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8 Jéferson Capellari
Sabemos que um projeto de lei ajuda, mas não resolve a violência. É preciso
criar um antídoto para ela. Isso não poderá ser feito combatendo a violência, mas
mostrando outro paradigma que faça com que a violência se torne obsoleta. Para
isso, seria preciso desenvolver uma metodologia de linguagem que fosse baseada
na cooperação e nas ações compassivas, de mútuo respeito e solidária. Foi o que
fizeram Marshall Rosenberg, Thomas Gordon, Claude Steiner, Philip Zimbardo,
John Gottman, Haim Ginott, Carl Rogers e tantos outros.
A girafa que você vê na capa é um símbolo idealizado por Rosenberg, para
representar simbolicamente o nosso viver compassivo e não violento, e que, para
existir dentro desse preceito, faz-se necessário ter um grande coração, tal como
o da girafa, o mamífero terrestre que tem o maior coração – aproximadamente
43 vezes maior que o do ser humano –, e um coração grande é generoso, gentil e
empático.
Assim, a ideia de elaborar o ABC do Girafês surgiu depois de eu ter parti-
cipado desses encontros em Porto Alegre. Enquanto Marshall explicava os fun-
damentos da CNV, um filme passava em minha mente. A cada explicação, cenas
do meu cotidiano eram projetadas pelas lentes da percepção, mostrando-me os
momentos em que usei críticas, rótulos e uma variedade de julgamentos, quando
conscientemente essa não era minha intenção.
Aprendi que somos, na maioria das vezes, cegos para as nossas ações vio-
lentas, muitas delas sutis, com manipulações, fingimentos, mentiras, ameaças, e
que só nos damos conta do nosso comportamento violento depois que o confli-
to está instalado, depois que a outra pessoa mostra resistência à nossa coação.
Igualmente descobri que somos rápidos em fazer juízos a respeito do compor-
tamento violento do outro com uma clareza espantosa. Julgamos, condenamos,
punimos, muitas vezes sem sair do conforto da poltrona de casa.
Mas aprendi também que os seres humanos apreciam contribuir para o
bem-estar dos outros. Motivado por essa satisfação, dediquei-me a elaborar este
livro, para que fosse mais uma voz a favor da não violência e da pacificação das
relações humanas.
Os conflitos diários entre as pessoas e nações demonstram que há um lon-
go caminho a ser percorrido para conseguirmos viver em paz. Carentes do apren-
dizado emocional, nós temos dificuldade em lidar com os inúmeros conflitos que
surgem em nossa vida diária, e quando buscamos resolvê-los, parece ser mais
fácil usar o “tudo ou nada”, isto é, “se não for do meu jeito, do outro que não será”,
do que por intermédio do diálogo emocionalmente eficaz, que satisfaça ambas as
partes.
Ao longo dos inúmeros séculos que nos antecederam, a humanidade foi en-
sinada a valorizar a violência, a se divertir com a violência e a saboreá-la, como
acontecia nos jogos das arenas romanas. Criaram-se heróis que vingam o seu
povo, homens fortes com poderes extrafísicos, cujos discursos eram defender os
fracos e oprimidos, mesmo que à custa de muitas vidas.
Parece incrível imaginar isso, mas lamentavelmente vivemos numa socie-
dade em que a violência é mais falada que o amor. Como diz Eckhart Tolle, se você
não estivesse familiarizado com nossa civilização contemporânea, caso tivesse
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acabado de chegar de outra época ou de outro planeta, uma das coisas que mais
o impressionaria seria constatar que milhões de pessoas adoram ver seres hu-
manos matar e infligir dor uns aos outros, e chamam isso de “entretenimento”. E
ainda pagam para ter essa diversão. Por que os filmes e esportes violentos atraem
um público tão grande? Existe toda uma indústria envolvida nessa questão, e uma
boa parte alimenta o vício humano da infelicidade. Obviamente, as pessoas as-
sistem a esses espetáculos porque querem se sentir mal, e dizem que isso é bom
(Tolle, 2007).
A violência de qualquer natureza é um processo de homicídio, que perverte
radicalmente toda a relação com o outro, e o despertar para a não violência se
faz através da tomada de consciência de uma realidade radicalmente contrária às
exigências da razão, isto é, do poder e do controle (Muller, 1988).
Nas palestras que tenho realizado, às vezes pergunto para as pessoas se
elas já ouviram falar de não violência. Para minha surpresa, muitos respondem
negativamente, ou, se ouviram, não prestaram muita atenção ao seu significado.
Provavelmente demonstram estranheza com a expressão “não violenta” porque
não se veem usando uma fala “violenta”. Talvez esteja aí a dificuldade das pessoas
em mudar de um comportamento violento para um não violento, porque desco-
nhecem os ensinamentos, e portanto ficam sem recursos para o aprendizado.
É de pleno entendimento dos especialistas, estudiosos das emoções, que
a maioria dos indivíduos é “analfabeta emocional”, e para sair desse estado de
desconhecimento será preciso aprender, por exemplo, o que faz surgir o medo
e a raiva em nós; como podemos lidar com as emoções destrutivas e agir com
empatia; como expressar a raiva sem ofender; como usar as palavras de forma a
esclarecer e a não perturbar; como agir sem violência e evitar ser reativo, mesmo
diante de um tratamento agressivo; e como reconhecer em nós e nas outras pes-
soas as necessidades, as emoções e os sentimentos. O Girafês visa dar o caminho
para encontrar essas respostas.
Além disso, ele tem um objetivo ousado: a erradicação das injustiças e das
opressões, despertar um desejo profundo de as pessoas viverem em uma socie-
dade acolhedora, com dignidade, e que consigam relacionar-se em total confiança
e mútua aceitação.
É um livro escrito com o intuito de estimular você, caro leitor, a compre-
ender as atitudes violentas que pairam em nossa cultura, além de incentivá-lo a
resistir à tentação de fazer uso dela, por menor que seja, praticando um modo de
agir por meio da não violência, reconhecendo que é possível vivermos verdadei-
ramente a paz e em paz. Sua prática pode ser apenas uma gota no oceano, mas não
será qualquer gota, será uma gota de humanidade.
Assim, para saímos da roda infernal dos arrependimentos, violência, brigas
e desentendimentos, o Girafês vem nos indicar caminhos, a fim de que sejamos
capazes de comunicar aquilo que nos inquieta, nos deixa irritados ou raivosos,
tristes ou frustrados, usando uma linguagem emocional e sentimentalmente efi-
caz, de maneira a tornar nossas relações energizadas, cheias de vida, geradora de
vínculos, que é bem diferente do jeito habitual que temos aprendido.
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A comunicação proposta pelo Girafês é feita por meio da plena consciência.
Uma ação meditada, raciocinada, coerente, uma verdade com afeto. Desta forma,
não incorremos em situações embaraçosas, nem cairemos em constrangedoras
desculpas: “Eu não queria ter dito isso” ou “Não era minha intenção agir assim”.
Por outro lado, tenho escutado das pessoas que estão colocando em prática
os ensinamentos do Girafês, o quanto é fácil entendê-los; “É tão óbvio” – falam.
“Mas... como é difícil colocá-los em prática.” – concluem assustadas. Ao ouvi-las,
busco incentivá-las a persistir no aprendizado. A dificuldade inicial é natural, por-
que temos absorvidos e fixados em nossos cérebros padrões de comportamento
que têm como legado o patriarcado, uma cultura difundida no mundo ocidental
que valoriza a guerra, a competição, o poder, a luta e o uso de uma linguagem fun-
damentada na separação – certo/errado; bonito/feio; bom/mal, estruturada no
controle, na dominação e na autoridade. Por isso, limpar esses conceitos do nosso
cérebro exige disciplina e persistência.
Ninguém pode pensar que a não violência é fácil, explica o mediador de
conflitos Adam Curle. Ela vai contra todos os hábitos convencionais da mente
para amar nosso inimigo, distinguir as más ações daqueles que as cometem, para
dissolver o ressentimento e renunciar à vingança, num amor todo-inclusivo. Mas
atitudes de violência são simplesmente maus hábitos superpostos a uma mente
que é eterna e universal. Fundamentalmente, a doutrina da não violência é mais
natural que o sóbrio ensinamento de vingança e retribuição (Rivers, 2005).
A prática do Girafês ganha ainda mais importância quando observamos os
escritos do psicólogo e pesquisador Daniel Goleman (1999), relatados em seu li-
vro Trabalhando com a Inteligência Emocional. Segundo ele, o QI (Coeficiente de
Inteligência), por si só, explica pouco das realizações no trabalho e na vida. Ele nos
diz que, quando os resultados dos testes de QI são correlacionados com o êxito que
as pessoas alcançam em suas carreiras, a estimativa mais alta de quanto isso se
deve ao QI é em torno de 25%. Entretanto, uma análise mais cuidadosa indica que
a cifra mais precisa pode não ser superior a 10%, e que talvez fique em apenas 4%.
Segundo suas investigações, as pessoas que desenvolveram as capacida-
des de inteligência emocional têm cerca de quatro vezes mais chances de êxito
profissional, familiar e pessoal. Assim, não são as notas que definem o êxito, mas
sim as habilidades emocionais. Nas organizações, por exemplo, as pessoas são
contratadas pelo currículo, mas na quase totalidade das vezes elas são demitidas
pela inabilidade emocional, por dificuldade em criar vínculos, pelo uso violento
da comunicação com seus pares, pela fofoca, intriga e desinteresse. Da mesma
forma, gerentes e diretores “mandam” embora os seus funcionários por não sa-
berem lidar com os conflitos e as situações emocionais com respeito e eficiência
(Goleman, 1999).
Por fim, o ABC do Girafês tem como objetivo final ser um agente potencia-
lizador para a erradicação da violência, contribuindo para um mundo evoluído e
repleto de amor.
Assim, desejo a você uma motivadora leitura e excelentes práticas!
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Comunicação Não Violenta
Comunicação
A comunicação está no centro das nossas práticas sociais. Ela está pre-
sente nas 24 horas do dia, agindo ininterruptamente. Se não estamos
nos comunicando com as pessoas, estamos em conversas internas com
os nossos pensamentos e ideias. Mesmo dormindo, os sonhos são também comu-
nicações.
Assim, não há como não comunicar. Uma pessoa pergunta para a outra:
“O que aconteceu?” “Nada! Tá tudo bem!” “Como? Estou vendo na tua cara que
você não está bem”. A pessoa que responde imagina que, de fato, está transmitido
a informação corporal de que está tudo bem, pensando que está apenas comuni-
cando consigo mesma, e não para fora, mas ela está enganada.
O psicólogo Paul Ekman (2011), que durante 40 anos da sua vida, dedicou-
-se a decifrar as microexpressões faciais e a estudar as emoções, descobriu que a
face é capaz de fazer dez mil expressões. Elas estão acontecendo em nosso rosto
o tempo todo, sem que a gente perceba. Assim, as afinidades e as rejeições podem
derivar das expressões faciais. Não conseguimos ver a nós mesmos – senão por
meio de um espelho, e ainda assim nos olhamos invertido –, mas as pessoas à
nossa volta detectam a expressão. Podemos mostrar aversão na face sem ter cons-
ciência disso, achando que a repulsa está somente na nossa mente.
Frequentemente se pensa na comunicação apenas como o ato de falar.
Como vivemos numa cultura que valoriza a palavra, esquecemos que o todo corpo
fala, por meio do comportamento não verbal. Assim, cada gesto, expressão, atitu-
de, o silêncio, a imobilidade, o movimento das sobracelhas, da boca, da inclinação
do pescoço etc., tudo em nós comunica. Transmitimos a raiva e a irritação sem
dizer uma palavra sequer. Muitos conflitos, alguns violentos, surgem sem que se
diga uma só palavra. “Ele me olhou de um jeito ameaçador”, “Eu não disse nada.
Foi violência gratuita”. Por isso, se quisermos praticar a não violência, precisare-
mos levar em consideração que a comunicação não verbal é uma fonte importante
para o surgimento e potencialização da violência.
A comunicação não verbal tem um peso considerável na interação pessoal, e
estudos indicam que ela representa 93% (expressão corporal, facial, tom de voz
etc.), e que a palavra, apenas 7%. Entretanto, estes percentuais não são precisos,
pois irão depender da cultura em que se vive. Porém, o que se caracteriza nesses
estudos é que a linguagem não verbal é dominante na comunicação.
Outro dia, assistindo a um jogo de futebol, percebi que a atitude de um joga-
dor dentro de campo foi capaz de potencializar a ira e o ódio dos torcedores. Basta
o goleiro não conseguir alcançar a bola em meio a um cruzamento que as explo-
sões de violência irrompem nas massas de torcedores. Tanto o goleiro quanto os
defensores não falaram uma única palavra, enquanto olhavam a bola entrando no
gol, mas a ação deles foi vista como um ato de incompetência, fator determinante
para dar vazão à hostilidade.
Segundo o psicólogo Paul Watzlawick (1967), pioineiro em terapia familiar
e um dos mais notáveis teóricos da comunicação, é impossível não comunicar.
Para ele, todo o comportamento é uma forma de comunicação. Como não existe
forma contrária ao comportamento (“não comportamento” ou “anticomporta-
mento”), também não existe “não comunicação”.
Atividade ou inatividade, palavras ou silêncio, tudo possui valor de men-
sagem; influenciam outros, e esses outros, por sua vez, não podem responder a
essas comunicações e, portanto, também estão comunicando. Deve ficar clara-
mente entendido que a mera ausência de palavras ou o apenas observar não se
constituem exceção ao que acabamos de dizer (Watzlawisck, 1967).
Ainda que a palavra tenha um percentual pequeno no âmbito da comunica-
ção, na sociedade contemporânea ela é de vital importância. Da mesma forma que
a proporção de sal ou de pimenta numa comida é mínima em relação aos outros
ingredientes, um pouquinho mais de sal ou de pimenta faz grande diferença no
sabor (Ribeiro, 1999).
Ouço com frequência as pessoas falarem: “Uma palavra dói mais do que um
tapa na cara.” No meu entender, isso não procede, pois ambos têm efeitos danosos
para as relações. Por outro lado, dizer que as palavras machucam faz sentido, isso
porque linguagem tem a ver com o toque. Cada vez que falamos algo, tocamos o
outro. Não os tocamos com os dedos, mas com ondas sonoras que desencadeiam
no outro mudanças estruturais nos hormônios e na fisiologia. As metáforas que
usamos em nossos discursos são todas tácteis: “palavras suaves”, “palavras ma-
cias”, “palavras ásperas”, “palavras duras”, “seu discurso me tocou”. As que se refe-
rem ao conteúdo são visuais: “foi transparente”, “brilhante”, “lúcido”, “claro”. Que
diferença interessante! Essa diferença não é trivial, e não é trivial porque, efeti-
vamente, com as palavras nós tocamos os outros. As palavras constituem encon-
tros que desencadeiam mudanças estruturais em nós e mudam nossa fisiologia
(Maturana, 1997). As palavras doces mudam nossos hormônios, nossa fisiologia,
porque nos sentimos acariciados por elas. Da mesma forma que palavras amar-
gas também provocam mudanças, porém nos sentimos machucados, arranhados
internamente. Pude perceber isso quando escutei de uma senhora: “Aquelas pala-
vras que ele me falou doeram tanto em mim. Era como se tivesse dado uma facada
no meu peito!”.
É desses encontros por meio das palavras que o ABC do Girafês vai focar
sua atenção. Entretanto, para aqueles que desejam saber emoções e microex-
pressões, sugiro o livro de Paul Ekman, A linguagem das emoções, da Editora
Leya Brasil, 2011.
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Não Violência
ABC do Girafês 15
Se alguém quer dar um sentido para a sua vida, a meta espiritual a seguir
é conseguir chegar o mais perto possível da inocência. Precisamos acreditar que
violência atrai violência e que inocência atrai cooperação. Na música “Índios”, da
banda Legião Urbana, Renato Russo canta um trecho que diz assim: “...não ser
atacado por ser inocente”. Pelas minhas observações, percebi que as pessoas ino-
centes têm muito menos probabilidade de serem atacadas do que aqueles que
abrigam dentro de si conteúdos violentos.
É importante ressaltar que a não violência não é um recurso, um meio, um
instrumento que se pega na caixa de ferramentas e de que se pode dispor quando
precisar pelo surgimento de um conflito, ainda que isso possa ser válido, ela será
apenas uma técnica. A não violência é o caminho, não uma estratégia. Para ser
efetiva, ela precisa ser uma atitude de vida. O desejo profundo de não causar dano
deve ser o guia da nossa jornada.
16 Jéferson Capellari
A violência
ABC do Girafês 17
pois a nossa humanidade está ferida, machucada. Pela lei de talião, fomos ensina-
dos a usar a prática do “olho por olho, dente por dente”, significando dizer que fo-
mos instruídos a revidar. Ao perceber que estamos sendo criticados ou atacados,
tendemos a sentir raiva e irritabilidade, e nosso impulso primordial é o de reagir.
Quando atacados, podemos nos imaginar isentos de qualquer responsabilidade
pelo que possa vir a seguir: “Ele pediu, vai ter!”. Retribuímos, então, violência com
violência.
Violência impulsiva
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Eu estava muito zangado, expressa Thich Nat Han. Não era apenas a mi-
nha raiva, e sim a raiva de uma nação inteira. A raiva é um tipo de energia que
causa sofrimento não somente a nós, como também às pessoas à nossa volta.
Por ser monge, quando fico zangado, me dedico à prática de cuidar da minha
raiva. Não permito que ela cause sofrimento ou me destrua. Se cuidarmos da
nossa raiva e formos capazes de sentir alívio, conseguiremos viver felizes e com
muita alegria.
Com certeza, evitaríamos muitos conflitos se aprendêssemos a controlar
nossos impulsos, reconhecendo conscientemente o momento em que estamos
começando a ficar emotivos e, principalmente, escolher como agir a respeito, en-
quanto o evento se desenrola. É a ideia de reconhecer a fagulha antes da chama,
isto é, aumentar a lacuna entre o impulso e ação, semelhante ao que diz o jargão
popular “pavio looooongo”.
Na língua portuguesa, expressa o conferencista Divaldo Franco, há duas
palavras que se confundem: agir e reagir, só dois verbos. Todos nós costumamos
dizer: “Quando alguém me diz alguma coisa negativa, eu reajo”, e revela que é
um animal, porque reagir é próprio dos animais, é do instinto. Quem pensa não
reage, quem pensa age, toma uma atitude, reflexiona, mede os prós e os contras,
mas aqueles que não raciocinam, imediatamente reagem. Se pisarmos a pata de
um animal, ele escoiceia ou morde. Se pisarmos no pé de um homem, ele deveria
pedir para tirar, mas, às vezes, escoiceia ou morde.
Reagimos impulsivamente porque fomos educados a “não levar desaforo
para casa”. Digo sempre que aprecio o fato de não levarmos as ofensas para casa,
mas colocá-las na primeira lata de lixo que encontrarmos. Uma lata mental, há-
bil em reciclagem emocional. Tenho certeza de que muitos desentendimentos
seriam evitados se tivéssemos este procedimento. Caso não seja possível deixar
passar ou não dar importância para o fato, que possamos buscar a restauração do
conflito depois que a tempestade emocional passar. Outra possibilidade, e a mais
desafiadora de todas, é sermos capazes de agir compassivamente, com calma e
consciência enquanto o evento acontece, e expressar com clareza o que estamos
sentindo, dizendo como tal situação nos afeta emocionalmente.
ABC do Girafês 19
No seu livro Leviatã, escrito em 1651, Thomas Hobbes, matemático e po-
lítico social, explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana. Em suas
observações, ele dizia que os homens brigam por uma palavra, um sorriso, uma
opinião diferente ou qualquer outro sinal de menosprezo. Isto é tão verdade hoje
como era no século XVII. Desde que se passou a registrar as estatísticas sobre o
crime, a causa mais frequente do homicídio tem sido a discussão. O que os regis-
tros policiais informam é que conflitos e bate-bocas relativamente triviais – in-
sultar, rogar pragas, disputas etc.–, são capazes de provocar danos irreparáveis.
Pequenas discussões, aparentemente insignificantes, podem resultar em morte
(Pinker, 2004). Dois sujeitos, durante um domingo, estão jogando sinuca num bar,
acompanhados de bebidas alcoólicas. Um deles começa a provocar o outro di-
zendo que o time dele só tem “perna de pau”. O outro se sente ofendido e revida:
“e o teu, que contratou este técnico mau-caráter!”. Numa escala ascendente de
raiva, a discussão fica mais acalorada, a conversa entra na seara da família: “Por
que você não vai ver onde tua mulher está agora, aposto que ela está oferecendo
o corpinho dela por aí”. Ao ouvir estas palavras, o outro, agora furioso, se lembra
que tem uma arma escondida embaixo do banco do carro. Ele vai até o veículo,
pega a arma, dirige-se para dentro do bar e atira três vezes contra o companheiro
de sinuca. Pronto, um crime se efetivou. Bobagem? Um crime por nada? Pode ser,
mas a honra estava em jogo.
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O
ABC do Girafês tem um objetivo
ousado, a erradicação das injustiças
e das opressões, um desejo profundo
de que as pessoas possam viver
em uma sociedade acolhedora,
com dignidade, e que consigam
relacionar-se em total confiança
e mútua aceitação. É um livro
escrito com o intuito de estimular
você, caro leitor, a compreender as
atitudes violentas que pairam em
nossa cultura, além de incentivá-lo
a resistir à tentação de fazer uso
dela, por menor que seja, praticando
um modo de agir por meio da não
violência, reconhecendo que é
possível vivermos verdadeiramente
a paz e em paz. Sua prática pode ser
apenas uma gota no oceano, mas
não será qualquer gota, será uma
gota de humanidade.