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Léo
Bia
Marina
Cachorrinha
Brooke
Cabelo
Encrenca
Mãe de Bia
Músicos
MÃE: Não tinha dito para você não fazer aquele teatrinho? Não tinha, Bia?!
BIA: Eu não vou chorar, mãe! (Mãe pega Bia pela nuca)
MÃE: Vai sim, Bia! (A mãe bate em Bia e tenta fazê-la chorar, a menina quase cede,
mas não chora a cena permanece assim por um tempo, até o momento que a mãe
ameaça se enforcar)
BIA: Para, mãe! Para, mãe... (A mãe continua pedindo para que Bia chore e só para
quando, chorando, Bia corre até ela e a abraça. As duas saem, entra Marina)
MARINA: Eu sempre vou querer contar a história de Léo & Bia. Primeiro porque ela se
passa em uma época muito marcante. O início da década de 70, final dos anos hippies, o
auge da Ditadura Militar no Brasil. Segundo, porque é sempre emocionante contar uma
história real e terceiro porque essa história é da vida do Oswaldo Montenegro, mas eu
encontrar nela um pouco da minha também. Porque essa história fala de um grupo
teatral e ela começa quando eles tinham uns 16, 17 anos, lá em Brasília. (Ouve-se a
afobação de uma oficina teatral enquanto os personagens entram)
LÉO: Identificação! (Começa a contar e todos correm pelo palco, cada um a seu
modo. Léo diz “parou”, todos congelam) Cabelo. (Todos se abaixam, menos Cabelo
e Encrenca)
MARINA: E eu acho uma sacanagem como as caras mais interessantes, nunca gostam
da nossa espécie. (Risos. Léo volta a contar e todos a correr. Chega no sete, todos
congelam agachados)
LÉO: Cachorrinha.
BROOKE: Hiperativa e desengonçada, quer ser hippie. É com certeza, de nós 7, a mais
feliz!
LÉO: Encrenca.
CABELO: Esse só não salva o mundo, porque acredita que o mundo não merece ser
salvo! Tem gente que acha que ele só quer arrumar confusão... Mas ele é só um egoísta
ético.
MARINA: Um home sério tem poucas ideias. Um homem de ideias nunca é sério...
BROOKE: Isso mesmo, faz umas piadas ruins, mas pôw vale ri! (Risos. A contagem
volta)
LÉO: Brooke.
LÉO: Marina.
BIA: Muito justa, politizada, cuida da gente, pega em armas quando preciso e nos faz
acreditar loucamente na humanidade. (Contagem)
LÉO: Léo.
MARINA: Obcecado, sensível, rígido, pontual e corajoso. A gente aqui gosta muito de
teatro, mas o senhor, senhor Léo, gosta só de teatro. (Contagem)
ENCRENCA: Pa-rã-rã-pa-rã!
LÉO: E a nossa atriz número um!
ENCRENCA: “Brasília é uma prisão ao ar livre” – Clarice Lispector. (Os outros riem)
ENCRENCA: Marina... Uma cidade toda setorizada? “Se você quer um aspirina, vá ao
setor das farmácias. Se você quer um clube, vá ao setor dos clubes... Se você quer
democracia, você vai pra... você vai pra...” Olha, cidade sem história, sem mar, sem
montanha, sem esquina, com políticos e sem cultura.
ENCRENCA: Mas se a gente quiser viver de teatro, a gente tem que pro Rio ou pra São
Paulo. Outras duas bostas... (Violão) O Rio é que nem uma mulher linda, que cheirou
muito e ficou velha e decadente. São Paulo é quase Nova York, mas sem Central Park e
Wood Allen, outra bosta. (Risos)
ENCRENCA: Sim, fez, mas a gente podia ter se juntado em Paris, por exemplo... Não
é, Cabelo?
MARINA: Olha aqui, Cabelo! Você pode falar da França o que você quiser, mas eu sou
louca pelo Brasil!
MARINA: Não, senhor, você acha a França chique e eu acho o Brasil chique.
ENCRENCA: Chique? Um país que tem um estado chamado Piauí? Piauí tem cinco
letras, quatro são vogais...
CABELO: Olha só... Um país que mistura Edith Piaf com Jean Paul Sartre é o orgulho
do ser humano na terra!
MARINA: Um país que mistura xangô com Cristo, um país que mistura preto com
branco tá automaticamente salvo! (Todos aplaudem)
BROOKE: Eu acho a França maravilhosa porque tem a mente de Jean Paul Sartre...
(Marina bate o pé no chão) E o Brasil, Marina... O Brasil é maravilhoso porque tem a
bunda da mulher brasileira (Aponta pra bunda da Cachorrinha)
ENCRENCA: Que no caso aqui não tem nenhuma. (Vai até a bunda de Brooke) Isso
sim, é a bunda da mulher brasileira. (Todos riem)
MARINA: Eu amo sim o meu Brasil e já declarei várias vezes o meu amor por essa
Capital, mas eu tenho que concordar que, porra Léo, é uma sacanagem Lúcio Costa e
Niemeyer “resolverem a pobreza de Brasília” varrendo todos os pobres para as cidades
satélites.
MARINA: Eu não sei de quem é a culpa, eu sei que é uma merda varrer a sujeira pro
canto. Fica o plano piloto aqui, com a gente, os burguesinhos. Enquanto os pobres, os
fodidos, tão lá nas cidades satélites. O pessoal do Guará sabe como é que a gente vive.
Eles veem quando eles tão limpando a nossa casa, eles veem pela televisão, eles veem...
(Brooke interrompe)
MARINA: Ai que bom, Brooke, que eu to foda hoje, cara, eu to foda! (Ela pula no colo
dele, soltam a breve trilha de Marina com uma breve marcação) A gente é que não tem a
menor ideia de como é que vive o pessoal do Guará. Cabelo sim, Cabelo tem a
elegância de não ficar comentando da merda de vida que tá em torno dele. E ainda tem
paciência de ouvir os dramalhões dos burguesinhos aqui. E tem gente que ainda diz que
Brasília tem saúde social.
ENCRENCA: Marina, é como diz meu amigo Paul Valéry – “A elegância é a arte de
não se fazer notar aliada ao cuidado sutil de deixar se distinguir.” Olha a elegância, o
cara não fala nada. (Todos se viram de costas, se anulando da próxima cena, menos
Marina e Léo, que vão para o canto direito do palco e se sentam de costas coladas)
MARINA: Me ligando assim, no meio da madrugada, só podia ser você, né Léo? Teve
uma ideia ou tá querendo conversar, né?
LÉO: Exatamente. (Empolgado) Marina... A gente vai fazer corte de cinema na peça! A
gente vai cortar de uma cena pra outra no próprio palco, você tá entendendo?... Tá bom,
não falo mais nada, então daqui a 15 minutos no Beirut, beijo, tchau. (Eles trocam a
posição e se sentam no chão, com os braços apoiados numa caixa)
MARINA: Me conta, você me disse que tava com uma ideia maravilhosa.
LÉO: Ah, não, esquece isso, tá? (Marina dá um gargalhada) Pô, não ri, Marina.
MARINA: Cara, você me arrancou da cama duas e meia da manhã (Olha para a cara
dele)... Desculpa.
LÉO: O texto é a cena final de “Jesus Cristo, o rei do cangaço”... Na hora que o Sabino,
que é capanga do Lampião e portanto apóstolo de Jesus...
MARINA: Apóstolo de quem?
LÉO: Essa peça é uma analogia entre Cristo e Lampião. Vamos fazer uma trilha com
viola nordestina e guitarra elétrica.
LÉO: Marina, o tropicalismo acabou com isso! Marina, presta atenção, pega três
destaques da portela, Frank Sinatra, musica de horror, samba e rock n’ roll, isso é o
Brasil! O Brasil é a mistura, você come uma coisa e vomita outra. É a antropofagia de
Oswald de Andrade. Tupi or Not Tupi, that’s the question! (Marina ri)
LÉO: O Sabino, Marina, capanga do Lampião. “O nosso ódio de cada dia, perdoai as
nossas ofensas, assim como nós nunca perdoaremos a quem nos tenha ofendido. Agora
e na hora da nossa vingança. Amém.”
MARINA: Eu gosto muito da analogia entre Jesus e Lampião, mas eu acho que você tá
muito agressivo, Léo.
MARINA: Eu entendi, Léo. (O foco deles se apaga e o de Bia com sua mãe se
acende. O restante dos atores compõem um coro ao fundo)
MÃE: Dez?
MÃE: Como “acha”? (Vira o rosto de Bia, o coro copia o movimento e todos
cogelam)
CACHORRINHA: Bia, você não fica chateada se eu te falar uma coisa? (Somente Bia
sai da cena congelada e vai até Cachorrinha)
CACHORRINHA: É que às vezes eu acho sua mãe meio estranha... Eu acho que o amor
que ela tem por você é meio estranho.
BIA: É... Eu já chamei o amor da minha mãe por mim de vários nomes... (Coro e mãe
começam a cantar baixo “Bia, vai pra casa, filhinha. Sai da rua”) Obsessão,
maldade, perversão, sadismo, excesso de zelo. Mas acho que o nome certo... O nome
certo mesmo... é amor. (Mãe de Bia sai de cena, todos se viram novamente e vão se
organizando num novo dia de ensaio. Luz branca)
LÉO: Ok, o exercício agora é improviso de texto, o tema é o seguinte, observações rasas
sobre a Ditadura. (Uma música toca enquanto Léo posiciona a todos) Eu quero
improviso de corpo da Baiana. Três segundos para todo mundo pensar... (Black Out.
Lanterna de Léo se acende. DEDILHADO DO HINO NACIONAL) A ditadura é
uma senhora que tem certeza absoluta!
BIA: (Laterna) A ditadura acha que protege quem, na verdade, ela tortura!
ENCRENCA: (Laterna) Ditadura não tem a ver com sexo, tem a ver com estupro.
MARINA: (Laterna) Os seres selvagens não são ditadores, são selvagens, os seres
pacíficos não são ditadores, são felizes, a não ser quando encontram a ditadura.
CACHORRINHA: (Laterna) A ditadura usa joias, a ditadura usa roupas que pra ela
são uniformes.
CABELO: (Laterna) Quando chove, ao invés de sair de guarda chuva, a ditadura não
sai.
BIA: (Laterna) A ditadura teme ser abandonada, por quem ela protege e por quem ela
tortura, que na maioria das vezes é a mesma pessoa.
LÉO: (Laterna) A ditadura não é rainha, a realeza serve ao povo e a ditadura domina o
povo.
ENCRENCA: Não, é a humanidade que está a quatro doses de whisky abaixo. (Bêbado)
ENCRENCA: Não, não vou brindar a humanidade não, Léo. A humanidade foi um
descuido do criador! A humanidade é uma bosta! (entra Bia e sua mãe)
BROOKE: Tia, mas que prazer ter a senhora aqui com a gente.
BROOKE: Ah, que isso? Fica um pouquinho com a gente. Toma uma cerveja. (Um
breve silêncio)
MÃE: Pra mim, seria um prazer e eu só vou embora porque não quero incomodar, quero
deixar vocês à vontade. Que horas eu te pego, Bia?
MÃE: Imagina. Eu tenho o maior prazer em vir buscar a Bia. Que horas eu te pego, meu
amor?
MÃE: Até mais tarde então. Divirtam-se. (Todos se despedem e mãe de Bia sai de cena)
BIA: Gente, o que houve com o Encrenquinha? (Olha para Encrenca dormindo no chão)
LÉO: Pera aí, velho, o povo é vítima. (Léo vai até Encrenca) O povo é vítima, cara! Eu
não acredito que num momento desses que a gente tá vivendo tu fale uma merda dessas.
O povo é burro?... (Brooke interrompe e entra no meio)
BROOKE: Léo, Léo... Léo, que isso, cara? A gente não veio pra cá pra ficar falando de
política não, bicho. (Léo encara Brooke por um tempo)
LÉO: Brooke, olha só, cara... (Brooke engole seco) Você tem razão!
BROOKE: Tenho?
LÉO: Obrigado.
BROOKE: Beleza.
BROOKE: O meu lado brega é mandar flores, toda semana, pra Cachorrinha. (Dá um
beijo nela)
BIA: Eu não acho brega não, Brooke, eu acho lindo. Ai, o meu é me emocionar sempre
com filme que tem final feliz.
MARINA: Olha, o meu lado brega, é amar Roberto Carlos. (Todos EXAGERAM um
espanto)
CACHORRINHA: Marina pega essa tua frase e bota pra dentro da boca de novo!
BROOKE: Marina, pelo amor de Deus, guarda isso pra você! Não conta isso para as
pessoas. (Todos riem)
ENCRENCA: O médium do povo brasileiro. Ele ama a mãe, Lady Laura, como o povo
brasileiro. Ele toma café com a amada amante como o povo brasileiro. Ele ama Jesus...
(Os outros respondem juntos: Como o povo brasileiro. Encrenca ri) Ele é perneta (Os
outros: como o povo brasilei... Riem)
MARINA: Olha só, mais respeito porque o povo ama Roberto Carlos.
CACHORRINHA: O meu lado brega é chorar toda vez que eu escuto o Hino da
Bandeira. (Os outros riem)
BIA: Ah, não pera aí, pera aí. Você se emociona escutando (Canta debochado) “Salve o
lindo pendão da bandeira!” (Todos riem)
ENCRENCA: O povo é burro! (Cachorrinhá continua) Existem dois tipos de arte: A que
explora a beleza do ser humano e que se dá bem com a sua burrice! O povo é burro,
elegeu Hitler, crucificou Jesus, aplaude o presidente Médici quando ele vai ver jogo no
Maracanã! O povo é uma bosta! É feio, fede... É cafona, mas às vezes é lindo, me
comove. Mas aí ou é porque foi gol... Ou porque acenderam uma vela anônima depois
de um atropelamento. (FAIXA 4. Um breve silêncio. Todos de cabeça baixa)
LÉO: Bom, o exercício agora é o seguinte, cada um vai ter narrar ou representar a sua
primeira transa. E aí? Quem começa?
BROOKE: Claro que foi com você! Que brincadeira sem graça, Cachorrinha. É por isso
que o mundo tá assim, cheio de desamor, porque o amor de verdade que eu sinto por
você, essa brincadeirinha vem e pá, pega e desama o mundo, ó! (Ele faz um som com a
boca. Cachorrinha dá um beijo nele e se posiciona) Faz um barulho pra mim, cara, que é
o pai dela saindo de casa, tá? (Cachorrinha dança balé no lugar, Brooke a olha) Que que
isso? Que você tá fazendo, cara? Primeira transa, não tem balé na primeira transa. (Ela
pula nele e a encenação começa com o barulho feito por um dos atores. Os dois se
beijam) Onde é que ele foi?
BROOKE: O homem?
BROOKE: Eu amo.
BROOKE: Aí eu tenho.
CACHORRINHA: O quê?
BROOKE: Medo.
CACHORRINHA: Então, pronto, não vamos fazer nada. (Sai, mas ele a puxa)
BROOKE: Vamos fazer assim, olha, se ele voltar eu me mando pela janela. (Ela se
aproxima, depois afasta)
CACHORRINHA: A mulher não engravida. (Imita ele. Os outros riem. Segue um breve
silêncio)
BROOKE: Mas eu te amo tanto, Cachorrinha... (Ela sorri e quase cede, mas volta)
CABELO: Tá bom, mas quem vai fazer o cara? (As meninas levantam as mãos e dizem
“Eu!”)
LÉO: Eu faço. (Um breve silêncio) Onde eu fico? (Cabelo o posiciona e a cena começa,
com Léo em uma ponta e Cabelo em outra)
CABELO: Não sei se você quer o que eu quero, se você não quiser, não tem problema
nenhum, não precisa falar nada, só virar e ir embora que eu vou entender.
(DEDILHADO NO VIOLÃO, Cabelo vai até Léo e beija-o e se afasta. Todos
aplaudem e Marina abraça Cabelo. Ele se senta e ela fica)
MARINA: Tava na escada com um amigão meu chamado Marcos, aí o Marcos... (Léo
interrompe)
MARINA: Marcos é um amigão meu chamado Marcos com quem eu tava na escada e o
Marcos falou assim pra mim (Imitando Marcos) “Marina!” (Ela dá um giro) “Que que é,
Marcos? Fala” (Outro giro) “ Marina, você já transou com alguém, Marina?” (Outro
giro, todos acompanhados de uma palma dos outros) “Não, nunca transei com ninguém,
mas taí... Se eu tivesse alguém legal pra transar, eu transaria.” (Giro, palmas, imita
Marcos) “Pô, Marina, eu sou alguém legal” (Giro, palma) “Ah é?” (Giro, palma, voz de
Marcos) “Sou” (Giro, palma) “Jura?” (Giro, palma) “Juro” (Giro, palma) “ Então tá.”
(Vai levantando a saia, mas Léo interrompe)
LÉO: Vem cá e teu amigão Marcos, como é que tá? (Cruza os braços, inquieto)
MARINA: Tá ótimo. A gente se encontra uma vez por semana porque mais do que isso
eu canso, né? A gente é semi-namorado.
MARINA: Por quê? Eu não acho não. Eu fico com os meus amigos o tempo que eu
quiser, eu faço teatro o tempo que eu quiser (Sorri) e uma vez por semana, vem o
Marcos e me dá um trato. Ficou chocada, né filhinha? (Breve dedilhado de violão que
retrata o choque de Cachorrinha) Olha só, eu não tenho culpa se vocês não ficaram
emocionados com a minha primeira transa, ok? Foi simples e bacana.
ENCRENCA: Agora. Será que a Cachorra pode fazer a Downey, minha professora de
natação? (Cachorrinha se posiciona) Então, estava eu e Downey no vestiário masculino,
quando eu cheguei para a Downey e disse “Downey” (DEDILHADO NO VIOLÃO.
Cachorrinha começa a encenar uma sedução) “Não é casamento, é sexo, se casamento
fosse bom não teria testemunho nem juiz. Downey, segundo Paul Valéry – Amar é ser
estúpido juntos – Segundo Lily Tomlin – Se o amor é a resposta, você podia me repetir
a pergunta? – E segundo eu (Vai se aproximando e Cachorrinha vai jogando os braços
no ombro de Encrenca), Encrenca Pereira Brasileiro Candango da Silva – O amor é uma
coisa que acontece entre duas pessoas que não se conhecem bem (Cachorrinha está
pendurada nele, mas antes da próxima ação, Brooke interrompe)
BROOKE: Corta, velho! Que que é isso, Encrenca? Porra, bicho. Todo mundo faz a
cena até um ponto, você tem que extrapolar, né? (Cachorrinha abraça Brooke)
ENCRENCA: Que isso, chefe? (Para Léo) Tem dois chefinhos aqui agora, Brooke?
Pelo amor de Deus, to fazendo a cena aqui e de repente “Corta”, que palhaçada é essa?
Isso aqui é teatro, distanciamento, T-E-A-T-R-O. Você tem que se distanciar da cena,
eu to aqui me expondo no personagem... ´
MARINA: Eu não to falando de você. (Vai até Encrenca) Eu não acredito que você
conseguiu pegar uma mulher chamada Downey, Encrenca. (Todos riem. Léo olha para
Bia)
BIA: Eu. (FAIXA 5 SE INICIA. Léo fica em uma ponta e Bia em outra. Vão dando
passos em direção um do outro conforme os trechos da música. Depois que a música se
encerra, BLACK OUT)
MÃE: Você não tem nada para me contar. Bia? (UM FOCO SE ACENDE EM BIA)
BIA: Não. O que, por exemplo? (O restante dos atores se formam atrás de Bia)
MÃE: Eu vou te dar três exemplos – Seu peito cresceu, sua pele não tem nenhuma
espinha e eu não sou idiota. Três exemplos.
MÃE: Quarta coisa então, Bia. Além de eu não ser idiota você tá querendo me fazer de
idiota. Você está tomando pílula e se você está tomando pílula significa que você está
transando com o Léo.
MÃE: Então, você está me dizendo que não está transando com o Léo?
MÃE: Eu vou repetir, presta bem a atenção. Primeira coisa, seu peito aumentou,
(Alguém puxa o braço direito de Bia) segunda coisa, a sua pele tá boa (Puxam o
braço esquerdo), terceira, isso me faz concluir que você está tomando pílula (Perna
direita), quarta, você está transando com o Léo (Perna esquerda), quinta, você tá
negando Bia (Puxam a cintura), sexta, eu to cansada! (Puxam o pescoço, junto com a
mãe. BLACK OUT) Atrapalho? (LUZ BRANCA)
LÉO: Imagina. A gente ia começar a ensaiar agora. Se você quiser, pode assistir o
aquecimento.
BROOKE: Pode até aquecer com a gente, se quiser. (Sorrindo. Mãe de Bia se
surpreende)
BIA: Tá brincando não, né Brooke? Minha mãe foi uma grande atriz! Até trabalhou
com o Peter Brook. (Mãe de Bia fica vulnerável)
LÉO: Opa, pera aí, pera aí! Peter Brook? Você conhece o Peter Brook? (Fala para mãe
de Bia, surpreso)
MÃE: Conheço.
MÃE: Eu trabalhei dois anos mas isso já faz muito tempo, né Bia? Nossa, faz tanto
tempo que eu não faço teatro!
LÉO: Gente, é um dos maiores teóricos que eu conheço. (Brooke vai até a mãe de Bia)
MÃE: Posso?
MÃE: Ok. Vamos fazer um círculo então. (Eles fazem) Pode abrir um pouco mais o
círculo. É bem simples, esse exercício do Peter Brook parte do princípio que o ator é um
ser que observa. Todo ator tem que ser obcecado pela observação. Um de vocês vai
andar aqui em círculos. Vamos começar? (FAIXA 6) Ok! (O exercício termina e todos
aplaudem) O que você achou do exercício, Brooke?
CACHORRINHA: Brooke!
BROOKE: Desculpa, não falei por mal. (A mãe tenta desfarçar seu desconforto)
MÃE: Imagina, Cachorrinha. Eu perguntei a opinião dele... Ele deu... Tudo certo. Um
beijo (Sai de cena, séria)
CACHORRINHA: Tchau, tia. (Preocupada) Não acredito que você falou isso pra mãe
da Bia.
MARINA: Qual é, Cachorrinha? A gente não vai perder a naturalidade só porque a mãe
da Bia tá aqui. O menino foi honesto.
CACHORRINHA: Não, Marina, o menino não foi honesto. O menino tava querendo
fazer piadinha em cima dos outros. (Para Brooke) Olha, legal, hein, muito maneiro você
foi!
BROOKE: Não foi nada disso, Cachorrinha! Ela pediu minha opinião e eu dei, foi só
isso!
CACHORRINHA: Porra, Brooke, que bom que você deu a sua opinião, né? A única
oportunidade na vida que a gente teve de ter a mãe da Bia perto da gente e você vem
com essa sua linda opinião engraçadinha e estraga tudo! Uhuul! Parabéns para a sua
opinião maravilhosa! (Brooke interrompe)
BROOKE: Olha aqui, eu quero te falar duas coisas. Primeira coisa, eu te amo,
Cachorrinha, segunda coisa, eu não sou o Peter, mas eu sou o Brooke! Aaaaah (Brinca)
BROOKE: É!
BROOKE: Então, vai embora, Cachorrinha, vai! (Se vira para Bia) Desculpa, Bia. (Bia
só abaixa a cabeça)
MARINA: E o tempo, sem saber o que fazer (O restante dos atores formam uma fila
e acompanham as palavras com movimentos do braço), pensou, pensou e como não
teve nenhuma ideia, passou. (Todos, menos Cabelo e Cachorrinha vão para o canto do
palco, preocupados. Cabelo está na outra ponta e canta um música, muito triste. Então
Cachorrinha se aproxima dos outros ao fundo)
CACHORRINHA: Gente, consegui falar com o Cabelo. Ele não veio porque o diretor
da escola viu ele beijando um menino dentro do banheiro, os dois foram suspensos por
duas semanas. Tá todo mundo sabendo. Ele tá péssimo, Léo, o que eu falo pra ele?
LÉO: Fala que eu to indo lá pro Guará agora. (Cabelo canta mais dois trechos da
música, Léo chega e o interrompe) Vamos ensaiar, Cabelo. (Ele respira fundo, limpa o
rosto)
CABELO: Vai dar não, Léo... Vai dar não, a Cachorrinha te contou o que aconteceu,
né?
LÉO: Contou. Contou e eu vou falar um negócio pra você, velho, quando você tiver
muito triste, a gente vai fazer teatro. Quando você tiver muito feliz, a gente vai fazer
teatro... Agora, quando você tiver arrasado, bicho... A gente vai fazer teatro. Vamo
embora, Cabelo! (FAIXA 7. Quando Cabelo chega, todos o abraçam e deixam as
cadeiras no jeito para a próxima cena)
MÃE: Vamos a pergunta de sempre, Bia. O que é que você está lendo atualmente?
BIA: Maquiavel... Com muito esforço... E o texto da nossa peça com o maior prazer.
(Sorri. Mãe de Bia começa a empilhar cadeiras nas caixas, tampando Bia)
MÃE: Eu acho que você pode e deve fazer o que você quiser... Mas faça pra valer!
BIA: Como você, que era uma ótima atriz e largou tudo?
MÃE: Aquilo não vai dar em nada... Aquilo é um teatrinho sem diretor!
MÃE: Eu disse sem diretor? Desculpe. Sem direção. Acabou o teatrinho, Bia.
BIA: Não, não acabou não. (BLACK OUT. Bia derruba as cadeiras. UM FOCO SE
ACENDE EM UM CANTO DO PALCO) Léo, eu preciso te falar uma coisa, mas eu
to com muita dificuldade... É difícil, mas eu vou tentar.
BIA: Eu to com muito ciúmes da Marina. Eu to com ciúmes demais... Quando você foi
nos mostrar o texto, “Jesus Cristo, o Rei do Cangaço”, ela já conhecia.
LÉO: Ela já conhecia, eu mostrei pra ela no Beirut... (Enquanto isso, o restante dos
atores arrumam as cadeiras do cenário)
BIA: Às duas e meia da manhã. Você não acha que isso é motivo pra sentir ciúmes?
BIA: Porque eu queria ser a pessoa pra quem você mostra seus textos.
LÉO: Mas não é, Bia. Você é a pessoa por quem eu tenho paixão, pessoa de quem eu
tenho ciúme carnal, pessoa de quem eu quero a boca. E pra mim, não adianta querer
misturar esse negócio de “Vamos misturar paixão com amizade”... É claro que eu sou
teu amigo também, eu torço por você, mas a relação que me liga a você é carnal, é
sexual, é passional... É completamente diferente do que me liga a Marina, que é carinho,
confiança. É outra coisa... Agora, esse negócio de que as pessoas misturam as duas
coisas, pra mim, é invenção, sabe? Inventaram isso porque as pessoas precisavam
permanecer juntas pelo casamento inteiro. A sociedade precisava disso, mas eu não
acredito nisso. (Bia interrompe)
LÉO: Não, não é discurso. Isso é o que eu acredito. Agora, o importante, Bia, é que a
Marina é minha alma gêmea e é com ela que eu vou caminhar nesse mundo... Mas não
tem urgência, não tem paixão, não ter ardência.
BIA: É que eu não posso imaginar que às duas e meia da manhã, você tá mostrando
texto pra Marina.
LÉO: Não, eu não preciso jogar na tua cara. Você tocou no assunto, então segura a
onda, Bia. Porque a tua mãe diz que você não pode sair de madrugada e você aceita, só
que a minha angustia é de madrugada. (Brooke e Cachorrinha chegam, todos estão
posicionados em um exercício)
BROOKE: Gente, desculpa o atraso aí, pô, desculpa mesmo. (Os dois tentam se
encaixar na posição dos outros) Concentração, não perde não, não perde não.
CACHORRINHA: Ô, Léo... Se eu falar pra você que a gente tava chapad... (Se corrige)
Que a gente tava na Chapada dos Veadeiros, na cachoeira mais linda do mundo, você
perdoa a gente?
LÉO: Não. Não porque a gente não tava na cachoeira mais linda do mundo, a gente tava
aqui ralando esperando vocês.
LÉO: Olha, só, não precisa fazer nada não que eu to vendo na cara de vocês que isso é
mentira.
CACHORRINHA: É mentira.
BROOKE: É mentira.
LÉO: Não.
CACHORRINHA: Essa mesma. Ela tava hoje de manhã... Desculpa, é que eu gostava
tanto dela... Ela foi sair hoje de manhã pra comprar pão, aí na hora de atravessar a rua,
veio um caminhão bem grande, daqueles da Skania... E o caminhão (Faz um drama)...
Passou por cima dela! (Faz drama se agarra em Brooke, começa a chorar, se agaixa)...
Meu amor, tá doendo aqui dentro...
CACHORRINHA: É mentira.
CACHORRINHA: Olha só, nós não estamos perdoados, então a gente não vai ensaiar!
(Imitando ele. Dá um empurrãozinho) Presta atenção. (Brooke repete o ato de
Cachorrinha)
BROOKE: Sim!
BROOKE: Juntos!
CACHORRINHA: E a gente tava transando muito e tava incrível e não deu pra parar.
BROOKE: Sexo tântrico. (Os dois fazem uma e barulho com a boca esperando a
reação de Léo, que fica em silêncio por alguns minutos)
LÉO: Bom, aí vocês estão perdoados, de verdade! (Rindo. Os dois comemoram). Ok,
vamos trabalhar agora? Vem todo mundo pra cá. (Todos vão) É o seguinte, hoje eu
separei um exercício de improvisação da Viola Spolin maneiríssimo. É assim, cada um
vai ter que buscar com o corpo movimentos que definam como é que você tá nesse
momento da sua vida, e pra isso vocês vão ter que buscar analogias, entenderam?
BROOKE: Não.
LÉO: Beleza. Então, olha só, eu vou começar depois vocês vão improvisando. Faz uma
roda aqui. (Todos fazem, ele orienta todos para um lado) Vamo virar e todo mundo
andando. (FAIXA 8. Todos fazem seus movimentos variados, que vão se alternando até
chegar a vez de Bia, que pega uma corda e simula um enforcamento, todos assistem a
encenação normalmente no começo depois estranham. A MÚSICA VAI SE
ABAIXANDO)
MARINA: Para! (Séria. Léo faz um movimento com a mão como que para ver até onde
Bia vai, ea começa a tossir)
LÉO: Corta. (Bia continua) Corta! Para, Bia! (Vai até ela, tira a corda e a abraça)
Acabou o ensaio, gente! (Todos saem. Chega a mãe de Bia)
MÃE: Foi bom o ensaio, Bia? (Léo, ainda abraçado com Bia, tem uma postura
protetora)
MÃE: E eu sou apaixonada por um filme que vai passar agora na TV. Vem comigo,
Bia?
MÃE: Nós vamos ver um filme agora. (Bia vai com a mãe, Léo se mantém na mesma
posição enquanto as duas vão saindo de cena) Boa noite. (Já na cena seguinte, Bia se
senta ao centro e os atores, montam as cadeiras em volta dela. Cachorrinha e
Encrenca conversam na frente do palco)
CACHORRINHA: Ham?? (Confusa, sai de cena, deixando apenas Bia no meio das
cadeiras e Marina de fora tirando algumas aos poucos)
MARINA: Bia, se a sua mãe é louca, de verdade, assume isso e se manda. Mas se ela
não é, para de se fazer de vítima.
BIA: Minha mãe teve uma história de vida completamente louca, ela era uma ótima
atriz que largou tudo, se separou do meu pai, ficou sozinha... Então isso me faz não só a
melhor companhia pra ela, mas a única que ela tem. Eu me sinto responsável por ela.
MARINA: Mas você não é. (Bia segura a cadeira que ela ia tirar) Solta, Bia. Cada um é
responsável pela sua vida. Eu acredito no amor que você tem pela sua mãe, Bia, só que
você não pode carregar no seu ombro o peso da sua mãe ter jogado a vida dela fora. É
isso que faz de você a tal da vítima... E é isso que tá enlouquecendo o Léo. Você sabe
que ele tem vocação pra herói.
MARINA: Crueldade é o que você faz com ele, Bia, porque você fica pro Léo como
uma pessoa que precisa ser salva, mas que não tenta ser salva. Você realmente não
percebe que ele fica nesse esforço, nessa angustia, que isso tá realmente enlouquecendo
a cabeça dele? Se você acha que você tem alguma responsabilidade pela sua mãe, eu
vou repetir, Bia: Eu acho que você não tem. Assume isso e se manda, sem enlouquecer
o Léo. Você tá fazendo muito mal a ele. Você parece uma Rapunzel presa, dentro de
uma torre, gritando por socorro, mas você esquece de jogar a trança. Eu cansei, Bia.
MARINA: Você quer mesmo saber ou você já sabe e quer que eu responda só pra
confirmar? (Os outros voltam em cena, as duas se misturam)
LÉO: Quem quer representar a maior dor da sua vida? Quem quer começar?
CABELO: Eu faço. (Todos fazem uma roda em volta de Cabelo e ele começa.
DEDILHADO NO VIOLÃO) Mãe, eu me apaixonei... (Cachorrinha começa
interpretando a mãe de Cabelo, sorrindo e se aproximando) Por um homem.
(Cachorrinha, na personagem, para no meio do caminho triste e volta para trás. Uma
flauta marca o momento, a roda gira, é a vez de Bia) Mãe, eu me apaixonei... Por um
homem (Bia faz a mesma interpretação, Cabelo começa a se comover, é a vez de
Marina) Mãe, eu me apaixonei... Por um homem (Marina, na personagem, dá um tapa
em Cabelo e sai chorando, a vez é de Léo, Cabelo está muito comovido) Mãe, eu me
apaixonei... (Muito comovido) Posso para, Léo?
LÉO: Pode, velho. (Abraça Cabelo) Descansa lá. (Marina o abraça, é a vez de Bia
encenar sua dor, AS LUZES FICAM VERMELHAS ela pega um banco e cocola em
sua frente, senta e começa se alternar em si mesma e sua mãe) Mãe... (Ela mesma,
depois se levanta para fazer a mãe) Eu pensei que você me contasse tudo, Bia... Mas eu
te conto tudo! Eu só não podia te contar antes de acontecer... Eu não tenho homem, eu
não tenho família, eu não tenho amigos, eu não tenho mãe, eu só tenho você... Mas eu
acho que você devia ter isso tudo... Mas eu não quero, o seu amor me basta... Isso é
uma loucura... Você só vai namorar na hora certa e, principalmente, a pessoa certa...
Mas a pessoa certa não é aquela que eu amo?... Você não sabe o que é amar, Bia... Eu
amo o Léo... Nunca mais repita isso!... Calma, Mãe... Nunca mais... Meu Deus, eu só
queria ter uma vida normal... O que é normal pra você, Bia?! Essa vida medíocre que
todo mundo leva? Eu vou te contar uma coisa, 90% das pessoas fazem parte de uma
maioria bovina que tem uma vida triste. Na infância,sonham com a adolescência,
depois com a faculdade, depois com o casamento, depois com os filhos e depois se
convencem que bom mesmo foi a faculdade, mas ótimo mesmo foi a adolescência. Ou
seja, estão sempre um passo atrás da felicidade, os outros 10% cultivam a tal vida
normal pra que a maioria se conforme. Não há vaga para todo mundo, Bia. O que é
lindo, o que é visceral e sofisticado é pra pouquíssimos. É uma espécie de aristocracia
da felicidade, mas você (Pega num pescoço imaginário), você quer ser normal,
né?...(Encena Bia com as mãos da mãe no pescoço) O que é ser normal pra você,
Bia?(Solta o pescoço)Pra você, ser normal é namorar um dos 5 milhões de
adolescentes que pensam que são artistas, nós somos mais do que isso! (Bate no peito)
Nós somos e temos acesso ao que realmente é lindo, sofisticado, estilo, arte e
refinamento... Mãe, é que eu to crescendo... Não! Não tá não! Você tá ganhando idade,
crescer é outra coisa!... Você não pode me prender a vida toda... Não sou eu, Bia!
Somos nós! (FAIXA 9 começa e vai até o fim. Bia se senta triste, Léo se levanta e vai
abraçá-la, eles saem de cena)
MARINA: Bora continuar o ensaio! (Os outros se mobilizam para o próxima cena.
Brooke faz cara de saco cheio)
BROOKE: Eu to morto.
BROOKE: Eu canso.
BROOKE: Olha aqui, Marina, eu sou fã do Léo, fã FÃ do Léo. (Faz uma ênfase em
gesto) Agora, tem um mundo lá fora, a gente não é artista 24 horas por dia!
BIA: O João Antônio é naquela salinha ali. (Todos, menos o ator de Brooke, vão para
o outro lado do palco onde está a atriz de Cachorra)
LÉO: Boa tarde, a gente é de um grupo de teatro, nós estamos com um projeto pra
mostrar pro João Antônio pra ver se ele descola uns dias pra gente na Sala Martins
Pena.
CACHORRINHA: Hmm, agora ele não pode atender não, tenta falar com o Chico.
(Todos, menos a atriz de Marina, rapidamente vão até o ator de Brooke)
CACHORRINHA: É sobre o projeto da nossa peça que a gente tá... (Ele interrompe)
MARINA: Sou! Mas infelizmente, não posso ajudar. Faz o seguinte, pega o projetinho
de vocês e entrega pro Gute.
MARINA: Capaz! Não, é a Ivete. (Todos vão até Encrenca. A atriz de Bia se prepara
atrás do grupo)
ENCRENCA: Olha só como você pode ver, meu nome não é Ivete, meu nome é Selton,
aliás é um prazer ter vocês aqui e quem pode ajudar a resolver o teu probleminha é o
Melo. (Todos se viram para a plateia)
TODOS: Que Melo, porra? (Todos se agacham e Bia entra na próxima personagem)
CABELO: Não! Eu sou a assistente dele, mas você pode falar com a secretaria dele que
é aquela mocinha ali! (Todos se viram para a Cachorrinha)
LÉO: Oi, boa tarde, a gente é de um grupo de teatro, nós estamos com um projeto aqui...
(Ela interrompe)
MARINA: Vem cá, minha filha, você não vai nem olhar o projeto?!
LÉO: A Bia tá mal de novo, cara... Mas pior do que a mãe dela faz e a Bia não reagir!
(Brooke se levanta)
BROOKE: Eu acho que você tem que falar disso com a Marina, cara. E comigo você
vai tomar uma cerveja. (Volta a se sentar congelado na última emoção. Marina se
levanta)
MARINA: Tá precisando conversar. Mas acho que dessa vez eu não sou a pessoa ideal.
LÉO: Como assim? Você é sempre a pessoa certa!
CABELO: Amor é isso que você tem com a Marina, bicho. Confiança, afinidade,
admiração.
LÉO: E então?
CABELO: Então que você ser louco pela Bia não invalida o que eu falei. Mas tudo
bem, posso tá enganado, né?
LÉO: Às vezes eu penso na Marina, só que eu não sei se ela é tão minha amiga que me
confunde... (Cabelo interrompe)
LÉO: Não, eu não to tonto, Cabelo. Eu fico tonto às vezes. Agora se tu contar pra
alguém que eu fico tonto às vezes pela Marina, velho... Eu te mato, Cabelo.
CABELO: E daí que todo gay aprende cedo a guardar segredo. (Cabelo se senta
congelado na última emoção)
LÉO: A senhora queria falar comigo? (Léo se mantém de costas por um tempo)
MÃE: Pode me chamar de você. (Léo se vira) Eu te chamei aqui porque a gente precisa
ser muito sincero um com o outro.
LÉO: Seja.
MÃE: Antes de mais nada, eu queria dizer que não tenho nada contra você.
LÉO: Você acabou de dizer que não tinha nada contra mim.
MÃE: Deixando de fazer mil coisas que a deixariam muito mais preparada na vida.
LÉO: Não, você me chamou até aqui pra me dizer o que você acha.
LÉO: Sei.
MÃE: Você ainda não disse o que você acha do que eu falei.
LÉO: Você ainda não me disse se quer mesmo saber o que eu acho.
MÃE: Olha, eu acho que essa nossa conversa não vai dar certo. Obrigada (Se vira para
ir)
MÃE: Complete. (Breve silêncio. Léo sente que é o momento de dizer o que pensa)
LÉO: Eu acho que você vive numa solidão pavorosa (Vai se aproximando, olhando
nos olhos dela), que cortou os laços com o mundo, que vive frustrada, que vive em
função da Bia, que ta asfixiando a Bia. Eu acho que você tem ciúme de eu tocar no
corpo dela, eu acho que esse teu ciúme beira a perversão. Eu acho que ela se sente
responsável por você porque desconfia que você seja desequilibrada.
MÃE: Chega!
LÉO: E você que pode determinar até que horas o papo acaba.
MÃE: Essa é a única parte que você tem razão porque essa conversa termina agora.
LÉO: Não terminou não porque falta uma frase. Às vezes, quando eu não sinto raiva, eu
sinto pena de você.
MARINA: Ali a gente já tinha uns 18 anos (Pega a as garrafas do chão) era o auge da
Ditadura no Brasil. Apesar de nós não sermos especialmente politizados, éramos,
obviamente, contra a repressão.passamos por medos e sufocos como todo mundo da
nossa idade. Naquela época era uma verdadeira caça às bruxas porque qualquer
conversa na esquina poderia ser considerada conspiração. Tinha uma coisa que era meio
ridícula e meio tenebrosa, a gente tinha que fazer uma apresentação da nossa peça
inteira (Todos vão arrumando o cenário ao fundo) pra censura, antes da estreia. Aí
tinha um censor que julgava o que tinha ou não que ser apresentado ali. A gente tinha
ensaiado meses a peça “Jesus Cristo, O Rei do Cangaço”. No dia da apresentação pra
censura, na cena final da qual eu não participava, eu tava na mesa de luz, eu fiquei
espiando e eu senti pela cara do censor que ia dar zebra. (FAIXA 11 começa e vai até o
fim)
BIA: “Nosso ódio de cada dia nos dai hoje... Perdoai as nossas ofensas assim como
nunca perdoaremos a quem nos tenha ofendido... Agora e na hora da nossa vingança.
Amém. (Todos encenam até a música acabar)”
ENCRENCA: E então?
CENSOR: Obviamente não vamos aprovar uma linha do que vocês apresentaram.
CENSOR: Subversão não em idade, minha filha. Aliás, senhor Leonardo, a sua intenção
foi fazer uma gozação com Cristo?
LÉO: Claro que não. Essa peça é só uma analogia entre Cristo e Lampião.
LÉO: Ué, talvez fosse se vivesse nas condições em que Lampião viveu.
CABELO: Que isso? Ninguém quer destruir nada, nós só somos artistas!
LÉO: Olha só, vamos fazer o seguinte, você não ensina pra gente o que é arte e a gente
não te ensina a censurar, tá certo?!
CENSOR: É isso, a peça não passou, pronto. E o senhor... Tome muito cuidado, seu
Leonardo. Boa noite a todos. (Sai de cena. Flauta)
ENCRENCA: E agora? O que a gente faz? (Léo está pensativo. Entra um breve
silêncio)
LÉO: A gente vai fazer outra. A gente vai fazer outra! Vai se chamar “Contraste”, é o
seguinte... (Bia interrompe)
BIA: É, eu sei, eu tava esperando o ensaio pra censura pra avisar, mas... Eu vou
continuar ajudando vocês em tudo, tudo, gente! E agora que o Léo vai montar outra
peça, não tem problema sair, vai. (Todos demonstram descontentamento)
MARINA: Não é, não. O nome disso é “minha mãe teve outra crise”, não é, Bia?
BIA: É sim.
MARINA: Só que você vai fazer essa peça! Sabe por que, Bia? Porque nós somos um
grupo e você faz parte dele, aliás, você é a melhor atriz que tem aqui, Bia. Você sabe
onde é que você ta pisando toda vez que você entra aqui, Bia?! Você tá pisando em
cima do nosso sonho! Você vai fazer essa peça!
BIA: Você acha que não dói, Marina? Dói pra caralho, mas eu não vou fazer.
BIA: Vamo ensaiar! (Todos congelam, menos Léo e Bia) Eu to co ciúmes da Marina
de novo!
BIA: Eu sei... Mas eu to com ciúmes si de pensar que você tá cansado da minha falta de
iniciativa... E é atraído pela força dela. (Silêncio)
BIA: Nada, Léo. (Léo olha para Cabelo congelado e corre irado em sua direção) Filho
da Puta! (Brooke e Encrenca o seguram com força, os outros gritam Léo sem entender)
LÉO: Quer dizer então que você sabe guardar segredo, cara?!
CABELO: Vai falar com a Bia, cara. (Todos congelam suas reações ao momento)
MARINA: Aquele dia a coisa ficou preta, mas a gente conseguia, não sei como, manter
o bom humor. É engraçado porque sempre que eu lembro da gente... Eu me lembro da
gente rindo. (Todos descongelam mas já estão novamente descontraídos)
MARINA: Pra piorar, a gente tava muito mal no colégio. (Todos descongelam,
simulando um choro. Marina vai buscar os acessórios)
ENCRENCA: Tamo fudido, galera. Amanhã é prova de genética e a única coisa que se
pode aprender (Todos vão indo para frente com Encrenca) em genética é que a
galinha é o único meio que o ovo arranjou pra produzir outro ovo. Ou seja, não temos a
menor chance. (Professora chega, eles puxam sacam, fzem um coro de “charmosa”,
ela diz “reprovados”, todos exageram um “não” e correm atrás delas. Exceto
Cachorra)
CACHORRINHA: Acabou.
ENCRENCA: E o Brooke?
ENCRENCA: Em quê?
CACHORRINHA: Você tem razão, Encrenca... Eu vou morrer se eu tirar esse filho.
CACHORRINHA: Marina...
MARINA: Então, tira. Mas você tem que contar pro Brooke.
MARINA: Cachorrinha, o Brooke tem que saber. (Brooke chega e dá um pulo com asas
de anjo)
BROOKE: Quem é que chegou cedo pra puxar o saco do Léo?! (Brincalhão, os outros
chegam)
CACHORRINHA: Eu não vou sair com você. Marina, ele vai querer saber se a gente
tira o filho ou não. Eu não tenho maturidade pra ter essa conversa.
CACHORRINHA: ...Eu sou burra, eu sou infantil. (Ela foge dele) Eu não quero
conversar. (Brooke a segura) Eu não quero conversar com você, eu não vou conversar
com você! (Brooke sorri)
MÃE: Você foi reprovada no colégio. É isso? (Bia chora) Mas não tem problema
nenhum ter sido reprovada no colégio... O problema é o porquê. O problema é o porquê!
Eu já te contei, Bia, como você era bonita quando era pequena? Linda, doce e suave.
Era uma princesinha. Tua pele era de seda, lembra? (Coloca a tesoura no pescoço de Bia
de minuto em minuto) Teus cabelos eram lindos.
MÃE: Eu sempre te vesti com as melhores roupas.Tudo pra você não ser medíocre.
Tudo pra você não ser medíocre! Mas parece que você não entendeu, né Bia? (Pega o
rosto de Bia) Eu vou te ajudar a entender, sabe por quê? Porque eu te amo. (Ela se
afasta, Bia fica no mesmo lugar) Agora, você fica aí até você entender quem você é!
BIA: Quando a minha mãe tentou suicídio, eu achei que o mundo ia parar... Eu achei
que ninguém ia sair nas ruas trabalhar ou brincar, mas não, o mundo continuava igual,
ninguém tava nem aí pra minha dor. Muito estranho eu estar falando isso tudo logo pra
você né?
MARINA: Claro que não, Bia. (Elas dão as mãos) Vem cá. (Puxa Bia, que deita em seu
colo. Entram Encrenca, Brooke, Cabelo e Cachorrinha tentando animar Bia)
ENCRENCA: Ri, beiçuda! Bia... Mãe só tem uma... Graças a Deus, porque se tivesse
duas ia ser insuportável, imagina botar dois casacos, comer duas merendas, tomar dois
remédios...
ENCRENCA: PÁÁ! (Simula um tiro e Brooke cai “morto”) Também segundo ele, herói
é o índio (Brooke imita) que entra no filme já sabendo que vai morrer (Simula um arco
e flecha e acerta Brooke que novamente cai. Marina e os outros riem. Bia se anima um
pouco)
BIA: Eu amo tanto vocês. (Todos a abraçam, Léo e Bia saem e todos que ficam
cantam Para Longe do Paranoá)
CACHORRINHA: Não importa. A Bia tá péssima e a gente não vai ficar fazendo piada
sobre isso.
MARINA: Acho tão ridículo essa coisa da pessoa tentar se matar, sabia? Quer se matar?
Se mata, não fica tentando não. (Brooke faz um gesto concordando) A única vez que a
Bia conseguiu tomar uma decisão, quando a gente tá indo pro Rio de Janeiro ganhar a
vida? Chantagem barata dessa mulher.
CACHORRINHA: Você tem toda razão, Marina... Mas assim, a gente não pode ir mais
pro Rio agora com a Bia nesse situação.
ENCRENCA: Como é que é? Agora, além da Bia ficar cuidado da louca (Ele imita)...
CACHORRINHA: Para!
CACHORRINHA: Porra, Marina, vou colocar meu filho dentro de um apartamento com
um bando de maluco, tudo sem grana, correndo atrás de um lunático.
CACHORRINHA: Cara, se eu for eu vou ter que peitar, eu não tenho um centavo, os
meus pais estão putos, eles não vão me dar grana, Brooke.
CACHORRINHA: Cara, se a gente não ganhar grana com teatro, como é que o nosso
filho come?
CACHORRINHA: Não posso te garantir não. (Senta num canto) Brooke, você tem que
entender... Os meus pais tem razão... (FAIXA 15. Todos encaram Cachorrinha com
humor por um tempo, a música diminui)
MARINA: Eu sei. Mas eu também sei que você não vai dormir se não falar com ela.
Vai logo, Léo. (FAIXA 16 toca um tempo e depois diminui)
LÉO: Você sabe que eu te amo, né? (Vira para Bia, Marina sai) Eu não acredito que
você vai fazer isso com a gente. (Bia chora) A gente ta indo pro Rio tentar carreira, não
faz sentido você não ir.
BIA: Eu não posso, tenho que ficar, preciso cuidar da minha mãe, eu tenho medo que
ela faça outra besteira.
LÉO: Você não vê que essa tentativa de suicídio dela foi chantagem emocional?
BIA: Eu sei.
LÉO: Funcionou.
LÉO: Bia, não tem cena que eu tenha mais pânico no mundo do que te encontrar daqui
15 anos e você me dizer que deveria ter vindo.
BIA: A gente não vai se encontrar daqui a 15 anos... Não te encontrar daqui a 15 anos é
a coisa que eu mais tenho pânico na vida, então vai acontecer o que eu tenho medo e
não o que você tem medo. Daqui a 15 anos você vai pensar... A Bia fez uma besteira,
mas eu tentei tudo o que eu podia.
MARINA: Quando a gente viu Brasília lá embaixo, eu comecei a achar que era mais do
que tudo aquela possibilidade de voo... (DEDILHADO DE “COISAS DE
BRASÍLIA”) Eu sentia a dor que o Léo tava sentindo, mas era inevitável achar tudo
pequeno, era céu demais, demais... Eu amava o Léo, ele sabia disso, a Bia, todo mundo
sabia... Mas eu também amava a possibilidade do novo! O Rio nos assustava, a gente
tinha um medo tão grande, mas até ter medo era novo. E aí eu decidi que eu seria
diretora e protagonista da peça da minha vida e que nós faríamos esse roteiro. Começou
a nossa trama, ela não é boa, nem ruim, é a nossa trama! Daí por diante, nós
conduziríamos o barco! Pra mim, o caminho era mais lindo que o barco e muito mais
bonito do qualquer lugar pra onde eu pudesse ir! Valeu, Brasília! (FAIXA 17. Bia
começa sozinha no palco, depois todos se despedem dela e música acaba. FIM)