para o Brasil, e reforça a contribuição cultural
proviniente dos afrodescentes no Brasil. (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI,
M. C; 2018, p. 186)
Ao discutir sobre a Cabanagem (1835-1840), a capítulo identifica o movimento
como uma revolta popular, já que indígenas, escravizados, ex-escravizados, pessoas
pobres e livres eram a maior parte da população e se encontravam insatisfeitos com as
péssimas condições de vida e com o autoritarismo do governador provincial.
Ao fim do capítulo, a seção “Explorando o tema” discorre sobre o cotidiano das
mulheres no século XIX. O texto aponta que a sociedade oitocentista era patriarcal, e que
de forma geral, as mulheres não tinham participação política, acesso à educação e eram
submissas a seus pais ou maridos. Sobre a mulher escravizada, explicam apenas que
desde muito cedo, ainda crianças, elas trabalhavam para seus senhores. Porém,
apresentam informações sobre algumas mulheres que desafiaram a sociedade patriarcal
da época: Anita Garibaldi, Narcisa Amália de Campos, Emereciana, Dionísia Gonçalves
Pinto, e Maria Quitéria de Jesus Medeiros. Destas, Emereciana é a única escravizada e
negra, e sobre ela afirmam:
Emereciana foi uma escravizada muçulmana que teve importante
participação no Levante dos Malês. Ela era responsável por distribuir os
amuletos protetores e transmitir informações aos participantes da
revolta. Quando o levante foi reprimido, Emereciana foi condenada a
receber 400 chicotadas como punição. (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.;
PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 190)

O nono e último capítulo, tem como temática geral o Segundo Reinado, se


iniciando cronologicamente em 1840, com o Golpe da Maioridade, e finalizando em
1889, com a Proclamação da República. O capítulo é extenso e aborda temas como a
expansão cafeeira, o trabalho dos escravizados, a Guerra do Paraguai, as leis
abolicionistas, a crise do Império, a Abolição, e o fim da Monarquia. Cabe aqui pontuar
apenas como o material aborda o cotidiano e a experiência escrava em seus capítulos.

126
Ao tratar sobre o trabalho escravizado nos cafezais, o livro afirma a total
dependência da mão de obra escravizada pela cafeicultura em todas suas etapas, além do
aumento do tráfico durante o século XIX para a manutenção da produção. É considerada
também a pressão sofrida pelo governo brasileiro pela Inglaterra para o fim do tráfico,
principalmente com a lei Bill Aberdeen, e como uma situação forçada, o governo
brasileiro precisou aprovar em 1850 a Lei Eusébio de Queiroz, abolindo o tráfico
internacional de escravizados. (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C;
2018, p. 202) Como resistência à escravidão, as longas jornadas de trabalho e a
exploração, os autores relatam que muitos escravizados se trabalhavam de forma lenta,
quebravam instrumentos de trabalho, organizavam revoltas violentas e fugas. E a partir
destas fugas se formam os quilombos, comunidades de escravizados estruturadas em
lugares de difícil acesso. O texto diz que as fugas também eram um meio que os
escravizados utilizavam para negociar com seus senhores melhores condições de vida e
trabalho. (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 204)
O tópico do capítulo que se refere a abolição da escravidão se inicia
contextualizando a formação do Movimento Abolicionista a partir de 1870, suas pautas
de defesa, organização, e a origem de seus membros, profissionais liberais, estudantes,
comerciantes, escravizados e ex-escravizados. A participação popular no movimento é
identificada pelos autores como peça fundamental para a abolição, as revoltas de
escravizados gerava medo aos fazendeiros proprietários de escravizados e manifestações
e comícios abolicionistas eram promovidos em diversas cidades do país. (DIAS, A. M.;
GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 224) A Lei Áurea é retratada no livro
como o resultado das pressões populares e do fortalecimento da abolicionismo no
Parlamento, sendo recebida com comemoração e festa “pelos ex-escravizados e pelos
abolicionistas em todas as regiões do Império” (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.;
PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 224)
A situação dos ex-escravizados após a abolição é discutida em seguida. Pontua-se
a importância da Abolição para a igualdade de todos perante a lei, porém na prática,
apenas a lei não foi suficiente para atingir de fato a igualdade social. Nesse contexto,
citam que como forma de apoio mútuo, ex-escravizados criaram “redes de solidariedade”
entre si.
Contudo, foi por meio da formação de redes de solidariedade que os
ex-escravizados puderam sobreviver e resgatar sua dignidade. Nessas
redes, eles se ajudavam mutuamente, arrecadando dinheiro para
comprar vestimentas e alimentos, além de trabalharem juntos na

127
construção de suas moradias. (DIAS, A. M.; GRINBERG, K.;
PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 225)

Ao fim do capítulo 9, na seção “Investigando na prática”, os autores analisam uma


charge feita por Angelo Agostini para a Revista Illustrada, apontam informações
presentes no cabeçalho da revista, relacionam a charge com o contexto histórico em
questão, e transcrevem a sua legenda. Para os estudantes, é oferecido uma outra charge de
Angelo Agostini e três questões interpretativas sobre ela. Como recomendação ao
professor, se sugere que enfatize que as caricaturas são uma importante fonte histórica e
um material para que se questione o contexto político da época. Além da seção
investigando na prática, na seção de atividades os autores também abordam a o legado de
desigualdade gerado pela escravidão e a implementação de políticas públicas, o sistema
de cotas universitárias, como meio de se suprir o legado de desigualdades étnico-raciais.
(DIAS, A. M.; GRINBERG, K.; PELLEGRINI, M. C; 2018, p. 232-233)
Os autores da coleção Vontade de Saber História abordam discussões recentes da
historiografia sobre a escravidão. Os conteúdos do capítulo focam principalmente nas
condições de trabalho de escravizados do campo, muito pouco se diz sobre escravizados
urbanos. Mas ainda sim sinalizam sobre algumas questões relevantes como a autonomia
escrava, o papel do movimento abolicionista para a abolição, a participação popular em
movimentos contestatórios, etc. É feito um excelente trabalho com o uso de fontes
escritas, principalmente com fontes impressas e periódicas. É notável também o esforço
dos autores em aproximar os estudantes da metodologia do trabalho do historiador, com
capítulos específicos que discutem conceitos como “fontes”, “historiografia”, “tempo
histórico”, etc.

2.1.10. Inspire História

A coleção Inspire História90 é também editada pela FTD e está em sua primeira
edição. Foi escrita por Reinaldo Seriacopi, bacharel em Letras pela USP e Gislane
Campos Azevedo Seriacopi, mestra em História Social pela PUC-SP.
O Manual do professor é dividido em três tópicos principais: pressupostos
teóricos da coleção, avaliação e bibliografia. Os autores apresentam um quadro resumido
da trajetória da disciplina de história no Brasil desde 1960, percorrendo as mudanças
legais com a adoção de políticas públicas e uma legislação educacional na década de

90
SERIACOPI, Gislaine Campos Azevedo; SERIACOPI, Reinaldo. Inspire história: EF anos finais –
manual do professor. 1. ed. São Paulo: FTD, 2018. 4 v

128
1990 até chegar a adoção da BNCC em 2018, caracterizada pelos autores como “o mais
recente e importante marco na busca de melhoria da educação brasileira” (SERIACOPI,
G. C. A.; SERIACOPI, R. 2018, p. IX). Sobre os processos de ensino-aprendizagem, a
coleção sustenta que a escola é um lugar de construção de saberes marcado pela interação
entre diversos sujeitos, o professor tem principalmente o papel de mediador de conteúdos
entre os alunos e deve facilitar o processo de construção de conhecimentos. O aluno é
percebido como um sujeito no processo de aprendizagem que traz conhecimentos prévios
e noções históricas. (SERIACOPI, G. C. A.; SERIACOPI, R. 2018, p. XIV)
É no Manual do professor que os autores demarcam a metodologia utilizada na
coleção e os ideais teóricos que seguiram. Declaram seguir a BNCC e a historiografia
recente, com estratégias pedagógicas e historiográficas que considerem a diversidade
social e cultural, a diversidade étnica e os respeito às diferenças. Assim, ao abordar as
sociedades africanas, os autores relatam que buscaram considerar as várias culturas
africanas e sua pluralidade de histórias. Quanto aos povos indígenas, afirmam que a
coleção destaca sua importância para a formação do Brasil e sua diversidade cultural,
além de questões atuais que os envolvem, como o direito à terra e a preservação da
natureza. (SERIACOPI, G. C. A.; SERIACOPI, R. 2018, p. XV) Também afirmam que a
coleção valoriza a diversidade de sujeitos, e evita seguir “os grandes modelos
explicativos”:
Igualmente valorizamos, nesta coleção, a história de uma multiplicidade
de sujeitos, tais como minorias étnicas, mulheres, trabalhadores,
pessoas com deficiência - enfim, todos que constroem a História no seu
cotidiano. Ao realizar esse trabalho, procuramos evitar os grandes
modelos explicativos que se pautam apenas nos conceitos rígidos, como
de formação econômica e da luta de classes. Dessa maneira, buscamos
abordar, de modo integrado, as estruturas sociais, políticas, econômicas
e ideológicas das sociedades, nas quais se inserem as situações do
cotidiano. (SERIACOPI, G. C. A.; SERIACOPI, R. 2018, p. XV)

Ainda no manual do professor, a coleção desenvolve em tópicos específicos a


História da África, dos africanos e dos afrodescendentes, apontando a legislação que guia
o tema, o esforço dos livros didáticos em ressignificar a participação desses povos no
formação do país, não reduzindo apenas a escravidão.
Dessa forma, esta obra busca contribuir para a visibilidade positiva da
população afrodescendente, resgatando em vários momentos e de
diversas formas a história e a cultura dos afro-brasileiros e da África.
Para que isso se efetive, procuramos mostrar aos alunos que esses
grupos têm uma história que vai além da escravidão, da pobreza ou da
submissão. Buscamos inspiração nessa historiografia renovada, como as
reflexões de Verena Alberti (2013, p. 53) sobre como pode ser feita a

129
abordagem das histórias e culturas afro-brasileiras em sala de aula:
"voltar a atenção para a diversidade de experiências e identidades, trazer
experiências em que africanos e seus descendentes são atores sociais e
políticos, integrar essas experiências à história 'nacional' evitando a
criação de um 'nicho' de ensino 'afro-brasileiro' e fazer o uso de fontes
efetivas e expressivas.". (SERIACOPI, G.C.A.; SERIACOPI, R. 2018,
p. XVII-XVIII)

Por fim, o manual do professor destrincha as quatro propostas metodológicas da


coleção: “as unidades conceituais, que agrupam os capítulos; a leitura de documentos
com ênfase na leitura de imagens; a relação entre o passado e o presente; e o trabalho
com os conhecimentos prévios dos alunos” (SERIACOPI, G.C.A.; SERIACOPI, R. 2018,
p. XX).A coleção também adota uma perspectiva de história cronológica e integrada,
defendendo que
[...] a perspectiva da história cronológica e integrada, mais familiar às
salas de aula brasileiras e balizada também na BNCC. A organização
das unidades por eixos conceituais abre possibilidades para um processo
de significação pedagógica e histórica bastante fecundo, permitindo ir
além da abordagem linear e sequencial dos conteúdos com os alunos.
(SERIACOPI, G.C.A.; SERIACOPI, R. 2018, p. XX)

Inspire História – 7º ano Inspire História – 8º ano

Unidade 1 – Território e Governo Unidade 1 – Igualdade

Capítulo 1 – Das Monarquias Nacionais ao Capítulo 1 – Iluminismo e Monarquia


Absolutismo constitucional na Europa

Capítulo 2 – O Mundo Moderno: Renascimento e Capítulo 2 – A Revolução Industrial


Reforma

Unidade 2 – Tolerância Unidade 2 – Liberdade

Capítulo 3 – O islamismo e os reinos africanos Capítulo 3 – Revoluções iluministas: Estados


Unidos e França
Capítulo 4 – As Grandes Navegações
Capítulo 4 – Rebeliões na colônia: a Conjuração
Capítulo 5 – Dos povos pré-colombianos à Mineira e a Conjuração Baiana
conquista espanhola
Capítulo 5 – Os processos de independência da
América espanhola e da América portuguesa

Unidade 3 – Trabalho Unidade 3 – Nação e Nacionalismo

Capítulo 6 – Primeiros tempos da colonização Capítulo 6 – O Primeiro Reinado e o período


regencial

130
Capítulo 7 – A escravidão africana Capítulo 7 – Neocolonialismo

Capítulo 8 – A produção de açúcar e os holandeses

Unidade 4 – Deslocamentos populacionais Unidade 4 – Terra e Meio ambiente

Capítulo 9 – Século XVII: quando a colônia se Capítulo 8 – O governo de D. Pedro II


expande
Capítulo 9 – A Guerra da Paraguai e o fim da
Capítulo 10 – O ouro das Minas Gerais escravidão.

Quadro 10 - Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da coleção Inspire História

No volume do 7º ano, o capítulo 6 – Primeiros tempos da colonização apresenta


ao estudante características dos primeiros anos da colonização portuguesa. Os autores
também relacionam o conteúdo do capítulo com a disciplina de geografia, a partir da
representação de mapas cartográficos do século XVI. Neste capítulo a história indígena é
bem abordada, com subtópicos que descrevem suas moradias, sua organização social,
saberes, o choque cultural resultante da chegada dos europeus, além de também discutir
sobre a situação atual das populações indígenas.
O Capítulo 7 – A escravidão africana, discute desde a diferença entre a escravidão
africana e a escravidão portuguesa, até temas atuais como o preconceito e a
discriminação. O capítulo se inicia explicando as diferenças entre a escravidão ocorrida
na África, e a escravidão mercantil, explorada pelos portugueses a partir do século XV,
que tinha objetivos mercantis. (SERIACOPI, G.C.A.; SERIACOPI, R. 2018, p. 147) Em
seguida os autores apresentam uma litografia do interior de um navio negreiro e as suas
péssimas condições de transporte. No manual do professor, os autores sugerem outras
atividades durante o capítulo, uma delas é a leitura da biografia de Mahommah G.
Baquaqua, um africano escravizado, apresentado pela historiadora Silvia Hunold Lara.
Outra atividade proposta é a escrita de uma manchete contra o tráfico e a escravidão.

MAIS ATIVIDADES
Escrever uma manchete
Explique aos alunos o que é uma manchete e sua função em um jornal.
Peça que façam um titulo bastante convincente e escrevam um
parágrafo curto, denunciando os altos lucros dos traficantes de
escravizados e as condições degradantes dos navios com o objetivo de
convencer os leitores do jornal a serem contra o tráfico e a escravidão.
Apresente alguns argumentos da época nos quais os ativistas se
baseavam, como a humanidade dos africanos; a ganância de uns não

131
poder resultar no aprisionamento de outros; a abolição do tráfico e da
escravidão ser uma maneira de propor uma sociedade mais justa e
igualitária. (SERIACOPI, G.C.A.; SERIACOPI, R. 2018, p. 150)

No tópico seguinte, os autores abordam a situação dos escravizados assim que


desembarcaram na colônia. Apontando que as famílias existentes que ainda conseguiram
se manter unidas, seriam separadas pelos comerciantes e jamais se veriam novamente.
Nas orientações ao professor, os autores enfatizam a diferença entre a escravidão africana
e a empreendida pelos europeus, para que fique claro seu caráter mercadológico e voltado
ao lucro. Ao caracterizar a vida dos escravizados nas senzalas, os autores apontam que a
organização de uma vida familiar era algo difícil, porém, não descartam a possibilidade
de ocorrer.
Não havia privacidade nem espaços separados e as pessoas
amontoavam-se em um único ambiente. Além disso, o número de
homens era maior que o de mulheres. Todas essas condições
dificultavam a organização de uma vida familiar entre os
escravizados, embora isso pudesse ocorrer. (SERIACOPI, G.C.A.;
SERIACOPI, R. 2018, p. 153)

Também como outra proposta de atividade, os autores sugerem a pesquisa de


lugares de memória do tráfico e da escravidão, levando os alunos a reconhecerem mais a
história da escravidão em sua região e discutir
MAIS ATIVIDADES
Investigar lugares de memória
Utilizando o Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico
de Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil do
Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal
Fluminense, peça aos alunos que localizem algum local listado do
estado em que residem e, se houver, da cidade em que vivem ou
estudam. Se não houver um local próximo, peça que localizem no
Inventário as opções mais próximas.
Em roda, pergunte aos alunos se tinham conhecimento desses lugares e
se os relacionavam com o passado da es- cravidão. Indague os motivos
pelos quais, muitas vezes, o passado sobre a escravidão não seja
lembrado em lugares públicos. (SERIACOPI, G.C.A.; SERIACOPI, R.
2018, p. 153)

Além de caracterizar o cotidiano nas senzalas, o livro também apresenta a


realidade do trabalho escravo nas cidades e a possibilidade de trabalharem nos centros
urbanos como escravos de ganho. Por fim, os autores trabalham sobre a violência do
cativeiro, as formas de resistência, o surgimento do Quilombo de Palmares e questões
atuais, como o estabelecimento do Dia da Consciência Negra e as desigualdades sociais
sofridas pelos negros no Brasil. Apontam que como meio para reagir à violência da

132
escravidão, os escravizados fugiam, praticavam crimes, mulheres abortavam, diminuiam
o ritmo de trabalho, destruiam máquinas e objetos de trabalho, e também mantiam seus
costumes e crenças de origem.
No Capítulo 8 – A produção de açúcar e os holandeses analisa o processo de
ocupação do nordeste pelos holandeses, a formação da sociedade açucareira e a condição
de trabalhos dos escravizados nos engenhos. Neste capítulo, os autores destrincham as
partes de um Casa-grande a partir da obra de Cícero Dias, Casa-grande do Engenho
Noruega, antigo Engenho dos Bois, Pernambuco (1933). Nas orientações ao professor, os
autores situam este obra, e descrevem que foi utilizada como capa do livro Casa-grande
& Senzala, de Gilberto Freyre. Apontam a importância da obra de Freyre para os estudos
sobre o período colonial no Brasil, mas também pontuam que a escravidão e a produção
açucareira continuam sendo pesquisadas, e “apresentam versões inusitadas sobre o tema”:

Pergunte aos alunos se já visitaram alguma fazenda colonial, em


especial, algum engenho de açúcar. Em caso afirmativo, questione sobre
a localidade do engenho, as condições das construções e as principais
impressões que tiveram. Peça aos alunos que observem a imagem do
capítulo com atenção e incentive-os a identificar as principais
construções retratadas. Comente que o desenho ficou muito conhecido
por ter sido utilizado no livro Casa-Grande & Senzala, de Gilberto
Freyre, importante historiador brasi- leiro. Embora a representação de
Cicero Dias possa ser considerada uma idealização do cotidiano
colonial, a pintura passou a ser utilizada como referência para ilustrar
como eram os engenhos de cana-de-açúcar no período. Os estudos de
Freyre sobre a escravidão no Brasil e a sociedade escravista ficaram
muito conhecidos no país e configuram-se como lei- tura essencial para
a área.
E importante ressaltar que o conhecimento histórico é um processo em
continua construção e, dessa forma, as pesquisas sobre a escravidão e a
produção açucareira no Brasil continuam sendo pesquisadas,
apresentando visões inusitadas sobre o tema. (SERIACOPI, G.C.A.;
SERIACOPI, R. 2018, p. 165)

O capítulo 9 – Século XVII: quando a colônia se expande, tem como objetivo


compreender o processo de expansão colonial, o impacto da expansão para povos
indígenas e relacionar os deslocamentos populacionais do passado e do presente. Já o
Capítulo 10 – O ouro das Minas Gerais analisa a formação das sociedades mineradoras,
os processos migratórios e as relações de resistência. Assim como nos capítulos 8 e 9, no
capítulo 10 os autores apresentam uma obra de arte, e a partir dela, o capítulo analisa
aspectos da sociedade. Para descrever a realidade nas minas, utilizam a obra “Lavagem
de ouro no monte Itacolomi”, de 1835, de Johann Moritz Rugendas. Os autores destacam

133
a grande quantidade de negros representados na obra e a partir disso apontam que de fato,
os principais trabalhadores das minas eram os escravizados. É interessante também que o
texto problematiza a obra de Rugendas, descrevendo que é uma representação, uma
imagem que parte das escolhas particulares de quem a produziu, e que neste caso, não é
representado nenhum tipo de resistência por parte dos escravizados, mas elas ocorreram.
O volume do 8º ano retoma a História do Brasil com o Capítulo 4 – Rebeliões na
colônia: a Conjuração Mineira e a Conjuração Baiana, neste capítulo os autores reservam
um box específico para tratarem sobre a participação de negros nos movimentos
emancipacionistas. Eles apontam que não eram muito presentes na Conjuração Mineira,
pois o movimento não tinha a abolição como pauta, mas que estavam presentes na
Conjuração Baiana, que se iniciou com os membros da elite, mas que com o tempo,
abarcou representantes de camadas sociais mais baixas. Também vale notar outra
atividade proposta neste capítulo, os autores sugerem que em grupos, alunos realizem
pesquisas sobre temas que envolvam a população negra e apresentem os resultados, a
atividade tem como objetivo levar os alunos a refletir sobre as permanências da
escravidão na atualidade e a necessidade de políticas de reparação:
MAIS ATIVIDADE
Discriminação e resistência hoje
Compreender a permanência do racismo na sociedade brasileira e as
danosas consequências do escravismo é fundamental para o
aprofundamento da discussão sobre maneiras de reparação e construção
de uma sociedade mais igualitária
Os alunos devem se dividir em grupos de 4 a 5 integrantes e escolher
um dos temas abaixo:
✓ A população negra e a educação.
✓ A população negra e a saúde.
✓ A população negra e a segurança pública.
✓ A população negra e o trabalho.
✓ Organizações não governamentais que atuam pela causa negra.
O objetivo é observar e analisar os problemas atuais enfrentados pela
população negra, sem esquecer do peso do passado escravista e da
permanência do racismo.
• A pesquisa pode ser realizada em sites, livros e revistas. Sugira aos
alunos o uso de estatísticas do site do IBGE, com ênfase para o Mapa da
Violência e Retratos da Desigualdade de Gênero e Raça.
• Em data combinada, todos devem apresentar suas considerações. O
suporte para a apresentação pode variar de acordo com as possibilidades
do grupo: cartazes, panfletos, apresentações com multimídia ou orais.
• O tema evoca concepções de mundo e, portanto, atue observando o
respeito, a atenção para os dados estatísticos e a necessidade de
informações baseadas em argumentos e fatos. (SERIACOPI, G.C.A.;
SERIACOPI, R. 2018, p. 100-101)

134
Em seguida, o capítulo 6 – O Primeiro Reinado e o período regencial apresenta as
principais considerações sobre o período, além de identificar alguns aspectos sobre
revoltas regenciais. Os autores discutem no início do capítulo sobre o conceito de nação e
em seguida expõem as condições sociais após a independência, eles reforçam que apesar
da independência, uma grande parte da população era escravizada, as desigualdades
sociais eram enormes e a educação não era para todos. Apontam brevemente que alguns
escravizados conseguiram em caráter de exceção, construir casas de pau a pique,
preservando suas raízes e garantindo privacidade. Os autores oferecem também um texto
sobre a infância no Império, nele, diferenciam a educação ofertada para crianças da elite e
para crianças livres, pobres e escravizadas. A partir do texto, os autores sugerem ao
professor que indague os alunos sobre as desigualdades sociais, e identifique
semelhanças e diferenças entre o passado e o presente da educação no Brasil. A
escravidão é retratada em seguida no capítulo, a partir de um gráfico que apresenta os
números da entrada de africanos escravizados no Brasil de 1825 a 1840, uma fotografia
de Marc Ferrez de 1882 e perguntas se discute a ineficiência de algumas leis no Brasil, e
a tentativa de por fim ao tráfico negreiro. Mesmo com o tráfico tendo sido proibido, a
prática da escravidão continuava sem mudanças, pois ainda era legalmente aceita.
(SERIACOPI, G.C.A.; SERIACOPI, R. 2018, p. 1142-143) O capítulo também aborda a
Revolta dos Malês e a Sabinada em Salvador, apresenta os argumentos dos revoltosos, e
o resultado mal sucedido do movimento, seus principais líderes negros não são
abordados.
O oitavo capítulo intitula-se “O governo de D. Pedro II, e tem como principal
objetivo “conhecer os aspectos sociais, econômicos e políticos do Segundo Reinado”
(SERIACOPI, G.C.A.; SERIACOPI, R. 2018, p. 184) O capítulo analisa as disputas
políticas do período e oferece ao estudante algumas charges publicadas em periódicos da
época para uma melhor compreensão, são apresentadas charges da Semana Illustrada, O
Besouro, e O Mequetrefe. Além disso, também apresentam a primeira capa do jornal
pernambucano A Voz do Brasil. Neste capítulo, além das questões políticas e econômicas
que envolvem este período, os autores discutem também sobre a chegada de imigrantes
para o trabalho nas lavouras de café e suas dificuldades, as teorias racistas, as
desigualdades sociais do fim do século XIX e a falta do acesso à moradia. Ao abordar a
Lei do Ventre Livre, aprovada em 1871, os autores problematizam a “Lithografia do
Imperial Instituto Artístico - Honra e Gloria ao Ministério de 7 de março” - 1871, e
discutem como a imagem foi construída para exaltar o governo.

135
O último capítulo do volume do 8º ano finaliza o período do Segundo Reinado,
abordando a Guerra do Paraguai e o fim da escravidão. Todo o processo da Guerra do
Paraguai é descrito e explicado, desde seu início até os impactos da guerra para o Brasil.
Como material de apoio ao professor, são oferecidos trechos de textos acadêmicos e
sugestão de livros sobre as visões da historiografia sobre a Guerra do Paraguai e sobre a
participação de escravos no conflito. O capítulo relaciona a Guerra do Paraguai e a
pressão inglesa como alguns dos fatores que puseram a escravidão em xeque. Também
elenca a pressão inglesa para o fim do tráfico, as resistências dos escravizados e a
campanha abolicionista como fatores que levaram ao fim da escravidão. Os autores
expõem um anúncio de um escravo fugido de um jornal, também apresentam uma charge
de Ângelo Agostini, e a capa do jornal O abolicionista.
A coleção Inspire História oferece ao professor diversas referências
historiográficas recentes, além de atividades que visam o protagonismo estudantil e suas
vivências. As orientações didáticas são claras e oferecem ao professor perguntas que
levam ao debate em sala de aula e reconhecem as vivências e a realidade de cada
estudante como ponto de partida para a construção do conhecimento. A constituição de
laços familiares entre escravos é pontualmente citada pelos autores, mas não é uma
análise detalhada. Capas e charges de alguns jornais do século XIX também são
apresentadas. Além disso, não é feito uma discussão mais minuciosa sobre este tipo de
fonte e outras possibilidades de estudo e problematização
.

2.1.11. Geração Alpha História

A coleção Geração Alpha História está em sua segunda edição e foi publicada
pela editora SM Educação. A obra é coletiva e sua editora responsável é Valéria Vaz,
licenciada em História pela Unesp, Especialista em Linguagens Visuais e Mestra em
Artes Visuais pela Faculdade Santa Marcelina (FASM). O Manual do Professor é
dividido em cinco tópicos: “A coleção e o ensino de História”, “Estratégias e
abordagens”, “Organização da coleção”, “Textos de apoio” e “Bibliografia”. Em seu
primeiro tópico, a coleção traz textos que discutem a perspectiva de educação voltada
para competências e baseada em valores, e as competências da BNCC para a área de
Ciências Humanas e História. No tópico seguinte, a coleção faz algumas considerações
sobre as interações com outras disciplinas, discute alguns conceitos e formas de

136
avaliação. Por fim, no mesmo tópico, abordam formas de investigar e realizar pesquisas e
algumas possibilidades de fontes históricas, citando as imagens, filmes e textos. (SM
Educação, 2018, p. XII).
No tópico “Organização da coleção” é apresentado toda a estrutura do livro do
aluno, onde também se explica as seções, além disso também todos os conteúdos da
coleção, por ano e capítulo. As seções que aqui cabe destaque são a “História dinâmica” e
a seção “Arquivo Vivo ", nelas a coleção busca aproximar os alunos do trabalho e
pesquisa com fontes, e discutir sobre diferentes interpretações históricas sobre um tema.
Arquivo vivo
A seção Arquivo vivo promove o contato sistematizado dos alunos com
as fontes históricas, apresentando possíveis leituras de documentos
históricos de diversas naturezas e incentivando os alunos a realizar suas
análises, com base em seus conhecimentos.
História Dinâmica
Na seção História dinâmica propõe-se que o aluno tenha contato com
debates historiográficos ou que analise diversas interpretações e
controvérsias sobre temas do capítulo, de forma a esclarecer que a
disciplina não trabalha com verdades, mas com diferentes pontos de
vista e teorias científicas que tendem a se transformar de acordo com a
época.
Essa perspectiva serve como estímulo para que os alunos se
reconheçam como produtores de conhecimento e sujeitos
históricos.(SM Educação, 2018, p. XX).

Por fim, o tópico “Textos de apoio” oferece textos teóricos que buscam ajudar a
compreensão dos conteúdos do material do aluno, são apresentados textos de
historiadores tratando sobre historiografia, patrimônio, fontes históricas, tecnologia e
história africana, afro brasileira, indígena e estudos de gênero.
A estrutura de capítulos da coleção é diferente da grande maioria das outras
coleções aprovadas, existe um número maior de unidades, e cada uma delas conta com de
dois a três capítulos, distribuídos da seguinte maneira:

Geração Alpha História – 7º ano Geração Alpha História – 8º ano

Unidade 1 – África: muitos povos Unidade 1 – A Inglaterra se transforma

Capítulo 1 – Os povos do Sahel Capítulo 1 –Revoluções na Inglaterra

Capítulo 2 – Povos Iorubá Capítulo 2 – A sociedade industrial

Capítulo 3 – Povos da África Central à África


Meridional

137
Unidade 2 – A Europa Ocidental no início da Era Unidade 2 –Iluminismo e independência dos Estados
Moderna Unidos
Capítulo 1 – Uma visão de mundo renovada
Capítulo 1 – O Iluminismo
Capítulo 2 – A Reforma Protestante
Capítulo 2 – A independência dos Estados Unidos
Capítulo 3 – A Contrarreforma da América

Unidade 3 – O Estado moderno Unidade 3 – A Revolução Francesa e seus


desdobramentos
Capítulo 1 – A formação dos Estados modernos
Capítulo 1 – A Revolução Francesa
Capítulo 2 – A ascensão do Estado absolutista
Capítulo 2 –O Império Napoleônico e a Revolução
do São Domingos

Unidade 4 – Povos do continente americano Unidade 4 – Independências na América Espanhola


Capítulo 1 – Diferentes estruturas sociais
Capítulo 1 – Independências no México e na
Capítulo 2 – Técnicas e tecnologias América Central

Capítulo 3 – Jeitos de pensar: as cosmogonias Capítulo 2 – Independências na América do Sul

Unidade 5 – A expansão marítima europeia Unidade 5 – Brasil: A independência e o Primeiro


Reinado
Capítulo 1 – Novas rotas da Europa para o Oriente

Capítulo 2 –As navegações Capítulo 1 – Tensões na Colônia

Capítulo 3 – Relações comerciais Capítulo 2 – A independência do Brasil

Capítulo 3 – O Primeiro Reinado

Unidade 6 – Espanhóis e ingleses na América Unidade 6 – As regências e o Segundo Reinado


Capítulo 1 – Indígenas e espanhóis: guerras e
alianças Capítulo 1 – O período Regencial

Capítulo 2 – A América espanhola Capítulo 2 – O Segundo Reinado

Capítulo 3 – A colonização inglesa na América

Unidade 7 – Portugueses e holandeses na América Unidade 7 –Revoluções e nacionalismos no fim do


século XIX
Capítulo 1 –Indígenas no Brasil e estrangeiros
europeus
Capítulo 1 – Rebeliões e unificações
Capítulo 2 – A colonização portuguesa na América
Capítulo 2 – A expansão da indústria na Europa
Capítulo 3 –Holandeses na América portuguesa

138
Unidade 8 – A África na América Portuguesa Unidade 8 – Os Estados Unidos no século XIX
Capítulo 1 – Os africanos na América portuguesa
Capítulo 1 – A expansão para o Oeste
Capítulo 2 – A sociedade do engenho
Capítulo 2 – A Guerra de Secessão

Unidade 9 – Expansão da América Portuguesa Unidade 9 – Imperialismos e resistências


Capítulo 1 – O processo de interiorização
Capítulo 1 – Industrialização e imperialismo
Capítulo 2 – As missões jesuíticas
Capítulo 2 – O imperialismo na África
Capítulo 3 – A sociedade das minas
Capítulo 3 – O imperialismo na Ásia

Quadro 11 - Estrutura de capítulos dos volumes do 7º e 8º ano da coleção Geração Alpha História

Iniciando com o volume do 7º ano, os conteúdos das unidades 7, 8 e 9 englobam o


período colonial, portanto serão as partes analisadas. Na Unidade 7, o capítulo 1 trata
sobre o momento da chegada dos portugueses no território que posteriormente seria
conhecido como Brasil. O capítulo explica como se deu os primeiros contatos entre
nativos e europeus, as narrativas indígenas sobre a chegada de outros povos e as alianças
e resistências. O segundo capítulo, intitulado “A colonização portuguesa na América”
analisa as principais estruturas político administrativas na colônia, bem como a
exploração do Pau-Brasil e a instituição de capitanias hereditárias. O terceiro capítulo,
“Holandeses na América portuguesa”, identifica as razões da União Ibérica, a presença
de holandeses no território explorado por Portugal e suas principais ações.
A Unidade 8, “A África na América portuguesa”, apresenta dois capítulos, um
analisando a presença dos africanos no território, e em seguida, expondo o
funcionamento da sociedade açucareira. Inicialmente, o capítulo 1 analisa alguns
aspectos da escravidão no continente africano, em seguida aborda como se deu a
presença dos portugueses na África, culminando no tráfico de escravizados e em sua
comercialização. Neste capítulo é comparado as diferenças entre os regimes de
escravidão na África e na América, apontando o aspecto de mercadora que o escravizado
tinha na escravidão americana.
DIFERENÇAS ENTRE OS REGIMES DE ESCRAVIDÃO
Entre os séculos XVI e XIX, o tráfico de pessoas oriundas do continente
africano para as colônias europeias na América se tornou o mais
importante negócio dos portugueses. Diferentemente das formas
tradicionais de escravidão na África, as empresas escravocratas dos

139
europeus e de seus descendentes na América considerava os
escravizados objetos, meras mercadorias.
Na América, os senhores de escravos não eram considerados donos
apenas da força de trabalho (como ocorria na África), mas também
donos dos seres humanos. Essa é uma das mais graves características do
tráfico de escravos nas Américas. (SM Educação, 2018, p. 190).

Em seguida, no mesmo capítulo, descrevem a origem dos africanos tragos à


América e as péssimas condições de transporte nos navios negreiros. Quanto às suas
possibilidades de trabalho, o livro aponta que a mão de obra escravizada era fundamental
durante o Brasil colonial, escravizados poderiam trabalhar tanto no campo quanto nas
cidades, e anos depois, com a descoberta de metais preciosos, poderiam trabalhar nas
minas. Também apontam a possibilidade de no século xix, um escravizado poder comprar
sua alforria sendo um escravo de ganho. (SM Educação, 2018, p. 192) Ao fim do
capítulo, o livro didático elenca diversos aspectos da cultura brasileira que foram
influenciados pela presença e pela tecnologia trazida pelos africanos e seus descendentes,
como também aborda em um subcapítulo específico o histórico da desigualdades sofridas
pela população negra e a necessidade de cotas afirmativas e valorização das identidades
afro-brasileiras. O livro também apresenta uma imagem de uma manifestação em
protesto ao assassinato da deputada Marielle Franco, em 2018. Bem como uma seção
sugere a discussão e debate entre alunos sobre o uso de turbantes, se seria uma
valorização da cultura africana, ou um exemplo de apropriação cultural. (SM Educação,
2018, p. 194)
O segundo capítulo da Unidade 8, intitulado “A sociedade do engenho", busca
analisar aspectos estruturais da produção de açúcar, a composição da sociedade, as
formas de resistência, e trocas culturais de africanos na colônia. A sociedade do engenho
na colonização é caracterizada no livro como um modelo patriarcal, onde o senhor de
engenho exerce poder e influência sobre seu núcleo familiar próximos, parentes,
vizinhos, compadres, etc. Como exemplo de forma de resistência, é apresentado a
trajetória do Quilombo dos Palmares.
A Unidade 9 “Expansão da América Portuguesa” conta com três capítulos: “O
processo de interiorização”, “As missões jesuíticas” e “A sociedade das minas”.
No primeiro capítulo, é discutido sobre o fenômeno das bandeiras e da pecuária
como forma de interiorização no território e solução para a crise financeira da metrópole.
O capítulo aponta também que no processo de interiorização do território, com as
entradas e bandeiras, nem sempre houve tolerância e participação dos indígenas nativos,

140
desta forma, o livro aponta a existência de eventos conflituosos entre indígenas e
portugueses entre 1650 e 1720. O segundo capítulo da unidade busca compreender a
atuação das missões jesuíticas na América portuguesa e os impactos negativos nos povos
indígenas, como também, neste capítulo, os autores criticam os valores eurocêntricos que
apoiavam os colonizadores e defendem que é preciso considerar as diferenças culturais e
prezar pela diversidade.
O terceiro capítulo busca identificar todo o processo de exploração de minas de
ouro e pedras preciosas na colônia, é analisada os conflitos existentes no período, bem
como o aparato político e econômico de controle da metrópole. Ao fim do capítulo é
descrito algumas características da sociedade mineira e seus grupos sociais. O capítulo
reforça que com a escassez de ouro por volta da segunda metade do século XVIII, a
violência contra indígenas aumentou ainda mais. Quanto à formação de núcleos urbanos
e da sociedade mineradora, o capítulo afirma que nas regiões de minas, pessoas de
origens diversas conviviam em um mesmo espaço. Contudo, a maioria da população era
de escravizados, estes sujeitos eram obrigados por seus proprietários a entregar uma
quantidade estipulada de ouro que extraiam, mas, se extraíssem mais, poderiam acumular
para comprar sua alforria. Além disso, muitos escravizados das regiões de minas se
organizavam em fugas e revoltas, ou formando quilombos para resistir ao cativeiro. O
acúmulo de ganhos também era possível com os escravos de ganho dos centros urbanos,
que poderiam exercer diversas funções, como sapateiros, mecânicos, etc.
No volume do 8º ano as unidades 5 e 6 abordam todo o período colonial, desde as
Reformas Pombalinas no século XVIII até a abolição. No primeiro capítulo da unidade 5
se aborda as razões para o processo de crise do sistema colonial, as revoltas e rebeliões
anticoloniais e a mudança da Corte de dom João VI para o Brasil. Ao fim do capítulo, na
seção “Arquivo vivo” é discutido sobre o caráter violento ou de negociação no sistema
escravista nas Américas. Com o título :”Zumbi, Pai João ou nenhum dos dois?” o livro
oferece um texto que aponta que ao se pensar sobre a escravidão no Brasil, se têm uma
percepção que ela foi um sistema de extrema violência e controle absoluto, neste sentido,
dois estereótipos são comuns para representar os escravizados: Zumbi, um escravo que se
rebelava e fugia, ou Pai João, um escravo que se conformava com a estrutura da
escravidão. Em seguida é descrita um tratado publicado no livro Negociação e conflito: a
resistência negra no Brasil escravista, de João José Reis, o tratado é intitulado: “Tratado
proposto a Manuel da Silva Ferreira pelos seus escravos durante o tempo em que se
conservavam levantados”, neste documento, os escravos negociam com seu senhor,

141
exigindo melhores condições de trabalho. É proposto então, perguntas aos estudantes,
para que reflitam sobre quem são os autores do documento, a quem ele se dirige, e do que
se trata e se os estereótipos de Zumbi ao Pai João são suficientes para caracterizar quem
escreveu o documento. A segunda fonte da seção é uma litografia de Johann Moritz
Rugendas, Batuque, de 1835, onde mulheres e homens escravizados dançam em roda.
Aos estudantes é questionado quem são estas pessoas, onde se passa a cena, e se esta
cena é algo comum ao se pensar em escravidão. Ao final, é perguntado se estes
documentos tratam de temas parecidos. Esta atividade é capaz de problematizar como
muitas vezes os escravos e a escravidão são estereotipados, e que talvez com estes
documentos, os estudantes entendam que as relações escravistas vão além de uma
dualidade, e que espaços de negociação e de sociabilidade entre escravizados eram
possíveis.
O segundo capítulo, “A independência do Brasil”, analisa principalmente aspectos
políticos, como as rupturas entre Portugal e a colônia, a Revolução Liberal do Porto, e a
própria independência e suas reações. O terceiro capítulo também pouco fala sobre
questões sociais, apenas reflete sobre a política indigenista durante o Império.
A unidade 6 trabalha questões sobre o período Regencial, suas características e
revoltas no período e sobre o Segundo Reinado. Seu primeiro capítulo analisa
características do período regencial, os embates e partidos políticos, e os principais
pontos de algumas revoltas. Em um infográfico baseado nas obras de José Murilo de
91
Carvalho e Bóris Fausto o livro didático descreve algumas características da
Cabanagem, Balaiada, Sabinada, e Farroupilha. (SM Educação, 2018, p. 144). Em tópico
específico, abordam o protagonismo de negros na Bahia na Revolta dos Malês. O livro
descreve a participação de escravizados de origem islâmicas que mantinham entre si
relações de solidariedade e a partir destas relações formaram resistência contra a
escravidão.
O segundo capítulo da unidade 6 se propõem a analisar principalmente questões
políticas do Segundo Reinado, como o Golpe da Maioridade, as revoltas liberais de São
Paulo e Minas Gerais, e a Guerra do Paraguai.
É no terceiro e último capítulo que analisam o movimento abolicionista e as
políticas de imigração do final do século XIX. Os autores contextualizam as razões para o

91
As fontes de pesquisa para o infográfico foram: José Murilo de Carvalho (Coord.). A construção
nacional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012; Boris Fausto. História concisa do Brasil São Paulo: Edusp, 2002;
Ronaldo Vainfas (Dir.). Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002

142
crescimento do abolicionismo no Brasil e os meios pelos quais ele se propagava. Além
disso, as leis abolicionistas também são descritas. A abolição é caracterizada como o
resultado de uma situação já impossível de se manter, a pressão inglesa, o movimento
abolicionista e as resistências de escravizados contribuíram para a assinatura da Lei
Áurea em 13 de maio de 1888.
Mesmo não deixando claro no manual do professor, a coleção se insere em uma
perspectiva de compreensão da Nova História. Em diversos textos da livro do aluno e em
sugestões de leitura e trecho de textos ao professor vários autores de uma historiografia
recente sobre a escravidão e a história do Brasil são citados: Lilia Schwarcz, João José
Reis, Angela Alonso, Ronaldo Vainfas, entre outros. Contudo, a coleção cita muito
brevemente a participação de escravos em revoltas regenciais, também não aprofunda
quando trata sobre o papel dos escravos e do movimento abolicionista para a abolição. A
formação de famílias entre escravos também não é um assunto detalhado.

2.2. Coleções mais adquiridas

Pela consulta e pesquisa no website do FNDE encontra-se uma tabela de valores


de aquisição de livros didáticos pelo PNLD92. Esta tabela informa os valores e
quantidades de todos os livros adquiridos pelo programa e distribuídos em escolas de
educação básica no Brasil.
A página presta contas de livros adquiridos para todos os níveis da educação:
educação infantil, ensino fundamental, e ensino médio. Nos vale apresentar os dados
sobre os materiais adquiridos para os Anos Finais do Ensino Fundamental, estes foram
repostos em sua integralidade.
Atualmente processo de escolha de uma coleção didática é regulamentado pelo
Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017 93, o decreto institui que a escolha dos materiais
distribuídos pelo programa pode ser unificada ou não. De acordo com o Art. 18 três

92
Dados estatísticos. Programa do Livro. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Ministério da
Educação. Disponível em:
https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos. Acesso em:31,
janeiro, 2023.
93
BRASIL. Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017 - Publicação Original. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2017/decreto-9099-18-julho-2017-785224-publicacaooriginal-
153392-pe.html. Acesso em 31/01/2023.

143
opções são oferecidas: um material único para cada escola, material único para cada
grupo de escolas, ou um material único para a rede.
Art. 18. Durante a etapa de escolha, por opção dos responsáveis pela
rede, a adoção do material didático será única:
I - para cada escola;
II - para cada grupo de escolas; ou
III - para todas as escolas da rede.
§ 1º Na hipótese de que trata o inciso I do caput, serão distribuídos os
materiais escolhidos pelo conjunto de professores da escola.
§ 2º Na hipótese de que tratam os incisos II e III do caput, serão
distribuídos os materiais escolhidos pelo conjunto de professores do
grupo de escolas para o qual o material será destinado. (BRASIL, 2017,
grifo nosso)

Pela leitura do artigo, se percebe que os critérios de escolha nem sempre serão
democráticos e autônomos, uma vez que durante a escolha dos materiais os responsáveis
pela rede escolhem qual modelo seguir, portanto existe a possibilidade de que não haja
um debate e uma escolha de fato democrática que envolva professores
Contando com todas as coleções didáticas, livros do aluno e manuais do
professor, foram adquiridos 10.320.469 livros da disciplina de História para os Anos
Finais do Ensino Fundamental, estes tiveram um custo de R $94.634.631,92. Pelo gráfico
a seguir (GRÁFICO 1) é perceptível que há uma grande discrepância na aquisição de
coleções. Enquanto a coleção História Sociedade e Cidadania têm cerca de 35,3% do
total, se configurando como a coleção mais adotada nas escolas públicas do Brasil, a
coleção Convergências conta com uma porcentagem de apenas 0,9%. Acredito que isto
pode ser explicado pelo longo legado e grande aceitação que a coleção de Alfredo Boulos
Júnior carrega enquanto autor de livros didáticos de História. Contudo, ao contrário, foi a
primeira vez que a coleção Convergências foi aprovada no PNLD.

144
GRÁFICO 1 - Quantidade total de exemplares adquiridos para a disciplina de História pelo PNLD de 2020

Comparando as obras aceitas nos editais do PNLD de 2017 94, com o edital de
2020, constatamos que algumas coleções se repetem (QUADRO 12). Além disso,
ordenando as coleções mais adquiridas em 2017 e 2020 e as comparando, verifica-se que
as três coleções mais adquiridas em 2017 (QUADRO 14) são as mesmas em 2020
(QUADRO 13).

PNLD 2017 PNLD 2020

● HISTORIAR ● ARARIBÁ MAIS HISTÓRIA


● PROJETO MOSAICO - HISTÓRIA ● HISTÓRIA: ESCOLA E DEMOCRACIA
● VONTADE DE SABER - HISTÓRIA ● HISTORIAR
● PROJETO ARARIBÁ - HISTÓRIA ● HISTÓRIA SOCIEDADE &
● HISTÓRIA PARA NOSSO TEMPO CIDADANIA
● ESTUDAR HISTÓRIA: DAS ● HISTÓRIA.DOC
ORIGENS DO HOMEM À ERA DIGITAL ● TELÁRIS HISTÓRIA
● HISTÓRIA NOS DIAS DE HOJE ● ESTUDAR HISTÓRIA: DAS
● PROJETO TELÁRIS - HISTÓRIA ORIGENS DO HOMEM À ERA DIGITAL
● PROJETO APOEMA - HISTÓRIA ● CONVERGÊNCIAS HISTÓRIA
● HISTÓRIA.DOC ● VONTADE DE SABER
● PIATÃ - HISTÓRIA ● GERAÇÃO ALPHA HISTÓRIA
● HISTÓRIA, SOCIEDADE & ● INSPIRE HISTÓRIA
CIDADANIA

94
Brasil. Ministério da Educação. PNLD 2017: guia de livros didáticos – ensino fundamental anos finais /
Ministério da Educação – Secretaria de Educação Básica SEB – Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação. Brasília, DF: 2015. Disponível em:
http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guias-do-pnld/escolha-pnld-2017 .

145
● JORNADAS.HIST - HISTÓRIA
● INTEGRALIS - HISTÓRIA
Quadro 12 - Coleções didáticas da disciplina de História aprovadas no PNLD de 2017 e no
PNLD de 2020

TÍTULO EDITORA QUANTIDADE DE


EXEMPLARES

1º HISTÓRIA SOCIEDADE & EDITORA FTD S A 3.641.674


CIDADANIA

2º ARARIBÁ MAIS - HISTÓRIA EDITORA MODERNA 1.803.294


LTDA

3º VONTADE DE SABER HISTÓRIA QUINTETO EDITORIAL 852.153


LTDA

4º ESTUDAR HISTÓRIA: DAS EDITORA MODERNA 736.373


ORIGENS DO HOMEM À ERA LTDA
DIGITAL

5º HISTORIAR SARAIVA EDUCAÇÃO 726.662


S.A.

6º TELÁRIS HISTÓRIA EDITORA ATICA S.A. 646.261

7º HISTÓRIA.DOC SARAIVA EDUCACAO 569.999


S.A.

8º INSPIRE HISTÓRIA EDITORA FTD S A 510.690

9º HISTÓRIA - ESCOLA E EDITORA MODERNA 443.254


DEMOCRACIA LTDA

10º GERAÇÃO ALPHA HISTÓRIA EDICOES SM LTDA. 295.365

11º CONVERGÊNCIAS HISTÓRIA EDICOES SM LTDA. 94.744


Quadro 13 - Coleções didáticas mais adquiridas da disciplina de História pelo PNLD de 2020

TÍTULO QUANTIDADE DE EXEMPLARES

1º HISTÓRIA SOCIEDADE & CIDADANIA 3.387.161

2º PROJETO ARARIBÁ - HISTÓRIA 1.781.362

3º VONTADE DE SABER 1.162.104

4º PROJETO MOSAICO - HISTÓRIA 1.062.630

5º HISTORIAR 801.674

6º ESTUDAR HISTÓRIA: DAS ORIGENS DO HOMEM 600.179


À ERA DIGITAL

146
7º HISTÓRIA.DOC 586.824

8º PROJETO TELÁRIS HISTÓRIA 353.048

9º HISTÓRIA NOS DIAS DE HOJE 333.635

10º PIATÃ HISTÓRIA 216.941

11º INTEGRALIS 197.190

12º PROJETO APOEMA 157.441

13º HISTÓRIA PARA NOSSO TEMPO 85.688

14º JORNADAS.HIST - HISTÓRIA 59.150


Quadro 14 - Coleções didáticas mais adquiridas da disciplina de História pelo PNLD de 2017

As coleções História Sociedade & Cidadania, Araribá Mais, e Vontade de Saber


se mantiveram como as obras mais adquiridas nos últimos dois editais. Além disso, estes
títulos também já foram aprovados no edital do PNLD de 201195, revelando que o alto
interesse pode ser explicado pelo fato de serem obras já conhecidas há anos.

2.3. O que não se fala?

A partir da análise das onze coleções de livros didáticos aprovados no PNLD de


2020 para a disciplina de História nos Anos Finais do Ensino Fundamental podemos
fazer alguns apontamentos gerais sobre os conteúdos abordados.
A grande maioria das coleções aponta no manual do professor questões básicas
referentes a correntes historiográficas como a Nova História, a História Cultural e Social.
Algumas delas, além de apontar questões, já assumem seguir estas perspectivas
historiográficas recentes na obra. A coleção Historiar, por exemplo, relata no manual do
professor que privilegiaria, quando possível, os pressupostos da História Social. Da
mesma forma, a coleção História: escola e democracia relata que a obra busca ajudar o
professor a incorporar a historiografia recente em sala de aula.
Contudo, em menor número, algumas coleções não discutem no manual do
professor quais perspectivas explicativas se guiaram, da mesma forma, outras coleções
usam de referências diversas e não as problematizam. Na coleção Convergências não é
possível perceber claramente no manual do professor quais correntes ou referências

95
BRASIL. Ministério da Educação. Guia de livros didáticos: PNLD 2011 : História. – Brasília : Ministério
da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010.

147
principais os autores se baseiam. O mesmo também ocorre na coleção Teláris História,
onde não há nenhuma discussão no manual do professor, e no decorrer dos capítulos se
apresenta trechos de textos de historiadores de perspectivas diferentes, sem nenhuma
explicação ou problematização.
Em relação a abordagem da historiografia sobre a escravidão e o caráter violento
do cativeiro, todas as coleções caracterizam a escravidão como um regime de trabalho
violento aos escravos, mas também esclarecem sobre as formas de resistência,
principalmente as fugas e a formação de quilombos. Nesse sentido, a abordagem feita na
coleção História.doc merece destaque. Ao trabalharem a relação da micro-história com
um contexto geral, a partir dos “jogos de escala”, os autores aproximam os estudantes ao
modo de se escrever a História e evidenciam histórias individuais para se explicar uma
conjuntura social ampla. No capítulo 12 do volume do 7º ano os autores discorrem sobre
Garcia d’Ávila Pereira de Aragão, membro de uma família poderosa na Bahia, que fora
acusado diversas vezes ao Tribunal do Santo Ofício de Lisboa por ser extremamente
violento com seus escravos, mas que, apesar dos inúmeros casos e testemunhos, o
processo contra Garcia d’Ávila foi arquivado e não houve pena alguma. A partir deste
caso, os autores sugerem ao professor que pontue que os casos de extrema violência não
eram comuns, mesmo acontecendo, a prática de ações extremas de violência não era
habitual.
Como o objetivo principal deste trabalho é discutir a inserção dos estudos sobre
família escrava nos livros didáticos, este é um ponto que aqui merece uma maior
investigação. No âmbito acadêmico este é um tema discutido e reconhecido, a isto se
deve o esforço de pesquisas que buscaram retomar a análise de fontes e propuseram
novas visões sobre o tema. No ambiente escolar esta questão pode não ser tão evidente ou
esclarecida.
Considerando o livro didático um dos principais materiais pedagógicos do
professor, e muitas vezes o alicerce na construção do conhecimento, como estes livros
abordam a formação de laços familiares entre escravos? De modo geral, a discussão
sobre a existência de famílias escravas e laços de familiaridade entre escravos é pouco
discutida nos livros didáticos. São poucas as coleções que reservam um subcapítulo
específico para se aprofundar no tema, como por exemplo, as coleções Estudar História:
das origens do homem à era digital e História: escola e democracia , que dentre as
coleções, foram as que mais se aprofundaram no tema. Além das autoras da coleção
Estudar História: das origens do homem à era digital oferecerem um subcapítulo

148
proprio, também apresentam um texto de apoio ao professor no manual,sugerem fontes e
referências para a pesquisa sobre a formação de famílias entre escravos, discutem sobre a
realidade das escravas vendidas e alugadas como amas de leite e relacionam o passado
com práticas da atualidade.
Na coleção História: escola e democracia se discute a exploração do trabalho das
amas de leite, e a as várias maneiras de reagir à desumanização da escravidão, dentre
elas, a formação de famílias laços familiares. Os autores se baseiam na alegoria da “flor
na senzala", de Robert Slenes e evidenciam as relações familiares como um dos
mecanismos de resistência e de ganho de pequenas conquistas, diferenciando-as das
relações familiares impostas pela Igreja Católica.
A coleção História Sociedade & Cidadania, ao descrever no volume do 7º ano o
cotidiano dos escravos na colônia, revela de forma breve as novas visões da historiografia
sobre famílias escravas. Já no volume do 8º ano o autor oferece ao professor sugestões de
leitura sobre os espaços ocupados e a representação das crianças após a Lei do Ventre
Livre.
No livro do aluno da coleção Araribá Mais História se reforça a ideia da
desagregação familiar como uma forma de violência aos escravos, não se fala sobre a
existência de famílias escravas e pontuam que o “cuidado para não ter descendentes” era
uma forma de resistência à escravidão. Contudo, no material do professor, sugerem que a
formação de famílias seria um meio de se criar laços de sociabilidade.

2.4 Novas fontes e documentos para o Ensino de História

Compreendendo a História como ciência, para que a produção do conhecimento


histórico adquira validade, é preciso que o historiador utilize metodologias de pesquisa
específicas. Para a realização de seu trabalho, o historiador dispõe de fontes e
documentos históricos, e o conhecimento que ele produz se denomina como
historiografia.
Nas últimas décadas do século XIX, para o positivismo, o documento escrito é o
fator principal do fato histórico, se apresentando como verdade e prova histórica dos
fatos que ocorreram no passado.

149
O documento que, para a escola histórica positivista do fim do século
XIX e do início do século XX, será o fundamento do fato histórico,
ainda que resulte da escolha, de uma decisão do historiador, parece
apresentar-se por si mesmo como prova histórica. A sua objetividade
parece opor-se à intencionalidade do monumento. Além do mais,
afirma-se essencialmente como um testemunho escrito. (LE GOFF, J.
1990, p. 536)

Durante as primeiras décadas do século XIX, Marc Bloch e Lucien Febvre


fundam a Annales d’histoire économique et sociale (1929), a partir de seus estudos o
conceito de fonte história para o historiador é ampliado, passando a ser entendida como
qualquer vestígio humano no passado.

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes


existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos,
quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe
permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais.
Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do
campo e das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagem dos
cavalos de tiro. Com os exames de pedras feitos pelos geólogos e com
as análises de metais feitas pelos químicos. Numa palavra, com tudo o
que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem,
exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as
maneiras de ser do homem.
Toda uma parte, e sem dúvida a mais apaixonante do nosso trabalho de
historiadores, não consistirá num esforço constante para fazer falar as
coisas mudas, para fazê-las dizer o que elas por si próprias não dizem
sobre os homens, sobre as sociedades que as produziram, e para
constituir, finalmente, entre elas, aquela vasta rede de solidariedade e de
entre ajuda que supre a ausência do documento escrito?" (FEBVRE,
1949, ed. 1953, p. 428 apud LE GOFF, 1990, p. 540).

Esta ampliação do conceito de documento histórico proposta pelos fundadores


dos Annales, foi o que proporcionou posteriormente a chamada “revolução documental” .
Com a “revolução documental”, a imposição do documento oficial, escrito e de carácter
político teve fim, o historiador passa a considerar uma série de outros vestígios do
passado: imagens, relatos orais, crônicas, relatos de viajantes, diários, músicas, filmes,
etc. Além disso, esta mudança proporcionou que a História analisasse “novos objetos,
problemas e abordagens”, aspectos culturais e da vida social passam a ser estudados com
a ajuda de um aporte teórico interdisciplinar. Os estudos se voltaram a compreender
temáticas como as mentalidades, o cotidiano, as festividades, mitos e religiões, a infância,
as mulheres, etc.
Junto com a mudança quantitativa, o conceito de documento também sofre
críticas e é revisto. Le Goff apresenta então a ideia de documento/monumento. Entendido

150
como monumento, o documento é visto como um vestígio produzido por homens do
passado e preservado ou não, por ações intencionais de poder destas gerações. “O
documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao
futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias” ( LE
GOFF, 1990, p. 549). Assim, para o historiador, não é relevante julgar a veracidade do
documento. O papel fundamental e objetivo do historiador é a crítica ao documento,
Questioná-lo sobre suas intencionalidades: quem o produziu? Por que? Para quem?

A concepção do documento/monumento é, pois, independente da


revolução documental e entre os seus objetivos está o de evitar que esta
revolução necessária se transforme num derivativo e desvie o
historiador do seu dever principal: a crítica do documento – qualquer
que ele seja – enquanto monumento. O documento não é qualquer coisa
que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o
fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a
análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva
recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno
conhecimento de causa. (LE GOFF, J. 1990, p. 546)

Verena Alberti elenca dois pontos principais para se trabalhar fontes históricas nas
aulas de História: a ampliação do conhecimento sobre o passado e a possibilidade de
compreender na prática como o conhecimento histórico se produz. O conhecimento
histórico pode ser ampliado quando o aluno tiver contato com fontes que o estimule e que
assim possa assimilar as nuances do passado e construir de fato um aprendizado efetivo.
Entender como se dá o trabalho do historiador também é uma das possibilidades com o
uso de fontes, levando o aluno a entender que a escrita da história é feita a partir das
perguntas que os historiadores fazem às fontes. (ALBERTI, V. 2019, p. 107).
Assim, Alberti pontua que quase toda a produção humana pode ser questionada
como fonte: documentos textuais (jornais, revistas, diários, testamentos, ações judiciais,
anúncios), vestígios arqueológicos, produções audiovisuais (filmes, novelas,
propagandas), imagens (fotografia, desenhos, HQ’s, mapas), obras de arte, arquitetura,
vestimentas, dentre outros. Mas apesar das perguntas específicas feitas para cada tipo de
documento, alguns questionamentos sobre identificação e intencionalidade são comuns a
todos: quem o produziu, onde produziu, quando produziu, e onde o documento se
encontra; Por que foi produzido? Para quem? Por que foi preservado? (ALBERTI, V.
2019, p. 108)
A autora afirma que a conceitualização de “documento/monumento” em sala de
aula para alunos, é claramente algo difícil de se compreender. Por isso, cabe ao professor

151
acostumar seus alunos a questionarem as condições de produção, preservação e difusão
de um documento, assim o conhecimento passa a ser mais interessante ao aluno.
O uso de fontes em sala pode ser uma forma de desenvolver a autonomia do
educando a partir de técnicas de pesquisa. Alberti sugere que o professor disponibilize
diversas fontes para que o estudante analise se guiando por perguntas, como exemplo ela
oferece a seguinte pergunta: “quem era a favor e quem era contra a abolição da
escravidão no Brasil, e por quê?”. Como fontes o professor poderia oferecer reportagens
de jornal, propagandas, debates, biografias etc, como também, oferecer materiais que não
se relacionam diretamente com o assunto abordado, para que desta forma, o estudante
saiba escolher o que lhe será necessário e útil. (ALBERTI, V. 2019, p. 112)
Entretanto, o professor deve ter claro que oferecer aos alunos métodos de
pesquisa não deve ser uma tentativa de transformá-los em “pequenos historiadores”96. O
que é ensinado no espaço escolar é diferente do que é ensinado nos cursos de História e
na academia. Suas necessidades e contextos não são os mesmos. Portanto, Bittencourt
alerta para o cuidado que o professor deve ter ao oferecer estes documentos como
materiais didáticos.
O professor traça objetivos que não visam à produção de um texto
historiográfico inédito ou a uma interpretação renovada de antigos
acontecimentos, com o uso de novas fontes. As fontes históricas em sala
de aula são utilizadas diferentemente. Os jovens e as crianças estão
"aprendendo História" e não dominam o contexto histórico em que o
documento foi produzido, o que exige sempre a atenção ao momento
propício de introduzi-lo como material didático e à escolha dos tipos
adequados ao nível e às condições de escolarização dos alunos.
(BITTENCOURT, C. 2011, p. 328)

Circe Bittencourt elucida que em sala de aula, o professor pode aplicar o


documento das seguintes maneiras: como ilustração, servindo para reforçar ao que foi
expresso antes; como fonte de informação, detalhando características de um
acontecimento ou das ações de sujeitos; como situação-problema, sendo ponto de partida
para identificar um tema a ser estudado (BITTENCOURT, C. 2011, p. 330). A autora
alerta, que textos extensos demais, vocabulário complexo e documentos inadequados à
idade dos alunos podem, ao invés de despertar a curiosidade, gerar dificuldades e
rejeição.
Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner, discutem no artigo “O que pode o
ensino de história? Sobre o uso de fontes na sala de aula” as possibilidades de

96
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. op cit, p. 328

152
incorporação de fontes históricas nas aulas de História da educação básica. Os autores
entendem que o uso de fontes pode ser guiado pelo pressuposto de “crítica ao
documento”. Eles sugerem e pensam estratégias pedagógicas para que a partir da
problematização e crítica às fontes, os estudantes compreendam o conhecimento histórico
e hajam sobre a sua realidade97.
Os autores esclarecem que o critério de verdade, que relaciona relato e fato, era
comum na história tradicional, e pode se tornar perigoso se o professor utilizar esta
prerrogativa em suas aulas. Assumem que não é uma tarefa fácil desconstruir nos alunos
a ideia de que a história pode adquirir diferentes significados, dependendo da cultura ou
dos grupos sociais envolvidos. É a partir da necessidade que os professores sentem em
“provar” o que relatam, que muitas vezes se utilizam de fontes e documentos como
ilustração. Para os autores, seria mais proveitoso que invés de usar como prova do que é
dito, a fonte seja problematizada enquanto documento
É nesse contexto de dificuldades epistemológicas que se inclui o
problema do uso das fontes em sala de aula, via de regra, utilizadas
como prova e ilustração dos argumentos e descrições escritas,
decorrência de uma ânsia em dar realidade ao relato histórico. Um bom
exemplo disso pode ser visto numa aula de história na qual o professor
afirma as punições definidas para a Alemanha como decorrência da
derrota na Primeira Guerra Mundial e, em seguida, mostra artigos do
Tratado de Versalhes que corroboram suas afirmações. O problema
não é o fato de o professor levar o referido documento para a sala de
aula, mas utilizar a fonte para confirmar o que mencionou sobre o final
da Guerra, procedimento que define o caráter de prova do documento e
o caráter submisso do relato à fonte. Ao invés disso, o professor poderia
problematizar o Tratado de Versalhes, quanto ao papel que
desempenhou na época em que foi criado como um monumento.
(PEREIRA, N; SEFFNER, F. 2008, p. 122)

2.4.1. Imprensa periódica nas aulas de História

Documentos escritos como textos oficiais e legislativos, músicas, poemas, artigos


de jornais, trechos de livros, são fontes históricas comumente usadas e presentes nos
livros didáticos. E que sem dúvidas oferecem ao professor inúmeras possibilidades. Da
mesma forma, a imprensa periódica e suas diversas seções, como editoriais, propagandas,
anúncios, notícias, fotografias, pode ser instrumento de construção do conhecimento,
como uma tentativa de compreensão dos modos que uma sociedade do passado pensava,

97
PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre o uso de fontes
na sala de aula. Porto Alegre, Anos 90. Porto Alegre, v. 15, n. 28, p.113-128, dez. 2008.

153
agia, se manifestava, como se dava seu cotidiano, desde figuras ilustres até sujeitos
anônimos.
A professora Maria Helena R. Capelato em Imprensa e História do Brasil98 afirma
o valor dos jornais como objetos de estudo da história, alertando para alguns pontos que
merecem atenção do historiador, e detalhando como a imprensa retratou acontecimentos
importantes da história do Brasil.
Capelato reitera que os historiadores brasileiros no início do século XX
apresentavam dois posicionamentos a respeito do jornal como documento: ou o negavam
veementemente, declarando que eram fontes suspeitas e subjetivas demais; ou lhe
aceitavam completamente como prova fiel do passado. Seu posicionamento é que ambas
perspectivas estão erradas, declarando que “O jornal não é um transmissor imparcial e
neutro dos acontecimentos e tampouco uma fonte desprezível porque permeada pela
subjetividade” (CAPELATO, M. 1988, p. 21)
Se antes os historiadores entendiam o documento como um retrato fiel ou não dos
fatos do passado, com o movimento de crítica aos documentos iniciado pelos Annales, os
historiadores que se dedicam ao estudo da imprensa como fonte, passaram a tratá-la,
principalmente após a metade do século XX, de forma dessacralizada.

Com Michel Foucault a reflexão sobre o documento intensificou-se.


Questioná-lo é o problema fundamental da história, afirma o autor. O
documento é resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente,
da sociedade que o produziu e também das épocas sucessivas durante as
quais continuou a viver esquecido ou manipulado. Esse produto resulta
de relações de forças conflitantes e do empenho de seus produtores para
impor ao futuro - voluntária ou involuntariamente - determinada
imagem da sociedade.
Nessa perspectiva todos os documentos são, ao mesmo tempo, falsos e
verdadeiros. A tarefa do historiador consiste em desmistificar o seu
significado aparente, explicitando que sua roupagem resulta de uma
construção. Demoli-la implica analisar as condições em que o
documento foi produzido.(CAPELATO, M. 1988, p. 24)

Assim, Capelato defende que alguns questionamentos sejam feitos para a análise
da “fonte-jornal” como: quem o produziu, para que, como, para quem? Além disso, o
jornal deve ser estudado em comparação com outras fontes, entendendo seus significados
explícitos e implícitos. (CAPELATO, M. 1988, p. 24)
Tanto no campo da história, quanto no jornalismo já é evidente que as notícias
jamais podem ser consideradas como um discurso neutro e imparcial. Portanto, ao
98
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto. EDUSP. 1988.

154
analisar o conteúdo de um documento periódico, é necessário que se reflita e atente-se
sobre o papel do jornalista como um sujeito formador de opiniões e do periódico como
mercadoria de um sistema capitalista, portanto é um objeto onde se coincidem diversas
formas de poderes.

155
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA

Manual Didático
FAMÍLIA E AFETIVIDADE
ESCRAVA NO SÉCULO XIX.
GABRIELA SANTOS ALMEIDA

Imagem I: Escravizada com o filho, Salvador - BA, em 1884. Marc Ferrez. Acervo Instituto Moreira Salles
Imagem 2 : Negras depois do trabalho. Victor Frond. 1861.

156
INTRODUÇÃO
O Brasil se destacou como o maior território escravista no hemisfério ocidental, além de ter
sido o último país a abolir a escravidão. Abolição esta que, como sabemos, não contou com políticas
de inclusão, como acesso à educação, incentivo ao emprego e à propriedade, mantendo os recém
libertos em condição de precariedade e pobreza. O projeto de sociedade moderna que se construiu
não integrou essa população à sociedade, a modernização se deu como um processo
institucionalizado de branqueamento populacional e com um discurso de uma suposta sociedade
mestiça e harmônica, baseada no mito da democracia racial.

Mais de cento e trinta anos já se passaram desde a assinatura da Lei Áurea, e o Brasil se
caracteriza como um país fortemente alicerçado em bases escravocratas, fundando e refundando o
racismo estrutural presente na atualidade: negros e negras recebem menores salários, quando
comparados com brancos; o jovem negro tem três vezes mais chance de ser assassinado do que um
jovem branco; mulheres negras são as que mais sofrem feminicídio e estupro; a população negra é
maioria nas penitenciárias e é aquela que tem o maior índice de analfabetismo e a menor
representação política.

Em maio de 2004 foram aprovadas e publicadas no Diário Oficial da União as Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, trazendo a Lei 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do seu
ensino na Educação Básica. Portanto, refletir sobre o sistema escravista no Brasil e sobre a
importância de ações afirmativas é uma demanda social do professor de história, mas que também se
ampara na lei e, nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais reconhecem a responsabilidade
estatal nesse processo.

A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem medidas para ressarcir os
descendentes de africanos negros dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e
educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou
tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos
com poder de governar e de influir na formulação de políticas, no pós-abolição. Visa também a
que tais medidas se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de
discriminações. (BRASIL, 2013, p. 498)

Neste mesmo documento, é dada ao professor e ao ambiente escolar a responsabilidade de


problematizar os reducionismos de senso-comum atribuídos à contribuição de escravizados e seus
descendentes para a nação brasileira. Desta forma, ao professor de História cabe ir além da
representação tradicional que alguns livros didáticos e a historiografia projetaram sobre o escravo.

157
Hebe Maria Mattos e Martha Abreu (2008) criticam o contraste/polarização de identidades que
é percebido em alguns trechos das “Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações
étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana”, sem negar a sua
importância e necessidade para o combate às discriminações e ao racismo.

Se concordamos com as “Diretrizes” no sentido de que é importante “acabar com o modo falso e
reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e de seus descendentes para a
construção da nação brasileira” (Brasil, 2004: 18), não podemos criar a expectativa de existência
de culturas cristalizadas no tempo ou preservadas intactas ao longo de tantas gerações. A
diversidade cultural brasileira, e sua tão propalada pluriculturalidade, deve ser pensada
levando-se em consideração os intercâmbios e as trocas culturais, de forma a colocar em
evidência a pluralidade da própria experiência negra no país. Persistentes são as ações e
políticas que mantêm e renovam as desigualdades e hierarquias raciais em nosso país. (ABREU,
M. MATTOS, H. 2008. p.17)

Hebe Mattos (2009), analisando o conteúdo dos PCN 's, sugere prioridades a serem seguidas
para o trabalho de formação do professor de história com o intuito de aproximá-lo das discussões
sobre o tema que se desenvolvem na academia. Dentre as quatro sugestões, destaco a seguinte:

3) Incorporar, à formação de professores, a historiografia mais recente sobre a história da


escravidão no Brasil, considerando o tema e suas implicações não apenas em seus aspectos
econômicos, mas também em suas dimensões políticas e culturais. Trata-se de perceber que é
impossível falar de qualquer aspecto da história do Brasil colonial ou oitocentista sem levar em
conta o fato escravista e seu papel estruturante do ponto de vista econômico, político, social e
cultural. (MATTOS, H. 2009. p. 135, grifo nosso)

É a partir desta proposta que este manual foi desenvolvido, com o objetivo principal de
incorporar perspectivas historiográficas recentes para o estudo do tema. Além disso, busca-se, com o
suporte de fontes históricas, reconhecer as diversas experiências de sujeitos escravizados e suas
diversas formas de lidar com a escravidão.

Feita a análise dos livros didáticos de História aprovados no PNLD de 2018 e que entraram em
circulação a partir do ano de 2020, se percebeu o déficit de temas relativos a laços de familiaridade
entre escravizados em uma grande parte das coleções. Visando oferecer uma opção de material de
apoio ao professor, este manual apresenta sugestões de excertos de fontes periódicas e discussões
historiográficas para a compreensão de temas relacionados aos laços de familía entre escravizados no
século XIX no Brasil, visto que tais relações foram importantes tanto para a manutenção do sistema
como também como forma de resistência por parte dos escravizados.

Parte das fontes aqui apresentadas foram citadas na obra de Gilberto Freyre O escravo nos
anúncios de jornais brasileiros do século XIX. Nela o sociólogo realiza um estudo antropológico sobre
as características físicas dos escravos anunciados nos jornais durante o século XIX. Sua pesquisa foi
feita a partir de anúncios dos jornais Diario de Pernambuco e do Jornal do Commercio (RJ).

158
Freyre reafirma a proficuidade dos jornais como objetos de pesquisa ao historiador, ainda que
em condições difíceis de acesso e manejo, os jornais e seus anúncios permitem o acesso à história do
Brasil no século XIX.

Quem tiver a pachorra de folhear a coleção de um dos nossos diários dos princípios ou do meado
do século XIX – o que exige um extremo cuidado, porque o papel muitas vezes se desmancha de
podre ou de velho nos dedos do pesquisador menos cauteloso –, quem tiver essa pachorra e esse
cuidado, há de acabar concluindo como o diplomata português: mais do que nos livros de
história e nos romances, a história do Brasil do século XIX está nos anúncios dos jornais.
(FREYRE, 1979, p. 7)

Para o sociológo, a história do Brasil oitocentista foi marcada pela escravidão e pela exploração
do escravo. Porém, ao defender o potencial de pesquisa dos jornais, Freyre pontua os preceitos
já defendidos em Casa-Grande & Senzala: uma certa suavidade e amabilidade nas relações
entre senhores e escravos.

E como essa história é até o fim do século, em grande parte, a história do escravo explorado,
aliás com certa suavidade - porque o Brasil nunca foi país de extremismos, tudo aqui tendendo a
amolecer-se em contemporizações, a adocicar-se em transigências - pelo senhor de engenho, em
geral gordo, um tanto mole, com rompantes, apenas, de crueldade, pela mulher, também gorda,
às vezes obesa, e pelo filho, pela filha, pelo capelão, pelo capitão-do-mato e pelo feitor do
senhor de engenho; como a história econômica do Brasil é, até a Abolição, em grande parte, a
história do trabalhador negro, a significação dos anúncios relativos a escravos toma-se capital.
(FREYRE, 1979, p. 7)

Porém, se era grande a quantidade de anúncios de escravos durante as primeiras décadas dos
oitocentos, com o crescimento dos movimentos abolicionistas a partir da segunda metade do século,
a publicação de tais anúncios diminuiu consideravelmente.

É natural – repita-se – que numa sociedade patriarcal e escravocrática como a nossa, no tempo
do Reino e do Império, os anúncios de maior significação fossem os de escravos: compras,
vendas, troca, aluguel, leilões e fugas. Anúncios que só vieram a desaparecer nos fins do século
XIX, aos brilhos mais intensos da campanha abolicionista. Os de "negros novos" desapareceram,
de certa altura em diante para o inglês não ver. Ao contrário de tudo o mais no Brasil –
observaria um amigo meu, fértil em reparos brilhantes.
Os negros fugidos foram se sumindo aos poucos, escondendo-se nos cantos das páginas,
encolhendo-se em tipo miúdo, perdendo seu antigo luxo de pormenores, de um realismo como
não há igual em nossa literatura, deixando de aparecer com títulos em negrita, às vezes avivados
pela figura – quase um borrão – de um negro com a trouxa às costas, fugindo da casa do sinhô.
Até que desapareceram de todo. Era a Abolição que se aproximava. Jornais que aderiam ao
movimento emancipador e por escrúpulos, até então desconhecidos, de dignidade jornalística,
recusavam-se a publicar anúncios de compra e venda de gente e sobretudo de fuga ou de
desaparecimento de escravos. Sociedades abolicionistas animavam e favoreciam a fuga dos
negros; e com tal eficiência que se faziam temer pelos proprietários de diários e não apenas
odiar pelos proprietários de escravos. (FREYRE, 1979, p. 15-16)

159
Essa “mudança” no caráter das publicações acompanha, é claro, as mudanças políticas da
sociedade. A partir da década de 1871 se torna comum em muitos jornais a publicação de declarações
de liberdade, principalmente de crianças filhas de escravos.

Lilia Moritz Schwarcz, no livro Retrato em Branco e Negro (1987), também realiza um trabalho
antropológico, partindo de jornais paulistas do fim do século XIX. Em sua obra, a autora estuda o
imaginário paulistano a partir dos periódicos e a imagem retratada sobre os negros nestes meios de
comunicação.

Ao analisar os anúncios de jornais, Schwarcz destaca que a sua maior fonte de renda advinha
dos anúncios. A grande maioria dos títulos tinha cerca de quatro páginas, e nelas, grande espaço era
reservado aos anúncios. Poderiam ser anúncios de venda, leilão ou aluguel de cativos, casas, objetos;
oferta e procura de serviços; fuga de escravos; produtos novos no mercado; propagandas de
estabelecimentos, etc.

A quantidade de anúncios de sujeitos escravizados é abundante nessas páginas; são procurados


por seus senhores quando fogem, ou por eles são vendidos, alugados, leiloados, ou participando de
qualquer outra forma de transação comercial. Assim como Freyre, Lilia Schwarcz declara que a
abundante quantidade e visibilidade dos anúncios de escravos das primeiras décadas do século XIX
desaparecem nos anos finais.

Tais anúncios encontravam-se fartamente distribuídos nos periódicos da época,


sendo que, num só número do jornal (que contava em média com uns vinte
anúncios de diferentes produtos e tamanhos), podemos encontrar
aproximadamente uns seis anúncios referentes a escravos. Estes em geral
apareciam de forma bem destacada, não só através dos títulos, em negrito e com
grandes letras, que procuravam captar a atenção do leitor, como pela própria
posição que ocupavam no jornal (aparecendo geralmente no centro da página ou
no alto). No entanto, tais características, no final do século XIX, com a
proximidade da abolição, vão sendo modificadas, pois aos poucos parecem
perder antigos espaços, escondendo-se nos cantos das páginas, encolhendo-se
em tipos miúdos, perdendo seu antigo luxo de pormenores e deixando de
aparecer com títulos em negrito. (SCHWARCZ, L. 1987, p. 134)

A condição de “mercadoria” destes sujeitos fica clara não apenas nas mais diversas formas de
transações comerciais, mas também conseguimos notá-la ao reparar nos termos que são empregados
nos anúncios, como “peças”, “lote” de escravos, muitas vezes sendo comercializados junto com outros
objetos e bens.

160
Orientações iniciais
É importante reafirmar que fontes históricas comumente são objeto de pesquisa de
historiadores, e o professor deve usá-las em sala de modo diferente do que é feito na academia. Circe
Bittencourt (2011) defende que o professor deve adaptá-las ao nível dos seus alunos e selecioná-las de
acordo com seus objetivos pedagógicos. Deste modo, documentos com textos extensos demais,
vocabulário complexo e distante da realidade do aluno, e documentos inadequados às suas faixas
etárias podem, ao invés de despertar a curiosidade, gerar dificuldades de compreensão e rejeição.
(BITTENCOURT, C. 2011, p. 328)

Desta forma, a escolha dos materiais que aqui são disponibilizados se pautou principalmente
pela sua adequação ao ambiente escolar. Textos longos podem ser suprimidos para se focalizar em
questões específicas, palavras desconhecidas são elucidadas no glossário, e quando necessário é feita
a transcrição dos documentos.

Contudo o professor não deve se limitar a oferecer apenas a transcrição dos materiais, é
interessante que os alunos tenham acesso ao periódico por completo. E que o professor aborde as
características destes documentos: destaque se é um jornal diário ou uma revista ilustrada; apresente
suas seções: o cabeçalho, a equipe editorial, o folhetim, as publicações a pedido, os anúncios, dentre
outros; chame a atenção para o local e o ano em que era publicado

Espera-se, naturalmente, que os alunos estranhem a materialidade de um periódico do século


XIX. Suas características são muito diferentes das do jornal impresso de hoje: a fonte utilizada, a
forma de impressão, apenas preto e branco, a grafia, poucas ilustrações e a falta de fotografias, etc.
Portanto, é preciso que haja um debate sobre a temporalidade do documento periódico apresentado,
que explique que pertence a outro tempo histórico. A partir de questões como: onde e quando era
produzido? Qual seu público leitor? Quem produziu? O professor pode gerar questões norteadoras
sobre o que os alunos podem esperar encontrar naquele documento.

Nas páginas seguintes estão elencadas excertos de periódicos do século XIX em que seu
conteúdo se relaciona com a temática das relações familiares e dos laços afetivos entre escravos.
Inicialmente, o manual sugere uma sequência didática de três momentos, que abordam
características de fontes históricas, a representação feminina e familiar em jornais e propõem debates
e atividades de produção de texto. Em seguida, o manual apresenta textos de apoio e fontes históricas
sobre alguns temas que se relacionam à escravidão em Goiás, a família escrava, a maternidade e as
formas de resistência ao cativeiro

161
Sequência didática - Fontes históricas e relações familiares
entre escravos no Brasil do século XIX.
Esta sequência didática é voltada para alunos de 7º e 8º ano, para ser trabalhada na disciplina
de história. É preferível que seja aplicada em salas de 7º ano após os estudos referentes à colonização
do Brasil, escravidão e expansão das fronteiras. Para turmas de 8º ano, o ideal seria que a sequência
também fosse aplicada após o abordagem de conteúdos sobre as primeiras décadas do império,
escravidão, abolição e sociedade escravista.

Este material é dividido em três momentos, em que cada um trata sobre um tema específico
que se relaciona com os seguintes, levando ao fim, ao objetivo de que os estudantes compreendam as
diversas faces e representações das famílias escravas em jornais do século XIX. Supõe-se que cada
momento seja uma aula de cerca de 50 minutos, contudo, o professor pode modificar o tempo de cada
momento, ou a sua ordem, de acordo com suas necessidades e especificidades.

1º momento
Objetivos:

- Compreender o conceito de fontes históricas;


- Entender como é feita a análise crítica de uma fonte histórica;
- Conhecer o processo historiográfico de renovação das fontes históricas;
- Identificar e reconhecer fontes históricas e relacionar com sua realidade e vivência.

Desenvolvimento:

O conceito de fontes históricas geralmente é claro para o professor de história, mas pode não
ser tão óbvio para seus estudantes. Assim, inicialmente, o professor pode realizar uma espécie de
“avaliação diagnóstica”, sondando os conhecimentos prévios dos alunos, para em seguida preencher
as lacunas com o desenvolvimento e discussão do tema. Portanto, sugere-se que o professor indague
os alunos sobre o que eles entendem como “fonte”, “O que é uma fonte?”, e anote no quadro as
respostas dadas. Em seguida, questione os alunos sobre qual é o conceito específico de “fontes
históricas”, quais seus objetivos e características, e também registre no quadro as respostas.

Após as respostas, o professor pode projetar no quadro os significados de “fonte” presentes no


dicionário, assim como pode também solicitar que algum aluno pesquise em um dicionário físico e
compartilhe o significado para os demais colegas. Como sugestão de dicionário online, o website Dicio
1
apresenta os seguintes significados:

1
DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2022. Disponível em: https://www.dicio.com.br/ . Acesso
em: 19/10/2022.
162
Fonte
Significado de Fonte:
substantivo feminino
- Água que brota da terra continuamente; nascente: fonte de água mineral.
- Chafariz ou bica de onde jorra água, geralmente localizados em praças, com fins
arquitetônicos ou de fornecimento de água.
- [Figurado] O que dá origem a algo ou é o princípio de alguma coisa; origem, causa: a eleição
é fonte do poder.
- [Figurado] Texto original de uma obra ou do qual são retiradas informações para um
trabalho.
- [Figurado] De onde provém uma informação: matéria com fontes seguras.
- [Figurado] Pessoa ou situação que revela as informações referentes a um determinado fato:
minha informação é de fonte segura.

A partir dos significados encontrados no dicionário e das respostas dadas pelos alunos, o
professor contextualiza o termo “fonte histórica” para a disciplina de história.
O professor deve enfatizar que, com a renovação e alargamento das fontes históricas, outros
materiais passaram a ser objeto de estudo entre historiadores, mas isso não significa que fontes
tradicionais perderam sua validade. Assim, fontes históricas são variadas. Aqui, sugere-se que o
professor elenque e apresente brevemente as seguintes fontes históricas:

● Fontes materiais e arqueológicas: vestígios como móveis, construções, roupas, objetos


domésticos, etc
● Fontes visuais: pinturas, HQ’s, caricaturas, cinema, charges, fotografias, etc;
● Fontes orais: depoimentos, entrevistas;
● Fontes escritas: cartas, livros, literatura, documentos jurídicos, periódicos, etc.
● Cultura imaterial: patrimônios culturais, alimentação, danças, festas, etc.

Neste momento, após apresentar os tipos de fontes, o professor pode questionar a turma sobre
como o passado pode ser percebido nestas fontes, e se os alunos têm acesso a alguma fonte histórica
em suas casas ou em sua família. Ressaltar as fontes materiais e fontes orais como um exemplo mais
próximo à realidade dos estudantes.

Atividade:
Pode ser realizada de forma coletiva, com a exposição das respostas ao professor, em grupos de
alunos, ou individualmente. Independente da forma que seja feita, o professor deve apresentar aos
alunos dois ou mais tipos de fontes históricas, dependendo do tempo disponível. Como sugestões de
fontes, pode ser exposta a gravura aquarelada de Cícero Dias Casa Grande do engenho Noruega, antigo
engenho dos Bois, de 1933; e o recibo de venda do escravo Domingos, de propriedade de Francisco

163
Xavier Dias da Fonseca, em 15 de dezembro de 18582, e uma corrente de castigo, que faz parte do
acervo do Museu Afro Brasil3. O importante aqui, é que além de identificar a materialidade, os alunos
consigam refletir sobre o que cada fonte pode dizer de forma explícita e implícita, quais as motivações
de seus autores, como ela representa o passado e o que pode ser tipo através dela.

Figura 1: Casa Grande do engenho Noruega, antigo engenho dos Bois. Cícero Dias. 1933

2
FONSECA, Francisco Xavier Dias da. Recibo de venda de escravo. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional. 1858.
Disponível em: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mssI5_31_49.pdf
3
GUALBERTO, Tiago. Corrente de Castigo. São Paulo: Museu Afro Brasil, 2016. Disponível em:
http://www.museuafrobrasil.org.br/docs/default-source/publica%C3%A7%C3%B5es/corrente-de-castigo.pdf?sfvrsn=0 .
Acesso: 14 dez. 2022.

164
Figura 2: Manuscrito. Recibo de venda de escravo. Rio de Janeiro. 1858 . Acervo da Biblioteca Nacional.

Figura 3: Correntes de Castigo, autor anônimo. Maragogipe, BA. Século XIX

2º momento
Objetivos:

165
● Perceber as diferenças entre a maternidade para mulheres livres e para mulheres escravas;
● Compreender o papel da reprodução escrava para o sistema escravocrata e a importância da
maternidade para a cultura africana;
● Conhecer as formas de luta e de resistência ao cativeiro utilizadas por mulheres escravas.

Desenvolvimento:

Neste momento, se espera que os alunos já estejam mais conscientes da estrutura de um


periódico impresso e da sua contribuição para a História como uma fonte escrita. Além disso, é
necessário que já tenham conhecimento sobre o funcionamento da sociedade escravista e das lutas
abolicionistas do século XIX, no Brasil. Portanto, o professor irá abordar de forma mais profunda a
constituição de família entre escravos e as relações de maternidade entre eles. Ao final, se espera que
os estudantes compreendam que a escravidão não foi apenas uma nódoa de violência e exploração na
sociedade brasileira, mas que também gerou resistência, lutas e relações de pertencimento e
afetividade entre escravos.
O objetivo destas perguntas norteadoras e da pesquisa é que os estudantes, além de praticarem
a leitura e interpretação de texto, exercitem também a capacidade de historicizar as fontes, de
entendê-las em seu contexto histórico e desnaturalizar algumas concepções sobre a escravidão.
Entender que foi um sistema de exploração e crueldade, mas que também foi um período de
resistência e busca por seus direitos. Também é necessário enfatizar que senhores utilizavam
estratégias para burlar as leis e garantir as suas propriedades, porém, escravos e apoiadores da causa
também se utilizavam de diversas estratégias para alcançar a liberdade
A Gazeta da Tarde foi um jornal abolicionista fundado por Ferreira de Menezes, jornalista e
ativista anti-escravismo, em julho de 1880. Após a morte do jornalista em 1881, o periódico passou a
ser propriedade de José do Patrocínio, que segue a luta iniciada por Ferreira de Menezes. A partir da
leitura dos textos se percebe um teor sentimental ao se referir aos escravos, vistos como pobres
vítimas de seus cruéis, criminosos e gananciosos senhores. Contudo, é o que se espera de um
periódico abolicionista, que por meio de seus textos busca conseguir adeptos à causa e conscientizar
sobre os horrores da escravidão, apelando também para ideais de humanidade e liberdade.
Para auxiliar no processo de pesquisa, o professor pode orientar os alunos para que utilizem
também a ferramenta Google Acadêmico, cujos resultados trazem artigos acadêmicos. Além disso, é
importante orientar aos alunos que busquem pelos jornais de forma integral, e que também entrem
em contato com o trabalho de digitalização do acervo hemerográfico da Biblioteca Nacional.
Sites e artigos para consulta:
● Biblioteca Nacional Digital - Hemeroteca Digital. Disponível em:
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital
● Google Acadêmico. Disponível em: https://scholar.google.com.br/
● A Gazeta da Tarde e as peculiaridades do abolicionismo de Ferreira de Menezes e José do
Patrocínio, artigo de Ana Flávia Magalhães Pinto. Publicado nos anais do XXVIII Simpósio
Nacional de História. 2015. Disponível em:
166
https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548945029_4dcf197cc369bb8fa8b
106751ecf5a1f.pdf
● Literafro – portal da literatura afro-brasileira. Letras - UFMG. Disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores
● Escravidão e maternidade no mundo atlântico [e-book - PDF], organizado por Karoline Carula
e Marília B. A. Ariza. Disponível em:
https://m.eduff.com.br/produto/escravidao-e-maternidade-no-mundo-atlantico-e-book-pdf-6
70

Atividades:

Inicialmente o professor pode ler com os alunos ou oferecer impressos textos de apoio sobre o
tema. Os textos abaixo fazem parte dos tópicos “Mães e escravas” e “Amas de leite” deste manual.
Eles servirão como apoio para as atividades seguintes:
Amas de Leite

Lorena Telles (2018) menciona que as amas de leite e mucamas são figuras recorrentes em pinturas e
fotografias durante o período colonial e imperial, passando por vezes a imagem de carinho, cuidado e benevolência no
interior de uma escravidão doméstica. O que seria uma suposição errônea, pois, ao ser imposta a estas escravas a
função de amas de leite, sua relação com a maternidade e com seu próprio corpo se transforma.
As amas de leite prestavam serviços no ambiente doméstico e no interior da intimidade familiar de seus
senhores, as relações sociais eram tensas e o cotidiano de trabalho destas mulheres era constantemente vigiado. Por
amamentar e cuidar das crianças brancas de seus senhores, muitas das vezes a alimentação que recebia era melhor,
lhes eram oferecidas roupas e vestimentas de melhor qualidade e existia a possibilidade de alforria. Entretanto,
estavam submissas aos desejos e vontades de suas senhoras e senhores, poderiam sofrer castigos físicos e ataques
sexuais e tinham sua privacidade cerceada. Além disso, o aleitamento e criação de seus próprios filhos lhes era
negado, ou quando havia a possibilidade de se manterem próximas aos seus filhos, a prioridade de cuidado era
sempre da criança branca.
O comércio, venda e aluguel de mulheres que davam à luz era extremamente lucrativo, o que pode ser visto
também na grande quantidade de anúncios em jornais. Com o fim do tráfico em 1850, houve um déficit de escravas
em zonas urbanas, e a demanda por amas de leite cresceu ainda mais. Nem sempre as relações de compra, venda e
aluguel envolviam apenas um comprador e o vendedor, algumas dessas mulheres eram produto de negociações que
podiam incluir donos de Casas de Comissão, que lucravam taxas pelas transações.
A leitura dos anúncios de jornais nos revelam que a fuga era comum e uma das diversas formas de resistência
contra a exploração, seja antes de darem a luz, ou depois, com seus bebês, evitando possivelmente que fossem
separados.
Telles (2018) reforça que a partir da segunda metade do século XIX o discurso higienista oriundos das
faculdades de medicina ganhou força. Se desqualificava a amamentação de amas de leite e se incentivava o
aleitamento materno. Por sua origem africana, essas mulheres eram responsabilizadas por uma série de doenças e
males que podiam ser transmitidas através do leite. Contudo, a exploração do trabalho das amas de leite por mulheres
brancas representava status social, portanto, mesmo com os discursos médicos condenando a prática, ela não foi
extinta .

Em manuais de medicina doméstica, conferências públicas e textos publicados em jornais, médicos


reportavam-se às amas de leite como responsáveis pela transmissão de todo tipo de doença. A origem
africana das mulheres era agora representada como metáfora para os perigos e males sociais que
poderiam atingir as crianças brancas, as famílias abastadas, e como um perigo para o futuro da nação,
a qual, nesse contexto, era imaginada a partir dos padrões europeus de civilização. (TELLES, 2018, p.
337)

167
Com o movimento abolicionista, a crítica a esta prática sofre mudanças. O discurso do movimento é crítico à
utilização das amas de leite, essas mulheres passaram a ser vistas não mais como malfeitoras ou perversas, mas sim
como vítimas de um sistema. Jornalistas abolicionistas passaram a publicar denúncias de maus tratos, separação de
mães e filhos, e abandono de crianças por parte de alguns proprietários.

Bibliografia: TELLES, Lorena Féres da Silva. Amas de leite. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos.
Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. 1ºed. São Paulo. Companhia das Letras. 2018

Mães e escravas
O reconhecimento pela historiografia da maternidade e da importância das mulheres para a manutenção da
escravidão foi tardio. Maria Helena Machado (2018) aponta que ainda é comum notar em muitos estudos sobre
escravidão em que se analisam os escravos como uma categoria única, sem delinear as diferenças das experiências
para homens e mulheres, uma vez que exerciam papéis diferentes e sofriam opressões diferentes.
Ser mulher, esposa ou mãe em um sistema escravista oferecia ainda mais desafios e ambiguidades: além da
maternidade (gravidez,lactação e criação de uma criança), ser casada e mãe implicava uma dupla jornada e uma dupla
submissão, ao marido e ao senhor e, apesar do sentimento prazeroso de ser mãe, as escravas precisavam lidar com a
possibilidade de serem separadas de seus filhos. Estudos sobre gênero e escravidão na Ámerica apontaram que em
sociedades africanas antigas o papel da mulher foi fundamental para a reprodução social e econômica, assim, com o
tráfico e a escravidão nas Américas, os senhores escravistas estimularam a reprodução e a maternidade em escravas
desde os primeiros anos da escravidão, mesmo havendo a obtenção de mão de obra barata pelo tráfico. Desta forma, o
corpo da mulher se tornou elemento central da reprodução escravista.

Ao colocarem a mulher escrava no papel de dupla produtora da riqueza escravista, os principios acima
elencados acabaram sublinhando a centralidade do corpo da escravizada como o próprio lócus da
escravidão. Seja estimulando a reprodução, seja negligenciando-a, os senhores de escravos tinham
sempre que considerar essa questão em suas estratégias de produção de riqueza. Em momentos em
que o tráfico atlântico supria adequadamente as demandas, os senhores tendiam a explorar mais o
trabalho produtivo, se negando a oferecer as condições mínimas para a reprodução. Para o Brasil, em
diferentes épocas e lugares, não são raros os documentos que mencionam a existência de mulheres
realizando trabalhos pesados às vésperas do parto, ou relatos que explicam como mulheres deram à
luz na roça enquanto carregavam pesos desproporcionais. (MACHADO, 2018, p. 337)
Machado (2018) afirma que, em sociedades africanas camponesas, ter uma família extensa era uma benção, e
para mulheres africanas ter filhos era também algo positivo. Portanto, criar filhos e produzir laços de afetividade era
uma maneira de resistir à opressão do cativeiro.
Resistindo constantemente à violência, aos abusos e aos ataques senhoriais, as mulheres escravizadas
lutavam também para manter o controle de seus corpos. Era conhecido o uso de métodos contraceptivos e abortivos
com ervas e plantas por escravas, como também atitudes mais extremas como a perfuração do utéro com objetos e o
infanticídio.
Tardiamente, apenas em 1869, proibiu-se a venda separada de mães e filhos menores de quinze anos no
Brasil. Porém, com a Lei do Ventre Livre (1871), a tutela do ingênuo passa para as mãos dos senhores ou do Estado,
contribuindo para a separação.
Nos jornais da primeira metade do século XIX, muitas vezes é comum encontrar anúncios de mulheres
escravas perdidas ou que fugiram com seus filhos, como também anúncios de venda ou aluguel de mulheres que
deram à luz recentemente.
No ano de 1871, com a efervescência do movimento abolicionista e com as discussões sobre a Lei do Ventre
Livre, os jornais se tornam um espaço para a publicação de discursos favoráveis e contra a escravidão e a lei. Além

168
disso, se torna comum nos anos próximos à abolição a publicação de cartas de liberdade; por meio delas os
proprietários informam ter concedido a liberdade para seus escravos, escravas e ingênuos.

Bibliografia: MACHADO, Maria H. P. T. Mulher, corpo e maternidade. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos
Santos. Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. 1ºed. São Paulo. Companhia das Letras. 2018

Ofereça aos alunos os trechos do noticiário da Gazeta da Tarde (RJ), publicado em 16 de


novembro de 1880 e em 15 de janeiro de 1881. A análise e pesquisa sobre este jornal será feita a partir
de perguntas norteadoras e dos textos de apoio. É preferível que seja uma atividade para ser feita em
casa, pois necessita de pesquisa e acesso à internet.
Questões norteadoras
1. Qual foi o período de publicação deste periódico? Contextualize a conjuntura social, política e
econômica do Brasil neste período.
2. Quem foram seus editores? O que se sabe sobre eles?
3. Qual o posicionamento político da Gazeta da Tarde? O que o periódico defende?
4. Explique a situação ocorrida no Caso 1. Para além do abandono da criança, qual a motivação
para o proprietário mudar o nome de sua escrava?
5. Explique a situação ocorrida no Caso 2. Citado na denúncia, quem foi Luiz Gama?
6. Qual foi o papel dos jornais abolicionistas para a abolição da escravidão?
7. Quais leis abolicionistas estavam em voga no período? Elas eram realmente cumpridas?

Caso 1-Gazeta da Tarde (RJ) 16 de novembro de 1880 nº


111.

No noticiário do dia 16 de novembro de 1880,


denuncia-se a impunidade de uma situação envolvendo um
senhor de escravos e o filho de sua ama de leite. Um senhor
de escravos batiza o filho de uma de suas escravas, e aluga a
mulher recém parida como ama. Percebendo que sem os
cuidados da mãe a criança não sobreviveria, o proprietário
mudou o nome da mãe, e entregou a criança para a Casa de
Misericórdia como se fosse de alguma mulher livre. Nota-se
a emotividade utilizada e a representação das escravas como
vítimas de seus senhores.

169
Caso 2 - Gazeta da Tarde (RJ) 15 de janeiro de 1881 nº 13

O jornal recebe um comunicado como denúncia de


um informante de nome Antonio Martins Borges, que
declara ter enviado ao ministro da justiça um
requerimento para que intervenha em favor de uma
família que fora ilegalmente escravizada em Minas
Gerais.
Antonio Joaquim dos Santos e sua mulher
conduziram uma preta chamada Maria para outra cidade
e lá ilegalmente a registraram como escrava. Pouco antes
de Antonio morrer, ele alega a ilegalidade do cativeiro de
sua escrava, porém sua mulher declara que o marido
delirava e que sua declaração não condizia com a
realidade.
O informante identifica vários descendentes da
escrava Maria ilegalmente escravizados, e seus
respectivos senhores. Além disso, também cita o nome de
Luiz Gama, abolicionista e rábula que advogava em
defesa de causas favoráveis a escravos.
A denúncia nos revela o alto número de
descendentes da escrava Maria, três gerações que foram
vendidas para senhores residentes em outras províncias
de Minas Gerais ou que ainda residiam na mesma
província, na cidade de Alfenas.

170
3º momento

Objetivos:

● Relacionar as diferenças entre a maternidade para mulheres livres e para mulheres escravas e a
sua representação nos meios de comunicação oitocentista.
● Relacionar a charge publicada no periódico Bazar Volante com o discurso racista biologizante
presente nas faculdades de medicina da época.
● Produzir um gênero textual a partir do tema proposto e dos textos e fontes trabalhadas na
sequência.

Desenvolvimento:

Apresente aos alunos a ilustração publicada na revista ilustrada O Bazar Volante, de 23 de


março de 1864. Discuta e pergunte aos alunos qual o posicionamento político deste periódico, e quem
é provavelmente seu público leitor. Retome questões tratadas no texto de apoio “Amas de leite” e
relacione a forma como descrevem o aleitamento da mulher negra com o discurso higienista iniciado
nas faculdades de medicina. Reforçe que, apesar de criticar o aleitamento com amas de leite, o
periódico não se posiciona de forma contrária à escravidão. Questione os alunos sobre os termos
empregados - “Leite mercenário” e “Leite gratuito” -, enfatizando que a mulher escrava e o seu leite
não podem ser vistos como “mercenários”, pois enquanto escrava, ela não tinha propriedade sobre
seu próprio corpo.

Bazar Volante, ano 1, n. 27, 27 de março de 1864. p. 8.

O Bazar Volante foi uma revista ilustrada semanal de oito páginas, fundada por Ernest
Rensburg, que circulou no Rio de Janeiro entre 1863 e 1867. Grande parte de suas charges
representavam e criticavam questões políticas, como por exemplo a Guerra do Paraguai. Washington
Kuklinski Pereira (2015) caracteriza a proposta da revista:

Publicada entre 1863 e 1867, contendo oito páginas, com caricaturas, romances, teratologia e
textos políticos, o Bazar Volante compôs o meio noticioso do Rio de Janeiro. O Bazar Volante
contou com a contribuição do caricaturista francês Joseph Mill. Além disso, a proposta do
semanário, publicado aos domingos, era proporcionar a interação entre os editores e o público
leitor. [...] Era comum encontrar anedotas formadas por texto e imagem que buscavam arrancar
risadas dos leitores, usando sempre cenas chistosas do cotidiano da sociedade carioca. Muitas
situações jocosas foram publicadas no semanário humorístico. As caricaturas que eram
publicadas nas páginas centrais do Bazar dedicavam-se a ilustrar piadas que circulavam de boca
em boca pelos cafés e bares do Rio de Janeiro. Situações constrangedoras representavam as
relações interpessoais vividas cotidianamente pelos leitores. [...] Portanto, a revista Bazar
Volante pode ser um grande instrumento utilizado pelo historiador para, a partir das caricaturas,
compreender o modo como se pensava no Rio de Janeiro do século XIX. (PEREIRA, 2015, p.36)
171
Na charge é representada uma ama de leite com uma criança branca em seu colo, e ao lado,
uma mulher branca, amamentando uma criança. Karolina Carula indica que publicações como a
veiculada no Bazar Volante tinham como público as famílias abastadas que utilizavam o serviço de
amas de leite. O periódico busca formar uma opinião pública incentivando o aleitamento materno e
desqualificando a figura da ama de leite. A mensagem que a imagem explicita é que uma mãe
cuidadosa e velosa não deveria entregar seus filhos ao cuidado de uma ama de leite escrava, que
estava impregnada com os maleficios da escravidão (CARULA, 2022, p. 139). O discurso higienista,
presente implicitamente na charge, era permeado pelas teorias racistas biologizantes do século XIX
que foram herdadas do pensamento europeu evolucionista e que viam o embranquecimento como
forma de evolução social. Devido à cor e à origem dessas mulheres, o aleitamento feito por elas era
visto como meio de propagação de doenças. Contudo, apesar dos discursos contrários, a exploração
do trabalho das amas de leite não foi extinta, pois era uma forma de delimitação de status social.

Atividades

Proposta de escrita de texto.

Após a leitura dos textos de apoio e das discussões e atividades sobre as fontes apresentadas, leia a
proposta a seguir:
172
Imagine que você é uma escrava de nome Maria, de cerca de 25 anos, que trabalha servindo
como ama de leite dos filhos de seu senhor, que se chama Manoel Fernandes. Sua senhora, esposa
de Manoel, se chama Francisca, e deu à luz a seu “sinhozinho” faz poucas semanas. Você trabalhava
antes na lavoura, junto a outras escravas, mas decidiu manter a criança para talvez poder melhorar
suas condições e poder criar seu filho na casa-grande. Contudo, você não contava que lhe
separassem de seu filho, para que se dedicasse quase exclusivamente ao filho de sua senhora. Seu
filho agora estava sendo criado e amamentado por outras escravas na senzala. Alguma destas outras
escravas de seu senhor, que ainda estavam na senzala, cuidavam não só de seu filho, mas de outras
crianças, enquanto seu senhor não fechava o negócio de aluguel como amas de leite para outros
“sinhozinhos” na cidade ou em outras fazendas da região.

Esta manhã, enquanto você amamentava a cria de sua senhora, ela lia o jornal Bazar
Volante na sala ao lado. José trouxe da cidade a pedido de Dona Francisca o último exemplar da
folha que sai sempre aos domingos. José também era escravo de Manoel Fernandes, mas sua mãe, a
escrava Feliciana, também foi ama de Manoel. As más línguas dizem por aí que o falecido senhor
Joaquim Fernandes, pai de Manoel, se encontrava com Feliciana às escondidas, e que estes
encontros resultaram em José. Pouco tempo depois, a esposa de Joaquim descobre que esperava por
Manoel, seu primogênito. Joaquim queria sua escrava por perto e lhe escolheu para amamentar seu
filho, assim também pouparia os esforços de sua frágil mulher. Por bondade ou conveniência,
acabou permitindo também que a cria de Feliciana fosse criada próximo a mãe, na casa-grande. José
aprendeu a ler e escrever de forma razoável por conviver durante toda a infância com Manoel, assim
algumas vezes ouvia as aulas do professor que lecionava para Manoel. Mesmo crescendo juntos,
José tinha consciência que era propriedade de Manoel e conviviam de forma harmônica. José era
escravo de confiança de seu dono, frequentava a casa-grande, mandava recados, fazia compras na
cidade e realizava também algumas tarefas domésticas.

Dona Francisca pedia o Bazar Volante a José para que ficasse a par dos acontecimentos da
capital e para se divertir com as caricaturas e situações engraçadas ali retratadas. Muitas vezes você
a via rindo levemente sozinha ou compartilhando com José alguma pilhéria desenhada. Mas dessa
vez foi diferente, essa edição deixara a sinhá preocupada. Longe de fazer alguma piada ou zombaria,
a edição desta semana trouxe uma caricatura criticando a amamentação com amas de leite. Dona
Francisca comentou com José sobre a caricatura que viu, ela caracterizava o leite das escravas como
“mercenário” e relacionava a amamentação por amas com mães desnaturadas. Ela também
comentou que ouvira de alguns médicos da cidade que algumas escravas podem transmitir doenças
pelo leite. José rebateu dizendo que achava meio confuso e sem sentido, pois muitas escravas até
preferiam servir na casa-grande, e também alimentavam seus filhos com o mesmo leite. A conversa
não se estendeu por muito tempo, mas você escutou tudo o que disseram. O que você faria?

173
- Com a ajuda de José para escrever e enviar, Maria escreve uma carta endereçada ao
Bazar Volante. Maria se sentiu muito ofendida com o que escutou. Ela não tem
intenção alguma de adoentar o filho de sua senhora, e seu interesse é apenas ter
melhores condições de vida e criar seu filho bem, mesmo sendo uma escrava. Escreva
a carta de Maria para o Bazar Volante, expondo seus argumentos críticos à charge.

174
Famílias

Notícias sobre escravos e escravas fugidos


Ao analisar as características das fugas anunciadas nos jornais, Schwarcz afirma que, de forma
clara, a maioria dos fugitivos eram homens, de 15 a 40 anos, que trabalhavam em lavouras. A autora
declara também que, a partir do levantamento que fez , a maioria das fugas foi individual,
considerando que as fugas coletivas se tornaram comuns após o crescimento do movimento
abolicionista. (SCHWARCZ, 1987, p. 138)

As fugas coletivas eram algumas vezes consideradas perigosas, já que demonstravam um


descontrole senhorial sobre suas propriedades. Contudo, algumas vezes não tinham caráter violento,
como por exemplo, quando fugiam famílias , mães, filhos, maridos e mulheres, ou irmãos.

Diario de Pernambuco (PE). 30 de junho de 1836


Maria do gentio de Angola, porém parece crioula, moça; baixa, com argolas de ouro, ou
sem ellas, com alguns signaes de reiadas pelas costas; fugida no dia 27 do corrente, e
anda com um vestido azul e pano de costa, e levando até mais roupas, os aprehendedores
levem-na as 5 pontas caza de JozeJoaquim Tavares, que serão bem recompensados.
Joaquina, negra de nação Mossambique, idade pouco mais ou menos 40 annos, gorda,
alta, pez enxados, boca pequena e com falta de alguns dentes da parte de sima, nariz
pouco chato, levou vestido de chita azul de ramage já velho: fugio á perto de um mez do
sítio na Soledade que pertenceo ao defunto Joze Roberto. Delfina, molata, cor alva, olhos
pretos, e não grandes, cabellos lisos e pretos, boca ordinária com falta de dois dentes na
frente de sima, tem uma malha branca na costa da mão esquerda, pez pequenos, cheia do
corpo, altura regular; fugio na dia 22 de Abril do corrente anno, levou vestido azul escuro
com palmas amarellas, challes pela cabeça de cor cinzenta velho, e mais alguma roupa
em uma trouxa de roupa de diferentes cores; é natural de porto calvo. Julga-se ser
desencaminhada por um pardo d’apelido Cazuza (ilegível) de carpina, morador no
(ilegível) quem a aprehender ou della souber leve ao sitio assima ou na rua da Cadeia
(ilegível) do Snr. Joze Thomaz de Campos Quaresma de quem receberá uma generosa
gratificação.

175
Diario de Pernambuco (PE) -
Edição 00193 – 24 de agosto de
1854.

Noticiários e crimes
É impossível negar a presença da violência nas relações escravistas no Brasil O debate sobre o
caráter brando ou violento da escravidão no Brasil já é antigo, e conta com diferentes pontos de vista.

Frequentemente eram noticiados nos jornais impressos crimes e castigos envolvendo escravos.
Nas seções de ocorrências policiais eram diariamente publicadas a entrada e saída de detentos,
quando também eram descritos os motivos que haviam levado à captura, como “por suspeita de
serem escravos” ou “por vagabundagem”, por exemplo.

Informes e noticiários de periódicos informam também sobre processos judiciais envolvendo


escravos e libertos. Nesses e processos, outras questões também estão presentes: uniões oficiais ou
não, heranças, relações familiares, castigos físicos, etc.

Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal(RJ) - 7 de novembro de 1850 nº 277


De vários numeros do Seculo transcrevemos o que se segue:
<<Chega-nos agora á noticia o seguinte facto, referido pela própria boca da padecente, que so nos veiu queixar, pedindo um
apello á justiça do paiz.
<< Uma pobre parda, solteira, liberta, de nome Felicia Maria de Jesus, moradora da freguezia de Passé, tinha tido uma
desordem com uma africana escrava de Justa de tal, que a insultára provocando-a com palavras injuriosas e gestos indecentes. A pobre
mulher fôra maltratada depois por pancadas, dadas por uma sujeito de quem a africana era concubina, as quaes lhe produzirão graves
contusões.
<< Alguns dias depois o subdelegado do logar, de nome José Marques de Carvalho, manda-a chamar, e tendo-a reprehendido
com palavras torpes, improprias da boca de um homem bem criado, manda-a castigar com uma boa dóse de bolos, que lhe puzerão as
mãos em misero estado, produzindo grandes echymoses e inchação.
<<Debalde a victima da prepotencia de uma autoridade ignorante bradava em altas vozes que era livre, pedia em prantas que
lhe deixassem buscar a prova authentica de sua liberdade; debalde no meio das dores daquelle barbaro castigo gemia pedindo justiça:
nada valeu. A pobre mulher foi assim castigada contra a terminante disposição das leis, sahindo com as mãos muito maltratadas.
Eis pois como entre nós vão indo despedaçadas as garantias constitucionaes.

176
Diario de Pernambuco (PE). Edição 00262 (1) p. 2. 19 de
novembro de 1852

177
Diário do Rio de Janeiro (RJ) 1 de agosto de 1852

PERNAMBUCO.
Recife, 17 de julho de 1852, ás 6 horas da tarde.
RETROSPECTO SEMANAL.
Continuão a apparecer assassinatos pelo interior da província. Com data de 12 do corrente communicou-nos o nosso
correspondente da Gloria do Goitá que Joaquim José de Santa Anna fôra morto por João Ignacio, no dia 3 do corrente, no logar
denominado – Duarte Dias – por ter o infeliz ordenado a uma sua escrava, casada com o assassino, que não dormisse fôra de casa.
D’este modo vão a faca e o bacamarte dos sceleratos ceifando as vidas e destruindo toda segurança individual dos cidadãos,
pelos motivos mais frivolos!
No embate caprichoso e tyranico dos partidos politicos e dos odios individuaes são sempre diversas as versões que correm
sobre as causas de certos crimes e as fontes d’onde elles provem.
A acção da autoridade por motivos semelhantes muitas vezes se acha estorvada; e no meio da confusão de idéas e sentimentos
que então se levantão, quasi sempre em detrimento da moralidade e da vindicta pública, todos treme por si e pelos seus, não vendo
surgir um accordo firme e unanime em denunciar o crime com verdade, e punir o criminoso com todo o rigor da justiça, seja qual for a
sua cathegoria ou condição. Deus se compadeça de nós.

Casamentos e uniões
Gazeta da Tarde nº 96, 20 de outubro de 1880

178
Na transcrição que se segue, o noticiário da Gazeta da Tarde transcreve e publica um caso de
um casal de escravos que desejavam se casar pela igreja católica, Miquelina e Theobaldino, e para isso
solicitaram para o proprietário de Theobaldino a permissão para o matrimônio. O consentimento para
o matrimônio é negado por João Maria de Souza, alegando que o casamento lhe prejudicaria
financeiramente. Ainda sim, a petição é despachada e os escravos se casam. O noticiário transcreve
que o proprietário defende seu direito de propriedade, garantido pelas leis do estado, e se mune do
art. 63§ 6º do Decreto de 25 de Abril de 1874, que declara que: “Art. 63. O assento de casamento
deverá conter necessariamente: [...] 6º A condição dos conjuges: se ingenuos, libertos, ou escravos, e
neste caso o nome do senhor, e a declaração do seu consentimento;”

A IGREJA E A ESCRAVIDÃO respeitar a familia do escravo, regulando a venda da mãe e


Causa assombro o desembaraço dos escravocratas! filhos, e a libertação dos esposos por meio do fundo de
Aquilo que outrem esconderia, como uma pustula, emancipação!
o possuidor de escravos patenteia como uma condecoração! O dono do escravo que lhe dá diariamente tres mil
Chama-se a isto fazer do sambenito gala. réis, não reconhece os direitos do coração nem os da igreja,
No Jornal do Commercio, de ante-hontem, um Sr. e ao bispo diz: tenho por mim o art. 63§ 6º do decreto de 25
que se assigna, que se diz bacharel, residente em Cuyabá, de Abril de 1874; e ao miserando escravo brada: se a
queixou-se amargamente do bispo daquella diocese, pelo escravidão é um mal, eu não tenho culpa: e as leis do estado
enorme crime de haver o prelado casado um seu escravo garantem a minha propriedade!
dentista e cabeleireiro e que lha deva o salário de tres mil O bispo de Cuyabá seja abençoado, vindo em
réis diarios! auxilio do mizero escravo e collocando-se ao lado
Ouçamos os queixumes escravocratas; daquelles, que por todos os modos, procuram minorar os
transcrevemos as suas palavras: desgostos e soffrimentos dessas creaturas de Deus, que
<< Em 2 de Setembro corrente S. Ex. Revm. ansiosos esperam o dia do resgate.
mandou-me um recado pelo seu secretário padre Feliz Eis o despacho honrosa e nobilissimo de S. Ex.
Ferreira de Carvalho pedir que consentisse no casamento Revm:
do meu escravo Theobaldino com a escrava Miquelina, de << O conego José Joaquim dos Santos Ferreira,
propriedade do cidadão João Maria de Souza; respondi que escrivão da camara e do auditório acclesiastico deste
não podia consentir porque o casamento era com a escrava bispado, etc.– Certifico, que o despacho proferido por S. Ex.
de outrem, e ia prejudicar me, porque deixava assim o meu Revm. o Sr. Bispo Diocesano, na petição de Theobaldino e
escravo de prestar-me os serviços diários e o jornal de Miquelina, escravos elle do Dr. Luiz Alves da Silva Carvalho
3$000 que dá por ser official dentista e cabelleiro, mas, se e ella do major João Maria de Souza, é do teor seguinte:
S. Ex. se responsabilisasse pelo valor delle, não negava o Autoado com o documento junto, e dispensando o processo
consentimento; S. Ex. despeitado talvez com a minha do estylo, em vista do que allegam os oradores, passe
recusa, mandou no dia seguinte participar-me pelo mesmo provisão de proclamas com as graças pedidas, em termos:
seu secretario, que o meu escravo tinha-lhe apresentado prescindindo da licença do senhor do nubente, visto como,
uma petição, na qual pedia para se casar, mesmo sem o tendo sido tambem por nós directamente solicitada, por
meu consentimento, dispensa dos proclamas e outras deferencia com o mesmo senhor do nubente, nos foi por
formalidades, cuja petição não podia deixar de despachar elle bruscamente negada. Cuyabá, 4 de setembro de 1880.
porque no igreja para um tal acto não precisava de Carlos, bispo de Cuyabá. Nada mais se continha em o dito
consentimento de ninguem, palavras textuaes do recadeiro, despacho, proferido na petição retro, a que bem e fielmente
e quer eu consentisse quer não, iria despachal-a e copiei sem erro, borrão, entrelinha ou cousa que duvida
mandal-os casar, o que realmente se effectuou no dia 4, ás faça, por vêr, ler e conferir com o propri original, ao qual
8 horas da noite. >> me reporto em meu poder e cartoria nesta cidade de
O crime da bispo de Cuyabá é haver impedido que Cuyabá, a 6 de Setembro de 1880. E eu o conego José
um senhor desnaturado se oppuzesse ao casamento de um Joaquim dos Santos Ferreira, escrivão da camara e do
escravo, que queria constituir sua família, neste tempo, em auditório ecclesiastico, que a escrevi conferi e assignei. –
que as nossas leis que regulam a escravidão, apparentam Conego José Joaquim dos Santos Ferreira

179
180
Jornal de Recife (PE) -Ano
1880\Edição 00279 (12 de dezembro
de 1880

Monitor Campista (RJ) - 1834 a 1891


Ano 1881\Edição 00245 (1). 29 de outubro
de 1881

Jornal do Commercio (RJ) Ano


1857\Edição 00338 - 9 de
dezembro de 1857

O Globo (MA) - Ano


1858\Edição 00046 - 7 de
dezembro de 1858

181
ATIVIDADE SUGERIDA:

1. A partir da leitura e análise da denúncia publicada no periódico Gazeta da Tarde nº 96 de


20 de outubro de 1880, de que forma é possível perceber no discurso de defesa do
casamento, os direitos garantidos para a constituição de família por parte de escravos a
partir da Lei do Ventre Livre, de 1871?

Mães e escravas
O reconhecimento pela historiografia da maternidade e da importância das mulheres para a
manutenção da escravidão foi tardio. Maria Helena Machado (2018) aponta que ainda é comum notar
em muitos estudos sobre escravidão analisarem-se os escravos como uma categoria única, sem
delinear as diferenças das experiências para homens e mulheres, uma vez que exerciam papéis
diferentes e sofriam opressões diferentes.

Ser mulher, esposa ou mãe em um sistema escravista oferecia ainda mais desafios e
ambiguidades: além da maternidade (gravidez, lactação e criação de uma criança), ser casada e mãe
implicava uma dupla jornada e uma dupla submissão, ao marido e ao senhor, e apesar do sentimento
prazeroso de ser mãe, precisavam lidar com a possibilidade de se separar de seus filhos. Estudos sobre
gênero e escravidão na Ámerica apontaram que em sociedades africanas antigas o papel da mulher foi
fundamental para a reprodução social e econômica, assim, com o tráfico e a escravidão nas Américas,
os senhores escravistas estimularam a reprodução e a maternidade em escravas desde os primeiros
anos da escravidão, mesmo se houvesse a obtenção mão de obra barata pelo tráfico. Desta forma, o
corpo da mulher se torna elemento central da reprodução escravista.

Ao colocarem a mulher escrava no papel de dupla produtora da riqueza


escravista, os principios acima elencados acabaram sublinhando a centralidade
do corpo da escravizada como o próprio locus da escravidão. Seja estimulando a

182
reprodução, seja negligenciando-a, os senhores de escravos tinham sempre que
considerar essa questão em suas estratégias de produção de riqueza. Em
momentos em que o tráfico atlântico supria adequadamente as demandas, os
senhores tendiam a explorar mais o trabalho produtivo, se negando a oferecer as
condições mínimas para a reprodução. Para o Brasil, em diferentes épocas e
lugares, não são raros os documentos que mencionam a existência de mulheres
realizando trabalhos pesados às vésperas do parto, ou relatos que explicam
como mulheres deram à luz na roça enquanto carregavam pesos
desproporcionais. (MACHADO, 2018, p. 337)

Machado (2018) afirma que em sociedades africanas camponesas, ter uma família extensa era
uma benção, e para mulheres africanas ter filhos era também algo positivo. Portanto, criar filhos e
produzir laços de afetividade era uma maneira de resistir à opressão do cativeiro.

Resistindo constantemente à violência, aos abusos e aos ataques senhoriais, as mulheres


escravizadas lutavam também para manter o controle de seus corpos. Era conhecido o uso de métodos
contraceptivos e abortivos com ervas e plantas por escravas, como também atitudes mais extremas
como a perfuração do utéro com objetos e o infanticídio.

Tardiamente, apenas em 1869, proibiu-se a venda separada de mães e filhos menores de


quinze anos no Brasil. Porém, com a Lei do Ventre Livre (1871), a tutela do ingênuo passa para as
mãos dos senhores ou do Estado, contribuindo para a separação.

Nos jornais da primeira metade do século XIX, muitas vezes é comum encontrar anúncios de
mulheres escravas perdidas ou que fugiram com seus filhos, como também anúncios de venda ou
aluguel de mulheres que deram à luz recentemente.

No ano de 1871, com a efervescência do movimento abolicionista e com as discussões sobre a


Lei do Ventre Livre, os jornais se tornam um espaço para a publicação de discursos favoráveis e
contrários à escravidão e à lei. Além disso, se torna comum nos anos próximos à abolição a
publicação de cartas de liberdade, por meio das quais os proprietários divulgam ter concedido a
liberdade para seus escravos, escravas e ingênuos.

Lei do Ventre Livre - 1871


A abolição da escravidão ocorrida em 1888 no Brasil foi um processo histórico influenciado por
diversos fatores, dentre eles, as leis emancipacionistas, são elas: a Lei do Ventre Livre, de 1888 e a Lei
dos Sexagenários, de 1885.

Existiam debates sobre a Lei do Ventre Livre desde a década de 1860, pois nesse momento, os
debates sobre a escravidão se tornaram mais comuns na cena política brasileira. Já que as demandas

183
sobre o tráfico de escravos já foram solucionada na década anterior. (MENDONÇA, p. 277) Soma-se a
isto, um cenário emancipacionista internacional e as resistências escravas.

A lei entrou em vigor em 28 de setembro de 1871, instituindo que os filhos de mães escravas,
nascidos a partir daquela data, seriam livres. Porém, até os 8 anos de idade, ficaria sob a guarda de seu
senhor, após os 8 anos, o senhor poderia escolher entre receber uma quantia de 600 mil-réis do
governo, ou usufruir dos serviços do menor de idade até os 21 anos.

Além disso, a lei também reconhecia o direito do escravo juntar dinheiro para a compra de sua
liberdade, sem a possibilidade de oposição de seu senhor. Reiterou a proibição de venda separada de
cônjuges escravos e filhos menores de 15 anos. Criou também o Fundo de Emancipação para alforrias
em municípios, e obrigou a matrícula de escravos em todo país, pois aquele que não fosse
matriculado, era considerado livre.

Joseli Mendonça (2018, p. 281) afirma que diversos pontos da lei contribuíram para as
expectativas e vontades senhoriais, assegurando uma abolição lenta e gradual, mas a lei também
permitiu disputas e processos conflituosos por parte de escravos, pois também lhe concederam
direitos. Assim, o abolicionismo também se mostrou presente nos tribunais em favor da liberdade de
escravos.

Diário do Rio de Janeiro (RJ). 7 de julho de


1821. Edição 0700006 (1)
O anúncio descreve os “sinais na cara” da
escrava Joaquina como uma característica para
que seja encontrada. É importante pontuar que
a descrição destes sinais e deformidades é
extremamente comum nos anúncios e
evidenciam as marcas da violência e dos
castigos sofridos pelos escravos e escravos.

Jornal do Commercio (RJ) -Ano


1857\Edição 00338 - 9 de dezembro de
1857

184
Diario de Pernambuco. Ano 1859. Edição
00027. 4 de fevereiro de 1859

Neste anúncio de venda se percebe que a escrava


deu a luz a pouco meses, que ainda tem leite, mas
não está com seu filho. Não ter cria, e ter leite é
uma das “aptidões” da escrava, junto com sua habilidade de cozinhar, costurar e fazer doces. O
motivo da venda não foi revelado.

Diario de Pernambuco. Ano 1859. 27 de abril de 1859


Em fonte maior e com destaque no jornal, este anúncio
declara a venda de três escravos por necessidade do
senhor. Uma delas já com mais idade, e outra com 25
anos, “prendada”, com habilidade e hábito de
amamentar crianças.

Diario de Pernambuco. Ano 1859. 27 de abril de 1859


Neste anúncio de 1859 o vendedor abre a possibilidade de
venda da escrava junto com sua filha de 3 anos, ou a venda
sem a criança, adquirindo apenas a mãe.

185
Diário do Rio de Janeiro (RJ) - Edição 00034 - 3 de
fevereiro de 1862

Anúncio de leilão de móveis e de uma escravizada junto com seu


filho.

186
Diário do Rio de Janeiro (04/04/1871, p. 1)

187
O elemento servil Se o escravo trabalha, tem tambem dias recem-nascido, mirando maior vantagem: os
São muitas e importantes as razões de descanso, e em quasi todas senão todas as serviços da escrava mãe, e de outras
contrárias a adopção do expediente da fazendas dispõem, com consentimento de constantemente empregadas em cuidar dos
libertação do ventre, e cada uma dellas seus senhores, de um pequeno praso de terra menores.
merecia estudo minucioso para o qual onde plantam para si e os seus, colhem e E o que será a roda official, a caridade
infelizmente não nos julgamos habilitados. vendem os fructos percebidos, com o que ministrada por empregados publicos em
Temas, entretanto, esperança de que estas constituem seus peculios. Estas concessões, sítios remotos, em cada freguezia? Será o
questões sejam levantadas da indifferença em vez de se restringirem, alargam-se. infanticídio em massa. Desgraçada troca: da
em que cahiram os negocios públicos Não se pense que as nossas fazendas são escravidão pela morte! Da escravidão, que é
Não póde convir a lavrador a criação na vastas prisões ou calabouços. Não: ao resgatavel, pela morte sem remedio!
fazenda do recem-nascido livre pela lei, e trabalho succede o repouso, mantida a ordem A caridade da lei começa a por separar a
nem a promettida indemnisação podel-o-ha com severa disciplina, como não póde deixar mãe do innocente filho e termina por expol o
seduzir; além de que tal indemnisação é por de ser, porém sem tormentos e barbaridades. em nome da liberdade a uma morte quase
demais insignificante e sujeita a muitas As cousas teem mudado muito. infallível! Não se calcula com as saudades da
contigências. A indemnização pelo trabalho Os vícios são castigados, porém ao bom mãe e com as inquietações que hão de
da criação não cobre as despezas e ficarão procedimento não falta recompensa. O resultar. A escrava quererá ver o filho; se o
ainda a descoberto os prejuizos por lucros impulso das idéas por si vae operando a senhor nega será um motivo de fuga, se
cessantes desejada transformação, e seus resultados consente terá de fazer uma viagem mais ou
A adiantada gravidez inhabilita a escrava serão mais efficazes do que todos os meios menos longa, que a arredará da fazenda com
para muitos serviços, por via de regra os mais legaes e coercitivos. prejuizo certo da boa ordem e disciplina. Se
úteis e urgentes. Este prejuizo é inevitavel Presentemente não ha dia de festa e encontra o filho vivo o póde distinguil-o de
porque os nossos lavradores não são tão alegria nas fazendas, que não seja celebrado outros, traz no coração com a saudade desejo
utilitários como os dessas colonias por actos de bem entendida emancipação. de tornal-o a vêr; se não o deixam ver, ou não
pertencentes a paizes aonde tanto se alardêa Em occasião de casamento da querida filha os póde por ter já fallecido, que duvidas e que
de humanidade. A espectativa do fructo, a paes invocam a protecção de Deus, libertando desesperos!
esperança de que pudesse vingar, crescer e um ou mais de seus morigerados e fiéis Ainda não é tempo de estudar a
prestar futuro serviços animavam a captivos. Na Europa julga-se com odio o praticabilidade dos asylos dos ingenuos da
tendencia christã de zelar dos senhor brasileiro: attribuem-lhe a crueldade lei, porém desde já póde-se duvidar que
recem-nascidos. As senhoras das fazendas, de um egoísmo sem freio e sem compaixão. produza os desejados effeitos
sempre mais generosas e compassivas, Manifesto engano. A indifferença gélida pelo Entretanto os humanitários falladores e
tomam assim a criação dos infelizes filhos próximo é virtude desses povos utilitarios, escriptores resolvem tudo
das escravas, que sob seu agasalho e que dão esmolas, como o contribuinte paga o peremptoriamente: se o senhor abandonar
protecção escapam muitas vezes dos carinhos tributo, sem o amor santo da caridade o ingenuo da lei, o Estado se incumbirá de
insensatos de suas estúpidas mães. Quando Voltemos a matéria sua criação!
um dia mão imparcial escrever "a historia da A criação do recem-nascido inhabilita a O estado não se póde incumbir de coisa
escravidão no Brasil, não esquecerá de pôr mãe para quasi todos os serviços pelo prazso alguma: o Estado somos todos nós. Quem ha
em relevo a caridade de nossas patricias. As de um ano. Calcule-se o valor do trabalho de pagar a enorme despeza dos asylos, os
paginas de sangue, de gemido e de diario da escrava, independente de qualquer ordenados dos empregados (santa
desesperos, hão de seguir-se as de caridade e outro despendio, com seus resguardos philantropia!) e os gastos da criação?
grandeza d’alma da virtuosa mãe dos necessarios, incommodos supervenientes, e Não ha de ser a philosophia que nada
desprotegidos: a brasileira. ver-se-ha que a indemnização pela criação produz; ha de ser a lavoura.
Esses poetas que tanto escrevem sobre a não póde convir ao proprietário. Ameaçam-nos sempre, quer quando nos
escravidão no Brasil e nada sabem, esses Attendam para o que se passa ahi na prometem indemnisações, quer quando se
philosophos da Europa que, no meio das Côrte, se de boa fé querem estudar esta obrigam a criar os filhos de nossos escravos.
misérias da prostituição e da fome dos gravíssima questão. Ainda, apezar da mania Ou uma ou outra cousa, ou talvez ambas, da
operarios, nos enviam conselhos e das estatísticas, não se sabe quantos escravos nossa pele ha de sahir.
provocações, não conhecem a vida do escravo nascem na capital do Imperio cada anno e Seja feita a vontade dos generosos
na generalidade dos estabelecimentos nem quantos morrem. Pois bem: os jornaes emancipadores, occupados em ler os
brasileiros de lavoura. annunciam amas de leite todos os dias e em relatorios do parlamento francez, os
O escravo não é considerado como um grande quantidade Que destino levam os inqueritos do inglez e as memorias dos
animal irracional, sem direitos e nem filhos das escravas? Vão para a roda, não da douradores de pílulas de saúde e regeneração
affectos: seus filhos não são gerados e fortuna, mas da morte. O senhor, habitante popular!
nascidos nas casas humildes nem nos do centro da civilisação, prefere libertar o Em fim de contas nós somos retrogrados,
abysmos sem ar e sem luz como succede recem-nascido pelo abandono á caridade barbaros e egoístas; os empregados publicos
nessas terras da civilisação e da liberdade. publica, mirando maior vantagem: os são civilisados, macios e generosos!
Pelo contrario, gosam aqui dos confortos da alugueis da escrava mãe. O interesse e só o Nós pagamos a liberdade e eles se
religião, de agasalhada habitação, teem interesse! proclamam libertadores!
medico, botica e farta subsistencia. Se uma O lavrador, que não é feito de melhor Podia ir adiante, porém tenho receio de
ou outra excepção sombrêa este não barro que o cortezão, sem interesse em criar fatigar os meus delicados leitores.
exagerado quadro incorre em geral reparo um ente livre, antes certo do prejuizo,
tambem abandonará á caridade official o O lavrador

188
Este texto foi publicado na seção “Publicações a pedido”. Nele o autor se mantém em
anonimato, utilizando o pseudônimo “O Lavrador”, o que já se supõe que ele seja proprietário
de escravos e de terras. Ao ler o texto, percebe-se o tom sentimental ao se referir aos filhos de
escravas, sendo caracterizados como "vítimas", destacam-se a bondade e a “caridade” das
senhoras de escravos que cuidam dos filhos abandonados das irresponsáveis escravas: “As
senhoras das fazendas, sempre mais generosas e compassivas, tomam assim a criação dos infelizes
filhos das escravas, que sob seu agasalho e protecção escapam muitas vezes dos carinhos insensatos
de suas estúpidas mães”. Vale também notar que ele defende o caráter “humano” do proprietário
brasileiro, que permite que os seus escravos tenham tempo livre, formem família e tenham um
pedaço de terra. Contudo, o ponto principal do texto é a crítica à Lei do Ventre Livre,
argumentando-se que economicamente não é viável aos proprietários criar os filhos de suas
escravas, portanto muitos acabariam por abandoná-los nas rodas de expostos.

Noticiário Correio Official de Goyaz. Ano 1871-


Edição 00356 (1)
Este trecho é do noticiário do Correio Official de
Goyaz, reportando uma notícia do jornal semanal
O Jequitinhonha, de Diamantina (MG), que foi
publicado entre os anos de 1860 a 1873. É
noticiado que uma senhora de escravos convida
uma autoridade eclesiástica para se tornar
padrinho do filho de uma de suas escravas.
Durante o batismo, ela oferece liberdade à criança.
E junto com várias pessoas, e em comemoração à
visita do prelado, a senhora declara libertar todas
as crianças que nascessem de suas escravas.

Correio Official de Goyaz (GO) - 1837 a 1921


Ano 1872 - Edição 00437 (1). 14 de Setembro de
1872

Mariano Teixeira dos Santos declara, no Correio


Official de Goyaz, que em resposta aos anseios da
sociedade Recreativa, dá liberdade ao filho de sua
escrava, considerado como sua própria cria, e para
isto, recebeu a quantia em dinheiro.

189
Goyaz - 17 de outubro de
1885 - nº 004

190
Amas de leite
Lorena Telles (2018) menciona que as amas de leite e mucamas são figuras recorrentes
em pinturas e fotografias durante o período colonial e imperial, passando por vezes a imagem de
carinho, cuidado e benevolência no interior de uma escravidão doméstica. O que seria uma
suposição errônea, pois, ao ser imposta a essas escravas a função de amas de leite, sua relação
com a maternidade e com seu próprio corpo se transforma.

As amas de leite prestavam serviços no ambiente doméstico e no interior da intimidade


familiar de seus senhores, o que fazia com que as relações sociais fossem tensas e o cotidiano de
trabalho destas mulheres, constantemente vigiado. Por amamentar e cuidar das crianças
brancas de seus senhores, muitas vezes a alimentação que recebiam era melhor, lhes eram
oferecidas roupas e vestimentas de melhor qualidade e existia a possibilidade de alforria.
Entretanto, estavam submissas aos desejos e vontades de suas senhoras e senhores, poderiam
sofrer castigos físicos e ataques sexuais e tinham sua privacidade cerceada. Além disso, o
aleitamento e criação de seus próprios filhos lhes era negado, ou quando havia a possibilidade
de se manterem próximas aos seus filhos, a prioridade de cuidado era sempre da criança branca.

O comércio, venda e aluguel de mulheres que davam à luz era extremamente lucrativo, o
que pode ser visto também na grande quantidade de anúncios em jornais. Com o fim do tráfico
em 1850, houve um déficit de escravas em zonas urbanas, e a demanda por amas de leite cresceu
ainda mais. Nem sempre as relações de compra, venda e aluguel envolviam apenas um
comprador e o vendedor, algumas dessas mulheres eram produto de negociações que podiam
incluir donos de Casas de Comissão, que lucravam taxas pelas transações.

A leitura dos anúncios de jornais nos revelam que a fuga era comum e uma das diversas
formas de resistência contra a exploração, seja antes de darem a luz, ou depois, com seus bebês,
evitando possivelmente que sejam separados.

Telles (2018) reforça que a partir da segunda metade do século XIX o discurso higienista
oriundos das faculdades de medicina ganhou força. Se desqualificava a amamentação de amas
de leite e incentivava o aleitamento materno. Por sua origem africana, essas mulheres eram
responsabilizadas por uma série de doenças e males que podiam ser transmitidas através do
leite. Contudo, a exploração do trabalho das amas de leite por mulheres brancas representava
status social, portanto, mesmo com os discursos médicos condenando a prática, ela não foi
extinguida.

Em manuais de medicina doméstica, conferências públicas e textos publicados


em jornais, médicos reportavam-se às amas de leite como responsáveis pela

191
transmissão de todo tipo de doença. A origem africana das mulheres era agora
representada como metáfora para os perigos e males sociais que poderiam atingir
as crianças brancas, as famílias abastadas, e como um perigo para o futuro da
nação, a qual, nesse contexto, era imaginada a partir dos padrões europeus de
civilização. (TELLES, 2018, p. 337)

Com o movimento abolicionista a crítica a esta prática sofre mudanças. O discurso do


movimento é crítico à utilização das amas de leite, que passaram a ser vistas não mais como
malfeitoras ou perversas, mas sim como vítimas de um sistema. Jornalistas abolicionistas
passaram a publicar denúncias de maus tratos, separação de mães e filhos, e abandono de
crianças por parte de alguns proprietários.

Diário do Rio de Janeiro (RJ) 11 de


agosto de 1828.
Anúncios procurando e alugando amas de leite
publicados no Diário do Rio de Janeiro, em 1828.

192
Bazar Volante, ano 1, n. 27, 27/03/1864, p. 8.

O Bazar Volante foi uma revista ilustrada que circulou no Rio de Janeiro entre 1863 e
1867. No desenho é representado uma ama de leite com uma criança branca em seu colo, e ao
lado, uma mulher branca, amamentando uma criança. Karolina Carula indica que publicações
como a veiculada no Bazar Volante tinham como público as famílias abastadas que utilizavam o
serviço de amas de leite. O periódico busca formar uma opinião pública incentivando o
aleitamento materno e desqualificando a figura da ama de leite. A mensagem que a imagem
explicita é que uma mãe cuidadosa e velosa não deveria entregar seus filhos ao cuidado de uma
ama de leite escrava, que estava impregnada com os maleficios da escravidão (CARULA, 2022, p.
139).

193
Gazeta da Tarde (RJ) 16 de novembro de 1880 nº 111
A Gazeta da Tarde era um jornal abolicionista de
propriedade de José do Patrocínio, no noticiário do
dia 16 de novembro de 1880, denuncia-se a
impunidade de uma situação envolvendo um senhor
de escravos e o filho de sua ama de leite. Um
senhor de escravos batiza o filho de uma de suas
escravas, e aluga a mulher recém parida como ama.
Percebendo que sem os cuidados da mãe a criança
não sobreviveria, o proprietário mudou o nome da
mãe, e entregou a criança para a Casa de
Misericórdia como se fosse de alguma mulher livre.
Nota-se a emotividade utilizada e a representação
das escravas como vítimas de seus senhores.

Questões Norteadoras

● Esta denúncia foi publicada em


novembro de 1880 na Gazeta da Tarde, do Rio de
Janeiro. Pesquise sobre este periódico e sobre seus
posicionamentos políticos.
● Qual a situação-problema
denunciada?
● Quais termos utilizados para se referir
à escrava e ao seu senhor evidenciam o
posicionamento de seu autor?
● O que o significa dizer que a criança
“dali saiu para a Mizericordia” ? Qual era a função social desta instituição?

194
Crianças e adolescentes
Marília Ariza produz um texto crítico para a obra de Lília Schwarcz e Flávio Gomes
(2018), em que tece considerações sobre as experiências das crianças filhas de escravas. Para a
autora, até 1871, houve pouca presença e citação de crianças em documentos da época. Isso
muda a partir da Lei do Ventre Livre, que extingue a obrigatoriedade de o filho seguir a mãe,
tornando-se ingênuos a partir do dia 28 de setembro de 1871. A partir daí, as crianças e a
infância se tornaram motivos de debates nos jornais e ações judiciais. (ARIZA, 2018, p. 169)

Mesmo ocultadas ou silenciadas pela historiografia, as crianças estavam presentes nos


relatos de viajantes. Nos espaços urbanos, crianças estavam presentes no interior de casas de
famílias abastadas e também de famílias mais pobres, já que eram mão de obra mais barata do
que um escravo adulto. Serviços domésticos como varrer, costurar, cuidar de crianças eram
relegados às meninas. Meninos podiam trabalhar em pequenos comércios ou em ofícios
especializados como a carpintaria e a marcenaria. Na área rural realizavam serviços que exigiam
menor capacidade física e força, como o cuidado de animais de pequeno porte.

Não se deve pensar sobre a vivência das crianças na colônia e no império a partir da
concepção de infância da atualidade. Nesse sentido, Ariza destaca que durante estes séculos, a
condição de “ser criança” era perpassada por conceitos e ideais de infância de origem medieval e
religiosa. (ARIZA, 2018, p. 171)

Muitas crianças eram separadas de suas mães, que iam se tornar amas de leite, e eram
criadas por outras escravas em condições precárias, ou poderiam ser abandonadas na roda dos
expostos por seus senhores.

Por volta dos doze anos já estavam aptas a realizar trabalhos que exigiam mais
capacidade física, e aos 14 já eram considerados maduros. Assim, seu preço de venda
aumentava.

195
O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. Gilberto Freyre. São Paulo.
Ed Nacional.1979. p. 61

Freyre aponta como as relações podem ser “amistosas” entre senhores e os filhos de seus
escravos, ou como revelam relações de propriedade. Contudo, vale problematizar essa primeira
declaração do sociólogo, já que o trecho do anúncio que o autor apresenta não afirma que a
criança era mimada por seus senhores, e provavelmente, este trecho é uma declaração de
liberdade, cujo autor teve a intenção de exaltar seus próprios feitos de benevolência.
Infelizmente, estas edições do Diario de Pernambuco não estão disponíveis no acervo digital da
Hemeroteca da Biblioteca Nacional.

Diario de Pernambuco (PE) - 1825 a 1839


30 de junho de 1836

Junto com o anúncio de vendas de objetos, se


anuncia também um “moleque” de 10 a 12
anos, com boa aparência e sadio.

196
Diário do Rio de Janeiro (RJ) 1828 5 de
abril de 1828

Diário do Rio de Janeiro (RJ) 1828 11 de agosto.

Um “moleque” se perde de seu companheiro, e


por ser ainda boçal, ou seja, recém chegado da
África e ainda não se comunicar na língua
portuguesa, não conseguiu dizer quem era seu
senhor.

Jornal do Commercio (RJ) - 1850 a


1859 Ano 1857\Edição 00338 (1) 9 de
dezembro de 1857

197
Questões norteadoras

A infância e a adolescência são etapas da vida humana que recebem diferentes


significados dependendo de seu contexto social e histórico. De acordo com o Art 2º do Estatuto
da Criança e do Adolescente “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze
anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”4. Contudo,
a experiência de ser criança ou adolescente em uma comunidade indígena não é igual a
experiência de ser uma criança não-indígena. Da mesma forma, ser criança no Brasil no século
XIX é diferente do que é ser criança no Brasil no século XXI. Sabemos que crianças escravas
também eram submetidas ao trabalho forçado. A partir da análise das fontes disponibilizadas,
reflita sobre as seguintes questões:

4
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. BRASIL. LEI nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Dispõe
sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.

198
● Quais as diferenças entre as atividades realizadas entre crianças escravas meninas e
meninos? Nos anúncios de jornais quais “qualidades” se referem às meninas, e quais
“qualidades” se referem aos meninos?
● Quais as diferenças observadas entre crianças escravizadas e crianças livres?
● Na atualidade, quais leis garantem direitos às crianças? Essa legislação existia neste
período?

Escravidão, resistências e abolicionismo na Capitania de Goyaz


A atividade mineradora nas Minas dos Goyazes se inicia com a descoberta de minas a
partir de 1731 e a fundação de arraiais para a exploração mineradora. A partir dos documentos
do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, Luís Palacín (1994) elenca as primeiras referências
sobre a população mineradora. Registros de cobrança de capitação apontam que no fim de 1736
o número de escravos era de 10.265, porém 3.682 escravos eram “adventícios” ou seja, pagavam
proporcionalmente apenas os meses de trabalho, o restante se dividia entre as minas de
Sant’Anna, com 4.021; Crixás, com 1.366 e Tocantins, com 1.196. Nos próximos anos, devido à
decadência relativa das Minas Gerais, as facilidades de exploração das camadas superficiais dos
novos descobertos e a conveniência de evitar os credores”(PALACÍN, 1994, p. 30), o número de
escravos se eleva.

Para Palacín a realidade do trabalho escravo nas minas era sem dúvida exaustivo e
perigoso, ao qual se acrescentavam a má alimentação e as doenças, uma situação que levava
muitos escravos a fugirem para quilombos. “Se a existência de quilombos implica maus-tratos
para o escravo, em Goiás constituem um testemunho impressionante, pois praticamente não há
arraial sem a sombra de seu quilombo.”(1994, p. 79) As medidas do governo para evitar fugas e
combater quilombos eram duras e envolviam castigos públicos e físicos, prisão e
institucionalização das atividades dos capitães do mato. Mesmo que o trabalho nas minas tenha
sido tão árduo, Palacín indica que a possibilidade de liberdade nas minas era maior do que em
outras regiões, pois tornava possível acumular pecúlio para comprar a alforria, e realizar
pequenos furtos , além de favorecer a miscigenação.

Contudo, a vida do escravo nas minas, embora tão desolada, encerrava uma
esperança maior do que a das outras regiões: a de conseguir para si, ou para seus
descendentes, a liberdade. Mediante pequenos roubos acumulados, ou
trabalhando horas extras em benefício próprio, eram bastante numerosos os
escravos que conseguiam reunir em ouro o preço de sua liberdade. Para as
escravas, era igualmente mais fácil, nas minas, conseguir para si e seus filhos,
fruto da união com seus donos, a carta de alforria. Os 120 alforriados e mulatos

199
registrados na capitação de 1741 finham crescido em 1804 até 23.577, deles 7.992
negros livres e 15.582 mulatos. (PALACÍN,1994, p. 81)

Correio Official de Goyaz (GO) - 1837 a


1921 - 14 de novembro de 1876 ed. 87.

Maria Lemke (2012, p.26) pontua que o trabalho historiográfico do Padre Luís Palacin e
do historiador Nasr Chaul defendem perspectivas opostas ao se tratar da “decadência” em
Goiás, contudo ambos historiadores reforçam aspectos conservadores sobre a sociedade de
Goiás. Os dois historiadores sugerem que após o apogeu do ouro a sociedade não conseguiria se
manter sem o apoio do Estado, como também para ambos, a população goiana até 1930, com a
chegada da “modernidade”, seria caracterizada fortemente por traços de inércia, marasmo,
imobilidade e ócio. Além disso, se caracterizava como um povo violento e com aversão aos
valores morais, cometendo crimes e se juntando por concubinato. Contudo, para Lemke (2012,
p. 27) a perspectiva defendida por estes historiadores não pode ser analisada fora de seus
contextos. Padre Palacin escreveu durante as décadas de 1970 e 1980, fortemente marcada por
tendências políticas e econômicas na historiografia, já Nasr Chaul, mesmo se vinculando a uma
perspectiva cultural, de abandono do viés marxista, ainda analisa a sociedade goiana
estruturalmente.

200
São interpretações a partir das quais conhecemos melhor a história, a
historiografia, seus modos e tempos de escrever. Palacin escrevia na
década de 1970-80, ainda um “tempo” historiográfico fortemente
vinculado às estruturas políticas ou econômicas. Chaul, por seu turno,
volta-se aos aspectos culturais da sociedade, tentando reconstruir e
desmontar a dureza daquela história de viés marcadamente marxista.
Porém, a uma abordagem estruturalista seguiu-se outra. Essas duas
vertentes sugerem uma sociedade profundamente homogênea quanto aos
costumes.
O alto índice de concubinato, por exemplo, foi interpretado como ausência
de valores morais e de laços familiares. “A maior parte das relações giraria
em torno do sexo”, segundo Chaul. São palavras idênticas às de Palacin,
nosso padre historiador, para quem um dos resultados do concubinato
seria “a tendência natural para o incesto.” (LEMKE, M, 2012, p.27)

Cabe aqui pontuar principalmente a interpretação dos autores sobre o concubinato e


ausência de laços familiares, e consequentemente, as principais críticas desenvolvidas por uma
historiografia mais recente sobre o tema. Maria Lemke indica que estas interpretações sobre o
ócio e a aversão ao trabalho durante o período colonial e imperial, se baseiam em uma ideia de
que o “trabalho” de fato viera a partir da República, com a consolidação do capitalismo. Além
disso, para os viajantes, a pobreza, o concubinato e o ócio “conferiram ares de decadência moral
à decadência aurífera” (LEMKE, M., 2012, p.28) Tanto Palacin quanto Chaul descrevem a
história de Goiás a partir de relatos de viajantes e documentos oficiais políticos, o que para
Maria Lemke acabou inviabilizando a possibilidade de se escrever sobre a história de Goiás após
o período aurífero, assim limitando a produção historiográfica.

Há outro aspecto a ser destacado acerca desses dois autores. Tanto a


decadência como verdade, quanto o extremo da representação,
configuraram uma espécie de exaustão do tema. Mas foi especialmente o
rompimento com o “estigma da decadência” que fez recair silêncio sobre o
período como se não houvesse mais nenhuma reentrância a ser explorada.
Assim, não é exagero afirmar que a “decadência” conferiu ares de
imobilidade à história daquela sociedade, mas também produziu
resultados na historiografia. (LEMKE, M. 2012, p.28)

Desta forma, é fundamental compreender que a historiografia recente sobre Goiás busca
não só problematizar a interpretação da "decadência", da imoralidade e imobilidade, mas
também repensar percepções historiográficas que desconsideravam a existência de famílias em
Goiás. Para isso, retorna aos documentos, e os reavalia amparando-se na produção
historiográfica nacional 5.

5
Cf. CASTRO, Hebe M. M. de. Das cores do silêncio. Os significados da liberdade no sudoeste escravista. Brasil,
século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1993. FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda e GOUVÊA, Maria

201
Embora eu não trate de patriarcado, procurei desfazer alguns equívocos
relativos ao conceito, pois a historiografia local assevera que “as famílias
eram extremamente raras em Goiás”. Assim, não se trata de advogar em
causa do pernambucano – pois bem sabemos que ele não precisa disso –
mas refletir sobre os resultados de algumas interpretações sobre Casa
Grande & Senzala para a história das famílias em Goiás. Ao contrário de
Brügger, somente tangenciei as possibilidades da documentação,
enfatizando as diferenças entre concubinato e casamento, sobretudo para
demonstrar que nem um, nem outro tipo de relação inviabilizou a
existência de famílias. Objetivei demonstrar que existiram famílias, não
importando se numa relação legitimada pela Igreja ou não. (LEMKE, M.
2012, p.30)

Maria Lemke destaca que foi a partir dos discursos de Saint Hillaire e Johann Pohl6 sobre
a grande quantidade de relações concubinárias em Goiás e o fato delas serem opostas à
formação de famílias que se disseminou a ideia que não existiam relações familiares na região.
Citando a concepção de Gilberto Freyre7 de que a família é a instituição colonizadora do Brasil,
Maria Lemke sugere que ela também possa ser pensada para a realidade das minas, e que não
haja outra justificativa para explicar as extensas relações de compadrio e amizade, que também
eram presentes em Goiás.

Considerar que o conceito família se reduz apenas à união matrimonial reduz as relações
apenas àquelas regulamentadas pela Igreja. De forma que o concubinato, mesmo não sendo
bem visto pela Igreja, não significava, como pensava os viajantes, uma decadência moral,
devassidão e ausência de laços familiares e afetivos. Justamente porque o conceito de família
durante a colônia não se reduz a laços consanguíneos ou à efetivação matrimonial.

O segundo ponto diz respeito à confusão conceitual em torno de família,


casamento e concubinato. A maioria dos autores criou uma sinonímia
entre família e casamento, conferindo ao concubinato um viés de
“desregramento moral” em outras palavras, ausência de sentimento de

de Fátima (org). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). RJ, Civilização
Brasileira, 2001.
FLORENTINO, Manolo. GÓES, José Roberto. A paz nas senzalas: Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de
Janeiro, c. 1790-c. 1850. São Paulo: Editora Unesp, 2017. FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento:
fortuna e família no cotidiano colonial. RJ Nova Fronteira, 1998.
6
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à Província de Goiás. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975; POHL, Johann E.
Viagem ao interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; 1976; apud:
7
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. 20 ed. Rio de Janeiro: José Olympio: INL-MEC, 1980. apud

202
pertencimento, e até “avesso de família”. É importante salientar que a
família poderia ser constituída tanto via casamento quanto por
concubinato. Aliás, como demonstrarei, algumas mulheres que tiveram
relações concubinais se casaram posteriormente, indicando que, por se
tratar de uma relação normalizada, o concubinato não foi óbice ao
casamento. O problema não são os índices de concubinato naquela
sociedade. O problema está em assumir as assertivas dos viajantes como
verdadeiras; não distinguir as características de cada tipo de relação,
tomar o concubinato como sinônimo de ausência de valores morais, ou a
união legitimada como única possibilidade de relação familiar. (LEMKE,
M. 2012, p.112)

Além de documentos paroquiais, cartas de alforria e registros de batismo, a imprensa


colonial nos permite afirmar a existência não só de relações familiares entre livres e forros, mas
também entre escravos.

Além do aquilombamento, das insurgências e das fugas, a alforria também era uma
estratégia para adquirir liberdade. Ela poderia ser condicional ou incondicional. Quando era
incondicional, partia da vontade do proprietário, não havia necessidade de o escravo pagar
nada. Já na alforria de forma condicional eram impostas algumas restrições, como o pagamento
de pecúlio ou prestação de serviços a partir do valor de mercado do escravo, que nem sempre
era um preço realmente justo. (MATTOSO, 2003)

Durante o período colonial em Goiás, assim como no restante do país, muitos escravos se
utilizavam de estratégias para se livrar da condição de escravizado. Maria Lemke (2008) enfatiza
que assim como em outras regiões de mineração, os escravos de Goiás tinham mais chance de
ter autonomia com seus senhores, portanto, desde o início da colonização em Goiás já havia
forros. (LEMKE, 2008, p. 87) Alguns estudiosos consideravam que o fato de haver libertos neste
período se relacionava com uma suposta benevolência de seus senhores, perspectiva alinhada
com uma concepção freyreana da colonização. Constatação esta que, sendo analisada por
pesquisas mais recentes, não se confirma. A alforria na pia de batismo era muitas vezes ligada a
esta hipótese, porém, o que se percebe é que este tipo de alforria era rara, e que na maioria dos
casos era paga, à vista ou em parcelas (PAIVA, 2000, apud LEMKE, 2008). Já durante o período
imperial, a mineração aurífera estava em declínio e a agropecuária em ascensão. Assim, o
pagamento das alforrias era feito com ouro, gado ou prestação de serviços (LEITE, 2000, apud,
LEMKE, 2008). Portanto, estas estratégias de pagamento se mostravam em consonância com o
cenário econômico da época.

Tendo em vista as recentes discussões historiográficas de que as relações escravistas e a


busca por liberdade se davam como um jogo de “resistências” e "acomodações", as estratégias de

203
liberdade nem sempre eram violentas ou combativas. Cartas de alforria de mulheres escravas e
notícias de liberdade nos jornais revelam que muitas vezes a liberdade, condicionada ou não,
era justificada pelos “bons serviços prestados” e por ideais de humanidade, generosidade e
qualidades religiosas. Thiago F. Sant’Anna (2008, p.55) aponta duas leituras possíveis para estes
casos em cartas de alforria: a análise destas cartas revela muitas vezes um tom de “concessão”
de seus proprietários, e não o resultado de uma “conquista” da escrava. Também é possível
refletir sobre os termos que remetem aos “bons serviços prestados”, já que a obediência aos
senhores por parte da escrava poderia facilitar sua alforria.

Nota-se que muitos livros didáticos já absorveram algumas discussões historiográficas


mais recentes sobre o período colonial e imperial no Brasil. Contudo, o currículo de História da
BNCC não contempla nenhuma habilidade específica para o ensino de História local, cabendo
ao professor ter a iniciativa individual de discutir sobre o tema. Este manual representa uma
tentativa de facilitar o ensino de história de Goiás nas aulas de História, e brevemente
apresentar novas perspectivas para se compreender o período colonial e imperial em Goiás,
problematizando algumas noções, como a decadência moral e econômica, a imobilidade, o ócio,
e alguns conceitos tecidos por viajantes.

Se comparada com outras localidades, a produção de jornais em Goiás não era tão
numerosa, mas apesar disso, ela oferece uma maneira de compreender o pensamento e o
cotidiano do passado. A partir dos jornais nota-se que a afirmação de que relações familiares
não existiam na província de Goiás não se sustenta. Laços familiares, afetividade, amizades e
compadrio eram comuns tanto entre sujeitos livres como entre escravos.

Correio Official de Goyaz


(GO) - 1837 a 1921. 12 de
julho de 1873

Este anúncio de liberdade divulga que


o tutor de uma criança menor de idade,
concede liberdade à filha de uma
escrava, de 3 a 4 anos de idade. O valor
pago pela liberdade da criança foi fruto
do esforço do pai da criança e da
Sociedade Recreativa emancipadora, o
que evidencia não só o papel das
sociedades emancipadoras mas também
nos mostra que esta criança tinha um
pai reconhecido.

204
Correio Official de Goyaz (GO) - 1837 a
1921. 26 de agosto de 1876. n 66

Militares e sociedades recreativas tiveram um papel


ativo na compra de alforrias de muitos escravos em
Goiás. Este anúncio divulga a liberdade, mediante
pagamento, da filha de uma escrava. O pagamento foi
feito por sócios militares da Sociedade Recreativa.

Correio Official de Goyaz (GO) - 1837 a


1921 N. 13. 31 de março de 1883

Os obituários eram publicados regularmente, e


elencavam os falecidos na província. Eram
relatados o nome, idade, condição, estado civil,
cor, filiação e causa da morte. Nos obituários é
constante o relato de morte de crianças escravas e
livres, e pessoas de mais idade. Por ser possível
saber o estado civil do falecido, em alguns
obituários é relatada a morte de escravos
casados, provavelmente, uma união reconhecida perante a Igreja Católica.

Correio Official de Goyaz (GO) - 1837 a 1921 23 de junho de 1883. n 25.

Neste noticiário foram publicados detalhes da ação de liberdade da Promotoria do


município de Rio Verde, em favor de uma escrava de 45 anos, de propriedade de uma senhora
falecida. Esta senhora teria recomendado que após seu falecimento a escrava estaria livre sem
ônus algum. Contudo os herdeiros da falecida se recusam a oferecer a liberdade e a colocam no

205
inventário. Contudo, com declarações escritas da vontade da falecida, o juiz concede a liberdade
à escrava. O autor declara que com a baixa da mulher no inventário, ficará “gosando de plena
liberdade uma mulher que mais tarde poderá ser uma bôa mãe de família”. Em seguida, relata
que com o valor acumulado
para pagar pecúlio de escravos
e a cota distribuída ao
município, dava a esperança
de “libertar duas familias alem
de 2 ou 3 ingenuos menores
de 8 annos que por força da lei
devem acompanhar a mãe”.

Esta declaração de tom


abolicionista revela que era
comum escravos constituírem
família, e que famílias de
escravos poderiam ser
libertadas em conjunto, já que
também com a Lei do Ventre
Livre os filhos de escravas
deveriam seguir a mãe.

Correio Official de Goyaz (GO) - 1837 a


1921. 23 de junho de 1883. n 25

Notícia de concessão de liberdade condicional a dois


escravos casados no município de Rio Verde.

206
Thiago F. Sant’Anna (2013, p.92) aponta que o processo abolicionista em Goiás foi
diferente do que em algumas outras regiões. Grupos políticos e as elites goianas se mostravam
em consonância com a política empregada pelo governo imperial: um movimento de
emancipação lento e gradual. A transição entre a mineração para a agropecuária já resultaria em
uma diminuição da população escrava antes mesmo da abolição do tráfico negreiro, situação
diferente de outras regiões.

As ideias abolicionistas, liberais e republicanas discutidas na Corte também circulavam


pela província de Goyaz e eram defendidas por intelectuais e pela elite goiana, de acordo com
seus interesses. Thiago F. Sant’Anna (2013, p. 93) elenca jornais como “ A Tribuna Livre”,
“Goyaz” , e “O Publicador Goyano”, como exemplos de periódicos que veiculavam e difundiam
ideais abolicionistas. Suas notícias e artigos em prol da causa abolicionista eram um meio para
que houvesse engajamento de outras camadas da sociedade na luta pela emancipação, gerando
uma mudança da opinião pública sobre a questão.

Como dispositivo formador da opinião pública, a imprensa desempenhava


sua função pedagógica, pois, ao produzir e veicular discursos sobre o
abolicionismo, formava opinião pública favorável ao mesmo. Atuou,
portanto, no sentido de politizar segmentos da sociedade até então
ignorados, bem como de estabelecer um tipo de abolicionismo a ser
buscado, adaptado aos interesses gerais da sociedade e aos particulares
dos proprietários de terras e de escravos. (SANT’ANNA, 2013, p. 94)

Na edição nº 15, de 7 de junho de 1885, O Publicador Goyano registra a recomendação


feita por outras duas folhas para a sua leitura, contudo uma delas caracteriza como uma
“infelicidade” o seu posicionamento abolicionista. Como resposta, os editores reafirmam suas
convicções em prol da emancipação.

207
“ O Publicador Goyano” – 1885 a 1889. Ed. 15. 7 de Junho de 1885

Já em 14 de novembro de 1885, na edição nº 38, sob uso de pseudônimo alguém


apresenta uma situação em que um escravo é propriedade de um indivíduo tutelado, que recebe
uma carta de liberdade com a condição de ser servido até o fim de sua vida. Porém, seu tutor
reduz a condição para cinco anos. Porém o tutor falece, e o “liberto” volta à 1º condição, de
servir durante toda a vida de seu proprietário. O jornal indaga qual a vantagem que para o
liberto, visto que ainda deveria servir seu proprietário. Este trecho também evidencia o
funcionamento e as estratégias de libertação, que como visto antes, em sua grande maioria não
eram fruto da bondade do proprietário.

208
“ O Publicador Goyano” – 1885 a 1889. Ed. 38. 15 de Novembro de 1885

Questões
Por muito tempo a historiografia se concentrou em estudar questões políticas, econômicas ou
até grandes feitos e heróis do passado. Nesse sentido, pesquisas que tratavam sobre grupos
populares e minoritários eram praticamente inexistentes. Contudo, sabemos que nas últimas
décadas houveram rupturas na historiografia e novas fontes e sujeitos históricos que antes eram
esquecidos passaram a ser levados em consideração nos ambientes acadêmicos. No Brasil, esse
movimento de ruptura se deu por volta da década de 1980, inspirados pela historiografia
estrangeira, historiadores passaram a ter uma perspectiva de análise mais cultural e social
frente à história. Tendo em vista essa prerrogativa e os conhecimentos adquiridos, discorra
sobre:

209
1. O papel do escravo passou a ser entendido como um sujeito transformador da sociedade,
incluído em um jogo de resistências e acomodações. Quais foram as formas e
instrumentos utilizados pela população escrava para buscar melhores condições de vida
e/ou garantir a liberdade?
2. Como a historiografia brasileira recente sobre a escravidão tratou a formação de famílias
escravas?

210
Referências
ABREU, Martha; MATTOS, Hebe. Em torno das “Diretrizes curriculares nacionais para a
educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana”: uma conversa com historiadores. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 21, nº 41,
janeiro-junho de 2008

CARULA, Karoline; ARIZA, Marília B. A.(Org); Escravidão e maternidade no mundo atlântico :


corpo, saúde, trabalho, família e liberdade nos séculos XVIII e XIX; Niterói: Eduff, 2022

FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. São Paulo. Ed.
Nacional. 1979.

LEMKE, Maria. Trajetórias atlânticas: percursos para a Liberdade: africanos descendentes na


Capitania dos Guayazes. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás. Faculdade de
Ciências Humanas e Filosofia.– 2008.

211
__________. Trabalho, família e mobilidade social – notas do que os viajantes não viram em
Goiás. c. 1770 – c. 1847. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Goiás, Faculdade de
História, 2012.

MACHADO, Maria H. P. T. Mulher, corpo e maternidade. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz;


GOMES, Flávio dos Santos. Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. 1ºed. São
Paulo. Companhia das Letras. 2018

MATTOS, Hebe Maria. O ensino de história e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In:
ABREU, Martha; SOIHET, Rachel. Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologias. 2 ed.
Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2009.

MATTOSO, Kátia M. de Queiroz. Ser escravo no Brasil. São Paulo. Brasiliense. 2003

PEREIRA, Washington Kuklinski. República das Penas: a construção do repertório imagético da


República nas páginas das revistas o Mequetrefe, Revista Illustrada e Don Quixote
(1889-1902). Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015.

SANT’ANNA, Thiago. Escravas em ação: resistências e solidariedades abolicionistas na


Província de Goiás – Século XIX. Em tempo de Histórias, Brasília, n. 12, p. 53-67. 2008.

___________. Os abolicionismos na cidade Goiás: pluralidades e singularidades nos anos de


1880. Eliesée, Rev. Geo. Anápolis, v.-2, n. 2, p. 92-97, jul./dez. 2013.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em Branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São
Paulo no final do século XIX. São Paulo. Companhia das Letras. 1987.

TELLES, Lorena Féres da Silva. Amas de leite. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio
dos Santos. Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. 1ºed. São Paulo. Companhia
das Letras. 2018

Fontes
Bazar Volante : Publica-se todos os Domingos (RJ) - 1863 a 1866 -
http://memoria.bn.br/DocReader/714194/1

Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - 1848 a 1868 -


http://memoria.bn.br/DocReader/217280/0

212
Correio Official de Goyaz (GO) - 1837 a 1921. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/167487/2327

DECRETO N. 5604 - DE 25 DE ABRIL DE 1874. Manda observar o Regulamento


desta data para execução do art. 2° da Lei n° 1829 de 9 de Setembro de 1870, na parte
em que estabelece o registro civil dos nascimentos, casamentos e obitos. Disponível em:
https://legis.senado.leg.br/norma/566340/publicacao/15778226

Diario de Pernambuco (PE) - 1850 a 1859. Disponível em:


http://memoria.bn.br/DocReader/029033_03/0

Diário do Rio de Janeiro (RJ) - 1821 a 1858 -


http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/0

Gazeta da Tarde (RJ) - 1880 a 1901. Disponível em:


http://memoria.bn.br/DocReader/226688/363

Goyaz: Orgão Democrata (GO) - 1885 a 1910. Disponível em:


http://memoria.bn.br/DocReader/167487/2327
Jornal do Commercio (RJ) - 1850 a 1859. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_04/0
Monitor Campista (RJ) - 1834 a 1891. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/030740/1
O Globo (MA) - 1852 a 1890. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/749974/0
O Publicador Goyano (GO) - 1885 a 1889. Disponível em:
http://bndigital.bn.br/acervo-digital/publicador-goyano/716774

213
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabemos que a Lei 10.639/2003 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação das Relações Étnico Raciais representam um enorme avanço ao regulamentar,
estimular e tornar obrigatório os estudos e o ensino da cultura e história da África e de
afro-brasileiros. O senso comum reforça uma relação imediata entre negros escravos e a
extrema violência da escravidão, visão esta que pode ser considerada um estereótipo da
escravidão no Brasil. Pode-se pensar que nos livros didáticos essa perspectiva se repita.
Porém, há um movimento recente dos estudos historiográficos que se reverbera na
construção de livros didáticos, e que com a força da legislação busca revisar,
problematizar e oferecer outras formas de se pensar a experiência da escravidão
brasileira. Não significa de forma alguma desconsiderar a existência da violência, mas
sim entender que escravos e escravas experienciaram o cativeiro a partir de relações de
negociações e confronto, ora resistindo, ora acomodando-se. Portanto isso significa
entender, principalmente, o escravo como um sujeito histórico ativo, negando a ideia de
passividade, de anomia frente às suas experiências. Assim, temas como as formas de se
obter alforria, formação de quilombos, fugas, relações familiares, dentre outros passam a
ser conteúdos dos livros didáticos. E nesse mesmo sentido, se deve problematizar a
dicotomia explicativa sobre a escravidão como “benevolente ou violenta”.
A partir da análise dos livros didáticos, notamos a necessidade e propor projetos
que abordem mais profundamente as muitas formas dos escravos experenciarem e
conviverem com a escravidão, tomando como objeto principal a temática da formação de
famílias e laços familiares. Evidenciar estas outras formas de resistências e acomodações
dentro do sistema escravista explicita que a participação dos escravos como sujeitos
ativos e construtores de sua história. Novas perspectivas e estudos sobre a identidade e
cultura negra no Brasil colaboram para recuperar a auto estima e superar visões
desgastadas e chavões sobre a escravidão.
Portanto, é a partir destas necessidades e da apuração dos conteúdos dos livros
didáticos, que constatou-se um déficit da temática, que a proposta do manual é
apresentada. Compreendendo que o uso de documentos e fontes em sala é um modo que
estimular a autonomia O uso de fontes em sala pode ser uma forma de desenvolver a
autonomia do educando da pesquisa, além de também entender como se dá o trabalho do

214
historiador, questionando e problematizando fontes históricas, e assim construindo
conhecimento histórico e podendo agir ativamente na sociedade e na sua realidade.

215
Coleções didáticas

BOULOS JR, Alfredo. História, Sociedade & Cidadania: EF anos finais – manual do
professor. 4. ed. São Paulo: FTD, 2018. 4 v.
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: das origens do homem à era digital – manual
do professor (EF: anos finais). 3. ed. São Paulo: Moderna, 2018. 4 v.
CAMPOS, Flávio de; CLARO, Regina; DOLHNIKOFF, Miriam. História: escola e
democracia – manual do professor (EF: anos finais). 1. ed. São Paulo: Moderna, 2019.
4v.
COTRIM, Gilberto. Historiar – EF: anos finais – manual do professor. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2018. 4 v.
DIAS, Adriana Machado. Vontade de Saber: História – EF: anos finais – manual do
professor. 2. ed. São Paulo, 2018. 4 v.
FERNANDES, Ana Claudia (ed). Araribá Mais:: História – manual do professor (EF:
anos finais). 1. ed. São Paulo: Moderna, 2018. v. 4.
MINORELLI, Caroline Torres; CHIBA, Charles Hokiti Fukushigue. Convergências
história: EF anos finais – manual do professor. 2. ed. São Paulo: Edições SM, 2018. 4 v.
NEMI, Ana Lúcia Lana; REIS, Anderson Roberti dos; MOTOOKA, Débora Yumi.
Geração Alpha história: EF anos finais – manual do Professor. 2. ed. São Paulo: SM
Edições, 2018. 4 v.
SERIACOPI, Gislaine Campos Azevedo; SERIACOPI, Reinaldo. Inspire história: EF
anos finais – manual do professor. 1. ed. São Paulo: FTD, 2018. 4 v.
VAINFAS, Ronaldo. FERREIRA, Jorge; FARIA, Sheila de Castro; CALAINHO, Daniela
Buono. História.doc: EF anos finais – manual do professor. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2018. 4v.

216
Referências
ABUD, Kátia Maria. Ensino de história. São Paulo: CENGAGE Learning, 2010.
ALBERTI, Verena. Fontes. In: FERREIRA, Marieta Moraes; OLIVEIRA, Margarida
Dias de. Dicionário de ensino de História. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2019.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos.
4º ed. São Paulo. Cortez, 2011
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto.
EDUSP. 1988.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo.
Dominus Editora. 1965;
FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. São
Paulo. Ed. Nacional. 1979.
LARA, Silvia H. Conectando Historiografias: a escravidão africana e o antigo
regime na América portuguesa. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia
A. (Org.) Modos de governar: ideias e práticas políticas no Império Português (séculos
XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2005.
LE GOFF, J. História e memória; tradução Bernardo Leitão. Campinas, SP Editora da
UNICAMP, 1990.
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos Periódicos. In: PINSKY,
Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
MACHADO, Maria Helena P. T. Em torno da autonomia escrava: uma nova direção
para a história social da escravidão. Revista Brasileira de História, v. 8, n. 16, p.
143-160, 1988.
MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição: escravos e senhores no Parlamento e
na Justiça. Editora Fundação Perseu Abramo. 2001.
PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história?
Sobre o uso de fontes na sala de aula. Porto Alegre, Anos 90. Porto Alegre, v. 15, n. 28,
p.113-128, dez. 2008.
QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em debate. In: FREITAS, Marcos
Cezar (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em Branco e negro: jornais, escravos e cidadãos
em São Paulo no final do século XIX. São Paulo. Companhia das Letras. 1987.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão
racial no Brasil 1870-1930. São Paulo. Companhia das Letras, 1993. p. 208

217
SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos. Dicionário da escravidão e
liberdade: 50 textos críticos. 1ºed. São Paulo. Companhia das Letras. 2018
ROMERO, Sylvio. História da litteratura brasileira.2.ed., melhorada pelo autor. Rio
de Janeiro. H. Garnier, 1902
MARQUESE, Rafael de Bivar. As desventuras de um conceito: capitalismo histórico e
a historiografia sobre a escravidão brasileira. Revista História (São Paulo). 2013,
n.169, pp.223-253.

218
ANEXOS

ANEXO 1 – Araribá Mais História Manual do Professor - 7º ano – Página 157

219
ANEXO 2 - Araribá Mais História Manual do Professor - 7º ano – Página 161

220
ANEXO 3 -Araribá Mais História - Manual do Professor - 7º ano – Página 162

221
ANEXO 4 - Araribá Mais História - Manual do Professor - 7º ano – Página 222

222
ANEXO 5 - Araribá Mais História -Manual do Professor - 8º ano – Página 111

223
ANEXO 6 - Araribá Mais História - Manual do Professor 8º ano – Página 209

224
ANEXO 7 -Araribá Mais História - Manual do Professor - 8º ano - Página 209

225
ANEXO 8 - Araribá Mais História - Manual do Professor - 8º ano- Página 209

226
ANEXO 9 - Quadro de conteúdos - História: escola e democracia - Manual do
professor - Página XIV

227
ANEXO 10 – Ícones para o(a) professor(a) - História: escola e democracia -
Manual do Professor - Página 5.

ANEXO 11 - Ícones da coleção de história - História: escola e democracia -


Manual do Professor - Página 5.

228
ANEXO 12 - História: escola e democracia - Manual do professor - 7º ano -
Página 164

229
ANEXO 13 - História: escola e democracia - Manual do professor - 7º ano -
Página 165

230
ANEXO 14 - História: escola e democracia - Manual do professor - 7º ano -
Página 180

231
ANEXO 15 - História: escola e democracia - Manual do professor - 7º ano -
Página 181

232
ANEXO 16 – O Reino do Ngola – História: escola e democracia – 7º ano -
Página 187

233
ANEXO 17 – Ginga, a rainha dos reinos de Ndongo e Matamba – História: escola
e democracia – 7º ano - Página 194

234
ANEXO 18 – QUEBRA-CABEÇA – História: escola e democracia – 7º ano -
Página 196

235
ANEXO 19 – Leitura Complementar – História: escola e democracia - Manual do
Professor– 7º ano - Página 197

236
ANEXO 20 - História: escola e democracia – 7º ano - Página 200

237
ANEXO 21 - História: escola e democracia – 7º ano - Página 201

238
ANEXO 22 - Leitura Complementar - História: escola e democracia – 7º ano -
Página 206

239
ANEXO 23 – Abertura do Capítulo 12 - Historiar 7º ano - Página 188

240
ANEXO 24 – Abertura do Capítulo 12 - Historiar 7º ano - Página 189

241
ANEXO 25 – Outras Histórias - Irmandades Negras. Historiar - Página 237.

242
ANEXO 26 - Os legados da escravidão na América - Página 154 - Historiar - 8º
ano.

243
ANEXO 27 – Leitura e escrita em História - Vozes do passado - História
sociedade & cidadania - 7º ano - Página 199

244
ANEXO 28 – Boxe “ Para saber mais” - Homens de Luta - História sociedade &
cidadania - 8º ano - 2018 - Página 206 e 207.

245
246
ANEXO 29 – História sociedade & cidadania - 8º ano - 2018 - Página 209.

247
ANEXO 30 – História.doc - 8º ano Manual do professor - 2018 - Página 148.

248
ANEXO 31 – História.doc - 8º ano - 2018 - Página 180.

249
ANEXO 32 – História.doc - 8º ano - 2018 - Página 181.

ANEXO 33 – Teláris história.doc - 7º ano - 2018 - Página 234.

250
ANEXO 34 – Teláris história.doc - 8º ano - Abertura da Unidade 4 - Manual do
Professor 2018 - Página 176 e 177.

251
252
ANEXO 35 – Teláris história.doc - 8º ano - Abertura da capítulo 11 - Manual do
Professor 2018 - Página 178.

253
ANEXO 36 – Teláris história.doc - 8º ano - Manual do Professor 2018 - Página
210

254
ANEXO 37 – Teláris história.doc - 8º ano - Manual do Professor 2018 - Página
234

255
ANEXO 38 – Teláris história.doc - 8º ano - Manual do Professor 2018 -”Vivendo
no tempo dos abolicionistas no Brasil” – Página 236 e 237

256
257
ANEXO 39 – Teláris história.doc - 8º ano - Manual do Professor – Página 238

258
ANEXO 40 – Teláris história.doc - 8º ano - Manual do Professor – Projeto 2º
Semestre Páginas 142, 143; 232 e 233.

259
260
261
262
ANEXO 41 – Estudar História: das origens do homem à era digital - 7º ano -
Manual do Professor – Página XLIV

263
ANEXO 42 – Estudar História: das origens do homem à era digital - 7º ano -
Manual do Professor – Refletindo sobre – Página 71

ANEXO 43 – Estudar História: das origens do homem à era digital - 7º ano -


Manual do Professor –História em construção – Página 72

264
ANEXO 44 – Estudar História: das origens do homem à era digital - 7º ano -
Manual do Professor – Páginas 138 e 139

265
ANEXO 44 – Estudar História: das origens do homem à era digital - 7º ano -
Manual do Professor – Página 144.

266
ANEXO 46 – Estudar História: das origens do homem à era digital - 7º ano -
Manual do Professor – Páginas 148 e 149

267
ANEXO 47 – Estudar História: das origens do homem à era digital - 7º ano - Manual do
Professor – Páginas 185

268
ANEXO 48 – Convergências História- 8º ano - Manual do Professor – Páginas 130 e
131

269
ANEXO 49– Vontade de Saber História- 7º ano - Manual do Professor – Páginas 172 e
173

270
ANEXO 50 – Vontade de Saber História - 7º ano - Manual do Professor – Páginas 174 e
175

271
272

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