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Doce Rendição – Julie Tetel

Doce Rendição
Sweet Surrender
Julie Tetel Andresen

Disponibilização: Rosangela
Digitalização: Joyce
Revisão: Nádia
Uma força misteriosa atraiu um para os braços do outro...

Carolina do norte, 1825.

Para não perder sua fazenda, Cathy Davidson precisava urgentemente de ajuda.E o
destino trouxe-lhe Laurence Harris – um aventureiro que aceitaria qualquer desafio
por uma mulher de olhos cor de mel, cabelos com perfume das flores da macieira e
lábios doces como nectar...

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Ma o coração de Cathy foi se tornando prisioneiro desse enigmático estranho.Era o


poder de um grande amor ou a magia de uma diabólica sedução?

UM

Hillsborough, Carolina do Norte


Maio de 1825

Empoleirada num galho grosso de uma das macieiras, Cathy


Davidson examinava com olhos treinados as flores rosadas de um
ramo.
Por nenhuma razão, suspirou uma vez, profundamente, e
ergueu o olhar para a fileira de árvores do pequeno pomar. De onde
estava, num morrinho, avistava a floresta de pinheiros grandes
espalhando-se para o oeste. De repente, sua visão se embaçou
confusa, focalizou a pomar de macieiras, com as fileiras de árvores
magníficas de todas as suas variedades favoritas. Devia,
inconscientemente, ter mudado de posição, pois, de repente,
aconteceu algo inusitado.
O mundo ficou de cabeça para baixo e ela foi despetalando
as flores enquanto caía no espaço. Antes que pudesse agarrar um
galho, antes de se recriminar pela falta de cuidado, antes de imaginar
ossos fraturados, aterrissou com um baque amortecido.
No primeiro momento, sentiu-se aliviada, mas perplexa.
Percebeu, vagamente, que caíra sobre alguém, e devia ser um corpo
de homem, a julgar pelo cheiro de roupa de couro, pela rigidez e
regularidade do peito junto a seu rosto. O homem estava estendido
sob ela no chão e aninhava-a com braços fortes, sugerindo que
tentara apará-la na queda.
Após um momento de espanto, ela ergueu a cabeça para
encará-lo. Do ponto de vista limitado, o homem lhe parecia só queixo,
com os olhos fechados. Mesmo assim, apesar de se sentir tonta, tinha

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certeza de que nunca o vira antes.


Surpresa e aborrecida, Cathy se desvencilhou do abraço
apertado e acidental, pondo-se de joelhos, desajeitada. Piscou,
balançou a cabeça e, rapidamente, ajeitou o avental e a saia por
recato, quando percebeu que o homem abria os olhos. Ele focalizava
fixo, sem piscar, os galhos acima, que enviavam uma chuva de
pétalas. Então, virou o pescoço, mantendo o resto do corpo imóvel.
Cathy já estava de pé, e ele viu só a bainha de sua saia e seus pés
descalços.
Ela tentou falar, mas só conseguiu soltar um som de alívio.
— Ufa!
O homem se apoiou nos cotovelos. Ele também piscava e
balançava a cabeça. Então, percorreu-a dos pés à cabeça com o olhar.
Quando se encararam, ele arregalou levemente os olhos, num
combinação de espanto e surpresa, mas ela estava confusa demais
para registrar esse fato. No instante seguinte, ele adotava uma
expressão impenetrável e impassível.
Sem se importar em mascarar as emoções, Cathy disse a
primeira coisa que lhe veio à cabeça:
— O que está fazendo aqui?
— Salvando você... de uma... queda — balbuciou o homem,
sem fôlego.
As pétalas ainda caíam sobre eles. Ela afastou uma pétala
impertinente que se alojara sob o nariz e então levou as mãos aos
quadris.
— Não. Quis dizer o que você está fazendo aqui?
Ele tossiu, suspirou fundo e impulsionou-se nos cotovelos.
— Salvando você — repetiu. Ele se ergueu ágil, apesar do
corpo maciço.— Embora não soubesse que seria de uma queda.
— Não preciso ser salva — desdenhou Cathy, erguendo o
olhar para -encará-lo.
— Precisou de ajuda na queda — foi a resposta solene.

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— Nunca caí de uma árvore antes — respondeu ela, com


orgulho ferido.
— Não saberia dizer — respondeu ele.
— E verdade, você não saberia, não é? Ele balançou a
cabeça.
— Não, nunca fomos apresentados. Ela sorriu desdenhosa.
— Não achei que nos conhecíamos. Então, pergunto de
novo, senhor, o que estava fazendo aqui na minha propriedade,
ocultando-se debaixo das minhas macieiras?
Ele ergueu uma sobrancelha escura ante o verbo ocultando-
se, mas a expressão do rosto não o traiu. Respondeu indiferente:
— Estou colocando-me a seus serviços, senhora. Ela se
esforçou para manter a calma.
— Não anunciei que estava procurando empregados —
informou ela, confusa. — Por que quer se colocar a meu serviço?
— Para pagar meu débito.
— Débito para comigo?
— Hoje cedo — esclareceu ele —, na feira livre na cidade.
— Na feira livre? Hoje cedo?
Cathy arregalou os olhos e vislumbrou um fragmento de
lembrança daquela manhã. Lembrava-se dos desprezíveis irmãos
Watts, vindos do condado de East Orange, molestando um pobre índio
que vagava pela cidade. Não hesitara em enfrentar os irmãos
estúpidos, passando-lhes uma lição de moral e espantando-os dali
esculachados.
Vira o pobre índio apenas de costas, mas seu tipo
contrastava com o do homem ali diante dela. Ambos eram altos e
esguios, mas o índio da feira tinha os cabelos negros grudentos e
embaraçados, não limpos como os desse. Percebeu que o homem
usava as mesmas roupas do índio, colete, calça e botas de couro.
Entretanto, de costas, o índio lhe parecera sujo, maltrapilho até. As
roupas de couro estavam bem usadas, mas a camisa branca limpa era

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quase nova. Além disso, pela maneira como índio se colocara diante
dos irmãos Watts, imaginara que fosse muito velho e acostumado
àquele tipo de intimidação. O homem diante dela não devia ter mais
que uns vinte e cinco anos.
Nem tinha certeza de que ele fosse índio, agora que olhava
bem para ele. Tinha os cabelos bem negros, amarrados num rabo de
cavalo, olhos escuros, maçãs do rosto altas e a pele cor de cobre
novo. Notou também uma mancha de cicatriz antiga subindo pelo
pescoço. Apesar disso, à primeira vista, não parecia índio e só num
segundo momento pôde distinguir os traços nos rosto forte e
impassível. Certamente, era um rosto diferente. Agora, ele lhe parecia
bonito, com as pétalas sobre os cabelos desarrumados devido à
queda.
Após um segundo de silêncio, o estranho, percebendo que
ela estava confusa, recordou:
— Você estava carregando um cesto esta manhã e usava
outro vestido. Era azul. — Ele focalizou os cabelos. Não tinha dúvida
de que estavam tão desarrumados quanto os dele. — Também usava
um chapéu.
Cathy se esforçou para conciliar as duas imagens: o pobre
índio da feira e o homem jovem e saudável diante dela. Desistiu
quando ocorreu-lhe que, se fossem o mesmo homem, sua intervenção
podia ter sido desnecessária.
Detestando considerar-se supérflua, disse censurando:
— Suponho que gostou de achar que eu precisava do ajuda
numa queda, o que, naturalmente, nunca acontece, exceto em
ocasiões raras, e para fazer um papelão! Por que teve a idéia tola de
me amparar?
Ele respondeu muito sério.
— Não percebi que era tão pesada.
No espaço de poucos minutos, ela se sentira,
alternadamente, aliviada, perplexa, surpresa e aborrecida. Agora,

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sentia-se indignada. Embora ele dissesse a verdade, pois ela não era
nenhuma pluma, não pretendia agradecê-lo por ter amortecido a
queda.
Ao invés disso, manifestou-se, com a dignidade que aquela
situação ridícula permitia:
— Não posso estar contente por você ter cismado em ficar
atrás de mim, seguindo-me até em casa.
— Não a segui.
— Veio andando assim, suponho.
— Sim, vim andando — confirmou ele. — Deixei a feira,
meia hora depois que você partiu.
Ela ficou surpresa mais uma vez.
— Então, como me encontrou? Perguntou onde eu morava?
Ele balançou a cabeça.
— Não foi preciso. Seu rastro é fácil de seguir. Ela não se
lembrava de ter deixado nenhum rastro.
Manifestou desgosto.
— Bem, ainda acho que não precisava ser salva — insistiu —
e devo dizer, senhor, que teve tanta preocupação por nada.
Ele não respondeu. Para maior desgosto, ela notou que, para
um homem impassível, ele parecia muito presunçoso, pois emitiu um
fugaz olhar de desdém. Um chamado familiar chamou sua atenção:
— Srta. Cathy! Srta. Cathy! Olá! Onde está você?
— Aqui, Clive. O que me trouxe hoje?
— Ah, aí está você! — exclamou o sr. Clive Smith, surgindo
de trás de uma fileira de macieiras. —Quando não vi você na varanda
nem na casa, imaginei que estaria aqui. Estava certo! Mas devo
informar que vir atrás de você me coloca fora do horário! Desvio de
caminho!
— Nesse caso, podia deixar a correspondência na caixa —
sugeriu ela, prática.
— Podia sim, srta. Cathy, mas não teria absoluta certeza de

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que receberia a carta e gosto da satisfação de entregar em mãos,


sabe como é, só isso se compara à minha determinação em me
manter no horário!
Enquanto tagarelava vários outros comentários, o mais
eficiente e único carteiro de Hillsborough remexia na bolsa de couro a
tiracolo e retirava uma carta, que estendeu a Cathy com um floreio.
Cathy reconheceu instantaneamente a grafia no envelope,
mas não perguntou de imediato, pois sua atenção se voltou para o
comentário final do sr. Smith.
— Quem o senhor disse que voltava hoje? — indagou, sem
fôlego.
— Ora, o sobrinho dele! Ela apertou o envelope.
— O sobrinho de Old Hitch?
— E o que estou lhe contando, srta. Cathy! — confirmou
Clive, alegre. — O jovem Hitchcock MacGuffin voltou à cidade. Eu vi o
rapaz hoje. Com os meus próprios olhos! Quase me arrancou do meu
horário também, mas resisti à tentação de parar e conversar, pois o
motivo da volta é óbvio!
Cathy ergueu a carta. -
— Tem algo a ver com isto?
O sr. Smith encolheu os ombros, complacente.
— Parece do Old Hitch — comentou, apressado. — Recebi
uma também e tenho várias outras na bolsa. O Old Hitch ficou cheio
de manias antes de morrer, eu diria! Mas a verdade é que todo mundo
morre um dia e quem diria que o jovem MacGuff voltaria no dia
seguinte?
Cathy não diria. Sabia que o jovem Hitchcock MacGuffin, que
saíra de Hillsborough no ano anterior para morar em Raleigh, não
atendera ao pedido do tio para ficar a seu lado no leito de morte.
Corria o boato de que ele estava viajando a negócios e não
compareceria ao enterro. Ante a notícia de sua chegada, sentiu a
velha chama incomodar no coração. Tentando ignorar o sentimento,

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comentou:
— Naturalmente, é claro que o jovem MacGuff voltou para
prestar uma última homenagem ao tio.
— Ultima homenagem? E assim que chama? — alfinetou o
sr. Smith. Mas não esclareceu, pois já olhava por sobre o ombro de
Cathy. Perguntou, abruptamente: — Eh? Quem é aquele?
Cathy acompanhou o olhar do sr. Smith e viu um homem
silencioso parado a poucos metros de distância. Surpreendeu-se
novamente com a presença dele, pois ele se camuflara na paisagem
com a chegada do sr. Smith. Também observava-os e, sem dúvida,
ouvira a pergunta do sr. Smith sem fazer menção de responder.
Cathy falou por ele, como se ele não estivesse ali.
— Aquele homem me seguiu até aqui da cidade hoje cedo —
respondeu ela.
— Seguiu-a até aqui da cidade? — repetiu o sr. Smith,
alarmado.
— Bem, ele não me seguiu exatamente, ou pelo menos,
disse que não me seguiu — esclareceu Cathy —, já que eu deixei um
rastro claro. De qualquer forma, ele apareceu, debaixo da macieira
em que eu estava trabalhando.
— O que ele quer? — inquiriu o carteiro.
— Não sei.
— Quem é ele?
— Não sei.
O sr. Smith olhou para o homem.
— Ele é índio?
— Não sei — repetiu Cathy pela terceira vez. O sr. Smith
concluiu seu inquérito.
— Nem eu. Não me parece conhecido. Ele é daqui?
— Acho que não — variou Cathy. — Ele fala de um jeito
estranho.
O sr. Smith fez uma expressão de desaprovação. Sem baixar

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a voz, perguntou:
— Quer dizer, ele fala coisas impróprias para uma senhorita?
Cathy olhou para o homem silencioso e notou que a
expressão de seu rosto não se alterara.
— Não — declarou ela, rápido. — Quero dizer que ele tem
sotaque.
— Um sotaque índio? — especulou o sr. Smith.
— Não exatamente. — Ela gesticulou, dando a entender que
não sabia. — Não sei dizer, mas ele não é daqui.
— Quanto tempo ele ficou debaixo da árvore enquanto você
estava lá em cima?
Cathy não tinha idéia, nem sequer ocorrera-lhe a questão.
Subira em várias macieiras, examinando a qualidade e quantidade de
pólen e pistilos das floradas. Olhou para o homem silencioso, imóvel e
ereto. Já que ele tinha essa atitude de não fazer notar a sua
presença, podia ter estado sob seu nariz por bons quinze minutos sem
que ela tivesse notado.
O sr. Smith olhou para ele também e externou seus
pensamentos:
— Ele não parece perigoso, mas nunca se sabe. — Bateu na
bolsa de correspondência e comunicou: — Preciso voltar à minha rota.
Venha, srta. Cathy, vou acompanhá-la até em casa, onde tenho
certeza de que tem outras coisas para fazer.
Cathy também não achava que o homem silencioso era
perigoso e tinha certeza de que ele não lho faria mal,Como não tinha
mais nada a falar com ele, aceitou a oferta do sr. Smith em
acompanhá-la até a casa. Agarrou as meias e os sapatos que estavam
junto da árvore e foi com o carteiro, evitando pensar que no fundo só
queria mais informações a respeito do jovem Hitehcock MacGuffm.
Enquanto caminhavam pelo pomar, espantando as galinhas,
passando pelo chiqueiro e pelo jardim, o carteiro forneceu os detalhes
da volta do jovem MacGuff. Cathy estava tão entretida que,

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inconscientemente, enfiou a carta do Old Hitch no bolso da frente do


avental e a esqueceu. Atravessaram o gramado, ladeados de azaléias,
e chegaram à casa azul com varanda bem cuidada.
— E quem diria — continuava o carteiro —, que o jovem
MacGuff apareceria, como uma moeda novinha? Oh, ele parecia muito
bem!
— Bem vestido, quer dizer, Clive? — investigou Cathy.
— Sim, sim! — confirmou o carteiro. — Tudo comprado em
loja, até os cadarços, aposto! Sempre preocupado com a aparência, o
nosso jovem MacGuff!
Cathy franziu um pouco o cenho. Lembrou-se de alguns
moradores que se referiam ao jovem Hitchcock MacGuffin como
"cachorrinho tolo", e do tio, que sempre o chamara de "imbecil
arrogante". Ela achava que ele estava enganado, pois as pessoas
bonitas sempre tiram criticadas pelos menos favorecidos.
— Estou ansiosa em vê-lo novamente — declarou ela,
querendo parecer casual.
— Sem dúvida, vai vê-lo esta noite no baile. E você, mais
uma vez, trabalhou muito pelo Festival da Florada das Macieiras, srta.
Cathy! Bem, chegamos. — O carteiro olhou rua acima e abaixo. —
Não estou vendo o jovem MacGuff, mas aposto que ele vai passar por
aqui depois.
— Talvez já tenha passado —-sugeriu Cathy.
— Não significa que não passe de novo! — rebateu o
carteiro, alegremente. — Ele estreitou o olhar. — É a srta. Ginger que
estou vendo no fim da rua? Ora, que feliz coincidência. Tenho uma
carta do Old Hitch para ela também! Então, é isso, devo ir agora!
O carteiro atravessou o portão e desceu a rua. Cathy ficou
sozinha, olhou para o vestido marrom e imaginou se devia se
apressar, trocar de roupa e arrumar o cabelo, caso o jovem MacGuff
resolvesse passar. Voltou-se para a casa e percorreu a calçada de
tijolos que levavam à frente.

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De qualquer forma, não teve chance de se arrumar. Ao


chegar aos primeiros degraus da varanda, a srta. Ginger Mangum
avançou pelo portão.
— Cathy! — saudou Ginger, enquanto voava pelo caminho.
— Oh, Cathy! Preciso conversar com você, preciso de verdade!. —
Agitava os braços e amassava um envelope fechado numa das mãos.
Evidentemente, não estava interessada na carta. — É horrível! Sem
esperança! — choramingou.— Estou contente por encontrá-la em
casa! — E começou a soluçar.
— Sim, estou em casa — confirmou Cathy, desanimada,
apesar da emotiva visitante.
A reação de Ginger Mangum combinava com seu rosto.
Tinha belos olhos azuis, um nariz atrevido e lábios em forma de
coração. O rosto era adornado por cachos dourados. Ginger Mangum
era considerada a jovem mais bonita de Hillsborough, Sabia se vestir
e qualquer um que as visse juntas acharia Cathy comum e sem
atrativos.
Entretanto, perto da visitante, Cathy sentia-se comum e sem
atrativos, bem como competente e eficiente. Achava Ginger frívola,
mas gostava da amiga e estava feliz em poder oferecer seu ombro
para ela choramingar.
Ginger aceitou ficar na varanda, mas não queria tomar nada,
pois estava muito agitada, confessou.
-Não vou conseguir tomar nada na atual condição soluçou
ela. — Se uma bebida pudesse lavar tudo, mas não pode!
Cathy ignorou a negativa emocional, instalou Ginger no
balanço da varanda e largou os sapatos na porta da frente. Caminhou
até o poço sombreado por carvalhos na lateral do terreno.
Para sua surpresa, o homem silencioso do pomar estava
agora junto a uma das árvores. Cathy parou, pensando se devia falar
alguma coisa com ele, mas continuou até o poço. Ele olhava a meia
distância e não aparentou notar a passagem dela à sua frente. Estava

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bem à vista da rua e portanto, não estava se escondendo. Por outro


lado, estava tão quieto que duvidava de que alguém passando
notasse sua figura, assim como ela não notara.
Retirou um balde de água e voltou para o lado de Ginger,
dizendo:
— Não espero que isso lave a sua tristeza, minha querida,
mas poderá falar melhor depois de uma bebida refrescante.
Ginger se esquecera da recusa inicial e sorveu a água,
agradecida. Assim que Cathy se sentou a seu lado no balanço,
começou a história triste, quase engasgando com os soluços, mas
recuperou o fôlego quando Cathy lhe deu batidinhas nas costas. Uma
série de meias sentenças se seguiu, acompanhada de comentários
confusos que acabavam em mais lágrimas.
— E tudo culpa dela!
— Quero dizer, da sra. Travis, não é, querida? Ginger
voltou-se para Cathy.
— Claro que quero dizer a mãe de George! De quem mais
estaria falando? — questionou, amarga. — Ela faz comentários ruins
todos os dias e o pobre George acredita em cada palavra que aquela
mulher malvada diz!
— Foi George que lhe disse isso? — perguntou Cathy, meio
surpresa.
— Não dessa forma — respondeu Ginger —, mas
acrescente-se o fato de George ter que dançar duas vezes com Sylvia
Lee esta noite. Só posso concluir que a mulher malvada ficou falando
de mim.
— Ah!
— E George está apaixonado por mim e a mãe dele é
muito... muito... — ela fez uma pausa, em busca da palavra adequada
— ... malvada para permitir que ele se case com quem ama.
Cathy se compadeceu da amiga. Queria muito que Ginger se
casasse com o homem que amava.

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— Não estamos falando de casamento, mas sobre um baile,


querida — esclareceu ela. — Não deve interpretar mal as danças de
George com Sylvia, pois a sra. Travis comentou comigo que quer que
George dance com muitas moças esta noite.
Ginger parecia reprovadora.
— Não sou estúpida, Cathy — choramingou ela. Passou o
lencinho nos olhos e tocou o nariz. — O pai de Sylvia Lee é rico e o
meu, não. Para minha tristeza! Mas não para a de George! Ele nem
pensa nisso e eu sei que ele quer que eu seja sua esposa, embora
não possa oferecer um dote! Mas ele é um filho obediente demais
para se casar comigo contra a vontade da mãe.
Ginger começou a recitar as inúmeras qualidades que via em
George. O discurso terminou de forma meio repetitiva, com a
sensação de desejo de que ele mostrasse mais determinação ao lidar
com a mãe. Então, como se estivesse cansada de externar tanta
emoção, levantou-se e fez menção de partir. Cathy pousou o braço
maternalmente sobre seu ombro e acompanhou-a até o portão.
Ginger piscou várias vezes para afastar as lágrimas e já ia
embora quando viu o estranho parado perto da caçada. Arregalou os
olhos e perguntou:
- Quem é aquele?
A resposta de Cathy não foi original.
- Não sei.
Aparentemente muito pouco curiosa, a amiga emitiu apenas
uma exclamação indiferente e partiu.
Cathy voltou-se para o homem silencioso que estava bem
junto dela.

DOIS

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O homem observava a retirada de Ginger Mangum. Cathy


teve que suprimir a vontade de rir ao ver um traço de desgosto
naquele rosto antes impassível.
Ao invés de rir, exigiu saber:
— Bem?
O homem ainda acompanhava Ginger com o olhar.
— Sim, começo a ver — declarou ele. — Amortecer a
queda... — fez um gesto de desinteresse — ... não foi nada. Só um
pequeno serviço.
Ela insistiu, agora impaciente:
— Quem é você?
Ele lhe lançou o olhar.
— Sou o homem que vai livrá-la dos problemas dessa
mulher maçante.
Cathy riu e disse:
— Não preciso ser salva disso! Estou acostumada a ouvir os
problemas da srta. Mangum.
Ele assentiu.
— Sim. Imaginei que sim.
Num tom de reprovação, ela acrescentou, rápido:
— Bem, não só os problemas, claro. A srta. Mangum é
minha amiga e, quando se é amigo, incluem-se os bons e os maus
tempos. — Um pensamento a assaltou.
E o que o faz pensar que estou acostumada a ouvir a
problemas da srta. Mangum?
— Não é comum uma mulher jovem e desarmada
enfrentar três grandalhões que ameaçam um quarto homem
desconhecido a ela. Tal mulher deve estar acostumada a cuidar dos
problemas dos outros.
Cathy quase ficou boquiaberta, mas não ia se deixar desviar
de seu propósito.

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— Tudo bem, então, quem é você? E não me diga que e o


homem que veio me livrar da minha amiga! Ao invés disso, vamos
começar de novo. Qual é o seu nome?
— Laurence Harris. Ela ficou surpresa.
— Laurence Harris?
O silêncio dele confirmou que ela compreendera bem.
— Bem, por que não disse isso em primeiro lugar?
— Você não perguntou. Aflita, ela continuou:
— De onde você vem?
— Maryland.
Agora, ela estava espantada.
— Maryland?
Desta vez, o silêncio parecia sugerir algo mais. Ela lhe
lançou um olhar.
— Não, não tenho o hábito de repetir tudo o que todos
dizem — informou. — Se pareço surpresa, é só porque não pensei que
tivesse um nome comum ou viesse de um lugar comum. — Com uma
ponta de incredulidade, indagou: — Então, nasceu em Maryland?
— Nasci em Massachusetts.
— Nascido e criado em Massachusetts?
— Não, criado em Quebec.
— Oh. Isso o faz francês?
— Não.
Ela aguardou em expectativa e então perguntou:
— O que você é?
— Meio iroquês, meio galês-britânico.
Ela o analisou com atenção e ele aceitou o olhar avaliador
sem piscar um olho. Para uma mulher que vivera a vida toda em
Hillsborough, Carolina do Norte, e que era descendente de irlandeses
e escoceses padrão, a vida e a ascendência do sr. Harris pareciam
alienígenas. Ainda assim, não sentia motivo para ter medo dele e
reafirmou essa impressão ante o fato de o sr. Harris responder às

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suas perguntas diretas com respostas diretas. Ficou tentada a


perguntar sobre a mancha de cicatriz no pescoço, mas decidiu não
tirar vantagem da franqueza.
— O que está fazendo na Carolina do Norte?
— De passagem, estou indo para o oeste.
— E agora, se me permite, o que está fazendo na minha
propriedade?
— Me pediu para não repetir o meu motivo. Embora a
réplica fosse educada, alguma coisa nele indicava que ele não apenas
se sentia em débito, como também que se divertira com aquele
incidente na feira livre. Ela o observou com atenção. Era alegria que
via nas profundezas daqueles olhos negros? Realmente, era difícil
decifrar quando o homem tinha um rosto tão inexpressivo!
— Oh, está certo — declarou ela, irônica —, você veio pagar
o seu débito, colocando-se a meus serviços.
Ele assentiu levemente. Era um gesto de respeito.
— Já que não estou precisando de empregados, pode me
dizer o que pretende fazer?
— Não sei ainda.
— Nem vai descobrir! Por favor, entenda que não me deve
nada.
— Ninguém nunca me ajudou da forma com que você fez
esta manhã.
Ela avaliou o rosto novamente. Um novo brilho no olhar a fez
imaginar se ele estava rindo dela. Via pouco divertimento, ou
qualquer outra emoção, no olhar ou na curva da boca.
— Vamos deixar assim, você já me pagou o que devia
quando amorteceu a minha queda, o que nunca acontece, sabe.
— Sempre há uma primeira vez. Como aconteceu? Cathy
não tinha certeza.
— Devo ter perdido a concentração. Num instante, estava
examinando a florada. No instante seguinte, estava caindo no espaço.

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Ele assentiu, sem dizer nada.


O silêncio, observou ela, era cheio de significado.
— Sei que acha que amparar a minha queda foi um serviço
pequeno e, bem, não quero ser rude, mas preciso entrar. — Estava
ficando ansiosa em se arrumar para o caso de o jovem Hitchcock
MacGuffin aparecer na rua. — Então, estava imaginando se, se eu
disser obrigada por me aliviar a queda, você irá embora...
Antes que ele respondesse, uma segunda pessoa atravessou
o portão, muito agitada, caminhando apressada até Cathy.
O homem era jovem, mas não muito, de altura média, rosto
bonito e um queixo que demonstrava fraqueza. Trazia na mão uma
carta aberta igual à de Cathy, no bolso do avental. Também não
parecia muito interessado no conteúdo da carta. Evidentemente, tinha
outras preocupações na cabeça.
Cathy o saudou com suavidade.
— Ei, George.
— Srta. Cathy! Preciso falar com você!
— Claro, George — declarou ela, mostrando a varanda e o
balanço. — Não estava esperando por você, mas certamente podemos
conversar.
— Ia voltando para a loja, pois fui em casa ver minha mãe
— explicou ele —, e deve saber quem eu encontrei!
— O sr. Smith — adivinhou Cathy.
George olhou para a carta e franziu o cenho.
— Sim, vi o sr. Smith, mas esse não é o ponto! Cathy subiu
alguns degraus.
— Então, devo crer que encontrou a srta. Mangum também.
George a acompanhou.
— Isso mesmo! — confirmou ele, como se uma tragédia
tivesse acontecido. — E é exatamente sobre isso que queria conversar
com você! Preciso de um conselho!
— Sente-se aqui comigo — convidou ela, tranqüila, enquanto

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se instalava no balanço pintado a cal —, ou prefere a cadeira?


George não queria nada. Ficou andando de lá para cá na
varanda, agitando a carta na mão. Estava tentando compor o que
diria quando parou no fim da varanda e olhou distraído para o pátio
lateral. Então, enrijeceu-se como se alerta.
Estendendo o braço dramaticamente, perguntou alto e rude:
— Quem é aquele?
Cathy olhou na direção apontada.
— O sr. Harris.
— Quem é o sr. Harris?
— Um homem de Maryland.
— O que ele está fazendo aqui?
— Indo para o oeste.
— Como todo mundo neste país — ironizou George —, e, se
ele é de Maryland, está indo para o sul. O que ele está fazendo aqui?
— Ele estava comigo no pomar.
— Ele também cultiva maçãs? Ele não parece ser um
plantador de maçãs.
Cathy não estava com vontade de entrar em detalhes e,
embora não fosse dada a mentiras, inventou:
— A srta. Martha do viveiro Lindley mandou o sr. Harris aqui
para inspecionar os novos enxertos.
George considerou essa informação. Os Lindley têm
parentes em Maryland — contornou —, mas não com nome Harris. —
Voltou-se para Cathy. — Ele não é parente dos Lindley, é? Não sei.
George não largava a questão.
— Se ele está só de passagem indo para o oeste, por que a
srta. Martha o mandaria aqui para inspecionar os enxertos? E, além
disso, se está aqui para inspecionar, por que não está lá no pomar?
Cathy ergueu a mão.
— Por que não pergunta a ele?
George parecia espantado com a sugestão.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Ele pode ouvir?


— Tenho certeza de que sim.
— Não é surdo ou algo assim?
— Não, não é surdo. George resmungou.
— Pensei que ele fosse um tronco, a princípio. Cathy olhou
para o sr. Harris, de pé, imóvel, à frente de alguns carvalhos. Estava
convencida de que se enganara ao achar que aquele homem tinha
senso de humor. Se ela fosse objeto de uma conversa tão absurda, já
teria dado uma risadinha a essa altura. O rosto do sr. Harris,
entretanto, continuava impassível. George, de repente, perdeu
interesse no assunto. Voltou-se na varanda e começou a andar de
novo.
— É mais do que se pode agüentar, é o que eu digo. Ter que
ver as lágrimas de uma mulher noite e dia.
— Sim — concordou Cathy, solidária. — A srta. Ginger
estava preocupada quando saiu daqui há poucos minutos.
George estacou, espantado.
— A srta. Mangum saiu chorando?
— Pensei que dissera que a encontrara há pouco e ficou
preocupado com as lágrimas dela.
—- Estava me referindo à minha mãe, se quer saber, que
parecia um regador! E mais do que um homem pode agüentar, eu lhe
digo, srta. Cathy! Mas e isso agora sobre a indisposição da srta.
Mangum? Quando a vi agora há pouco, estava sorridente e bela! Que
disposição doce e perfeita.
Cathy mordeu o lábio.
— A srta. Ginger estava preocupada com o que, segundo
ela, seja a oposição de sua mãe ao casamento de vocês.
— Que inferno! — externou George. Olhou para o teto e
pediu forças. — Além de ter que viver com uma mãe que chora o
tempo todo, tenho meus assuntos particulares alardeados por toda a
vizinhança!

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Cathy foi gentil.


— Não acho que a conversa que a srta. Ginger teve comigo
possa se classificar como fofoca na vizinhança.
— Sim, mas qualquer um passando pela rua podia ter
ouvido!
— Felizmente, ninguém passou e o sr. Smith já tinha ido
embora quando a srta. Ginger chegou.
— Bem, ele ouviu! — George mais uma vez, apontou na
direção de Laurence Harris. — E você me disse que ele não é surdo!
Cathy olhou na direção apontada pelo braço e descobriu que
o bode, Smokehouse. que odiava estranhos, estava sob a sombra do
sr. Harris e que a gata manhosa, Tia Raquel, que detestava o bode,
estava aninhando-se aos pés do homem.
Cathy voltou a atenção a George.
— Já que o sr. Harris só está de passagem, duvido de que
ele esteja interessado nos seus assuntos ou nos de qualquer outra
pessoa. — Estava inclinada a pedir a George que mantivesse a voz
baixa se quisesse manter particulares seus assuntos particulares, mas
duvidava de que adiantasse. — E a srta. Ginger só veio aqui para
buscar consolo, não para trair confidências.
— Mas disse que ela estava chorando, então, ela deve ter
contado por que estava chorando.
— Não foi preciso — declarou Cathy —, porque eu já sabia
que tinha a ver com Sylvia Lee e as danças que fará com ela esta
noite.
George parecia incrédulo.
— Sabia? Como soube disso?
— Sua mãe comentou sobre Sylvia todas as vezes em que
fui visitá-la neste mês.
George emitiu um som de desgosto.
— Por algum motivo, minha mãe gosta de você. Cathy
apoiou as mãos primorosamente no colo.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Muito obrigada, George.


— O rosto bonito ficou cômico.
— Que droga, srta. Cathy! Não quis dizer...! E que...!
— Levou a mão ao coração. — Não tive intenção de insultá-
la! E que minha mãe gosta de tão poucas pessoas, sabe. E nem
preciso dizer que é a pessoa mais estimada em toda Hillsborough!
Cathy sorriu, aceitando as desculpas de George, certamente
mais divertida do que aborrecida com sua observação.
— É verdade que a sra. Travis é uma pessoa difícil
— reconheceu —, e sei que ela gosta da srta. Sylvia,
enquanto que não gosta da...
—... srta. Mangum! — finalizou George. — O mulher mais
doce imaginável! E muito bonita também! — Ocorreu-lhe uma idéia, e
franziu o cenho. — Talvez a beleza dela tenha me cegado para a
preocupação dela. Que péssimo exemplo de amante eu sou!
Sem querer que ele caísse num estado de auto-reprovação,
Cathy ofereceu, rápida:
— Pode consertar isso esta noite, dando especial atenção à
delicadeza das emoções dela.
— Mas tenho que dançar com a srta. Sylvia — resmungou
George.
— Então, dance com ela.
— Duas vezes!
— Dance com a srta. Sylvia duas vezes e, para ficar seguro,
dance com todas outras casadoiras que puder.
— Não há outras casadoiras — lamentou George. Cathy
ignorou o insulto à sua pessoa.
— Então, dance com outras não casadoiras mais velhas —
sugeriu, calma. — Apenas dance, bastante e não só com a srta.
Ginger ou com a srta. Sylvia.
George assimilou o conselho, suspirou fundo e exclamou:
— E tudo culpa do reverendo Lee.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— É?
— Nem ia haver dança esta noite — resmungou George,
severo — o Old Hitch morreu ontem. O reverendo devia ter adiado!
— Old Hitch deixou claro ao reverendo antes de morrer que
o Festival da Florada das Macieiras devia acontecer de qualquer
forma. Nós todos concordamos, George, você sabe, honrar o último
desejo de Old Hitch, dançando esta noite e enterrando-o amanhã. —
Acrescentou num tom prático: — E, se o baile for cancelado, os seus
problemas só serão adiados, e não solucionados.
George levou a mão à sobrancelha.
— O que devo fazer?
Cathy suspirou. Não via motivo para tentar fazê-lo entender.
Era hora de táticas de postergação. Contemplou a figura elegante de
George, parando num detalhe.
— Para começar, podia abrir a carta que tem aí — sugeriu,
enquanto procurava a sua própria carta no bolso do avental. — Veja,
também recebi uma e, se não me engano, é de Old Hitch.
A tática de Cathy funcionou. George olhou para a carta com
surpresa exagerada e passou a dar-lhe toda a atenção.
— Talvez ele tenha escrito a todo mundo, informando que
mudou de idéia e que gostaria de que todos ficássemos em casa hoje,
em respeito — sonhou.
Abrindo o envelope com o dedo, Cathy comentou:
— É mais provável que ele tenha nos escrito para informar
o quanto somos estúpidos!
George riu e lembrou-se do gênio forte de Old Hitch
enquanto abria o envelope.
— Não tenho dúvida do mundo para o qual Old Hitch foi
levado. O homem tinha uma língua ferina!
Cathy sorriu, lembrando-se do habitante mais ranzinza, mas
parou quando leu a carta. Piscou, releu várias vezes as linhas, olhou
para George e viu que ele também estava confuso.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Não faz sentido! — exclamou o rapaz, em desgosto. —


Não faz nenhum sentido! Acho que preferia a linguagem direta de Old
Hitch. Pelo menos uma ralhação faria mais sentido do que isto!
— A sua carta fala alguma coisa sobre maçãs?
— Maçãs? Por que falaria? Só o que tenho são duas linhas, e
é sobre terra. Nem mesmo uma saudação.
— Só tenho duas linhas também — informou Cathy —, e é
sobre maçãs. Não tem saudação, tampouco. O que diz a sua?
George leu em voz alta:
Juntos verão, mas também perguntarão: Que mais tem Old
Hitch, além de uma pequena gleba?
Ergueu o olhar.
— Não ia perguntar uma coisa dessas — comentou —, e por
que perguntaria? O que a sua carta diz, srta. Cathy?
Cathy leu em voz alta:

Maçãs não caem longe das árvores


Tente pomo puder, diga, faça os desejos seus.
Ela balançou a cabeça.
— Também não faz sentido — opinou. — O homem era
impossível!
George concordou e, como já estava fora da loja mais tempo
do que pretendera, fez menção de partir.
Cathy ergueu-se do balanço e acompanhou o amigo.
Enquanto caminhavam, comentaram sobre as linhas
incompreensíveis. George aventou a possibilidade de ser uma
brincadeira e de Old Hitch não ter nada a ver com aquilo.
— Pode ter razão — concedeu ela. — Para começar, Old Hitch
não podia ter enviado as cartas em pessoa, já que ficou de cama na
última semana. Além disso, ele nunca foi misterioso. Genioso, sim,
mas nunca misterioso. Genioso até o fim.
Uma voz se manifestou:

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Ge-ni-o-so? O que isso significa?


Cathy olhou para o sr. Harris. Acompanhado do bode, da
gata e também do velho cão de caça, Black Twig.
— Uma pessoa difícil, intratável — explicou ela. — Não é
isso, George?
O amigo não tinha intenção de definir o termo. Olhava para
o homem silencioso.
— Não têm essa palavra em Maryland? — ralhou, franzindo o
cenho profundamente.
— Não sei — respondeu Harris.
— Claro que têm, George — apaziguou Cathy. — O sr. Harris
não é de Maryland originariamente — explicou —, ele só está vindo de
lá no momento.
Harris perguntou:
— O sobrinho do homem que chama de genioso também é
genioso?
George deixou de franzir o cenho.
— Dos muitos termos que têm sido usados para o sobrinho
de Old Hitch, genioso não se inclui — retorquiu. Então, especulou: —
De onde mesmo disse que vinha, sr. Harris?
— Eu não disse — replicou Harris.
Cathy sabia que somente uma pergunta direta levaria a uma
resposta direta do sr. Harris.
— Se quer saber, George, ele nasceu em Massachusetts,
mas foi criado em Quebec.
George hesitou à menção de Quebec. Parecia que não sabia
bem onde ficava.
— Bem, tenho certeza de que os Lyndley não têm parentes
em Kaybeck. Também não têm ninguém em Maryland com nome
Harris, até onde sei. Para o homem silencioso, perguntou: — Você não
é parente dos Lyndley, é?
— Não.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Satisfeito, George voltou-se para Cathy.


— Eu não disse que ele não era parente da srta. Martha e
da família dela? Confere, já que ele vem de Kaybeck.
Harris olhava por sobre o ombro de George e perguntou:
— E aquele é o sobrinho que não é genioso chegando?
Aquele que chamam de jovem Cock?
Cathy se empertigou e piscou desconfiada para o homem
silencioso que se mantinha inexpressivo.
George abafou um suspiro.
Ela balançou um pouco a cabeça. Não tinha tempo para
imaginar se o sr. Harris tinha ou não um imprevisível e indelicado
senso de humor. Voltou-se e grunhiu ao ver o jovem Hitchcock
MacGuffin despontando na rua, vindo em direção da casa dela.

TRÊS

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

George tossiu.
- O sobrinho de Old Hitch atende pelo nome de jovem
MacGuff.
— Ah — proferiu Harris, sem mudar a expressão. George
observava o homem silencioso com alguma
curiosidade.
— Me diga, onde fica Kaybeck exatamente?
Enquanto os dois homens conversavam sobre geografia,
Cathy avaliou o estado lamentável de sua roupa, parando nos pés
descalços. Remexeu os dedos dos pés, frustrada por estar a ponto de
ser vista em seu pior estado pelo belo Hitchcock MacGuffin.
Em silêncio, amaldiçoou as visitas dos amantes, que a
impediram de se arrumar. Reservou algumas pragas para o brincalhão
que enviara as cartas, que lhe roubaram algum tempo também. E, já
que estava desabafando, decidiu que, de algum modo, era o sr. Harris
a causa do transtorno presente.
Olhando para a porta da frente e para a rua, por onde o
jovem MacGuff aproximava-se com rapidez, e então, de volta para a
porta, calculou o tempo que levaria para ir até a casa trocar de roupa.
Quando o sr. MacGuffin passou pela rua, entrando direto pelo portão,
desistiu de tentar melhorar a apresentação e conformou-se com seu
destino. Pousando a carta junto do vestido, suspirou e resmungou:
— E tarde demais.
Tendo concluído a conversa com George, Harris replicou:
— Pode parecer tarde, mas conseguirá consertar, se
empenhar nisso.
Embora confundisse Cathy, o comentário teve o efeito de
lembrar George que tinha obrigações e tarefas a cumprir.
— E tarde — concordou ele —, mas quanto a conseguir...
bem! Ainda veremos! Agora que o jovem MacGuff chegou, srta. Cathy,
vou embora, pois já conversei com ele esta manhã na loja. — A
Laurence Harris, ofereceu um conselho: — Agora que pude pensar no

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

assunto, preciso informá-lo de que o caminho mais curto de Kaybeck


para o oeste não é pela Carolina do Norte. Se quer explorar o Oregon,
sr. Harris, terá que desistir de seguir para o sul.
Harris aceitou essa sabedoria em silêncio.
— Vejo você mais tarde no baile — combinou Cathy com
George. Concentrando-se em Laurence Harris, inquiriu: — O que quis
dizer com: conseguirei consertar, se me empenhar?
Harris olhou para a carta que ela mantinha de lado.
— Acha que é uma brincadeira então, essas cartas?
— Que mais poderia ser?
— Reconhece a letra?
— É do Old Hitch — admitiu Cathy, relutante. — Ou, pelo
menos, se parece muito com a dele! Mas, veja, ele ficou de cama na
última semana e não estava em condições de despachá-las pelo
correio pessoalmente.
— E ninguém poderia ter feito isso por ele?
— Tenho certeza de que saberia se Old Hitch pedisse a
alguém para colocar as cartas no correio. A única pessoa que o visitou
com regularidade além de mim foi o reverendo Lee e ele não
mencionou sobre cartas ontem, quando Old Hitch morreu.
— O sobrinho podia ter feito o serviço pelo tio? Cathy olhou
para o portão, junto ao qual George parara para trocar umas poucas
palavras com o jovem MacGuff.
— Clive disse que ele chegou esta manhã.
— Um estranho de passagem poderia ter feito isso pelo
velho homem?
Cathy olhou severa para o homem quietão.
— Despachou as cartas ontem, sr. Harris? A resposta dele foi
franca:
— Não. Cathy refletiu.
— Estava na cidade ontem?
— Não.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Bem, então, o mistério permanece. Hoje é sábado e o sr.


Smith está distribuindo a correspondência que chegou à agência na
sexta-feira. Como morreu ontem à tarde, Old Hitch teria que ter
postado as cartas ontem de manhã. Se tivesse postado antes, elas já
teriam sido entregues há muito. — Cathy encolheu os ombros e
mostrou a carta em sua mão. — Deve ser obra de outra pessoa...
mas, claro, não sei dizer por quê.
— As pessoas frequentemente se sentem mais fortes pouco
antes de morrer — comentou Harris. — Se o velho se sentiu assim na
quinta-feira, poderia ter postado as cartas na quinta à noite, sem
ninguém saber.
— É possível — reconheceu Cathy, distraída, pois estava de
olho na rua, onde George se despedia do jovem MacGuff. — Mas
ainda não faz sentido!
— Faz tanto sentido quanto uma brincadeira —- argumentou
Harris —, e não se esqueça de que há duas cartas similares, que você
ainda não leu.
Preocupada com a presença de MacGuff, Cathy não estava
raciocinando direito.
— Mais duas cartas?
— Pelo menos.
Cathy não podia mais dar atenção ao que o sr. Harris dizia.
Esqueceu Old Hitch, as cartas, as lágrimas de Ginger Mangum e as de
George Travis. Esqueceu Laurence Harris, o incidente na feira livre e a
queda da árvore. O único homem que a fazia lamentar sobre seus
trajes caminhava em sua direção, com o chapéu novo na mão e um
sorriso que fazia seu coração derreter e a deixava confusa.
Em resposta, ela ergueu os cantos dos lábios, perdida
naquele sorriso, mas não tão perdida que não tivesse consciência da
própria lamentável figura. Somente quando o cão começou a latir
para o recém-chegado é que ela retomou ciência dos arredores.
Felizmente, o sr. Harris ordenou silêncio ao cachorro. Então, estranho

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

que era, afastou-se para o pátio lateral sem dizer nada, em direção
oposta ao pomar. Acompanharam-no um trio incomum, formado por
um cão, uma gata e um bode, arrancando mato aqui e ali.
Lá estava o jovem Hitchcock MacGuffin diante dela, muito
elegante no terno novo e com os cabelos bem penteados, os olhos cor
de âmbar fixos nela e o sorriso encantador bem colocado.
— Srta. Cathy —. saudou ele, num tom açucarado. Então,
apontando para Harris com a cabeça, perguntou: — Novo na cidade?
Cathy teve dificuldade em se lembrar. Respondeu um sim,
hesitante.
— Você ainda mantém esses bichos — comentou MacGuff,
zombeteiro.
Cathy levou na brincadeira, mas tentou defender os animais.
— O bode come tudo o que estiver à vista, sabe que nunca
consegui me livrar dele. E tia Raquel e Black Twig brigam como cão e
gato... — começou a se sentir tola, pois tia Raquel e Black Twig eram
cão e gato —, mas estão comigo há muito tempo... — Não sabia como
terminar a conversa e deixou por isso mesmo.
MacGuff deixou-a se atrapalhar um pouco antes de
comentar, suave, quase sugestivo:
— Faz muito tempo.
— Oh, sim — concordou ela —, um ano, na verdade. — Pôs
as mãos às costas e agarrou o pulso direito com a mão esquerda.
Sabia que estava diante de um almofadinha e começou a se desculpar
por sua aparência, sabendo que devia moderar, mas sentindo-se
incapaz de agir de acordo.
— Estava no pomar, com meu vestido mais velho, pois
posso me sujar ou rasgar o vestido num galho... como já aconteceu
dezenas de vezes, entende? E, bem, com uma tarefa aqui e ali, não
tive tempo para trocar de roupa, nem mesmo o avental, ou pôr as
meias e os sapatos, ou arrumar o cabelo, ou... ou...
— Ou lavar o rosto? — completou MacGuff, solícito. Cathy

2
Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

levou as mãos ao rosto, horrorizada.


— Está mal?
Ele sorriu abertamente e lhe ergueu o queixo com dois
dedos.
— Senhorita leve-me-a-sério-demais! — alfinetou ele. Cathy
sentiu-se aliviada. Ao mesmo tempo, sentiu-se ruborizar, mas as
emoções eram confusas demais para que identificasse o
constrangimento.
— Oh! Você estava brincando! — exclamou ela. — Mas,
como saber, se ainda nem entrei em casa depois de descer das
árvores... — Calou-se. — Mas já disse isso e não vale nada repetir...
— Interrompeu-se novamente, sabendo que estava se explicando
demais. Algo nos olhos e no sorriso charmoso dele deixou-a confusa.
Mudou de assunto. — Lamento pelo seu tio.
MacGuff aquiesceu.
— Obrigado, vou sentir a falta dele.
— Todos vamos — assegurou ela. Ignorou a voz interior que
aconselhava: Não vá começar a tagarelar sobre o falecido. — Foi pena
você não ter chegado antes da morte dele. Ele perguntou por você.
MacGuff deu de ombros.
— Estive cuidando de negócios durante toda a semana e
não sabia que meu tio estava tão ruim. Fico contente de pelo menos
ter chegado a tempo para o funeral.
Cathy aceitou as lamentações convencionais, embora
recordasse os comentários de Old Hitch sobre o sobrinho:
— Negócios? Diz que está ocupado com negócios? Em
Sanford? Quero que um raio caia na minha cabeça se ele não estiver
na frente de um espelho, provando roupa nova!
Mas concordou:
— Oh, sim, foi bom você ter chegado a tempo do funeral
amanhã. Quando soubemos que planejara uma viagem importante a
Sanford, ficamos preocupados. O reverendo Lee e eu, isto é... que

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

você não estivesse em Raleigh para receber a notícia e não pudesse


voltar para Hillsborough a tempo. E seria péssimo!
— Péssimo — concordou MacGuff, balançando a cabeça.
Cathy não pôde deixar de perguntar, em tom
esperançoso:
— E os negócios em Sanford? Foi tudo bem? Ele deu um
sorriso vencedor e comentou:
— Os fazendeiros em Sanford fizeram alguns pedidos. —
Deu uma piscadela coquete: — Mas não gosto de me gabar.
Cathy se alegrou com o sucesso do jovem MacGuff, contra
as previsões de seu tio.
Então, ainda sorrindo para ela como se fosse a única mulher
no mundo, MacGuff declarou ter "assuntos a tratar". Acrescentou que
não quisera deixar passar a tarde sem vê-la e que a veria novamente
no festival.
— Foi bom também o pessoal da cidade optar por realizar o
festival e tenho certeza de que o tio queria assim.
Com aquele comentário, o rapaz partiu tranqüilo.
Cathy permaneceu na calçada, tentando acreditar que o fato
de o jovem MacGuff não tê-la convidado para dançar não significava
que não dançariam juntos. Essa tentativa de se convencer foi
aplacada pela lembrança do festival do ano anterior, quando ele se es-
quecera completamente dela, pouco antes de sair de Hillsborough. Por
isso, sentia-se deprimida e menos atraente do que em qualquer outra
época do ano.
Mas não era hora de auto-piedade. Recompôs-se e olhou em
redor, avaliando cada árvore, buscando sinais do sr. Harris. Sem
encontrá-lo em nenhum lugar, pensou: "Bem, menos um problema".
Laurence Harris conhecia a linguagem dos animais o
suficiente para pedir silêncio a Black Twig quando ele latira para o
recém-chegado. Soubera também avaliar a situação e perceber o
momento de deixar a srta. Cathy.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Não ordenara aos animais que o seguissem, nem se opusera


quando o fizeram, mas deixara claro que não era seu senhor.
Atravessando a floresta que subia a colina, tomou a trilha que levava
à cidade. Deu uma lição de boas maneiras ao bode e discutiu com tia
Raquel a melhor maneira de lidar com Black Twig.
Aceitara bem a idéia de passar os próximos dias em
Hillsborough. Sabia, embora não precisamente, a natureza dos
serviços que prestaria à mulher que lhe caíra do céu. Estava confiante
de que logo a missão ficaria totalmente clara. Tão clara quanto o
rastro que ela deixara da feira livre à base da árvore no pomar. Vira-a
subira e, minutos depois, percebera quando ela começara a cair.
Nunca imaginara ser atingido na cabeça por um sinal. Não
sabia o que significava, mas não ia questionar. Segundo os
ensinamentos que recebera de Attean, a queda fora resultado de um
dedo do plano superior. A ele, restava apenas esperar que os
acontecimentos se definissem melhor, pois, como guerreiro, estava
preparado para o que viesse.
Ao deixar a propriedade de Cathy, lembrou-se de como
estivera perto de ignorar o incidente na feira livre e sair da cidade.
Entretanto, optara por não ignorar o fato, pois algo mágico e inusitado
lhe acontecera. Aceitava com naturalidade os débitos para com as
mulheres. Devia a vida à mãe, devia o corpo à desconhecida que o
salvara do incêndio no qual sua mãe morreu. E devia a alma à mulher
de Morgan, Bárbara.
A mágica daquela manhã residia na trivialidade. Exatamente
quando decidira se livrar dos três fanfarrões, essa jovem — essa srta.
Cathy — aliviara-o do esforço. Sem desperdiçar tempo e desgosto,
recebera um pequeno presente de uma estranha, tanto mais adorável
pelo fato de não ter sido necessário. Ela partira sem esperar agra-
decimento, sem achar que merecia algum. Então, a parte mágica e
inusitada: ao aceitar um presente não necessário, sentira um
movimento no peito, como se um fardo muito pesado lhe tivesse sido

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

retirado, ou como se um lugar nas trevas tivesse sido iluminado.


Então, seguira-a até o pomar, onde algo realmente extraordinário e
inesperado acontecera.
Partira de Maryland havia duas semanas, pegando a estrada
para a Virgínia com o único desejo de explorar novos territórios. Em
Petersburgo, tomara o rumo da Carolina do Norte, sem motivo,
cônscio apenas de que o destino estava se formando. Attean ensinara
que os sinais surgiam do nada, mas tinham origem no íntimo.
Tentou relembrar o que encontrara em Petersburgo: só
escuridão e confusão. Não estava acostumado a procurar algo e não
encontrar nada.
Teria rido sobre o incidente na feira, se soubesse como rir.
Só sabia que a série de eventos lhe causara momentos mágicos de
prazer. Estava convencido de que dera os primeiros passos na trilha
de uma missão maior.
Quando menino, chamavam-no de Tohinontan. Entendeu os
contrastes da vida através dos pássaros, com seus vôos e ninhos. O
ninho significava a hora de prestar atenção. Os vôos representavam
os momentos de sonho, ou de não prestar atenção. Aprendera que
um vôo controlado, ainda que não o tornasse invisível, podia tornar
sua presença praticamente despercebida aos outros.
Andou pela cidade sem ser notado. Ao chegar ao moinho,
seguiu o rio, pisando sobre o cascalho e as pedras ao longo das
margens. Quando o rio fez uma curva, afastou-se do leito, não sem
antes fisgar um peixe com um graveto que achara no caminho. Com o
peixe se debatendo na ponta do graveto, chegou a uma pequena
clareira, onde montara acampamento.
O cavalo se aproximou ao ouvir o assobio, recebeu o
alimento comprado na cidade, cheirou o peixe com desgosto e se
deleitou com os afagos do senhor.
Harris acendeu uma fogueira, assou o peixe e consumiu-o.
Jogou areia no fogo e posicionou as botas para secar. Tomara banho

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

de manhã e só precisava arrumar os cabelos, trocar a roupa pelas


vestes ocidentais e calçar os mocassins.
Após tratar das necessidades do cavalo para a noite,
escondeu uma pequena faca junto à perna e uma maior por baixo da
camisa. Pegou as flechas e o arco, só para se prevenir. O rifle e as
pistolas permaneceram na bolsa de montaria.
Voltou para a floresta densa, tomando uma nova trilha para
a cidade e, enquanto caminhava, lançou os pensamentos num vôo
alto pelos céus.

QUATRO

Cathy só se lembrou das palavras do sr.


Harris ao sair para o festival naquela tarde. Equilibrava uma
grande forma com pudim de pão enquanto comentava em voz alta:
— Mais duas cartas? Há mais duas cartas do Old Hitch que

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

eu não li? Só me lembro de ter visto a carta de Ginger, além da de


George e da minha.
Cathy fechou a porta da frente, despediu-se da gata tia
Raquel e passou pela varanda, ainda confusa com o assunto das
cartas. Só dera alguns passos na rua quando ouviu vozes vindo de
trás.
— Srta. Cathy!
— Ei, srta. Cathy!
— Podemos ajudar você?
— Vai ao baile, srta. Cathy? Vamos acompanhá-la!
Ela olhou ao redor para ver quatro homens conhecidos
coletivamente como "os rapazes", que raramente eram vistos
separados.
— Boa tarde, rapazes — saudou Cathy. — Sim, podem me
ajudar, já que estou carregada. Mas não deixe o Orin levar o pudim ou
não vai sobrar nada até chegarmos à rua Churton.
— Ahh! — lamentou Orin.
Hank, mais ou menos o líder, pegou a forma.
— Eu tomo conta — assegurou, mantendo o pudim longe de
Orin e sorrindo exageradamente. — E como está bonita, srta. Cathy!
— Perguntou ao grupo: — Ela não está bonita, gente?
Orin, aparentemente, não tinha opinião. Richard, um negro
grande, considerado o cérebro do grupo, concordou. Mas Boy, um
magricela loiro, foi sincero:
— Ela não parece muito diferente de hoje cedo na feira livre,
Hank, quando deu aquela lição nos irmãos Watts!
— Chama-se educação, seu simplório— disparou Hank.— E
o que se diz quando uma moça está indo a um baile. Você diz:
"Nossa, como está bonita, senhorita Quem-quer-que-seja". Você diz
isso quer ela esteja bonita, quer não!
— Ora, obrigada, Hank — declarou Cathy. — Estou muito
lisonjeada.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Hank aceitou o agradecimento.


— Senhorita Quer-quer-que-seja? — perguntou Boy, incerto.
Richard tentou melhorar a situação:
— Só fica bonita quando sorri como agora, srta. Cathy.
— Ora, obrigada, Richard — agradeceu Cathy.
— Ela não estava sorrindo esta manhã quando deu uma dura
nos irmãos Watts — comentou Boy. — Uuuiiiii! Ela me lembra o Old
Hitch.
— Falando do Old Hitch — interferiu Richard -— recebi uma
carta dele hoje à tarde, mas não entendi direito. Aliás, acho que era
dele.
Cathy ficou atenta.
— Carta?
— Sim, pelo correio — explicou Richard —, e entregue a
mim esta tarde por Clive Smith. Nunca recebi carta do Old Hitch
quando ele era vivo e fiquei espantado quando vi que era dele!
— Claro! — exclamou ela. — Clive Smith devia ter uma
segunda carta. — Ruborizou ao perceber que esquecera esse fato
porque estava preocupada em saber notícias da volta do jovem
MacGuff.
— Segunda carta? — perguntou Richard.
— Olha só — comentou Orin. — A srta. Cathy está ficando
vermelha, parece um pêssego.
— Não pode pensar em mais nada além de comida? —
censurou Hank.
— Nós também recebemos cartas do Old Hitch —
manifestou-se Boy —, mas tivemos que mostrar ao Richard para ele
nos ler.
— Fala alguma coisa sobre um alambique — comentou Orin.
— Old Hitch tinha um dos melhores alambiques da região, mas
mantinha escondido e era durão!
— Uma coisa de cada vez, rapazes — ponderou Cathy. — Eu

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Doce Rendição – Julie Tetel

recebi uma carta do Old Hitch hoje. George Travis, Ginger Mangum e
Clive Smith também, se não estou enganada. E agora estão me
dizendo que Richard recebeu uma em separado?
Era exatamente isso.
— E falava sobre um alambique? — confirmou Cathy. Hank,
Orin e Boy não tinham dúvida.
— A minha menciona alguma coisa sobre salvação —
informou Richard. — Muito estranho vindo de Old Hitch!
— As cartas continham apenas duas linhas, sem saudação?
— perguntou Cathy.
A discussão que se seguiu confirmou a suspeita de que
tinham recebido cartas semelhantes às que Cathy vira.
— Lembra-se exatamente das frases, Richard?
— Li tantas vezes, quebrando a cabeça, que acabei
decorando — respondeu ele. — Era assim:
Entre o tempo e a água, a água e o tempo O caminho da
salvação jaz numa caixa.
— Não faz sentido, senhorita. O caminho da salvação jaz
numa caixa? O que quer dizer?

— Não sei — concedeu Cathy. — E a carta de Orin, Hank e


Boy?
Os três olharam para Richard.
— Não me lembro das palavras exatas, mas sei que falava
de um alambique!
Richard levou um dedo à têmpora para se concentrar, mas
não conseguiu se lembrar.
— Só li uma vez em voz alta, não me lembro exatamente,
mas falava de alambique.
Cathy perguntou:
— E ninguém achou que poderia ser uma brincadeira de
outra pessoa?

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Não é minha — adiantou Richard.


— Não faz sentido ser brincadeira de alguém — opinou
Hank. — Também não faz sentido ser de Old Hitch, mas é o que
parece!
— Mas por que Old Hitch mandaria uma carta para Richard e
uma para vocês três? — conjecturou Cathy. — Por que não mandou
uma única carta aos quatro? Não me lembro dele falando de vocês
individualmente.
— Pode ser porque eu sei ler e os outros não — ofereceu
Richard.
— Não, deve ser porque Old Hitch quer esfregar na nossa
cara que ele se foi sem nos contar onde está o alambique, e Richard
não bebe — explicou Hank. — Salvação! Numa caixa. Bem, é onde o
Old Hitch está agora. Duvido de que ele tenha ido para o paraíso!
— É estranho pensar em Old Hitch se comunicando conosco
do túmulo — comentou Boy.
Chegaram à localidade do festival e foram saudados por
várias pessoas, e a conversa sobre as cartas foi esquecida. Cathy já
sabia, entretanto, que Old Hitch era mesmo o autor das cartas. Até
aquele momento, havia seis cartas, com duas linhas cada, doze linhas
no total. Pensou vagamente em perguntar a Clive Smith e a Ginger
sobre o conteúdo de suas cartas.
Esses pensamentos foram esquecidos quando chegou ao
quarteirão principal e começou a verificar se tudo estava em ordem.
Alguns homens estavam acabando de preparar a plataforma onde os
músicos ficariam e ela indicou o lugar onde as mesas deviam ser
montadas.
— Cathy, querida — saudou a sra. Travis, mãe de George,
com seu sotaque bem sulista —, que bom que veio me confortar.
— Confortá-la, sra. Travis? — indagou Cathy, sorrindo, ela
acariciou a mão da mulher em saudação, então, ajoelhou-se ao lado
da cadeira na grama. — Parece bem confortável aí nessa maravilhosa

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Doce Rendição – Julie Tetel

cadeira de balanço.
— Como é doce — retrucou a sra. Travis. — Sim, aqui está
bom e vou ter uma visão privilegiada das festividades. Naturalmente,
só posso olhar. — Suspirou. — Precisei da ajuda de George para
caminhar até aqui. Mas eu mesma trouxe a bandeja de bolachas,
apesar dos protestos do meu filho. — Sorriu, valente, mas debilitada.
Então, a sra. Travis levou a conversa ao tópico que ela, sem
dúvida, queria discutir desde o começo. Começou comentando a
delicadeza das moças, em particular o bonito vestido da srta. Ginger.
— É bonito — concordou Cathy, tomando o seu papel e
acrescentando: —, e o da srta. Sylvia também. Está vendo? A srta.
Sylvia foi até aquele grupo de moças bem ali.
— Ora, sim, lá está ela. Que grupo de moças adorável, devo
dizer. — A sra. Travis falava tranqüila e afavelmente. — Ora, a srta.
Ginger bem pode ser a mais bonita do grupo. Parece que ela ofusca
todas as outras, inclusive a srta. Sylvia que, devo acrescentar, é muito
bonita também.
— E verdade, uma moça muito bonita — concordou Cathy.
— E que disposição amigável — continuou a sra. Travis. —
Mais amigável até que, talvez, da srta. Ginger, embora não esteja
comparando as duas. E de uma disposição assim que o meu George
precisa numa esposa. O que acha, srta. Cathy?
Cathy estava mais que preparada para a pergunta.
— Eu acho, sra. Travis — declarou ela, segura —, que vai
ter que deixar George decidir por si mesmo. — Tomou uma das mãos
da matrona e reconfortou gentilmente. — Já que tem uma visão tão
boa aqui da pista de dança, vai poder ver quando e com quem George
dança e vai poder comparar a diferença da disposição dele ao dançar
com a srta. Sylvia e com a srta. Ginger.
A sra. Travis parecia surpresa.
— Acha que George vai tirar a srta. Ginger para dançar?
— A senhora e eu vamos ficar muito decepcionadas se ele

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

não a tirar para dançar — declarou Cathy, séria.


— Vamos?
— Oh, sim, pois assim nunca teríamos a satisfação de vê-los
juntos, não é?
— A satisfação... — repetiu a sra. Travis, confusa.
— Olhe, sei que estamos de acordo — declarou Cathy, com
um sorriso. Largou a mão da sra. Travis e levantou-se. — Vou verificar
o barril de sidra, Orin parece muito suspeito parado ali do lado.
Cathy advertiu os rapazes para que não tomassem sidra
demais. Então, circulou entre as pessoas, notando que havia um ar
sombrio devido à morte de Old Hitch.
Cathy sabia o que fazer. Pediu para que os músicos
começassem a tocar e abriu o baile dançando com Old Lloyd, depois,
com o prefeito Cameron e, a seguir, com o reverendo Lee.
Quando o pessoal entrou no espírito da ocasião, Cathy ficou
de lado. Recusava-se a se sentir triste por causa, da morte de Old
Hitch, pois prometera a si mesma guardar a tristeza para o funeral no
dia seguinte. Mas não deixou de notar que o jovem MacGuff flertava
com todas as moças, menos com ela.
Harris já estava alimentado com o peixe quando chegou ao
festival. Não comeu porco assado, beliscando apenas algumas
guloseimas, falava, só quando dirigiam-lhe a palavra e sabia como
fazer sua presença parecer inofensiva. Depois de avaliar o local,
concluiu que seu lugar era ao lado dos barris de sidra.
Enquanto dirigia-se aos barris, avaliou os quatro homens
que estavam lá, distribuindo as bebidas e confraternizando com
outros homens que se aproximavam para molhar a garganta. Calculou
sua chegada junto com a de George Travis, que o apresentou aos
quatro rapazes, Hank, Orin, Richard e Boy.
— Ele vem de Maryland — esclareceu George. — Ou era
Massachusetts?
— Dos dois — respondeu Harris, saudando a todos com um

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

único: — Olá.
Quando George se foi, Harris notou que o provável líder do
grupo observava-o, avaliador, olhando particularmente na direção dos
mocassins.
— Você é índio? — perguntou ele.
— Em parte — respondeu Harris.
— Que parte? — perguntou o líder, sorrindo.
— Da cintura para baixo.
Dois deles pareceram ficar impressionados com a resposta.
O de cabelos amarelos parecia confuso. O líder assobiou e comentou:
— Nesse caso, deve estar querendo molhar a garganta.
Harris tomou o conteúdo da caneca num único gole.
— Obrigado.
— Outro? — ofereceu o líder.
— Só se tomar comigo.
Três dos quatro homens trocaram olhares e aceitaram o
desafio. O negro declinou. Harris ofereceu a caneca novamente cheia
e saudou os três homens. Várias rodadas foram feitas, até que o
Barriga começou a parecer enjoado. Ele piscou e tentou focalizar as
imagens.
— Para um índio, você bebe bem.
Harris aproximou-se do Barriga e pousou o braço sobre os
ombros do homem embriagado.
— Da cintura para cima, sou galês e posso beber mais que
você em qualquer dia da semana.
— Qual é o seu nome, galês? — perguntou o negro.
— Laurence Harris— respondeu ele, soltando Orin, que
tossia, surpreso e aprovador.
— O que está fazendo em Hillsborough, Laurence Harris? —
perguntou Hank.
— Estou indo para o oeste. — Ele estendeu a caneca para
mais um gole.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Os quatro homens assentiram em reconhecimento. O galês


passara no teste inicial e a animosidade inicial transformou-se em
coleguismo.
— Quer saber sobre alguma moça? — perguntou Hank.
Harris olhou para a srta. Cathy, que estava de lado com outras moças.
— A srta. Cathy.
— A srta. Cathy não é graciosa — comentou Boy. Até aquele
momento, Harris não prestara muita atenção aos atributos físicos da
mulher que lhe caíra do céu. Verdade que ela não era bonita. Não, a
srta. Cathy não era o tipo de mulher para quem se olhava duas vezes
daquela forma. E agora que ele olhava para ela pela segunda vez, via
que seu penteado era mais prático do que sensual, e que seu vestido
azul, embora bonito, não era particularmente charmoso.
Nesse momento, Cathy olhou para a pista de dança e Harris
captou um brilho em seus olhos cor de amêndoa. Lembrou-se do tom
alegre de sua voz quando ela se confrontou com os rapazes na feira
livre naquela manhã, despejando palavras severas. Lembrava-se tam-
bém do embate final. Quando eles estavam saindo, um dos
arruaceiros resmungou dizendo que ela os estava fazendo de tolos. A
srta. Cathy respondera, irônica:
— Você não precisa da minha ajuda, Matthew Watts, para
parecer tolo!
Ao lembrar-se desses detalhes, sentiu alguma coisa densa
no peito, como sentira antes naquele mesmo dia. Observando-a rir e
tagarelar com as amigas, percebeu, pela terceira vez, mechas
douradas nos cabelos castanhos e a docilidade do sorriso generoso.
Tais observações inesperadamente levaram à lembrança do corpo dela
contra o seu depois da queda da árvore, Depois de refletir bastante,
decidiu que havia mais mulher nela do que viam os olhos.
Harris encarou Boy.
— Não?
— Não a considero graciosa — insistiu Boy.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— O que acha dela então?


— Mandona.
Os outros confirmaram.
— Ela nos diz o que fazer. Ora, nossa, ela diz a todo mundo
o que fazer.
— Ela não vai me deixar comer nem um pedaço do pudim.
— Ela comanda tudo por aqui. Igualzinho à mãe dela, há
alguns anos atrás.
— A srta. Cathy é prefeita? — perguntou Harris, impassível.
Orin, Richard e Boy exclamaram em uníssono:
— Aaaaiiii, não!
— Bem podia ser!
— Rufus Cameron aceita seus conselhos, claro... precisa
deles, porque ela tem boas idéias!
— Desafio você a tirar a srta. Cathy para dançar, já que
gosta tanto dela — provocou Hank.
Harris não alterou a expressão do rosto.
— Vou aceitar, se nenhum de vocês está à altura.
— Ele parou e olhou para cada um deles, até Richard.
— Bem, homens?
— Nós somos conhecidos por "rapazes" — informou Boy,
desnecessariamente.
— Oh, nós estamos à altura — respondeu Orin pelo grupo
—, mas não queremos estragar o divertimento dela.
— Está com medo, galês? — provocou Hank. Harris não
tinha a intenção de dançar naquela noite
e achava inadequado, desrespeitoso até, dançar com a
mulher que lhe caíra do céu. Entretanto, concluiu que seria menos
problema se aceitasse o desafio e tirasse a srta. Cathy para dançar.
Ele se voltou e tomou a direção das moças. Mudando de
idéia, decidiu que dançar com a srta. Cathy não traria maiores
conseqüências além daquelas já assumidas ao segui-la até o pomar.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Os rapazes observavam, atentos.


— Ela vai declinar — apostou Richard.
— Uuuuiiii! — externou Boy. — Ela vai dar o fora nele como
fez com os irmãos Watts!
— Nah, ela está aceitando — informou Hank, ligeiramente
surpreso.
Orin percebeu a vantagem do sucesso do galês.
— Nesse caso, vou pegar um pouco de pudim enquanto ela
não está olhando.
Os rapazes observaram enquanto o galês e a srta. Cathy
tomavam seus lugares entre os participantes na pista, e Hank ficou
ainda mais surpreso.
— Ora, ela até está sorrindo para ele.
— Um sorriso bonito — opinou Richard.
— Uuuuiiii!

CINCO

Dançaria comigo, srta. Cathy, por favor? — pediu o sr.


Harris.
Cathy ficou tão surpresa que quase recusou, desacostumada
a receber tais convites. Entretanto, foi incentivada pelas amigas, que
comentavam alegres que um homem — um estranho jovem e
misterioso — convidara a srta. Cathy para dançar. Sabiam que era
mais comum Cathy mesma arranjar seus parceiros de dança, sempre
escolhendo entre os velhos amalucados.

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Doce Rendição – Julie Tetel

Ambos de mãos dadas, o sr. Harris conduziu Cathy para o


meio dos outros participantes da dança e se posicionaram. Os
músicos tocaram as primeiras notas de uma quadrilha e os casais
começaram a formar a quadra. Por qualquer razão, Cathy sentiu-se
menos corajosa e desejou voltar à lateral da pista antes que a dança
começasse. Encarou o parceiro, disposta a implorar. Entretanto, ao
fitar seus cabelos negros brilhantes com mais atenção, percebeu por
que, naquela manhã, confundira o sr. Harris com um pobre índio. A
percepção fez com que esquecesse a falta de coragem de dançar com
ele.
— Seu cabelo estava molhado esta manhã — comentou,
sabendo agora que ele não estava sujo, nem maltrapilho. — E você
deve ter acabado de lavar os cabelos.
Ele a encarou, o rosto impassível.
— Sim, quando cheguei na noite passada, montei
acampamento perto do rio. — Não alterou a expressão ao perguntar:
— Por que menciona isso?
Cathy começava a conhecer aquela expressão. Embora
nenhum músculo de seu rosto se contraísse, captava o brilho afável
no fundo daqueles olhos escuros. Riu e disse:
— Quando vi você de costas hoje de manhã, pensei que
estivesse perdido, maltrapilho, precisando ser salvo daqueles
arruaceiros.
— E eu não sou.
— Devo dizer que não é maltrapilho — concedeu ela —, e se
é capaz de seguir rastros, diria que não está perdido, tampouco.
— Eu nunca me perco — assegurou Harris. — Mas você
ainda acha que eu precisava ser salvo daqueles arruaceiros?
Tal colocação a encostava na parede, mas ela reagiu e
externou o que achou ser a resposta perfeita:
— Deixe-me informá-lo, senhor, de que foi muito mais fácil
para mim ajudá-lo na feira com algumas poucas palavras bem

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

escolhidas do que teria sido para você colocar os músculos em ação.


Portanto, não precisa ficar pagando algum débito imaginário, porque o
incidente foi até divertida para mim.
A música começou, interrompendo-a e fazendo-a perceber
que era tarde demais para desistir da dança. Então, foram para o
canto, conforme o esperado, e juntaram as mãos, a direita sobre
esquerda.
— Dançar comigo faz parte do seu débito imaginário para
comigo? Me tirou para dançar só para eu não ficar lá parada feita uma
estátua?
— Não.
— Oh! Então, por que me tirou para dançar?
— Os rapazes me desafiaram.
A resposta dissolveu o constrangimento.
— Que absurdo! Vai aceitar qualquer desafio agora?
— Até certo ponto.
— Bem, por que os rapazes desafiaram você a dançar
comigo?
— Por nenhum motivo. Eu perguntei sobre você.
— O que eles disseram?
— Que você é mandona.
— Que eu sou mandona... — Cathy o encarou, notando o
brilho divertido nos olhos negros, mas forçou-se a resistir. Com fria
dignidade, perguntou: — Mais alguma coisa?
— Que você diz a eles e a todo mundo o que fazer e que
você comanda a cidade como a sua mãe comandava.
— Eu devia saber! — exclamou ela, desgostosa.
— Sim — concordou ele. — Supunha que soubesse disso.
Ela perdeu a pose e rebateu, amuada:
— Não. Quero dizer que devia saber que os rapazes diriam
coisas assim a meu respeito. E... — encarou-o — devia adivinhar que
você responderia às minhas perguntas sem tato algum!

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Sim — concordou ele novamente —, você devia


adivinhar. — Adotou uma expressão curiosa. — Preferia que eu
respondesse às suas perguntas de maneira indireta e desonesta?
— Estou falando de tato, sr. Harris, e isso não implica
fingimento necessariamente — explicou Cathy, na defensiva. — Tato é
uma qualidade muito útil para se cultivar, e devo acrescentar que,
quando digo a alguém o que fazer, faço isso com muito tato. As
pessoas me obedecem porque sempre estou certa...
Ele a interrompeu com uma simples colocação:
— Não respondeu à minha pergunta.
Por sorte, a dança exigiu que se separassem, dando a Cathy
tempo para se recompor. Quando se reuniram novamente, ela
declarou de maneira muito autoritária:
— No seu caso, sr. Harris, acho que é melhor continuar
falando direta e honestamente, como vem fazendo.
— Como sei que o seu conselho é bom? — Se acha muito
esperto, sr. Harris?
— Em absoluto — respondeu ele. Separaram-se, conforme
pedia a música. Quando reuniram-se novamente, acrescentou:— Mas
acho essa discussão engraçada.
— Bem, eu não acho! — exclamou Cathy, um pouco sem
fôlego devido ao exercício. Não se lembrava de ficar tão excitada ao
discutir e sugeriu que mudassem de assunto.
Harris concordou, mas não alardeou o fato de a música ter
acabado e todos já estarem se posicionando para a música seguinte.
— Sobre o que quer conversar?
Só quando os músicos começaram a tocar as primeiras notas
é que Cathy percebeu que outra dança estava começando. O sr. Harris
já tomava sua posição na fileira dos homens e ela não teve opção
senão tomar seu lugar também. Quando as fileiras de homens e
mulheres se aproximaram, respondeu:
— Quero conversar sobre você.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Ele assentiu, mas se distanciou antes que ela pudesse fazer


qualquer pergunta.
— Você dança bem — elogiou Cathy, quando se
reagruparam.
Harris meramente assentiu e ela percebeu que não
adiantava fazer perguntas indiretas. A dança não permitia uma
conversa mais contínua e, a cada aproximação, a conversa avançava
um pouco.
— Onde aprendeu a dançar?
— Em Maryland.
— Quanto tempo ficou lá?
— Dez anos.
Ela ficou surpresa com essa informação.
— E antes disso, morou no Canadá?
— Sim. Em Quebec, como já disse.
— Quem ensinou você?
— Quem me ensinou o quê?
— A dançar.
— Bárbara.
— Quem é Bárbara?
— A esposa de Morgan
— Quem é Morgan?
Essa resposta pareceu levar mais tempo para sair.
— Meu pai.
— Mudou de Quebec para Maryland com Morgan e Bárbara?
— Não.
Cathy precisou de tempo para raciocinar.
— Então, não foi criado pelo seu pai?
— Não.
— Quem criou você?
— Attean.
— Bem, quem é Attean?

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Meu avô.
— O pai de Morgan?
— Não.
— O pai de sua mãe?
— Sim.
— Sua mãe ajudou a criar você?
— Não.
— Então, não morou com seu pai quando criança?
— Só no primeiro ano.
— Por quanto tempo morou com Attean?
— Catorze anos.
Ela fez um cálculo rápido.
— Então, você tem vinte e cinco anos?
Ele não respondeu, simplesmente ergueu uma sobrancelha
negra.
— Bem, nunca se fez uma pergunta tão trivial?
— Nunca.
Passaram por baixo do arco que os outros casais formavam
com os braços.
— Não acredito — declarou ela —, mas não importa! Vamos
ver agora. Onde estávamos? Oh, sim! Por que morou com Attean até
os... quantos mesmo... quinze anos? Morgan largou você?
— Não.
— Como foi morar com Morgan então, nos últimos dez
anos?
— Fui atrás dele e o encontrei.
Cathy não tinha certeza de ter entendido direito.
— Quer dizer que não sabia direito onde ele estava?
— Certo.
— Com certeza, Attean ajudou você a encontrá-lo, não?
— Não.
Juntando tudo, ela perguntou, espantada:

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Você saiu de Quebec com quinze anos e encontrou seu pai


em... em Maryland?
— Sim.
— Fazia idéia de que ele estava em Maryland?
— Não.
— Pelo menos, tinha certeza de que ele estava vivo?
— Não.
— Então, como conseguiu?
Harris tinha uma expressão determinada, como Cathy nunca
vira antes. Seus olhos escuros brilhantes, pareciam frios, muito
confiantes. A curva que imprimia às sobrancelhas lhe davam um
toque arrogante. Apesar da camisa branca européia, estava diante
dela o caçador iroquês dos primeiros quinze anos da vida dele.
Ele simplesmente respondeu:
— Sempre encontro o que procuro.
Ela não tinha dúvida. Imaginou o menino sozinho,
procurando pelo pai.
— Sim, você disse que nunca se perde.
A dança exigia que se cruzassem com velocidade, e
ela aproveitou o tempo para formular mais perguntas.
Decidiu que seria mais educado parar de perguntar sobre o passado e
concentrar-se nos assuntos do presente.
— Então, me diga, quando resolveu sair de Maryland?
Durante o dia, Harris se mantivera distante e algo
ausente. Naquele momento, Cathy só podia dizer que ele
estava completamente presente.
— Parti no dia em que entendi que Morgan sofrera na vida
mais do que eu.
A música acabou e, de repente, ficaram um diante do outro.
Cathy ficara desconcertada com a resposta dele. Não queria que ele
pensasse que ela estava tirando vantagem do fato de ele sempre
responder direta e honestamente.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Tentou consertar:
— Quero dizer, há quanto tempo saiu de Maryland?
— Há dez dias.
— Oh — sussurrou Cathy, quase aliviada com a resposta
normal.
Ela ponderou sobre o comentário quanto ao sofrimento de
Morgan e o dele. Remoeu-o várias vezes em pensamento, avaliando,
conjecturando. Pensou em como poderiam conversar mais sobre esse
assunto, mas desistiu, imaginando que eleja dissera tudo o que queria
ou precisava dizer. Para um homem de poucas palavras, notou ela, ele
conseguia transmitir muita coisa.
Harris divulgara à srta. Cathy mais do que revelara em um
ano. Aprendera a dançar com a mulher de seu pai, Bárbara. Ela
perdoara a raiva do jovem guerreiro e chamara-o de filho. Ela lhe
ensinara inglês e muitas das convenções dos homens brancos, mas
não fora capaz de ensinar costumes americanos em apenas dez anos.
Laurence Harris não sabia que um jovem não devia convidar uma
moça para dançar mais do que duas vezes, muito menos três sem
interrupção.
A princípio, Harris não desejara dançar com a srta.
Cathy, mas, já que começara, não via razão para parar.
Tratava-se de uma boa parceira de dança e queria continuar junto
dela, pois gostava do som de sua voz, melodiosa e agradável aos seus
ouvidos. Queria continuar dançando, pois gostava de observar suas
reações, vivas e variadas.
Imaginava o que Attean pensaria de uma deusa tão pouco
assemelhada a uma deusa como ela. Achava que ele concordaria em
que ela estava totalmente envolvida com problemas, mas nem
mesmo se dava conta disso.
Ouviu os primeiros acordes de uma balada mais lenta e
ofereceu-lhe a mão para uma terceira dança. Ela arregalou os olhos.
Parecia pronta para declinar, como da primeira vez.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Harris não perderia a oportunidade de saber mais sobre os


problemas que ela estava enfrentando, então, impôs se, com um
toque de audácia:
— É a minha vez de fazer perguntas. Satisfeito, viu a
expressão dela mudar de surpresa
para curiosa, e então, resignada. Ela apoiou a mão sobre a
dele e tomaram seus lugares, mais uma vez, entre os outros pares.
Quando a música começou, ele perguntou:
— O que descobriu sobre as cartas? Ela não entendeu.
— Que cartas?
A melodia mais lenta requeria que ele a tomasse num
abraço parcial, mantendo o braço direito firmemente pousado sobre
suas costas, enquanto a mão direita dela descansava sobre a sua
esquerda. Ele a viu digerir a questão e então captou a apreensão em
seu semblante. Apreciava a enxurrada de emoções que se refletiam
em seu rosto enquanto ela colocava as idéias em ordem.
— Oh, aquelas cartas — exclamou Cathy, os olhos cor de
amêndoa brilhando. — E não precisa dar uma de superior, sr. Harris. A
sua pergunta simplesmente me pegou de surpresa, percebe? Eu
estava esperando uma pergunta sobre a minha família e já havia
selecionado os casos mais pitorescos.
Ele não tinha intenção de perguntar sobre a família dela, e
manteve-se quieto.
— Mas percebo que não está interessado na minha família,
nem... vai repetir a pergunta, portanto, simplesmente vou responder
que não há apenas mais duas cartas, como sugeriu, mas quatro.
Fato interessante...
— Mais quatro, então.
— Sim, além da minha e da de George, você certamente se
lembra da srta. Ginger e de Clive Smith, além do carteiro...
— Eu sei quem ele é.
— Sim, bem, a srta. Ginger e o sr. Smith também

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

receberam cartas. Descobri, quando vinha para cá, que Richard


Freeman recebeu uma carta. Ele é aquele que...
— Eu sei quem ele é.
— Parece que você conhece todo mundo.
— Estou começando a conhecer todo mundo.
— Sim, bem! Então, Richard recebeu uma e os rapazes
receberam mais uma, coletivamente. Portanto, são seis cartas ao
todo. — Cathy lhe lançou um olhar cúmplice. — Se me permite fazer
essa conjectura...
Ele devolveu o olhar.
— Permito.
Ela revirou os olhos.
— Obrigada! Estou comovida. Temos então seis cartas, dois
versos em cada.
— E todas eram do tio? Cathy suspirou.
— Suponho que sim, mas nenhuma faz sentido!
— O que as outras dizem?
— Me deixe pensar... A de Richard tem alguma coisa a ver
com salvação que está numa caixa. E a carta dos rapazes parece fazer
menção a um alambique. Old Hitch tinha um dos melhores
alambiques do condado.
— Uma amostra está nos tonéis de sidra? O sorriso dela era
triste.
— Provavelmente!
— E o que as outras cartas diziam? A do carteiro e a da
mulher maçante?
— O nome da mulher maçante é srta. Ginger Mangum —
repreendeu ela —, que é considerada muito bonita. Você não acha?
Ele olhou na direção de Ginger.
— Sim — concordou, enfadonho, e então voltou ao ponto:
— E o que a carta dela diz?
Cathy respondeu seca:

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Não sei o conteúdo da carta dela.


— Por que não?
— Porque não perguntei.
— E a do carteiro? Ela hesitou.
— Não perguntei também.
— Por que não?
— Bem, queria perguntar a eles. Tinha essa intenção quando
cheguei aqui hoje, mas tive tantas providências a tomar... — Cathy
adotou um ar importante.
— Você esteve ocupada?
— Muito — afirmou ela.
Ele imaginou se ela se contentaria com essa resposta breve.
Uma pausa se fez e então ela completou:
— Sim, estive muito ocupada, pois estou organizando o
festival e há tantos detalhes a verificar: a comida, a música, a
decoração... Sem mencionar o fato de a cidade toda estar lamentando
a perda de Old Hitch. — Parou e encarou-o. — E claro que dançar não
faz parte dos costumes fúnebres de Hillsborough. Mas Old Hitch
manifestou o desejo de que o festival acontecesse esta noite. Nós
vamos enterrá-lo amanhã. Não ria de nós, senhor! Não que alguém se
importe com o que pensa. A verdade é que tive muitas outras
preocupações, além de descobrir o conteúdo das cartas.
— Ah. E seria muito difícil descobrir o que as cartas da
mulher maçante e do carteiro diziam?
— Quanto a isso, me deixe esclarecer...
Harris desencorajou o protesto com um balançar de cabeça.
— Um homem prepara seis cartas e levanta do leito de
morte para remetê-las — simplificou. — Agora, nenhuma carta isolada
faz sentido. Entretanto, as seis cartas juntas podem conter uma
mensagem. De todas as providências que precisam ser tomadas esta
noite, diria que a questão da carta é a mais importante.
Cathy ficou boquiaberta. Harris sentia que ela se debatia

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

interiormente. Sabia que ela não apreciara seu conselho, mas não o
confessaria. Ela simplesmente sorriu e cedeu, conciliatória:
— Talvez esteja certo, senhor! Mas não precisa desdenhar. O
que acha que eu deveria fazer?
— Antes de a noite terminar, você deve pedir a todos que
levem suas cartas amanhã no funeral. Depois do enterro, poderá
descobrir se existe uma mensagem.
— Certo, razoável. Mais alguma coisa?
— Não deve mencionar nada àqueles que não receberam
carta alguma. — Ele permitiu que ela assimilasse o conselho. — E
pensar que não precisava da minha ajuda!
Cathy era toda indignação agora.
— Digamos que esse conselho quita seu débito para comigo,
senhor! Certamente, deve considerar quando seus serviços são
suficientes.
Ele a encarava fixamente, só para ver a reação.
— Certamente,, meus serviços vão parar por aqui no
momento, pois aí vem o jovem Cock.

SEIS

Sr. Harris! — censurou Cathy, novamente desolada com ele.


— Quero informar-lhe que o nome dele é...
Harris baixou o olhar para encará-la e ela percebeu
que em seus olhos havia divertimento.
— Shh — silenciou-a, pousando um dedo sobre seus lábios,
mas quase não os tocando. — Eu sei o nome dele, mas se o tio era
Old Hitch, então ele deve ser o jovem Cock.
Não houve tempo para mais nada. Um momento depois, ela
ouviu uma voz açucarada:

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Doce Rendição – Julie Tetel

— É a minha dança com a moça, estranho. Cathy se voltou


para ver o jovem MacGuff bater no
ombro de Harris e dispensá-lo com um movimento de
cabeça insolente. Então, sorriu-lhe.
— Mas a dança ainda não acabou — protestou ela, confusa.
— Estou interrompendo — esclareceu MacGuff. Ela se sentiu
uma tola inexperiente.
— Oh.
Ela percebeu que o sr. Harris a liberou, assentindo
minimamente, e retirou-se. Ao vê-lo se afastar, a lembrança de seu
primeiro encontro voltou-lhe à mente, sem querer. Capturou-lhe o
olhar antes que ele se misturasse à multidão e o que viu a fez
ruborizar.
Inexperiente nesse assunto, decidiu que o olhar dolo era o
resultado do efeito da iluminação, acrescido as maçãs do rosto altas.
Ou talvez seus nervos estivessem abalados após a queda da árvore
naquela tarde.
Voltando-se, instantaneamente esqueceu-se do sr. Harris, de
seus braços, da queda, da consciência de seu corpo. Esqueceu-se de
tudo, pois estava frente a frente com o homem que por longo tempo
fora o seu ideal.
O ideal tomou-a nos braços.
Ela se esqueceu de sua habilidade na dança e perdeu-se nos
passos.
O ideal manifestou-se.
Ela se esqueceu da habilidade de conversar.
O ideal manifestou-se novamente.
Desta vez, ela ouviu um fragmento da pergunta que ele lhe
impunha.
— E do que o sr. Harris falava para mantê-la entretida
durante três danças?
O tom era agradável. Lembrava-se vagamente do que o sr.

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Doce Rendição – Julie Tetel

Harris lhe dissera. Algo sobre as cartas de Old Hitch. Algo sobre não
mencionar o fato a ninguém que não houvesse recebido carta.
Notou as próprias mãos suadas. Estavam aquecidas e secas
quando dançara com o sr. Harris.
O ideal tentou mais uma vez.
— Corrija-me se estiver errado, mas acho que nunca
tivemos o prazer de dançar juntos, não é, srta. Cathy?
Dessa vez, as palavras de MacGuff atingiram seu cérebro.
Não podia tolerar comportar-se como uma idiota por muito tempo. Só
haviam dançado juntos duas vezes e ela guardara as lembranças
como um tesouro dentro do coração. Se ele se esquecera ou estava
apenas brincando, não sabia, mas recobrou-se o suficiente para
esclarecer:
— Oh, não, MacGuff, não é a primeira vez! — Ocorreu-lhe
que dançara o mesmo tanto com o sr. Harris.
Optou pelo caminho cauteloso da verdade.— Não me lembro
de termos dançado no festival do ano passado...
— No ano passado, nesta época, eu já me decidira trocar
Hillborough por Raleigh — replicou ele, sorrindo, com uma mistura de
nostalgia, ambição e lamento comedido —, para construir algo para
mim mesmo. — Intensificou o sorriso enigmático. — Não estava preo-
cupado em manter relações que seriam quebradas.
Deveria explorar o significado daquela frase? Podia concluir
que MacGuff não dançara com ela no festival do ano passado não
porque não estava interessado, mas porque estava deixando a cidade
para se auto-afirmar? Queria tanto acreditar naquele sorriso que
sentiu os olhos marejar. Então, numa imagem desfocada, percebeu
que o sorriso dele tomara um ar fixo, que a lembrava da própria
franqueza. Orgulhosa, conseguiu não se atrapalhar com os pés e com
a língua e restabeleceu a visão.
— Parece que você foi para a frente em Raleigh — comentou
Cathy. — Ao menos foi o que sugeriu quando o vi esta tarde.

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Doce Rendição – Julie Tetel

— Fiz mais que sugerir.


— Então, vai voltar a Raleigh logo após o enterro e
continuar sua carreira bem-sucedida?
— Não sei. Depende do que houver para mim aqui. Cathy
nunca fora capaz de resistir àquele sorriso.
MacGuff aventava a possibilidade de voltar a Hillsborough! E
sorria para ela de modo não fixo.
Ela se sentia flutuar por ele, pelo sorriso, pela mesma ilusão
— talvez pela centésima vez agora, mas mesmo assim sentia-se
flutuando. Quando passou perto de onde o sr. Harris estava, sentiu-se
aterrissar num baque surdo. Percebeu que aterrissará,
figurativamente falando, arremessada contra a dura realidade do
homem silencioso. Desviou rápido o olhar e fingiu estar se divertindo.
Bem, não vou dar-lhe a satisfação de saber que me salvou
novamente! pensou.
Censurou-se mentalmente e voltou a atenção ao parceiro de
dança.
— O que poderia haver para você aqui, afinal?
— Não sei — declarou ele, misterioso. — Pode acontecer
alguma coisa.
— Acha que Old Hitch lhe deixou algo em testamento?
— Será que o meu tio tinha testamento? — desdenhou ele.
— E você quem devia responder a essa pergunta. Se não
houver outros parentes na família MacGuff, e acredito que não haja,
você não deveria saber se ele tinha um testamento?
— O problema, minha querida srta. Cathy — começou ele,
com ironia charmosa —, não é se há um testamento ou um herdeiro
desconhecido, mas se há algo a herdar.
— A casa — sugeriu ela —, e as terras.
— Algo que valha a pena herdar, quero dizer. Cathy não
entrou no mérito da questão. A casa de
Old Hitch era conhecida como um barracão. O único mérito

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Projeto Revisoras
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das terras era fazer divisa com seu pomar. Uma herança que não
prometia muito — se fosse herança.
A conversa tomara um rumo distinto e artificial, como se
uma maçã caísse prematuramente da árvore. Não precisou se
preocupar mais com isso, pois a dança terminou.
MacGuff fez uma mesura e agradeceu a companhia
agradável.
Cathy, ainda distraída, pensando em Old Hitch, não fez o
cumprimento usual. Ao invés disso, perguntou:
— Recebeu uma carta de Old Hitch hoje?
— Como poderia? — respondeu ele, com surpresa
exagerada. — Deixei Raleigh ontem de manhã.
— E verdade, mas...
— Mas? — Ele estreitou o olhar.
— Pensei, talvez... — começou Cathy, então interrompeu-
se. — Não, claro que não podia ter recebido uma carta dele hoje. —
Encolheu os ombros. — Não sabia o que estava falando. Mas suponho
que tenha recebido uma carta dele na semana passada, não?
Ele arregalou os olhos.
— Duas — declarou ele. — Recebi quando voltei de Sanford.
O vigor do ataque dele sobre mim me fez duvidar sobre seu estado de
saúde. A segunda me fez acreditar que ele estava nas últimas. Então,
voltei o mais rápido que pude a Hillsborough, como ele me pedia. —
Mostrou-se pesaroso. — Entretanto, cheguei tarde demais, como
sabemos.
Cathy avaliou aquelas informações.
— E ele só fez reclamações? — investigou.
— O que mais meu tio me escreveria? — replicou MacGuff.
— Acha que ele reconheceria que eu tinha sido bem-sucedido quando
ele previra que eu falharia?
— Pouco provável — admitiu Cathy —, se não impossível.
— Então, vou fazer mesura novamente e agradecer mais

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Doce Rendição – Julie Tetel

uma vez — declarou MacGuff —, pois não é do meu feitio arranhar a


reputação de uma moça, convidando-a para dançar duas vezes em
seguida.
Cathy sentiu-se embaraçada e não queria que MacGuff visse
com maus olhos suas danças com o sr. Harris. Abriu a boca para
despejar alguma desculpa quando um homem nervoso apareceu a seu
lado, convidando-a a dançar, pela quarta vez. Olhou para o sr. Kenan,
advogado, e, a fim de se livrar da humilhação perante MacGuff,
aceitou.
MacGuff retirou-se e deu uma olhada final em Cathy por
sobre o ombro. Mantinha o sorriso ligeiramente frio e franzia o cenho,
pensativo.
Ao ceder seu lugar na pista de dança ao jovem Cock, Harris
não se juntou aos rapazes junto ao tonel de sidra, mas permaneceu
na borda da pista de dança, observando o movimento. Não
concentrou-se em particular na srta. Cathy. Ao invés disso, avaliou os
demais e as situações que se apresentavam.
Pouco antes de ceder a vez ao jovem Cock, sentira algo
remexer em seu corpo. Não apenas a manifestação de sua
masculinidade, mas uma sensação de outra origem, que o
surpreendera, bem como intrigara.
Alocou metade da força de vontade para acalmar o corpo e a
outra metade para acalmar a alma. Já se sentia melhor, mas então a
srta. Cathy e o jovem Cock passaram à sua frente e seus olhares se
encontraram. Foi como se acabasse de chegar à base da macieira
novamente e olhasse para cima. Mais uma vez, sentiu-se
enfraquecido.
Os dançarinos se afastaram, enquanto ele se sentia
emocionalmente descontrolado, sem conseguir identificar a sensação.
Tratava-se de algo totalmente desconhecido a ele.
Recobrou a respiração. Percebeu que essa segunda sensação
lhe provocara uma forte manifestação de masculinidade. Certamente,

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já sentira aquilo antes, mas nunca sucumbira ao desejo. Ao mesmo


desejo que levara sua mãe a trair o seu povo. Ele — o rejeitado sem
nome, meramente tolerado pela tribo, a encarnação da vergonha do
avô — nunca quisera aplacar a raiva monstruosa nascida nas chamas
e no abandono da infância, na vergonha da orfandade.
A pureza e intensidade daquela raiva levara-o ao sucesso
nos mais rigorosos testes para tornar-se um guerreiro. Transformara-
o no melhor e mais jovem caçador da tribo. Tornara-o temido pelas
tribos rivais, por peles-vermelhas e por caras-pálidas. Tornara-o
desejado pelas mulheres, antes mesmo do décimo quarto verão.
Ajudara-o a resistir a todos os avanços femininos, mesmo das mais
desejáveis. E, finalmente, aquela raiva acompanhara-o na longa
jornada de Quebec a North Point, Maryland, e permanecera consigo
na fazenda de Bárbara até o momento, havia dez dias, em que
aprendera o que precisava aprender.
Sempre fora capaz de domar aquela raiva monstruosa,
canalizá-la nos momentos certos. Más onde estava ela naquele
momento? A raiva e a violência teriam amainado no longo período
junto de Morgan e Bárbara? Ou simplesmente escoara-se para algum
lugar inacessível, deixando-o à mercê dessa manifestação juvenil?
Insatisfeito e, pela segunda vez naquele dia, incapaz de
encontrar o que estava procurando, sentiu-se contemplando a mulher
que lhe caíra do céu. Inevitavelmente, procurou a srta. Cathy
Davidson com o olhar.
Ainda mais insatisfeito, viu-a dançando com um jovem de
aparência ridícula, magro e nervoso.
Durante a dança, a srta. Cathy estava claramente dando
conselhos ao cidadão. Quando a dança acabou, Harris não se
surpreendeu ao vê-la endireitar a casaca e a gravata amarrotada do
parceiro, indicando, com gestos adicionais, que ele devia ajeitar a
calça. Harris sentiu a insatisfação transformar-se em algo mais leve,
mais agradável e que, estranhamente, aplacou seu desejo.

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Depois disso, observou a srta. Cathy ir para a borda da pista


e declinar dois convites para dançar. Com a insatisfação ainda mais
branda, viu-a procurar, primeiro, o carteiro e, depois, a mulher
maçante. Ela conversou com ambos como se estivesse dando
instruções às quais eles assentiram, obedientes.
Estava ficando tarde. Andou por perto dos tonéis de sidra,
taciturno. A atmosfera do lugar permanecia alegre, mas alguns dos
mais velhos e dos mais jovens já estavam voltando para casa. Com
menos gente, o ar aquecido carregava uma profunda fragrância
noturna.
A certa altura, lançou um olhar distraído à praça e percebeu
vários rostos novos na multidão. Endireitou-se e ficou alerta. A raiva
antiga saiu do covil, com energia, e sentiu-se bem. Seus instintos de
caçador estavam aguçados. Escondeu-se nas sombras, uma
precaução desnecessária, pois os recém-chegados não o tinham visto.
Foi para trás de Hank, que tomava conta dos tonéis.
— Está vendo aqueles homens, perto do palco dos músicos?
Sabe quem são? — perguntou Harris.
Hank olhou na direção indicada.
— São os irmãos Watts... E vieram com mais dois irmãos
Duke. Bagunceiros, sim.
— Eles geralmente vêm ao festival? — especulou Harris, sem
alarme. — Os irmão Watts e os irmãos Duke?
Hank coçou a cabeça.
— Acho que não. Não me lembro deles aqui no ano passado.
— Consultou o grupo ao redor e todos concordaram em que os irmãos
Watts e os Duke do Condado de East Orange não apreciavam eventos
comportados como o Festival da Florada das Macieiras.
Harris sabia como obter informação de Hank sem causar
suspeita. A poucos metros do tonel, enquanto os outros bebiam
animados, indagou-lhe:
— E os Watts e os Dukes sabem onde a srta. Cathy mora?

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Doce Rendição – Julie Tetel

— Todo mundo sabe onde a srta. Cathy mora — retrucou


Hank.
— O que mais eles sabem sobre ela? Hank encolheu os
ombros.
— Tudo, suponho.
— Eles sabem que ela possui um pomar, por exemplo?
— Ei, todo mundo sabe disso, também! Ela vende maçãs
para três ou quatro condados por aqui. — Hank encolheu os ombros
novamente. — Mas homens como os irmãos Watts geralmente não
estão interessados em mulheres como a srta. Cathy.
— Eu diria que estão interessados em algo esta noite.
Hank lançou um olhar avaliador ao grupo. Sabia sobre
encrenca o suficiente para ver isso em outros homens.
— Talvez — concedeu.
Mas quando Harris contou-lhe por que achava que os irmãos
estavam ali, não concordou de imediato. Entretanto, gostava da idéia
do galês. Quis cooperar oferecendo-se para ir buscar sua pistola, mas
o galês simplesmente decretou:
— Sem armas.
Hank afastou-se para chamar os rapazes, enquanto Harris,
vigiando os homens, foi procurar a srta. Cathy. Ela estava próxima à
mulher maçante e não muito longe da mãe do namorado.

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SETE

Cathy conversava com as senhoras e saboreava o triunfo


diplomático de fazer Ginger entabular conversa com a sra. Travis
sobre drenagem de terrenos. Alertara Ginger de antemão e, mais
tarde, ouviu da sra. Travis o seguinte comentário:
— A srta. Ginger tem melhor senso do que se esperaria,
olhando para aquele rosto bonito.
Ginger e a sra. Travis já concluíam a conversa quando Cathy,
sem saber exatamente como aconteceu, viu-se afastando do grupo de
senhoras e chegando para baixo de uma árvore em que lanternas
haviam sido penduradas.

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Doce Rendição – Julie Tetel

Ao ver os olhos escuros de Harris, sorriu e, satisfeita,


informou:
— Não se preocupe, senhor! Já falei com a srta. Ginger e
com o sr. Smith, como me aconselhou, e nós todos combinamos para
amanhã. Eles levarão as cartas à igreja.
— Eu já adivinhava — respondeu ele. Não soltou
imediatamente a mão de Cathy, que também estava surpresa demais
para libertar-se.
— Mas, pareço preocupado?
— Não — avaliou ela, mas olhou novamente para o rosto
impassível. — Mas, para mim, está. — Quis desvencilhar a mão, mas
ele não permitiu. Protestou: — Me deixe voltar para minhas amigas.
Não acabei de conversar com elas e acho que não fica bem dan-
çarmos novamente.
— Não quero dançar com você — declarou Harris, áspero. —
Os arruaceiros voltaram.
— Os... Oh! — Ela voltou a se descontrair e sorriu.
— Você está tentando me salvar novamente!
— E necessário.
— Nada poderia ser menos necessário, senhor, posso lhe
assegurar! — Olhando em redor, ela perguntou:
— Onde eles estão?
— Do outro lado. Perto do palco dos músicos.
— Ah, sim! — Ela olhou para os irmãos Watts e perguntou:
— Já que eles estão lá quietos, não incomodando ninguém, por que é
necessário me salvar deles?
Ele não respondeu.
— Não parece mais provável que eles tenham vindo para
participar do festival?
Ele balançou a cabeça.
— Eles não parecem ter vindo participar do festival. Cathy
riu.

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— Eles sempre estão vestidos assim! Os tipos mais


desleixados que já vi, esses irmãos Watts!
— Não estava falando dos trajes. Estava falando da atitude.
Desleixados quer dizer mal vestidos?
Ela assentiu.
Harris olhou por sobre o ombro.
— Se quer ver mais desleixados — declarou, obviamente
gostando da nova palavra —, olhe para os homens que vieram junto
com eles.
Cathy olhou na direção apontada e arregalou os olhos.
— Os rapazes Duke estão aqui? Os quatro? — Avaliou a
implicação, então, balançou a cabeça. — Não, não pode ter certeza do
que vieram fazer!
— Não disse ainda o que eles vieram fazer.
— Acha que eles vieram bagunçar... —- Fazer mal a você.
— Bagunça — afirmou ela —, e acho isso impossível!
— Por quê?
— Por quê? — repetiu Cathy, perdida. — Bem... bem,
porque coisas assim não acontecem comigo. E por isso.
— Sempre há uma primeira vez.
Ela ficou boquiaberta; então, lembrou-se de que ele dissera
o mesmo coisa naquela tarde, quando ela caíra da árvore.
— E parece que está tudo acontecendo hoje — ponderou ela.
— Fico pensando se não é você que está causando isso tudo!
— Não tenho tal poder.
Cathy teve que rir da solenidade dele.
— Não, acho que não tem! — concedeu, graciosa. — Mas,
certamente, a sua chegada coincidiu com todos os meus problemas e
me ocorreu que, se você for embora, meus problemas vão
desaparecer também. Por favor, não me entenda mal, mas gostaria de
saber, senhor, por quanto tempo pretende ficar?
— Até terminar.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Terminar o quê? — perguntou ela. — De me salvar? Ele


não respondeu à ironia, mas declarou:
— Que logo, logo, isso vai estar além da minha habilidade,
se permanecermos aqui falando, em vez de fazer o que precisa ser
feito.
Harris se voltou e, segurando-a firme, levou-a a reboque.
Ela não teve escolha senão acompanhá-lo para fora do festival.
— Os arruaceiros não viram você depois que a retirei do
grupo, portanto, não sabem se ainda está no festival ou se voltou
para casa. Isso é bom.
— Eles viram você?
— Olharam, mas não viram — respondeu Harris —, e o
semblante deles me disse tudo o que precisava saber sobre suas
intenções para com você.
Quando chegaram perto de uma árvore em particular, ele a
soltou e abaixou para pegar o arco e uma bolsa com flechas, que
pendurou no ombro esquerdo. Agarrou novamente a mão dela e
prosseguiram, andando pelas sombras dos prédios.
De repente, Hank e Boy materializaram-se diante dela.
Cathy perguntou, lógica:
— O que vocês estão fazendo aqui?
— Vamos ajudar você, dona — sussurrou Hank, assentindo
ao galês, e informou-a: — Ele tem um plano para protegê-la dos
irmãos Watts e dos Duke. Os rapazes e eu vamos ajudar.
— Não preciso ser pro... — começou ela, no tom normal,
mas Harris colocou a mão firmemente sobre sua boca.
Sentiu-se indignada, pois nunca ninguém a impedira de
falar. Lançou um olhar a ele, autoritária.
Ele simplesmente balançou a cabeça, indicando que não lhe
destaparia a boca. Então, ergueu a cabeça, aguçando a audição. Um
instante depois, ouviu-se o som de botas de homens, risadas, e então
surgiu um irmão Watt, depois outro, então, um terceiro, contornando

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

o mercado. Estavam deixando o festival. Cathy ponderou que eles


podiam estar indo a uma centena de lugares, entre os quais se incluía
sua casa. Viu Matthew Watts carregando uma tocha.
Ouviu os homens dizerem:
— Aquela mulher precisa de uma lição!
— Ela não pode tratar os irmãos Watts daquele jeito!
— Não mesmo!
Sentindo-se em pânico, Cathy olhou para o sr. Harris.
Assentiu e ele lhe destapou a boca.
Em seguida, os Duke passaram em fila. O último carregava
um rifle.
Harris e Cathy aguardaram mais alguns segundos embaixo
do arco e então saíram, de mãos dadas, atrás de Hank e Boy.
Caminharam pelas ruas escuras.
— Onde estão Orin e Richard?
— Mandei-os a sua casa antes de pegar você — informou
Harris.
— O que eles estão fazendo lá?
— Esperando junto ao poço.
— Junto ao poço?
— Uma precaução.
Cathy olhou ao longe e viu os sete homens fracamente
iluminados pela tocha de Matthew Watts.
— Quer dizer que eles vão queimar a casa? — perguntou ela,
tremula.
— Se eles tentarem, Orin e Richard vão se divertir bastante
— respondeu Harris. — Mas não acho que o alvo seja a sua casa.
Ela perguntou, curiosa:
— Como sabia para que era a tocha?
— Sei muito sobre fogo — foi tudo o que ele respondeu. Ao
invés de tomarem o caminho normal para a casa,
pegaram um atalho. Parecia que Harris vivera a vida inteira

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

em Hillsborough. Rapidamente, emergiram dos arbustos, já na rua


Tryon.
— Para onde estamos indo, senhor? — perguntou ela.
— Vamos encontrar Boy e Hank no pomar.
— No meu pomar?
Harris estacou e virou-se. Pega de surpresa, ela abalroou
contra ele. Ele a tomou pelos ombros e manteve-a bem perto. O
abraço era carinhoso. As palavras, não.
— Nunca pensa antes de falar? Atônita, ela se defendeu:
— Bem, certamente ajudaria se você se explicasse com
mais do que duas ou três palavras! Embora admire o seu hábito de
responder diretamente a uma pergunta direta, acho o seu estilo de
conversa meio limitado. Se eu tenho que adivinhar todo o sentido das
suas palavras, as possibilidades de mal-entendido crescem
assustadoramente e... e... Não, senhor, não me olhe desse jeito! Sei
muito bem que acha que estou desperdiçando palavras agora. Para a
sua informação, posso facilmente ler em seu rosto o que está
pensando quase todo o tempo e...
— Se é esse o caso — interrompeu ele — por que me faz
perguntas tolas?
— Não posso ler a sua mente, sr. Harris. Tampouco,
conceber um grande esquema para justificar por que devamos
encontrar Hank e Boy em meu pomar. O que disse que podia fazer,
senhor, era interpretar as emoções em seu rosto. Não posso ver o que
está pensando, mas posso saber muito bem o que está sentindo.
Ele desafiou:
— Me conte o que está vendo agora.
Ele mantinha o semblante deliberadamente impassível. Ela
estava tão próxima dele que detectava o cheiro de sua camisa limpa
de algodão, tornando-a estranhamente ciente de seu próprio corpo.
Assemelhava-se ao prazer de andar descalça nos campos de
primavera. Não experimentava aquela sensação havia anos. Sentia-se

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

muito viva.
Encarando-o, disse:
— Está tão irritado comigo quanto eu com o senhor, mas por
motivos diferentes, que não vou me incomodar em explicar no
momento. Em adição, sente-se confiante em rechaçar os irmãos
Watts em seu próprio jogo, seja ele qual for, e está ansioso para se
confrontar com eles ao invés de ficar aqui falando comigo! Ah-ah!
Sim, Agora, estou vendo que está surpreso com o que eu disse. —
Ergueu a cabeça. — E diria que está se divertindo com isso, também.
Bem, então, estou certa?
— Quase — admitiu Harris. Soltou-a e voltou-se. Pegou-a
pela mão e continuou a caminhar pelo atalho que só ele conhecia. —
Exceto que não estou me divertindo.
— Você está se divertindo - insistiu Cathy —, talvez apenas
ainda não saiba disso. Agora, me diga qual é o seu grande esquema.
Ele instigou:
— Me fale qual é o seu bem mais precioso.
Ela precisou pensar naquilo e então, ainda ponderando,
arriscou:
— Os brincos de minha mãe ou a Bíblia de meu pai. Ele não
se voltou.
— Tente mais uma vez.
— Não sei o que quer dizer.
— Você ficaria desolada.
Cathy estava meio ofegante, pois Harris mantinha um ritmo
de caminhada forte pelos arbustos. Ficou surpresa quando chegaram
ao limite da propriedade. Olhou para a rua por onde os Watts e os
Duke estavam chegando com suas tochas.
De repente, entendeu o que o sr. Harris já adivinhara. Em
voz baixa, exclamou:
— Eles não se atreveriam!
— Não sei se eles se atreveriam, mas poderiam prejudicar

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

boa parte da produção com pouco esforço e sem ninguém ficar


sabendo.
— Não vou permitir que cheguem perto das minhas mudas
— jurou Cathy, fervorosa. — Os ramos nunca produziram tantas
florações! Não vou permitir que cheguem perto das árvores também!
— Nem eu -— assegurou-lhe Harris.
— Mas eles estão em maior número, e armados — avaliou
ela, alarmada.
Harris lançou-lhe um olhar por sobre o ombro, re-
confortando-a. Produziu um som, mistura de assobio e canto de
pássaro, e para espanto dela, o cachorro, Black Twig, apareceu.
Acariciou a cabeça do cachorro entre as orelhas e conversou com ele
numa língua que ela não reconhecia. O cão entendeu e foi para a
casa.
Harris tomou a mão de Cathy novamente e, com passos
largos, desceu a encosta e chegou ao pomar, pouco depois de Hank e
Boy, que esperavam junto à primeira fileira de árvores. Do ponto alto
privilegiado, viam as tochas perto da casa.
— Richard e Orin podem apagar as tochas, mas lamento não
estar com minha arma. Acho que arco e flecha não se comparam ao
rifle dos Duke — comentou Hank.
Harris avaliou a situação e algo lhe chamou a atenção, a
cerca de seis metros. Num movimento fluido, armou o arco.
— Não queremos que os arruaceiros saibam que estamos no
pomar. O que acham que aconteceria se eu atirasse naquela coisa...
Disparou a flecha que cortou o ar em nível e baixo, atingindo
o alvo com um som abafado.
— ... com uma arma? — completou Harris.
— Que coisa? — perguntou Boy e olhou, curioso para o alvo.
—Ora, acho que faria barulho — respondeu Hank devagar —,
e eles saberiam que estamos aqui em cima Mas qual foi o seu alvo?
— Não foi nenhum imbecil — afirmou Boy. — Fé uma cobra

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

venenosa.
Cathy estremeceu e começou a olhar em redor, ansiosa.
— Pegou bem entre os olhos — avaliou Boy. Hank gostava
cada vez mais do galês.
— Bem, agora — declarou ele —, vamos trabalhar no seu
plano.
Hank e Boy se separaram e desapareceram no pomar. Ainda
olhando em redor, Cathy perguntou:
— Está vendo mais alguma cobra?
Harris balançou a cabeça, colocou a bolsa de flechas ao
ombro e pegou-a pela mão.
Caminhando pelo pomar, ela perguntou:
— Eu faço alguma coisa nesse seu plano? — Protestaria
rápido se ele dissesse que não.
— Claro — declarou ele, e conduziu-a para a árvore da qual
ela caíra naquela tarde. — Para cima você vai. — Entrelaçou os dedos
das mãos para que ela apoiasse o pé e alcançasse o primeiro galho.
— O que devo fazer?
— Pule em qualquer um que passar por aqui, grite e espere
que eu venho ajudá-la.
Ela assentiu e ele partiu. Só depois que subiu viu melhor o
pomar e a casa, percebendo que ele a colocara fora do caminho.
Colocara-a na árvore mais central do pomar e por isso, a mais segura.
Teria descido da árvore para tomar uma parte mais ativa na proteção
de sua propriedade, não fossem as cobras, que nunca a haviam
importunado antes. Então, era tarde demais para fazer qualquer coisa
útil, pois estava presenciando uma cena extraordinária.
As luzes das tochas permitiam que ela acompanhasse cada
passo dos Watts e dos Duke. Eles não tinham colocado fogo nem na
casa, nem na despensa. Os sete estavam subindo a colina, direto para
o pomar.
Sozinha na árvore, sem a presença reconfortante do sr.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Harris, Cathy começou a duvidar se o homem silencioso com o arco e


as flechas e os rapazes seriam páreo para os homens do condado de
East Orange.
Quando os sete homens estavam a ponto de atacar a
primeira fileira de macieiras, ela sentiu o coração dar um pulo. Então,
um grito de guerra estridente cortou o ar.
Tudo aconteceu de repente. Cathy viu Orin e Richard
jogarem baldes de água sobre Matthew Watts, apagando a ele e à
tocha. Boy e Hank caíram de árvores sobre os outros irmãos Watts,
rolando colina abaixo, para longe do pomar.
Correndo e latindo, Black Twig entrou em cena. O
bode, Smokehouse, também apareceu, atacando o Duke que
carregava o rifle apontado para o sr. Harris, que corria em sua
direção. O Duke acabou atirando para cima e, depois, perdeu a arma.
Hank e Boy colocaram os Watts fora de ação e voltavam para pegar
os Duke. Orin mantinha Matthew ocupado enquanto Richard e Harris
cuidavam dos Duke remanescentes. Um dos homens se desvencilhou
e foi atrás do rifle.
Cathy se assustou ao ver que era um dos Duke. Viu o sr.
Harris mergulhar no solo, atrás do arco e da bolsa com flechas.
Deitado, mirou o homem com o rifle e lançou uma flecha. O Duke não
parecia ferido, mas baixou o rifle e olhou, espantado. A arma não
disparava. Outro grito de guerra e Harris exibiu a lâmina de uma faca
sob o luar. Passou outra faca a Hank.
— Atira!
— Não posso!
— Atira com o rifle!
— Não posso!
— Eles têm facas!
— Têm facas grandes! E finalmente, ela ouviu:
— Vamos dar o fora daqui, pessoal!
Cathy viu os irmãos Watts e os Duke saírem

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deselegantemente colina abaixo, com Black Twig e Smokehouse atrás


deles.
Quando tudo voltou a ficar calmo, ela começou a descer da
árvore. Sobre o galho de onde caíra naquela tarde, ouviu passos bem
abaixo. Rapidamente, ajeitou a saia, tímida. Olhou para baixo e viu o
sr. Harris, sozinho.
Ele estendeu os braços, como se pretendesse ampará-la.
— Pode descer agora.
Ele realmente achava que ela ia pular nos braços dele?
Surpresa e tímida, Cathy perguntou, ganhando tempo:
— Eles já foram?
— Já foram.
— Não vão voltar?
— Não.
— Tem certeza?
— Sim.
— E os rapazes? Onde eles estão?
— Mandei-os para casa.
— Oh. — Ela não queria pular nos braços dele e certamente,
não ia descer sozinha com ele olhando.
— O que fez com o rifle do Duke?
— Atirei uma flecha no cano, travou o fundo, impedindo que
ele atirasse. E possível tirar a flecha, mas dá trabalho.
— Foi um tiro certeiro, sr. Harris.
Ele não respondeu, simplesmente estendeu os braços para
ela.
Ela ainda não se movia no galho.
— Foi você que emitiu aquele grito estranho e ameaçador?
Ela sentiu, mais do que viu, o sorriso dele.
— Funciona sempre — comentou ele. — Agora, venha. Eu
vou ampará-la. — Embora não pudesse vê-lo, ela sentia o tom
provocador na voz. — Quero fazer isso direito antes do fim do dia,

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percebe. E não é sempre que se tem uma segunda chance.


Ela olhou para ele.
— Tem certeza de que não sou pesada demais, senhor?
— Estou preparado. — Quando ela ainda assim não se
movimentou, ele ameaçou: — Se não pular, vou subir e pegar você.
A dignidade estava em cheque. Cathy respirou fundo e pulou
do galho.
Harris a amparou com braços fortes e pousou-a gentilmente
no solo. Manteve os braços ao redor da cintura por um tempo maior,
enquanto ela se agarrava a seu pescoço. Ela estava ciente do espaço
exíguo entre ambos. Recuou um passo e ele a liberou. Perguntou,
cautelosa:
— Já acabou de me salvar agora? Ele balançou a cabeça.
Ela arregalou os olhos.
— Quer dizer que a minha propriedade vai ser atacada
novamente?
— Não, mas acho que você ainda precisa da minha ajuda.
— Suponho que vou vê-lo amanhã, nesse caso.
— Sim.
Então, ele desapareceu. Literalmente, como que des-
materializando-se no ar.
Caminhando pelo pomar, Cathy de repente lembrou-se das
últimas palavras de Old Hitch: "Ele virá amanhã. Vai tomar conta de
você". Não entendera na ocasião. Nem mesmo imaginara que ele
estivesse referindo-se a ela.
Old Hitch enviara-lhe um anjo!
Balançou a cabeça, tentando racionalizar. Sempre achara
que anjos da guarda fossem etéreos. Não imaginava um anjo da
guarda moreno como o sr. Harris, nem tão sólido, tão físico.

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OITO

Na manhã seguinte, Cathy a princípio não notou o sr. Harris


entre os fiéis e, somente ao olhar para trás antes de entrar na igreja,
viu-o de pé a uns três metros de distância, no caminho que levava ao
cemitério. Ele se confundia com as estátuas de ovelhas e querubins e
parecia parte da calçada de pedra antiga sobre a qual estava.
Que perfeição, pensou ela, caminhando em sua direção.
— Gostaria de assistir ao culto, sr. Harris? — convidou ela.
Ele estivera olhando a meia distância e não respondeu
imediatamente. Então, voltou os olhos para ela e focalizou devagar,
como se estivesse voltando de muito longe.
— Não.
— E bem vindo para se juntar a nós — reforçou ela. Notou

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com alívio que não estava tão ciente do corpo dele como estivera na
noite anterior. — Ficaríamos satisfeitos em tê-lo na nossa
congregação hoje, posso assegurar. E um dia muito especial, sabe, já
que vamos sepultar Old Hitch.
— Não sou cristão.
Cathy ficou fascinada ante a dimensão daquela declaração,
já que até aquele momento considerara-o um anjo da guarda.
— Vejo você depois do culto, então.
Ele assentiu.
Cathy apressou-se e, percebendo a expressão preocupada
do reverendo Lee,-comentou:
— Tenho certeza de que vai correr tudo bem.
— Bem? — repetiu ele. — Não sei por que Old Hitch insistiu
para que seu desejo final não fosse lido antes de hoje. É muito
irregular, para não dizer totalmente desconcertante!
— É incomum — concordou Cathy. — Mas que mal pode
haver?
Logo descobririam.
Cathy precedeu o reverendo ao entrarem na pequena igreja.
Sentou-se na terceira fila, assentiu à sra. Travis à sua esquerda e
inclinou-se para a frente para cumprimentar George também, que
estava sentado à esquerda da mãe.
— A srta. Ginger tem melhor senso do que se esperaria,
olhando para aquele rosto bonito — comentou a sra. Travis.
Cathy sorriu, satisfeita, e bateu na mão da matrona.
Acompanhou o olhar da sra. Travis até onde Ginger Mangum estava
sentada.
A mesma luz que caía sobre Ginger iluminava MacGuff,
sentado à frente dela. Cathy pensou que nunca vira um homem tão
perfeitamente personificado como seu ideal. Desejou que o sr. Harris
pudesse reesculpir totalmente seu rosto, tornando-o mais atraente.
Desistiu quando percebeu que a tarefa estava mais para fada

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madrinha do que para anjo da guarda. Voltou a atenção à situação


presente.
O reverendo Lee dizia:
— ... e era vontade do Sr. MacGuffin, Old Hitch, que eu
lesse seu desejo final quando celebrássemos este culto em sua
homenagem. Ele mesmo escreveu seus últimos desejos na semana
que precedeu sua passagem e me fez prometer que lhes leria este
documento nesta manhã.
O reverendo quebrou o selo e espalhou as folhas, totalmente
absorto na responsabilidade da tarefa.
— Este documento está sendo lido pela primeira vez.
A carta se detinha em cada morador em particular,
comentando seus defeitos abertamente, típico de Old Hitch. O
reverendo, a cada comentário lido, ficava mais horrorizado.
Percebendo que as interrupções estavam prolongando o desconforto
geral, resolveu ler até o fim sem se manifestar mais.
Quando o reverendo terminou a leitura dos defeitos dos
moradores sob a perspectiva de Old Hitch, muitos ' se mostravam
ruborizados. Incluindo o jovem MacGuff, o imbecil arrogante, epíteto
que carregava desde a infância e que detestava.
Quando chegou a hora de levar o caixão para o cemitério,
um entusiasmo pouco característico em funerais pairou sobre a
congregação. Ninguém lamentou nem chorou a passagem de Old
Hitchcock MacGuffin quando o caixão baixou à sepultura, e Cathy
achava que era essa mesma a intenção dele. De repente, o evento de
enterrá-lo trazia lembranças de fatos engraçados que cada um
passara com o velho turrão. Quando os primeiros punhados de terra
atingiram a tampa do caixão, Cathy começou a rir.
Outros membros acharam a risada contagiante e, logo,
todos estavam rindo e comentando fatos picarescos. Hank e Orin
acharam o enterro interessante e opinavam sobre quem seria o
próximo, dando boas risadas nas apostas. Ginger Mangum parecia

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divertir-se em repetir os comentários ferinos de Old Hitch sobre Sylvia


Lee, bem como Sylvia Lee parecia divertir-se em repetir os
comentários sobre Ginger Mangum.
Sally Lee, a irmã do reverendo, anunciou, animada, que a
festa — mas então corrigiu-se num tom mais

solene — que o jantar de funeral aconteceria imediatamente,


na casa paroquial. Cathy lembrou a Ginger, George, Clive e os rapazes
que fossem à sua casa assim que pudessem.
Cathy deixou a residência paroquial pela porta lateral e foi
para casa. Quando chegou à sua rua, sentiu uma presença atrás de si.
Olhou ao redor e viu o sr. Harris, que prontamente emparelhou.
Ela arrumou o laço do chapéu, sentindo o sol poente beijar a
pele do rosto. Sorriu-lhe, pois sentia-se segura com sua presença e
porque gostava disso.
Ele não exatamente retribuiu o sorriso, mas ela achou que
ele lhe sorriu com os olhos.
— Já lhe agradeci pelo que fez por mim ontem? Gostaria de
retribuir, sabe...
Ele não encorajou a iniciativa.
— Ao invés disso, me diga se rir em funerais é costume na
Carolina do Norte ou se é só em Hillsborough.
Cathy parecia muito divertida.
— Deve estar nos achando esquisitos! Primeiro, dançamos
na noite anterior ao funeral de um homem e então, rimos na
cerimônia fúnebre.
— E ao lado da sepultura — acrescentou ele. — Compareci a
enterros em Quebec e em Maryland, mas nunca vi um costume assim.
— Não é um costume estranho — explicou ela —, mas um
homem muito estranho. — E deu detalhes sobre a personalidade de
Old Hitch.
Harris ouviu com interesse e, quando ela acabou,

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perguntou:
— O que o velho disse a seu respeito? Cathy riu e revelou,
sem embaraço:
— Que uma pessoa com o coração tão compassivo e idéias
românticas devia ter o rosto de Ginger Mangum. Oh, sim, e que andar
por aí sonhadora me deixava com um ar ainda mais idiota do que eu
já tenho!

— E como se sente a esse respeito?


— Para dizer a verdade... — ela refletiu. — fiquei
decepcionada porque já sabia o que Old I litch pensava a meu
respeito. Ora, provavelmente, eu passava mais tempo com ele do que
qualquer outra pessoa na cidade e, portanto, ele tinha muita
oportunidade para me dizer o que pensava sobre mim. E fez isso mais
de uma vez! Então, fiquei ouvindo os comentários espirituosos sobre
todos os moradores, e sinceramente, esperava algo mais mordaz a
meu respeito.
— O que o velho teria dito sobre mim? — perguntou Harris,
de repente.
Cathy o avaliou, crítica. Então, imitando a voz desafinada de
Old Hitch, decretou:
— Não é nada bom para um homem adulto andar pelo país
com um arco e flechas, de mocassins! Ajeite-se, rapaz e construa
alguma coisa. Use roupas decentes. Não essas peles de animais! E
corte o cabelo, filho. Não está com uma boa aparência!
— E se eu não seguisse o seu conselho?
— Ele lhe daria uma semana ou duas e, se você não
entrasse na linha de acordo com as especificações dele, ele estreitaria
o olhar sobre você e diria: "Panaca!"
Harris parecia transtornado.
— Eu disse que ele era um homem difícil...
— Também disse que as observações dele geralmente eram

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corretas.
Cathy encarou-o e pensou nele na noite anterior, andando
por atalhos no escuro, atirando flechas, gritando e batendo.
— Ele frequentemente estava certo, eu diria, e estaria
completamente errado a seu respeito. — Ela ergueu a cabeça e
avaliou-o. — Você não vai arrumar um canto, acho. Pelo menos, não
tão já. Prefere andar pelo mato a percorrer as ruas e minha aposta é
que você gosta ainda mais das florestas densas. Mas Old

Hitch não o conheceu, então, não sei o que ele diria sobre
você, exceto, talvez, que você está fazendo um bom trabalho em
cuidar de mim, não que ele fosse admitir! Bem, chegamos.
Harris pousou a mão sobre o portão, mas não o abriu. Ao
invés disso, parou e apoiou-se contra a cerca.
— Mora aqui sozinha?
Ela olhou pela rua. Como não via sinal de George, Clive,
Ginger ou dos rapazes, não estava com pressa em entrar e fazer
preparativos para recebê-los.
— Sim.
— Sempre morou aqui?
— Sim.
— Há quanto tempo está sozinha?
— Mais ou menos dez anos — declarou Cathy. — Desde os
catorze anos. — Não pôde deixar de sorrir provocadoramente e bater
os cílios para ele. — Mas não vou contar a minha idade, porque seria
óbvio.
Ele sorriu. Com os olhos, ao menos, não com os lábios.
— Está sozinha há dez anos, então, cuidando da casa e do
pomar?
Ela assentiu.
— Mamãe morreu há dez anos. Meu pai morreu quando eu
tinha cinco anos.

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Doce Rendição – Julie Tetel

— Como conseguiu morar sozinha desde os catorze anos?


Por algum motivo, a pergunta irritou-a.
— Bem, você só era um ano mais velho quando percorreu
aquela enorme distância para encontrar o seu pai, que sequer sabia
se estava vivo.
— No meu caso, tinha habilidade de caçador com doze anos
e fui considerado homem pela minha tribo nessa idade. Você, por
outro lado, era só uma menina de catorze anos. A minha pergunta é:
como conseguiu?
Ela o encarou, espantada.
— Que tribo?
Ele se voltou para ela e falou mais do que ela nunca ouvira.
— Sou de Tohontaencrat, ou Tribo dos Gamos, que pertence
a Wendat. Meu avô, Attean, era o chefe. O primeiro idioma que
conheci foi o que os homens brancos chamam de Huron, o segundo
foi francês, assim podia negociar com os caçadores. Não sabia nem
uma dúzia de palavras em inglês há dez anos, quando cheguei em
Maryland, e ainda estou aprendendo. O motivo de ir atrás de Morgan
foi não poder mais viver em desgraça e sem nome na minha tribo,
pois minha mãe desonrou meu avô, Attean, fugindo com Morgan. Ela
morreu quando eu ainda era bebê e fui devolvido à minha tribo, onde
fiquei até me tornar adulto. A segunda esposa de Morgan, Bárbara,
me adotou em seu coração. Tenho uma irmã adotiva chamada Sarah,
de onze anos, e duas meias-irmãs chamadas Martha e Helen.
Sem parar para respirar, ele continuou:
— Agora, contei tudo o que poderia desviá-la de responder
a minha pergunta e vou perguntar novamente: como conseguiu, uma
menina sozinha, cuidar da casa e do pomar aos catorze anos? Ou já
fazia isso tudo nessa época?
Cathy estava tão espantada que ficou boquiaberta por um
segundo, antes de exclamar:
— Não me deixou nada para falar!

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— O que é raro — disparou ele, irônico.


— Está sugerindo que eu falo demais?
— Não estou sugerindo — corrigiu ele, sagaz.
— Não. Está afirmando — concluiu ela, ofendida. — É um
homem muito irritante, sr. Harris. Sabia disso?
Ele não moveu um único músculo do rosto, mas pareceu,
mais uma vez, divertido.
— Já me disse isso na noite passada — declarou — e, sob a
óptica do falecido, digo que você também é uma mulher igualmente
irritante, principalmente

esse seu hábito de fazer perguntas redundantes, evitando as


mais importantes.
Harris não se apoiava mais na cerca, mantendo-se de pé à
frente dela, com o olhar baixo para encará-la. Ela, também,
endireitara-se e estava literalmente bem junto ao anjo. Mas não havia
nada de angélico em seus sentimentos. Com certeza, sentia-se
provocada e irritada, mas a irritação tinha uma nuance física que a
deixava ciente daqueles cabelos escuros, dos olhos negros, da camisa
muito branca, do contorno do pescoço e dos ombros, da lembrança
dos braços fortes segurando-a firmemente na noite anterior, de sentir
o corpo estendido sob o dele na tarde do dia anterior.
— Quer ouvir a história da minha vida — perguntou ela, o
tom animado como defesa. — Não há nada para contar! Não tive
aventuras como você. Ora, nunca estive mais longe do que Pittsboro.
E você já conhece quase todo mundo na cidade. E quanto a ficar
sozinha depois que minha mãe morreu, posso afirmar que não me
senti sozinha, pois Old Hitch dava uma passada todos os dias.
— Para ajudar você,
— Pelo contrário, para me amolar! Ele passava para dizer
que o telhado precisava de reparo, ou que estava precisando pintar a
cerca, ou para acabar com minhas mudas, sem falar na bagunça que

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fazia com minhas sementes! Ele devia achar que eu não sabia de
nada, quando para todo mundo estava perfeitamente claro que eu
sabia. — Ela pensou sobre esse assunto e sorriu, orgulhosa. —
Embora fosse reconfortante saber que ele estava por perto.
— Sempre morou sozinha depois da morte de sua mãe?
— Sim.
— E a proprietária então?
— Suponho que sim, porque depois que minha mãe morreu,
ninguém me despejou e aprendi a pagar os impostos. — Cathy fez
uma careta. — Ou, pelo menos, Old Hitch me obrigava a reservar um
dinheiro todos os meses para o coletor de impostos.
— E quanto ao pomar? E a proprietária também? Ela sorriu,
desta vez, com orgulho.
— E meu pomar e de mais ninguém! E se eu não sou a
proprietária, os verdadeiros proprietários terão que passar sobre o
meu cadáver para reavê-la! Lembro-me de ficar no pomar com meu
pai, fazendo qualquer coisa para ajudá-lo! Embora só tivesse cinco
anos! Cresci com as árvores. São a minha vida e as minhas amigas!
Com pouco incentivo, Cathy foi encorajada a falar sobre as
práticas agrícolas da cultura da maçã, a dimensão do negócio e a
parceria com a estufa em Chatham. Falou sobre as variedades de
maçãs e os usos mais adequados para cada uma. Dissertou sobre as
técnicas de enxertos e suas vantagens e desvantagens.
Achando-se tagarela, perguntou:
— Já ouviu o bastante, sr. Harris? Ele assentiu.
Cathy olhou para a rua e então, de volta a ele.
— Ótimo, pois os outros já estão chegando. E temos
trabalho a fazer.

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Projeto Revisoras
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NOVE

Harris permaneceu na rua, ao lado do -portão, enquanto


Ginger Mangum e os rapazes entravam, seguidos por George Travis e
Clive Smith.
O carteiro olhou para ele, surpreso, e passou a especular:
— Eh? O que ele está fazendo aqui? Eu o vi na noite
passada no festival e fiquei sabendo que se chama Harris. É galês,
mas não esperava vê-lo novamente com a srta. Cathy...
George olhou, sem interesse, para o homem silencioso.
Concentrava-se em sua própria miséria, pois a srta. Ginger recusara-
se a dançar com ele e, mesmo agora, não estava conversando com
ele.
— Ele veio para cá, enviado pelos Lindley. Chegou de
Maryland, se quer saber, mas não é parente dos Lindley de lá.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Oh, percebo! — respondeu o carteiro, satisfeito com a


explicação.
Harris, que não tomara parte nesse diálogo, seguiu os dois
homens pelo portão, fechando-o atrás de si. Permaneceu de lado na
calçada, próximo a um pilar junto aos degraus da varanda.
Desse ponto de vista privilegiado, observava as atividades
da srta. Cathy e amigos, contemplando sua missão em Hillsborough.
Harris considerava a srta. Cathy uma deusa caída do céu,
mas a visão que tinha dela modificava -se. A cada dia, tornava-se
mais e mais ciente de seu corpo.
Tal mudança de visão era ainda mais inexplicável porque a
imaginara uma deusa forte e vingadora, que o submeteria a um teste
de coragem, bravura e habilidade. A deusa de sua imaginação era
silenciosa e comandava-o em suas ações sem falar. Ao invés disso,
encontrara uma mulher que resistia à sua ajuda, achava que não
precisava dele, comandava a cidade e parecia achá-lo parecido com
um dos rapazes. Além de falar demais!
Ou melhor, falava mais do que ele achava que uma deusa
deveria. Falava mais do que qualquer mulher que já conhecera, mais
do que a esposa de Morgan, Bárbara. Preferia de longe mulheres
silenciosas. Ou assim pensava, pois não podia negar que sentia algo
pela srta. Cathy. Algo estranho e novo, como a iluminação de um
espaço escuro e entrevado dentro de si, no peito. Não sabia explicar o
que era.
Nem sabia por que ela exercia esse efeito sobre ele, mas
achava que podia ter algo a ver com sua maneira de andar.
Observava-a naquele momento. Ela trazia uma jarra com copos e um
grande pote com pequenos discos brancos. Após servir a bebida,
ofereceu o conteúdo do pote. Não podia deixar de compará-la à
mulher maçante sentada no balanço a ponto de choramingar. Contras-
tante, sua deusa faladeira era competente e bom-caráter. Riu com o
carteiro, brincou com os rapazes, bateu na mão de Orin, pois ele

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

estava pegando discos demais, foi solidária com a mulher maçante e


animou o namorador largado do outro lado da varanda.
Também era carinhosa e afetuosa. Tocava nos amigos com
liberdade e freqüência. Pousou o braço ao

redor de Ginger, inclinou-se para Richard e bateu na pança


de Orin.
Calculou que ela fazia isso havia dez anos e ninguém — nem
o carteiro, nem a mulher maçante, nem o namorador, nem os rapazes
— notavam que jovem mulher extraordinária ela era. Consideravam
sua ajuda natural. Se eles achavam que ela era natural, era porque
ela mesma achava suas ações naturais.
Ela não o ignorou, tampouco, e tratou-o exatamente como
aos outros. Serviu-lhe um copo com algo que descobriu ser limonada
e trouxe o pote, informando-o de que os discos eram fatias de maçã
secas.
Pegou uma fatia, mas ela insistiu para que provasse outras
duas variedades de maçã seca.
Ela própria se serviu de uma fatia e a mordeu, sorrindo,
satisfeita.
Naquela altura, discutiam sobre a leitura da carta de Old
Hitch na paróquia e Cathy declarou que precisavam não apenas
colocar as cabeças para funcionar juntas, como também juntar as
cartas recebidas.
— As únicas que ainda não ouvi são a de Ginger e de Clive,
portanto, vamos ouvir a de Ginger primeiro e depois a de Clive.
Depois, quero saber exatamente o conteúdo da carta dos rapazes,
pois ainda não estou convencida de que tenha algo a ver com
alambique.
Após soar o nariz duas ou três vezes teatralmente, Ginger
abriu a carta e leu suas duas linhas.
A chave de tudo está em suas mãos E na de outros,

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

descobri-la é a tarefa.
Ela balançou a cabeça.
— O que acha que significa?
— Acho que significa que nós vamos tirar uma conclusão de
todas essas dicas — sugeriu Cathy.
— Sim! — aprovou Clive, entusiasmado, reforçando

a interpretação de Cathy. — E devemos considerar que os


outros têm mais dicas. Mas isso é fácil, pois estamos todos aqui, e eu
devia mesmo saber, pois entreguei todas as cartas.
— E foram só essas seis? — perguntou Cathy. O carteiro
confirmou que sim?
— Naturalmente, sei que Old Hitch enviou duas para o
jovem MacGuff na semana passada, mas elas pediam para que ele
voltasse, como o jovem mesmo nos contou.
— Cathy ficou satisfeita.
— Certo, então, temos as seis pistas. O que diz a sua,
Clive?
— Acho que Old Hitch está me amolando por causa do
relógio — declarou Clive. — É muito bonito. Ele sabia que eu estava
de olho nele há anos. Sabem, depois de entregar as cartas, o mais
importante para mim é me manter no horário!
— Os versos, por favor.
Voltando ao propósito inicial, o carteiro falador anunciou:
— Agora mesmo! — Abriu a carta e leu:
Cuidado! Cuidado! Há algo que encaixa Ao entardecer, a
caminho do horizonte.
— Estão vendo? Tem a ver com tempo, hora, não há dúvida.
Cathy não concordava.
— E você acha que ele está deixando o relógio para você?
— Não acho que ele esteja me deixando o relógio, mas me
amolando. Que mais podia significar?

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Qualquer coisa — respondeu ela. — Ou nada.


— Acho que ele está gozando da gente sobre o alambique —
declarou Hank.

— Veremos — comentou Cathy —, pode ser que sim, pode


ser que não! — ficará mais claro quando ler seus versos. Está com a
carta, Hank?
Hank passou a carta a Cathy. Ela abriu e leu, confusa:
Falando de desejos, pode haver um alambique Este poema
diz como achar um dos meus.
Ela suspirou fundo.
— Bem, não sei se ele está gozando de vocês sobre o
alambique — lamentou. — Ele podia, ao invés disso, estar informando
seu desejo. Alguma outra carta fala sobre desejos? — Balançou a
cabeça. — Estou vendo, mas não faz sentido algum.
Richard avançou de seu lugar e disse, pensativo:
— Veja, Old Hitch diz em nossa carta que nos escreveu um
poema. Isso deve ser uma pista importante.
Exclamações foram externadas pelo grupo.
— Sim, um poema!
— Bem, devíamos ter adivinhado!
— Sim, uma pista importante. Finalmente, Boy aliviou a
todos, perguntando:
— E isso sendo um poema, vai tornar tudo mais fácil?
— Num poema — explicou Richard —, as palavras nos fins
das linhas rimam.
Boy esforçava-se para acompanhar o raciocínio.
— Rima?
Cathy ilustrou o conceito:
— Como gato e rato — exemplificou ela.
— Certo — confirmou Richard —, ou como rato e pato. Orin
captou o espírito da lição.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Como pão e mamão — ofereceu ele, brilhantemente,


recebendo um tapa de Cathy no estômago.
— Sabia que tinha a ver com alambique — informou Boy,
satisfeito.

— Bem, nenhuma dessas linhas rima — observou Hank,


desgostoso. Citou de cor:
— Falando de desejos, pode haver um alambique. Este
poema diz como achar um dos meus. Alambique não rima com meus.
— Duas linhas juntas não necessariamente rimam entre si —
esclareceu Richard —, mas talvez rimem com outras linhas, dessa
forma, o poema vai estar ordenado.
Hank coçou a cabeça.
— Oh.
— Não é uma idéia ruim, Richard — incentivou Cathy. —
Então, vamos ver se as linhas têm relação. — Juntou as seis cartas e
pousou-as sobre o último degrau. Então, ficou de pé à frente dos
papéis para ter uma melhor visão do conjunto.
Richard aproximou-se. Inclinou-se e releu as cartas de Clive,
Ginger e de Boy. Então, leu em voz alta as outras três cartas que não
tinham lido ainda. A primeira foi a de George:
Juntos, verão mas também perguntarão: Que mais tem Old
Hitch, além de uma pequena gleba?
Então a sua própria:
Entre o tempo e a água, a água e o tempo O caminho da
salvação jaz numa caixa.
E finalmente, a de Cathy:
Maçãs não caem longe das árvores
Tente como puder, diga, faça os desejos seus.
— Ah-ah! — exclamou Richard. — Há uma menção de
desejo.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Richard dispensou a objeção dela.


— Não tem lógica. É poesia. Cathy objetou novamente:
— Old Hitch não tinha nem sequer um osso poético no
esqueleto.
— Não disse que era boa poesia — corrigiu Richard. A
resposta trouxe uma série de comentários razoáveis, até que Richard
exigiu: — Me deixem pensar!
Todos ficaram em silêncio. Richard começou a arranjar e
rearranjar as cartas para ver se podia encontrar rimas, resmungando
para si mesmo durante toda a operação. Por fim, ergueu o olhar e
pronunciou-se:
— Os versos da srta. Cathy devem vir primeiro, mostrando
que Old Hitch era parcial quanto a ela. Assim, se colocarmos a dela
primeiro, os versos dos rapazes vêm em seguida. Todos juntos
formam uma estrofe. — Olhou para Boy e explicou: — Quatro versos
juntos, e são esses:
Maçãs não caem longe das árvores Tente como puder, diga,
faça os desejos seus Falando de desejos, pode haver um alambique
Este poema diz como achar um dos meus.
Cathy assentiu devagar.
— Acho que você está certo, Richard.
— Faz sentido os versos falando de maçãs, se referirem a ela
— ponderou Clive.
— Isso significa que o alambique refere-se a nós —
proclamaram Orin e Boy, juntos.
— Mas não sei se ele queria nos dizer onde está — declarou
Hank.
Richard estava profundamente absorto nas considerações
técnicas da rima. Assim que percebeu outro padrão, colocou os versos
em ordem. Em poucos minutos, pôde ler o que considerava a segunda
estrofe:
A chave de tudo está em suas mãos E na de outros,

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Doce Rendição – Julie Tetel

descobri-la é a tarefa Juntos, verão mas também perguntarão: Que


mais tem Old Hitch, além de uma pequena gleba?
Todos concordaram que Old Hitch estava declarando que
possuía mais do que um pedacinho de terra e até Cathy começava a
achar que talvez houvesse um alambique envolvido. Hank descobriu
que os versos de George e de Ginger formavam uma estrofe, cujo
significado podia ser que eles deveriam ficar juntos. Richard arrumou
o resto do poema e leu em voz alta:
Cuidado! Cuidado! Há algo que encaixa ao entardecer, a
caminho do horizonte Entre o tempo e a água, a água e o tempo O
caminho da salvação jaz numa caixa.
O grupo desanimou quando Richard acabou de ler.
Esperavam descobrir a chave do mistério ao final da décima segunda
linha, mas ficaram desolados ante o final enigmático.
Cathy serviu mais fatias de maçã secas. Todos mastigavam e
pensavam, mas ninguém apresentou uma solução. Só concluíram
que: sim, tinha a ver com desejo e; sim, as doze linhas forneciam as
pistas essenciais.
Harris não participara da reunião, mas, de repente,
manifestou-se:
— Leia o poema mais uma vez para mim — pediu. Richard
atendeu e Harris ouviu, impassível.
— Onde o velho morava?
— Num pequeno terreno, como ele diz nos versos: "uma
pequena gleba".
— Num barraco — especificou Richard.
Harris resumiu as informações que assimilara até aquele
momento:
— A srta. Cathy está relacionada às maçãs, os rapazes ao
alambique, a srta. Ginger à chave, George Travis ao pedaço de terra,
Clive Smith ao relógio e Richard Freeman à salvação numa caixa. —
Ante o assentimento geral, perguntou em seguida: — Onde fica a

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propriedade de Old Hitch?


Informaram-lhe de que ficava além do pomar de Cathy,
descendo a colina.
— Acho que devíamos visitar o local — sugeriu ele.
— Visitar a terrinha de Old Hitch? — replicou Hank. — Mas
não tem nada lá!
— Não saberei enquanto não ver — respondeu Harris. Todos
se entreolharam e então olharam para Cathy. Cathy não estava
entusiasmada, mas não conseguia
imaginar nenhuma boa razão para não irem.
— Fiquei com Old Hitch até o fim na sexta-feira de manhã e
não me lembro de ter visto nada estranho, portanto, não vejo razão
para voltar lá — opinou ela. Então, encolheu os ombros. — Mas por
que não? Talvez um de vocês encontre algo que eu não tenha notado.
Àquela concordância, todos começaram a se mexer. Cathy
agarrou o pote de maçãs secas e começou a contornar a casa.
— Vai levar isso à casa do velho? — perguntou Harris,
indicando o pote.
Ela balançou a cabeça.
— Vou levar para o depósito lá atrás.
Dobraram a esquina da casa e Harris viu uma estrutura de
madeira. Como Cathy estava carregando o pote, destrancou-lhe a
porta e abriu-a.
Enquanto ela despejava o conteúdo do pote numa caixa de
madeira coberta com pano, ele olhou em redor com interesse,
sentindo o forte aroma de maçã.
Ela se voltou para ele e sorriu.

— Quando me perguntou qual era o meu bem mais precioso,


devia ter indicado esta sala. É mais importante do que o pomar, de
certa forma. — Apontou para uma fileira de prateleiras de madeira
num canto do cômodo. — Pois aqui ficam as sementes de macieira.

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Projeto Revisoras
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— E o que faz com as sementes? — perguntou ele.


— Algumas eu vendo. Outras dou às crianças no Natal, e
planto algumas. Na maior parte, guardo. — Cathy riu de si mesma. —
Devo ser biruta, pois meço a minha fortuna pela quantidade de
sementes que tenho armazenada.
Ele assentiu e comentou:
— Você está rica. Ela assentiu de volta.
— Estou.
Deixaram o depósito. Harris trancou a porta e eles saíram
pelo quintal, indo atrás dos outros.
George caminhava ao lado de Clive e olhava o tempo todo
para a srta. Ginger, que estava com os rapazes. Era claro que ele
queria acompanhá-la, mas temia retardar-se para falar com ela.
Cathy adiantou-se. Harris achou que ela pretendia tomar
uma atitude e impediu-a, pousando a mão em seu ombro.
Ela o encarou, surpresa.
Ele balançou a cabeça.
— Deve deixar que eles mesmos resolvam seus problemas.
Ela expressou entendimento.
— Mas seria muito mais fácil — explicou ela —, se eu
simplesmente os aproximasse, que é o que querem.
— Assim como foi mais fácil se livrar daqueles arruaceiros
para mim, ao invés de me deixar lidar com eles eu mesmo?
Ela fez uma expressão de desgosto.
— Vai jogar isso na minha cara todo o tempo?
— Não, só quando for relevante.
— Isso é diferente! George e Ginger estão tão... tão
desesperançados, mas foram feitos um para o outro. Não consigo vê-
los num estado tão miserável, entende?
— O que pretende fazer com a rival da mulher maçante?
— A srta. Sylvia?
— Essa mesma. Não quer que ela seja a... qual é mesmo a

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

palavra?
— Noiva?
— Sim, noiva. — Ele a encarou. — Considerou os
sentimentos dela também?
— Sim — assegurou Cathy, séria. — E um problema muito
difícil saber o que fazer com ela. Na noite passada, tentei encontrar
vários cavalheiros para substituir... — Interrompeu-se, e a expressão
séria tomou um ar conhecedor.
Ele sentiu novamente aquele alívio no peito quando olhou
para ela e imaginou por que era considerada comum. Não era
nenhuma beldade, mas sua expressão facial era tudo, menos comum.
— Considerou vários cavalheiros? — tentou esclarecer, com
educação.Ela estava cansada daquilo. Ao invés disso, acusou:
— Está tentando me salvar de novo, não é?

DEZ
Cathy não se deixou enganar pela expressão inocente de
Harris. Embora tivesse que admitir que ele fazia um excelente
trabalho mantendo o rosto impassível, não deixou de notar o brilho
bem no fundo de seus olhos.
— Oh, sim, você está — insistiu ela. — Você está tentando
me salvar de mim mesma, acho, e quer mudar o meu jeito de
interferir em todos os assuntos. — Rapidamente ergueu a mão em
protesto, evitando que ele se manifestasse, embora estivesse bem
claro que ele não tinha a intenção de abrir a boca. — Não que eu
esteja admitindo que interfira na vida das outras pessoas. Em
absoluto! Pelo contrário, eu torno suas vidas mais fáceis, percebe, e...
e facilito o que aconteceria naturalmente de qualquer maneira. —
Estava muito satisfeita com aquela interpretação. —Além disso —
continuou, estragando o efeito —, vai contra a minha natureza ficar
olhando, sem fazer nada.
— Vai se acostumar. — Como assim?

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— Olhe lá.
Ela olhou para a colina, onde George parara para esperar por
Ginger, que ia passar fingindo que não o via. Então, ele lhe disse algo
e ela estacou e lançou-lhe um olhar — a expressão exata não era
visível àquela distância — mas ela não passou por ele teatralmente,
nem parecia objetar ao que ele dizia. Voltou-se de forma convidativa
para que caminhassem juntos. George podia estar meio abobado,
mas não era idiota. Acompanhou-a.
— Bom garoto! — comentou Cathy, aprovadora, quando
George começou a caminhar vários passos respeitosos atrás de seu
amor. Voltou-se para o sr. Harris. — Mas não fique pensando que o
meu trabalho está terminado! Ainda temos que dobrar a sra. Travis.
— E o problema da rival da mulher maçante — acrescentou
ele.
— Você se preocupa demais com a srta. Sylvia — censurou-
o —, e estou achando difícil manter uma conversa séria com o senhor!
— Bateu brincalhona em seu braço. — Já que não se importa com os
sentimentos dos meus queridos amigos... e, afinal de contas, por que
deveria?, vamos voltar a nossa atenção ao quebra-cabeça mais
imediato das cartas de Old Hitch. Francamente, acho que ele estava
querendo que nós fizéssemos...
Ele a interrompeu, autoritário.
— Saberemos o que ele tinha em mente assim que
resolvermos o quebra-cabeça e saberemos o que fazer assim que
chegarmos à propriedade.
Rudemente interrompida, Cathy teve que segurar o fôlego.
Então, engoliu a censura e seu suspiro seguinte foi de divertimento.
— Você está realmente tentando me modificar, não é?
Imagino que você estivesse achando que eu ia discorrer sobre todas
as possibilidades de interpretação do poema de Old Hitch,
completando com planos de ação vários. Bem! Deixe-me informá-lo,
senhor, de que me recuso a dar-lhe a satisfação de confirmar as suas

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Doce Rendição – Julie Tetel

suspeitas! Assim, não vou dizer mais nada a respeito do assunto de


Old Hitch. Nada! — Parou e acrescentou, para dar ênfase: — Nadinha
mesmo!
Cathy cerrou os lábios para não poder dizer mais nada e
encarou-o. Tentou parecer triunfante, mas foi incapaz de manter uma
expressão de dignidade, porque estava com vontade de rir e as
palavras ameaçavam sair de sua boca. A aparência dele, observando
o esforço dela em manter-se calada, não ajudava na encenação.
Finalmente, ela teve que respirar para rir.
— Oh, você, hein! — Ela o censurou novamente com outro
tapinha no braço.
Desta vez, ele agarrou-lhe a mão com a sua bem maior e
desviou a ambos da trilha que subia a colina. Levando-a pela mão,
embrenhou-se na mata densa, cheia de pinheiros. Estava mais fresco
do que na colina. Ela sentia com prazer as agulhas secas de pinheiros
amontoadas sobre o solo sob os pés descalços. Olhou para cima, para
ver as árvores altas, os pássaros, os esquilos. Os raios de sol se
projetavam em tons verdes e dourados entre as agulhas dos
pinheiros.
— Posso perguntar para onde estamos indo? — indagou ela
em voz alta, então debateu o ponto consigo mesma: — Se eu
perguntar, vão dizer que estou fazendo uma pergunta tola. Se não
perguntar, privo-me de ouvir uma explicação a por que não estamos
na trilha usual.
Harris não se voltou.
— Se precisa falar, me diga onde a sua propriedade termina
e onde a do velho começa.
Ela nunca pensara na questão de linhas divisórias.
— Não sei. — Sentiu a pressão da mão dele sobre a sua e
pensou: "Que interessante eu poder dizer o que ele acha
simplesmente pelo toque". — Claro que acha que a minha ignorância
é absurda, mas é porque as linhas entre a minha propriedade e a de

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Projeto Revisoras
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Old Hitch nunca foram demarcadas. Agora, a resposta à minha


própria pergunta sobre onde estamos indo é que você nunca toma o
caminho usual e prefere fazer sua própria trilha.
Francamente, espero que saiba para onde estamos indo mas
não consigo imaginar como isso seja possível.
Ele estacou, ela topou com uma raiz de árvore e colidiu
contra suas costas.
Ele se voltou e automaticamente agarrou-a nos braços,
evitando que ela caísse. A intimidade do abraço e o efeito que isso
causou em.seu corpo fez com que ela esquecesse totalmente a dor no
dedão do pé. Também se esqueceu do conforto de sua presença. Ao
invés disso, sentiu uma onda quente, devido à presença e ao corpo
dele. Novas sensações surgiram do nada. A brisa suave entre as
árvores ficaram muito mornas de repente.
Ele a focalizou devagar, como se estivesse olhando muito
longe. O semblante denunciou uma leve surpresa por estar
abraçando-a; então, seus olhos se obscureceram, numa expressão
que ela nunca vira em nenhum homem antes. Apesar de sua
inexperiência nesse campo, não era preciso lhe contarem que ele
desejava beijá-la. No espelho escuro dos olhos, que refletiam uma
imagem miniatura de seu rosto, quase foi capaz de ver a si mesma
como ele a via.
Cathy perdeu a capacidade de respirar normalmente. Sentia
o coração disparado. Excitada, assustada, confusa e certamente não
alheia à situação, fez a única coisa que sabia fazer com os lábios.
Falou.
— Por que parou? — A voz saiu trêmula. Tinha esperança de
que ele não notasse.
Ele podia estar inclinando a cabeça para beijá-la. Então,
novamente, podia não estar, e ela podia ter imaginado que ele se
combatia internamente. Ele franziu levemente o cenho, como se
tivesse dificuldade em se lembrar, então, aliviou-se. Apurou a audição.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— Estou ouvindo um pássaro novo — informou ele. — Estava


interessado em aprender o som.
Ele continuou abraçando-a, sem se mexer. O sorriso no
fundo de seus olhos quase chegava aos lábios. Os sons e silêncios da
floresta a envolviam como o abraço. Ouviu os esquilos nos galhos, o
bater de asas dos pássaros, os roedores no solo. Quase podia ouvir as
batidas do coração contra o peito.
Então, ouviram mais uma vez um chamado de pássaro, alto
e distante. A resposta era parecida, mais aguda.
Harris juntou os lábios e assobiou imitando. Ficou
insatisfeito com o resultado.
— Conhece o pássaro?
Ela aguardou mais alguns instantes até o pássaro chamar
novamente.
— E um canário amarelo. Adora pomares e vem do sul no
meio de abril. Por aqui, é chamado de canário da flor de macieira.
Ele tentou chamar mais uma vez, com tal perfeição que
recebeu uma resposta. Ele aliviou o cenho, satisfeito, e seus olhos
brilharam de alegria, o que ela começava a achar irresistível.
Que tipo de anjo é esse, que me faz sentir tão terrena?
imaginou, sonhadora. A resposta, dispersando seu sonho, era que não
se tratava de nenhum anjo, mas de um homem de carne e osso. Um
que possuía história e passado. Um que falava a língua dos homens e
dos animais. Um que desejava beijá-la. Um que...
Ele inclinou-se sobre ela mais uma vez, um movimento
mínimo, quase interrogativo, certamente sedutor.
Um homem que não tinha nenhum negócio ali em
Hillsborough, abraçando-a, querendo beijá-la.
— Quem é você? — perguntou ela, sem fôlego, com medo,
interrogativa. Sentia como se estivesse de volta ao pomar com ele,
quando tudo começou, mas não da forma como acontecera.
Ele estava tão perto que ela podia ver como as pupilas de

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

seus olhos se dilatavam para focalizar.


— Já disse a você — declarou ele, devagar, sem entender
direito.
Ela se afastou um pouco.
— Deve ter outro nome. Um nome Huron — comentou ela.
— É Tohinontan.
— O que significa?
Ele teve dificuldade em interpretar a pergunta.
— Em inglês — ajudou ela.
— Ah. Significa... — Ele procurou pelas palavras —, Pássaro
de fogo.
Ela focalizou a cicatriz que cobria seu pescoço descendo pelo
ombro.
— Você não é um anjo, é?
Ele não teve dificuldade com aquela pergunta. Balançou a
cabeça e declarou:
— Não, eu vim do inferno.
A primeira idéia que lhe veio à cabeça foi: "Então, Old Hitch
realmente o enviara!" A segunda idéia foi: "Isso é loucura!" Apesar da
declaração dramática, ainda não tinha medo, nem achava que ele lhe
faria algum mal. Temia, entretanto, a sensação de estar perto dele
daquele jeito, circundada por seus braços, pela brisa morna da
floresta e pelos sons e silêncios da primavera. Temia o desejo de cair
em tentação, de experimentar o fogo que ele aparentemente conhecia
tão bem.
Dividida entre tentação e medo, afastou-se mais um pouco
dele. Ao mesmo tempo, ele devia ter percebido o que estava a ponto
de fazer, pois se afastou também. Uma expressão de surpresa
desarmada surgiu em seu rosto e rapidamente foi substituída por uma
expressão — ela podia estar enganada — que sugeria que ele ainda
queria beijá-la. Ela estava confusa e não sabia se ele ia soltá-la ou
trazê-la mais para perto.

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Projeto Revisoras
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Entretanto, antes que ele efetivasse qualquer ação, ouviram


chamados de gente vindo da borda da floresta.
— Eles estão atrás de você? — berrou Hank.
— Não estou vendo — respondeu alguém, de mais longe,
provavelmente Clive.
— Bom, onde diabos devem estar? — praguejou Hank.
— Parece que desapareceram! — gritou Clive.
— Devíamos proteger nossas mulheres de estranhos! —
declarou Orin. A voz vinha de perto. — Hank! Boy! Vamos procurá-
los!
Cathy observou a expressão no rosto de Harris e suprimiu
um riso, mas não conteve um sorriso. Estava contente com essa
passagem absurda, pois pareceu quebrar a tensão incomoda que
surgira entre eles.
Balançando a cabeça, descontente, Harris soltou-a e tomou-
lhe a mão mais uma vez. Não disse nada, meramente olhou ao redor
para se situar e caminhou em direção às vozes.
Poucos passos adiante, emergiram da mata e chegaram a
uma campina onde Orin aguardava. Hank, Boy e Richard estavam
chegando e Clive surgiu depois deles. Logo depois, Ginger apareceu
saltitante, como se estivesse passeando em uma rua de lojas, seguida
por George como um cachorrinho.
Chegaram ao barracão pela lateral. Quando contornaram a
construção, Harris já estava lá sobre os primeiros degraus quebrados
da varanda. Ele subiu sem hesitar, sem emitir ruído com os
mocassins, e andou de lá para cá na varanda. Então, foi à porta da
frente e abriu-a. Entrou e, depois de alguns segundos, saiu,
gesticulando para que os outros entrassem também.
Uma vez que Harris já espantara os fantasmas, eles se
aproximaram tranqüilos, comentando baixinho, para não acordar os
espíritos.
Cathy deteve.-se um momento, sentindo-se triste, e foi até o

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Doce Rendição – Julie Tetel

relógio de sol, que afundara no solo argiloso. Absorta, tocou o relógio,


juntando coragem para entrar no barracão.
Ginger apareceu. Estava contornando a construção e Cathy
viu-a parar junto ao poço. Cathy apoiou-se no relógio de sol para
presenciar uma interação interessante.
George seguiu-a. Dirigiu-lhe algumas palavras e gesticulou
em direção ao barracão. Ginger olhou por sobre o ombro, balançou a
cabeça e voltou-se novamente. George encolheu os ombros e
caminhou de volta.
Cathy se movimentou para ir encontrá-lo nos degraus da
frente.
— Fazendo progresso? — perguntou.
— Ela permite que eu fique a dois metros — declarou George
— e isso é um progresso considerável depois do festival.
— Tão bom quanto esperado — incentivou Cathy. O sorriso
era amável. — Ela está amolecendo.
— Mas não quis vir para o barracão comigo — lamentou
George, manhoso.
— Quem pode culpá-la? — indagou Cathy, racional — Veja o
segundo degrau ali, está quebrado.
— Que inferno — resmungou George. — Que amolação Ela e
George entraram no barracão, cujo interior
combinava perfeitamente com o exterior.
Os rapazes, inseguros e certamente desconfortáveis
estavam no meio da sala, de costas um para o outro, como que
formando um círculo de proteção.
Harris andava pela sala, observando tudo, e parou quando
viu uma arca.
— Alguém sabe o que tem dentro?
Cathy informou que nunca vira Old Hitch abriu| aquela arca
e achava que estava vazia. Todos os outros não faziam a mínima
idéia.

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— Harris procurou o cadeado. Descobriu que estava


trancado, mas não teve dificuldade em abri-la. Quando ergueu a
tampa, um ar viciado de mofo invadiu o ambiente, e ele teve que
recuar um passo até a poeira baixar. Abanou o ar antes que pudesse
ver alguma coisa.
— Humm — ponderou, fazendo Cathy chegar para seu lado.
Ela viu várias roupas antigas. Muito velhas mesmo. Do
século anterior, na verdade. Estendeu-se e, com a ponta dos dedos,
ergueu a peça mais à mão para inspecionar. Era um casaco fora de
moda. Harris tirou uma camisa amarelada, em farrapos. Depois, uma
caixa de madeira, tossindo até que o pó baixasse.
— E uma caixa de pó, acho. Pó para cabelo.
Ele afastou a caixa e continuaram inspecionando as roupas.
— São do velho? — perguntou Harris.
— Devem ser — informou Cathy. — Têm pelo menos
cinqüenta anos, se não mais, e eram provavelmente dele quando
jovem.
Harris buscou o casaco que fora retirado em primeiro lugar.
— Ele era alto? Cathy assentiu.
— Sim, tão alto quanto você, eu diria. Quando era mais
jovem, quero dizer. Ele abaixou com a idade, claro.
Harris avaliou os trajes.
— Um gosto por roupas caras corre nas veias dos Hitchcock,
ao que parece.
Cathy franziu o cenho ante o comentário.
— Roupas adornadas eram a moda, sabe. — Avaliou o
casaco e a camisa. — Embora ache que, mesmo para aqueles dias,
estas roupas deviam ser finas. É difícil imaginar Old Hitch
completamente vestido!
Harris depositou o casaco de volta na arca e remexeu até o
fundo, como Cathy fizera pouco antes. Quando ele acabou, Cathy
decretou:

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Projeto Revisoras
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— Nada de pistas aqui.


Ele se endireitou e bateu as mãos.
— Não ligadas ao mistério das cartas — concordou, fechando
a tampa.
Assim que a arca foi fechada, um som metálico de arrepiar
os cabelos invadiu a sala. Parecia mais a harpa de um fantasma, ou
correntes arrastadas, como as usadas por espíritos que não
descansam em paz.
Quando a porta se abriu misteriosamente, como que
impulsionada por alguma força invisível, alguém sussurrou com voz
aterrorizada:
— Old Hitch voltou para nos assustar!

ONZE

Os rapazes avançaram em grupo para a porta, com Clive


logo atrás. Foram precisos algum aperto e empurrões até que todos
conseguissem sair, atravessando a varanda e não parando enquanto
não estivessem bem além do relógio de sol, no meio da campina.
George, desperto de seus pensamentos pelo som das botas, olhou em
redor e achou que era hora de ir.
Harris percebeu que a srta. Cathy estava olhando pela porta,
divertida. Ela pousou as mãos nos quadris e disse:
— Old Hitch teria adorado esse momento! Estou mesmo
sentida por ele não ter visto isso. Imaginar homens adultos
assustados por um punhado de colheres velhas penduradas na
varanda!
— Colheres velhas? — repetiram todos, interessados. —
Pensei ter visto canos no teto da varanda quando cheguei.
Harris conduziu Cathy para a varanda e olhou para o grupo
reunido ao redor do relógio de sol, incluindo agora a mulher maçante.
Percebeu que estavam contando a ela os acontecimentos

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assombrosos no barracão.
Harris caminhou até a borda da varanda e olhou para cima,
onde as velhas colheres estavam penduradas numa roda de metal
pequena. Deu uma batida para que se chocassem novamente,
reproduzindo o som que ouviram no barracão. Então, virou a cabeça à
direita, em direção ao grupo em torno do relógio na campina, para a
esquerda na direção do poço, então, de volta à srta. Cathy, que
avaliava as colheres, curiosa.
— Ora, os sinos!Mas é claro!
De repente, ele soube, e foi uma descoberta rica e em dose
dupla. Sabia por que uma jovem faladeira, mandona e comum estava
descontrolando-o e sabia também a solução para o poema de Old
Hitch.
Ele estivera sob a influência dos acontecimentos na mata,
quando desejou beijar a deusa pouco assemelhada a deusa. Tendo-a
em seus braços, sentiu aquela necessidade máscula novamente, o
desejo pela mulher que conhecera no dia anterior. Dessa segunda vez,
entretanto, foi mais forte e acompanhado do sentimento de alívio por
estar a seu lado. Com ela em seus braços, com o corpo totalmente
junto ao seu, os lábios próximos, aquele desejo transformara-se em
encantamento. Uma liberação.
Sentia-se livre da raiva que sempre lhe dava força contra
seus inimigos e deixava-o indiferente às mulheres.
Estava surpreso com a ausência de raiva e, ao mesmo
tempo, sentia-se assustadoramente indefeso. Queria fugir das
emoções emergentes, que não sabia denominar, mas o desejo era
ainda mais forte do que a surpresa ou o medo. Pela primeira vez na
vida, estaria à mercê do desejo, e queria saber até onde isso o
levaria.
Então, os rapazes começaram a gritar alguma coisa, a srta.
Cathy sorriu e o momento foi perdido. Agora, não sentia-se mais
confuso. Sua missão estava novamente clara, tão clara quanto a

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Projeto Revisoras
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misteriosa mensagem do poema do velho. Juntos verão, recomendara


o velho homem. Mantenha tudo simples! advertiam seus instintos.
— Sinos apareciam no poema de Old Hitch? — perguntava
Cathy. Franzia o cenho, concentrada; os lábios, que estavam sempre
rindo ou sorrindo, estavam fechados de maneira pouco atraente.
Então, ele via o que via e descobria — simples assim — que
gostava dela. Apenas isso. Só isso. Particularmente isso. Gostava.
Era uma experiência totalmente nova para ele.
Ele gesticulou em direção ao relógio.
— Aquilo é o tempo, e ali... — apontou o poço — é a água.
Cathy pareceu entender.
— E você está no entardecer, entre o tempo e a água, a
água e o tempo.
Ele assentiu.
— Agora, tudo o que precisamos saber é a sombra do relógio
ao meio-dia, pois isso deve ser o que encaixa.
— Muito bem! — exclamou Cathy, entusiasmada.
Caminharam juntos em direção ao grupo ao redor do relógio de sol e
tiraram todos de perto sem cerimônia. Começaram a discutir o
caminho do sol, indicando que passava bastante do meio-dia e
concordaram que a sombra do meio-dia apontaria direto na linha
entre as colheres e o poço.
Os espectadores pararam de falar e perguntaram sobre o
que os dois estavam conversando.
Cathy gesticulou em direção ao sr. Harris com um floreio e
disse:
— A idéia foi dele e é ele quem deve explicar. Harris
simplesmente repetiu:
Cuidado! Cuidado! Há algo que encaixa Ao entardecer, a
caminho do horizonte Entre o tempo e a água, a água e o tempo O
caminho da salvação jaz numa caixa.
Richard entendeu imediatamente.

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— A terceira estrofe! Ora, você está danado de certo! Os


demais, não tão sagazes, precisaram de explicações adicionais.
Quando entenderam, Boy traçou uma linha imaginária entre a
varanda e o poço. Balançou a cabeça e resmungou:
— Não estou vendo nenhuma caixa.
— Acredito que tenhamos que cavar — esclareceu Harris.
— São doze metros — reclamou Orin, pois isso significava
que ele não poderia comer por, pelo menos, uma hora.
— O velho não era um homem complicado — ponderou
Harris. — Minha opinião é de que ele locou a caixa de maneira tão
simples quanto o poema. Vamos medir com passos a distância e cavar
bem no meio.
Parecia um bom plano para os rapazes, e Clive e Harris
voltaram ao barracão para pegar as pás que viram junto à porta.
George, por sua vez, desmanchava-se em cuidados para com a srta.
Ginger, que gostava do mimo.
Poucos minutos depois, a distância foi medida. Harris, Hank
e Richard, pás às mãos, começaram a cavar bem no meio entre o
relógio e o poço, que não ficava muito longe da lateral da varanda.
Cathy ficou por perto, excitada ante a perspectiva de
solucionar o mistério e sentia em seu coração romântico a idéia de
descobrir uma fortuna em jóias ou um diário de um amor perdido.
Também estava buscando o fim daquela aventura, pois isso significava
que o sr. Harris iria embora e ela voltaria à vidinha normal e tranqüila.
Por mais que ele tivesse auxiliado, começava a achar a presença dele
desconfortável.
Naquele momento, a batida das pá contra uma madeira
chamou a atenção de todos.
A caixa foi retirada e colocada sem questionamento nas
mãos de Harris. Com dramaticidade, ele segurou a caixa e deixou que
todos pudessem vê-la, suspirando.
— Abra logo! — urgiu Hank.

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Ele a abriu e despejou o conteúdo no chão para acabar com


o suspense.
Um objeto era o relógio de ouro de Old Hitch. Havia uma
etiqueta com o nome de Clive amarrada.
— "Sei que está ansioso pela minha morte para ficar com o
relógio. Portanto, aí está" — leu Clive, que ficou emocionado e
começou a chorar. Abraçou o relógio junto ao peito e Cathy abraçou-o
também.
Outro objeto era um livro, encadernado em couro.
Aparentemente, era a Bíblia da família Hitchcock.
— Abra e veja o que está escrito, Clive — pediu Richard,
que estava muito nervoso.
Clive abriu a capa e leu:
— "Para Richard. Porque ele sabe ler e os rapazes não, e não
vou precisar disso para onde estou indo. Ha, ha."
Clive passou a Bíblia a Richard. Ele a abraçou e Cathy
abraçou-o também.
— Bem, é justo, Richard — comentou George. — Você quer
ser pastor e tudo.
— Foi por isso que aprendi a ler! E agora tenho um bom
livro! — Ele olhou para os céus. — Graças ao senhor! — exclamou e,
olhando para baixo, desejou: — E abençoe Old Hitch, onde quer que
ele esteja!
Havia mais um pedaço de papel, que Harris apanhou e
passou a Clive.
— Bem, parece que ele ainda não acabou de fazer
brincadeiras conosco! — Sem precisar ser convidado, leu o bilhete:
Rosas são vermelhas. Violetas são roxas. Se chegaram até
aqui, sou mais esperto que vocês Rosas são vermelhas. Seu poema é
um soneto. E então, tudo isso não traz novas idéias ao vento?
Todos externaram a falta de entendimento. Exceto Harris,

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Doce Rendição – Julie Tetel

que permaneceu reflexivo, e Richard, que começou a rir.


— O que é tão engraçado? — quis Hank saber.
— E um soneto! — exclamou Richard, ainda rindo. — Old
Hitch é mais esperto do que nós! Não acredito.
— Afinal, o que é tão engraçado — resmungou Hank,
juntando a isso vários termos chulos.
Richard teve que enxugar as lágrimas dos olhos.
— Vejam — provocou a audiência —, um soneto tem catorze
linhas e nós estivemos trabalhando só com doze. Old Hitch está nos
dizendo que perdemos duas linhas!
De volta à varanda de Cathy, a noite baixou e as
especulações sobre quem teria recebido as outras duas linhas foram
várias, mas somente uma manteve-se: o jovem MacGuff.
Cathy ouvia silenciosa os argumentos contra a possibilidade
de MacGuff ter sido a sétima pessoa a receber os versos de Old Hitch.
Claro, havia a testemunha de Clive de que o sobrinho recebera duas
cartas do tio na semana anterior. A primeira devia ser um pedido para
que voltasse a Hillsborough. A segunda devia conter os versos finais
do soneto. Era, além disso, provável que o jovem MacGuff tivesse
recebido os versos finais, pois era o herdeiro de Old Hitch.
— Se houver mais alguma coisa para herdar — provocou
Hank —, além do relógio e da Bíblia.
Harris, que permanecera quieto durante a discussão,
manifestou-se:
— O velho não teria todo esse trabalho por nada.
Todos captaram a mensagem e estavam determinados a ir
atrás do jovem MacGuff na primeira oportunidade e perguntar se ele
havia recebido a carta.
— Claro que acho que ele deva ser perguntado — comentou
Harris —, mas talvez não pelo grupo todo. Deve ser feita uma
aproximação mais gentil, é uma época de pêsames para ele.
— Ora, aquele MacGuff deve estar muito sei ilido mesmo —

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ironizou Orin.
— Sim, uma época de pêsames — continuou Harris, sereno
—, quando ele espera ser tratado com delicadeza. — Voltou-se para
Hank e sorriu com os olhos. — Acha que poderia fazer isso?
— Perguntar a ele delicadamente? Considerando a dor dele?
— esclareceu Hank, cético. — Acho que não e não vejo razão,
conhecendo o jovem MacGuff...
— Não importa a atitude dele antes da morte do tio —
interrompeu Harris. — Notei o quanto ele estava soturno esta manhã.
Acho, sob essa circunstância pouco usual, que devemos nos
aproximar dele... delicadamente, como disse.
— Acho que o sr. Harris está certo — declarou Cathy.
— Acha que MacGuff está escondendo alguma coisa?
— Não exatamente escondendo — retrucou ela, tentando se
convencer de que MacGuff estava apenas tentando preservar a
privacidade. — Mas concordo com o sr. Harris de que devíamos fazer
a coisa... gentilmente, e não simplesmente chegando a ele e
perguntando direto.
— Então, vamos mandar a srta. Ginger perguntar
indiretamente — sugeriu Hank, batendo os cílios, sarcástico.
Harris assentiu, impassível, dizendo que a sugestão de Hank
se aproximava do que tinha em mente. Na verdade, um toque
feminino, declarou, era precisamente do que estavam precisando
naquela situação.
Todos olharam para a srta. Ginger.
Naquele instante, George se manifestou, motivado.
— Bem, não vai dar! — declarou, com força e autoritário. —
Não vou deixar a srta. Ginger flertar com MacGuff, conversar e ser
agradável com ele! Ora, todo mundo conhece a fama de MacGuff com
mulheres e ele é capaz de querer se aproveitar da srta. Ginger... —-
lançou um olhar protetor à amada —, ... da doce e bela srta. Ginger.
Ginger devolveu o olhar com um tom de alegria ao ver o

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amado com tanta disposição.


— Se aproveitar? — indagou Hank. George endireitou-se e
disse desafiador:
— Não vou listar as liberdades que MacGuff podia tomar com
relação à srta. Ginger, já que estamos diante de uma senhorita.
— Estamos diante de duas senhoritas — observou Boy,
hesitante, pois não sabia exatamente sobre o que estava se falando.
— Ora, obrigada, Boy — manifestou-se Cathy com ironia
gentil e, naquele momento, todos os olhares se voltaram a ela.
Ela olhou em redor e estreitou o olhar, avaliando as pessoas
que a encaravam, considerando suas chances com o jovem MacGuff.
A dúvida estava escrita na face de todos — exceto na do sr. Harris. Ele
parecia estar se divertindo, meio desafiador. Desviou o olhar para
encarar os demais.
— Já entendi! Estão imaginando se eu seria capaz de falar
gentil e solidariamente? — Ela sorriu e expôs os dentes. — Por favor,
não poupem os meus sentimentos!
Não pouparam. Seguiu-se uma acalorada discussão sobre a
capacidade da srta. Cathy de encantar o jovem sr. Hitchcock
MacGuffin a ponto de ele revelar o conteúdo das cartas que recebera
do tio. Consideraram-na sob todos os ângulos e discutiram de
maneira embaraçosa os detalhes de seus atributos e a falta deles
também. Estavam a ponto de desistir da idéia quando a srta. Ginger
resolveu analisar os fatos também.
— Acho que Cathy tem muitas possibilidades! A animação
não foi compartilhada.
— Bem, realmente acho — insistiu ela, lançando um olhar
crítico à amiga. — Os cabelos podiam ser mudados e para melhor,
acho — continuou, falando como se Cathy fosse uma estátua em
exibição —, e o vestido...
bem! Acho que o material é adequado, sabendo onde foi
comprado. — Lançou um olhar de desculpas a George, proprietário do

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armarinho da cidade. — Entretanto, o estilo não está bom e agora que


estou considerando o assunto, devo dizer que azul não é a cor dela!
Ora, se pudesse pegá-la agora, tenho certeza de que conseguiria bons
resultados em curtíssimo prazo. — Franziu o cenho graciosamente. —
Não sem algum tempo — corrigiu, judiciosa —, mas com um pouco de
trabalho!
Ninguém sabia se o cabelo de Cathy podia ser arrumado,
nem se azul era ou não a cor dela. Entretanto, estavam convencidos
de que, se alguém podia fazer alguma coisa, esse alguém era a srta.
Ginger.
Ginger tomou a mão da amiga. Sem fala pela primeira vez
na vida, Cathy se deixou levar.
— Agora, vocês, homens, ficam aqui enquanto nos
ocupamos lá dentro — declarou Ginger —, mas comportem-se, sugiro
que se distraiam com sidra e presunto, ou o que mais quiserem.
Sabem onde tudo está.
Antes que as duas mulheres desaparecessem dentro da
casa, Hank fez uma recomendação:
— Enquanto estiver nisso, srta. Ginger, ensine à srta. Cathy
como olhar daquele jeito que a senhorita olha para George na loja.
Ginger reconheceu o conselho de Hank com um piscar de
olho e então atravessou a porta, levando Cathy pelo vestíbulo até o
quarto dela.
Chegando, Ginger fechou a porta e fez Cathy tirar a blusa,
revelando a figura cheia e bem proporcionada. Então, fê-la sentar-se
em frente ao espelho, junto à janela. Tirou-lhe os grampos e segurou
os cabelos compridos no braço, imaginando o que faria com eles.
Finalmente, com um gritinho de inspiração, pegou a tesoura
e, apesar dos protestos da vítima — que fechou os olhos —, passou o
instrumento na parte da frente da cabeleira. Encantada com o efeito,
Ginger desfiou ainda mais algumas mechas ao redor das orelhas.
Então, decidiu fazer uma trança, que Cathy devia usar sobre o ombro

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direito. Quando terminou, ordenou.


— Abra os olhos, sua covarde.
Cathy abriu. Quando viu seu reflexo, percebeu que estivera
esperando por um milagre. Mas não, seu nariz não se endireitara
miraculosamente, nem a boca adotara uma forma de coração. Apesar
disso, estava medianamente satisfeita com o efeito e pensou que
talvez não tivesse sido mesmo uma má idéia. Talvez MacGuffnotasse
a diferença.
— Agora, as roupas — anunciou Ginger, determinada,
fazendo Cathy se levantar.
Abriu o guarda-roupa, só para fechá-lo em seguida e
perguntou se ela não tinha nada que não fosse azul ou cor-de-rosa.
— Verde e dourado é o que você precisa, para ressaltar os
seus olhos, não tem nada dessas cores? Nem mesmo um xale ou fita?
Cathy procurou na memória. Lembrou-se de um xale,
adornado de dourado. Guardara o xale, bem como as outras roupas
da mãe, numa arca debaixo da cama, havia dez anos.
Ginger vasculhou o conteúdo da arca, retirando várias peças,
até que encontrou uma que a agradou.
— Perfeito — decidiu Ginger, sem alertá-la para o decote
sedutor que expunha os seios fartos. — Vamos lá fora, pôr nosso
trabalho à prova.
Já que não tinha um espelho em que pudesse se ver por
inteiro, Cathy teve que se contentar com uma olhada final no da
penteadeira. Pensou em voz alta:
— O que eles vão achar do meu cabelo?
Ginger estava tentando dar força à amiga e respondeu:
— Cathy, querida, acho que eles nem vão notar o seu
cabelo.

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DOZE

Ginger estava certa. Saboreando sidra ! forte e presunto da


defumaria — menos o sr. Harris — os homens discutiam como se
ferravam cavalos quando as duas mulheres saíram para a varanda.
Naquele momento, a discussão cessou, por um minuto inteiro, pelo
menos. Nenhum dos homens notou o cabelo de Cathy.
Hank foi o primeiro a recuperar a voz.
— Acho que esse plano vai funcionar.
Todos externaram comentários incentivadores ao trabalho de
Ginger e Orin até comparou Cathy a um abacate.
Cathy ia retrucar quando olhou para o sr. Harris. Ele estava
apoiado contra o parapeito e olhava para o pátio lateral, daquele jeito
ausente. Estranhamente, sentiu-se aliviada e aborrecida, e o
comentário que ia fazer a Orin sumiu de sua mente.
Ginger estava satisfeita com o resultado de seu trabalho e
ansiosa por continuar a transformação de Cathy.
— Minha querida — declarou ela, apontando para o balanço
—, você vai se sentar e receber a primeira lição sobre como falar com
um homem quando quer alguma coisa dele.

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Doce Rendição – Julie Tetel

Cathy ainda tinha dificuldade em receber ordens ao invés de


dá-las.
— Sei como fazer isso — protestou.

Entretanto, devido à reação dos homens, estava ansiosa por


se submeter às aulas de Ginger, pensando que, talvez, apenas talvez,
pudesse aprender como manter MacGuff em Hillsborough. Então, foi
em frente e se sentou.
— Essa será uma aula sobre falar macio e gentilmente.
Agora, vamos ver — ponderou Ginger, olhando em redor. —
Precisamos de um homem com quem possa praticar. — Olhou para
Hank.
Hank, parecendo horrorizado, declinou, alegando que a srta.
Cathy não conseguiria ser gentil com ele e sairia dando ordens.
— Ora, obrigada, Hank — alfinetou Cathy, seca.
— Está vendo o que eu digo?
— Eu disse obrigada — destacou Cathy.
— Foi a maneira com que disse isso, srta. Cathy —
esclareceu Hank. — Fiquei achando que fiz alguma coisa errada!
— Quem é o próximo? — perguntou Ginger, sem encontrar
voluntários.
Cathy estava parcialmente aliviada por ter que encerrar as
lições ali mesmo.
— Bem, então é isso — concluiu, já pronta para saltar do
balanço. — Já que não há nenhum voluntário, podemos considerar a
coisa toda... — Desistiu de falar quando viu a direção de todos os
olhares.
Aparentemente sentindo os olhares, Harris voltou-se do
pátio lateral e encarou o grupo. Mantinha o rosto impassível, exceto
pelo leve arquear de sobrancelha, indagador.
— Eu não estava ouvindo — desculpou-se. — Querem
alguma coisa de mim?

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— Sr. Harris — começou Ginger, enquanto avançava para


ele, pegava-o pelo braço e levava-o até o balanço, explicando em tom
açucarado: — Tem sido de tanta ajuda a nós até agora. Acha que
pode se dedicar ainda mais um pouco e ensaiar um pouco com a srta.
Cathy? Sentindo-se vulnerável, Cathy protestou, fracamente:
— Não creio que o sr. Harris esteja interessado em nos
ajudar a esse ponto...
Harris interrompeu-a, indagando a Ginger:
— O que quer que eu faça, senhora?
— Nada muito difícil — assegurou Ginger. — Apenas, sente-
se ao lado da srta. Cathy no balanço.
Sem mudar a expressão do rosto, ele repetiu:
— Apenas me sentar no balanço? Não, senhora, não parece
difícil. — Olhou para Cathy e disse, educado: — Gosto do seu cabelo.
Fez alguma coisa? — Sem outro comentário, espantou tia Raquel e se
sentou no balanço ao lado dela.
Cathy concluiu que o sr. Harris sabia exatamente o que se
passava, mas não conseguia definir a expressão de seu olhar. Via
divertimento, mas algo mais... Vontade, talvez. Mas de quê?
Ficou perplexa também ante o efeito da presença dele.
Assim que ele se sentou, percebeu que nenhum homem antes a
deixara naquele estado. De repente ciente do decote, apressou-se em
ajeitar o xale para se cobrir um pouco.
Harris ofereceu ajuda e, sem esperar pelo assentimento
dela, pôs um braço em seu redor e gentilmente arrumou o xale por
sobre seus ombros. Seus movimentos fizeram o corpete afrouxar um
pouco, dando-lhe uma visão privilegiada de seus seios. Ela viu que ele
observava por dentro do corpete. Embora não se encarassem, sentiu-
se enrubescer.
Ginger ignorou os gracejos gerais e instruiu:
— Foi a sua primeira oportunidade, Cathy. Quando um
cavalheiro resolve ajudar com o xale, você diz: "Muito obrigada, sr.

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Harris".

Cathy sabia que estava embaraçada e não podia evitar. A


resposta veio imediata e pouco gentil:
— O quê?
— Muito obrigada, sr. Harris — repetiu Ginger, devagar, como
se a aluna não tivesse entendido.
— Não preciso dizer nada disso — resmungou Cathy. —Se
optar por não dizer nada — continuou Ginger,
num tom professoral —, pode lançar um olhar agradecido.
Algo assim. — Piscou os cílios e compôs um belo rosto agradecido.
— Quer que eu faça isso? — exigiu Cathy.
— Bem, precisa fazer alguma coisa! — argumentou Ginger.
— Não pode ficar aí sentada.
— Não preciso fazer nada! — resmungou Cathy. — E você
está certa, não preciso ficar sentada aqui tampouco. — Nesse
momento, começou a se levantar.
Depois de ajudar Cathy com o xale, Harris manteve f o braço
a seu redor sobre o balanço. Por isso, ao menor I movimento dela,
pôde agarrá-la pelo ombro e mantê-la no lugar.
— E por uma boa causa — argumentou ele, sem se
perturbar.
— E você sabe muito sobre esse assunto — disparou ela.
— Estou aqui para ajudar, lembra-se? — comentou Harris.
Cathy estreitou o olhar.
— Eu sei por que está aqui e é... é absurdo! Estou me
sentindo uma idiota! Estou começando a achar que isto é um complô
para tirar a minha autoridade! Quero deixar claro, senhor, que sou eu
quem manda aqui! E precisa ficar bem ciente disso, sr. Harris, se
pretende : ficar por aqui!
Ginger parecia desolada ante uma aluna tão rebelde. Harris
esperou que a srta. Cathy acabasse a explosão e, sem se alterar,

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declarou, solene:
— Não acredito que essa seja a estratégia que a srta.
Ginger tinha em mente quando sugeriu que você me agradecesse.
— Oh, não? — desdenhou Cathy. — Suponho que você saiba
o que Ginger tinha em mente...
Foi interrompida no meio da frase quando ele se inclinou e
disse:
— Eu sei e é isto. — Então, cobriu os lábios dela com os
seus.
Cathy ficou momentaneamente incapacitada de falar. Ficou
surpresa também, pois era a primeira vez, sim, a primeiríssima vez
que era beijada daquela forma, pelos lábios de um jovem, quentes,
gentis, indagadores. Antes que pudesse registrar outras reações,
Harris se afastou. O primeiro beijo doce estava acabado.
— Não pensei que não fôssemos demonstrar as liberdades
que MacGuff pode tomar, já que estamos presença de duas senhoritas
— protestou Boy.
Ginger assumira seriamente o papel de professora e não
queria parar.
— O que estamos tentando ensinar a Cathy é não deixar
tão óbvio que ela pode tomar conta de si mesma.
— Para Boy, declarou: — Você tem razão. Não devemos
avançar demais nas lições, nem tornar Cathy desejável demais, a
ponto de induzir MacGuff àquelas liberdades. Ninguém, exceto Harris,
achava que havia perigo naquilo. Decidiram que as lições deviam
prosseguir.
— Agora, vamos começar de novo — decretou Ginger. Cathy
ficou espantada.
— Começar de novo?
— Sim, precisa praticar o agradecimento ao sr. Harris por
ajudá-la com o xale — explicou Ginger. — Sr. Harris, por favor, retire o
seu braço do balanço. Agora, Cathy, tente arrumar o xale novamente.

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Cathy controlou as emoções. Que mal haveria em aprender


algumas jogadas que mantivessem o jovem
MacGuff na cidade? Sentiu a mão do sr. Harris sobre seu
ombro, ajudando-a com a ponta do xale como fizera antes,
inclinando-se solicitamente sobre seu colo. Sentiu o corpete afrouxar.
Sentiu que ele olhava para dentro do vestido. Cometeu o erro de
erguer o olhar e ver a expressão misteriosa em seu rosto.
Era vontade o que via? Então, ele a encarou; ela se sentiu
hipnotizada e ruborizou. O rubor se intensificou quando notou o
quanto gostava que ele olhasse para dentro de seu corpete e como
achava intrigante a expressão de seu rosto. Era como fazer um
convite a um visitante especial e estar certa de que ele aceitaria.
Ginger bateu palmas.
— Cathy, a expressão em seu rosto é perfeita! Agora, o que
você diz ao sr. Harris? — cantarolou ela, como se falasse a uma
criança pequena.
— Obrigada — entoou Cathy, sem fôlego, sentindo-se
afundar em seu olhar muito escuro.
— Foi um prazer, senhora — respondeu ele. — Estou aqui
para ajudar, como disse. — Sem deixar de fitá-la, estendeu as pernas
longas à frente do balanço e deixou o braço descansar sobre o
encosto, a mão prendendo o xale.
Cathy não tinha mais dúvida sobre o efeito da presença do
sr. Harris sobre ela. Sentia-se flutuando, caindo e, quando chegou à
terra, Laurence Harris estava lá, estendido a seu lado, segurando-a
com seus braços fortes. E ambos estavam nus.
— Para ajudar? — repetiu ela. — Que gentil. Harris inclinou-
se para a frente e comentou que ela estava gastando tempo — um
simples "que gentil" seria o suficiente. Para demonstrar o que dizia,
beijou-a novamente. E novamente ela se surpreendeu e respondeu à
voracidade dele. Ele a envolveu num abraço e ela sentiu a vitalidade
dele contra seus seios. Estava espantada com a sensação agradável

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dos lábios dele colados aos seus, dos braços ao seu redor, do desejo...
Ouviu Hank dizer:
— Bem, declaro que isto definitivamente cala a moça!
Nunca imaginei que beijar a impedisse de falar. Nunca teria tentado,
nem mesmo pensei nisso!
... Tão na presença de todos...
Clive parecia estar cronometrando o evento:
— Quinze... vinte... vinte e cinco...
— E um homem valente, galês. Tia Rachel miou.
— Trinta segundos e contando!
— Uuuuiiii!
... Que interessante ser beijada por um homem que nem
conhecia, ser capaz de sentir a curva do sorriso e a risada represada
dentro dele. Não podia evitar. Seus lábios tremiam contra os dele, e
começou a rir, interrompendo o beijo.
— Trinta e cinco segundos! — decretou Clive. Ginger franzia
o cenho.
— Você não devia rir, Cathy.
— Não? — respondeu ela, tonta de alegria. -— Como não
devia?
— Bem, o sr. Harris não está rindo — ponderou Ginger.
Cathy olhou para ele e viu o divertimento em seus
olhos, mas o semblante estava impassível.
— Como consegue, senhor? — perguntou ela.
— Consigo o quê?
— Não rir ante coisas tão absurdas!
— Tenho mais autocontrole do que você.
— Aparentemente sim — incentivou Ginger —, enquanto
você, Cathy, vai ter que aprender a se controlar, se quiser convencer
o jovem MacGuff com conversa doce. Realmente, o que acha que
aconteceria se estivesse beijando MacGuff, tentando convencê-lo a
citar os versos para você, rindo desse jeito? Então, onde estaríamos?

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A idéia pesou o bastante em Cathy para fazê-la parar de rir.


— Ia pedir para que repetissem, mas acho que você não
está em condições — censurou Ginger. Para o parceiro de Cathy,
assentiu e sorriu. — Entretanto, devo cumprimentar o desempenho do
sr. Harris. Não é todo homem que é colocada nessa situação
embaraçosa e se sai tão bem! Vamos mudar de assunto e elaborar um
plano para que MacGuff conte a Cathy os versos que o tio lhe enviou.
— Ela precisa amaciá-lo primeiro — sugeriu Orin, confiante.
— Devia preparar uma refeição para ele amanhã. — Citou os pratos
que deveriam compor o cardápio, finalizando com torta de chocolate.
— E ela pode aproveitar e perguntar sobre o alambique.
George assentiu em aprovação.
— Ela não pode perguntar direto sobre o alambique.
— Não consegue pensar em outra coisa além de comida? —
censurou Hank a Orin.
— Nah.
— Mas a idéia de Orin é boa — incentivou George. Sentindo-
se culpado por não defender a virtude da srta. Cathy, acrescentou: —
Mas acho que não é uma boa idéia convidá-lo para jantar. E muito
cedo. Para o almoço talvez. E mais apropriado.
Então, ficou decidido daquela forma. Cathy convidaria o
jovem MacGuff para almoçar no dia seguinte, e precisou praticar o
convite várias vezes com o sr. Harris antes de conseguir o efeito
certo. Concluindo que Ginger fizera o máximo possível ante a urgência
da situação e que Cathy deveria dar o melhor de si no dia seguinte, os
homens começaram a deixar o local.
Cathy levantou-se do balanço e Harris acompanhou-a.
Antes de ir embora, Ginger finalizou:
— Agora, dê o braço ao sr. Harris, acompanhando-o até o
portão. Deve cuidar para que estejam de mãos dadas antes da
partida. — Acenou alegremente para eles.

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Doce Rendição – Julie Tetel

Sozinha na varanda com o sr. Harris, Cathy percebeu que


estavam de mãos dadas. Seguindo as instruções de Ginger, foram
assim até o portão. Chegando lá, Harris parou e voltou-se para ela,
baixou o olhar para encará-la, a expressão mais impassível e mais
viva do que ela jamais vira.
Olhando por sobre o ombro de Cathy, ele anunciou:
— Aí vem o jovem Cock. Seria bom ativar um pouco o seu
ciúme, dando-lhe vontade de aceitar o convite para amanhã.
Dizendo isso, ele abraçou-a e beijou-a. Desta vez, foi
diferente, foi mais intenso e apaixonado. Logo, ela só tinha ciência
daquele homem que nunca comia carne de porco, da força dos
braços, dos músculos torneados, fazendo-a gemer, querendo mais.
Sentiu uma nova sensação dentro de si, ativada pelo cheiro da
camisa, do cabelo, da pele. Se era bom beijar o sr. Harris assim,
pensou, imagine o quanto seria maravilhoso beijar o jovem MacGuff.
O beijo prolongou-se por alguns segundos, até que Cathy
ouviu a aproximação de alguém — MacGuff, provavelmente. Ao ouvir
um limpar de garganta desaprovador, não lhe pareceu que o som
vinha de MacGuff. Interrompeu o beijo para ver Old Man Lloyd, a
expressão severa.
Sobressaltou-se, sentindo-se culpada, e saudou:
— Boa tarde! — Old Man Lloyd resmungou e continuou seu
caminho, lançando olhares desaprovadores por sobre o ombro a cada
passada.
Cathy pôs as mãos sobre os quadris.
— Você confundiu Old Man Lloyd com o jovem MacGuff?
Harris pareceu surpreso.
— Aparentemente, confundi. Meus olhos não devem ser tão
bons no escuro quanto eu pensava.
— Ah, não? Então, ontem à noite, quando estava mais
escuro, como conseguiu acertar uma cobra bem entre os olhos a seis
metros de distância?

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Ele não discutiu. Simplesmente fez uma leve menção,


lançou-lhe um olhar que a fez arregalar os olhos e partiu.

TREZE

Cathy acordou sobressaltada, pois sabia que realizara uma


descoberta inesperada em seu corpo, uma sensação estranha, uma
vontade de rir que saía do estômago, não, mais abaixo, num ponto
velado...
Sentou-se, espantada. O sol já ia longe e percebeu que
dormira demais. Foi para a cozinha e percebeu que tinha fome.
Comeu alguns amanteigados de maçã enquanto fazia preparativos
para o almoço.
Então, voltou ao quarto para se vestir. Não sabia por que se
sentia apreensiva. Concluiu que se sentiria mais tranqüila depois do
almoço e depois que descobrisse os dois últimos versos do soneto de
Old MacGuff. Isto é, se conseguisse arrancar algo de MacGuff...
Esse pensamento levou-a a considerar sobre o que vestir.
Certo, admitia, gostara da maneira como o sr. Harris olhara por
dentro do corpete. Decidiu que gostaria mais ainda se o mesmo
ocorresse com MacGuff. Por isso, desistiu do vestido que Ginger
escolhera para a ocasião e optou pelo vestido verde com corpete
decotado. . Quando ia amarrar a peça, pensou: Que mal faria se eu
deixasse mais frouxo do que ontem? Qual seria o efeito se eu
deixasse mais frouxo que ontem?

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Doce Rendição – Julie Tetel

Deixou a peça o mais frouxo que conseguiu e amarrou a


faixa ao redor da cintura. Já ia deixar o quarto quando passou os
dedos pelos cabelos e percebeu que ainda não se penteara.
Ajeitou a franja, espalhando-a na testa, e fez cachos aos
redor das orelhas. Observou os cabelos sobre o ombro direito. Dada a
reação do sr. Harris, as possibilidades com o jovem MacGuff eram
boas.
Depois de realizar pequenas tarefas pela casa, preparou-se
para ir ao mercado. Pegou o cesto e saiu. Era uma adorável manhã de
segunda-feira.
Chegando à esquina da Churton com a Tryon, a caminho da
casa de Granny Smith, onde esperava encontrar MacGuff, passou em
frente a um estabelecimento em cuja vitrina estava estampado Lex
Kenan, advogado. Por impulso, entrou, fazendo o pequeno sino sobre
a porta soar.
— Srta. Cathy, é você mesma? — perguntou o sr. Kenan,
surpreso.
— Sim, sr. Kenan — respondeu ela, simpática, gostando da
maneira como ele olhava para seu vestido.
— A senhorita veio... — começou ele, esperançoso.
— Veio me ver, depois da dança, srta. Cathy?
— Vim em busca de sua ajuda profissional. Minha pergunta é
simples: Old Hitch deixou um testamento?
— Estava sempre falando a Old Hitch para fazer um
testamento, mas ele não me ouvia. Trouxe o assunto novamente à
tona, oh, há duas semanas, quando ele ficou doente, ele me chamou
de... bem, não vem ao caso, e ignorou completamente o assunto! —
comentou o sr. Kenan, teatralmente indignado.
— E foi tudo o que ele fez em relação a esse assunto?
— pressionou Cathy.
— Bem, ele me disse para arrumar a mesa — acrescentou o
sr. Kenan. Cathy avaliou o local e concluiu que a bagunça era produto

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Doce Rendição – Julie Tetel

de anos. Também sentia-se cética quanto a afirmação do sr. Kenan


quanto a saber onde cada papel se encontrava.

— Se ele não preparou nenhum testamento com o senhor,


algum outro documento poderia servir legalmente?
O sr. Kenan assentiu.
— Qualquer documento..., assinado por ele em sã
consciência e que possa ser interpretado por qualquer pessoa
razoável pode ter respaldo legal — explicou. — Embora Old Hitch não
tivesse muitas posses, ainda deploro o descaso! Sem falar nas
ofensas que ele me dirigiu na igreja ontem!
Cathy evitou proferir algum comentário verbal e apenas
percorreu o escritório com olhar atônito. Comentou que ele não devia
se sentir particularmente ofendido, pois Old Hitch insultara a todos
em sua última carta. Então, sorriu, agradeceu os esclarecimentos e
saiu.
Cathy continuou em direção à casa de Granny Smith. Quanto
mais perto chegava, mais o moral baixava e mais se esforçava para
manter-se animada. Disse a si mesma:
— Você pode fazer isso, garota. É só um convite para
almoço e ele sabe que você é a melhor cozinheira da cidade. E pense
em servir-lhe a sobremesa no balanço da varanda. Um doce bocado
pode levar a um doce beijo, ou mais!
Cathy estava apreensiva quanto ao desconforto de ter que
convidá-lo, mas, quando dobrou a esquina, viu que estava com sorte.
MacGuff estava no pátio, perto da varanda de Granny.
MacGuff voltou-se devagar e olhou para Cathy. O olhar era
avaliador, mas estaria gostando? Não conseguia determinar.
Entretanto, tinha certeza de que ele notara a mudança em seu visual.
Coragem! incentivou-se, e, não importa o que faça, não fale
demais! Esforçou-se contra a confusão que a invadia sempre que
olhava para ele e que a deixava praticamente sem fala.

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Doce Rendição – Julie Tetel

— MacGuff — saudou-o. — Olá.


— Olá, você — retribuiu ele com um sorriso atraente.
Estreitou o olhar. — O que a traz para estes cantos de Hillsborough?
— Você — respondeu ela, direta, pois tinha certeza de que a
timidez não era seu estilo. — Vim para saber como está, depois do
funeral.
MacGuff sorriu, um misto de tristeza e sedução.
— Bem, suponho — respondeu —, mas fiquei surpreso por
você não ter ficado mais na paróquia depois do enterro.
— Precisava fazer algumas coisas.
— Como o quê?
Por trás da pergunta, ela identificava outra: E o que haveria
para fazer em Hillsborough num domingo à tarde?
Decidiu que ele estava querendo ser menos desdenhoso e
mais desafiador.
— Como começar a preparar o almoço de hoje — informou
ela. — Está disponível para me acompanhar?
Ele franziu as sobrancelhas, especulativo.
— Só nós dois?
Cathy assentiu, esperando não parecer nem ansiosa, nem
desolada demais.
MacGuff ergueu as sobrancelhas. Ela temeu que a expressão
curiosa pudesse se tornar arredia. Não se tornou. Ao invés disso, ele
perguntou:
— E se eu já tivesse um convite para almoçar hoje? Com
Sylvia Lee? imaginou Cathy. Para seu alívio,
ele não declinara definitivamente o convite.
— Recuse, porque o meu será muito melhor.
No rosto dele, a expressão curiosa tornou-se divertida — não
contrariada, mas satisfeita. Ele a percorreu com o olhar. Parou na
cordinha do corpete. Ela esperou pela sensação de prazer de ser
observada, mas não sentiu nada e concluiu que estava nervosa

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demais para perceber.


Finalmente, ele declarou:
— Tenho certeza de que sim, srta. Cathy.
— Então, vai estar lá à uma hora? — pressionou ela. — Na
minha casa. Há assuntos que precisamos conversar. Assuntos
relacionados a Old Hitch.
— Que quer me falar sobre isso? — perguntou ele. Ela se
sentia fraquejar. Antes que se descontrolasse e começasse a gaguejar,
declarou:
— Falaremos no almoço. Ele permaneceu sorrindo.
— Uma hora, então — confirmou ele. — Na sua casa. Ela
sentiu a cabeça zonza e os pés imobilizados. Fazendo um esforço para
partir, simplesmente encarou-o.
Ele sorria daquela forma que sempre a deixava humilhada.
— Bem, tenho que ir desculpar-me com a outra dama por
não poder almoçar com ela.
— Uma hora então — repetiu ela, estupidamente, pois
dissera isso havia poucos instantes. — Na minha casa.
Ele assentiu e foi embora. Entretanto, tirou a máscara cedo
demais e Cathy viu uma expressão de desgosto em seu rosto. Ela
tomou seu caminho também, sentindo o interior inquieto. Sentiu
tristeza ao perceber que MacGuff não estava ansioso por almoçar em
sua companhia.
O otimismo natural combinado com um toque de desilusão
esperançosa lembrou-a de que ele dissera que ia pedir desculpas à
outra dama.
Foi ao mercado fazer as compras de que precisava,
alojando-as no cesto, e já ia voltar para casa quando avistou o sr.
Harris desaparecendo na mata, por trás do tribunal.
Curiosa em saber o que o homem silencioso estava
preparando e, possivelmente, tentando se distrair da própria miséria,
deixou o cesto aos cuidados de um vendedor amigo e foi atrás do sr.

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Harris. Apressou-se para trás do prédio do tribunal. Entrou na floresta


no mesmo ponto em que ele se embrenhara, mas teve dificuldade em
localizá-lo entre os verdes e marrons da floresta à qual ele parecia
ter-se fundido. Então, captou um movimento à esquerda. Uma forma
parecia ter desaparecido no morro alto que levava ao rio.
No local em que ele atravessara o rio, ela também se
aventurou, agora carregando os sapatos e as meias. Podia vê-lo
enquanto ele continuava caminhando pela mata, mas, chegando a
uma clareira, ele desaparecera. Parou junto a um grande carvalho,
olhou em redor e apurou o ouvido. Estava espantada com o sumiço
dele.
No instante seguinte, ela quase deu um berro de medo ao
sentir um braço agarrá-la pela cintura e uma mão grande prender-lhe
ambos os pulsos. Deixou os sapatos e as meias caírem quando se viu
de repente no abraço de Laurence Harris, envolvendo-a firmemente
com o peito e as pernas. Aquela extraordinária sensação tomou conta
dela novamente, fazendo-a se arrepiar da ponta dos pés até a raiz
dos cabelos.
Estava perdida em olhos escuros e arrasadores que
provocavam uma reação involuntária em seu corpo. Nenhuma sombra
de divertimento existia naquele olhar, somente algo muito mais
intenso. Tentou se afastar dele, mas ele não a soltou.
Numa tentativa de recuperar a compostura, procurou
imprimir um tom alegre à voz:
— Minha, nossa! Você me assustou! — Palavras que saíram
sem fôlego e roucas.
— Quando está seguindo o rastro de alguém — instruiu ele
—, é melhor não se anunciar a cada passo.
— Eu estava bem silenciosa — disparou ela, indignada. A
qualidade do silêncio informou-a do que ele achava
daquela declaração.
— Por que estava me seguindo?

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— Não estava seguindo você, exatamente — protestou ela.


— Estava vindo para lhe contar...
Ela se debateu quando percebeu que suas pernas estavam
afastadas, pois prendera a saia no cinto, e que as dele estavam
entrelaçadas às suas. O couro que cobria os joelhos dele roçava
contra a parte interna de suas coxas. Era uma sensação deliciosa ter
aquele couro contra a pele nua. Era alarmante, também, ficar ciente
da manifestação da masculinidade dele.
— Estava vindo para lhe contar... que fui bem-sucedida.
— Bem-sucedida — repetiu ele.
— Em executar a primeira parte do nosso plano — informou
ela. — MacGuff aceitou o meu convite para almoçar hoje.
Ele baixou o olhar.
— Teve dificuldade em interessá-lo pelo seu convite? Ela
acompanhou a direção do olhar dele e confirmou
que ele observava para dentro do corpete, que estava
totalmente aberto devido ao abraço firme dele. A fina camisa não
conseguia cobrir os mamilos. Deveria estar constrangida, mas não
estava. Ao invés disso, sentia a confiança voltar. Sentia surgir o poder
feminino que lhe permitia resistir à atração do demônio negro que a
subjugava.
— Consegui a atenção dele, sim — detalhou, de maneira
provocadora, como se não tivesse lições a aprender.
— E contou aos outros sobre o seu sucesso com a primeira
parte do plano?
Ela se debateu novamente.
— Estou indo contar a eles agora mesmo.
— Ah! — exclamou Harris, sucinto.
Liberou-a devagar, com um olhar que a prevenia de que ele
não era um boneco com o qual se podia brincar por muito tempo.
Inclinou-se para apanhar os sapatos e as meias, devolvendo-os a ela.
Procurou o cordãozinho do corpete, puxou-o gentilmente, ajeitando o

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volume, e amarrou com firmeza. Apalpou a tarefa realizada. O toque


da mão dele contra seus seios, cheio de promessas, a fez estremecer.
— Me considere informado, então — declarou ele, um tom
metálico na voz —, de que você vai almoçar esta tarde com o jovem
Cock.

CATORZE

O sr. Hitchcock MacGuffin chegou à porta da frente na hora


marcada, anunciou-se com um amistoso "olá" e Cathy chamou-o para
a cozinha, onde ainda estava ocupada com os preparativos.
Tinha que admitir que ele estava muito bem vestido e
arrumado, e quase desejou que ele, com o olhar pousado sobre ela,
não sorrisse daquela forma fixa e adorável.
MacGuff observou-a por alguns minutos. Não falou nada
além dos cumprimentos normais e poucos outros comentários.
Em dado momento, ela assentiu e tirou o avental. Ajeitou a
saia com vários gestos sensuais, mas esqueceu de soltar os cabelos,
declarando que o almoço estava pronto para ser servido.
Informou-o de que fariam a refeição na varanda lateral, ao
lado da sala de jantar, e passou-lhe uma bandeja com uma sopeira,
que era o prato de entrada. Precedeu-o pela casa e chegou ao local,
guarnecido por uma mesa com toalha muito branca e duas cadeiras
em lados opostos. A mesa, serviu a água, o chá e o vinho.
Conversaram sobre generalidades enquanto MacGuff
avaliava qual era a real intenção daquela mulher que conhecera a vida
toda.
A hora da sobremesa, ele já a impressionara com suas

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histórias de negócios fechados e contratos pendentes. Ela sugeriu que


saboreassem o doce no balanço da varanda frontal da casa. Ele
concordou prontamente, reconhecendo uma oportunidade.
Cathy foi ao quarto pegar o xale, confusa, insatisfeita, e
ainda mais confusa com a própria insatisfação. O almoço fora
agradável, certamente, mas nada além disso. A comida estava
gostosa, a conversa correra tranqüila. Entretanto, o "suficientemente
bom" é que a incomodava. Envolveu-se com o xale e pensou que, se
não conseguia definir o que estava estranho naquela situação, não
podia ficar aturdida.
Assim que saiu à varanda, sentiu-se melhor. Caminhou ao
balanço disposta a implementar os dois objetivos: motivar MacGuff
em relação a ela e descobrir o que pudesse sobre alguma
comunicação de Old Hitch para com o sobrinho.
Cortou um pedaço de torta de queijo para o convidado,
certificando-se de movimentar os braços de forma a expor o máximo
dos seios, certa de que ele acompanhava suas ações.
— Você não vai comer um pedaço também? — indagou ele,
levando um bocado generoso à boca. — Está delicioso.
— Que bom que gostou. Mas eu não sou capaz de comer
mais nada.
MacGuff lançou-lhe um olhar.
— Um bocadinho, então? — ofereceu ele, erguendo o garfo.
— Mmm, por favor — aceitou Cathy, inclinando-se para a
frente para abocanhar a porção. Uma migalha escapou e foi pousar
sobre o corpete. Olhou para ela e, então, para MacGuff, sem fazer
menção de tomar nenhuma providência.
Coube a MacGuff realizar a operação delicada. Ele pôs o
prato de lado, pousou a mão sobre o seio e pinçou a migalha com dois
dedos. Quando terminou, deixou a mão no local, abrindo-a sobre uma
generosa porção da carne feminina. Ela achou que gostava daquele
toque, não porque produzia uma sensação nova dentro dela, como

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pensara a princípio. Mas, sim, porque se sentia poderosa.


— Vamos conversar — sugeriu ela.
— Sobre o quê?
— Old Hitch.
— Foi por isso que me convidou aqui hoje? — Ele levou a
mão do seio ao ombro dela, lá deixando-a.
Cathy gostava de não estar perdendo o controle.
— Claro — declarou ela. — E foi por isso que veio.
— Vim para almoçar — corrigiu ele, acrescentando
significativamente: — e para a sobremesa.
— Já teve os dois — esclareceu ela, afastando-o um pouco e
enfrentando o olhar que ele lhe lançou.
Ele se endireitou e lançou-lhe outro olhar, desta vez um
quase apreciativo.
— Que tem o velho, agora que está morto e enterrado?
A parte dela que desejava que ele recitasse de espontânea
vontade os versos que Old Hitch lhe deixara logo foi esquecida. A
nova mulher dentro dela ficou até contente em ter que usar outros
artifícios para conseguir as pistas.
— Quando um homem está para morrer — comentou ela —,
às vezes quer ficar com as contas acertadas com todo mundo antes
de ir. Ocorreu-me que Old Hitch estava com esta disposição na
semana passada.
MacGuff não resistiu. Deslizou a mão que estava sobre o
ombro e trouxe-a mais para perto.
— E o que a faz pensar que ele estava com essa disposição?
— Ele se despediu de cada vizinho — comentou, pensativa
—, num documento que um homem fraco com pouca energia não
poderia ter escrito sem uma boa dose de inspiração.
— Inspiração — repetiu ele, desdenhoso. — E assim que
chama?
— E estava generoso na semana passada — prosseguiu ela.

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Ficou satisfeita quando ele a apertou novamente. Agarrou-lhe a


lapela, trazendo-o para mais perto.
— Generoso? — repetiu ele, murmurando. Parecia achar
essa observação mais interessante e levou os lábios bem próximo aos
dela. — O que o velhaco tinha para dar?
— O relógio e a Bíblia da família — informou ela, suave —
entre outras coisas, suponho.
— O relógio e a Bíblia? — O tom de voz dele era mais
curioso.
— Ora, sim, ele deu o relógio a Clive e a Bíblia a Richard —
informou ela, acrescentando: — Não soube disso?
— Ele deu esses objetos antes de morrer? — perguntou ele,
rancoroso.
Cathy balançou a cabeça e continuou no fingimento de
tentação inocente.
— Não, ele deixou expresso seu desejo.
— Ah, então, foi isso que descobriu — concluiu ele, sorrindo.
— Ele deixou um testamento.
— Não sei — declarou Cathy. Ainda tinha o controle, apesar
de MacGuff estar com os braços em seu redor. — Ele deixou em
versos — explicou. — E .quando os versos eram colocados juntos, as
quatro linhas informavam como encontrar os tesouros.
Ele a focalizou.
— Versos, você disse? Colocados juntos? Ela assentiu
devagar.
— Hum-hum.
— E quatro versos esclareciam onde encontrar os tesouros?
Ela assentiu novamente.
— Fico pensando se é legal, quatro versos legando um valor
familiar a alguém que não é parente. — Um segundo se passou. — E
a Bíblia, naturalmente.
— Quanto à legalidade, terá que perguntar ao sr. Kenan.

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— Talvez eu vá — informou ele, tomando-lhe o queixo e


inclinando seu rosto para um beijo. — Mas disse que ele deu o relógio
e a Bíblia, além de outras coisas. Que outras coisas? — Então, beijou-
a.
O toque dos lábios dele era agradável. Ela gostava de sentir
os dedos em seu queixo, a mão sobre seu ombro e, então, trilhando o
decote do corpete. Mas esperava algo além de simplesmente gostar.
Esperava surgir aquela necessidade angustiante dentro dela.
— Que outras coisas, srta. Cathy? — repetiu ele, rouco,
beijando-lhe os cantos da boca. — Recebeu duas linhas de Old Hitch e
está procurando outras duas?
A sensação de prazer não veio. Ao invés disso, ainda sentia-
se forte — forte o suficiente para tentar experimentar mais o beijo.
Antes que o interesse crescesse, voltou ao assunto:
— Você recebeu?
— Que diferença faria se meu tio vivia como um pobre?
— Mas será que era pobre? — especulou ela.
Ele partiu para um abraço mais íntimo, passando a mão pelo
corpete e acariciando os seios com atrevimento.
— Assim, voltamos ao ponto inicial, minha querida —
declarou ele —, e eu quero saber se você sabe alguma coisa.
Ela sentiu um misto de emoções. Surpresa, confusão,
decepção. Retirou a mão dele dos seios, interrompeu o beijo e se
endireitou. Estava a ponto de mudar de tática e contar a verdade
sobre as seis cartas, certa de que ele recebera a sétima. Entretanto,
não iria contar, não porque se enfraquecera com o beijo, mas porque
essa encenação não estava certa, simplesmente não podia continuar.
Suspirou e afastou a franja soprando ar para cima.
— Vamos esclarecer alguns pontos — começou ela. Mas
MacGuff não gostara da recusa e tinha uma expressão aborrecida.
— Não, eu vou esclarecer alguns pontos. É uma bela
história sobre somar dois e dois e obter quatro. Teve muito trabalho

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por um beijo, mas acho que não é mulher suficiente para mais.
Cathy estava tentando se ajustar à súbita mudança de
ânimo.
— Acha que fiz isso tudo só para que me beijasse? Ele se
levantou e olhou para ela.
— Por que mais elaboraria esse esquema todo?
— Talvez eu quisesse saber se o seu tio lhe escreveu no final
da vida — ofereceu ela.
— Talvez — concedeu ele. — Clive abre a correspondência
de todo mundo e ele lhe contou sobre as cartas do velho. — Percorreu
o cabelo e o vestido dela com o olhar. — Então, você me preparou
uma refeição e tentou me ludibriar com o decote de um vestido fora
de moda.
— Como sabe que eu não recebi uma carta igual? Uma com
versos que rimam com os seus?
Ele sorriu, confiante.
— Porque, se tivesse recebido, já teria me dito, a esta
altura.
Cathy ficou surpresa.
— Teria?
Ele alargou o sorriso.
— Bem, querida — desdenhou ele. — Eu beijei você e
perguntei; depois, beijei de novo. Você não contou nada, porque não
tinha nada para contar. — Apreciou-a com o olhar novamente. — Acha
que eu não sei que tem um fraco por mim? — Então, levantou-se e foi
embora.
Cathy estava atônita, sem fala. Observou a partida dele pelo
portão, que ficou batendo.
A princípio, sentiu-se humilhada. Entretanto, o sentimento
familiar não perdurou, porque uma força maior cresceu dentro dela,
nova e pungente, como grama na primavera.
— Imbecil arrogante!

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Levantou-se do balanço e repetiu com mais força:


— Imbecil arrogante! Então, soluçando:
— Cachorro vadio!
Foi à porta da frente e abriu-a dramaticamente, entrando na
casa e dirigindo-se para o quarto.
— Ele achou que podia me fazer contar o que quisesse
apenas me amaciando com uns beijos mornos!
No quarto, tomou uma postura desafiadora.
— E eram mornos. Sem sentimento! Pior, sem alma! Tirou a
faixa do vestido e deixou-a no chão. Foi até a cama, desamarrou o
corpete, tirando as mangas e retirando o vestido por cima. Sentada,
tirou os sapatos e as meias, lançando-os pelo quarto.
— Imbecil arrogante! Levantou-se novamente e declarou:
— Vou passar o resto do dia no meu pomar, subindo
alegremente nas macieiras!
Decidiu pôr o velho vestido marrom. Na cozinha, confrontou-
se com a pilha de louça para lavar e com o chapéu de MacGuff, sobre
o balcão.
— Ele vai voltar! — Marchou pelo ambiente, sem se sentir
culpada por deixar a cozinha em desordem, e bateu a porta dos
fundos.
O sol da tarde era agradável sobre a cabeça e a grama
morna acariciava seus pés enquanto subia a colina.
— Ah, mas imbecil arrogante é bom demais para ele, Old
Hitch — comentou Cathy, com o espírito. — Rapazola vergonhoso é
mais adequado! Ou capacho!
— Riu, triunfante. — Ou simplesmente "galinho"! -— Logo
pensou no sr. Harris, que o chamava de jovem Cock, ou "galinho". —
Ele tinha razão!
— Razão sobre o quê? — manifestou-se uma voz
provocadora a seu lado.
Cathy ficou completamente surpresa ao ver o sr. Harris

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aparecer do velho jardim, enquanto subia a rampa para o pomar.


Ficou ainda mais surpresa ao vê-lo rodeado por tia Raquel, Black Twig
e Smokehouse. Entretanto, a surpresa rapidamente transformou-se
em indignação.
— Homens! — disparou, raivosa.
— Teve sucesso com o jovem Cock? — perguntou ele,
educado.
— Se tive sucesso, senhor? — repetiu Cathy, com fria
dignidade. — Não descobri nada no almoço que já não soubesse,
exceto que tomei antipatia pelo sr. Hitchcock MacGuffin! Nunca
encontrei uma criatura tão desagradável e presunçosa em minha vida!
Harris aquiesceu.
— Eu podia ter dito antes, senhora.
Ela pôs as mãos sobre os quadris. Ele parou junto dela.
Estavam à sombra da primeira fileira de macieiras. Ele a olhava de
cima, o rosto uma máscara impassível, exceto por aquele brilho no
olho que ela não teve dificuldade em interpretar.
— Permita-me corrigir o comentário, senhor — prosseguiu,
autoritária. — Já encontrei uma criatura mais desagradável no mundo
e foi você! Portanto, apreciaria se saísse de perto de mim e me
deixasse em paz. E leve os animais, se quiser!
Dando as costas ao sr. Harris, Cathy caminhou a passos
largos pomar adentro.

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QUINZE

Harris sabia como lidar com o ressenti-.mento de Cathy.


Dispensou os animais com um bater de palmas e então seguiu-a pela
fileira de macieiras.
Seja não estivesse desejando-a ardentemente, aquelas faces
afogueadas, olhos brilhantes e quadris num gingar indignado teriam
causado o mesmo efeito. Mas já a desejava, e tinha o propósito de
instigar a afeição natural dela rumo a uma resposta sexual igualmente
natural. Avaliou a situação, considerando-a propícia.
O jovem Cock podia ser um tolo. Ele não.
Facilmente emparelhou com ela e foi capaz de manter o
rosto perfeitamente impassível quando ela lhe lançou um olhar
assassino. Mas ela não disse nada, o que interpretou como um bom
sinal.
Perguntou, meio confuso, meio magoado:
— Estava realmente me comparando ao jovem Cock? Ela
estreitou o olhar.
— Na verdade, senhor, eu disse que é mais desagradável do
que o rapazola presunçoso!
Ele assentiu, pensativo.
— O que quer dizer pre-sun-ço-so?
— Quer dizer... oh, não se incomode! Acho que faz idéia do
que seja — disparou ela. — E eu disse que você era pior do que ele!

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— Posso ser bem pior — concordou Harris —, em muitas


coisas. No vestuário, por exemplo. — Mas posso pensar em pelo
menos três aspectos nos quais sou diferente, talvez muito melhor, do
que o jovem Cock.
Cathy emitiu um som de desdém.
— No que se refere a você, quero dizer — completou ele.
Cathy ficou boquiaberta, enquanto Harris simplesmente
mudava de assunto:
— Que variedade é essa?
Ela olhou para os galhos e, depois, de volta a ele.
— Magnum bonum. Ele assentiu.
— Magnum bonum. Terá que servir. Ela o olhou,
desconfiada.
— Que três aspectos?
Foi com prazer que ele esclareceu:
— Primeiro, gosto de você. Segundo, reconheço os seus
defeitos e aprecio suas qualidades. Terceiro, você é minha desde o
momento em que caiu no meu colo.
— Nos seus braços — corrigiu ela.
— No colo — insistiu ele.
Ela ficou novamente boquiaberta e ruborizou intensamente,
parecendo uma maçã. Ao vê-la, ele sentiu a masculinidade
manifestar-se.
— Não tenho defeitos — protestou ela —, exceto, talvez, na
sua opinião, minha tendência a dar ordens a todos.
Harris sentiu vontade de rir, mas sabia que um riso naquele
momento seria um desastre. Controlou-se o bastante para dizer,
muito sério:
— Esse não é o pior defeito.
— Ah, não? — retrucou Cathy, preparando-se para listar os
defeitos dele.
— Não, seu pior defeito é a tendência a falar demais —

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especificou ele, sabendo que estava se arriscando.


Mas a mudança de expressão no rosto dela, de indignada
para descontraída, o incentivou a prosseguir:
— Mas já conversamos sobre isso e concordamos que nos
irritamos um ao outro de formas diferentes. Portanto, apreciaria se
você se mantivesse calada enquanto eu não estiver com tanta
vontade de beijá-la.
— Você apreciaria...! — Cathy engasgou. — Quando não
estivesse com tanta vontade de...!
— Isso mesmo — confirmou ele. — De beijá-la. Acredito
que o jovem Cock não tenha sabido fazer o trabalho direito.
Ele a encostara contra o tronco da macieira. Pousando um
braço na madeira acima do ombro dela, diminuiu o espaço entre
ambos, puxando-a pela cintura.
Lançou um olhar para sua franja na testa, umedecida pelo
suor gerado pelo calor da tarde. Analisou os grandes olhos cor de
amêndoa, as faces enrubescidas e os lábios entreabertos, tão
generosos nos sorrisos e tão ansiosos por falar. Deteve-se então nos
seios fartos, arfando sob a blusa fina, e na pele cremosa e levemente
dourada do pescoço e dos braços.
Desejava tocá-la com as mãos, os lábios, o peito e as
pernas, fazendo-a florescer para a vida.
— Disse que gosta de mim? — replicou ela, tremula. — É
assim que você trata uma amiga?
Ele pousou o queixo de leve, hesitante, no topo da cabeça
dela, sussurrando-lhe ao ouvido:
— Nunca disse que gostava de você como amiga.
— Não gosta? — Ela tentava desviar o rumo da situação. —
Então, acho que seria melhor eu lhe dizer exatamente quais são os
seus defeitos.
— É por isso — respondeu ele —, que não pretendo lhe dar a
chance de falar.

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Ela ainda estava determinada a ser irritante.


— Para um homem que fala pouco — criticou ela —, você
está muito fluente.
Ele não ia esperar mais convite para calá-la com um beijo.
Inclinou a cabeça.
— E convencido — conseguiu ela dizer, antes que seus
lábios se tocassem.
Enquanto a beijava, Harris sentiu-se muito leve, a velha
raiva totalmente dispersa. Pressionou os lábios contra os dela.
Experimentou, sentiu o gosto, e beijou os cantos da boca sorridente,
desejando poder sorrir também daquela forma.
— Convencido desde o começo — murmurou ela, entre
beijos.
O começo. Gostava de começos. Os começos eram
inicialmente encarados com o instinto.
Cathy não sabia como exatamente chegara junto ao tronco
da árvore, nem como, de repente, Laurence Harris a envolvera com
os braços. Mas parecia perfeitamente natural tê-lo ali muito próximo,
beijando-a.
Não era a primeira vez que se beijavam. Mas eram os
primeiros beijos sérios. Bem, não sérios exatamente, pois se sentia
sorrindo. Ainda assim, diria que era diferente.
Ele a seguira até o pomar, pois sabia que ela estava zangada
e ficaria mais zangada se ele não a seguisse.
Resolveram suas diferenças da maneira mais fácil, beijando-
se e acariciando-se. Mantinha as mãos às costas, contra o tronco
áspero. Beijar era uma boa solução, pensou. Parecia acalmar a raiva e
a indignação, além da fraqueza agradável que produzia em seu corpo.
Mas havia algo mais. Ele deslizou a mão até seu pescoço e
ombro. Com a outra mão, desabotoou-lhe a blusa, e ela percebeu que
novas descobertas ocorreriam. Mas o conhecimento não foi
acompanhado por raiva ou indignação, mas sim pelo desejo de que

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Doce Rendição – Julie Tetel

ele não parasse.


Ele não parou, embora fosse se conter ao menor protesto
dela. A camisola ficou exposta, e ele afastou o material para introduzir
a mão inteira, abrindo os dedos sobre a carne macia. A sensação era
gloriosa. Ela se sentia linda. Sentia o desejo dele ao tocar seu seio e
endireitou-se um pouco para se oferecer mais generosamente a ele.
Ela gozou os movimentos gentis que ele fazia com os dedos
sobre seu seio. Ele sentiu o mamilo se retesar a seu toque. Então,
passou ao outro seio. Mantinha os lábios colados aos dela,
introduzindo a língua em sua boca, provocando-a até que ela ergueu
os braços e agarrou-lhe o pescoço. Ela concluiu que gostava mais dele
quando ele usava essa maneira silenciosa e tão significativa. Havia
tão pouca chance de mal-entendido...
Gostava de sentir os seios contra aquele tórax musculoso.
Imaginou se poderia tirar a camisa dele tão facilmente quanto ele
fizera.
Antes que ela pudesse elaborar os atos, ele se abaixou,
beijando-a pelo pescoço, indo até os seios. Agarrou um mamilo com a
boca, lambeu-o com a língua, sentindo o gosto e mordendo de leve,
fazendo-a delirar de prazer. A seguir, apalpou o seio, sentindo-lhe o
peso e posicionando-o para beijá-lo de forma mais completa. Ergueu
a cabeça e pressionou a palma contra o mamilo enrijecido. Então,
ocupou-se do outro seio, afastando ainda mais a camisola. Ela se
sentia magnificamente exposta, magnificamente sem pudor e
simplesmente magnífica. Imaginava o que poderia ocorrer em
seguida.
Iria descobrir logo. Quando terminou a tarefa de provocá-la
nos seios, ele ergueu a cabeça e encarou-a. Os olhos negros emitiam
desejo, intenção. Ela olhou para os botões da camisa. Ele assentiu
minimamente e então mergulhou para beijá-la no pescoço, enquanto
ela, desajeitada, lançava-se à tarefa de desabotoar-lhe a camisa.
Devia ter gemido. Ou então fora ele. Ou ambos, dados os evidentes

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Doce Rendição – Julie Tetel

sons de prazer.
Então, ela pousou as mãos sobre o tórax dele, gentilmente,
enquanto tentava tirar-lhe a camisa. Mas ele não permitiu. De alguma
forma, enquanto ela lhe explorava os músculos do tórax, ele deslizara
as mãos até seus quadris, pressionando-lhe as nádegas, apertando-a
mais contra si. Ao mesmo tempo, erguia-lhe a saia pela barra.
Mantendo as pernas de ambos entrelaçadas, passou a mão na pele
nua das coxas.
Ela se assustou. Tentou se afastar. Assim que ela reagiu, ele
afrouxou o toque. Tão logo deixou de sentir os seios contra o peito
musculoso, porém, ela se moveu novamente para junto dele. Ele
continuou a tocar-lhe as coxas. Ela tentou se ajustar à próxima
sensação, mais intensa, mais perigosa. A cordinha de sua calcinha
devia ter sido afrouxada, pois sentia a mão dele entre suas coxas. Ele
passava os dedos das coxas às nádegas, pressionando-a contra o
próprio corpo. Ela sentiu a masculinidade dele. Começou a se sentir
excitada também.
Ele passou a mão entre as coxas dela novamente,
introduzindo-a, provocando, explorando as dobras da feminilidade.
Então, voltou a beijá-la, possuindo-lhe a boca por completo.
Se ela quisesse recuar, não mais poderia. Podia sentir o desejo dele, a
confiança e o objetivo. Ele lhe massageou a parte interna das coxas,
em movimentos circulares. Ela afastou levemente as pernas, induzida
por forças estranhas. Ficou ciente de novos espaços em seu corpo,
pequenos, secretos e inexplorados.
Ele pressionou a ponta dos dedos num ponto em particular,
sempre beijando-a gentilmente. Um ponto promissor. Certamente
interessante. Valia a pena examinar. Surpresa, ela sentia mais prazer
à medida que ele a provocava com os dedos, em gestos circulares.
Sentia-se completamente envolta por ele, por seus lábios, seu peito,
seu abdômen, suas coxas, e as carícias excitavam uma estranha
semente a brotar.

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Doce Rendição – Julie Tetel

Sentia-se flutuar nos braços daquele estranho que passara


debaixo de sua macieira. Um homem silencioso, cujos silêncios eram
eloqüentes. Um homem convencido, que dizia gostar dela. Um
homem forte e atraente... Que estava interrompendo o beijo,
retirando a mão, abaixando-lhe a saia e afastando-se.
— Srta. Cathy! — chamou alguém. — Olá, srta. Cathy! A
pessoa se aproximava. Era Clive.
— Está aí?
O homem silencioso aparentemente ouvira o chamado pouco
antes. Assentiu ao corpete, indicando que ela deveria se arrumar
rapidamente.
— Srta. Cathy! — insistiu Clive. — Onde está você? Ela
sussurrou:
— Vou responder num segundo. Ele está na primeira fileira
agora.
A expressão de Harris era uma miscelânea de emoções,
incluindo humor pela situação.
— Fiquei da primeira vez que o homem passou por aqui. Não
vou ficar desta vez.
Cathy sentia-se ansiosa.
— Vai embora?
Ele assentiu e partiu.
Ela acabou de abotoar a blusa e gritou:
— Aqui, Clive! Mas, espere, eu vou até aí!
O que aconteceria se o sr. Harris decidisse sair da cidade tão
de repente quanto aparecera? Mas, não, pensou, ele ficaria. Então,
veio o pensamento seguinte e inevitável: E depois disso? Ele
certamente deixaria a cidade.
Ele não era um homem de cidade. Não era homem para
casa, comida e vestuário da forma como entendiam. Não era um
homem para ser mantido numa cidade como aquela.
Estava tão absorta e confusa nos pensamentos que quase

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abalroou Clive.

O carteiro teve que ajudá-la a se equilibrar, agarrando-a


pelos ombros.
— Tem correspondência para mim?
Clive parecia meio surpreso com a pergunta.
— Mas já se esqueceu, srta. Cathy? Todos nós concordamos
em nos encontrar aqui, depois do seu almoço com MacGuff, para
saber as novidades. George viu MacGuff descendo a rua assim que
saiu daqui e nos chamou. Estamos todos esperando por você na
varanda! — Concluiu. — Todos menos o galês, claro. Ninguém
conseguiu localizá-lo!

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Doce Rendição – Julie Tetel

DEZESSEIS

Cathy caminhou até a varanda com Clive.— Conseguiu os


versos? — perguntou Hank, sem rodeios, fechando o canivete. Ela
balançou a cabeça.
— Não, não consegui a pista. MacGuff ficou escondendo o
jogo.
— Contou a ele que tinha dois versos que rimavam? —
indagou Hank.
Cathy assentiu.
— E que Clive e Richard juntaram seus versos e ganharam o
relógio e a Bíblia?
Cathy assentiu.
— Bem, talvez ele não tenha mesmo os últimos versos —
opinou Hank. — Se tivesse, por que estaria escondendo?
— Oh, ele tem, sim — assegurou Cathy. — Quanto a
esconder, ele achou que eu estava inventando sobre os meus versos
só para descobrir quais eram os dele.
Os rapazes acharam que tinha sido muito esperto por parte
de MacGuff.
George, entretanto, ficou imaginando por que MacGuff
achava que Cathy desconfiava de que Old Hitch tivesse mandado dois
versos ao sobrinho.
— Não é comum alguém fazer isso. Acho que MacGuff hão
podia ter intuído que você adivinhou que Old Hitch escreveu uma
carta para ele. Cathy lançou um olhar desolado a Clive.
— Bem, ele acha que Clive abre a correspondência de todo

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mundo e me contou sobre os versos.


Todos olharam para Clive. O carteiro ergueu as mãos,
inocente.
— Com a qualidade dos envelopes — explicou ele, tagarela
—, não imagina a quantidade de cartas que se abrem e se misturam.
Então, preciso lê-las para saber a quem se destinam! Ora, no caso de
Old Hitch, estava terrivelmente ocupado e não li nenhuma delas...
quero dizer, os envelopes estavam muito bem selados e não precisei
ler!
— Mesmo assim, por que MacGuff acha que você se importa
com os dois versos se ele acha que você não tem nenhum? —
perguntou Hank, confuso.
Cathy encolheu os ombros, sem vontade de divulgar a
verdade embaraçosa de que MacGuff achava que ela estava
meramente fazendo jogo para conseguir seu afeto.
A pergunta de Hank exigia uma resposta e Cathy contou o
que achava ser a verdade naquele momento.
—- Porque MacGuff se acha muito esperto, mas ele é na
verdade um ganancioso. Acho que está escondendo porque não quer
dividir nenhuma possível herança conosco.
— Temos que refazer o plano — decretou George.
— Vamos refazer — sugeriu Cathy, ansiosa por viabilizar seu
próprio plano —, na cozinha.
Orin foi o primeiro aceitar,a idéia e, quando todos
marcharam para lá, Cathy colocou-os para trabalhar na bagunça
maravilhosa que o almoço produzira. Naturalmente, todos foram
contemplados, comendo as sobras e gerando mais louça para lavar.
Durante a limpeza, a nova refeição e a nova limpeza, a
discussão girou em torno de um novo plano para arrancar os versos
de MacGuff. A maioria era absurda ou impraticável.
A única chance que tinham era o chapéu que MacGuff
esquecera no balcão da cozinha.

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Doce Rendição – Julie Tetel

— Pode ser útil — comentou Cathy —, porque ele vai voltar


para buscar. Amanhã, é a minha aposta. — Pediu para que Hank
pendurasse o chapéu no cabideiro à entrada da casa.
Quando voltou, Hank já tinha o plano perfeito formulado.
— Vamos pedir ao galês — começou ele. — Ele vai pensar
em alguma coisa para sairmos dessa.
— Ei, onde ele está? — perguntou George. Os rapazes
encolheram os ombros.
— Acha que ele deixou a cidade? — perguntou George. Por
algum motivo, voltou-se para Cathy.
Ela engoliu em seco.
— Espero que não.
Harris não deixara a cidade, mas saíra da propriedade de
Cathy direcionando pensamentos violentos a Clive Smith. Conseguiu
alguma satisfação em se imaginar atirando uma flecha no pescoço do
carteiro. Entretanto, sabia que as intenções assassinas eram errôneas
e que matar o carteiro não traria nenhum alívio. Não adiantaria,
tampouco, enviar os pensamentos num vôo pelos céus. Parecia, de
algum modo, aguardar e permanecer no corpo — por mais
desconfortável, até doloroso, que fosse.
Experimentara o fogo e experimentara a calmaria, pois ainda
estava meio excitado. Dissera à sua deusa pouco parecida com deusa
que conhecia muito sobre o fogo e conhecia mesmo. Respeitava o
fogo por sua beleza terrível e o temia. Cuidara para aprender muito
sobre o fogo, primeiro com Attean e, então, com os homens brancos
em North Point, que sabiam a mágica da química. Mesmo assim, o
fogo que experimentara naquele dia era novo, diferente e muito bom,
de um tipo que não destrói, nem desfigura, mas pelo qual se dá a
vida.
Agora, sabia que não experimentara por completo esse novo
fogo — e sofria fisicamente por isso — e quando o impulso assassino
diminuiu, ficou só com o sofrimento. Pela primeira vez em vários dias,

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Doce Rendição – Julie Tetel

ficou ciente da escuridão interna que fora parte dele por tanto tempo
antes que conhecesse a srta. Cathy Davidson. Gostava menos ainda
da escuridão do que do sofrimento que sentia, e tentou encontrar um
meio de aliviar a sensação, sem encontrar nenhuma estratégia que
funcionasse.
Rapidamente, cruzou a distância entre o pomar e o
acampamento junto ao rio, sentindo-se sombrio e tenso, sem nada
para fazer até o anoitecer. Sentiu-se pouco melhor sob o céu escuro e
o prateado distante das estrelas.
Acendeu uma pequena fogueira e fez uma leve refeição,
alimentando-se do que a terra e o rio proviam. Então, banhou-se no
mesmo rio, submergindo nas águas frias e apreciando a corrente
limpa envolvendo-lhe o corpo como num ritual de purificação. Água
nenhuma lavava a pele manchada que se espalhava da base do
pescoço até um dos ombros, na frente e atrás, como um manto de
cobre antigo.
Pensou muito sobre o fogo que levara sua mãe, sobre os
dois pais, sobre as duas infâncias, como tinham sido proveitosas e
como permanecera um adulto inexperiente. Pensou na adolescência e
no desejo que pretendia satisfazer. Tentou ponderar o que sentia
entre urgência exuberante e necessidade refreada. O que sentia
naquele momento era urgência exuberante.
Vestiu-se. Calçou os mocassins, equipou-se com o arco e as
flechas, saindo pela trilha que conhecia de cor. Sentia o caminho com
os pés, a escuridão protegia-o, e mantinha os pensamentos livres.
Recordou a raiva que o guiara por tantos anos. Levara-o do
lar iroquês, colocando-o na soleira da porta do homem com quem a
mãe se casara, para a desgraça da tribo. O homem que lhe roubara o
nome e a dignidade — ou assim pensava ha época. A honra indígena
requeria que o matasse. Tentara, e Morgan exibia a raiva do filho em
uma cicatriz no braço e ombro.
Era o jovem guerreiro Tohinontan. Agora, crescido com o

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nome de Laurence Harris, nunca lamentara ter mostrado ao pai um


pouco daquela raiva. Naturalmente, em retrospecto, estava contente
por não tê-lo matado. Entretanto, a raiva mantivera-o a distância por
um ano, na divisa da fazenda de Morgan, depois do primeiro encontro
violento, até que Bárbara o convencera a fazer uma refeição com eles.
Então, direcionou a raiva aos campos, onde trabalhou com Morgan
por nove anos. A raiva continuava a gerir suas emoções e percepções
até duas noites atrás, no despretensioso evento do Festival da Florada
das Macieiras.
Esta noite, a cada passo que dava em direção à casa da
Queen Street, justificava sua ação, classificando-a de relacionamento
sagrado através da experimentação do profano. Além disso, gostava
da não-sagrada Cathy, da música de sua voz, de seus movimentos, de
sua reação ao beijo, ao toque. E não iria se deter mais.
Apressou o passo. Atravessou a leve colina que dava nos
fundos da casa, guiado pelo luar, e subiu na varanda lateral até a
janela que, determinara, era o quarto dela. A janela estava aberta só
o suficiente para que ele passasse. Já dentro, parou e ajustou o olhar
à fraca iluminação, entre as quatro paredes e o teto.
Olhou para a cama onde ela dormia. Não fez barulho e ela
não se ergueu. Estava com a cabeça sobre os travesseiros e a
camisola era visível entre as cobertas nas quais estava
desajeitadamente envolta. A cama parecia falsamente macia,
falsamente complicada com o colchão, os lençóis, os travesseiros e as
colchas. Tranqüila, ela parecia poderosamente desejável, envolta em
camadas de tecido, mas, ainda assim, acessível, assim como ele
descobrira que a feminilidade estava envolta em camadas da afeição
natural dela, disponível ao homem suficientemente sábio para tocá-la
e despertar seu afeto e desejo.
Largou o arco e as flechas ao lado da cama e rapidamente
despiu-se. Foi para junto dela e ela abriu os olhos, assustada.
— Oh! — sussurrou, recuando por reflexo a fim de se

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proteger do invasor.
Ele simplesmente, levou uma mão ao rosto e ergueu a outra,
indicando que estava desarmado e por isso mesmo, inofensivo.
Ele permitiu que ela se acalmasse naturalmente e reagisse
como quisesse. Estava preparado para ouvi-la tagarelar, seduzi-la ou
fazer qualquer outra coisa para mantê-la na cama. Por isso, ficou
contente por ela ter apenas suspirado quando o identificou. Então, ela
riu. Achava que ela também sorrira, mas não podia afirmar, dada a
escuridão no quarto.
— São muito desconcertantes essas suas aparições.
Repentinas, saindo do nada e nos locais mais estranhos! — censurou
ela.
— Este é um lugar estranho? — replicou ele.
Ela não respondeu, mas ele a ouviu suspirar profundamente
ante a pergunta atrevida.
— E não saí do nada — continuou ele.
— Pensei que tivesse deixado a cidade — comentou ela.
Ele identificou um tom de alívio na voz. A leveza que o
abandonara antes estava retornando.
— Por que pensou isso? — perguntou.
— Você saiu do pomar tão abruptamente — esclareceu ela
—, e parecia zangado.
— Não zangado — respondeu, confiante —, embora admita
estar me sentindo violento. Por ter que sair de repente, sem nenhuma
escolha.
Ela limpou a garganta.
— Bem, foi mesmo um bom exemplo desaparecer daquele
jeito! Eu não teria o sangue frio para tanto, percebe?
Ele ouviu a mágoa e a reprimenda contra ele por tê-la
deixado numa posição delicada debaixo da macieira. A leveza dentro
dele cresceu. Cresceu de forma agora familiar, retesando os músculos.
Começou a achar que o corpo sorria.

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— Mas agora, reapareci — declarou ele.


— E voltamos ao ponto inicial — disparou ela —, devo dizer
que esse seu hábito de aparecer é muito desconcertante!
Ele não iria encorajá-la a prosseguir no tema. Em tema
nenhum. Estava mais interessado em fazê-la perceber que ele estava
a seu lado na cama, completamente nu. Reconheceu o instante em
que ela deduziu que ele voltara para terminarem o que haviam
começado.
Sem desviar o olhar, foi capaz de sentir inteiramente as
reações dela. Pela maneira com que se endireitava, rápida, hesitante,
percebeu que ela podia não estar sentindo a mesma urgência
exuberante que ele. Podia ter remoído o início da ignição do fogo, mas
ela, não. Ela aceitara a presença dele na cama, mas não estava tão
pronta quanto ele. A sensualidade natural estava lá, mas era
necessário excitá-la.
Para equalizar os desejos, ele se moveu sobre ela, afastando
habilmente as cobertas e retirando-lhe a camisola antes que ela
pudesse protestar. Esse ataque trouxe a primeira reação dela: pousou
as palmas sobre seu tórax, estendendo os braços, mantendo-o a
distância.
— Não sei nada sobre isso — declarou ela, trêmula. Ele
sentia a nudez dela mais do que via. Contrapôs:
— Eu sei.
— Não, quero dizer, pode ser pouco sábio.
Ele concordava, em parte. Experimentar o poderoso e
desconhecido envolvia riscos.
— Pode ser — reconheceu ele.
— Não, não, quero dizer, nunca fiz isso antes — esclareceu
ela, falando sem fôlego e engasgando um pouco.
Desta vez, ele concordou completamente:
— Nem eu.
Ele observou e apreciou o silêncio dela. Estava com-

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pletamente surpresa.
Ele manteve o olhar no brilho intenso dos olhos dela.
Permaneceram assim, sob a iluminação fraca e, no silêncio bastante
significativo, ele soube que ganhara a confiança dela e que a tinha
desde o início.
Ela dobrou os cotovelos, relaxada. Não mais o mantinha a
distância. Agora, estava simplesmente tocando-o. Com voz fraca e
provocadora, ela perguntou:
— Está tentando me salvar novamente?
Ele lhe cobriu a mão com a sua sobre o peito. Sentiu o
sorriso no corpo se alargar.
— Depois que a deixei no pomar, francamente, estou mais
preocupado em me salvar da agonia prolongada.
— Prolongada...? — começou ela, então emitiu um "oh"
conhecedor.
Num esforço de trazer alívio a si mesmo, ele ousou:
— Podia demonstrar o que quero dizer.
Ela não piscou nem removeu a mão, mas tampouco aceitou
a ousadia.
— Então, vamos ver se entendi. Estou fazendo um favor a
você agora? Estou salvando você em retribuição às vezes em que me
salvou?
Ele lhe apertou a mão e acariciou levemente os dedos.
— Não tinha imaginado a coisa assim, nem pensei em
termos de salvação. — Aproximou-se, o sangue, os músculos e a pele
colados nela. Esperava ter a habilidade e a paciência de trazer os dois
desejos a um mesmo nível na hora certa. — Se pensar no episódio do
pomar, deve se lembrar de que tentei com afinco arruiná-la.
— E uma maneira deselegante de estabelecer o assunto!
— Só estou seguindo o conselho que me deu outro dia: que
eu continuasse a responder às suas perguntas direta e honestamente.
— Devia saber que era culpa minha — resmungou ela,

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suspirando de curiosidade. — E isso que não entendo sobre o episódio


do pomar. Se é tão inexperiente quanto eu, como pode... quero
dizer, como sabia, humm... Como conseguiu me fazer sentir daquele
jeito?
Ele sentia a energia toda fluir na direção da região entre as
pernas, tomando-o com a urgência exuberante de forma
desconhecida. Estava ficando muito difícil permanecer junto dela,
sentindo sua nudez a poucos centímetros, sorvendo o doce perfume
de sua pele. De maneira improvisada, sabia que a discussão irreve-
rente era parte da recuperação do sentimento deixado no pomar.
Esforçou-se para responder de forma a ajudá-la a aceitar seu toque e
se deixar excitar.
— Sou muito bom em encontrar coisas — contou vantagem.
— Você me chama de convencido.
Ela grunhiu e aceitou o convite, humorada.
— Você é convencido. Muito convencido.
Ele a trouxe para mais perto, excitando-se ao sentir sua
pele. Passou a mão pelo contorno generoso de seu corpo, atrás dos
joelhos, nas coxas, na curva dos quadris, nos seios, no pescoço. Ela
resistiu um pouco, no começo, pois a massagem era forçada, mas ao
beijá-la, gentil, instigou-a a irem para o mesmo lugar.
Os beijos passaram de doces a fogosos, e ele sentiu um
novo fogo mais intenso surgir em seu interior. Controlou-se, pois
sabia que não queria entrar em ebulição sem ela, mas a queria
naquele segundo, e ela ainda não estava no ponto. Movimentou-se
sobre ela, encaixando-se, afastando as pernas dela com as suas pró-
prias. Mas a posição ainda não estava certa, e não podia tocá-la de
modo a fazer jus ao convencimento. Saiu de cima dela, trazendo-a
para junto do peito.
Uma solução ingênua se apresentou de forma natural.
Deitou-se de costas e a puxou sobre si, ainda beijando-a e
acariciando-a, e fez com que ela se sentasse sobre seu corpo. Foi tão

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bom que a trouxe para junto de si, e não a penetrou naquele mesmo
instante.
— Não tenho certeza... — declarou ela, hesitante. — Isso
não está certo.
— Vou ter que machucá-la — informou ele. — Mas assim
você também vai sentir prazer.
Ele a beijou profundamente, agarrou-a pelos ombros e a
puxou contra seu tórax, deixando-a com as costas encurvadas. Baixou
as mãos e acariciou-lhe os seios antes de descer mais, até a cintura e
os quadris. Segurou-a firme, puxando-a para contra o próprio corpo,
mas, antes de penetrá-la, introduziu a mão e tocou a semente do
desejo dela. Ficou mais excitado ao sentir a região úmida e sentiu
satisfação em massagear a semente, alimentando-a, imaginando-a
florescer até um fruto maduro, e aninhou-se nela até se implantar.
Aninhou-se até encontrar a resistência da inocência. Guiou-a
pelos quadris com a mão, pressionando-a pelas costas. Ela o
presenteou, esforçando-se para que ele se introduzisse. Ele
concentrara os ossos, os músculos, as emoções e a atenção num
único objetivo: o corpo tenso de prazer. Estava em território
totalmente virgem, oculto, desconhecido, inexplorado. Do jeito que
sempre gostara.
A jornada não acabou naquele instante. Ao avançar mais
alguns graus de temperatura, sentiu-se entrando num anel de fogo.
Temia e respeitava o fogo. Fora queimado e desfigurado pelo fogo. De
repente, não temia mais essa força da natureza, não mais a
respeitava e, se aquilo era o inferno, não queria sair dali nunca mais.
Mas era um tipo diferente de inferno. Tratava-se de um inferno fluido
e tinha sabor de novo para ele. Sentia o corpo saturado desse fogo
fluido. Estava rodeado por ele, envolto, queria que o fogo jamais se
extinguisse. Queria que o fizesse flutuar.
Sentia a alma ferida novamente jovem. Era o pássaro de
fogo. Sobrevivera ao fogo e vivera para lutar. Quando estava pronto

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para decolar, garantiu que seu passarinho verde e dourado das


macieiras o acompanhasse.

DEZESSETE

Cathy retornava de uma viagem extraordinária. Ou assim


pensava enquanto se estendia na cama, envolta em lençóis brancos e
uma pele acobreada. Na realidade, não saíra dali. Ou talvez a viagem
em si fosse um retorno ao lar.
Era um pensamento tentador — de retorno ao lar. Mas era
estranho também, e não fazia sentido. Não morara nessa cidade e
nessa casa a vida toda? Como podia estar voltando para casa quando
sempre estivera ali?
Aninhou-se contra o algodão macio e quentinho e na pele
ainda mais macia e quentinha. Finalmente conhecia a conclusão do
episódio que começara no pomar, quando tivera a sensação inédita de
seu corpo totalmente ocupado. Ficara ciente, então, de pequenos
espaços dentro de si, inexplorados e pulsantes de mistério.
Permitiu-se flutuar na maravilhosa sensação de afeto e
intimidade do pós-ato, com o sangue, os músculos e o desejo vivos e
exaustos. Bem, talvez não o desejo. Apesar de fisicamente exausta,
podia facilmente se imaginar reavivando o desejo dali há pouco, a fim
de realizar de novo a viagem maravilhosa e paradoxal de receber
visitantes em seu lar secreto e especial.
Podia ouvir a voz rabugenta de Old Hitch perguntando:
— Bem, Cathy garota, sabe o que fez? — Seguida pela
própria resposta desdenhosa: — Suponho que saiba! Ia acontecer,
cedo ou tarde. Estou contente que tenha sido mais tarde do que cedo,
para a primeira vez!
A primeira vez. Era como se sempre, ou talvez só por um
dia, houvesse esperado a primeira vez.
Lembrou-se de que era a primeira vez dele também e podia

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Doce Rendição – Julie Tetel

estar absolutamente segura de que ele dissera a verdade.


Por que ele esperara tanto tempo? imaginou. De qualquer
forma, aquela pergunta não era tão intrigante quanto a seguinte: por
que a escolhera? Aquela pergunta foi seguida por outra ainda mais
constrangedora: Estaria ele tão profundamente feliz por ter esperado
tanto tempo e escolhido justamente a ela?
Sorriu e aninhou-se ainda mais. Ele a escolhera porque
gostava dela. Bem, gostava dele também. Bastante. Gostava de seu
cheiro limpo, do contorno de seus ombros, de seus cabelos e olhos
negros, de seus lábios, mãos e pernas. E, mais, gostava do modo
como ele encarava as coisas, do senso tranqüilo do que precisava ser
feito, do ímpeto nobre e voluntarioso de salvá-la, do desejo menos
nobre e mais intencionado de arruiná-la, da força, da vontade. Acima
de todas as virtudes estava a mais importante: a honestidade.
Não pôde resistir. Levantou a cabeça e cruzou os braços
sobre o tórax dele de modo a apoiar o queixou nos punhos. Olhou
para ele na escuridão, na mesma perspectiva de quando caíra sobre
ele da árvore. Desse ângulo, o rosto dele era quase que apenas
queixo. Embora ele estivesse muito quieto e sua respiração tivesse
voltado ao normal, parecia que estava acordado. Conseguiu
determinar que seus olhos estavam abertos, observando o teto.
— Então — sussurrou ela —, o que achou? Ele não
respondeu, nem indicou que a ouvira. Ela não se deixou intimidar.
— Sendo a primeira vez, quero dizer. — E provocou:
— Ou estava me dizendo o que os homens chamam de
conversa fiada?
Ainda assim, ele não respondeu.
— Responda honestamente — persistiu ela. Aquilo chamou-
lhe a atenção.
— Tira vantagem do momento — murmurou ele, grunhindo
—, agora que estou completamente à sua mercê.
— Você sempre esteve à minha mercê.

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Doce Rendição – Julie Tetel

Ele se virou rápido, deitando-a de costas, prendendo-lhe os


pulsos acima da cabeça antes de respirar fundo.
— Quer discutir esse assunto em maior profundidade? Ela
perdeu a satisfação, momentaneamente surpresa e excitada.
— Não — respondeu, trêmula —, simplesmente quero a sua
resposta. — Recuperou o fôlego e aguardou que ele colocasse em
palavras o que sentia.
Mas ele não respondeu em palavras e a qualidade do silêncio
era rica e complexa. Mantinha-a presa com um braço forte sobre seus
seios e um joelho sobre uma das coxas. Foi para cima dela e então se
dobrou, enterrando a cabeça em seu pescoço, respirando profun-
damente. Começou a acariciá-la de leve, não intencionado, mas com
atenção e afeto.
Ela teve vontade de falar, até que ele começou a lhe
acariciar a pele, as curvas do corpo, os pontos ainda não
suficientemente explorados. Então, ela perdeu a vontade de falar.
Sentia, vontade de gozar o toque e só conseguiu murmurar. Então,
sentiu-se transformar em líquido, entorpecida. Sentiu vontade de ficar
em silêncio com ele, apesar de não estarem unidos como antes.
Sentia vontade de dormir a seu lado, aninhar-se e acariciá-lo como
ele estava fazendo com ela naquele momento.
— Eu aviso quando estiver pronto para responder à sua
pergunta — decretou ele, antes que ela adormecesse.
Várias horas deviam ter-se passado quando Cathy abriu os
olhos, fechou e abriu-os novamente. O quarto estava quase
imperceptivelmente mais claro. Podia discernir as linhas dos móveis
saindo das trevas, mas a aurora ainda ia demorar.,
Mãos avaliadoras. Suspirou uma vez, profundamente, e
rolou de lado. Ao fazer isso, descobriu a mão dele enganchada entre
suas coxas. Antes que tomasse ciência completa das implicações
daquela mão, rolou de volta para ficar de costas. Ele acordou e a
segurou naquela posição, deslizando a mão até seu seio, cujo mamilo

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Doce Rendição – Julie Tetel

começou a provocar.
Ele levou os lábios até seu ouvido:
— Estou pronto para responder à sua pergunta.
— Está? — repetiu ela, sonolenta. Ele continuava lhe
acariciando as coxas. — Qual era mesmo a pergunta?
— O que eu achava sobre fazer amor pela primeira vez.
— Oh, sim — suspirou ela. — E uma boa pergunta. —
Suspirou de novo. — E a resposta?
— E como ter passado fome a vida inteira — declarou ele —,
então, não é só o seu corpo que está faminto, o apetite também.
Então, de repente, tem-se uma refeição de verdade. Não é só como
se o corpo fosse alimentado. O mais importante é trazer de volta o
apetite.
Ela seguia a explicação, atenta. Sempre tivera bom apetite e
não passara fome a vida inteira. Talvez por isso se entregara tão
facilmente ou, pelo menos, por isso a transição entre acariciar e fazer
amor tivesse sido tão tranqüila e natural para ela.
— Seu apetite voltou? — provocou Cathy, voltando-se
levemente, gozando do toque contínuo.
— Sim — declarou ele, contra o pescoço. — Estava faminto e
nem mesmo sabia. Agora que tive uma amostra, acho que nunca terei
o bastante. Disso. De você.
O apetite, negligenciado por tanto tempo, estava de volta. O
apetite dela, bem nutrido, simplesmente fora acrescido de uma
dimensão que ela só encontrara com ele. Em seus braços,
conscientizava-se de uma reserva de afeição e carinho que nenhum
outro homem conseguira instigar. Ao toque dele, reagia com um
apetite saudável e sem culpa, que sempre fora seu e pelo qual
nenhum homem se interessara, nem conseguira instaurar antes.
— Será possível — perguntou ele —, que pela primeira vez
você não saiba o que dizer?
Cathy tinha a resposta perfeita, uma que pensou que nunca

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Doce Rendição – Julie Tetel

teria a oportunidade de usar. Respondeu, tranqüila, alegre contra os


lábios dele:
— Você fala demais.
Por tal impertinência, foi recompensada por um amante
faminto, ardente e insaciável.
Ela afastou da mente o fato de que ele levaria o apetite
insaciável consigo quando deixasse Hillsborough. Ignorou a percepção
de que ele estaria mais feliz fazendo amor no mato, sobre a palha, ao
invés da cama macia de penas. Mal percebeu a resistência dele em
permanecer com ela, para sempre, irrevogavelmente.
Logo esqueceu a idéia do fim, pois se achava num presente
infinito, preocupada apenas em corresponder aos lábios, aos braços,
às pernas e às mãos dele. Tratava-se de um visitante faminto e bem
vindo, e ela tinha muito para lhe dar e para receber. Não foi par-
cimoniosa nem com a hospitalidade, nem em receber presentes do
visitante, fazendo-o se sentir bem-vindo, dando-lhe ainda mais
prazer. Dessa forma, prazer se acumulava com prazer.
Então, ele cessou o movimento para satisfazer o próprio
desejo imediato. Primeiro, ela estava entrelaçada com ele. Então,
esparramaram-se sobre o solo juntos, ainda entrelaçados, e era como
a primeira vez que subira numa macieira, grande e folhosa, cheia de
frutos. Percorriam os galhos fortes, afastando as folhas,
experimentando os frutos, pequenas mordidas, grandes mordidas,
bocados satisfatórios, querendo mais. Insaciáveis.
Nos galhos que se subdividiam, exploraram a cova junto ao
braço, junto ao pescoço, à junção das pernas ao corpo. A cada toque,
a cada beijo, a cada suspiro trocado havia um pomar, rico em
macieiras, grandes e folhosas, cheias de frutos. Capturou a fragrância
de floração nos cabelos dele.
Alcançaram o topo da árvore juntos, mas ainda não tinham
acabado. Mais ramos lançavam-se ao espaço e foram até eles, juntos,
felizes. Finalmente, quase exaustos, quando os ramos não iam mais

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Doce Rendição – Julie Tetel

além, deixaram-se flutuar com abandono de volta à terra. Ela o


capturou. Ele a capturou. Ela lhe deu amor e recebeu força. Ela, que
nunca fora fútil ou avoada, estava largada em seus braços e agarrava-
se a ele como a um pássaro, cruzando os céus em asas de fogo.
Então, estremeceram juntos, como se liberassem um bando
de pássaros de fogo. Quando não podia mais dar nem receber,
quando não podia voar mais alto, quando não tinha mais forças, ela
permitiu que ele se deitasse, feliz e exausto, sobre seu corpo.
Percebeu que o quarto estava mais claro e ele se erguia de
cima dela, desvencilhando-se dos lençóis. Parecia que estava se
preparando para deixar a cama.
Ela se estendeu e agarrou-o pelo braço. O lençol desceu-lhe
à cintura, expondo os seios.
— Vai embora?
Ele parou na borda da cama, pronto para se sentar.
— Está amanhecendo.
— Isso não significa que você precise partir — protestou ela.
Ele não respondeu, simplesmente acariciou-lhe o rosto e
passou os dedos por seus cabelos.
Sentia-se desesperada. Pensou numa maneira de mantê-lo
ali e concluiu, desgostosa, que parte do apetite dele fora saciado. Não
percebia que ele se sentia tão confuso e desesperado quanto ela.
Uma vez que a natureza dele não era afetuosa, sua reação à
confusão e desespero era sair da casa e se embrenhar nas matas,
rodear-se da floresta densa. Aquilo era familiar a ele. Aquilo que
experimentara com ela mostrara-lhe um novo tipo de floresta, que ele
nunca vira antes, uma que não apresentava marcas nem sinais. Não
tinha habilidade para andar nela, nem Attean, nem Morgan haviam
lhe ensinado nada sobre isso. De repente, pareceu-lhe a coisa mais
complicada e incompreensível do mundo caminhar lado a lado com
uma mulher.
— Preciso lhe contar o que aconteceu depois que Clive veio

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me chamar — comentou ela, rápida.


Ele olhou por sobre o ombro. Ela se sentiu aliviada ao ver
que ele se interessara, ainda que minimamente.
Foi então que ela notou a pele de seu ombro. A iluminação
do quarto foi suficiente para que distinguisse a mancha irregular
espalhando-se pelo pescoço, ombro e costas. Ele se queimara quando
pequeno — provavelmente não tinha uma lembrança consciente. Mas
trazia a experiência no corpo, como um manto.
A pele ferida crescera irregular, encolhendo-se à medida que
o corpo crescia. Ela só imaginava a dor e a dificuldade que ele
enfrentara para voltar a usar o braço e o ombro, e tornar-se ainda tão
habilidoso. Lembrava-se de ter acariciado partes mais ásperas, mas
não imaginava que era assim. Agora, entendia, de verdade, que ele
viera do inferno.
Ele devia ter notado o olhar dela na direção na mancha, pois
se afastou, e ela imaginou como ele conseguia se fazer tão
fisicamente ausente quando seu corpo estava presente. Era como se,
diante de seus olhos, ela o visse levantando vôo. Sem ela.
O sentimento de solidão e abandono era ainda maior por
saber que ele estava bem ali. Queria-o de volta.
— Clive me trouxe até em casa — continuou ela, falando
contra a possibilidade de silêncio e da partida dele —-, e à varanda. —
Assentiu à porta. — Estavam todos lá. Você sabe: os rapazes, Ginger
e George. — Fez uma pausa. — Eles queriam saber onde você estava.
— Contou a eles?
— Não, porque não sabia e porque não era da conta deles.
De qualquer forma, eles vieram para saber se eu fora bem-sucedida
com MacGuff.
Ele repetiu, indiferente:
— MacGuff. — Parecia tentar combinar o nome com a
pessoa.
— Sobre recuperar as duas últimas linhas do soneto —

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Doce Rendição – Julie Tetel

esclareceu ela. Embora a solução do quebra-cabeça significasse a


partida dele de Hillsborough, Cathy tinha esperança de que a
lembrança do propósito original o trouxesse de volta à cama.
A julgar pela expressão de médio interesse, ela concluiu que
fracassara.
— Claro, precisei contar que não dera certo — instigou ela.
— Então, passamos o resto da tarde e parte da noite tentando
elaborar um plano para extrair os versos dele.
Ele assentiu, devagar.
— Finalmente, decidimos que você pensaria em alguma
coisa.
Aquilo aguçou o interesse dele. Totalmente atento agora, ele
a focalizava. Raciocinou por alguns instantes, mas não comentou
nada.
Ela continuou:
— Sim, decidimos que você pensaria em algo, mas não
tivemos nenhuma idéia específica quanto a isso.

Veja, a única coisa que temos é o chapéu que ele esqueceu,


mas não sabemos como utilizar essa vantagem. Só sabemos que ele
vai voltar. Então...
Ela ia entrar em mais um transe de tagarelice para espantar
o silêncio quando percebeu que tinham voltado aos papéis iniciais: ela
falando demais e ele de menos.
— Então, o que me diz?
— Nada.
— Oh. Bem, acha que pode pensar em um plano?
— Poderia.
— Que plano seria?
Ele a focalizou intensamente. Um brilho especulativo nos
olhos.
— Consiga que ele apareça na casa do tio esta noite. Depois

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Doce Rendição – Julie Tetel

do escurecer.
— Como farei isso?
— Não sei.
— Então, esse é o meu problema? Fazer com que ele vá à
casa de Old Hitch?
— Sim.
— Quer dizer, sozinho?
— Você pode ir com ele, se quiser.
— Onde ele... nós devemos aparecer? Ele considerou a
pergunta.
— Junto ao relógio de sol.
— O que pretende fazer? Ele não respondeu.
— Não vai me contar? — Ela ficou frustrada, mas queria
mantê-lo através de perguntas.
Ele balançou a cabeça, decidido. Então, sua expressão
mudou imperceptivelmente. Lançou o olhar ao rosto dela, então, aos
seios, que ela não cobrira e, então, de volta ao rosto. Hesitou.
— Sim? — incentivou ela, esperançosa. Ele balançou a
cabeça novamente.
— Ia dizer alguma coisa?
— Não.
— Quer dizer alguma coisa?
— Não.
— Realmente, pareceu que você ia falar. — Ela se sentia
ridícula, insistindo daquele jeito, mas não conseguia se conter. Faça
uma pergunta direta, senão ele não vai responder!
— O que você ia dizer? — perguntou ela, tão calma quanto
pôde.Erguendo-se da cama, ele simplesmente lembrou:
— Eu disse que você fala demais.
Sob o olhar atônito e admirado dela, ele se vestiu, pegou o
arco e as flechas, saiu pela janela sem fazer ruído e desapareceu na
aurora cinzenta.

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DEZOITO

O homem era muito convencido. E tinha um senso de


humor inesperado e impossível. Cathy sabia que o humor dele era
sutil, quase imperceptível. Ora, ele estivera realmente flertando com
ela! Ele a fizera querê-lo novamente; fizera-a desejar nunca tê-lo
provocado com as palavras: Você fala demais. Ele a fizera pensar que
iria falar algo romântico e apaixonado. Ao invés disso, preferira
provocá-la e atiçá-la, sem satisfazê-la com palavras açucaradas e
doces.
Ah, sim. A bem nutrida de afeto que era iria alimentá-lo, iria
satisfazer o apetite dele. Preencheria a alma faminta dele. Faria ruir
aquela barreira mínima que ele mantinha. A barreira que o impedia de
gozar plenamente o amor entre ambos.
Sentou-se. Barreira? Passou os dedos pelos cabelos em-
baraçados, deixando a franja de pé. De onde ela surgira?
Ficar ali deitada na cama ainda quente do amor que
partilharam não resolveria nada. Lançou as pernas para o lado,
sentindo-se satisfeita e preguiçosa. Respirou fundo e imaginou que
cada passo dado naquele dia a levaria mais para perto dele.
Não o veria mais antes do anoitecer? Qual era o plano para a
casa de Old Hitch? E o que poderiam fazer, sozinhos e juntos, depois
disso?
Vestiu-se, tomou o café da manhã e foi executar as tarefas
domésticas que haviam sido negligenciadas nos últimos dias. A casa,
que sempre parecera grande, parecia ainda maior, e ficara estranha
também, como se não mais lhe pertencesse. O sensação de transição
se intensificava.
Concluiu que se sentia assim porque não queria que
Laurence Harris deixasse a cidade e sabia, lá no fundo, que ele nunca
se adaptaria àquela casa. Sentiu-se entristecer, mas procurou

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Doce Rendição – Julie Tetel

esquecer esse fato, lembrando-se da noite anterior e da noite que


viria.
Enquanto fazia a limpeza, ouviu uma batida na porta.
Soube, intuitivamente, quem devia ser.
Estava certa. Ao abrir a porta, MacGuff estava à sua frente.
Lembrou-se das últimas palavras de Old Hitch sobre o sobrinho:
Quero ir para o inferno se ele não passa o tempo todo na frente do
espelho do alfaiate em Raleigh! Naturalmente, muito bem vestido e
sem chapéu.
— Srta. Cathy — saudou ele.
— MacGuff — respondeu ela.
A figura tão arrumada lembrou-a de que não penteara os
cabelos. Três dias antes, teria ficado embaraçada por ser vista assim.
Naquele momento, porém, estava interessada apenas em captar a
reação dele.
Do olhar que ele lhe lançou, captou três mensagens: ele a
considerava sexualmente desejável e estava surpreso, ou, mais
exatamente, satisfeito; já seduzira inúmeras mulheres com um olhar
daqueles; ela nunca permitiria que ele a tocasse novamente.
— Parece que você acaba de acordar — comentou ele,
apoiando-se junto ao batente, numa pose sugestiva.
Cathy não perdeu tempo considerando como ele podia
desconfiar de que ela estava de repente sexualmente disponível.
Talvez fosse seu olhar, o rosto, o cheiro de amor em sua pele. Ao
invés disso, estava mais preocupada em conceber um plano para
levá-lo até a casa de Old Hitch.
— Suponho que tenha vindo por causa do chapéu —
declarou, estendendo-se para pegar o acessório. — Aí está.
Ele ficou visivelmente intrigado por ela não usar o chapéu
como pretexto para convidá-lo a entrar, e seu interesse cresceu.
Cathy sentiu-se forte e esperta.
Ele aceitou o chapéu sem pressa.

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Doce Rendição – Julie Tetel

— Obrigado.
— Esqueceu no balcão da cozinha ontem — comentou ela,
encolhendo os ombros, despreocupada. — Imaginei que voltaria hoje.
— Imaginou? — Ele estava tentando fazê-la falar.
— É o que se deduz. — Ela não ia facilitar. — E para provar,
aqui está você.
— Aqui estou eu — repetiu ele, açucarado.
Ele é muito bom, pensou ela. E ainda bem que sou imune.
Cruzou os braços, fazendo os seios erguer sensualmente.
— Aqui está você — repetiu ela —, e já recuperou o chapéu.
Não havia mais nada para ele fazer senão partir. Ela ficou
contente em ver que ele hesitava, rodando o chapéu na mão.
— Sobre o almoço ontem...
Cathy sorriu, conhecedora, e esperava, misteriosa.
— Que tem o almoço de ontem? Ou estava pensando na
sobremesa? — disparou ela, audaz.
Ela inclinou-se só um pouco para mostrar o decote.
— Estava pensando na sobremesa — admitiu ele, olhando
para os seios.
Peguei!
— A torta estava doce — declarou ela —, mas você, não.
— Me comportei mal — admitiu MacGuff, fingindo estar
arrependido.
— Comportou-se, sim.
— Mas você me provocou —justificou ele, reprovador.
— Provoquei — admitiu ela.
— Quer dizer que estava me tentando só para saber o que
Old Hitch me escreveu? ,
Ela sorriu, sarcástica, e assentiu.
— Tinha razão. Clive mencionou a carta estranha que você
recebeu na semana passada de Old Hitch. Naturalmente, seu tio não
estava raciocinando bem no final e...

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Doce Rendição – Julie Tetel

— Muito antes do final — corrigiu MacGuff. — Então, srta.


Cathy, o que está querendo dizer?
— Estou dizendo que você estava com a razão e eu tive
muito trabalho por causa de um beijo — esclareceu. Estava surpresa
por não sentir nenhuma humilhação e apenas fazer o jogo dele. —E
se... como disse... não fui mulher suficiente para ir além de um beijo,
talvez hoje seja diferente.
Ela ficou imaginando se os olhos do homem iriam sair das
órbitas. Claro que MacGuff não foi tão evidente, mas arregalou
bastante os olhos.
— Bem, bem — suspirou ele. Impulsionou-se no batente,
chegando-se mais para ela. — Como saberei se não está me
conduzindo de novo? — perguntou.
Ela se forçou a não repeli-lo em reflexo.
— Não saberá — disparou ela. — Mas poderá descobrir. Ele
gostou.
— Como?
— Esta noite — declarou ela.
Ele olhou para o balanço e, então, em direção ao quarto
dela.
A vontade dela era desdenhar daquele canastrão, mas
manteve-se sedutora.
— Tenho certeza de que gosta da varanda — comentou ela
— mas estou me sentindo mal sobre ontem. Sabe. — Encolheu os
ombros novamente, revelando mais um pouco do busto. — E a minha
casa... bem, não seria certo ficar dentro. Então, estava pensando,
para essa ocasião excitante, devíamos ir até o barraco de Old Hitch.
Ele pareceu surpreso ante a sugestão, depois, confuso e,
então, desconfiado.
- No barraco de Old Hitch? — repetiu ele, como se avaliasse
as possibilidades desse cenário.
— Não dentro do barracão, claro — continuou ela.

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Doce Rendição – Julie Tetel

— Digamos, no pátio, junto ao relógio solar.


— Relógio solar?
— Não ficaríamos ali, claro. Só nos encontraríamos lá.
— E?
Ela sorriu e imaginou estar junto de seu pássaro de fogo.
— Você verá.
— No relógio solar então. A que horas?
— Depois de escurecer, claro — afirmou ela —, quando a lua
estiver a meia altura. Vai ser noite de lua cheia.
Ele se endireitou e disse, macio:
— Bem, então, a fim de descobrir que tipo de mulher você é,
teremos que nos dirigir a um local confortável e nos abrigar do luar.
— Então, novamente, nos banhar ao luar seria bom
— provocou ela. Respirou fundo e arqueou as costas para os
seios saltarem; então, fechou a porta na cara espantada e bonita
dele.
George Travis tomara uma decisão. Chegara ao ponto de não
mais ser conduzido pela mãe. Adorava-a e respeitava suas opiniões,
mas não estava apaixonado por Sylvia Lee e muito menos pela saúde
financeira do pai dela — bem, que droga, o homem possuía o banco!
— mas isso não alterava o amor que sentia pela srta. Ginger Mangum.
Temia que a declaração causasse um mal-estar na mãe e ela
acabasse morrendo.
Ao sair da loja naquele dia, andou pelas ruas que levavam à
casa em que Ginger morava com a avó. Subiu os degraus e, com
confiança, bateu determinado na porta da frente.
Um anjo abriu a porta — com olhos azuis, um belo nariz,
uma boca bonita e cachos lindos. Ora, esse anjo era a mulher mais
linda que ele já vira! Tudo nela era... simplesmente maravilhoso.
— Srta. Ginger — cumprimentou ele, tirando o chapéu e
segurando-o na mão, em sinal de respeito.
— Ora, George — saudou ela —, você me surpreendeu. Não

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Doce Rendição – Julie Tetel

estava esperando por você. — Baixou o olhar, parecendo tímida. —


Nunca me visitou antes.
— Hoje é diferente — explicou ele, com ar de novo homem,
um homem determinado. Um homem, homem.
— E? — perguntou ela, erguendo o olhar, tímida. Se George
não estivesse tão apaixonado, veria a encenação de cada ato. Ela,
aparentemente, sabia a importância dessa primeira visita e já
esperava por isso há muito tempo. Ficaram juntos na varanda da
frente. Ela olhou para o céu. — Ora, para mim, hoje parece
exatamente como ontem.
— Para mim, o mundo se transformou — declarou George.
— Ah, é?
Ele tomou a mão delicada de seu amor.
— Eu espero que o mundo se transforme — remendou ele
—, se você responder sim à minha pergunta.
Ginger sabia as linhas de cor. Intensificou a pressão,
minimamente, da mão sobre a dele. Ergueu o olhar, encarando-o com
olhos azuis melosos. Perguntou, com um toque de timidez:
— E que pergunta é essa, George?
Ele não respondeu imediatamente. Queria se explicar
primeiro.
— Estive retardando esse assunto... por vários motivos.
Então, nos últimos dias, pensei que, talvez Old Hitch pudesse estar
deixando algo para você, ou para mim. Algo além de um pedaço de
terra sem valor, talvez... isso justificaria a minha pergunta, sem preo-
cupação com... considerações práticas.
Não era exatamente a abertura para uma declaração de
amor e uma proposta de casamento que aquece os corações das
mulheres. Entretanto, para crédito de Ginger, o olhar azul dela não
congelou nem ficou fixo.
— Então, acordei esta manhã — continuou George, com
convicção —, com essa decisão e esperei pelo primeiro momento

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Doce Rendição – Julie Tetel

livre, a pausa para almoço e devo dizer, neste momento, que, sem me
alimentar previamente, nem poderia, vir até aqui, fazer-lhe essa
pergunta.
— Sim, George? — indagou Ginger, com todo o en-
corajamento que uma mulher pode oferecer.
— A pergunta que um homem que é homem deve um dia
fazer a uma mulher, a pergunta que preenche o coração e a mente de
um homem apaixonado, a pergunta que afetará o curso de sua vida, a
pergunta que paira sobre sua existência, a pergunta que...
— Que pergunta, George? — pressionou Ginger, levemente
impaciente.
— Quer se casar comigo, srta. Ginger? — declarou ele,
chegando ao cume da retórica.
— Oh, George — suspirou ela.
— Isso é um sim? — exigiu George.
— Oh, George! — suspirou ela, novamente, ficando meio
avoada depois de todos aqueles meses, na verdade, anos, de espera.
— Vou entender como um sim — declarou George, gostando
do sentimento másculo de tomar decisões. — Agora, posso beijar
você? — Decidiu que não aceitaria um não como resposta; tomou seu
amor nos braços e inclinou-se para beijá-la.
— Oh, George! — suspirou Ginger pela terceira vez,
inegavelmente feliz.
— Oh, George! — chamou uma voz num tom diferente. —
Ginger!
Ginger e George interromperam o abraço num salto quase
denunciador. Quando viram que era Cathy, relaxaram — e cada um
negou, em particular, que tinham imaginado a sra. Travis chegando-se
a eles.
Ginger saiu da varanda e foi na direção da recém-chegada.
Tomou a mão da amiga querida e informou:
— Cathy, George acaba de me pedir em casamento! Cathy

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Doce Rendição – Julie Tetel

ergueu as sobrancelhas.
— Pediu? — Cathy parecia impressionada, e cumprimentou:
— Estou muito feliz por você! — Para George, manifestou: —
Parabéns.
— Sim, estou feliz que a srta. Ginger tenha aceito ser minha
esposa — declarou George.
— Não havia dúvida! — comentou Cathy, e George percebeu
que ela estava daquele jeito autoritário. — Só que estou
parabenizando-o por ter finalmente criado coragem para pedi-la. Já
não era sem tempo! — Pôs as mãos nos quadris e sorriu com
generosidade. — Então, quando é o casório?
— Ainda não contamos a mamãe — declarou George,
descendo os degraus atrás da noiva —, e acho, devido às
circunstâncias, que vamos permitir que ela escolha a data que melhor
lhe convier. — Observava Cathy e imaginava o que estava diferente
nela. Não conseguia dizer o que era.
— Ah! — manifestou Cathy, desapontada. — Estou feliz por
vocês e espero que sua mãe não retarde muito o casamento. —
Beijou Ginger e George no rosto e comentou: — Bem, não posso ficar
mais, então, acredito que apareci bem quando estavam selando o
noivado com um beijo. Mas preciso contar o novo plano do sr. Harris.
— Ele tem um? — perguntou George.
— Sim, ele me pediu para levar o jovem MacGuff até o
barraco de Old Hitch esta noite.
— Por que o sr. Harris pediu isso?
— Não sei — disse Cathy —, mas já estive com MacGuff e
ele concordou em me encontrar lá esta noite, após o escurecer,
quando a lua estiver a meia altura.
— Mas por que MacGuff concordaria com isso? — indagou
George, sem entender o plano.
Cathy sorriu de um jeito que George nunca vira.
— Ele acha que vai se encontrar comigo lá para... um

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Doce Rendição – Julie Tetel

encontro.
— Srta. Cathy! — censurou George, chocado. —■ Não me
diga que comprometeu a sua... a sua virtude!
Cathy ruborizou de leve.
— Em absoluto, George. MacGuff só acha que vou me
comprometer com ele. Só disse isso para induzi-lo a ir lá. Quando
estivermos lá, o sr. Harris vai fazê-lo revelar a pista.
George, com sua recém-descoberta masculinidade, decidiu
que a srta. Cathy precisava de proteção dos modos lascivos de
MacGuff — e pensar que a srta. Cathy não precisava de proteção de
nenhum homem havia quarenta e oito horas!
— Embora aprecie os seus métodos, certamente não
aprovo. E melhor eu acompanhá-la, assim, MacGuff não vai tomar
liberdades. — Para Ginger, George declarou, senhor de si: — Temo
que deva ficar, minha querida. O barraco de Old Hitch àquela hora não
é lugar para você.
Ginger sorriu e suspirou.
— Oh, George! — E ficou contente em obedecer. A reação
de Cathy foi mais prosaica.
— Não se incomode em me acompanhar e fique longe até
descobrirmos o que o sr. Harris tem em mente!

DEZENOVE

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Doce Rendição – Julie Tetel

Pouco depois, Cathy encontrou os rapazes, que lhe


informaram que também queriam ir ao barraco de Old Hitch ao
escurecer. Queriam ver o que o galês tinha na manga para o jovem
MacGuff.
— Mas quando encontrou o galês? — perguntou Boy. — Ele
não esteve conosco ontem à noite e você disse que MacGuff apareceu
hoje cedo. Depois disso, você foi falar com George e Ginger e então
apareceu aqui. Acho que não estou entendendo... — franziu o cenho,
concentrando-se —, deve ter conversado com o galês antes de ver
MacGuff, senão, não saberia o plano.
Ela sentiu que ruborizava ante as lembranças do pássaro de
fogo. Recompondo-se, esclareceu:
— Bem, a segunda coisa que fiz hoje cedo foi falar com
MacGuff. Isso significa, naturalmente, que falei com o sr. Harris antes.
Sim, foi isso. Ele veio bem cedo comentar o plano dele. — Engoliu em
seco. — Parte do plano, quero dizer.
Então, Cathy foi para casa. Com as mãos ocupadas em
tarefas corriqueiras, perdeu-se nas lembranças do pássaro de fogo e
nas preocupações com o plano que faria MacGuff contar seus dois
versos.
Ao final do dia, estava coberta de suor. Tomou um banho e
escolheu um vestido verde muito atraente. Imaginou que deveria usá-
lo solto, assim que anoitecesse.
Cathy pensou em dar uma passada na sra. Travis para saber
como ela reagira à notícia do casamento de George ê Ginger, quando
a amiga chegou muito feliz contando que até começara a ajudar o
noivo na loja.
— E o que aprendeu hoje? — incentivou Cathy.
— Acredito que tenha sido que o freguês sempre tem razão
— declarou Ginger —, e George tentou incutir em minha mente. Não
importa quão bizarro seja o pedido, é meu dever atender. Ora. Tome
por exemplo o pedido do sr. Harris.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

— O pedido do sr. Harris?


— Sim, ele veio à loja esta tarde e fez a compra mais
estranha! Só pude dizer "bem!", pois George disse que eu devia sorrir
e vender o que ele quisesse!
Cathy piscou.
— O que ele queria?
— Carbonato de sódio e sal — informou Ginger. — Sacas e
mais sacas! Foi muito estranho.
— Por que ele quereria carbonato de sódio e sal? —
imaginou Cathy.
— Não sei. George e eu discutimos sobre isso depois e eu
acho que o sr. Harris ia cozinhar alguma coisa. George, entretanto,
achou que o sr. Harris devia ter comido alguma coisa que não lhe fez
bem. Ele me disse que ouviu dizer que algumas pessoas às vezes
misturam carbonato de sódio e água e bebem, a água borbulhante
acalma o estômago. — Ginger sorriu. — Então, viu o quanto já
aprendi? Ora, da próxima vez que Old Man Lloyd vier à loja reclamar
do estômago, vou fazer essa mistura para ele e vender!
— Então o sr. Harris ou tinha alguma coisa para cozinhar, ou
estava com dor de estômago? — resumiu Cathy, ainda espantada. —
Acho que logo saberemos.
Descobririam, e as compras do sr. Harris não tinham
nada a ver com cozinha, nem com problemas estomacais.
A tarde cedeu lugar à noite e a lua caminhava lentamente no
céu. Cathy afrouxou o corpete, enrolou o xale, cobrindo o busto com
uma das pontas e saiu pela porta dos fundos. A grama estava úmida;
por isso, após alguns passos, retornou, tirou os sapatos e as meias,
deixando-os para trás.
Tomou a direção da casa de Old Hitch sentindo a primavera
nas solas dos pés. Suspirou e pensou em Laurence Harris e na noite
que viria. Suspirou novamente e achou engraçado estar finalmente
tendo um encontro com MacGuff e só conseguindo pensar no encontro

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

que viria depois!


Desceu a colina e foi até o pátio. Caminhou até o relógio
solar, aguçando a visão atrás de sinal ou de MacGuff, ou de Laurence
Harris. Não viu nenhum dos dois e sentiu um arrepio na espinha ao se
dar conta de que estava sozinha, a poucos metros da soleira da casa
de um homem morto. Ajustou o xale sobre os ombros. Sentir-se-ia
melhor se recebesse algum sinal de Laurence Harris, indicando, pelo
menos, que estava presente.
Estava tão assustada que quando sentiu um toque no
cotovelo e uma voz grave junto ao ouvido, levou a mão ao coração,
sobressaltada.
— Está esperando há muito tempo?
Antes de encarar o algoz, reconheceu o cheiro de óleo para
cabelo e sabão.
— Nossa, você me assustou, MacGuff!
— Assustei? — repetiu ele, macio, escorregando a mão do
cotovelo até o ombro. — Por que se assustaria? Estava à minha
espera, não estava?
— Sim, estava à sua espera. — Cathy desejou remover a
mão dele de seu ombro, mas não podia fazer nada enquanto Laurence
Harris não aparecesse. — Se me assustei, foi só porque esse lugar é
tão... horripilante.
MacGuff acariciou-lhe o ombro, chegando mais perto.
— Pensei que a idéia fosse essa — comentou ele —,
encontrar um lugar que fosse excitante à nossa imaginação e apetite.
Ora, gostei da sua sugestão de vir até o buraco do velhote. E estava
curioso em saber até onde a nossa imaginação e apetite nos levarão.
Ele ficou à sua frente, encostando-a contra o relógio solar,
pressionando a perna contra ela. Passou a mão para suas costas e,
com a outra, esfregou o material coberto pelo xale, deslizando-a pelo
pescoço nu e outra vez para baixo.
Pousou os lábios sobre o pescoço e começou a beijá-la.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Devia ter notado o nervosismo dela, pois comentou:


— Se não lançar seus braços a meu redor, mocinha, vou
achar que não me queria realmente aqui.
Cathy ergueu os braços, relutante, pousando-os no outrora
querido pescoço.
— Assim é melhor. Lembra-se de que prometeu ser mulher
bastante para mim? — indagou ele — E gosto das minhas mulheres,
bem mulheres.
— Mulheres? Ele riu baixo.
— Não acha que é a primeira, acha? — Ele pousou os lábios
no pescoço dela e provocou.
Não, Cathy não achava. Por outro lado, achou convencido da
parte dele levantar a questão.
— Nesse caso — declarou ela —, acredito que você também
não ache que seja o primeiro para mim também.
Ele ergueu a cabeça e afastou-se levemente dela.
— O quê? — exclamou ele, espantado.
— Estava só imaginando se o que é bom para você é bom
para mim também.
— O que está querendo dizer, mocinha? — perguntou ele, o
toque tornando-se ameaçador e torturante.
Cathy esperava que Laurence Harris aparecesse logo. Ou
George, que declarou que protegeria sua virtude. E onde, pensando
no assunto, estavam os rapazes? Não acreditava que eles pudessem
se manter escondidos e em silêncio. Onde estavam agora, quando
mais precisava?
— Você disse que gostava das suas mulheres, mulheres —
recordou-o, tentando ganhar tempo —, e eu achei que você devia
ser... experiente.
Ele estreitou o olhar, parecendo sinistro ao luar.
— Assim como gosto dos meus- homens — completou ela.
— Deve estar brincando, mocinha — declarou ele, pegando

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o cordão do corpete, afrouxando-o. Então, enfiou a mão dentro da


blusa fina que cobria os seios.
Cathy tentou se livrar dele. Imaginou que podia fazer o jogo
da garota inocente, relutante, mas a raiva feminina crescia e isso só o
deixaria mais violento.
Mas a raiva feminina estava lá. Após a noite anterior, estava
vivendo completamente em seu corpo. Ela era a única proprietária.
Ela decidia quem convidaria a visitar ou quem pediria para sair.
— Não estou brincando — informou ela. A voz soava tão
indiferente quanto a dele, e bem mais autoritária. — Pode me deixar
ir agora, senhor, se não...
As três coisas aconteceram simultaneamente. Ela ergueu a
perna para atingi-lo nos testículos. Ele a agarrou com força e ia
praguejar quando viram o céu em chamas.
Com MacGuff em sua linha de visão, Cathy percebeu que
não havia fogo no céu, mas no solo, e queimando o barraco de Old
Hitch! Não, não; vendo melhor, percebeu que o barraco não estava
em chamas, apenas rodeado por um anel de fogo que começava na
varanda e dividia-se para os dois lados.
Assim que tomou consciência do anel de fogo, um segundo
anel se espalhou sobre o solo, mais longe da casa e mais intenso,
com chamas mais altas. Então, diante de seus olhos, um terceiro anel
concêntrico e mais intenso queimou o chão, como que impelido pela
força do inferno.
— Deus seja misericordioso! — ouviu Cathy, e deduziu que
só podia ser Richard Freeman.
A reação de MacGuff e a sua própria, acompanhadas de
pensamentos e palavras, ocorreram em um curto espaço de tempo.
Antes que ela raciocinasse, viu uma figura mais aterradora.
Um homem que parecia caminhar sobre as chamas. Ela
arregalou os olhos. Sim, era um homem. Alto, esguio e muito velho,
atravessando os anéis de fogo sem se perturbar.

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A figura parou e parecia estar bem sobre as chamas, sem se


queimar. Os cabelos brancos e longos esvoaçavam sobre os ombros.
Os trajes eram muito antigos e elegantes, avermelhados sob a
iluminação das chamas. As feições não eram perfeitamente
discerníveis, mas a expressão era de descontentamento e ódio.
— Imbecil arrogante! — chamou o homem. A voz de ancião
e sofredor continuou: — Rapazola frívolo!
Cathy ainda recuperava o controle de suas reações caóticas,
e mal percebeu o efeito dessas palavras sobre o homem trêmulo a
seu lado.
— É o velhaco! — sussurrou MacGuff, aterrorizado. Cathy
sabia o que fazer. Fingindo igual terror e
incredulidade, manifestou:
— É Old Hitch! Mas... mas, não pode ser! Nós o enterramos
ontem! Você estava lá, MacGuff! Estávamos todos!
— Morto e enterrado, mas não descansou em paz... —
concluiu MacGuff, os olhos arregalados, os joelhos, trêmulos.
Cathy achou que seria bom agarrar o braço de MacGuff,
aterrorizada.
— Ele voltou dos mortos — murmurou, horrorizada.
— Ele voltou do... do...
Cathy não conseguiu resistir, ergueu os braços como se
quisesse se proteger de forças malévolas.
— Ele voltou do inferno! — completou. Internamente,
imaginava como Laurence Harris conseguia ficar no meio das chamas
sem se queimar. Então, lembrou-se de que ele lhe dissera que sabia
muito sobre o fogo.
— Deus todo-poderoso! Deus todo-poderoso! — repetia
MacGuff. Mal estava em condições de entender as palavras seguintes
da aparição.
A figura ergueu a mão e estendeu os dedos. As chamas
foram reavivadas.

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— Você foi estúpido o frívolo, jovem Hitchcock MacGuffin!


MacGuff não retrucou, estava paralisado de terror.
— Você foi e-go-ís-ta e de-so-nes-to!
MacGuff estava tentando se recompor. Disse a primeira coisa
que lhe veio à mente. A voz saiu tão irregular quanto a sustentação
das pernas.
— Você fala esquisito, tio.
— Estou morto — emitiu a voz, desgostosa —, seu imbecil!
— Mais um movimento com os dedos e as chamas se reavivaram.
MacGuff recuou.
— Estou vendo, tio! — choramingou ele, esperando agradar.
— Mas o que quero saber é por quê! — Gaguejando, prosseguiu: —
Quero... quero dizer, sei que está morto. O que quero saber é por que
voltou! Por que voltou para me assombrar? Não fiz nada de errado.
A aparição parecia satisfeita.
—- Você não fez nada certo, mas foi bom ter perguntado!
Vou dizer por que reapareci, seu cachorrinho de roupinha!
A aparição também tinha noção de tempo. Parou
dramaticamente, o suficiente para os joelhos de MacGuff tremerem.
Junto a ele, Cathy estava ciente de que MacGuff ia desmaiar.
Ela o sustentou com força. Queria que ele estivesse de pé e em
condições de ouvir o que quer que a aparição lhe dissesse.

VINTE

Depois que superou o espanto e o medo, Cathy resolveu

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apreciar os pontos altos daquela peça dramática.


Achou Laurence Harris espantosamente convincente como
Old Hitch, vestido com as roupas que haviam encontrado no baú no
outro dia. Aparentemente, ele cobrira os cabelos negros com pó,
deixando-os brancos e desgrenhados para que parecessem viscosos e
sem vida. O estado precário das roupas não podia ser avaliado a
distância e à noite com as chamas intensas.
O veludo vermelho brilhava, refletindo as chamas. As rendas
no pescoço e nos punhos, entretanto, foram decisivas na composição
final. Sempre que ele gesticulava, os fios da renda crepitavam sob as
chamas. O efeito era magnífico e aterrorizante.
Ele capturara as cores o os trejeitos de Old Hitch, bem como
o linguajar. Entretanto, MacGuff tinha razão: a qualidade da voz não
parecia nada com a de Old Hitch. Mas, afinal de contas, pensou Cathy,
prática, o que se poderia esperar de um homem que estivera
enterrado e queimando no inferno nos últimos quatro dias?
A aparição parecia satisfeita consigo mesma.
Com as chamas crepitando ao redor, o fantasma de Old
Hitch permaneceu tranqüilo, confiante de que o fogo não podia
machucar um homem morto. Gesticulou para a esquerda. Gesticulou
para a direita. Fez as chamas do solo se avivarem, esculpindo-as a
seu prazer. Olhou para o céu. Olhou para o chão. Fixou o olhar
esmagador em MacGuff.
Pronunciou em voz grave e autoritária:
— Amanhã você irá ao mercado. MacGuff assentiu sem laia.
— Vai obedecer, imbecil arrogante? — exigiu a aparição,
zangada. — Fale, para eu saber que está me ouvindo!
MacGuff gaguejou:
— Sim, tio! Sim! Estou ouvindo! E-e-eu prometo ir ao
mercado! Nada seria tão fácil!
— As oito horas!
— Sim, sim, oh, sim! Às oito horas! Estarei lá! — MacGuff

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imaginou uma noite mal dormida e oito horas era bem cedo. — Mas e
se eu me atrasar? Só um minuto?
A aparição riu retumbante e até Cathy se arrepiou. As
chamas acompanharam o tom de ira da aparição.
— Nem queira saber, meu rapazola!
— Não vou me atrasar, tio! Eu juro! A aparição não se
dignou responder.
— Vai ler em voz alta, para toda a cidade de Hillsborough,
as palavras que lhe escrevi em minha carta final!
MacGuff estava assustado demais com o pedido simples que
nem desconfiou.
— Só isso? Só isso, tio? Ler em voz alta a sua •carta final?
— Basta! — zangou-se a aparição.
— Mas a sua carta é tão comprida — protestou MacGuff — e
já desdenhou de mim em público na carta lida ontem na igreja!
— Não a carta comprida, idiota! — praguejou a aparição,
com ódio mortal. — As duas linhas! Só as duas linhas!
MacGuff ficou confuso com o pedido, e sem fala.
— Diga que vai fazer! — exigiu a aparição, furiosa. — Diga
que vai ler as duas linhas no mercado amanhã de manhã às oito
horas!
Tremendo, meio confuso, meio aliviado, MacGuff exclamou:
— Vou obedecer, tio! Vou ler as duas linhas amanhã de
manhã às oito horas no mercado!
A aparição levou as mãos à frente e ficou a distância do
terceiro anel de fogo. Pensando que o tio chegaria até o relógio solar,
MacGuff recuou instintivamente. E Cathy também — sem espanto
ante a audácia de Harris.
Então, a aparição ameaçou:
— Nem pense em viver após as oito horas se não obedecer!
— A risada fantasmagórica ultrapassou as chamas. — Quase espero
que você não obedeça! — As últimas palavras ouvidas foram em tom

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ofensivo: — Imbecil arrogante!


— Odeio quando ele me chama assim — resmungou
MacGuff, zangado e descontente.
Então, diante de Cathy, as chamas se extinguiram. Ela ficou
cega por alguns segundos, após ter olhado tanto para o brilho
intenso. Quando avistou novamente a varanda do barraco de Old
Hitch, engoliu em seco. Esfregou os olhos, balançou a cabeça e tentou
olhar na escuridão. A figura fantasmagórica desaparecera tão de
repente quanto surgira, junto com as chamas. Tudo simplesmente
sumira.
Ela se voltou para MacGuff, cujo rosto bonito estava cinza
sob o luar.
— E possível...? — perguntou, hesitante. Nem precisou dar
um tom de incredulidade à voz para ser convincente, pois mesmo
sabendo que não havia fantasma nenhum, estava inclinada a achar
que era coisa do inferno, ou de seu anjo da guarda.
MacGuff levou a mão trêmula aos cabelos, desordenando o
efeito ondulado. Ainda resmungava e invocava o senhor.
— Mas o que vimos era mesmo o que vimos? — perguntou
Cathy, encantada. — Nem posso acreditar!
— Nem eu — concordou MacGuf.
- Nem eu. Cathy identificou um começo de desconfiança
nele, agora que o perigo do inferno desaparecera.
— Mas consegue não acreditar? — perguntou ela. MacGuff
olhou para ela e então desviou o olhar sem
responder. A respiração era difícil e profunda. Ela podia ver
que ele lutava contra os efeitos do medo e tentava identificar o
significado do pedido estranho de ler em voz alta as duas linhas.
Havia uma contradição entre o que vira e o que entendera.
Cathy decidiu deixar a coisa como estava. Não insistiria no
fato de que MacGuff prometera obedecer as instruções do fantasma
do tio. Laurence Harris fizera sua parte e MacGuff teria a noite toda

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para decidir se iria às oito da manhã. A melhor tática agora era


permanecer assombrada.
Isso era fácil. Arrumando o xale sobre os ombros, começou
a ir em direção do barraco, passando sobre os agora extintos anéis de
fogo. Deu dois passos e então recuou um, como se tivesse medo. A
atração e repulsão não era totalmente dissimulada. Uma parte
primitiva dela temia pela volta das chamas, embora a racionalidade
soubesse que tudo não passara de um truque.
MacGuff seguiu-a, mais profundamente afetado e realmente
temeroso. Quando ela estacou, ele a imitou, abalroando-se contra
suas costas, mas afastando-se rapidamente, como se tivesse se
queimado.
Cathy observou o solo, cujas cicatrizes do fogo eram
parcamente visíveis sob o luar. Com certeza, havia três anéis, cada
um afastado vários centímetros do outro e tendo uns bons trinta
centímetros de largura.
Devia ter ficado bem quente para Laurence Harris entre os
anéis, pensou, pois ainda sentia as emanações de calor.
Pisou sobre o anel mais externo e ajoelhou-se, mantendo as
saias longe das bordas queimadas, embora não houvesse brasas, só
cinzas. Tocou o primeiro anel e depois o outro.
Ergueu o olhar para MacGuff e disse, realmente confusa:
— Ainda está meio quente, mas não há nenhum sinal de
fogo. Mas estava aqui, eu vi. — Suspirou. — E então, não estava
mais. Pode acreditar?
Novamente, MacGuff não disse nada. Ele olhou para o solo e
para as marcas dos anéis de fogo. Olhou para ela, as intenções
amorosas totalmente esquecidas. Olhou para o barraco do tio. Olhou
para a lua.
De bem perto, ouviram as batidas de metal, como correntes
atadas a fantasmas. Espantada, Cathy levantou-se, a pele arrepiada,
e olhou para MacGuff a tempo de ver uma onda de terror tomar conta

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dele. Ele deu uma última olhada, horrorizado, ao barraco frio e


sombrio. Agora finalmente, pensou, os olhos iam saltar das órbitas.
Sem dizer nada e sem se despedir, voltou-se e correu.
Cathy contornou o barraco para observar a partida. Viu
MacGuff tropeçando sobre a trilha coberta de mato, subindo a colina
desajeitadamente, em ziguezague.
Suspirou, aliviada, e tentou se acalmar. Não tinha bem
recuperado o bom senso quando ouviu um som de passos no mato
vindo de trás.
Deu um grito, voltou-se e identificou os rostos apreensivos
dos rapazes, Clive e George.
— Deus do céu! — exclamou ela. — Vocês me assustaram,
andando de mansinho assim!
Nenhum deles conseguia falar. Finalmente, Boy disparou:
— Acho que o Gales não vai precisar fazer mais nada. Não
há jeito de igualar o feito do Old Hitch, vindo dos mortos e tudo.
Cathy exalou. Sentia-se tão melhor que queria rir. Tomou
Boy pelas mãos e confidenciou:
— Ora, aquele era o sr. Harris, percebe, Boy, e ele
arquitetou aquela... aquela peça para fazer MacGuff acreditar que ele
era Old Hitch!
Boy parecia extremamente cético. Soltou as mãos das de
Cathy, como se não quisesse ser convencido daquela blasfêmia.
— Não foi truque. Pelo menos, nenhum que eu tenha visto
antes.
Hank limou a garganta. Segurou os suspensórios com os
polegares, inflou o peito e fungou.
— Claro, sabia disso. Era o galês. Sabia o tempo todo. —
Voltou-se para Richard. — Sabia também, não sabia, Richard?
Richard mantinha a expressão muito solene sob o luar.
— Deus tenha misericórdia — comentou apenas.
— Eu sabia também — confirmou Orin, com confiança

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duvidosa. — Um truque do galês.


— Foi um truque muito bom — comentou George. — Ora,
ele quase me enganou. Parecia mesmo Old Hitch saindo do inferno.
Só fico pensando como ele apagou o fogo daquele jeito.
— Vamos ter que perguntar, claro — declarou Cathy. Olhou
em redor. — Talvez devêssemos ir até o barraco agora. O sr. Harris
estava na varanda quando desapareceu e ele tocou os sinos pouco
depois.
Boy não estava querendo acreditar.
— O som esquisito que ouvimos no outro dia eram as
colheres de Old Hitch presas na varanda e que soaram movidas pelo
vento — informou Cathy —, e o sr. Harris as tocou há pouco. Agora,
vamos até o barraco falar com ele.
Ela deu um passo em direção ao barraco, mas ninguém a
seguiu. De fato, não queria ir até lá sozinha, mas tinha que mostrar a
eles que ela, pelo menos, não estava assustada. Deu um segundo
passo para a varanda sombria, quando uma mão forte saiu do nada e
agarrou-a.
Ela gritou agoniada e os rapazes, Clive e George foram até
ela. Quando chegaram lá, a mão já era identificável. Pertencia a
Laurence Harris.
— Desculpe por assustá-la — declarou ele a Cathy, soltando-
a quando os homens chegaram. — Pensei que saberia que era eu.
— Oh, sim, sabia! — afirmou ela, levando a mão ao coração
disparado e arrumando o xale. — Ou, pelo menos, pensei que
soubesse. De qualquer forma, estou contente que seja você! Onde
esteve?
— Lá atrás, trocando de roupa — explicou Harris. — E
lavando o rosto. Passei carvão para parecer sombrio.
— E os cabelos? — perguntou ela, pois via que ainda
estavam brancos.
— Vou lavar depois. Trouxe água num cântaro, mas só o

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suficiente para molhar as roupas e lavar o rosto.


— Foi assim que fez então para andar sobre as chamas? —
perguntou George. — Umedeceu as roupas?
Harris assentiu. Umedeceu, mas não encharcou. Teve o
benefício extra de causar uma crepitação sempre que gesticulava,
quando as gotas caíam sobre as chamas.
— Mas você caminhou nas chamas, homem! — disparou
Hank. — Com água ou sem, não sei como fez!
— Um pé atrás do outro — informou Harris. Não fez grande
propaganda.
— E sobre aquele fogo — comentou Orin, provavelmente
lamentando não terem aproveitado todo aquele fogo para cozinhar —,
como conseguia controlar as chamas?
— Óleo — informou ele.
— Óleo vegetal? — perguntou Richard.
Harris balançou a cabeça.
— Óleo de baleia? — tentou George. — Como encontrou tal
quantidade? — Então, elaborou uma pergunta mais relacionada. — E
mais, como conseguiu comprar? ,
— Não, não de baleia — esclareceu Harris —, mas de outro
tipo. Esqueci os termos que os homens brancos usam, mas eu o
chamo de fogo úmido. Aprendi sobre isso em Baltimore. E extraído de
rochas, e só umas poucas gotas produzem bastante fogo. Trouxe uma
garrafa de óleo comigo, devia bastar por um bom tempo. Usei só uma
pequena porção para fazer os anéis e carreguei um vidrinho em cada
mão, assim podia excitar as chamas quando quisesse.
— Não sabemos nada sobre esse óleo aqui e todos sabemos
como iniciar um fogo — informou Hank —, mas quero saber como fez
para apagar tudo? — Estalou os dedos. — Desse jeito!
— Tinha vários pacotes de gelo seco nos bolsos —
esclareceu Harris. — Os homens brancos chamam de hi... droso... dio
— balançou a cabeça. — Um homem branco descobriu o uso e aprendi

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sobre esse composto em Baltimore.


— Carbonato de sódio e sal? — perguntou George. — Aquilo
que comprou hoje na loja?
— Sim.
— Isso é tudo muito estranho — declarou Boy. Cathy
também não estava muito certa de como o
seu pássaro de fogo conseguira fazer o que fizera. En-
tretanto, tinha certeza de uma coisa.
— O que quer que tenha feito, sr. Harris — comentou,
sorrindo —, certamente foi bem-sucedido! Ora, MacGuff e todos nós,
incluindo a mim, acreditamos que você viera direto do inferno!
Harris olhou para o grupo e decretou:
— Bem, homens, nosso trabalho está feito por esta noite.
Vou levar a srta. Cathy para casa. — Antes que mais alguém se
oferecesse para acompanhá-los, já agarrara o braço dela e a levava
pela trilha, para dentro da floresta. Despediu-se, falando por sobre o
ombro: — Até amanhã.
— Sim, amanhã de manhã! — confirmaram os rapazes. —
Às oito horas no mercado!
George, lembrando-se de sua missão, gritou:
— Leve a srta. Cathy com cuidado! Leve-a a salvo para
casa!
— Levarei — assegurou Harris.
Ao se afastarem, Cathy ouviu os rapazes discutindo se
deveriam acompanhar o galês para terem certeza de que a srta.
Cathy chegaria a salvo. Entretanto, como nenhum deles conhecia o
atalho pela floresta, decidiram que o galês era de confiança.
Cathy ficou contente em se livrar do pessoal. Estava
contente em andar de mãos dadas com o seu pássaro de fogo, sob o
luar e para dentro da floresta escura, a salvo e com ele — com sorte
— não tão a salvo com ele.
— Você me chama de srta. Cathy.

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— Você me chama de sr. Harris.


— Como deveria chamá-lo? — rebateu ela, abraçando-se a
ele. — Na frente dos outros, quero dizer.
— Tenho muitos nomes.
— E qual quer que eu use?
— Não sei.
Nem estava preocupado naquele instante. O xale caíra dos
ombros de Cathy e acumulara-se em seus braços. Ele a trouxe mais
para perto. O corpete ainda estava frouxo do toque indelicado de
MacGuff. Ela adorava a sensação da pele nua contra ele. Não se sentia
tímida. Sentia-se envergonhada, desavergonhada, impetuosa.
— Vai me levar a salvo para casa e entrar? Ele balançou a
cabeça.
— Não.

Ela quase morreu de decepção e, de repente, sentiu-se


envergonhada por ter sido tão convencida e achar que ele a quereria
novamente. Tentou se afastar, mas ele não a liberou.
— Não vou levá-la para casa — informou ele —, mas vou
entrar.
— Onde vai me levar? — perguntou ela. Beijou-o de volta,
deslizando a língua até encontrar a dele. Ficou espantada com o
rápido desejo que tomou conta dele e como os anéis pareciam
estrangulá-los.
— Vai me tomar aqui? — provocou ela.

VINTE E UM

-Não aqui — declarou Harris, entregando-se ao beijo e,


então, afastando-se. — Quero dizer, não aqui, a menos que não nos

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movimentemos logo.
Cathy desejou testar os limites do autocontrole dele, que ela
sabia ser parte da barreira desde a manhã em que ele deixara sua
cama. Não conhecia outra maneira de testá-lo a não ser provocando e
atormentando com beijos e moldando o corpo contra o dele.
— Se não nos movimentarmos logo — repetiu ele, com
alguma urgência —, teremos que deitar aqui. — Entregou os lábios a
ela e estava a ponto de render o corpo também. — O que não é o que
eu tinha em mente.
— Não é?
— Não — afirmou ele, com um grunhido —, não. Eu queria
lavar os cabelos no riacho.
Ela não pôde evitar. Riu, deixando os lábios e o corpo tremer
contra ele.
— Você queria lavar o cabelo? — ela gesticulou de leve,
movendo-se assanhada contra ele. — Virou uma donzela tímida para
dizer uma coisa dessas?
Antes de responder, ela sentiu a reação dele e sentiu-se
muito satisfeita.
— Donzela tímida? — desdenhou ele. — Pouco provável. —
Então, disse, severo: — Fiz uma longa caminhada nesses anos e
aprendi a valorizar a espera por aquilo que quero, exatamente da
forma que quero. — Interrompeu o beijo e o abraço. — E você devia
estar feliz por isso. — Tomou-a pela mão com firmeza, autoritário, e
arrastou-a consigo. — E agradecida.
— Agradecida? — questionou Cathy. — Sr. Harris, o senhor
se acha muito habilidoso!
Sem se voltar, ele declarou:
— Ouvi o elogio e aceito-o com prazer. Atiro muito bem,
especialmente à noite, e uma cobra não é a única coisa que acerto
com minha pontaria certeira. Pretendo fazê-la esperar e, então, vou
acertar você bem entre — fez uma pausa —, os olhos.

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Ele falava cheio de segundas intenções, e ela ficou ciente de


que seu autocontrole não se equiparava ao dele. Ainda assim, não
deixou de tentá-lo.
— Sua flecha pode ser impressionante. Lembro-me de que
acertou na cobra a uma distância de seis metros.
Após um longo momento considerando as possibilidades de
réplica àquela provocação, ele manifestou:
— Vamos mais depressa.
E foram. Ele acelerou os passos e guiava-a pelo emaranhado
de árvores e galhos, arbustos e trepadeiras. Chegaram à casa dela
antes que os rapazes chegassem ao sopé da colina que dava no
pomar. Então, saindo de novo pelos fundos, guiou-a pelas ruas. Ela se
sentia estranhamente satisfeita fugindo de casa daquela forma, às
escondidas.
Ele meandrou pela cidade, tomando atalhos e levando-os
direto à floresta nos limites da cidade. Entrou na mata como fizera no
dia anterior, quando ela o seguira para contar-lhe sobre o almoço com
MacGuff. Atravessou os bancos de areia do rio e trilhou habilmente
um caminho pelas rochas e pelas margens. Quando o rio alargou,
liberou a mão dela.
— Venha tomar banho comigo — comandou ele.
Cathy ficou boquiaberta.
— Deve estar frio — protestou. — A noite está quente, claro,
mas a água, não!
Ele tirou a roupa antes que ela fechasse a boca. Tomou-a
pela mão, como se fosse puxá-la com roupa e tudo.
— Faça como quiser — declarou ele —, mas não vai ser tão
frio sem roupa. Vai ver.
Ela despiu o vestido e roupas íntimas, seguindo-o para
dentro do rio. Como lavara os cabelos naquela tarde, prendeu-os no
alto da cabeça. A água estava fria, atingindo-a primeiro nos
calcanhares, barriga das pernas e coxas, e ela estava envergonhada.

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Projeto Revisoras
Doce Rendição – Julie Tetel

Entretanto, depois que ele mergulhou completamente e deslizou até


ela, molhado e brilhante sob o luar filtrado pelas árvores, ela começou
a sentir o apelo dessas atividades. Afundada até a cintura, a sensação
do peito escorregadio dele contra seus seios era gloriosa. A sensação
não perdurou, pois ele se afastou e afundou novamente.
— Vou tirar o pó dos cabelos — informou ele. — Você não
vai gostar disso. — Tocou-a no pescoço e nos ombros. -— E eu não
iria gostar do cheiro do jovem Cock em você.
Ele mergulhou e emergiu várias vezes, até que parou e
contemplou-a. Então, circundou-a, foi ao banco de areia onde haviam
deixado as roupas e recolheu-as. Segurando-as sobre a cabeça com
uma das mãos, voltou e puxou-a com a outra. Juntos, atravessaram o
rio e saíram em solo seco. Ele amarrou os cabelos. Ela deixou os dela
caírem por sobre os ombros.
O banho fora refrescante, quase refrescante demais, com
apenas o vento noturno para secá-la. Pediu as roupas.
Ele a olhou e balançou a cabeça.
— Mas estou com frio — protestou ela, tentando pegar as
peças.
Ele ergueu-as para fora do alcance dela. — Já vou aquecê-la.
Caminharam juntos, nus, até a clareira onde ele levantara
acampamento. Ele assobiou para o cavalo, então, mandou o animal
para longe. Ela se sentia maliciosa e bonita, aproximando-se dos
domínios dele sem nada para esconder.
Ele preparou a cama sob uma velha árvore com uma
espessa camada de palha e uma coberta macia e, como tudo o mais
que lhe pertencia, escrupulosamente limpo. Caíram sobre o ninho,
instantaneamente entrelaçados, rolando juntos, animados e felizes,
beijando-se e erguendo braços e pernas para um melhor posicio-
namento, um toque diferente. Estavam quase secos, mas não
totalmente. Beijavam-se nesses locais, atrás dos joelhos, nas dobras
dos cotovelos, nas cavidades dos pescoços. Os longos cabelos dele

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Doce Rendição – Julie Tetel

não estavam gotejando, mas estavam bem úmidos. Os cachos chega-


vam até ela, colando-se à sua pele.
Cathy nunca se sentira tão faceira, desejada ou viva. Nunca
se sentira tão hospitaleira e convidativa. Quando ele rolou, ficando de
costas, ela posicionou os quadris firmemente sobre ele, encaixou-se
com um movimento e nunca se sentiu tão invadida. Arqueou o corpo,
gozando o prazer de se moldar à masculinidade dele. Passou a mão
pelos joelhos dele e então explorou a área das coxas e barriga da
perna que estavam ao alcance. Descobriu que gostava de provocá-lo
de leve, observando a pele quase tremer.
Descobriu que gostava quando ele lhe acariciava a junção
das coxas. Gostava quando ele começava a provocar sua pequena
semente. Como ele manejava com maestria as fazes da colheita dessa
sementinha até fruto maduro. Gostava da forma com que ele a abra-
çava, trazendo-a para junto de seu corpo, juntando peito e seios e
colando seus lábios. Gostava de como ele se entregava a ela, de como
ele tornava a si mesmo uma parte dela. De como eles escalavam
juntos a árvore folhosa que levava ao prazer máximo.
Ela gozou o momento de eternidade. Então, desvencilhou-se
dele e aninhou-se. Suspirou. Ele também suspirou. Beijaram-se.
Adormeceram.
Ela acordou algum tempo depois, sentindo que nem tudo
estava certo. Ou, que nem tudo estava completo. Que ela não testara
os limites do autocontrole dele. Que a barreira dentro dele ainda
estava lá.
Estava confusa. Pousou o braço sobre o tórax dele,
acariciando os músculos, passando a mão pelo ombro e contemplando
a pele danificada. Revisou mentalmente tudo o que sabia sobre seu
pássaro de fogo e percebeu que sabia muito tratando-se de um
homem que falava pouco. Sentia que as palavras não descreviam a
profundidade das cicatrizes da pele até a alma; e presenciara a
maestria destemida dele sobre a força assustadora que o ameaçara

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Doce Rendição – Julie Tetel

quando criança.
Lembrou-se de que ele dissera que partira de Maryland
quando entendera que Morgan sofrera mais na vida do que ele.
Era isso, então — vinte e cinco anos de sofrimento solitário.
Esse sofrimento produzira uma máscara em seu rosto, incapaz de
expressar prazer e nenhuma outra emoção. Ainda agora, enquanto
dormia o sono que se seguia ao prazer — e ela sabia, com confiança e
orgulho, que ele sentira prazer —, permanecia com o rosto
impassível.
Sentiu um espírito infantil surgir. Queria mais dele, queria
testar os seus limites. Sabia exatamente o que fazer.
Ela se lançou para cima daquele tórax e chamou:
— Laurence Harris.
Ele grunhiu algum assentimento sonolento.
Ela começou a provocar os músculos do peito, como se
estivesse mexendo na superfície da água.
— Laurence Harris — repetiu ela. E então, sem fluência: —
Tohinontan.
Ele murmurou alguma coisa numa língua estranha.
Acordado, perguntou:
— O que quer?
Ela não parou de pressionar os dedos contra a carne
musculosa.
— Você.
Ele abriu os olhos. Focalizou-a, estreitando o olhar, cheio de
intenções. Respirou fundo e entrelaçou suas mãos.
Ela balançou a cabeça. Desvencilhou-se e continuou,
divertida.
— Oh, não — declarou ela. — Estou saciada no momento.
— Eu não — informou ele —, nem você.
— Você é guloso.
— Sou.

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Quando ele se movimentou para satisfazer a gulodice, ela se


afastou.
— Não, não e não.
— Então, por que me acordou?
— Para contar uma história. Ele grunhiu, desinteressado.
Ela avaliou a estratégia que devia usar e sentou-se sobre
ele. Ele grunhiu novamente, desta vez em aprovação.
— Minha mãe uma vez me contou a história de uma jovem
virgem que nunca chorara.
Ele não tinha certeza se queria ouvir. Ergueu os braços para
envolvê-la.
Ela riu, desvencilhou-se e começou a fazer cócegas nele.
Debaixo dos braços. Na barriga.
— Essa jovem era uma princesa e era tão linda quanto seu
pai, o rei, era poderoso e rico. Bem, o rei estava transtornado porque
ela nunca chorara, não podia chorar, como se uma parte humana dela
estivesse ausente. Ele decidiu que o homem que a fizesse chorar seria
seu esposo.
Cathy se inclinou para trás e fez cócegas nas solas dos pés
dele.
— Muitos tentaram, mas nenhum conseguiu. — Inclinou-se
para a frente para lamber os lóbulos das orelhas. — E sabe o que
aconteceu à princesa?
Ele não sabia o que tinha acontecido à princesa e não sabia
o que estava lhe acontecendo, tampouco. Ela decidiu que, realmente,
ele não sabia mesmo, pois nunca o vira sorrir, um sorriso largo e
relaxado. E nunca o ouvira rir de verdade.
— Um dia, chegou um homem, um homem humilde e
comum, não um príncipe, e a fez chorar. Sabe como ele conseguiu? —
perguntou ela, continuando a fazer cócegas nele.
— Não — grunhiu ele, sentindo algo entre dor e prazer.
— Ele deu uma cebola para ela cheirar — sussurrou ela, no

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ouvido, provocando com a língua —, e as lágrimas começaram a fluir.


Ela procurava o ponto em que ele sentiria cócegas, pois não
parecia vulnerável debaixo dos braços, nas solas dos pés ou no
queixo.
— Não estava tentando fazê-lo chorar, Laurence Harris —
continuou ela —, porque já está chorando por dentro há vinte e cinco
anos. Ao invés disso, quero fazê-lo rir, de uma forma como nunca riu
antes. Quero que ria tão espontaneamente quanto faz amor.
— Mas... mas por quê? — indagou ele.
— Porque acho que você nunca riu antes — declarou ela,
tocando-o no ventre, e sentiu uma reação muscular que só seria
aliviada com uma boa risada.
— Você é virgem de risada, Laurence Harris. Quero que ria
por mim, de mim e comigo.
De repente, ele sentiu algo que pensou ser doloroso, mas na
verdade era alegre. Sentiu o corpo todo ser tomado, vindo de baixo,
subindo pela barriga, tórax, empoçando no rosto e concentrando-se
na boca. Estava rindo, tremulo sobre a terra, feliz, totalmente descon-
trolado de alegria, e a experiência era extraordinária. Sentia-se um
homem apaixonado. Só queria envolver-se profundamente com
aquela mulher.
Ele tomou seu rosto com as mãos. Os olhos escuros
brilharam de alegria. No momento seguinte, estava dentro dela,
pronto e forte, não mais um visitante, mas um dominador.
Ela só quisera fazê-lo rir. Só quisera mostrar-lhe a alegria
desse ato. Não esperava partilhar tanto daquela descoberta. Não
esperava ser recompensada com a visão da beleza dele. Não esperava
ser levada com tanta força e exuberância até as estrelas.
Cathy abafou um bocejo, lembrando-se do desejo e do eco
feliz das risadas, bem como a sensação de ter esquecido algo.
Aninhou-se junto ao homem e encolheu-se sobre a coberta que ele
estendera depois que não puderam mais rir, nem fazer amor.

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Então, lembrou-se.
Sentou-se sobressaltada. Balançou o ombro largo e
manchado de Laurence Harris.
— Acorde! Acorde! Está tarde.
Ele acordou com um sorriso muito másculo e satisfeito.
Informou-a de que ela estava sendo rude, mas que desculparia
qualquer coisa daquele corpo convidativo. Procurou-a.
Ela o afastou.
— Não. São quase oito horas. Tenho certeza! — Olhou para
o astro pairando sobre as árvores.
— Estou morto de fome — informou ele.
— Vai ter que esperar pelo café da manhã — desdenhou ela.
— Não estou falando de comida. Sou guloso, lembra-se. —
Ele a procurou mais uma vez.
Ela saiu do abraço.
— Todos os homens são assim? — ponderou em voz alta,
enquanto se levantava e apanhava as roupas, selecionando as peças
que eram suas. — Foi você também que induziu MacGuff a aparecer
no mercado nessa hora infeliz.
Harris estava se levantando também, embora relutante.
— Só estabeleci esse horário para podermos trabalhar na
pista durante o resto do dia, se for o caso.
Cathy emitiu um ruído gutural.
— É culpa sua então e você e eu podíamos pelo menos
aparecer. — Enquanto vestia a roupas, um pensamento ocorreu-lhe e
bateu nas faces, embaraçada. — Mas não tenho sapatos, pente e
escova. E é claro que não posso aparecer na cidade chegando desse
lado, a essa hora, em sua companhia.
Harris raciocinou.
— Não pode? — Conseguiu se vestir com mais facilidade do
que ela. — Vamos nos preocupar com isso quando chegarmos à
cidade. A atenção de todos certamente estará voltada a MacGuff.

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Ele a tomou pela mão e puxou-a do ninho caprichado


enquanto ela ainda tentava arrumar o vestido e amarrar o corpete.
Mal teve tempo de jogar o xale por sobre os ombros.
Apressaram-se pela ladeira, atravessando o rio, pelas
florestas e entraram na cidade por onde haviam saído. Como Harris
previra, todos estavam reunidos na frente do mercado e, portanto,
ninguém prestou atenção nos dois chegando juntos. Quando o relógio
do mercado começou a badalar a hora, ela e Harris
ainda caminhavam apressados pelas ruas. Lá pela sétima
badalada, surgiram entre a população reunida. Meio avoada, divertida
e excitada, Cathy viu o jovem MacGuff em pé, à frente do arco
central, encarando a multidão á sua frente.
À oitava badalada, ele ergueu os olhos ao 'céu e então, mais
nervosamente, fitou o solo. Abriu uma folha de papel, limpou a
garganta e leu:
Onde geralmente há, não há papelada. Procurem, ajuda
legal. É a melhor jogada.

VINTE E DOIS

Cathy resmungou:
— Ajuda legal, ora, sim! Eu perguntei ao advogado se Old
Hitch tinha feito um testamento e ele me disse que não. — Olhou para

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Harris, curiosa, erguendo as sobrancelhas. — Já descobriu o que as


duas linhas querem dizer? É por isso que está sorrindo? Ele balançou
a cabeça.
— Não, estava pensando em outra coisa. Pode repetir os
versos?
Ela soltou um grunhido de desgosto e repetiu. Nesse meio
tempo, os rapazes, Clive e George se aproximaram.
Cathy olhou para George e percebeu que ele estava muito
transtornado. Olhou em redor e viu Ginger no meio das pessoas,
triunfante e abatida ao mesmo tempo. Mais adiante, viu a sra. Travis.
Decidiu estender a própria felicidade aos outros, ia ajudar os dois a
superar suas diferenças. Planejou uma aproximação à sra. Travis e
estava a meio caminho quando foi segura pelo braço.
Voltou-se e viu um jovem MacGuff muito zangado. Nem
pensara nele, nem considerara a parte dele durante a leitura das duas
linhas. Agora que o encarava, imaginava por que nunca vira aquele
sorriso torto, o brilho "qual é a minha parte" nos olhos âmbar.
— Me solte, MacGuff.
Ele aportou com mais força.
— Vou deixá-la ir quando me contar o que isso quer dizer!
— Não faço a mínima idéia do que está falando. Ele
desdenhou.
— Boy acaba de me contar que o velho mandou seis pares
de linhas e que a minha fazia um sétimo par.
— É?
— Boy mo disse que as minhas linhas podem dizer onde o
velho deixou o testamento.
— Ah, é?
— Por que não me disse que todo mundo recebeu versos
também?
— Eu sugeri.
— Sugeriu! Sugeriu uma coisa totalmente diferente.

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Doce Rendição – Julie Tetel

— Você não revelou as suas linhas e olha que dei muita


chance!
—E você não cumpriu a promessa de ser condescendente.
— Ah, é?
— Pensei que tivéssemos combinado assim. Ou acha que eu
acreditei que o velho voltara do inferno para me assustar a ponto de
me expor esta manhã? Acha que sou tolo? — Ele desdenhou, mas a
voz tinha um tom de medo que informou-a de que estava testando-a.
Ela gostaria de dizer: "sim, MacGuff você foi trapaceado e
bancou o idiota!", mas achou que seria pouco sábio. Assentiu devagar
e declarou:
— Sim, acho que você deve acreditar que Old Hitch voltou
dos mortos na noite passada. Ele me assustou tanto quanto a você.
— Mas por que o velho não disse para você ler as suas duas
linhas hoje, na frente de todos? — exigiu MacGuff.
— Porque eu já combinei as minhas linhas com os demais —
informou ela. — Não escondi nada.
— Combinou! — praguejou MacGuff. — Por que eu deveria
combinar as minhas?
— Por que não deveria?
— Porque eu não tenho nada, como bem sabe.
— Não, não é verdade. Não trocou idéias conosco porque
achou que Old Hitch tinha, afinal, deixado alguma coisa. Você queria
encontrar e ficar com tudo só para si.
— Você que tem tudo — disparou ele, com ódio —, ousa me
criticar por querer o que é meu?
Quando já temia pelo que MacGuff podia lhe fazer ali em
público, Cathy ouviu a voz de Laurence Harris ameaçar:
— Solte-a.
Ela sentiu o braço imediatamente solto.- Harris segurava
MacGuff com um aperto mais forte, pronto para matá-lo ao menor
assentimento dela.

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— Não, não, Laurence — interveio ela, rápido.


— Laurence? — repetiu MacGuff, de repente com-
preendendo tudo. Lançou um olhar avaliador sobre sua figura — os
pés descalços, a roupa amarrotada, a mesma que usara na noite
anterior, os cabelos desalinhados.
Cathy desviou o olhar e sentiu um pouco de pânico ao
pensar no que aconteceria se todos viessem a saber que ela era uma
mulher perdida. Foi quando reparou na vitrina do escritório do
advogado a poucos metros dali. Voltou a atenção às letras pretas: Lex
Kenan, advogado. Gritou, excitada:
— E isso! Eu descobri! — chamando a atenção do amante
que estava a ponto de acabar com MacGuff.
— Descobriu o quê? — perguntou Harris.
— A solução do soneto! "Procurem ajuda legal" — citou ela.
— Old Hitch está nos dizendo para ir até o sr. Kenan.
— Já perguntei a Lex sobre o testamento do velhaco —
informou MacGuff, abstendo-se de mais comentários.
— Eu também já perguntei — comentou ela, rápida. — Mas
Old Hitell está nos dizendo para procurar num lugar em que
geralmente há bagunça. Ele devia estar falando do escritório do sr.
Kenan. Portanto, a tarefa é encontrar um lugar ali que não esteja
bagunçado! Vamos!
Harris largou MacGuff e seguiu Cathy. MacGuff foi atrás
deles. Cathy chamou os rapazes, Clive e George. E bradou para
Ginger:
— Venha comigo e veremos o que Old Hitch deixou para
você, querida!
Ginger se animou um pouco e obedeceu sem questionar. Ao
chegarem ao escritório, Cathy percebeu que a desordem só
aumentara desde que passara por ali, dois dias antes.
George e Clive seguiam Harris, que caminhava entre a
bagunça. O sr. Kenan seguia atrás deles, exigindo saber o que estava

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acontecendo, reclamando toda vez que uma pilha de papel ameaçava


cair.
Cathy observava Laurence Harris fazer o que melhor sabia:
encontrar coisas.
Ele. foi até a escrivaninha do advogado e parou. Observou o
centro da bagunça que, ao contrário do olho de um furacão, estava
igualmente em desordem. Fez várias perguntas ao advogado, pensou
nas respostas, então, olhou para Cathy e sorriu, um sorriso genuíno,
tranqüilo. Piscou-lhe. Os olhos negros brilhavam de contentamento.
Cathy se apaixonou por Laurence naquele instante. Ou talvez
percebesse que estava apaixonada havia muito tempo, desde que
caíra da árvore para seus braços.
Ela o observou abrir a gaveta do meio da escrivaninha do
advogado. Para surpresa de todos, incluindo o sr. Kenan, a gaveta
estava quase vazia e só tinha um maço de papéis. Ele retirou os
documentos e passou-os ao advogado.
— São de Old Hitch — anunciou Harris, confiante. O
sr. Kenan ia dar uma longa explicação para a gaveta estar fora da
bagunça, mas todos se adiantaram e pediram para que ele lesse o
documento.
— Bem, sim! Vamos ver! — concordou o advogado.
— É um documento legal? — exigiu MacGuff do canto da
sala, onde estava.
O advogado revirou as páginas, à procura da assinatura, e
disse simplesmente:
— É. — Olhou em redor e prosseguiu na leitura. Old Hitch
informou em sua missiva que imaginava estar no céu e que o
advogado não receberia nem um tostão pelo trabalho, pois não o
ajudara a elaborar o documento.
Na carta, Old Hitch dizia que esperava que Richard e Clive já
estivessem de posse da Bíblia e do. relógio, respectivamente. Richard
e Clive asseguraram a todos que já estavam usufruindo dos

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presentes.
Aos rapazes, Old Hitch deixou uma folha com uns rabiscos.
O sr. Kenan, que não identificou o papel, só sabia que pertencia aos
rapazes e passou-o a Hank.
— Vou entrar numa boa! Vou sim! — festejou ele,
entusiasmado. — E um mapa do alambique! Eu sei! Eu sei!
Orin e Boy se juntaram a Hank, estudando o mapa que, a
olhos destreinados, não revelariam a localização exata do alambique
escondido.
Para Ginger, Old Hitch deixou a propriedade ao lado da sua,
que incluía um trecho do rio e o aluguel do moinho. Ele também
deixou instruções de como achar as escrituras nas gavetas do
advogado. Numa tacada, a srta. Mangum se tornara uma mulher rica.
Old Hitch explicou que achava que a srta. Ginger seria
melhor para George.
Cathy bateu palmas com prazer e sorriu ao ver George e
Ginger de mãos dadas. Ele beijou a noiva e disse que comunicaria de
uma só vez à sra. Travis o casamento e a transformação de Ginger
numa mulher rica.
Para George, Old Hitch deixou metade do dinheiro que tinha
e que estava num banco em Greensboro, pois ele não confiava em
Josiah Lee, nem na filha dele, Sylvia. Old Hitch entendia que Sylvia
podia se casar com o "imbecil arrogante" do sobrinho, pois eram
"farinha do mesmo saco".
Para Calhy Davidson, que amava como se fosse sua própria
filha, Old Hitch deixou a casa em que ela morava, o pomar e a outra
metade do dinheiro. Sim, a propriedade sempre fora dele e a
transferia a Cathy legalmente naquele momento.
Para o sobrinho não deixou nada e informou que, se Cathy
quisesse se casar com ele, apesar da contra-indicaçâo, ela teria como
mantê-lo na linha. Cathy foi tão pega de surpresa pelas lágrimas que
verteram de seus olhos que foi incapaz de evitá-las quando come-

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çaram a extravasar pelos cantos. Assim que começaram, fluíram. Ela,


que nunca fora propensa a choro, que não vertera uma lágrima no
enterro de Old Hitch, estava chorando naquele momento. Pegou uma
ponta do xale que fora da mãe e começou a enxugar os olhos, mas as
lágrimas continuavam surgindo e logo o tecido fino estava molhado.
— "... e isso é tudo o que tenho a dizer para vocês" —
encerrou o advogado a leitura. — "Adeus".
Cathy começou a soluçar. Parou de tentar reter as lágrimas e
murmurou algo.
Ginger veio para seu lado e pousou o braço afetuosamente
em seus ombros.
— Está triste com alguma coisa, querida? Pensei que
estivesse feliz!
— Ele era meu amigo — conseguiu Cathy dizer —, meu
amigo mais querido e agora eu o perdi! Neguei a perda por vários
dias, sabe, eu... eu até ri no funeral, mas era engraçado! Agora, é
definitivo. Ele se foi. Mas pelo menos disse adeus.
Ginger sorriu, confortadora.
— Ele disse adeus e de uma maneira que só ele era capaz de
fazer. E ele tomou conta de você, de todos nós, não tomou?
— Sim — soluçou Cathy —, e é por isso que estou
chorando! Ele era um... um homem bom, não era? Tão bom e
preocupado! — Deu uma risada de lamentação. — Oh, ele tinha que
morrer para me ouvir falar assim, mas oh...! Como vamos sentir a
falta dele! Ele nos deu tantas coisas!
Soou o nariz e tentou se recompor. Olhou ao redor e sorriu
para os amigos queridos, que tinham recebido tanta generosidade de
Old Hitch. Olhou com carinho para Richard, que segurava a Bíblia de
Old Hitch junto ao peito e que lhe sorria com grande sinceridade.
Sorriu para os rapazes, que, embaraçados e desconfortáveis com as
lágrimas dela, buscaram refúgio no estudo do mapa. Sorriu para
George, Ginger e Clive. Sorriu até para o sr. Kenan, que estava

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envergonhado, mas feliz por ter sido útil.


Passou o olhar por MacGuff e o sorriso diminuiu um pouco.
Ele a olhava de forma muito interesseira, como se ela fosse a única
mulher do mundo. Mas ela já via o interior dele. Old Hitch estava
certo: ele era um imbecil arrogante. O marido perfeito para Sylvia
Lee. .
Entretanto, não olhou para Laurence Harris. Lembrou-se das
últimas palavras de Old Hitch ao leito de morte: Ele virá amanhã. Vai
tomar conta de você. Ela considerara a possibilidade mais evidente:
de que o velho estivesse falando que ela podia se casar com o
sobrinho, se assim quisesse. Então, considerou a possibilidade mais
extraordinária de que Old Hitch realmente tivesse cuidado dela depois
de morrer e enviado
Laurence Harris. Seu pássaro de fogo. Seu anjo do inferno.
Seu demônio do céu.
De repente, Cathy sentiu-se livre. Livre de MacGuff. Livre da
casa e do pomar que nunca fora seu. Livre da rotina que vivera em
Hillsborough nos últimos dez anos. A liberdade era maravilhosa, mas
também assustadora, e não se atreveu a olhar para Laurence Harris.
— Sr. Kenan -■— invocou ela, entre soluços —, se Old Hitch
passou a casa e a propriedade para mim, eu posso passar tudo para
MacGuff? E o dinheiro do banco também?
— Por que faria isso? — engasgou o advogado.
— Porque não pertencem a mim de verdade, nunca
pertenceram — esclareceu ela. — Devem ficar com MacGuff, por
direito de herança.
Ela não quis ver a reação de MacGuff. Não queria ver a
satisfação naqueles olhos ao receber um herança considerável. Nem
queria testemunhar o desprazer dele ao vê-la rejeitá-la com tanta
facilidade.
Ao invés disso, ergueu o olhar, corajosa, para encarar
Laurence Harris enquanto caminhava na direção dele, sem confiança,

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Doce Rendição – Julie Tetel

mas, pelo menos, sem hesitar desajeitadamente. Quando estava bem


à frente dele, perguntou, direto:
— Está viajando sozinho, não está?
— Sim — respondeu ele, direto.
— Está planejando deixar a cidade logo?
— Sim.
— Hoje?
— Sim.
Embora as respostas fossem desencorajadoras, o brilho nos
olhos dele era bastante promissor.
— Permite que eu vá junto? — perguntou ela em seguida.
Novamente, ele respondeu direto:
-Sim.
Cathy não estava muito satisfeita e percebeu que fizera a
pergunta errada.Raciocinou por um momento e então forçou-se a
perguntou, corajosa:
-Você quer que eu vá com você ?
Ele pousou as mãos sobre seus ombros .Acariciou-a
longamente.
-Sim – respondeu ele, e ela sabia que era verdade.
Ela sorriu.
- Gostaria de chamá-lo de Laurence, acho – informou.
- Por favor, e eu a chamarei de Cathy
O sorriso dela era sugestivo.
-Isso é , quando não estiver pensando em você como meu
pássaro de fogo.
Laurence pareceu gostar daquilo.
-Será na mesma hora em que eu estiver pensando em você
como minha passarinha de maciera ?
Ela arregalou os olhos.Seu sorriso se tornou muito
sugestivo.
-De verdade ?

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Doce Rendição – Julie Tetel

Ele assentiu.
-Oh, acho que vou partir ! – Ela olhou em redor.- Como vão
ficar sem mim ?
-Vamos dar um jeito – assegurou-lhe George, quase tímido –
Embora tenhamos saudades, estamos felizes por você.
-Não acredito – declarou Cathy – e, partir vai ser tão difícil !
Tenho tantas coisas para fazer ! Tanta coisa para arrumar !
Harris balançou a cabeça.
-Tão pouco para arrumar, Cathy.Mas vou pedir para que leve
as suas sementes.
A partida de repente pareceu menos dolorosa.Claro que
levaria consigo as sementes de macieira – sua fortuna.Imaginou um
pomar magnífico, com arvores frondosas das suas variedades
favoritas.
Harris tirou Cathy do escritório do advogado e saíram para a
rua quente de maio.
- Para onde vamos ? – perguntou ela, curiosa sobre a
direção de sua nova vida.
- Oeste – Ele a beijou, ali bem no meio da cidade. – Tenho
muitas coisas para lhe contar no caminho.
Ela assentiu, sorriu e não achou ser necessário falar, só
ouvir.
Ele riu. O som era profundo e rico. Então, beijou-a
novamente.

FIM

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Doce Rendição – Julie Tetel

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