Você está na página 1de 12

PARTE II – TÉCNICAS DE CRIAÇÃO

CAPÍTULO 12 – POVOAMENTO & AMPLIAÇÃO (2ª parte)

12.2 - Divisão artificial de colônias


Capturar colônias é uma tarefa prazerosa e compensadora para o meliponicultor, entretanto de
ocorrência irregular, visto que não é a todo tempo que localizamos locais naturais de nidificação de abelhas,
e mais, muitos dos ninhos identificados estão por vezes em locais inacessíveis ou inviáveis. Certa vez, na
ânsia de capturar um ninho subterrâneo de Trigona spinipes, retirei terra até uma profundidade de 2 metros
e, para minha surpresa, o mesmo se encontrava ainda bem mais abaixo, o que me fez concluir sobre a
inacessibilidade do processo.

Em face ao exposto, junto com o processo de captura, o criador deve, sempre que as condições
assim permitir, aumentar o número de caixas do seu meliponário através da divisão artificial de colônias.

O processo de divisão é recomendada exclusivamente para colônias fortes e de preferência em


épocas de florada expressiva. Muitos criadores indicam o período que compreende a primavera ao meio do
outono como ideal para a aplicação desta técnica. Lembre-se que em
termos de produção de mel, mais vale uma colônia forte que duas
medianas ou fracas. Este processo é utilizado maciçamente por centros de
pesquisa, uma vez que estas instituições necessitam de um vasto número
de famílias para validar e precisar suas conclusões estatísticas.

Existem inúmeras maneiras de se proceder a divisão, todas


seguindo uma seqüência mais ou menos padronizada, diferindo apenas em
alguns detalhes operacionais como, por exemplo, o número de colônias
utilizadas como matriz na formação da nova família. É importante observar
a que tribo pertence a espécie envolvida. Falaremos aqui do procedimento
conhecido como "método 1 para 1", passo a passo, primeiramente nos
casos de divisão para espécies da tribo Trigonini como, por exemplo, Jataí,
Mirim, Borá, Canudo [figura 24].

1º) preparar a nova caixa a ser utilizada e separar previamente o material a


ser utilizado na operação, tais como a espátula, faca, fita adesiva, etc. Após
iniciada a divisão, a mesma deve ser o mais breve possível, contudo sem
afobação, evitando o máximo possível o estresse da família acarretado pela
exposição do ninho;

2º) observar na área dos discos de favos se existe realeira visível, célula
maior (normalmente única) localizada na periferia dos discos de favos.
Estas realeiras, que aparecem temporariamente, são as únicas células que
darão origem às rainhas nesta tribo. Dividir colônias de Trigonini sem a
observância deste detalhe é como dar um "tiro no escuro", que fig. 24 - processo de divisão
normalmente não atinge o objetivo satisfatoriamente. Sem a presença de passo a passo em Trigonini
realeiras, existe ainda uma condição que viabiliza a divisão; a presença de
uma rainha virgem pertencente à família. Esta pode estar circulando livremente junto às demais abelhas ou
aprisionada em "celas reais" e, assim sendo, deverá ser levada junto com parte da família que ficar sem a
rainha-mãe;

3º) transferir para a nova caixa, ainda vazia, de 2 a 3 discos de favos de coloração mais clara e fundo
escuro (favos de cria nascente), não esquecendo jamais de incluir no grupo de favos transferidos o disco
onde está presente a realeira, se esta existir. Caso não se consiga transferir os favos compactamente,
estabelecer um pequeno espaço entre eles - o espaço abelha [foto 67, capítulo 11] - bastando para tal
colocar algumas bolinha de cerume entre eles. Revestir, se possível, todo o ninho com invólucro de cerume.
Quando é encontrado uma rainha virgem, deve-se tomar cuidado para não leva-la junto com a rainha mãe
para a mesma caixa;

Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 1 de 12
4º) transferir para a nova caixa um bom contingente de
abelhas jovens, de coloração mais clara, operação que pode
ser auxiliada através de um "aspirador de abelhas" [figura
25] e [foto 70];

5º) dividir entre as caixas os potes de alimento, lembrando-se


de descartar os danificados, principalmente os de pólen. É
sempre bom lembrar que potes rompidos de pólen servem
como substrato ideal para a colocação de ovos de forídeos,
mosquinha branca que na sua fase inicial é capaz de destruir
fig. 25 - detalhe de um aspirador de abelhas
um ninho em pouco tempo de infestação. Da mesma forma,
deve-se proceder com outros materiais presentes no ninho
antigo (colônia-mãe), dividindo-os com o ninho recém criado (colônia-filha),
tais como cerume, resina, batume, etc;

6º) semelhante ao exposto no processo de captura, ao término das


atividades devemos vedar as junções das duas caixas, principalmente a
nova, de modo a impedir eventuais invasões. Lacrar as junções da caixa
onde ficará a nova família é de suma importância, ao passo que na antiga
as abelhas já a fizeram por intermédio do trabalho com resina;

7º) levar a colônia-mãe, que deve ficar com a rainha velha (mãe), para um
local bem distante da colônia-filha, de preferência onde não possam se
comunicar visualmente, substituindo a nova colônia em seu lugar. Desta
forma, reforçamos a nova caixa com a chegada das campeiras que por
hora estavam trabalhando no campo.

Durante as primeiras semanas, o criador precisa inspecionar as foto 70 - aspirador de abelhas


colônias periodicamente, e proceder com alimentação artificial em boa quantidade para garantir o
fortalecimento imediato das colônias. A colônia, após a divisão, ressente do menor número de abelhas e fica
mais susceptível ao ataque de inimigos naturais.

Com relação à divisões que envolvem espécies da tribo Meliponini (Uruçu, Mandaçaia, Jandaíra), os
cuidados observados são basicamente idênticos aos expostos acima. A grande diferença desta tribo é que
as rainhas emergem de favos iguais aos que originam operárias, portanto quaisquer discos de favos,
preferencialmente os superiores, possuem boa chance de abrigarem uma ou mais células reais.

Se por um lado é bom não depender de realeiras, por outro o sucesso da operação está nas mãos
das leis da probabilidade, nada garantindo que nos favos transferidos haverá uma rainha prestes a emergir.
Uma vez verificada poliginia (presença de duas ou mais rainhas), podemos dividir as famílias direcionando
uma rainha para cada colônia.

Dividir é tarefa essencial para aqueles criadores que pretendem expandir sua atividade, contudo,
quando realizada por principiantes por vezes pode estar factível ao fracasso. Antes de se aventurar em
multiplicar suas abelhas, o meliponicultor deve procurar ter boa prática no manejo de suas colônias além de
conhecer sua biologia e organização social.

12.3 - Duplicação induzida

Pelo que até aqui foi abordado, podemos classificar as dois processos pelos quais uma colônia de
abelhas sem ferrão pode se dividir em natural e artificial. O primeiro, refere-se ao processo espontâneo de
divisão, conhecido como enxameação, que ocorre naturalmente quando a família se encontra em franco
desenvolvimento e elege uma nova rainha para fundar um novo ninho. O segundo processo, diz respeito à
separação artificial realizada com a interferência do criador, como descrito no subcapítulo anterior.

Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 2 de 12
Existe ainda um terceiro processo de divisão que não
pode ser considerado nem como todo natural, nem como
artificial. É classificado como processo de divisão induzida, no
qual as abelhas são estimuladas artificialmente a fundarem
um novo ninho em local definido pelo criador. Os australianos
deram à técnica o nome de "Duplicação Natural de Colônias"
(Natural Hive Duplication) o que, na minha opinião, não traduz
corretamente o processo, visto que o fenômeno da
enxameação é que, de fato, deve ser considerado totalmente
natural. Uma outra definição mais pertinente, fornecida
também pelos australianos, é a de "Método Educativo"
(Education Method). O nome que encontrei para traduzir
melhor é o de "Duplicação Induzida de Colônias". foto 71 - duplicação induzida em colônia de Jandaíra

O método consiste na colocação de uma caixa vazia com dois orifícios, um na parte da frente e
outro na de traz, conectada diretamente à saída do
ninho a ser duplicado, direcionando as abelhas a
passarem pela caixa vazia ao entrar ou sair da
colônia. Esta conexão é feita com a utilização de um
tubo de diâmetro compatível ao tamanho da espécie,
vedado com fita adesiva apropriada, sem deixar
espaços nas junções [foto 71], de forma a evitar
uma outra rota senão a da caixa vazia. A família
escolhida pode estar nidificada em locais naturais
foto 72 - duplicação induzida de caixa racional (a) e tronco (b) (troncos, muros, cavidades, solo, etc.) ou mesmo em
uma caixa, racional ou não [foto 72]. O orifício de
passagem para a nova caixa pode estar localizado também em
outras posições afora a parede de traz, por exemplo na base da
caixa [foto 72], dependendo de como esta ficará acomodada em
relação ao ninho original.

Com o passar do tempo, a família em desenvolvimento é


induzida a construir novos favos de cria e de alimento na caixa
acoplada, podendo vir a se duplicar espontaneamente, fundando
seu novo ninho neste local disponibilizado pelo criador. Contudo,
cabe ressaltar que o sucesso da operação depende da sucessão
de alguns eventos indispensáveis como: a construção de células
de cria na caixa nova; a visita da rainha-mãe para ovopositar sobre foto 73 - duplicação induzida preservando árvore
os favos construídos; o nascimento de uma rainha-filha; a
presença de zangões para acasalar com a rainha virgem; e o vôo nupcial e o acasalamento e fecundação
da nova rainha.

Pode parecer a primeira vista que a duplicação induzida é um processo de rara ocorrência,
entretanto são inúmeros os relatos de sucesso na execução deste método, inclusive com descrições de
divisão múltipla, na qual uma colônia se divide em três através do acoplamento simultâneo de duas caixas
vazias com um tubo em Y.

Quando as abelhas relutam em iniciar os trabalhos na caixa vazia, é aconselhável, havendo


disponibilidade, a colocação de um ou dois discos de favos da espécie em questão, que servirão como
agente de estímulo para a construção no local de novas células de cria. Além destes favos, chamados pelos
pesquisadores de "favos catalisadores" (catalyst brood), deve-se transferir pedaços de cerume, resina e
batume, com a mesma finalidade de estimular e ambientar as abelhas ao novo local.

A grande vantagem da técnica está em não submeter a colônia a uma condição de estresse, por
não interferir diretamente na moradia e no trabalho das abelhas. Com relação a sua indicação, a mesma
sobretudo se destina a colônias que estão nidificadas em locais inacessíveis, onde a captura não seja
possível ou não recomendada, como nos casos onde se exija a derrubada de uma árvore [foto 73]. Não é
concebido em hipótese alguma a derrubada de árvores com intuito de capturar colônias.

Para concluir este capítulo, lembro que o processo de divisão deve estar sempre balizado em uma
satisfatória quantidade de colônias da mesma espécie, visto os efeitos negativos gerados pelo cruzamento
consangüíneo (teoria de Kerr & Vencovsky) ao obter diversas famílias à partir de sucessivas divisões de
poucas matrizes.
Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 3 de 12
PARTE II – TÉCNICAS DE CRIAÇÃO
CAPÍTULO 13 – MEL: COLHEITA E MANUSEIO

13.1 - Características do mel

O mel, produto da colheita e armazenamento do néctar das flores, é estocado nas colônias de
abelhas sem ferrão em estruturas ovaladas de cerume, constituindo verdadeiros potes de provimento de
alimentos - mel e pólen, como já observado anteriormente. É necessário ter em mente que o néctar difere
bastante do mel, pois os mesmos possuem características físico-químicas divergentes, apesar do último ser
produto da transformação do primeiro.

Assim que as abelhas campeiras retornam às


colméias após a colheita, inicia-se o processo de
transferência, de abelha para abelha, do néctar por meio
de suas peças bucais, seqüência esta conhecida por
trofolaxia [foto 74]. Paralelamente e individualmente, as
abelhas regurgitam e sugam esta substância transferida
por suas companheiras repetidas vezes. Por meio
dessas duas formas, o que antes era néctar puro, passa
a sofrer sucessiva perda de água, processo físico
conhecido como desidratação do néctar, resultando em
um produto mais denso.
foto 74 - transferência de néctar entre abelhas (trofolaxia)
Entretanto, não só alterações físicas ocorrem
durante o processo de transformação néctar-mel. Quimicamente, durante cada transferência boca a boca,
diversas enzimas do aparelho bucal das abelhas agem sobre o que era antes néctar, alterando em muito
sua fórmula química final. O maior exemplo desta alteração é a transformação de grande parte da sacarose
do néctar em frutose e glucose, que no produto final se encontram em proporções que variam entre 38% e
31% em análises de méis de Apis mellifera.

Sabe-se que o mel dos meliponíneos são bem mais aquosos (contém mais água) que o de Apis
mellifera, chegando a valores de 36,4%, com média em 7 espécies estudadas de 25,12% - méis de Apis
mellifera possuem em média 18 a 19% de água. Tais números explicam o fato de o mel das abelhas sem
ferrão ser mais vulnerável à processos de fermentação e, portanto, apresentar maior dificuldade em sua
conservação e menor "tempo de prateleira" dependendo do acondicionamento empregado.

Embora estes méis possuam maior probabilidade de fermentar, são mais ácidos e contém níveis
superiores de substâncias antibióticas que em Apis mellifera, como comprovado na presença maciça de
peróxido de hidrogênio, que inibe o desenvolvimento de diversos microorganismos no mel. Assim mesmo, a
falta de cuidados higiênicos leva à contaminação do mel com lêvedos (fungos) ou bactérias que superam,
em certas condições, as barreiras antibióticas e contaminam o produto (veremos adiante cuidados para
conservar o mel dos meliponíneos). O pH médio de amostras de méis de meliponíneos, revelaram valores
médios de 3,71 e 4,2. Considerando que algumas conhecidas bactérias causadoras de enfermidades
possuem pH mínimo para crescer de 4,3 (Escherechia coli); 4,0 (Salmonella spp.); 4,5 (Streptococcus);
podemos considerar que, na média, os méis de meliponíneos
apresentam condições pouco favoráveis para o desenvolvimento
destes agentes patogênicos.

Voltando ao processo de transformação néctar-mel, uma


vez concluída as diversas trocas entre abelhas, a gotícula final é
então regurgitada definitivamente nos potes de cerume,
adicionando-se ao mel ora armazenado, até atingir a capacidade
total do pote [foto 75]. Lá dentro, a substância já pode ser
chamada de mel e continua sofrendo transformações em sua
estrutura, indo do mel "verde" ao mel "maduro", sendo este último
estágio encontrado em potes já lacrados pelas operárias. Assim foto 75 - processo de armazenamento do mel
como o mel "operculado" das abelhas melíferas, o mel nos potes de por operárias de Uruçu (Melipona scultellaris)

Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 4 de 12
cerume lacrados estão aptos a ser extraído pelo meliponicultor sem maiores problemas de
acondicionamento. O criador deve evitar extrair grande quantidade de mel estocado em potes abertos, uma
vez que este mel "verde" contém muita água em sua composição, além de menores quantidades de
hidróxido de hidrogênio e ácidos importantes na atividade antibiótica que tanto protegem o produto final de
prejuízos causados por fungos e bactérias.

13.2 - Época da colheita

A colheita do mel deve ser realizada nas épocas de florada expressiva, quando os potes são
inúmeros e encontram-se fechados, repletos de mel. Segundo o Prof. Nogueira-Neto, as épocas favoráveis
ao armazenamento de mel pelas abelhas varia de região para região. Por exemplo, no sudeste as colônias
de Jataís (Tetragonisca angustula) estão repletas desde novembro a janeiro. É bom salientar que, mesmo
sendo mantidas em um meliponário comum, cada espécie possui o seu período particular de colheita de
néctar e, até entre espécies semelhantes, existem variações.
Desta forma, recomenda-se que cada meliponicultor deva
observar o "calendário meliponícola" de sua região para traçar
um perfil de ocorrência das principais floradas no ano.

13.3 - Métodos de colheita

Existem diversas maneiras de se retirar o mel dos potes


de cerume, a maioria deles baseando-se em mecanismos que
fig. 26 – aspirador odontológico na colheita de mel
sugam ou escorrem o conteúdo do interior destes potes. Para
tal, os meliponicultores utilizam-se de extratores de ar para
alimentos congelados, aspiradores de ar odontológicos [figura 26], injetores de tempero em carne, entre
outras invenções e adaptações. Entretanto, destaco aqui dois
métodos que se caracterizam pela facilidade e praticidade no
manejo com as colônias, além de serem mais simples e
econômicos.

1º) extração com seringa [foto 76] - O criador deverá abrir


com a ponta da espátula ou faca os potes de mel,
identificados por serem mais escuros que os de pólen, e
sugar com uma seringa esterilizada o seu conteúdo,
colocando em
seguida o mel
foto 76 - método de extração com seringa nos vasilhames
definitivos. Seringas de uso veterinário são maiores e devem ter
a sua ponta cortada para aumentar o orifício de entrada do mel.
Quando estamos lidando com um modelo de caixa racional onde
há compartimento específico para os potes, recomenda-se
retirar os potes dessas melgueiras para que o processo se
realize afastado da colônia e esta não seja importunada durante
a extração do mel. Aliás, esta é uma grande vantagem desses
modelos. Após a extração, deve-se lavar os potes vazios e
esperar pela secagem antes de retorná-los às melgueiras. Potes fotos 77 e 78 - método por escorrimento passo a passo
sujos de mel, quando retornados à colônia, são limpos e
restaurados pelas operárias, porém são grande atrativo de
formigas e outros predadores. Por esta razão recomenda-se a
limpeza dos mesmos.

2º) escorrendo o mel - Neste método, após uma suave


inclinação da melgueira, o conteúdo dos potes previamente
abertos pelo criador é escorrido para os vasilhames, passando
antes por uma peneira para retirar qualquer material que venha
junto com o mel, como pedaços de cerume, batume ou
quaisquer detritos [foto 77] e [foto 78] . Não se procede a
Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 5 de 12
retirada dos potes, devendo estes permanecerem na melgueira para que logo sejam consertados e
reutilizados pelas abelhas. Sem dúvida, constitui o mais prático e usual método de colheita adotado pelos
criadores brasileiros, face à simplicidade e rapidez da operação.

Apesar disso, trata-se de um processo de extração sujeito a diversas falhas e que induz uma
condição de estresse à colônia, por expor demais as abelhas durante, dependendo da caixa utilizada, e
depois da extração, em razão do inevitável vazamento de mel dentro da mesma. Além disso, mesmo
fazendo uso da peneira, é impossível evitar a entrada de elementos contaminantes, carreados durante o
escorrimento para os vasilhames definitivos, aumentando as chances de fermentação e deterioração do
produto. Grande parte das espécies do gênero Melipona utilizam-se de excrementos animais na construção
de batumes e outras estruturas delimitantes de seus ninhos, sendo esta mais uma razão para tomarmos
cuidado com a conservação do mel escorrido. É fato que todo mel tem a possibilidade de estar contaminado
por exemplo com Escherechia coli, bactéria presente nas fezes animais, ou ainda com o vírus causador da
hepatite A. Alguns estudiosos, entre eles o professor Paulo Nogueira Neto, não aconselham mais o método
do escorrimento. Para amenizar este e outros problemas de contaminação, devemos proceder a
pasteurização do mel (veremos no próximo subcapítulo).

13.4 - Conservação do mel

Uma vez coletado e envasado nos vasilhames definitivos, em alguns casos o mel deve passar por
processos que visam reduzir a carga de microorganismos contaminantes, principalmente quando se trata de
espécies de reconhecidos hábitos anti-higiênicos, tais como: Mandaçaia (Melipona quadrifasciata), Jandaíra
Nordestina (Melipona subnitida), Uruçu Nordestina (Melipona scutellaris), Irapuá ou Arapuá (Trigona
spinipes), entre outras. A maioria dos pesquisadores concordam em afirmar que a Jataí (Tetragonisca
angustula) é a espécie mais higiênica entre os meliponíneos. Existem até observações sobre coleta de
fezes animais por Apis mellifera, fato que despertou a comunidade científica para o estudo das
propriedades antibióticas do mel desta e outras espécies de abelha.

O processo mais difundido e prático é o da pasteurização do mel, técnica inventada pelo francês
Louis Pasteur e altamente empregada até hoje nos produtos de origem animal como o leite. Devemos
proceder colocando os vasilhames em banho-maria controlando a temperatura do mel por termômetro
adequado, até atingir a marca de 72ºC, sempre mexendo o conteúdo para homogeneizar a temperatura,
tarefa que pode ser feita com uma colher ou com o próprio termômetro. Esta temperatura não deve exceder
por demais o limite em razão de modificar as propriedades do mel quanto a sua estrutura e também o seu
sabor. Sabe-se que em temperaturas muito acima da recomendada, pode haver formação de componentes
de significativa toxidez.

É comprovado que a pasteurização reduz a quantidade de peróxido de hidrogênio, principal fator


antibiótico do mel, porém, em contrapartida, elimina e inativa imensa parte dos microorganismos prejudiciais
à saúde humana, como o vírus causador da hepatite A, sobre o qual as substâncias antibióticas presentes
no mel parecem não agir contra.

O mel, pasteurizado ou não, deve então ser finalmente guardado em locais onde a luz natural ou
artificial não incidam diretamente, pois os raios, principalmente emanados de luzes fluorescentes,
"quebram" a estrutura do peróxido de hidrogênio, reduzindo os níveis deste importante elemento
estabilizador do mel.

O mel dos meliponíneos, se respeitadas as mais rígidas condições de higiene desde a extração até
o envase do produto final, aliada à época propícia para sua colheita, é um elemento de alta estabilidade
durando em torno de 12 meses, se bem acondicionado. Para aumentarmos sua "vida de prateleira"
podemos guardá-los sob leve refrigeração, condição que aumenta as chances de cristalização, que é um
processo natural nos méis mais idôneos e puros.

Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 6 de 12
PARTE III – TÓPICOS ADICIONAIS
CAPÍTULO 14 – POLINIZAÇÃO & AGRICULTURA

14.1 - insetos polinizadores


A produção de culturas por todo o planeta é altamente dependente da polinização realizada por
insetos. Como já mencionado no Capítulo 2, a diversidade vegetal nas florestas tropicais é mantida
essencialmente por abelhas nativas, responsáveis pela reprodução de 40 a 90% dos vegetais de
fecundação cruzada, conforme o ecossistema estudado. Na Europa, pelo menos 264 espécies de 60
famílias de plantas cultivadas dependem, ou se beneficiam, da polinização por insetos. A partir de dados
pesquisados neste continente é que vamos expor a seguir uma série de informações acerca do interesse
gerado pelos serviços de polinização prestados pelos insetos.

A diversidade botânica de morfologia, grau de compatibilidade inseto-planta e sexualidade das


flores requer uma igual diversidade de vetores de inseto para uma polinização eficiente. As flores da maioria
das culturas de campo são visitadas por uma gama típica de insetos, inclusive a abelha melífera (Apis),
várias espécie de Bombus, algumas espécies de abelhas solitárias e, em espécie de flores mais aberta, por
moscas, besouros ou borboletas. Alguns besouros polinizam cucurbitaceas (melancia, melão, abóbora,
moranga, pepino, chuchu, etc.) e oleaginosas (soja, girassol, canola, milho, etc.), borboletas polinizam
amora-preta, trevo e tabaco enquanto algumas moscas são comercialmente utilizadas em cultivos
protegidos de cebola, cebolinha, cenoura, morango e amora-preta.

Porém, em matéria de abundância e comportamento forrageador, não existem polinizadores mais


eficientes que as abelhas. A abelha melífera européia nativa (Apis mellifera) é, indubitavelmente, a espécie
que mais contribui para a polinização. É abundante e prontamente disponível; na Europa estima-se existir
cerca de 7.5 milhões de colônias mantidas por cerca de 500.000 apicultores. Em se tratando de um
alimentador generalista, visita e poliniza a maioria das culturas, contudo, em uma única viagem, é altamente
constante às espécies, o que faz destas abelhas um polinizador-cruzado (cross-pollinator) fidedigno,
embora não necessariamente o mais eficiente para todas as culturas.

Bombus (no Brasil conhecida como Mamangava) também são importantes. Eles são polinizadores
eficientes onde quer que sejam suficientemente abundantes, e particularmente importantes no norte da
Europa em épocas de extremo frio. São generalistas com predileção por flores largas, porém as espécies
diferem em comprimento de língua e consequentemente preferências de flor; espécies de língua comprida,
como Bombus hortorum e Bombus pascuorum são polinizadores importantes de flores com corolas
profundas como o feijão de campo e o trevo vermelho. Por causa da habilidade para zumbir-polinizar (buzz-
polinate), são polinizadores mais eficientes que abelhas melíferas em culturas de solanaceas (batata,
tomate, pimentão, fumo, berinjela, etc.) e de ericaceas (azaléas).

Desde que métodos para criar continuamente Bombus foram desenvolvidos nos anos 80s, o uso de
B. terrestris para a polinização induzida de frutos de melão, framboesa, passa, morango, pimenta doce e
tomate, além de cultivos protegidos de cenoura e couve-flor, cresceu drasticamente e o potencial para a
polinização de cultivos ao ar livre de valor alto, como amêndoa, maçã, cereja, pêssego, pêra e ameixa está
sendo avaliada.

A contribuição de centenas de espécies de abelhas solitárias nativas na polinização de colheitas de


campo é menor, pois raramente são numerosas nas culturas como Apis e Bombus e sua abundância é
restrita à proximidade de seus ninhos. Não obstante, alguma espécie de Andrena, Osmia e Anthophora
pode trazer uma contribuição útil quando outras abelhas estão escassas, e espécies de Megachile são
polinizadores importantes de alguns legumes. A maioria tem línguas curtas (Hylaeus, Colletes, Andrena,
Halictus, Sphecodes) comparado a outras com língua mais longa até mesmo que as abelhas melíferas (por
exemplo Anthophora).

.
14.2 - valore$$ da polinização
Uma avaliação econômica da contribuição da polinização por abelhas para a produção de 30
culturas na Europa foi alvo de pesquisa datada de uma década atrás, na qual atribuíram a cada cultura um
valor, 'o coeficiente de incidência ', baseado em sua dependência pela polinização por insetos e, neste

Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 7 de 12
trabalho, foi atribuído 85% para a polinização por abelhas melíferas. Foi estimado que as culturas tiveram
um valor de mercado anual combinado de US$ 65 milhões, sendo que a polinização por insetos contribuiu
com US$ 5 milhões e a realizada especificamente por abelhas melíferas contribuiu com US$ 4,2 milhões.

Existe grande preocupação da comunidade européia quanto ao declínio da fauna de abelhas, em


razão sobretudo da deterioração de habitat e incidência de doenças, como a Varroa mite (entrou na
Alemanha em 1977, Inglaterra, Grécia, Itália, França e Holanda em 1992, e em 1998 foi detectada da
Irlanda). Estudos levantaram que a distribuição e abundância de abelhas dependem, em grande parte, da
disponibilidade de uma sucessão sazonal de flores e locais para nidificação. Esta preocupação está
pautada no conseqüente impacto que a falta de polinizadores causará na produção agrícola européia e, em
um ciclo vicioso, a queda da produção acarretará menos recursos florais disponíveis para as abelhas.

Como resposta ao problema gerado, diversos encontros e simpósios foram realizados com a
finalidade de estabelecer ações que visassem barrar a diminuição de polinizadores no meio ambiente.
Nestes eventos foram levantadas saídas como:

a) pesquisas para determinar quais flores, cultivadas ou não, são polinizadas por abelhas, bem como
quais espécies de abelha ideais, densidades e benefícios econômicos da polinização por cultura e por
região;

b) adoção de políticas agrícolas para assegurar populações de polinizadores apropriados, dando-se


atenção particular para o desenvolvimento e melhoramento de técnicas de criação de abelhas solitárias
e Bombus;

c) fomento de indústrias apícolas e serviços de polinização, estimulando o uso de abelhas nativas, e


investigando o impacto da introdução de espécies exóticas em populações de abelha nativas;

d) investimento em políticas de uso e ordenamento do solo, conduzindo à utilização apropriada de áreas


agrícolas, arborizadas, semi-naturais e de conservação, minimizando a perturbação de superfícies de
terra que destróem locais de nidificação e desenvolvendo praguicidas seguros para abelhas; e

e) mais pesquisa sobre ecologia e taxonomia de abelhas para incluir fatores chaves (recursos florais,
disponibilidade de local de ninho, parasitas, doenças, predadores) afetando a dinâmica da população,
além de estudos raio de vôo e competição intra e interespecífica em relação ao arranjo temporal e
espacial de recursos.

A Agenda 2000 - Agricultura, documento de política da Comissão Européia que traçou diretrizes
para a Política Agrícola Comum na primeira década do próximo século reconheceu o papel crucial que a
agricultura representa, produzindo comida de qualidade alta, mantendo uma zona rural vitalizada,
protegendo paisagens e preservando o valor cultural, e recomendou aumentar recursos orçamentários e
linhas de crédito para atividades como cultivo orgânico, manutenção de hábitats semi-naturais, pomares
tradicionais, faixas de proteção ao longo de rios. Tais estímulos poderiam trazer benefícios para abelhas.

Porém, não há qualquer evidência que a Comissão de Européia tomou nota das preocupações e
recomendações feitas por seus cientistas acerca do tema polinização. A Influencia da indústria apícola
resultou em algumas melhorias criadas para apoiar a apicultura e, em particular, financiar pesquisa em
Varroa. Mas foi pouco, uma vez observada a dependência da produção agrícola européia em relação a uma
diversidade de abelhas e dos perigos que cercam uma super-dependência nos serviços de um único
polinizador, no caso as abelhas melíferas.

.
14.3 - o exemplo do Bombus
O uso lucrativo de espécies potencialmente polinizadoras está esperando só a descoberta do valor
delas, ou o desenvolvimento de técnicas para a criação destas. Relativo aos mais de 20.000 espécies de
abelhas, há o reconhecimento que quase todas possuem um certo papel na polinização e conduzem à
produção de sementes e frutas, e que as várias diferenças morfológicas entre estas espécies (tamanho de
corpo, comprimento de língua) estão relacionadas a um certo grau de especialização para os mais variados
tipos de flores.

Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 8 de 12
Com exceção de algumas espécie, estas abelhas não são criadas, os locais naturais de nidificação
não são protegidos nem respeitados, por quanto os serviços de polinização prestados "gratuitamente" por
espécies selvagens estejam ocorrendo suficientemente. Quando a polinização é considerada insatisfatória,
traz-se para o local um polinizador generalista, freqüentemente Apis mellifera, considerando que tal medida
resolverá todos os problemas. Porém o porquê do declínio natural da polinização sempre foi e continua
sendo uma pergunta sem importância.

O uso futuro dos muitos polinizadores não descobertos depende do estabelecimento de métodos
para os criar nas quantidades necessárias. O tempo necessário para tal desenvolvimento geralmente é
menosprezado. Além disso, criar é só uma parte de um sistema para o uso próspero de um polinizador
novo. O caso do Bombus terrestris na Europa, ilustra bem esta condição. Esta espécie se tornou um valioso
polinizador na agricultura intensiva desde 1988, quando foi introduzido na produção de tomates em estufa
nos Países Baixos e Bélgica, sendo que a espécie já tinha sido estudada e criada em laboratório durante
décadas.

A importância de Bombus, especialmente as espécies de língua comprida, foi reconhecido há mais


de um século, especialmente para a polinização do trevo vermelho e da alfafa. Por isto no século XIX
algumas espécies foram introduzidas na Nova Zelândia e na Europa. Durante o final do século passado,
foram intensivadas as pesquisas acerca da criação e uso de Bombus na agricultura, como nos trabalhos de
Hasselrot (1960), Holm (1960, 1966), Griffin et al. (1990), Röseler (1979) e Velthuis e Cobb (1990).

Por volta de 1985, Dr. Jonghe, veterinário belga e experiente criador com interesse em taxonomia
de Bombus, fez as primeiras observações sobre o valor de Bombus terrestris para a polinização de tomates.
Ele introduziu junto aos produtores de tomates da perte meridional da Holanda a técnica de manter colônias
em estufa. Os que confiaram no trabalho do pesquisador, mais tarde conseguiram preço recorde para seus
tomates. Em seguida, produtores daquela região se deram conta do valor da polinização por insetos e, no
ano seguinte, grande parte procurou o Dr. Jonghe para assimilar a técnica proposta.

Dr. Jonghe fundou sua própria companhia, "Biobest", prestando serviços especializados de
polinização para os produtores, seguido de outras iniciativas como "Bunting Brinkman", "Koppert Biologucal
System", e várias companhias menores, tornando difícil em poucos anos a vida de produtores que ainda se
utilizavam da polinizacao por vibração artificial nos Países Baixos. Três foram as causas principais para o
advento acelerado da criação de Bombus conjugada no cultivo de tomates:

a) competição no mercado por preço satisfatório (tomates polinizados por Bombus eram de qualidade
melhor comparada com frutos obtidos por vibração artificial);

b) baixo custo de mão de obra comparado aos custos da vibração artificial; e

c) menor utilização de tratamentos inseticidas, graças a tecnologia para controle biológico de pestes de
inseto em tomates de estufa já estar desenvolvida.

Depois dos tomates, seguiram outros produtos de estufa. O mais prevalecente foi o uso na
produção de pimenta doce, onde foi obtida uma qualidade superior do produto como resultado da
polinização pelo inseto.

A procura por colônias de Bombus criou dificuldades aos criadores comerciais em produzir a quantia
demandada. Foi então que as companhias maiores investiram nos pequenos detalhes inerentes à criação,
mais precisamente à ativação de rainhas, e cada uma desenvolveu suas próprias melhorias que, até o
presente, são mantidas como segredo comercial entre os competidores de mercado.

Um segundo problema estava no fato que colônias manipuladas produziam machos em maiores
quantidades comparadas às rainhas jovens selvagens. Como conseqüência, as partes meridionais da
Europa se tornaram locais favoritos para a coleta de rainhas jovens, especialmente espécies que produziam
colônias no inverno, como B. terrestris sassaricus. Esta coleta em massa cresceu com tal extensão que
reações governamentais se seguiram, e alguns países proibiram a atividade.

A explicação desse fenômeno está no fato da interação entre condições ambientais desfavoráveis e
o efeito da consangüinidade, conforme se observa em diversos outros Hymenoptera (uma série de alelos de
um locus sexual, quando em homozigose para este gene conduz a machos diplóides em vez de operárias
diplóides - ver capítulo 6.2). Isto indicou que, na fase de acasalamento, deveriam ser selecionadas rainhas
e machos de colônias diferentes. Por sorte, machos diploides são quase inferteis e, no caso de eles

Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 9 de 12
eventualmente ocorrerem, a sua baixa probabilidade reprodutiva reduz as conseqüências do surgimento
destes.

.
14.4 - mercado internacional
O sucesso da polinização com Bombus não permaneceu um segredo dos Baixos Países, e logo
ocorreu exportação em larga escala de colônias para outros países, dentro e fora da Europa.

Isto trouxe um novo problema. O ideal seria que cada país utiliza-se de espécies locais para
começar a criação, pois populações geográficas tendem a serem geneticamente diferentes, e misturando-as
provavelmente conduz-se a uma hibridação local, por vezes não desejada. Como conseqüência podemos
ter a introdução de parasitas e doenças em regiões onde elas não ocorrem naturalmente.

Vários países estimularam as companhias de criação para utilizar somente espécies locais, como
em Israel onde B. terrestris é nativo, ou nos EUA com B. impatiens e B. occidentalis. Por outro lado, há
aspectos não interessantes na criação exclusiva de espécies locais, sob a ótica da indústria de criação. Em
primeiro lugar porque, no caso da Europa, o tomate e a pimenta não são cultivados durante o ano todo,
fazendo com que um centro de criação local enfrente desemprego em parte do ano. Colônias produzidas
localmente, em combinação com transporte para países onde o ciclo da cultura a ser polinizada é diferente
traz boa vantagem econômica, pois permite ao criador de Bombus investir em especialização do pessoal,
baixando custos de produção e aumentando a eficiência da criação.

Em vista da acirrada competição internacional por preços, produtores em países onde Bombus não
ocorrem naturalmente, estão a buscar a importação deste polinizador. É o caso da Austrália e de alguns
países latino-americanos, como o Uruguai. Com relação à este país limítrofe com o Brasil, já existem
informações de que a espécie de Bombus importada está penetrando em território brasileiro, tal qual
ocorreu com outros animais e que trouxeram inúmeros impactos na fauna silvestre nativa. Por outro lado,
não podemos esquecer que foi a partir do Brasil que as abelhas africanizadas se espalharam pela
Américas, com velocidade impressionante. Na Rússia, somente entre 1994 e 1996, aproximadamente 70
agrofirmas russas importaram algo em torno de 7.000 colônias de Bombus terrestris de Israel, Holanda e
Bélgica, principalmente para polinização de tomates e outras Solanaceae. No Japão, o governo está
estimulando o desenvolvimento de técnicas para espécie de Bombus local mas, enquanto isso, permite
importação de B. terrestris da Europa.

O exemplo da introdução de Bombus terrestris em culturas de estufa demonstra, que a tecnologia


de criação tem de ser suficientemente desenvolvida antes da sua aplicação comercial. Caso contrário, o uso
de um polinizador novo poderá conduzir à excessiva competição com populações naturais. Melhorias na
tecnologia de produção só são medidas em valores econômicos, sendo aceitas por produtores mediante
uma perspectiva econômica concreta. Até mesmo no caso dos tomates holandeses, demorou anos antes da
prática com Bombus fosse assimilada como sinônimo de menor uso de praguicidas.

.
14.5 - panorâma brasileiro
O Brasil é um dos países com maior diversidade de polinizadores e podendo dispor dos serviços
dos mesmos a qualquer época do ano nas mais variadas regiões do país, trazendo, entre outros benefícios,
inestimáveis avanços na produção agrícola, gerando ao final do processo maior captação de divisas pela
exportação.

Para que este quadro se desenhe, é indispensável o investimento governamental em pesquisa, a


exemplo dos países europeus, que gere conhecimento acerca das espécies de polinizadores potenciais
para as mais diversas culturas, nas diversas regiões. Embora em ritmo não tão incrementado como a
complexidade do tema exige, muitos pesquisadores têm se dedicado ao estudo da polinização de vegetais,
principalmente nos últimos anos. A realização do fórum "São Paulo Declaration on Pollinators + 5", em
outubro de 2003, constituiu-se como uma grata conseqüência da atuação destes pesquisadores (Dra. Vera
Imperatriz Fonseca - USP, Dr. Giorgio Venturieri - EMBRAPA, Dra. Marina Siqueira de Castro - UEBA, entre
tantos outros) interessados em evitar o declínio das populações de polinizadores.

Abaixo segue uma tabela baseada em diversos trabalhos publicados até o momento, que mostra
uma série de culturas e seus potenciais polinizadores identificados nestas pesquisas:
Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 10 de 12
cultura abelha visitante família referência
Acerola Centris dirrhoda Anthophoridae Raw (1979)
(Malphighia punicifolia) Centris fuscata Anthophoridae Melo et al. (1997)
Centris sponsa Anthophoridae Melo et al. (1997)
Centris aenea Anthophoridae Castro e Silva (1998)
Centris flavifrons Anthophoridae Magalhães e Oliveira (1998)
Centris tarsata Anthophoridae Castro (2002)
Abacate Apis mellifera Apidae Castro e Silva (1998)
(Persea americana) Trigona spinipes Apidae Castro e Silva (1998)
Tetragonisca angustula Apidae Castro e Silva (1998)
Melipona scutellaris Apidae Castro e Silva (1998)
Frieseomelitta doederleinii Apidae Castro e Silva (1998)
Nannotrigona punctata Apidae Castro e Silva (1998)
Partamona helleri Apidae Castro e Silva (1998)
Melipona subnitida Apidae Castro e Silva (1998)
Coco Apis mellifera Apidae Castro e Viana (1997)
(Cocus nucifera) Trigona spinipes Apidae Castro e Viana (1997)
Auglochlora sp. Halictidae Castro e Viana (1997)
Dialictus sp. Halictidae Castro e Viana (1997)
Goiaba Apis mellifera Apidae Castro e Araújo (1998)
(Psidium guajava) Nannotrigona punctata Apidae Castro e Araújo (1998)
Trigona spinipes Apidae Castro e Araújo (1998)
Melipona scutellaris Apidae Castro e Araújo (1998)
Caqui Euglossa securigera Apidae Castro (2002)
(Diospyrus kaki) Apis mellifera Apidae Castro (2002)
Xylocopa gricescens Anthophoridae Castro (2002)
Centris fuscata Anthophoridae Castro (2002)
Macadamia Trigona spinipes Apidae Castro et al. (1998)
(Macadamia integrifolia) Apis mellifera Apidae Castro et al. (1998)
Nannotrigona punctata Apidae Castro et al. (1998)
Trigona fuscipennis Castro et al. (1998)
(Grewia asiatica) Apis mellifera Apidae Castro (2002)
Melipona scutellaris Apidae Castro (2002)
Exomalopsis sp. Anthophoridae Castro (2002)
Xylocopa suspecta Anthophoridae Castro (2002)
Pitomba Apis mellifera Apidae Castro (2002)
(Talisia esculenta) Melipona scutellaris Apidae Castro (2002)
Augochloropsis calicroa Halictidae Castro (2002)
Carambola Apis mellifera Apidae Castro (2002)
(Averrhoa carambola) Exomalopsis sp. Anthophoridae Castro (2002)
Augochloropsis calicroa Halictidae Castro (2002)
Exomalopsis auropilosa Anthophoridae Castro (2002)
Tamarindo Apis mellifera Apidae Castro e Oliveira (1998)
(Tamarindus indica) Centris aenea Anthophoridae Castro e Oliveira (1998)
Centris fuscata Anthophoridae Castro e Oliveira (1998)
Centris analis Anthophoridae Castro e Oliveira (1998)
Xylocopa suspecta Anthophoridae Castro e Oliveira (1998)
Partamona cupira Apidae Castro e Oliveira (1998)
Trigona spinipes Apidae Castro e Oliveira (1998)
Centris tarsata Anthophoridae Castro e Oliveira (1998)
Ceratina madeirae Anthophoridae Castro e Oliveira (1998)
Laranja Pêra Apis mellifera Apidae Castro (2002)
(Citrus sinensis) Trigona spinipes Apidae Castro (2002)
Canola Apis mellifera Apidae Toledo e Chiari (2001)
(Brassica napus e B. Trigona spinipes Apidae Toledo e Chiari (2001)
campestris) Tetragonisca angustula Apidae Toledo e Chiari (2001)
Soja (Glycine max) Apis mellifera Apidae Toledo e Chiari (2001)

Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 11 de 12
Com relação à resultados, no trabalho de Toledo e Chiari (2001) apresença de Apis mellifera na
cultura da canola trouxe um aumento significativo tanto no comprimento médio das síliquas (6,15%), quanto
na produção de sementes (de 10,1%). Tais dados revelam que a polinização cruzada efetuada por abelhas
é benéfica, mesmo em culturas com alto grau de autofecundação como a canola. No mesmo trabalho, em
culturas de soja visitação livre de Apis mellifera não ocorreram diferenças na produção de grãos e no peso
de sementes, porém na área impedida de visitação a produção de grãos foi menor e o peso das sementes
foi superior (em razão da maior disponibilidade de nutrientes para menor grãos.

O objetivo deste capítulo foi trazer à tona que o declínio da entomofauna, além das preocupações
com o meio ambiente, carrega toda uma questão sócio-econômica que pode vir a se tornar o fiel da balança
no futuro da raça humana, principalmente no que diz respeito à produção de alimentos para os próximos
séculos. Serve também como um lembrete para o valor comercial que algumas espécies de insetos podem
alcançar futuramente, muitas delas desprezada pelo homem nos dias atuais. Mais um motivo para se lançar
no universo que é a vida e criação de nossas abelhas sem ferrão.

Curso: Criação Racional de Abelhas sem Ferrão / Módulo IV - Mario César Milward de Luna - Página 12 de 12

Você também pode gostar