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Inédito no Brasil, ‘Poochytown’ celebra

os 70 anos de Jim Woodring


Quadrinho mostra traço surrealista do cartunista norte-americano em
uma trama lisérgica

https://www.estadao.com.br/alias/inedito-no-brasil-poochytown-celebra-os-70-
anos-de-jim-woodring/

Por Matheus Lopes Quirino


17/11/2022 | 19h54Atualização: 21/11/2022 | 09h48
4 min de leitura

Jim Woodring certa vez disse que não se diverte ao criar suas histórias em quadrinhos.
O cartunista fez uma comparação ousada, lembrou um hábito do cineasta Alfred
Hitchcock (1899-1980) para definir seu envolvimento em suas criações: quando
terminava os rascunhos, a obra perdia a graça. Executar a criação é quase como uma
obrigação para Woodring, que esquematiza mentalmente os originais de seu
personagem Frank, uma criatura antropomórfica parecida com um esquilo esquálido de
luvas de mickey-mouse.

A primeira vista inocente e fofo, o ser de Woodring nada tem a ver com os personagens
convencionais da Warner Bros ou Walt Disney. A não ser pela invencibilidade, pois a
personagem resiste às investidas mais nocivas, como terremotos, rebeliões e distorções
visuais. Frank está à mercê de um mundo onírico onde o surrealismo lhe impõe
constante provação. Ou seja, se há algo muito quieto na cena, como um botão isolado no
meio de um Jardim do Éden cheio de perigos, Frank vai apertá-lo.

Uma das cenas delirantes de Poochytown Foto: Jim Woodring

E essa cena está no papel. Em Pooochytown, a personagem vive uma sequência de


desgraças fruto de sua curiosidade. Acompanhado de outra criatura que tem formas de
porco, Frank vai literalmente pedalar os rumos da humanidade, quando encontra um
volante fincado na terra e o cenário se move violentamente, como se fosse uma máquina
do tempo.

Os devaneios surrealistas começaram quando Jim Woodring tinha apenas três anos de
idade. “Estava deitado na cama e via rostos grandes, silenciosos e giratórios pairando
sobre o pé da minha cama, rostos que eram muito caricaturados, na verdade”, disse ao
The Comics Journal em 1993. Um episódio parecido com ficção, mas que fadou
Woodring a partir daquele “encontro” a ter visões por toda a vida.

Suas personagens excêntricas e o histórico de transtornos, por outro lado,


transformaram Woodring em uma figura querida

Nascido em Los Angeles na década de 1950, Jim Woodring teve uma juventude intensa,
ao menos enquanto dormia. A fertilidade do mundo dos sonhos rocambolescos seria,
mais tarde, sintoma de alguns transtornos, como paranoias, alucinações e paroniria, os
pesadelos frequentes.

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Autodidata, Woodring manteve um diário de seus sonhos e os desenhava. Fez os


registros em paralelo ao trabalho (ele foi lixeiro e trabalhou em um parque de diversões,
pilotando os carrosséis) até o ano de 1979, quando foi levado por um amigo até os
estúdios Ruby-Spears, na Califórnia, para trabalhar com storyboards.

Suas personagens excêntricas e o histórico de transtornos, por outro lado,


transformaram Woodring em uma figura querida. Foi no Ruby-Spears que ele travou
amizade com ilustradores de peso, como Jack Kirby, criador do Quarteto Fantástico,
Alex Toth, do Space Ghost e outros cartunistas de super-heróis como Gil Kane, que
apresentou Woodring ao editor Gary Groth, referência dos quadrinhos underground.

Os personagens principais de Woodring embrenhados em uma floresta dos sonhos Foto:


Jim Woodring

“Grandes, horríveis, rostos carrancudos e profundamente enrugados com a boca aberta,


gritando comigo em silêncio, movendo a boca rapidamente”, descreveu o ilustrador no
prefácio do livro Fran. São sequências disformes que se completam por ondas, como se
as alucinações do cartunista tomassem uma forma sólida. A psicodelia se dá pelos
formatos dos mosaicos que se formam, como caleidoscópios.
Ao ambientar seu quadrinhos no misterioso Unifactor, uma espécie de entidade que guia
os trabalhos do alucinado Woodring, ele apenas segue as instruções de como a história
deve ser feita, para não ser abandonado pela condição especial, como escreveu o crítico
Sam Thielman, na edição de 9 de agosto da revista The New Yorker, em ocasião da
celebração de 70 anos do cartunista.

Cultuado por Neil Gaiman e Alan Moore, Jim Woodring dá contornos sólidos para o
um mundo disforme dos sonhos por meio de traços bem definidos. “O mundo criado em
Frank parece estar mais envolvido com objetos orgânicos. ‘Eu prefiro um cenário com
algo construído pelo homem. Realça a dimensão da arte ou do artífice. Uma árvore é um
mistério incompreensível”, lembra o pesquisador Fabio Mourilhe Silva, da UFRJ.

Frank, o protagonista que se assemelha a uma espécie lisérgica de mickey-mouse Foto:


Jim Woodring

Ele se debruça em Frank, personagem central da obra de Woodring, na pesquisa Jim


Woodring e o Surreal nos Quadrinhos Underground.
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/r0488-2.pdf
“Os resultados visuais de Frank lembram estudos iconográficos de biólogos como Ernst
Haeckel. Jim cria fábulas de transformação com um senso de terror e mistério em
imagens fantásticas, incluindo cidades árabes, criaturas bizarras e máquinas estranhas”,
completa o pesquisador.

Tendo aparecido pela primeira vez em 1991, na segunda e última edição de Buzz, uma
antologia de quadrinhos de Mark Landman, Frank e Manhog (que dão nome ao livro
homônimo) viraram personagens recorrente no universo de Woodring, como Congress
of the Animals, que deu origem a Poochytown, e The Frank Books, de 1995, obra
definitiva sobre o personagem que ganhou prefácio de Francis Ford Coppola.

Poochytown

Jim Woodring

DarkSide

112 páginas

R$ 57,90

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