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Considerações iniciais
1
Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da UFBA.
intrusos tinham um sentimento de justiça em relação à sua posse da terra, pois haviam
sido eles que derrubaram as matas, limparam e cuidaram da terra (MOTTA, 2001).
2
Dom Filipe. Carta ao Povo, ao Governador e à Imprensa, 22 de out. 1980.
3
Terras devolutas são aquelas que pertencem ao Estado e, de modo geral, não estão sendo utilizadas.
outubro, policias, grileiros e um oficial de justiça invadiram a residência dos padres, em
Teixeira de Freitas, forçando um animador da Igreja a assinar um papel em branco.
Como aponta Mainwaring, um dos fatores que levou a Igreja a assumir uma
postura crítica em relação à Ditadura militar foi a violação dos direitos humanos e a
perseguição a membros do clero (MAINWARING, 2004). Além disso, boa parte dos
membros da Igreja diocesana de Caravelas já vinham se posicionando favoravelmente
aos trabalhadores rurais em suas lutas, o que explica a atitude de divulgação da Carta.
Os documentos da Diocese que acessamos colocam que desde pelo menos 1973 já se
incentivava a formação de CEB’s e, em 1975, começou a ser formada uma equipe de
assessoria pastoral, que mais tarde originou a Pastoral Rural diocesana.
Voltando ao conflito, é preciso dizer que ele não nasceu em outubro, desde
abril há registros de queixas dos trabalhadores que foram expulsos da terra pelo Sr.
Rosalino Queiroz de Matos. Porém, no mês de agosto a temperatura esquentou. Dia 4,
os posseiros ocupam novamente as terras. No dia 15, é publicada no Jornal A TARDE,
uma mensagem da filha de Rosalino colocando que o pai dela tinha a documentação que
comprova que a terra era dele. A FETAG e a Igreja diocesana publicam notas
repudiando a mesma. Por fim, no âmbito judicial, o juiz de Caravelas concede pedido de
reintegração de posse em favor do senhor Rosalino em 18 de agosto. Quatro dias
depois, é publicado em diário oficial do Estado, decisão de um desembargador
concedendo Mandato de Segurança aos posseiros, isto implicava que eles poderiam
ficar nas terras até que a justiça decidisse o litígio4.
“Eu vou contar meu sofrimento. Eu sou pai di oito filhos. Já fui preso
na região. A FIM di defender o pão. Que as coisas tá muito precuara.
Robar não podi matar pior. Já tou atraz di uma terra prá trabalhar pra
dá di comer a mulher e os filhos. Si a gente for trabalhar um dia não
vali nada. Trinta e cinco companheiros foram presos. Essis homens
trabalhando pra ganhar 200,00 conto não têm condições com a casa
cheia di filhos [...] quanto mais pressa melhor que os pobres está
passando fomi demais”8.
Na carta, Antônio é muito claro em dizer que foi a situação de necessidade,
sendo pai de oito filhos, que o levou a ocupar a terra, pois trabalhar como diarista não
lhe dá o suficiente para o sustento da família. Além disso, fica evidenciado que é na
condição de camponês possuidor ou proprietário de uma terra, que o mesmo vê a
possibilidade de viver dignamente.
Não encontramos indícios de que a situação tivesse sido resolvida em favor dos
trabalhadores. Em agosto de 1981, cerca de 100 posseiros, entre eles os de Itabatã,
escreveram a sua Carta ao Povo, ao Governador e à Imprensa, anunciando que
voltariam a ocupar as terras já que nenhuma medida foi tomada. Porém, foram
5
Carta de Lúcia Lyra à Dom Filipe, 03/09/1980.
6
Jornal A TARDE, 27/10/1980.
7
Carta de Dom Filipe ao governador Antônio Carlos Magalhães, 29/05/1981.
8
Carta de Antônio ao INTERBA, 17/05/1981.
ameaçados por pistoleiros que difundiram a informação de que se eles ocupassem
novamente as terras, cinco pessoas iriam morrer. Diante da ameaça acabaram recuando9.
Reforma Agrária
9
Boletim Especial Olhando o Extremo sul da Bahia, out. 1981.
10
Encontros sobre Reforma Agrária, s/d.
11
Respostas da Pesquisa, s/d.
12
Entrevista Celso Favero, 16/10/2014.
13
Entrevista Pedro dos Anjos, 10/01/2016.
Dois conflitos de terra, entre os anos de 1985 e 1986, nos foram relatados em
entrevistas realizadas14. Um litígio na fazenda Nova Delhi, que, segundo relatos, foi
uma área em que trabalhadores rurais realizaram uma ocupação recente. E outro na
fazenda Corte grande, envolvendo posseiros e um proprietário que tinha abandonado
suas terras. Os posseiros de lá vinham sofrendo ameaças e perseguições no ano de 1985
e 30 famílias chegaram a ser expulsas da área15.
As Sem-terra e o MST
14
Entrevista Pedro dos Anjos, 10/01/2016 e entrevista Frei Chico Scarpellino, 08/01/2016. Frei Chico
juntamente com Frei Dílson eram os responsáveis pelo seminário da Ordem do Capuchinhos em
Itamaraju. Eles tiveram uma atuação destacada nas lutas dos trabalhadores rurais da região.
15
Histórico da situação dos posseiros do Corte Grande – Município de Prado – Ba, 23/11/1985.
16
Entrevista Frei Chico Scarpellino, 08/01/2016.
17
Jornal A TARDE. INCRA considera áreas de tensão pacificadas, 29/07/1986; Jornal Tribuna da Bahia.
Aprovada novas desapropriações, 02/09/1986.
18
Entrevista Ademar Bogo, 11/01/2016.
A vinda do MST para a Bahia, estava dentro da estratégia da organização de se
expandir para o Nordeste. Ademar Bogo, dirigente do Movimento19 em Santa Catarina,
foi o primeiro militante a vir ao estado. Ele estabeleceu contatos com sindicalistas,
agentes da Igreja diocesana e freis da ordem dos capuchinhos e foi iniciado o trabalho
de organização de famílias. As duas primeiras ocupações foram feitas em áreas em que
já se sabia estarem destinadas a desapropriação pelo I PNRA no ano de 1987. Precisava-
se criar o clima da possibilidade de vitória20. Até 1989, foram feitas mais oito
ocupações. Considero que neste ano, o MST já havia se estabelecido no estado, pois
além destas ações, conquistou dois assentamentos, viu surgir lideranças do próprio
estado e já havia ganhando certa projeção na imprensa.
Uma das questões que vem norteando nosso trabalho é entender a motivação
do trabalhador sem-terra em entrar em um movimento social. Procuraremos desenvolver
nosso ponto de vista a partir do MST da Bahia. Traremos dois casos de trabalhadoras
que entraram no MST e hoje moram em Assentamentos, D. Eulália e D. Neusa.
Dona Eulália21 nasceu na zona rural do município de Guaratinga. Seu pai tinha
uma pequena terra, onde foram criados todos os filhos. D. Eulália só saiu de lá aos 18
anos quando se casou e foi morar em Minas Gerais. Anos depois, voltou à Bahia, ao
município de Itabela. Ela trabalhava em uma loja na cidade, enquanto seu marido, Seu
André, ficava na roça do sogro, trabalhando na terra. Sobre o desejo dos dois, ela
contou: “A gente tinha vontade de ter uma terra da gente também né”22.
19
Trataremos do MST também como Movimento, assim como fazem carinhosamente seus membros.
20
Entrevista Ademar Bogo, 11/01/2016.
21Entrevista realizada em 04/01/2016, no Assentamento Riacho das Ostras, município de Prado.
22Entrevista D. Eulália, 04/01/2016.
23Entrevista D. Eulália, 04/01/2016.
Segundo ela, Toinzinho garantiu que não haveria conflito, pois se tratava de
uma terra desapropriada pelo I PNRA. Como trabalhava na loja, D. Eulália, de imediato,
teve receio de abandonar o emprego. Mas se encarregou de chamar pessoas para
participar de reuniões, no salão da Comunidade Eclesial de Base, com o intuito de
organizar a ocupação. Em seguida, mandou a notícia da ocupação de terra para Seu
André, que estava na fazenda de seu pai, o mesmo decidiu que gostaria de ir. O casal,
então, participou da primeira ocupação do MST na região, mas não ficaram na área. Seu
André participou da segunda ocupação, o Riacho das Ostras, e até hoje o casal reside na
área24.
Relatando a sua decisão de ocupar uma terra, D. Neusa articula sua opção à sua
própria história de vida e a expropriação que seus pais e ela sofreram:
Percebe-se nos dois casos que o que levou as mulheres a entrarem no MST e
participar de uma ocupação foi a desejo de ter sua própria terra. As duas nasceram na
zona rural, viveram como camponesas, pois seus pais possuíam terras. No caso de D.
Eulália, mesmo tendo ido morar na cidade, a vontade viver no campo estava presente. Já
D. Neusa, expõe que a terra de seus pais foi tomada por fazendeiros, ela enxergou sua
inserção no MST como a possibilidade de dar o troco, retomar o que lhe era de direito.
Considerações Finais
Por isso, temos desacordo com a perspectiva de Sigaud (2005), em apontar que
a entrada no MST é mais uma possibilidade de mudar de vida como outra qualquer.
Preocupado em evitar uma interpretação excessivamente politizada que acredita que o
sujeito entra no MST por uma conversão à luta pela terra, a autora deixa escapar os
sentidos sociológicos e antropológicos do problema, ou seja, os trabalhadores estavam
procurando melhorar sua vida através de uma luta de classes para preservar ou
recompor seu modo de vida enquanto classe camponesa.
Referências Bibliográficas
Fontes
Escritas:
Orais:
Entrevista D. Neuza, 28/06/2015.
Entrevista D. Eulália, 04/01/2016.
Entrevista Ademar Bogo, 11/01/2016.
Entrevista Celso Favero, 16/10/2014.
Entrevista Pedro dos Anjos, 10/01/2016.
Entrevista Frei Chico Scarpellino, 08/01/2016.