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FERREIRA, Marta Regina Grillo.

RACISMO - A APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA


COMO FERRAMENTA DE MUDANÇA COMPORTAMENTAL SOCIAL. Número total
de catorze (14) folhas. Artigo Científico de conclusão do Curso de Pós-Graduação em
Direito Público – Faculdade Legale – FALEG – São Paulo, 2019/2020.

RESUMO
O presente trabalho apresenta um estudo sobre os prismas das ciências jurídicas e
do empirismo sobre a aplicação da norma jurídica como ferramenta eficaz de
adequação do comportamento coletivo no que tange ao combate ao Racismo como
prática inserida na cultura social brasileira, vez por outra, disfarçado sob argumentos
que negam a referida prática, que, entretanto, aflige grande parte da população, uma
vez, que, o fenótipo africano está presente em percentual significativo da sociedade
brasileira, que ainda sofre influências de uma história que faz alusão à escravidão do
negro, e que, portanto, coloca as pessoas de fenótipo africano como pessoas
inferiores ou fadadas ao sofrimento na analogia histórico cultural incutida no
consciente coletivo, o que gera um grave problema na esfera da manutenção do Pacto
Social. Diante da problemática em tela surge o Objetivo Geral de definir e demonstrar
a fundamentação jurídica e seus respectivos efeitos nos parâmetros de mudança
comportamental à partir da aplicação da norma. Foram utilizadas: Técnica do
Referencial, da Categoria e da Pesquisa Bibliográfica. Na fase de Pesquisa, o Método
Indutivo, na fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano e na compilação geral
a Base Lógica Indutiva. Os resultados mais significativos da pesquisa foram
compilados e devidamente fundamentados à luz das ciências jurídicas e apresentados
em sínteses e analogias no presente trabalho. A conclusão é de que existe um longo
caminho a ser percorrido por toda a sociedade brasileira no intuito de dirimir todas as
práticas relacionadas ao Racismo, e até lá, a Norma Jurídica há de fazer seu papel
de melhor e mais eficaz das ferramentas de controle social do Estado.

Palavras-chave: Comportamento; Controle; Estado; Norma Jurídica; Racismo.


FERREIRA, Marta Regina Grillo. RACISM - THE APPLICATION OF THE LEGAL
STANDARD AS A TOOL FOR BEHAVIORAL SOCIAL CHANGE. Total number of
fourteen (14) sheets. Scientific Article of the Post-Graduation Course in Public Law -
Faculdade Legale - FALEG - São Paulo, 2019/2020.

ABSTRACT
This paper presents a study on the prisms of legal issues and empiricism on the
application of the legal norm, such as the method of adequate adaptation of collective
behavior, which cannot be combated against racism, how to practice social insertion
in Brazilian social culture, instead on the other, disguised under arguments that deny
the practice, which, however, affect a large part of the population, since either the
African phenomenon is present in a significant percentage of Brazilian society, which
is still influenced by a history that alludes to slavery of the black, and that, therefore,
places people of the African phenotype as inferior or doomed to suffering in the cultural
historical analogy instilled in the conscious collective, or that generates a serious
problem in the sphere of maintaining the Social Pact. Faced with the problem on the
magnifying screen or the General Objective, define and demonstrate the legal basis
and its effects on the parameters of behavioral change from the application of the
standard. Were used: Referential, Category and Bibliographic Research Technique. In
the Research phase, in the Inductive Method, in the Data Treatment phase or in the
Cartesian Method and in the general compilation in the Inductive Logical Base. The
most selected results of the research were compiled and duly substantiated in the light
of the legal sciences and presented in the analyzes and analogies in the present work.
The conclusion is that there is a long way to be taken by the whole of Brazilian society
in order to direct all practices related to racism, and until then, a Legal Standard will
play its role as the best and most effective of the social control tools of the State.

Keywords: Behavior; Control; State; Legal Standard; Racism.


Sumário: Introdução; 1. Da fundamentação jurídico filosófica da intervenção do
Estado através do Direito Positivo; 2. Parâmetros De Aplicação da Norma jurídica; 3.
Principais Reflexos da Aplicação da Norma Jurídica; Conclusão; Referências.
RACISMO - A APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA COMO FERRAMENTA DE
MUDANÇA COMPORTAMENTAL SOCIAL

INTRODUÇÃO:
O presente artigo científico tem como objetivo demonstrar para a sociedade e para a
comunidade científica a evolução histórica do comportamento social depois da Lei nº
7.716 de 5 de janeiro de 1989, tendo como parâmetro comparativo o cenário que
provocou a redação do referido texto legal à época. Pretende ainda demonstrar os
efeitos da referida lei 7.716/89 na criação de outras legislações importantes que
demonstram a preocupação do Estado em dirimir o racismo do convívio social através
da aplicação da norma jurídica como ferramenta de mudança comportamental, tal
como a lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, o Estatuto da Igualdade Racial, e a lei
nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, a Lei de Cotas. Desde os primórdios do Pacto
Social que uniu as pessoas para o convívio em sociedade, diversos problemas na
esfera das relações interpessoais começaram a eclodir, uma vez que, as diferenças
de ideias, crenças, origens e até mesmo de ordem fisiológica passaram a inferir,
incomodar e causar desconforto entre os membros que compõem a sociedade.
Evidente que problemas dessa ordem surgiriam com o aumento da densidade
demográfica e influências históricas, sociais, culturais, entre outros fatores
influenciadores e com o passar do tempo o Estado, grande “Leviatã”, passou a tutelar
esses problemas, outrora de menor importância, com mais atenção, uma vez que
esses passaram a tomar maior proporção, causando prejuízos em diversas esferas,
prejudicando assim a manutenção da ordem social.
O presente trabalho visa abordar especificamente talvez o maior desses problemas
que tomaram um gigantismo assustador, a ponto de provocar esta chamada
intervenção estatal com fins de dirimir um comportamento extremamente nocivo à
ordem social, denominado RACISMO, e dessa forma, através de previsão legal e
cominação de pena, o Estado vem lançando mãos da aplicação da norma jurídica
como ferramenta de mudança comportamental social.
Como definir padrões comportamentais aceitáveis no plano do convívio social sem
ferir as liberdades individuais? O problema maior está em definir os referidos padrões
de forma a promover a prevenção dos comportamentos de ordem negativa que
possam vir a ofender a dignidade da ‘pessoa humana’ na esfera individual e coletiva,
bem como, punir determinados comportamentos previstos como fatos típicos
antijurídicos com a finalidade maior de promover a paz social. A letra da lei é clara e
não deixa dúvidas quanto à antijuridicidade do comportamento rotulado como
“racismo”, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 define os crimes resultantes de
preconceito racial e comina a pena de reclusão a quem tenha cometido atos de
discriminação ou preconceito por conta de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional, regulamentando o trecho da Carta Magna que reza que “todos são iguais
sem discriminação de qualquer natureza”, tornando inafiançável e imprescritível o
crime de racismo, entretanto, apesar da intervenção estatal na esfera do direito
positivo parecer deveras eficaz, a conscientização da sociedade aparenta ainda estar
longe de atingir sua plenitude.

No que tange aos Objetivos, é necessário demonstrar a eficácia da aplicação da


norma jurídica como ferramenta de mudança comportamental social positiva e a
necessidade de dirimir o racismo como ferramenta de promoção da paz social plena.
O presente trabalho visa compreender e demonstrar o papel do Estado como
interventor direto nas ações comportamentais negativas que possam vir a ferir a paz
social pelo desrespeito individual ou coletivo à dignidade da pessoa humana, bem
como identificar possíveis origens e soluções do problema apresentado como segue:
A fundamentação jurídica e filosófica da intervenção do Estado através do Direito
Positivo; A manutenção do Pacto Social através da Aplicação da Norma Jurídica; As
possibilidades de mudanças comportamentais sociais geradas pela aplicação da
norma jurídica e respectivos efeitos.

1. A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA E FILOSÓFICA DA INTERVENÇÃO DO


ESTADO ATRAVÉS DO DIREITO POSITIVO.
Com o advento do pacto social que uniu os homens em sociedade, entrega-se o poder
absoluto de governar ao estado legal de direito que detém a missão de tutelar os
direitos individuais e realizar a manutenção social através da aplicação da letra da lei,
que por sua vez, é a maior ferramenta de controle social do estado, e que traduz a
vontade coletiva transliterada pelo legislador.
A Constituição Da República Federativa Do Brasil Preceitua Em Seu Art. 5º:
“Todos São Iguais Perante A Lei, Sem Distinção De Qualquer
Natureza, Garantindo-Se Aos Brasileiros E Aos Estrangeiros
Residentes No País A Inviolabilidade Do Direito À Vida, À Liberdade, À
Igualdade, À Segurança E À Propriedade,”.
Diante deste texto é possível constatar o quão distante é o ideal escrito do real vivido,
especificamente no que tange ao princípio da “igualdade”, mencionado duas vezes no
mesmo artigo, uma vez que o racismo é um comportamento que tem raízes profundas
arraigadas na cultura da sociedade e é diametralmente oposto ao texto do artigo em
tela.
A Carta Magna afirma ainda em seu art. 5º, inciso XLII, que racismo é “crime
inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei”, no entanto,
deixou em aberto a abrangência do conceito de racismo.
O Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo em uma pesquisa
de opinião demonstrou que, se de um lado, 90% dos brasileiros admitem que existe
discriminação, 96% declaram que não têm preconceito contra negros, contra brancos
(97%) e contra índios (96%). O referido estudo é mencionado aqui neste trabalho
apenas para demonstrar que a sociedade declara não existir preconceito, o que
demonstra apenas que o sentimento de repulsa racial é disfarçado pela hipocrisia
social genericamente falando, uma vez que os fatos demonstram ser diametralmente
opostos. Fato é que a maioria das pessoas entende que esse é um problema dos
outros, o que é demonstrado pelos dados, coletados a partir de 5.003 entrevistas
realizadas com pessoas maiores de 16 anos, em 266 municípios em todo o Brasil.

Antes de se aprofundar na temática é preciso esmiuçar a terminologia “racismo” do


ponto de vista do direito. De acordo com Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004) no
“dicionário de política”, racismo pode ser definido como:
“Com o termo Racismo se entende, não a descrição da diversidade das
raças ou dos grupos étnicos humanos, realizada pela antropologia
física ou pela biologia, mas a referência do comportamento do
indivíduo à raça a que pertence e principalmente, o uso político de
alguns resultados aparentemente científicos, para levar a crença da
superioridade de uma raça sobre as demais. Este uso visa a justificar
e consentir atitudes de discriminação e perseguição contra as raças
que se consideram inferiores.”.

Na definição de Nucci (2008, p. 273), racismo é:


[...] o pensamento voltado à existência de divisão dentre seres
humanos, constituindo alguns seres superiores, por qualquer pretensa
virtude ou qualidade, aleatoriamente eleita, a outros, cultivando-se um
objetivo segregacionista, apartando-se a sociedade em camadas e
estratos, merecedores de vivência distinta.
Dessa forma, pode-se afirmar que o racismo é fruto de um pensamento baseado no
discurso de segregação de raças, em que prevalece a ideia de superioridade de uma
raça sobre a outra.
Nucci (2008), entretanto, ressalta que raça e racismo devem ser interpretados como
conceitos amplos, pois são termos que apresentam conceitos e significados
indeterminados, uma vez que remetem aos caracteres somáticos, bem como a um
grupo de pessoas com as características de origem étnica, linguística ou social
semelhantes.
“Raça, enfim, um grupo de pessoas que comunga de ideais
ou comportamentos comuns, ajuntando-se para defendê-los, sem que
necessariamente, constituam um homogêneo conjunto de pessoas
fisicamente parecidas”.
Na contrapartida do entendimento de Nucci, Santos (2010) alega que as normas em
Direito Penal devem ser interpretadas de modo restritivo, sob risco de lesão a
segurança jurídica de todos.
Santos (2010) defende o entendimento de que o racismo deve ser entendido como
conceito estrito, referindo-se a preconceito ou discriminação de raça, uma vez que, se
o racismo for interpretado abrangendo o preconceito e discriminação por religião,
procedência nacional, gênero e outros, ou seja, “racismo lato sensu”,
automaticamente também deverá ser considerado racismo os crimes de preconceito
ou discriminação contra portadores de deficiência, conforme a Lei n. 7.716/89.
“Por via de consequência, ficariam sem a mínima razão de
existir as expressões “cor, etnia, religião ou procedência nacional”,
previstas na Lei n.7.716/89, o que contraria os critérios interpretativos
de que a lei não pode conter palavras inúteis. Também não se duvida
que possa ser tido tal entendimento como contrário ao princípio
constitucional da legalidade ou da reserva legal (art.5º, XXXIX, da CF
e art. 1º do CP), pois não há na Lei penal n. 7.716/89 [...] expressa
alusão a homossexuais [...] ou a grupos nacionais estrangeiros [...].
Enfim, o que seria propriamente uma raça, dentro deste conceito
ampliado? Quais seus limites?”.
Apesar de garantir a igualdade de tratamento e criminalizar o racismo, a Constituição
Federal não regulamentou o tema, deixando para que o assunto fosse tratado em lei
especial.
Para esse fim, surgiu a Lei n. 7.716/89, também conhecida como “Lei Caó”, por ter
sido proposta pelo jornalista, ex-vereador e advogado Carlos Alberto Caó Oliveira dos
Santos, que ampliou os elementos dos tipos penais e aumentou o rol de condutas de
discriminação e preconceito previstos anteriormente na Lei n. 1.390/51, Lei Afonso
Arinos.
A Lei Caó, surgiu para estabelecer as condutas tipificadas como crime de preconceito
e discriminação, sujeitas a pena de reclusão que variam de um a cinco anos mais
multa em alguns casos, que abrangem os crimes de preconceito e discriminação em
relação à religião e procedência nacional, insta salientar que esses últimos tipos de
discriminação não se confundem com o racismo.
A ação penal é sempre de iniciativa pública e incondicionada para todos os crimes
inseridos na Lei n. 7.716/89 e a competência para apuração e julgamento dos crimes
de racismo ou dos crimes de preconceito e discriminação é da Justiça Estadual.
Segundo Santos (2012) um fator altamente relevante é a dificuldade ou omissão do
judiciário no que tange a aplicação da Lei n° 7.716/1989, que regulamenta o princípio
constitucional para combater o racismo, uma vez que o crime é inafiançável e
imprescritível, com pena de até 05 anos de reclusão e multa e mesmo assim, admite-
se liberdade provisória de acordo com o art.310 parágrafo único do Código de
Processo Penal Brasileiro.
A maioria das denúncias de crimes e preconceitos e discriminação
racial não se converte em processos criminais e, dos poucos
processados, um número ínfimo de perpetrados dos crimes é
condenado. A falta de uma investigação diligente, imparcial e efetiva,
a discricionariedade do promotor para fazer a denúncia e a tipificação
do crime racial – que exige que o autor, após a prática do ato
discriminatório, declare expressamente que sua conduta foi motivada
por razões de discriminação racial - são fatores que contribuem para a
denegação de justiça e a impunidade (SANTOS, 2012, p. 231).
Outra ferramenta jurídica importante de combate ao racismo está na redação do artigo
140 do Código Penal, especificamente o § 3º, que regula o crime de injúria racial. No
crime de injúria o bem jurídico tutelado é a honra subjetiva da vítima, uma vez que o
referido insulto fere a própria estima da pessoa, no que tange ao conceito que faz de
si própria. A honra subjetiva pode ser dividida em:
a) honra dignidade (conjunto de atributos morais do ser humano);
b) honra decoro (conjunto de atributos físicos e intelectuais do ser humano).
É um delito formal, pois, apesar de o tipo não exigir resultado naturalístico, esse pode
ocorrer. Na injúria, o agente pode empregar qualquer meio para praticar o tipo objetivo,
sendo delito de forma livre (direta ou indireta).
A Lei n. 9.459, de 13 de maio de 1997, adicionou uma nova modalidade de injúria ao
Código Penal, inscrita no art. 140, §3º. Posteriormente, o mesmo dispositivo teve sua
redação alterada pela Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, que vigora até os dias
atuais da seguinte forma:
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça,
cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora
de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.
A modificação de 2003 introduziu a referência à pessoa idosa e aos portadores de
deficiência, elevando, ainda, a pena para reclusão de um a três anos e multa. Caso o
ofendido seja um doente mental ou uma criança, é necessário distinguir, no caso
concreto, se terão noções de dignidade e decoro.
O Código Penal Brasileiro, em seu art. 140, § 3º, regula o crime de injúria racial, que
vem a ser atribuição de qualidade negativa à pessoa ofendida com elementos
referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem. Os crimes de racismo previstos na Lei
nº 7.716/89 são processados mediante ação penal pública, dessa forma o
entendimento sobre injúria e crime racial é fundamental para o encaminhamento da
denúncia ao órgão competente, no sentido de que as medidas protetivas sejam
tomadas.
Insta salientar que a injúria não se confunde com os crimes da Lei n. 7.716/89, o bem
jurídico da primeira é a honra subjetiva da vítima e, por seu turno, o bem jurídico do
segundo é a igualdade, nesse sentido, é que a injúria se difere do racismo do racismo,
uma vez que, no crime de injúria racial o juiz poderá conceder a liberdade provisória
mediante fiança, conforme estabelecido no Código de Processo Penal. (art. 5, XLII).
A injúria qualificada pela discriminação e preconceito racial é ação penal privada,
respeitados os prazos prescricionais previstos em lei admite liberdade provisória,
recurso em liberdade, e regime de progressão de pena.

2. PARÂMETROS DA APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA


É possível promover mudança comportamental coletiva e efetiva através da aplicação
da Norma Jurídica que versa sobre o Racismo e Discriminação Racial, entretanto, da
observação dos casos concretos e seus respectivos resultados surge o
questionamento lógico de como fundamentar esse conceito e parametrizar sua
aplicação.
Para compreender melhor é preciso pensar no Direito “latu sensu”, ou seja, como
Ciência Jurídica, que por essência é multidisciplinar, e a partir desse prisma
parametrizar a aplicação no plano fático sob a ótica do Direito Penal, Da Teoria Das
Penas, especificamente no que tange a corrente doutrinária dominante, a Teoria
Relativa ou Preventiva.
Ora, da mesma forma que a Sanção Penal tem a finalidade de evitar a prática de
novas infrações, ou seja, a pena homenageia a manutenção do Pacto Social que
fundamenta o Estado, uma vez que, é medida de aplicação prática da Norma Jurídica
com fins de coibir novas práticas delituosas.
Sob a ótica da Teoria Retributiva, a sanção penal objetiva coibir a prática de novas
infrações através da demonstração, ou seja, da implantação de informação no
consciente coletivo dos efeitos da pena imposta pelo Estado em compensação à
sociedade pelo “mau do crime”. Mas, por que é importante vislumbrar tais teorias como
forma de fundamentar a aplicação prática da Norma Jurídica na esfera da realidade,
ou seja, no campo fático? Ora, a compreensão plena do tema gera a adequação do
consciente coletivo que por sua vez será traduzida em mais textos legais que fecham
o ciclo dinâmico, natural e necessário à adequação do direito ao comportamento
social, e à adequação do comportamento social através da aplicação do direito.
3. PRINCIPAIS REFLEXOS DA APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA.

Nos últimos anos, verifica-se no Brasil a implantação de diversos mecanismos de


promoção de mudança comportamental social tais como a implantação Dia Nacional
da Consciência Negra, 20 de novembro em alusão ao aniversário da morte do primeiro
herói nacional negro, Zumbi dos Palmares, e a criação da Fundação Cultural
Palmares, com o objetivo potencializar a participação da população negra no
desenvolvimento de sua história e cultura e dessa forma maximizar a aceitação desse
novo paradigma por todas as esferas sociais.
A Constituição Federal de 1988 confirma o elevado grau de preconceito e
discriminação racial enraizado nas relações sociais ao criminalizar o racismo, assim,
evidencia, como princípio fundamental, a necessidade de modificar o comportamento
coletivo através de norma jurídica, postura que demonstra um grande avanço no
combate ao racismo.
Em 1989 a campanha Não deixe sua cor passar em branco dá ênfase à visibilização
da população negra nos dados estatísticos. No ano de 1996, as comemorações ao
centenário da morte de Zumbi dos Palmares mobilizam a Marcha Zumbi dos Palmares
contra o Racismo pela cidadania e a vida e reúnem cerca de 30 mil representantes do
Movimento negro na Esplanada dos Ministérios em Brasília que entregam ao
Presidente Fernando Henrique Cardoso um documento propondo ações para a
superação do racismo e das desigualdades raciais vigentes no país.
O Governo Federal lança o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que em
síntese admite as desigualdades sociais impostos pela discriminação racial e a
necessidade de políticas de Ação Afirmativa para combater o racismo a curto, médio
e longo prazo.
A III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação, Xenofobia e
Discriminação Correlatas (Durban) realizam-se em 2001 e em 2002 acontece o
lançamento da Plataforma Política Feminista, pelo CLADEM (Comitê Latino-
Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher). No ano seguinte, em
2003, a criação da Secretaria Especial da Mulher (SEPM) e da Secretaria de Políticas
de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR).
Com a promulgação da Lei nº 10.639/03 que coloca no Currículo Escolar Nacional o
estudo da História da África e da Cultura Afro-Brasileira no ensino básico, surge a
história do negro no Brasil contada pelo próprio negro, ou seja, a lei motivou a
pesquisa histórica e cultural sob uma ótica nunca antes abordada, possibilitando a
disseminação de novas luzes sobre a real influência da cultura negra na formação de
nosso atual modelo de sociedade e seus desdobramentos, que por sua vez possibilita
a intelecção e desenvolvimento de políticas adequadas para tratar de problemas
específicos de forma mais eficiente em homenagem ao princípio constitucional da
eficiência grafado no caput do art. 37 da Carta Republicana.
O Programa Brasil Quilombola criado em 2004 é um programa cujas ações são
voltadas às necessidades dos remanescentes de quilombos. O programa motivou a II
Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial Integral da População Negra
em 2009.
É fato que diversas das ações mencionadas, apesar de originarem-se todas na
fumaça do bom direito, implantadas de forma legal e legítima na política brasileira e
inseridas na sociedade através de imposição da norma jurídica geram ao mesmo
tempo a satisfação e o desconforto de diferentes círculos sociais diante de matérias
que abrangem linhas diversas do pensamento coletivo.
Muitas vezes, as próprias pessoas supostamente beneficiadas sentem-se
incomodadas e desconfortáveis com determinadas ações, dentre as quais as Cotas
Raciais nas universidades brasileiras demonstram ser a ação de maior secção de
opiniões, mas independente dos conflitos gerados, o governo vem proporcionando
diversas ferramentas de controle social no intuito de potencializar mudanças no
pensamento coletivo e dirimir comportamentos de cunho racista.
Ainda há muito que se adequar na esfera comportamental da sociedade, e não há
como readequar comportamentos num estado democrático de direito sem ser através
de instrumentos legais oriundos da norma jurídica. Para demonstrar, em recente
pesquisa realizada pelo professor de biologia Luiz Henrique Rosa da Escola Municipal
Herbert Moses no Rio de Janeiro, foram constatadas e catalogadas 600 palavras de
viés pejorativo de uso comum no linguajar coloquial dos alunos das quais 360 destas
palavras de cunho racista.
O levantamento abrangeu 11 turmas com 40 alunos por turma em média. O
levantamento demonstra ainda que a maior parte dos estudantes da escola é
afrodescendente e foi devidamente discutido em sala de aula com os alunos o que
culminou em novo projeto em 2009, denominado “Qual é a graça” que abordou
assuntos ainda mais profundos e específicos de viés histórico e valor cultural
imensurável, resgatando parte da história da escravidão no Brasil, e
consequentemente do povo negro. O projeto abordou especificamente a Revolta das
Vassouras (rebelião de escravos ocorrida em 1838) e o seu principal protagonista,
Manuel Congo.

O projeto demonstra a perceptível aplicação da norma jurídica no campo fático como


ferramenta de mudança social eficaz e positiva num plano interdisciplinar que abrange
o Estado, as instituições, os operadores do direito, os educadores, enfim, a sociedade
como um todo no intuito de dirimir comportamentos que ferem o intangível pacto social
que sustenta o próprio Estado.

CONCLUSÃO
O presente artigo objetiva a apresentação de normas jurídicas que surgiram da
necessidade de coibir ações caracterizadas como racismo. Entretanto, para que a
letra da lei tenha sucesso, é preciso que de fato aconteçam as mudanças
comportamentais objetivadas pelo legislador, quando traduziu o anseio da
coletividade em direito positivado. Para tanto, se faz necessária a profunda intelecção
de todos os componentes do Pacto Social a respeito do tema, uma vez, que, quando
uma sociedade precisa de uma norma jurídica para parametrizar ou mesmo, dirimir
determinados comportamentos, isso é sinal de que o erro a ser corrigido está
arraigado no consciente coletivo, na cultura, e, portanto, se traduz em comportamento
não condizente com os parâmetros necessários à manutenção do respectivo pacto.
Ou seja, mais do que letra de lei, é preciso conscientização para que de fato
aconteçam as necessárias mudanças comportamentais de uma sociedade, e, dessa
forma, na falta de um programa eficaz nas esferas da educação e cultura, a norma
jurídica vem para fazer um papel muito além do mero controle social, um papel
educativo, que de fato, transforma, adequa e evolui a sociedade em sua integralidade.
REFERÊNCIAS
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