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Introdução

U m livro denominado de ABC, como as próprias letras indicam, visa


ser o ponto inicial e básico de um aprendizado. Desta forma, o
ABC do Girafês fala sobre as primeiras noções sobre o tema Comunicação
Não Violenta (CNV), e como é possível colocá-las em prática em nossas relações
diárias.
Minhas primeiras percepções a respeito da CNV vieram por meio do livro
Curar, do neuropsiquiatra David Servan-Schreiber. Nele, David nos diz que, para
vivermos com saúde, precisamos aprender a gerenciar conflitos e enriquecer os
relacionamentos, e que aprender a ser um comunicador emocional mais eficaz –
por meio da comunicação assertiva não violenta – é um modo direto e poderoso
de agregar mais equilíbrio aos nossos relacionamentos, e que é importante
encontrar meios mais efetivos de nos comunicar.
Em Curar, o Dr. David faz referência ao psicólogo Dr. Marshall Rosenberg,
citando-o como um mestre da verdadeira comunicação emocional. Por essas sin-
cronicidades que a vida oferece, tive a possibilidade de vê-lo falar no Fórum Social
Mundial, realizado em Porto Alegre, em 2005. Na ocasião, Marshall estaria reali-
zando cursos e palestras sobre Justiça Restaurativa e Comunicação Não violenta.
Não há como descrever a alegria de estar frente a frente com Marshall, uma
pessoa ímpar, que percorreu o mundo levando a mensagem da não violência e
pacificando conflitos nos lugares mais inóspitos, e que agora estava li, na minha
frente, transmitindo ensinamentos preciosos para a vida de todos nós.
Na ocasião, perguntei como ele havia iniciado este trabalho de CNV, e fui
premiado com o seguinte depoimento.
O que iniciou a curiosidade em desenvolver esse trabalho foi a valiosa
oportunidade que eu tive no início de minha vida. Eu cresci numa cidade
que recentemente foi declarada a mais violenta dos EUA, Detroit. Eu cresci
no bairro mais violento dessa cidade. Foi uma experiência de aprendizado
fantástica. O que eu aprendi? Eu aprendi que a cor da sua pele pode ser um
estímulo para a violência. Logo depois que nos mudamos para esse bairro,
aconteceu uma revolta entre raças. Muitas pessoas foram mortas naquele
dia no nosso bairro; foi necessário tirar tropas da guerra do Vietnã para
conter a violência e policiar esse bairro. Foi uma experiência de aprendi-
zado maravilhosa. Descobri que as pessoas podem ser estimuladas pela cor
da pele a cometerem atos violentos.
Quando eu fui para a escola, aprendi outra coisa. Quando o professor leu
meu nome, checando a presença de todos, os colegas da escola queriam
me agredir por causa do meu último nome [Rosenberg é um nome ju-
deu]. Para um menino de oito anos, não é uma forma poderosa de apren-
der? Aprender tão cedo que seu nome e a cor da sua pele podem ser estí-
mulos à violência?
Isso instigou minha curiosidade e norteou o meu futuro trabalho. Eu fica-
va me perguntando: “O que é que acontece com as pessoas para fazer com
que elas ajam de forma violenta?’” porque, simultaneamente, eu estava
tendo outra experiência de aprendizado, que me mostrava que ser violen-
to não era inerente à natureza humana.
Toda noite, um tio ia à minha casa para ajudar a cuidar da minha avó.
Ela era paralítica. E durante o tempo que ele estava cuidando e limpando
o corpo dela, ele ficava sorrindo, parecia uma criança recebendo um pre-
sente de Papai Noel. Então, fora de casa, eu estava vendo as pessoas na
rua machucando umas as outras, por causa da cor da pele e de seus no-
mes, e na minha casa estava vendo o meu tio cuidando alegremente da
minha avó.
Marshall olha atentamente para mim e indaga: “Se você estivesse na minha
situação, você não iria se perguntar: Como é que algumas pessoas sentem alegria
por contribuir para o bem-estar, e outras sentem alegria pelo sofrimento dos ou-
tros?”. Confesso que naquele momento eu não estava preparado para responder a
essa complexa questão. E ele segue dizendo: “A partir dessa experiência, eu desen-
volvi o que chamamos hoje de CNV. Queria aprender o máximo sobre isso e compar-
tilhar com os outros”.
Os estudos sobre a CNV se aprofundaram na década de 1970, quando o go-
verno americano, preocupado com a violência na cidade de Detroit, solicitou que
um grupo de especialistas, entre eles o Dr. Marshall Rosenberg, fizesse um diag-
nóstico a respeito das causas da violência. A principal conclusão obtida foi de que
a violência surge pelo uso sistemático da linguagem, uma forma de comunicação
que castiga, pune, coage, humilha, ameaça, julga, critica e rotula.
De acordo com os estudos do psicólogo Piñuel (2008), atualmente somos
tão violentos ou quem sabe mais do que antigamente, porém nossa maneira de
expressar a violência tornou-se, aparentemente, mais sociável ou respeitável. A
era das guerras e da violência física direta tem dado lugar à era da violência psi-
cológica, que é servida diariamente nos canais de comunicação em meio a uma
sociedade hipnotizada pela mentira fundamental de que a violência psicológica é
menos prejudicial do que a física. Para Piñuel, a violência psicológica baseia-se na
exclusão, na estigmatização ou na violência verbal. Mesmo sendo algo tão imate-
rial e invisível, a violência psicológica produz feridas profundas na alma humana,
podendo, inclusive, levar as pessoas a estados graves de depressão, transtorno de
ansiedade, ataques de pânico e, não raras vezes, ao suicídio. A violência psicológi-
ca é a tônica das relações sociais da atualidade.
No ano de 2010, a deputada estadual Luiza Maia (PT-BA) elaborou um
projeto de lei que vai ao encontro das pesquisas de Rosenberg. Maia propôs aca-
bar com letras maliciosas que denigrem a imagem da mulher. O projeto prevê a
proibição de financiamento público para artistas que incentivem violência con-
tra mulheres. Questionado sobre o projeto, Mário Brasil, vocalista da banda “O
Troco”, disse o que acha. “Na realidade, eu respeito a opinião da deputada, mas eu
acho que tem coisa mais importante para os governantes tomarem conta, tipo, por
que não um projeto de lei para aumentar os salários dos professores?”, questiona.
Lamentavelmente, essa não é uma opinião isolada, onde não se considera ofensi-
vo o uso de palavras que violentam a dignidade da mulher. “Você não vale nada,
mas eu gosto de você” é uma música cantada com a ideia despretensiosa de diver-
são e brincadeira, mas isso é um engano. Há muita violência escondida nessa e em
outras músicas do mesmo estilo.

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Sabemos que um projeto de lei ajuda, mas não resolve a violência. É preciso
criar um antídoto para ela. Isso não poderá ser feito combatendo a violência, mas
mostrando outro paradigma que faça com que a violência se torne obsoleta. Para
isso, seria preciso desenvolver uma metodologia de linguagem que fosse baseada
na cooperação e nas ações compassivas, de mútuo respeito e solidária. Foi o que
fizeram Marshall Rosenberg, Thomas Gordon, Claude Steiner, Philip Zimbardo,
John Gottman, Haim Ginott, Carl Rogers e tantos outros.
A girafa que você vê na capa é um símbolo idealizado por Rosenberg, para
representar simbolicamente o nosso viver compassivo e não violento, e que, para
existir dentro desse preceito, faz-se necessário ter um grande coração, tal como
o da girafa, o mamífero terrestre que tem o maior coração – aproximadamente
43 vezes maior que o do ser humano –, e um coração grande é generoso, gentil e
empático.
Assim, a ideia de elaborar o ABC do Girafês surgiu depois de eu ter parti-
cipado desses encontros em Porto Alegre. Enquanto Marshall explicava os fun-
damentos da CNV, um filme passava em minha mente. A cada explicação, cenas
do meu cotidiano eram projetadas pelas lentes da percepção, mostrando-me os
momentos em que usei críticas, rótulos e uma variedade de julgamentos, quando
conscientemente essa não era minha intenção.
Aprendi que somos, na maioria das vezes, cegos para as nossas ações vio-
lentas, muitas delas sutis, com manipulações, fingimentos, mentiras, ameaças, e
que só nos damos conta do nosso comportamento violento depois que o confli-
to está instalado, depois que a outra pessoa mostra resistência à nossa coação.
Igualmente descobri que somos rápidos em fazer juízos a respeito do compor-
tamento violento do outro com uma clareza espantosa. Julgamos, condenamos,
punimos, muitas vezes sem sair do conforto da poltrona de casa.
Mas aprendi também que os seres humanos apreciam contribuir para o
bem-estar dos outros. Motivado por essa satisfação, dediquei-me a elaborar este
livro, para que fosse mais uma voz a favor da não violência e da pacificação das
relações humanas.
Os conflitos diários entre as pessoas e nações demonstram que há um lon-
go caminho a ser percorrido para conseguirmos viver em paz. Carentes do apren-
dizado emocional, nós temos dificuldade em lidar com os inúmeros conflitos que
surgem em nossa vida diária, e quando buscamos resolvê-los, parece ser mais
fácil usar o “tudo ou nada”, isto é, “se não for do meu jeito, do outro que não será”,
do que por intermédio do diálogo emocionalmente eficaz, que satisfaça ambas as
partes.
Ao longo dos inúmeros séculos que nos antecederam, a humanidade foi en-
sinada a valorizar a violência, a se divertir com a violência e a saboreá-la, como
acontecia nos jogos das arenas romanas. Criaram-se heróis que vingam o seu
povo, homens fortes com poderes extrafísicos, cujos discursos eram defender os
fracos e oprimidos, mesmo que à custa de muitas vidas.
Parece incrível imaginar isso, mas lamentavelmente vivemos numa socie-
dade em que a violência é mais falada que o amor. Como diz Eckhart Tolle, se você
não estivesse familiarizado com nossa civilização contemporânea, caso tivesse

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acabado de chegar de outra época ou de outro planeta, uma das coisas que mais
o impressionaria seria constatar que milhões de pessoas adoram ver seres hu-
manos matar e infligir dor uns aos outros, e chamam isso de “entretenimento”. E
ainda pagam para ter essa diversão. Por que os filmes e esportes violentos atraem
um público tão grande? Existe toda uma indústria envolvida nessa questão, e uma
boa parte alimenta o vício humano da infelicidade. Obviamente, as pessoas as-
sistem a esses espetáculos porque querem se sentir mal, e dizem que isso é bom
(Tolle, 2007).
A violência de qualquer natureza é um processo de homicídio, que perverte
radicalmente toda a relação com o outro, e o despertar para a não violência se
faz através da tomada de consciência de uma realidade radicalmente contrária às
exigências da razão, isto é, do poder e do controle (Muller, 1988).
Nas palestras que tenho realizado, às vezes pergunto para as pessoas se
elas já ouviram falar de não violência. Para minha surpresa, muitos respondem
negativamente, ou, se ouviram, não prestaram muita atenção ao seu significado.
Provavelmente demonstram estranheza com a expressão “não violenta” porque
não se veem usando uma fala “violenta”. Talvez esteja aí a dificuldade das pessoas
em mudar de um comportamento violento para um não violento, porque desco-
nhecem os ensinamentos, e portanto ficam sem recursos para o aprendizado.
É de pleno entendimento dos especialistas, estudiosos das emoções, que
a maioria dos indivíduos é “analfabeta emocional”, e para sair desse estado de
desconhecimento será preciso aprender, por exemplo, o que faz surgir o medo
e a raiva em nós; como podemos lidar com as emoções destrutivas e agir com
empatia; como expressar a raiva sem ofender; como usar as palavras de forma a
esclarecer e a não perturbar; como agir sem violência e evitar ser reativo, mesmo
diante de um tratamento agressivo; e como reconhecer em nós e nas outras pes-
soas as necessidades, as emoções e os sentimentos. O Girafês visa dar o caminho
para encontrar essas respostas.
Além disso, ele tem um objetivo ousado: a erradicação das injustiças e das
opressões, despertar um desejo profundo de as pessoas viverem em uma socie-
dade acolhedora, com dignidade, e que consigam relacionar-se em total confiança
e mútua aceitação.
É um livro escrito com o intuito de estimular você, caro leitor, a compre-
ender as atitudes violentas que pairam em nossa cultura, além de incentivá-lo a
resistir à tentação de fazer uso dela, por menor que seja, praticando um modo de
agir por meio da não violência, reconhecendo que é possível vivermos verdadei-
ramente a paz e em paz. Sua prática pode ser apenas uma gota no oceano, mas não
será qualquer gota, será uma gota de humanidade.
Assim, para saímos da roda infernal dos arrependimentos, violência, brigas
e desentendimentos, o Girafês vem nos indicar caminhos, a fim de que sejamos
capazes de comunicar aquilo que nos inquieta, nos deixa irritados ou raivosos,
tristes ou frustrados, usando uma linguagem emocional e sentimentalmente efi-
caz, de maneira a tornar nossas relações energizadas, cheias de vida, geradora de
vínculos, que é bem diferente do jeito habitual que temos aprendido.

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A comunicação proposta pelo Girafês é feita por meio da plena consciência.
Uma ação meditada, raciocinada, coerente, uma verdade com afeto. Desta forma,
não incorremos em situações embaraçosas, nem cairemos em constrangedoras
desculpas: “Eu não queria ter dito isso” ou “Não era minha intenção agir assim”.
Por outro lado, tenho escutado das pessoas que estão colocando em prática
os ensinamentos do Girafês, o quanto é fácil entendê-los; “É tão óbvio” – falam.
“Mas... como é difícil colocá-los em prática.” – concluem assustadas. Ao ouvi-las,
busco incentivá-las a persistir no aprendizado. A dificuldade inicial é natural, por-
que temos absorvidos e fixados em nossos cérebros padrões de comportamento
que têm como legado o patriarcado, uma cultura difundida no mundo ocidental
que valoriza a guerra, a competição, o poder, a luta e o uso de uma linguagem fun-
damentada na separação – certo/errado; bonito/feio; bom/mal, estruturada no
controle, na dominação e na autoridade. Por isso, limpar esses conceitos do nosso
cérebro exige disciplina e persistência.
Ninguém pode pensar que a não violência é fácil, explica o mediador de
conflitos Adam Curle. Ela vai contra todos os hábitos convencionais da mente
para amar nosso inimigo, distinguir as más ações daqueles que as cometem, para
dissolver o ressentimento e renunciar à vingança, num amor todo-inclusivo. Mas
atitudes de violência são simplesmente maus hábitos superpostos a uma mente
que é eterna e universal. Fundamentalmente, a doutrina da não violência é mais
natural que o sóbrio ensinamento de vingança e retribuição (Rivers, 2005).
A prática do Girafês ganha ainda mais importância quando observamos os
escritos do psicólogo e pesquisador Daniel Goleman (1999), relatados em seu li-
vro Trabalhando com a Inteligência Emocional. Segundo ele, o QI (Coeficiente de
Inteligência), por si só, explica pouco das realizações no trabalho e na vida. Ele nos
diz que, quando os resultados dos testes de QI são correlacionados com o êxito que
as pessoas alcançam em suas carreiras, a estimativa mais alta de quanto isso se
deve ao QI é em torno de 25%. Entretanto, uma análise mais cuidadosa indica que
a cifra mais precisa pode não ser superior a 10%, e que talvez fique em apenas 4%.
Segundo suas investigações, as pessoas que desenvolveram as capacida-
des de inteligência emocional têm cerca de quatro vezes mais chances de êxito
profissional, familiar e pessoal. Assim, não são as notas que definem o êxito, mas
sim as habilidades emocionais. Nas organizações, por exemplo, as pessoas são
contratadas pelo currículo, mas na quase totalidade das vezes elas são demitidas
pela inabilidade emocional, por dificuldade em criar vínculos, pelo uso violento
da comunicação com seus pares, pela fofoca, intriga e desinteresse. Da mesma
forma, gerentes e diretores “mandam” embora os seus funcionários por não sa-
berem lidar com os conflitos e as situações emocionais com respeito e eficiência
(Goleman, 1999).
Por fim, o ABC do Girafês tem como objetivo final ser um agente potencia-
lizador para a erradicação da violência, contribuindo para um mundo evoluído e
repleto de amor.
Assim, desejo a você uma motivadora leitura e excelentes práticas!

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Comunicação Não Violenta

O enunciado acima e a descrição abaixo envolvem dois aspectos importan-


tes do Girafês: a Comunicação e a Não Violência. É o que veremos a seguir.

Comunicação

A comunicação está no centro das nossas práticas sociais. Ela está pre-
sente nas 24 horas do dia, agindo ininterruptamente. Se não estamos
nos comunicando com as pessoas, estamos em conversas internas com
os nossos pensamentos e ideias. Mesmo dormindo, os sonhos são também comu-
nicações.
Assim, não há como não comunicar. Uma pessoa pergunta para a outra:
“O que aconteceu?” “Nada! Tá tudo bem!” “Como? Estou vendo na tua cara que
você não está bem”. A pessoa que responde imagina que, de fato, está transmitido
a informação corporal de que está tudo bem, pensando que está apenas comuni-
cando consigo mesma, e não para fora, mas ela está enganada.
O psicólogo Paul Ekman (2011), que durante 40 anos da sua vida, dedicou-
-se a decifrar as microexpressões faciais e a estudar as emoções, descobriu que a
face é capaz de fazer dez mil expressões. Elas estão acontecendo em nosso rosto
o tempo todo, sem que a gente perceba. Assim, as afinidades e as rejeições podem
derivar das expressões faciais. Não conseguimos ver a nós mesmos – senão por
meio de um espelho, e ainda assim nos olhamos invertido –, mas as pessoas à
nossa volta detectam a expressão. Podemos mostrar aversão na face sem ter cons-
ciência disso, achando que a repulsa está somente na nossa mente.
Frequentemente se pensa na comunicação apenas como o ato de falar.
Como vivemos numa cultura que valoriza a palavra, esquecemos que o todo corpo
fala, por meio do comportamento não verbal. Assim, cada gesto, expressão, atitu-
de, o silêncio, a imobilidade, o movimento das sobracelhas, da boca, da inclinação
do pescoço etc., tudo em nós comunica. Transmitimos a raiva e a irritação sem
dizer uma palavra sequer. Muitos conflitos, alguns violentos, surgem sem que se
diga uma só palavra. “Ele me olhou de um jeito ameaçador”, “Eu não disse nada.
Foi violência gratuita”. Por isso, se quisermos praticar a não violência, precisare-
mos levar em consideração que a comunicação não verbal é uma fonte importante
para o surgimento e potencialização da violência.
A comunicação não verbal tem um peso considerável na interação pessoal, e
estudos indicam que ela representa 93% (expressão corporal, facial, tom de voz
etc.), e que a palavra, apenas 7%. Entretanto, estes percentuais não são precisos,
pois irão depender da cultura em que se vive. Porém, o que se caracteriza nesses
estudos é que a linguagem não verbal é dominante na comunicação.
Outro dia, assistindo a um jogo de futebol, percebi que a atitude de um joga-
dor dentro de campo foi capaz de potencializar a ira e o ódio dos torcedores. Basta
o goleiro não conseguir alcançar a bola em meio a um cruzamento que as explo-
sões de violência irrompem nas massas de torcedores. Tanto o goleiro quanto os
defensores não falaram uma única palavra, enquanto olhavam a bola entrando no
gol, mas a ação deles foi vista como um ato de incompetência, fator determinante
para dar vazão à hostilidade.
Segundo o psicólogo Paul Watzlawick (1967), pioineiro em terapia familiar
e um dos mais notáveis teóricos da comunicação, é impossível não comunicar.
Para ele, todo o comportamento é uma forma de comunicação. Como não existe
forma contrária ao comportamento (“não comportamento” ou “anticomporta-
mento”), também não existe “não comunicação”.
Atividade ou inatividade, palavras ou silêncio, tudo possui valor de men-
sagem; influenciam outros, e esses outros, por sua vez, não podem responder a
essas comunicações e, portanto, também estão comunicando. Deve ficar clara-
mente entendido que a mera ausência de palavras ou o apenas observar não se
constituem exceção ao que acabamos de dizer (Watzlawisck, 1967).
Ainda que a palavra tenha um percentual pequeno no âmbito da comunica-
ção, na sociedade contemporânea ela é de vital importância. Da mesma forma que
a proporção de sal ou de pimenta numa comida é mínima em relação aos outros
ingredientes, um pouquinho mais de sal ou de pimenta faz grande diferença no
sabor (Ribeiro, 1999).
Ouço com frequência as pessoas falarem: “Uma palavra dói mais do que um
tapa na cara.” No meu entender, isso não procede, pois ambos têm efeitos danosos
para as relações. Por outro lado, dizer que as palavras machucam faz sentido, isso
porque linguagem tem a ver com o toque. Cada vez que falamos algo, tocamos o
outro. Não os tocamos com os dedos, mas com ondas sonoras que desencadeiam
no outro mudanças estruturais nos hormônios e na fisiologia. As metáforas que
usamos em nossos discursos são todas tácteis: “palavras suaves”, “palavras ma-
cias”, “palavras ásperas”, “palavras duras”, “seu discurso me tocou”. As que se refe-
rem ao conteúdo são visuais: “foi transparente”, “brilhante”, “lúcido”, “claro”. Que
diferença interessante! Essa diferença não é trivial, e não é trivial porque, efeti-
vamente, com as palavras nós tocamos os outros. As palavras constituem encon-
tros que desencadeiam mudanças estruturais em nós e mudam nossa fisiologia
(Maturana, 1997). As palavras doces mudam nossos hormônios, nossa fisiologia,
porque nos sentimos acariciados por elas. Da mesma forma que palavras amar-
gas também provocam mudanças, porém nos sentimos machucados, arranhados
internamente. Pude perceber isso quando escutei de uma senhora: “Aquelas pala-
vras que ele me falou doeram tanto em mim. Era como se tivesse dado uma facada
no meu peito!”.
É desses encontros por meio das palavras que o ABC do Girafês vai focar
sua atenção. Entretanto, para aqueles que desejam saber emoções e microex-
pressões, sugiro o livro de Paul Ekman, A linguagem das emoções, da Editora
Leya Brasil, 2011.

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Não Violência

O professor pacifista Dr. Jean-Marrie Muller diz que a cultura da não


violência é mais difícil de conseguir porque requer de cada um de
nós mais atenção e maiores cuidados do que a violência. Leva mui-
to tempo para que os deliciosos e vivificantes frutos da não violência cresçam
e amadureçam, muito mais do que os frutos amargos e mortais da violência
(Muller, 2002).
Segue ele dizendo que, quando nós, como humanos, percebemos a desuma-
nidade da violência, seu absurdo e falta de sentindo, descobrimos nossa sede por
não violência. A cultura da não violência é a expressão de nosso caráter humano,
que não pode ser negado. Ela é a condição necessária para nosso encontro uns
com os outros como irmãos e irmãs.
Não há como escrever sobre não violência e deixar de referir-se a Gandhi.
Ele incorporou a não violência com tanta profundidade em seu ser que tendemos
a imaginar que foi ele quem a criou. Entretanto, Gandhi ressaltava que não a tinha
“inventado”, argumentava que ela era tão velha quanto as montanhas. Ela tem
raízes nas mais antigas tradições religiosas, espirituais, filosóficas e sapienciais
que constituem o patrimônio universal da humanidade. Gandhi reivindicou expli-
citamente a herança dos grandes sábios que o precederam na busca da verdade.
No entanto, seu aporte é essencial na compreensão da não violência. Existe um
antes e um pós-Gandhi na reflexão filosófica do princípio da não violência que
fundamenta a humanidade do homem, e na experimentação política dos métodos
de ação não violenta que permitem a resolução pacífica dos conflitos.
A prática do Girafês nos conecta diretamente com as ideias de Gandhi, que
foi buscar no dialeto sânscrito a expressão Ahimsa (pronuncia-se “arrinsa”) para
fundamentar o seu método compassivo.
Ahimsa é formada pelo prefixo negativo “a”, e por “himsa”, que significa o
desejo de fazer mal, de violentar um ser vivo. A Ahimsa é assim a ausência de qual-
quer desejo de violência, porém não se refere unicamente a não matar, senão que
implica uma abstinência absoluta de causar qualquer dor física ou emocional a
qualquer ser vivo, seja por pensamento, palavras ou ação. A não violência requer
uma mente, uma boca e mãos pacíficas, inofensivas.
A palavra sânscrita Ahimsa usada no Oriente tem uma semelhança com a
palavra latina inocência, empregada no lado ocidental do planeta. Derivada dos
étimos in “não” + nocere, “fazer mal, prejudicar”, inocência é o valor humano pra-
ticado pelas pessoas que não causam danos a ninguém, nem a si mesmas.
Assim como muitas palavras que usamos em nosso cotidiano tiveram seu
significado desvirtuado, o mesmo ocorreu com a palavra inocência. O que era
para ser uma virtude de alguém incapaz de praticar o mal virou sinônimo de in-
genuidade excessiva e ignorância. “Coitado dele, é tão inocente!” – diz a pessoa,
zombando da atitude da outra.

ABC do Girafês 15
Se alguém quer dar um sentido para a sua vida, a meta espiritual a seguir
é conseguir chegar o mais perto possível da inocência. Precisamos acreditar que
violência atrai violência e que inocência atrai cooperação. Na música “Índios”, da
banda Legião Urbana, Renato Russo canta um trecho que diz assim: “...não ser
atacado por ser inocente”. Pelas minhas observações, percebi que as pessoas ino-
centes têm muito menos probabilidade de serem atacadas do que aqueles que
abrigam dentro de si conteúdos violentos.
É importante ressaltar que a não violência não é um recurso, um meio, um
instrumento que se pega na caixa de ferramentas e de que se pode dispor quando
precisar pelo surgimento de um conflito, ainda que isso possa ser válido, ela será
apenas uma técnica. A não violência é o caminho, não uma estratégia. Para ser
efetiva, ela precisa ser uma atitude de vida. O desejo profundo de não causar dano
deve ser o guia da nossa jornada.

Formas sutis de Ahimsa

O líder espiritual hindu Swami Sivananda diz que a não violência ou a


Ahimsa envolve muito mais do que não maltratar qualquer ser vivo fi-
sicamente. Para ele, esta é a forma mais densa de Ahimsa, e que existem
maneiras mais sutis e tão perigosas quanto ferir ou matar alguém. Ele nos alerta
dizendo que o voto da não violência é quebrado ao entretermos pensamentos de
desagrado sobre alguém, ao ridicularizar alguém, ao odiar alguém, ao abusar de
alguém, ao falar mal dos outros, ao falar pelas costas, ao trazer pensamentos de
ódio, ao mentir, ao arruinar a vida de alguém seja de que forma for. Ele esclare-
ce que todo discurso duro e rude é Himsa (violência). Usar palavras duras com
pedintes, empregados ou inferiores é Himsa. Ferir os sentimentos de outros por
gesto, expressão, tom de voz e palavras antipáticas também é Himsa. Mostrar de-
liberadamente descortesia com uma pessoa em frente a outras é Himsa. Aprovar
as ações agressivas de outros é Himsa indireta. [...] Negligenciar alguém que es-
teja aflito é uma forma de Himsa. É o pecado da omissão. Ele concluiu dizendo:
“Evitem expressamente todas as formas de rudeza, direta ou indireta, positiva
ou negativa, imediata ou atrasada. Pratiquem Ahimsa na sua forma mais pura e
tornem-se divinos. Ahimsa e Divindade são uma e a mesma” (Sivananda, 2012).
Ainda que conseguir a divindade na Terra seja extremamente desafiador,
isso não significa que não possamos ser frequentemente divinos. Uma frequên-
cia de três horas hoje sem causar dano a ninguém, daqui a cinco meses já somos
capazes de permanecer por seis e assim sucessivamente, até que um dia nós sere-
mos capazes de viver a plenitude do dia, em completa harmonia e paz.

16 Jéferson Capellari
A violência

Q uando presenciamos atitudes violentas, sejam elas verbais ou físicas,


tendemos a pensar que há violência desde que o mundo existe. Numa
imaginação antropológica, formamos uma ideia mental de que nossos
antepassados passavam o dia guerreando, e que desfrutavam disso como se fosse
um estilo de vida. Daí, possivelmente, deriva o conceito difundido de que carre-
gamos em nossa biologia os genes da violência, como sendo parte natural do ser
humano. Entretanto, como diz o líder pacifista Mahatma Gandhi, “Não devemos
confundir o que é habitual com o que é natural”. A violência é fruto da cultura, não
da natureza. Natural é sermos compassivos, não violentos; antinatural é a violên-
cia, o esbofetear, esmurrar, intimidar, insultar, ironizar, acusar e humilhar.
Antigamente relacionava-se a palavra violência ao uso da força, e o que se
fazia na base dela era considerado uma ação violenta. É por isso que as agressões
físicas, o uso de instrumentos de agressão e ataque, como armas, facas, machados,
paus etc., frequentemente ganham mais destaque quando pensamos na erradica-
ção da violência. As pessoas quando marcham contra a violência exibem cartazes
com desenhos de armas, porque relacionam os crimes e os danos ao uso desses
instrumentos. Eu nunca vi uma passeata contra a violência verbal e não verbal,
quando sabemos que é um aspecto importante para a erradicação da violência.
Longe de ser somente uma ação de força, crueldade e agressão física, a vio-
lência – que é uma conduta passada de geração a geração –, é também a tentativa
de convencer, de intimidar moralmente alguém, de constranger e tolher a liber-
dade do outro, ou forçá-lo a fazer algo sob qualquer tipo de coação – o que inclui
punições, fazendo-o se sentir culpado ou envergonhado; é o uso ilegal e injusto
de posições de poder; é impedir o direito à justiça e ao que lhe é de direito por
meio da coação, da opressão ou tirania; é a ação verbal e corporal de desprezo e
desdém que determinadas pessoas demonstram ao interagir com outros, as quais
eles consideram de status inferior; é o uso de expressões chulas, maldosas e ca-
pazes de magoar.
Existem violências que são fruto da crueldade, aquelas em que as pessoas
sentem prazer em derramar sangue, causar dor, de fazer o mal, atormentar e mal-
tratar o outro; outras surgem em função da extrema severidade, da intransigência
e intolerância no trato.
A premiação também pode ser um ato violento, sutil é claro, mas violento –
“Mamãe lhe dará um presente se você passar de ano” –, como forma de manipular
os sentimentos. Somando-se a isso, também temos o uso de expressões violentas
não verbais, como uma “cara amarrada”, “um sorriso amarelo”, “um virar as cos-
tas”, “olhar para o relógio mostrando impaciência”.
Toda a violência que se exerce contra alguém, seja uma pessoa ou animal,
fere a dignidade da humanidade como um todo. Assim como disponibilizar ali-
mentos e conforto aos mais necessitados eleva a nossa condição humana, sem-
pre que um ato violento é praticado, em qualquer parte do planeta, sentimos dor,

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pois a nossa humanidade está ferida, machucada. Pela lei de talião, fomos ensina-
dos a usar a prática do “olho por olho, dente por dente”, significando dizer que fo-
mos instruídos a revidar. Ao perceber que estamos sendo criticados ou atacados,
tendemos a sentir raiva e irritabilidade, e nosso impulso primordial é o de reagir.
Quando atacados, podemos nos imaginar isentos de qualquer responsabilidade
pelo que possa vir a seguir: “Ele pediu, vai ter!”. Retribuímos, então, violência com
violência.

Violência impulsiva

M uitos conflitos e desentendimentos surgem em função da violência


impulsiva, uma forma de agir em que a pessoa se enraivece com fa-
cilidade, e responde com agressão para aquilo que ela imagina ser
uma ameaça. A probabilidade de uma ação impulsiva acontecer está diretamente
relacionada com a tensão corporal. Se estivermos estressados, tensos, cansados,
irritados, somos mais suscetíveis a responder sem pensar. Um esbarrão na rua,
uma crítica sobre nosso comportamento, um comentário infeliz vindo de alguém
com quem nos relacionamos muitas vezes se converte em estopim para que o
conflito se intensifique.
Na maior parte das interações sociais, a outra pessoa não teve a intenção de
nos ofender ou quer fazer mal. O problema está no uso de uma comunicação acu-
sativa, crítica. Frequentemente essas pessoas não foram alfabetizadas em uma lin-
guagem que não sentencia e não julga, embora elas tenham a melhor das intenções.
A ninguém agrada ouvir que seu comportamento é inadequado, mesmo
que esta expressão seja feita de forma cuidadosa e gentil. Entretanto, muitos da-
nos são causados nesses momentos, e poderiam ser evitados. Não estou dizendo
que seja fácil. Uma dica para conter o impulso violento vem do monge vietnamita
Thich Nat Han. Ele escreveu o poema Para Aquecer, durante a Guerra do Vietnã,
depois que a cidade de Ben Tre foi bombardeada pela Força Aérea dos Estados
Unidos... A força americana destruiu toda a região pelo simples fato de que lá
havia cinco ou seis guerrilheiros. Mais tarde, um oficial declarou que tivera que
bombardear e destruir Ben Tre para salvar a cidade do comunismo. Diz o poema:

Coloco as mãos no rosto.


Não, não estou chorando.
Coloco as mãos no rosto
para aquecer minha solidão.
Duas mãos que protegem,
duas mãos que alimentam.
Duas mãos que impedem
minha alma de me deixar
com raiva.

18 Jéferson Capellari
Eu estava muito zangado, expressa Thich Nat Han. Não era apenas a mi-
nha raiva, e sim a raiva de uma nação inteira. A raiva é um tipo de energia que
causa sofrimento não somente a nós, como também às pessoas à nossa volta.
Por ser monge, quando fico zangado, me dedico à prática de cuidar da minha
raiva. Não permito que ela cause sofrimento ou me destrua. Se cuidarmos da
nossa raiva e formos capazes de sentir alívio, conseguiremos viver felizes e com
muita alegria.
Com certeza, evitaríamos muitos conflitos se aprendêssemos a controlar
nossos impulsos, reconhecendo conscientemente o momento em que estamos
começando a ficar emotivos e, principalmente, escolher como agir a respeito, en-
quanto o evento se desenrola. É a ideia de reconhecer a fagulha antes da chama,
isto é, aumentar a lacuna entre o impulso e ação, semelhante ao que diz o jargão
popular “pavio looooongo”.
Na língua portuguesa, expressa o conferencista Divaldo Franco, há duas
palavras que se confundem: agir e reagir, só dois verbos. Todos nós costumamos
dizer: “Quando alguém me diz alguma coisa negativa, eu reajo”, e revela que é
um animal, porque reagir é próprio dos animais, é do instinto. Quem pensa não
reage, quem pensa age, toma uma atitude, reflexiona, mede os prós e os contras,
mas aqueles que não raciocinam, imediatamente reagem. Se pisarmos a pata de
um animal, ele escoiceia ou morde. Se pisarmos no pé de um homem, ele deveria
pedir para tirar, mas, às vezes, escoiceia ou morde.
Reagimos impulsivamente porque fomos educados a “não levar desaforo
para casa”. Digo sempre que aprecio o fato de não levarmos as ofensas para casa,
mas colocá-las na primeira lata de lixo que encontrarmos. Uma lata mental, há-
bil em reciclagem emocional. Tenho certeza de que muitos desentendimentos
seriam evitados se tivéssemos este procedimento. Caso não seja possível deixar
passar ou não dar importância para o fato, que possamos buscar a restauração do
conflito depois que a tempestade emocional passar. Outra possibilidade, e a mais
desafiadora de todas, é sermos capazes de agir compassivamente, com calma e
consciência enquanto o evento acontece, e expressar com clareza o que estamos
sentindo, dizendo como tal situação nos afeta emocionalmente.

A violência por defesa da honra

A honra é um sentimento de dignidade própria, de um caráter íntegro


e honesto, em que a pessoa desfruta de um bom conceito junto à so-
ciedade em que vive. Assim, muitos assassinatos, brigas e desentendi-
mentos ocorrem em função da violação da honra. Isto é, quando somos ofendidos,
buscamos uma forma de resistir ao ataque sofrido, e a maneira que escolhemos
nem sempre é a mais eficaz e menos violenta. É muito fácil comunicar uma de-
sonra, basta dizer para a outra pessoa que ela é uma vigarista, trapaceira e que só
pensa em levar vantagens; que é uma pessoa em quem não se pode confiar; que a
mulher com quem ele vive é uma vagabunda, uma prostituta.

ABC do Girafês 19
No seu livro Leviatã, escrito em 1651, Thomas Hobbes, matemático e po-
lítico social, explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana. Em suas
observações, ele dizia que os homens brigam por uma palavra, um sorriso, uma
opinião diferente ou qualquer outro sinal de menosprezo. Isto é tão verdade hoje
como era no século XVII. Desde que se passou a registrar as estatísticas sobre o
crime, a causa mais frequente do homicídio tem sido a discussão. O que os regis-
tros policiais informam é que conflitos e bate-bocas relativamente triviais – in-
sultar, rogar pragas, disputas etc.–, são capazes de provocar danos irreparáveis.
Pequenas discussões, aparentemente insignificantes, podem resultar em morte
(Pinker, 2004). Dois sujeitos, durante um domingo, estão jogando sinuca num bar,
acompanhados de bebidas alcoólicas. Um deles começa a provocar o outro di-
zendo que o time dele só tem “perna de pau”. O outro se sente ofendido e revida:
“e o teu, que contratou este técnico mau-caráter!”. Numa escala ascendente de
raiva, a discussão fica mais acalorada, a conversa entra na seara da família: “Por
que você não vai ver onde tua mulher está agora, aposto que ela está oferecendo
o corpinho dela por aí”. Ao ouvir estas palavras, o outro, agora furioso, se lembra
que tem uma arma escondida embaixo do banco do carro. Ele vai até o veículo,
pega a arma, dirige-se para dentro do bar e atira três vezes contra o companheiro
de sinuca. Pronto, um crime se efetivou. Bobagem? Um crime por nada? Pode ser,
mas a honra estava em jogo.

20 Jéferson Capellari
O
ABC do Girafês tem um objetivo
ousado, a erradicação das injustiças
e das opressões, um desejo profundo
de que as pessoas possam viver
em uma sociedade acolhedora,
com dignidade, e que consigam
relacionar-se em total confiança
e mútua aceitação. É um livro
escrito com o intuito de estimular
você, caro leitor, a compreender as
atitudes violentas que pairam em
nossa cultura, além de incentivá-lo
a resistir à tentação de fazer uso
dela, por menor que seja, praticando
um modo de agir por meio da não
violência, reconhecendo que é
possível vivermos verdadeiramente
a paz e em paz. Sua prática pode ser
apenas uma gota no oceano, mas
não será qualquer gota, será uma
gota de humanidade.

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