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Fr. 346 (1) ovSe...[.Jo.p..a..[...J..[ poPepac 8 Eyerg Trpd¢ GAeor gpévas, & xadimpdlolone raié[ov: xai o¢ Soxet pév é[v S86] pororly miuxivérc Exouoa [pit p &nréddew: of]. [-...]...0 rac Vaxw[Bivac dp]ovpas i]va Kumpic éx AerdSveov see] T- Jals Klaté5noev immous: senses 8 ev péoor karii Bods, . vimdutov ethupia Kakfig dorriS0¢, dptortd Mot xaQehortépvotoi Spthéwv 6 Trovnpas Aprépov, KiPSndov etipioxev Biov, TONAG piv év Soupi Teig avixéva, Troha 8 ev tpoyd, TONG 58 vetov oxutivg pdotiyt OapryGeic, Kdpnv Treyava v extetthpévoc: viv 8 EmBaive convécy xptioea popéeov KaBéppara + maig Kine ¢ kal oxioSioxny ehepaveivny popet yuvatEiv aiitoag - Antes vestia apenas trapos e algum gorro remendado, trazia dados de madeira nas orelhas e a0 redor do vente um couro de bovideo m escudo, convivendo jamais lavado, que extraira de u! aquele Artémon, com lavadeiras e moleques sem-vergonha, vadio de vida fraudulenta. ncia numa langa ou numa roda, Tinha o pescogo com frequé! : castigadas por chicote, também as costas com frequéncia cabelo e barba desraigados. 113 Agora vai de carruagem com seus brincos de ouro, 0 filho de Cice, tendo em suas maos uma sombrinha exatamente igual 4 moda das mulheres. COMENTARIO Assim como o Fr. 372, este poema parece ser de cunho invectivo, jambi- co, novamente tendo como alvo o mesmo Artémon. Desta vez, a descrigao é bastante minuciosa e explica que 0 sujeito havia sido muito pobre antes, a ponto de mal ter com que se vestir, convivendo com padeiras (troquei na tra- dugdo por “lavadeiras”, que nos soa menos estranho) e com prostitutas, mui- tas vezes acoitado, castigado ou ameagado por langas. Agora, por outro lado, Artémon tem brincos de ouro e s6 anda de carruagem, coberto por uma som- brinha igual 4 que as mulheres usam. Como Davies! destaca, ha dois pontos principais a serem considerados a respeito do poema: a caracterizagao de Ar témon como um parvenu e como alguém afeminado. O primeiro ponto é bastante claro e traz 4 mente também os versos de Teégnis (vv. 53-68): Cirno, esta pélis ainda é a mesma, mas nio 0 seu povo. Gente que um dia jamais soube a justica ou a lei, mas que cobria o seu dorso com pele de cabra em farrapos, como um veado a viver fora da pdlis no mato, hoje ela é nobre, Polfpeda, enquanto os que outrora eram bons hoje sao vis. Tal viséo, quem poder4 suportar? ‘Vao se enganando uns aos outros e vao cagoando uns aos outros, sem conhecer que faz algo elevado ou mesquinho. Nunca, Polipeda, sejas amigo de alguém desse tipo, independente de qual seja tua necessidade. Mostra-te amigo de todos por meio das tuas palavras, mas nio discutas qualquer t6pico sério com eles, 2! Malcolm Davies, “Artemon Transvestitus? A Query”, Mnemosyne, vol. XX° XIV, fase. 3/4, Brill, 1981, pp. 288-99, 114 ou saberds como é a mente de homens que sio deploraveis: nunca se pode fiar no que eles hao de fazer, : pois eles amam o dolo, a traigao, as milhares de intrigas, como se espera de alguém que no se pode salvar, : Tanto Tedgnis quanto Anacreonte viveram durante 0 século VI a.C. e presenciaram as mudangas sociais decorrentes e advindas da emergéncia das cidades-estado. O fortalecimento do comércio nos centros em expansio fez com que a classe mercantil enriquecesse, criando uma espécie de nova elite, a qual, no entanto, nao tinha a tradico dos “kadoi KdyaGoi”, : antiga, com seus valores heroicos de exceléncia. Na mesma medida em que o primeiro ponto é simples, 0 segundo se abre para outras possibilidades. Por muito tempo o poema foi lido como sendo jam- bico, de troga ao carater afeminado de Artémon. W. J. Slater,2? contudo, pro- poe que essa caracterizacio, dentro do universo anacreéntico, permeado de amor a garotos, bebida e jocosidade, nao precisa ser tomada como uma poé- » da aristocracia tica de maldizer. Em vez disso, ele compreende a imagem como um comenté- tio bem-humorado, imaginando Artémon como um amigo préximo de Ana- creonte, travestido de mulher. Todavia, Davies? o critica duramente a respei- to dessa hipétese final, apontando a fragilidade de argumentos como 0 uso de brincos (que pode ser um sinal de estrangeirismo) ¢ de uma sombrinha (que era comum na Asia Menor) enquanto indicios de afeminacao, quanto mais de travestimento.24 Quanto a métrica, o poema se constréi por meio de estrofes com dois te- trametros e um dimetro. Os tetrametros sao coriambicos, mas as vezes no ter ceiro e sempre no quarto metron apresentam alterndncia para eae Os df metros so jambicos. Na tradugao, empreguei ae a silabas para traduzir os tetrametros € versos de oito silabas p: , ext”, Phoenix, vol 22,7 J, Sates “Artemon and Anacreon: no rx Wit SO 32, n® 3, Classical Association of Canada, 1978, PP- 23 Malcolm Davies, op. cit. 24H que se considerar, nO entanto, nop to 424, de que Anacreonte haverla feito g 1 Am@nio a0 citar 0 fragmen- iho ; cel 0 de alguém. afeminaca' 11s Fr 395 mroioi pe piv bn, xpdtagot Kapn te heuKdv, yapieooa & obkér’ Bn mapa, ynpadéor 8 d8dvtec, yhuxepod & obkén Trohhd¢ Bidtou yxpovog héAerrrtat- ba tai’ dvactahio Oapd Téptapov Se5o1Kxdc- ‘AiSew yap got Servdc puyds, Gpyahij 8 é¢ adtdv xato50¢: kai yap étoipov xataBdve pi dvoBiivat. Minhas témporas: ja grisalhas. Ja esta branca minha cabega. GrAcil juventude nao mais me acompanha. Velhos, os dentes, e do doce tempo da vida j4 nado muito mais a mim resta. E por isso que muitas vezes choro por temor de ir ao Trtaro. Do Hades certamente é terrivel o interior; penosa, pra la a descida e além disso é certo que quem desce nunca mais sobe. 125 COMENTARIO Este poema constitui um exemplo modelar da tematica da velhice Ma po, sia de Anacreonte, \ nos poemas das Anacre6nticas. Os versos se iniciam descrevendo as mani es. tagées fisicas da velhice no eu-lirico: o cabelo branco, os dentes velhos, 4 : séncia da gracil juventude como se fosse uma companheira que partiu, cape ximidade do fim dos doces dias da vida. Essa ultima parte denota uma imagen interessante: mesmo na velhice, a vida ainda tem uma dogura, ao contratig do temética essa que, como vimos, foi retomada 4 exauyg ig que se vé, por exemplo, em Mimnermo (Fr. 1): Onde ha existéncia e prazeres na auséncia da durea Afrodite? Nao, eu prefiro morrer quando amainar o meu zelo por amizades secretas, presentes amaveis e 0 leito; essas so flores que vém na juventude, desejo para mancebos e mogas, mas quando é chegada a velhice plena de dores, que faz feio até um homem que é belo, preocupagées importunas the assolam o entorno da mente, e ele nao tem mais prazer, nem vendo o brilho do Sol. Torna-se odioso pros jovens e infame aos olhos das mogas. De tal maneira o deus fez dolorosa a velhice. Mimnermo, como se nota acima, explora essa teméatica de modo mais hiperbélico, afirmando a morte como uma alternativa melhor do que a vid2 de idoso. J4 o que se vé em Anacreonte é um apego 4 vida ¢ o temor de se des cer ao Hades, para onde o caminho é doloroso e sem volta.?6 Do ponto de vista métrico, o poema grego se compée por meio de dime: tros jnicos menores com andclase. Na tradugao, empreguei octossilabos devem ser lidos com acentos na terceira, na quinta e na oitava silaba, tentando imitar de certa forma a métrica do grego. Essa foi a solugao que empreguci™® mestrado para esse tipo de metro. Porém, penso que a solugdo que us? paras Anacreéntica 2 (uma redondilha que deve ser lida com acento na terceiras™ quinta, na sétima e na oitava silabas) seja superior (vide também © proxi poema, Fr. 396). 26 a ie das ht tadugies do Fr 395 de Anacteonte edo Fr. 1 de Mimnermo foram nt cadas anterormente em Leonardo Antunes, Ritmo e sonoridade na poesia grt £4: uma traducdo comentada de 23 poemas (Sao Paulo, Humanitas, 2011)- 126 Fr. 396 ep’ W5cop, pep’ olvov, & trai, gépe <8'> dvBepdevtas thpiv atepavous: Everkov, cog 5i mpdc "Epwota muktahite. Traz-me Agua e traz-me vinho, meu garoto, traz guirlandas bem floridas, pois agora eu e o Amor contenderemos. 127 COMENTARIO © poema apresenta novamente a imagem da luta contra o Amor, vista ém no Fr. 346 (2) do poeta e nas Anacreénticas de ntmero 13 e 47, Apesar de estar dividido em dois versos na edico adotada, parece-me na verdade, composto por dois versos, ambos dimetros jg. tamb: que cada verso é, nicos menores com andclase: gép’ HScap, pép" olvov, & nai, gépe <5'> dvOepdevtas fpiv otepdvous: Everkov, og 57) pag Epata muxrahiGe. Na traducio, tento recuperar esse ritmo, usando o mesmo tipo de solu- cdo que adotei, por exemplo, na Anacre6ntica 2, que requer que se leia a sila- ba dtona final como se fosse longa: Traz-me dgua e traz-me vinho, meu garoto, traz guirlandas bem floridas, pois agora eu e o Amor contenderemos. 128 Fr. 417 + mdhe Oppxin, ti SH pe NoEdv Sppacr Prérovea vnhéws pevyeic, Soxeis 5é p’ ob8Ev eiSévan copdv; {ot tor, Kahdc piv dv tor tov xoAtvov eyBarount, fviag 8 Exeov otpéporpi 0’ Gpgi téppata Spdpou- viv 5 hetpdvac te BooKean xotipd te oxiptdca trailers, SeE1ov yap inmomeipny ovk Eyerg érrepParnv. Diz pra mim, potranca tracia, Para que me olhar assim? ¢ fugir teimosamente, como eu nao te merecesse? Poderia sem problema por o freio na tua boca e, levando a mio nas rédeas, manobrar-te até na curva. Em vez disso, pastas solta, saltitando pelos prados, pois careces de um ginete que com jeito enfim te monte. 157 oes COMENTARIO Oo poema, um dos poucos mais extensos que restaram do poeta, apresen, ta a imagem de uma potra indémita, que se esquiva das tentativas do eurtticn de monté-la, olhando-o com desdém. Apesar dessa recusa, 0 eu-litico se diz capaz de cavalga-la com primor, manobrando-a até em torno do poste que marca a curva no final da pista de corrida. Nos versos finais, a imagem da po. tra saltitando livre é posta numa otica negativa, de que ela s6 est assim por. que carece de um bom ginete que Ihe coloque no seu lugar. Toda a construcao imagética e retérica-do poema é claramente sexual, com a potra representando uma mulher ¢ a cavalgada sendo metéfora para o coito. Como comparacao, podemos ver esses versos (183-5) das Teognideas, que tratam a figura da mulher e do coito de forma semelhante: Nés procuramos carneiros € asnos, bem como cavalos, Cirno, de bom pedigree e todos desejam montar nobres mulheres. [...] Também nas Teognideas, é bem provavel que os versos 257-60 se refiram a.uma mulher, usando para isso a figura de uma égua: Sou uma égua excelente e triunfal, mas o homem que levo é dos piores. A dor que isso me causa é terrivel. Frequentemente estou prestes a despedagar o meu freio e, derrubando pro chdo meu montador, escapar. A métrica é simples, composta por dimetros trocaicos. Traduzi-os pot versos semelhantes em portugués, com sete silabas, de ritmo trocaico: mde Oppxin, ti 5H pe Aokov Spyaor PAétrovoa Diz pra mim, potranca tracia, para que me olhar assim? 158 Fr. 505 (d) vppeora Yep TV SBpov Do Amor suave anseio pardons BOYES pirpars cantar, com flores varias onvawdepors GeiBetv" por sobre a sua fronte- Bhe kai Ged SuVaTTAS, Nos deuses é quem manda, Ge xai Ppotous Sapscer mortais ele comanda, COMENTARIO Ainda que sejam atribuidos a Anacreonte por Clemente David Campbell‘? justamente sup6e que deveriam, na verdade, sep inj nas Anacreonticas. De fato, o tipo de composi¢ao se assemelhg Re clu, vemos no corpus daqueles poemas do que a poesia restante de ies a0 fragmento fala de Eros, descrevendo-o coroado por uma Buirlanda a 0 como o regente de deuses € mortais. Certamente havia mais versos dey ese trecho e possivelmente antes também. POIs do O primeiro verso parece ser um hemiambo: de Alexandy Que *Epata yap tov 6Bpov Os demais, contudo, poderiam ser descritos como dimetros jénicos me- nores com andclase: péAopor Bpvovra pitpars O uso contiguo desses metros demonstra sua proximidade e a possibil- dade de que, na verdade, esses dimetros jénicos menores com andclase sejam hemiambos livres, nos quais o anceps inicial pode ser ocupado por duas sile bas breves, resultando na forma * — v — v — x, 4 qual se reduzem perfei- tamente tanto hemiambos quanto dimetros jonicos menores com andclase. oe 0 David A. - Campbell, Greek Lyric II, op. cit., p. 145, nota 1. 268 ft Eleg- 2 ob gthée 5¢ Kpntfipt mapa thé@ oivorroratiy veixea kai wéhepov Saxpudevra héyer, adv Sorts Movaéov te kai dyha& dbp’ ‘Agpoditns ouppioyev partic pvijoKetar elppootvns. _ Nao tenho amor por quem junto 4 cratera repleta de vinho fala sobre altercagGes, ou sobre a guerra chorosa, mas por quem mescla os dons claros que vém de Afrodite e das Musas, cénscio de qual é o humor préprio ao amAvel festim. COMENTARIO if ite era te él; Este fragmento elegiaco provavelment parte de um €scélio, uma poema composto para ser cantado ou declamado durante 9 simpésj . x 2 Zs 10, z. com que seja nao sé de facil memorizacio, : 7 s Mas M Pudesse go ou } Sua composi¢ao elegiaca fa: também de facil elocugao, de modo que mesmo um cidadio comy entod-lo. : Os primeiros dois versos dialogam com outra tradigao elegiaca, Nibits provavelmente também simposial, representada Para nés por Calinoe Tirteu, na qual se fala justamente da guerra e da necessidade de um homem lutar ¢ morrer pela patria se necessrio, bem como do louvor que esse homem tecebe ao viver ou morrer desse modo, louvor que se estende também para sua esti. pee seus descendentes. No didlogo com essa tradicao, os dois primeiros versos a recusam veementemente, contrastando a guerra lacrimosa e os conflitos com a imagem da cratera cheia de vinho num expediente ret6rico que visa mostrar a inadequagao desse tipo de poesia a uma ocasiao tao rica de felicidade. Em seguida, os préximos dois versos afirmam o tipo de poesia e de hu- mor que é necessdrio ter junto 4 cratera: aquele que sabe misturar os dons das Musas (a poesia) ao dom de Afrodite (0 amor), consciente do melhor estado de espirito para a ocasiéo. Diferentemente da primeira imagem, onde apare- ciam, de um lado, guerra e altercagdes e, de outro, a cratera cheia de vinho, de modo inconciliavel, nessa segunda imagem reina a nogao de mistura, ex- Pressa pelo verbo “ouppiyvupi” (“misturar junto”), que denota tanto uma mistura de liquidos quanto o convivio entre pessoas. Pela mistura dos dons das Musas com o de Afrodite, evoca-se também a mistura da Agua com 0 vir nho na cratera, a mistura dos convivas entre si, e, de modo geral, a nogao de harmoni: ae 7 monia pelas partes se constituindo num todo coeso, em contraste ao todo €sconjuntado dos primeiros versos, 274

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