Você está na página 1de 4

Foi Só Um Sonho 1

Organização e concepção: Janaína Russeff

PERSONAGENS

PROFESSORA POLICIAIS

LARISSA MORADORES DA COMUNIDADE

BIA/ FADA ALUNOS

POLICIAL/SOLDADO DE CHUMBO

(Música inicial. Comunidade da Rocinha. Luz acende. Larissa e Bia, entram em cena.)
Larissa: Vamos Bia, estamos atrasada!
Bia: Caramba, perdi a hora! Foi difícil acordar hoje... passei quase a noite toda em claro...
Larissa: Nossa, nem me fale! Que tiroteio, heim! Não consegui nem fazer o dever de casa
direito. Tive que ficar no chão até tarde. Vou falar com a professora que o ‘bicho pegou”
ontem de noite.
Bia: Eu também... fiquei a noite toda embaixo da cama... Ficamos morrendo de medo. Meu
pai não pode nem chegar em casa, teve que dormir na casa do meu tio, lá no Vidigal... Sorte
que a minha mãe já tinha chegado do serviço. Foi muuuuito tiro! Fazia tempo que eu não via
nada assim...
(Larissa para e olha apreensiva)
Larissa: (Falando baixinho para Bia) Ih, fica ligada! Olha lá! Os “home” tão na área hoje. Tão
“arrochando” todo mundo que tá passando.
(Vários policiais estão na entrada principal da comunidade revistando bolsas, mochilas e
sacolas de todos que passam)
Policial: (aborda Larissa e Bia) Aí, ô pirralhas! (falando de forma grosseira) Vão abrindo a droga
das mochilas!! Tão escondendo alguma parada errada aí?
Bia (abrindo a mochila assustada): N-não, não estamos escondendo nada... a gente só tá
indo pra escola!
(O policial revista a mochila das duas meninas)
Policial (falando irritado): Vê se não vão se meter com parada errada, não, heim! Agora vaza!
Vaza, as duas!

1 Texto produzido nas aulas de Teatro com alunos do 8º ano. Os jogos e improvisos teatrais são indutores para a
criação coletiva dos esquetes. A criação parte da experiência prática e posteriormente é transcrita e transformada
em texto teatral. A condução e a organização do texto é realizada pela professora Janaína Russeff.
"É permitida a reprodução sem fins lucrativos, total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte." Contato:
janarusseff79@gmail.com
© Todos os direitos são reservados.
(Larissa e Bia apressam o passo.)
Larissa: Esse cara tá sempre aí, ameaçando o pessoal. Ele pensa que todo mundo que mora
em comunidade é bandido. A maioria é trabalhador, gente honesta! Quem ele pensa que é?
Bia (apavorada, falando entre os lábios): Cala a boca, garota! Tu quer que os “home”
escutem você falando isso?! Pô! Tu quer morrer?! Tu não lembra do sobrinho da dona Rosa?
Quer acabar igual a ele???
(Larissa e Bia sobem no palco. Sala de aula, todos comentam o que aconteceu no dia
anterior. Entra a professora de matemática chega e começa a explicar a matéria).
Professora: Bom dia, pessoal!
Turma: Bom dia.
Professora: Sei que essa noite não foi fácil, né?
(burburinho, todos comentam sobre o tiroteio)
Professora: Pois é... realmente é uma tristeza essa situação que vivemos.
(Som de tiros. Alunos gritam e se jogam no chão. Luz paga. Ouve-se vozes).
Vozes: Meu Deus, que barulho é esse?! É tiroteio! Meu Deus! De novo!! Abaixa, abaixa!!!Corre...
Se joga esconde aqui debaixo da mesa...
Professora: Vamos tentar manter a calma... Não se preocupem, vamos sair dessa juntos.
(Som de gritos e correria. Pânico geral. Silêncio. Música de conto de fadas. Um novo cenário
aparece. As luzes se acendem. Apenas Larissa está em cena que começa a despertar e olhar
ao redor).
Larissa: Onde estou?! Que lugar é esse?!
(Entra Bia vestida como uma fada)
Larissa: Bia, é você ?!! O que aconteceu, por que você tá vestida assim??
Bia: Sou eu mesma, amiga, não precisa ficar com medo! Está tudo bem!
Larissa (ainda confusa): Mas... que lugar é esse?? O tiroteio... Graças a Deus, já acabou!!
(Entra o policial. Larissa se apavora.)
Larissa (descontrolada): Não, por favor! Nós não fizemos nada de errado! Por favor!!
(O Policial entrega um ursinho de pelúcia para Larissa e sorri.)
Policial (voz tranquila): Está tudo bem. Você está se sentindo melhor? Espero que goste do
presente.
Larissa (com o semblante sereno): obrigada! Mas eu não entendo... Nós morremos?? Nós
estamos no céu??
Bia/Fada: Nós estamos num mundo em que a violência não existe.
Larissa: Como assim? Um mundo sem violência? E existe?
Bia: Claro que sim! Balas, aqui, só de comer. Guerra, só de travesseiros. Os gritos, são de
alegria. E os estouros, são dos lindos fogos de artifício, em celebração à paz. (chama Larissa
com leveza) Vem, vamos dançar com os outros

2
(Uma música alegre começa a tocar. Todos começam a dançar e a se divertir. Larissa se
afasta do grupo e se deita na grama do jardim de olhos fechados, curtindo a felicidade
daquele momento. Luz apaga.)
Bia: Larissa! (música sai repentinamente) Larissa! (luz acende) Acorda, minha amiga! Você
está bem??
(Larissa abre os olhos e se vê de volta à sala de aula. Os tiros cessaram.)
Bia: Amiga, levanta! Que susto você me deu! O tiroteio já acabou. Vamos pra casa. As aulas
de hoje foram suspensas. Vamos logo!
Larissa (meio confusa e decepcionada): Não! Mas eu tava no paraíso! Nós dançamos, todos
estavam dançando... O soldadinho de chumbo me deu um ursinho... Foi tudo tão real... tão
bonito...
Bia: Deixa de bobeira! Vem logo! Vamos pra casa enquanto tudo tá calmo. Que ideia é essa
de paz?? Bateu a cabeça com muita força, é? Ficou doida?? Os soldados que a gente tem
aqui são de carne e osso... e os bandidos também! O único chumbo que eles têm são os das
armas, e devem tá doidos pra usar.
(Larissa se levanta meio tonta. Vai andando com a ajuda de Bia. A escola já está quase vazia.
Ao saírem da escola e passarem por vários policiais armados pelas ruas estreitas da
comunidade, Larissa vê um policial que dá um sorri para ela, que retribui)
Bia (curiosa): Tá rindo de que, sua doida?
Larissa (sorrindo suavemente): De nada! De nada!
(As meninas vão saindo de cena. Começa a tocar a mesma música que tocou durante a
festa pela paz no sonho de Larissa. As luzes vão se apagando lentamente

3
4

Você também pode gostar