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Vocês ouvirão

O relato do prirneiro vôo sobre o oceano,


Em maio de 1927. UIn jovem
o realizou. Ele triunfou
Sobre a tempesrnde, o gelo e as águas vorazes.
treranto,
Que seu nome seja apagado; pois
Ele, que se orientou por sobre águas extraviadoras,
Perdeu-se no pântano de nossas cidades.
gelo
Não o venceram, mas seu semelhante
venceu. Uma década
De glória e de riqueza e o m.ise ráve]
Ensinou os carrascos de Hitler
i\ pilotar bombardeiros nlOrtiferos. Por
Seja apagado seu nome, Mas
Lernbrern-se : nem a coragern nem o conhecinlento
00$ motores e das cartas náuticas inscrevem o
N"t a epopéia.
A peça didática de Baden-Baden
sobre o acordo
No caderno I dos Versucbc (Ensaios), () sobre
oceano termina com o "'Relato do inatingível", onde
lê no final: "Sem nos deixar esquecer o .
Num.a nota de rodapé no início da Peça didática
den-Baden sobre o acordo. Brechr recomenda: "No
meiro Ensaio) a colocação da palavra 'inatingível'
está correta. Deve-se corrigi-la para: ~O que ainda não
foi alcançado'H. De acordo com esta nota de Brechr, a
linha em questão e o título correspondente foram alte-
rados. Portanto a nota de rodapé da Peça did ática de Das Badener Lchrst iick vorn Einverstindnis
Baden-Baclen pode ser dispensada.
Escrito em 1929
E"'.strera:
""8 s: ( . 7 • ·19')9
..... em Baden-Badcn

Tradução: Fernando Peixoto


186
PERSONAGENS:
O AVIADOR
Os TRÊS MEC~ NICOS
O LÍDER DO C O R O ( C H A NTRE)
O NARRADOR
TRÊS PALHAÇOS
C ola bo radores: S. Dudow, E. HaUptn1ann
o CORO
fundo de u m estrado, cujo tamanho depende do número
particijJanfes, cstd o Coro. Li esquerda, a orquestra; iim-
111 à esquerda, em, prinleiro Plt:U10, uma mesa, na qua] estão
o regente dos músicos c dos cantores, o Líder do
(cban Ire) e o Narrador. ()s can lores que in tcrp reIam
Quatro itt'iadores Acidentados estão sentados nu m banco
escola, no primeiro plano ti direita. Para maior clareza de
possiue] colocar, no estrado ou ao lado deste, os es-
de li m aviâo.

DO v óo
QUATRO i\. VIADORES rernpo ern que a
manidade
Começava a se conhecer,
Nós construímos aviões,
Com macieira, ferro e vidro,
E atravessamos os ares voando;
Por sinal, com uma velocidade
Superiorenl mais do dobro à do furacão.
E na verdade nossos motores eram
Mais fortes que cem cavalos,mas
Menores que cada um deles.
Durante mil anos tudo caiu de cima para baixo,
Com exceção dos pássaros.
Nem mesmo nas mais anrigas pedras
Encontramos qualquer testemunho
De que algum homem
Tenha atravessado os ares voando.
?vlas nós 110S erguemos.
Próximo ao fim do segundo milênio de nossa era
Ergueu-se nossa
Ingenuidade de aç(),
191

•••••••••·•• ·.. w.u.w ~


iVIost ran do o que é possi vel
Que ve nham ao n osso encon t ro c
Se m nos deix ar esq u ece r:
Q u e nos dêe m água) .
O q ue ain d a não foi alc anç ado . E um travesseiro p ara apo iarmos nossa cabeç a )
E q ue nos aj u de m , pois
2 N 5.0 quere mos morrer.

A Q UEDA o CORO dirigindo -se à A'fultidiío - Escutem: quat ro


h om ens
O LÍDER DO C ORO [a la aos Acide n tados - Não voem Pedem seu socor ro.
agora , Eles
Já não é ne cessá ri o que se t ornem m ais veloz es. Voar am atra v és d os ares e
O nível do solo Caí ram ao solo e
Para vocês, agora , Não querem morre r,
É sufic ienternen te ~1 1 to. Por isso pedem
Basta ( ) seu socorro.
Q u e permaneçam im óveis, Aqui ternos
Não m ais em ci m a, sobre nós, Um c álice com água c
Nã o mais longe, a n ossa f ren te , U Dl t ravesseiro ,
Não mais em sua carreira , Mas digam -nos
1-1a5 sim imóveis, Se devemos ou não ajudá -l os.
Digam-nos qu em são. A l\1uLT1D.~O responde ao C oro - Sin1.
O CORO à Íyf ul tid ão - Ele s os a juda r an1?
Os AVIADORES ACIDENTADOS respondem - Nós p art ic ip amos
dos t r abalhos dos nossos cam aradas. A Ivlu LT ID.Ã.O _ . N ão.
Nossos aviões se t ornaram melhores, ( ) NA R RADOR diri gindo- se á lvfultidão - Sob re est es co rpos,
'Voam os cada vez m ais alto, que já se esf ria m, investigaremos se o homem cos t urna
O mar f oi ven ci do, aj udar o ho me m.
E eis que as m ontanhas já fi caram ba ix as.
Fomos d ominados pela febre
D o petróleo e da construçã o d e c idades.
Nossos pensamentos eram máqu in as e 3
Luta pela velocidade.
IN Q UÉRIT O S PA R A SA BER SE O HO:vI EM AJ U DA O I,,{ Oi\í EM
Com a luta esqu ec emos
O nosso nome e o n osso rosto, Primeiro I nqu érit o,
E com a pressa da partid a O LÍDER DO CORO se adian t a - U n1 de n ós atravessou o mar e
Esq uec emos o objetiv o de nossa pa rt ida. Descobriu um nov o conti ne nte.
Mas n ós lh es im p lo ra mos
Mas m u it os depo is d ele
!92 19 3

_ _ _ _ _ _ _ ~
::::~: ­
,. ""' ,.diJ .
Lá coris t r ui r am grandes c idades c om A p resen t am-se i.in te foto g rafias que mostram corno, em nossa
Muito esforço e inteligênc ia. ép octl, os h om ens são m assac rados pelos bo m eu s.
() CORO retruca - Nem por isso o pão ficou mais barato.
A !v1ULTID.~O g rita - O homem n âo ajuda o h ornern!
O L íDER DO CORO - Um de nós construi u U111;} m áquin .,
Cujo v apor ac iona urna roda , e essa f o i
.A. rnâe de muitas outras máquinas. T erceiro l n q u r r ito .
Mas muitos trabalham nelas O LÍDE R DO COR O d irigin do- se a l\:fult ídâu - O bserve m o
Todos os d ias. nosso n úrn ero d e palhaços, no qu al
() CORO retruca - Nenl por isso o pão ficou ma is barato. Homens ajudam uni homem!

() LÍDER DO C ORO - Muitos d e nós m ed ir a r arn Trê s p alhaços de circo sobem ao estrado; u m dele,: , cha mado
Sobre o rno v irnen t o d a T er r a ao red o r d o SoL so b re Sr. Scbmitt, é um gigan te . Eles f alam em UOZ lJlu!f o alta.
O int im o do hom em , as leis PRtM E IRO - U rna bela noite est a, 11.1 0 é Sr. Sc h rn itt ?
G er a is, a com posiç âo do ar,
SEG UNDO - O que o sen hor d iz da n oite, senhor Schm itt ?
E so bre os peixes a b issais.
SR. SCH~lITT - Nã o acho bo n it a.
E descobri rarn
PRI~IEIRO - O senhor não quer se sentar, senhor Schrnit t ?
Grandes coisas.
SEGUNDO - Aqui está urna cadeira , sen h o r Schrn itr. Po r qu e
( ) CORO retrll ca- Nenl po r isso o pão fic ou rna is bar ato. o senhor nã o res pon d e ?
Pelo contrário,
PRIM EIRO - Você nã o está vendo ? O senhor Sc h mi tr q uer
A m is ér ia au men tou e m nossas cidades,
f ic ar o lh a n do a lu a.
E já há muito tempo
SEGU N DO - Me diz UlTIa co isa. Por q ue é q U é você est á sem -
Ninguém mais sabe o que é u m horne rn .
pre pux ando o sa co do Sr. Schm itt? Isso in cornodu o se-
Por exemplo: enquanto vocês voavarn, rastejava nhor Schmitt.
Pelo chão algo semelhante a voc ês ,
PRI~fEIRO - Porque o senhor Schmitt é muito fo r te . É por
Não como UOl homem!
isso que eu fico puxando o sac o dele .
O LÍDER DO C ORO dirigindo-se á lVI u l tid âo - E n r âo , o ho- SEGUNDO - Eu tamb ém.
rnem ajud a o homem?
PRIMEIRO - Peça ao senhor Schrnitt para que se sente aqui
A M u LTID .~O rcsbonde - N âo. conosco.
SR. SCHMITT - Eu não me sinto bem hoje.
Segundo Luqucrito. PRIMEIRO - Então o senh or t ern que se d istrair. sen ho r
Schrnitt.
O LÍDER DO CORO dirigindo-se à fyflllti d ão - ObSerVClTI estas
imagens e d epois digam SR. SCHMITT - Eu acho que eu não p osso mais me distrair.
Que o homem ajuda o horn ern! Pausa.
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- - - - - - - - - - - - - - _........--_._ -,. ~.;;;.;


C o rn o é que está a minha cara? Serram-lh e () jJé esq u erd o.
PR I MEIRO - R osada, sen ho r Schm itr, sem p re rosada. SR. S CH i\lIT T - U rna beng,tla, por favor.
SR. SCHMITT - Olhem, pois eu pensei que estava pálido.
PRIMEIRO - I sso é cur ioso. O sen h o r di z que pensou Dão a ele u m" beugalc1 .
est av a p ál id o? Olhando par a o senhor ag ora, não posso PRIMEIRO - E ago ra, está conseg u in d o fica r de pé, sen hor
negar que eu tamb ém acho que o senhor está com Schmitt?
rosto pálido. SR. ScHMtTT - Sim , do lado esquerd,o. tvlas vo~e s têm que
S EG UNDO - Já que o senhor está assim , sen ho r .Sc h rni rr , se m e d ev olver o pé. E u nã o gos t a r ia de perd e- lo .
fosse o sen h or, eu m e sen t av a. PRI!'t-1EIRO - Pois não , se o senhor não con f ia, . .
SR. S CH MITT - H oje cu não quero me sentar. SEGU NDO - A gen te também podi a ir anda n do. ' .
PR L\'1EIRO - N ão, não. Nã o sen t e, de man eira SR. S C H i\HTT - N ão , n ão . .A go ra voc ê s t êm que ficar aqui ,
mel h or fic ar d e pé. por q ue eu n ã o posso m ais anda r sozinho.
SR. S CH:\UTT - Por que você ac h a q u e eu de vo fi car de pé?
PRIM EIRO - Aqu i est á o pé.
P RI M EIRO p arti o Segun do - H o je ele n ão pode se sen t ar,
p orque senão ele é c a p az d e n ão consegui r se levantar O senhor S cb mit t segura o pé debaixo do b raço.
nunca mais. SR. SCH i\-H TT --Ago ra, a m inha beng ala c a iu .
SR. S CHMITT - Meu Deus! S E GU N DO - Em cornpcnsa çâo, o sen hor já t em o seu p é de
PRI:iVfEIRO - Ouviu ? Ele m esmo j á est á en t endendo. Por isso vo lta .
o sr . Schmitt prefere fi c ar d e p é.
S R . SCH~nTT - Sabe, eu acho q ue o meu pé esquerdo est á me O s dois riem ruidosame n te.
doendo um pouco. SR. S CH MIT T - Ago r a cu n ão p osso fi car de p é m esm o. E é
PRIM EIRO - D ói muito? claro q u e ago ra a ou tra per n a t ambém começa a d oer.
SR. SCH~fITT com dor - Con10? PRIMEIRO - Sen1 dúvida .
PRIN!EIRO - Dói muito? SR. SCHMITT - Eu não queria in c o rnod a r vocês mais do ~ue
SR. SCHMITT - Sim, dói bastante. , . o necessário, mas sem a bengala eu não posso me a r r an ja r .
SEGUNDO - É de ficar em pé. SEGUNDO · - En1 vez de pega rrnos a bengala , far i arnos melhor
ern serrar a o u t r a perna , que lhe dói tanto.
SR. SCH ~MITT - Bem, será que eu devo nle sentar?
SR. S CHMITr - É. Talve z melhore assim.
PRI:\IEIRO - Não, de jeito nenhum. Isso nós ternos que evitar.
S EGUNDO - Se o seu pé esque rdo está doendo, só tem um Serram a outra perna. () sen ho r Scbmit t caí .
rem édio: fora com o pé esquerdo. SR. S CHMI TT - Agora eu não consigo m ai s me levant ar.
PRI1\lEIRO - E quanto mais rápido, melhor. PRIMEIRO - Is so é horrível. E eraju starnente isso que nós
SR. SCHMITT - Bem, se vocês acham. . , quer iarnos evitar: que o senhor se sen t asse.
SEGUNDO - Claro. SR . S CHMITT - () qu ê?

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_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ."";...-:>M
SEGlJ NDO - O senhor não coriseg
. . ue mais se 1evanrar. senho' r SI', SC1IMITT - Obrigado. Vocês estão se incomodando de-
Schrnitr. . .
111a15 C0t111g0.
SR. SCHMITT-N ão me digam
<
isso nle
[·SSO.
",.
i"
. (OI. PRIMEIRO - 80n1, senhor Schrnitt, aqui está tudo o que lhe
SEGUNDO - () ,- d evo mais
que é qure e'l'• nao . cl'
. izer? perrencc. Ninguém mais lhe tira.
SR. SCHl\HTT - Isso, , .
põem no seu colo todos os membros que lhe for,nn arranca-
SEGUNDO
~ . -- Que o ,senl.10r
. nao
- consegue 111alS se lcvan tar?
dos. O Sr. Sclnnit t os observa.
SR. SCHMrrT - Você n ão pode caiar a boca?
SR. SCB!vUTr- É estranho, estou com uns pensamentos tão
SEGUNDO
, _. Não
" senhor. Sc hmi '1 as eu posso desatarraxar
1mltt, 1V desagrudáveis na cabeça. Por favor - ao Primct ro '-, di-
,1 s~a orelha esqu~rda, para que assim o senhor não me
ga-IueaIgurna coisa agradável.
OUÇ.l quando eu disser que o senhor não consegue se I c,_
vanrar. c PRI!\IEIRO - Com prazer, senhor Schrnitt , o senhor quer ou-
SR, SCHMITT - talvez seja melhor, vir urna história? Dois homens saem de urna taberna. Ai,
eles começam a brigar e a atirar bosta de cavalo um no
Eles desatarra.'çanz sita orelha esquerda. outro. Um deles acerta corn a bosta na boca do outro,
SR, SCH,MITT fbara
À •
f) Pri meiro
' , ' -
.'[ ...\ gora
. eu 50' posso escutar ao que este diz: "Pois bem, esta vai ficar aqui, até a
voce, () Segundo passa turra o outro lado. Por frvo ' policia chegar".
orelha! Furioso. E por favor me dêem tarnbé '. r,.l
d . ' .'.... <, em a segun-
a perna, que esta me faltando. Isso não é jeito de tra- o Segundo ri, mas o senhor Scb mitt não ri.
tar um honlen1. doente. Devolvanl i!nedíatanu~nte os SR. SCHMI'T'T - Esta não é urna história bonita. Você não
membros extraviados a mim, seu leg i tirno proprietário.
podia me contar uma história bonita? Con10 eu já disse,
Col~cam a outra jJerna debaixo do braço do Sr. Scbmiit
epoem a orelha no seu ("010'.• r: estou com uns pensamentos desagradáveis na cabeça.
L ,tem
. . , . ....<c
1'1.1·'"
1 ,» .," 'es pre-
se '"'OC,"
tendem
1 ". . fazer hora 'o ,. . h '"
. "".. c m a rrun a cara, voc es estão com- PRI1\.lEfRO - Não, senhor Schmit t, infelizmente, fora essa
p etarnente . <, O que é que está havendo agora COHl história eu não sei contar mais nenhuma.
o meu braço? SEGUNDO - Ora, a gente podia era serrar logo a sua cabeça,
SEGUNDO - " rque."o sen 1IOr
Deve ser" po .esta
' carregando toda já que o senhor está com pensamentos esquisitos dentro
essa tralha aí! dela.
SR.
.. SCHMITT baixn - Claro
~" Vocês poder',
1<1n1 111e"]' - d e,1.ar~
a lV1ar SR. SCHMITT - Sim, por favor, talvez isso ajude.
SEGUNDO
, -" . Ora , <
a "gente
. . . : . "podila era tirar Jogo o b raça todo, o
que serra bem melhor. Eles lhe serram a parte superior da cabeça.

SR. Bem por fa "or" PRl~lEIRO - Corno está se sen rindo agora, senhor 5ch011 tt?
SCHMITT - , ,se voces ac 11am. , .
"" y

SEGGNDO - Claro, Mais aliviado?


SR. SCHM.lTT - Sim, muito mais. Agora eu me sinto muito
Serram-lhe u braço esque rdo, mais aliviado. Só que estou corri muito frio na cabeça.
19R 199

.-:----------- lE1!:e·,lfs.D
SEGlJ N DO - Entã o ponha o chapéu. Grita. Ponha O
4
SR . SClr ~nTT - N ão co nsigo pegá-lo.
A REC USA DA AJ UDA
SEGUNDO - O senhor quer a bengala?
O CORO - Quer d izer então qu e eles não devem ser ajudados .
SR. SCIL\HTT- Sim , por favor. Tenta pescar () clu/Jéu com Rasgaremos o travesseir o c
a bengala. Agora, a bengala c aiu e eu nã o co nsigo alcan- Jogaren10s fora a água.
çar o chapéu. Estou sen t in do muito fri o.
SEGUNDO - E se nós de satarrax ássemos a cabeça? O Narrador rasga () tra vesseiro e joga fora a água.
SR. S CH MIT T - Bem, eu não sei . .. A N1\.JL TID .~O lê para si m esmo - Cerranlentevocês j á obs er-
PRI MEIRO -.- C la ro . .. varam
A a juda em m ais de um lugar,
SR. SC H .\'1 1Tr - Re almen te, e u já n ã o sei m ais na da. Sob diferentes form as. G erada por urn est ado d e COisas
SEG UNDO - Por isso l11e5n10. Que ainda nã o c onsegu ilnos dispen sar :
A violência.
D esatarrax am- lb e a cabeça . () sen hor Scbmit.t cai de cosi as. C ontudo, nós os aco nsel hamos a enfren t a r
A cruel realidade
SR. SH MI TT - Es pe re m ! Un1 de você s prec isa p ôr a mã o na
C om urna crueldade ainda m aior. E ,
minha t est a. Abandonando o estado de coisas que gera a necessid ade ,
PRIM EIRO . - Onde? Abandonen1 a necessidade. Portanto
SEGU NDO .- Um de vocês preci sa segurar minh a m ão. Não contem com ajuda:
Recusar a ajuda supõe a violência.
PRl.\1EIRO - Oride? Obter ajuda também supõe a vio lência.
SEG UNDO - O senho r ago ra se sente m ais aliv iado, senho r Enquanto a v iolênc ia impera, a ajuda, poder~ ser re~usad .' :
Schmitt? Quando não mais imperar a viol ência, a ajuda n ao mais
SR. SHMITT - N ão. () problema é que cu est ou deit ad o de ser á
costas sobre uma pedra. Necessária.
Por isso, em vez de reclamar ajuda, é preCISO abolir a
SEGUNDO - Ora, sen hor Schrnit t , t ambém nã o se pode ter
violência.
tudo. Ajuda e violência constituem um todo ,
E é este todo que é preciso rrnnsfor mar.
Os dois riem ruid osamente , Fim do núm ero dos palhaço s.
A I\1 ULTID .~O grita - O homem não ajuda o homem.
O LÍDER DO CORO - DeVClTIOS rasgar o travesseiro? 5
A Mur, TID.:\O - Sim. A DELIBERi\Çf\O
O LÍDER DO CORO - Devemos jogar fora a água? O AVIADOR ACIDENTADO - C amaradas . nos
A lvfuLTID.:\O - Sim. Vamos morrer.
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O s TRÊs iv1E CÂN ICOS A C ID E N TADOS - N ós sabe mos que Va- . Os Não nos resta mu it o tempo,
A C ID E N T A DO S -

mos morrer , ma s N ão po de mos ap render m ui to m ais.


E você, sabe? O CORO - Se vo cês t êm pouco tem PO,
Ouça, então: T êrn tempo o su fic iente,
Você morrer á de qualquer Jeit o. Porque é f ác il a p render o certo.
Sua vida é arrancada .
Seu mérito é apagado. O N arrado r d estaca -se do Co ro co m u m liiro. /v proxi ma-se
Você morrerá por si mesmo. dos A cide n t ad os, sell t a-se c lé trechos do comen t á rio.
Ninguém olhará para você. O NARRADOR - 1. Quem arranca algo, seg ur ar á algo. E a
Finalmente, você morrer á. quem algo é arrancad o, também ele o seg ura rá. E quem
E assim também nó s morreremos. segu ra algo, de le algo ser á arrancado.
Aquel e de n ós que 1110 1're , abandona o q uê ? N Cio abando-
n a apen as a su a mesa ou a sua ca ma! A q uele d e nós que
6 morre, também sa be : aba ndono t ud o () qu e exi ste e do u
mais do que t en ho. Aquele de nós q ue morre, aband ona
CO N T EMPL AÇ AO DOS MO R TOS a ru a que conhec e e também a q ue não co n hece . As r i-
quezas que possui c t amb ém as que nã o possu í. A pró-
O NARRADOR - Contemplern os m orros!
pria m iséri a. .A. su a própria mã o. Corno en tão, quem nã o
lYfostram -sedez grandes fot ografias de mor to s. Logo depois, est iver exerc it ado nisso, poder á lev anta r U111:l pedra?
diz o Narrador: "S egunda Conlem plaç ão dos Nfo rfos" , 1110 5 - Con10 poderá le vanta r urna grande pedra ? Corno, quem
tram -se mais uma v ez as mesmas fotografias. não est iv er exercitado no abando no} aba n do na rá a sua
Depois de terem contemplado os mortos) os Acidentados co- mesa? Ou como abandonará tudo aqu ilo que possu í c
meçam a gritar: t ambém o que n ão p ossui? A rua que conhece e ta m -
bém a que não co nhece ? As riquezas que possui e t arn -
OS ACIDENTADOS -Nós não podemos morrer!
b érn as que não possui? A própria miséria? A sua p ró-
pria mão?
2. Quando o Pen sador se viu numa violenta tempest ade,
7
estava sentado num grande veículo e ocupava muito es-
LEITURA DOS COMENTÁRIOS paço. A primeira co isa que fez foi sair do veículo, a
segunda fo i tirar seu ca sac ão, a terceira foi deit ar-se n o
O CORO dirigindo- se ao s A ciden t ad os - Nã o podemos aj u- chão. Assim ele venceu a tempestade reduzido à su a n1 C-
dá-los, nor dimensão.
Apenas urna indicação,
A penas uma atitude,
Os A CIDENTADOS per guntam ao Narrador - E assim ele so-
Podemos lhes dar. breviveu à tempestade?
Morram, mas aprendam. O N ARRADOR - Reduzido à su a menor dimensão, ele sobre-
Aprendam, mas não aprendam errado, viveu à tempestade.

202 20 3
( ) s ""t \C IDE N T A DO S - Reduzido à su a me nor di m ensã o, ele o C O RO - A q ue altu r a voa r arn ?
br eviveu à te m p estade. Os TR ÊS :NIECi\N ICOS .l\ C IDE N T ADO S - E rguemo-n os UlTI pou -
O N AR RADOR - 3. P ara a ju d ar UITl homem a acei tar a co ac ima do solo.
o Pensador interv en ien t e p ed iu-lhe que se despoj asse O LÍDE R DO CORO dirigindo -se ti Nful tid áo - Eles se erg u e-
todos os seus bens. D epois de ter aband onado tudo
r , ram U111 p ouco ac irna do solo .
hornem 50 r est ava a v ida. Aband on a m ais um a coi sa, dis- O AV I A DO R A C IDE N T A DO - Eu vo ei a \H11a altura extraord i-
se- lh e o Pensador.
n ári a.
4. Se o .Pensador ven ce u a tempest ade, ve n c eu - a porque · O CORO - E ele voou a urna altu ra ex t rao r di n ria. á

conhecia a tempestade e estava de ac o rdo com a t em-


pes t ade' .Portan t o, se quiserem su pe r ar a m orte, é pre- 2
ciso conhec er a m orte e est ar de acordo com a mo rte. O C ORO - Foram en a ltec idos?
Mas aquele que p rocura o acordo de ve rá pref e rir a
O s TRÊs !'v1ECÂNfCOS A C JDENT:\DOS - N ão f omos enaltecidos
p o brez a. Nã o dev e estar p reso às coisas! A s coisas podem
ti suficien te . .
ser tir ad as e aí não h averá acordo. T arnb ém não deve
estar preso à v ida! A v id a p ode ser tirad a e a í nã o h averá O C ORO - F o r am enaltecidos ?
aco rdo. T ambém não dev e estar preso ao s p en sam entos, O s ~rRÊS :NIEC1\NICOS AC IDENTADOS - Fornos en altec ido s.
porq ue t ambém os pensamentos p oder ã o ser tirados e a í O C ORO - Foram enaltecidos?
t amb ém nã o h averá aco rdo. Os TRÊ.s lVIEC.~NICOS A CI DEN T A DO S - Fon10S suf icÍenten1en -
te en alt eci dos.
O C O RO - Foram enaltecidos?
8 Os TRÊS lvfEcÂ. N IC05 ACIDENT/\DOS - Fornos muit issirno
enaltecid os.
o EX A M.E O LÍDER DO CORO par« ti Nfu ltidão - Eles f oram rnui t issimo
o C oro exam ina os Acide n ta dos em, pr esen ça da i\1u ltid ão. enal tecidos.
OA VI ADO R ACIDE N T A DO - Eu não f ui su fi ci en te men te enal -
1 tecido.
O CORO - A que altura voaram? O CORO - E ele não fo i su f icie n te men te en'lltecido.
Os TRÊS .i\fECÂNICOS ACIDENTADOS - Voamos a urna altura
extraordinária. 3

O CORO - l\. que altura voaram? () CORO - Quem são voc ês ?


Os TRÊS ~1ECÀNICOS ACIDENTADOS - Subimos a quatro mil Os 'T RÊS 1tlECÂNICOS A CIDEN TADO S - Sor110 5 os q ue sob re-
metros de altura. voaram o oceano.
O CORO - A. que altura voaram? O CORO - Quem são voc ês?
O s TRÊS MECÂNICOS ACIDENTADOS - Voamos a uma grande Os TRÊS~'1EC~~NICOS ACIDENTADOS - 5 0 n105 al gu n s de você s.
altura considerável. () C O R O - Que tn são vo cês?

204

--------- ~ " .. -
. ..
O s TRES lvlEC..\NICOS A CIDENTADOS - Nã o somos ningué ' o AVIADOR ACIDENTADO - NL1S eu. corn m eu vôo ,
O LÍDER DO CORO para a l-r'!ulfidão - Eles não são ninguétil. Atingi minha maior dimensã o .
Tão alto quanto eu voei .
O 1\ VIADOR l \ C IOE N T Ano - Eu sou Charles N ungesser. '
Ninguém voou.
() CORO - E ele é CharlesN ungesser, Eu não fui enaltec ido o bastante, eu
4 Não poderei ser enaltecido o bastante.
Não voei por nada nem por ninguém.
O CORO - Quem os espera? Voei por voar.
Os TRÊSl\lEC~NICOS ACIDENTADOS Ninguém me espera, eu
além-mar. Não vôo em sua direção, eu
a CORO - Quem os esp era? Vôo para me afastar de vocês, eu
jamais morrerei.
Os TR ÊS !vlECÂNlcosAcI DENTADOS - Nosso pai e nossa mãe
nos esperam .
() CORO - Quem os esp era?
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Os TRÊS l\'fEC ÂNlCOS A CIDEN TADO S - Ninguém n os espera.
O L íDE R DO CORO irar a ti i\tf ul fi dâo - N inguém os esper a. ENALTECI MENTO E D ESAPROPRIAÇÃ O

o Coao - Agora, mostrem


O resultado de seu esfo rço.
() CORO - Entã o quem rn o r rer á , se vocês m orrerem ?
Pois só
Os Tn â s 1\tfECÂNICOS A CIDENTADOS - Aqueles que O resultado é real.
enaltecidos demais. Entreguem, portanto, o motor,
O CORO - Então quem morrerá, se vocês morrerem? As asas e o trem de a terrissagern. Tudo
Os TRÊS 1vlEcÂNlCos ACIDENTADOS - Aqueles que se ergue-
O que lhe permitiu voar, tudo
ram um pouco acima do solo. O que construíram.
Abandonem- no!
e) CORO -Então quem morrerá, se vocês morrerem?
O AVIADOR ACIDENTADO Eu não o abandono.
Os TRÊs :NfECÂNICOS ACU)EN TADOS - Aqueles que ninguém
O que é
espera.
O avião sem o aviador?
O CORO - Então quern morrerá, se vocês rnor re rern? O LÍDER DO CORO - Tomem-no!
Os TRÊs 1vfECÂNICOS A CIDENTADOS - Ningu ém.
O CORO - Agora sabeis:
O a vião é tirado dos Acidentados e le uad o para o outro canto
Ninguém do estrado.
Morrerá, se vocês morrerem . O CORO, durante a desapropriação, enaltecc os il cidentados -
Agora eles atingiram Levantem-se, aviadores. Vocês transformaram as leis da
Sua menor dimensão. T erra.
206 207
i . . " 1 ";)
Durante mi l anos, tudo caiu de cirn a para b aixo
. , C omo se t az ia para ve- o.
t ER CEIR O -
C om exceção dos pássaros. Q UART O - Dando-lhe um a oc u pa ç ão .
Nem mesmo nas mais antigas pedras OS QU ATRO - Quando ele é c ha mado, ele na sce .
En con r ram os qualquer testemunho Qu ando ele é transformado , el e exi ste .
IDe que algum homem Quem precisa dele , o co n hece .
Tenha atravessado os ares voando. A quem ele é útil , o engrandece.
Mas vocês se ergueram
SEGUNDO - E apesar disso ele nã o é n ingu én1.
Próximo ao fim do segundo milênio de nossa era.
O COR O junto com a Nfultidã o - Aquilo que aq u i Jaz sem
Os 'r RF.:S ~IE~: . \NICOS . A CIDENTADOS subitamen te apontam
par o Aviador Acide ntado - O que é isso, olhem! cargo
Não é mais humano.
O LíDER DO CORO rapidatn ente para o C oro - Entoem o "To, Morr a agora~ você não-mais-human o!
t alrn ente ir recon hc c iv el". O AV IA DOR Ac rDE NT ADO - E u não posso morrer .
O C ORO cercando o Auiador Acidellt,ulo - >T'o ( a l nH~ n t e irre - O s TRÊS tvl ECÂ N IC O S AC IDE N TADOS - Você se afastou do
conhecíve1
curso das ág u as, homem.
Está agora o seu rost o, Você não esteve no curso das águas, ho mem
Gerado entre ele e nós. Poi s Você é muito grande, voc ê"é m u it o rico.
Aquele que de nós precisou
Vo cê é sin gu la r demais.
E de quem nós necessitamos, esse alg uénl
Por isso não pode mor re r.
Foi ele.
O LÍDER DO CORO - Este homem O CORO - Mas
Quem não pode morrer
Tinha um cargo
Também morre.
Mesmo que usurpado.
Quem não sabe nadar
Arrancou de nós o que precisou e
Também nada.
Nos negou o que necessitávamos.
Por isso seu rosto
Se extingue com seu cargo :
Ele só tinha um! 10

Quatro participantes do Coro discutem por cima dele . A EXPULSÃO


PRIMEIRO - Se é que ele existiu ... Um de nós,
SEGUNDO - Existiu. Com rosto, figura e pensamento ,
Perfeitamente igual a nós,
PR1MEIRO - Ele era o quê? Deve nOS deixar. Porque durante a noite passad a
SEGUNDO - Não era nirrgu érn. Foi marcado e,
TERCEIRO - Se é que ele era alguém . .. Desde hoje de manhã , seu hálito está podre.
QUARTO - Não era ninguém. Seu corpo se decompõe. Seu rost o,
209
208
Q ue ~os e.rJ fJml1iar, já se torna desconhecido De acordo com a qual tudo sera tran sforn1 ,1(.1 C) ~
H"
on1em ' f a1e~o ' .' E sperarnos
l: nasco,
. O mundo e a hun1anidade ,
Sua v.?z no lugar de sempre, Fale! Antes de tudo a desordem
Ele nao fala. Sua voz Das classes sociais; pois a hunlanidade se divide em duas:
A. Tão sai. Não
N .. tenha med ' ' , h ornem. Por érn,
. o agora, Exploração c ignorância.
N~oralhvocê deve partir. V á logo! ()s TRÊsNIEcÂNicos ACiDENTADOS - Estamos de .icord o
1 ao o e para trás, vá
corn a transformação.
Para longe de nós.
O CORO - E lhes pedimos:
O cantor que interpreta o Auia
1 dor deixa o estrado. Transfonnen1 nosso motor e aperfeiçoern-no ,
Façam aumentar a segurança e a velocidade,
Mas não esqueçam o objetivo na pressa da partida .
11 Os TRÊS 1Y1ECÂNICOS ACiDENTADOS - Aperfeiçoarcrnos o
motor , a segurança e
o ACORDO
A velocidade.
O CORO "dirisindo
.'\ -se aos 1~. re"S 1M ecânicos
" A .id > , . 1 , , O CORO - Ahandonen1 isso tudo!
voces q - d cu f ntados - Mas
, _ ' ue estao e acordo COm o curso d "' ,, , O LÍDER DO CORO - Avante!
N ao voltem . Ihar no Nada. , ~ as COIsas,
" •_ . .1 mergu O CORO - Quando tiverem melhorado o Inundo,
N ao. se deixem dissolver como o' sa I na água O
rra, rro, ' - •. O con- 1Y1elhorem, então, Ü Inundo melhorado.
A bandonem -no l
Ergam-se,
Morram sua morte corno O LíDER 00 CORO - Avante!
Têm realizado seu trabalho () CORO - Quando, ao melhorar ° mundo, tiverem comple-
Revolucionando uma revol~ção. tado a verdade,
Morrendo, não se preocupem com Completem, então, a verdad e con1plecHb .
A morte. Abandonem-na!
Mas recebam de nós a tarefa O LíDER DO CORO - Avante!
De reconstruÍr nosso avião. O CORO - Quando, ao corn plet ar a verdade, tiverem t r a ns-
Comecem!
fonnado a humanidade,
A fim de VOarem para nós, Transformem, en t áo, a humanidade rr.msforrnada .
~onde precisarmos de vocês ,A ban d on en1- n a !
' momento em que .t~ or necessa. no.
E no . Pois
N os os O LÍDER DO CORO - Avante!
Exortamos ~
a marchar con asco. E",conosco, O CORO - Transformando o Inundo, transfOr01CI11-se!
T .
ransformar não somente Abandonem a si mesmos!
U m~ das leis da Terra, mas sim O LÍDER DO CORO - Avante!
A lei fundamental:

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