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Onzeneiro Onzeneiro
DIABO Ora entrai, entrai aqui! v. 183 – apóstrofe; cómico de situação: o D. trata,
ONZ. Não hei eu i d’embarcar! sarcasticamente, o O. por “parente”, e mostra
que estava já à espera dele, o que revela
DIABO Oh! Que gentil recear, imediatamente o seu perfil moral
195 e que cousas pera mi! v. 185 – O O. afirma que queria ficar mais tempo na
ONZ. Ainda agora faleci, terra, mas que ficou doente
v. 187 – eufemismo; a referência a Saturno
leixa-me buscar batel!
compreende-se na medida em que é
Pesar de São Pimentel8, correspondente a Cronos (titã identificado como
Nunca tanta pressa vi! o tempo personificado) e depreendemos que
terminou o tempo de vida do O.
vv. 188-189 – ironia
200 Pera onde é a viagem?
v. 190 – influência grega: o barqueiro Caronte, a
DIABO Pera onde tu hás de ir. quem a alma pagava uma moeda (um óbolo)
ONZ. Havemos logo de partir? conduzia a sua barca no rio Estige, transportando
9 as almas dos mortos do mundo dos vivos para o
DIABO Não cures de mais linguagem.
dos mortos. Por isso, as pessoas eram sepultadas
ONZ. Pera onde é a passagem? com um óbolo na boca, para que, no além,
205 DIABO Pera a infernal comarca. pudessem pagar o transporte. Esta tradição ainda
10 era praticada em alguns locais de Portugal, há
ONZ. Dix! Não vou eu em tal barca.
umas décadas.
Estoutra tem avantagem.
v. 192 – imperativo
v. 197 – O O. pede ao Diabo para que o deixe
procurar outra barca
v. 198 – este verso é uma espécie de praga
1. Onzeneiro: homem que empresta dinheiro a juros v. 205 – eufemismo
excessivos. 2. safra: colheita. 3. apanhar: juntar dinheiro. v. 206 – imprecação do O. ao perceber o destino
4. Saturno: divindade romana responsável pelas vidas da barca infernal
humanas. 5. v. 187: me fez Saturno morrer. 6. Solamente:
Somente. 7. v. 191: nem sequer me deixaram dinheiro para
pagar ao barqueiro. 8. São Pimentel: personagem da
época. 9. v. 203: Escusas de falar mais. 10. Dix!: Já disse!
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Onzeneiro
ONZ.
Porquê? vv. 216-217 – acusação do A.: acusa o O. de ser
ANJO Porque esse bolsão11 ambicioso e de ter lucrado com a exploração dos
mais fracos; “bolsão” – símbolo dos pecados do O.
tomara12 todo o navio.
(note-se o aumentativo); hipérbole
ONZ. Juro a Deos que vai vazio!
ANJO Não já no teu coração.
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220 ONZ. Lá me fica de rodão
minha fazenda e alhea.
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ANJO Ó onzena , como es fea v. 222 – apóstrofe; personificação; o A. condena,
e filha de maldição! no ABI, a prática da onzena e o enriquecimento à
custa dos mais frágeis
ONZ.
Houlá! Hou demo barqueiro! Percurso da personagem:
225 Sabês vós no que me fundo15?
Quero lá tornar ao mundo vv. 225-231 – cómico de carácter: o O. quer
e trarei o meu dinheiro. regressar à terra para ir buscar o seu dinheiro,
Aqueloutro marinheiro, para poder pagar a passagem ao A. – vide
referência anterior a Caronte (v. 190)
porque me vê vir sem nada,
230 dá-me tanta borregada16 vv. 230-231 – “borregada” é, literalmente,
como arrais lá do Barreiro. a pancada que o borrego dá com a cabeça;
cómico de linguagem
DIABO
Entra, entra! Remarás! v. 232 – imperativo
Nom percamos mais maré!
ONZ. Todavia…
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Auto da Barca do Inferno à lupa
240 ONZ. Santa Joana de Valdês19 vv. 240-241 – cómico de linguagem; fórmula de
Cá é vossa senhoria? juramento – alusão a Joana de Valdês, uma
alcoviteira da época, por isso a associação
FID. Dá ò demo a cortesia!
ao adjetivo “Santa” é inusitada; o O. fica muito
DIABO Ouvis? Falais vós cortês! surpreendido por ver, na barca do Inferno, o F.,
Vós, fidalgo, cuidarês um elemento da nobreza
245 que estais na vossa pousada? v. 242 – cómico de linguagem; já não é um fidalgo,
mas um pobre condenado ao Inferno
Dar-vos-ei tanta pancada vv. 243-247 – cómico de situação: o D. ameaça o F.
com um remo, que reneguês!
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