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FUNÇÕES DA LITERATURA
FUNÇÕES DA LITERATURA
Recursos Adicionais - Cristina Lopez Barrio
Desde o início fomos seres sociais, porém, nos sentíamos unidos somente
aos demais membros da pequena comunidade da qual fazíamos parte.
Após a revolução cognitiva e nossa nova capacidade de abstração,
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“Acho que dessa necessidade (se refere a dar coerência às nossas vidas, a encontrar
uma ordem na existência e no mundo em que vivemos) surgiram as histórias, nas
brumas do tempo, na caverna primitiva, quando os seres humanos cheios de terror
diante de um mundo do qual nada entendiam, começaram, depois de inventar a
linguagem, a contar histórias, a fugir do mundo dos perigos para um mundo diferente
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Wilde defende que a arte nunca deve imitar a vida. É a vida que deve
imitar a arte; a mentira deve prevalecer na arte. A maioria dos escritores
não se atrevem nem a roubar as ideias dos outros, argumenta Oscar Wilde,
baseia-se diretamente em sua experiência pessoal e em enciclopédias.
A poética de Wilde é revolucionária para sua época. “As únicas coisas belas
são aquelas que não nos dizem respeito”, dirá ele, depreciando também
uma literatura útil, porém, nas últimas páginas do A decadência da mentira,
mostra que a arte não expressa nada além de seu próprio ser. Tem uma
vida independente. Não deve ser realista em uma era de realismo, nem
espiritual em uma era de fé. Ao contrário, geralmente se opõe ao seu
tempo, não reproduz seu tempo, mas geralmente está à frente dele.
Outro ponto a se levar em conta na teoria da arte pela arte, é sua reflexão
sobre a natureza. A poesia, a criação literária não deve ser inspirada pela
natureza, pois ela é imperfeita. Quanto mais a arte se fixa na natureza, mais
se dá conta de que é inacabada, grosseira e monótona, diz Oscar Wilde. A
arte é a tentativa de ensinar a natureza qual é seu lugar. "Quanto à sua
infinita variedade, diz Wilde, é puro mito, reside apenas na imaginação de
quem a contempla." A imaginação, a fantasia que a arte representa é o que
cria a vida, a natureza como a concebemos. Não pude deixar de
mencionar esta frase crítica e sarcástica com a natureza: Se fosse
confortável, o homem não teria inventado a arquitetura.
Limitar a literatura à beleza supõe para mim uma limitação da obra como
ser vivo. O conceito de beleza foi mudando ao longo dos séculos. Embora
a beleza do estilo ou a sensação de beleza que algumas obras produzem
ao lê-las, como acontece comigo cada vez que leio Gabriel García
Márquez, são um deleite e um fim em si mesmo.
A verdadeira obra de arte não precisa disso, não deve segui-las, não pode
estar sujeita a alguns cânones porque está viva.
Ramón Gaya nos fala sobre a criatura artística que nasce e não serve para
nada além de si mesma. A verdadeira criação transcende o próprio
homem, o escritor, e se torna vida. A obra como criação do espírito, do
alma humana que usa a vida como matéria-prima, mas autônoma, livre,
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Karen Blixen
Os adeptos da teoria da arte pela arte consideram que o escritor não deve
tomar a vida como fonte de experiência para a sua escrita. A realidade não
é digna de arte. Lembremo-nos de que pensavam que a arte estava
acima da vida, o que se traduz em alguns escritores fazendo da escrita um
verdadeiro sacerdócio, a ponto de às vezes considerá-la incompatível as
ações mais fundamentais que se realiza no dia a dia. Gustave Flaubert é
um desses casos. Ele se entrega de corpo e alma à criação literária. Fiquei
impressionada com uma citação dele no livro de Victor Manuel Aguiar e
Silva em que o escritor explica como se incomoda com tudo o que distrai
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do seu trabalho criativo: “Odeio a vida ... sim, a vida e tudo o que me faça
lembrar que é preciso suportá-la. É uma provação andar, me vestir, ficar
de pé ... "
“Eu sou um homem-pena. Sinto por ela, por causa ela, em relação a ela e
muito mais com ela ”, diz Flaubert.
"Que coisa mal-intencionada é a prosa! Nunca acaba; sempre há algo para refazer.
Acredito, entretanto, que lhe pode ser dada a consistência do versículo. Uma boa frase
em prosa deve ser como um bom verso, imutável, tão rítmico, tão sonoro. Essa é, pelo
menos, minha ambição, há uma coisa de que tenho certeza: ninguém jamais teve em
mente um tipo de prosa mais perfeito do que eu; mas quanto à execução, quantas
fraquezas, meu Deus! Quantas fraquezas!”
Acho que escrever tem muita a ver com a catarse interior. Não é em vão
que uma das funções atribuídas por Aristóteles à tragédia em sua Poética
(a trabalharemos com mais profundidade ao falar sobre a tragédia grega,
uma de minhas paixões, confesso). As experiências da sua vida devem
passar pelo crivo da arte, pelo crivo da ficção, poderíamos dizer, são a
matéria-prima que vai acumular a nossa inteligência, a nossa memória, a
nossa fantasia, as nossas emoções; Devemos deixá-los emergir da forma
que decidimos no início, entretanto, é muito possível que chegue um
momento em que sentiremos que elas escolheram seu caminho. Seja fiel à
história, como dizia Karen Blixen.
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É esse processo de criação, o mistério que ele contém, que nos atrai à
paixão pela escrita. O que acontece conosco durante esse processo?
Tentaremos desvendá-lo ao longo do curso. Para começar, e de acordo
com o que estamos falando, a escrita é uma fuga do mundo. Tanto na
leitura quanto na escrita. A possibilidade de viver outras vidas, de
experimentar o que nunca poderíamos viver na realidade. A necessidade
da ficção para viver, para compreender o mundo, para ser mais feliz, para
desfrutar.
Fiquei chocada ao ler isso. Existe um livro chamado Hunger for Reality
escrito por David Shields que eu não li, mas estou muito curiosa e
interessada em fazê-lo. Diz que usava a não ficção como trampolim para
as questões mais interessantes: o que é verdade, o que é real. Será que
não podemos chegar a essas questões por meio da ficção, eu me
pergunto. Shakespeare ou Cervantes não fizeram isso? Na próxima seção,
veremos a literatura como fonte de conhecimento humano.
Existe um livro chamado The Inner Eye de Nicholas Humphrey em que fala
sobre a possibilidade de adquirir novas experiências e conhecimentos por
meio dos livros, mas trataremos desse tema com mais profundidade na
próxima seção.
Concordo com Julio Cortázar quando ele diz que o escritor que só
escreve literatura comprometida se limita de alguma forma, o escritor tem
o mundo diante de si para escrever. Embora seja verdade que a literatura,
a arte em geral, seja uma reflexão, e a qualidade literária não é
incompatível com um conteúdo que denuncia uma situação que o
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Por que os poderes políticos tiveram tanto trabalho ao longo dos séculos
para censurar, controlar e amordaçar a literatura? Por que os livros foram
queimados por considerá-los muito perigosos?
humano se não livre, pelo menos capaz de pensar por si, com espírito
crítico. O poder da palavra. O poder da ficção, de histórias tão
profundamente enraizadas no espírito humano.
BIBLIOGRAFIA: