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Disciplina: História da Filosofia I

Professor: Vladimir Chaves dos Santos


Tema: Fontes clássicas das idéias de ciclo e de progresso
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Maringá

Os Ciclopes de Homero

- os Ciclopes: sociedade primitiva


- vida pastoril, sem agricultura, pois a natureza é pródiga
- sociedade patriarcal, não há leis supra-familiares
- retrato negativo da sociedade primitiva: povos bárbaros, rudes, sem as duas virtudes
fundamentais da civilização na Odisséia – a piedade e a hospitalidade:

106-115, 9 Odisséia
Κυκλώπων δ' ἐς γαῖαν ὑπερφιάλων ἀθεμίστων À terra dos Ciclopes, arrogantes, sem lei,
ἱκόμεθ', οἵ ῥα θεοῖσι πεποιθότες ἀθανάτοισιν Chegamos; eles, fiando-se nos deuses imortais,
οὔτε φυτεύουσιν χερσὶν φυτὸν οὔτ' ἀρόωσιν, Não plantam nada com as mãos nem aram,
ἀλλὰ τά γ' ἄσπαρτα καὶ ἀνήροτα πάντα φύονται, Mas sem semente nem cultivo tudo brota,
πυροὶ καὶ κριθαὶ ἠδ' ἄμπελοι, αἵ τε φέρουσιν trigo, cevada, videiras, que suportam grandes
οἶνον ἐριστάφυλον, καί σφιν Διὸς ὄμβρος ἀέξει. Cachos, que a chuva de Zeus faz crescer
τοῖσιν δ' οὔτ' ἀγοραὶ βουληφόροι οὔτε θέμιστες, Para eles não há ágora deliberante, nem leis
ἀλλ' οἵ γ' ὑψηλῶν ὀρέων ναίουσι κάρηνα O cimo de altas montanhas eles habitam em
ἐν σπέεσι γλαφυροῖσι, θεμιστεύει δὲ ἕκαστος Grutas escavadas, cada um dita a lei a sua
παίδων ἠδ' ἀλόχων, οὐδ' ἀλλήλων ἀλέγουσι. Família e negligenciam uns aos outros

174-176, 9 Odisséia
.................................πειρήσομαι, οἵ τινές εἰσιν, Procurarei informar-me quem são,
ἤ ῥ' οἵ γ' ὑβρισταί τε καὶ ἄγριοι οὐδὲ δίκαιοι, Se acaso são violentos, rudes e injustos
ἦε φιλόξεινοι, καί σφιν νόος ἐστὶ θεουδής. Ou hospitaleiros e com mente pia

279-278, 9 Odisséia
ἀλλ' αἰδεῖο, φέριστε, θεούς· ἱκέται δέ τοί εἰμεν. Respeite os deuses, ó grande. Suplicamos
Ζεὺς δ' ἐπιτιμήτωρ ἱκετάων τε ξείνων τε, Zeus é o protetor dos suplicantes e da hospitalidade,
ξείνιος, ὃς ξείνοισιν ἅμ' αἰδοίοισιν ὀπηδεῖ.’ Que acompanha os veneráveis hóspedes
ὣς ἐφάμην, ὁ δέ μ' αὐτίκ' ἀμείβετο νηλέϊ θυμῷ· Falei, e ele me replicou de ânimo inexorável
’νήπιός εἰς, ὦ ξεῖν', ἢ τηλόθεν εἰλήλουθας, Estrangeiro, és néscio ou vieste de longe,
ὅς με θεοὺς κέλεαι ἢ δειδίμεν ἢ ἀλέασθαι. Pois me mandas temer os deuses e dobrar-me.
οὐ γὰρ Κύκλωπες Διὸς αἰγιόχου ἀλέγουσιν Aos Ciclopes não preocupa a égide de Zeus nem
οὐδὲ θεῶν μακάρων, ἐπεὶ ἦ πολὺ φέρτεροί εἰμεν· Deuses bem-aventurados, somos mais fortes;
οὐδ' ἂν ἐγὼ Διὸς ἔχθος ἀλευάμενος πεφιδοίμην Nem por temor da inimizade de Zeus pouparia
οὔτε σεῦ οὔθ' ἑτάρων, εἰ μὴ θυμός με κελεύοι A ti e teus parceiros, se não quisesse o ânimo
- o primitivo é ignorante e por isso inocente, não conhece a mentira:

408-414, 9 Odisséia
ὦ φίλοι, Οὖτίς με κτείνει δόλῳ οὐδὲ βίηφιν.’ Amigos, Ninguém me mata por dolo ou força.
οἱ δ' ἀπαμειβόμενοι ἔπεα πτερόεντ' ἀγόρευον· Em resposta lhe dirigiram estas palavras aladas:
’εἰ μὲν δὴ μή τίς σε βιάζεται οἶον ἐόντα, Se ninguém te violenta estando só, certamente é
νοῦσόν γ' οὔ πως ἔστι Διὸς μεγάλου ἀλέασθαι, Doença impingida por Zeus grande, mas reza a
ἀλλὰ σύ γ' εὔχεο πατρὶ Ποσειδάωνι ἄνακτι.’ Teu soberano pai Poseidon. Assim disseram
ὣς ἄρ' ἔφαν ἀπιόντες, ἐμὸν δ' ἐγέλασσε φίλον κῆρ, Partindo, e o meu amado coração riu, de
ὡς ὄνομ' ἐξαπάτησεν ἐμὸν καὶ μῆτις ἀμύμων.Como meu nome e plano intocável o enganaram

Todas as traduções foram feitas a partir do banco de dados Thesaurus Linguae Graecae
Referência Bibliográfica:
Homero. Odisséia, trad. Donaldo Schüler, L&M Pocket, 2007.
Santos, V. C. “Vico e a descoberta do verdadeiro Homero”, Acta Scientiarum, v. 27, n. 1,
2005, pp. 21-30.
______. “Mitologia Grega e Educação”, Fundamentos Filosóficos da Educação, EDUEM,
EAD, n. 5, 2008, pp. 11-28.
Disciplina: História da Filosofia I
Professor: Vladimir Chaves dos Santos
Tema: Fontes clássicas das idéias de ciclo e de progresso
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Maringá

Teogonia de Hesíodo
- Tempo dos deuses: sentido de progresso
- do caos à ordem (não há indícios de retorno cíclico ao caos)
- explicação genética de como o universo se torna o que é
- descrição de uma estrutura que tende a permanecer, mesmo sujeita a convulsões
- Temporalidade (conforme o tempo da narrativa): períodos não concatenados e linhas
genealógicas
- períodos não concatenados: Caos, Terra, Tártaro, Eros
- série não concatenada com antes e depois indefinidos, pontuais e heterogêneos
- linhas genealógicas com séries concatenadas:
_____________________________________
Eros
_____________________________/ Tifon_____
Tártaro

Linhagem do Céu __________________________


_________________/__________________________
Terra \_______________
Linhagem do Mar
______________________________________________
Caos \____________________
Linhagem da Noite

- Causalidade: aspecto causal das linhas genealógicas: explicam a origem dos vários
elementos e forças constituintes do universo
- a história dos deuses é ao mesmo tempo uma cosmogonia: conhecer os antepassados dos
deuses é conhecer a origem do universo
- não há tempo único e homogêneo, mas há um aspecto retilíneo e irreversível nas linhas
genealógicas
- Aspectos morais, jurídicos e políticos da Teogonia
- mito de soberania: justificação da ordem olímpica
-Titanomaquia
- Tifon
- três períodos da soberania cósmica: Urano (tirania), Kronos (tirania), Zeus (ordem olímpica)
- o bom soberano (Zeus) é aquele que distribui as honras e poderes X o mau soberano é aquele
que pretende governar sozinho (Urano e Kronos)
- insistência do tema da partilha na Teogonia:

71-74 (Proêmio: hino às Musas)


...........................ὁ δ' οὐρανῷ ἐμβασιλεύει, Ele reina no céu
αὐτὸς ἔχων βροντὴν ἠδ' αἰθαλόεντα κεραυνόν, Portando o trovão e o raio flamejante
κάρτει νικήσας πατέρα Κρόνον· εὖ δὲ ἕκαστα Tendo vencido o pai na força; a cada imortal
ἀθανάτοις διέταξε νόμους καὶ ἐπέφραδε τιμάς. Dispôs o seu quinhão e indicou a honra
108-112 (Proêmio: hino às Musas)
εἴπατε δ' ὡς τὰ πρῶτα θεοὶ καὶ γαῖα γένοντο Dizei como no início deuses e Terra nasceram,
καὶ ποταμοὶ καὶ πόντος ἀπείριτος οἴδματι θυίων Os Rios e o Mar imenso impelindo em onda,
ἄστρά τε λαμπετόωντα καὶ οὐρανὸς εὐρὺς ὕπερθεν· Astros brilhantes e o Céu amplo em cima
[οἵ τ' ἐκ τῶν ἐγένοντο, θεοὶ δωτῆρες ἐάων·] Os que deles nasceram, deuses doadores de bens,
ὥς τ' ἄφενος δάσσαντο καὶ ὡς τιμὰς διέλοντο Como dividiram a riqueza e as honras

881-885 (desenlace da luta contra os Titãs e contra Tifon)


αὐτὰρ ἐπεί ῥα πόνον μάκαρες θεοὶ ἐξετέλεσσαν, Quando os deuses terminaram o trabalho
Τιτήνεσσι δὲ τιμάων κρίναντο βίηφι, E decidiram pela força as honras dos Titãs,
δή ῥα τότ' ὤτρυνον βασιλευέμεν ἠδὲ ἀνάσσειν Encorajavam a ser rei e senhor dos imortais
Γαίης φραδμοσύνῃσιν Ὀλύμπιον εὐρύοπα Ζῆν Por conselhos da Terra Zeus longividente
ἀθανάτων· ὁ δὲ τοῖσιν ἐὺ διεδάσσατο τιμάς. Olímpio; e bem distribuiu entre eles as honras

διαδατέομαι (distribuir, repartir): aor ind mid 3rd sg (epic)


διαιρέω (dividir): aor ind mid 3rd pl (homeric ionic)
διατάσσω (disport, ordenar): aor ind act 3rd sg
φράζω (designar): aor ind act 3rd sg (epic)

- hierarquia: subordinação da função guerreira à função soberana: Zeus, os ciclopes (Arge,


Estérope, Bronte) e os hecatonquiros (Briareu, Giges, Coto)
- o bom e sábio soberano é auxiliado e protegido por fiéis guerreiros que compreendem e
respeitam sua sabedoria:

501-506 (Nascimento de Zeus)


λῦσε δὲ πατροκασιγνήτους ὀλοῶν ὑπὸ δεσμῶν, Soltou os tios paternos das funestas prisões,
Οὐρανίδας, οὓς δῆσε πατὴρ ἀεσιφροσύνῃσιν· Filhos do Céu, que o pai prendeu por loucura;
οἵ οἱ ἀπεμνήσαντο χάριν εὐεργεσιάων, Reconheceram por causa dos benefícios
δῶκαν δὲ βροντὴν ἠδ' αἰθαλόεντα κεραυνὸν E deram-lhe o trovão, o raio flamejante
καὶ στεροπήν· τὸ πρὶν δὲ πελώρη Γαῖα κεκεύθει· E o relâmpago, que até então a Terra cobrira;
τοῖς πίσυνος θνητοῖσι καὶ ἀθανάτοισιν ἀνάσσει. Neles confiante reina sobre todos

πῑσυνος,πίσυνος (confiante): masc/fem nom sg


ἀνάσσω (ser senhor, reinar): pres ind act 3rd sg

651-663 (Titanomaquia)
φαίνετε Τιτήνεσσιν ἐναντίον ἐν δαῒ λυγρῇ, Surgi contra os Titãs no vil combate, lembrando
μνησάμενοι φιλότητος ἐνηέος, ὅσσα παθόντες A gentil amizade e o quanto sofrestes na
ἐς φάος ἂψ ἀφίκεσθε δυσηλεγέος ὑπὸ δεσμοῦ Prisão cruel sob a treva nevoenta, antes que
ἡμετέρας διὰ βουλὰς ὑπὸ ζόφου ἠερόεντος.” Voltastes à luz do dia por vontade minha
ὣς φάτο· τὸν δ' αἶψ' αὖτις ἀμείβετο Κόττος ἀμύμων· Falou e respondeu irrepreensível Cotos:
“δαιμόνι', οὐκ ἀδάητα πιφαύσκεαι, ἀλλὰ καὶ αὐτοὶ Ó divino, não declaras o não sabido;
ἴδμεν ὅ τοι περὶ μὲν πραπίδες, περὶ δ' ἐστὶ νόημα, Sabemos que em ti há coração e mente,
ἀλκτὴρ δ' ἀθανάτοισιν ἀρῆς γένεο κρυεροῖο, És dos imortais o vingador da horrível praga,
σῇσι δ' ἐπιφροσύνῃσιν ὑπὸ ζόφου ἠερόεντος Por tua sabedoria de sob a treva nevoenta
ἄψορρον ἐξαῦτις ἀμειλίκτων ὑπὸ δεσμῶν Da amarga prisão sofrendo o desespero
ἠλύθομεν, Κρόνου υἱὲ ἄναξ, ἀνάελπτα παθόντες. De volta viemos, soberano filho de Cronos.
τῷ καὶ νῦν ἀτενεῖ τε νόῳ καὶ πρόφρονι θυμῷ Agora com mente firme e ânimo pronto
ῥυσόμεθα κράτος ὑμὸν ἐν αἰνῇ δηιοτῆτι, Protegeremos vosso poder na terrível batalha
μαρνάμενοι Τιτῆσιν ἀνὰ κρατερὰς ὑσμίνας.” Combatendo os Titãs na violenta contenda

μιμνήσκω (lembrar): aor part mid masc nom/voc pl


φιλότης (amizade): fem gen sg
ἀμῡμων,ἀμύμων (irrepreensível): masc/fem nom sg
πραπίδες (diafragma, entendimento, mente, coração): fem nom/voc pl
νόημα (percepção, pensamento, propósito): neut nom/voc/acc sg
ἐπιφροσύνη (sabedoria): fem dat pl (epic ionic)
ῥῡσόμεθα,ῥύομαι (proteger): fut ind mid 1st pl

- o tema da verdade e da mentira, honestidade e dissimulação, o juramento, o perjúrio, os


discursos que põem fim à desavença, as segundas e más intenções, o engano:

782-784 (Estige, rio da água do juramento)


ὁππότ' ἔρις καὶ νεῖκος ἐν ἀθανάτοισιν ὄρηται, Quando discórdia e disputa agitam os imortais,
καί ῥ' ὅστις ψεύδηται Ὀλύμπια δώματ' ἐχόντων, se alguém da casa olímpica mente,
Ζεὺς δέ τε Ἶριν ἔπεμψε θεῶν μέγαν ὅρκον ἐνεῖκαι Zeus faz Íris trazer o grande juramento

793-5
ὅς κεν τὴν ἐπίορκον ἀπολλείψας ἐπομόσσῃ Dos imortais do pico nevado do Olimpo
ἀθανάτων οἳ ἔχουσι κάρη νιφόεντος Ὀλύμπου, Quem jura falsamente tendo-a derramado
κεῖται νήυτμος τετελεσμένον εἰς ἐνιαυτόν· Jaz sem fôlego por um ano inteiro

- Kronos e Prometeu têm o epíteto de ἀγκυλομήτης, representam o ardiloso, aquele que tem
intenções ocultas ou más

- o rei inspirado pela Musa Kalíope (bela palavra):


85-90
πάντες ἐς αὐτὸν ὁρῶσι διακρίνοντα θέμιστας Todos o vêem decidir os julgamentos
ἰθείῃσι δίκῃσιν· ὁ δ' ἀσφαλέως ἀγορεύων Com reto juízo; discursando com firmeza
αἶψά τι καὶ μέγα νεῖκος ἐπισταμένως κατέπαυσε· E sabedoria, logo põe fim à querela;
τούνεκα γὰρ βασιλῆες ἐχέφρονες, οὕνεκα λαοῖς Pois os reis são prudentes quando às gentes
βλαπτομένοις ἀγορῆφι μετάτροπα ἔργα τελεῦσι Lesadas na ágora cumprem as reparações
ῥηιδίως, μαλακοῖσι παραιφάμενοι ἐπέεσσιν Facilmente, persuadindo com brandas palavras

ἰθείη δίκη (reta justiça, juízo): fem dat pl (epic ionic)


ἐχέφρων (prudente): masc/fem nom/voc pl
παραιφάμενος (persuadindo): masc nom/voc pl

Todas as traduções foram feitas a partir do banco de dados Thesaurus Linguae Graecae
Referência bibliográfica
Hesíodo. Teogonia, trad. de Jaa Torrano, Iluminuras, 1992.
Snell, B. A cultura grega e as origens do pensamento europeu, Perspectiva, 2005.
Vernant, J. Mito e Pensamento entre os Gregos, Paz e Terra, 1990.
Disciplina: História da Filosofia I
Professor: Vladimir Chaves dos Santos
Tema: Fontes clássicas das idéias de ciclo e de progresso
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Maringá

Os Trabalhos e os Dias de Hesíodo


- Tempo dos homens: sentido de decadência (principalmente moral)
- perspectiva “apocalíptica”, com uma controversa indicação de retorno cíclico
- continuidade indefinida ou retorno cíclico?
- a decadência não é contínua, nem definitiva
- os homens pagam o preço por suas escolhas: não há determinismo
- Temporalidade e causalidade
- mito das raças: apenas séries de períodos não concatenados com antes e depois heterogêneos
e pontuais
- as raças não engendram umas às outras, não há linhas genealógicas
- o passado da humanidade não explica o presente
- o mito das raças não tem aspecto causal e explicativo do ponto de vista da história da
humanidade: descreve o passado da humanidade como uma sucessão de períodos isolados e
pontuais, que não se desenvolvem como um processo
- sucessão e simultaneidade, diacronia e sincronia no mito das raças: o plano sobrenatural
(gênios, mortos, heróis) tem aspecto causal, pois explica a sobrevivência e a coexistência das
raças, isto é, a origem de um subconjunto de entes divinos, ou simplesmente sobrenaturais, que
constituem o universo atual
- Análise de Vernant
- componentes do mito hesiódico das raças conforme análise de Vernant: mito primitivo das
raças metálicas (ouro, prata, bronze, ferro) + subestrutura da hierarquia divina (gênios, mortos,
heróis) + estrutura funcional (soberania, guerra, fecundidade) + moral da estória (justiça X
excesso):

Períodos Plano sobrenatural


Função Moral da estóriaIdade da
da história post mortem humanidade
ouro Demônios Soberania Justiça Infância
propiciadores
epictônios
prata Demônios Soberania Excesso Infância
hipoctônios
bronze Mortos do Guerra Excesso Maturidade
Hades
heróis Heróis bem
Guerra Justiça Maturidade
aventurados
ferro Homens-justos Fecundidade
e Justiça/ Excesso Velhice
trabalhadores/
Homens-injustos e
parasitas
- estrutura funcional (cruzando Teogonia e Os Trabalhos e os Dias):

Justiça (Di/kh) Excesso (U(/brij) Função


Zeus/ Titãs/ soberania
raça de ouro/ rei justo raça de prata/ rei injusto
Hecatonquiros/Heróis/ Gigantes/raça de bronze/ guerra
guerreiro reverente guerreiro insubordinado
Homem justo/ trabalhador Homem injusto/ fecundidade
parasita e embusteiro

- subestrutura da hierarquia divina nos Trabalhos e os Dias:

Vida Sobrenatural post mortem


Raça de ouro Demônios propiciadores epictônios
Raça de prata Demônios hipoctônios
Raça de bronze Mortos anônimos do Hades
Heróis Heróis imortalizados

- ordem de decadência: + (ouro)


+ ↑(heróis)
- ↓(prata)
- ↓(bronze)
↑+/- ↓(ferro)

-Aspectos morais, jurídicos e políticos do mito das raças no contexto dos Trabalhos e os
Dias
- moral da estória: escuta a justiça (di/kh) e não deixe crescer o excesso (u(/brij):
213
Ὦ Πέρση, σὺ δ' ἄκουε δίκης μηδ' ὕβριν ὄφελλε·

- a moral da estória é válida para homens comuns (agricultores, pastores) e para reis
- o homem justo, rei ou agricultor, é aquele que sabe que “a metade vale mais que o todo”:
35-41
ἀλλ' αὖθι διακρινώμεθα νεῖκος Decidamos de uma vez nossa disputa
ἰθείῃσι δίκῃς, αἵ τ' ἐκ Διός εἰσιν ἄρισται. Com reto juízo, que de Zeus é o melhor
ἤδη μὲν γὰρ κλῆρον ἐδασσάμεθ', ἄλλα τε πολλὰ Já repartimos a herança, mas arrebataste
ἁρπάζων ἐφόρεις μέγα κυδαίνων βασιλῆας E levaste muito mais, presenteando reis venais,
δωροφάγους, οἳ τήνδε δίκην ἐθέλουσι δικάσσαι. Que esse litígio querem julgar. Néscios
νήπιοι, οὐδὲ ἴσασιν ὅσῳ πλέον ἥμισυ παντὸς Não sabem que a metade vale mais que o todo
οὐδ' ὅσον ἐν μαλάχῃ τε καὶ ἀσφοδέλῳ μέγ' ὄνειαρ.E quanto proveito dá a malva e o asfódelo

ἁρπάζω (arrebatar, roubar): pres part act masc nom sg


ἰθείη δίκη (reta justiça, juízo): fem dat pl (epic ionic)
διαδατέομαι (distribuir, repartir): aor ind mid 1st pl (epic)

- a vida sob o governo da justiça (225-237) é semelhante ao quadro da idade de ouro, com
festas, felicidade, abundância e prosperidade
- o tema do juramento e do perjúrio, a verdade e a mentira, o bom discurso:
280-285
εἰ γάρ τίς κ' ἐθέλῃ τὰ δίκαι' ἀγορεῦσαι Se alguém quer proferir coisas justas na ágora
γινώσκων, τῷ μέν τ' ὄλβον διδοῖ εὐρύοπα Ζεύς· Sabiamente, Zeus longevidente o beneficia;
ὃς δέ κε μαρτυρίῃσιν ἑκὼν ἐπίορκον ὀμόσσας Quem às testemunhas perjura de propósito
ψεύσεται, ἐν δὲ δίκην βλάψας νήκεστον ἀασθῇ, E mente, lesando a justiça, se desgraça sem
τοῦ δέ τ' ἀμαυροτέρη γενεὴ μετόπισθε λέλειπται· Cura: deixa no porvir a estirpe obscura;
ἀνδρὸς δ' εὐόρκου γενεὴ μετόπισθεν ἀμείνων Do homem de palavra, a estirpe será a melhor

ἀγορεύω (falar em assembléia, na ágora): aor inf act

- as retas sentenças trazem felicidade ao homem e à cidade; as sentenças injustas, infelicidade:


225-237
οἳ δὲ δίκας ξείνοισι καὶ ἐνδήμοισι διδοῦσιν Os que a estrangeiros e nativos dão sentenças
ἰθείας καὶ μή τι παρεκβαίνουσι δικαίου, Retas e não se desviam do justo em nada, para
τοῖσι τέθηλε πόλις, λαοὶ δ' ἀνθεῦσιν ἐν αὐτῇ· Eles a cidade cresce e o povo nela floresce;
εἰρήνη δ' ἀνὰ γῆν κουροτρόφος, οὐδέ ποτ' αὐτοῖς Sobre a terra há paz nutriz de jovens e a eles
ἀργαλέον πόλεμον τεκμαίρεται εὐρύοπα Ζεύς· Não manda penosa guerra o longevidente Zeus;
οὐδέ ποτ' ἰθυδίκῃσι μετ' ἀνδράσι λιμὸς ὀπηδεῖ Nem a homens equânimes a fome acompanha
οὐδ' ἄτη, θαλίῃς δὲ μεμηλότα ἔργα νέμονται. Nem a ruína, em festas repartem os produtos
τοῖσι φέρει μὲν γαῖα πολὺν βίον ................ Cultivados. A terra lhes traz muito alimento

θάλλω (desenvolver-se): perf ind act 3rd sg (epic doric ionic)


ἀνθέω (florescer): pres ind act 3rd pl (epic doric ionic aeolic)

219-224
αὐτίκα γὰρ τρέχει Ὅρκος ἅμα σκολιῇσι δίκῃσιν· Corre por sentenças injustas Juramento e
τῆς δὲ Δίκης ῥόθος ἑλκομένης ᾗ κ' ἄνδρες ἄγωσι o clamor de Justiça, arrastada por homens
δωροφάγοι, σκολιῇς δὲ δίκῃς κρίνωσι θέμιστας· venais, que decidem os julgamentos com
ἣ δ' ἕπεται κλαίουσα πόλιν καὶ ἤθεα λαῶν, sentenças injustas; ela chora a cidade e os costumes
ἠέρα ἑσσαμένη, κακὸν ἀνθρώποισι φέρουσα, vestida de ar, levando o mal aos homens,
οἵ τέ μιν ἐξελάσωσι καὶ οὐκ ἰθεῖαν ἔνειμαν. Que a expulsaram e não a distribuíram retamente

σκολιά δίκη (sentença injusta, torta): fem dat pl (epic ionic)


ῥόθος (clamor): masc nom sg
θέμις (aquilo que é estabelecido, lei): fem acc pl
δωροφάγος (devorador de presentes): masc/fem nom/voc pl
νέμω (dispensar, distribuir): aor ind act 3rd pl

248-255
Ὦ βασιλῆς, ὑμεῖς δὲ καταφράζεσθε καὶ αὐτοὶ Ó reis, considerai vós mesmos essa justiça; pois
τήνδε δίκην· ἐγγὺς γὰρ ἐν ἀνθρώποισιν ἐόντες Estão próximos imortais que entre os homens
ἀθάνατοι φράζονται ὅσοι σκολιῇσι δίκῃσιν Vigiam os que lesam outrem com sentenças
ἀλλήλους τρίβουσι θεῶν ὄπιν οὐκ ἀλέγοντες. Injustas, negligenciando a vingança divina.
τρὶς γὰρ μύριοί εἰσιν ἐπὶ χθονὶ πουλυβοτείρῃ Trinta mil estão sobre a terra multinutriz
ἀθάνατοι Ζηνὸς φύλακες θνητῶν ἀνθρώπων, Imortais de Zeus, guardiões dos homens,
οἵ ῥα φυλάσσουσίν τε δίκας καὶ σχέτλια ἔργα Eles observam julgamentos e feitos maldosos
ἠέρα ἑσσάμενοι, πάντη φοιτῶντες ἐπ' αἶαν. Vestidos de ar, vagam por toda terra.
φράζω (mostrar): pres ind mp 3rd pl
τρίβω (lesar): pres ind act 3rd pl (attic epic doric ionic)
ἀλέγω (ter cuidado, preocupar-se): pres part act masc nom/voc pl
φύλαξ (guardião): masc nom/voc pl
φυλάσσω (vigiar): pres ind act 3rd pl (attic epic doric ionic)
σχέτλιος, α, ον, (cruel, maldoso): neut nom/voc/acc pl

- Hesíodo lança uma crítica moral e religiosa aos homens de seu tempo: na idade de ouro os
homens viviam entre os deuses e como eles, depois se separam e correm o risco de serem
abandonados
- separação progressiva entre homens e deuses
- entre os deuses, o progresso (do caos à ordem) X entre os homens, a decadência (da ordem ao
caos)
- crença na providência divina: a piedade e o valor moral determinam os favores da
providência divina e a conseqüente relação positiva e próspera com a natureza: a natureza
reflete as boas ou as más relações com os deuses (certificadas pela virtude moral)

- o tema do roubo:

320-326
χρήματα δ' οὐχ ἁρπακτά, θεόσδοτα πολλὸν ἀμείνω· Bens não se furtam, presente dos deuses
εἰ γάρ τις καὶ χερσὶ βίῃ μέγαν ὄλβον ἕληται, É muito melhor; se alguém toma bens à força
ἢ ὅ γ' ἀπὸ γλώσσης ληίσσεται, οἷά τε πολλὰ Ou pela língua os rouba, como amiúde ocorre,
γίνεται, εὖτ' ἂν δὴ κέρδος νόον ἐξαπατήσῃ Quando a vantagem engana a mente dos
ἀνθρώπων, αἰδῶ δέ τ' ἀναιδείη κατοπάζῃ, Homens e o descaramento sufoca o pudor,
ῥεῖα δέ μιν μαυροῦσι θεοί, μινύθουσι δὲ οἶκον Facilmente os deuses obscurecem e aminguam
ἀνέρι τῷ, παῦρον δέ τ' ἐπὶ χρόνον ὄλβος ὀπηδεῖ. Sua casa, e por pouco tempo vê a felicidade

ἁρπακ-τός, ή, όν, ( aquilo que se pode roubar, roubado): neut nom/voc/acc pl


αἱρέω (pegar): aor subj mid 3rd sg
ληίζομαι (apanhar, roubar): aor subj mp 3rd sg (epic)
ἐξαπατάω (enganar): aor subj act 3rd sg (attic ionic)

Todas as traduções foram feitas a partir do banco de dados Thesaurus Linguae Graecae
Referência bibliográfica:
Hesíodo. Os Trabalhos e os Dias, trad. Mary C. N. Lafer, Iluminuras, 1996.
Nisbet, R. História da Idéia de Progresso, UNB, 1988.
Snell, B. A cultura grega e as origens do pensamento europeu, Perspectiva, 2005.
Vernant, J. Mito e Pensamento entre os Gregos, Paz e Terra, 1990.
Disciplina: História da Filosofia I
Professor: Vladimir Chaves dos Santos
Tema: Fontes clássicas das idéias de ciclo e de progresso
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Maringá

O mito de Prometeu na Teogonia e nos Trabalhos e os Dias

- mito de Prometeu: progresso ou decadência?


- em tradição posterior a Hesíodo, o mito de Prometeu torna-se o mito do progresso por
excelência; o domínio do fogo passa a significar o domínio técnico da natureza, sendo o fogo
instrumento emblemático de manipulação dos elementos naturais
- Prometeu: criador e benfeitor da humanidade
- em Hesíodo, Prometeu é apenas o benfeitor, mas às avessas: é causa da punição e da queda
- em Hesíodo, Prometeu é uma figura negativa, representa a fraude e o roubo: engana Zeus e
rouba-lhe o fogo para beneficiar os mortais, mas com isso arrasta a humanidade para o castigo
e duras condições de sobrevivência:

535-537 Teogonia
καὶ γὰρ ὅτ' ἐκρίνοντο θεοὶ θνητοί τ' ἄνθρωποι Quando decidiam deuses e homens imortais em
Μηκώνῃ, τότ' ἔπειτα μέγαν βοῦν πρόφρονι θυμῷ Mecona, ao dividir grande boi com ânimo
δασσάμενος προύθηκε, Διὸς νόον ἐξαπαφίσκων. Ofertou-o para enganar a mente de Zeus

ἐξαπαφίσκω (= ἐξαπατάω, enganar): pres part act masc nom sg

565-567 Teogonia
ἀλλά μιν ἐξαπάτησεν ἐὺς πάις Ἰαπετοῖο Mas o enganou o nobre filho de Jápeto
κλέψας ἀκαμάτοιο πυρὸς τηλέσκοπον αὐγὴν Furtou a radiante luz do fogo incansável
ἐν κοίλῳ νάρθηκι............................................ Em oca férula

κλέπτω (furtar): aor part act masc nom/voc sg (attic epic ionic)

47-52 Os Trabalhos e os Dias


ἀλλὰ Ζεὺς ἔκρυψε χολωσάμενος φρεσὶ ᾗσιν, Mas Zeus encolerizado no íntimo ocultou,
ὅττι μιν ἐξαπάτησε Προμηθεὺς ἀγκυλομήτης· Pois o enganou Prometeu ardiloso
τοὔνεκ' ἄρ' ἀνθρώποισιν ἐμήσατο κήδεα λυγρά, Por isso aos homens preparou miseráveis
κρύψε δὲ πῦρ· τὸ μὲν αὖτις ἐὺς πάις Ἰαπετοῖο Cuidados, ocultou o fogo; e de novo o bravo
ἔκλεψ' ἀνθρώποισι Διὸς παρὰ μητιόεντος Filho de Jápeto furtou-o de Zeus para os homens
ἐν κοίλῳ νάρθηκι, λαθὼν Δία τερπικέραυνον. Em oca férula, sem perceber Zeus gozo de raios

μήδομαι (preparar): aor ind mid 3rd sg


κήδεος (cuidado, preocupação): neut nom/voc/acc pl
λυγρός (triste, miserável): neut nom/voc/acc pl

- em Hesíodo, é mais um mito de decadência: descreve a perda da vida fácil e feliz junto a
Zeus e à natureza, que dá lugar às duras condições de sobrevivência a que é condenada a
humanidade com Pandora
- domínio do fogo: progresso ou decadência?
- em Hesíodo, o domínio do fogo é uma honra divina propiciadora da natureza
- o domínio da natureza pelo fogo não compensa os males que seu roubo acarreta
- antes do roubo, a natureza é propícia; depois, é adversa: a punição divina a torna hostil ao
homem
- o mito de Prometeu tem aspecto causal, pois explica a origem da dura condição humana
- basicamente, há duas etapas da história humana no mito de Prometeu de Hesíodo: o antes e o
depois do castigo de Pandora - antes, o homem vive sem conhecer o trabalho, nem doenças;
depois, a vida torna-se laboriosa e cheia de males

90-94 Os Trabalhos e os Dias (mito de Prometeu e Pandora)


Πρὶν μὲν γὰρ ζώεσκον ἐπὶ χθονὶ φῦλ' ἀνθρώπων Antes vivia sobre a terra o gênero humano
νόσφιν ἄτερ τε κακῶν καὶ ἄτερ χαλεποῖο πόνοιο Longe dos males, dos difíceis trabalhos,
νούσων τ' ἀργαλέων, αἵ τ' ἀνδράσι κῆρας ἔδωκαν. Das dolorosas doenças, que acabam com
[αἶψα γὰρ ἐν κακότητι βροτοὶ καταγηράσκουσιν.] O homem. Rápido envelhece na maldade

χθών (terra): fem dat sg


χαλεπός (difícil): masc/neut gen sg (epic)
πόνος (labor): masc gen sg (epic)
νοῦσος (doença): fem gen pl
ἀργαλέος (dolorosa): fem gen pl

- cruzando o mito de Prometeu e o mito das raças em busca do passado da humanidade


- Prometeu engana Zeus por duas vezes: o engodo na divisão do boi tem traços de sacrilégio e
impiedade, Zeus fica encolerizado e oculta o fogo; o roubo do fogo é causa do castigo de
Pandora
- idade de ouro: sociedade primitiva, viviam como deuses (reinado de Cronos)
- idade de prata: ímpios (o reinado de Zeus), não faziam sacrifícios, o que deixa Zeus
encolerizado:

134-138 Os Trabalhos e os Dias (raça de prata)


ὕβριν γὰρ ἀτάσθαλον οὐκ ἐδύναντο Orgulhoso excesso não podiam conter
ἀλλήλων ἀπέχειν, οὐδ' ἀθανάτους θεραπεύειν Uns dos outros, nem aos imortais queriam
ἤθελον οὐδ' ἔρδειν μακάρων ἱεροῖς ἐπὶ βωμοῖς, Servir e fazer sacrifícios em altares sacros,
ᾗ θέμις ἀνθρώποις κατὰ ἤθεα. τοὺς μὲν ἔπειτα Lei entre os homens segundo o costume. Em
Ζεὺς Κρονίδης ἔκρυψε χολούμενος, οὕνεκα τιμὰς Seguida Zeus encolerizado ocultou-os, pois
οὐκ ἔδιδον μακάρεσσι θεοῖς οἳ Ὄλυμπον ἔχουσιν. Não consagravam os deuses olímpicos

ὕβρις (violência, excesso): fem acc sg


ἔρδω (fazer, oferecer sacrifício): pres inf act (attic epic)
χολάω (estar cheio de bile negra, encolerizado): pres part mp masc nom sg (attic epic doric
ionic)

- talvez aqui se situe o episódio do engodo de Prometeu com o conteúdo da oferenda, que deixa
Zeus encolerizado:
553-564 Teogonia (mito de Prometeu)
χερσὶ δ' ὅ γ' ἀμφοτέρῃσιν ἀνείλετο λευκὸν ἄλειφαρ, Com as mãos ergueu a alva gordura,
χώσατο δὲ φρένας ἀμφί, χόλος δέ μιν ἵκετο θυμόν, Raivou no íntimo, a bile chegou ao peito,
ὡς ἴδεν ὀστέα λευκὰ βοὸς δολίῃ ἐπὶ τέχῃ. Porque viu alvos ossos do boi em dolosa arte.
ἐκ τοῦ δ' ἀθανάτοισιν ἐπὶ χθονὶ φῦλ' ἀνθρώπων Por isso aos imortais o gênero humano sobre a
καίουσ' ὀστέα λευκὰ θυηέντων ἐπὶ βωμῶν. Terra queima os ossos em altares sacrificiais.
τὸν δὲ μέγ' ὀχθήσας προσέφη νεφεληγερέτα Ζεύς· Indignado Zeus junta-nuvens disse-lhe:
“Ἰαπετιονίδη, πάντων πέρι μήδεα εἰδώς, Filho de Jápeto, que sabe os desígnios de todos,
ὦ πέπον, οὐκ ἄρα πω δολίης ἐπελήθεο τέχνης.” Ó gentil, não esqueceste mesmo a dolosa arte.
ὣς φάτο χωόμενος Ζεὺς ἄφθιτα μήδεα εἰδώς. Falou com raiva Zeus, de planos imperecíveis
ἐκ τούτου δἤπειτα χόλου μεμνημένος αἰεὶ Lembrando-se sempre dessa cólera depois
οὐκ ἐδίδου μελίῃσι πυρὸς μένος ἀκαμάτοιο Não deu nos freixos o poder do fogo incansável
θνητοῖς ἀνθρώποις οἳ ἐπὶ χθονὶ ναιετάουσιν Aos homens mortais que sobre a terra vivem

χώομαι (estar enraivecido): aor ind mid 3rd sg (homeric ionic)


χόλος (bile negra): masc nom sg
δολία (dolosa): fem dat sg (epic ionic)
καίω (queimar): pres ind act 3rd pl
θυάω (oferecer sacrifícios): pres part act masc/neut gen pl
βωμός (altar): masc gen pl
ὀχθέω (estar indignado): aor part act masc nom/voc sg (attic epic ionic)

- após o primeiro engodo, Zeus oculta o fogo e os homens sofrem “tristes pesares” (49, Os
Trabalhos e os Dias, mito de Prometeu e Pandora), mas ainda assim “honra os acompanha”
(142, Os Trabalhos e os Dias, raça de prata); talvez vivessem ainda “longe de males e difíceis
trabalhos”

- idade de bronze: sociedade bélica


- talvez aqui se situe o episódio do roubo do fogo e do castigo de Pandora, pelo qual os homens
são condenados a trabalhar; eles conhecem a metalurgia, mas não a agricultura:

145-147 (Os Trabalhos e os Dias, raça de bronze)


ἐκ μελιᾶν, δεινόν τε καὶ ὄβριμον· οἷσιν Ἄρηος De freixo, terrível e violenta; lhes importava o
ἔργ' ἔμελε στονόεντα καὶ ὕβριες, οὐδέ τι σῖτον Trabalho gemente e violências de Ares, não
ἤσθιον .............................................................. Comiam trigo algum

σῖτος (grãos): masc acc sg


ἐσθίω (comer): imperf ind act 3rd pl

150-151 (Os Trabalhos e os Dias, raça de bronze)


τῶν δ' ἦν χάλκεα μὲν τεύχεα, χάλκεοι δέ τε οἶκοι, Brônzeas as suas armas, brônzeas as casas
χαλκῷ δ' εἰργάζοντο· μέλας δ' οὐκ ἔσκε σίδηρος.Com bronze lidavam, negro ferro inexistia

- os deuses afastam-se mais dos homens: esses por sua própria violência aniquilam-se
mutuamente sem intervenção divina
- idade dos heróis
- Helena de Tróia representa Pandora; Zeus, por clemência, teria dado à raça guerreira mais
justiça
- a idade dos heróis mostra que a decadência da humanidade não é inexorável; do contrário o
mito das raças não serviria para convencer Perses e os reis sobre as virtudes da Di/kh (Justiça)
e os males da U/(brij (Excesso); a história do homem é tal que ele pode promover bem-
aventurança ou infelicidade, de acordo com suas escolhas
- a idade dos heróis é um progresso ético e político, embora ainda não restaure a condição de
ouro, e serve de modelo de justiça recente para a dura vida da idade de ferro

- idade de ferro: sociedade agrícola, vida laboriosa e repleta de males (labutas, penas,
hostilidades, angústias), o homem tem que tirar os frutos da natureza com o suor de seu rosto,
tempos de Pandora, vida ambígua e cheia de escolhas, mas “aos males bens estarão
misturados”:

176-179 (Os Trabalhos e os Dias, raça de ferro)


νῦν γὰρ δὴ γένος ἐστὶ σιδήρεον· οὐδέ ποτ' ἦμαρ Agora é a raça de ferro, nem cessarão um só
παύσονται καμάτου καὶ ὀιζύος οὐδέ τι νύκτωρ Dia com a fadiga e a miséria, nem à noite
φθειρόμενοι· χαλεπὰς δὲ θεοὶ δώσουσι μερίμνας. De se destruir; árduas angústias darão os
ἀλλ' ἔμπης καὶ τοῖσι μεμείξεται ἐσθλὰ κακοῖσιν.Deuses; mas aos males bens se misturarão.

κάματος (trabalho pesado): masc gen sg


ὀιζύς (aflição, miséria): fem gen sg

- em Hesíodo, o castigo de Pandora contrapesa o benefício dado pelo roubo do fogo (do qual o
homem já usufruía na idade de ouro)
- Pandora representa o predomínio dos filhos da Noite na vida humana
- futuro “apocalíptico” para a raça de ferro, quando os filhos da Noite dominarem por completo
a vida humana
- dimensão ética: a escolha humana determina a sua felicidade - futuro otimista com trabalho e
justiça; com ociosidade e excesso, futuro “apocalíptico”

- mito de Prometeu e mito das raças no contexto dos Trabalhos e os Dias


- mito das duas Lutas (E)/rij) - condição humana atual: o homem está condenado a lutar para
sobreviver e ser feliz; mas há uma luta justa, aquela do trabalho, que promove a competição, a
emulação; e uma injusta, aquela que se serve de calúnias, injúrias, trapaças e compra de juízes,
que promove a discórdia, o conflito
- mito de Prometeu e Pandora- origem da condição humana: primitivamente o homem vivia
longe de males e regalado pela natureza, mas foi condenado pelos deuses por seu excesso e
violência (orgulho, impiedade, fraude) a ter que trabalhar para arrancar da natureza seu
sustento
- mito das raças: à medida que a estrutura da sociedade humana e divina se forma, encontra-se
exemplos de conduta que levam o homem a ser bem-aventurado ou infeliz
- parábola do rouxinol e do gavião: a justiça divina é mais forte que a corruptível justiça
humana, ela prevalece no final
- esquema da história humana:

ocultação do fogo
/
boa vida \ roubo castigo de Pandora Zeus dá justiça condição atual
sem trabalho / do fogo e trabalho ao homem do homem
___/__\_____\_____\___/______________________/____________________/
\ \ \ \ \
ouro prata bronze heróis ferro
/ \ nasce a Luta Helena as duas Lutas
\ impiedade e entre os homens, justiça ambigüidade da
/ violência o trabalho o homem é vida humana:
\ primitiva da guerra feliz com justiça justiça e excesso
felicidade os homens morrem por si
primitiva sem intervenção divina

Todas as traduções foram feitas a partir do banco de dados Thesaurus Linguae Graecae
Referência bibliográfica:
Hesíodo. Os Trabalhos e os Dias, trad. Mary C. N. Lafer, Iluminuras, 1996.
______. Teogonia, trad. de Jaa Torrano, Iluminuras, 1992.
Nisbet, R. História da Idéia de Progresso, UNB, 1988.
Snell, B. A cultura grega e as origens do pensamento europeu, Perspectiva, 2005.
Vernant, J. Mito e Pensamento entre os Gregos, Paz e Terra, 1990.
Disciplina: História da Filosofia I
Professor: Vladimir Chaves dos Santos
Tema: Fontes clássicas das idéias de ciclo e de progresso
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Maringá

Memória e História

- memória: conquista do passado individual


- história: conquista do passado coletivo

- catálogos (lista de agentes humanos e divinos): é por meio deles que se fixa e se transmite o
repertório de conhecimentos que permite o grupo social decifrar o seu passado
- O Catálogo das Naus (Homero, Ilíada, II)
- Teogonia: catálogo dos deuses (Hesíodo)
- genealogias e etimologias em Homero

- o passado em Hesíodo é muito mais que o antecedente do presente: é a sua fonte


- o terreno da memória em Hesíodo não é o da cronologia, mas da ontologia: as origens não se
situam em um quadro cronológico, mas no fundo do ser
- a memória do aedo, por inspiração divina, revela a realidade primordial da qual saiu o cosmo
- cosmogonia e teogonia:
- a gênese do mundo comporta um antes e um depois, mas não se trata de um tempo único e
homogêneo
- os períodos do passado não são cronológicos, mas genealógicos: cada geração (ge/noj) tem
seu próprio tempo, idade, duração, fluxo, orientação
- contemporâneos do tempo original, Gaia e Uranos permanecem o fundamento inabalável do
mundo de hoje; os Titãs e os monstros vencidos por Zeus ainda se agitam no mundo infernal;
as quatro raças do passado tornaram-se demônios e seres que habitam o além
- o tempo dos deuses não conhece nem a velhice nem a morte como o dos homens

- Hesíodo confere à pesquisa das origens um sentido religioso: sua verdade é dada por
inspiração divina
- ao ordenamento do mundo religioso está associada a determinação das origens
- o passado é uma dimensão do além
- a rememoração de Hesíodo distancia-se do presente somente em relação ao mundo visível;
por trás dele, descobre outras regiões do ser, outros níveis cósmicos (o mundo infernal e o
celestial)
- o passado é parte integrante do cosmo; explorá-lo é descobrir o que se dissimula nas
profundezas do ser
- a história que cantam as Musas, filhas da Memória, é um deciframento do invisível, uma
geografia do sobrenatural
- o aedo é capaz de, através das Musas e da Memória, transitar livremente entre o mundo dos
vivos, visível, e o mundo do além, invisível
- sentido forte de história: conhecer a história não é datar os eventos no passado, mas
descobrir a origem do presente e o que há de invisível nele, isto é, explicar as causas primeiras
que o produziram, principalmente do que se esconde por trás das aparências óbvias

Referência bibliográfica:

Vernant, J. Mito e Pensamento entre os Gregos, Paz e Terra, 1990.


Disciplina: História da Filosofia I
Professor: Vladimir Chaves dos Santos
Tema: Fontes clássicas das idéias de ciclo e de progresso
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Maringá

Ciclos nos meios órficos e pitagóricos

- as sociedades agrícolas têm as estações como modelo de temporalidade: períodos distintos


definidos por fatos e recorrência de séries análogas (inverno: tempo de plantio; outono: tempo
de colheita; mas um inverno nunca é igual ao outro)
- tempo enquanto período: tempo de plantio, era de Cronos, etc
- ciclos das estações, dos nascimentos, das festas, ciclos lunares, solares, astronômicos, etc
- os ciclos alternam momentos positivos e negativos (caos e ordem, nascimento e morte, verão
e inverno, seca e chuva)

- entre os órfico-pitagóricos há um dualismo temporal derivado do dualismo ontológico alma-


corpo: o eterno, tempo da alma; e o cíclico, tempo do corpo
- metempsicose: os ciclos estão ligados ao mutável, ao corpo mortal, ao sensível; a alma
permanece a mesma ao longo de suas reencarnações
- tempo humano mortal, do corpo, mutável, instável, cíclico, negativo X tempo divino, eterno,
da alma, constante, imutável
- o a)iw/n divino não evoca o perpétuo recomeçar daquilo que se restaura incessantemente,
significa a permanência em uma identidade eternamente imóvel, está no registro do atemporal
- a imagem do círculo, símbolo da ordem temporal, toma um significado ambíguo: o ku/kloj
permanece modelo de perfeição, o percurso circular dos astros é a imagem móvel da eternidade
imóvel, o tempo divino está associado ao incorruptível; por outro lado, o ku/kloj humano é o
triste ciclo de necessidade e sofrimento, a roda cruel dos nascimentos e mortes
- os ciclos são considerados absolutamente negativos pela condição de instabilidade
- repulsa à existência temporal: é preciso sair do tempo humano mutável para estar no plano do
atemporal

- da cosmologia à escatologia: da preocupação com as linhagens e a explicação da estrutura do


cosmo (Hesíodo) a uma preocupação religiosa, uma nova preocupação com a salvação
- os ciclos de reencarnação são castigos (lembrar da repetição infernal dos castigos do Tártaro)
- a vida terrestre é uma expiação
- a alma está presa ao devir cíclico das provações, na pele de homem, animal ou planta
- é preciso purificar-se, expiar, pagar por faltas cometidas em existências anteriores, seja por
um antepassado, seja pelo próprio indivíduo, seja pelo inteiro gênero humano; faltas que são
manchas, que devem ser limpas por ritos purificatórios ou pela adoção de uma regra de vida
- a alma redime-se por meio de uma disciplina de vida ascética, pela qual se desliga dos ciclos
infernais do tempo
- a alma precisa deixar a vida humana submetida aos ciclos infernais de mudança para ascender
ao tempo do constante e divino, do qual é aparentada
- Memória: não mais técnica de recitação, nem descoberta das origens, mas meio de libertar a
alma da morte e do esquecimento de sua verdadeira natureza
- Memória (Mnhmosu/nh) X Esquecimento (Lh/qh)
- nas lâminas douradas de Peteléia e Eleuterna, que os defuntos carregavam a fim de guiá-los
pelos meandros do além, há uma encruzilhada de caminhos: no caminho da esquerda está
Lh/qh, a fonte do esquecimento – quem a bebe fica preso ao triste ciclo da dores; no caminho
da direita está o lago de Mnhmosu/nh – suas águas são para as almas puras, que querem
escapar das reencarnações
- as águas de Lh/qh não estão mais na entrada do Hades, mas na saída, dá-se o esquecimento
quando a alma volta à terra para se juntar ao corpo
- a alma se esquece das vidas anteriores
- o Esquecimento está ligado ao tempo humano da condição mortal, cujo fluxo jamais se detém
e é inexorável necessidade
- o esforço de rememoração (a)na/mnhsij) das vidas anteriores e de suas faltas é já uma
purificação, disciplina ascética, exercício pitagórico, o primeiro passo para a redenção e a
salvação
- a reminiscência das encarnações que o daí/mwn da nossa alma conheceu outrora lança uma
ponte entre nossa existência de homem e o resto do universo, e permite reconhecer o
parentesco e a circulação incessante entre todos os seres da natureza
- a preocupação com a salvação individual leva ao caminho da integração com o todo
- a Memória é a fonte do saber em geral, da onisciência, ou o instrumento de uma libertação
em relação ao tempo
- em Platão, nas águas do rio do Esquecimento as almas perdem a lembrança das verdades
eternas e das realidades celestiais, das quais são aparentadas, que puderam contemplar antes de
voltar à terra, e as quais a a)na/mnhsij, entregando-as a sua verdadeira natureza, permite-lhes
reencontrar
- em Platão o aspecto mítico da Memória está integrado a uma teoria geral do conhecimento:
ignorância-esquecimento X conhecimento-recordação; mas antes disso está fundamentalmente
ligado à crença na metempscicose
- o número fixo de almas (como o de astros e o de lares) implica para a vida humana um
percurso circular que permite integrá-la na ordem de um tempo cíclico, cobrindo a natureza, a
sociedade e a existência individual
- a a)namnh/sij platôncia, embora não reconduza à lembrança das vidas anteriores, faz-se
instrumento de luta contra o tempo, que se decobre como um fluxo, domínio do pa/nta r(e/ei;
é a conquista de um saber que transforma a existência humana ligando-a à ordem cósmica e à
imutabilidade divina

Referência bibliográfica:

Vernant, J. Mito e Pensamento entre os Gregos, Paz e Terra, 1990.


Disciplina: História da Filosofia I
Professor: Vladimir Chaves dos Santos
Tema: Fontes clássicas das idéias de ciclo e de progresso
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Maringá

Pessimismo e tempo linear na lírica arcaica


- Homero: ocorrência de pessimismo no quadro de uma concepção cíclica de alternância e
renovação periódica:

Ilíada, VI, 146


οἵη περ φύλλων γενεὴ τοίη δὲ καὶ ἀνδρῶν. Qual à das folhas a geração dos homens. As
φύλλα τὰ μέν τ' ἄνεμος χαμάδις χέει, ἄλλα δέ θ' ὕλη Folhas, o vento lança sobre a terra.
τηλεθόωσα φύει, ἔαρος δ' ἐπιγίγνεται ὥρη· Verdejando, a selva enfolha outras, vindo a
ὣς ἀνδρῶν γενεὴ ἣ μὲν φύει ἣ δ' ἀπολήγει. Primavera. Eis os homens: nascem-morrem

- Hesíodo: pessimismo no quadro de uma concepção de decadência a partir da idade de ouro e


de futuro “apocalíptico” na idade de ferro, persistindo a violência e o excesso; por outro lado,
há razões para o otimismo em relação ao futuro desde que a idade de ferro se volte para a
justiça e o trabalho

- Órficos: pessimismo no quadro de uma concepção cíclica absolutamente negativa de tempo


humano, concebido como ciclo infernal de expiação, do qual é preciso evadir-se para alcançar
a salvação futura.

- lírica arcaica: pessimismo no quadro de uma concepção linear de tempo

- o abandono do ideal heróico, o advento de valores diretamente ligados à vida afetiva do


indivíduo e submetidos às vicissitudes da existência humana, levam a uma experiência do
tempo que não se enquadra no modelo de devir circular
- preocupação com a vida emocional e as experiências pessoais
- consciência da individualidade
- Arquíloco: “cada um de diversa maneira o coração aquece”
- a diversidade dos pontos de vista faz com que a pessoa sinta mais agudamente o próprio eu na
sua particularidade
- Safo: ao esplendor exterior antepõe o sentimento interior
- o sentimento parodoxal e contraditório que exprime um dissídio interior é próprio do mundo
da alma e o distingue do mundo físico
- instabilidade do indivíduo submetido às vicissitudes do tempo
- Arquíloco: “Vário é o ânimo dos homens, ó Glauco, filho de Léptine: muda segundo o dia
que Zeus lhes manda e só com o próprio interesse concorda o pensamento”

- celebração do presente
- tomada de consciência de um tempo humano esvaindo-se sem retorno ao longo de uma linha
irreversível
- tempo fugaz
- nostalgia e hedonismo diante da fuga inexorável do tempo
- entregue ao momento presente de um fluxo temporal móvel, cambiante e irreversível, e
dominado pela fatalidade da morte, o indivíduo percebe o tempo como uma força destrutiva
- Arquíloco exprime as angústias do soldado
- Safo: as angústias do amor

- Catulo (séc. I a. C.): brevidade da vida e hedonismo

Poema V

...Soles occidere et redire possunt; Os sóis podem morrer e retornar;


Nobis cum semel occidit brevis lux, Nós, uma vez que morre a breve luz,
Nox est perpetua una dormienda... Noite única e perpétua devemos dormir

Referência bibliográfica:

Catulo. O Cancioneiro de Lésbia, Hucitec, 1991.


Safo. Safo de Lesbos, Ars Poética, 1992.
Snell, B. A cultura grega e as origens do pensamento europeu, Perspectiva, 2005.
Vernant, J. Mito e Pensamento entre os Gregos, Paz e Terra, 1990.
Disciplina: História da Filosofia I
Professor: Vladimir Chaves dos Santos
Tema: Fontes clássicas das idéias de ciclo e de progresso
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Maringá

Progresso e ciclo em Aristóteles

- a ciência por si desinteressada como ápice do progresso.

(Metafísica 982b11)
Ὅτι δ' οὐ ποιητική, δῆλον καὶ ἐκ τῶν πρώτων φιλοσοφη-
σάντων· διὰ γὰρ τὸ θαυμάζειν οἱ ἄνθρωποι καὶ νῦν καὶ
τὸ πρῶτον ἤρξαντο φιλοσοφεῖν, ἐξ ἀρχῆς μὲν τὰ πρόχειρα
τῶν ἀτόπων θαυμάσαντες, εἶτα κατὰ μικρὸν οὕτω προϊόντες
καὶ περὶ τῶν μειζόνων διαπορήσαντες, οἷον περί τε τῶν τῆς
σελήνης παθημάτων καὶ τῶν περὶ τὸν ἥλιον καὶ ἄστρα
καὶ περὶ τῆς τοῦ παντὸς γενέσεως. ὁ δ' ἀπορῶν καὶ θαυμά-
ζων οἴεται ἀγνοεῖν (διὸ καὶ ὁ φιλόμυθος φιλόσοφός πώς
ἐστιν· ὁ γὰρ μῦθος σύγκειται ἐκ θαυμασίων)· ὥστ' εἴπερ διὰ
τὸ φεύγειν τὴν ἄγνοιαν ἐφιλοσόφησαν, φανερὸν ὅτι διὰ τὸ
εἰδέναι τὸ ἐπίστασθαι ἐδίωκον καὶ οὐ χρήσεώς τινος ἕνεκεν.
μαρτυρεῖ δὲ αὐτὸ τὸ συμβεβηκός· σχεδὸν γὰρ πάντων
ὑπαρχόντων τῶν ἀναγκαίων καὶ πρὸς ῥᾳστώνην καὶ διαγω-
γὴν ἡ τοιαύτη φρόνησις ἤρξατο ζητεῖσθαι. δῆλον οὖν ὡς δι'
οὐδεμίαν αὐτὴν ζητοῦμεν χρείαν ἑτέραν, ἀλλ' ὥσπερ ἄνθρω-
πος, φαμέν, ἐλεύθερος ὁ αὑτοῦ ἕνεκα καὶ μὴ ἄλλου ὤν, οὕτω
καὶ αὐτὴν ὡς μόνην οὖσαν ἐλευθέραν τῶν ἐπιστημῶν· μόνη
γὰρ αὕτη αὑτῆς ἕνεκέν ἐστιν.

Que não é produtiva, é evidente pelos que primeiro filosofaram; os homens primeiro
começaram a filosofar, e ainda hoje, pelo espanto; de início se admirando com os fenômenos
insólitos mais acessíveis; depois, avançando assim aos poucos e ficando perplexos com
problemas maiores, como as variações da lua, o que é relativo ao sol, aos astros e à origem do
universo. Quem fica em aporia e se admira supõe ignorar (por isso o filômito é de algum modo
filósofo: pois o mito é composto de coisas espantosas); de modo que se filosofaram para fugir
da ignorância, parece que procuraram conhecer pelo saber e não por causa de alguma utilidade.
Testemunha disso é o que aconteceu. Quando já havia quase tudo que é necessário e relativo ao
conforto e ao deleite, começaram a procurar tal sabedoria. É evidente que por nenhuma outra
utilidade a buscamos, mas, tal como chamamos homem livre quem é por si e não por outro,
assim apenas essa dentre as ciências consideramos livre; só ela é por si.
- progresso das contribuições

(Metafísica 993a30)
Ἡ περὶ τῆς ἀληθείας θεωρία τῇ μὲν χαλεπὴ τῇ δὲ
ῥᾳδία. σημεῖον δὲ τὸ μήτ' ἀξίως μηδένα δύνασθαι θιγεῖν
αὐτῆς μήτε πάντας ἀποτυγχάνειν, ἀλλ' ἕκαστον λέγειν τι
περὶ τῆς φύσεως, καὶ καθ' ἕνα μὲν ἢ μηθὲν ἢ μικρὸν ἐπιβάλ-
λειν αὐτῇ, ἐκ πάντων δὲ συναθροιζομένων γίγνεσθαί τι μέγε-
θος·

A contemplação da verdade é difícil, por um lado, e fácil, por outro. Sinal disso
é que ninguém é capaz de atingi-la dignamente, nem falhar por completo, mas cada um pode
dizer algo acerca da natureza; particularmente nada ou pouco contribui a ela, mas todos
reunidos tem alguma grandeza.

......
οὐ μόνον δὲ
χάριν ἔχειν δίκαιον τούτοις ὧν ἄν τις κοινώσαιτο ταῖς δό-
ξαις, ἀλλὰ καὶ τοῖς ἐπιπολαιότερον ἀποφηναμένοις· καὶ
γὰρ οὗτοι συνεβάλοντό τι· τὴν γὰρ ἕξιν προήσκησαν ἡμῶν·
εἰ μὲν γὰρ Τιμόθεος μὴ ἐγένετο, πολλὴν ἂν μελοποιίαν οὐκ
εἴχομεν· εἰ δὲ μὴ Φρῦνις, Τιμόθεος οὐκ ἂν ἐγένετο. τὸν
αὐτὸν δὲ τρόπον καὶ ἐπὶ τῶν περὶ τῆς ἀληθείας ἀποφηναμένων·
παρὰ μὲν γὰρ ἐνίων παρειλήφαμέν τινας δόξας, οἱ δὲ τοῦ
γενέσθαι τούτους αἴτιοι γεγόνασιν.

É justo agradecer não apenas àqueles de cujas opiniões alguém poderia compartilhar,
mas também àqueles que se manifestaram mais superficialmente. Também esses
contribuíram com algo, já que prepararam nossa disposição. Se Timóteo não existisse,
não teríamos muitas líricas, mas sem Frinis, Timóteo não existiria. O mesmo acontece
com os que se manifestam acerca da verdade: de uns recebemos certas doutrinas, mas
outros foram causa da existência desses.

- progresso como desenvolvimento orgânico, que atinge um fim, um te/loj

(Poética 1448b20)
κατὰ φύσιν δὲ ὄντος ἡμῖν τοῦ μιμεῖσθαι καὶ τῆς ἁρμονίας
καὶ τοῦ ῥυθμοῦ (τὰ γὰρ μέτρα ὅτι μόρια τῶν ῥυθμῶν ἐστι
φανερὸν) ἐξ ἀρχῆς οἱ πεφυκότες πρὸς αὐτὰ μάλιστα κατὰ
μικρὸν προάγοντες ἐγέννησαν τὴν ποίησιν ἐκ τῶν αὐτο-
σχεδιασμάτων.

Sendo natural para nós o imitar, a harmonia e o ritmo (e é evidente que os metros são
parte do ritmo), desde o início os naturalmente mais propensos a isso, avançando aos
poucos, engendraram a poesia a partir de improvisos
.......
1449a9
γενομένη δ' οὖν ἀπ' ἀρχῆς αὐτο-
σχεδιαστικῆς – καὶ αὐτὴ καὶ ἡ κωμῳδία, καὶ ἡ μὲν ἀπὸ
τῶν ἐξαρχόντων τὸν διθύραμβον, ἡ δὲ ἀπὸ τῶν τὰ φαλ-
λικὰ ἃ ἔτι καὶ νῦν ἐν πολλαῖς τῶν πόλεων διαμένει νομι-
ζόμενα – κατὰ μικρὸν ηὐξήθη προαγόντων ὅσον ἐγίγνετο
φανερὸν αὐτῆς· καὶ πολλὰς μεταβολὰς μεταβαλοῦσα ἡ
τραγῳδία ἐπαύσατο, ἐπεὶ ἔσχε τὴν αὑτῆς φύσιν. καὶ τό
τε τῶν ὑποκριτῶν πλῆθος ἐξ ἑνὸς εἰς δύο πρῶτος Αἰσχύ-
λος ἤγαγε καὶ τὰ τοῦ χοροῦ ἠλάττωσε καὶ τὸν λόγον
πρωταγωνιστεῖν παρεσκεύασεν· τρεῖς δὲ καὶ σκηνογραφίαν
Σοφοκλῆς. ἔτι δὲ τὸ μέγεθος· ἐκ μικρῶν μύθων καὶ λέ-
ξεως γελοίας διὰ τὸ ἐκ σατυρικοῦ μεταβαλεῖν ὀψὲ ἀπ-
εσεμνύνθη, τό τε μέτρον ἐκ τετραμέτρου ἰαμβεῖον ἐγένετο.
τὸ μὲν γὰρ πρῶτον τετραμέτρῳ ἐχρῶντο διὰ τὸ σατυρικὴν
καὶ ὀρχηστικωτέραν εἶναι τὴν ποίησιν, λέξεως δὲ γενομένης
αὐτὴ ἡ φύσις τὸ οἰκεῖον μέτρον εὗρε·

Nascida de um princípio improvisado – ela e a Comédia – aquela dos regentes do ditirambo,


esta dos regentes dos cantos fálicos, que ainda hoje são comuns em muitas cidades – aos
poucos foi incrementada à medida que evoluía o que nela se tornava notável. E, depois de
muitas mudanças, a Tragédia se deteve, já que realizara sua natureza. Ésquilo foi o primeiro
que levou o número de atores de um para dois, diminuiu o papel do coro e preparou o
argumento para ser o mais importante. Sófocles introduziu três atores e a cenografia. Quanto à
grandeza, tarde chegou à glória, desde que deixou os mitos curtos e a elocução ridícula do
elemento satírico. Quanto ao metro, de tetrâmetro tornou-se jâmbico. Primeiro, usaram o
tetrâmetro por causa da sátira e da dança, mas, quando surgiu a elocução, a natureza descobriu
o metro apropriado.
- ciclos de nascimento e morte das civilizações

(Metafísica 1074b)
παραδέδοται
δὲ παρὰ τῶν ἀρχαίων καὶ παμπαλαίων ἐν μύθου σχή-
ματι καταλελειμμένα τοῖς ὕστερον ὅτι θεοί τέ εἰσιν
οὗτοι καὶ περιέχει τὸ θεῖον τὴν ὅλην φύσιν. τὰ δὲ λοιπὰ
μυθικῶς ἤδη προσῆκται πρὸς τὴν πειθὼ τῶν πολλῶν καὶ
πρὸς τὴν εἰς τοὺς νόμους καὶ τὸ συμφέρον χρῆσιν· ἀνθρω-
ποειδεῖς τε γὰρ τούτους καὶ τῶν ἄλλων ζῴων ὁμοίους τισὶ
λέγουσι, καὶ τούτοις ἕτερα ἀκόλουθα καὶ παραπλήσια τοῖς
εἰρημένοις, ὧν εἴ τις χωρίσας αὐτὸ λάβοι μόνον τὸ πρῶ-
τον, ὅτι θεοὺς ᾤοντο τὰς πρώτας οὐσίας εἶναι, θείως ἂν εἰρῆ-
σθαι νομίσειεν, καὶ κατὰ τὸ εἰκὸς πολλάκις εὑρημένης εἰς
τὸ δυνατὸν ἑκάστης καὶ τέχνης καὶ φιλοσοφίας καὶ πάλιν
φθειρομένων καὶ ταύτας τὰς δόξας ἐκείνων οἷον λείψανα
περισεσῶσθαι μέχρι τοῦ νῦν. ἡ μὲν οὖν πάτριος δόξα καὶ
ἡ παρὰ τῶν πρώτων ἐπὶ τοσοῦτον ἡμῖν φανερὰ μόνον.

Foi transmitido aos pósteros pelos primeiros e muito antigos, sob a forma de mito, que esses
são deuses e que o divino abarca toda a natureza. O restante foi acrescido miticamente já para
persuasão da massa e para utilidade das leis e do interesse. Dizem que esses têm forma humana
ou semelhante a alguns outros animais, e coisas análogas e próximas a essas ditas, das quais, se
alguém, separando isso, tomar somente o sentido primeiro - que acreditavam que as
substâncias primeiras eram deuses -, julgará que é dito divinamente, e, como é verossímil que
várias vezes foram descobertas, na medida do possível, cada uma das artes e filosofias, e tendo
sido novamente destruídas, essas opiniões, como relíquias suas, foram salvas até hoje.
Portanto, só até aí a opinião ancestral e dos primeiros nos é manifesta.

Referência bibliográfica:

ARISTÓTELES. Metafísica de Aristóteles, Gredos, 1990. Edición trilingue por Valentin


Garcia Yebra.
--------------. Poética, Ars Poética, 1992. Edição bilíngüe, tradução de Eudoro de Souza.
Disciplina: História da Filosofia I
Professor: Vladimir Chaves dos Santos
Tema: Fontes clássicas das idéias de ciclo e de progresso
Departamento de Filosofia
Universidade Estadual de Maringá

As conflagrações cíclicas do mundo entre os estóicos

- o mundo incendeia-se e reconstitui-se a si próprio a partir do fogo, de modo cíclico, mas não
aleatoriamente, e sim conforme um desígnio providencial e racional.

- “Para os estóicos, conflagrações e palingenesia compõem o ritmo da vida do Deus universal,


Zeus; sua vontade é estável, a alternância de seus períodos não é lúdica, mas orgânica” (p. 56).

- o cosmo, num certo sentido, identifica-se a um deus universal, que, por sua vez, identifica-se
a um fogo originário, que agiria como demiurgo da ordem do mundo, na sua formação e
conflagração, e que persistiria através de todas as suas vicissitudes.

- “Organismo vivo regido racionalmente, ele se forma, se dissolve e se reforma segundo uma
seqüência infinita de longos ciclos cósmicos (os grandes anos), escandido por conflagrações ou
abrasamentos (ekpu/rwsij)” (p. 57).

- o tempo é o próprio devir cíclico do mundo, não existe tempo fora do movimento do mundo.

- o devir do mundo pode envolver seu retorno ao mesmo estado: “Não há nada de impossível,
diz Crisipo, que, depois da nossa morte, após muitos períodos de tempo decorridos, sejamos
restabelecidos na mesma forma que possuímos agora” (p. 62).

-“ O estoicismo é, portanto, diametralmente oposto a uma doutrina evolucionista; está ausente


a idéia de um desenvolvimento gradual” (p. 63).

- o mundo é absolutamente perfeito, não há nenhuma parte do mundo que não esteja em
conformidade com a vontade divina, é uma unidade plena, contínua, solidária, organizada de
alta abaixo, onde tudo se mistura e se interpenetra sem se confundir, onde tudo o que acontece
repercute alhures e mais tarde, de modo cíclico e ordenado.

Referência bibliográfica:

ILDEFONSE, F. Os Estóicos, Estação Liberdade, 2001.

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