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Cidadão de bem (titulo provisório)

1 ATO

Cena 1

Larissa e Rebeca cantam:


Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão
Enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim
Queixo-me às rosas
Mas que bobagem as rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai
Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim
Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão
Enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim
Queixo-me às rosas
Mas que bobagem as rosas não falam...

Larissa – Mas nos falamos! Por nos! E pelas mulheres que estão sendo assassinadas
diariamente em nosso pais! E de alguma forma cada um de nos é cumplice desses
feminicidios que matam lentamente: (muda o tom) o crime começa com uma agressão
verbal, um puxão nos cabelos, uma pegada no braço... um empurrão, depois vem os
socos, chutes e outros tipos de agressões.

Rebeka – E somos cumplices quando presenciamos uma dessas agressões e dizemos que
em briga de marido e mulher não se mete a colher! O estado é duplamente cumplice por
não incluir no sistema de ensino, disciplinas educativas de igualdade de gênero e não

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promover politicas publica preventivas e de proteção e acolhimento as vitimas dessas
violências, que nunca é demais repetir: mata lentamente! Padres e pastores são
cumplices quando dizem que o que Deus uniu o homem não separa!
Larissa – A cada x minutos uma mulher esta sendo morta... nesse exato momento em
algum lugar tem uma mulher sendo assassinada e o assassino quase sempre é um ex-
marido, um ex companheiro, um ex-namorado, um pai, um irmão ou alguém de seu
vinculo familiar ou um psicopata? Ou psicótico/(as luzes vão caindo em resistência)

Cena 2

(as luzes se apagam totalmente, um foco de luz ilumina uma mão que surge segurando
uma faca. Ouve-se o som da cena do filme psicose. O foco se amplia e a mão põe-se a
cortar algumas beterrabas enquanto o texto é dito por uma voz em off). – É preciso fazer
um estudo usando método cientifico e fazer um diagnostico minucioso e expressa-lo
com palavras precisas para que a sociedade saiba as causas da barbaridade da qual ela é
cumplice! (a mão pega uma cebola e a corta pela metade, de forma a expor as diversas
camadas que a compõe) Dizem que nosso cérebro é composto de diversas camadas
como uma cebola. (a mão mostra a cebola cortada) As camadas internas são
denominadas inconsciente no qual estão registradas todas as experiências da
humanidade desde o antepassado mais primitivos e guarda em si comportamentos?
bárbaros dos tempos trevosos de nossos primeiros antepassados, inclusive, o
feminicidio.

Rebeka – Haja Luz!!! (as luzes se acendem) Antes que digam que estamos passando a
mão neste comportamento bárbaro do homem, convém esclarecer que o que foi dito
acima é fruto de uma pesquisa cientifica.

Voz em off – Mas não queremos aqui posar de missionários da verdade! Pois aquele
que se diz portador da verdade costuma enganar todo mundo! Ta ok!

A – Caso exista entre os espectadores alguém que tenha outra explicação, no final da
peça haverá uma roda de conversa e gostaríamos de saber em qual fonte pesquisou para
ter essa convicção! Pois creio que para combater o femicidio precisamos conhecer a sua
causa!

Rebeka – Falar do primeiro feminicidio é impossível, (pega um livro na estante) mas há


indicações de que ocorreu num tempo longínquo; no qual a humanidade ignorava a
participação masculina no processo reprodutivo e acreditava que a criança nascia graças
a um poder sobrenatural das mulheres, que além dar a vida a criança, produzia o leite
que a alimentava. Foi nesse contexto que ocorreu um feminicidio em massa no qual os
homens deram inicio ao patriarcado matando as matriarcas que até então lideravam os
cultos as Deusas da fertilidade e da agricultura. – Podemos deduzir que esse feminicidio
deu origem ao patriarcado capitalista, no qual até hoje o homem se impõe pela força e
transforma tudo em propriedade: a terra, a casa e a mulher.

****
Larissa – (amamentando) O homem é o proprietário, mais vocês já perceberam que é a
mulher que faz os serviços essenciais? O cuidado com os filhos, a limpeza da casa, a
comida.

2
Rebeka – E a por falar em comida, vocês sabiam que grande parte do trabalho na
agricultura familiar no Brasil é produzida pelas mulheres?

Larissa – Muito bem lembrado mulher! Hoje a mulher ocupa o mercado de trabalho e
ainda cuida da casa e ainda participa das lutas por um mundo mais Justo!

A – Mas a tarefa de lutar contra isso não é só das mulheres, mas sim de todos aqueles
que acreditam num mundo mais igualitário, no qual não existam guerras, nem famintos.

B – O instinto faz com que as abelhas estejam ai a milhões de anos fazendo a colmeia
da mesma maneira, da mesma forma a milhões de anos o cupim faz o cupinzeiro. E o
homem da mesma forma a milhões de anos caça e faz guerra (cenas de guerras, caça ao
javali e de operações policiais em favelas) Se a causa de tudo isso for o instinto, o
homem esta condenado a se matar até o ultimo homem.

C– Mas se for cultural a mudança esta em nossas mãos, pois como já dizia Confúcio “se
queres mudar o mundo comece essa mudança em si mesmo, depois na sua casa e na sua
vizinhança”! *****(cenas dos vídeos das festas e atividades que promovemos no beco e
de um mutirão no qual será pintado o beco, com imagens e frases a serem pensadas)

....

“um sonho que se sonha só, é apenas um sonho que se sonha só, um sonho que se sonha
juntos, é realidade!”

...

Há alguns anos, no interior de um presidio de segurança máxima, alguém teve uma


ideia, criar um grupo de teatro e um projeto social, como se tratava de uma boa ideia
logo encontrou adeptos, pois uma boa ideia não pode nascer e morrer em uma só pessoa
é como uma criança no útero materno, precisa se desenvolver e se tornar concreta, essa
“criança” que hoje se apresenta diante de voz, precisa de apoio para que cresça e
cumpra a função social para qual foi criado, apoiar a cultura, a educação e as ações
sociais das favelas.
...

D - Por algum motivo o universo conspirou para que fossemos escolhidos para trazer
para o palco esse tema.

Larissa – Quem sabe isso tenha acontecido para que eu voltasse a fazer parte do grupo?

...

– Quando eu comecei a ouvir falar de Carolina de Jesus eu... (criar junto com Larissa)

Cena 3

3
Rebeka – Quem sabe isso tenha acontecido para que eu começasse a fazer parte do
grupo?
– (com o skate) Para quem esta pensando que eu sou uma patricinha vou falar um pouco
de mim... (criar junto com rebeka)
... fala tu Larissa!

F – Quem sabe isso tenha acontecido por que existe pessoas que lutam pelo fim do
encarceramento em massa do povo preto e pobre e na reintegração desses ao convívio
social!

G – Não importa o motivo! O que importa é falarmos sobre feminicidio! Ha quem diga
que o homem não esta conseguindo se adaptar ao empoderamento da mulher, pois hoje
as mulheres ocupam funções importantes no mercado de trabalho e já são maioria nas
universidades e tem o direito de ir e vir quando, onde quiser e vestida do jeito que achar
melhor...

2 ATO

Cena 1

(Homem de meia idade, faz um discurso machista).

A – Comigo não tem essa não, onde já se viu a mulher sair pra onde quiser! E não tem
esse negocio de ficar de conversa com amigas... amiga de minha mulher é minhas
cuecas lavadas e comida pronta quando eu chego em casa! Se não a porrada canta... nela
e na filha dela! Essazinha só nasceu pra me fazer passar vergonha perante os amigos!
Disseram que eu dei uma fraquejada! (noutro tom) Prefiro filho homem... é muito mais
fácil de criar... quando levei eles no puteiro, nenhum deles me decepcionou! É como eu
falo, filho meu tem que ser macho e pegar geral a mulherada... quem tiver cabrita,
mantenha elas trancadas que os meus bodes tão solto! (muda o tom) Minha filha eu
mantenho na rédea curta, de casa pra escola e da escola pra casa e com os irmãos de
olho! Por que quando era a mãe que levava ela pra escola deixava ela ir conversando de
mãos dadas com uma amiga, e é ai que mora o perigo, essas meninas tão tudo virando
sapatão, lá na empresa tinha uma toda gostosa! Um mulherão da porra! Só gostava de
mulher por que nunca experimentou um homem de verdade! (pausa) Mas eu ensinei pra
ela (ri e passa a narrar um estrupo seguido de morte) e ninguém desconfiou de mim, a
final sou um cidadão de bem!!!

... Só gosta de mulher por que nunca experimentou um homem de verdade! (pausa)
Outro dia vi ela beijando outra mulher! E na frente de todo mundo! Onde esta essa
juventude que não toma uma providencia? Um cidadão de bem não é obrigado a ver
sessa pouca vergonha! O homem foi feito pra mulher e a mulher para o homem! Onde
já se viu isso? Tinha que pegar as duas levar prum matagal e meter a piroca! ... (pode
terminar em feminicidio)

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Cena 2

(Delegada no computador)

Delegada – O preso fulano foi encaminhado para essa delegacia no dia tal as x horas. Os
policiais que o acompanhavam relataram que no dia x, o prisioneiro executou sua
mulher com x tiros. Ato continuo sentou-se no sofá da casa e esperou a policia chegar.
– Familiares relatam que o preso era um homem muito ciumento e que a vitima vinha
sendo vitima de agressões há alguns anos, tendo feito x queixas na delegacia, que foram
encaminhadas ao juizado da família que determinou medidas protetivas que foram
retiradas pela vitima a conselho do pastor e de familiares. O preso relata que era um
cidadão de bem, que resolveu comprar uma arma para defender o seu patrimônio.

...

Médica – O paciente fulano de tal deu entrada a este manicômio no dia tal as x horas. A
autoridade policial que o acompanhava relatou comportamentos que indicava algum
distúrbio mental, que foi confirmado pela junta médica que o examinou e recomendou
sua imediata internação. (durante a fala da médica aparecera o homem dizendo frases
desconexas, vestindo um short velho, os gestos e as diversas entonações das falas
mostram uma mente em surto) Consta em seu prontuário um relatório que diz que no
dia x, o paciente executou sua ex-mulher com x tiros, após o qual matou sua filha de x
anos e seu filho de x anos. Ato continuo sentou-se no sofá da casa e esperou a policia
chegar.

...

Cena 3

A – No inicio do processo por algum motivo entendemos que o tema era violência
contra a mulher e iniciamos um plano de pesquisa que incluía fazermos rodas de
conversa com mulheres vitimas de agressão.

B – Quando ficamos sabendo que o tema era feminicidio surgiu um problema, como
fazer uma roda de conversa com alguém que já esta morto? Alguém sugeriu que
fossemos a um terreiro umbandista, mas quando chegamos lá a mãe de santo havia sido
obrigada a fechar o terreiro!

C – Alguém sugeriu que falássemos sobre isso, pois de certa forma é um feminicidio
contra uma religião matriarcal!

D – Mas continuamos com o problema de saber como realizar uma roda de conversa
com as vitimas!

E – Foi ai que nos lembramos de um livro chamado recordação da casa dos mortos e
outro chamado o cemitério dos mortos vivos e resolvemos realizar rodas de conversas
com as presas, afinal de certa maneira elas estão enterradas vivas!

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3 ATO

Cena 1

(cela de um presidio, conversas de detentas).

A – Todos os meus maridos me bateram! (criar uma narrativa beco sem saída de

sofrimento) ... Ai eu não paguei pra ver! Botei formicida na comida dele e ele morreu

como um rato! (pausa) Mas antes tivesse deixado ele me matar, pois ele morreu rápido e

eu estou morrendo lentamente, a cada dia...(desenvolver) Se eu soubesse que passaria

por tudo isso pegaria um facão e sairia pela cidade matando todos os ex que um dia me

oprimiram...

B – Foi por isso que a professora de historia, te colocou o apelido de Zacimba Gaba!

(contar a historia de Zacimba e trazer a discursão sobre onde e como a mulher vitima

pode obter ajuda) ?

C – (desaconselha a violência)

B – (questiona que o que chamam de violência é resistência e cita as heroínas que

lutaram contra a opressão)

C – (sugere que na sociedade moderna existe outras formas de lutar)

B – E vc fulana matou quem?

D – (mulher muito pobre humilde) Eu não matei não senhora! Fui presa por que estava

roubando no supermercado... Quando o segurança me pegou eu disse que tenho uma

filha e estava gravida de outra... ai ele me disse: – Problema seu, eu não posso fazer

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nada, também tenho um filho pra criar! Ai chegaram os outros seguranças que me

arrastaram lá pro quartinho e me deram tanta porrada que eu abortei ali mesmo!

....

Cena 2

(final provisório)

(penumbra, vislumbra-se vultos, ouve-se barulho das grades sendo sacudidas e gritos de

pedidos de assistência médica para uma detenta em trabalho de parto)

Morro lentamente asfixiada por esse sistema arcaico que quando renova regride no

tempo, desprovido totalmente do interesse de recuperar. Deus aqui nunca esteve ele

jamais concordaria com torturas e covardias. A vida passa simplesmente por passar e a

mulher sem perspectiva, navega como uma naufraga sem bussola a deriva nas aguas

frias do mar. Tudo aqui é horrível, nefasto sofrimento. Neste cativeiro de sombras, onde

vida é como uma bomba programada para explodir. O meu sol que era pouco tornou-se

nenhum! Castraram os meus direitos! Destruíram meus sonhos! Nessa horrível prisão

que mata lentamente.

FIM

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