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SÃO PAULO, OUTUBRO DE 2021

Agradecimentos

Agradecemos aos monitores de todas as turmas da PAV.


Além dos professores que são grandes colaboradores desta jornada.
Juntos somos mais fortes.

Gratidão Família PAV!

Segue o Fluxo!

PAV É PAV!
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Sumário
FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR ...................................................................... 9
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................... 9
2. ANATOMIA E HISTOLOGIA CARDÍACAS ................................................ 11
3. ELETROFISIOLOGIA ................................................................................ 12
4. CICLO CARDÍACO ................................................................................... 15
5. MECANISMOS DE REGULAÇÃO ............................................................. 16
6. PRESSÃO ARTERIAL ............................................................................... 17
7. DINÂMICA CAPILAR............................................................................... 17
8. REFERÊNCIAS......................................................................................... 18
MEDICAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA ..................................................................... 19
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 19
2. TRANQUILIZANTES ................................................................................ 20
3. SEDATIVOS ............................................................................................ 21
4. OPIOIDES ............................................................................................... 23
5. BENZODIAZEPÍNICOS ............................................................................ 26
6. ANTICOLINÉRGICOS .............................................................................. 27
7. REFERÊNCIAS......................................................................................... 28
CHOQUE ...................................................................................................... 30
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 30
2. CHOQUE HIPOVOLÊMICO ..................................................................... 31
3. CHOQUE SÉPTICO ................................................................................. 34
4. REFERÊNCIAS......................................................................................... 38
APARELHOS E CIRCUITOS ANESTÉSICOS ....................................................... 39
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 39
2. INSTRUMENTOS PARA MANEJO DE VIAS AÉREAS ................................ 39
3. CIRCUITOS ANESTÉSICOS ...................................................................... 41
4. REFERÊNCIAS......................................................................................... 45
MONITORAMENTO DA PRESSÃO ARTERIAL.................................................. 46
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 46
2. PRESSÃO ARTERIAL INVASIVA (PAI) ...................................................... 47
3. PRESSÃO ARTERIAL NÃO INVASIVA (PANI) ........................................... 48

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA DISSOCIATIVA ............................................................................ 51


1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 51
2. MECANISMOS DE AÇÃO E EFEITOS CLÍNICOS ....................................... 51
3. FÁRMACOS DISSOCIATIVOS .................................................................. 52
4. INDICAÇÕES DE USO ............................................................................. 53
5. ASSOCIAÇÕES COMUNS ........................................................................ 54
6. REFERÊNCIAS......................................................................................... 55
ANESTÉSICOS INTRAVENOSOS ..................................................................... 56
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 56
2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS .............................................................. 56
3. ANESTÉSICOS INTRAVENOSOS .............................................................. 58
4. REFERÊNCIAS......................................................................................... 62
DOR ............................................................................................................ 63
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 63
2. FISIOLOGIA DA DOR .............................................................................. 64
3. DOR AGUDA .......................................................................................... 67
4. DOR CRÔNICA ....................................................................................... 73
5. TRATAMENTOS ALTERNATIVOS PARA A DOR....................................... 77
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 82
7. REFERÊNCIAS......................................................................................... 83
ANTI-INFLAMATÓRIOS................................................................................. 85
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 85
2. MECANISMO DE AÇÃO.......................................................................... 85
3. FARMACOCINÉTICA............................................................................... 86
4. CONTRAINDICAÇÕES E EFEITOS ADVERSOS ......................................... 87
5. REFERÊNCIAS......................................................................................... 88
ANESTÉSICOS LOCAIS................................................................................... 89
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 89
2. MECANISMO DE AÇÃO.......................................................................... 89
3. PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS ........................................................ 90
4. ADMINISTRAÇÃO SISTÊMICA E TOXICIDADE ........................................ 91
5. FARMACOCINÉTICA............................................................................... 93
6. REFERÊNCIAS......................................................................................... 93

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ELETROFISIOLOGIA E TRATAMENTO DAS PRINCIPAIS ARRITMIAS ................. 95


1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 95
2. QUANDO TRATAR UMA ARRITMIA? ..................................................... 96
3. PRINCIPAIS ARRITMIAS ......................................................................... 97
4. PRINCIPAIS INTERVENÇÕES ANTIARRÍTMICAS ................................... 105
5. REFERÊNCIAS....................................................................................... 106
GLOBAL FAST ............................................................................................. 107
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 107
2. A-FAST ................................................................................................. 109
3. T-FAST ................................................................................................. 110
4. PROTOCOLO BLUE ............................................................................... 114
5. REFERÊNCIAS....................................................................................... 116
REANIMAÇÃO CÉREBRO-CARDIO-PULMONAR............................................ 117
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 117
2. PREPARO E PREVENÇÃO ..................................................................... 117
3. RECONHECIMENTO DA PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA ................. 118
4. SUPORTE BÁSICO À VIDA .................................................................... 120
5. SUPORTE AVANÇADO ......................................................................... 121
6. MONITORAmento ............................................................................... 122
7. CUIDADOS APÓS A REANIMAÇÃO ...................................................... 123
8. REFERÊNCIAS....................................................................................... 126
ANESTESIA PERIDURAL .............................................................................. 127
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 127
2. ANATOMIA APLICADA ......................................................................... 127
3. MECANISMO DE AÇÃO........................................................................ 128
4. INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES ................................................... 129
5. TÉCNICA .............................................................................................. 130
6. CONFIRMAÇÃO DA POSIÇÃO DA AGULHA.......................................... 131
7. EFEITOS ADVERSOS E COMPLICAÇÕES ............................................... 132
8. ANALGÉSICOS E ADJUVANTES ............................................................ 132
9. REFERÊNCIAS....................................................................................... 133
ANESTESIA EM CARDIOPATAS.................................................................... 134
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS NA ANESTESIA DO CARDIOPATA ............... 134

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

2. PRINCIPAIS CARDIOPATIAS EM CÃES E GATOS ................................... 134


3. ECOCARDIOGRAMA NA ANESTESIA E INTESIVISMO........................... 138
4. REFERÊNCIAS....................................................................................... 140
ANESTESIA INALATÓRIA ............................................................................ 141
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 141
2. CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS .................................................. 142
3. FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA ....................................... 143
4. PLANOS ANESTÉSICOS ........................................................................ 145
5. REFERÊNCIAS....................................................................................... 146
ANESTESIA DO PACIENTE COM OBSTRUÇÃO URETRAL ............................... 147
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 147
2. SINAIS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO ....................................................... 147
3. CORREÇÃO DOS EFEITOS SISTÊMICOS ................................................ 147
4. ESTABILIZAÇÃO INICIAL ....................................................................... 148
5. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS ............................................................... 149
6. CUIDADOS PÓS-DESOBSTRUÇÃO ........................................................ 151
7. REFERÊNCIAS....................................................................................... 151
ANESTESIA DO PACIENTE COM SÍNDROME DA DILATAÇÃO VOLVULO GÁSTRICA
............................................................................................................................ 152
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 152
2. FISIOPATOGENIA ................................................................................. 152
3. AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA ............................................................. 153
4. ESTABILIZAÇÃO ................................................................................... 153
5. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS ............................................................... 154
6. COMPLICAÇÕES COMUNS .................................................................. 155
7. REFERÊNCIAS....................................................................................... 156
ANESTESIA DO PACIENTE COM RUPTURA DIAFRAGMÁTICA ....................... 157
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 157
2. FISIOPATOGENIA ................................................................................. 157
3. CONDUTAS .......................................................................................... 158
4. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS ............................................................... 159
5. CONSIDERAÇÕES PARA O PERÍODO TRANSANESTÉSICO.................... 160
6. PÓS-OPERATÓRIO ............................................................................... 163

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

7. REFERÊNCIAS....................................................................................... 163
ANESTESIA EM CADELAS E GATAS COM PIOMETRA .................................... 164
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 164
2. FISIOPATOGENIA ................................................................................. 164
3. ABORDAGEM INICIAL DO PACIENTE EM SEPSE/CHOQUE SÉPTICO.... 165
4. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS ............................................................... 165
5. CONSIDERAÇÕES ................................................................................. 166
6. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 167
ANESTESIA EM NEONATOS E GERIATRAS ................................................... 168
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 168
2. PARTICULARIDADES DOS NEONATOS ................................................. 168
3. PARTICULARIDADES DOS GERIATRAS ................................................. 170
4. REFERÊNCIAS....................................................................................... 172
BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES ...................................................... 173
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 173
2. FISIOLOGIA DA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR ...................................... 173
3. FÁRMACOS .......................................................................................... 174
4. MONITORAÇÃO E REVERSÃO DO BLOQUEIO ..................................... 175
5. REFERÊNCIAS....................................................................................... 176
FAMACOLOGIA BÁSICA .............................................................................. 177
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 177
2. FARMACOCINÉTICA............................................................................. 177
3. FARMACODINÂMICA .......................................................................... 182
4. REFERÊNCIAS....................................................................................... 184
EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE E HIDROELETROLÍTICO ........................................ 185
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 185
2. CONCEITOS.......................................................................................... 185
3. CONSIDERAÇÕES NO DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO EAB ......... 187
4. RECONHECIMENTO DO DISTÚRBIO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE ..... 188
5. REFERÊNCIAS....................................................................................... 194
SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO ............................................................... 195
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 195
2. ESTRUTURA E DIVISÃO DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO ............ 196

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

3. SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO .......................................................... 198


4. SISTEMA NERVOSO PARASSIMPÁTICO ............................................... 199
5. REFERÊNCIAS....................................................................................... 202
INOTRÓPICOS E VASOPRESSORES .............................................................. 203
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 203
2. CONCEITOS IMPORTANTES ................................................................. 204
3. FÁRMACOS QUE ATUAM EM RECEPTORES α-ADRENÉRGICOS .......... 205
4. FÁRMACOS QUE ATUAM EM RECEPTORES β-ADRENÉRGICOS .......... 206
5. OUTROS FÁRMACOS COM AÇÃO ADRENÉRGICA OU VASOPRESSORA.
206
....................................................................................................................... 208
6. REFERENCIAS....................................................................................... 208
ANESTESIA EM RÉPTEIS.............................................................................. 209
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 209
2. FISIOLOGIA .......................................................................................... 209
3. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO ................................................................... 210
4. CONSIDERAÇÕES ANESTÉSICAS .......................................................... 210
5. DOR E ANALGESIA ............................................................................... 210
6. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 211
ANESTESIA EM AVES .................................................................................. 212
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 212
2. FISIOLOGIA .......................................................................................... 212
3. MANEJO E AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA ........................................... 214
4. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS E CONSIDERAÇÕES PARA A ANESTESIA 214
5. REFERÊNCIAS....................................................................................... 215
ANESTESIA EM ROEDORES E LAGOMORFOS ............................................... 216
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 216
2. CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES ........................................................ 216
3. CUIDADOS PRÉ-ANESTÉSICOS ............................................................. 216
4. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO ................................................................... 217
5. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS ............................................................... 218
6. RECUPERAÇÃO .................................................................................... 221
7. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 221

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA EM PEIXES ............................................................................... 222


1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 222
2. PERÍODO PRÉ-ANESTÉSICO ................................................................. 222
3. ANESTESIA POR IMERSÃO ................................................................... 222
4. ANESTESIA PARENTERAL ..................................................................... 223
5. MONITORAÇÃO................................................................................... 223
6. RECUPERAÇÃO .................................................................................... 224
7. FÁRMACOS .......................................................................................... 224
8. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 225
ANESTESIA EM PRIMATAS ......................................................................... 226
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 226
2. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO ................................................................... 226
3. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS ............................................................... 227
4. REFERÊNCIAS....................................................................................... 228
ANESTESIA EM SUÍNOS .............................................................................. 229
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 229
2. CUIDADOS PRÉ-ANESTÉSICOS ............................................................. 229
3. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS ............................................................... 229
4. RECUPERAÇÃO .................................................................................... 233
PRINCÍPIOS BÁSICOS DA COMUNICAÇÃO COM PACIENTES/TUTORES ......... 234
1. Como nos comunicamos? ................................................................... 234
2. A comunicação veterinário/tutor ....................................................... 236
3. Referências.......................................................................................... 236

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

1. INTRODUÇÃO
O sistema cardiovascular tem como principal função promover a circulação do
sangue, ofertando, adequadamente, oxigênio e nutrientes ao organismo. Órgãos como
coração e cérebro dependem de um aporte contínuo de oxigênio, de forma que alguns
minutos de anóxia podem acarretar em consequências desfavoráveis à vida do paciente.
Resumidamente, há quatro principais estruturas que compõem o sistema:
Estrutura Principais Funções
Coração Bombear sangue.
Vasos Sanguíneos Carregar sangue até os tecidos.
Sangue Transportar oxigênio, nutrientes,
hormônios e metabólitos, regular pH,
temperatura e balanço hídrico e atuar
na coagulação e no sistema imune.
Linfa Retornar o plasma filtrado à
circulação e transportar líquidos e
gordura originados da absorção
intestinal.
Fonte: Adaptado de Grimm et al., 2015.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

A circulação dos mamíferos é


dada por diferença de pressão entre os
compartimentos e pode ser melhor
compreendida se dividida em dois
circuitos que funcionam
simultaneamente. A circulação
sistêmica consiste no transporte do
sangue oxigenado do átrio esquerdo
até os tecidos e no seu retorno ao átrio
direito. A circulação pulmonar, por sua
vez, consiste no transporte do sangue
pobre em oxigênio do átrio direito até
os pulmões, onde ocorre a hematose, e
no seu retorno ao átrio esquerdo. O
trajeto do sangue através das diversas
estruturas anatômicas está resumido
na imagem a seguir.

Fonte: Grimm et al., 2015.

Débito cardíaco, resultado da multiplicação da frequência cardíaca pelo volume


sistólico, é o volume de sangue ejetado do coração durante um minuto (L/min) e
representa a contribuição do sistema cardiovascular no fornecimento de oxigênio ao
organismo. Seus principais determinantes, além dos dois componentes básicos citados
anteriormente, são a pós-carga, a contratilidade do miocárdio e o ritmo cardíaco.

Fonte: Grimm et al., 2015.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Na fisiologia cardíaca os conceitos de pré-carga e pós-carga são fundamentais


para compreensão da hemodinâmica. Brevemente, pré-carga é a distensão das fibras
ventriculares após seu enchimento e pós-carga é a força exercida pelo ventrículo para
realizar a ejeção do sangue. Estes conceitos estão relacionados, respectivamente, com
a volemia e a resistência vascular do paciente.

2. ANATOMIA E HISTOLOGIA CARDÍACAS


O coração dos mamíferos é um órgão tetracavitário composto por dois átrios,
dois ventrículos e uma rede difusa de vasos coronários, os quais são preenchidos
durante a diástole. Os átrios esquerdo (AE) e direito (AD) são separados por um septo
interatrial e os ventrículos esquerdo (VE) e direito (VD) são separados por um septo
interventricular.
Há quatro válvulas que impedem o retorno do sangue quando gradiente
pressórico se inverte:
Válvulas Atrioventriculares:
o Mitral: localizada entre AE e VE. É composta por duas cúspides;
o Tricúspide: localizada entre AD e VD. É composta por três cúspides.
Válvulas Semilunares: compostas por três cúspides.
o Aórtica: localizada entre VE e artéria aorta;
o Pulmonar: localizada entre VD e artéria pulmonar.
As válvulas atrioventriculares possuem, em suas extremidades livres, cordoalhas
tendíneas que as ligam aos músculos papilares presentes no interior dos ventrículos.
Esse conjunto de estruturas auxilia na manutenção da função das válvulas impedindo
que ocorra o prolapso das mesmas para o interior dos átrios.

11
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Grimm et al., 2015.


A nível histológico o coração é organizado em três túnicas:
• Endocárdio: constituído por endotélio;
• Miocárdio: espessa camada de células musculares cardíacas que contêm, entre
si, estruturas denominadas discos intercalares, responsáveis pela condução do impulso
elétrico;
• Epicárdio: porção visceral do pericárdio, membrana serosa que reveste o
órgão.

3. ELETROFISIOLOGIA
A atividade elétrica do coração é um componente fundamental para
manutenção do débito cardíaco, uma vez que as células musculares dependem de
potenciais de ação para exercer sua função contrátil.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Excitabilidade, uma propriedade intrínseca das células cardíacas, é a capacidade


de gerar e propagar este potencial de ação, o qual depende de um movimento de
múltiplos íons através da membrana celular.
O potencial de ação da célula cardíaca pode ser dividido em cinco fases:

Fonte: Adaptado de Grimm et al., 2015.


Fase 0: despolarização (entrada rápida de sódio);
Fase 1: início da repolarização (saída de potássio);
Fase 2: platô (entrada de cálcio);
Fase 3: repolarização (saída de potássio, cessando entrada de cálcio);
Fase 4: repouso.
A entrada constante de íons cálcio durante a fase 2 é o que difere o potencial de
ação da célula cardíaca das demais células musculares, causando uma repolarização
inicialmente lenta com a finalidade de manter a despolarização por um período mais
prolongado.
Há pequenas reservas de íons cálcio no retículo sarcoplasmático das células
cardíacas, logo, para uma função contrátil adequada, é necessária a utilização do cálcio
presente no líquido extracelular.
O sistema de condução cardíaco, ilustrado na imagem a seguir, é formado por
uma rede de células especializadas cuja principal função é gerar e propagar os potenciais
de ação. Em situações fisiológicas o nodo sinusal atua como o marcapasso, mas todas as
células são capazes de gerar e conduzir, em diferentes proporções, os estímulos.
A automaticidade cardíaca ocorre porque o potencial de repouso no sistema
condutor é menor, então o influxo constante de sódio possibilita o início do potencial
de ação mesmo sem a presença de um estímulo.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

O mecanismo de Frank-Starling é um conceito da cardiologia que relaciona a


distensão das fibras cardíacas com sua força contrátil, ou seja, a força de contração é
diretamente proporcional ao estiramento destas. Em uma aplicação prática o aumento
da volemia, até determinado ponto, implica no aumento do débito cardíaco.

Fonte: https://ecgnow.com.br/conteudo/arritmia-supraventricular-ou-ventricular

Fonte: Grimm et al., 2015.

Entre os exames complementares utilizados na cardiologia encontra-se o


eletrocardiograma, cujo principal objetivo é avaliar o ritmo cardíaco e a atividade
elétrica do órgão. Em um paciente saudável há, essencialmente, três principais ondas,
as quais estão representadas na ilustração abaixo.
14
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: http://www.fisfar.ufc.br/petmedicina/images/stories/ecg_normal.pdf

A onda P corresponde à despolarização atrial, o complexo QRS corresponde à


despolarização ventricular e a onda T corresponde à repolarização ventricular. A
repolarização atrial ocorre de forma simultânea à despolarização ventricular, o que
inviabiliza seu registro eletrocardiográfico.

4. CICLO CARDÍACO
Os eventos situados entre duas sístoles podem ser chamados de ciclo cardíaco.
Ocorrem alterações em fluxo e pressão sanguíneos que podem ser subdivididas da
seguinte maneira:
Subfases Sistólicas:
o Contração Isovolumétrica: a contração ventricular torna a pressão
ventricular superior à pressão atrial, provocando o fechamento das válvulas
atrioventriculares. Entretanto neste momento a pressão ventricular é
inferior às pressões aórtica e pulmonar, logo não há alteração de volume;
o Ejeção Rápida: as pressões ventriculares superam as pressões dos vasos,
provocando a abertura das válvulas semilunares;
o Ejeção Lenta: a artéria aorta acomoda o grande volume de sangue recebido,
fazendo com que seu gradiente de pressão com o ventrículo esquerdo
diminua progressivamente;
o Protodiástole: momento virtual onde a pressão nos ventrículos se iguala à
pressão dos vasos, interrompendo a ejeção do sangue.

Subfases Diastólicas:
o Relaxamento Isovolumétrico: a pressão ventricular é inferior à pressão dos
vasos, mas superior à pressão atrial, o que resulta no fechamento das
15
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

válvulas atrioventriculares e semilunares. Portanto, não há alteração de


volume;
o Enchimento Rápido: a pressão atrial supera a pressão ventricular,
provocando a abertura das válvulas atrioventriculares. Corresponde a
aproximadamente 70% do enchimento ventricular;
o Enchimento Lento ou Diástase: conforme o gradiente de pressão entre átrios
e ventrículos diminui ocorre a desaceleração do fluxo;
o Sístole Atrial: contração dos átrios. Corresponde até a 20% do enchimento
ventricular.

5. MECANISMOS DE REGULAÇÃO
O sistema nervoso autônomo é fundamental na regulação da função
cardiovascular. Há receptores periféricos, como os barorreceptores, mecanorreceptores
e quimiorreceptores, que, perante alterações na pressão arterial, volemia e pressão
parcial de gases, respectivamente, enviam sinais ao sistema nervoso central, o qual
responde através da modulação da ação de fibras simpáticas e parassimpáticas.
A nível local, respostas de menor magnitude são dadas por mecanismos de
controle independentes do sistema nervoso, tais como a liberação tecidual de
prostaglandinas e fatores endoteliais, cujo representante essencial é o óxido nítrico,
potente vasodilatador.
A tabela a seguir resume a organização das fibras do sistema nervoso autônomo.

Simpático Parassimpático

Origem Medulas torácica e Tronco encefálico e


lombar medula sacral
Pré-Ganglionar Fibra curta Fibra longa
Pós-Ganglionar Fibra longa Fibra curta
NT Pré-Ganglionar Acetilcolina Acetilcolina
NT Pós-Ganglionar Noradrenalina Acetilcolina

Fonte: Adaptado de Grimm et al., 2015.

As cadeias simpáticas possuem diversas terminações nervosas espalhadas por


todo o tecido cardíaco, onde a noradrenalina promove efeitos cronotrópico, inotrópico
e dromotrópico positivos. A inervação parassimpática, por sua vez, é originária do nervo

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

vago, o qual atua principalmente nos nodos sinusal e atrioventricular, provocando


efeitos cronotrópico e dromotrópico negativos.

6. PRESSÃO ARTERIAL
A força que o sangue exerce na parede dos vasos é definida como pressão arterial
(PA). Este parâmetro vital, determinado pelo produto entre o débito cardíaco e a
resistência vascular, é um dos grandes determinantes da perfusão tecidual.
Sua mensuração pode ser realizada em várias etapas da circulação,
possibilitando a utilização dos seguintes termos:
PA Sistólica: PA máxima do ciclo cardíaco. Ocorre durante a sístole;
PA Diastólica: PA mínima do ciclo cardíaco. Ocorre durante a diástole;
Pressão de Pulso: diferença entre as pressões sistólica e diastólica;
PA Média: pressão média durante o ciclo cardíaco. É obtida através das seguintes
equações: (PAS + 2PAD)/3 ou PAD + PP/3

Há variados mecanismos de controle da pressão arterial que visam a otimização


da perfusão tecidual sob diversas situações. A ação vasodilatadora do óxido nítrico
aumenta, de forma local, o fluxo sanguíneo a fim de remover os metabólitos e aumentar
a oferta de oxigênio e nutrientes.
O sistema nervoso autônomo responde a situações de hipoperfusão dentro de
alguns segundos. Os barorreceptores, localizados no arco aórtico e no seio carotídeo,
respondem ao estiramento provocado pela pressão arterial e sinalizam ao centro
vasomotor, o qual responde com a ativação de fibras simpáticas ou parassimpáticas.
A longo prazo ocorre a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona
(SRAA) e do peptídeo natriurético atrial (PNA). Em situações de hipovolemia ocorre a
ativação do SRAA, provocando vasoconstrição, retenção de sódio e água pelos rins e
estimulação do centro da sede. Por outro lado, quando há estiramento excessivo das
fibras cardíacas, o PNA induz a eliminação de sódio e água pela urina e inibe o SRAA e o
centro da sede.

7. DINÂMICA CAPILAR
As forças de Starling são de suma importância no controle do movimento de
fluidos entre os compartimentos corpóreos e, portanto, na compreensão dos
mecanismos que causam o edema. A resultante destas forças, presentes nos
compartimentos intravascular e intersticial, determina a movimentação dos líquidos.
Pressão Hidrostática: exercida pelos líquidos, faz com que estes se movimentem
para fora do compartimento;

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Pressão Coloidosmótica: exercida pelas proteínas, faz com que os líquidos


permaneçam no compartimento.

8. REFERÊNCIAS
DUKE-NOVAKOVSKI, T.; CARR, A. Perioperative Blood Pressure Control and
Management. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 45, n. 5, p.
965–981, 2015.

GRIMM, K.A. et al. Veterinary anesthesia and analgesia: the fifth edition of Lumb
and Jones. 5 ed. St. Louis: Willey-Blackwell, 2015. 1061 p.

JUNQUEIRA, L.C.; CARNEIRO, J.; ABRAHAMSOHN, P. Histologia básica: texto e


atlas. 13 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 568 p.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

MEDICAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA
1. INTRODUÇÃO
A medicação pré-anestésica (MPA) consiste na utilização de um ou mais
fármacos antes da indução anestésica. A MPA tem como objetivos principais promover
tranquilização ou sedação e analgesia, condições que facilitam o trabalho do
anestesista. Além disso, os agentes utilizados promovem miorrelaxamento,
potencializam anestésicos gerais, podem permitir a realização de técnicas de anestesia
locorregional e reduzem efeitos adversos de outros fármacos, como salivação, vômito e
bradicardia. Seu uso está associado a indução e recuperação anestésica mais suaves.
Para a escolha adequada dos fármacos utilizados na MPA, deve-se considerar o
procedimento a ser realizado e as características do paciente, como raça, espécie, idade,
porte, temperamento e comorbidades.
O temperamento do animal e o ambiente de preparo anestésico têm grande
influência na qualidade da tranquilização ou da sedação. Pacientes mais agitados
necessitam de doses maiores de agentes para obtenção de efeitos tranquilizantes. O
mesmo acontece com pacientes de menor porte ou mais jovens, que geralmente tem
maior metabolismo. Já algumas raças, como braquicefálicos, tem maior tônus vagal e
estão mais propensas a efeitos colinérgicos, enquanto as raças de origem oriental têm
maior predisposição a efeitos paradoxais de alguns agentes.
As medicações pré-anestésicas podem ser aplicadas em diferentes vias de
acordo com o objetivo desejado e com as condições do paciente. As vias intramuscular
e subcutânea possuem maior latência que a via intravenosa, mas geralmente são
empregadas por possibilitar maior tempo de adaptação do organismo aos efeitos dos
fármacos. Além disso, muitas vezes os pacientes necessitam de tranquilização prévia
para canulação venosa. Os fármacos podem ser administrados também por outras vias
menos usuais, como intranasal, intraretal, oral ou no acuponto Yintang. Deve-se
considerar as características farmacocinéticas de cada via para a escolha da melhor
forma de administração.
As principais classes farmacológicas utilizadas na MPA são: Anticolinérgicos,
tranquilizantes, benzodiazepínicos, sedativos, opioides e dissociativos.

19
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

2. TRANQUILIZANTES
Os tranquilizantes são fármacos capazes de reduzir a ansiedade dos pacientes
sem causar perda ou redução na consciência. Seus efeitos são subcorticais. Os principais
representantes são as butirofenonas e os fenotiazínicos.

Fenotizínicos: São os tranquilizantes mais ultilizados na rotina em medicina


veterinária. Seus principais representantes são:
Acepromazina: Em cães, tem início de ação em 10-15min com pico de ação em
30min. Sua duração é de 2-10 horas.
o Dose em cães: 0,02 - 0,05 mg/kg
Clorpromazina: possui duração de 2-4 horas.
o Dose em cães: 0,2 – 0,5 mg/kg
Levopromazina: possui duração de 2-4 horas.
o Dose em cães: 0,2 – 0,5 mg/kg

Os fenotiazínicos atuam deprimindo o SNC por bloqueio de receptores pré e pós


sinápticos de dopamina do sistema límbico. Também atua em receptores
serotoninérgicos, adrenérgicos, muscarínicos e histaminérgicos, potencializando os
efeitos tranquilizantes e promovendo redução na pressão arterial (receptor α-2
adrenérgico) e reduzindo o controle termorregulador central.
Vantagens: tem efeitos tranquilizantes, antieméticos, anti-histamínicos, ação
antiarrítmica, antiespasmódica, antitoxêmica, não interferem na motilidade
gastrointestinal, reduzem secreções no trato respiratório, potencializam outros
fármacos e reduzem a CAM do isoflurano. Desvantagens: podem causar hipotermia,
vasodilatação periférica (queda na pressão arterial) e redução no débito cardíaco em
20-25% por até 2h. Não possuem antagonistas e, quando utilizados em doses elevadas,
podem causar efeitos extrapiramidais (tremores e catalepsia). Não promovem
analgesia, causam dilatação esplênica (redução do hematócrito) e alguns autores
defendem a redução no limiar convulsivo.

Butirofenonas: tem ação semelhante aos fenotiazínicos. Promove efeitos


tranquilizantes, antieméticos e hipotérmicos por maior vasodilatação periférica e
interferência no centro termorregulador do SNC. São empregados com menor
frequência em medicina veterinária.
Droperidol: promovem efeitos antieméticos 1000 vezes maiores que a
clorpromazina. Possui duração de até 3 horas
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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

o Dose em cães: 0,5 – 1 mg/kg


Azaperone: são os tranquilizantes de eleição para suínos. Dose em cães: 1 – 4
mg/kg

3. SEDATIVOS
Diferentemente dos fenotiazínicos, os sedativos promovem depressão no nível
de consciência. São representados pelos agonistas α2 adrenérgicos, e os fármacos
comumente usados são a xilazina, a detomidina, a romifidina, a medetomidina e a
dexmedetomidina.
O mecanismo de ação dos agonistas α-2 adrenérgicos está relacionado à inibição
da síntese e liberação de noradrenalina pela ativação de receptores pré e pós sinápticos
a nível central e periférico, visto que os receptores estão distribuídos em diferentes
partes do organismo, o que também aumenta seu potencial de causar efeitos
indesejáveis. De maneira geral, os α-2 agonistas causam sedação, miorrelaxamento e
analgesia.
Efeitos no SNC: Inibem a liberação de norepinefrina por atuar em receptores pré-
sinápticos e pós-sinápticos localizados no tronco encefálico e no corno dorsal da medula,
promovendo sedação e analgesia.
Efeitos cardiovasculares: O estímulo pós-sináptico de receptores α-1 e α-2 na
musculatura lisa de vasos leva a vasoconstrição inicial, com consequente aumento na
pressão arterial. A elevação na pressão arterial ativa um reflexo vagal por estímulo de
barorreceptores, gerando bradicardia reflexa. Os efeitos vasoconstritores mediados por
ativação pós-sináptica de receptores α-2 e α-1 perduram por alguns minutos. Após essa
fase, os efeitos pré-sinápticos dos α-2 agonistas prevalecem, o que leva a menor
liberação de noradrenalina (menor tônus simpático), com tendência a redução na
pressão arterial e persistência de bradicardia. A bradicardia está muitas vezes associada
a outras bradiarritmias, especialmente bloqueios atrioventriculares de primeiro e
segundo grau. A utilização de antimuscarínicos, como atropina, para reverter a
bradicardia induzida por α-2 agonistas pode causar redução grave no débito cardíaco e
aumento do trabalho cardíaco em função da hipertensão inicial, mas pode ser
considerada caso ocorra hipotensão.
Outros efeitos: redução da secreção de vasopressina e aumento na diurese,
especialmente em grandes animais; inibição na produção de insulina (hipoinsulinemia
com possível hiperglicemia); redução na liberação de ACTH e cortisol; redução na
motilidade gastrointestinal; indução de vômito; aumento na salivação; podem causar
depressão respiratória; causam contração da musculatura lisa uterina (contraindicado
no terço final da gestação).
Particularidades nas diferentes espécies: Ruminantes são mais sensíveis,
podendo causar timpanismo em bovinos pela redução na motilidade do trato
21
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

gastrointestinal. Em equinos ocorre abaixamento de cabeça, ptose labial e palpebral e


ataxia. Suínos são refratários, principalmente à xilazina.

Os efeitos dos diferentes fármacos α-2 agonistas estão relacionados às suas


diferentes seletividades por receptores α-1 e α-2, descritas na tabela a seguir.

FÁRMACO RELAÇÃO α2:α1

Xilazina 160

Clonidina 220

Detomidina 260

Medetomidina 1620

Dexmedetomidina 1620

Xilazina: apresenta menor seletividade por receptores α-2, e está relacionada a


maior ocorrência de bloqueios atrioventriculares.
Dose em pequenos animais: 0,2-0,5 mg/kg
Dose em equinos: 0,5 - 1 mg/kg
Dose em bovinos: 0,05 - 0,2 mg/kg

Romifidina: é um α-2 agonista quimicamente relacionado à clonidina.


Dose em pequenos animais: 0,1 mg/kg
Dose em equinos: 0,04 - 0,16 mg/kg

Detomidina: utilizada principalmente em equinos para realização de


procedimentos em estação. É mais potente que a xilazina e tem maior duração.
Dose em equinos: 0,005 a 0,02 mg/kg

Medetomidina: vendida comercialmente como mistura racêmica. Toda a ação


farmacológica se deve ao isômero dextrorrotatório (isolado na dexmedetomidina).
Dose em pequenos animais e equinos: 0,01 a 0,04 mg/kg

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Dexmedetomidina: é um isômero da medetomidina.


Dose em pequenos animais: 0,001 a 0,015 mg/kg

Antagonistas α-2 adrenérgicos: utilizados para reverter os efeitos dos α-2


agonistas.
Ioimbina: 0,1 - 0,2 mg/kg IM
Atipamezole: 0,15 - 2 mg/kg IM

4. OPIOIDES
Existem três tipos principais de receptores opioides com diferentes localizações
e efeitos no organismo: mu (µ), sigma (σ) e kappa (κ) e delta (δ).

De maneira geral, os opioides produzem efeito analgésico e podem causar


sedação, de acordo com o grau de afinidade por cada receptor. Assim, os fármacos
apresentam diferentes eficácias e potências de acordo com o grau de interação e efeito
obtido. A eficácia é um conceito relacionado à capacidade de gerar o efeito desejado
(analgesia). Deve ser distinguida de potência, relacionada à dose necessária para
promover o efeito.
Dessa forma, os fármacos opioides podem ser classificados de acordo com tipo
de receptor com os quais interagem e com o efeito produzido a partir da interação com
o receptor (relação dose-resposta).
Agonistas totais: estimulam receptores µ e κ, com maior eficácia analgésica. Isso
significa que seu efeito é dose-dependente, não há efeito-teto. Fármacos: Morfina,
meperidina, oximorfina, fentanila, sufentanila, remifentanila.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Agonistas parciais: ativam parcialmente os receptores µ, sendo menos eficazes


na promoção de analgesia. Fármaco: Buprenorfina.
Agonista-antagonista: antagonistas de receptores µ e agonista de receptores κ.
Apresentam menor eficácia analgésica e têm efeitoteto, o que significa que a partir de
determinada dose, a analgesia não aumenta. Fármacos: Butorfanol, nalbufina.
Antagonista: ligam-se ao receptor com alta afinidade e não produzem efeito,
inibindo também a ligação de agonistas. A eficácia é zero. Fármaco: Naloxona.

Além dos efeitos analgésicos (supraespinhais, espinhais e locais) e sedativos, os


opioides são capazes de potencializar os efeitos dos anestésicos gerais. Apresenta
diferentes efeitos no organismo de acordo com o fármaco e as doses empregadas. Em
geral, seus principais efeitos colaterais estão relacionados a excitação e disforia,
principalmente em pacientes hígidos, felinos e equinos. Pode ocorrer também
dependência, depressão cardiorrespiratória, constipação e retenção urinária com
alguns opióides.

Morfina: É um agonista total muito eficaz na promoção de analgesia


dosedependente e promove sedação discreta. Tem boa estabilidade cardiovascular e
respiratória, mas provoca vômitos, constipação e retenção urinária e pode causar
prurido. Pode ser empregada por via intramuscular, intravenosa e epidural. Quando
administrada por via intravenosa pode causar a liberação de histamina, com possível
hipotensão (recomenda-se administrar de forma lenta e diluída). Recomenda-se
redução de doses em felinos ou associação com fármacos tranquilizantes/sedativos para
evitar excitação.
Dose em cães: 0,05 – 2 mg/kg (SC, IM ou IV)
Latência: 5 – 10 min IM / 30s IV
Duração: 2 - 6h via IM ou IV / 12 – 24h por via epidural / 72h via intratecal.

Meperidina (petidina): Agonista total pouco potente em relação à morfina.


Promove boa sedação, não induz vômito, não promove depressão respiratória e tem
baixo custo. Porém, não produz analgesia boa e tem curta duração (1h). Tem grande
potencial para causar liberação de histamina, principalmente por via intravenosa. Além
disso pode causar redução no inotropismo.
Dose em cães: 0,4 – 4 mg/kg (SC ou IM)
Latência: 5 – 10 min
Duração: 1h

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Metadona: agonista total muito potente e eficaz na promoção de analgesia, com


boa sedação. Não induz vômito, tem baixo potencial para liberação de histamina e tem
efeito como antagonista NMDA. Pode promover depressão cardiovascular,
principalmente por bradicardia. Promove alto grau de dependência e pode levar a
retenção urinária e redução da motilidade gastrointestinal. É comum a ocorrência de
taquipneia após sua administração.
Dose em cães: 0,1 – 0,5 mg/kg (SC, IM ou IV)
Latência: 5 – 10 min / 15-30s IV
Duração: 2- 6h (IM)

Fentanil, Sufentanil, Alfentanil e Remifentanil: São agonistas opioides muito


potente e eficazes, mas possuem curta duração e geralmente não são utilizados como
fármacos na medicação pré-anestésica.

Butorfanol: Agonista-antagonista potente, mas com baixa eficácia analgésica.


Causa mínima depressão cardiovascular e respiratória, é ótimo sedativo, não promove
liberação de histamina, não induz vômito, pode ser usado como antitussígeno e tem
menor grau de dependência que os agonistas totais. Pode ser usado para reverter a
depressão respiratória e a excitação causadas por agonistas totais em pequenos
animais, mas está relacionado a maior atividade locomotora e disforia em equinos. Em
equinos também pode provocar redução variável na motilidade do trato
gastrointestinal, mas seu uso é recomendado na promoção de analgesia em cólica.
Dose em cães: 0,1 – 0,4 mg/kg (SC, IM ou IV)
Latência: 5 – 10 min o Duração: 1h (IV, IM)

Buprenorfina: é agonista parcial muito potente de receptores µ. Pode ser


administrada por via IV, SC ou IM. Tem menor eficácia analgésica, mas pode ser utilizada
com segurança por seu baixo potencial para causar depressão cardiovascular e
respiratória. Tem baixa incidência de vômitos e náuseas.
Dose em cães: 10 – 30 mg/kg (SC, IM ou IV)
Latência: 15 min IV o Duração: 4 - 8h

Tramadol: É um analgésico de ação central, e seu efeito opioide é promovido por


seu metabólito O-desmetiltramadol. Atua inibindo a receptação de noradrenalina e

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

serotonina, sendo indicado para analgesia pós-operatória. Raramente é empregado


como medicação pré-anestésica. Promove pouca depressão cardiovascular, mas tem
baixa eficácia analgésica (principalmente em cães e equinos) e baixo grau de sedação.
Tem baixa incidência de vômito, mas seu uso está associado a náuseas e salivação,
especialmente por via IV. Existem relatos de convulsões associadas ao uso do tramadol,
principalmente com uso concomitante de outros fármacos inibidores da receptação de
serotonina, como antidepressivos tricíclicos.
Dose em cães: 2 – 6 mg/kg (VO, SC, IM ou IV)
Latência: 5 – 10 min (IM)
Duração: 4 - 8h (IM, IV, VO)

Naloxona: antagonista opioide, utilizado para reverter os efeitos depressores


nos sistema cardiovascular e respiratório em situações emergenciais.
Dose em cães: 0,04 mg/kg (IV)

5. BENZODIAZEPÍNICOS
Os benzodiazepínicos são capazes de promover efeitos sedativos, hipnóticos,
anticonvulsivantes, amnésicos e miorrelaxantes. Atuam deprimindo o sistema límbico e
aumentando o tônus GABAérgico central por aumento da afinidade do
neurotransmissor inibitório GABA ao seu receptor (GABAA), levando a hiperpolarização
de membranas pós sinápticas e maior condutância ao cloreto. Promovem depressão
cardiorrespiratória mínima, sendo usado com segurança em cardiopatas. Pode causar
efeito paradoxal em alguns cães, principalmente quando utilizados de forma isolada e
em pacientes hígidos. Tem alta ligação a proteínas plasmáticas (97-98%) e são
biotransformados pelo sistema microssomal hepático.

Diazepam: É um composto cristalino e oleoso (insolúvel em água). É viscoso,


ligeiramente ácido e veiculado em solventes orgânicos, como propilenoglicol, o que
promove dor na aplicação por via intramuscular. O diazepam é fotossensível e se liga ao
plástico na exposição prolongada à luz. Seu principal metabólito é o nordiazepam
(desmetildiazepam), um composto ativo com meia vida de eliminação de 3,6h em cães
e 21h em gatos. É rapidamente absorvido pelo trato gastrointestinal. Não tem efeitos
previsíveis como sedativo, mas é um bom anticonvulsivante e relaxante muscular,
muitas vezes associado à cetamina para reduzir seus efeitos catalépticos.
Dose em cães: 0,1 – 1 mg/kg (IV ou IM - doloroso)
Latência: 10-15 min (IM)

26
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Midazolam: é altamente hidrossolúvel e em pH fisiológico torna-se lipossolúvel,


atravessando a barreira hematoencefálica para causar efeitos centrais. Também é
fotossensível e pode ser utilizado em diferentes espécies. É altamente biodisponível por
via enteral e parenteral e tem meia vida curta (1,7h em cães) Não possui efeitos
previsíveis como sedativo, mas tem maior potencial hipnótico e pode causar efeito
paradoxal em alguns pacientes. Em doses elevadas pode causar hipotensão. Seus efeitos
são muito semelhantes ao diazepam.
Dose em cães: 0,2 - 0,5 mg/kg (IM ou IV)
Latência: 15min (IM)

Flumazenil: antagonista benzodiazepínico. Reverte o efeito em 2-4 min e tem


período hábil de 60min.
Dose: 0,05 mg/kg (IV)

Zoletil® ou telazol®: Associação comercial de dois fármacos: tiletamina


(dissociativo) e zolazepam (benzodiazepínico). Quando utilizado em cães, pode causar
excitação na recuperação pelo metabolismo mais rápido de zolazepam. Em gatos, a
tiletamina é metabolizada primeiro, podendo causar depressão.

6. ANTICOLINÉRGICOS
Não são rotineiramente empregados como medicação préanestésica, mas são
classicamente incluídos na categoria. Os anticolinérgicos são antagonistas competitivos
de receptores muscarínicos, sendo capaz de promover efeitos vagolíticos. Os receptores
muscarínicos podem ser encontrados em diferentes regiões do organismo:
• M1: presentes nos neurônios do SNC;
• M2: localizados no coração, nos nodos sinoatrial e atrioventricular;
• M3: presentes nas glândulas secretores, endotélio vascular e músculos lisos.

Sistema cardiovascular: efeitos cronotrópicos positivos (taquicardia) e


aceleração na condução atrioventricular (dromotropismo positivo). Pode aumentar a
incidência de arritmias e tem alteração mínima na pressão arterial. Pode ocorrer
estímulo vagal inicial, com bradicardia. São indicados no tratamento de bradicardia por
aumento do tônus vagal.
Sistema digestório: reduz as secreções e a motilidade do TGI, o que não é
desejável em pacientes predispostos a complicações gastrointestinais, como equinos.
Reduzem o tônus do esfíncter esofágico, podendo causar esofagite em cães

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

anestesiados. Indicado na redução de secreções causadas por alfa-2 agonistas e


cetamina.
Sistema Nervoso Central: em doses elevadas pode causar torpor e confusão
mental. O glicopirrolato não é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica.
Olhos: causa midríase e reduz a produção de lágrima.
Atropina: Composto extraído da planta Atropa belladona. Pode provocar
bradicardia inicial em doses baixas por bloqueio de receptores muscarínicos pré-
sinápticos. Provoca aumento em 30-40% da frequencia cardíaca por aproximadamente
30min. Pode reduzir a secreção ocular por até 2 dias. Gatos, ratos e coelhos
metabolizam a atropina rapidamente pela presença da enzima atropina esterase.
Dose em cães e gatos: 0,022 – 0,044 mg/kg (bolus rápido IV)
Latência: 5-10 min IM / 1-2 min IV
Pico do efeito: 10-20 min IM / 5 min IV

Escopolamina: Fármaco de eleição para equinos.


Dose: 0,01 – 0,02 mg/kg (SC, IM ou IV)

Glicopirrolato: É quatro vezes mais potente que a atropina, mas tem início um
pouco mais lento e duração um pouco maior (1h). Não atravessa a barreira
hematoencefálica e placentária (sem efeitos centrais e no feto)
Dose em cães e gatos: 0,005 – 0,01 mg/kg (SC, IM ou IV)

7. REFERÊNCIAS

FANTONI, D.T.; CORTOPASSI, S.R.G. Anestesia em Cães e Gatos. São Paulo: Roca,
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28
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

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PAV – Pós Anestesia Veterinária: Apostila 2018. São Paulo, 2018. p. 23-28.
NETO, Francisco José Teixeira; LUNA, Stelio Pacca Loureiro. Medicação Pré-
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J. T. Anestesiologia em pequenos animais. Faculdade de Medicina Veterinária e
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RANKIN, David C. Sedativos e tranquilizantes. In: GRIMM, Kurt A. Lumb & Jones
Anestesiologia e Analgesia veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2017. p. 577-609.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

CHOQUE
1. INTRODUÇÃO
O choque é uma síndrome caracterizada pela incapacidade de fornecimento de
oxigênio e nutrientes para as células e tecidos para suas necessidades metabólicas.
Caracteriza-se basicamente por um estado de desequilíbrio entre demanda e oferta de
oxigênio. Pode ser classificado de acordo com sua origem e fisiopatologia em três
principais tipos: hipovolêmico, distributivo e cardiogênico.
Para a melhor compreensão da fisiopatologia dos estados de choque, é
importante rever alguns conceitos:
Oferta de oxigênio (DO2): oxigênio disponibilizado para as células atenderem sua
demanda metabólica (VO2). É obtida a partir da relação direta entre o débito cardíaco
(DC) e o conteúdo arterial de oxigênio (CaO2). Portanto, quaisquer situações que alterem
DC ou CaO2 interferem diretamente na oferta de oxigênio às células. A DO2 pode ser
demonstrada pela fórmula:
𝐷𝐷𝐷𝐷2 = 𝐷𝐷𝐷𝐷 × 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶2 ,
onde:
𝐷𝐷𝐷𝐷 = 𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹𝐹ê𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛𝑛 𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐í𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎𝑎 × 𝑉𝑉𝑉𝑉𝑉𝑉𝑉𝑉𝑉𝑉𝑉𝑉 𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠𝑠ó𝑙𝑙𝑙𝑙𝑙𝑙𝑙𝑙
𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶2 = (ℎ𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒𝑒 × 𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆𝑆2 × 1,34) + (0,003 × 𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃2 )

Consumo (VO2): reflete a demanda metabólica das células. É estabelecido por


uma relação entre o débito cardíaco e a quantidade de oxigênio extraído do sangue,
representada pela diferença entre os conteúdos arterial (CaO2) e venoso de oxigênio
(CvO2). Portanto, aumentos no consumo refletem como maior extração de oxigênio
sanguíneo. O consumo de O2 pode ser representado pela fórmula:
𝑉𝑉𝑉𝑉2 = 𝐷𝐷𝐷𝐷 × (𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶2 − 𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶𝐶2 )

30
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

2. CHOQUE HIPOVOLÊMICO
O choque hipovolêmico é uma condição causada primariamente pelo distúrbio
circulatório caracterizado por redução grave no volume intravascular. A principal causa
é a hipovolemia secundária a hemorragias por traumas ou sangramentos ocultos, sendo
denominado choque hemorrágico. Outras situações também podem causar choque
hipovolêmico, como perdas plasmáticas (queimaduras, sequestros de líquidos em
cavidades, peritonite etc), perdas de fluidos e eletrólitos (perdas gastrointestinais) e
diurese aumentada (diabetes ou iatrogênica por medicamentos diuréticos).

FISIOPATOLOGIA
Com o menor volume de intravascular, ocorre redução no retorno venoso ao
átrio direito. O volume sistólico fica comprometido nessa situação por redução da pré-
carga, o que resulta na diminuição subsequente do débito cardíaco e da pressão arterial.
Como resposta compensatória ao menor volume sistólico, a frequência cardíaca se eleva
na tentativa de manter o débito. Reflexos neuro-humorais levam a vasoconstrição na
resposta compensatória inicial para sustentar a pressão arterial e manter o suprimento
tecidual de oxigênio.
Há menor perfusão periférica e visceral na tentativa de manter a adequada
perfusão de órgãos vitais. Nessa situação, pode-se observar o aumento no tempo de
preenchimento capilar, redução na temperatura periférica, palidez de mucosas,
anúria/oligúria e hipóxia intestinal, que pode evoluir para sepse por translocação
bacteriana.
No choque hipovolêmico, ocorre um prejuízo generalizado à microcirculação. A
hipoperfusão tecidual faz com que as células entrem metabolismo anaeróbio, com
aumento consequente na produção de lactato e acidose metabólica.

31
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

DIAGNÓSTICO E ESTIMATIVA DO GRAU DE PERDA


O diagnóstico do choque hemorrágico deve ser rápido para melhorar o
prognóstico do paciente. Baseia-se no histórico e no exame físico, e os sinais clínicos
dependem do grau de perda de sangue.

Perda de Sangue Choque Hemorrágico

Grau de perda Grau I Grau II Grau III Grau IV

Perda de
10% - 15% 15% - 25% 25% - 35% 35% - 40%
Sangue

Frequência Taquicardia Taquicardia Taquicardia Taquicardia


Cardíaca discreta moderada intensa muito intensa

Normal ou Extremamente
Pressão Arterial Baixa Muito baixa
aumentada baixa

Pulso Normal Acelerado Filiforme Imperceptível

Mucosas Normocoradas Pálidas Perláceas Cianóticas

Débito Urinário Normal Normal Oligúria Anúria

Consciência Normal Normal Diminuída Ausente

TRATAMENTO
O tratamento deve ser instituído de forma rápida para melhorar o prognóstico
do paciente. O restabelecimento do volume plasmático e a hemostasia são as
intervenções mais importantes no choque hemorrágico.
O tratamento deve ser baseado no grau de perda de volume. De maneira geral,
recomenda-se oxigenação e estabelecimento de um acesso venoso em veia de grande
calibre com cateter de tamanho adequado. A ressuscitação volêmica deve ser precoce
e baseada em metas de acordo com a apresentação clínica.
Em casos de hemorragia controlada, deve-se instituir desafios volêmicos com o
objetivo de restaurar a pré-carga e a pressão arterial para valores mais próximos do
fisiológico. A pressão arterial média deve ser mantida acima de 65mmHg para adequada
perfusão periférica e visceral.
Hemorragias ativas devem ser controladas de maneira mais precoce possível.
Nesses casos, é recomendada hipotensão permissiva até que a hemorragia seja
controlada, mantendo a pressão arterial média em torno de 50 mmHg.

32
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

As soluções mais utilizadas como fluido de escolha primária na ressuscitação


volêmica são os cristaloides isotônicos, especialmente o Ringer com Lactato. O Ringer
com lactato, apesar de ser levemente hipotônico, é a solução que apresenta composição
eletrolítica mais semelhante ao plasma. Como são necessários volumes altos de
reposição hídrica no choque hipovolêmico, essa solução tem menor probabilidade de
causar distúrbios hidreletrolíticos. A utilização de salina 0,9% é contraindicada, pois
volumes elevados podem levar a acidose hiperclorêmica em função de sua composição.
Além disso, a solução de Ringer com Lactato está associada a melhores
prognósticos e tem custo mais baixo. Porém, os cristaloides isotônicos se redistribuem
facilmente entre os compartimentos corporais, sendo necessária a infusão de volumes
três vezes maiores que o volume sanguíneo perdido. A reposição deve ser feita em
desafios hídricos guiados por metas. Em geral, é estabelecida taxa de 15 ml/kg em 15
min em cães, mas deve-se considerar cada caso em particular.
A ressuscitação deve ser feita com monitoração constante do paciente para guiar
novas condutas. Parâmetros estáticos, como pressão arterial invasiva e pressão venosa
central, e parâmetros dinâmicos, como variação da pressão de pulso e avaliação da
função cardíaca, avaliam bem a responsividade a fluidos, mas não são métodos
rotineiros.
A solução salina hipertônica a 7,5% também é uma alternativa com algumas
vantagens em determinados pacientes. Seu uso permite mobilização de fluido para o
espaço intravascular por gradiente osmótico com a infusão de volumes menores (4
ml/kg em 5 min). Além disso, apresenta propriedades imunomoduladoras e reduz a
pressão intracraniana em pacientes com trauma crânio-encefálico. Porém, é altamente
contraindicado em casos de hemorragia ativa e desidratação.
De maneira semelhante, as soluções coloidais demandam menor volume de
infusão para reposição volêmica, e tem maior meia-vida em comparação aos
cristaloides. Porém, tem custo elevado e diversos estudos apontam piora no prognóstico
dos pacientes, com aumento na incidência de coagulopatias, disfunções renais e
hepáticas e reações anafiláticas, sendo contraindicado na reanimação em casos de
choque.
A transfusão de hemocomponentes também é um tratamento considerado no
choque hipovolêmico. A determinação de seu uso baseia-se em parâmetros clínicos,
considerando a perda de sangue, e hematológicos, a partir da avaliação do hematócrito
e do valor de hemoglobina.
Além da manutenção da volemia, é preciso restaurar a temperatura de maneira
gradativa a valores fisiológicos, manter o equilíbrio ácido-base e considerar a presença
de distúrbios da coagulação, evitando a ocorrência da tríade comum em estado de
choque, caracterizada por hipotermia, coagulopatia e acidose.

33
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

3. CHOQUE SÉPTICO
A sepse é definida como uma disfunção orgânica ameaçadora à vida, causada
por resposta exacerbada do hospedeiro frente à uma infecção. Os maiores desafios
relacionados à sepse é o diagnóstico precoce, o que melhora consideravelmente o
prognóstico do paciente e reduz os índices de mortalidade.
Com o novo consenso mundial sobre sepse e choque séptico, foi criado um score
de disfunção orgânica, denominado “Sequential Organ Failure Assessment Score”
(SOFA), a partir do qual é estabelecida uma pontuação acordo com os sintomas
apresentados pelo paciente. Há presença de disfunção orgânica quando ocorre
aumento de 2 ou mais pontos no SOFA diante de uma infecção.

SISTEMA PARÂMETRO Escore SOFA


AVALIADO UTILIZADO 0 1 2 3 4
Respiratório PaO2/FiO2 >400 <400 <300 <200 <100
Plaquetas
Coagulação >150 <150 <100 <50 <20
(103/mm3)
Hepático Bilirrubina (mg/dL) <1,2 1,2 - 1,9 2,0 - 5,9 6,0 - 11,9 >12,0
Cardiovascular Pressão arterial normotenso PAM < 70 Necessidade de vasopressor
Nervoso Escala Glasgow 15 13 - 14 10 - 12 06 - 9 <6
Renal Creatinina (mg/dL) <1,2 1,2 - 1,9 2,0 - 3,4 3,5 - 4,9 > 5,0

Fonte: Adaptado de Singer, et al., 2016

O “quick SOFA” (qSOFA) é outra forma de avaliação que pode ser utilizada com
o objetivo de identificar os casos de sepse de maneira mais rápida e quando há
impossibilidade de avaliar certos parâmetros para determinação do escore SOFA. O
qSOFA utiliza como variáveis a frequência respiratória, o status mental e a pressão
arterial sistólica. Em pacientes com suspeita de infecção e presença de alteração em
duas ou mais variáveis do qSOFA, deve-se investigar a presença de disfunção orgânica e
agilizar a realização do SOFA para identificação rápida da sepse.
O choque séptico é uma forma de choque distributivo que ocorre como
consequência da sepse. Pode ser definido como uma disfunção circulatória/metabólica
secundária a sepse, na qual há presença de hipotensão com necessidade de
vasopressores para manter a pressão arterial média maior que 65 mmHg e os valores de
lactato se mantêm maiores que 2 mmol/L após ressuscitação volêmica.

FISIOPATOLOGIA DA SEPSE E DO CHOQUE SÉPTICO


Pacientes sépticos apresentam resposta inflamatória exacerbada, que leva a
diversas alterações decorrentes principalmente dos efeitos da cascata de citocinas:
34
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Alterações na circulação sistêmica: vasodilatação, hipovolemia relativa e


absoluta, hipotensão e depressão miocárdica.
Alterações na microcirculação: aumento na permeabilidade capilar, redução na
densidade capilar, edema intersticial, trombose.
Alterações celulares: apoptose e hipóxia citopática

A resultante geral das alterações circulatórias é o menor retorno venoso ao átrio


direito e consequente queda no débito cardíaco e na oferta de oxigênio ao tecido. Isso
acontece porque ocorre vasodilatação generalizada, levando a hipovolemia relativa por
“sequestro” de fluido para dentro dos próprios vasos. Além disso, pode ocorrer
hipovolemia verdadeira por lesão endotelial induzida por citocinas, o que causa perda
de líquido para o interstício.

As alterações hemodinâmicas da sepse são representadas por duas fases


distintas:
Fase hiperdinâmica: caracterizada por aumento compensatório no débito
cardíaco em resposta à menor oferta de oxigênio. Ocorre febre, taquicardia, pressão
arterial normal ou discretamente diminuída, tempo de preenchimento capilar diminuído
e mucosas com coloração em tom de tijolo.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fase hipodinâmica: Cursa com o esgotamento dos mecanismos compensatórios,


levando ao choque séptico. O paciente apresenta-se hipotenso, com mucosas pálidas,
hipotérmico e com extremidades frias. O débito cardíaco não consegue ser mantido e
há queda na oferta de oxigênio celular.
CONSEQUÊNCIAS ORGÂNICAS
Sistema cardiovascular: ocorre vasodilatação generalizada (vasoplegia), prejuízo
à função ventricular, redistribuição sanguínea entre os compartimentos do organismo,
prejuízo à microcirculação e disfunção endotelial. O sinal mais grave é a hipotensão
causada por disfunção da resistência vascular sistêmica, o que compromete o débito
sanguíneo e a perfusão celular.
Sistema respiratório: pode ocorrer dano endotelial com formação de edema. Há
prejuízo na relação ventilação/perfusão e insuficiência respiratória, levando o paciente
à hipoxemia.
Trato gastrointestinal: Com a hipoxemia, ocorre lesão nos enterócitos e
consequente quebra da barreira hematológica, levando a translocação bacteriana do
lúmen intestinal para o sangue e absorção de toxinas, assim como formação de úlceras
e hemorragias digestivas.
Sistema renal: a sepse e o choque séptico estão muitas vezes associados à
ocorrência de injúria renal aguda.
Hematológico: de acordo com o estágio de evolução do choque séptico, podem
ser encontrados estados de hipercoagulação (CID) ou hipocoagulação.
Neuroendócrino: o choque séptico pode levar à ocorrência de encefalopatias,
neuropatias periféricas, estados de hiperglicemia e insuficiência adrenal.

TRATAMENTO
O tratamento da sepse deve ser iniciado no momento de identificação do
quadro. A identificação precoce torna-se fundamental na melhoria do prognóstico do
paciente.
É recomendado que nas primeiras 3 horas de admissão do paciente séptico seja
iniciada a antibioticoterapia intravenosa de amplo espectro, bem como coleta de
material para hemocultura para posterior direcionamento do tratamento. A
mensuração de lactato também é fundamental para direcionar o tratamento e para dar
parâmetros relativos à evolução do quadro e eficácia da intervenção. A otimização da
hemodinâmica através de reposição hídrica agressiva é obrigatória, especialmente nos
casos de hipotensão ou quando o lactato está aumentado (maior que 4 mmol/L).

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Entre 3 e 6 horas após a admissão, é importante monitorar e tratar casos de


hipotensão e hiperlactatemia persistentes. O objetivo final é normalizar o lactato e a
pressão arterial com uso de reposição hídrica e vasopressores.
A ressuscitação volêmica em casos de sepse é feita preferencialmente com
cristaloides isotônicos, e o fluido de escolha é a solução de Ringer com Lactato. São
feitos desafios hídricos com o objetivo de restaurar a pressão arterial média para valores
superiores a 65 mmHg e a pressão arterial sistólica para valores maiores que 90 mmHg
no cão e 100 mmHg no gato. As provas de carga geralmente são feitas na taxa de
20mL/kg em 15min nos cães e 10mL/kg em 15min nos gatos, mas cada caso deve ser
avaliado de maneira individual e as condutas devem ser monitoradas e alteradas
conforme a resposta do paciente.
Se a hipotensão for ameaçadora a vida ou se não for responsiva à reanimação
volêmica, torna-se necessária a correção da pressão arterial por meio de vasopressores.
A norepinefrina é o vasopressor de escolha inicial no choque séptico. O uso de outros
fármacos pode ser feito de acordo com a avaliação de cada caso de maneira individual.
Geralmente a vasopressina em infusão contínua é segunda escolha em pacientes pouco
responsivos à norepinefrina, mas também pode-se considerar uso de adrenalina,
dobutamina e dopamina.
A avaliação do lactato e da pressão arterial deve ser constante para direcionar o
manejo terapêutico. A transfusão sanguínea pode ser necessária em alguns casos,
especialmente em hiperlactatemia persistente cursando com hematócrito baixo. Em
casos de hiperlactatemia persistente após ressuscitação volêmica, cursando com
hematócrito normal e normotensão, pode-se considerar a ocorrência de déficit de
contratilidade cardíaca. Nesses casos, a infusão de dobutamina deve ser considerada.
Os tratamentos de suporte no choque séptico também são importantes:
Glicemia: O controle glicêmico é fundamental para evitar quadros de
hiperglicemia e hipoglicemia no paciente séptico.
Infusão de corticoides: Deve ser considerada em casos suspeitos de insuficiência
adrenal. O paciente torna-se arresponsivo a noradrenalina, mesmo em doses elevadas.
Considerar infusão de hidrocortisona na taxa de 0,08 mg/kg/h.
Equilíbrio hidroeletrolítico: Distúrbios hidroeletrolíticos devem ser identificados
por hemogasometria e corrigidos de maneira precoce para evitar principalmente
quadros de acidose.
Manutenção da temperatura corporal
Nutrição enteral e prevenção de úlceras gástricas
Analgesia e sedação, quando necessário

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Ventilação mecânica: Em casos de síndrome da angústia respiratória aguda


(SARA), que cursam com queda na relação PaO2/FiO2, deve ser considerado suporte
ventilatório por ventilação mecânica.

4. REFERÊNCIAS

FANTONI, Denise Tabacchi; CARDOZO Larissa B.. Choque hipovolêmico.


In: RABELO, Rodrigo. Emergências em pequenos animais: condutas clínicas e cirúrgicas
no paciente grave. Elsevier Brasil, 2012. p.

JÚNIOR, Auler; COSTA, José Otávio; FANTONI, Denise Tabacchi. Reposição


volêmica nos estados de choque hemorrágico e séptico. Revista Brasileira de
Anestesiologia, v. 49, n. 2, p. 126-138, 1999. Disponível em:
https://www.evz.ufg.br/up/66/o/Reposicao_volemica.pdf?1337602326. Acesso
em: 07 de julho de 2019.

MONTEIRO, Eduardo Raposo; NETO, Francisco José Teixeira. Choque. In: LUNA,
Stelio P. L.; AGUIAR, Antônio J. A. NETO, F. J. T. Anestesiologia em pequenos animais.
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ – Unesp), Botucatu, 2016. p. 66-
81.
RABELO, Rodrigo. Sepse, sepse grave e choque séptico. In: RABELO,
Rodrigo. Emergências em pequenos animais: condutas clínicas e cirúrgicas no paciente
grave. Elsevier Brasil, 2012.

RHODES, Andrew et al. Surviving sepsis campaign: international guidelines for


management of sepsis and septic shock: 2016. Intensive care medicine, v. 43, n. 3, p.
304-377, 2017. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00134-
017-4683-6. Acesso em: 07 de julho de 2019.

SINGER, Mervyn et al. The third international consensus definitions for sepsis and
septic shock (Sepsis-3). Jama, v. 315, n. 8, p. 801-810, 2016. Disponível em:
https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2492881. Acesso em 09 de
julho de 2019.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

APARELHOS E CIRCUITOS ANESTÉSICOS

1. INTRODUÇÃO
A segurança do ato anestésico está parcialmente associada ao emprego da
tecnologia e de equipamentos modernos. Materiais para manejo de via aérea e
suplementação de oxigênio, circuitos anestésicos, ventiladores mecânicos e monitores
multiparamétricos fazem parte da rotina clínica, deste modo cabe ao anestesiologista
entender o seu funcionamento antes de utilizá-los nos pacientes.
A anestesia inalatória, cuja primeira utilização em um procedimento cirúrgico
ocorreu em 1846 por um dentista, é uma das principais técnicas de anestesia geral nos
dias de hoje. Esta modalidade, entretanto, necessita de aparelhos específicos para a
administração do agente hipnótico de forma precisa.

2. INSTRUMENTOS PARA MANEJO DE VIAS AÉREAS


O manejo das vias aéreas é fundamental para a homeostase do paciente, para a
oferta do gás anestésico e para a diminuição da poluição ambiental. Além disso, a perda
dos reflexos protetores predispõe a obstrução das vias aéreas superiores e a aspiração
de conteúdo gástrico após eventual regurgitação.

LARINGOSCÓPIO
Possibilita inspeção superficial da orofaringe, facilitando a intubação orotraqueal
(IOT) através da visualização direta das estruturas anatômicas. Embora alguns indivíduos
o considerem como instrumento opcional, devido à facilidade da IOT em cães e gatos,
este deve ser utilizado em todos os pacientes. Há casos em que as vias aéreas
apresentam-se alteradas, como em braquicefálicos ou em neoplasias na região da
faringe, tornando indispensável o uso do laringoscópio.

39
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Existem diversos tipos e tamanhos de lâminas de laringoscópio no mercado. As


mais comuns são o tipo Macintosh (lâmina curva) e o tipo Miller (lâmina reta), cuja
configuração facilita a IOT em determinadas espécies.

Fonte: Grimm et al., 2015.


Guias rígidos, como pinos intramedulares, também podem ser utilizados para
facilitar a IOT, principalmente em animais muito pequenos. Deve-se atentar para o
aparato rígido não ultrapassar a extremidade distal da sonda e lesionar as estruturas da
região.

SONDA ENDOTRAQUEAL
É o principal instrumento para manter as vias aéreas em pacientes anestesiados.
Quando colocada adequadamente possibilita as ventilações espontânea e mecânica,
protege os pulmões contra a aspiração de fluidos e diminui a contaminação do ambiente
com o gás anestésico.
A prática ideal é utilizar sondas estéreis de maior diâmetro interno possível,
desde que não haja trauma, a fim de diminuir a resistência respiratória, a chance de
obstrução por secreções e pressão necessária no cuff para selar a via aérea. A pressão
ideal é de 25 a 30 mmHg e valores excessivos podem causar lesões isquêmicas ou até
mesmo ruptura de traqueia.
Existem diversas formas para estimar o tamanho ideal de sonda para o paciente,
sendo uma delas através da palpação traqueal. Sua extremidade distal não deve
ultrapassar a entrada do tórax, enquanto a proximal não deve ficar muito distante dos
dentes incisivos (± 3 cm). Sondas demasiadamente compridas devem ser cortadas
porque aumentam a resistência respiratória, contribuem para o espaço morto artificial

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

e facilitam a intubação seletiva. Cateteres e sondas uretrais podem ser utilizados para
IOT em animais muito pequenos.

Fonte: Grimm et al., 2015.


Dispositivos supraglóticos, como a máscara laríngea, são alternativas menos
invasivas para manutenção da via aérea, podendo ser utilizados em algumas situações,
como na anestesia de gatos (PRASSE et al., 2016) e coelhos (ENGBERS et al., 2017),
espécies nas quais a IOT é, respectivamente, mais delicada e dificultosa.

3. CIRCUITOS ANESTÉSICOS
Os sistemas e circuitos são essenciais para a prática da anestesia inalatória, logo
devemos compreender o funcionamento dos seus componentes para utilizá-los da
melhor forma possível.
GASES MEDICINAIS
O oxigênio puro é o gás medicinal mais empregado na medicina veterinária. Seu
armazenamento é feito, na maioria das vezes, em cilindros de alta pressão que devem
estar localizados na parte de fora do estabelecimento. Tubulações contendo oxigênio
são caracterizadas pela cor verde.
É muito importante verificar a presença de um cilindro reserva e a quantidade
de gás disponível antes do início de todo procedimento. Para esse cálculo podemos
utilizar a Lei de Boyle-Mariotte, a qual enuncia que gases armazenados em sistemas
fechados apresentam, em temperatura constante, pressão e volume inversamente
proporcionais. A pressão indicada na válvula dos cilindros é representada pela unidade
kgf/cm², equivalente a uma atmosfera (1 kgf/cm² = 1 atm).
A Lei de Boyle-Mariotte é representada pela equação Pi x Vi = Pf x Vf. A pressão
inicial (Pi) corresponde à pressão contida no cilindro e o volume inicial (Vi) corresponde
ao volume comportado pelo mesmo. A pressão final, por sua vez, é uma constante com

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

o valor de uma atmosfera (1 atm) e o volume final é a incógnita da equação, ou seja, é


a quantidade de oxigênio em litros. Para calcular o tempo de oxigênio disponível para
uso devemos relacionar o Vf ao fluxo empregado no aparelho. Um exemplo será dado a
seguir.

*Pi = 150 kgf/cm²; Vi = 5 litros; fluxo = 2 l/min

Pi x Vi = Pf x Vf
150 x 5 = 1 x Vf
Vf = 750 litros

Acoplada ao cilindro está a válvula redutora de pressão, cujas funções são tornar
a pressão do gás compatível com a rede e com o aparelho anestésico (± 3 a 5 kgf/cm²) e
indicar a pressão do gás contido no cilindro. Após a redução da pressão o gás é levado
ao aparelho através de chicotes e seu fluxo é determinado pelo fluxômetro (l/min) ou
pelo rotâmetro (ml/min).
A exposição a elevadas concentrações de oxigênio possui efeitos deletérios no
organismo como atelectasia por absorção e formação das espécies reativas do oxigênio,
causando lesão endotelial, destruição de alvéolos, aumento da permeabilidade capilar
e fibrose pulmonar. Portanto, é recomendado titular a FiO2 através da mistura de
oxigênio com ar comprimido, cujas tubulações são caracterizadas pela cor amarela,
visando utilizar o mínimo possível para manter os valores de SpO2 e PaO2. Deve-se
considerar que grande parte dos fármacos utilizados na rotina anestésica causam
depressão respiratória, tornando necessária a suplementação de oxigênio. Valores de
FiO2 em torno de 40% costumam ser o suficiente para pacientes hígidos.
Aparelhos modernos fazem a mistura de gases na proporção desejada ou
indicam a FiO2 resultante da configuração dos fluxômetros/rotâmetros de oxigênio e ar
comprido. Entretanto, a FiO2 pode ser calculada como no exemplo abaixo.

Qual será a FiO2 resultante da mistura de uma parte de O2


com duas partes de ar comprimido (contém ± 20% de O2)?
1 x 100% + 2 x 20% = 120/3 = 40%

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

VAPORIZADORES
Ao entrar no aparelho de anestesia o gás diluente passa pelo vaporizador, peça
responsável por converter o anestésico da forma líquida para a gasosa. Há três tipos
disponíveis no mercado:
• Vaporizador universal: versão mais simples e mais acessível, porém com
menor segurança para uso. Pode ser preenchido com qualquer agente volátil,
entretanto não possibilita saber a concentração vaporizada, podendo atingir até 30%, e
não possui compensação de fluxo, temperatura e pressão. São utilizados apenas na
América do Sul e na África.
• Vaporizador tipo “Kettle”: semelhante ao universal, mas permite, através de
uma escala física ou digital, estimar a concentração vaporizada.
• Vaporizador calibrado: versão mais sofisticada e segura. Devido à sua
calibração de acordo com as características físico-químicas de cada agente anestésico,
permite o conhecimento da concentração vaporizada de maneira precisa. Possui
compensação de fluxo, temperatura e pressão e deve ser preenchido apenas com o
agente para qual foi fabricado. Necessita de manutenção periódica pelo fabricante.

CIRCUITOS AVALVULARES
Indicados para pacientes de pequeno porte (< 5 kg) devido à baixa resistência à
respiração, são caracterizados pela ausência de válvulas unidirecionais e pela ausência
de uma substância que absorva o CO2 exalado. Estes circuitos, portanto, não promovem
reinalação dos gases expirados, dependendo de um alto fluxo de gás fresco (200 a 500
ml/kg/min) para tal.
O alto fluxo de gás fresco proporciona mudanças mais rápidas no plano
anestésico do paciente. Contudo há maior perda de calor e umidade, poluição ambiental
e consumo de gás fresco e do anestésico utilizado. Bain e Baraka, ilustrados
respectivamente abaixo, são exemplos de circuitos avalvulares.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fontes: https://www.everest-tecnovet.com/anestesia/circuitos-bolsas-de-reservorio/circuito-anestesico-bain
e https://www.medaxo.com.br/conjunto-neonatal-para-anestesia-balao-500-ml-baraka

O balão reservatório, independentemente do tipo de circuito, tem como função


promover complacência ao sistema e criar uma reserva de gás que tem seu volume
alterado de acordo com o momento do ciclo respiratório, possibilitando a ventilação
manual. Seu tamanho recomendado é de 3 a 6 vezes o volume corrente do paciente.

CIRCUITOS VALVULARES
Indicados para pacientes acima de 5 kg devido à maior resistência à respiração,
são caracterizados pela presença de válvulas que impedem o fluxo bidirecional dos gases
e pela presença de uma substância que absorve o CO2 exalado. Estes circuitos, portanto,
promovem reinalação dos gases expirados.
De acordo com o posicionamento da válvula de alívio e com o fluxo de gás fresco
empregado podem ser classificados como fechados (3 a 14 ml/kg/min), com reinalação
total, ou semiabertos (50 a 100 ml/kg/min), com reinalação parcial. Suas vantagens são
maior conservação de calor e umidade, possibilidade de empregar a ventilação
mecânica, menor consumo de gás diluente e anestésico e diminuição da poluição
ambiental, principalmente quando conectados a um sistema antipoluente.
Sua composição é dada por uma válvula inspiratória (abre apenas na inspiração),
uma válvula expiratória (abre apenas na expiração), duas traqueias corrugadas e um
canister contendo cal sodada, responsável pela absorção do CO2 expirado. A cal é
composta por uma mistura de hidróxido de cálcio e hidróxido de sódio contendo violeta
de etila, corante biológico que assume a coloração violeta no momento em que a
capacidade máxima de absorção de CO2 da cal for alcançada.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

4. REFERÊNCIAS

ENGBERS, S. et al. Comparison of a supraglottic airway device (v-gel®) with blind


orotracheal intubation in rabbits. Frontiers in Veterinary Science, v. 4, p. 49, 2017.

GRIMM, K.A. et al. Veterinary anesthesia and analgesia: the fifth edition of Lumb
and Jones. 5 ed. St. Louis: Willey-Blackwell, 2015. 1061 p.

PRASSE, S.A. et al. Clinical evaluation of the v‐gel supraglottic airway device in
comparison with a classical laryngeal mask and endotracheal intubation in cats during
spontaneous and controlled mechanical ventilation. Veterinary Anaesthesia and
Analgesia, v.43, n. 1, p. 55-62, 2016.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

MONITORAMENTO DA PRESSÃO ARTERIAL

1. INTRODUÇÃO
Os fármacos empregados nas diversas técnicas anestésicas promovem, em sua
maioria, depressão cardiovascular. Existem diversos métodos de monitoração para este
sistema, porém nenhum parâmetro deve ser avaliado isoladamente. As intervenções
feitas pelo anestesiologista, quando baseadas na interpretação rápida dos dados
obtidos, podem melhorar o prognóstico do paciente, diminuindo, assim, a mortalidade.
A pressão arterial é um dos determinantes da perfusão dos órgãos, portanto sua
mensuração durante todos os procedimentos é indispensável. Ao aplicar a Lei de Hagen-
Poiseuille na circulação sistêmica podemos concluir que a PAM é a variável que melhor
reflete a perfusão.
Hipotensão, caracterizada em pequenos animais por PAS < 90 mmHg ou PAM <
60 mmHg, é uma das principais intercorrências da anestesia geral e a tolerância do
organismo a esta alteração irá depender da presença de comorbidades.

Fonte: Grimm et al., 2015.


Aferir corretamente a pressão arterial é uma tarefa desafiadora. Pacientes
críticos necessitam de métodos diretos (invasivos) devido à sua maior acurácia,
enquanto pacientes menos comprometidos podem ser submetidos às medidas indiretas
(não invasivas). Todas as formas de mensuração possuem suas particularidades e

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

precisam da técnica adequada para a obtenção de valores fidedignos e clinicamente


relevantes.

2. PRESSÃO ARTERIAL INVASIVA (PAI)


A cateterização de uma artéria periférica é considerada o padrão ouro para a
aferição da pressão arterial, permitindo uma avaliação precisa e em tempo real dos
valores de PAS, PAD e PAM. Os vasos comumente acessados em pequenos animais são
as artérias metatársica dorsal, radial, coccígea, auricular e lingual.
Há dois métodos para a aferição da PAI: os transdutores de pressão são
conectados ao monitor multiparamétrico para transformar o sinal mecânico em elétrico
e fornecem um traçado seguido dos três valores de PA, calculados através da área sob a
curva. O segundo método, por sua vez, é feito através da adaptação de um manômetro
a extensores, de forma que o pulso desloque o ponteiro, indicando apenas o valor de
PAM. Ambos os circuitos necessitam ser preenchidas com solução salina heparinizada
(2 a 5 UI/ml) para manter a patência do cateter.

Fontes: https://multisaude.com.br/artigos/pai-pressao-arterial-invasiva/ e
https://www.docsity.com/pt/pressao-arterial-anestesiologia-veterinaria/4739836/

O transdutor, quando utilizado, deve ser zerado de acordo com a pressão


atmosférica. Independentemente do método, direto ou indireto, a coluna d’ água ou o
manguito devem estar nivelados ao coração do paciente para compensação da ação
gravitacional. Para cada centímetro acima desta altura a PA é subestimada em ± 0,75
mmHg. Por outro lado, para cada centímetro abaixo desta altura a PA é superestimada
em ± 0,75 mmHg.
O teste da resposta dinâmica (ou teste da onda quadrada) é utilizado para
verificar se o sistema “cateter-tubulação-transdutor” está produzindo uma onda de PA
confiável. Para tal é necessário realizar uma lavagem rápida do sistema e avaliar as
deflexões da onda no monitor. Um sinal adequado produzirá duas deflexões, indicando

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

que os valores são confiáveis. Entretanto, as seguintes alterações, que não produzem
mudanças significativas no valor de PAM, podem ocorrer:
Overdamping: sinal hiporessonante (nenhuma deflexão) que resultará na
subestimação da PAS e superestimação da PAD. Pode ser causado por bolhas de ar,
excesso de comprimento ou complacência da tubulação, afrouxamento das conexões,
refluxo de sangue, vazamentos ou coágulos.
Underdamping: sinal hiperressonante (três ou mais deflexões) que resultará na
superestimação da PAS e subestimação da PAD. Pode ser causado por um cateter
estreito ou dobrado ou pelo contato da ponta do cateter com a parede do vaso.

Fonte: https://www.sciencedirect.com/topics/medicine-and-dentistry/invasive-blood-pressure

3. PRESSÃO ARTERIAL NÃO INVASIVA (PANI)


A aferição indireta da pressão arterial consiste na oclusão de uma artéria
periférica por um manguito conectado a um monitor (método oscilométrico) ou a um
esfigmomanômetro (doppler ultrassônico). Apesar da praticidade, esses métodos estão
sujeitos a erros de aferição e devem ser feitos com aparelhos de qualidade e validados
para uso veterinário, visto que monitores humanos apresentam dificuldade para aferir
a PA em animais pequenos.
Em pequenos animais o manguito é posicionado nos membros torácico (terço
distal do antebraço, próximo ao carpo) ou pélvico (terço distal da perna, próximo ao
tarso) ou na base da cauda, possuindo uma largura equivalente a 30-40% da
circunferência da região.
Manguitos estreitos tendem a superestimar os valores de PA, enquanto os largos
tendem à subestimação. Ao mesmo tempo, manguitos apertados agem como garrote e
necessitam de menor pressão para oclusão, pendendo à subestimação, enquanto os
frouxos precisam de uma pressão excessiva, pendendo à superestimação. Outros
fatores como a presença de pêlos, edema de membros, arritmias ou obesidade também
interferem na acurácia das aferições.
48
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

MÉTODO OSCILOMÉTRICO
A aferição da PA é feita através das oscilações da pressão à medida que o
manguito é esvaziado. A oclusão do fluxo sanguíneo arterial é dada quando a pressão
do manguito excede a PAS. Durante seu esvaziamento, o momento em que se iniciam
as oscilações positivas corresponde à medida da PAS. A leitura da PAM é feita quando
há oscilação máxima dentro de um ciclo e a PAD é determinada quando estas
subitamente diminuem.

Fonte: Lewis, 2019.

Os monitores oscilométricos são validados de acordo com sua acurácia e


precisão em diversas situações quando comparados ao padrão-ouro. De maneira geral
a PAM é a variável mais adequada do método oscilométrico, mantendo-se fidedigna em
situações de hipo, normo e hipertensão. A PAS tende à subestimação conforme a PA do
paciente se eleva.
Em situações de medidas anormais (60 ≥ PAM ≥ 100) é recomendado repetir
manualmente a aferição por mais duas vezes e verificar a proximidade dos valores.
Falhas consecutivas na mensuração da PA devem levar o anestesiologista à suspeita de
hipotensão severa.
O uso do petMAP™, monitor portátil de PA, é recomendado para avaliação da
PAM em gatos, entretanto há superestimação das medidas em cães.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

DOPPLER ULTRASSÔNICO
O posicionamento do sensor sobre uma artéria periférica emitirá o som do fluxo
sanguíneo, permitindo avaliação subjetiva da perfusão. A insuflação do manguito irá
ocluir o fluxo e, por consequência, cessar o som. O manguito deve ser lentamente
esvaziado através do esfigmomanômetro e o valor de PAS é aquele no qual o som volta
a ser audível.
O doppler ultrassônico pode ser empregado em raças de diversos portes e é a
forma indireta mais adequada para monitoração contínua durante a anestesia. Este
método permite apenas a aferição da PAS e tende a subestimá-la conforme o valor de
PA aumenta, porém os valores permanecem fidedignos em situações de hipo e
normotensão. Em situações de hipotensão severa pode ocorrer falha na leitura devido
à dificuldade de localização do pulso periférico.

REFERÊNCIAS

DUKE-NOVAKOVSKI, T.; CARR, A. Perioperative Blood Pressure Control and


Management. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 45, n. 5, p.
965–981, 2015.

GRIMM, K.A. et al. Veterinary anesthesia and analgesia: the fifth edition of Lumb
and Jones. 5 ed. St. Louis: Willey-Blackwell, 2015. 1061 p.

LEWIS, P.S. Oscillometric measurement of blood pressure: a simplified


explanation. A technical note on behalf of the British and Irish Hypertension Society.
Journal of Human Hypertension, v. 33, n. 5, p. 349-351, 2019.

MUNTNER, P. et al. Measurement of blood pressure in humans: a scientific


statement from the American Heart Association. Hypertension, v. 73, n. 5, p. e35-e66,
2019.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA DISSOCIATIVA
1. INTRODUÇÃO
A anestesia dissociativa é caracterizada pela capacidade de dissociar os sistemas
talamocortical e límbico, causando principalmente alteração no estado de consciência e
analgesia.

2. MECANISMOS DE AÇÃO E EFEITOS CLÍNICOS


Os mecanismos de ação dos fármacos dissociativos estão relacionados à redução
direta na atividade do tálamo (centro de organização das sinapses) e do córtex (centro
de processamento), com aumento concomitante da atividade do sistema límbico. Isso
faz com que o organismo seja incapaz de receber e processar informações sensoriais de
maneira adequada.
Os fármacos interagem com diferentes receptores para produzir seus efeitos. A
analgesia está relacionada principalmente a antagonismo de receptores NMDA e
agonismo de receptores opioides. O antagonismo NMDA previne a neurotransmissão
excitatória glutamatérgica, causando a depressão talamocortical e prevenido o
fenômeno de facilitação da transmissão espinhal da dor (Wind-up). Seus efeitos
analgésicos estão relacionados a doses subanestésicas e tem maior eficácia sobre a dor
somática, com indicações de uso como analgésico preemptivo (geralmente como
coindutor), transoperatório e pós-operatório.
Os dissociativos também exercem antagonismo muscarínico, impedem a
transmissão glutamatérgica, bloqueiam a receptação de catecolaminas e bloqueiam
canais de potássio e sódio, podendo exercer discretos bloqueio sensitivo semelhante a
anestésicos locais.
Os efeitos clínicos característicos da anestesia dissociativa são:
Sistema nervoso central: Estado cataléptico por dissociação talamocortical e do
sistema límbico. Catatonia, nistagmo, amnésia, analgesia e manutenção dos olhos
abertos. Em geral, ocorre excitação pós operatória (delirium) com ataxia, sensibilidade
ao toque, hipertonicidade e movimentos involuntários não associados a dor. Os efeitos
podem ser reduzidos com associação a sedativos, tranquilizantes e miorrelaxantes.
Causa aumento do fluxo sanguíneo cerebral, do consumo de oxigênio e da pressão
intracraniana (vasodilatação cerebral associada a aumento na pressão arterial).
Sistema cardiovascular: Promove estimulação simpática por inibição da
receptação de noradrenalina. Sua administração cursa com aumento na frequência
cardíaca, pressão arterial sistêmica e pulmonar, aumento no débito cardíaco e aumento
no requerimento de oxigênio pelo miocárdio. Pacientes críticos podem ter exaustão nas
reservas de catecolaminas e no mecanismo compensatório do sistema nervoso
simpático, e a administração de cetamina pode causar redução na pressão arterial

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

sistêmica e no débito cardíaco por efeitos inotrópicos negativos diretos do fármaco.


Pacientes cardiopatas podem não tolerar bem os efeitos de aumento no trabalho
cardíaco. Portanto, deve ser utilizada com cautela em pacientes com cardiomiopatia
hipertrófica, insuficiência cardíaca, hipertensão pulmonar, estenoses ou em animais
taquicárdicos.
Sistema gastrointestinal: Não altera a motilidade, mesmo em infusão contínua.
Pode cursar com sialorreia intensa.
Sistema respiratório: Não provoca depressão respiratória significativa e mantém
a resposta a hipóxia e hipercapnia. Está associada ao padrão respiratório apneustico
(inspiração prolongada e expiração curta) e tem efeito broncodilatador. Mantém os
reflexos da laringe e faringe, mas não são coordenados e não são protetores
(recomenda-se intubação).
Outros efeitos: atravessa a barreira placentária. Cursa com aumento da pressão
intraocular.

3. FÁRMACOS DISSOCIATIVOS
Os anestésicos dissociativos são derivados da fenciclidina. Os fármacos mais
utilizados em medicina veterinária são a cetamina e a tiletamina. De maneira geral, são
fármacos de curta latência quando administrados por via intravenosa ou intramuscular,
com pico de concentração plasmática de 1min por via intravenosa e 10min por via
intramuscular. São altamente lipossolúveis, o que lhes confere boa taxa de passagem
pela barreira hematoencefálica.

Cetamina: A maioria das formulações comerciais contém a mistura racêmica.


Seu isômero positivo (S-cetamina) prove analgesia mais intensa, é depurado mais
rapidamente e tem menores efeitos adversos em relação ao isômero negativo (R-
cetamina). A cetamina racêmica está disponível em solução aquosa 10%, com pH de 3,5
- 5,5. Tem taxa de ligação proteica de 50% e é hidrossolúvel.
É metabolizada pelo sistema microssomal hepático, produzindo o metabólito
ativo norcetamina, que é hidroxilado e conjugado para excreção renal. Deve ser utilizada
com cautela em pacientes hepatopatas e nefropatas.
Dose anestésica em cães:
o 5 – 7,5 mg/kg IV, latência de 1 min
o 5 – 10 mg/kg IM, latência de 10min
Dose anestésica em gatos
o 5 – 10 mg/kg IV, latência de 1 min

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

o 5 – 15 mg/kg IM, latência de 10min


Dose analgésica em pequenos animais: 0,5 mg/kg IV
Dose em equinos: 2,2 mg/kg IV

Tiletamina: Comercialmente associada ao benzodiazepínico zolazepam e


disponível como Telazol® ou Zoletil®. Está disponível em pó liofilizado e pode ser
reconstituída em 5mL de solução salina 0,9%, dextrose 5% ou água para injeção. De
maneira semelhante à cetamina, é metabolizada pelo fígado e eliminada pelos rins.
Deve-se levar em consideração que em felinos o efeito do zolazepam é
mais longo que o da tiletamina, e os efeitos sedativos do benzodiazepínicos são mais
prolongados. Em cães, a duração dos efeitos da tiletamina é maior, e seus efeitos
catalépticos e de delírio podem ser mais evidentes na recuperação.
Dose anestésica em cães:
o 1 mg/kg IV, latência de 1 min
o 3 – 6 mg/kg IM, latência de 10min
Dose anestésica em gatos
o 4 – 7 mg/kg IM

4. INDICAÇÕES DE USO
Procedimentos cirúrgicos menos complexos associado à anestesia local (ex.
castração de equinos machos).
Contenção química e sedação de cães e gatos: geralmente em associação com
outros fármacos.
Uso em animais domésticos e selvagens.
Parte do protocolo de indução: a cetamina é frequentemente utilizada como
coindutor para promover analgesia, reduzir a necessidade de outros fármacos indutores
e para aumentar a concentração plasmática do fármaco para uso de infusão contínua.
Manutenção anestésica: a infusão contínua de cetamina contribui para analgesia
e redução na CAM de agentes inalatórios.
Anestesia balanceada.
Analgesia pós-operatória (doses subanestésicas)
Pode ser utilizada por via oral em pacientes irracíveis, mas tem menor
biodisponibilidade.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Vantagens: Fácil de realizar e com ampla margem de segurança (aceitável em


campanhas de castração de cães e gatos), tem custo reduzido, não há necessidade de
aparelhos específicos, tem boa estabilidade cardiovascular e respiratória, promove
analgesia.
Desvantagens: Efeito cumulativo; recuperação com delírio; controle do plano
anestésico é mais difícil; depende de metabolismo hepático; depende da integridade da
função renal para excreção.

5. ASSOCIAÇÕES COMUNS
A cetamina é comumente utilizada em associação para proporcionar
relaxamento muscular, aumento do tempo de imobilização e melhor qualidade de
indução e recuperação. Quando utilizada de maneira isolada pode levar a uma
recuperação acompanhada de alucinações, ataxia, aumento da atividade locomotora,
sensibilidade ao toque e hiperreflexia.
As tabelas a seguir mostram algumas associações comuns entre anestésicos
dissociativos e outras classes farmacológicas.
A cetamina é muito
utilizada na anestesia de
equinos a campo,
especialmente em
associações como o
“triple drip”, composto
por EGG + cetamina +
xilazina.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

6. REFERÊNCIAS

FANTONI, D.T.; CORTOPASSI, S.R.G. Anestesia em Cães e Gatos. São Paulo: Roca,
2002.

BERRY, Stephanie. Anestésicos injetáveis. In: GRIMM, Kurt A. Lumb & Jones
Anestesiologia e Analgesia veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2017. p. 829-890.

ESCOBAR, André. Anestesia dissociativa. In: MARÚCIO, Rodrigo Luiz. PAV – Pós
Anestesia Veterinária: Apostila 2018. São Paulo, 2018. p. 23-28.

NETO, Francisco José Teixeira; LUNA, Stelio Pacca Loureiro. Anestesisa


Dissociativa em Pequenos Animais. In: LUNA, Stelio P. L.; AGUIAR, Antônio J. A. NETO,
F. J. T. Anestesiologia em pequenos animais. Faculdade de Medicina Veterinária e
Zootecnia (FMVZ – Unesp), Botucatu, 2016. p. 140-153.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTÉSICOS INTRAVENOSOS

1. INTRODUÇÃO
Os anestésicos intravenosos são fármacos injetáveis capazes de promover
depressão dose-dependente e reversível do sistema nervoso central, resultando em
perda da consciência e da resposta motora a estímulos.
A anestesia geral é um estado composto por inconsciência, relaxamento
muscular, analgesia e proteção das funções neurovegetativas (em seres humanos
também há o componente “amnésia”), portanto a administração isolada deste grupo de
fármacos torna-se insuficiente para tal.
Todos os fármacos empregados na rotina possuem efeitos desejáveis e
indesejáveis em diversos sistemas orgânicos, desta maneira o conhecimento da
farmacocinética e farmacodinâmica, em conjunto à avaliação individual do paciente,
devem guiar o anestesiologista para a escolha mais adequada.

2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Manter o estado de anestesia geral no paciente exclusivamente através de
fármacos injetáveis é conhecido como anestesia total intravenosa ou, do inglês, TIVA
(total intravenous anesthesia). Como qualquer técnica, possui vantagens, desvantagens
e indicações:
Vantagens: menor depressão cardiovascular, ausência de sobrecarga pulmonar
e ausência de poluição ambiental;
Desvantagens: maior dificuldade no controle do plano anestésico,
impossibilidade de superficialização rápida, recuperação prolongada e necessidade de
integridade orgânica para eliminação dos fármacos;
Indicações: indução da anestesia geral, sedação ou manutenção de inconsciência
em pacientes de UTI, procedimentos diagnósticos e cirurgias específicas como
toracotomias e intervenções nos sistemas nervoso e cardiovascular.

Equipamentos como bombas de infusão calibradas (peristálticas e/ou de seringa)


são essenciais para aumentar a segurança e a precisão da administração dos fármacos,
que pode ser feita das seguintes maneiras:
Bolus único: administração intravenosa cujo objetivo é aumentar rapidamente a
concentração plasmática do fármaco. É utilizado para indução da anestesia geral e deve
ser realizado antes do início de infusões contínuas, com o propósito de alcançar a janela

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

terapêutica. Infusões não precedidas pela administração em bolus levam de 4 a 5 vezes


o tempo de meia-vida do fármaco para alcançá-la;
Bolus intermitente: realização de diversos bolus durante um intervalo de tempo.
Devido às oscilações na concentração plasmática do fármaco pode acarretar sub ou
sobredoses, ou seja, variações em seu efeito clínico;
Infusão contínua: administração contínua de um fármaco ao longo do tempo,
através de uma bomba de infusão peristáltica ou de seringa. Após a realização do bolus
inicial (loading dose) tende a manter o fármaco em sua janela terapêutica, mas, de
acordo com o perfil farmacocinético do mesmo, pode levar ao acúmulo;
Infusão contínua em taxa variada: redução da taxa da infusão do fármaco ao
longo do tempo a fim de evitar o efeito cumulativo;
Infusão alvo-controlada: modalidade de infusão contínua onde um algoritmo
baseado em um modelo farmacocinético permite o controle da concentração do
fármaco em seu sítio efetor. Na medicina veterinária essa técnica ainda se encontra em
nível experimental, pois há muita variação entre os fármacos e, principalmente, entre
as espécies e indivíduos.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Chambers, 2018.

3. ANESTÉSICOS INTRAVENOSOS
TIOPENTAL
Pertencente à classe dos barbitúricos, o tiopental apresenta atividade hipnótica
e anticonvulsivante de duração ultracurta. Durante anos foi empregado como o
principal indutor anestésico na medicina veterinária, porém, hoje, seu uso é limitado a
situações específicas devido ao seu perfil farmacológico e ao desenvolvimento de novos
fármacos.
É um sal sódico comercializado como pó liofilizado, reconstituído com a adição
de água destilada ou NaCl 0,9% para formar soluções — estáveis por 7 dias em
temperatura ambiente — com concentrações de 5% (equinos), 2,5% (cães) ou 1,25%
(gatos). Devido à sua alcalinidade (pH = 10-11 e pKa = 7,6), a via intravenosa é
mandatória, uma vez que a administração extravascular pode resultar em necrose
tecidual.
Os barbitúricos, em geral, deprimem o sistema nervoso central através da
ativação de receptores GABAa, promovendo aumento da condutância de íons cloro e,
por consequência, hiperpolarização da membrana pós-sináptica. Além disso, estes
fármacos mantêm os canais de cloro abertos por mais tempo devido à diminuição da
taxa de dissociação do neurotransmissor GABA com seus receptores.

Farmacocinética: elevada lipossolubilidade (↑ potência e ↓ latência), rápida


redistribuição para tecidos menos perfundidos resultando em efeito cumulativo,
elevada ligação às proteínas plasmáticas, biotransformação pelo sistema microssomal
hepático e excreção renal;
Farmacodinâmica:

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

o sistema nervoso central: ↓ taxa de consumo de O2 cerebral, ↓


fluxo sanguíneo cerebral, ↓ pressão intracraniana e depressão do centro
termorregulador hipotalâmico;
o Sistema cardiovascular: ↓ volume sistólico, inotropismo
negativo, ↓ pressão arterial, ↑ frequência cardíaca, ↓ resistência vascular e
↓ consumo de O2 pelo miocárdio;
o Sistema respiratório: depressão dose-dependente dos centros
respiratórios, ↓ resposta à hipoxemia e/ou hipercapnia, ↓ volume minuto e
possível apneia;
o Outros sistemas: ↓ fluxo sanguíneo renal, ↓ taxa de filtração
glomerular, ↓ débito urinário, ↓ tônus uterino, depressão fetal e ↓ pressão
intraocular.

Fonte: Grimm et al., 2015.

ETOMIDATO
Composto imidazólico utilizado para indução da anestesia geral devido à sua
mínima depressão cardiorrespiratória. Sua apresentação comercial possui o
propilenoglicol como solvente, o que torna a solução hiperosmótica e pode provocar
hemólise, dor à injeção, flebite e reações de hipersensibilidade. Portanto recomenda-se
diluir o fármaco antes da administração.
O etomidato, assim como grande parte dos anestésicos intravenosos, atua nos
receptores GABA e potencializa a ação deste neurotransmissor, o qual promove influxo
de íons cloro para hiperpolarizar a membrana pós-sináptica, resultando em depressão
do sistema nervoso central e hipnose.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Apesar da estabilidade hemodinâmica característica do fármaco, seu uso traz


efeitos indesejáveis como mioclonias, náusea e inibição da conversão de colesterol em
cortisol nas glândulas adrenais por aproximadamente 6 horas, mesmo em bolus único.
Sendo assim, deve-se associar um benzodiazepínico (preferencialmente midazolam,
pois o diazepam também possui propilenoglicol como solvente) ao protocolo anestésico
e não administrar o etomidato em infusão contínua.
Farmacocinética: lipossolúvel (↑ potência e ↓ latência), não apresenta efeito
cumulativo, elevada ligação às proteínas plasmáticas, duração ultracurta,
biotransformação hepática e por esterases plasmáticas e excreção renal (maior parte) e
biliar;
Farmacodinâmica:
o Sistema nervoso central: ↓ taxa de consumo de O2 cerebral, ↓
fluxo sanguíneo cerebral e ↓ pressão intracraniana;
o Sistema cardiovascular: diminuições discretas ou inexistentes em
frequência cardíaca, volume sistólico, contratilidade do miocárdio,
resistência vascular e pressão arterial. Os mecanismos compensatórios do
sistema nervoso autônomo simpático também sofrem poucas alterações;
o Sistema respiratório: diminuição discreta do volume corrente
com aumento compensatório da frequência respiratória. Apneia é incomum,
podendo acontecer após administração rápida do fármaco.

Fonte: Grimm et al., 2015.

PROPOFOL
Representante da classe dos alquifenois, o propofol, hoje, é o anestésico
intravenoso mais popular na prática das medicinas humana e veterinária, empregado
na forma de bolus único (indução) ou infusão contínua (manutenção). Seu perfil
farmacológico permite, quando utilizado em uma anestesia balanceada, um rápido
despertar e suave com poucos efeitos residuais.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Comercializado na forma de emulsão aquosa (10% de óleo de soja, 2,25% de


glicerol e 1,2% de lecitina de ovo), apresenta-se como um líquido de aspecto leitoso e
pH próximo à neutralidade. O frasco, após aberto, deve ser utilizado em até 6 horas em
virtude de eventual contaminação por microorganismos. Quando usado na manutenção
anestésica, as linhas de infusão devem ser trocadas a cada 12 horas.
Sua aplicação, assim como a dos demais indutores, deve ser titulada e lenta,
buscando reduzir a incidência de efeitos indesejáveis. A depressão da consciência é
observada após 20 a 30 segundos e, quando administrado em bolus único, dura de 2 a
8 minutos. Pode causar dor à injeção, mas não está relacionado com flebite ou necrose
tecidual em administrações extravasculares acidentais.
Tal como os barbitúricos, o propofol deprime o sistema nervoso central através
da ativação de receptores GABAa, promovendo aumento da condutância de íons cloro
e, por consequência, hiperpolarização da membrana pós-sináptica. Além disso, mantém
os canais de cloro abertos por mais tempo devido à diminuição da taxa de dissociação
do neurotransmissor GABA com seus receptores.
Quantidades excessivas de propofol — ou seu uso em infusões contínuas por
longos períodos de tempo — podem induzir lesões oxidativas nas hemácias dos felinos
em decorrência da deficiência na conjugação hepática da espécie. Aparecimento de
corpúsculos de Heinz, edema facial, prostração, anorexia e diarreia são sinais
relacionados a este contexto.
Farmacocinética: lipossolúvel (↑ potência e ↓ latência), não apresenta efeito
cumulativo, elevada ligação às proteínas plasmáticas, rápido clearance metabólico,
rápida redistribuição, biotransformação hepática e extra-hepática (esterases
plasmáticas, pulmões, intestinos e rins) e excreção renal;
Farmacodinâmica:
o Sistema nervoso central: ↓ taxa de consumo de O2 cerebral, ↓
fluxo sanguíneo cerebral, ↓ pressão intracraniana, manutenção da resposta
ventilatória à hipercapnia, depressão do centro termorregulador
hipotalâmico e efeitos miorrelaxante e anticonvulsivante;
o Sistema cardiovascular: ↓ frequência cardíaca, ↓ resistência
vascular, inotropismo negativo, ↓ débito cardíaco e ↓ pressão arterial com
↓ da resposta barorreflexa;
o Sistema respiratório: depressão dose-dependente dos centros
respiratórios, ↓ resposta à hipoxemia e/ou hipercapnia, ↓ volume minuto
e apneia velocidade-dependente;
o Outros sistemas (pouco frequente): opistótono, ↑ rigidez
torácica e postura de Schiff-Sherrington.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Grimm et al. 2015.

4. REFERÊNCIAS
ABSALOM, A.R. et al. Target-controlled infusion: a mature technology.
Anesthesia and analgesia, v. 122, n. 1, p. 70-78, 2016.

CHAMBERS, D.J. Principles of intravenous drug infusion. Anesthesia and


intensive care medicine, v. 20, n. 1, p. 61-64, 2018.

GRIMM, K.A. et al. Veterinary anesthesia and analgesia: the fifth edition of Lumb
and Jones. 5 ed. St. Louis: Willey-Blackwell, 2015. 1061 p.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

DOR

1. INTRODUÇÃO
A dor pode ser definida, de acordo com a International Association for the Study
of Pain (IASP), como “uma sensação e uma experiência desagradáveis, associadas a
dano tecidual real ou potencial, ou descritas em termos de tal dano”. É uma experiência
individual e multifatorial que envolve a percepção de estímulos (nocicepção) e envolve
componentes subjetivos (emocionais) que causam algum grau de sofrimento. Deve ser
distinguida da nocicepção, um processo neuronal que inclui a codificação e o
processamento de estímulos nocivos a partir da ativação de receptores nociceptivos,
não necessitando de componente emocional. Portanto, ocorre mesmo se o paciente
estiver inconsciente ou incapaz de perceber o estímulo.
A dor pode ser considerada como um dos cinco sinais vitais, juntamente com a
pressão arterial, a frequência cardíaca, a temperatura e a respiração. Os três pilares da
dor são:
Sensorial-discriminativo, relacionado às propriedades mecânicas, térmicas e
espaciais, ou seja, a localização e qualificação da dor.
Cognitivo-avaliativo, relacionada às experiências prévias que podem modificar a
resposta ao estímulo doloroso.
Motivacional-efetivo, que envolve o sofrimento, medo, tensão e ansiedade que
relacionados à dor, as respostas neurovegetativas e alterações comportamentais.

CLASSIFICAÇÃO DA DOR
Quanto à localização
o Somática: dor expressa em tecidos superficiais e profundos, como
pele, ligamentos, ossos e musculatura.
o Visceral: dor originada em órgãos abdominais e torácicos.
Quanto à etiopatogenia
o Dor Nociceptiva: Oriunda da ativação de receptores nervosos de
dor (nociceptores) por estimulação química, mecânica ou térmica. Pode ter
origem somática ou visceral. A dor visceral geralmente não tem localização
anatômica bem definida. A dor inflamatória está associada à inflamação
ativa após o dano e pode ser classificada como dor nociceptiva. Tem início
rápido e sua intensidade está relacionada ao grau de lesão. Geralmente
termina com o a resolução (cicatrização) da lesão primária.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

o Dor Neuropática: é consequência direta da injúria ao um


componente do sistema somatossensorial, envolvendo qualquer
componente central ou periférico das vias sensitivas. Resulta de alterações
celulares em neurônios sensitivos espinhais ou supraespinhais por ativação
contínua do sistema nociceptivo. Na maioria das vezes, origina-se a partir da
dor aguda não tratada ou tratada de forma insuficiente, passando a ser
crônica. Pode ser periférica ou central.
Quanto à duração/curso
o Dor Aguda
o Dor Crônica

2. FISIOLOGIA DA DOR
A transmissão da informação dolorosa pode ser descrita em quatro
etapas distintas: transdução, transmissão, transdução e percepção.

a. Transdução: Consiste na transformação


de um estímulo externo (químico, mecânico ou
térmico) em impulso elétrico (potencial de ação).
Ocorre por meio de terminações nervosas
especializadas de um neurônio sensitivo primário.
Essas terminações, chamadas nociceptores, podem
ser de diferentes tipos, estão localizadas em partes
diferentes do organismo e respondem de maneira
diferente aos estímulos. Após a injúria tecidual
ocorre um processo inflamatório que resulta em
alterações no ambiente químico dos nociceptores.
São liberadas substâncias mediadoras chamadas algogênicas que modificam o
funcionamento dos nociceptores, aumentando sua sensibilidade. Esses mediadores são
responsáveis pela hiperalgesia térmica e mecânica e pela vasodilatação. Dentre eles,
pode-se citar citocinas produzidas por células inflamatórias, glutamato, bradicinina,
serotonina, prostaglandinas, histamina e substância P.

64
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

b. Transmissão: A partir de um potencial gerado nos nociceptores – sejam


eles viscerais, osteoarticulares, musculoesqueléticos ou tegumentares – o estímulo
seguirá pelas fibras aferentes primárias até a medula espinhal. As fibras aferentes
primárias são classificadas de acordo com as características da transmissão e de seus
axônios:

Cond Mielini Diâ


Fibras Função
ução zação metro (mm)
12 - Propriocep
α +++
20 ção e motora
5 - Tato e
β 10- +++
A 12 pressão
120 m/s
γ +++ 3-6 Muscular
Dor e
Δ +++ 2-5
temperatura
10- Autonômic
B + <3
20 m/s a pré-ganglionar
raiz 0,4 -
- Dor
dorsal 0,5-2 1,2
C
simp m/s 0,3 - Autonômic
-
ático 1,3 a pós-ganglionar

As fibras aferentes primárias responsáveis pela transmissão nociceptiva


são as fibras A-Δ e C. As fibras A-Δ são mielinizadas e transmitem impulsos mecânicos
de alto limiar de forma rápida. Geralmente respondem pela primeira fase da dor, que
rápida, intensa e bem localizada. É responsável pela dor “em pontada”. Fibras C são
amielínicas e são ativadas pos estímulos intensos (tem limiar mais alto), conduzindo o
estímulo de forma lenta. Correspondem a 70% dos nociceptores cutâneos e são
responsáveis pela sensação dolorosa em “ardência” ou “queimação”.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Modulação: A informação propagada pelas fibras aferentes primárias é


conduzida ao corno dorsal da medula espinhal por meio da raiz dorsal do nervo espinhal.
O corno dorsal da medula espinhal não funciona somente como uma estação de coleta
de informações, mas possui interneurônios capazes de modificar o processamento das
informações sensitivas, inibindo ou facilitando a transmissão dos potenciais.
No processo de modulação dos estímulos, estão envolvidos vários
neurotransmissores excitatórios, sendo o glutamato o principal deles, além da
substância P e do aspartato. Entre os neurotransmissores inibitórios destacam-se:
encefalina, serotonina, ácido gama-aminobutírico (GABA), glicina, acetilcolina e
noradrenalina. A maioria dos neurotransmissores excitatórios atua em receptores
NMDA e AMPA. Ao se ligar a esses receptores, o glutamato gera um potencial excitatório
com ativação das vias ascendentes que transmitem a dor para centros supraespinhais.

Alguns desses receptores, peptídeos e neurotransmissores (substância P,


neurocinina-A, glutamato, aspartato) estão envolvidos no fenômeno de sensibilização,
que cursa com redução no limiar de sensibilidade neuronal por estimulação persistente
de nociceptores e liberação exacerbada desses mediadores. Com isso, ocorre
hiperexcitabilidade de neurônios do SNC por ativação dos receptores, como NMDA
(sensibilização central).
A sensibilização central é baseada no desequilíbrio da relação entre estímulo
doloroso e sua resposta, evoluindo para hiperalgesia ou alodinia, fenômenos
patológicos de dor. A hiperalgesia é a dor exacerbada em resposta a um estímulo
nociceptivo. Já a alodinia consiste na sensação de dor em resposta a um estímulo não
nociceptivo.

66
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Além de ser importante na modulação de vias ascendentes, a medula espinhal


também tem papel fundamental na antinocicepção descendente através de mediadores
como GABA, glicina, norepinefrina, peptídeos opiáceos endógenos e serotonina.
Uma vez integrados e modulados no corno dorsal da medula espinhal, os
estímulos nociceptivos são projetados aos centros supraespinhais por vias ascendentes,
denominadas tratos. Os principais tratos ascendentes são: espinotalâmico,
espinorreticular, espinomesencefálico e espino-hipotalâmico.

Percepção: A percepção consiste na última fase da via ascendente da dor. Ao


chegar nos centros supraespinhais, o estímulo nociceptivo é integrado, processado e
reconhecido (percebido). Diferentes regiões do cérebro e do tronco encefálico
participam do processo.
O sistema ativador reticular ascendente (SARA) é um importante centro
integrador, enviando informações ao tálamo e sistema límbico. Também participa da
formação de respostas autonômicas, motoras e endócrinas. O tálamo é um grande
centro de projeção das informações ascendentes ao córtex e ao sistema límbico, que
influencia no componente motivacional da dor. O córtex sensitivo primário localiza e
discrimina a intensidade da dor. É a porção capaz de modular aspectos cognitivos e
emocionais da sensação, interferindo diretamente no componente comportamental da
dor.
Os diversos níveis do sistema nervoso central modulam a dor por inibição ou
exacerbação da sinapse ascendente, atuando também da sinapse descendente.

3. DOR AGUDA
A dor aguda é a “dor fisiológica”. Em geral, está associada a dano tecidual real
ou potencial, resultante de lesão traumática, cirúrgica ou infecciosa. Surge de maneira
repentina e tem duração limitada. Ocorre em diferentes situações condições
patológicas, em cirurgias e traumatismos. Está presente em quase todos os indivíduos
após intervenções cirúrgicas. A dor aguda ocorre em diferentes intensidades e surge
como um mecanismo de defesa do organismo, capaz de alterar o comportamento do
animal para evitar danos ou otimizar a cura. Normalmente responde bem à terapia
analgésica.

TRATAMENTO DA DOR AGUDA


O tratamento tem início com um bom diagnóstico de localização, causas e
avaliação da intensidade da dor. A partir dessas informações, são determinadas
condutas para intervenção, que pode ser farmacológica ou não. De maneira geral, a
terapia deve ser preferencialmente multimodal, o que implica na utilização de agentes
67
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

e técnicas que atuam em diferentes segmentos (centrais e/ou periféricos) da via


nociceptiva. A analgesia multimodal promove sinergismo entre os fármacos e técnicas,
o que permite a redução de doses individuais de cada agente e seus possíveis efeitos
colaterais, além de prevenir a ocorrência de dor crônica.

O tratamento da dor aguda é baseado em três classes de analgésicos principais:


antiinflamatórios não esteroidais (AINES), opioides e anestésicos locais. Esses fármacos
geralmente são utilizados como analgésicos preemptivos na rotina anestésica, mas
também são capazes de tratar a dor já estabelecida e participar de seu controle.

OPIOIDES
Os opioides são agentes, naturais ou sintéticos, capazes de agir em sítios
específicos, denominados receptores opióides (µ, κ, σ e Δ). Os fármacos da classe são
conhecidos por seu potente efeito analgésico, mas também têm potencial sedativo e
causam diferentes efeitos no organismo de acordo com o tipo de receptor ativado,
localização e o tipo de relação estabelecida com esse receptor. Os opioides podem ser:
Agonistas totais: apresentam alta afinidade e atividade em seus receptores e,
portanto, máxima eficácia. São representados pela morfina, metadona, meperidina,
fentanila. Conferem analgesia potente, sem efeito teto, mas causam os clássicos efeitos
adversos de maneira dose-dependente.
Agonistas parciais: apresentam afinidade parcial por alguns receptores, e,
portanto, eficácia analgésica menor que os agonistas puros. Têm efeito-teto, o que
significa que a partir de determinada dose, a analgesia não aumenta. Os agonistas
parciais são representados principalmente pela buprenorfina.
Agonistas-antagonistas: antagonistas de receptores µ e agonista de receptores
κ. Apresentam menor eficácia analgésica e têm efeito-teto. Os principais representantes
da classe são o butorfanol e a nalbulfina.

68
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Antagonistas: Ligam-se ao receptor com alta afinidade e não produzem efeito,


inibindo também a ligação de agonistas. A naloxona é o antagonista utilizado na rotina
anestésica.
Os receptores opioides são acoplados à proteína Gi, e sua ativação inibe a
atividade da adenilciclase, ativa canais de K+ e suprime canais de cálcio dependentes de
voltagem. De maneira geral, exercem efeitos pré-sinápticos, reduzindo a liberação de
neurotransmissores no corno dorsal da medula, e efeitos pós-sinápticos,
hiperpolarizando a célula por aumento no efluxo de K+. Seus efeitos analgésicos
ocorrem a nível espinhal, supraespinhal e local, atuando nas vias de transdução,
transmissão, modulação e percepção da dor.
Os opioides são indicados para analgesia em dor aguda de maneira preventiva
(como medicação pré-anestésica), durante o trans-anestésico ou no pós-operatório.
Além de seus efeitos analgésicos e sedativos, são capazes de reduzir a CAM de agentes
inalatórios e potencializam outros anestésicos. Em geral, seus principais efeitos adversos
estão relacionados a excitação (animais hígidos, equinos e felinos), depressão
cardiorrespiratória, retenção urinária, constipação, vômito e dependência.
Morfina: agonista total com excelente eficácia analgésica, amplamente
empregada no controle de dor severa. Promove sedação leve e estabilidade
cardiorrespiratória. Quase sempre causa vômitos e pode causar liberação de histamina
quando administrada por via intravenosa. É metabolizada pelo sistema microssomal
hepático por glicuronização, formando alguns metabólitos com propriedades
analgésicas.
Meperidina: agonista total menos potente e com menor eficácia analgésica que
a morfina. Promove sedação, não induz vômito ou depressão respiratória, mas reduz o
inotropismo cardíaco e causa liberação de histamina. Não é rotineiramente empregada
no controle de dor aguda, sendo mais importante como medicação pré-anestésica.
Metadona: Agonista total muito potente e eficaz. Também atua em receptores
NMDA e inibe receptação de monoaminas, mostrando-se eficaz também no controle de
dor crônica e neuropática. Não causa liberação de histamina e tem pouco potencial de
liberação de histamina e vômito. Causa redução na frequência cardíaca, taquipneia e
liberação de vasopressina (cursa com vasoconstrição).
Tramadol: Tem ação monoaminérgica e opioide. É um analgésico de ação central
e seu efeito está associado a inibição da receptação de noradrenalina e serotonina. Sua
atividade opioide ocorre pelo metabólito O-desmetiltramadol. Tem alta seletividade e
baixa afinidade por receptores µ. Sua eficácia analgésica é baixa, principalmente em
cães e equinos, e seu uso é mais indicado para controle de dor leve e pós-operatória.
Não causa vômitos ou depressão cardiovascular significativa.
Butorfanol: antagonistas de receptores µ e agonista de receptores κ. Tem poucos
efeitos adversos: mínima depressão cardiovascular e respiratória, não induz vômitos ou
liberação de histamina. Não é muito eficaz como analgésico, aparenta ter melhor efeito
69
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

em analgesia visceral (utilizado para essa finalidade em equinos com cólica). Além disso,
têm efeito-teto e não pode ser utilizado concomitante a agonistas µ, pois minimiza seus
efeitos. Não é utilizado com frequência para controle de dor aguda.
Buprenorfina: agonista parcial de receptores µ. Causa poucos efeitos colaterais
e tem menor eficácia analgésica. É pouco utilizado na rotina veterinária, principalmente
no Brasil.
Fentanil: Fármaco extremamente potente e eficaz, com alta lipossolubilidade,
curto período de ação e latência. Tem perfil para infusão contínua, mas com efeito
acumulativo. É muito utilizado no período transanestésico sob infusão ou bolus para
resgate analgésico. Seus efeitos mais característicos são bradicardia pronunciada e
depressão respiratória dose-dependente. Sua ação curta e efeito acumulativo limitam
seu uso no controle de dor pós-operatória. Entretanto, podem ser utilizados adesivos
de liberação lenta com essa finalidade. Os adesivos têm início de ação lenta (até 24h em
cães e 12h em gatos), mas tem duração longa (72h em cães e 96h em gatos).
Sufentanil e alfentanil: têm características muito semelhantes ao fentanil, mas
com duração de ação mais curta. São mais utilizados em infusões contínuas no
transoperatório, devendo ser precedidos de bolus.
Remifentanil: agonista µ total de ação ultracurta (2-5min), sendo ideal para
administração em infusão contínua. Promove analgesia intensa no período
transoperatório e não tem efeito cumulativo. É metabolizado pelo fígado e por esterases
plasmáticas.

Dose Taxa de infusão contínua


Cães Gatos Cães Gatos
0,1-0,2
0,1-1 mg/kg 0,1-0,3 mg/kg/h -
Morfina mg/kg
Meperidina 3-5 mg/kg 3-5 mg/kg - -
0,3-0,5 0,1-0,5
- -
Metadona mg/kg mg/kg
Fentanil 2,5-5 µg/kg 1-5 µg/kg 0,1-0,5 µg/kg/min 0,1-0,5 µg/kg/min
0,2
1-3 µg/kg 1-3 µg/kg/min 0,2 µg/kg/min
Remifentanil µg/kg/min
0,02-0,2
1-2,5 µg/kg 0,1 µg/kg 0,01 µg/kg/min
Sufentanil µg/kg/min
Alfentanil 25 µg/kg 2,5 µg/kg 1-2,5 µg/kg/min 0,5 µg/kg/min
Tramadol 2-6 mg/kg 2-6 mg/kg - -
0,1-0,4 0,2-0,8
- -
Butorfanol mg/kg mg/kg
Buprenorfina 5-20 µg/kg 5-20 µg/kg - -

Fonte: Adaptado de Fantoni, 2012.

70
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO-ESTEROIDAIS (AINES)


Os AINEs são fármacos eficazes no tratamento de dor aguda moderada a
severa. De maneira geral, apresentam efeito anti-térmico, analgésico e anti-
inflamatório. Seu mecanismo de ação está relacionado a inibição de cicloxigenases,
enzimas responsáveis por funções homeostáticas e fundamentais no desencadeamento
do processo inflamatório. As funções homeostáticas das cicloxigenases estão
relacionados à atividade da enzima COX-1 e resultam em proteção gástrica, renal e
manutenção da função plaquetaria. Já a atividade da enzima COX-2 é induzida pela
inflamação.
A ação periférica dos AINEs ocorre por diminuição da síntese de prostaglandinas
e redução da excitabilidade das fibras nervosas por inibição de COX-2, causando efeito
anti-inflamatório. Assim, são efetivos em hiperalgesia induzida pelas prostaglandinas,
tornando-se importantes quando o processo inflamatório é desencadeante da dor.
Possuem maior efeito sobre a dor somática, sendo muito utilizados para controle de dor
em tecidos moles e em patologias osteoarticulares. Também atuam de maneira central,
causando efeito antipirético e fraca ação analgésica por ação no hipotálamo.
Os AINES podem ser classificados de acordo com a seletividade por cada enzima,
o que também determina seu potencial de causar efeitos colaterais, como
gastroenterite, úlceras gastrointestinais, lesão hepática, aumento no tempo de
sangramento e lesão renal. A eficácia e a toxicidade desses fármacos variam
individualmente e a monitoração dos efeitos colaterais é obrigatória, principalmente
com administração prolongada. Os mecanismos de ação e as particularidades de cada

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

AINE serão melhor caracterizados em seção própria, mas os principais fármacos


utilizados estão listados na tabela abaixo.

ANESTÉSICOS LOCAIS
Os anestésicos locais (lidocaína, bupivacaína e ropivacaína) interrompem a
condução elétrica em nervos periféricos por bloqueio dos canais de sódio, prevenindo a
propagação do impulso para o corno dorsal da medula. Sua utilização a nível periférico,
através de bloqueios locorregionais, faz com que as fases de transdução e transmissão
sejam interrompidas. Seu uso é benéfico na promoção de analgesia transoperatória e se
prolonga até o período pós-operatório.
Além de bloquear as vias aferentes a nível periférico, os anestésicos locais
também atuam a nível central, principalmente quando utilizados em infusão contínua
ou por via epidural, prevenindo a sensibilização central. São capazes de reduzir a CAM
do isoflurano em 40-70% e potencializam a anestesia intravenosa, reduzindo as doses
de outros agentes. Os fármacos utilizados como anestésicos locais e suas características
específicas serão descritos com mais detalhes em seção sobre anestésicos locais.

OUTROS FÁRMACOS E TRATAMENTOS ADJUVANTES


Cetamina: Apresenta efeito analgésico quando utilizada em doses
subanestésicas e pode ser utilizada com segurança em pacientes com dor aguda
somática. Seu uso como co-indutor contribui para a analgesia transoperatória,
principalmente em associação com infusão contínua. Também pode ser utilizada em
bolus subanestésicos no pós-operatório associada a outros fármacos, geralmente
opioides, ou em infusão contínua. O efeito analgésico da cetamina está relacionado ao
antagonismo de receptores NMDA, prevenindo a transmissão glutamatérgica e,
consequentemente, o fenômeno de sensibilização central e wind up.
Alfa-2 agonistas: São utilizados frequentemente na rotina anestésica para
promover sedação, miorrelaxamento e analgesia. Os alfa-2 agonistas mais utilizados em
pequenos animais são a xilazina e a dexmedetomidina. Seu uso como analgésicos
normalmente está relacionado a protocolos multimodais, atuando como adjuvantes no
tratamento e prevenção da dor.
O mecanismo antinociceptivo dos alfa-2 agonistas está relacionado a inibição da
neurotransmissão de fibras aferentes no corno dorsal da medula espinhal, interferindo
na modulação dos estímulos ascendentes. Também atuam na modulação vias
adrenérgicas descendentes.
Os alfa-2 agonistas têm efeitos analgésicos sistêmicos, principalmente quando
utilizados por via intravenosa. Podem ser utilizados em infusão contínua no período
transoperatório e no controle de dor pós-operatória. São capazes de reduzir

72
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

consideravelmente a CAM do isoflurano quando utilizados em infusão durante a


cirurgia. São indicados também para uso como medicação pré-anestésica e podem ser
utilizados via epidural.
Os alfa-2 agonistas produzem maior analgesia visceral que somática e podem
causar efeitos adversos no sistema cardiovascular, como bradicardia severa,
vasoconstrição periférica, redução no débito cardíaco e arritmias (bloqueios
atrioventriculares). Causa depressão respiratória dose-dependente, êmese, diurese,
inibição na liberação de insulina e aumento na glicemia.

4. DOR CRÔNICA
Dor crônica é a dor que persiste por longos períodos, geralmente mais de 3
meses, ou que persiste após traumas agudos. Pode estar associada a doença
inflamatória não resolvida, condição degenerativa ou lesão a um nervo (dor
neuropática). A dor crônica não tem finalidade biológica e passa a ser a patologia
principal, sua ocorrência é sempre uma condição patológica. Algumas condições
normalmente evoluem para dor crônica, como neoplasias, osteoartrites, dor aguda
tratada de forma inadequada, cirurgias altamente invasivas e discopatias. Cães idosos
geralmente apresentam patologias vinculadas com a idade que cursam com dor crônica.
Pode ter origem em qualquer estrutura corporal. Em geral, resulta de lesão
direta de estruturas do sistema nervoso (dor neuropática) ou por lesões repetitivas. Não
existe relação causa-efeito, não há localização precisa ou sinais de inflamação. É
frequentemente de intensidade alta e acompanhada de alterações comportamentais
evidentes.

FISIOPATOLOGIA DA DOR CRÔNICA


A dor crônica ocorre por alterações adaptativas do sistema nervoso após uma
lesão, levando a maior resposta de nociceptores (hiperalgesia primária) e alteração na
propagação e processamento do estímulo a nível central (hiperalgesia secundária).
Enquanto a dor aguda se origina de mecanismos nociceptivos periféricos por lesão e
inflamação, a dor crônica tende a se centralizar e perde gradativamente a relação com
a causa periférica, tornando-se um evento essencialmente central.
A neurotransmissão espinhal é mediada principalmente por liberação de
glutamato e substância P. O glutamato age em receptores AMPA, que atuam
fisiologicamente na neurotransmissão, e em receptores NMDA, inoperantes em
situações normais. Já a substância P é neuromoduladora da excitação, facilitando o
recrutamento de receptores NMDA e amplificando a resposta pós-sináptica ao
glutamato. A facilitação do recrutamento de receptores NMDA também ocorre em
estímulos repetitivos. A ativação exacerbada de receptores NMDA leva a aumento na

73
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

frequência de disparos em neurônios espinhais, um fenômeno denominado wind up,


responsável pela sensibilização a nível espinhal.
Outro fenômeno envolvido na sensibilização central é a indução de mecanismos
inflamatórios centrais, também induzidos por maior liberação de glutamato e substância
P. Além de ativar neurônios nociceptivos espinhais, o glutamato e a substância P ativam
a micróglia, iniciando um processo inflamatório local na medula espinhal. Ocorre
liberação de mediadores inflamatórios (TNF-a, prostaglandinas, IL-1), que causam
sensibilização de neurônios espinhais.
Em função da plasticidade neuronal, os estímulos nocivos repetitivos ou
persistentes se consolidam por causar modificações metabólicas nos neurônios. A
facilitação da ativação de neurônios espinhais por mecanismos inflamatórios e o
recrutamento de receptores NMDA no fenômeno de wind up, levam a hiperatividade
neuronal, tornando a dor cada vez mais independente de estimulação periférica. De
maneira geral, a cronificação da dor é consolidada por aumento progressivo de
mecanismos facilitadores da nocicepção em detrimento de mecanismos inibitórios.

TRATAMENTO DA DOR CRÔNICA


O tratamento da dor crônica deve ser baseado na intensidade de dor, na origem
e na condição clínica do paciente. Na maioria das vezes, os pacientes são idosos e
apresentam comorbidades importantes, principalmente relacionadas à função hepática
e renal, o que pode limitar o uso de determinados fármacos. O tratamento deve ter
como objetivo principal a melhoria na qualidade de vida do paciente, e muitas vezes a
remissão completa da dor não é alcançada.
O tutor é um aliado importante no tratamento, que muitas vezes perdura por
toda a vida do paciente e demanda alterações na rotina da família. O tutor deve estar
comprometido em cumprir a prescrição veterinária e é a pessoa mais capacitada para
reconhecer mudanças sutis no comportamento. As alterações comportamentais são os
maiores indicativos de eficácia ou ineficácia da terapia estabelecida, e podem ser
avaliadas a partir de questionários preenchidos pelo tutor.

ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS (AINES)


São os fármacos mais utilizados no controle de dor aguda ou crônica,
especialmente em situações que envolvem etiologias inflamatórias. Portanto, para a dor
crônica de origem neuropática, os AINEs não são a primeira escolha farmacológica. Seu
uso a longo prazo em certos pacientes está limitado pelos efeitos colaterais, e a
prescrição para tratamento crônico geralmente é feita em doses mais baixas para
minimizar efeitos indesejáveis.

74
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Em cães, o carprofeno é um AINE com excelente ação analgésica e pode ser


administrado por tempo prolongado de forma segura. É muito utilizado em doenças
degenerativas articulares. No caso do gato, o AINE mais seguro para administração a
longo prazo é o meloxicam, também utilizado em cães. Atualmente, os AINEs mais
seguros para utilização a longo prazo em animais domésticos são a classe de coxibes.
São muito seletivos na inibição da enzima COX-2 e têm meia-vida muito prolongada.
A dipirona, apesar de não possuir efeito anti-inflamatório, é um analgésico
potente de ação periférica e central muito utilizado de forma isolada ou em associações.
Pode ser utilizado como “resgate analgésico” em pacientes com exacerbação
momentânea da dor (crises de dor).

OPIOIDES
São muito utilizados no controle de dor intensa de diferentes origens. Para
tratamento a longo prazo, os fármacos mais utilizados são o tramadol e a codeína. Os
demais opioides, como morfina, metadona, fentanil e remifentanil, podem ser utilizados
por diferentes vias em momentos de crise, pois seu uso prolongado pode causar efeitos
adversos e dependência.

FÁRMACOS ADJUVANTES
Antidepressivos tricíclicos: São os fármacos utilizados como primeira escolha no
tratamento de dor neuropática em humanos. Seu mecanismo de ação está relacionado
ao bloqueio da recaptação de serotonina e de catecolaminas. Também exercem efeitos
antagonistas em receptores NMDA, bloqueiam canais de sódio, aumentam a atividade
gabaérgica e têm efeitos antiinflamatórios.
Seus efeitos adversos estão relacionados ao antagonismo muscarínico, efeito
anti-histamínico e antagonismo de receptores alfa-1, e podem se manifestar como
sedação, hipotensão, visão turva, poliúria-polidipsia e retenção urinária. Pode causar
alterações na eletrofisiologia cardíaca, não sendo recomendados em pacientes com
histórico de arritmias. Sua associação com tramadol pode aumentar os riscos de
convulsão, já que os dois fármacos aumentam a concentração de serotonina na fenda
sináptica.
Assim como em humanos, são eficazes no tratamento dor crônica de origem
neuropática em pequenos animais, principalmente em associação com outros fármacos
analgésicos.
Amitriptilina
Cães: 1-4 mg/kg – VO – BID
Gatos: 1 – 12 mg/kg – VO – SID

75
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Anticonvulsivantes: O uso de anticonvulsivantes baseia-se na sua capacidade de


estabilizar descargas neuronais causadas por hiperexcitabilidade. O uso de fármacos
dessa classe é indicado para tratamento de dor crônica neuropática de origem central e
periférica, sendo indicados sempre que alodinia e hiperalgesia neuropática estiverem
presentes.
A gabapentina é um anticonvulsivante análogo do neurotransmissor inibitório
ácido gama-aminobutírico (GABA), mas seu efeito não está relacionado a interação
direta com receptores gabaérgicos. Os mecanismos da gabapentina ainda não estão
completamente estabelecidos, mas sabe-se que ela se liga a canais de cálcio a nível pré-
sináptico no corno dorsal da medula espinhal, inibindo a liberação de glutamato e
substância P. Além disso, ativa vias inibitórias descendentes por aumento da liberação
de norepinefrina, que atua em receptores alfa-2 adrenérgicos do corno dorsal da
medula espinhal.
A gabapentina tem efeitos colaterais mínimos em cães e gatos, que incluem leve
sedação e aumento do apetite, especialmente nos primeiros dias de administração.
Gabapentina:
Cães e gatos: 4-20 mg/kg – VO – BID/TID

Antagonistas de receptores NMDA: São eficazes no tratamento de dor crônica


neuropática, visto que os receptores NMDA têm papel importante no desenvolvimento
de sensibilização central e no fenômeno de wind up. A cetamina é o principal
representante da classe e é utilizada em doses subanestésicas para produzir efeitos
analgésicos. Entretanto, seu uso fica restrito ao ambiente hospitalar.
A amantadina também exerce efeitos antagonistas em receptores NMDA e pode
ser utilizada em pequenos animais como adjuvante para tratamento doméstico. Pode
causar agitação e distúrbios gastrintestinais, mas esses efeitos são raros e o
medicamento é bem tolerado por pacientes geriatras e/ou desestabilizados. Os efeitos
analgésicos surgem em até 2 semanas.
Amantadina:
3-5 mg/kg – VO – SID/BID

Antiinflamatórios esteroidais (AIEs): O uso de AIEs é eficaz em doenças que


cursam com grau importante de inflamação crônica ou traumas no sistema nervoso. São
capazes de estabilizar membranas neuronais sensibilizadas, prevenindo descargas
atípicas.
São indicados em pacientes com dor neuropática quando há inflamação, edema
e lesões vasculares, em pacientes com hérnia de disco, compressão medular,

76
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

compressão nervosa, osteoartrites e neoplasias. Podem ser administrados por via


epidural, especialmente para o controle de dor intensa ou excruciante por estenose de
canal vertebral (síndrome de Wobbler ou discopatias, por exemplo).
O uso crônico de AIEs está relacionado a distúrbios gastrintestinais hemorrágicos
(úlceras) e supressão adrenal, sendo a prednisona o fármaco mais seguro. Seu uso deve
ser descontinuado de forma gradual e não devem ser utilizados em associação com
AINEs.
Predinisona:
0,5-1 mg/kg – VO – SID/BID

Dexametasona: casos mais severos


0,25 mg/kg – SID por 1-3 dias),
continuar com 0,1 mg/kg

Neurolépticos: Não são medicamentos com efeito analgésico, mas são uteis na
tranquilização do paciente com consequente potencialização dos demais fármacos. As
fenotiazinas (acepromazina) são os fármacos mais utilizados.
Condroprotetores: as doenças articulares são uma das principais causas de dor
crônica em cães e gatos. Os condroprotetores reduzem a progressão da degeneração
articular e podem apresentar efeitos antiinflamatórios. São capazes de regular o
metabolismo de condrócitos e inibir citocinas degradantes. Os suplementos
glucosamina e sulfato de condroitina são os mais utilizados.

5. TRATAMENTOS ALTERNATIVOS PARA A DOR


CANABINOIDES
Canabinoides são substâncias, naturais ou artificiais, que ativam receptores
específicos. Os mamíferos apresentam um sistema canabinoide natural com funções
homostáticas. Esse sistema é composto por receptores, principalmente CB1 e CB2, e
substâncias sinalizadoras (endocanabinoides).
Os receptores CB1 estão presentes principalmente no SNC, regulando cognição,
apetite, motricidade, emoções e memória. Também podem ser encontrados em tecidos
periféricos, como pulmões, vasos sanguíneos, músculos etc. Os receptores CB2 estão
presentes em células do sistema imune, baço, tonsilas, pele e micróglia. A ativação
desses receptores reduz a liberação de neurotransmissores na fenda sináptica por
modulação dos neurônios pré-sinápticos.

77
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

As substâncias canabinoides podem ser classificadas em:


Endocanabinoides: produzidos e liberados naturalmente pelos mamíferos sob
demanda, o que significa que não ocorre seu armazenamento em vesículas. A maioria
dos endocanabionoides deriva do ácido araquidônico. Os principais endocanabinoides
são a anadamida (AEA) e o 2-araquidonil-glicerol (2-AG).
Canabinoides sintéticos: formulações produzidas em laboratório.
Fitocanabinoides: encontrados em plantas da espécie Cannabis sativa. Os
fitocanabinoides são representados pelo THC e pelo CBD. O THC é o canabinoide mais
abundante na planta e tem efeitos terapêuticos, mas é responsável por efeitos
psicoativos, atuando principalmente em CB1. O CBD não gera efeitos psicotrópicos
como o THC. Também atua em CB1, mas é capaz de promover efeitos terapêuticos,
como analgesia, ação anticonvulsivante, antiespasmódica, ansiolítica e estimulante do
apetite.

Os canabinoides extraídos da Cannabis sativa (fitoterápicos) podem ser


utilizados com finalidades medicinais, assim como canabinoides sintéticos. Em medicina
humana, são indicados para tratamento de espasticidade associada a esclerose múltipla
e dor crônica neuropática ou associada a tumores. Relatos humanos mostram o uso de
canabinoides na terapia para tratamento de dor, inflamação, câncer, epilepsia, diabete
e glaucoma.
Existem relatos benéficos do uso de canabionoides em medicina veterinária, mas
ainda são necessários mais relatos clínicos e estudos experimentais para melhor
embasamento, principalmente com relação a possíveis efeitos adversos. Até o
momento, os relatos indicam vantagens em seu uso como ansiolíticos,
anticonvulsivantes, antiepilépticos, antieméticos, antiinflamatórios e analgésicos. Seu
uso foi relatado no tratamento de dor neuropática e em processos inflamatórios agudos
e crônicos (Costa et. al., 2007).
No Brasil, o uso medicinal de Cannabis sativa é proibido, mas em situações
específicas o CBD e outros medicamentos derivados da planta podem ser prescritos para
humanos. Sua comercialização é autorizada pela ANVISA somente nesses casos. Alguns
produtos veterinários à base de fitocanabinoides estão disponíveis no mercado, mas
apresentam finalidade de suplementação alimentar.
Apesar de evidências mostrarem diversas possibilidades de aplicação clínica dos
canabinoides, questões legais e estigmas sociais ainda impedem sua disseminação como
terapêutico. Além disso, estudos farmacocinéticos e farmacodinâmicos ainda estão
sendo desenvolvidos.

78
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ACUPUNTURA
A acupuntura é uma técnica proveniente da Medicina Tradicional Chinesa que se
baseia na utilização de agulhas para estimular pontos específicos (acupontos) com
diferentes finalidades clínicas. Os acupontos apresentam características histológicas
diferentes, sendo formados por uma rede vásculo-nervosa que se estende desde a
fáscia, onde emergem ramos superficiais de nervos periféricos.
O mecanismo pelo qual a acupuntura exerce seus efeitos ainda não está
completamente esclarecido, mas estudos em medicina veterinária comprovam seus
efeitos terapêuticos em diferentes enfermidades, inclusive no tratamento de dor aguda
e crônica. Estudos apontam que a acupuntura é capaz de inibir sinais ascendentes a nível
periférico e central. A analgesia promovida pela acupuntura é explicada por três teorias:
O estímulo aferente é enviado ao corno dorsal da medula, conde ocorre bloqueio
pré-sináptico por liberação de encefalinas e dinorfinas, bloqueando a transmissão a
nível supraespinhal e a percepção do estímulo doloroso.
A introdução da agulha estimula áreas encefálicas específicas e causa liberação
de neurotransmissores (norepinefrina e serotonina) na medula espinhal, impedindo que
o estímulo ascendente seja transmitido.
A introdução da agulha ativa um mecanismo neuro-humoral que estimula a
liberação de beta-endorfinas.
Sabe-se que a inserção da agulha leva a uma reação inflamatória local, ativa
mastócitos e causa liberação de mediadores químicos locais. Os estímulos gerados são
conduzidos ao sistema nervoso central e levam à liberação de substâncias neuro-
endócrinas e neurotransmissores. Evidências mostram que ocorre ativação de
receptores opioides e de vias serotoninérgicas, liberação de endorfinas, encefalinas,
acetilcolina, catecolaminas e GABA, bem como aumento na síntese de opioides
endógenos.
Os acupontos podem ser estimulados apenas por inserção da agulha, mas outros
métodos também podem ser aplicados, como eletroacupuntura, farmacopuntura,
implante de ouro, laserpuntura, moxabustão, massagem no acuponto etc. Abaixo estão
listados os principais acupontos utilizados na promoção de analgesia em medicina
veterinária.
IG4 (Hegu): É o ponto mestre da garganta, utilizado para redução da inflamação
de maneira geral. Utilizado para analgesia, principalmente de cabeça e pescoço,
promove contratilidade uterina e é anti-inflamatório.

79
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

E36 (Zusanli): Além de promover analgesia, é o ponto mestre do abdômen e do


trato gastrointestinal. Pode ser benéfico em pacientes com constipação ou diarreia,
náuseas, vômitos e pancreatite.

BP6 (sanyinjiao): Auxilia na analgesia visceral abdominal, recomendado em


casos de pancreatite e laparotomias. Está relacionado também ao útero e bexiga,
podendo ser utilizado em casos de incontinência ou retenção urinária.

80
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

VB34 (Yanglingquan): Promove analgesia, principalmente relacionada a


distúrbios ostoearticulares.

PC6 (Neiguan): Não está diretamente


relacionado a analgesia, mas pode contribuir para o
controle da ansiedade dos pacientes com dor. Seu
principal efeito é antiemético e tem efeitos
antiarrítmicos.

Yintang: É um dos principais acupontos de interesse em anestesiologia


veterinária. Além de ser importante na redução da ansiedade e contribuir para a
analgesia, é utilizado como ponto de farmacopuntura. A aplicação de subdosagens de
fármacos sedativos no Yintang promove o mesmo efeito de doses completas por outras
vias. Recomenda-se a utilização de 1/5 da dose de dexmedetomidina ou 1/10 da dose
de acepromazina para tranquilização dos pacientes.

81
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

VG26 (Renzhong): Não está relacionado a analgesia, mas é importante em


anestesiologia. É o “ponto de ressuscitação”. Sua estimulação está relacionada a
melhora na hemodinâmica em pacientes hipotensos e estimula a respiração.

OUTRAS ESTRATÉGIAS
Outros métodos podem ser utilizados na terapia antálgica e devem ser
considerados, como fisioterapia, crioterapia, ozonioterapia, fototerapia, homeopatia
etc. Um dos fatores mais importantes no manejo da dor é a mudança de alguns hábitos
na rotina dos pacientes para promover maior conforto e reduzir estímulos
potencialmente dolorosos. Pode-se citar, por exemplo, a instalação de escadas para que
felinos subam em móveis, uso de coleiras e guias redutoras de impacto, mudança na
altura de comedouros e bebedouros, mudanças no piso do ambiente, manejo dietético
etc.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em resumo, a dor aguda é um fenômeno fisiológico com função protetiva, mas
deve ser prevenida e tratada para garantir conforto ao paciente e para evitar a
ocorrência de dor crônica, uma condição patológica grave. A ocorrência de dor crênica
é decorrente de alterações nos mecanismos nociceptivos por lesão direta a estruturas
nervosas (neuropatias) ou por alterações que cursam com sensibilização (estímulos

82
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

repetitivos). As alterações tendem a se consolidar pela plasticidade neuronal, tornando-


se centralizadas e independentes de estímulo.
Os agentes mais utilizados para tratamento e prevenção da dor aguda são os
opióides, antiinflamatórios não-esteroidais (AINES) e anestésicos locais, e o tratamento
geralmente responde de maneira positiva. A dor crônica, por sua vez, não é estática e
seu tratamento é difícil. A eficácia da terapia depende do comprometimento do tutor e
demanda reajustes periódicos. É uma condição debilitante que na maioria das vezes não
pode ser curada e deve ser manejada com o objetivo de melhorar a qualidade de vida
dos pacientes, aumentando sua sobrevida.
Como características comuns, a dor crônica e a dor aguda devem ser tratadas
visando uma estratégia multimodal, através do uso concomitante de diferentes técnicas
e fármacos, o que permite que a via nociceptiva seja manejada em diferentes vias.
Terapias adjuvantes, como acupuntura e o uso de outras classes farmacológicas, podem
ser empregadas na prevenção e tratamento de dor aguda e de dor crônica.
Deve-se considerar também que boas condições de recuperação fazem parte do
tratamento. O paciente deve estar confortável, bem alimentado e livre de medo e
estresse para garantia de um tratamento eficaz.

7. REFERÊNCIAS
CASSU, Renata Navarro; PESSOA, Dulce Mara Machado; LUNA, Stelio Pacca
Loureiro. Eletroacupuntura na anestesia com propofol em cães. Ciência Rural, v. 38, n.
6, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cr/v38n6/a25v38n6.pdf. Acesso em 29
out. 2019.

COSTA, B. et al. The non-psychoactive cannabis constituent cannabidiol is an


orally effective therapeutic agent in rat chronic inflammatory and neurophatic pain.
European Journal of Pharmacology, v. 556, 2007. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17157290. Acesso em: 28 out. 2019.

CROSIGNANI, Nadia. Dor Crônica. In: MARÚCIO, Rodrigo Luiz. PAV – Pós
Anestesia Veterinária: Apostila 2018. São Paulo, 2018. p. 209-221.

EPSTEIN, Mark E. et al. 2015 AAHA/AAFP pain management guidelines for dogs
and cats. Journal of Feline Medicine and Surgery, v. 17, n. 3, 2015. Disponível em:
https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/1098612X15572062. Acesso em 26
de out. 2019.

83
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ESCOBAR, Maíra Barros. O potencial do canabidiol na terapêutica veterinária:


revisão de literatura. Universidade Federal de Roraima, Curso de Medicina Veterinária.
Boa Vista, 2018. Disponível em: https://bit.ly/2Khntux. Acesso em: 28 out. 2019

FANTONI, Denise Tabacchi. Tratamento da dor na clínica de pequenos


animais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 538 p.

KUKANICH, Butch. Outpatient oral analgesics in dogs and cats beyond


nonsteroidal antiinflammatory drugs: an evidence-based approach. Veterinary Clinics:
Small Animal Practice, v. 43, n. 5, 2013. Disponível em:
https://www.vetsmall.theclinics.com/article/S0195-5616(13)00112-5/abstract.
Acesso em 30 de out. 2019.

LUNA, Stelio Pacca. Fisiopatologia e tratamento da Dor. In: MARÚCIO, Rodrigo


Luiz. PAV – Pós Anestesia Veterinária: Apostila 2018. São Paulo, 2018. p. 201-209.

MATHEWS, Karol et al. Guidelines for recognition, assessment and treatment of


pain: WSAVA Global Pain Council members and co‐authors of this document. Journal of
Small Animal Practice, v. 55, n. 6, 2014. Disponível em:
https://www.wsava.org/Global-Guidelines/Global-Pain-Council-Guidelines.
Acesso em 25 de out. 2019.

84
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANTI-INFLAMATÓRIOS
1. INTRODUÇÃO
Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) são amplamente utilizados na rotina
médico veterinária devido às suas propriedades analgésica, anti-inflamatória e
antipirética, o que os torna essenciais na estratégia de tratamento multimodal para a
dor aguda.
Estes fármacos, em sua maioria, são acessíveis, de baixo custo e práticos para
administração hospitalar e domiciliar por possuírem grande variedade de apresentações
orais e parenterais. Seu uso inadequado, entretanto, pode resultar em alterações graves
na homeostasia do paciente.

2. MECANISMO DE AÇÃO
Lesões teciduais promovem ruptura de membranas celulares com consequente
liberação de fosfolipídios, os quais, através da atividade da enzima fosfolipase A2, são
convertidos em ácido araquidônico. Grande parte deste metabólito retorna às células,
porém o restante sofre ação das lipoxigenases (LOX) e cicloxigenases (COX), formando,
respectivamente, leucotrienos e prostanoides.
Prostanoides são moléculas que serão futuramente metabolizadas em variadas
prostaglandinas (PGD2, PGF2α, PGE2, PGI2...) e tromboxano (TXA2), ambos presentes em
processos inflamatórios e homeostáticos. Os leucotrienos, por sua vez, também atuam
na inflamação e causam contração da musculatura lisa, mas possuem maior atividade
em doenças relacionadas às vias aéreas.
Os AINEs produzem seus efeitos desejáveis e indesejáveis devido à inibição, com
diferentes graus de seletividade, da expressão das cicloxigenases e da síntese de
prostanoides. Há três isoformas das COX descritas:

Fonte: Grimm et al.,


2015.

COX-1:
enzima

85
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

“constitutiva” do organismo. Forma prostanoides envolvidos em processos fisiológicos


como homeostase vascular, agregação plaquetária, perfusão renal e proteção gástrica,
através da produção de muco e bicarbonato;
COX-2: enzima “patológica” liberada em grandes quantidades após lesão
tecidual, mas que também atua em processos fisiológicos. Forma prostanoides
envolvidos na produção de mediadores inflamatórios que, entre diversas ações,
sensibilizam nociceptores periféricos;
COX-3: isoforma de descoberta mais recente, cuja estrutura química é
semelhante à COX-1. Está em maior quantidade no sistema nervoso central e pode estar
relacionada aos efeitos antipiréticos e analgésicos de determinados fármacos.

* carprofeno, assim como o meloxicam, também é classificado como um AINE


preferencial para COX-2.

Fonte: https://www.practicalpainmanagement.com/sites/default/files/imagecache/lightbox-
large/images/2015/09/10/t1.png

3. FARMACOCINÉTICA
Os AINEs são ácidos fracos e lipofílicos com alta taxa de ligação às proteínas
plasmáticas. Acumulam-se no exsudato inflamatório, possibilitando grandes intervalos
entre as administrações independente da meia-vida do fármaco. Há diversas vias de
administração, sendo muito frequente o uso da intravenosa (hospitalar) seguida da oral
(domiciliar), a qual apresenta, de maneira geral, latência de duas horas e elevadas
absorção e biodisponibilidade.
Sua biotransformação ocorre por glucoronidação hepática, fazendo com que os
felinos sejam mais suscetíveis aos efeitos adversos. O meloxicam, particularmente, é
biotransformado por vias oxidativas na espécie em questão. A excreção ocorre pelas
vias renal e biliar.
O momento da administração em pacientes cirúrgicos é um tópico muito
discutido. Em pacientes hígidos é seguro fazer uso do AINE previamente ao
procedimento, de forma preemptiva. Por outro lado, em pacientes submetidos a
procedimentos com grande risco de sangramento, hipotensão, hipovolemia e/ou
86
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

hipoperfusão renal, a relação entre risco e benefício da administração preemptiva deve


ser considerada.

4. CONTRAINDICAÇÕES E EFEITOS ADVERSOS


Em decorrência do mecanismo de ação dos AINEs, pacientes com histórico de
doenças gastrintestinais, hepáticas e/ou renais descompensadas, anemia,
coagulopatias, desidratação, hipovolemia e/ou hipotensão possuem contraindicação
relativa ao seu uso pela alta chance de efeitos adversos e complicações graves. Nestes
casos pode-se lançar mão de alternativas com atividade antiinflamatória como
lidocaína, cetamina, homeopatia, ozonioterapia, canabinoides e compressas ou
soluções em baixas temperaturas.
Terapia conjunta com corticosteroides — que possuem intenso efeito
antiinflamatório, porém não são considerados analgésicos — também é contraindicada,
assim como a associação de dois diferentes AINEs. Caso seja necessária a mudança do
fármaco escolhido para o tratamento, deve-se respeitar um período de washout de três
a cinco dias.
Os efeitos adversos são consequências da inibição da síntese de prostanoides
envolvidos em processos fisiológicos. Portanto, considerando que todas as isoformas da
COX possuem — em diferentes proporções — atividade fisiológica, qualquer AINE é
passível de causá-los.
O uso de fármacos preferenciais ou seletivos para COX-2, em doses e intervalos
de administração adequados, é seguro em pacientes que não apresentem
contraindicações à terapia.
Efeitos gastrintestinais: as prostaglandinas atuam nos mecanismos de proteção
gástrica — produção de muco e bicarbonato — e de regulação do seu fluxo sanguíneo.
A ação dos AINEs pode resultar em sinais clínicos como anorexia, vômito, diarreia e
desenvolvimento de ulcerações;
Efeitos renais: as prostaglandinas PGE2 e PGI2 são agentes vasodilatadores que
atuam na arteríola aferente dos néfrons, auxiliando na manutenção da perfusão. Em
indivíduos saudáveis, a ação dos AINEs é pouco nociva à função renal, entretanto em
situações de comprometimento hemodinâmico ou na presença de nefropatias, a
inibição das prostaglandinas pode levar à lesão isquêmica dos rins;
Efeitos hepáticos: decorrentes da extensa biotransformação hepática dos AINEs.
O paciente pode apresentar anorexia, vômitos, icterícia e alterações nas provas
bioquímicas de função hepática;
Efeitos hemostáticos: as isoformas COX-1 e COX-2 produzem, respectivamente,
TXA2 (vasoconstrição e agregação plaquetária) e prostaciclinas (vasodilatação e efeitos
anticoagulantes). A ação dos AINEs pode interromper este equilíbrio, porém não há
efeitos clinicamente significantes — com exceção do ácido acetilsalicílico — em
pacientes saudáveis.
87
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Grimm et al., 2015.


5. REFERÊNCIAS
GRIMM, K.A. et al. Veterinary anesthesia and analgesia: the fifth edition of Lumb
and Jones. 5 ed. St. Louis: Willey-Blackwell, 2015. 1061 p.

MCLEAN, M.K.; KHAN, S.A. Toxicology of frequently encountered nonsteroidal


anti-inflamatory drugs in dogs and cats: an update. Veterinary Clinics of North America:
Small Animal Pratice, v. 48, n. 6, p. 969-984, 2018.

MONTEIRO, B.; STEAGALL, P.V. Antiinflamatory drugs. Veterinary Clinics of


North America: Small Animal Practice, v. 49, n. 6, p. 993-1011, 2019.

88
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTÉSICOS LOCAIS
1. INTRODUÇÃO
São substâncias capazes de impedir, reversivelmente, a geração e a propagação
dos impulsos elétricos nas fibras nervosas, causando interrupção temporária das suas
funções sensitiva e/ou motora. Seu emprego no controle da dor é essencial pois esta é
a única classe de fármacos que pode bloquear por completo a nocicepção.
Desde sua descoberta no século XIX, os anestésicos locais têm seu uso expandido
através de estudos de novos agentes e técnicas de administração. Hoje, são
rotineiramente utilizados em bloqueios de nervos periféricos, anestesia do neuroeixo e
para analgesia sistêmica através de infusão intravenosa.
Diminuição do requerimento de anestésicos gerais e do consumo de opioides,
efeito antiinflamatório local, inibição da sensibilização central e analgesia residual são
algumas das vantagens obtidas ao administrar anestésicos locais ao paciente.

2. MECANISMO DE AÇÃO
Os anestésicos locais atravessam, em sua forma não-ionizada, o epineuro e a
membrana celular e, uma vez no axoplasma, são transformados na forma ionizada,
ligam-se à porção interna dos canais de sódio voltagem-dependentes e impedem a
entrada deste íon, impossibilitando geração e condução de potenciais de ação. Há,
também, ação em canais de potássio e cálcio, porém com menor afinidade.

Fonte: Klaumann & Otero, 2013.

Após uma despolarização os canais de sódio entram em inatividade para facilitar


a repolarização. A interação do anestésico com seu receptor depende do estado
conformacional do canal, sendo maior naqueles que se encontram inativos. Portanto, a
estimulação de fibras nervosas facilita o início do bloqueio, fenômeno este conhecido
como “bloqueio frequência-dependente”.

89
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

A espessura das fibras nervosas e a presença de bainha de mielina interferem na


sensibilidade aos efeitos do fármaco. Fibras menores, assim como as não mielinizadas,
são bloqueadas mais rapidamente e, de acordo com o anestésico utilizado, podem
sofrer bloqueio diferencial (anestesia com função motora intacta). A bainha de mielina
isola o espaço intersticial, impedindo a penetração do anestésico, que atinge o interior

da célula através dos nódulos de Ranvier. É importante ressaltar que um bloqueio


efetivo acontece quando o fármaco atinge, no mínimo, três nódulos consecutivos.
Fonte: Grimm et al., 2015.

3. PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS
Os anestésicos locais são bases fracas — com pKa entre 7,5 e 8,5 — compostas
quimicamente por um anel benzênico, um grupamento amina e uma cadeia
intermediária contendo grupamentos éster ou amida. Os fármacos da família
aminoéster (benzocaína, procaína e tetracaína) são hidrolisados por colinesterases
plasmáticas enquanto os fármacos da família aminoamida (lidocaína, bupivacaína e
ropivacaína) são biotransformados no fígado. Todos possuem eliminação renal e biliar.
Outras características físico-químicas influenciam diretamente no efeito
anestésico e diferenciam os fármacos entre si:
Lipossolubilidade: diretamente proporcional à potência do anestésico devido à
sua maior difusão através da membrana celular. Fármacos altamente lipossolúveis
necessitam de doses menores;
Ligação às proteínas plasmáticas: diretamente proporcional à duração do efeito
anestésico, pois a afinidade às proteínas plasmáticas é equivalente à afinidade do
fármaco pelos canais de sódio. Fatores como a adição de vasoconstritores à solução, a
vascularização do tecido, a taxa de metabolismo, a dose administrada e a concentração
do fármaco também influenciam o tempo de ação;

90
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Constante de dissociação (pKa): os anestésicos locais apresentam as formas não


ionizada (atravessa as membranas) e ionizada (liga-se ao sítio efetor) e a distribuição de
ambas depende do pKa do fármaco e do pH do tecido. Em pH fisiológico, fármacos que
possuem pKa menores apresentam a forma não ionizada em maior quantidade e,
consequentemente, menor latência. Em pH ácido, como nas soluções com
vasoconstritor ou em tecidos inflamados, há grande ionização e a instalação do bloqueio
é mais lenta;

As propriedades físico-químicas dos anestésicos locais, em conjunto às suas


concentrações, podem estar relacionadas ao bloqueio diferencial entre fibras sensitivas
e motoras. A bupivacaína, quando administrada em concentrações de 0,125% ou 0,25%,
apresenta bloqueio diferencial significativo, resultando em analgesia com paralisia
motora mínima.
Misturar diferentes anestésicos, como a lidocaína e a bupivacaína, para obter
uma combinação com menor latência e maior duração não é uma prática recomendada.
A alteração da concentração e das características físico-químicas dos fármacos gera uma
solução com resultados clínicos imprevisíveis e nem sempre vantajosos.

Fonte: Klaumann & Otero, 2013.

4. ADMINISTRAÇÃO SISTÊMICA E TOXICIDADE


A lidocaína é o único representante dos anestésicos locais que apresenta
diversos benefícios quando administrado pela via intravenosa de maneira adequada
(bolus de 1-2 mg/kg seguido ou não por infusão contínua de 25-50 սg/kg/min). Possui
efeitos analgésico, anti-inflamatório, antiarrítmico, antimicrobiano, procinético e
antioxidante, além de diminuir o requerimento de anestésicos gerais. O mecanismo
exato que resulta em analgesia sistêmica ainda não está totalmente elucidado, mas há
relação com a inativação de canais de sódio em neurônios nociceptivos espinhais.
Todos os anestésicos locais, em determinadas concentrações plasmáticas, são
passiveis de causar toxicidade aos sistemas nervoso e cardiovascular. Inicialmente o
paciente pode apresentar sinais como diminuição do nível de consciência e ataxia,
porém, à medida que as vias inibitórias corticais são bloqueadas, surgem sinais de
91
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

excitação como tremores musculares e convulsões. Em casos extremos há bloqueio


generalizado, resultando em depressão cardiorrespiratória intensa e perda total da
consciência.
Em baixas concentrações plasmáticas a maioria dos anestésicos locais atua como
antiarrítmico, mas em concentrações elevadas, o bloqueio dos canais de sódio no
coração — antes com efeito terapêutico — resulta em arritmias e inotropismo negativo.
De maneira geral todos os fármacos desta classe causam depressão do miocárdio e
vasodilatação.
O tratamento suporte é priorizado no caso de intoxicações e está descrito na
tabela a seguir. Toxicidade direta em células dos tecidos nervoso, muscular e
cartilaginoso podem acontecer, mas são pouco frequentes.

Fonte: Grimm et
al., 2015.

Fonte: Galacci et al.


2012; Lemo et al.,
2007.

92
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

5. FARMACOCINÉTICA
Absorção: além das características físico-químicas do fármaco, a dose, o local de
injeção e a adição de vasoconstritores influenciam na absorção. Quanto maiores a dose
do fármaco e a vascularização do tecido, maior será a absorção sistêmica e,
consequentemente, a concentração plasmática. A adrenalina, vasoconstritor
encontrado nas formulações comerciais, atrasa a absorção e prolonga o efeito do
bloqueio;
* não se deve empregar soluções com vasoconstritor em extremidades pois há
risco de isquemia e necrose.
* ordem decrescente de vascularização: região intercostal – região caudal –
espaço peridural – plexo braquial – região dos nervos isquiático e femoral.
Distribuição: distribuem-se por todos os tecidos em função do tempo e da
vascularização dos mesmos. Os representantes da família aminoamida sofrem grande
extração em sua passagem pelos pulmões e são capazes de ultrapassar a barreira
placentária.

Fonte: Grimm
et al. 2015.

6. REFERÊNCIAS
BARLETTA, M.; REED, R. Local anesthetics: pharmacology and special
preparations. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 49, n. 6, p.
1109-1125, 2019.

93
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

GRIMM, K.A. et al. Veterinary anesthesia and analgesia: the fifth edition of Lumb
and Jones. 5 ed. St. Louis: Willey-Blackwell, 2015. 1061 p.

KLAUMANN, P.R.; OTERO, P.E. Anestesia locorregional em pequenos animais. 1


ed. Editora Roca, 2013. 268 p.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ELETROFISIOLOGIA E TRATAMENTO DAS PRINCIPAIS


ARRITMIAS
1. INTRODUÇÃO
Alterações no ritmo cardíaco são frequentes no período perioperatório e na sala
de emergência, não estando restritas apenas a pacientes cardiopatas. Estudos
observacionais apontam elevadas incidências de arritmias — que podem ou não
contribuir com a taxa de mortalidade — em casos de dilatação/torção gástrica,
hemoperitônio, neoplasias esplênicas e hepáticas, distúrbios hidroeletrolíticos e
doenças pulmonares.
A bomba cardíaca depende da harmonia entre os sistemas contrátil e de geração
e condução de impulsos elétricos. Portanto, algumas arritmias levam à diminuição do
débito cardíaco (DC), prejudicando a perfusão tecidual, ou até mesmo à morte súbita.
Isquemia, fibrose, inflamação, necrose e estresse oxidativo são mecanismos
arritmogênicos — nem sempre elucidados em todos os casos — que atuam na geração
e/ou na condução dos potenciais de ação. Há situações transitórias cujo resultado é a
formação ou o agravamento de arritmias, logo a causa deve ser identificada e, se
necessário, tratada.
O eletrocardiograma (ECG) é o exame complementar padrão-ouro para o
diagnóstico destas alterações. Seu traçado básico e os princípios de eletrofisiologia
cardíaca estão descritos no capítulo de fisiologia cardiovascular.

Fonte: Oyama, 2015.

95
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

2. QUANDO TRATAR UMA ARRITMIA?


A decisão deve ser embasada nas respostas para duas perguntas: há sinais
clínicos causados por alterações hemodinâmicas decorrentes da arritmia em questão?
Há risco de fibrilação ventricular seguida de morte súbita?
Pacientes apresentando hipotensão, letargia, episódios de síncope, hipotermia
ou indícios de hipoperfusão ou congestão — sinais relacionados a um baixo DC — são
passíveis de intervenção para reestabelecimento do ritmo. Na ausência destes, a
decisão torna-se mais difícil e passa a ser baseada nos seguintes fatores de risco:
Frequência cardíaca (FC) superior a 180 bpm (cães) ou 220 bpm (gatos);
FC inferior a 50 bpm (cães) ou 90 bpm (gatos);
Arritmias sustentadas, ou seja, persistentes por 30 segundos ou mais;
Presença de doença cardíaca estrutural;
Presença de polimorfismo (mais de um foco ectópico);
Presença do fenômeno “R sobre T” (sobreposição da onda R de um batimento
ectópico sobre a onda T do batimento anterior);
Aumento nas concentrações séricas ou plasmáticas de troponina-I cardíaca.

A seguir serão citadas as arritmias com maiores e menores incidências de


complicações:
Com complicações hemodinâmicas: taquicardia ventricular ou supraventricular
sustentadas, bloqueio atrioventricular de 2º grau avançado, bloqueio atrioventricular
de 3º grau, parada sinusal com duração superior a 4 segundos e fibrilação atrial com alta
frequência ventricular;
Sem complicações hemodinâmicas: complexos ventriculares ou
supraventriculares prematuros isolados, ritmo idioventricular acelerado, bloqueio
atrioventricular de 1º grau, bloqueio atrioventricular de 2º grau isolado, parada sinusal
com duração inferior a 2 segundos e fibrilação atrial com baixa frequência ventricular.

As metas da terapia — intervir na causa de base ou administrar antiarrítmicos —


envolvem melhora do DC, da perfusão tecidual e da congestão, sem necessariamente
suprimir a arritmia por completo. O paciente deve ser monitorado como um todo
(pressão arterial, padrão respiratório, débito urinário, lactato, gasometria...), uma vez
que o uso de fármacos firmado apenas no traçado eletrocardiográfico pode resultar em
efeitos indesejados como hipotensão, piora da congestão, alterações no sistema
nervoso central, sinais gastrintestinais e, inclusive, efeitos pró-arrítmicos.

96
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Oyama, 2015.

3. PRINCIPAIS ARRITMIAS
As arritmias podem ser classificadas de acordo com sua origem
(supraventriculares ou ventriculares), duração (sustentadas ou paroxísticas) e FC do
paciente (bradiarritmias ou taquiarritmias).
A avaliação sistemática do traçado eletrocardiográfico, na derivação D2, é
iniciada com três perguntas:
Qual é a origem do batimento?
É rítmico ou arrítmico?
Qual é a FC?
• Determinada pela onda R (despolarização ventricular);
• Prejudica o DC quando abaixo do limite inferior para a espécie;
• Prejudica o DC quando acima do limite superior para a espécie devido à redução
do tempo diastólico, com consequente diminuição do volume sistólico.

97
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

A ORIGEM DO BATIMENTO
Fonte: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Regina Carvalho

É RÍTMICO OU ARRÍTMICO?
Fonte: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Regina Carvalho

A arritmia sinusal, em contradição ao seu nome, é um achado fisiológico em cães


e gatos. Caracterizada por um ritmo “regularmente irregular”, seu traçado mostra
aceleração e desaceleração graduais do nodo sinusal em sincronia com o ciclo
respiratório. Pacientes com tônus simpático aumentado — estresse ou doença
descompensada, por exemplo — tendem a não apresentar este traçado, ao contrário
daqueles indivíduos com aumento do tônus vagal.

Fonte: https://docplayer.com.br/docs-images/67/56633704/images/8-1.jpg

98
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ARRITMIAS SUPRAVENTRICULARES
Complexos supraventriculares prematuros:
• definição: despolarizações precoces originadas de regiões supraventriculares. A
condução ventricular geralmente não está afetada;
• traçado: onda P diferente da normal, podendo ser positiva, negativa ou bifásica;
ausência de linha de base entre T e P; QRS normal ou discretamente alargado;
- o paciente pode entrar em taquicardia supraventricular (3 ou mais complexos
sequenciais) sustentada ou paroxística.

Fonte: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Regina Carvalho


Fibrilação atrial:
• Definição: geração rápida e desorganizada de impulsos por todo o tecido atrial,
resultando em reentradas e fasciculações musculares. Não há sístole atrial
completa e a condução ventricular também é rápida e, às vezes, irregular;
• Traçado: ausência de ondas P; FC alta; ritmo irregular; pode haver ondas F,
caracterizadas por pequenas oscilações na linha de base;
- pode haver ausência de pulso periférico e estar associada a aumento do átrio
esquerdo em casos de doença cardíaca avançada;
- em situações de aumento do tônus vagal, cães sem alterações cardíacas podem
desenvolvê-la — de forma autolimitante, com menores taxas de condução
ventricular — nos períodos trans ou pós-operatórios.

Fonte: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Regina Carvalho

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Parada ou bloqueio sinusal:


o Definição: atraso na geração e condução do impulso no nodo sinusal;
o Traçado: há uma pausa maior que 2 vezes o intervalo R-R normal;
- na maioria dos casos é benigna e associada ao aumento do tônus vagal;
- quanto mais longa a pausa, maior a repercussão hemodinâmica.

Fonte: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Regina Carvalho


Bloqueio atrioventricular de 1º grau:
o Definição: atraso na condução do impulso no nodo atrioventricular;
o Traçado: prolongamento do intervalo P-R;

Fonte: https://www.sanarmed.com/bradicardia-bradiarritmia-resumo-fluxograma-yellowbook

Bloqueio atrioventricular de 2º grau:


o Definição: não condução do impulso no nodo atrioventricular;
o Classificação: Mobitz I (intervalo P-R aumenta gradativamente até aparecer
uma onda P isolada) ou Mobitz II (intervalo P-R constante com aparecimento
de onda P isolada);
o Traçado: ondas P isoladas e não seguidas por complexos QRS;
- considerado avançado ou de alto grau quando a condução está alterada
em uma relação fixa, na qual mais de uma onda P é bloqueada em sequência.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: http://sopronocoracao.com/bloqueio-av-de-segundo-grau-mobitz-2-ii/
Bloqueio atrioventricular de 3º grau:
o Definição: dissociação e independência das atividades atrial e ventricular;
o Traçado: intervalos P-R inconstantes; frequência atrial superior à
ventricular; complexos QRS aberrantes, alargados e não sincronizados com
as ondas P;
- associado a doenças cardíacas estruturais. Seu tratamento requer o
implante de marcapasso elétrico.

Fonte: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Regina Carvalho


ARRITMIAS VENTRICULARES
Complexos ventriculares prematuros:
o Definição: impulsos prematuros originados em focos ventriculares
ectópicos;
o Traçado: complexos QRS alargados e aberrantes; ausência de onda P; pausa
compensatória após o complexo prematuro;
- complexo com deflexão positiva = foco em ventrículo direito;
- complexo com deflexão negativa = foco em ventrículo esquerdo;

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

- pode ocorrer bigeminismo (relação entre normais e prematuros de 1:1),


trigeminismo (relação de 2:1) ou quadrigeminismo (relação de 3:1);
- o paciente pode entrar em taquicardia ventricular (3 ou mais complexos
sequenciais) sustentada ou paroxística.

Fonte: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Regina Carvalho

Fonte: http://publicacoes.cardiol.br/portal/abc/portugues/2018/v11005/significancia-prognostica-da-
taquicardia-ventricular-nao-sustentada-depende-de-sua-frequencia-e-duracao.asp

Fibrilação ventricular:
o Definição: geração rápida e desorganizada de impulsos por todo o tecido
ventricular, resultando em reentradas e fasciculações musculares;
o Traçado: ausência de ritmo e de complexos PQRST; ondas de alta frequência,
irregulares e de tamanhos diferentes, cujas amplitudes tendem a diminuir
com o tempo;
- sinal de falência do miocárdio. Fisiologicamente se compara à assistolia, ou
seja, é fatal.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: https://www.istockphoto.com/br/foto/fibrila%C3%A7%C3%A3o-ventricular-arritmia-fatal-
gm859452436-142116247

Escape ventricular:
o Definição: impulso gerado em focos ectópicos ventriculares em decorrência
da ausência de atividade elétrica supraventricular. É uma medida fisiológica
para prevenção de parada cardíaca;
o Traçado: complexo QRS aberrante e alargado após uma pausa evidente;
ausência de onda P; frequência baixa;
- pode evoluir para o ritmo de escape ventricular.

Fonte: https://www.aaha.org/aaha-guidelines/2020-aaha-anesthesia-and-monitoring-guidelines-for-dogs-
and-cats/troubleshooting-anesthetic-complications/arrythmias/

Bloqueio de ramo esquerdo:


o Definição: despolarização anormal ou atrasada do ramo esquerdo do feixe
de His, fazendo com que a condução ventricular ocorra célula a célula, ou
seja, de maneira mais lenta;
o Traçado: complexos QRS com duração prolongada e deflexão positiva
(semelhante a um VPC de origem direita); ritmo regular; difícil distinção da
onda T em relação ao complexo QRS (repolarização em algumas partes
enquanto outras ainda estão despolarizando);
- provocado por aumento do ventrículo esquerdo ou associado a fibrose,
inflamação ou neoformações que interrompem mecanicamente o sistema
de condução.
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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte:
http://www.medicinanet.com.br/conteudos/casos/4795/ecg_com_bloqueio_de_ramo_alternante.htm

Bloqueio de ramo direito:


o Definição: despolarização anormal ou atrasada do ramo esquerdo do feixe
de His, fazendo com que a condução ventricular ocorra célula a célula, ou
seja, de maneira mais lenta;
o Traçado: complexos QRS com duração discretamente prolongada e deflexão
negativa (semelhante a um VPC de origem esquerda); ritmo regular; onda T
facilmente identificada;
- pode ser um achado em cães hígidos ou estar associado ao aumento do
ventrículo direito.

Fonte: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Regina Carvalho

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

4. PRINCIPAIS INTERVENÇÕES ANTIARRÍTMICAS

Fonte: Oyama, 2015.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Oyama, 2015.


5. REFERÊNCIAS
OYAMA, M.A. Perioperative monitoring of heart rate and rhythm. Veterinary
Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 45, n. 5, p. 953-963, 2015.

ETTINGER, S.J. ECG recognition booklet for the veterinarian. 1 ed. Burdick Corp,
1980.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

GLOBAL FAST
1. INTRODUÇÃO
O Global FAST (Global Focused Assessment with Sonography for Trauma) é um
exame de triagem fundamental nos setores de emergência e nas unidades de terapia
intensiva. É constituído pelo FAST abdominal (A-FAST), FAST torácico (T-FAST) e
protocolo BLUE. É um exame de alta sensibilidade e especificidade realizado com auxílio
de ultrassonografia para a detecção de líquido livre e de pneumotórax, geralmente em
pacientes traumatizados.
O Global FAST permite a detecção precoce de problemas que ameaçam a vida
do paciente, podendo ser utilizado para orientar terapias ou modificá-las,
especialmente em casos de hemorragia oculta não detectada pelo exame físico e por
exames laboratoriais.
Apresenta como vantagens sua execução rápida (menos de 3 minutos), tem
baixo custo, não emite radiação, é portátil, não é invasivo e pode ser realizado por
qualquer veterinário, mesmo que não seja especializado em diagnóstico por imagem.
Uma das principais vantagens é a possibilidade de realizar outros procedimentos
enquanto o paciente está sendo examinado, como cateterização, oxigenação e outras
intervenções. Além disso, pode ser realizado de forma seriada para avaliar alterações no
score de líquido livre, o que permite monitorar a evolução do caso e guiar as condutas
terapêuticas.

Habilidade Facilidade e
Sensibilidade Segurança Repetibilidade
diagnóstica Velocidade

Exame físico ++ + +++ +++ +++

Lavagem Peritoneal
+++ + + ++ +
Diagnóstica
Tomografia
+++ +++ ++ ++ ++
Computadorizada

FAST +++ ++ +++ +++ +++

ULTRASSONOGRAFIA
A ultrassonografia é uma técnica que tem sido amplamente utilizada em
intensivismo e na anestesiologia veterinária com finalidades diagnósticas e para guiar
procedimentos, como bloqueios e punções.
Existem transdutores de ultrassonografia com diferentes frequências (2-20
MHz). Quanto maior a frequência do transdutor, menor é seu poder de penetração, mas
melhor será sua resolução. Os transdutores de alta frequência são utilizados para
avaliações em animais pequenos ou de estruturas superficiais, como vasos sanguíneos,
musculatura e articulações. Para avaliação de pacientes de maior porte ou de estruturas
mais profundas, os transdutores de frequência menor são os de escolha.

107
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Os transdutores setoriais possuem um único cristal que vibra sobre o mesmo


eixo e são utilizados para ecocardiografia (Figura 1).

Figura 1. Transdutor setorial (A) e a seu uso em ecocardiografia (B).

Os transdutores lineares possuem vários cristais dispostos em forma linear. Estes


transdutores possuem maiores frequências e são utilizados para observação de
estruturas superficiais (Figura 2).

Figura 2. Transdutor linear (A) e a seu uso na realização de bloqueio do plano abdominal transverso – TAP
(B).

Os transdutores convexos possuem vários cristais dispostos de forma convexa


(Figura 3). São utilizados para observação de estruturas profundas e, portanto, possuem
frequência maior. Geralmente são os transdutores de escolha na realização do FAST.

Figura 3. Transdutor convexo (A) e a seu uso para avaliação do rim (B).

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

2. A-FAST
O A-FAST tem por objetivo identificar a presença de líquido na cavidade
abdominal, sendo indicado em pacientes com traumas contusos ou perfurantes. O
líquido livre é decorrente principalmente de hemorragias e ruptura de bexiga.
Para a realização da técnica, é padronizado o decúbito lateral direito e a
avaliação de quatro janelas específicas examinadas em sentido horário, nesta ordem:
hepato-diafragmática (DH), hepato-renal (HR), espleno-renal (SR) e cisto-cólica (CC).
Essa sequência inicia a varredura no ponto onde há mais positivos e termina no local
onde a gravidade é mais influente.

Figura 4. Janelas hepato-diafragmática (DH), hepato-renal (HR), espleno-renal (SR) e cisto-cólica (CC) para
realização do FAST abdominal. Fonte: Lisciandro, 2011.

Baseado na presença/ausência de líquido nessas janelas, foi desenvolvido um


escore de quantificação do líquido livre, o que permite estimar a gravidade da lesão e
direcionar a conduta terapêutica. O Abdominal Fluid Score (AFS) varia de 0 a 4, onde é
atribuído 1 ponto a cada janela com líquido livre e janelas sem líquido livre não pontuam.
Examinar o paciente de maneira seriada é o ideal para avaliar a evolução do escore no
decorrer do tempo.
De acordo com Lisciandro (2011), existe correlação entre os escores e as janelas
em que o líquido livre se encontra, como ilustrado na figura 5.

Figura 5. Relação entre a localização do líquido livre e o escore AFS dos pacientes. (a) Escore 1; (b) escore 2;
(c) escore 3; (d) escore 4. Fonte: Lisciandro, 2011.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Em pacientes com quadro de hemorragia, escores 1 e 2 no FAST raramente estão


associados a redução no hematócrito, mas pacientes com escores 3 e 4 já podem
apresentar anemia.

Figura 6. Fluxograma de condutas a partir da


realização do FAST, de acordo com o consenso
humano. TC: tomografia computadorizada; CC:
centro cirúrgico. Fonte: Flato, 2010.

3. T-FAST
O FAST torácico é recomendado em pacientes com trauma torácico contuso ou
penetrante, suspeita de tamponamento ou trauma cardíaco, hemotórax, efusão pleural
e pneumotórax. Seu objetivo é avaliar o espaço pleural e o espaço pericárdico para
identificar efusões ou pneumotórax.
Para a realização do T-FAST, o paciente pode ser posicionado em decúbito
esternal, que é menos estressante e mais seguro para pacientes que apresentam
comprometimento respiratório. Além disso, através desse decúbito é possível avaliar o
grau de pneumotórax por meio da identificação do lung point, descrito adiante.
Entretanto, o decúbito lateral é opção em pacientes emergenciais incapazes de se
sustentar em decúbito esternal. O decúbito dorsal não é recomendado pelo desconforto
respiratório.
No exame, são avaliadas 5 janelas: janelas do tubo torácico (Chest Tube Site –
CTS) direita e esquerda, janelas pericárdicas (Pericardial Site – PCS) direita e esquerda,
e janela hepatodiafragmática (Diaphagmatic-Hepatic – DH).

Figura 7. Posicionamento do paciente para realização do T-FAST e localização das janelas do tubo torácico
(CTS), pericárdica (PCS) e hepatodiafragmática (DH).

a. Paciente hígido
Em um paciente sem alterações de conteúdo de cavidade pleural, pode-se
identificar as costelas e suas respectivas sombras hipoecóicas. Entre as costelas, uma

110
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

linha horizontal hiperecogênica é formada pela interface entre as pleuras visceral e


parietal, que deslizam uma sobre a outra com os movimentos respiratórios. A imagem
formada pelas costelas e as pleuras é conhecida como “gator sign” pela semelhança com
olhos de crocodilo, e o deslizamento normal das pleuras durante a respiração é
denominado “glide sign”. Ainda em pacientes hígidos, é possível identificar as “linhas A”
como várias linhas horizontais hiperecogênicas. As linhas A são formadas por artefato
de reverberação, pela presença de ar dentro dos pulmões.

Figura 8. Posicionamento da probe na janela CTS e imagens formadas no T-FAST de um paciente hígido. As
linhas em formato de seta representam o glide sign e as linhas horizontais hiperecogênicas correspondem às
linhas A. RS: Sombras das costelas. Fonte: Lisciandro, 2011.

Figura 9. Imagem semelhante a olhos de crocodilo, formando o “gator sign”. Fonte: Lisciandro, 2014.

b. Paciente com pneumotórax


O diagnóstico definitivo de pneumotórax é dado pela radiografia, que
geralmente não é recomendada no paciente emergencial. O T-FAST pode ser realizado
para predizer se o paciente desenvolveu pneumotórax. A ausência de deslizamento
pleural (glide sign) é um sinal indicativo de pneumotórax, mas pode ocorrer também em
casos de aderência de pleura, atelectasia ou apneia.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura 10. Posicionamento da probe na janela CTS e imagens formadas no T-FAST de um paciente com
pneumotórax. Ausência do glide sign e presença de linhas A (“A line”). RS – Sombras das costelas. Fonte:
Lisciandro, 2011.

O lung point é um achado do T-FAST que representa a transição entre a presença


e a ausência de glide sign, o que indica o ponto onde o pulmão perde o contato com a
parede torácica. Sua localização pode ser feita com o deslocamento da probe no sentido
ventral em pacientes posicionados em decúbito esternal. A identificação do lung point
permite determinar a gravidade do pneumotórax, pois o ar tende a se deslocar para a
porção mais dorsal do espaço pleural, e um lung point muito ventral indica que grande
quantidade de ar está presente. A impossibilidade de localizar o lung point em pacientes
sem glide sign indica pneumotórax muito severo.

Figura 11. Paciente normal (a), paciente com pneumotórax parcial (b) e paciente com pneumotórax grave
(c). No pneumotórax parcial, o lung point foi localizado quando a probe foi deslocada para a posição 2. No
pneumotórax grave, o lung point não foi identificado pois não há interface entre o pulmão e a parede
torácica em nenhuma região. Fonte: Lisciandro, 2011.

c. Linhas B
As linhas B, ou artefato de “cauda de cometa”, são identificadas no CTS como
linhas hiperecogênicas que partem da pleura em sentido vertical. Sua presença indica
presença de líquido no parênquima pulmonar (pneumonia, contusão ou edema
pulmonar). Quando as linhas B estão presentes, não são identificadas linhas A e é
descartado o pneumotórax.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura 12. Posicionamento da probe na janela CTS e imagens formadas no T-FAST de um paciente com
presença de líquido no parênquima pulmonar. As linhas verticais hiperecogênicas correspondem às linhas B.
RS – Sombras das costelas. Fonte: Lisciandro, 2011.

d. Step sign
O step sign é o desvio da linha pleural, formando um “degrau” na imagem do
CTS. É indicativo de fraturas de costela ou outras condições que desloquem a interface
entre pulmão e pleura, como efusão pleural.

Figura 13. Step Sign. RS: Sombras das costelas. Fonte: Lisciandro, 2014.

e. Efusão pericáridica
O líquido pericárdico é identificado na janela pericárdica (PCS) como uma região
anecoica ou hipoecoica em torno do coração, no saco pericárdico. A ecogenicidade
depende da natureza do conteúdo.
Figura 14. (A) Imagem
da janela pericárdica
(PCS) do T-FAST de um
paciente com presença
de efusão pericárdica
(PCE). (B)
Posicionamento da
probe na janela PCS.
Fonte: Lisciandro, 2014.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

4. PROTOCOLO BLUE
O protocolo BLUE (bedside lung ultrasound exam), também chamado Vet BLUE,
é um exame ultrassonográfico dos pulmões muito sensível e específico na detecção de
algumas condições respiratórias. Assim como o T-FAST, pode ser utilizado na triagem do
atendimento emergencial, mas é muito útil no internamento de pacientes sob cuidados
intensivos, especialmente naqueles com estresse respiratório agudo.
O Vet BLUE permite avaliar os pulmões de maneira mais ampla que o T-FAST.
Pode ser considerado uma extensão da janela CTS do T-FAST aplicada em três pontos
adicionais que permitem avaliar todos lobos pulmonares.

POSICIONAMENTO E TÉCNICA
A técnica é realizada com o paciente em estação ou em decúbito esternal. A
imagem ultrassonográfica esperada em pacientes sem alterações pulmonares ou
pleurais é semelhante à do T-FAST, com a formação de gator sign, presença de glide sign
e linhas A.
A probe é posicionada na horizontal e movida por quatro pontos nos dois
pulmões, na seguinte ordem:
Região dorsocaudal (cdll): localizado no terço superior do tórax, entre o oitavo e
o nono espaço intercostal, assim como a janela CTS do T-FAST.
Região peri-hilar (phll): localizado no terço central do tórax, entre o sexto e o
sétimo espaço intercostal.
Região média (mdll): localizado na porção ventral do tórax, entre o quarto e o
quinto espaço intercostal, na região cardíaca.
Região cranial (crll): localizado na porção ventral do tórax, entre o segundo e o
terceiro espaço intercostal.

Figura 15. (A) Posicionamento do paciente e da probe para a realização do Vet BLUE. (B) Correlação entre as
janelas avaliadas no Vet BLUE em uma radiografia. Fonte: Lisciandro, 2014.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

PRINCIPAIS ACHADOS NO VET BLUE


Pacientes sem alterações de conteúdo (“dry lung”): Identificação do gator sign,
presença de linhas A e glide sign.
Pacientes com presença de líquido (“wet lung”): o acúmulo de liquido pode
ocorrer por edema pulmonar (cardiogênico ou não), contusões pulmonares,
hemorragias pulmonares e pneumonias. São identificadas linhas B com diferentes graus
de distribuição. Em geral, linhas B nas janelas peri-hilar e dorsocaudal são sugestivas de
edema, enquanto linhas B nas janelas cranial e medioventral são sugestivas de
pneumonia.
Pacientes com consolidação pulmonar: As consolidações são reconhecidas como
inconsistências na continuidade da linha pleural (step sign).
o Shred sign: consolidação pulmonar com presença de aeração.
Descontinuidade da pleura com a presença de tecido hipoecoico. Podem ser
identificados artefatos de reverberação pela presença de ar.

Figura 16. Shred sign. Fonte: Lisciandro, 2014.

o Tissue sign: representa uma consolidação mais severa dos pulmões, sem
presença de aeração e com hepatização pulmonar. Não ocorre artefato de
reverberação.

Figura 17. Tissue sign. Fonte: Lisciandro, 2014.

o Nodule sign: presença de nódulos ou massas no parênquima pulmonar.


Geralmente aparecem como circulares estruturas hipoecoicas únicas ou
múltiplas.
115
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura 18. Nodule sign. Fonte: Lisciandro, 2014.

Figura 19. Resumo dos sinais encontrados na ultrassonografia torácica e diagnósticos diferenciais. Fonte:
Lisciandro, 2014.

5. REFERÊNCIAS

FLATO, Uri Adrian Prync et al. Utilização do FAST-Estendido (EFAST-Extended


Focused Assessment with Sonography for Trauma) em terapia intensiva. Revista
Brasileira de Terapia Intensiva, 2010.
LISCIANDRO, Gregory R. Abdominal and thoracic focused assessment with
sonography for trauma, triage, and monitoring in small animals. Journal of Veterinary
Emergency and Critical Care, 2011.
LISCIANDRO, Gregory R. (Ed.). Focused ultrasound techniques for the small
animal practitioner. John Wiley & Sons, 2014.
116
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

REANIMAÇÃO CÉREBRO-CARDIOPULMONAR
1. INTRODUÇÃO
A parada cardiorrespiratória (PCR) consiste na interrupção súbita da respiração
e/ou da circulação sanguínea, resultando em ausência da perfusão tecidual a nível
celular (hipóxia) e início de metabolismo anaeróbio. De maneira geral, há perda da
capacidade de fornecer oxigênio e nutrientes para as células e tecidos para suas
necessidades metabólicas (choque). O objetivo principal da reanimação é evitar o
choque e permitir o retorno das funções cardiovasculares, respiratórias e neurológicas
normais.
De acordo com os guidelines da Reassessment Campaignon on Veterinary
Resuscitation (RECOVER), reanimação cérebro-cardio-pulmonar (RCCP) pode ser
dividida em quatro partes principais: preparo e prevenção, suporte básico à vida,
suporte avançado à vida e cuidados pós-reanimação.

2. PREPARO E PREVENÇÃO
a. O ambiente deve estar sempre preparado e organizado: Ambientes de
urgências e emergência veterinários são locais críticos, onde
biossegurança e as boas práticas operacionais devem ser praticadas de
forma intensa para não expor a equipe e o paciente a riscos. Além disso,
a organização evita atrasos na tomada de decisões e no início das
intervenções nas emergências.

• Estoque: É fundamental que o estoque seja organizado e controlado para não


faltar insumos necessários às urgências e emergências.

• Equipamentos: devem passar por manutenção e limpeza periódica, possuir uma


etiqueta com as datas de manutenção e ter manuais de utilização acessíveis.

• Fármacos: devem estar adequadamente acondicionados, identificados e com a


data de validade, inclusive, após a diluição.

• Biossegurança: equipamentos de proteção individual devem estar sempre


acessíveis e recipientes para descarte de material e coleta de lixo hospitalar
devem estar disponíveis.
b. Materiais devem estar acessíveis: Todo o material deve estar disposto de
forma adequada, em local de fácil acesso, e corretamente identificados
para acesso rápido durante emergências. O uso de “carrinhos de parada”
facilita o acesso a todos os materiais, pois contém todos materiais e
fármacos necessários organizados em ordem de
c. Equipe bem treinada e liderança: O treinamento periódico da equipe é
um fator determinante no bom funcionamento do serviço de

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

emergência. Além da grande variedade de casos que passam pelo serviço


de urgência, a grande quantidade de fármacos, dispositivos e
equipamentos médicos utilizados em ambientes de urgência requer
familiaridade. Um membro da equipe deve estabelecer a liderança
durante a reanimação para organizar as condutas dos outros, e a equipe
deve ser preferencialmente composta por 4 quatro indivíduos que
revezam suas funções (exceto o líder, que se mantem sempre na mesma
função).
d. Uso de check-lists, fluxogramas e tabelas de doses: Check-lists para
reposição e organização de materiais, fluxogramas de condutas para os
procedimentos e tabelas de doses de fármacos pré-calculados de acordo
com o peso são ferramentas que facilitam a RCCP e melhoram o
prognóstico por permitir intervenções mais rápidas.

3. RECONHECIMENTO DA PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA


Antes do início do suporte básico à vida, é importante reconhecer o paciente em
PCR. Várias condições podem desencadear a PCR, e geralmente estão relacionadas a
comorbidades importantes que devem ser consideradas durante a reanimação. As
complicações mais encontradas em pacientes que entram em PCR estão relacionadas
aos “5 Ts” e “5 Hs”
“5 Hs”: hipovolemia, hipoglicemia, hipotermia, hipo/hipercalemia e hipóxia;
“5 Ts”: Toxinas, tamponamento cardíaco, tensão torácica, trauma e
tromboembolismo.
Essas condições dificultam a reanimação e devem ser manejadas de imediato
para melhorar o prognóstico do paciente e aumentar as chances de retorno à circulação
espontânea.

SINAIS DE PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA:


Mudança abrupta da frequencia respiratória e do padrão respiratório:
bradipneia, respiração agônica ou ausência de movimentos respiratórios.
Piora rápida no estado mental: piora na escala AVDN de consciência. Na PCR, o
paciente passa rapidamente para o estado arresponsivo.
o A – Paciente Alerta
o V – Paciente responde a estímulos de Voz
o D – Paciente responde a estímulo de Dor
o N – Paciente Não responde
118
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Pupilas dilatadas e olhar fixo


Alterações abruptas na temperatura corpórea
Rigidez muscular
Ausência de pulso palpável e mudança na frequência e ritmo cardíaco: As
arritmias que levam o paciente rapidamente à parada cardíaca são assistolia
Assistolia: Ausência de atividade elétrica no coração.

Fibrilação Ventricular: Ao contrário da assistolia, na fibrilação ventricular o que


ocorre uma atividade elétrica caótica e assincrônica nos ventrículos. Cada célula do
ventrículo se despolariza de forma aleatória, há contração muscular, no entanto sem
ritmo e sem organização para efetuar um batimento e gerar débito cardíaco. No ECG
não se reconhecem ondas ou complexos, apenas oscilações caóticas. O uso do
desfibrilador é indicado neste caso e em taquicardias ventriculares sem pulso

Taquicardia ventricular sem pulso: Há atividade elétrica de forma rítmica, mas os


batimentos se originam nos ventrículos, formando complexos ventriculares prematuros
de forma sustentada. Devido à alta frequência cardíaca, o tempo de enchimento
cardíaco diástole não é suficiente para gerar um volume sistólico adequado, e o débito
cardíaco não é capaz de gerar pulso.

Atividade elétrica sem pulso: Nesses casos, o impulso elétrico é formado, mas
não gera contração miocárdica. Ao ECG, o impulso pode parecer normal ou com
variações nos intervalos P-QRS, QRS largo e bizarro e FC diminuída. O traçado apenas
mostra que a atividade elétrica está normal, não mostra a função miocárdica
comprometida e o baixo débito cardíaco ou sua ausência.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

4. SUPORTE BÁSICO À VIDA


O suporte básico à vida corresponde a uma série de manobras de manejo de vias
aéreas, ventilação e reestabelecimento de circulação. Suas etapas são conhecidas como
“ABC”: airway, breathing e circulation. As manobras de reanimação devem ser feitas em
ciclos de 2 minutos. Ao final de cada ciclo, deve-se checar se o paciente retornou à
circulação espontânea. Caso não tenha retornado, os membros da equipe trocam suas
funções e iniciam um novo ciclo. Apesar de serem conhecidas na ordem ABC, as etapas
são iniciadas de simultaneamente por pessoas diferentes.
e. Airway: Corresponde ao estabelecimento de patência das vias aéreas. A
melhor forma de garantir patência de vias aéreas é através da intubação dos
pacientes. Durante a PCR, os pacientes devem ser intubados
preferencialmente em decúbito lateral ou dorsal, pois a elevação da a
cabeça reduz a perfusão cerebral.
f. Breathing: Os pacientes em PCR devem ser ventilados na frequência de 8-
10 movimentos por minuto de forma ininterrupta durante um ciclo de 2
minutos. Totalizando 16-20 movimentos/ciclo. Com a hiperventilação, a
pressão no pulmão fica positiva, impedindo o retorno venoso e a ocorrência
do "efeito esponja" dos pulmões. A hipocapnia pode levar a redução do
ácido carbônico, causando alcalose respiratória e vasoconstrição cerebral. Já
a hipoventilação pode levar a acidose respiratória, vasodilatação cerebral e
aumento da pressão intracraniana
g. Compressions: Compressões torácicas devem ser iniciadas assim que a PCR
for identificada para retomar a circulação e estabelecer débito cardíaco. As
compressões devem ser rítmicas e ininterruptas, na frequência de 100-120
movimentos por minuto em um ciclo de 2 min. As compressões só são
interrompidas quando apenas uma pessoa está reanimando o paciente.
Nesses casos, deve-se alternar 30 massagens e 2 ventilações. As massagens
podem ser cardíacas ou torácicas.
Massagens cardíacas: Deve ser realizada em pacientes de porte pequeno e tórax
estreito. Comprimir 1/3 da largura do tórax e deixar reexpandir completamente em
decúbito lateral direito ou esquerdo, fazendo pressão sobre o ventrículo esquerdo.
Animais com tórax em barril devem ser posicionados em decúbito dorsal.

120
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura 1. Massagens cardíacas em pacientes de tórax estreito (A), tórax em barril (B) e de pequeno porte (C).
Fonte: FLETCHER, 2012 (adaptado).

Massagens torácicas: Devem ser realizadas em animais com mais de 20 kg em


decúbito lateral direito ou esquerdo. Comprimir 1/3 da largura do tórax em sua porção
mais larga e deixar reexpandir completamente. Nas massagens torácicas, os pulmões
são comprimidos e funcionam como uma “bomba torácica” que permitem o retorno
venoso.

Figura 2. Massagens torácicas em pacientes


de grande porte. Fonte: FLETCHER, 2012.

5. SUPORTE AVANÇADO
O suporte avançado à vida deve ser iniciado o mais breve possível,
preferencialmente junto com o suporte básico à vida. Corresponde à terapia com
vasopressores, inotrópicos, anticolinérgicos, correção de distúrbios eletrolíticos e
déficits de volume, anemia severa e desfibrilação.
h. Vasopressores: São usados com o objetivo de aumentar a resistência
vascular periférica. Vasopressores aumentam a resistência periférica e
direcionam o volume intravascular para a circulação central, incrementando
o débito cardíaco. Vasopressores com efeitos inotrópicos e cronotrópicos
(catecolaminas) são menos cruciais e podem aumentar a demanda de
oxigênio pelo miocárdio, predispondo a arritmias.
Adrenalina: é a primeira escolha na PCR. Causa vasoconstrição, aumentando a
pré-carga e melhorando a perfusão. É iniciada em doses baixas (0,01 mg/kg IV a cada 3-
5min). Caso o paciente não responda a ciclos com dose baixa, deve ser feita dose alta
(0,1 mg/kg). A administração intracardíaca não é recomendada, pois causa
vasoconstrição e isquemia no miocárdio.
Vasopressina (0,8 UI/kg IV): Causa vasoconstrição periférica intensa e atua bem
em pacientes com acidemia. Pode ser usada em associação com adrenalina em ciclos
alternados. Uso benéfico na ressuscitação, com ou sem epinefrina. Não causa danos
adicionais quando comparada a epinefrina.

121
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

i. Anticolinérgicos: O principal fármaco utilizado é a atropina (0,04 mg/kg IV),


eficaz quando há tônus vagal aumentado, que leva a bradicardia e parada
sinusal.
j. Antiarrítmicos: há poucas evidências de que amiodarona (5mg/kg IV) e
lidocaína (2mg/kg IV) podem ser eficazes em casos de taquicardia ou
fibrilação ventricular arresponsivas a desfibrilação.
k. Drogas reversoras: Devem ser uma das prioridades durante a PCR,
especialmente em pacientes anestesiados. As principais drogas reversoras
são naloxona (0,04 mg/kg IV), flumazenil (0,01 mg/kg IV) e atipamezole.
l. Terapia tampão: pode ser considerada em paradas prolongadas, maiores
que 10 min. O fármaco de escolha é o bicarbonato (1mEq/kg).
m. Correção de distúrbio eletrolíticos: Distúrbios podem surgir em decorrência
de acidose metabólica, administração de drogas ou outras alterações
metabólicas. Hipercalemias moderadas ou severas prejudicam a função do
miocárdio. Hipocalcemias severas também são passíveis de tratamento.
Cálcio: Administrado em hipocalcemias severas ou overdose por bloqueadores
de canal de cálcio. Também é útil em animais com hipercalemia severa pré-existente.
n. Correção de déficits de volume e anemia severa.
o. Desfibrilação: Podem ser monofásicos (4-6 J/kg) ou bifásicos (2-4 J/kg). Feita
em animais que progridem para taquicardia ventricular sem pulso ou
fibrilação ventricular. É mais sucedida quando realizada em até 4min de
fibrilação ventricular, pois durante essa fase elétrica há menos isquemia.

6. MONITORAMENTO
É fundamental que o paciente seja monitorado durante toda a reanimação e
após o retorno da circulação espontânea. Deve-se monitorar a função cardiovascular
pelo pulso, frequência e ritmo cardíaco através de eletrocardiograma. A função
respiratória deve ser monitorada para evitar hiperventilação ou hipoventilação. O EtCO2
é um dos principais parâmetros para avaliar a eficácia da reanimação e definir o
prognóstico, pois tem correlação direta com o débito cardíaco. Há tendência de
aumento de EtCO2 quando há retorno da circulação espontânea, e sua queda para
valores menores que 20 mmHg durante a reanimação indica prognóstico desfavorável.
A análise de gases sanguíneos e eletrólitos auxilia na tomada de decisões durante
a PCR ou após a reanimação. Em casos onde a parada está relacionada a distúrbios
eletrolíticos, a mensuração de eletrólitos direciona a terapia de suporte à reanimação.
Hipocalcemia pode ocorrer em paradas prolongadas e pode ocorrer hipercalemia
durante a ressuscitação, o que indica prognóstico mais desfavorável.

122
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Os objetivos após reanimação envolvem retomar a estabilidade hemodinâmica


e parâmetros adequados de oxigenação. A pressão arterial deve ser monitorada para
prevenir hipotensões e oximetria de pulso é fundamental para prevenir hipoxemia.
Além disso, deve-se monitorar a capnografia, a glicemia, temperatura corporal e status
neurológico (podem ocorrer convulsões).

7. CUIDADOS APÓS A REANIMAÇÃO


Devem ser tomados cuidados intensivos com o paciente reanimado para evitar
a novas paradas cardiopulmonares. A síndrome pós-parada é caracterizada pela
combinação da falência de múltiplos órgãos, choque cardiogênico, injúria cerebral por
anóxia e pela sequela de doenças preexistentes.
Suporte cardiovascular: Protocolos de otimização hemodinâmica durante a fase
pós parada são importantes, especialmente em animais hemodinamicamente instáveis.
A disfunção cardiovascular após ressuscitação pode ser atribuída à doença anterior
(hipovolemia ou disfunção cardíaca) ou à lesão de reperfusão subsequente. O
estabelecimento e manutenção da perfusão adequada após restabelecimento da
circulação é feito a com fluidoterapia, drogas cardioativas e vasopressores
Suporte ventilatório: Normalizar os níveis de oxigênio, PaCO2, pH sanguíneo e
reoxigenar tecidos isquêmicos são objetivos nos cuidados pós reanimação. O controle
da ventilação é importante no controle da normoxemia, normocapnia e equilíbrio ácido-
base. Hipotermia terapêutica: Existem evidencias de que a hipotermia (32-34°C)
induzida em pacientes pós-reanimação tem efeitos benéficos na preservação de funções
neurológicas. O paciente deve ser reaquecido gradualmente.
Estratégias neuroprotetivas, metabólicas e de suporte.
o Uso de corticosteroides: Não há comprovação dos benefícios do uso de
corticosteroides na RCP ou após ressuscitação.
o Controle de convulsões
o Manitol e salina hipertônica: Manitol e salina hipertonica são indicadas
quando há suspeita de edema ou aumento de PIC.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fluxograma dos cuidados pós reanimação. Fonte: FLETCHER, 2012

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fluxograma da parada cardiorrespiratória. Fonte: FLETCHER, 2012.

125
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

8. REFERÊNCIAS

BRAINARD, Benjamin M. et al. RECOVER evidence and knowledge gap analysis on


veterinary CPR. Part 5: Monitoring. Journal of Veterinary Emergency and Critical Care,
v. 22, n. s1, p. S65-S84, 2012.

FLETCHER, Daniel J. et al. RECOVER evidence and knowledge gap analysis on


veterinary CPR. Part 7: Clinical guidelines. Journal of Veterinary Emergency and Critical
Care, v. 22, n. s1, p. S102-S131, 2012.

HOPPER, Kate et al. RECOVER evidence and knowledge gap analysis on veterinary
CPR. Part 3: Basic life support. Journal of Veterinary Emergency and Critical Care, v. 22,
n. s1, p. S26-S43, 2012.

ROZANSKI, Elizabeth A. et al. RECOVER evidence and knowledge gap analysis on


veterinary CPR. Part 4: advanced life support. Journal of Veterinary Emergency and
Critical Care, v. 22, n. s1, p. S44-S64, 2012.

SMARICK, Sean D. et al. RECOVER evidence and knowledge gap analysis on


veterinary CPR. Part 6: Post‐cardiac arrest care. Journal of Veterinary Emergency and
Critical Care, v. 22, n. s1, p. S85-S101, 2012.

RABELO, Rodrigo. Reanimação Cardiopulmonar. In: RABELO,


Rodrigo. Emergências em pequenos animais: condutas clínicas e cirúrgicas no paciente
grave. Elsevier Brasil, 2012.

126
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA PERIDURAL

1. INTRODUÇÃO
Administrar anestésicos e analgésicos pela via epidural, peridural ou extradural
— todos sinônimos — é uma das técnicas de anestesia regional mais empregadas na
rotina clínica de pequenos animais. Não possui custos ou complexidade elevados e,
quando feita de maneira adequada, promove anestesia e/ou analgesia intensas e
duradouras, diminui o consumo de opioides no período perioperatório e reduz o
requerimento de anestésicos gerais.

2. ANATOMIA APLICADA
A coluna vertebral de cães e gatos é composta por 7 vértebras cervicais, 13
torácicas, 7 lombares, 3 sacrais (fusionadas, formando o osso sacro) e um número
variado de coccígeas. O canal vertebral estende-se do forame magno até,
aproximadamente, o forame vertebral da sexta vértebra coccígea e abriga o espaço
epidural, as meninges, o líquido cefalorraquidiano (LCR) e a medula espinhal.
A medula espinhal é coberta pelas meninges dura-máter, aracnoide e pia-máter
(da mais externa para a mais interna) e o LCR circula no espaço subaracnoide. Seu
comprimento varia entre os indivíduos, atingindo, em média, L5 (cães) ou L6-L7 (gatos).
Cada um de seus segmentos resulta, bilateralmente, em raízes dorsal (sensitiva) e
ventral (motora), que se unem a nível dos forames intervertebrais, formando os nervos
espinhais.
Poucos centímetros após o final da medula há uma extensão da dura-máter
chamada de saco dural, o qual envolve as raízes nervosas da cauda equina. Em seguida,
a cauda equina forma o filum terminale, também coberto pelo afunilamento desta
meninge.
O espaço epidural está situado entre o ligamento amarelo/flavo e a dura-máter
e apresenta comunicação com o espaço paravertebral através dos forames laterais. Em
seu interior há, basicamente, tecido adiposo e um plexo venoso que drena o sangue
para as veias ázigo e cava. A medida que ocorre o afunilamento da medula há o
alargamento do espaço, principalmente a nível lombossacro.

127
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Martin-Flores, 2019.


3. MECANISMO DE AÇÃO
Os anestésicos locais administrados pela via epidural atuam, principalmente, nas
raízes nervosas que emergem da medula espinhal. Ao banhá-las, o efeito acontece
através do bloqueio dos canais de sódio, impedindo a despolarização e a condução de
impulsos elétricos.
A inervação do membro pélvico, por exemplo, é feita pelo plexo lombossacro
(L3-S1), enquanto as fibras nervosas que chegam ao peritônio e à parede abdominal
originam-se de T11 a L3. Para insensibilização total destas regiões, o anestésico deve
atingir a altura das vértebras correspondentes. Uma maior cranialização do fármaco não
promove analgesia adicional das estruturas, porém está associada à maior incidência de
efeitos adversos.
Quando uma solução é injetada no espaço epidural, ocorre dispersão cranial e
caudal, com sequestro pelo tecido adiposo e possível extravasamento lateral pelos
forames. A distribuição do anestésico, fator determinante da extensão do bloqueio, é
afetada por algumas variáveis, sendo as principais:
Volume e concentração do fármaco: a cranialização é diretamente proporcional
ao volume administrado, que pode ser calculado pelo peso corpóreo ou pelo
comprimento da coluna, em centímetros, desde o osso occipital até a primeira vértebra
coccígea (Loc). Não há evidências confirmando superioridade de um dos métodos, mas
alguns autores recomendam que o volume total não ultrapasse 6 ml. A intensidade e a
duração do bloqueio, por sua vez, dependem da concentração do fármaco utilizado,
uma vez que diluições excessivas resultam em um bloqueio fugaz e pouco profundo;
Velocidade de injeção: a administração rápida resulta em uma maior elevação
da pressão no espaço epidural — predispondo o paciente à lesão medular e/ou de raízes
nervosas — mas não há evidências que comprovem interferência na distribuição final
da solução. O tempo ideal para injetar todo o volume calculado é de 1 a 2 minutos;

128
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Tamanho dos vasos epidurais: em razão da comunicação anatômica entre estes


vasos e a veia cava, aumentos na pressão intra-abdominal levam ao ingurgitamento dos
vasos epidurais e à diminuição relativa do espaço. Portanto, em uma paciente prenhe,
por exemplo, o volume injetado apresentará maior cranialização;
Local de punção e direção do bisel da agulha: punções mais craniais promovem
deposição do anestésico em segmentos medulares mais altos. Ao utilizar agulhas de
Tuohy, a direção do bisel irá guiar a solução para a região de maior distribuição.

Fonte: Klaumann & Otero, 2013.

Fonte: Klaumann & Otero, 2013.

Fonte: Martin-Flores, 2019.

4. INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES
A anestesia epidural clássica pode ser realizada em animais sedados ou sob
anestesia geral, com monitoração completa, para alívio da dor e/ou para a abordagem
cirúrgica de tecidos retroumbilicais. Proporciona diminuição do consumo de opioides e
do requerimento de hipnóticos, logo também está relacionada com diminuição da
morbimortalidade em pacientes cirúrgicos.
As anestesias do neuroeixo não são recomendadas em pacientes sépticos ou que
apresentem infecção dos tecidos na região da punção — risco de contaminação do
sistema nervoso central — e em casos de coagulopatias, devido ao risco de sangramento
intenso seguido pela formação de hematomas, que podem comprimir raízes nervosas
ou segmentos medulares.

129
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Pacientes com instabilidade hemodinâmica, lesões medulares ou do canal


vertebral, leucocitose intensa de origem desconhecida ou com alterações anatômicas
que possam comprometer a execução da técnica representam situações de
contraindicação relativa, nas quais a relação entre risco e benefício deve ser avaliada.

5. TÉCNICA
A punção clássica pode ser feita nos espaços lombossacro (L7-S1) ou
sacrococcígeo (S3-Co1), sendo a segunda opção obrigatória em gatos devido à extensão
da medula espinhal. Em cães adultos o saco dural está localizado entre L6 e L7,
entretanto esta estrutura pode estar situada no espaço lombossacro em cães de
pequeno porte e gatos, resultando em um acesso subaracnoide inadvertido mesmo que
não haja retorno de LCR no canhão da agulha.
O equipamento necessário para a injeção epidural consiste em uma agulha de
Tuohy — projetada para essa finalidade, possui uma ponta romba e curva para diminuir
a incidência de lesões iatrogênicas e perfurações da dura-máter —, uma seringa de baixa
resistência (não é obrigatório, mas facilita a identificação do espaço), luvas estéreis,
máscara, panos de campo e materiais para antissepsia, monitoração e correção de
possíveis complicações.
Ao realizar ampla tricotomia e antissepsia da área, o paciente deve ser
posicionado em decúbito esternal ou lateral, com os membros pélvicos estendidos em
sentido cranial para aumentar a distância entre os processos espinhosos. Após a
colocação dos panos de campo, o espaço lombossacro é identificado através da
palpação, entre as cristas ilíacas, de L6 (processo espinhoso grande), L7 (processo
espinhoso intermediário) e S1 (processo espinhoso pequeno, após um espaço vazio
caudalmente a L7).
Em pacientes sedados o local da punção deve ser insensibilizado com uma
pequena quantidade de anestésico local, o que é dispensável em animais sob anestesia
geral. A agulha é angulada a 45-60º em relação à pele e introduzida, aproximadamente,
na metade do espaço entre L7 e S1. Pele, tecido subcutâneo e o ligamento
interespinhoso serão ultrapassados até ocorrer um súbito aumento na resistência à
progressão, caracterizado pelo contato com o ligamento amarelo. Sua perfuração leva
a ponta da agulha ao interior do espaço epidural.
O acesso sacrococcígeo proporciona uma menor incidência de punção
subaracnoide inadvertida e deve seguir a mesma técnica descrita anteriormente, mas
seu nível de dificuldade é um pouco maior em decorrência do tamanho das estruturas.
Após identificar o espaço lombossacro, o operador deve palpar o processo espinhoso de
S1 e percorrer duas vértebras em sentido caudal (S2 e S3). Movimentar a cauda do
paciente pode auxiliar na localização do espaço sacrococcígeo.

130
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Aparelhos como o estimulador de nervos periféricos (ENP) e o ultrassom podem


ser úteis no acesso epidural. Ao montar o equipamento, o ENP é configurado para gerar
uma corrente inicial de 0,7 mA, provocando movimentação da cauda ao ultrapassar o
ligamento amarelo. Esta resposta motora, entretanto, não diferencia as regiões epidural
e subaracnoide.

Fonte: Klaumann & Otero, 2013.

Fonte: Klaumann & Otero, 2013.

6. CONFIRMAÇÃO DA POSIÇÃO DA AGULHA


Inicialmente, é importante ressaltar que, no acesso lombossacro, a ausência de
retorno de LCR no canhão da agulha não descarta uma injeção subaracnoide
inadvertida. Em situações em que há retorno de LCR ou sangue, a agulha deve ser
retirada e substituída para a tentativa seguinte.
A identificação de um agulhamento correto varia de acordo com a experiência
do operador. Entre diversos métodos descritos, os mais empregados são a perda de
131
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

resistência (loss of resistance), a técnica da gota pendente (hanging drop) ou a técnica


do gotejamento (drip infusion). Há controvérsias sobre a sensibilidade e a especificidade
dos métodos porque todos apresentam falsos positivos e negativos, porém sua
combinação pode trazer melhores resultados.
A perda de resistência é baseada na sensação tátil do operador — aumentada
quando usadas agulha de Tuohy e seringa de baixa resistência — durante a progressão
da agulha pelas estruturas. Ao adentrar o espaço epidural, essa resistência subitamente
desaparece e deve permanecer ausente durante toda a aplicação. A injeção de ar para
confirmar o posicionamento da agulha não deve ser feita porque cria bolsões que
impedem a cranialização dos fármacos.
A técnica da gota pendente consiste no preenchimento do canhão da agulha com
pequenos volumes de solução salina estéril que, na presença da pressão negativa do
espaço epidural, será sugada. Esta sucção confirma o posicionamento correto, mas sua
ausência, comum em pacientes pequenos, não o descarta.
A técnica do gotejamento consiste em acoplar um sistema de administração de
fluidos (frasco com solução estéril + equipo microgotas) ao canhão da agulha. Ao
perfurar o ligamento amarelo, o sistema deve ser aberto e o gotejamento deve ocorrer
livremente devido à pressão negativa do espaço. O operador deve estar atento à
formação de edema porque a solução também gotejará livremente se a agulha estiver
localizada no subcutâneo.

7. EFEITOS ADVERSOS E COMPLICAÇÕES


Relacionados à punção: trauma espinhal ou de raízes nervosas, neurotoxicidade
por solventes ou conservantes, infecções, hematomas, injeção subaracnoide
inadvertida, injeção intravascular inadvertida e não crescimento dos pêlos da região
após tricotomia;
Relacionados à administração de anestésicos locais: bradicardia e/ou
hipotensão decorrente de vasodilatação e redução do retorno venoso (bloqueio dos
gânglios simpáticos de T4 a L3), hipoxemia e hipercapnia decorrentes de depressão
respiratória (bloqueio dos nervos intercostais e/ou frênico) e síndrome de Horner;
Relacionados à administração de opioides: retenção urinária, prurido, náusea e
vômitos.

8. ANALGÉSICOS E ADJUVANTES
Fármacos hidrossolúveis apresentam longas latência (30 a 60 minutos) e
duração, tendendo à cranialização e à analgesia espinhal. Fármacos lipossolúveis, por
sua vez, apresentam latência e duração mais curtas, tendendo à analgesia segmentar —
com possíveis efeitos sistêmicos — e à redistribuição para o tecido adiposo.

132
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Opioides podem ser administrados em associação aos anestésicos locais para


potencializar a analgesia e aumentar sua duração, visando, principalmente, o período
pós-operatório. Quando depositados no espaço epidural, ultrapassam as meninges até
atingir seus receptores no corno dorsal da medula, misturam-se ao LCR ou ficam retidos
no tecido adiposo e são absorvidos para a circulação sistêmica. Devido à sua alta
hidrossolubilidade, a morfina é o opioide mais utilizado para analgesia espinhal em
pacientes cirúrgicos.
Agonistas dos receptores α2-adrenérgicos e cetamina também são relatados na
literatura como possíveis analgésicos espinhais.

Fonte: Martin-Flores, 2019.

9. REFERÊNCIAS
CAMPOY, L.; READ, MATT. Small animal regional anesthesia and analgesia. 1 ed.
Willey-Blackwell, 2013. 304 p.
GARCIA-PEREIRA, F. Epidural anesthesia and analgesia in small animal practice:
an update. The Veterinary Journal, v. 242, p. 24-32, 2018.
KLAUMANN, P.R.; OTERO, P.E. Anestesia locorregional em pequenos animais. 1
ed. Editora Roca, 2013. 268 p.
MARTIN-FLORES, M. Epidural and spinal anesthesia. Veterinary Clinics of North
America: Small Animal Practice, v. 49, n. 6, p. 1095-1108, 2019.
STEAGALL, P.V.M, et al. An update on drugs used for lumbosacral epidural
anesthesia and analgesia in dogs. Frontiers in Veterinary Science, v. 4, n. 68, 2017.

133
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA EM CARDIOPATAS
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS NA ANESTESIA DO CARDIOPATA
Não aumentar o risco do procedimento: Evitar o uso de técnicas ou fármacos que
não sejam habituais ao anestesista ou que prolonguem o tempo de anestesia;
Avaliação pré-anestésica: Fazer uma avaliação minuciosa do histórico do
paciente.
Pré-oxigenar: Reduz a possibilidade de hipoxemia após a indução.
Tripé antálgico: Priorizar uma boa analgesia com bloqueios locais,
antiinflamatórios e opioides, considerando as limitações do paciente.
Fluidoterapia: Deve ser cautelosa, evitar excesso de fluidos e de sódio.
Antever complicações: Estar preparado para emergências no perioperatório,
calculando de forma prévia os fármacos.
Monitoração: Deve ser intensiva e estendida ao pós-operatório.

2. PRINCIPAIS CARDIOPATIAS EM CÃES E GATOS


a. Doença valvar mitral (DVM): É a doença valvar adquirida mais comum dos
cães, sendo a principal causa de insuficiência cardíaca em cães idosos de
pequeno porte. A doença é caracterizada por degeneração progressiva da
valva mitral, que se torna espessa, irregular e menos complacente, o que
compromete sua função e permite o refluxo de sangue do ventrículo
esquerdo para o átrio esquerdo durante a sístole.
Na tentativa de manter o débito cardíaco, o organismo aciona dois mecanismos
compensatórios principais:
Hiperativação simpática: aumento de frequência cardíaca e da força de
contração, segundo o mecanismo de Frank-Starling.
Ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona: maior retenção de sódio
e água (aumento da volemia) e vasoconstrição.

Com a progressão da doença, ocorre remodelamento atrial e ventricular,


identificados pelo ecocardiograma. A congestão de veias pulmonares e o edema
pulmonar são frequentes nesses pacientes. De acordo com o consenso do American
College of Veterinay Internal Medicine (Keene, 2019), os pacientes com doença valvar
mitral podem ser classificados em diferentes estágios, de acordo com os sintomas e o
grau de remodelamento:

134
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

A: são pacientes sem a doença, mas com predisposição genética.


B1: são assintomáticos e sem sinais de remodelamento em exames de imagem,
mas com certo grau de regurgitação valvar, permitindo a auscultação de sopro. O
tratamento não é recomendado.

B2: assintomáticos, mas com remodelamento cardíaco identificado em exames


de imagem. O tratamento é recomendado (pimobendam).
o Relação AE/Ao ≥ 1,6
o Diâmetro interno do ventrículo esquerdo em diástole (ajustado ao peso) ≥
1,7
C: Sintomáticos, com remodelamento cardíaco e sinais clínicos de insuficiência
cardíaca. O tratamento farmacológico é imprescindível.
D: Paciente em estado avançado da doença, com sinais graves de insuficiência
cardíaca e refratário à terapia convencional

O paciente com doença valvar mitral (DVM) geralmente apresenta três


comorbidades importantes para o anestesista:
Hipertensão pulmonar: presente quando a pressão sistólica da artéria pulmonar
está acima de 30mmHg.
o Hipertensão pré-capilar: ocorre de forma secundária à vasoconstrição
hipóxica, um mecanismo que causa vasoconstrição em alvéolos pouco
ventilados para otimizar a perfusão de alvéolos bem ventilados.
o Hipertensão pós-capilar: é a forma mais comum do paciente com DVM. É
secundária a congestão das veias pulmonares.
Arritmias: são comuns, mesmo em pacientes assintomáticos.
Síndrome cardiorrenal: os sistemas renal e cardiovascular são interdependentes,
o que significa que o comprometimento do funcionamento de um deles leva à disfunção
aguda ou crônica do outro. As cardiopatias podem levar à diminuição da perfusão renal,
resultando em aumento sérico de ureia e creatinina, ativação do sistema renina-
angiotensina-aldosterona e redução na taxa de filtração glomerular.

CONSIDERAÇÕES NA ANESTESIA DO PACIENTE COM DVM


Pacientes com DVM dependem da frequência cardíaca para a manutenção do
débito cardíaco. Portanto, fármacos que causam bradicardia devem ser evitados.

135
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

A pré-carga pode estar aumentada em pacientes que ativaram mecanismos


compensatórios (estágio B2). A fluidoterapia deve ser feita com cautela nesses
pacientes, preferencialmente guiada pelo o débito urinário.
A pós-carga está normal no paciente tratado, mas está aumentada no paciente
sem tratamento. Os anestésicos tendem a reduzir a pós-carga por vasodilatação, o que
não deve ocorrer de forma intensa. Evitar o uso de fármacos vasopressores.
Medicações: segundo as diretrizes do AAHA (Grubb, 2020), pimobendam e
furosemida não devem ser suspensos antes do procedimento, mas anti-hipertensivos
(anlodipino e inibidores de ECA) e anticoagulantes devem ser descontinuados.
Entretanto, a suspensão de inibidores de ECA pode causar descompensação no quadro
clínico de alguns pacientes. Medicamentos β-bloqueadores devem ser suspensos no dia
do procedimento para evitar refratariedade ao tratamento com inotrópicos no
transoperatório.

PROTOCOLOS ANESTÉSICOS:
Medicação pré-anestésica:
o Opioides: seu uso de maneira isolada é uma das condutas mais seguras no
paciente cardiopata. Deve-se considerar que a metadona promove
bradicardia e vasoconstrição.
o Sedativos: fenotiazínicos podem ser utilizados em pacientes mais agitados.
A cloropromazina tem menor impacto hemodinâmico que a acepromazina
o Benzodiazepínicos: quando utilizados de forma isolada, podem causar
agitação. Associar a fenotiazínicos e opioides.
o Gabapentina: uso benéfico em pacientes agitados. Recomendar a
administração de 5-7,5 mg/kg antes de sair de casa.
Indução:
o Propofol: Não é primeira escolha no paciente cardiopata, pois pode causar
impacto hemodinâmico significativo, principalmente quando utilizado de
forma isolada.
o Fentanil + Midazolam: A associação desses fármacos tem pouco impacto
hemodinâmico e é considerada segura em pacientes cardiopatas. A indução
pode ser complementada com propofol nesses pacientes.
o Etomidato + Midazolam: O etomidato é um fármaco indutor com impacto
hemodinâmico insignificante, mas pode causar mioclonias quando utilizado
de forma isolada. Sua associação ao midazolam causa miorrelaxamento e
permite uma indução mais tranquila.

136
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Manutenção: As técnicas de anestesia balanceada são as mais indicadas por


promover menor impacto hemodinâmico. O uso de bloqueios locorregionais nesses
pacientes é muito benéfico por reduzir o requerimento anestésico. A escolha por
anestesia inalatória ou intravenosa depende da experiência do anestesista e das
condições do paciente. De maneira geral, deve-se ter em mente que a anestesia
inalatória tem maior predisposição a promover hipotensão, enquanto a TIVA pode
causar depressão respiratória. A infusão de fármacos que aumentam a pós carga, como
remifentanil e dexmedetomidina, deve ser evitada. A infusão de cetamina pode elevar
a frequência cardíaca, o que não é prejudicial ao paciente cardiopata, exceto em casos
de hipertensão pulmonar grave.

MANEJO DA HIPOTENSÃO TRANSOPERATÓRIA NO PACIENTE CARDIOPATA


1º passo: Adequar o plano anestésico.
2º passo: Fazer desafios hídricos em pequenas alíquotas, de acordo com as
perdas estimadas no transoperatório.
3º passo: Oferecer suporte inotrópico. A dobutamina é a primeira escolha.
Entretanto, pacientes cardiopatas podem ser refratários a catecolaminas pelo estímulo
crônico do sistema nervoso autônomo simpático, que leva a dessensibilização e
subregulação de receptores β1. Nesses casos, o inotropismo pode ser aumentado com
a sensibilização de canais de cálcio através da infusão de milrinona.
o Dobutamina: 5 – 15 µg/kg/min
o Milrinona: bolus inicial de 25-50 µg/kg em 10 min e manutenção em 0,2 - 0,5
µg/kg/min.
4º passo: Suporte com vasopressores. Em geral, os pacientes cardiopatas não se
beneficiam com vasoconstrição periférica, mas sua administração é importante em
casos específicos, como em choque séptico. Podem ser utilizados vasopressores como
dopamina e norepinefrina. Em pacientes com hipertensão pulmonar, a vasopressina
pode ser mais benéfica por promover vasoconstrição sistêmica e vasodilatação
pulmonar.

b. Cardiomiopatia dilatada (CMD): É uma condição primária do miocárdio que


compromete a contratilidade cardíaca e, consequentemente, a função
sistólica do coração. Caracteriza-se pela dilatação ventricular uni ou
bilateral, acometendo principalmente no ventrículo esquerdo. Afeta
principalmente cães de porte médio e grande, com forte predisposição
genética em cães das raças Dobermann, Dogue Alemão, Cocker Spaniel,
Labrador e Dálmata. Pode acometer felinos com deficiência de taurina e
cães com histórico de doença infecciosa, como parvovirose e babesiose.
137
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

CONSIDERAÇÕES NA ANESTESIA DO PACIENTE COM CMD


Pacientes com CMD têm disfunção sistólica importante. Inotrópicos devem ser
iniciados de maneira precoce, após a medicação pré-anestésica.
A fluidoterapia deve ser cautelosa, pois a pré-carga desses pacientes pode estar
aumentada por congestão.
Aumentos na pós-carga podem reduzir o débito cardíaco. Portanto, deve-se
evitar o uso de fármacos vasoconstritores.
Arritmias são comuns no paciente com CMD, mesmo que não esteja anestesiado.
A fibrilação atrial e os bloqueios de ramo direito ou esquerdo são mais comuns.

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO PACIENTE CARDIOPATA


Durante a ventilação mecânica em pacientes anestesiados, principalmente com
o estabelecimento de PEEP, ocorre aumento na pressão intratorácica e redução do
retorno venoso, com queda consequente no débito cardíaco pela redução na pré-carga.
Em pacientes com congestão esquerda, como na CMD, a redução na pré-carga
pela ventilação com PEEP pode ser benéfica. A PEEP faz com que os alvéolos sejam bem
ventilados, o que aumenta sua irrigação pelos capilares pulmonares e reduz o volume
de sangue que chega ao átrio esquerdo (menor pré-carga). A PEEP também favorece a
função sistólica do ventrículo esquerdo em indivíduos com disfunção por reduzir a
pressão transmural e reduz a pós-carga por promover vasodilatação. Entretanto, em
pacientes com dilatação do ventrículo direito e hipertensão pulmonar, a ventilação
mecânica com PEEP pode predispor à insuficiência cardíaca congestiva.

3. ECOCARDIOGRAMA NA ANESTESIA E INTESIVISMO


O ecocardiograma é um exame de imagem que permite a avaliação não invasiva
das estruturas e funções cardíacas (sistólica e diastólica).
c. Função sistólica: é um parâmetro diretamente relacionado ao débito
cardíaco. A contração do miocárdio ocorre em “torção”, conhecida como
twist cardíaco. As camadas mais externas do miocárdio contraem no sentido
longitudinal, enquanto as fibras internas fazem contração radial. O
ecocardiograma permite avaliar as contrações longitudinal e radial do
miocárdio.
Fração de encurtamento (%): avalia a função sistólica radial. As primeiras fibras
a se degenerar são fibras longitudinais, portanto a fração de encurtamento não
identifica a disfunção de forma muito precoce. Além disso, é um parâmetro de avaliação

138
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

global baseado em uma região pontual mostrada pela imagem. Isso significa que
alterações em outras regiões podem não ser identificadas pelo corte da imagem.
A fração de encurtamento é influenciada pela pré-carga e pela pós-carga. Deve
ser avaliada em conjunto com o diâmetro interno do ventrículo esquerdo em diástole
(DIVEd) para relacionar o volume recebido pelo ventrículo à sua capacidade de
contração. Em um paciente com sobrecarga de volume, por exemplo, uma fração de
encurtamento normal indica disfunção sistólica, pois, de acordo com os princípios de
Frank-Starling, espera-se aumento na contratilidade.
o Valores de referência para cães: 35-45%.
o Valores de referência para gatos: 45-55%.
Movimentos anular de mitral (MAM ou MAPSE) e excursão sistólica do plano do
anel tricúspide (TAPSE): São funções que avaliam a função sistólica longitudinal dos
ventrículos esquerdo (MAPSE) e direito (TAPSE) a partir da imagem apical em modo M.
É uma variável mais precoce que a fração de encurtamento para avaliar a disfunção
cardíaca.
Fração de ejeção (%): é um índice volumétrico calculado automaticamente pelo
método de Teichholz, que simula o ventrículo esquerdo como um cubo perfeito e,
portanto, não apresenta boa confiabilidade. Pode ser calculada pelo método de
Simpson, mas não é utilizado na prática clínica.
Débito cardíaco: O padrão-ouro para avaliação do débito cardíaco consiste na
cateterização da artéria pulmonar com um cateter de Swan-Ganz. É um método invasivo
e sem aplicação na prática clínica. O ecodopplercardiograma pode ser utilizado para
estimar o débito cardíaco e é uma ferramenta útil na avaliação de tendências relativas
ao débito cardíaco durante a anestesia.

d. Função diastólica: A disfunção diastólica precede a disfunção sistólica na


maioria das cardiopatias. A avaliação da função diastólica avalia a chance de
o paciente evoluir para congestão. A função diastólica tem três fases
distintas: tempo de relaxamento isovolumétrico (TRIV), enchimento passivo
do ventrículo esquerdo e contração atrial.
o Onda E: Representa o enchimento passivo do ventrículo esquerdo no
ecocardiograma
o Onda A: corresponde à contração atrial.
o Razão E/A: Em um paciente saudável, a onda E deve ser maior que a onda A, e
a razão E/A maior que 1. A disfunção diastólica pode ocorrer em três estágios:
Estágio I: E/A < 1. O relaxamento do ventrículo é insuficiente e a contração atrial
assume a função de encher o ventrículo.

139
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Estágio II (pseudonormal): E/A > 1. A congestão atrial faz com que o sangue passe
pela valva mitral de forma rápida, aumentando o enchimento passivo e a onda E. Só
pode ser diferenciado de um paciente normal com doppler tecidual.
Estágio III (padrão restritivo): E/A > 2. Ocorre congestão do ventrículo esquerdo
e a contratilidade atrial não é suficiente para bombear o sangue, reduzindo a onda A.
Requer estabilização imediata e não deve ser anestesiado.

A disfunção diastólica é comumente encontrada em pacientes idosos,


principalmente nos estágios I e II.

e. Remodelamento cardíaco: Permite avaliar o impacto hemodinâmico das


cardiopatias através das alterações estruturais.
Átrio direito e ventrículo direito: são avaliados apenas de forma qualitativa. Em
geral, o lado direito apresenta de 1/2 a 1/3 do tamanho do lado esquerdo.
Átrio esquerdo: é avaliado de maneira qualitativa e quantitativa no modo
bidimensional.
o Relação entre átrio esquerdo e aorta (relação AE/Ao): avalia em modo
bidimensional a proporção entre o diâmetro das duas estruturas. Uma razão
maior que 1,6 indica aumento no diâmetro atrial (congestão).
Ventrículo esquerdo: é avaliado de maneira qualitativa e quantitativa no modo
bidimensional ou em modo M.
o Diâmetro interno do ventrículo esquerdo em diástole (DIVEd): quando acima
do valor de referência, indica sobrecarga de volume.
o Septo interventricular (SIV) e parede livre do ventrículo esquerdo (PLVE):
quando aumentados, indicam espessamento.

4. REFERÊNCIAS

GRUBB, Tamara et al. 2020 AAHA Anesthesia and Monitoring Guidelines for Dogs
and Cats. Journal of the American Animal Hospital Association, v. 56, n. 2, p. 59-82,
2020.

KEENE, Bruce W. et al. ACVIM consensus guidelines for the diagnosis and
treatment of myxomatous mitral valve disease in dogs. Journal of veterinary internal
medicine, v. 33, n. 3, p. 1127-1140, 2019.
140
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA INALATÓRIA

1. INTRODUÇÃO
A administração de agentes voláteis para a manutenção – e algumas vezes para
a indução - da anestesia geral é uma técnica amplamente empregada na rotina
hospitalar, seja veterinária ou humana. Apesar de muito antiga, tal técnica voltou a
receber destaque na anestesiologia em decorrência do desenvolvimento de novos
fármacos.
Determinadas características farmacocinéticas permitem, na maioria dos casos,
um rápido ajuste do grau de hipnose e uma rápida recuperação da consciência,
contribuindo, desta forma, com a alta popularidade da anestesia inalatória.
Independente da técnica de manutenção escolhida, o ato da anestesia geral deve ser
composto por uma associação de fármacos que promovam inconsciência, analgesia,
relaxamento muscular, manutenção e proteção das funções orgânicas e amnésia.
De maneira ampla, suas principais vantagens envolvem uma mínima taxa de
biotransformação hepática, rápida mudança na profundidade anestésica, rápida
recuperação da consciência e absorção e eliminação dos fármacos pela via respiratória.
Por outro lado, a necessidade de aparelhagem específica, poluição ambiental e
depressão cardiovascular dose-dependente são algumas das desvantagens da anestesia
inalatória.

Fonte: Grimm et al., 2015.

141
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

2. CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS
A estrutura química e as propriedades físicas das moléculas dos agentes
inalatórios refletem diretamente na sua interação com o organismo e, portanto, em
seus efeitos biológicos. O entendimento das características abaixo é de fundamental
importância para o emprego dos diversos fármacos disponíveis no mercado.
Coeficiente de solubilidade sangue/gás: afinidade do agente pelo sangue.
Determina a velocidade de indução e recuperação da anestesia geral, uma vez que um
fármaco altamente solúvel no sangue levará mais tempo para atingir uma concentração
adequada no sistema nervoso central (indução) ou para ser eliminado (recuperação);
Coeficiente de solubilidade óleo/gás: afinidade do agente por moléculas de
gordura. É diretamente proporcional à potência do anestésico e, logo, à concentração
alveolar mínima, visto que a barreira hematoencefálica e o tecido cerebral possuem um
grande componente lipídico;
Concentração alveolar mínima (CAM): concentração alveolar de anestésico — a
qual, após um tempo, será próxima das concentrações sanguínea e cerebral —
necessária para promover imobilidade em 50% dos indivíduos expostos a um estímulo
nociceptivo. O valor de 1,5 CAM é o necessário para atingir o mesmo efeito em
aproximadamente 95% da população. Tal unidade, utilizada como medida de potência
farmacológica, varia de acordo com as espécies e com o agente inalatório em questão.
o Fatores que elevam a CAM: hipertermia, fármacos estimulantes do SNC e,
particularmente em equinos, opioides;
o Fatores que diminuem a CAM: fármacos depressores do SNC, gestação,
idade avançada e quadros graves de hipotermia, hipotensão, hipoxemia,
hipercapnia e/ou hiponatremia;
o Fatores que não influenciam a CAM: normo ou hipertensão,
anticolinérgicos, duração da anestesia e sexo do paciente.

Fonte:
Adaptado de
Grimm et al.,
2015.
Tabela:
Valores
mínimos e
máximos de
CAM
encontrados
em pesquisas
envolvendo
cães, felinos e
equinos.

142
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Isoflurano Sevoflurano Desflurano


Cão 1,28 a 1,5% 2,1 e 2,36% 7,2 a 10,3%
Gato 1,28 a 2,21% 2,58 a 3,41% 9,79 a 10,27%
Cavalo 1,31 a 1,64% 2,31 a 2,84% 7,02 a 8,06%
Fonte: Adaptado de Grimm et al., 2015.

3. FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA
A farmacocinética dos anestésicos inalatórios é retratada, basicamente, pela
relação entre as concentrações do fármaco nos alvéolos, no sangue e no sistema
nervoso central. De maneira semelhante ao oxigênio e ao CO2, a movimentação destas
partículas acontece por um gradiente de pressão parcial (do compartimento mais
concentrado para o menos concentrado) até atingir o equilíbrio. Fatores como ↑
vaporização, ↑ fluxo de gás fresco, ↑ volume-minuto, ↓ espaço morto artificial e ↓
débito cardíaco resultam em maiores concentrações alveolares de anestésico.
A proporção da biotransformação dos agentes inalatórios varia de acordo com a
estrutura química de cada um. Entretanto, a maior parte dos fármacos mais modernos
é eliminada pelo sistema respiratório sem sofrer grandes processos metabólicos.

Fonte: Adaptado de Grimm et al., 2015.

143
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Grimm et al., 2015.

Os anestésicos inalatórios causam depressão reversível e dose-dependente do


sistema nervoso central, mas também resultam em alterações hemodinâmicas,
respiratórias e endócrinas. Seu mecanismo de ação não é completamente elucidado,
mas há algumas teorias — que não serão discutidas neste capítulo — que tentam
explicar sua atividade em estruturas corticais e medulares.
Efeitos dose-dependentes nos diversos sistemas orgânicos:
o Sistema nervoso central: ↓ taxa metabólica cerebral (consumo de O2), ↑
fluxo sanguíneo cerebral (vasodilatação) e ↑ pressão intracraniana;
o Sistema respiratório: ↓ frequência respiratória, ↓ volume-minuto, ↓
resposta compensatória à hipercapnia e possível irritação das vias aéreas,
resultando em tosse, laringoespasmo e broncoespasmo;
o Sistema cardiovascular: vasodilatação, depressão do miocárdio, ↓ tônus
simpático e ↓ débito cardíaco;
o Outros sistemas: ↓ fluxo sanguíneo renal e hepático (consequência dos
efeitos hemodinâmicos), ↓ taxa de filtração glomerular, ↓ clearance

144
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

hepático dos fármacos e hipertermia maligna (síndrome rara e de base


genética).

4. PLANOS ANESTÉSICOS
A monitoração da profundidade anestésica é fundamental para promover um
nível adequado de inconsciência ao paciente e, ao mesmo tempo, minimizar as
intercorrências secundárias à administração excessiva de anestésicos, sejam inalatórios
ou intravenosos. Tal profundidade é determinada pela concentração dos anestésicos
e/ou sedativos no cérebro, pela magnitude da estimulação cirúrgica e pela presença de
condições que também causam depressão do sistema nervoso central (hipotermia,
hipotensão, hipoxemia...).
Existem, hoje, algumas ferramentas que auxiliam nesta avaliação (índice
bispectral, analisador de gases, bombas alvo-controladas...), mas que não substituem a
análise “tradicional” dos sinais físicos e clínicos — classificados e explicados a seguir —
idealizada por Arthur Guedel. É importante ressaltar que estes sinais são válidos apenas
nos pacientes submetidos à anestesia geral e que pode haver variações entre diferentes
espécies animais e/ou diferentes associações farmacológicas.

Estágio I (excitação voluntária): período entre a indução da anestesia geral e a


perda de consciência. Pode ocasionar em uma alta liberação de catecolaminas;
Estágio II (excitação involuntária): período entre a perda de consciência e a
regularização do padrão respiratório (inconsciência total). A depressão central parcial
pode causar reflexos exacerbados, delírio, nistagmo, salivação excessiva, vômito,
lacrimejamento, regurgitação, vocalização e/ou laringoespasmo. Sedação adequada,
promovida através da medicação pré-anestésica, pode evitar este estágio;
Estágio III (anestesia cirúrgica): inconsciência total com perda progressiva dos
reflexos. É subdividido em quatro planos — sendo o 2º e o 3º mais comuns para a prática
cirúrgica — descritos na tabela abaixo;
Estágio IV (choque bulbar): depressão extrema do sistema nervoso central,
podendo ocasionar choque seguido de parada cardiorrespiratória.

145
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Grimm et al., 2015.


5. REFERÊNCIAS

FANTONI, D.T.; CORTOPASSI, S.R.G. Anestesia em cães e gatos. 2 ed. São Paulo:
Roca, 2009. 632 p.

GRIMM, K.A. et al. Veterinary anesthesia and analgesia: the fifth edition of Lumb
and Jones. 5 ed. St. Louis: Willey-Blackwell, 2015. 1061 p.

146
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA DO PACIENTE COM OBSTRUÇÃO


URETRAL

1. INTRODUÇÃO
A obstrução uretral em felinos é uma afecção comum na rotina de emergência
em Medicina Veterinária, e consiste na oclusão da uretra por urólitos ou plugs uretrais.
Os felinos machos são mais acometidos por razões anatômicas, e a predisposição é
maior em gatos submetidos a estresse, mudanças ambientais ou condições nutricionais
ruins.

2. SINAIS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO


A obstrução uretral impede que a urina seja efetivamente liberada da bexiga,
que fica repleta e com alta pressão. O aumento de pressão faz com que a função renal
seja comprometida, com menor taxa de filtração glomerular e alteração nas funções
tubulares. A capacidade renal de regular eletrólitos, como sódio, potássio, ácidos
orgânicos e bicarbonato, é alterada. Os achados mais importantes nos exames
laboratoriais são azotemia e hipercalemia.
A condição pode se apresentar de diversas formas clínicas, em fase inicial ou com
quadro clínico avançado, podendo evoluir para o óbito. Os felinos acometidos
geralmente apresentam histórico de lambedura perineal, vocalização e esforço para
micção, e, em quadros mais avançados, progridem para anorexia, vômito, letargia e
estado comatoso.
A obstrução uretral causa retenção de urina na bexiga, que geralmente se
encontra aumentada na palpação abdominal. Os pacientes demonstram dor,
principalmente quando manipulados, desidratação e prostração. Animais mais
debilitados podem se apresentar hipotérmicos, bradicárdicos, hipotensos, pouco
responsivos e em taquipneia ou bradipneia.

3. CORREÇÃO DOS EFEITOS SISTÊMICOS


Os principais efeitos sistêmicos da obstrução uretral são: hipercalemia, acidose
e hipotensão.
a. Acidose metabólica láctica: A manutenção do pH sistêmico depende da
capacidade renal em manter a concentração de bicarbonato e íons hidrogênio.
Com o comprometimento da função renal, há acúmulo de íons hidrogênio e
retenção de outros ácidos orgânicos (sulfúrico, fosfórico). A retenção de potássio
e hidrogênio por comprometimento da função renal aumenta a acidose. Em pH
menor que 7.2, há maior probabilidade de arritmias cardíacas, redução na força

147
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

de contração e depressão de SNC. Além disso, em geral, os pacientes encontram-


se severamente desidratados. A desidratação, junto à hipotensão e menor
débito cardíaco por bradicardia, compromete a perfusão periférica e contribui
para o aumento de lactato.
b. Hipercalemia: a redução na excreção renal de potássio causa fraquesa muscular
e alteração no sistema de condução cardíaca, com bradiarritmias e redução no
débito cardíaco. As alterações eletrocardiográficas se agravam de acordo com a
intensidade da hipercalemia. Ocorre alteração da morfologia da onda T, que
aumenta e se torna mais proeminente (“em tenda”); o complexo QRS se torna
mais largo e a onda P se reduz gradualmente.
o Onda T em teda: concentração de potássio maior que 5.5 mEq/L
o Redução da onda R e aumento de QRS: concentração de potássio maior que
6.5 mEq/L
o Diminuição da onda P: concentração de potássio maior que 7 mEq/L
o Ausência de onda P e ritmo sinoventricular: concentração de potássio maior
que 8.5 mEq/L

c. Hipotensão: A hipotensão é resultante de diferentes fatores, como as


bradiarritmias, o desequilíbrio hidroeletrolítico (menor efetividade das
catecolaminas e contratilidade), hipotermia (menor efetividade das
catecolaminas) e hipovolemia.

4. ESTABILIZAÇÃO INICIAL
O alívio da desobstrução só se torna possível após a estabilização inicial do
paciente. A sedação ou anestesia geral de pacientes bradicárdicos, com hipercalemia
significativa e arritmias não é recomendada.
a. Fluidoterapia: importante para restabelecer a hidratação, a volemia, melhorar a
função renal e reduzir o grau de hipercalemia. Os fluidos de escolha são os
cristaloides, especialmente o Ringer com Lactato. O cloreto de sódio 0,9% tem
maior efeito alcalinizante e eletrólitos em composição mais distinta de
parâmetros fisiológicos. O Ringer com lactato, por sua vez, tem efeito
alcalinizante mais interessante no controle da acidose metabólica.

b. Hipercalemia: deve ser manejada de acordo com a concentração sérica de


potássio, obtida por exames de bioquímica ou por hemogasometria seriada.

148
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Concentração de potássio entre 5,5 e 6 mEq/kg: possível correção com


fluidoterapia.
Concentração de potássio entre 6,6 e 7 mEq/kg:
o Administrar bicarbonato de sódio (1-2 mL/kg) para correção da acidose
metabólica. Ajuda a interiorizar o potássio em troca de íons hidrogênio.
o Administrar glicose 50% (1-2 mL/kg): move os íons potássio para o interior
da célula por promover pico de insulina.
o Administrar insulina regular 0,25-0,5 UI/kg IV + Glicose 50% (2-4 mL/UI de
insulina)
Concentração de potássio maior que 7,5 mEq/kg:
o Administrar gluconato de cálcio (0,5 - 1mL/kg IV): altera a condutibilidade da
membrana, reduzindo a cardiotoxicidade do potássio (dura 20-30min)

c. Cistocentese de alívio: procedimento de emergência que promove o


esvaziamento provisório da bexiga e evita sua ruptura.

5. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS
a. Sedação / Medicação pré-anestésica: a escolha do protocolo depende das
condições clínicas do paciente. Muitas vezes, esses animais se encontram em
condição semi-comatosa. Em geral, a condição clínica é ruim, e apenas um
opioide é suficiente para fornecer analgesia.
Fenotiazínicos + opioides: Fenotiazinicos melhoram a exposição peniana, mas
são contraindicados em casos de desidratação, hipotensão e anemia. Quando utilizados,
deve-se preferencialmente associar a opioides.
Opioides: associados ou não a outros fármacos
o Morfina: é um opioide potente e que apresenta boa estabilidade
cardiovascular, mas pode provocar êmese.
o Metadona: deve-se considerar que seu uso provoca taquipneia, o que pode
ser prejudicial em pacientes que apresentam alcalose respiratória.
o Butorfanol: apresenta estabilidade cardiovascular muito boa, promove
sedação e tem poucos efeitos colaterais, mas deve-se considerar que há
perda de resgate analgésico com outros opioides pelo efeito antagonista em
receptores opioides.

149
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Benzodiazepínicos + opioides: benzodiazepínicos promovem boa estabilidade


cardiovascular e melhoram o relaxamento da musculatura lisa uretral, além de
promover sedação.
Alfa-2 agonistas: Não são recomendados, pois promovem bradiarritmias.
Cetamina: utilizar com cautela, pois é eliminada em sua forma ativa pelos rins.

b. Protocolos de indução: Em alguns casos, a indução anestésica não é necessária


nesses pacientes em função do estado clínico debilitado.
Propofol: evitar doses elevadas. Pode-se utilizar co-indutores para reduzir a dose
necessária de propofol.

c. Bloqueio anestésico: a realização de bloqueio anestésico para analgesia,


exposição do pênis e relaxamento da musculatura uretral é altamente
recomendada em pacientes com obstrução uretral. O bloqueio locorregional
pode ser obtido por via epidural ou por bloqueio do nervo pudendo.
Para realização da técnica de bloqueio do nervo pudendo, a agulha é introduzida
nas regiões dorsolaterais direita e esquerda do esfíncter anal externo, nas posições de
10h e 2h. A agulha é direcionada no sentido craniodorsal, até tocar o teto da pelve. O
bloqueio pode ser realizado com lidocaína 2% sem vasoconstritor (0,1 mg/kg/ponto).

Figura 1. Posicionamento das agulhas para bloqueio do nervo pudendo. Fonte: Klaumann, 2012.

150
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

6. CUIDADOS PÓS-DESOBSTRUÇÃO
Monitorar frequencia cardíaca, eletrocardiograma, pressão arterial,
temperatura, hematócrito, proteínas plasmáticas, ureia, creatinina, potássio sérico e
hemogasometria.
Fluidoterapia: Os pacientes desobstruídos podem entrar em quadro de
hipocalemia após a desobstrução por restabelecimento da diurese. A administração de
cristaloides com adição de potássio pode ser necessária, em taxas de reposição de até
0,5 mEq/kg/h.
Monitorar diurese: O ideal é manter o débito urinário em cerca de 1 mL/kg/h, e
a azotemia normalmente se resolve em até 24h após a desobstrução.
Analgesia: a manipulação, inflamação uretral e sondagem são processos
dolorosos, e a manutenção de analgésicos geralmente é necessária após a
desobstrução. Podem ser utilizados opioides (butorfanol, metadona, morfina,
tramadol), dipirona e AINEs, desde que a função renal esteja preservada.
Verificar a patência do uretral após retirada da sonda durante 24-48h, podendo
ser necessária a administração de medicações para atonia vesical (betanecol 1-5 mg/kg)
e relaxamento uretral (diazepam 0,2 mg/kg).
Realizar cultura e antibiograma da urina
Prevenir reincidivas: manejo cat friendly, da nutrição e enriquecimento
ambiental são fundamentais na prevenção de reincidivas

7. REFERÊNCIAS
GALVÃO, André Luiz Baptista et al. Obstrução uretral em gatos machos–revisão
literária. Acta Veterinaria Brasilica, v. 4, n. 1, p. 1-6, 2010.
GRIMM, Kurt A. Lumb & Jones Anestesiologia e Analgesia veterinária. 5. ed. Rio
de Janeiro: Roca, 2017. p. 611-675.
KLAUMANN P. R., OTERO P. E. Anestesia locorregional em pequenos animais.
2012, São Paulo: Roca. 288p.
RABELO, Rodrigo. Emergências em pequenos animais: condutas clínicas e
cirúrgicas no paciente grave. Elsevier Brasil, 2012. P

151
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA DO PACIENTE COM SÍNDROME DA


DILATAÇÃO VOLVULO GÁSTRICA

1. INTRODUÇÃO
A síndrome da dilatação vólvulo gástrica é (DVG) uma condição de emergência
caracterizada pelo aumento exacerbado do estômago e mau-posicionamento na
cavidade abdominal (volvo), o que compromete o esvaziamento gástrico por
compressão do piloro e do cárdia. Quando o grau de rotação do estômago é inferior a
180º, caracteriza-se como torção. Quando superior a 180º (geralmente entre 270-360º),
caracteriza-se como volvo. Devido à presença do ligamento gastroesplênico, geralmente
há rotação do baço com lesão em vasos sanguíneos de grande calibre. A mortalidade
está diretamente relacionada ao intervalo entre o estabelecimento do quadro e o início
do tratamento, ao grau de comprometimento de órgãos e da circulação, presença de
necrose e arritmias.

2. FISIOPATOGENIA
Com a dilatação do estômago, há aumento da pressão intra-abdominal (PIA) e
compressão do diafragma. O aumento na PIA, reduz significativamente o fluxo
sanguíneo venoso na veia cava e no sistema portal, reduzindo o retorno venoso e,
consequentemente, o débito cardíaco (DC). Conforme a dilatação e o vôlvulo progridem,
o fluxo arterial gástrico pode ficar comprometido. A estase sanguínea e a hipóxia
tecidual resultam em sequestro de fluidos e acúmulo de endotoxinas nos órgãos
esplâncnicos. O baço e o estômago são os órgãos mais comprometidos com a menor
perfusão, sendo comum a ocorrência de isquemia e necrose
A oclusão da veia porta pode causar queda na capacidade hepática de eliminação
das endotoxinas provenientes de bactérias, absorvidas pela mucosa gástrica
desvitalizada. A endotoxemia produz hipotensão, queda mais acentuada no DC, e
aumento do sequestro renal. A hipotensão reduz o fluxo sanguíneo coronariano,
causando hipóxia de miocárdio. Assim, as formas de choque cardiogênico, hipovolêmico
e endotóxico contribuem para os desarranjos fisiológicos.
Em muitos cães ocorrem arritmias. Foi reconhecida a presença do fator
depressor do miocárdio em cães afetados. A lesão por reperfusão com o
reposicionamento dos órgãos causa boa parte dos danos teciduais que acarretam em
morte.
A disfunção respiratória está presente na maioria dos pacientes, e ocorre pela
menor complacência pulmonar e por restrição mecânica do movimento do diafragma.
A deficiência respiratória, aliada à queda no DC e ao desequilíbrio V/Q, resulta na queda
na pressão parcial de oxigênio arterial e hipóxia de tecidos.

152
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

A DVG é denominada síndrome por se tratar de uma condição sistêmica, que


cursa com consequência a diversos órgãos:
Consequências hemodinâmicas: compressão da cava caudal e porta, com
redução no DC, retorno venoso e hipotensão. A taquicardia compensatória à hipotensão
causa maior consumo de O2 pelo miocárdio, com arritmias e hipóxia de miocárdio.
Consequências respiratórias: Compressão mecânica com menor complacência,
aumento compensatório da FR, desequilíbrio V/Q, hipoxemia, hipercapnia, acidose ou
alcalose respiratória.
Acidose metabólica: desidratação por sequestro, choque hipovolêmico, choque
distributivo, choque cardiogênico, aumento de lactato.
Redução na perfusão gástrica: translocação bacteriana e absorção de LPS
(choque séptico)
Debilidade hepática: comprometimento na desintoxicação, com endotoxemia.
Elevada produção de óxido nítrico (iNOS, espécies reativas): lesões oxidativas em
diversos órgãos.

3. AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA
Ao avaliar o paciente com histórico de distensão abdominal aguda ou diagnóstico
concluído de DTV, deve-se atentar para alguns achados clínicos importantes. No sistema
respiratório, normalmente é observada respiração ortopneica acelerada, com sinais de
hipoxemia (cianose). A presença de pulso fraco, taquicardia, aumento de TPC e mucosas
pálidas ou congestas também é comum nesses pacientes e informa o grau de
comprometimento hemodinâmico.
Em geral, esses pacientes podem se apresentar em decúbito, inquietos, com
vômito improdutivo, hipersalivação e hipotensão. Achados laboratoriais indicam
desidratação (hemoconcentração), leucopenia/leucocitose, tromobocitopenia,
aumento de enzimas hepáticas e renais, hiperbilirrubinemia, hipocalcemia, acidose
metabólica severa e aumento de lactato. O lactato é um marcador que apresenta valor
prognóstico, e a redução de mais de 40% do lactato após reposição volêmica melhora o
prognóstico.

4. ESTABILIZAÇÃO
O objetivo da estabilização é corrigir a maior parte dos danos antes de submeter
o paciente à cirurgia de correção da condição. A estabilização completa raramente será
alcançada, pois a correção cirúrgica é imprescindível ao retorno da hemodinâmica
normal do paciente.

153
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

a. Oxigenoterapia: os pacientes com DTV apresentam restrição respiratória.


b. Esvaziamento gástrico: O esvaziamento gástrico por sondagem ou
gastrocentese é uma conduta emergencial que visa reduzir a PIA, a compressão
do diafragma e de grandes vasos. Em pacientes com vólvulo pode não ser
possível a sondagem.
c. Fluidoterapia é essencial à melhora da função cardiovascular e da
hemodinâmica dos pacientes com DTV. Em geral, esses pacientes se apresentam
desidratados, com déficit volêmico e desequilíbrio hidroeletrolítico e do
equilíbrio ácido-base (acidemia e hipocalemia são comuns). É importante
ressaltar que, devido ao comprometimento no retorno venoso, o acesso venoso
deve ser preferencialmente realizado nos membros torácicos ou na veia jugular.
d. Suporte: analgesia, administração de antioxidantes (vitamina C e DMSO),
antibioticoterapia.

5. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS
a. Medicação pré-anestésica
A MPA de animais com dilatação vólvulo-gástrica é, muitas vezes, dispensável
em pacientes em condição mais crítica. Em geral, a condição clínica é ruim, e apenas um
opioide é suficiente para fornecer analgesia e tranquilizar esses pacientes.
Acepromazina: deve-se evitar pelo potencial de promover vasodilatação e piorar
a tendência a hipotensão.
Opioides: A morfina é um opioide potente e que apresenta boa estabilidade
cardiovascular, mas deve ser evitada por provocar êmese. A metadona é um opioide
potente, mas deve-se considerar que seu uso provoca taquipneia, o que pode ser
prejudicial em pacientes que apresentam alcalose respiratória.
Benzodiazepínicos: apresentam estabilidade cardiovascular, e podem ser
utilizados para tranquilizar animais ansiosos.
Alfa-2 agonistas: Não são recomendados pelo alto potencial de causar
instabilidade cardiovascular nesses pacientes.

b. Protocolos de indução
Opioide associados a benzodiazepínico: fentanil (2,5-5 µg/kg IV) + midazolam
(0,2-0,5 mg/kg IV) – promove boa estabilidade cardiovascular em pacientes críticos, e,
geralmente, é suficiente para a intubação em animais debilitados. Pode ser associado a
doses mais baixas de propofol, caso seja necessário.

154
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Propofol: evitar doses elevadas, optar por co-indução com fentanil,


benzodiazepínicos e cetamina.
Etomidato: promove boa estabilidade cardiovascular e pobre miorrelaxamento.
Deve ser preferencialmente associado a benzodiazepínicos e/ou fentanil.

c. Manutenção: a manutenção anestésica por anestesia inalatória (sevoflurano ou


isoflurano) é recomendada nesses pacientes. O uso de TIVA pode ser prejudicado
pelo choque, que provoca alterações nos compartimentos de distribuição dos
fármacos. A anestesia balanceada promove benefícios analgésicos com menores
riscos de complicação. São infusões comumente utilizadas:
Fentanil (2 μg/kg + 2-10 μg/kg/h): apresenta efeito acumulativo, principalmente
em infusões superiores a 2h
Cetamina (1 mg/kg + 50 – 100 μg/kg/min): utilizar doses analgésicas.
Remifentanil (50 – 100 μg/kg/min): não apresenta efeito acumulativo e não
depende do fígado para ser metabolizado.
Sufentanil (5 μg/kg + 0,1 μg/kg/min)
Alfentanil (15 - 30 μg/kg + 5 μg/kg/min)
Lidocaína (1 - 8 mg/kg + 25 - 75 μg/kg/min): analgésico e antiarrítmico.

d. Ventilação mecânica: pode ser fundamental nesses pacientes pela restrição na


qualidade ventilatória.
Volume corrente: 10-14mL/kg sem PEEP ou 8-10mL/kg com PEEP
Volumes corrente muito altos aumentam a pressão de pico e podem reduzir o
retorno venoso.
Pressão de pico: 8-14 cmH2O ou até 20 cmH2O quando há redução na
complacência pulmonar.
PEEP: 3-8 mmHg.
Frequência respiratória: 8-20 mpm.

6. COMPLICAÇÕES COMUNS
Lesão de reperfusão: ocorre em diversos órgãos, principalmente quando a
rotação do baço é corrigida antes de ligadura dos vasos.

155
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Hipotensão: pode ser de origem cardiogênica, distributiva, por hipovolemia,


sepse e/ou endotoxemia. O tratamento da hipotensão deve ser preferencialmente
direcionado à suposta causa: correção do plano anestésico, reposição volêmica,
correção de distúrbios ácido-basicos, correção da depressão cardiovascular com
inotrópicos e/ou vasopressores.
Desequilíbrios hidroeletrolíticos e do equilíbrio ácido-base: a acidemia de origem
metabólica com hiperlactatemia por déficit perfusional é um achado comum. Distúrbios
de origem respiratória também podem estar presentes. A presença desses distúrbios
altera o funciode fármacos
Arritmias: comuns por hipóxia de miocárdio e por liberação de fatores
depressores do miocárdio. Geralmente são arritmias ventriculares, tratadas com
lidocaína (bolus de 1-8 mg/kg e infusão de 1-3 mg/kg/h) e amiodarona (5 mg/kg em 15
minutos). No pós-operatorio pode ser necessário manter a administração oral de
amiodarona para melhoria do quadro.
Sepse
Coagulação intravascular disseminada
Dor pós-operatória.
Insuficiência renal aguda: monitorar o débito urinário e os marcadores de função
renal no pós operatório.

7. REFERÊNCIAS
DIAS, Tiago Trindade et al. Abordagem cirúrgica da síndrome da dilatação volvo
gástrica em um cão: Relato de caso. PUBVET, v. 14, p. 148, 2020.
GRIMM, Kurt A. Lumb & Jones Anestesiologia e Analgesia veterinária. 5. ed. Rio
de Janeiro: Roca, 2017. p. 611-675.
LUNA, Stelio P. L.; AGUIAR, Antônio J. A. NETO, F. J. T. Anestesiologia em
pequenos animais. Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ – Unesp),
Botucatu, 2016. p. 140-153.
RABELO, Rodrigo. Emergências em pequenos animais: condutas clínicas e
cirúrgicas no paciente grave. Elsevier Brasil, 2012. p

156
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA DO PACIENTE COM RUPTURA


DIAFRAGMÁTICA

1. INTRODUÇÃO
A ruptura diafragmática é uma condição caracterizada pela perda de
continuidade do diafragma, o que faz com que a barreira existente entre as cavidades
torácica e abdominal seja perdida. A ruptura do diafragma pode ser congênita ou
causada por traumas, e implica em perda da mecânica respiratória normal. Muitas
vezes, órgãos abdominais invadem a cavidade torácica através da ruptura, o que
caracteriza a hérnia diafragmática. Os principais órgãos presentes na hérnia
diafragmática são fígado (67%), intestinos (56%), estômago (49%) e baço (40%).
Deve-se considerar que outras alterações concomitantes podem estar presentes
em pacientes com hérnia diafragmática, principalmente em sua forma traumática. Esses
animais podem apresentar contusões pulmonares, estômago repleto com risco de
êmese e broncoaspiração, fraturas ósseas, traumatismo crânio-encefálico, traumas no
miocárdio, hemorragias etc.

2. FISIOPATOGENIA
A dispneia está presente em 72% dos casos de hérnia diafragmática, e resulta da
perda da função do diafragma na ventilação e da possível lesão pulmonar. Além disso,
ocorre compressão mecânica dos pulmões por invasão da cavidade torácica por órgãos
abdominais.
O choque é uma condição comum nesses pacientes, podendo ser de diversos
tipos. O choque hipovolêmico é decorrente de derrame pleural e outros focos de
hemorragia; o choque distributivo ocorre por comprometimento da circulação por
deslocamento de órgãos e compressão de grandes vasos; e o choque cardiogênico pode
ser causado por lesões no miocárdio ou acúmulo de conteúdo no pericárdio
(tamponamento).
A hipoxemia é um sinal muito comum em pacientes com hérnia diafragmática, e
é causada por uma ou mais das seguintes condições:
a. Hipoventilação: Alguns pacientes ventilam mal após o trauma, com menor
amplitude ou menor frequência respiratória. Ocorre hipoxemia por queda na
quantidade de oxigênio que está chegando ao alvéolo, e hipercapnia por
diminuição da eliminação de CO2. Dessa forma, ocorre elevação da PaCO2 com
queda da PaO2.
b. Desequilíbrios entre ventilação e perfusão (desesquilíbrio V/Q): Quando algum
processo fisiopatológico faz com que haja perfusão de unidades alveolares pouco

157
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ventiladas, há queda na oxigenação. Essa situação é chamada efeito shunt


(exemplo: edema cardiogênico, extravasamento de sangue para o alvéolo). O
oposto também pode acontecer: áreas pouco perfundidas serem mais ventiladas
que o adequado. Essa segunda situação é chamada de efeito espaço-morto
(exemplo: tromboembolismo pulmonar). Aumentar a oferta de oxigênio não
resolve a hipoxemia do paciente com shunt pulmonar, uma vez que o oxigênio
oferecido chegará apenas aos alvéolos mais ventilados e não aos alvéolos
com shunt. Dessa forma, apesar do shunt ser um extremo de um distúrbio V/Q,
normalmente é considerado um mecanismo à parte. O aumento da FiO2 no
paciente com espaço morto melhora o grau de hipoxemia.
c. Comprometimento na difusão: As alterações difusionais podem ocorrer por
diminuição da área de troca entre o alvéolo e o capilar ou por espessamento da
barreira alvéolo-capilar (fibrose pulmonar).

3. CONDUTAS
a. Estabilização do quadro: Fornecer oxigênio com fração inspirada de oxigênio
(FiO2) maior que 80% pode ser necessário para manter a meta de PaO2 maior
que 70mmHg. Em pacientes ansiosos, agitados ou agressivos, a incubadora é uma
boa opção para fornecer suplementação de oxigênio, mas deve-se considerar que
a causa da agitação pode ser dor. Portanto, sedação e analgesia também são
importantes nesses pacientes, e podem reduzir o grau de hipoxemia. A inclinação
da mesa também pode ser útil por reduzir a compressão de órgãos torácicos. Se
possível, realizar hemogasometria arterial para avaliar o grau de
comprometimento da função ventilatória e direcionar melhor o tratamento.
b. Avaliação pré-anestésica: Em geral, são quadros emergenciais que não permitem
anamneses e histórico completo, mas deve-se avaliar a condição clínica do
paciente e buscar por comorbidades para escolher o melhor protocolo
anestésico. O FAST abdominal e torácico é um exame que pode ser realizado a
beira-leito do atendimento emergencial e permite avaliação do grau de
comprometimento físico do paciente. Exames demorados ou com alta
complexidade devem ser evitados em situações emergenciais, e só devem ser
realizados em pacientes estáveis. São condições comumente encontradas em
pacientes com ruptura diafragmática:
o Trauma cranioencefálico: o aumento de pressão intracraniana pode resultar
em déficits neurológicos e convulsões. Nesses pacientes o ideal é não utilizar
acepram ou cetamina em doses altas, e deve-se evitar a hipercapnia. Para a
escolha da medicação pré-anestésica deve-se evitar também fármacos que
induzam a êmese.
o Contusão pulmonar, blebs ou bolhas: cursam com comprometimento da
ventilação e perda de sangue.
158
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

o Arritmias: contrações ventriculares prematuras são comuns e predispõem a


hipotensão.
o Contusões hepáticas

c. Cuidados durante a indução anestésica: Durante a indução, é importante


lembrar que, muitas vezes, esses pacientes apresentam o estômago repleto de
conteúdo alimentar, o que implica em risco de regurgitação e broncoaspiração. É
recomendado que se mantenha a cabeça erguida durante a indução e que o cuff
seja bem inflado após intubação endotraqueal. O paciente deve ser pré-
oxigenado e monitorado antes, durante e após a indução, evitando,
principalmente a hipoxemia.

4. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS
a. Medicação pré-anestésica
Anticolinérgicos: devem ser evitados pelo risco de lesão prévia no miocárdio e
pela alta predisposição a arritmias.
Opioides: utilizados na medicação pré-anestésica para promover indução e
tranquilização, ou durante a indução.
o Morfina: não é recomendada pro causar vômitos.
o Metadona: pode ser utilizada, considerando-se que pode causar taquipneia
e aumentar o desconforto respiratório.
o Meperidina: efeito analgésico insuficiente.
o Butorfanol: efeito analgésico moderado e com segurança em relação a
função cardiovascular, mas o uso de outros opioides para resgate analgésico
é comprometido.
o Tramadol: Baixo potencial analgésico, melhor utilizado no pós operatório
com outros fármacos.

b. Indução anestésica
Benzodiazepínicos e opioide: fentanil (2,5-5 µg/kg IV) + midazolam (-0,2-0,5
mg/kg IV) – promove estabilidade cardiovascular, mas pode ser necessário
complementar a indução com propofol.
Propofol + fentanil: o propofol promove menos estabilidade cardiovascular que
benzodiazepínicos, mas pode ser utilizado com o fentanil. Utilizar o propofol de forma
isolada não é ideal pela necessidade de altas doses para indução, mas pode ser utilizado.
159
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Etomidato + benzodiazepínicos: promove estabilidade cardiovascular, mas pode


não promover relaxamento adequado. A combinação também pode ser associada ao
fentanil.
Cetamina: Pode ser adicionada aos protocolos, mas evitando doses anestésicas
por aumento na frequência cardíaca e aumento na chance de arritmias.

c. Manutenção: a manutenção anestésica pode ser por anestesia inalatória


(isoflurano ou sevoflurano) ou por anestesia total intravenosa (TIVA). Deve-se
dar preferência a anestesia balanceada, com bloqueios locorregionais ou
infusões analgésicas. Os bloqueios locorregionais são a melhor opção quando a
condição clínica do paciente permite sua execução, por abordagem for
intercostal ou bloqueio da linha de incisão.

5. CONSIDERAÇÕES PARA O PERÍODO TRANSANESTÉSICO


a. Hipotensão: pode ocorrer a qualquer momento após a indução, ou mesmo
antes. Deve-se tratar de acordo com a causa. Durante a cirurgia, a retirada dos
órgãos abdominais da cavidade torácica leva a vasodilatação nos órgãos
abdominais e redistribuição do sangue, portanto, espera-se hipotensão nesse
momento. Arritmias e hipovolemia também são causas comuns de hipotensão
nesses pacientes. O uso de cristaloides em bolus (prova de carga) pode não ser
benéfico nesses pacientes por predisposição a edema pulmonar agudo, muito
associado a reexpansão pulmonar. Pode ser necessário o uso de vasoativos
(efedrina, norepinefrina e dobutamina).

b. Ventilação mecânica: a ventilação dos pacientes com ruptura diafragmática é


imprescindível pela perda de continuidade da cavidade torácica, colabamento
pulmonar e perda de pressão negativa da cavidade pleural. Os pacientes podem
ser ventilados com diferentes modos e modalidades, de acordo com suas
necessidades especificas.

Independentemente da forma de ventilação, recomenda-se que não sejam


utilizados grandes volumes correntes, visando a ventilação protetiva (6-8 mL/kg), caso
o paciente permita. Frequências respiratórias mais elevadas podem ser necessárias para
eliminar o excesso de CO2. Em geral, deve-se considerar também que variações bruscas
na amplitude respiratória (drive respiratório elevado) são a principal causa de lesão
alveolar, especialmente quando não se utiliza pressão positiva ao final da expiração
(PEEP). O drive respiratório deve ser mantido em valores menores que 15 cmH2O,
preferencialmente por volta de 10 cmH2O. Para evitar lesões, também é fundamental a

160
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

manutenção da pressão de pico preferencialmente menor que 16 cmH2O, PEEP de 3-7


cmH2O e manter a menor FiO2 possível, dentro das condições do paciente.
A ventilação do paciente com ruptura diafragmática pode ser a volume ou a
pressão, considerando suas particularidades (ver capítulo sobre Ventilação Mecânica).
Porém, em todos os casos, deve-se sempre estar atento à complacência (C) pulmonar
desses pacientes, que indicará o grau de atelectasia pulmonar, comum na ruptura
diafragmática. No shunt pulmonar (atelectasia), é necessária alta pressão para gerar
volume corrente adequado.

o A complacência dinâmica considera os componentes elásticos e resistivos dos


pulmões (resistência dos circuitos ventilatórios e das vias áereas superiores).
Considera a variação de volume de acordo com a diferença entre a pressão de
pico e a PEEP.
Cdinâmica = volume corrente / (Ppico – PPEP)
o A complacência estática considera o momento em que a pressão alveolar está
homogênea em todo pulmão (pressão de platô), desconsiderando o
componente resistivo. Representa a capacidade elástica dos pulmões. Considera
a variação de volume de acordo com a diferença entre a pressão de platô e a
PEEP (drive respiratório). É o parâmetro mais fidedigno para avaliar o potencial

161
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

de lesão pulmonar associado a ventilação, pois a lesão pulmonar está associada


ao estresse cíclico que ocorre com o drive respiratório.
Cestática= volume corrente / (Pplatô – PPEP)
Cestática= 1 - 1,5 mL/kg/cmH2O

Nos casos de perda de complacência, com atelectasia pulmonar elevada, as


manobras de recrutamento alveolar podem ser imprescindíveis à manutenção da vida
dos pacientes. O recrutamento alveolar tem por objetivo recrutar (“abrir”) alvéolos
atelectásicos, e pode ser realizada por diferentes manobras: PEEP escalonada e
decremental, aumento sustentado da pressão de pico em valores elevados ou aumento
gradual da pressão de pico.
A reexpansão pulmonar é desejável para restabelecer a função pulmonar, mas
deve ser realizada de forma cautelosa, e, muitas vezes, não é possível alcançá-la por
completo. A reexpansão excessiva ou rápida pode gerar lesões e edema pulmonar.
A ventilação mecânica deve ser sempre ajustada de acordo com a monitoração
por capnografia, cappnometria, oximetria de pulso e hemogasometria arterial. Os
objetivos gerais são:
Saturação de oxigênio > 95% (muitas vezes não alcançada)
Relação PaO2/FiO2 > 300 mmHg
Manter boa oxigenação (PaO2 > 60 mmHg em FiO2 de 21%)

162
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Manter PaCO2 entre 35-45 mmHg


Estabilidade hemodinâmica

6. PÓS-OPERATÓRIO
Os pacientes comumente apresentam pneumotórax no pós-operatório.
Recomenda-se o posicionamento de uma sonda interpleural para drenagem de ar e
fornecimento de analgesia por meio de anestésicos locais (lidocaína 2% na dose de 1,5
mg/kg a cada 1-2h ou bupivacaina 0,5% 1,5 mg/kg a cada 6-8h). A analgesia pós-
operatória também pode ser garantida com opioides e antiinflamatórios não
esteroidais. Monitorar sempre o grau de dor, a qualidade de ventilação e oxigenação
sanguínea, pressão arterial, qualidade de ausculta pulmonar e presença de arritmias.
Pode ser necessária suplementação de oxigênio no pos-operatório.
Complicação mais comum: O edema pulmonar se desenvolve quando
ventilações fortes durante a anestesia são usadas para expandir rapidamente pulmões
colabados, principalmente quando se encontram assim há mais de 12 horas. A liberação
de citocinas altera a permeabilidade capilar, contribuindo para o edema pulmonar. Para
prevenir o edema pulmonar, não realizar nenhum esforço específico para reexpandir os
pulmões rapidamente, pois a reexpansão é gradualmente restabelecida.

7. REFERÊNCIAS
GRIMM, Kurt A. Lumb & Jones Anestesiologia e Analgesia veterinária. 5. ed. Rio
de Janeiro: Roca, 2017. p. 611-675.

LUNA, Stelio P. L.; AGUIAR, Antônio J. A. NETO, F. J. T. Anestesiologia em


pequenos animais. Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ – Unesp),
Botucatu, 2016. p. 140-153.

RABELO, Rodrigo. Emergências em pequenos animais: condutas clínicas e


cirúrgicas no paciente grave. Elsevier Brasil, 2012. p.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA EM CADELAS E GATAS COM PIOMETRA


1. INTRODUÇÃO
A piometra é uma afecção hormonal do útero que está associada à infecção
bacteriana, resultando em acúmulo de exsudato, geralmente purulento, no lumen
uterino. As cadelas apresentam a fase progestacional do ciclo estral muito longa
(diestro), e a progesterona é um hormônio que reduz a atividade miometrial. Nessa fase,
ocorre aumento na formação das secreções, menor contração uterina, maior
quantidade de infiltrado plasmocitário e linfocitário. A hiperplasia endometrial cística
formada nesse momento é propícia a infecção.
Nas gatas a ocorrência é menor, pois a progesterona tem papel menos
importante, com diestro menos prolongado e ovulação induzida pelo coito.

2. FISIOPATOGENIA
A piometra é uma doença polissistêmica, afetando diferentes órgãos em um
mesmo momento. São possíveis consequências da piometra.
Baixa perfusão renal e hepática por desidratação
Deposição de imunocomplexos na matriz mesangial e na parede capilar dos rins
Redução na produção de ADH, causando poliúria e polidipsia
Anemia por supressão da medula e sequestro de hemácias pelo útero inflamado
Hipovolemia por menor ingestão, inibição de ADH e vômitos
Distúrbios hidroeletroliticos e do EAB: acidose, alcalose, hipocalemia
Disfunção cardíaca
Sepse e choque séptico: A piometra comumente cursa ccom hipoperfusão,
anemia e redução da oferta de oxigênio. Inicialmente a paciente mostra sinais de SIRS,
com febre, taquicardia, taquipneia, leucocitose ou leucopenia com aumento de
bastonetes. Há evolução para sepse quando ocorre disfunção orgânica ameaçadora à
vida, com resposta desregulada a infecção (ver capítulo sobre choque séptico). No
choque séptico há hiperlactatemia, hipotensão e necessidade de vasopressores para
manutenção da pressão arterial. São sinais clínicos de choque séptico: consciência
diminuida, hipoperfusão (mucosas hipocoradas e hipotermia), oligúria (<0,5ml/kg/h),
hiperventilação, pulso fraco, taquicardia, hipotensão. No felino, não há resposta
simpática eficaz na compensação do choque, e a frequência cardíaca pode se manter
baixa.
Redução no débito cardíaco: menor pré-carga (hipovolemia relativa e absoluta)
e menor pós-carga (disfunção do endotélio).

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

3. ABORDAGEM INICIAL DO PACIENTE EM SEPSE/CHOQUE SÉPTICO


O manejo inicial da piometra muitas vezes necessita de estabilização inicial antes
da realização do procedimento cirúrgico, pois, muitas vezes, os pacientes se encontram
em quadro de instabilidade hemodinâmica. Em geral, o manejo inicial do choque séptico
se resume em realizar a antibioticoterapia intravenosa de amplo espectro, fazer a
reposição volêmica e tratar distúrbios eletrolíticos e do equilíbrio ácido-base.
Pacote de 1h:
o Mensurar o lactato
o Hemocultura e antibioticoterapia de amplo espectro
o Ressuscitação volêmica em casos de hiperlactatemia e hipotensão
o Iniciar vasopressores em persistência de hipotensão
Reposição volêmica
o Amidohidroxietilico apresenta riscos de lesão renal
o Cristaloides: Ringer Lactato é mais fisiológico
o Se após o desafio hídrico a pressão não se restaurar, usar vasopressores
(norepinefrina)
o Avaliar a perfusão: lactato, debito urinário, BE, clearance de lactato
o Se índices de perfusão permanecem baixos, avaliar outros fatores que estão
interferindo na oferta (transfusão, contratilidade)

Para mais detalhes sobre manejo de sepse e choque séptico, consultar capítulo
específico.

4. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS
a. MPA
Fenotiazínicos: não devem ser empregados, pois podem causar vasodilatação e
sequestro esplênico. Se utilizados, deve-se optar por doses menores.
α2 agonistas: não são recomendados pela menor estabilidade cardiovascular. Se
utilizados, deve-se optar por doses menores.
Opioides: promovem analgesia preventiva. Dar preferência a agonistas µ totais
com alta potência, como morfina e metadona. Deve-se considerar os efeitos colaterais
e seu impacto no paciente: a morfina pode causar vômitos, e a metadona pode causar
bradicardia e taquipneia.

165
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

b. Indução
Propofol: preferencialmente associado a coindutores para reduzir a dose
necessária, pois pode causar depressão respiratória e hipotensão em doses altas e
administração veloz.
Etomidato: Maior estabilidade cardiovascular. Considerar que, mesmo em
pequenas doses, pode causar supressão adrenal. Associar a midazolam para melhorar o
grau de relaxamento muscular.

c. Manutenção
Halogenados isoladamente não são recomendados: Inalatórios podem causar
imunossupressão e não promovem analgesia
PIVA:
o Opioides: Agonistas µ totais podem suprimir a imunidade em doses mais
elevadas e causar bradicardia e depressão respiratória (fentanil e
remifentanil).
o Cetamina: reduz a CAM e promove analgesia, principalmente somática.
o Dexmedetomidina: em bolus causa muitos impactos hemodinâmicos, mas
promove redução no requerimento de inalatória quando utilizada em
infusão
• TIVA: pode-se utilizar infusão de propofol na manutenção da hipnose, mas a
associação de fármacos analgésicos é indispensável.

5. CONSIDERAÇÕES
Esses pacientes podem se beneficiar de ventilação mecânica, pois estão sujeitos
a hipóxia. Considerar que a ventilação mecânica pode reduzir o retorno venoso e piorar
o comprometimento hemodinâmico.
A analgesia transoperatória pode ser obtida com opioides nos períodos pré, pós
e transanestésicos, bem como com o uso de dipirona e AINEs em animais com função
renal preservada. A instilação de anestésicos locais no pedículo também é uma opção.
O uso de epidural ainda é controverso pelo risco de translocação bacteriana em
pacientes em sepse e pelo risco de vasodilatação.
O uso de inotrópicos e vasopressores é, muitas vezes, necessário. Sua escolha
deve se basear na causa da hipotensão, mas, geralmente, a norepinefrina é a primeira
escolha pelo choque séptico e a vasoplegia.

166
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

No pós-operatório, monitorar bem o paciente com relação a analgesia,


parâmetros hemodinâmicos e hidroeletrolíticos.
A estabilização inicial e o preparo são essenciais no sucesso durante a conduta
do caso. Deve-se prever as intercorrências e estabelecer estratégias para intervenção:
preparar o centro cirúrgico, preparar drogas e emergência e monitorar o paciente
adequadamente.

6. BIBLIOGRAFIA

MAMÃO, L. D. et al. Avaliação hemogasométrica em cadelas com


piometra. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 67, p. 1241-1248,
2015.

MONTEIRO, Eduardo Raposo; NETO, Francisco José Teixeira. Choque. In: LUNA,
Stelio P. L.; AGUIAR, Antônio J. A. NETO, F. J. T. Anestesiologia em pequenos animais.
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ – Unesp), Botucatu, 2016. p. 66-
81.

RABELO, Rodrigo. Sepse, sepse grave e choque séptico. In: RABELO, Rodrigo.
Emergências em pequenos animais: condutas clínicas e cirúrgicas no paciente grave.
Elsevier Brasil, 2012.

167
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA EM NEONATOS E GERIATRAS

1. INTRODUÇÃO
Com o progresso científico da medicina veterinária, possibilitou-se um aumento
na expectativa de vida dos animais, assim como a intervenção cirúrgica em diversas
doenças congênitas. É cada vez mais frequente a admissão de neonatos ou geriatras em
hospitais, logo cabe ao anestesiologista conhecer as particularidades fisiológicas destes
grupos — além das possíveis comorbidades — para promover maior segurança e
conforto aos pacientes.

2. PARTICULARIDADES DOS NEONATOS


Embora o processo de crescimento varie entre indivíduos, espécies e raças, em
cães e gatos, o período neonatal — animal lactante com imaturidade dos sistemas
orgânicos — abrange as seis primeiras semanas de vida. Posteriormente, até a 12ª
semana, é iniciado o período pediátrico, no qual o animal apresenta maior maturidade
fisiológica e inicia seu desenvolvimento sexual.
Quando comparados aos adultos, os animais jovens — principalmente os
neonatos — apresentam limitação das reservas orgânicas, baixa capacidade de
compensação às alterações na homeostase e menor requerimento anestésico. Além
disso, é importante compreender diversas particularidades fisiológicas, as quais
interferem na abordagem do paciente e na sua interação com os fármacos
administrados.
PARTICULARIDADES FISIOLÓGICAS:
Cardiovasculares: ↓ contratilidade do miocárdio, ↓ complacência ventricular,
↓ reserva de pré-carga, ↓ resposta barorreceptora e imaturidade da inervação
simpática, fazendo com que o débito cardíaco dependa da frequência cardíaca;
Respiratórias: ↑ consumo de O2, ↓ reserva pulmonar, ↓ área alveolar, ↓
capacidade residual funcional, ↓ desenvolvimento da musculatura respiratória, ↑
frequência respiratória, ↑ complacência torácica e ↓ resposta quimiorreceptora,
tornando-os mais suscetíveis à hipoxemia e à fadiga respiratória;
Termorregulação: ↓ capacidade de termogênese, ↑ área de superfície corpórea
em relação à massa, ↓ capacidade de vasoconstrição e ↓ gordura corpórea, tornando-
os mais suscetíveis à hipotermia e suas consequências;
Hepáticas e renais: imaturidade dos sistemas enzimáticos, ↓ glicogênio
hepático, ↓ gliconeogênese, ↓ capacidade de concentrar a urina, ↓ taxa de filtração
glomerular, ↓ secreção tubular e ↓ capacidade de eliminar o excesso de fluidos e
regular os eletrólitos.

168
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

PARTICULARIDADES FARMACOLÓGICAS: CONSEQUÊNCIAS DA FISIOLOGIA


NEONATAL
↓ síntese de albumina (↑ fármaco livre e ↑ resposta clínica);
↑ permeabilidade da barreira hematoencefálica;
↑ água e ↓ gordura corpóreas (alterações em Vd e redistribuição);
Centralização da volemia (↑ fármaco nos tecidos bem perfundidos);
↓ atividade enzimática (↑ duração dos efeitos e ↓ metabólitos ativos);
↓ taxa de filtração glomerular (↑ duração dos efeitos);
↑ taxa metabólica (↑ volume-minuto para compensar o consumo de O2,
acelerando a indução com anestésicos inalatórios).

Fonte: Grimm et al., 2015.

CONDUTAS PERIANESTÉSICAS: COMO ABORDAR AS PARTICULARIDADES ACIMA


Atenção para hidratação, temperatura e glicemia no exame físico;
Avaliar a possibilidade de existir uma doença congênita;
169
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Jejum em lactentes: não realizar (↑ incidência de hipoglicemia);


Jejum em pediátricos: apenas sólido, de 3 a 4 horas;
Sempre prevenir/tratar a dor, preferencialmente com bloqueios;
Titular os fármacos de maneira dose-efeito e monitorar resposta;
Optar por fármacos passíveis de reversão (opioides, BDZs...);
Evitar AINEs e fármacos que diminuam a frequência cardíaca;
Induzir a anestesia geral com propofol (biotransformação parcialmente extra-
hepática) ou agentes inalatórios;
Preparar material para uma intubação orotraqueal mais difícil, devido ao
tamanho do paciente;
Preparar material para aspirar secreções das vias aéreas;
Monitorar glicemia a cada 30 minutos e promover aquecimento externo ao
paciente desde o início do procedimento;
Monitoração completa, considerando que são pacientes que apresentam ↑ FC
e ↓ PA.

3. PARTICULARIDADES DOS GERIATRAS


O envelhecimento é um processo natural e progressivo que ocasiona alterações
fisiológicas inevitáveis, tais como diminuição das reservas orgânicas e menor capacidade
de compensação perante alterações na homeostase. Em decorrência das diferenças
entre espécies, raças e indivíduos, considera-se como geriátrico aquele animal que já
atingiu 75% da sua expectativa de vida.
Assim como nos neonatos, é importante compreender as particularidades
fisiológicas do idoso, as quais interferem na abordagem do paciente e na sua interação
com os fármacos administrados.

PARTICULARIDADES FISIOLÓGICAS:
Cardiovasculares: ↓ volemia, ↓ atividade barorreceptora, ↑ tônus vagal, ↓
autorregulação do fluxo sanguíneo, fibrose do miocárdio, enrijecimento das paredes dos
vasos, espessamento da parede ventricular, ↓ DC e ↓ capacidade de aumentar a FC;
Respiratórias: ↓ complacência torácica, atrofia da musculatura intercostal, ↓
elasticidade alveolar, ↓ resposta quimiorreceptora e ↓ capacidade residual funcional;
Neurológicas: ↓ atividade sensorial e cognitiva, ↓ massa cerebral, ↓ atividade
do sistema nervoso autônomo, depleção de neurotransmissores e ↓ mielinização;
170
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Termorregulação: apesar da maior quantidade de gordura corpórea,


apresentam déficit na termorregulação e menor taxa metabólica basal;
Hepáticas e renais: ↓ massa hepática, ↓ concentração de enzimas, ↓ síntese
proteica, ↓ fluxo sanguíneo hepático e renal, ↓ taxa de filtração glomerular, ↓
regulação eletrolítica e ↓ capacidade de excretar o excesso de fluidos.

PARTICULARIDADES FARMACOLÓGICAS: CONSEQUÊNCIAS DA FISIOLOGIA


GERIÁTRICA
↓ síntese de albumina (↑ fármaco livre e ↑ resposta clínica);
↓ água e ↑ gordura corpóreas (alterações em Vd e redistribuição);
Maiores oscilações farmacocinética e farmacodinâmica decorrentes da variação
do estado geral dos pacientes e da presença ou não de comorbidades;
Menor requerimento de anestésicos gerais.

Fonte: Grimm et al., 2015.

171
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

CONDUTAS PERIANESTÉSICAS: COMO ABORDAR AS PARTICULARIDADES ACIMA


Exame físico completo para investigar possíveis comorbidades;
Manejo farmacológico prévio de comorbidades, se necessário;
Atenção aos exames complementares solicitados no pré-anestésico;
Titular os fármacos de maneira dose-efeito e monitorar resposta;
Sempre prevenir/tratar a dor, preferencialmente com bloqueios;
Atentar-se à dor pré-existente (osteoartrite, neoplasias...);
Avaliar necessidade de sedação;
Aferir glicemia na admissão (hipoglicemia secundária ao jejum);
Evitar fármacos com grandes repercussões hemodinâmicas;
Pré-oxigenar pacientes colaborativos por 5 minutos antes da indução;
Promover aquecimento externo ao paciente;
Atentar-se ao delírio pós-anestésico e intervir se necessário.

4. REFERÊNCIAS

BAETGE, C.L.; MATTHEWS, N.S. Anesthesia and analgesia for geriatric veterinary
patients. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 42, n. 4, p. 643-
653, 2012.

FANTONI, D.T.; CORTOPASSI, S.R.G. Anestesia em cães e gatos. 2 ed. São Paulo:
Roca, 2009. 632 p.

GRIMM, K.A. et al. Veterinary anesthesia and analgesia: the fifth edition of Lumb
and Jones. 5 ed. St. Louis: Willey-Blackwell, 2015. 1061 p.

172
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES

1. INTRODUÇÃO
Os bloqueadores neuromusculares (BNMs) compõem um grupo farmacológico
que atua como adjuvante na anestesia geral, composta por inconsciência, analgesia,
relaxamento muscular, proteção das funções orgânicas e amnésia. Estes podem ser
empregados em situações específicas como cirurgias oftalmológicas e ortopédicas e
períodos prolongados de ventilação mecânica, procedimentos que podem necessitar de
um grau superior de relaxamento da musculatura esquelética do que aquele promovido
por anestésicos e sedativos.
É importante enfatizar que os BNMs atuam nos neurotransmissores da placa
motora, portanto não causam depressão do sistema nervoso central ou analgesia.

2. FISIOLOGIA DA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR


Junção neuromuscular é a região de interface entre fibras nervosas (pré-
juncional) e musculares (pós-juncional), ou seja, onde um estímulo elétrico torna-se
mecânico. A contração do músculo estriado esquelético ocorre por meio da interação
da acetilcolina (ACh), liberada na fenda sináptica, com os receptores nicotínicos.

Fonte: Cunningham, 2014.

A terminação nervosa pré-juncional sintetiza e armazena vesículas de ACh, as


quais são liberadas, em um processo dependente de íons cálcio, no momento em que
um potencial de ação atinge a junção neuromuscular. Uma vez na fenda sináptica, a ACh
liga-se aos receptores nicotínicos localizados na superfície das células musculares e
173
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

provoca sua despolarização. Quando a ligação é desfeita, a ACh é rapidamente


hidrolisada pela enzima acetilcolinesterase, resultando na repolarização do tecido.
Em geral, os BNMs interagem com os receptores nicotínicos, impedindo a ação
da ACh e, consequentemente, a contração muscular. A ocupação destes receptores é
um processo competitivo, logo o ligante que estiver em maior concentração — seja a
ACh ou o BNM — consegue ocupar o receptor e desempenhar seu papel.

3. FÁRMACOS
São moléculas polarizadas que não atravessam a barreira hematoencefálica,
portanto limitam-se à ação periférica. De forma dose-dependente, promovem
relaxamento progressivo dos grupos musculares, inviabilizando a monitoração clínica do
plano anestésico (posição do globo ocular, padrão respiratório, reflexos palpebrais...).
Os BNMs são classificados em dois grupos, de acordo com o mecanismo pelo
qual o bloqueio é instalado:
Agentes despolarizantes (succinilcolina): pouco utilizados em medicina
veterinária, ligam-se aos receptores nicotínicos e mimetizam a ação da ACh, provocando
despolarização contínua da célula muscular (fase 1) pela abertura dos canais de sódio.
Contudo, no momento em que estes canais se fecham e os íons cálcio retornam para o
interior do retículo sarcoplasmático (fase 2), ocorre insensibilização da membrana pós-
juncional — que permanece despolarizada — e paralisia flácida.
Agentes não-despolarizantes (atracúrio, rocurônio...): atuam como
antagonistas competitivos, ou seja, ligam-se aos receptores nicotínicos e não
desencadeiam atividade celular, mas impedem a ação da ACh.

Ao administrar um BNM ao paciente, o relaxamento muscular ocorre de maneira


sequencial (da periferia para o centro) e progressiva, como mostrado na imagem abaixo,
e o bloqueio total é instalado quando mais de 90% dos receptores estão ocupados A

174
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

recuperação da função muscular, por sua vez, acontece na ordem inversa (do centro
para a periferia).
Fonte: Fantoni & Cortopassi, 2009.

As características de alguns BNMs, assim como a possibilidade de sua


administração causar liberação de histamina (principalmente quando empregados em
doses elevadas), estão resumidos na tabela a seguir. O atracúrio e o cisatracúrio
apresentam, entre os diversos fármacos deste grupo, a particularidade de serem
degradados através da via de Hoffmann, processo não enzimático e dependente de pH
e temperatura ideais.

Fármaco Dose Duração Histamina


(mg/kg) (min)
Atracúrio 0,1 a 0,2 15 a 30 Sim
Cisatracúrio 0,1 a 0,3 15 a 30 Não
Rocurônio 0,1 a 0,6 30 a 40 Não
Vecurônio 0,1 15 a 40 Não
Fonte: Adaptado de Grimm et al., 2015.

Apesar do conhecimento da farmacologia dos BNMs, os seguintes fatores podem


interferir nos seus efeitos clínicos:
Alterações hepáticas e/ou renais: ↑ latência e/ou duração;
Anestésicos inalatórios: ↑ duração e/ou intensidade do bloqueio;
Hipotermia: ↑ duração;
Acidose respiratória: ↑ intensidade do bloqueio;
Alcalose respiratória: ↓ intensidade do bloqueio;
Distúrbios metabólicos: ↑ intensidade do bloqueio e dificultam reversão;
Distúrbios eletrolíticos: alterações em Ca, K e Mg podem interferir no bloqueio;
Fármacos: diversos grupos farmacológicos (tetraciclinas, aminoglicosídeos,
betabloqueadores, corticosteroides...) podem interferir no bloqueio.

4. MONITORAÇÃO E REVERSÃO DO BLOQUEIO


A monitoração da função neuromuscular deve ser realizada em todo paciente
sob efeito de um BNM para que seja possível ajustar a dose do fármaco e identificar o
momento ideal para administrar seu reversor, tornando o procedimento mais seguro e
diminuindo as chances de o paciente despertar com bloqueio residual.

175
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

O método mais empregado é chamado de train of four (TOF), que consiste na


geração de quatro correntes elétricas sequenciais, através de um aparelho específico
com eletrodos posicionados na região dos nervos ulnar ou fibular, para avaliar a
contração muscular resultante. Previamente à administração do BNM, cada resposta
muscular é identificada (T1 a T4) para ser utilizada como controle (valor de 100%). Após
o início do bloqueio, a primeira contração a desaparecer é T4. O retorno da função
neuromuscular ocorre de maneira inversa, ou seja, a partir de T1.
Há divergência entre os autores, porém, no geral, o grau de relaxamento
muscular para a realização dos procedimentos citados no início do capítulo corresponde
a um T1 menor ou igual a 10% do controle.
Uma vez que os BNMs não-despolarizantes competem com a ACh pelos
receptores nicotínicos, sua reversão é feita através da administração de um
anticolinesterásico, como a neostigmina (0,05 a 0,07 mg/kg IV). Estes fármacos devem
ser administrados apenas quando o valor do TOF for superior a 50-70% — ou quando
for possível visualizar a contração T4, no caso de aparelhos que não forneçam o valor
numérico — para evitar bloqueios residuais.
Os anticolinesterásicos inibem a enzima acetilcolinesterase, aumentando a
concentração de ACh na fenda sináptica por diminuir sua taxa de degradação. Este
aumento na atividade colinérgica desloca o BNM dos receptores nicotínicos, porém
também aumenta a atividade da ACh nos receptores muscarínicos, elevando o tônus
parassimpático. Portanto, ao reverter o bloqueio neuromuscular, é importante fazer a
administração concomitante de atropina ao paciente.

5. REFERÊNCIAS

FANTONI, D.T.; CORTOPASSI, S.R.G. Anestesia em cães e gatos. 2 ed. São Paulo:
Roca, 2009. 632 p.

GRIMM, K.A. et al. Veterinary anesthesia and analgesia: the fifth edition of Lumb
and Jones. 5 ed. St. Louis: Willey-Blackwell, 2015. 1061 p.

176
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

FAMACOLOGIA BÁSICA

1. INTRODUÇÃO

Como uma grande área do conhecimento, a farmacologia compõe uma das bases
da anestesiologia e, de maneira simplista, pode ser didaticamente dividida em
farmacocinética (movimento dos fármacos no organismo ou tudo aquilo que o
organismo faz com o fármaco) e farmacodinâmica (efeitos biológicos dos fármacos ou
tudo aquilo que o fármaco faz com o organismo), uma vez que os fenômenos estudados
acontecem simultaneamente.
Cabe ao anestesiologista compreender minuciosamente a interação entre o
organismo do paciente e os fármacos administrados para, assim, maximizar os efeitos
desejados, minimizar os riscos e diminuir a incidência de complicações perianestésicas.

Fonte: Currie, 2018.

2. FARMACOCINÉTICA
Após sua administração, o fármaco percorre caminhos através das membranas
biológicas para atingir sua biofase (sítio de ação) e, ao mesmo tempo, para ser
metabolizado e eliminado do organismo. Tais eventos farmacocinéticos podem ser
segmentados em quatro grandes processos: absorção, distribuição, biotransformação e
eliminação.

177
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ABSORÇÃO
Absorção é o transporte do fármaco até o sangue. Ela varia de acordo com a via
de administração e afeta diretamente a biodisponibilidade (relação entre a quantidade
administrada e a concentração sanguínea). Fármacos administrados pelas vias
intravenosa ou intra-arterial não passam por este processo (são injetados diretamente
na corrente sanguínea) e há situações nas quais a absorção não é desejada, como ao
realizar bloqueios locorregionais com anestésicos locais.
Outro fenômeno que interfere diretamente na biodisponibilidade é o
metabolismo de primeira passagem, que ocorre quando um fármaco, administrado pela
via oral, é absorvido para a circulação portal e sofre metabolização hepática antes de
atingir a circulação sistêmica.
As principais vantagens e desvantagens das vias de administração mais comuns
estão descritas na tabela abaixo.

Via Vantagens Desvantagens


Oral Prática e indolor Primeira
passagem, ↓ biodisp. e
↑ latência
Subcutânea Uso de fármacos Irritação local e
oleosos ↑ latência
Intramuscular Latência intermediária, Irritação local e
variando com a vascularização lesões
local
Intravenosa Mínima latência, Irritação local,
máxima biodisp. e infecções e toxicidade
possibilidade de infusão
contínua
Intranasal ↓ latência e ↑ biodisp. Irritação local e
poucas opções de
fármacos
Retal ↓ latência e ↑ biodisp. Primeira
passagem, desconforto
e risco de bacteremia
Fonte: Adaptado de Currie, 2018.

A glicoproteína P é um polipeptídeo — codificado pelo gene MDR1 (multidrug


resistance) — responsável por limitar a absorção de fármacos através de seu efluxo para
o meio extracelular. Algumas raças de cães, principalmente aquelas derivadas dos
Collies, podem apresentar deficiência na expressão deste gene e, por consequência,
manifestar sensibilidade excessiva aos efeitos de diversos fármacos, sedativos
(acepromazina, butorfanol, morfina...) ou não (ivermectina, ondansetrona,
quimioterápicos...). Apesar de pouco acessível, há a possibilidade de testar os animais

178
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

quanto à expressão gênica, porém, independente de exames laboratoriais, deve-se


individualizar a terapêutica e as doses dos fármacos.

DISTRIBUIÇÃO
Refere-se ao transporte do fármaco da circulação até os diferentes tecidos. Os
principais fatores que afetam a distribuição são a afinidade do fármaco aos tecidos
(hidro ou lipossolubilidade), a perfusão tecidual (regiões muito perfundidas, como o
cérebro, apresentam distribuição mais rápida) e a taxa de ligação dos fármacos às
proteínas plasmáticas.

Fonte: Currie, 2018.


Após entrar na corrente sanguínea, os fármacos apresentam, de acordo com
suas características químicas, diferentes taxas de ligação às proteínas plasmáticas,
principalmente à albumina. A formação do complexo “fármaco + proteína” é necessária
para o transporte de moléculas lipossolúveis, mas é importante ressaltar que apenas os
fármacos livres são capazes de desencadear o efeito clínico desejado. Elevadas taxas de
ligação às proteínas plasmáticas, portanto, resultam em maiores tempos de latência e
ação.
Durante a “etapa” de distribuição, há conceitos farmacocinéticos — explicados
no texto e nas imagens abaixo — cuja compreensão é necessária:
Meia-vida de eliminação (t1/2β): tempo necessário para a concentração
plasmática de um fármaco reduzir em 50%;
Volume de distribuição (Vd): volume virtual, que representa a distribuição do
fármaco para os tecidos, calculado através da relação entre a quantidade administrada

179
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

e a concentração plasmática atingida. Quanto maior o Vd, maior o t1/2β (necessário


ocorrer a redistribuição previamente à eliminação);
Equilíbrio dinâmico (steady state): tempo necessário que a concentração
plasmática de um fármaco se mantenha constante. O entendimento deste conceito é
fundamental ao empregar infusões contínuas pois, caso não haja um bolus inicial — cujo
objetivo é aumentar rapidamente a concentração plasmática para atingir a janela
terapêutica — o tempo para o equilíbrio é de, em média, quatro ou cinco vezes o t1/2β.

Fonte: https://derangedphysiology.com/main/cicm-primary-exam/required-
reading/pharmacokinetics/Chapter%204.0.1/maintenance-dose-and-loading-dose.

180
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: https://derangedphysiology.com/main/cicm-primary-exam/required-
reading/pharmacokinetics/Chapter%204.0.1/maintenance-dose-and-loading-dose.

Fonte: Spinosa et al., 2017.

BIOTRANSFORMAÇÃO
Consiste em uma série de processos que alteram quimicamente as moléculas —
na maioria das vezes aumentando sua hidrossolubilidade — visando eliminá-las do
organismo. Ocorre primordialmente no fígado, mas também pode envolver outros
órgãos como rins, pulmões e intestinos.
Há fármacos, conhecidos como pró-fármacos, que são administrados em uma
forma inativa, necessitando passar pelo processo de biotransformação para atingir sua
forma. Um exemplo comum é a codeína que, após sua administração, é biotransformada
em morfina para gerar os efeitos desejados.
As reações químicas que acontecem na biotransformação podem ser
categorizadas em duas fases (porém nem todos os fármacos são submetidos a ambas):

Reações de fase I: contemplam os processos de oxidação, redução e hidrólise,


cujo objetivo é originar metabólitos mais polares (mais hidrossolúveis, visto que a
molécula de água é polar) e com diferentes graus de atividade (mais ativos, menos ativos
ou inativos). O principal grupo de enzimas envolvido na fase I é o sistema microssomal
hepático, que envolve o citocromo P450;
Reações de fase II: contemplam processos como glicuronidação, sulfatação e
acetilação, ou seja, a conjugação de substratos às moléculas. As reações de fase II são
prejudicadas nos felinos devido à sua pobre capacidade de glicuronidação, como
mostrado na tabela abaixo.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Spinosa et al., 2017.

ELIMINAÇÃO
O organismo excreta os fármacos administrados principalmente por meio da
urina. Entretanto, também existem outras vias de eliminação como bile, suor,
respiração, lágrimas, saliva e leite, no caso das fêmeas lactantes. Os metabólitos de um
mesmo fármaco podem ser excretados por diferentes vias e em forma ativa ou inativa.
Um importante exemplo é a cetamina, cuja excreção, na espécie felina, é feita 80% em
sua forma ativa.
Fármacos excretados pelas vias renal (através da filtração glomerular e secreção
tubular proximal) ou digestiva (através da bile) podem ser reabsorvidos nos túbulos
distais ou nos intestinos, respectivamente. Em ambas as situações, a duração dos efeitos
clínicos é prolongada.
Clearance (ou depuração plasmática) — definido como a capacidade de um
órgão retirar uma substância da circulação sistêmica — é o principal conceito
farmacocinético envolvido na fase de eliminação. Um clearance de 12 mL/min, por
exemplo, indica que, a cada minuto, 12 mL de água corpórea estão livres do fármaco em
questão.

3. FARMACODINÂMICA
Os fármacos causam os mais variados efeitos clínicos no organismo devido à
presença de receptores, que podem ser estruturalmente específicos ou não. Portanto,
não “criam” novas funções, mas modificam — de diversas formas — aquelas que já
existem. A morfina, por exemplo, é uma molécula exógena que se liga aos receptores
opioides e “imita” a ação de opioides endógenos, como a endorfina.
Receptores são proteínas, localizadas na superfície ou no interior das células, que
respondem à ligação química de diversas substâncias (fármacos, neurotransmissores,
hormônios...). Tal ligação gera uma resposta intracelular que, de maneira direta ou
indireta, resulta em um efeito clínico.

182
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Há alguns termos fundamentais no estudo dos receptores e na sua interação com


seus respectivos ligantes:

Agonista total: molécula que resulta em uma ação semelhante ao ligante


fisiológico de um determinado receptor;
Agonista parcial: molécula que resulta em uma ação menos eficaz quando
comparada ao ligante fisiológico de um determinado receptor;
Antagonista: molécula com capacidade de ligação a um determinado receptor,
mas que não causa resposta intracelular. Portanto, impede que o ligante fisiológico atue.
Os antagonistas podem ser competitivos/não competitivos e reversíveis/irreversíveis;
Modulador alostérico: molécula que causa uma ação indireta, aumentando ou
diminuindo a ação de um ligante fisiológico;
Atividade: capacidade de uma molécula, após sua ligação a um receptor, gerar
uma resposta intracelular;
Afinidade: capacidade de uma molécula se ligar a um receptor. Os antagonistas,
por exemplo, apresentam alta afinidade, porém sem atividade;
Potência: descreve a quantidade necessária de um fármaco para um
determinado efeito clínico. Se o fármaco A precisa de 10 mg/kg para causar analgesia,
enquanto o fármaco B precisa de apenas 1 mg/kg para resultar no mesmo efeito,
conclui-se que o fármaco B é mais potente;
Eficácia: descreve a intensidade do efeito clínico de um fármaco. Se, em doses
equivalentes, o fármaco A causa mais analgesia que o fármaco B, conclui-se que o
fármaco A é mais eficaz.

Fonte: Currie, 2018.

183
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fonte: Currie, 2018.

4. REFERÊNCIAS
CURRIE, G.M. Pharmacology, part 1: introduction to pharmacology and
pharmacodynamics. Journal of Nuclear Medicine Technology, v. 46, n. 2, p. 81-86, 2018.

CURRIE, G.M. Pharmacology, part 2: introduction to pharmacokinetics. Journal


of Nuclear Medicine Technology, v. 46, n. 3, p. 221-230, 2018.

MONOBE, M.M. et al. Frequency of the MDR I mutant allele associated with
multidrug sensitivity in dogs from Brazil. Veterinary Medicine: Research and Reports, v.
6, p. 111-117, 2015.

SPINOSA, H.S. et al. Farmacologia aplicada à medicina veterinária. 6 ed. Rio de


Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 972 p.

184
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE E HIDROELETROLÍTICO

1. INTRODUÇÃO
A homeostase de um organismo é mantida através de inúmeras reações
químicas. Toda reação química, depende de uma temperatura e de um pH para
acontecer. Portanto o equilíbrio ácido-básico tem como objetivo manter o pH do
organismo dentro de valores fisiológicos para otimizar as atividades celulares. A
atividade metabólica produz diariamente uma grande quantidade de ácidos fixos (íons
H+) e ácidos voláteis (CO2) pelo catabolismo.

2. CONCEITOS
pH: logaritmo negativo da concentração de íons H+ livres em uma solução. É uma
relação exponencial inversa. Portanto, quando menor o valor de pH, maior será a
concentração de radicais hidrogênio.

Ácidos e bases: ácidos são doadores de prótons, bases são receptores de


prótons. Os ácidos podem ser divididos em fortes ou fracos. Os ácidos fortes são aqueles
que possuem uma grande tendência a se dissociar ou ionizar; já os ácidos fracos são
aqueles cuja dissociação é relativamente baixa.

pKa: pH no qual as concentrações do ácido e da base conjugada são iguais.


Sistemas tampão tendem a ser mais efetivos quando o pH do sistema é próximo ao pKa.
Quanto mais baixo o pKa, mais forte o ácido, pois há predomínio da forma dissociada
em pH neutro.

185
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Lei da eletroneutralidade: a soma de todas as cargas positivas deve ser igual à


soma de todas as cargas negativas em determinado compartimento (líquido intracelular,
extracelular, etc)
Sistemas tampão: Para manter o pH em uma faixa ótima, o organismo lança mão
de mecanismos contra modificações excessivas nas concentrações de hidrogênio:
o Sistemas tampão ácido e base conjugada: pares de ácido com base
conjugada tendem a resistir a modificações do pH à medida que se
adicionam outras substâncias. O Bicarbonato é o principal tampão do liquido
extracelular, e neutraliza íons H+. Se a eliminação do CO2 estiver
comprometida por redução na ventilação, há excesso de CO2 no sangue, o
que desloca o equilíbrio no sentido inverso e forma bicarbonato e H+.
Fosfato e hemoglobina são tampões intracelulares importantes.

o Sistema respiratório: eliminam ácidos voláteis produzidos pelo catabolismo


animal (CO2). O CO2 é produzido pelo metabolismo, que estimula
quimiorreceptores em vasos periféricos e no SNC. São gerados impulsos
aferentes que chegam ao centro respiratório bulbar.

o Sistema renal: eliminam pela urina ácidos fixos (H+) com reabsorção tubular
concomitante de bicarbonato. Mecanismos de regulação renal do EAB:
 Reabsorção de bicarbonato nos túbulos renais (ocorre
concomitantemente com a reabsorção de sódio).
 Excreção de acidez titulável: excreção de fosfato monossódico.

186
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

 Excreção de cloreto de amônio: mecanismo comprometido pela DRC,


o que causa a acidose metabólica.
Acidemia: sangue com pH baixo.
Alcalemia: sangue com pH alto.
Acidose: processo patológico em que há excesso de ácido ou falta de base, o pH
tende a estar baixo.
Alcalose: processo patológico em que há excesso de base ou falta de ácido, o pH
tende a estar alto.
Excesso de base (BE): é um valor calculado, reflexo da porção não-respiratória
do equilíbrio ácido-básico. Considera o sistema de reserva corporal e é intimamente
(mas não linearmente) relacionado ao bicarbonato. Um valor negativo indica acidose
metabólica, enquanto um valor positivo indica alcalose metabólica.
Ânion GAP (AG): De acordo com o princípio da eletroneutralidade, todas cargas
positivas e negativas se anulam quando somadas em um compartimento. No organismo,
alguns ânions importantes não são mensurados na avaliação de eletrólitos, como
lactato, acetato, beta-hidroxibutirato, albumina, sulfato e fosfato. Portanto, a soma de
todos eletrólitos mensuráveis não resulta em um valor neutro, pois não são
considerados esses ânions. O resultado da soma dos eletrólitos mensuráveis que mais
contribuem para a manutenção da eletroneutralidade gera uma “diferença” (gap) com
valor positivo (12 a 24), que seria ocupado pelos ânions não mensurados. O aumento do
AG, portanto, indica aumento em algum ânion não mensurado, geralmente por ácidos
orgânicos (lactato, acetato, beta-hidroxibutirato) ou inorgânicos (fosfatos e sulfatos) em
estados de acidose. O AG pode ser calculado pela seguinte fórmula:
ÂNION GAP = (Na+ + K+) – (Cl- + HCO3- ) = 12 – 24 mEq/L

3. CONSIDERAÇÕES NO DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS DO EAB


EXAMES
o Hemogasometria: Fornece parâmetros relacionados a gases sanguíneos
(amostra arterial) e eletrólitos (amostra arterial ou venosa).
o Perfil bioquímico: Na ausência de hemogasometria, um perfil bioquímico
que forneça CO2 total pode ser usado no diagnóstico de distúrbios do EAB.
O valor de CO2 total se aproxima do HCO3 plasmático.
o Eletrólitos importantes na regulação do EAB: Na+, H+, HCO3 e Cl-, que
permitem também calcular o ânion gap (AG)
Fatores que podem alterar os resultados
187
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

o Seringa de coleta: o ideal é utilizar seringa própria para hemogasometria,


que contém heparina lítica. A heparina sódica interfere nos valores de sódio.
o Coleta: pressão excessiva pode causar hemólise e liberar eletrólitos,
principalmente potássio.
o Armazenamento: evitar bolhas de ar, que alteram os valores de gases
sanguíneos. A análise deve ser realizada imediatamente, ou deve-se
armazenar em recipiente resfriado por, no máximo, duas horas.

4. RECONHECIMENTO DO DISTÚRBIO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE


Pela teoria tradicional de análise de eletrólitos, os distúrbios do EAB podem ter
origem metabólica, causadas por alterações primárias em HCO3, ou respiratória, por
alterações primárias em PCO2. Alguns distúrbios podem ter origem metabólica e
respiratória concomitantemente, caracterizando um distúrbio misto.
Para a manutenção do equilíbrio, o organismo lança mão de mecanismos
compensatórios. Em distúrbios metabólicos, a compensação esperada pelo organismo
é respiratória. Se o distúrbio é respiratório, a compensação é metabólica. Distúrbios
mistos normalmente correm quando o grau de compensação não é adequado ou vai
além da resposta esperada. Para verificarmos se o distúrbio apresenta uma resposta
compensatória adequada, utiliza-se o seguinte quadro de compensação:

1. Acidose metabólica
A acidose metabólica pode ocorrer por adição de ácidos fortes (ex.: acidose
diabética, azotemia), ou por perda de bicarbonato. Ela pode ser normoclorêmica, em
que os valores de cloro estão normais, mas os do ânion gap aumentados. Esse quadro
indica que há excesso em algum dos ânions não mensuráveis. As principais causas deste
tipo de acidose são:

188
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Acidose láctica: Em situações de menor oferta de O2 (hipoperfusão), o


metabolismo aeróbico passa a ser anaeróbico, e o metabolismo é desviado para
formação de ácido lático.

Cetoacidose diabética: Acúmulo de cetoácidos na diabetes, aumento na glicemia


e lipólise.
Acidose urêmica: Acúmulo de fosfatos e sulfatos pela incapacidade dos rins de
secretá-los. Na DRC, são perdidos néfrons funcionais, que reduzem a taxa de filtração
glomerular. Os néfrons remanescentes não conseguem aumentar a excreção de cloreto
de amônio.
Intoxicação por salicilato ou etilenoglicol: Ingestão acidental ou iatrogênica de
ácido acetilsalicílico (aspirina). O salicilato é um ânion não mensurado.

A Acidose Metabólica hiperclorêmica ocorre com valores de cloro altos, e


normais para o ânion gap. A causa mais comum é a diarreia, visto que há uma grande
perda de bicarbonato nessa situação. Com a queda nos níveis de bicarbonato, há um
aumento compensatório dos íons cloreto (ambos são íons mensuráveis no ânion gap,
que permanece inalterado). Também pode ser decorrente de retenção renal de cloreto,
na insuficiência renal (acidose tubular renal), com o uso de diuréticos (acetazolamina e
espironolactona), e na compensação renal na alcalose respiratória crônica.

189
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

O tratamento para as acidoses metabólicas deve ser fundamentado em dosagens


seriadas de hemogasometria e eletrólitos sanguíneos, e deve ser feita de forma lenta. O
principal objetivo é tratar a causa do distúrbio, normalizar a volemia e a perfusão
tecidual.
TRATAMENTOS PRECONIZADOS:
Em caso de desidratação ou choque hipovolêmico: Reposição de fluidos (Ringer
Lactato: 15 a 20 ml/kg) para normalizar a perfusão tecidual.
Em caso de diabetes: Insulinoterapia para normalizar a glicemia e o metabolismo
da glicose. Estes indivíduos podem estar também desidratados.

Em animais com acidose metabólica severa (pH > 7.2), cujo distúrbio primário
não pode ser resolvido rapidamente, pode ser necessária a administração de
bicarbonato. O déficit de bicarbonato é calculado através da seguinte fórmula:
Déficit de bicarbonato = peso (kg) x excesso de base x 0,3
Um terço do déficit calculado pode ser administrado via infusão intravenosa
lentamente durante 15 a 30 minutos e o status ácido-básico é reavaliado. O restante
pode ser adicionado ao fluido intravenoso do paciente e administrado durante horas, se
necessário. Importante manter um suporte ventilatório ao paciente, pois os valores de
PACO2 aumentam durante essa reposição de bicarbonato.

190
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura. Algoritmo para diagnóstico da acidose metabólica. Fonte: DE MORAIS, 2008.

2. Alcalose metabólica
A alcalose metabólica pode ocorrer por perda de ácido forte (ex.: vômitos), por
ganho de bicarbonato (ex.: infusão de bicarbonato de sódio) ou por aumento na
excreção renal de cloreto (ex.: diuréticos, hiperadrenocorticismo, compensação da
acidose respiratória). Nas três situações, a alcalose cursa com hipocloremia. O
tratamento da alcalose metabólica é bem mais difícil do que da acidose, e, como
normalmente cursam com valores baixos de cloreto e potássio, é feito com reposição
de cloretos e em alguns casos com acetazolamida. Nos casos de alcalose metabólica
ocorre um aumento compensatório da PCO2, para compensar o aumento do HCO3- e
queda no H+. A queda nos íons H+ diminui os estímulos aos quimiorreceptores centrais
e periféricos, diminuindo a ventilação alveolar.

191
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura. Algoritmo para diagnóstico da alcalose metabólica. Fonte: FOY, 2008.

3. Acidose respiratória
A acidose respiratória é frequentemente uma urgência com risco de óbito
elevado. Pode ser aguda por comprometimento do SNC (intoxicações, traumas),
hipoventilação na anestesia, por comprometimento anatômico ou funcional da caixa
torácica ou vias respiratórias. Pode ser também crônica, geralmente por lesões
pulmonares. O mecanismo de compensação da acidose respiratória aguda é por ação
tamponante da hemoglobina. A compensação crônica ocorre por reabserção renal de
HCO3-, que leva cerca de 4 dias para se tornar efetiva.

192
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

O tratamento deve visar o tratamento da causa, ventilação e oxigenação


adequadas.

Figura. Algoritmo para diagnóstico da acidose respiratória. Fonte: JOHNSON, 2008.

4. Alcalose respiratória
A alcalose respiratória raramente cursa com pH 7.55, logo não apresenta grandes
repercussões sistêmicas. Pode ser aguda devido a estimulação do centro respiratório
bulbar por encefalites, hipoxemia, febre, ou por estimulação de receptores torácicos
(atelectasia, pneumopatias agudas); ou crônica. Em alcalose crônica, os rins funcionam
plenamente, fazendo excreção de bicarbonato e retenção de cloreto. O tratamento é
basicamente focado em combater a hiperventilação.

193
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura. Algoritmo para diagnóstico da alcalose respiratória. Fonte: JOHNSON, 2015.

5. REFERÊNCIAS
DE MORAIS, Helio Autran. Metabolic acidosis: a quick reference. Veterinary
Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 38, n. 3, p. 439-442, 2008.

FOY, Daniel; DE MORAIS, Helio Autran. Metabolic alkalosis: A quick


reference. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 38, n. 3, p.
435-438, 2008.]

JOHNSON, Rebecca A. Respiratory acidosis: a quick reference. Veterinary Clinics


of North America: Small Animal Practice, v. 38, n. 3, p. 431-434, 2008.

JOHNSON, Rebecca A. et al. A quick reference on respiratory


alkalosis. Veterinary Clinics of North America-Small Animal Practice, v. 47, p. 181-184,
2017.

194
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

1. INTRODUÇÃO
O sistema nervoso controla as funções orgânicas do corpo, as emoções e a
interação do organismo com o ambiente, recebendo estímulos, interpretando-os e
elaborando respostas. É composto pelo sistema nervoso central (SNC) e pelo sistema
nervoso periférico (SNP). O SNC é constituído de encéfalo e medula espinhal e é
responsável por gerar, receber e integrar informações. O SNP é constituído por nervos,
gânglios e terminações nervosas, e tem a função de conduzir as informações pelo corpo.
Os neurônios são as células com maior importância funcional para o sistema
nervoso, compostas por um corpo celular, dendritos e axônios. São responsáveis por
gerar, receber e transportar informações. A transmissão de informações ocorre através
de alterações no potencial elétrico das membranas dos axônios, que propagam impulsos
elétricos em direção a outras células e geram sinapses. As sinapses são constituídas por
uma terminação axonal (membrana pré-sináptica) justaposta à membrana de outra
célula (membrana pós-sináptica), separadas por um pequeno espaço, denominado
fenda sináptica (Figura 1). De maneira geral, quando um impulso elétrico chega à
terminação axonal, ocorre a liberação de neurotransmissores na fenda sináptica, que
agem sobre receptores presentes na membrana pós-sináptica.

Figura 1. Representação esquemática de um neurônio e das sinapses. Fonte: adaptado de Cosenza, 2000.

A localização dos neurônios e os tipos de neurotransmissores e receptores


envolvidos na sinapse permitem a divisão funcional do sistema nervoso (Figura 2) em
sistema nervoso somático e visceral. O sistema nervoso somático está relacionado às
relações com o meio externo por sensações (vias aferentes) e movimentos voluntários
(vias eferentes). Já o sistema nervoso visceral está relacionado ao controle do meio
interno. As vias eferentes do sistema visceral são essencialmente involuntárias e
controladas pelo Sistema Nervoso Autônomo (SNA), uma subdivisão funcional do SNC.

195
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura 2. Divisão funcional do sistema nervoso. Fonte: adaptado de Cosenza, 2000.

2. ESTRUTURA E DIVISÃO DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO


A porção eferente do SNA é sempre composta por dois neurônios. O corpo
neuronal do primeiro neurônio está localizado no SNC (na medula espinhal ou no tronco
encefálico). Esse neurônio é denominado pré-ganglionar, pois seu axônio faz contato
com um segundo neurônio, cujo corpo neuronal está localizado em um gânglio. O
segundo neurônio é denominado pós-ganglionar, e seu axônio parte do gânglio em
direção ao órgão alvo.
O SNA pode ser subdivido em duas porções com características anatômicas e
funcionais distintas: sistema nervoso simpático e sistema nervoso parassimpático.
a. Diferenças anatômicas entre os sistemas simpático e parassimpático
As diferenças anatômicas entre os dois sistemas estão relacionadas
principalmente à localização dos gânglios e dos neurônios pré-ganglionares e pós-
ganglionares, o que reflete no comprimento dos axônios.
Os corpos dos neurônios pré-ganglionares do sistema nervoso simpático estão
localizados na medula espinhal, na região toracolombar, enquanto os corpos neuronais
do sistema parassimpático têm origem no tronco encefálico e em segmentos sacrais da
medula espinhal.
Em ambos sistemas, as fibras do axônio pré-ganglionar fazem sinapse com o
neurônio pós-ganglionar nos gânglios. Os gânglios do sistema simpático localizam-se na
cadeia paravertebral de gânglios, enquanto no sistema parassimpático os gânglios ficam
próximos aos órgãos-alvo. Isso faz com que as fibras pré-ganglionares do parassimpático
sejam longas e as pós-ganglionares sejam curtas, o que ocorre de maneira oposta no
sistema simpático.

196
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

SIMPÁTICO PARASSIMPÁTICO
pré-
Toracolombar Craniossacral
Localização ganglionares
dos Gânglios na
pós- Gânglios próximo
neurônios cadeia
ganglionares ao órgão-alvo
paravertebral
pré-
Curta Longa
Comprimento ganglionares
das fibras pós-
Longa Curta
ganglionares

Tabela 1. Resumo das principais diferenças anatômicas entre os sistemas simpático e parassimpático

b. Diferenças funcionais entre os sistemas simpático e parassimpático


As diferenças funcionais estão relacionadas aos efeitos fisiológicos que os
diferentes neurotransmissores podem exercer sobre receptores específicos simpáticos
e parassimpáticos. De maneira geral, o sistema simpático está ativado em situações de
“perigo”, que demandam a ativação de mecanismos para luta ou fuga. Já o sistema
parassimpático está mais ativado em situações de repouso, onde o organismo trabalha
para manutenção da homeostase.
É importante ressaltar que a maioria dos órgãos recebem inervação de ambos
sistemas, mantendo um equilíbrio dinâmico entre os tônus simpático e parassimpático
de acordo com as necessidades fisiológicas de cada órgão. As exceções são a medula da
supra-renal, músculos piloeretores, glândulas sudoríparas e a maioria dos vasos
sanguíneos. Nesses casos a inervação é somente simpática.
As sinapses das fibras pré-ganglionares são sempre mediadas por acetilcolina,
que ativa receptores nicotínicos presentes na membrana do neurônio pós-ganglionar
simpático ou parassimpático. Já os mediadores químicos envolvidos nas sinapses entre
fibras pós-ganglionares e a célula-alvo são diferentes entre os sistemas simpático e
parassimpático, como mostra a figura 3.

197
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura 3. Diferenças entre as transmissões simpática (A), parassimpática (B) e somática (C). Note que as
fibras pré-ganglionares do simpático são curtas e as pós-ganglionares são longas, e o oposto ocorre nas
sinapses parassimpáticas. Note também que as sinapses dos neurônios pré-ganglionares são sempre
mediadas por acetilcolina, que ativa um receptor nicotínico na membrana do neurônio pós-ganglionar. Já as
sinapses dos neurônios pós-ganglionares são distintas: mediadas por acetilcolina no sistema parassimpático
e por norepinefrina na maioria das sinapses simpáticas (exceto nas glândulas sudoríparas, onde atua a
acetilcolina). Fonte: Golan, 2009.

3. SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO


Os receptores adrenérgicos presentes na célula-alvo do sistema simpático
respondem a catecolaminas, principalmente à norepinefrina. Esses receptores se
dividem em duas classes principais, alfa ou beta, que apresentam subclasses
representadas por números.
a. Receptores α-1: são receptores acoplados à proteína G, presentes
principalmente na musculatura lisa (vascular, do trato genitourinário e
intestinal), também presente em coração e fígado. Nas células musculares lisas
vasculares, a ativação de receptores α-1 promove contração muscular, o que
resulta em vasoconstrição, resultando em aumento da resistência vascular
sistêmica e da pressão arterial por aumento da pós carga. Outros efeitos:
contração esplênica e midríase.
b. Receptores α-2: estão acoplados a proteína Gi, que ativa uma cascata com
função inibitória. São encontrados nas membranas de neurônios pré-sinápticos

198
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

e em algumas células pós-sinápticas. Sua ativação nas membranas dos neurônios


pré-sinápticos promove menor liberação do neurotransmissor (noradrenalina),
causando efeito de feedback negativo. Sua presença nas células β pancreáticas
faz com que ocorra menor liberação de insulina. Agonistas α-2 adrenérgicos de
ação central reduzem a descarga simpática a nível periférico, resultando em
menor liberação de norepinefrina e menor contração da musculatura lisa
vascular.

Figura 4. Representação de uma sinapse adrenérgica mediada por receptores alfa-adrenérgicos. A ativação
de receptores alfa-2 adrenérgicos por agonistas na membrana pré-sináptica causa menor liberação de
norepinefrina por efeito de feedback negativo, efeito causado por fármacos como xilazina, medetomidina e
dexmedetomidina.

c. Receptores β-1: Estão acoplados a proteína Gs, o que geralmente promove


efeito de estimulação na célula-alvo. Localizam-se principalmente no coração, e,
quando estimulados, promovem aumento na força de contração (inotropismo
positivo) e na frequência cardíaca (cronotropismo positivo) por elevar o influxo
de sódio e cálcio no platô de despolarização da célula.
d. Receptores β-2: São receptores acoplados a proteína Gs, expressos
principalmente na musculatura lisa, fígado e músculo esquelético. Sua ativação
na musculatura lisa causa relaxamento, o que é bastante evidente no músculo
liso brônquico. No fígado e na musculatura esquelética, a ativação desses
receptores promove glicogenólise.
e. Receptores β-3: expressos nos adipócitos, promovendo lipólise.

4. SISTEMA NERVOSO PARASSIMPÁTICO


A acetilcolina é o neurotransmissor responsável por mediar as sinapses
parassimpáticas. É produzida na terminação nervosa a partir da reação entre acetil-CoA

199
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

e colina, mediada pela enzima colina acetiltransferase. Uma vez produzida, a acetilcolina
é armazenada em vesículas sinápticas. As vesículas repletas com o neurotransmissor se
fundem à membrana plasmática quando o potencial de ação chega à terminação
axônica, liberando a acetilcolina na fenda sináptica, onde ocorrerá a interação com o
receptor colinérgico. Na fenda sináptica, a acetilcolinesterase é a enzima responsável
por degradar a acetilcolina em acetil-CoA e colina, limitando a duração da sinapse
colinérgica.

Figura 5. Produção, liberação e metabolização da acetilcolina.

Os receptores colinérgicos são de dois tipos: nicotínicos e muscarínicos. Os


receptores nicotínicos estão sempre presentes na membrana do neurônio pós-
ganglionar simpático ou parassimpático (nos gânglios autônomos), na medula adrenal e
na junção neuromuscular esquelética (sistema somático) (ver Figura 3).
Os receptores nicotínicos são ionotrópicos (acoplados a um canal iônico). Sua
ativação na junção neuromuscular promove a contração do músculo esquelético por
causar a abertura de canais de sódio. Já a ativação dos receptores nicotínicos presentes
nos gânglios autônomos promove ativação do neurônio pós-ganglionar (simpático ou
parassimpático). A exposição repetida ou contínua do receptor nicotínico ao agonista
(acetilcolina), faz com que ocorra uma alteração conformacional que faça com que o
canal iônico permaneça fechada, em um estado de “dessensibilização” por exposição
repetida.
Os receptores muscarínicos estão presentes no tecido efetor do sistema
parassimpático, e respondem à acetilcolina liberada pelo neurônio pós-ganglionar. Esses
receptores são representados pela letra “M”, e também apresentam subclasses
representadas por números.
a. Receptores M1: Receptores acoplados a proteína Gq, expressos em
neurônios corticais.

200
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

b. Receptores M2: São acoplados a Gi e expressos no músculo cardíaco, nodo


sinoatrial e nodo atrioventricular. Sua ativação reduz o grau de
despolarização sinusal, promove hiperpolarização, reduz a velocidade de
condução e a força de contração do miocárdio.
c. Receptores M3: acoplados a proteína Gq, presentes em glândulas e na
musculatura lisa. Sua ativação resulta na contração da musculatura lisa,
aumentando a contratilidade
d. Receptores M4: atuam via Gi e estão presentes no SNC, promovendo menor
excitabilidade celular.
e. Receptores M5: atuam via Gi e estão presentes no SNC, promovendo maior
excitabilidade celular.

201
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

5. REFERÊNCIAS

COSENZA, Ramon M. Fundamentos de Neuroanatomia . Grupo Gen-Guanabara


Koogan, 2000.

GOLAN, David et al. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da


farmacoterapia. In: Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da
farmacoterapia. 2009.

202
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

INOTRÓPICOS E VASOPRESSORES

1. INTRODUÇÃO
O emprego de
fármacos inotrópicos e
vasoativos é muitas vezes
necessário para
restabelecimento da
hemodinâmica dos pacientes.
A escolha do fármaco a ser
empregado depende da causa
do desequilíbrio e do objetivo
desejado considerando os
fatores que interferem na
pressão arterial, conforme
ilustrado no esquema ao lado.

O sistema cardiovascular apresenta sobreposição das atividades dos sistemas


simpático e parassimpático durante todo o seu ciclo de funcionamento, de acordo com
as necessidades fisiológicas. Em situações de aumento de pressão arterial, por exemplo,
os barorreceptores carotídeos transformam as alterações pressóricas em estímulos
nervoso e enviam (via nervo glossofaríngeo) a mensagem ao sistema nervoso central,
que envia um feedback na forma de resposta parassimpática ao coração (via nervo
vago), resultando em menor FC, condução elétrica e contratilidade. De maneira oposta,
a queda na pressão arterial reduz a atividade barorreceptora, o que leva ao aumento da
atividade simpática, resultando em aumento de FC, contratilidade e vasoconstrição.

203
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Pode-se perceber que o sistema é regulado por alterações na pressão arterial,


detectadas pelos barorreceptores, e não pelo débito cardíaco. A compreensão dessa
particularidade é importante na anestesia, pois muitas vezes a pressão arterial normal
não implicará em bom débito cardíaco e não haverá compensação fisiológica por baixo
débito.
No paciente anestesiado, a hipotensão deve ser tratada com direcionamento à
causa principal. O aprofundamento excessivo do plano anestésico pode causar redução
na pressão arterial dos pacientes, e, portanto, checar a qualidade do plano e ajustar a
dose dos anestésicos é primeira conduta a ser tomada. Em pacientes anestesiados, em
geral, ocorre redução na atividade de barorreceptores e no tônus simpático, o que reduz
a resposta fisiológica reflexa à hipotensão. Além disso, dar preferência ao uso de
anestesia balanceada reduz a dose individual dos anestésicos utilizados, o que pode
reduzir o potencial hipotensor de algumas drogas.
A otimização volêmica dos pacientes também deve ser considerada,
especialmente em pacientes desidratados ou com histórico de perda de volume
sanguíneo. Diante de um paciente hipotenso, e já submetido à correção do plano
anestésico e da volemia, deve-se considerar o uso de inotrópicos e vasopressores.

2. CONCEITOS IMPORTANTES
Inotropismo: propriedade do músculo cardíaco que se refere à força de
contração do miocárdio. Fármacos inotrópicos positivos aumentam a contratilidade;
inotrópicos negativos causam redução na contratilidade.
Cronotropismo: propriedade do músculo cardíaco que se refere à frequência
cardíaca (FC). Fármacos cronotrópicos positivos aumentam a FC; cronotrópicos
negativos causam redução na FC.

204
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Dromotropismo: propriedade do músculo cardíaco que se refere à capacidade


de condução elétrica. Fármacos dromotrópicos positivos aumentam a condutibilidade
cardíaca; dromotrópicos negativos causam redução na condutibilidade.
Pré-carga: refere-se à tensão exercida na parede do miocárdio ao final da
diástole, resultante do enchimento ventricular no momento imediatamente antes da
sístole. Depende do retorno venoso (volemia).
Pós-carga: refere-se à carga exercida contra o ventrículo durante a ejeção
(sístole); carga contra a qual o miocárdio contrai. Depende da resistência/complacência
vascular.
Volume sistólico: variável que representa o volume ejetado a cada batimento
pelo ventrículo esquerdo ao final da sístole. Depende da pré-carga, pós-carga e
capacidade contrátil do coração.
Vasopressores: fármacos capazes de aumentar o tônus da musculatura vascular,
geralmente causando aumento na pressão arterial

3. FÁRMACOS QUE ATUAM EM RECEPTORES Α-ADRENÉRGICOS


a. Agonistas α-1 adrenérgicos: Os agonistas de receptores α1 aumentam a
resistência vascular periférica, e, portanto, apresentam como efeito secundário o
aumento da pressão arterial. Podem causar bradicardia pela ativação de respostas
vagais reflexas.
Fenilefrina: 1 – 3 µg/kg/min

b. Agonistas α-2 adrenérgicos: Atuam na inibição pré-sináptica da liberação de


norepinefrina. Os efeitos colaterais consistem em bradicardia causada pela redução da
atividade simpática e aumento da atividade vagal.
Xilazina
Detomidina
Dexmedetomidina

c. Antagonistas alfa-adrenérgicos
Ioimbina: O bloqueio seletivo de receptores α2 resulta em liberação aumentada
de norepinefrina, com estimulação subseqüente dos receptores β1 cardíacos e
receptores α2 da vasculatura periférica.

205
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

4. FÁRMACOS QUE ATUAM EM RECEPTORES Β-ADRENÉRGICOS


a. Agonistas β-1 adrenérgicos: A estimulação dos receptores β1 provoca
aumento da força de contração e da frequência cardíaca, resultando em aumento do
débito cardíaco.
Dobutamina: apresenta efeitos inotrópicos mais marcantes que os efeitos cronotrópicos.
Apresenta efeito vasodilatador, o que resulta em aumento discreto da pressão arterial.
Dose: 2,5 – 20 µg/kg/min

b. Agonistas β-2 adrenérgicos: causa relaxamento do músculo liso vascular,


brônquico e gastrintestinal.
Salbultamol

c. Antagonistas β adrenérgicos:
Propanolol: não seletivo, antagoniza β1 e β2.
Esmolol: antagonista adrenérgicos β1-seletivos.

5. OUTROS FÁRMACOS COM AÇÃO ADRENÉRGICA OU VASOPRESSORA.


a. Catecolaminas: Podem ser endógenas ou sintéticas, e atuam com afinidades
distintas em receptores α e/ou β
Epinefrina: Em baixas concentrações, a epinefrina possui efeitos
predominantemente β1 e β2, e em altas concentrações predominam os efeitos α1.
Norepinefrina: agonista de receptores α1 e β1, com pouco efeito sobre β2. Seu uso leva ao
aumento da pressão arterial sistólica (efeito β1) e a resistência periférica. Também
aumenta a FC, mas esse efeito é superado pela atividade vagal reflexa à elevação da
pressão arterial.
Dose: 0,05 – 0,3 µg/kg/min
Dopamina: Seus efeitos estão relacionados às doses administradas. Quando
ativados os receptores de dopamina D1, ocorre vasodilatação renal, mesentérica,
coronariana e do SNC, com discreta redução na resistência vascular sistêmica. Os
receptores D2 causam inibição pré-sináptica da liberação de norepinefrina. Atua
também em receptores α1 e β1.
Dose inotrópica: 5 – 7,5 µg/kg/min
Dose vasopressora: 10 – 15 µg/kg/min

206
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

b. Efedrina: Amina simpatomimética de ação indireta, que induz à liberação das


catecolaminas presentes nas vesículas sinápticas. Sua administração excessiva causa
taquifilaxia, pois esgotam-se as catecolaminas das vesículas sinápticas e não ocorrem
mais efeitos adrenérgicos. Seu efeito no aumento da pressão arterial é de curta duração
(5-15min).
Dose: 0,05-0,2 mg/kg

c. Vasopressina: Quando ativa receptores V1 nos vasos sanguíneos, causa


vasoconstrição marcante com redução do DC. Ao ativar receptores V2 nos ductos
coletores renais, causa reabsorção de água. Alguns fármacos podem causar
vasoconstrição por aumentar a liberação de vasopressina, como a metadona e o
remifentanil.
Dose: 0,5 – 2 mU/kg/min

207
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

6. REFERENCIAS

COSENZA, Ramon M. Fundamentos de Neuroanatomia . Grupo Gen-Guanabara


Koogan, 2000.

GOLAN, David et al. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da


farmacoterapia. In: Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da
farmacoterapia. 2009.

TRANQUILLI, William J.; THURMON, John C.; GRIMM, Kurt A. (Ed.). Lumb and
Jones' veterinary anesthesia and analgesia. John Wiley & Sons, 2013.

208
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA EM RÉPTEIS

1. INTRODUÇÃO
Os répteis são animais de baixo metabolismo, e dependem muito da
temperatura ambiental para manutenção da homeostase. Devido a isso, sinais clínicos
de patologias demoram muito a aparecer, sendo evidentes apenas quando as doenças
se encontram em estágios muito avançados. Os répteis são divididos em 4 grupos:
Lagartos: corpo alongado, presença de cauda, possuem 3 câmaras cardíacas (2
átrios que batem em tempos diferentes e 1 ventrículo)
Crocodilianos: corpo alongado, presença de cauda, possuem 4 câmaras cardíacas
e um hemidiafragma (os outros 3 possuem apenas cavidade celomática)
Serpentes: As serpentes possuem o coração localizado no fim da traqueia,
aproximadamente no fim do primeiro terço do comprimento do corpo. A vesícula biliar
é separada do fígado, e baço e pâncreas são praticamente unificados. A área pulmonar
de uma serpente é de quase 1/3 do corpo e possuem sacos aéreos.
Quelônios: pulmões são localizados no dorso da carapaça
Tuataras

2. FISIOLOGIA
De uma forma geral, a respiração é ativa nos répteis, dada pela movimentação
visceral e da musculatura dos membros anteriores e posteriores. Os pulmões são em
forma de saco para a retenção de ar. Animais que mergulham tendem a ter shunt
cardíaco maior para auxiliar na ventilação.
É importante salientar que uma das maiores dificuldades na medicina de répteis
é definir se o paciente está morto. Eles mantêm reserva energética nos órgãos, e,
mesmo após o óbito, continuam a manter contração muscular.
Para a anestesia de répteis alguns cuidados são fundamentais, especialmente em
relação à temperatura e umidade. A velocidade de metabolização dos fármacos e
especialmente a recuperação são afetados pela temperatura. A fonte de calor colocada
no recinto ou terrário não deve entrar em contato direto com o animal. Outra forma de
aquecimento seria aquecer o ambiente como um todo. O ideal é começar a aquecer os
animais antes do procedimento.
As serpentes se alimentam normalmente de 15 em 15 dias, podendo chegar a 30
a 30 dias durante o inverno, já lagartos e jabutis alimentam-se 3 vezes por semana
normalmente. Quando a serpente se alimenta, ela retém o volume de alimento de 24 a
72 horas e toda a energia é direcionada para a digestão do alimento. Na natureza esse

209
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

animal ficaria entocada ou escondido para a digestão. Após o terceiro dia, o alimento já
foi degradado e continua sendo absorvido. Após 8 ou 9 dias ocorre a defecação. O
manejo não deve ser realizado de forma alguma de 1 a 3 dias após a alimentação, pois
o animal pode ficar estressado e regurgitar o alimento, entrando em balanço energético
negativo. O manejo e anestesia devem ser realizados no mínimo 5 dias após a
alimentação. Não é necessário realizar jejum hídrico.

3. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO
As vias de administração dependem da espécie, mas no geral, podem ser
utilizadas as vias intravenosa, intramuscular, intraóssea e subcutânea. Sobre a via
intramuscular, deve-se sempre preferir o terço anterior do corpo para aplicação (devido
a discussão sobre o sistema porta-renal). A via intravenosa também pode ser utilizada.
Em serpentes, o acesso pode ser realizado na veia caudal (ventral), ou na jugular. Em
jabutis, o acesso é feito normalmente na jugular, e em quelônios, na jugular ou no seio
subcarapacial. Crocodilianos tem a veia caudal de fácil acesso, ou o seio occiptal.

4. CONSIDERAÇÕES ANESTÉSICAS
As doses dos fármacos devem ser pesquisadas em literatura específica, em
função da grande diversidade de espécies. Ainda não estão bem estabelecidos os efeitos
de cada fármaco nesses animais. Sabe-se que os repteis apresentam receptores opioides
µ, Δ e ĸ, mas a prevalência de cada um dos receptores é variável entre as espécies. AINEs
pouco seletivos para COX-2 se mostraram mais eficientes em phitons e tartarugas
quando comparado a AINEs mais seletivos. Fármacos α-2 agonistas apresentam efeito
analgésico bom sem efeitos sedativos em algumas espécies.
A indução anestésica pode ser realizada por anestesia inalatória (isoflurano ou
sevoflurano) por meio de uma caixa. Porém, deve-se salientar que os répteis são capazes
de fazer apneia voluntária e a indução pode ser muito demorada. A intubação de répteis
é facilitada pela abertura da glote e de estruturas mais proximais, sendo esta também
uma possibilidade para indução. Durante a recuperação, deve-se extubar o paciente
somente na presença de retorno da respiração espontânea e de movimentos corporais.

5. DOR E ANALGESIA
O estabelecimento de doses de fármacos e seus efeitos ainda é necessário, e o
reconhecimento de sinais de dor é um desafio. Os opioides, em geral, são uma boa
escolha, e são obtidos bons resultados com a morfina. O uso de fármacos α-2 agonistas
e AINEs pouco seletivos é promissor.
Em quelônios, uma estratégia analgésica muito utilizada é a peridural. A punção
é realizada entre o segundo e o terceiro terço da cauda, podendo a abordagem ser
210
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

realizada pelo dorso ou ventre da cauda. O volume a ser administrado de lidocaína 2%


sem vasoconstritor é de 0.1ml para cada 5cm de comprimento curvilíneo de carapaça
para bloqueio baixo (somente cloaca), e 0,2ml para cada 5 cm de carapaça para bloqueio
alto (membros pélvicos). A velocidade máxima é de 1 mL por minuto.

6. BIBLIOGRAFIA
CARPENTER, James W. Exotic Animal Formulary, 4e. St Louis, MO: Elsevier
Saunders, 2013.
CRACKNELL, Jonathan. Anaesthesia of exotic pets. The Veterinary Record, v. 162,
n. 26, p. 864, 2008.
WEST, Gary; HEARD, Darryl; CAULKETT, Nigel (Ed.). Zoo animal and wildlife
immobilization and anesthesia. John Wiley & Sons, 2014.

211
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA EM AVES

1. INTRODUÇÃO
Existem atualmente cerca de 1800 espécies de aves descritas no Brasil. As aves
apresentam respostas fisiológicas diferentes dos mamíferos tanto aos fármacos quanto
aos estímulos, não sendo, portanto, adequado extrapolar os dados de uma classe para
outra. As aves possuem particularidades anatômica e fisiológicas que são de essencial
conhecimento para o anestesista.

2. FISIOLOGIA
O sistema respiratório das aves é composto por laringe, traquéia, siringe (órgão
fonador), brônquios, 9 sacos aéreos, esqueleto torácico e músculos respiratórios. Os
anéis traqueais das aves são completos tornando a traqueia rígida, portanto o cuff do
tubo endotraqueal não deve ser inflado ou deve ser inflado minimamente para evitar
lesão por isquemia. Existe uma grande variação na anatomia da traqueia das aves,
principalmente das aquáticas, sendo muito importante conhecer previamente a
anatomia especifica da espécie a ser anestesiada para evitar a intubação seletiva não
intencional.
Os sacos aéreos são expansíveis e praticamente não realizam troca gasosa. Eles
são divididos em sacos aéreos cervicais (2), sacos aéreos torácicos craniais (2), saco
aéreo clavicular (1), sacos aéreos torácicos caudais (2) e sacos aéreos abdominais (2).

Figura 1. Representação dos sacos aéreos em uma ave.


Fonte: https://peteucation.com/images/articles/ill_bird_airsacs.gif
O tórax e o abdome não são separados por um diafragma e não há diferença de
pressão entre as cavidades. Ao contrário dos mamíferos, os músculos respiratórios são
ativos tanto na inspiração quanto na inspiração.
212
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

A ventilação nas aves tem dois ciclos. Inicialmente o ar inspirado vai diretamente
aos sacos aéreos abdominais. Durante a primeira expiração o ar sai dos sacos aéreos
abdominais e passa pelo pulmão. No segundo ciclo ventilatório o ar é inspirado dos
pulmões para os sacos aéreos craniais e finalmente expirado para o ambiente. Este
mecanismo permite rapidez e eficiência na troca gasosa.
O pulmão das aves é parabrônquico e é comparativamente menor que o dos
mamíferos, porém a área de troca gasosa é de 2 a 10 vezes maior que um pulmão
alveolar. Não existem alvéolos como observado nos mamíferos, mas nos parabrônquios
existem tubos extremamente finos contendo ar, onde ocorrem as trocas gasosas. A
troca gasosa ocorre por um sistema denominado contra-corrente, conforme ilustrado
na figura abaixo. Os parabrônquios possuem uma maior área de contato com os vasos
sanguíneos, aumentando a capacidade de troca.

Figura 2. Sistema de trocas parabronquial.


Fonte: http://ehp.niehs.nih.gov/realfiles/members/1997/105-2/brownfig6.GIF

As aves possuem um sistema cardiovascular de alta performance. O coração é


maior proporcionalmente comparado ao dos mamíferos e a frequência cardíaca pode
atingir valores incontáveis à auscultação.
Uma característica importante é a presença do sistema porta-renal, que possui
inervação colinérgica e adrenérgica. Esse sistema é capaz de desviar até 2/3 do fluxo
sanguíneo posterior do corpo diretamente para os rins, de forma a serem eliminados
sem passar para a grande circulação. A função deste sistema ainda não foi bem definida,
mas devido à presença dele, a aplicação de fármacos pela via intramuscular nas aves
não devem ser feita nos membros posteriores, dando-se preferência para a musculatura
peitoral como local de aplicação.

213
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

3. MANEJO E AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA


A anamnese e o exame físico são fundamentais antes do procedimento
anestésico. Entretanto, deve-se ter um cuidado especial na contenção física, pois
algumas aves são muito suscetíveis ao estresse. Animais mais estressados devem ser
levados à inconsciência, mesmo para procedimentos simples, antes da instrumentação
para o ato cirúrgico.
Inicialmente, a ave deve ser observada dentro da gaiola. Devem ser observados
o nível de consciência, postura do animal, ambiente e substrato e a frequência
respiratória. O exame físico deve ser realizado com a ave contida para evitar traumas à
equipe e ao animal. Deve-se realizar inspeção da cavidade oral e coanas, da agudez da
quilha, das penas, auscultação cardíaca e pulmonar e hidratação. O jejum das aves de
rapina deve ser de 24 horas e das demais aves de 0 a 4 horas.

4. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS E CONSIDERAÇÕES PARA A ANESTESIA


A medicação pré-anestésica é comumente realizada com benzodiazepínicos,
opioides ou agonistas α-2 adrenérgicos. O midazolam é muito utilizado por instilação
intranasal (2 mg/kg). Para anestesia geral, a anestesia inalatória é a mais utilizada em
aves. A anestesia inalatória apresenta algumas vantagens como: rápida indução e
recuperação, mínima biotransformação, menor depressão do miocárdio e ajusta
dinâmico do plano anestésico.
Os fármacos mais utilizados para a anestesia injetável são a cetamina, propofol,
benzodiazepínicos e agonistas α-2 adrenérgicos. A anestesia injetável pode ser usada
em situações onde a anestesia inalatória não esteja disponível, porém apresenta
desvantagens importantes como: baixo índice terapêutico, recuperação prolongada,
falta de alguns antagonistas, necessidade de saber o peso correto devido à variação
individual de doses.
A intubação orotraqual pode ser facilmente realizada e recomenda-se pré-
oxigenar sempre que possível antes da indução anestésica, pois as aves não possuem
capacidade residual funcional pulmonar, sendo mais sensíveis à apneia. Os fármacos
mais utilizados para a anestesia injetável são a cetamina, propofol, benzodiazepínicos e
agonistas α2 adrenérgicos. O acesso venoso muitas vezes é de difícil obtenção em aves
pequenas e a via intraóssea é uma alternativa. Entretanto, vale lembrar que a punção
intraóssea causa dor e que alguns ossos como fêmur e úmero são pneumáticos, não
sendo indicados para essa modalidade. A ulna é uma opção para punção intraóssea.
Devido ao alto metabolismo e uma superfície corpórea, as aves possuem uma
propensão a hipotermia quando submetidas a anestesia geral. A hipotermia deve ser
evitada e tratada desde o início do procedimento e constitui-se de uma das maiores
complicações na anestesia em aves.
214
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Como em qualquer espécie, a monitoração é mandatória durante a anestesia em


aves. A frequência cardíaca é o principal parâmetro para monitorar a profundidade
anestésica. A bradicardia é um indicativo de plano anestésico profundo. Para a
mensuração da pressão arterial invasiva, as artérias braquial ou metatarsiana podem ser
canuladas. Para utilização de métodos não invasivos, o doppler pode ser utilizado no
membro pélvico, com o manguito medindo de 40 – 50% da circunferência, sendo que a
PAS tem boa correlação com a PAM.
Os valores de SpO2 não são confiáveis, pois o sensor foi desenvolvido para
mamíferos e as aves possuem hemácias diferenciadas (nucleadas e com outra
conformação estrutural). Os valores de ETCO2 encontram-se entre 25 – 40 mmHg. Os
quimiorreceptores de gás carbônico das aves são ativados com valores inferiores de CO2
para evitar a alcalose respiratória. Devido a esses valores, o pH das aves também
costuma ser um pouco mais elevado, sendo o valor normal aproximadamente de 7.54.
Para a ventilação, recomenda-se a utilização de uma pressão de pico de 4 a 15 cmH2O.

5. REFERÊNCIAS
PAVEZ, J. C.; HAWKINS, M. G.; PASCOE, P. J.; KNYCH, H. K.; KASS, P. H. Effect of
fentanyl target-controlled infusions on isoflurane minimum anaesthetic concentration
and cardiovascular function in red-tailed hawks (Buteo jamaicensis). Veterinary
Anesthesia and Analgesia. 38(4):344- 51, 2011.

ESCOBAR, A.; DA ROCHA, R. W.; PYPENDOP, B. H.; ZANGIROLAMI, F. D.; SOUSA,


S. S.; VALADÃO, C. A. Effects of Methadone on the Minimum Anesthetic Concentration
of Isoflurane, and Its Effects on Heart Rate, Blood Pressure and Ventilation during
Isoflurane Anesthesia in Hens (Gallus gallus domesticus). PLoS One. 28;11(3), 2016

215
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA EM ROEDORES E LAGOMORFOS


1. INTRODUÇÃO
Os roedores são uma ordem de mamíferos caracterizadas por possuir dentes
especializados em roer alimentos. São representados por uma ampla variedade de
espécies, como os ratos, camundongos, capivaras, porquinhos-da-índia, chinchilas,
castores e esquilos.
Os lagomorfos são uma ordem constituída por lebres, coelhos e ochotonas. A
principal diferença entre roedores e lagomorfos é a quantidade e distribuição dos
dentes na arcada dentária. Os lagomorfos apresentam 4 dentes incisivos na maxila,
enquanto os roedores apresentam apenas 2 incisivos superiores.

2. CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES
Esses animais apresentam algumas particularidades fisiológicas importantes que
devem ser consideradas durante a anestesia.
Os roedores e lagomorfos são animais com elevado metabolismo e baixa reserva
de glicogênio hepático, o que os torna susceptíveis a hipoglicemia.
O metabolismo elevado requer consumo elevado de oxigênio e menor tolerância
a hipóxia.
Pequenos roedores têm maior predisposição a hipotermia pela menor relação
entre o tamanho e a superfície corporal.
Grandes roedores têm maior predisposição a hipertermia em função da menor
quantidade de glândulas sudoríparas.
O volume sanguíneo é menor (60-78 mL/kg), e há menor tolerância a perdas.
A taxa de mortalidade desses animais é mais elevada, e varia de 1,38% a 3,8%.

3. CUIDADOS PRÉ-ANESTÉSICOS
Jejum: jejum prolongado pode levar a hipoglicemia.
o Algumas espécies acumulam alimentos na boca
o Tirar a maravalha, pois muitas vezes roem
o Coelhos comem conteúdo do ceco, é difícil abolir totalmente a alimentação.
o Para pacientes eletivos, nem sempre é necessário, pois a regurgitação é rara.
o Para cirurgia gastrointestinal, fazer jejum curto de 4 horas,
preferencialmente pela manhã.

216
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Exames pré-anestésicos: o volume de sangue e a dificuldade de coleta são


limitantes, e o comportamento do paciente nem sempre permite.

Exame físico: Depende do comportamento do paciente


o Contenção física cuidadosa e que promova segurança
o Em animais de vida livre a contenção química facilita
Peso corporal preciso é difícil, mas importante em pacientes muito pequenos.

4. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO
As vias de administração em roedores e lagomorfos varia de acordo com o
tamanho e condição clínica de cada paciente. Em geral, a medicação pré-anestésica é
realizada por via intramuscular, o que promove sedação suficiente para a venopunção.
A venopunção é, muitas vezes, difícil de ser realizada pelo tamanho e frigidez dos vasos.
Em lagomorfos, o cateter venoso é posicionado na veia marginal da orelha na
maioria das vezes, mas podem ser utilizadas as veias safena lateral e cefálica. Deve-se
atentar para o correto posicionamento na veia, e não na artéria central da orelha. A
escolha do cateter depende do tamanho do paciente, mas, em geral, são necessários
cateteres 24G ou 26G para inserção na veia marginal da orelha.

Figura 1. Cateter posicionado na veia safena (A) e localização da veia marginal da orelha. Fonte: Cracknell,
2008.

Em roedores, a administração intravenosa de fármacos pode ser realizada na


veia lateral da cauda, e em algumas espécies pode ser possível acessar a veia cefálica ou
safena lateral.
As vias intraóssea e intraperitoneal também podem ser empregadas em
roedores e lagomorfos. Para administração intraóssea, é importante não manter por

217
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

mais de 72h e estar atento para a manipulação do local pelos pacientes, que podem se
mutilar por dor. O local de acesso é a fossa trocantérica do fêmur ou pela crista da tíbia,
e o cateter utilizado deve se estender por 1/3 a 1/2 do canal medular.
Um cuidado importante ao administrar fármacos nessas espécies é o volume de
fármaco administrado, que não deve ser elevado pelo tamanho dos pacientes.

5. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS
a. Anestésicos injetáveis
Anticolinérgicos: A atropina tem duração de 30 min em ratos, e o glicopirrolato
tem duração de 240 min. Coelhos tem atropinase, e não respondem bem a atropina
o Reduzem a motilidade intestinal
o Reduzem as secreções, mas as tornam mais espessas
Acepromazina
o Tem bom uso para coleta de sangue pelo efeito vasodilatador
o Seu uso é limitado para os pacientes saudáveis
o Em coelhos reduz a produção de lágrima

• Benzodiazepínicos: são seguros


o Diazepam: SC e IM, preferencialmente IV

218
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

o Midzolam associado a opioide causa boa seedação e analgesia, bom


miorrelaxamento.

Alfa-2 agonistas: Restritos a animais saudáveis, pois promovem efeitos


cardiovasculares significativos, bradiarritmias, depressão respiratória. Tem como a
vantagem a existência de um reversor

Opioides: Sua escolha depende do grau de dor e da condição do paciente. Podem


causar depressão respiratória e cardiovascular, constipação e hipomotilidade. Há
possibilidade de reversão com naloxona (total), butorfanol/nabulfina (parcial)
o Morfina: promove sedação profunda
o Fentanil: período curto de ação (30min). Causa depressão respiratória
intensa
o Butorfanol: não produz depressão respiratória dose dependente, causa
menor alteração em motilidade intestinal e tem ação de 1,5-3 horas
o Tramadol: ainda é controverso. A ação dependente de biotransformação.
Altera a motilidade gastrointestinal. Utilizado para dor leve e por curto
período

b. Indução
A indução pode ser por via inalatória, injetável (dissociativa) ou intravenosa.
Deve-se pré-oxigenar sempre que possível antes de induzir

219
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Indução com inalatórios: Isoflurano ou sevoflurano. Podem ser utilizadas caixas


ou máscara facial para pre-oxigenação e indução.
Indução com injetáveis (dissociativa)
o Cetamina e benzodiazepínicos: promove menor depressão cardiovascular e
analgesia, com bom relaxamento muscular
o Cetamina + Xilazina e Tiletamina + Zolazepam: Cerca de 8-10 min para
indução, com duração de 15-20min em porquinho da índia
Indução com propofol: Pode causar apneia, e a intubação desses animais é difícil.
Manutenção: 2,5-20 mg/kg/min.

c. Intubação:
A intubação está diretamente relacionada à segurança do procedimento, pois
permite ventilação assistida/controlada, e consequente oferta mais efetiva de
anestésicos inalatórios. Porém, a intubação desses pacientes é dificultada pelo tamanho
e pela anatomia do trato respiratório superior. Apresentam cavidade oral longa, grandes
incisivos, epiglote reduzida e pouca abertura de boca.
Fazer limpeza da cavidade oral
Cuidado com fluxo elevado de oxigênio, que pode ressecar a via aérea e
aumentar a produção de secreção
Utilizar um fio guia pode ser útil
Possíveis técnicas: "às cegas", guiada por capnógrafo, endoscópio rígido,
retrógrada, otoscópio, laringoscópio, oclusão de esôfago.
Máscara laríngea: Dispositivo projetado para cobrir a entrada da laringe, sem
necessidade de inserção por dentro da traqueia. Pode estar associada a timpanismo e
refluxo gastroesofáfico.

c. Monitoração
Oximetria de pulso: Parâmetro confiável nesses animais. Pode ser posicionado
nas patas, orelha, mucosa, vulva, prepúcio, cauda e língua.
ECG: Alguns roedores têm FC muito elevada para os monitores comuns
Temperatura
Glicemia

220
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Capnografia
Pressão arterial: em pacientes maiores pode ser possível monitorar por
oscilométrica ou pressão arterial invasiva.

d. Analgesia
Sempre que possível, a anestesia locorregional deve ser realizada. Podem ser
utilizadas lidocaína (4 mg/kg), que dura cerca de 20-30 min, ou bupivacaína (2 mg/kg),
que tem duração relatada de 20-30 min em ratos. Antiinflamatórios não esteroidais
podem ser empregados e tem boa efetividade:
Meloxicam:
o Coelhos: 0,1-0,3 mg/kg
o Ratos: 0,5 mg/kg SID
Carprofeno:
o Coelhos 1,5-5 mg/kg
o Ratos: 2-5 mg/kg SID

6. RECUPERAÇÃO
Durante a recuperação anestésica, é importante estar atento a monitoração dos
parâmetros fisiológicos, principalmente temperatura e glicemia. Após a extubação,
verificar se existe algum tipo de obstrução de vias aéreas. A motilidade intestinal
também deve ser monitorada, principalmente quando utilizados opioides.

7. BIBLIOGRAFIA
CARPENTER, James W. Exotic Animal Formulary, 4e. St Louis, MO: Elsevier
Saunders, 2013.
CRACKNELL, Jonathan. Anaesthesia of exotic pets. The Veterinary Record, v. 162,
n. 26, p. 864, 2008.
WEST, Gary; HEARD, Darryl; CAULKETT, Nigel (Ed.). Zoo animal and wildlife
immobilization and anesthesia. John Wiley & Sons, 2014.

221
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA EM PEIXES
1. INTRODUÇÃO
A anestesia de peixes ainda não é uma prática comum em medicina veterinária,
mas pode ser necessária para cirurgias, manejo para implantes hormonais, coleta de
ovos ou sêmen, triagem (machos e fêmeas), marcação, transporte, pesquisa.
Considerações importantes:
96% das espécies são ósseas (teleósteos)
A maioria dos peixes tem respiração opercular
Alguns peixes apresentam "ram ventilation", e necessitam do movimento
constante da água através da boca para realizar trocas gasosas
Peixes são ectotérmicos: manter o ambiente o mais próximo possível do normal
para a espécie
Apresentam muco no tegumento, que deve ser mantido úmido

2. PERÍODO PRÉ-ANESTÉSICO
Em função da grande variedade de espécies e das diferentes particularidades
fisiológicas de cada uma delas, é preciso compreender o comportamento basal e tomar
como parâmetro para monitoração da saúde.
O jejum desses animais não é imprescindível, mas é necessária preparação dos
tanques em relação a temperatura, pH, oxigenação e condição da água, aproximando
ao máximo do ambiente natural ao paciente.

3. ANESTESIA POR IMERSÃO


a. Procedimentos curtos
Adicionar o anestésico na água ou diretamente às guelras. A indução é feita em
menos de 10 minutos
Propofol: 6 mg/L em tilápias
O plano anestésico de indução é um dos desafios. Durante a indução, o peixe
nada abaixo da sua faixa normal, até permanecer no fundo do tanque. Ao pressionar a
base da cauda, espera-se não obter resposta. Também há redução no movimento
opercular.
b. Procedimentos longos

222
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Sistema sem recirculação: O paciente é posicionado em uma calha úmida e


recebe fluxo de água nas guelras. O anestésico passa pelas guelras do paciente e cai no
recipiente coletor, não retornando para o sistema
Sistema com recirculação: uma bomba de recirculação é colocada no recipiente
coletor e a água retorna para o sistema ligado às guelras.

É comum que o paciente pare de mexer o opérculo, o que não significa apneia.
Isso ocorre porque nesse sistema não necessita do opérculo pelo movimento contínuo
da água pelas guelras.

4. ANESTESIA PARENTERAL
Utilizada em peixes maiores por via intramuscular, intravenosa ou
intracelomática. Manter o paciente sempre umedecido e manter fluxo de água nas
guelras durante a sedação.

Figura 1. Vias de administração parenteral em peixes. Fonte: Cracknell, 2008.

5. MONITORAÇÃO
A profundidade anestésica é avaliada pela frequência cardíaca (aferida pelo
doppler) e pelo movimento de reflexo à pressão na base da cauda
ECG: ainda não é bem estabelecido em relação ao posicionamento dos eletrodos
Movimentos operculares indicam a frequência respiratória, e geralmente são
lentos e regulares.
O tônus de mandíbula também é indicador de profundidade anestésica, mas sua
perda completa indica plano profundo.
Monitorar a qualidade da água: pH e temperatura.

223
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura 2. Posicionamento da probe do doppler para avaliar a frequência cardíaca. Fonte: Cracknell, 2008.

6. RECUPERAÇÃO
Manter o paciente em água limpa e condições adequadas
Avaliar o retorno do posicionamento de natação normal: virar e avaliar se
consegue retornar à posição normal

7. FÁRMACOS
Trisulfato de metacaína (MS-222): indução (100–200 mg/ml), manutenção (50–
100 mg/ml), sedação (15–50 mg/ml)
Benzocaína
Eugenol (óleo de cravo): anestesia geral (25–50 mg/ml)
Quinaldina: indução (50–100 mg/ml) e manutenção (15–60mg/ml)
Metomidato: sedação leve (0.5–5 mg/ml), anestesia geral (5–10 mg/ml)
Cetamina: intramuscular (doses variam de acordo com a espécie, 66–68 mg/kg
para teleósteos)
Tiletamina/Zolazepam
Propofol (3.5–7.5 mg/kg IV)
Xilazina
Lidocaína: anestésico local (não exceder 1-2 mg/kg totais)

224
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

8. BIBLIOGRAFIA

CARPENTER, James W. Exotic Animal Formulary, 4e. St Louis, MO: Elsevier


Saunders, 2013.

CRACKNELL, Jonathan. Anaesthesia of exotic pets. The Veterinary Record, v. 162,


n. 26, p. 864, 2008.

WEST, Gary; HEARD, Darryl; CAULKETT, Nigel (Ed.). Zoo animal and wildlife
immobilization and anesthesia. John Wiley & Sons, 2014.

225
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA EM PRIMATAS
1. INTRODUÇÃO
Os primatas constituem uma classe de mamíferos composta diferentes gêneros
com dezenas de espécies. Dentre os primatas não humanos, os representantes mais
comuns são os macacos e os lêmures.
O manejo anestésico desses pacientes exige conhecimentos básicos em relação
ao comportamento e formas de manipulação. Muitas vezes, o exame físico é
impossibilitado pelo comportamento dos animais. A captura e contenção para
realização dos procedimentos deve ser feita de forma que se garanta a segurança do
paciente e da equipe. Para a captura, o animal deve ser isolado do grupo e devem ser
utilizados equipamentos específicos, como luvas, puçá, toalhas e caixas. Animais
condicionados com reforço positivo muitas vezes dispensam equipamentos ou
fármacos. Existem diferentes formas de contenção:
Contenção física: Animal consciente, feita com equipamentos e planejamento
específico. Realizada em pacientes com menos de 12 kg.
Contenção química: procura eliminar reações a partir da utilização de fármacos.
Não necessariamente promove analgesia.
Anestesia: Promove perda de consciência, amnésia, miorrelaxamento e
analgesia.

Figura 1. Formas de contenção física de primatas.

2. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO
Subcutânea: maior período de absorção.

226
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Intramuscular: quadríceps, tríceps, músculos lombares.


Acesso intravenoso: veia femoral, veia basílica, veia braquial, veia safena lateral,
veia cefálica.
Acesso intraósseo: fossa trocantérica do fêmur e crista da tíbia

Figura 2. Acesso venoso em veia cefálica. Fonte:

3. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS
a. Contenção química:
Anestesia inalatória: a contenção química por meio de anestesia inalatória é
possível em primatas, especialmente em pequenos primatas, que podem ser contidos
manualmente para posicionamento de máscara facial ou colocados em caixas de
indução. Permite indução e recuperação rápidas.
Dissociação: Os protocolos de dissociação anestésica são utilizados
principalmente em animais maiores ou que não permitem manipulação de forma
segura. São protocolos baseados no uso doses mais elevadas de cetamina (que causa a
dissociação) associadas a outros fármacos que promovam miorrelaxamento e/ou
analgesia.

b. Manutenção anestésica: A manutenção anestésica pode ser realizada por


meio de anestesia inalatória, PIVA ou TIVA. Para a manutenção por anestesia inalatória,
podem ser utilizadas máscaras faciais, porém, a intubação é mais segura para a
manutenção de vias aéreas e fornecimento de oxigênio.
Intubação: O uso de laringoscópio facilita a identificação da laringe,
especialmente em pacientes maiores. A instilação de anestésico local para anestesia
periglótica é essencial para evitar laringoespasmo. Algumas espécies apresentam o
palato mais prolongado ou variações anatômicas que dificultam a intubação. O bugio,

227
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

por exemplo, apresenta uma caixa acústica com fundo cego que pode ser intubada de
forma seletiva. Em alguns pacientes, o uso de otoscópios com luz pode facilitar a
identificação da laringe.

c. Protocolos:
Cracknell (2008): Midazolam (1mg/kg) + Cetamina (10mg/kg)
Protocolos de castração eletiva de macaco prego:
o Disarz (2019): Cetamina (10mg/kg) + Dexmedetomidina (10 ug/kg) +
Propofol titulado (10 mg/kg) + Isoflurano 1% + Fentanil (2 ug/kg)
o Da Silva (2020): Dexmedetomidina (7 ug/kg) + Cetamina (7 mg/kg) +
Isoflurano (indução e manutenção)
o Da Silva (2020): Dexmedetomidina (3ug/kg) + Cetamina (3mg/kg) +
Midazolam (0,5 mg/kg) + Morfina (0,1 mg/kg) + Isoflurano (indução e
manutenção).

4. REFERÊNCIAS

CRACKNELL, Jonathan. Anaesthesia of exotic pets. The Veterinary Record, v. 162,


n. 26, p. 864, 2008.

DA SILVA, Thiago Vargas et al. Protocolo anestésico para Sapajus libidinosus


(macaco prego) submetidos a vasectomia e laqueadura de trompas eletivas. PUBVET, v.
14, p. 163, 2020.

DISARZ, Pâmela et al. General anesthesia in Sapajus nigritus (black


capuchin). Acta Scientiae Veterinariae, v. 47, 2019.

228
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

ANESTESIA EM SUÍNOS
1. INTRODUÇÃO
A família Suidae é composta por diferentes gêneros, sendo o gênero Sus o mais
comum na rotina veterinária, representado principalmente por porcos e javalis. Dentre
os porcos domésticos há grande variedade de raças. A escolha do protocolo anestésico
depende do tipo de procedimento, tempo de cirurgia, disponibilidade de fármacos,
recursos financeiros e anatomia e fisiologia da raça.

2. CUIDADOS PRÉ-ANESTÉSICOS
Jejum: São necessárias 6-12h de jejum, ou 12-24h para procedimentos
abdominais. A ausência de jejum pode causar timpanismo e regurgitação,
principalmente quando em decúbito dorsal. Deve-se atentar para a remoção da cama
da baia, pois esses animais podem ingerir. Não é necessária a realização de jejum
hídrico.
A contenção desses animais é difícil, mas pode ser realizada com cordas ou laço
atrás dos caninos. Deve-se evitar estresse por manipulação excessiva.
A administração dos fármacos pode ser por diferentes vias. A pele desses animais
é pouco elástica, e a administração de fármacos no subcutâneo resulta em latência
aumentada por deposição no tecido adiposo. A administração intramuscular é realizada
na musculatura lombar, caudal à orelha ou membros pélvicos. O acesso venoso pode
ser realizado de forma mais fácil na veia auricular. As veias cefálica, safena e jugular são
mais difíceis de puncionar.

3. PROTOCOLOS ANESTÉSICOS
a. Medicação pré-anestésica: A MPA pode ter por objetivo sedar ou dissociar o
paciente, a depender do comportamento do paciente.
Anticolinérgicos
o Inibem a salivação excessiva
o Aumentam o trabalho cardíaco e consumo de oxigênio pelo miocárdio.
o O glicopirrolato tende a diminuir a secreção do suco gástrico, promovendo
esvaziamento gástrico
o Contraindicação: febre, agitação intensa, animais já taquicardicos e com
hipertireoidismo.

229
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Fenotiazínicos
o Não são muito efetivos como sedativo em suínos. São necessárias doses
elevadas, o que aumenta a chance de efeitos adversos (hipotensão).

Agonistas α-2 adrenérgicos


o Pouco efeito sedativo, sempre deve ser associado a outro fármaco e,
geralmente necessita doses mais elevadas.
o Podem ser utilizadas em peridural: duração de 3-4 horas associada a
lidocaína.
o Os efeitos podem ser revertidos com ioimbina ou atipamezole.

Butirofenonas
o São fármacos recomendados. Em doses baixas promovem sedação e ataxia,
em doses altas promovem sedação intensa e decúbito.
o Pode causar hipotensão arterial

b. Associações anestésicas
Éter gliceril guaiacol + cetamina + Xilazina (Triple Drip)

230
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

o 2 mg de cetamina e 1 mg de xilazina para cada ml de EGG 5%.


o Indução: administrar 1 ml/kg da mistura
o Manutenção: administrar 2,2 ml/kg da mistura
o Permite recuperação rápida 30-40 minutos. Tem efeitos satisfatórios para
anestesia de até 2 horas.
Cetamina + Midazolam + Xilazina: Início de ação, duração e recuperação rápidos.
Não promove anestesia cirúrgica.

Cetamina + Diazepam: Permite bom relaxamento muscular e boa recuperação


anestésica. Porém, doses altas de diazepam podem prolongar a recuperação. Não
promove analgesia.

c. Indução
Propofol: É seguro para suínos, não induz a hipertermia maligna. Reduzem em
25% a PAM, independentemente da dose. Tomar cuidado com a depressão respiratória,
pois apresentam via aérea difícil
o Infusão contínua: 4-10 mg/kg/h
Barbitúrico: A dose de anestesia cirúrgica muito próxima à dose que induz
apnéia. Recuperação lenta com doses elevadas ou infusão contínua.
o Tiopental: 3-6 mg/kg

d. Intubação
A intubação de suínos é desafiadora pela anatomia da laringe. Esses animais
possuem um fundo cego na entrada da laringe, e a traqueia apresenta diâmetro
proporcionalmente menor que a abertura da glote. Além disso, são susceptíveis a
laringoespasmo, o que torna necessária a instilação de lidocaína para anestesia
periglótica.

231
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

Figura 1. Corte transversal da região da laringe e


traqueia de um suíno.

e. Manutenção
A manutenção por anestesia inalatória (isoflurano ou sevoflurano) é segura para
suínos, exceto para aqueles predispostos a hipertermia maligna, nos quais os cuidados
com a temperatura corporal devem ser redobrados. Os anestésicos inalatórios inibem o
mecanismo de vasoconstrição hipóxica.

d. Principais cuidados e complicações


Hipoventilação, hipotensão, hipotermia são intercorrências comuns que devem
ser evitadas.
Monitoração: Reflexos pupilares e oculares não são fidedignos em suínos.
Hipertermia maligna: causada por anomalia genética (gene HyH1). Está presente
em outras espécies, mas é mais características de suínos.
o Causa deterioração de músculos estriados: Síndrome Soft Watery Pork ou
PSE
o Raças com maior incidência: Pietran, Landrace, Large White, Hampshire.
Ocorre principalmente em suínos com maior proporção de músculos em
relação à superfície corporal e animais de crescimento rápido.
o Raça com menor incidência: Duroc
o O aparecimento dos sinais clínicos depende do protocolo utilizado. O uso de
barbitúricos e fenotiazínicos retardam o aparecimento dos sinais

232
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

o Sinais: aumento de FC, FR, ETCO2, rigidez muscular, hipertermia


o Prevenção e tratamento: Administração de Dantrium (2-5mg/kg) 8h antes
da cirurgia, imediatamente antes e após o procedimento. É relaxante
muscular e antipirético. Fazer o tratamento sintomático e interrupção da
anestesia inalatória. O uso de tiopental, propofol, peridural reduz a
incidência, mas também podem desencadear a hipertermia

Figura 2. Fisiopatogenia da hipertermia maligna.

e. Bloqueios locorregionais
Anestesia peridural: corrigir o peso pelo excesso de gordura

4. RECUPERAÇÃO
Optar por recuperar os animais em ambiente tranquilo, com temperatura
amena, separado de outros animais e sob monitoração pelo maior período de tempo
possível.

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ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

PRINCÍPIOS BÁSICOS DA COMUNICAÇÃO COM


PACIENTES/TUTORES

1. COMO NOS COMUNICAMOS?


A comunicação entre médicos veterinários e tutores merece atenção especial. É
preciso que nos atentemos a tudo que está sendo comunicado, e de que forma. Para
isso, vamos compreender alguns conceitos primeiro.
A comunicação humana pode ser, de modo geral, verbal e não-verbal. A maioria
dos estudos nesta área indica que a maior parte da nossa comunicação está na
comunicação não-verbal. Na realidade, a comunicação verbal - as palavras que dizemos
- representa 7% de tudo que transmitimos.
E como estamos comunicando os outros 93%? Através de gestos, expressões
faciais, olhar, posicionamento de corpo e rosto, tom de voz, aparência, contato visual e
físico, por exemplo. Seguindo este raciocínio, podemos dizer, portanto, que a
imobilidade ou silêncio absolutos são também formas de comunicação. Ainda nesta
linha, até o ambiente no qual você se apresenta pode interferir na percepção geral do
outro.
Normalmente fazemos a leitura deste conjunto de sinais automaticamente, e é
por isso que devemos nos atentar ao que nosso corpo está dizendo e se está de acordo
com nossos objetivos de comunicação. Além disso, a forma que falamos faz toda a
diferença no impacto com que o outro recebe nossa mensagem. Por exemplo: vamos
transmitir notícias difíceis. Nosso olhar, expressões faciais, posição do corpo e modo de
caminhar podem transmitir nervosismo e podem ser percebidos à distância, mesmo
antes que digamos uma só palavra. Isto pode deixar o receptor da mensagem nervoso
de antemão e dificultar ainda mais o gerenciamento da situação. Se, somado a tudo isso,
falamos de forma agressiva ou apreensiva, o comportamento do receptor pode ser
acentuado por conta disso.
A boa notícia é que não é só o médico que comunica de forma não-verbal. Ao
observar um tutor na sala de espera, por exemplo, você pode ver que ele se senta
relaxadamente ou que está inquieto; que tem suas mãos calmas repousando na cadeira,
ou roe suas unhas ou “brinca” com algum objeto. Esta análise é muito importante à
medida que você prepara sua comunicação verbal e não-verbal para ter sucesso na
conversa e impactá-lo o menos possível.
Acompanhar os microssinais do outro durante uma conversa também é uma boa
dica para direcionar sua fala. Através desses sinais podemos saber que tipo de
sentimento ele experiencia naquele momento ou a que tipo de discurso ele responde
melhor: informações e dados diretos ou um tom mais acolhedor.

234
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

E a empatia? Deve entrar na lista de pontos de atenção? Sim, sua habilidade em


se conectar com a experiência do outro, de se colocar em seu lugar e sair da posição de
veterinário por um instante permite que você determine qual a melhor forma de se
comunicar com a pessoa, desde os gestos até a escolha de palavras. Isto permitirá que
o outro entenda e aceite melhor o que é dito.

Finalidades da comunicação verbal:


• Expressão: ajudar o outro se expressar
• Clarificação: deixar claro o que está acontecendo e o que vai acontecer.
• Validação: validar a compreensão. O outro pode não necessariamente
compreender o que é dito de primeira, especialmente se ele não estiver
emocionalmente bem.

Finalidades da comunicação não verbal:


• Complementar a comunicação verbal
• Contradizer o verbal
• Substituir o verbal
• Demonstrar sentimentos

Tipos de comunicação não verbal


• Paraverbal: forma como fala. Pessoas entendem diferente dependendo do tom.
O silêncio também é comunicação.
• Cinésica: postura corporal diante das pessoas. Você agrega (aproxima) ou afasta
as pessoas? O olhar no olho é fundamental.
• Proxêmica: distância que você mantém das pessoas. Varia com o contexto,
sentimentos, intimidade.
• Tacêsica: maneira como você toca as pessoas, local que toca, como você toca. Na
forma de tocar, o limite é sempre o outro, o quanto o outro aceita. O toque é
uma expressão de cuidado.
• Características físicas: a tendência é julgar as pessoas pela forma física. Se não
tiver consciência disso, o julgamento atrapalha e reduz as pessoas a uma forma.

235
ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA 2021

2. A COMUNICAÇÃO VETERINÁRIO/TUTOR
Agora que já conhecemos melhor nossa forma de comunicação, vamos lembrar
das diretrizes da comunicação entre o médico veterinário e o tutor.
• Um médico pode estabelecer contato com o tutor, mas todas as decisões são
uma somatória de um trabalho em equipe de internação.
• Dimensão diagnóstica: O diagnóstico direciona ações e relações com o objetivo
de preservar a vida. Deixar o tutor perfeitamente ciente do status do paciente é
importante.
• Dimensão afetiva: O momento do animal doente já é difícil, e não devemos
aumentar a tensão mais ainda. O médico deve ser o facilitador e respeitar o
vínculo emocional entre tutor e o animal;
• Dimensão ético-religiosa: quais os motivos da ação e da escolha da profissão?
Como eu posso ser útil para o paciente e para o tutor? O que o profissional quer
fazer é que o paciente precisa que seja feito? O desafio da comunicação é aliar o
afetivo ao efetivo.
• Tempo: É importante dar tempo (e condições) para as pessoas dizerem
“desculpe”, “obrigado” e “adeus”.
• Saber ouvir: Sempre que possível, atender as necessidades do tutor facilita o
processo. Além disso, o acolhimento passa também por esclarecer eventuais
dúvidas que ele possa ter.
• Orientar: a assertividade na comunicação de instruções de cuidado é importante.
Ter paciência, não supor que o tutor conhece todos os passos e corrigir eventuais
conceitos equivocados são boas dicas para garantir uma boa experiência.

O sucesso da comunicação resultará uma relação leve e de confiança por parte


do tutor.

3. REFERÊNCIAS
Castro, R. K. F. C., Silva, M. J. P. S. Influências do comportamento comunicativo
não-verbal do docente em sala de aula - visão dos docentes de enfermagem. Rev. esc.
enferm. USP vol.35 no.4 São Paulo. Dec. 2001
Araujo, M. M. T. Construção e avaliação de um programa de treinamento em
comunicação interpessoal para a equipe interdisciplinar de cuidados paliativos. São
Paulo, 2011
Puggina, A. C. G. Análise das respostas vitais, faciais e de tônus muscular frente
ao estímulo música ou mensagem em pacientes em coma, estado vegetativo ou sedado.
São Paulo, 2011
Guglielmi, Anna. A linguagem secreta do corpo. Rio de Janeiro, 2013.

236
OBRIGADO!
CONTE SEMPRE CONOSCO!

PAV É PAV!

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