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DOM FRAGOSO, A IGREJA DE CRATEÚS, E A REFORMA AGRÁRIA

Filho de pequenos agricultores sem-terra, Dom Antônio Batista Fragoso nasceu no dia dos Direitos Humanos,
aos 10 de dezembro de 1920, em Teixeira - PB, no sítio Riacho Verde. Ainda adolescente entrou no seminário, onde
pagou seus estudos, trabalhando como porteiro e dando aulas. Ordenado padre em 1944, foi Assistente do Círculo
Operário de João Pessoa e da JOC - Juventude Operária Católica do Nordeste. Ordenado bispo aos 37 anos, foi para
São Luiz do Maranhão, como Bispo Auxiliar. Participou do Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965, onde assinou seu
compromisso com os pobres, no Pacto das Catacumbas. Foi nomeado Bispo da nova diocese de Crateús, aos 28 de
abril de 1964, poucos meses depois do golpe militar no Brasil. No dia 9 de agosto de 1964, quando tomou posse, disse
para o governador Virgílio Távora: “Meu trabalho é, fundamentalmente, o de educador da consciência, à luz da fé,
para que a comunidade cristã assuma, com ou outros, os serviços necessários”. Permaneceu em Crateús até 25 de
maio de 1998. Dom Fragoso tinha os pés firmemente enraizados no sertão de Crateús e dos Inhamuns, mas, ao mesmo
tempo, acompanhava ativamente as buscas de libertação da Pátria Grande Latino-Americana e mantinha comunhão
com as igrejas pobres da África e da Índia. Foi militante dos Direitos Humanos, junto ao Prêmio Nobel da Paz Adolfo
Pérez Esquivel, da fundação SERPAJ-AL e fundou juntamente com Padre Alfredinho, a Irmandade do Servo
Sofredor, junto ao povo dos excluídos.
UMA BREVE CRONOLOGIA
Desde os primeiros tempos em Crateús Dom Fragoso suscitou o nascimento de muitas organizações populares e de
Assessoria: o MEB, a JAC (Juventude Agrária Católica), o NINHO (para atender as vítimas da prostituição), a Equipe
de Educação Política, de Promoção da Mulher, de Alfabetização e Conscientização, de Promoção Humana, a Cáritas...
- 1967-72: Paulette Rippert anima uma Equipe Sindical e, em poucos anos, são fundados os Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais em 10 municípios da diocese. O primeiro foi o de Ipueiras.
- Uma das primeiras atitudes do Bispo, foi a devolução das terras do Patrimônio Diocesano da Matriz de São Gonçalo
e da Fazenda Betânia às famílias camponesas e a criação da Cooperativa, com participação ativa das mulheres, em
Matriz de São Gonçalo - Ipueiras.
- 1968: Prisão de Pe. Geraldinho
- 1971-1973: Tempo de perseguição sistemática à diocese, com a expulsão do pároco de Tauá, Pe. José Pedandola, a
prisão de Luiza Camurça, de Pe. Eliésio, de líderes sindicais de Tauá, Parambu, Poranga... tanto que foi criado um
fundo de Libertação dos Presos. O mesmo Dom Fragoso foi ameaçado de prisão e a Câmara dos Vereadores de
Crateús o declarou “pessoa não grata”.
13/10/1972: Pronunciamento DE |Dom Fragoso - “É uma calunia chamar de subversivo o trabalho de Pe. José, de Pe.
João, do Pe. Gabriel, do Joel e do Sindicato. Subversivo é continuar uma exploração injusta dos camponeses sem
terra, cobrar uma renda alta, perseguir os membros do Sindicato, oferecer Bolsas de trabalho em favor dos
proprietários, às custas da fome e da miséria dos que não têm nada. Subversivo é deixar de denunciar a injustiça e
defender os pequenos e os pobres por medo dos poderosos ou para agradar a quem tem dinheiro e armas”.
- 1972: As CEBs. Dom Fragoso apresenta ao convênio de Nemi, na Itália, a experiência das CEBs em Crateús; em
1975 a CEB da serra de São Domingo, em Tauá é uma das 7 comunidades apresentadas no 1º Encontro em Vitória ES.
Em 1982 iniciam os grandes Encontros diocesanos das CEBs.
- 1974: Na grande enchente do Rio Poti que inundou grande parte de Crateús, foram construídas 140 casas em mutirão
e reservada uma área para a horta comunitária, num terreno da diocese, doado por 2 famílias para a construção do
Seminário.
- 1975: Fundação da CPT. A primeira equipe de Assessoria da CPT de Crateús contou com Pe. Vicente Mourão que,
anos depois, coordenou o Projeto São Vicente na SUDENE, Ir. Jane, companheira de Ir. Dorothy em Anapu, e Ir.
Ailce que animou as lutas de Parambu e Novo Oriente. Dom Fragoso foi o 1º Presidente da CPT do Ceará.
- 1977: Conflito dos colonos da Várzea do Boi com o Exército Brasileiro que administrava o Projeto de Irrigação.
- 1979-1983: A Grande Seca: Pe. Alfredinho trabalha na Frente de Serviço e faz abrir as portas das casas, para que
fossem acolhidos os famintos que ocuparam a cidade de Crateús.
- 1984: Uma delegação da CPT de Crateús, trabalhadores e agentes, participa da Fundação do MST, em Cascavel -
PR.
- 1985: Os posseiros da serra entre Parambu e Pimenteiras - PI, contrastam o avanço da invasão das firmas de caju e
libertam 13.000 ha. Dom Fragoso se faz presente nas horas mais quentes da luta. As vitórias de Parambu motivaram
os posseiros de Novo Oriente a defender as terras do Quadrão.
- 1986: 1º Encontro das Área de Conflitos e Assentamentos. Em 2019 é realizado o 34º Encontro, em Orange - Mons.
Tabosa e, para este ano (2023), está previsto o 35º Encontro no assentamento Monte Alegre - Tamboril. Todos foram
realizados na Diocese de Crateús.
- Pe Alfredinho na Barra do Vento - Tauá, Bernado Bavoud em Crateús, Pe. Paco na Pitombeira - Poranga, Ir. Abigail
na Matriz de São Gonçalo, Pe. Gerard Fabert na Barra dos Ricardos (atualmente município de Quiterianópolis), e Pe.
Angelo Nuim na Santa Maria (atualmente Quiterianópolis) assumem o trabalho de camponeses e procuram viver dos
frutos do roçado. Pe. Gerard e Pe. Nuim estimulam compras comunitárias de terra por parte de grupos de famílias
camponesas de Quiterianópolis, disponibilizando um fundo rotativo.
- 1987: Irmã Abigail firma o trabalho com os Quilombos e a “Consciência negra”, Irmã Margarete com os grupos de
“Raízes Indígenas” e Pe. Eliésio com os ciganos.
- 1987: Apoio à candidatura de um trabalhador rural para a Constituinte, na defesa da Reforma Agrária
- 1988: A diocese de Crateús faz uma grande campanha para recolher assinaturas para a Reforma Agrária
- 1995: 7ª Romaria da Terra em Crateús. 10.000 trabalhadores e trabalhadoras cantam “terra livre, água livre o sertão
florescerá.
- 1997: 1ª Semana Social Diocesana com a participação dos Movimentos das Raízes Indígenas e da Consciência
Negra
- 1997 e 1998: O Estudo diocesano destes 2 anos é orientado pelo Prof. Pinheiro para ajudar a diocese a conhecer as
raízes indígenas do Ceará e da nossa região.
- 2005: Mensagem de Dom Fragoso aos camponeses e à CPT: “Não confiem nos projetos políticos dos grandes.
Eles roubaram as terras e a vida dos índios. Deram terras roubadas aos latifundiários que exploraram vocês e impedem
de se organizarem diariamente. Vocês não foram invasores de terra. Os invasores estão no poder. Não confiem nas
Igrejas que não seguem a Paixão de Jesus pelos pobres e pelos Pequenos. Vocês não precisam de intermediários que
falem ao Poder político, em nome de vocês. Vocês têm direito a construir o seu futuro com suas próprias mãos.
Acreditem na força organizada, inteligente e profética do povo do campo. Apaixonem-se pela “Escola Viva” que se
chama CPT e que já celebra 30 anos. Unam-se com todos os Movimentos , Sindicatos, Organizações que lutam pela
Justiça, pela Paz, pela Solidariedade. Sustentem as mãos uns dos outros e, todos, sustentem a Mão de Deus, seu Pai”.
- Dom Fragoso sonhou e buscou dar passos para a Igreja de Crateús se tornar “popular e libertadora”, com o povo
como protagonista, assumindo o compromisso com a formação de agentes de transformação: Escolas Populares,
Escolas Camponesas, Escolas Sindicais, EFA, Educação Contextualizada... Nestes espaços se formaram militantes das
CEBs, das Pastorais Sociais, dos Sindicatos, pessoas que assumiram responsabilidades nos Movimentos Populares, no
MST, nas administrações municipais, na política...
- A EFA da nossa região e um assentamento de Crateús são dedicadas a Dom Fragoso.
Dom Pedro Casaldáliga, quando recebeu a notícia da morte de Dom Fragoso, o lembrou com estas palavras:
“Um homem de Deus e do povo. Um pastor integralmente evangélico. Com uma sensibilidade pastoral
extraordinária. Formado e informado sempre. Discreto, humilde, fidelíssimo. Um bispo latino-americano segundo
Medellín, segundo o coração do Deus de Jesus. Para mim mais do que um amigo e um irmão.”

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