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poemas

p o e ma s
do Japão
do
Antigo
seleções do
Kokin’wakashû

古今和歌集抄
tradução e notas
Andrei Cunha
CLASS
2020
Kajita Hanko,
“Episódio de O Romance do Genji”
(1905)
poemas
p o e m as
do Japão
do
Antigo
seleções do
Kokin’wakashû

古今和歌集抄
Seleção, tradução, introdução, notas e outros paratextos:
Copyright © 2020 Andrei dos Santos Cunha

Título em japonês: 古今和歌集 (Kokin’wakashû)

Editor: Roberto Schmitt-Prym

Revisão: Beatriz dos Santos Cunha

Digitação dos poemas em japonês:


Greice Luize Schaefer da Silva,
Gabrielle Miguelez da Silva e Bruno Costa Zitto

Projeto gráfico: Andrei dos Santos Cunha e Roberto Schmitt-Prym

Capa: Andrei dos Santos Cunha

Ilustração da capa: Ogino Issui, “Caderno de esboços” (1903)

Todos os poemas japoneses e todas as ilustrações se encontram em


domínio público.

Como citar este livro (ABNT):


CUNHA, Andrei. Poemas do Japão antigo: seleções do Kokin’wakashû.
Porto Alegre: Bestiário/Class, 2020.

Todos os direitos desta edição reservados.

Rua Marquês do Pombal, 788/204


90540-000, Porto Alegre, RS
Fones: (51) 3779.5784 - 99491.3223
www.bestiario.com.br

Dados internacionais de catalogação


na publicação (CIP) de acordo com ISBD
sumário
1 primavera i 67
2 primavera ii 77
3 verão 89
4 outono i 95
5 outono ii 111
6 inverno 121
7 comemorações 127
introdução 8 adeuses 131
do tradutor 12
9 viagens 135
prefácio em hiragana 10 nomes de coisas 139
de ki no tsurayuki 46 11 amores i 143
seleções 12 amores ii 151
do kokin’wakashû 13 amores iii 157
65 14 amores iv 163
referências 198 15 amores v 169
16 lamentos 175
índice onomástico-​
biográfico 203 17 miscelânea i 179
18 miscelânea ii 183
19 outras formas 187
20 poemas do
departamento
imperial de poesia 195
Este livro é dedicado a todas as pessoas que de
alguma forma fazem parte da história do curso
Bacharelado Tradutor Japonês-Português
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
poemas
p o e ma s
do Japão
do
Antigo
seleções do
Kokin’wakashû

古今和歌集抄
見るもの聞くものにつけて言ひ出せるなり。
ことわざしげきものなれば、心に思ふことを、
の言の葉とぞなれりける。世の中にある人、
 やまとうたは、人の心を種として、よろづ

Ki no Tsurayuki,
“Prefácio
em hiragana”
(séc. X)

La Nature est un temple où de vivants piliers


Laissent parfois sortir de confuses paroles;
L'homme y passe à travers des forêts de symboles
Qui l'observent avec des regards familiers.

Charles Baudelaire,
“Correspondances” (1857)

Página anterior: Hishikawa Moronobu,


“Episódio dos Contos de Ise” (1679)
introdução
do tradutor
O presente volume contém uma seleção de 165
exemplos do universo de 1.111 poemas que compõem o
Kokin’wakashû (“Coleção de poemas antigos e contem-
porâneos”), a primeira antologia poética japonesa rea-
lizada por ordem imperial. No Japão, o Kokin’wakashû
foi o texto central por um milênio, tendo sido publicado
ainda na Antiguidade (início do século X) i e exercido sua
autoridade canônica ao longo de toda a Idade Média (sé-
culos XII a XVII), do xogunato Tokugawa (séculos XVII
a XIX) e da Restauração Meiji (segunda metade do sé-
culo XIX). Sua primazia só começou a ser contestada na
época do modernismo (início do século XX) que, por se
posicionar com uma estética anti-Kokin’wakashû, foi por
isso mesmo um movimento literário que prestava uma
oblíqua e derradeira homenagem à importância da obra
aqui apresentada.
O Kokin’wakashû (também conhecido pelo seu nome
abreviado, Kokinshû) estabeleceu o modelo a ser seguido
nos mais diversos níveis: a forma poética; as regras de
organização de antologias; as situações em que se fazia
poesia; quem eram os sujeitos que podiam poetar; quais
regras de gosto e de estilo eram exigidas do poeta; qual
i
A Antiguidade japonesa vai de 592 d.C. a 1192 d.C. e não corresponde
à Antiguidade regional europeia.
poemasriva 13

vocabulário, dicção e gramática eram aceitos como “dig-


nos do poético”; quais temas podiam ser tratados em po-
esia; qual era o tipo de envolvimento aceito (ou esperado)
entre a elite do poder e a elite literária; e mesmo quais
elementos da natureza tinham mais força simbólica do
que outros no momento de se escrever literatura. Vamos
encontrar o alcance e a presença dessa cristalização esté-
tica nos mais diversos campos: desde o haicai de Bashô,
que surgiu de uma reorganização desse universo poético
e está impregnado de “coisas do Kokin’wakashû”; passan-
do pela pintura; pela codificação do amor cortês; pelos
padrões de beleza; pela estilização do erótico e de outras
tecnologias de gênero; pela história das sensibilidades;
pela decoração, moda, arquitetura, artes aplicadas, gas-
tronomia, teatro, e muitas outras áreas.
O “Prefácio em hiragana” desta antologia, de autoria
do grande poeta e editor Ki no Tsurayuki (e cuja tradução
incluí neste volume) é visto por muitos como um “equi-
valente japonês” da Poética de Aristóteles. Em que pesem
as grandes diferenças de tempo, concepção de mundo,
cultura, contexto e intenção, a literatura japonesa é uma
das únicas no mundo a possuir o que o comparatista Earl
Miner (1990) chama de “poética fundacional por escrito”
(outros exemplos seriam as civilizações chinesa, grega e
latina) — um texto de intenção estético-didática que lista
as condições, categorias e mecanismos necessários para
se escrever poesia.

a poesia japonesa até o kokin’wakashû


Nos séculos anteriores à compilação do Kokin’wakashû,
a corte imperial devotara grande atenção aos modelos
literários chineses. A maioria dos intelectuais escrevia,
preferencialmente, poesia em kanshi (chinês literário),
14 poemas ro iapvo aãutno

reservando a composição de waka (“poemas em japonês”)


para usos privados, como a comunicação entre amigos e
amantes, por exemplo.
As mulheres não tinham, em geral, acesso à instrução
em língua chinesa, e utilizavam o japonês para a comu-
nicação por escrito. No período arcaico, o Japão chegara
a ser uma sociedade matriarcal; e alguns resquícios des-
ses hábitos muito antigos ainda estavam presentes. De
fato, as mulheres ainda tinham direito à propriedade e
precisavam ser “conquistadas” por meio de um complexo
ritual de cortejo. Esse amor cortês da Antiguidade japo-
nesa dependia centralmente da poesia. As mais antigas
narrativas já descreviam a comunicação amorosa como
uma forma de correspondência poética. Não por acaso,
os dois mais importantes poetas do período inicial de
ressurgência do waka são Ono no Komachi e Ariwara no
Narihira ii — tanto ela quanto ele detentores de uma re-
putação que transcende o literário, como figuras român-
ticas envolvidas em inúmeras aventuras galantes.
Antes da obra que apresentamos neste livro, o
Man’yôshû (“Coletânea da Miríade de Folhas”), de 785,
era a mais importante antologia poética, com 4.516 waka.
Essa primeira seleção buscava, no contexto da corte im-
perial, reunir o que de melhor havia sido feito em poesia
até então, incluindo desde canções populares até sofis-
ticados discursos cerimoniais. Nessa obra, verificava-se
uma profunda identificação entre linguagem, natureza,
religião e poder imperial. Assim, por exemplo, o poema
2 do Man’yôshû, de autoria do imperador Jomei, descreve
um universo em que os céus, a terra e o corpo político
formam um todo harmonioso:

Vide o Índice onomástico-biográfico no final do volume para uma


ii

breve nota sobre esses e outros autores da antologia.


poemasriva 15

do alto da montanha contemplo minha terra

大和には 群山あれど とりよろふ  
天の香具山 登り立ち 国見をすれば 
国原は 煙立ち立つ 海原は 
鴎立ち立つ うまし国ぞ 蜻蛉島 
大和の国は

inúmeras são as serras


desta terra de Yamato
dentre elas exulta este
monte perfume sob o céu
aqui de seu cume
contemplo meu reino
sobe dos campos
a fumaça das casas
sobe do oceano
o voo das gaivotas
admirável país é o meu
ilha das libélulas
a bela terra de Yamato

yamato ni wa / murayama aredo / toriyorou / amenokaguyama /


noboritachi / kunimi wo sureba / kunihara wa / keburi tachitatsu
/ unahara wa / kamame tachitatsu / umashi kuni zo / akitsushi-
ma / yamato no kuni wa

Durante a Alta Antiguidade, na era Nara (710 a 794), a


casa imperial japonesa encontrou no modelo chinês uma
forma de centralizar o poder, por meio de instituições ju-
rídicas, políticas, cerimoniais e religiosas inspiradas em
práticas continentais. Assim, a língua da administração
era o chinês escrito; e qualquer aristocrata que desejasse
uma carreira precisava dominar essa modalidade de ex-
pressão. Por consequência, até o século IX, os principais
poetas e intelectuais japoneses privilegiaram a escrita
16 poemas ro iapvo aãutno

chinesa, em detrimento dos gêneros textuais nativos.


Um problema que pode ter contribuído para a pre-
ferência pelos modelos chineses ao invés do waka é que
a escrita da língua japonesa ainda demorou mais um
século para se consolidar. O Man’yôshû foi escrito usando
um sistema adaptado da escrita chinesa para representar
os sons do japonês, algo tão complexo e cheio de varian-
tes e exceções que, algumas gerações depois, as pessoas
já não conseguiam mais ler o que os seus antepassados
haviam escrito.
Em 794, o imperador Kanmu (737–806) transferiu
a corte para a região onde hoje se encontra a cidade de
Quioto. Com o desejo de que a nova capital trouxesse
um longo período de estabilidade e harmonia, deu-lhe
o nome de Heiankyô (“capital da paz”). Ao período que
começa nessa data e se estende por mais quatro séculos,
chamamos de era Heian (794–1192) ou Baixa Antiguida-
de.
Durante a era Heian, o clã Fujiwara se apossou de
muitos feudos, tornando-se o mais poderoso grupo de
influência e sobrepujando as outras grandes famílias. Os
Fujiwara casavam suas filhas com imperadores, para que
elas gerassem príncipes herdeiros do império. O chefe do
clã se tornava regente enquanto o príncipe não atingia a
maioridade. Quando os príncipes se tornavam adultos, o
chefe se tornava o principal conselheiro do novo impera-
dor. Com a ascensão dos Fujiwara, a ênfase se deslocou
gradativamente do modelo cultural chinês (que centra-
lizava o poder na figura de um imperador todo-podero-
so) e estava criado um ambiente propício para a volta do
waka como forma poética de destaque.
Com o enfraquecimento da China T’ang no fim do
século IX, aboliu-se o envio de comitivas diplomáticas
ao continente. A maioria dos historiadores afirma que,
devido à diminuição da influência continental, criou-se
poemasriva 17

uma cultura mais característica do Japão. O poema waka


voltou a ser muito apreciado, e no ano de 905 um decreto
imperial determinou a elaboração do Kokin’wakashû.

florestas de símbolos
A partir do século IX, a poesia em japonês começa a
apresentar um estilo diferente — algo que viria, justa-
mente, a ser chamado de “estilo Kokin’wakashû” — pro-
duto de uma síntese que adotava temas e procedimentos
da cultura continental chinesa e os aplicava à literatura
vernácula.
É interessante notar que, em vez de emular a poesia
da China T’ang (618–907), sua contemporânea, os autores
japoneses da era Heian escreviam em um chinês literário
mais arcaico, reverenciando uma fase anterior da litera-
tura do continente — a era das Seis Dinastias (222–589).
Esse período da literatura chinesa tem por característica
uma predileção pelo artifício, pela alusão, pelo subenten-
dido, pelo uso de figuras de linguagem e de jogos imagé-
ticos e lexicais.
Se, por um lado, a poesia da era Heian valorizava a na-
tureza como tema, por outro, os nobres não saíam quase
nunca de casa. O contato com a natureza não era direto
— ocorria por meio dos jardins dos palácios, de pinturas,
desenhos, poemas e relatos. Ou seja, a “natureza”, na vida
dos nobres do período clássico, se encontrava em toda
parte, tanto espacial como psicologicamente, mas se tra-
tava em grande parte de uma natureza reconstruída.
Trata-se de um fenômeno que Shirane Haruo (2012)
denomina de “natureza secundária”, fator decisivo na
construção do imaginário e da estética dos japoneses. A
ênfase não está em como a natureza é e, sim, em como
ela deveria ser: graciosa e elegante. A tão difundida no-
ção de que os japoneses são um povo em harmonia com
18 poemas ro iapvo aãutno

a natureza se deve à criação dessa nature au second degré


que, na verdade, é uma temática literária e artística para
expressão de sentimentos e para reforçar um ideal de au-
sência de conflitos e de beleza elegante.
Em contraste com a centralidade da concepção divina
do poder imperial e de sua expressão na terra por meio
dos fenômenos da natureza que encontramos na fase li-
terária anterior, o Kokin’wakashû apresenta uma maior
quantidade de poemas que descrevem sentimentos hu-
manos e processos emocionais e intelectuais. A ênfase
se encontra na percepção subjetiva e na reconstrução do
real por meio da imaginação. Assim, por exemplo, tor-
na-se mais comum o uso do mitate (“ilusão de ótica”), um
recurso retórico que consiste em estruturar o drama do
poema em torno de uma suposta confusão visual de uma
coisa por outra iii — pétalas de flores caindo do céu por
neve, uma montanha desconhecida pelo monte Fuji, um
rio coberto de folhas avermelhadas por um rico brocado
de seda, etc.
Outro recurso muito encontrado no Kokin’wakashû
são as kakekotoba, palavras homófonas que se encontram
na articulação entre dois versos, significando uma coisa
em um verso e outra no verso seguinte iv. Em sua dis-
cussão do conceito de kakekotoba, a pesquisadora Olívia
Nakaema afirma que “não há alternância de significados,
mas coexistência” (2012, p. 128). Essa e outras ferramen-
tas poéticas eram utilizadas para aumentar o poder de
alusão do poema, criando uma estrutura de camadas de
sentido que estão interconectadas pelas “palavras-pivô”.
O século IX viu o surgimento dos utaawase (“concursos
de poesia”), provavelmente durante o reino do imperador
Uda (867–931). Nobres de menor escalão ficavam encar-
iii
Por exemplo, o poema 301 desta antologia; e muitos outros.
iv
Por exemplo, os poemas 103 e 742 desta antologia; e muitos outros.
poemasriva 19

regados de organizar o certame, escrevendo os poemas


propostos em tiras de papel que eram apresentadas pelos
participantes ao imperador. Os temas mais comuns eram
a primavera e o outono (as estações mais importantes no
calendário da corte). A flor da valeriana (ominaeshi)  v ti-
nha destaque, pois o seu nome faz alusão às “donzelas”
(consortes imperiais), responsáveis pela manutenção da
linha sucessória dinástica. A atividade de julgar poemas
com base em critérios objetivos propiciou o surgimento
de uma poética formal e explícita, que encontramos no
“Prefácio em hiragana” do Kokin’wakashû e nos diversos
tratados literários que viriam a ser escritos em períodos
históricos subsequentes.
Também se escreviam poemas em painéis com pintu-
ras (byôbuuta), inspirados nos motivos da decoração. Com
o tempo, a criação de biombos comemorativos, ofereci-
dos a importantes personagens da aristocracia em ani-
versários, festas de maioridade ou jubileus, passou a ser
uma importante atividade da corte. Esses objetos de de-
coração se tornaram cada vez mais complexos, incluindo
elementos narrativos e especial cuidado no arranjo espa-
cial dos desenhos e poemas. Esse cuidado estrutural na
organização de sequências poéticas se encontra refletido
na estrutura mesma do Kokin’wakashû.
Os poemas do Kokin’wakashû estão distribuídos em
vinte livros (maki, “rolos”). A maioria dos livros se estru-
tura em torno de temas tradicionais da poesia japonesa:
as quatro estações, amor, adeuses, viagens, comemora-
ções, lamentos, etc. Dois livros de “miscelânea” abrigam
os poemas que os compiladores não conseguiram enqua-
drar em nenhuma categoria. Três livros se baseiam em
categorias não temáticas: “nomes de coisas” (poemas de
adivinhação); poemas em “formas miscelâneas”; e obras
v
Vide poemas 226 e 238 desta antologia.
20 poemas ro iapvo aãutno

do Departamento Imperial de Poesia (poemas tradicio-


nais, utilizados em cerimônias religiosas ou oficiais).
O Kokin’wakashû tem sua forma constituída por aglo-
merados tópicos. Esses tópicos eram cuidadosamente
organizados e dispostos em sequência temporal, de ma-
neira a criar uma ordem maior. Assim, a antologia come-
ça com o início da primavera e o Ano-Novo (lunar) vi, evo-
luindo para a neblina, o rouxinol, as ervas que brotam do
chão depois de derretida a neve, os salgueiros, as amei-
xeiras em flor, seguidas pelas cerejeiras em flor, e assim
por diante, como que contando uma história da evolução
gradual das estações por meio das tópicas poéticas.
Também os poemas de amor narram em sua sequ-
ência o romance cortês em suas diferentes etapas — a
começar pela primeira vez que o poeta avista a pessoa
amada, evoluindo para os encontros às escondidas, as
esperas, as desilusões, a separação e as saudades. Os po-
emas estão dispostos em categorias formais, dentro das
quais há nexos de associação, sequência e progressão.
Os seis livros sazonais fazem referência à ordem cos-
mológica, sobrepondo-a ao calendário de eventos e ritu-
ais da corte imperial. Essa concepção de tempo circular
é típica da cultura japonesa, “um tempo rotativo sem co-
meço e sem fim [no qual] não são as posições dos corpos
celestes que se sucedem, como no caso do helenismo,
mas as estações” (KATO, 2012, p. 49) vii.
vi
O calendário “lunar” (ou “lunissolar”) utilizado na Antiguidade
japonesa é o mesmo da tradição chinesa. Em termos simplificados,
o “primeiro mês” desse calendário corresponderia ao “início da
primavera”, que tradicionalmente não ocorria em março e sim, no
mais das vezes, no que nós chamamos de fevereiro. O Ano-Novo
chinês, calculado pelo calendário lunar e comemorado até hoje em
diversos países da Ásia, geralmente cai no fim do nosso janeiro ou na
primeira semana de fevereiro.
vii
Algo que José Miguel Wisnik, no contexto da música, descreve como
“um tempo circular, recorrente, que encaminha para a experiência de
um não tempo ou de um ‘tempo virtual’, que não se reduz à sucessão
poemasriva 21

Os cinco livros de “amores”, por sua vez, fazem refe-


rência a um tempo linear, de progressão inexorável, no
qual a experiência erótica aparece codificada em fases fi-
xas. O amor cortês, nesse contexto, à semelhança do que
ele representou no desenvolvimento da literatura regio-
nal europeia, assume a posição de representante meto-
nímico da vida emocional do indivíduo. A narrativa do
relacionamento amoroso é como a encenação da tragédia
anunciada do luto e da solidão a que cada vida humana
está condenada.
Essas duas concepções de tempo apresentam-se como
complementares no contexto da antologia. Os poemas
formam “florestas de símbolos”, com repetições e va-
riações orquestradas para criar a impressão de um todo
orgânico e inevitável. Assim, a cerejeira e a glicínia, por
exemplo, fazem alusão à glória do clã Fujiwara. O cuco,
principal personagem do verão, conecta o mundo dos vi-
vos ao reino dos mortos. O outono é estilizado a ponto de
se tornar o correspondente linguístico da padronagem
avermelhada de um brocado de seda. O inverno, fechan-
do o ciclo sazonal, remete à pureza da cor branca da neve
e ao recomeço que se anuncia com o final do ano.
Os livros 7 (“Comemorações”) e 16 (“Lamentos”) for-
mam um par temático: o primeiro, localizado no fim da
sequência sazonal, celebra a vida; o segundo, encerran-
do a seção sobre o amor, propõe uma meditação sobre a
perda e a morte. Os livros 8 e 9 (“Adeuses” e “Viagens”)
também formam um par temático e complementar. O li-
vro 10 (“nomes de coisas”) e os livros 17 e 18 (“miscelânea”)
demonstram os usos lúdicos da linguagem, comentam

cronológica nem à rede de causalidades que amarram o tempo


social comum”, um processo de “produção comunal do tempo [...]
constituída pela superposição de ritmos irregulares girando em torno
de um centro virtual, ou ausente, fora do tempo linear, [subordinados]
à ordem do pulso e da recorrência” (1999, p. 78).
22 poemas ro iapvo aãutno

aspectos da vida na capital e advertem sobre a futilida-


de dos sonhos humanos. Os poemas de “outras formas”
e que não se encaixam na regularidade encantatória do
resto da antologia surgem no livro 19; e a obra se encerra
com o livro 20, no qual estão registrados os poemas tra-
dicionais da corte — alguns tão arcaicos que antecedem
o surgimento da escrita.

as formas do waka
Os dois principais tipos de waka (“poesia em japonês”)
são o chôka (“poema longo”) e o tanka (“poema curto”). O
chôka ou nagauta tem um número indeterminado de es-
trofes com dois versos (de 5 e 7 sílabas, alternadamente),
terminando sempre com dois versos de sete sílabas viii.
O tanka tem sempre cinco versos e um total de 31 sílabas
com a disposição da métrica obedecendo ao esquema
5-7-5-7-7 ix.
Além do tanka e do chôka, encontramos a forma sedôka,
com dois tercetos de 5-7-5 sílabas cada (5-7-7/5-7-7)  x.
Alguns poemas do livro 19 são chamados de haikai  xi,
mas essa palavra tinha um significado diferente na
Antiguidade: ela era usada para poemas com o mesmo
número de versos e sílabas que um tanka, mas que não
seguiam as muitas regras do bom gosto exigido na corte,
sendo considerados como “poemas de brincadeira”, sem
viii
Por exemplo, o poema 1002.
ix
Com exceção de alguns exemplos do livro 19, todos os poemas desta
antologia são na forma tanka.
x
Essa forma foi usada na Era Nara, mas depois do século VIII tornou-
se praticamente extinta. O primeiro ideograma de sedôka significa
“retornar” ou “circular”. No exemplo incluído neste volume, o “retorno”
se refere ao fato de que o poema 1008 responde a pergunta proposta
pelo poema 1007.
xi
Por exemplo, os poemas 1011 e 1012.
poemasriva 23

pretensões de “seriedade”. Não há nenhum exemplo do


haicai, tal como ele é praticado hoje, no Kokin’wakashû xii.
Neste livro, vou utilizar a palavra waka para me referir
ao tanka, pois essa é a designação mais usada para o
período em que o Kokin’wakashû foi publicado. Na virada
do século XIX para o XX, com o movimento de renovação
das formas poéticas nativas, liderado por Masaoka Shiki,
os poetas voltaram a usar preferencialmente o termo
tanka. Ou seja, os tanka de autores clássicos, como os
desta coletânea, são geralmente referidos como waka, ao
passo que o mesmo tipo de poema, se de autoria de um
poeta moderno ou contemporâneo, é denominado tanka.
O waka-tanka pode ser ainda dividido em “parte de
cima” (kami, os três primeiros versos de 5-7-5 sílabas) e
“parte de baixo” (shimo, os dois últimos versos de 7-7 sí-
labas). Eis o poema 113, de autoria de Ono no Komachi:

花の色は 移りにけりな 
いたづらに
我身世にふる ながめせしまに

a flor da cerejeira
perdeu sua cor em
vão minha juventude
passou enquanto eu
distraída olhava a chuva

hana no iro wa / utsuri ni keri na / itazura ni


waga mi yo ni furu / nagame seshi ma ni

A “parte de cima” do poema é, aparentemente, sobre


a flor da cerejeira. No entanto, ela está ligada à “parte de
baixo” pela expressão itazura ni (“em vão”), que pode se re-

O haicai moderno tem três versos de 5-7-5 sílabas, mas o uso


xii

contemporâneo da terminologia só viria a se consolidar muitos


séculos depois.
24 poemas ro iapvo aãutno

ferir tanto ao murchar da flor quanto ao envelhecimento


da autora. Procurei manter um pouco dessa ambiguida-
de na tradução, dividindo a expressão “em vão” em dois
versos.
A poesia clássica japonesa desenvolveu, ao longo dos
séculos, uma série de convenções e de ferramentas po-
éticas (muitas das quais encontramos também, poste-
riormente, na tradição do haicai). As makurakotoba, ou
“palavras-travesseiro”, são epítetos fixos, semelhantes
aos usados por Homero na Odisseia, ou ainda metáfo-
ras antigas que se tornaram uma expressão poética, à
semelhança das kenningar das sagas nórdicas. O epíteto,
em geral, precede um substantivo que muitas vezes é um
nome de lugar (e que se imagina estar “apoiando a cabe-
ça” na palavra-travesseiro). A prática tem origem religio-
sa, pois se acreditava que a palavra associada protegia ou
glorificava a coisa designada xiii.
Engo, ou “associação lexical”, é uma ferramenta retó-
rica que consiste em criar no poema uma malha de pala-
vras associadas que, tomadas em conjunto, acrescentam
mais uma camada interpretativa ao texto xiv.
Kigo, ou “vocabulário sazonal”, são palavras associa-
das às quatro estações. Na época do Kokin’wakashû, essas
expressões não se denominavam ainda kigo, mas muitas
delas já eram consagradas — por exemplo, a flor da ce-
rejeira (primavera), o cuco (verão), as folhas tingidas de
vermelho (outono) e o Ano-Novo (inverno). No famoso
“haicai do velho lago”, de Matsuo Bashô, a presença do
sapo (kawazu) remete às fortes chuvaradas que ocorrem
durante a primavera no Japão. Em períodos posteriores
da evolução da poética japonesa, os kigo passaram a ser
organizados em “dicionários de expressões sazonais”, os
xiii
Um exemplo desta coletânea se encontra no poema 294, de autoria
de Ariwara no Narihira. Há muitos outros.
xiv
Por exemplo, o poema 167 desta antologia.
poemasriva 25

saijiki. Essas obras de referência são muito importantes


para a composição de haicai e possuem mesmo versões
brasileiras xv.

a palavra brota do coração humano


Até aqui, ressaltei a originalidade da antologia e seu
caráter “japonês”, em contraposição à poesia em língua
chinesa que, por certo tempo, ocupara a centralidade do
sistema literário da corte Heian.
No entanto, é igualmente fácil sustentar o ponto de
vista contrário. Já mencionei anteriormente como o estilo
do Kokin’wakashû pode ser descrito como uma síntese
da expressão nacional japonesa e de procedimentos
poéticos importados do continente chinês. Algo que
também chama muito a atenção é o quanto o “Prefácio”
de Tsurayuki deve, às vezes textualmente, ao “Grande
prefácio” do Shījīng xvi:

Shījīng: A poesia é a direção em que vai a vontade do es-
pírito. A vontade habita o coração e, ao ser expressa
em palavras, torna-se poesia.
Tsurayuki: A poesia japonesa brota do coração humano,
que é a sua semente, e suas folhas crescem como dez
mil palavras.

Por exemplo, Goga; Oda (1996). Vide referências.


xv

“Grande prefácio” do Shījīng, ou Clássicos da Poesia (China, séculos


xvi

XI a VI a.C.). Atualmente, acredita-se que a autoria do “Grande


prefácio” seja de Wei Hong (século I d.C.). 詩者,志之所之也。在
心為志。發言為詩。情動於中,而形於言。言之不足,故嗟歎。
嗟歎之不足,故永歌之。永歌之不足知,手之,舞之,足之,蹈
之也。情發於聲,聲成文,謂之音。治世之音安以樂,其政和。
亂世之音怨以怒,其政乖。亡國之音哀以思,其民困。故正得
失,動天地,感鬼神,莫近於詩。先王以是經夫婦,成孝敬,厚
人倫,美教化,移風俗。(Cf. SVENSSON, 1999; THEOBALD, 2010;
WIXTED, 1984.)
26 poemas ro iapvo aãutno

Shījīng: A emoção nasce dentro de nós e toma a forma de


palavras. Quando as palavras não bastam, podemos
suspirar; quando suspirar não resolve, cantamos; se
nem isso é suficiente, movemos ritmados as mãos e
os pés e dançamos. As emoções se expressam pela
voz e, quando a voz se forma em frases, dizemos que
elas são “melodias”.
Tsurayuki: Neste mundo, as pessoas têm muitos inte-
resses diferentes. Aquilo que pensam em seu cora-
ção, expressam em poesia, quando falam sobre as
coisas que viram e escutaram. Basta ouvir o rouxi-
nol do Japão, que canta em meio às flores, ou a voz
do sapo que vive na água, para entender que todos
os seres vivos produzem algum tipo de poesia.

Shījīng: A melodia que governa o mundo pacifica com


sua música, promovendo a paz e a alegria. As melo-
dias de um mundo em descompasso atiçam o ódio,
promovendo a tirania. As melodias de um país der-
rotado são plangentes, e seu povo sofre. Mas o cor-
reto restaura o perdido, move o céu e a terra, e emo-
ciona mesmo os demônios e deuses — e a melhor
maneira de se atingir o correto é a poesia. No tempo
dos antigos príncipes, os poemas eram usados para
harmonizar os casais, para promover o respeito aos
antepassados e o amor filial, para enriquecer a cul-
tura das pessoas e para civilizar os costumes.
Tsurayuki: A poesia é aquilo que, sem esforço, move o
céu e a terra e emociona até os ogros e deuses que
nossos olhos não podem ver. Ela harmoniza as re-
lações entre homem e mulher e consola mesmo o
coração de ferozes guerreiros.

A semelhança textual é testemunho da força de au-


toridade que a literatura chinesa representava para os
intelectuais japoneses; no entanto, como discutirei mais
adiante, as diferenças também são várias e importantes.
Miner (1990) propõe uma comparação entre a Poética
poemasriva 27

de Aristóteles, o Shījīng chinês e o “Prefácio em hiragana”


de Ki no Tsurayuki. Aristóteles teria feito a escolha cons-
ciente de privilegiar o drama ateniense em detrimento
da épica; por sua vez, o prefácio chinês busca alinhar a
literatura aos interesses cívicos e políticos; já Tsurayuki
estava criando uma programática da poesia nacional, em
oposição à literatura de prestígio (a chinesa clássica), e
alinhando-a com o poder simbólico e religioso da corte
imperial de Yamato.
Miner classifica as poéticas chinesa e japonesa, fun-
dadas na lírica, como poéticas afetivo-expressivas. A
poética regional europeia, tal como definida por Aris-
tóteles, seria representacional-mimética e fundada no
drama. Uma importante consequência para a noção de
autoria decorre da centralidade da lírica: ao contrário da
lírica ocidental moderna e contemporânea, que, por sua
afinidade com o drama, às vezes se comporta como se a
poesia fosse a fala de uma personagem, a poesia chinesa
e a japonesa operam como se lidassem com fatos, e “a in-
terpretação deriva de uma firme crença no intencionalis-
mo” (MINER, 1990, p. 112).
O “Grande prefácio” chinês propõe uma poética afeti-
vo-expressiva fundada no humano e na harmonia entre
indivíduo e corpo político: trata-se de uma concepção
ética do estético, em que o sentimento (a “vontade”) se
expressa tanto em palavras como em música e em dança.
Já o “Prefácio em hiragana”, refletindo a religião nativa do
Japão, o xintoísmo, estabelece uma deliberada confusão
entre o mundo humano, o dos animais, o das plantas e
mesmo o mundo sobrenatural: todos pertencem ao mes-
mo continuum e produzem (ou são sensíveis à) poesia. A
poesia é um “canto”, como as vozes dos bichos, e a com-
posição de poesia seria algo “natural” para os humanos.
O sapo e o rouxinol são tópicos consagrados da poesia
clássica e considerados como possuidores de “belas vo-
28 poemas ro iapvo aãutno

zes”. Ki no Tsurayuki enfatiza o papel central da nature-


za, tanto como estímulo para a criação de poesia, como
quando afirma que a poesia é uma forma de expressão
natural ao ser humano.
Outro ponto de suposta semelhança entre a poética
clássica chinesa e o “Prefácio em hiragana” de Tsurayuki é
a lista dos “seis tipos de poesia”: (1) oculta persuasão (soeu-
ta); (2) enumeração ou descrição (kazoeuta); (3) compara-
ção (nazuraeuta); (4) exemplificação ou imagem evocativa
(tatoeuta); (5) poesia de tom elevado ou elegância (tadago-
touta); e (6) comemoração ou homenagem (iwaiuta). De
todo o “Prefácio”, esse trecho é o mais criticado pelos co-
mentadores — a começar pelo próprio copista da Anti-
guidade que anota, exasperado, ao fim da enumeração:
“creio poder concluir que, na verdade, não existem seis
tipos de poesia japonesa”.
À crítica de que a classificação em seis tipos não tem
pé nem cabeça, vem se somar a acusação de que essa lis-
ta, na verdade, é uma adaptação mal feita de categorias
chinesas associadas à retórica e à música. De fato, a ca-
tegoria de número (1) corresponde à persuasão (feng, 風),
descrita no “Grande prefácio” do Shījīng como a função
poética de fazer uma crítica velada por meio da indireta
sutil, sem se incriminar (ou seja, um uso pragmático da
poesia).
As categorias (2), (3) e (4) correspondem, respectiva-
mente, aos “três aspectos clássicos da poesia chinesa”:
descrição (fu, 賦); comparação (pi, 比) e imagem evoca-
tiva (hsing, 興). Essas três categorias têm um conteúdo
mais, digamos, “puramente estético” do que as outras (se
o gosto do freguês pende para o lado das “coisas ideais e
puras”). Note-se, no entanto, que na poética chinesa es-
ses aspectos podem estar presentes juntos em um mes-
mo poema, ao passo que o “Prefácio em hiragana” parece
querer classificar cada poema como pertencente a uma
poemasriva 29

categoria específica, à exclusão das outras.


No Shījīng, a categoria (5) corresponde à poesia
didática e de alto tom moral (ya, 雅) que saúda um novo
governo ou explica por que o anterior caiu; a categoria
(6) faz referência às homenagens (sung, 頌) prestadas a
grandes exemplos de virtude ou de sucesso xvii.
Ora, uma leitura mesmo superficial do “Prefácio
em hiragana” de Ki no Tsurayuki permite ver que, no
contexto da poética japonesa, essas categorias não têm
absolutamente nada a ver com suas ancestrais chinesas.
Ainda que confusas de um ponto de vista, digamos, lógico-
aristotélico, as categorias de Tsurayuki são coerentes no
sentido de que todas estão baseadas em preocupações
estéticas, técnicas ou retóricas, ignorando totalmente
as possibilidades pragmáticas ou ético-políticas da
poesia, muito presentes no pensamento chinês. A
posteridade, em que pese a má-vontade do copista,
tratou as seis categorias do “Prefácio em hiragana” como
modelos didáticos de composição, algo mais próximo
do pensamento de Tsurayuki e mais razoável do que
as exigências de lógica ou de subordinação ao modelo
chinês presentes nos textos dos críticos. Isso não tira
totalmente, a meu ver, a razão do copista: os seis tipos
de poesia não fazem muito sentido como classificação
sistemática.
O “Prefácio em hiragana”, portanto, é duplamente
único e interessante para a leitora brasileira do século
XXI. Em primeiro lugar, ele estabelece, à semelhança
do “Grande prefácio” chinês, uma poética fundacional
escrita que dá destaque ao aspecto afetivo-expressivo
da literatura e adota como gênero central a poesia lírica
— em contraste com a poética aristotélica que, baseada

A descrição das categorias chinesas segue a sistematização


xvii

proposta por Wixted (1984, p. 393–394).


30 poemas ro iapvo aãutno

no gênero do drama, enfatiza o aspecto mimético-


representacional do literário, criando uma cisão entre
“palavra” e “coração” que está longe de ser universal ou
parte do senso comum em culturas não descendentes do
regional europeu.
Em segundo lugar, mesmo adotando a literatura
chinesa como modelo, a poética japonesa é reflexo de
uma experiência histórica bastante distinta. O gênero
lírico, parte integrante do tecido social da aristocracia da
Antiguidade, nunca precisou de justificativa extraliterária
para existir. Assim, quando Tsurayuki teorizou sobre a
poesia japonesa, ele não precisou atribuir a ela elementos
pragmáticos. A poesia japonesa se justifica a si mesma,
como canto — o canto dos seres vivos, a expressão de seu
sentimento.

paratexto e hors-texte
A escrita japonesa é fruto de um longo processo de de-
senvolvimento. As primeiras duas grandes obras da lite-
ratura do Japão, o Kojiki xviii e o Man’yôshû xix, ambas com-
piladas no século VIII, foram escritas usando caracteres
chineses para representar os sons da língua japonesa. A
partir desse complexo sistema foram criados, nos três sé-
culos seguintes, dois silabários nacionais — as kana. Um
deles, as katakana, é composto de pedaços de caracteres
chineses; o outro, as hiragana, de simplificações cursivas
desses mesmos símbolos. Os textos da vida pública eram
escritos em chinês clássico.
As primeiras hiragana surgem em correspondência

xviii
Texto que combina o pseudo-histórico, o histórico e os mitos de
formação do Japão (cosmogonia e mitologia). Compilado por Ô no
Yasumaro, baseado na obra incompleta de Hieda no Are. Compilação
terminada em 712 (era Nara).
xix
Cf. primeira seção desta Introdução.
poemasriva 31

oficial e privada, em diários oficiais do governo e quan-


do era necessário expressar opinião, descrever emoção,
e registrar poemas japoneses (que muitas vezes eram
compostos em eventos públicos). A poesia, no contexto
da vida aristocrática da era Heian, tinha uma função so-
cial diferente da verificada em outros lugares e épocas.
Como a música ou a dança em algumas culturas, o teatro
em outras, ou ainda o esporte, a poesia gerava a possibi-
lidade de se vir a ser notado em espaços públicos (não só
em eventos em que se compunha poesia, mas também
por meio da divulgação de exemplos de excelência, quan-
do ocorriam); de se adquirir informação sobre a vida pri-
vada de outros (por meio das alusões que se acreditava
encontrar nos poemas, que muitas vezes eram objeto de
discussão, boatos e rumores) e, principalmente, de se
animar relacionamentos de ordem privada (a poesia fa-
zendo as vezes da correspondência romântica — e mes-
mo de diversos outros tipos de correspondência).
Para um olho treinado, uma série de poemas escritos
pela mesma pessoa podia revelar sua ordem cronológica
e a narrativa por trás das ocasiões em que foram compos-
tos. O contrário também era verdade: aquilo que se espe-
rava de um amante em potencial tinha uma espécie de
roteiro pré-estabelecido por séries de poemas incluídos
em antologias imperiais. Assim, por exemplo, o Diário
de Izumi Shikibu xx (ostensivamente um relato autobio-
gráfico) teria sua narrativa modelada a partir dos livros
de temática amorosa do Kokin’wakashû.
Esse tipo de poesia é tradicionalmente associado a
práticas sociais, ou no mínimo coletivas, perdendo algo
de seu poder de alusão quando apresentado sem o con-
texto em que foi composto; ou seja, a maneira como um
leitor brasileiro — que associa a poesia japonesa à des-

xx
Diário poético escrito no início do século XI por Izumi Shikibu.
32 poemas ro iapvo aãutno

contextualização, dissociação de sensibilidade, concisão


e despersonalização — imagina um poema japonês é o
oposto da maneira como um japonês culto o lê. A poe-
sia tradicional japonesa pressupõe sempre uma narrati-
va que a acompanha. Mais que isso: essa narrativa não é
lida no modo da ficção, como os interlúdios de Fernando
Pessoa ou as personas poéticas de Robert Browning (ou o
“eu lírico” dos críticos literários). A poesia é vista como a
expressão do sentimento do poeta em um momento que
realmente aconteceu, como afirma Ki no Tsurayuki em
seu “Prefácio”: “a poesia japonesa brota do coração hu-
mano, que é a sua semente, e suas folhas crescem como
dez mil palavras”.
Um exemplo pode ajudar a compreender melhor tan-
to a vacilação entre o real e o ficcional de que estou fa-
lando como a sensação de ruído e interferência que esse
tipo de narrativa pode causar em um leitor não japonês.
A poesia de Ariwara no Narihira, cavalheiro da corte do
século IX que passou para a história como um modelo de
sensibilidade e beleza, encontra-se reunida num livro, os
Contos de Ise xxi, que apresenta os seus poemas acompa-
nhados de curtas anedotas. Às vezes, uma anedota reúne
mais de um poema, e nesse caso a cena pode incluir uma
interlocutora que também compõe, criando a situação-
-tipo do encontro romântico dessa época: a troca de ver-
sos de amor.
Hoje em dia, o relato é tido por ficcional, ainda que
muitos dos poemas tenham a autoria de Narihira corro-
borada por outras fontes. Esse modelo de narrativa-mol-
dura para um mundo de composição poética gerou, no
século seguinte, tanto a prosa de ficção como a de não
ficção em língua japonesa. A eficaz combinação do poéti-

Narrativa formada por 125 “contos”, incluindo um total de 209


xxi

poemas. Autoria desconhecida (atribuída a Ariwara no Narihira).


Escrita no século IX ou X (Era Heian).
poemasriva 33

co e do ficcional chamou a atenção de Jorge Luis Borges:

Como os cretenses, os habitantes de Ise tinham fama


de mentirosos. O título da obra sugeriria que os relatos
que contém são falsos. Não é impossível que o anônimo
autor tenha composto muitos desses poemas e tenha
imaginado depois as dramáticas circunstâncias que os
explicariam. (BORGES, 2008, p. 49)

Nas escolhas semânticas desse parágrafo, encon-


tramos as categorias problemáticas que não são lidas
da mesma maneira por nós e pela cultura que gerou o
Kokin’wakashû: “mentirosos”, “falsos”, “anônimo autor”,
“imaginado”, “dramáticas”. E, ao apontar para o título
como justificativa para a desconfiança, Borges também
nos revela a profunda ligação que fazemos na nossa cul-
tura entre narrativa e ficção. A maneira como lemos hoje,
expressa nas dúvidas de Borges ao ler a Antiguidade
japonesa, não admite a combinação híbrida de ficção e
não ficção: ou se lê um texto como ficcional, e aí todos os
elementos do real são tratados como invenção; ou então
o texto precisa se reivindicar como biográfico, e a tarefa
do crítico parece residir na identificação dos “deslizes”
ou “mentiras” da história. Na verdade, um tratamento
mais nuançado desses materiais permitiria reconhecer
o quanto de estilização há no confessional, assim como
o quanto de mundo real é necessário para se criar uma
história. Essa problemática fica bastante clara quando se
analisa o conceito de autor à luz de textos japoneses anti-
gos.
A visão que temos hoje de autor em literatura é um
encontro de duas ideologias. Ela tem elementos do culto
ao gênio do romantismo do século XIX; ao mesmo tem-
po, o autor é foco de expectativas ligadas à divisão do
trabalho na sociedade capitalista e à profissionalização
e segmentação das artes. Eu poderia ainda acrescentar à
34 poemas ro iapvo aãutno

equação o fato de que a recepção da literatura japonesa


fora do Japão está tingida por questões orientalistas.
Podemos tentar descrever algumas características do
sistema literário da era Heian e, a partir da ideia de “po-
eta como produtor”, destacar os pontos de contraste com
outras culturas. Assim, Miner (1990) afirma que, para os
gregos, “a tragédia era escrita por cidadãos de Atenas do
sexo masculino, no contexto de uma competição patro-
cinada pelo governo”. Na Renascença, na Europa, o gru-
po autorizado era de homens da aristocracia ou homens
patrocinados por membros da aristocracia ou do clero.
No mundo contemporâneo, há a “visão predominante de
que qualquer pessoa (homem ou mulher) pode tentar,
mas apenas os que se profissionalizam obtêm sucesso”.
No caso da Antiguidade japonesa, “todos (homens e mu-
lheres), mesmo os analfabetos” podiam ser autores de
poesia (p. 18).
Ainda que o Japão moderno tenha absorvido a ética
da profissionalização associada ao capitalismo, a ideia de
que a literatura, como o esporte, não é necessariamente
uma atividade de recepção passiva, e pode envolver tudo
e todos, sobrevive de diversas maneiras xxii. O número de
japoneses que pratica, na qualidade de amadores, uma
arte, como a música, a dança tradicional, a poesia, a ca-
ligrafia, dentre outras, é muito maior do que o nosso. Al-
guém dizer numa roda de conhecidos no Brasil que “es-
creve poesia, sem compromisso, como passatempo” é um
convite ao escárnio, à incredulidade e ao riso; no Japão,
é uma ocorrência comum e estimulada desde a escola.

Agradeço ao poeta Diego Grando pelo insight. Em um debate sobre


xxii

poesia japonesa realizado na PUCRS em 2018, Grando chamou minha


atenção para a importância do elemento “amadorístico” e para a
singularidade do lugar do poeta no contexto do capitalismo pós-
industrial. Eu já tinha escrito sobre isso em outras ocasiões, mas a
conversa com o Diego ajudou-me a elaborar a hipótese com maior
precisão.
poemasriva 35

No Brasil, onde houver uma comunidade de imigrantes


japoneses, há sempre um jornalzinho em japonês diri-
gido aos leitores locais, e quase todas essas publicações
promovem alguma modalidade de concurso de poesia,
ou ao menos mantêm uma página dedicada às compo-
sições dos leitores. A nossa atitude moderna de repulsa
ao poeta amador é uma decorrência lógica justamente do
culto romântico ao gênio e da especialização dos fazeres
no capitalismo, aos quais vem se somar, ao longo do sé-
culo XX, um gradual distanciamento dos sistemas edu-
cacionais com relação ao ideal humanístico e beletrista, e
o crescente utilitarismo subjacente às ideologias por trás
da formação de jovens e adultos.
No Brasil, no início do século XXI, é muito difícil
imaginar que possa haver uma teoria literária sofisticada
que admita a identidade do autor com o eu lírico, ou que
trate o poema como verdade factual. É como se o leitor
fosse incapaz de ler literatura sem passar pelo vestíbu-
lo da suspension of disbelief — aquele momento em que o
contrato ficcional entre leitor e texto se estabelece, o pri-
meiro concordando em acreditar no que o texto tem para
lhe dizer (ao menos pela duração da leitura), desde que
o segundo não lhe exija crédito de veracidade depois de
fechado o livro.
Em clara oposição à crítica ocidental contemporâ-
nea, “a compreensão literária na Ásia Oriental sustenta
que o autor está falando diretamente ao leitor, como se
não houvesse eu lírico, ou narrador de uma história”,
uma noção “de tal maneira contrária a ideias ocidentais
modernas que, para alguns, ela parecerá simplesmente
errada” (MINER, 1990, p. 30). A menos que seja dito ex-
pressamente o contrário, “presume-se que os poetas fa-
lam in propria persona” e os trechos de narrativas nos quais
se encontram comentários ou intervenções daquele que
um ocidental chamaria de narrador são denominados,
36 poemas ro iapvo aãutno

“em uma tradição de séculos, como ‘palavras do autor’


(sakusha no kotoba)” (MINER, 1990, p. 30).
O Kokin’wakashû faz uso do “conceito de integrar po-
emas por meio de textos em prosa” (RODD, 1984, p. 3), o
que se deve, em parte, ao fato de que a poesia japonesa
tende a preferir formas curtas, como que criando a ne-
cessidade de que o texte faça apelo ao hors-texte para ser
compreendido:

Uma das consequências desse uso social da poesia como


parte do discurso quotidiano na corte Heian é que o po-
ema se encontra preso à situação que o gerou; assim,
o conhecimento das circunstâncias de sua composição
era necessário para a compreensão de seu significado.
Isso propicia também o uso desses poemas como blocos
de construção para obras literárias de maior dimensão,
em cujo contexto eles podem ser explicados. Mesmo
poemas formais, escritos deliberadamente como atos
de criação artística, com o objetivo de serem lidos para
uma ampla plateia, eram frequentemente prefaciados
por uma nota explanatória, ou ao menos uma indicação
de tópico. (RODD, 1984, p. 20–21)

Muitos poemas do Kokin’wakashû apresentam aquilo


que eu chamo de “parafernália autoral”. Uma antologia
ambiciosa como essa necessita se basear em muitas fon-
tes documentais. Dentre essas fontes, encontravam-se,
por exemplo, relatos de eventos que envolviam a compo-
sição de poesia, arquivos de particulares, álbuns de poe-
mas pertencentes a indivíduos ou a uma família e com-
pilações poéticas organizadas privadamente por poetas,
servidores públicos ou intelectuais. De posse desses ma-
teriais, o editor precisava estabelecer critérios de seleção
e, em seguida, de classificação desses poemas. Muitos
deles vêm acompanhados da descrição das circunstân-
cias em que foram compostos — seja no título, seja em
poemasriva 37

um texto explicativo. Assim, por exemplo, o título do po-


ema de número 745, escrito por Fujiwara no Okikaze, é
mais longo do que o próprio poema xxiii.
Não resta dúvida de que a situação descrita no títu-
lo do poema 745 é uma “cena romântica”, estilizada ao
máximo, recorrente na literatura japonesa de antes e
de depois (por exemplo, na passagem de O Romance do
Genji em que o quimono que a dama deixa para trás é
comparado à “casca da cigarra”). Além da peça de roupa
deixada para trás e da ideia do quimono como substituto
ou memória do corpo da amante, há o lugar comum dos
pais vigilantes e dos amantes secretos. Há ainda outros
lugares-comuns menos óbvios para um leitor brasileiro,
como a comparação entre o sal das lágrimas e aquele que
se extrai das algas marinhas, “a fogo lento”, o que seria
uma metáfora para a agonia do amor; ou ainda o uso da
palavra mo, que é tanto um tipo de alga como uma parte
do quimono (a cauda).
No entanto, o fato de que seja um clichê não impede
que o poema seja lido como tendo realmente acontecido.
De fato, para a literatura japonesa, talvez o que interes-
se ao leitor muitas vezes seja o reconhecimento (e o re-
gistro) de instantes em que a vida se parece com o clichê

Além desse, há muitos outros poemas com títulos longos na


xxiii

antologia. Em português, temos o exemplo semelhante dos poemas


de Gregório de Matos, cujos títulos às vezes são uma narrativa que
contextualiza o poema. Por exemplo: Continua em galantear aquella
Mariquita filha da Zabelona, que ja adiante dicemos (p. 1568); Passando
o poeta em certa occasião pela porta desta galharda dama reparou que a
sua vista expusera no peyto hum ramilhete de flores, que tinha na mão (p.
1619); Descreve a hum amigo desde aquelle degredo as alterações, e miserias
daquelle reyno de Angolla, e o que juntamente lhe aconteceo com os soldados
amotinados, que o levaram para o campo, e tiveram consigo para os aconselhar
no motim (p. 1602), e muitos outros (MATOS, 1968). Como no caso
dos waka do Kokin’wakashû, seguido se ignora se esses títulos são ou
não apócrifos; e mesmo a real autoria dos poemas é frequentemente
duvidosa ou de difícil comprovação.
38 poemas ro iapvo aãutno

consagrado. Estamos diante de um autor morto, irrele-


vante para a compreensão do poema, ou de um autor que
ilumina o texto com sua existência? A resposta variará de
acordo com os pressupostos culturais de cada leitor. Não
resta dúvida de que, lido fora de seu contexto, o poema
terá significados muito distintos.

sobre a tradução
A presente tradução começou a tomar forma no se-
gundo semestre de 2019 como material didático para a
disciplina de Literatura Japonesa em Tradução I do Ba-
charelado Tradutor Japonês-Português do Instituto de
Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Aproveitei diversos textos que eu havia escrito em dife-
rentes épocas sobre o assunto, mas as traduções dos po-
emas em si são em sua maioria inéditas. A preparação
do manuscrito ocupou os meses de janeiro e fevereiro de
2020 (as férias de verão); a revisão foi feita no início de
março; e a Introdução está sendo escrita enquanto esta-
mos todos confinados a nossas casas em virtude da pan-
demia.
Apresento aqui uma seleção de 165 exemplos de um
universo de 1.111 poemas — ou seja, menos de 20% do to-
tal de textos da antologia japonesa. A tradução integral
dos poemas do Kokin’wakashû exigiria uma dedicação de
tempo e de foco que raramente um tradutor brasileiro
teve ou terá o luxo de reservar a um projeto não remune-
rado. Meu objetivo com esta publicação é bem mais mo-
desto: oferecer ao leitor brasileiro um vislumbre de um
mundo que ele não conhece. Como esse mundo é distan-
te no tempo e no espaço, optei pelo antimodernismo em
minha abordagem editorial: desde o princípio, tive por
intenção criar um almanaque idiossincrático da cultura
japonesa da Antiguidade, incluindo na edição notas pa-
poemasriva 39

ralelas, explicações introdutórias para cada um dos vinte


livros, minibiografias dos poetas, esta longa introdução-
-ensaio e ilustrações dos mais diversos tipos. O projeto
tipográfico procura dar mais destaque aos poemas em
português, mas não se furta de colocá-los lado a lado com
os poemas em japonês e a sua respectiva transcrição ro-
manizada. Algumas vezes, em vez de explicar a aparência
de um inseto ou de uma flor mencionados em um poe-
ma, acrescentei simplesmente um desenho da coisa em
questão à margem do livro.
A cultura japonesa nunca perdeu muito tempo com a
compartimentalização dos gêneros literários nem com
ideais de autonomia das artes. Desde os primórdios, a
escrita foi tratada como uma forma de expressão visu-
al. A poesia sempre foi tratada como canção e vice-ver-
sa. As artes plásticas dialogam com a literatura que, por
sua vez, está presente nas expressões artísticas ligadas à
performance, como o teatro, a música, a dança. A arquite-
tura não faz distinção entre o prédio e o jardim; o jardim
conversa com o texto; o texto é uma meditação sobre a
paisagem; a floresta é comparada a uma padronagem da
seda... e assim por diante. Propostas ocidentais de cria-
ção de uma extravagante “obra de arte total” não fazem
muito sentido em um contexto japonês, porque as artes
no Japão não foram nunca outra coisa que não totalizan-
tes. O pressuposto é de que tudo é híbrido: a cerimônia
do chá é uma filosofia e um evento social; o arranjo de
flores é um ritual estético; o mangá é literatura, assim
como o cinema; os romances têm poemas; as roupas e a
gastronomia dialogam com a pintura; etc. Os exemplos
são muitos e o assunto é inesgotável.
Em minha tradução anterior, Cem poemas de cem po-
etas (2019), publicada por esta mesma editora, já busquei
combinar elementos visuais aos poemas que traduzi. Eles
vinham acompanhados de notas interpretativas e de bio-
40 poemas ro iapvo aãutno

grafias dos poetas. Para a presente tradução de seleções


do Kokin’wakashû, meu editor, o artista plástico e poeta
Roberto Schmitt-Prym, me deu carta branca para resol-
ver a questão do design do livro como eu achasse melhor.
Em que pese minha pouca experiência como fazedor de
artefatos culturais, nunca me diverti tanto criando algo
na vida. As traduções estão longe de serem “neutras” ou
“fiéis”, e a profusão de paratextos vai a contrapelo do que
se costuma esperar de uma edição com poemas antigos e
veneráveis. Mas não vou pedir desculpas pela minha vi-
sibilidade como tradutor. A ideia era essa mesma, desde
o começo do projeto — causar interferência e ruído — e,
com alguma sorte, transmitir o meu entusiasmo por esse
fascinante capítulo da história da cultura japonesa.
Isso não significa que não houve critério nenhum na
idealização do volume. Ao selecionar os poemas, busquei:
(1) incluir ao menos dois exemplos de cada um dos vinte
livros; (2) incluir ao menos um exemplo de cada um dos
principais poetas xxiv; (3) observar, na medida do possível,
uma “representatividade proporcional” — ou seja, as ca-
tegorias com mais poemas também receberam um maior
número de traduções; (4) privilegiar poemas que “ficam
bem em tradução”, critério extravagantemente subjetivo
que me permitiu selecionar alguns poemas pelo simples
fato de que as traduções me pareceram mais atraentes
do que outras; e (5) seguir o meu gosto pessoal, critério
diferente do anterior no sentido de que incluí alguns po-
emas cuja tradução não está minimamente satisfatória,
mas que são tão bons — ou interessantes, ou famosos,

“Principais”, aqui, significa duas coisas distintas: (1) os quinze


xxiv

poetas com maior número de poemas na antologia em si; e (2) os


poetas mencionados em “listas canônicas”, como os “dois deuses da
poesia”, os “seis gênios poéticos”, etc. Procurei também incluir um
número considerável de poemas de “autoria desconhecida”, pois esses
perfazem mais de 40% do total da antologia.
poemasriva 41

etc. — em japonês que merecem ser mencionados, ainda


que de forma muito imperfeita.
Inicialmente, planejava não repetir nenhuma tradu-
ção do meu livro anterior; no entanto, logo que come-
cei a traduzir o “Prefácio em hiragana”, compreendi que
isso não ia ser possível, pois os poemas citados por Ki no
Tsurayuki reaparecem na antologia posterior, organiza-
da por Fujiwara no Teika (eu traduzi os dois em ordem
cronológica inversa à das primeiras edições japonesas: o
Kokin’wakashû é do século X; Cem poemas de cem poe-
tas, do século XIII). Fiquei ainda mais mortificado quan-
do cheguei à conclusão de que, em alguns casos, eu não
concordava mais comigo mesmo e de que eu ia ter que revisar
parcialmente as traduções de um ano atrás para a pre-
sente antologia. Mortificações à parte, talvez essa cons-
tatação da instabilidade do texto traduzido tenha sido
um presente disfarçado. O texto poético não é nunca um
só; não é possível o acesso a um “santo dos santos” onde
se encontra a verdade do poema, pelo simples fato de que
esse lugar interpretativo não existe.
Não se trata, por um lado, de um livro ortodoxo de
“poesia traduzida”; por outro, também não é um livro
com pretensões críticas ou acadêmicas. Eu não quis que
fosse “apenas” um livro de poesia traduzida porque, ao
contrário do haicai das eras Pré-Moderna, Moderna e
Contemporânea, esse período do desenvolvimento lite-
rário japonês (a Antiguidade) e o gênero da maioria dos
poemas (o waka ou tanka) é muito mal representado no
sistema literário brasileiro, e eu acredito ser necessário
introduzir ao nosso leitor essa cultura e esse universo
com um número maior de detalhes e chaves de leitura do
que a mera apresentação dos poemas traduzidos.
Não tive a pretensão de escrever um texto acadêmico,
ou uma obra de crítica literária. As informações que eu
apresento são em grande parte as consensuais da área,
42 poemas ro iapvo aãutno

e este livro não inclui pesquisa original. É claro que, tendo


lecionado e refletido sobre o assunto por quase duas déca-
das, algumas opiniões pessoais e idiossincrasias de ênfase
vão se refletir nestas páginas, mas essas distorções estão
longe de constituírem uma visão inovadora ou sistemática.
Na tradução, não observei nenhuma lista geral de “re-
gras pessoais da tradução literária”. Também não me pre-
ocupei em seguir sempre os mesmos pressupostos. Alguns
poemas têm rimas, aliterações, ritmos e métrica tradicio-
nais (ou imitativos do japonês); outros dão mais importân-
cia à explicitação das imagens poéticas; outros ainda sa-
crificaram a retórica em prol do “conteúdo” ou da “ordem
normal” dos elementos da frase em português. Mas há
também os que se pretendem venutianos, criam sintaxes
retorcidas, apresentam outridões e arestas estrangeiras.
Tratei cada poema como um problema individual, e a so-
lução para cada um deles não segue um padrão. Não uso
quase nenhuma pontuação ou maiúsculas, mas não sabe-
ria dizer por que: talvez porque em japonês não se faça uso
de uma coisa nem outra, mas mesmo essa explicação é per-
feitamente arbitrária.
Eu tenho, no entanto, uma lista de preceitos que eu não
sigo ao traduzir poesia: (1) a crença de que existe “tradu-
ção fiel”, “tradução literal”, “tradução escorreita”, “tradução
definitiva” ou “tradução perfeita”; (2) o temor reverencial
frente ao texto que estou traduzindo, por mais venerável
ou sagrado que seja; (3) a necessidade de se captar o “es-
pírito” ou “verdade metafísica” por trás de um poema; (4)
o uso obrigatório de métrica formal; (5) a necessidade (ou
possibilidade) de se refletir na tradução a totalidade dos
elementos e do universo do poema estrangeiro; (6) a crença
de que é impossível traduzir poesia; (7) a crença de que só
é possível traduzir poesia de uma maneira específica; (8) a
crença de que, se for para obter um produto imperfeito e
transitório, é melhor desistir; (9) a obrigatoriedade do uso
de rima; (10) a proibição do uso de rima; (11) a proibição do
poemasriva 43

uso de notas de rodapé e de outros paratextos contextua-


lizadores; (12) a crença de que o poema deve falar “por si
só”, sem “distrações”; (13) a imaterialidade do texto literá-
rio; (14) uma concepção a priori, essencialista, arquetípica
ou platônica do que venha a ser literatura; e (15) a seguinte
ideia, expressa por Otto Maria Carpeaux, e infelizmente
muito viva na cabeça de muitos apreciadores de literatura,
ainda no século XXI:

Religião judaico-cristão, ciência grega, direito romano:


eis a herança da Antiguidade [...]. E todas as outras
influências alheias, que o Ocidente recebeu mais tarde, já
não se incorporaram bem na nossa civilização; tornaram-
se influências “exóticas”. [... Nada] disso entrou realmente
em nossa civilização; continuou sempre “exotismo”.
[...] Das literaturas orientais recebemos e conservamos
definitivamente apenas algumas poucas obras, traduzidas
(se é lícita a expressão) de maneira antes inexata, razão
por que se tornaram obras nossas. [...] O que não provém
daquela herança antiga, continua inassimilável; e com
isso o conceito “Literatura do Ocidente” está justificado.
(CARPEAUX, 2010, p. 35–36)

Eu discordo com particular convicção da ideia de que


existe uma “nossa civilização” que possamos reivindicar, e
de que esse “nosso”, no Brasil, seja uma ideia pura e estável
chamada “Ocidente”. Com sorte, em um futuro debate so-
bre o que desejamos ser como país após a atual catástrofe,
a presente tradução contribuirá para uma maior abertura
para elementos que não pertencem a um “nós” excludente.

Andrei Cunha
Porto Alegre, 28 de junho de 2020.
ki no ts ur ay uk i

仮名序
prefácio em
hiragana
Este prefácio é um dos textos fundadores da estética
japonesa. O texto de Tsurayuki vem acompanhado
de uma série de notas encontradas na maioria das
cópias mais antigas. Esses comentários e interpolações
teriam sido acrescentados posteriormente, por
um comentarista anônimo. A maioria das edições
contemporâneas trata essas notas como parte
integrante do documento, fazendo a distinção entre
o texto de Tsurayuki e o do comentarista por meio de
diferentes elementos tipográficos.

Note como o comentarista, muitas vezes, discorda de


Tsurayuki.

Página anterior: Fujiwara no Teika,


“Cópia do Prefácio em hiragana” (séc. XIII)
46 po em asrivãrpo

prefácio
em hiragana
ki no tsurayuki

A
poesia japonesa brota do
coração humano, que é a sua
semente, e suas folhas crescem
como dez mil palavras. Neste
mundo, as pessoas têm muitos interesses diferentes.
Aquilo que pensam em seu coração, expressam em
poesia, quando falam sobre as coisas que viram e
escutaram. Basta ouvir o rouxinol do Japão, que
canta em meio às flores, ou a voz do sapo que vive
na água, para entender que todos os seres vivos
produzem algum tipo de poesia. A poesia é aquilo
que, sem esforço, move o céu e a terra e emociona até
os ogros e deuses que nossos olhos não podem ver.
Ela harmoniza as relações entre homem e mulher e
consola mesmo o coração de ferozes guerreiros  i.

i
as notas de rodapé assinaladas com números romanos em
caixa-baixa são de autoria do tradutor. Este prefácio incorpora
diversos procedimentos normalmente vistos em poesia, como
makurakotoba, intertextualidade, alusão, metáforas fixas relacionadas
às estações, etc. Para mais detalhes, vide Introdução.
poemasri ev apãon oto 47

qual é a origem da
poesia japonesa?  ii as glosas assinaladas
com algarismos indo-
arábicos são as notas
A poesia japonesa existe antigas acrescentadas
ao manuscrito por um
desde que o céu é céu e desde comentarista anônimo.
que o mundo é mundo 1.No vas-
to céu iii, quem criou a poesia foi 1
referência à canção que
a princesa Shitateru 2.Na firme Izanagi e Izanami cantaram um
para o outro quando se casaram
terra  iv, o primeiro poema foi sob a flutuante ponte celeste.
composto pelo deus Susanoo 3.
Na Idade dos Deuses, no
2
a princesa shitateru era
esposa do príncipe Amewaka.
tempo de sua fúria v, não havia A canção que ela compôs era
métrica e os sentimentos eram um elogio ao seu irmão mais
expressos de maneira mais di- velho. Essas canções não tinham
métrica nem correspondiam ao
reta; no entanto, ao contrário que depois veio a se considerar
do que se imaginaria, essas como a forma do poema japonês.
canções de forma livre eram de 3
susanoo era o irmão mais
mais difícil compreensão. novo da deusa Amaterasu.
Enquanto construía um palácio
ii
As perguntas que servem de intertítulos para sua esposa, na província
seguem a divisão do texto em partes de Izumo, ele viu nuvens de oito
argumentativas adotada pelos livros cores no céu, e compôs o seguinte
didáticos contemporâneos e não
poema:
constavam do manuscrito de Tsurayuki.
iii
“Vasto” é uma proposta de tradução para 八雲立つ 出雲八重垣
hisakata, que é um makurakotoba para 妻ごめに 八重垣つくる
“céu”. その八重垣を
iv
“Firme” é uma proposta de tradução
para arakane, um makurakotoba de “terra”. em Izumo
Segundo a narrativa do Kojiki, Izanagi e oito nuvens no céu
Izanami são as divindades que se uniram, para minha esposa
no início dos tempos, para gerar os outros vou fazer oito cercas
deuses.
oito cercas
v
Chihayaburu, “impetuoso, cheio de fúria”,
é um makurakotoba para kami, “deuses”. A yakumo tatsu / izumo yaegaki /
“Idade dos Deuses” (kamiyo) é uma era da tsumagome ni / yaegaki tsukuru /
mitologia japonesa, antes do nascimento sono yaegaki wo
do imperador Jinmu (século VI a.C.).
48 po em asrivãrpo

Susanoo foi o primeiro a com-


por, no mundo dos humanos, um
poema de trinta sílabas e mais uma
sílaba.
E assim, amando as flores, mi-
rando-se nos pássaros, emocio-
nando-se com a bruma, sentindo a
tristeza do orvalho, as pessoas fo-
ram criando poemas para expres-
4
quando o
imperador sar seus sentimentos. Toda viagem
nintoku ainda — por distante que seja, não im-
era príncipe, ele foi porta quão longa a jornada — co-
com o seu irmão meça com um primeiro passo  vi.
para Naniwa e se
recusou, por três
Também as grandes montanhas
anos, a ascender ao se formam tendo o cascalho como
trono. Um homem a base sobre a qual se acumula o
chamado Wani ficou lodo, até que um dia elas se tornam
preocupado com a altas e atingem o céu em que as nu-
situação e escreveu
este poema para
vens se espraiam. Assim também a
exortá-lo a assumir poesia cresceu e floresceu ao longo
o seu lugar. As de muitos anos.
“flores” do poema são A “Canção de Naniwa”  vii, por
provavelmente flores
exemplo, faz alusão a flores e à pri-
de ameixeira.
mavera para anunciar o começo de
um novo reino 4.
vi
Paráfrase de uma passagem do capítulo 64
do Dao De Jing de Laozi: 千里之行始於足下
(“Mesmo uma viagem de mil léguas começa
com um primeiro passo”).
vii
O poema é de autoria de Wani, um sábio
coreano que havia imigrado para o Japão no
século IV. Teria sido ele quem trouxe a primeira
cópia dos Analectos de Confúcio para o Japão
— e também o conhecimento da escrita.
poemasri ev fi stchct chfch
49

O poema “Monte Asaka” viii foi composto por uma


dama da corte para animar um banquete imperial.
Esses dois poemas são o pai e a mãe da poesia
japonesa e até hoje são tema de exercícios para os
aprendizes de caligrafia.

quais são os seis tipos de poesia?

Há seis tipos de poesia japonesa, como há seis


estilos poéticos na China ix. O primeiro tipo é o soeuta x.
Por exemplo, a “Canção de Naniwa”, mencionada
anteriormente, foi oferecida ao imperador Nintoku
quando ele subiu ao trono:
難波津に 咲くやこの花 冬ごもり 今は春べと 咲くやこの花

em Naniwa
florescem as ameixeiras!
acabou o inverno nublado
agora é primavera
florescem as ameixeiras!
naniwazu ni / saku ya ko no hana / fuyugomori / ima wa harube to / saku ya ko no hana

viii
Poema do monte Asaka (Man’yôshû, 3807): 安積香山 影副所見 山
井之 浅心乎 吾念莫國 “não penses meu amado / que meu amor
seja raso / como a fonte cristalina / em que vimos nosso reflexo / na
montanha de Asaka” (asaka yama / kage sae miyuru / yama no i no / asaki
kokoro wo / waga omowanaku ni; escrito por uma dama da corte).
ix
Os “seis tipos de poesia japonesa” seriam uma adaptação de três
termos técnicos da retórica chinesa e de outros três conceitos estéticos
da música clássica da China. Para mais detalhes, vide Introdução.
x
Soeuta (“poema adjacente” ou “de oculta persuasão”, そえ歌), em
que um significado implícito estaria “lado a lado” com um significado
explícito.
50 po em asrivãrpo

O segundo tipo é o kazoeuta xi.


Por exemplo:
5
Esse tipo de poema 咲く花に 思いつくみの あじきなさ
comporta diversos 身にいたつきの いるもしらずて5
nomes de coisas.
A categoria se refere a embebedou-se de flores
poemas que descrevem um sabiá nada sábio...
coisas sem fazer uso de
comparações. Por que será
mal sabia que a flecha subia
que foi escolhido justo e súbita atravessaria
este exemplo? É difícil assobiando seu corpo xii
de compreender por que
ele está nesta categoria. saku hana ni / omoitsuku mi no / ajikinasa
Ele estaria mais bem mi ni itazuki no / iru mo shirazute
enquadrado na quarta
categoria, tatoeuta. O terceiro tipo é o nazuraeuta xiii:
君にけさ あしたの霜の おきていなば 恋し
きごとに 消えやわたらむ 6
6
Essa categoria se refere a
poemas que comparam
uma coisa a outra, mas se amanhã com o orvalho
o exemplo proposto não é você desaparecesse
muito bom. Eis um melhor: será que eu evaporaria
たらちめの cada vez que eu sentisse
親のかふ蚕の
まゆごもり saudades de você?
いぶせくもあるか
妹にあはずて kimi ni kesa / ashita no shimo no
okite inaba / koishiki goto ni / kie ya wataran
como o bicho-da-seda
estou preso no útero
de um casulo fechado
xi
Kazoeuta (“poema enumerativo” ou
“descritivo”, かぞえ歌).
enclausurado e não posso xii
Esta canção se enquadra claramente na
ir ver o meu amor categoria mono no na, ou “nomes de coisas”
tarachime no / oya no kau ko no
(vide livro 10 desta antologia). O poema
/ mayugomori / ibuseku mo japonês “esconde” três nomes de pássaros.
aru ka / imo ni awazute Na tradução, busquei trazer uma ideia
semelhante, brincando com o nome do sabiá
(que é uma ave brasileira e não existe no Japão).
xiii
Nazuraeuta (“poema comparativo”, なずら
へ歌).
poemasri ev fi stchct chfch5 1

O quarto tipo é o
7
Essa categoria se refere a poemas
que expressam sentimentos
tatoeuta xiv: por meio de imagens de plantas,
árvores, pássaros e outros
わが恋は よむともつきじ animais. Não há um significado
荒磯海の 浜の真砂は “escondido”. Essa descrição vale também
よみつくすとも 7 para a primeira categoria, soeuta. A
diferença é mínima, algo a ver com o
se alguém se dispusesse estilo. Eis um exemplo melhor (poema
708 desta antologia):
a de amor medir-me as penas
須磨の海人の
seria como se quisesse 塩焼く煙 風をいたみ
em praia de mar bravo 思はぬ方に たなびきにけり
contar os grãos de areia fumaça das algas
que o pescador queima
waga koi wa / yomu tomo tsukiji / arisoumi no
hama no masago wa / yomitsukusu tomo
na praia de Suma
o vento te leva
para bem longe
O quinto tipo é o
tadagotouta xv (poema 712): suma no ama no / shio yaku keburi
/ kaze wo itami / omowanu kata ni /
tanabikinikeri
いつはりの なき世なりせば
いかばかり 8
Estes são poemas que retratam um
人の言の葉 うれしからまし 8 mundo de ordem e de harmonia.
O poema proposto não se enquadra
se este não fosse nessa definição. Eis um exemplo melhor
(poema de Taira no Kanemori):
um mundo de desilusão
que feliz eu seria 山桜 あくまで色を
見つるかな
ao ouvir as promessas 花散るべくも 風吹かぬ世に
de amor do meu amado
cerejeira da montanha
itsuwari no / naki yo nariseba / ika bakari / hito no contemplei as tuas cores
koto no ha / ureshikamarashi por horas e horas
neste mundo de calma
o vento não te despetala
xiv
Tatoeuta (“poema exemplificativo” ou
“de figuração evocativa”, たとえ歌). yamazakura / aku made iro wo /
xv
Tadagotouta (“poema de tom elevado”, mitsuru kana / hana chiru beku mo /
ただごと歌). kaze fukanu yo ni
52 po em asrivãrpo

O sexto tipo é o iwaiuta xvi:


この殿は むべもとみけり
三枝の 三つば四つばに
殿づくりせり 9

este belo palácio


9
Essa categoria se refere a é mesmo um belo palácio
poemas que exaltam
as coisas do mundo seus corredores se bifurcam
e fazem apelo aos em três, em quatro caminhos
deuses. O poema como galhos de uma árvore
proposto não faz isso.
Eis um exemplo melhor kono tono wa / mube mo tomikeri / sasakusa no / mitsuba
(poema 357 ): yotsuba ni / tonozukuri seri

春日野に
若菜摘みつつ como foi o
よろづ世を
いはふ心は desenvolvimento da
神ぞ知るらむ poesia japonesa?
quais são seus temas?
nos prados de Kasuga
colhemos as jovens ervas
e felizes festejamos O mundo de hoje está cheio de di-
os teus muitos anos ferentes cores e estímulos e os cora-
os deuses por testemunha ções das pessoas se tornaram flores
kasugano ni / wakana efêmeras e volúveis. Em consequên-
tsumitsutsu / yorozuyo wo cia, os poemas atuais são infrutífe-
/ iwau kokoro wa / kami zo
shiruran ros e sem valor. A poesia se tornou
ofício de galantes que só produzem
palavras vazias — palavras que não
creio poder concluir interessam a ninguém e serão es-
que, na verdade, não
existem seis tipos de
quecidas como troncos sob a terra. A
poesia japonesa. poesia japonesa se tornou coisa para
aposentos privados, longe da vida
pública, qual penachos de eulálias
que só desabrocham em segredo.
Iwaiuta (“elogio” ou “poema comemorativo”, い
xvi

わひ歌).
poemasri ev fi stchct chfch5 3

No entanto, se formos considerar as origens da


poesia japonesa, ela não foi sempre assim. Em oca-
siões especiais, como em dias floridos de primavera,
ou ainda em noites de outono enluaradas, os im-
peradores de antanho mandavam que seus súditos
compusessem poemas. Esses poetas se perdiam em
terras distantes, à procura de flores; ou então se en-
veredavam por regiões ignotas, atrás de um céu de
clara lua. Os antigos imperadores, decerto, sabiam
diferenciar o sábio do tolo.
Mas a poesia não se limitava a esses temas. Para
consolar os corações, o poeta tratava dos mais diver-
sos tópicos:

1. o poeta podia comparar a longevidade do


seu senhor à dureza das rochas;
2. ou podia comparar a generosidade do seu
senhor à majestade do monte Tsukuba;
3. se em algum momento o poeta se enchia de
alegria pela generosidade de seu senhor;
4. o poeta podia comparar o amor que arde à
fumaça que sobe lenta do topo do Fuji;
5. se em algum momento o poeta se
lembrava de um amigo querido ao ouvir o
matsumushi xvii;
6. quando desejava vida longa e uma velhice
tranquila em companhia de antigos
pinheiros xviii ;
xvii
O matsumushi (“inseto dos pinheiros”) é um tipo de grilo associado
às saudades, pois o seu nome contém a palavra matsu (“pinheiro”, mas
também “esperar”, “querer que a pessoa venha nos ver”). É um inseto
de outono e o seu canto é melancólico.
xviii
O pinheiro (matsu) é associado às saudades (vide nota anterior) e à
54 po em asrivãrpo

7. ao recordar sua juventude, quando era viril


como o pico de uma montanha xix;
8. ao cantar a beleza da mulher, que dura
pouco como a fugaz flor da valeriana xx.

Além disso, o poeta de antigamente escrevia seus


poemas em várias outras ocasiões:

9. ao ver as pétalas que caem em uma manhã


de primavera;
10. ao ouvir as folhas tingidas do outono no
vento do crepúsculo;
11. quando se olhava no espelho e via seu
cabelo embranquecido como a neve e seu
rosto enrugado como o mar revolto;
12. quando sentia a passagem do tempo e
se comparava ao orvalho que desaparece,
efêmero, das folhas da relva, ou ainda
às bolhas d’água que somem rápidas da
superfície dos rios;
13. quando se encontrava sem fortuna quem
outrora fora afortunado; quando perdia seu
lugar no mundo; quando aqueles que julgava
serem seus amigos se distanciavam;
14. quando seu amor se revelava não
correspondido, inatingível como as vagas da
praia de Matsuyama;
15. ao buscar água nas fontes dos prados;
vida longa, pois suas agulhas estão sempre verdes.
xix
O monte Otoko (“homem”) era associado à virilidade.
xx
A valeriana ou patrínia é uma flor amarela que, em japonês, se
chama ominaeshi (“flor de donzela”).
poemasri ev ch fistf stct st 55

16. ao se deitar sob a lespedeza para admirar


as suas folhas;
17. de madrugada, contando o bater de asas da
narceja, em espera inútil do ser amado;
18. quando comparava o grande número de
tormentos que sofria às emendas do bambu;
19. quando comparava o rio Yoshino à dor de
amar.

Mas hoje o Fuji está extinto, e a ponte de Nagara


já virou ruína  xxi. Nessas situações, dentre outras,
apenas a poesia consolava o coração do poeta de
outrora.

quem são os “2 deuses da poesia”


e os “6 gênios poéticos”?

A poesia japonesa remonta aos primórdios dos


tempos, mas tornou-se mais praticada a partir do
reino do Mikado de Nara xxii — isso talvez se deva ao
fato de que sua majestade era grande apreciador e
conhecedor de poesia. Pertence a essa época o poeta
Kakinomoto no Hitomaro, um nobre do terceiro
escalão superior. Hitomaro é conhecido como um
dos dois “deuses da poesia”. Gloriosa é a era em
que tão excelsa majestade foi coeva de tão augusto
A ponte de Nagara é um símbolo do tempo que passa.
xxi

O Mikado de Nara pode tanto ser o imperador Monmu (séculos VII–


xxii

VIII) quanto Heizei (séculos VIII–IX). O imperador Heizei abdicou em


809 em favor de seu irmão, o imperador Saga. Aposentado, foi viver
na antiga capital, motivo por que o chamavam de “Mikado de Nara”. O
autor do prefácio pode ter feito essa confusão deliberadamente, para
aprofundar a cronologia da história da literatura japonesa. Cf. poema
90.
56 po em asrivãrpo

poeta. Eles eram como um: para


o imperador, as folhas tingidas
de outono que flutuavam na
10
Abaixo, alguns exemplos.
Inicialmente, um poema
superfície do rio Tatsuta eram
do mikado de nara como um brocado noturno; para
(poema 283): o célebre súdito, as cerejeiras
竜田川 紅葉乱れて em flor no monte Yoshino eram
流るめり 渡らば錦 como nuvens na manhã de
中や絶えねん
primavera.
rio Tatsuta O segundo “deus da poesia”
coberto de folhas
foi Yamabe no Akahito. É impos-
rubras à deriva
minha travessia rasga sível dizer se Hitomaro supera
o brocado em dois em excelência a arte de Akahito;
tatsutagawa / momiji midarete
e não se pode afirmar que Akahi-
/ nagarumeri / wataraba nishiki to fazia melhores poemas do que
/ naka ya taenan
os de Hitomaro 10.
poema de hitomaro Além de Hitomaro e Akahito,
(poema 334): houve em todas as épocas quem
梅の花 escrevesse poemas japoneses —
それとも見えず
ひさかたの
uma linha ininterrupta como um
天霧る雪の fio trançado e que se perpetua até
なべてふれれば os dias de hoje, com tantos gran-
as flores das ameixeiras des poetas quanto há emendas
se perdem na nevasca no bambu. Os poemas de gera-
que nubla o vasto céu ções anteriores foram reunidos
e cobre tudo de branco
na antologia Man’yôshû, a “Cole-
não sei mais o que é flor
tânea da Miríade de Folhas”.
ume no hana
sore to mo miezu
Após esses tempos remotos,
hisakata no o coração da canção japonesa
amagiru yuki no
nabete furereba foi mantido apenas por um ou
dois conhecedores; mas mesmo
os mais dedicados não conse-
guiram preservar tudo. Mais de
poemasri ev fi stchct chfch5 7

um século e dez reinos se pas- poema de akahito


(poema 424 do
saram desde a era do Mikado de Man’yôshû):
Nara xxiii.
春の野に
Agora vou falar da obra de al- すみれ摘みにと
来し我そ
guns poetas, mas não vou men- 野をなつかしみ
一夜寝にける
cionar poemas de majestades
nem de altezas, porque seria ao campo de primavera
vim colher violetas
muita presunção de minha parte. e gostei tanto daqui
que acabei ficando
poema de autoria desconhecida e dormi ao relento
(poema 409): haru no no ni
sumire tsumi ni to
ほのぼのと 明石の浦の koshi ware so
no wo natsukashimi
朝霧に 島がくれゆく
hitoyo nenikeru
船をしぞ思う
outro poema de
a pálida cor da aurora autoria desconhecida
(poema 919 do Man’yôshû):
ilumina a névoa em Akashi
ao longe uma ilha 和歌の浦に 
潮満ち来らし
esconde um barquinho 潟をなみ 
meus pensamentos 葦べをさして
鶴鳴きわたる

honobono to / akashi no ura no / asagiri ni /


a maré cobriu
shimagakureyuku / fune wo shi zo omou a Praia do Poema
e sem ter onde pousar
os grous foram chorar
xxiii
Quando Tsurayuki fala de um
“conhecimento que se perdeu”, ele nos baixios de juncos
provavelmente está aludindo ao fato de
que esses textos mais antigos utilizavam wakanoura ni / shio
um sistema de escrita bastante complexo, michikureba / kata wo nami
que foi “esquecido” depois que as hiragana / ashibe wo sashite / tazu
começaram a ser mais usadas. nakiwataru
58 po em asrivãrpo

Dentre os mais conhecidos, temos o monge Henjô 11.


Ele tem um estilo agradável, mas os poemas não têm
muito conteúdo. Ler a sua obra é como se apaixonar
pelo retrato de uma mulher.
Ariwara no Narihira 12 tem sentimento demais e pou-
cas palavras. É como uma flor já murcha, mas que ainda
exala seu perfume.
Fun’ya no Yasuhide 13 tem uma bela linguagem, mas
seu estilo não está à altura. Sua poesia é como um co-
merciante que houvesse vestido um quimono refinado.

11
poemas do monge henjô (poemas
27, 165, 226):
浅緑 糸よりかけて
白露を 玉にもぬける
春の柳か

claras gotas de orvalho Poema escrito ao cair do cavalo


como contas de cristal nos prados de Saga:
que alguém urdisse 名にめでて をれるばかりぞ 
nos jovens verdes ramos をみなへし 我おちにきと 人
にかたるな
dos salgueiros de primavera
asamidori / ito yorikakete / shiratsuyu wo / flor de valeriana
tama ni mo nukeru / haru no yanagi ka que me seduziste
com teu nome de mulher
蓮葉の にごりにしまぬ não digas por aí que pequei
心もて 何かは露を
玉とあざむく contra a minha castidade
na ni medete / oreru bakari zo /
lótus que limpo sobes ominaeshi / ware ochiniki to / hito ni
imaculado do lodo sujo kataru na
do fundo do lago turvo,
por que o orvalho te cobre
de pedras de claro cristal?
hachisuba no / nigori ni shimanu / kokoro
mote / nanika wa tsuyu wo / tama to azamuku
poemasri ev ffi   59

12
poemas de ariwara no
narihira (poemas 747, 879, 644):
月やあらぬ 春や昔の
春ならぬ わが身一つは
もとの身にして poemas de fun’ya no
13

yasuhide (poemas 249, 846):


nem a lua é aquela
nem aquela 吹くからに 野辺の草木の
a primavera しをるれば むべ山風を
あらしといふらむ
só meu corpo, eu apenas
sou aquele de antes o vendaval vem da serra
tsuki ya aranu / haru ya mukashi no / haru derruba a relva
naranu / wa ga mi hitotsu wa / moto no mi e as árvores do outono...
ni shite juntos, “montanha” e “vento”
大かたは 月をもめでじ são a “tormenta”
これぞこの つもれば人の
老いとなるもの fuku kara ni / aki no kusaki no /
shiorureba / mube yama kaze wo / arashi
to iuran
não há quem não admire
a lua no meio do céu Composto por ocasião da cerimônia
mas eu penso triste de luto pelo imperador Fukakusa:
que as suas fases numeram
草深き 霞の谷に
os nossos dias minguantes 影隠し 照る日の暮れし
今日にやはあらぬ
ôkata wa / tsuki wo mo medeji / kore zo
kono / tsumoreba hito no / oi to naru mono
sobe a neblina
寝ぬる夜の 夢をはかなみ no vale de relva alta
まどろめば いやはかなにも cobre tudo de sombras
なりまさるかな
esconde o poente
quando dormi contigo que dia mais triste
a noite passou voando kusa fukaki / kasumi no tani ni / kage
como um sonho kakushi / teru hi no kureshi / kyô ni ya
tentei sonhar de novo wa aranu
mas não estavas
nenuru yo no / yume wo hakanami
/ madoromeba / iya hakana ni mo /
narimasaru kana
60 po em asrivãrpo

O monge Kisen 14 de Ujiyama tem uma linguagem


vaga, difícil de entender: é como se a lua de outono
estivesse envolta em nuvens.
Além disso, deixou tão poucos poemas que uma
apreciação mais cuidada se torna impossível.
A obra de Ono no Komachi   15 se assemelha à da
princesa Sotôri 16. Sua poesia é como­vente, mas não
tem força. É como uma bela mulher que estivesse
doente. Talvez os seus defeitos se devam ao fato de
ser mulher.
A poesia de Ôtomo no Kuronushi  17 é vulgar.
Lembra um camponês que se houvesse deitado sob
uma ameixeira em flor com um feixe de lenha preso
às costas.
Há muitos outros que escrevem poemas — tantos
quanto há ervas rasteiras nos matos, tantos quantos
há folhas nos bosques. Mas para essa gente qualquer
coisa escrita passa por poema, e muitos desconhe-
cem a verdadeira poesia.

14
poema do monge kisen (poema 983):
わが庵は 都のたつみ
しかぞ住む 
世をうぢ山と
人はいふなり

casinha de palha
no sudeste da capital
as pessoas chamam
o lugar onde moro
de Morro do Casmurro
waga io wa / miyako no tatsumi / shika zo sumu /
yo wo uji yama to / hito wa iu nari
poemasri ev ffi   61

15
poemas de
ono no komachi 16
poema da princesa sotôri
(poemas 552, 797, 938): (poema 1110):
思ひつつ 寝ればや人の わがせこが 来べきよひなり
見えつらむ ささがにの くものふるまひ
夢と知りせば かねてしるしも
さめざらましを
aventurada esta noite
pensando nele em que tu vens me ver
adormeci e ele vejo nas patas da aranha
me apareceu que já bailam e tecem
se soubesse que era sonho o teu presságio
não tinha me acordado
waga seko ga / kobeki yoi nari /
omoitsutsu / nureba ya hito no / sasagami no / kumo no furumai
mietsuran / yume to shiriseba / kanete shirushi mo
samezaramashi wo
poemas de ôtomo no
17

色見えで うつろふものは kuronushi (poemas 735, 899):


世の中の 人の心の
花にぞありける 思ひ出でて 恋しき時は
初雁の なきてわたると
corações e corpos 人はしらずや
neste mundo de dor
sinto saudades
são como a flor e quero te ver
no vaso morre os gansos selvagens
e não se lhe vê na cor atravessam o vasto céu
e você tudo ignora
iro miede / utsurou mono wa / yo no
naka no / hito no kokoro no / hana ni zo omoi idete / koishiki toki wa / hatsu kari no /
arikeru nakite wataru to / hito wa shirazu ya

わびぬれば 身をうき草の 鏡山 いざ立ちよりて
根をたえて 誘ふ水あらば 見てゆかむ 年へぬる身は
いなむとぞ思ふ 老いやしぬると

meu corpo triste e só vamos lá em caminhada


é qual planta aquática até o Morro do Espelho
sem raízes nem rumo para dar uma espiada
se o teu rio me chamar e averiguar se este corpo
não resisto e pulo está mesmo assim tão velho
wabinureba / mi wo ukikusa no / ne wo kagamiyama / iza tachiyorite / mite yukan /
taete / sasou mizu araba / inan to zo toshi henuru mi wa / oi ya shinuru to
omou
62 po em asrivãrpo

como foi compilado o


kokin’wakashû?

Agora as quatro estações já completaram nove


vezes o seu ciclo desde que sua majestade o impe-
rador Daigo ascendeu ao trono. Sua magnanimida-
de ultrapassa as fronteiras das Oito Ilhas do Japão;
sua generosidade é mais protetora do que a sombra
do monte Tsukuba. Quando os deveres de estado
o permitem, o imperador se interessa por inúme-
ros assuntos; e é assim que, desejoso de preservar a
memória de gerações anteriores e de renovar aquilo
que quedou vetusto, preocupado ainda em estabele-
cer uma chancela de excelência para a poesia de seu
reino, bem como em preservá-la para a posterida-
de, sua majestade encomendou a um Mordomo do
Império, Ki no Tomonori; ao Diretor da Biblioteca
Imperial, Ki no Tsurayuki; a um Secretário de Go-
verno da Província de Kai, Ôshikôchi no Mitsune; e
a um Oficial da Guarda Palaciana da Direita, Mibu
no Tadamine, uma antologia de poemas antigos não
incluídos no Man’yôshû, acrescidos de composições
de sua autoria, aos dezoito dias do quarto mês do
ano de novecentos e cinco.
E assim sendo, à sua ordem, foram reunidos poe-
mas sobre a flor da ameixeira; poemas sobre a voz
do cuco; sobre as folhas de outono; sobre a contem-
plação da neve; elogios a grandes personagens; ce-
lebrações de amizades com grous e tartarugas; poe-
mas sobre a lespedeza e as plantas do verão; poemas
de saudades; poemas para o deus dos viajantes; e
miscelâneas que não se enquadravam na categoria
poemasri ev fi stchct chfch
63

das quatro estações. Ao todo, foram reunidos mil


poemas, organizados em vinte livros, e a antologia
foi nomeada Kokin’wakashû (“Poemas japoneses de
antanho e agora”).
Assim reunidos, esses poemas serão lembrados
para todo o sempre, como é para sempre a água do
rio da montanha. Reunidos aqui em grande número
como os grãos de areia da praia, esses poemas não
escassearão da mesma forma que as águas fundas
do rio Asuka, que hoje são só baixios. Haverá júbilo
por tanto tempo quanto tarda para as pedras forma-
rem rochas.
Os compiladores desta antologia pedem adianta-
das desculpas pela inépcia de seus poemas, que não
se igualam em beleza às flores da primavera. Ain-
da que nossa reputação tenha durado mais do que
uma noite de outono, ela não se baseia em êxito na
arte. Diante dos mestres de outras eras, sentimo-
-nos constrangidos. Aceitamos humildes a tarefa de
escrever poemas. Não há dia em que eu, Tsurayuki,
e meus colegas compiladores não exultemos de ale-
gria por viver numa época em que se dá reconheci-
mento ao valor da poesia japonesa — seja quando
estamos sentados, quando nos levantamos como as
nuvens que se espraiam no céu, quando nos deita-
mos, ou nos levantamos como o veado que chama a
fêmea — a todo momento.
Hitomaro está morto, mas a poesia japonesa está
viva. O tempo passa, tudo se transforma, os praze-
res e os suplícios se sucedem em grande número —
mas estes poemas permanecerão. Se a vida desta an-
tologia for longa como os galhos do salgueiro, se ela
64 po em asrivãrpo

se preservar sempre verde como as agulhas do pi-


nheiro, se ela continuar existindo como crescem as
ervas rasteiras, se ela deixar rastro como as patinhas
dos passarinhos  xxiv — então aqueles que conhecem
o coração da poesia, a essência das coisas, poderão
ver o passado como a lua no vasto céu, e enxergarão
emocionados os tempos em que vivemos.

xxiv
As pegadas de passarinhos são uma metáfora da escrita.
seleções do
Kokin’wakashû

古今和歌集抄
livro 1
primavera i
巻第一 春歌上
A narrativa de chegada da estação começa
com a “neve de primavera”, sob a qual já se pode
pressentir a volta das plantas. Em seguida, o
rouxinol, que durante o inverno se encontrava
escondido nas montanhas, vales e bosques, volta à
Capital para anunciar a primavera com seu canto.
Desce das montanhas também a neblina, trazendo
consigo uma nova atmosfera. Os salgueiros
verdejam e as ameixeiras florescem.

A ameixeira era admirada por dar flores quando


a neve ainda não derretera de todo, simbolizando
a perseverança e a resistência. As pétalas brancas
das flores são comparadas à neve, e muitos
poemas mencionam o seu perfume. As flores
das ameixeiras se fazem presentes, por meio
do aroma, mesmo na escuridão ou à distância
— o que cria uma associação entre a flor e a
amada, cujo encanto persiste mesmo quando se
apresentam obstáculos ao encontro amoroso.

Página anterior: Nakayama Sûgakudô,


“Rouxinol e ameixeira em flor” (1859)
68 poemasroa e

年のうちに 春は来にけり ひととせを
quando a primavera começou
antes do fim do ano

去年とやいはむ 今年とやいはむ
nem é Ano-Novo
e já veio a primavera
será que estamos
no ano passado? ou
no ano que vem?
1
在原元方
Ariwara no Motokata

toshi no uchi ni / haru wa kinikeri / hitotose wo


kozo to ya iwan / kotoshi to ya iwan

composto pela imperatriz no início 雪の内に 春はきにけり うぐひすの


da primavera
こほれる涙 今やとくらむ

ainda há neve
quando chega a primavera
chora o rouxinol
a sua lágrima de gelo
agora derrete
4
二条
Dona Nijô

yuki no uchi ni / haru wa kinikeri / ugúisu no


kôreru namida / ima ya tokuran
poema 1 69

 梅がえに きゐるうぐひす はるかけて

sem título
なけどもいまだ 雪はふりつつ

no galho da ameixeira
grita o rouxinol
chegou a primavera
e no entanto
ainda cai a neve
5
Autoria desconhecida

ume ga e ni / kiiru ugúisu / haru kakete


nakedomo imada / yuki wa furitsutsu

neve nas árvores


 春立てば 花とや見らむ 白雪の
かかれる枝に うぐひすぞなく

chegada a primavera
vem o rouxinol ver
se a neve nos ramos
da ameixeira
não são brancas flores
6
素性法師
Monge Sosei

haru tateba / hana to ya miran / shirayuki no


kakareru eda ni / ugúisu zo naku
70 poemasroa e

心ざし ふかくそめてし をりければ
sem título

きえあへぬ雪の 花と見ゆらむ
arranquei este ramo
com a alma tão tingida
da cor forte da paixão
que a neve que ali repousa
desabrochou em flores
7
Autoria desconhecida

kokorozashi / fukaku someteshi / orikereba


kieaenu yuki no / hana to miyuran

durante uma cerimônia no


terceiro dia do ano, o poeta ficou
parado em pé na rua enquanto

春の日の ひかりにあたる 我なれど
nevava em sua cabeça. quando veio
o sol e a neve começou a derreter,
かしらの雪と なるぞわびしき
a imperatriz ordenou que ele
fizesse um poema sobre a situação

eu aqui banhado
na luz da primavera
fico bem chateado
de carregar na cabeça
esta coroa nevada
8
文屋康秀
Fun’ya no Yasuhide

haru no hi no / hikari ni ataru / ware naredo


kashira no yuki to / naru zo wabishiki
livro 1 71

春きぬと 人はいへども うぐひすの

poema para o início da primavera


なかぬかぎりは あらじとぞ思ふ

é primavera
dizem mas
enquanto o rouxinol
não cantar
acho que não
11
壬生忠岑
Mibu no Tadamine

haru kinu to / hito wa iedomo / ugúisu no


nakanu kagiri wa / araji to zo omou

composto para um concurso


de poesia realizado na casa da
花のかを 風のたよりに たぐへてぞ

imperatriz
鶯さそふ しるべにはやる

por uma carta de vento


mandei o aroma das flores
aonde está o rouxinol
para que o convidasse
e guiasse até aqui
13
紀友則
Ki no Tomonori

hana no ka wo / kaze no tayori ni / tagúete zo


ugúisu sasou / shirube ni wa yaru
72 poemasroa e

はるのきる かすみの衣 ぬきをうすみ
sem título

山風にこそ みだるべらなれ
veste a primavera
seu manto de névoa
seda tão tênue
que o vento das serras
esgarça e espalha
23
在原行平
Ariwara no Yukihira

haru no kiru / kasumi no koromo / nuki wo usumi


yamakaze ni koso / midaruberanare

sobre os salgueiros
de nishi no ôtera
浅緑 糸よりかけて 白露を
玉にもぬける 春の柳か

claras gotas de orvalho


como contas de cristal
que alguém urdisse
nos jovens verdes ramos
dos salgueiros de primavera
27
僧正遍昭
Monge Henjô

asamidori / ito yorikakete / shiratsuyu wo


tama ni mo nukeru / haru no yanagi ka
livro 1 73

やどちかく 梅の花うゑじ あぢきなく

sem título
まつ人のかに あやまたれけり

perto da soleira
não plantes ameixeiras
seu aroma traiçoeiro
se confunde com o cheiro
daquela que esperas
34
Autoria desconhecida

yado chikaku / ume no hana ueji / ajikinaku


matsu hito no ka ni / ayamatarekeri

ao enviar um ramo de flor de


君ならで 誰にか見せむ  梅の花

ameixeira a um amigo
色をも香をも 知る人ぞ知る

se não a ti
a quem mostraria
a flor da ameixeira?
tu que sabes de flores
de aromas e de cores
38
紀友則
Ki no Tomonori

kimi narade / tare ni ka misen / ume no hana


iro wo mo ka wo mo / shiru hito zo shiru
a caminho do templo hatsuse, o
poeta chegou a uma casa onde
costumava se hospedar. ao bater
à porta, o dono da casa mandou
dizer, fazendo troça, que a sua
“estalagem” estava “sempre às
ordens”. o poeta pegou um ramo

人はいさ 心も知らず ふるさとは 花ぞ昔の 香ににほひける
florido de ameixeira e mandou que
entregassem ao homem com este
poema

nada sei das pessoas nem


de seus corações inconstantes
mas nesta aldeia sempre
a ameixeira em flor
tem o perfume de antes
42

Arakawa
Kamejirô, “Ki
no Tsurayuki”
(1903)

紀貫之
Ki no Tsurayuki

hito wa isa / kokoro mo shirazu / furusato wa


hana zo mukashi no / ka ni nioikeru
sobre ameixeiras em flor A poeta enxerga
春ごとに ながるる河を 花と見て

à beira de um riacho as flores


refletidas na
をられぬ水に 袖やぬれなむ

superfície da
a cada primavera água, tenta
fito o rio e vejo alcançá-las,
mas era tudo
flores na correnteza uma ilusão.
e molho minhas mangas As “mangas
molhadas do
mas só colho as águas quimono” eram
43 uma metáfora
伊勢 fixa para o
Dona Ise choro (e, por
extensão, para
haru goto ni / nagaruru kawa wo / hana to mite o sofrimento
orarenu mizu ni / sode ya nurenan amoroso).

ao ver as cerejeiras em flor na


capital
見渡せば 柳桜を こきまぜて

até onde o olho vai


都ぞ春の 錦なりける

os salgueiros e as cerejeiras
se misturam
e a Capital se torna
um brocado de primavera
56
素性法師
Monge Sosei

miwataseba / yanagi sakura wo / kokimazete


miyako zo haru no / nishiki narikeru
livro 2
primavera ii
巻第二 春歌下

O livro anterior termina com um poema sobre


as cerejeiras em flor, fazendo a transição para a
segunda metade da primavera, em que o tema
central será a sakura. Outros temas abordados são:
fuji (glicínias); yamabuki (rosinha-da-montanha); o
fim da primavera; etc.

O cor-de-rosa desmaiado das flores da cerejeira


pode fazer referência ao sexo, ao erotismo ou à
beleza da juventude. Assim como florescem em
uníssono, elas fenecem em poucos dias, chuva
rosada caindo ao chão. O curto espaço de tempo
em que permanecem floridas tem conotações
budistas, e fala da efemeridade da juventude, da
beleza, da glória, da vida, da fortuna, do luxo e das
pretensões humanas.

Página anterior: Utagawa Hiroshige II,


“Cerejeiras do templo Tennôji” (1866)
78 poemasroa ee

A “muda
da cigarra”

空蝉の 世にもにたるか 花ざくら
sem título

さくと見しまに かつちりにけり
(utsusemi) é
um makura-
kotoba de muda o mundo
“mundo” (yo).
As coisas como a muda da cigarra
mudam como assim a cerejeira
a cigarra,
tudo está em mal a vemos florida
permanente e já é pétala no chão
mudança. Aqui 73
há um diálogo Autoria desconhecida
com o budismo,
que considera utsusemi no / yo ni mo nitaru ka / hanazakura
o mundo dos saku to mishi ma ni / katsu chirinikeri
homens uma
efêmera ilusão.

sobre as floradas da serra


ちるまをだにも 見るべき物を
春霞 なにかくすらむ 桜花

névoa de primavera
por que escondes
as flores da cerejeira?
preciso ver
o seu despetalar
79
紀貫之
Ki no Tsurayuki

harugasumi / nani kakusu ran / sakurabana


chiru ma wo dani mo / miru beki mono wo
poema 2 79

doente, isolada em seu quarto com


as cortinas fechadas, ela compôs
たれこめて 春のゆくへも しらぬまに

este poema ao ver um vaso com


flores de cerejeira que começavam
まちし桜も うつろひにけり

a se despetalar

atrás destas cortinas


não pude ver chegar
a primavera e as flores
que tanto eu esperava
já caíram pelo chão
80
藤原因香
Fujiwara no Yoruka

tarekomete / haru no yukue mo / shiranu ma ni


machishi sakura mo / utsuroinikeri

ao contemplar as pétalas das


flores de cerejeira flutuando no Assim como
枝よりも あだにちりにし 花なれば

riacho do jardim de sua majestade as flores de


おちても水の あわとこそなれ

o príncipe herdeiro cerejeira, as


bolhas que se
do ramo caem formam na
superfície da
ao léu as flores água também
despetaladas são uma
metáfora fixa
que a correnteza leva da imperma-
breves como bolhas nência das coisas
81 e do sentimento
菅野高世 de melancolia
Sugano no Takayo associado à
passagem do
eda yori mo / ada ni chirinishi / hana nareba tempo.
ochite mo mizu no / awa to koso nare
80 poemasroa ee

Segundo boa
parte da crítica,
este é um ao ver as flores que caem
dos melhores
waka de toda na luz tranquila
a antologia. A
teia sonora do de um dia tão claro

久方の 光のどけき 春の日に しづ心なく 花の散るらむ
poema japonês de primavera
se baseia na
repetição do por que caem inquietas
/h/ aspirado as pétalas das cerejeiras?
(cinco vezes) 84
e do /k/ (sete 紀友則
vezes). Alguns Ki no Tomonori
interpretam
essas aliterações hisakata no / hikari nodokeki / haru no hi ni
como a falta de shizukokoro naku / hana no chiruran
fôlego de um
coração aflito.

Utagawa
Kuniyoshi,
“Poema de
Ki no Tomonori”
(1840?)
poema 2 81

composto para um concurso de


桜花 散りぬる風の なごりには 

poesia realizado no palácio teiji


水なき空に 波ぞ立ちける

flores da cerejeira
que o vento despetala
memórias flutuam
no céu sem água
cheio de vagas
89
紀貫之
Ki no Tsurayuki

sakurabana / chirinuru kaze no / nagori ni wa


mizu naki sora ni / nami zo tachikeru
ふるさとと なりにしならの みやこにも 

poema de sua majestade,


o mikado de nara
色はかはらず 花はさきけり

na ora deserta
Nara que era
outrora capital
as cores de antes
nas flores de agora
90
ならのみかど
Mikado de Nara

furusato to / narinishi nara no / miyako ni mo


iro wa kawarazu / hana wa sakikeri
82 primavera ii

composto para um concurso de


poesia realizado na residência da

春霞 色のちくさに 見えつるは
imperatriz, no período kanpyô

たなびく山の 花のかげかも
os muitos matizes
das serras nubladas
são como se a névoa
da primavera se tingisse
da cor das floradas
102
藤原興風
Fujiwara no Okikaze

harugasumi / iro no chigusa ni / mietsuru wa


tanabiku yama no / hana no kage kamo

composto para o mesmo concurso


霞立つ 春の山べは とほけれど
吹きくる風は 花のかぞする

a névoa chega
Tatsu
(“levantar” ou das serras chega
“começar”) é um a primavera ainda
kakekotoba:
pode tanto se que distante a brisa
referir a kasumi tem o aroma das flores
(“névoa”) 103
como a haru 在原元方
(“primavera”). Ariwara no Motokata

kasumi tatsu / haru no yamabe wa / tookeredo


fukikuru kaze wa / hana no ka zo suru
livro 2 83

Exemplo do
uso de engo
ao ver as flores que caem (“palavras
花見れば 心さへにぞ うつりける

associadas”).
いろにはいでじ 人もこそしれ

Há um trio:
teu coração iro (“cor”),
muda inconstante hana (“flor”)
e utsurikeru
como murcha a flor (“murchar,
cala e cuida que não morrer” ou
“ser volúvel”).
se te veja na cor Iro está ainda
104 fazendo serviço
凡河内躬恒 triplo: “cor da
Ôshikôchi no Mitsune flor”, “cor do
amor” e “cor das
hana mireba / kokoro sae ni zo / utsurikeru faces”: “que não
iro ni wa ideji / hito mo koso shire se te veja na
cara que estás
enamorado”.
ちる花の なくにしとまる 物ならば

sem título

se bastasse chorar
我鶯に おとらましやは

para impedir
a queda das flores, O verbo naku
meu pranto seria significa tanto
“cantar” como
como o canto do rouxinol “chorar”.
107
春澄洽子
Harusumi no Amaneiko

chiru hana no / naku ni shi tomaru / mono naraba


ware ugúisu ni / otoramashi ya wa
84 primavera ii

Um dos poemas
mais célebres da
antologia. sem título
O verbo furu quer

花の色は 移りにけりな いたづらに 我身世にふる ながめせしまに
dizer “chover”,
mas também a flor da cerejeira
“envelhecer”. perdeu sua cor em
Nagame quer
dizer “tempo vão minha juventude
de chuva”, mas passou enquanto eu
também “olhar
contempla- distraída olhava a chuva
tivamente”. 113
Itazura ni 小野小町
significa Ono no Komachi
“distraída”, mas
também “em vão”. hana no iro wa / utsurinikeri na / itazura ni
A flor da cerejeira waga mi yo ni furu / nagame seshi ma ni
que perde a cor é
uma metáfora do
envelhecimento.

Suzuki Harunobu,
“Ono no Komachi”
(1766)
livro 2 85

ao visitar um templo nas


やどりして 春の山辺に ねたる夜は
montanhas
夢の内にも 花ぞちりける

em viagem
nas serras de primavera
quando fui dormir
mesmo em sonhos
chuva de flores
117
紀貫之
Ki no Tsurayuki

yadori shite / haru no yamabe ni / netaru yo wa


yume no uchi ni mo / hana zo chirikeru

As glicínias
formam um
quando um passante parou para mar de lilás,
わがやどに さける藤波 たちかへり

admirar suas glicínias ondas que sobem


すぎがてにのみ 人の見るらむ

e descem ao
meu jardim sabor do vento.
A glicínia (em
mar de lilás japonês, fuji)
vagas de glicínias é um elemento
importante do
quem passa código poético
não deixa de olhar da Antiguidade,
120 devido à sua cor
凡河内躬恒 (o lilás é, até
Ôshikôchi no Mitsune hoje, a “mais
bela das cores”) e
waga yado ni / sakeru fujinami / tachikaeri à sua associação
sugigate ni nomi / hito no miruran com a casa
imperial e com o
clã Fujiwara.
86 primavera ii

Yamabuki (rosinha-

春雨に にほへる色も あかなくに
amarela ou rosinha- sem título
da-montanha) é

かさへなつかし 山吹の花
uma flor típica da não canso de olhar
primavera.
as rosinhas da montanha
seu aroma e sua cor
ainda mais vivos
na chuva de primavera
122
Autoria desconhecida

harusame ni / nioeru iro mo / akanaku ni


ka sae natsukashi / yamabuki no hana

山ぶきは あやななさきそ 花見むと
sem título
うゑけむ君が こよひこなくに

Nishimura Hodô,
“Rosinhas amarelas”
(1939) rosinha amarela
que inútil desabrocha
sem motivo para florir
aquele que te plantou
esqueceu de ti e de mim
123
Autoria desconhecida

yamabuki wa / ayana na saki so / hana min to


ueken kimi ga / koyoi konaku ni
livro 2 87

濡れつつぞ しひて折りつる 年の内に 
enviado no último dia de
primavera com um ramo de
glicínias colhido na chuva
春はいくかも あらじと思へば

mesmo molhado
quis te trazer flores
neste ano sabe lá
Suzuki Kiitsu,
quanto nos resta “Bambu e glicínias”
de primavera (primeira metade
133 do séc. XIX)
在原業平
Ariwara no Narihira

nuretsutsu zo / shiite oritsuru / toshi no uchi ni


haru wa iku ka mo / araji to omoeba

poema sobre o fim da primavera,


けふのみと 春をおもはぬ 時だにも 

composto para um concurso de


poesia realizado no palácio teiji
立つことやすき 花のかげかは

se a gente não soubesse


que a primavera está no fim
mesmo assim
eu acharia difícil
dar adeus às floradas
134
凡河内躬恒
Ôshikôchi no Mitsune

kyô nomi to / haru wo omowanu / toki dani mo


tatsu koto yasuki / hana no kage ka wa
livro 3
verão
巻第三 夏歌

O tema principal do verão é o hototogisu


(cuco-do-japão). Também são tópicos
de verão: a tachibana (espécie de fruta
cítrica); hasu (flor de lótus); nadeshiko
(cravina); o luar do verão; etc. O primeiro
poema deste livro faz a transição entre
o fim da primavera e o início do verão,
mencionando, ao mesmo tempo, o cuco e
as flores da glicínia.

A tachibana e o cuco formam um par


poético. No início do quarto mês, o cheiro
cítrico dos frutos da tachibana atrai o cuco
ao jardim. Acreditava-se que o cuco era
capaz de ir e voltar do reino dos mortos,
e podia levar e trazer mensagens de entes
queridos. A voz do cuco pode ser referida
como shinobine; essa palavra também
designa o choro contido daquele que
precisa esconder seu luto.

Página anterior: Katsushika Hokusai,


“Cuco e azaleias” (1834)
90 poema

わがやどの 池の藤波 さきにけり
sem título

山郭公 いつかきなかむ
as glicínias em flor
no lago do meu jardim
são vagas de um mar lilás
cuco da montanha!
quando nos visitarás?
135
Autoria desconhecida

waga yado no / ike no fujinami / sakinikeri


yama hototogisu / itsu ka kinakan

sem título
まだしきほどの こゑをきかばや
五月こば なきもふりなむ 郭公
“Maio” é uma
licença poética
do tradutor. depois de maio
No poema já não vai mais ser
japonês, o termo
é satsuki, a estação do cuco
“quinto mês enquanto é hora
do calendário
lunar”, que queria ouvir seu canto
começa mais ou 138
menos no fim 伊勢
de maio e vai Dona Ise
até meados de
junho. satsuki koba / naki mo furinan / hototogisu
madashiki hodo no / koe wo kikabaya
poema 3 91

sem título
さつきまつ 花橘の かをかげば
昔の人の 袖のかぞする

o perfume da tachibana
esperando maio A tachibana é
associada ao fim
lembra o cheiro do quarto mês
da roupa de um amor do calendário
lunar e o cuco
que eu tive é associado ao
139 quinto mês.
Autoria desconhecida

satsuki matsu / hana tachibana no / ka wo kageba


mukashi no hito no / sode no ka zo suru

sem título
やよやまて 山郭公 事づてむ
我世中に すみわびぬとよ

espera aí, espera,


cuco da montanha!
leva esta mensagem: O cuco deve
levar a
não aguento mais mensagem
viver neste mundo de dor para o reino dos
152 mortos.
三国町
Mikuni no Machi

ya yo ya mate / yama hototogisu / kotozuten


ware yo no naka ni / sumiwabinu to yo
92 poema

ao ouvir o canto do cuco

なにをうしとか よただなくらむ
五月雨の そらもとどろに 郭公
águas de maio
céu escuro
canta o cuco
que motivo terá
para essa voz triste?
160
紀貫之
Ki no Tsurayuki

samidare no / sora mo todoro ni / hototogisu


nani o ushi to ka / yo tadanaku ran

Ohara Koson,
“Flor de lótus”
(início do
ao ver o orvalho no lótus はちすばの にごりにしまぬ 心もて
séc. XX)
なにかはつゆを 玉とあざむく

No Sutra do Lótus, lótus que limpo sobes


a pureza do darma
é comparada à flor
imaculado do lodo sujo
de lótus, que brota do fundo do lago turvo,
da lama e ascende,
perfeita e bela, à
por que o orvalho te cobre
superfície da água. de pedras de claro cristal?
165
僧正遍照
Monge Henjô

hachisuba no / nigori ni shimanu / kokoro mote


nani ka wa tsuyu wo / tama to azamuku
poema 3 93

塵をだに すゑじとぞ思ふ 咲きしより

mandado aos vizinhos, em lugar


dos cravos que eles pediram
妹とわが寝る とこ夏の花

A cravina
não posso deixar japonesa é um
que nada aconteça símbolo do
feminino. A flor
ao leito de cravos no canteiro é
onde eu e minha esposa comparada à
primeira vez
deitamos juntos em que o poeta
167
se deitou com
凡河内躬恒
a esposa.Há
Ôshikôchi no Mitsune também um
jogo de palavras
chiri wo dani / sueji to zo omou / sakishi yori com tokonatsu
imo to waga nuru / tokonatsu no hana (“cravina”), toko
(“chão”, “leito”
ou “canteiro”) e
natsu (“verão”).
夏と秋と 行きかふそらの かよひぢは

sobre o último dia de verão


かたへすずしき 風やふくらむ

verão e outono
encontram-se
na encruzilhada dos céus
anuncia o frio vento
do outro lado do cruzamento
168
凡河内躬恒
Kôno Bairei,
Ôshikôchi no Mitsune
“Cravina” (fim do
séc. XIX)
natsu to aki to / yukikau sora no / kayoiji wa
katae suzushiki / kaze ya fukuran
livro 4
outono i
巻第四 秋歌上

Os temas da primeira metade do outono


são: o vento de outono; o festival do
Tanabata; a lua; o orvalho; as “sete plantas
do outono”; a lespedeza (hagi); etc. Além
disso, algumas situações são recorrentes:
o poeta que caminha na floresta e sente as
folhas secas sob os pés; o canto tristonho
do veado chamando por sua fêmea; a
visita às montanhas para contemplar as
folhas tingidas de vermelho; o canto dos
“insetos de outono”; o canto dos gansos
selvagens; etc.

Página anterior: Katsukawa Shunshô,


“Episódio dos Contos de Ise” (séc. XVIII)
96 poepmp a

秋来ぬと 目にはさやかに 見えねども
composto no início do outono

風の音にぞ おどろかれぬる
já é outono?
ainda não se mostra
aos olhos mas
o som frio do vento
de repente me assusta
169
藤原敏行
Fujiwara no Toshiyuki

aki kinu to / me ni wa sayaka ni / mienedomo


kaze no oto ni zo / odorokarenuru

河風の すずしくもあるか うちよする
composto em uma excursão ao rio
kamo no primeiro dia de outono
浪とともにや 秋は立つらむ

o vento do rio
frio e vital
me dá calafrios
junto com as ondas
vem o outono
170
紀貫之
Ki no Tsurayuki

kawa kaze no / suzushiku mo aru ka / uchiyosuru


nami to tomo ni ya / aki wa tatsuran
poema 4 97

わがせこが 衣のすそを 吹き返し

sem título
うらめづらしき 秋のはつ風

o vento de outono virou


a barra da roupa
do meu amado
e eu só penso no belo
avesso do seu quimono
171
Autoria desconhecida

waga seko ga / koromo no suso wo / fukikaeshi


uramezurashiki / aki no hatsukaze
きのふこそ さなへとりしか いつのまに

sem título
いなばそよぎて 秋風の吹く

parece que foi ontem


o plantio do arroz
e de repente
eis o arrozal alto
no vento do outono
172
Autoria desconhecida

kinô koso / sanae torishika / itsu no ma ni


inaba soyogite / akikaze no fuku
A SEQUÊNCIA DO
TANABATA
Dentro do primeiro livro do outono, há
uma sequência de doze poemas relacionados
ao Festival do Tanabata, data importante do
calendário japonês e observada mesmo em
algumas cidades do Brasil.

Os poemas da sequência são ordenados para


formar uma narrativa: os amantes antecipam
a noite de Tanabata; o outono se aproxima;
finalmente chega o sétimo dia; eles passam a
noite juntos — ou, alternativamente, chove e eles
não podem se encontrar; a aurora se anuncia; os
amantes pressentem a separação; com o raiar do
dia, vem o adeus; e, no dia seguinte ao do festival,
percebe-se que chegou definitivamente o outono.

Página anterior: Tsukioka Yoshitoshi,


“A Lua e a Via Láctea”, da série
“Cem aspectos da lua” (fim do século XIX)
100 poepmp a

sem título

あまのかはらに たたぬ日はなし
秋風の 吹きにし日より 久方の
desde a primeira brisa
outonal não houve dia
O Tanabata,
que hoje é em que não te esperasse
comemorado no às margens da Via Láctea
dia 7 de julho,
na Antiguidade no vasto céu noturno
173
caía no
sétimo dia do Autoria desconhecida
sétimo mês
do calendário akikaze no / fukinishi hi yori / hisakata no
lunar — ama no kawara ni / tatanu hi wa nashi
marcando o fim
do verão.

O costume se
baseia em uma
lenda chinesa. O 久方の あまのかはらの わたしもり
sem título
君わたりなば かぢかくしてよ

Imperador dos
Céus era o pai da
Princesa Tecelã barqueiro se um dia
(identificada às margens da Via Láctea
como a estrela
Vega). Ela tecia no vasto céu noturno
noite e dia tu trouxeres meu amor
brocados para o
seu pai. esconde depois os remos
174
Autoria desconhecida

hisakata no / ama no kawara no / watashimori


kimi watarinaba / kaji kakushite yo
poema 4 101

sem título
天河 紅葉をはしに わたせばや
たなばたつめの 秋をしもまつ

uma ponte de folhas


tingidas de outono O Imperador ficou
atravessa a Via Láctea com pena da filha,
que só trabalhava
e a Tecelã espera paciente e não se divertia,
a chegada do Tanabata e lhe trouxe como
175 noivo o Vaqueiro
Autoria desconhecida (a estrela Altair).
Eles se casaram e
ama no kawa / momiji wo hashi ni / watasebaya foram muito felizes
tanabata tsu me no / aki wo shi mo matsu — tão felizes
que a Princesa se
esqueceu de tecer e
o Vaqueiro deixou
os bois fugirem.
こひこひて あふ夜はこよひ あまの河

Como punição,
きり立ちわたり あけずもあらなむ

sem título o Imperador


separou-os e
é hoje a noite mandou cada
um viver em uma
do nosso amor margem do Rio
Via Láctea! do Céu (a Via
Láctea). A Princesa,
cobre-te de névoa desconsolada,
e não deixes amanhecer pediu ao seu pai
176 que os reunisse.
Autoria desconhecida

koikoite / au yo wa koyoi / ama no kawa


kiri tachiwatari / akezu mo aranan
102 poepmp a

composto em lugar de outra


pessoa, no dia sete do sétimo
mês lunar, no período kanpyô,
quando o imperador ordenou que

わたりはてねば あけぞしにける
天河 あさせしら浪 たどりつつ
os varões da corte escrevessem
poemas

Via Láctea, cruzei teu rio


vaguei perdido nas alvas
ondas de teus baixios
ao final da jornada
Uma vez por
já raiava o dia
177
ano, as estrelas 紀友則
Vega e Altair se
Ki no Tomonori
encontram no
céu e passam
ama no kawa / asase shiranami / tadoritsutsu
a noite juntas.
watarihateneba / ake zo shinikeru
Quando chove,
elas não podem
se encontrar por ocasião de um concurso de 契りけむ 心ぞつらき たなばたの
e precisam poesia no período kanpyô
年にひとたび あふはあふかは

esperar o ano
seguinte.
Tecelã cruel
que me prometeste amar
uma rara noite no ano —
acaso chamas esse nosso
encontro de encontro?
178
藤原興風
Fujiwara no Okikaze

chigiriken / kokoro zo tsuraki / tanabata no


toshi ni hitotabi / au wa au ka wa
poema 4 103

年ごとに あふとはすれど たなばたの

na noite de tanabata
ぬるよのかずぞ すくなかりける

apesar da promessa
do encontro anual
raras são as noites
de Tanabata em que eu
durmo com meu amor
179
凡河内躬恒
Ôshikôchi no Mitsune

toshi goto ni / au to wa suredo / tanabata no


neru yo no kazu zo / sukunakarikeru

na noite de tanabata
織女に かしつる糸の 打ちはへて
年のをながく こひやわたらむ

como o novelo votivo


que enrolei para o Tanabata
é longa a linha dos dias
que o ano desvela
até o próximo encontro
180
凡河内躬恒
Ôshikôchi no Mitsune

tanabata ni / kashitsuru ito no / uchihaete


toshi no wo nagaku / koi ya wataran
104 poepmp a

こよひこむ 人にはあはじ たなばたの
sem título

ひさしきほどに まちもこそすれ
amanhã já não vem
quem eu tanto desejo
terei eu de esperar
até a próxima
noite de Tanabata?
181
素性法師
Monge Sosei

koyoi kon / hito ni wa awaji / tanabata no


hisashiki hodo ni / machi mo koso sure

na manhã após a noite de tanabata


わたらぬさきに そでぞひちぬる
今はとて わかるる時は 天河

está chegando a hora


de nos separarmos
e já antes de começar
a travessia da Via Láctea
choro em minhas mangas
182
源宗于
Minamoto no Muneyuki

ima wa tote / wakaruru toki wa / ama no kawa


wataranu saki ni / sode zo hichinuru
poema 4 105

けふよりは いまこむ年の きのふをぞ

no oitavo dia do sétimo mês lunar


いつしかとのみ まちわたるべき

voltará a acontecer
a noite de ontem
no ano que vem?
terei de esperar
pelo próximo Tanabata?
183
壬生忠岑
Mibu no Tadamine

kyô yori wa / ima kon toshi no / kinô wo zo


itsu shika to nomi / machiwatarubeki

sem título
このまより もりくる月の 影見れば

se por entre as árvores


心づくしの 秋はきにけり

nuas se despeja a lua


então eu sei
em meu sofrimento
que é chegado o outono
184
Autoria desconhecida

ko no ma yori / morikuru tsuki no / kage mireba


kokorozukushi no / aki wa kinikeri

fim da sequência do tanabata


106 poepmp a

composto ao receber hóspedes


em uma noite em que cantavam os

蟋蟀 いたくななきそ 秋の夜の
grilos

長き思ひは 我ぞまされる
grilo, não chores
na noite de outono
se te achas triste
é que não sabes
das minhas dores
196
藤原忠房
Fujiwara no Tadafusa
A palavra
kirigirisu
kirigirisu / itaku na naki so / aki no yo no
designava
nagaki omoi wa / ware zo masareru
o grilo na
Antiguidade;
hoje, ela se
refere ao
gafanhoto. あき萩も 色づきぬれば きりぎりす
sem título
わがねぬごとや よるはかなしき

na lespedeza de outono
com suas folhas tingidas
o grilo canta
e não me deixa dormir
que noite bem triste
198
Autoria desconhecida

aki hagi mo / irozukinureba / kirigirisu


waga nenu goto ya / yoru wa kanashiki
poema 4 107

ひぐらしの なく山里の ゆふぐれは

sem título
風よりほかに とふ人もなし

ninguém para ver


o pôr do sol
Keisai Eisen,
na aldeia em que canta “Cigarra”
a cigarra-verde (primeira metade
do séc. XIX)
só o vento sopra
205
Autoria desconhecida

higurashi no / naku yamazato no / yûgure wa


kaze yori hoka ni / tou hito mo nashi

composto ao ouvir os gansos


うき事を 思ひつらねて かりがねの

selvagens
なきこそわたれ 秋のよなよな

minhas melancolias
formam fila no céu
como gansos selvagens
que grasnam tristonhos
noite a noite no outono
213
凡河内躬恒
Ôshikôchi no Mitsune

uki koto wo / omoitsuranete / karigane no


naki koso watare / aki no yona yona
108 poepmp a

秋はぎに うらびれをれば あしひきの
sem título

山したとよみ しかのなくらむ
A lespedeza
(hagi) é um contemplando o outono
arbusto associado nas cores da lespedeza
ao outono. Na
Antiguidade, o veado macho
veio a formar um no sopé da montanha
par poético com
o veado japonês chora por sua amada
(shika). O veado 216
é relacionado à Autoria desconhecida
melancolia do
outono, porque aki hagi ni / urabire oreba / ashihiki no
supostamente o yama shita to yomi / shika no nakuran
bramir do veado
macho em busca
da fêmea soa como
um canto triste de
saudades.
秋はぎを しがらみふせて なくしかの
sem título
めには見えずて おとのさやけさ

o veado macho que chora


ao pisar as folhas secas
da lespedeza
me é invisível
mas seu som me fere
Utagawa 217
Toyoharu, Autoria desconhecida
“Lespedeza”
(séc. XVIII) aki hagi wo / shigarami fusete / naku shika no
me ni wa miezute / oto no sayakesa
poema 4 109

名にめでて をれるばかりぞ をみなへし
poema escrito ao cair do cavalo
nos prados de saga
我おちにきと 人にかたるな

flor de valeriana
que me seduziste
com teu nome de mulher
não digas por aí que pequei
contra a minha castidade
226
僧正遍照
Ominaeshi
Monge Henjô (“valeriana”
ou “patrínia”)
na ni medete / oreru bakari zo / ominaeshi é uma das
ware ochiniki to / hito ni kataru na “sete plantas
do outono”.
Os caracteres
de seu nome em
composto no período kanpyô, na japonês se leem
花にあかで なに帰るらむ 女郎花 

volta de uma excursão para ver as “flor de donzela”.


おほかる野辺に 寝なましものを

flores do prado de saga


Kono Bairei,
valeriana me explica “Valeriana”
(1900)
por que devo voltar
para minha casa
se eu podia dormir
neste prado contigo
238
平貞文
Taira no Sadafun

hana ni akade / nani kaeruran / ominaeshi


ôkaru nobe ni / nenamashi mono wo
livro 5
outono ii
巻第五 秋歌下

Na segunda metade do outono, continuam


os poemas sobre o vento e as folhas tingidas
de vermelho. A esses tópicos, vêm se somar o
crisântemo; a araruta; o rio Tatsuta; e a Princesa
do Outono (que também se chama Tatsuta). Os
crisântemos cumpriam um papel importante
na vida da corte, estando associados à figura
do imperador. Também eram realizadas
“competições de crisântemos”, em que
diferentes equipes apresentavam flores para
serem comparadas, e um juiz definia qual era a
“vencedora”.

Página anterior: Hasegawa Keika,


“Crisântemo” (1893)
112 poepmp aa

composto para um concurso de

吹くからに 野辺の草木の しをるれば
O poesia realizado no palácio do
ideograma príncipe koresada
de

むべ山風を 嵐といふらむ
“tormenta”
嵐 o vendaval vem da serra
é derruba a relva
uma
combinação
e as árvores do outono...
da juntos, “montanha” e “vento”
“montanha”
são a “tormenta”
山 249
com 文屋康秀
o Fun’ya no Yasuhide
“vento”.
風 fuku kara ni / aki no kusaki no / shiorureba
mube yama kaze wo / arashi to iuran

composto para o mesmo concurso 草も木も 色かはれども わたつうみの


浪の花にぞ 秋なかりける

as relvas e as árvores
mudaram de cores
só as flores das vagas
cruzando alvas os mares
não têm outonos
250
文屋康秀
Fun’ya no Yasuhide

kusa mo ki mo / iro kawaredomo / watatsuumi no


nami no hana ni zo / aki nakarikeru
poema 5 113

あきのつゆ いろいろごとに おけばこそ

sem título
山のこのはの ちくさなるらめ

o orvalho do outono
deita mil tons
nas folhas das árvores
que várias e multicores
cobrem a serra
259
Autoria desconhecida

aki no tsuyu / iro iro goto ni / okeba koso


yama no ko no ha no / chikusa narurame

composto ao passar à frente de um


ちはやぶる 神のいがきに はふくずも 

santuário e ver as folhas caídas


do outro lado da cerca
秋にはあへず うつろひにけり

As “vinhas da
planta sagrada”
nem as vinhas são o kudzu
da planta sagrada ou araruta.
Chihayaburu
do portal dos deuses (“em fúria”,
podem em sua fúria “terríveis”) é
um makura-
deter as cores do outono kotoba de kami
262 (“deuses”),
紀貫之 “os deuses
Ki no Tsurayuki e sua fúria”.

chihayaburu / kami no igaki ni / hau kuzu mo


aki ni wa aezu / utsuroinikeri
114 poepmp aa

no período kanpyô, quando


o imperador mandou que o

はあまつほしとぞ あやまたれける
poeta compusesse algo sobre

久方の 雲のうへにて 見る菊
crisântemos

Kumo no ue (“nas os crisântemos


nuvens”) é uma
metonímia de que vemos nas nuvens
“Palácio Imperial”. do vasto céu diurno
As estrelas
distantes são os são como o Palácio Imperial
membros da alta estrelas distantes
aristocracia. 269
藤原敏行
Fujiwara no Toshiyuki

hisakata no / kumo no ue nite / miru kiku wa


amatsu hoshi to zo / ayamatarekeru

composto para um concurso de


poesia realizado no palácio da うゑし時 花まちどほに ありしきく
imperatriz, no período kanpyô
うつろふ秋に あはむとや見し

crisântemo que plantei


e que tanto esperei
nunca imaginei
que virias no outono
e que te irias tão cedo
271
大江千里
Ôe no Chisato

ueshi toki / hana machidô ni / arishi kiku


utsurou aki ni / awan to ya mishi
poema 5 115

composto para um concurso


de crisântemos realizado
igualmente no palácio de sua
majestade a imperatriz, este
秋風の 吹きあげにたてる 白菊は

poema acompanhava um arranjo


representando uma praia. o tópico
花かあらぬか 浪のよするか

dado era “crisântemos à beira-


mar”

vento de outono
que açoita na praia
os brancos crisântemos
não sei mais se são
flores ou ondas
272
菅原道真
Sugawara no Michizane

akikaze no / fukiage ni tateru / shiragiku wa


hana ka aranu ka / nami no yosuru ka

sobre crisântemos brancos


心あてに 折らばや折らむ 初霜の
置きまどはせる 白菊の花

quer colher crisântemos?


tente colher — você vai ver
que não é assim tão simples
achar as flores escondidas
debaixo da primeira geada
277
凡河内躬恒
Ôshikôchi no Mitsune

kokoro ate ni / oraba ya oran / hatsushimo no


okimadowaseru / shiragiku no hana
116 poepmp aa

um poema acompanhando

秋をおきて 時こそ有りけれ 菊の花
flores para o ex-imperador,
que residia no templo de ninna

うつろふからに 色のまされば
ao fim do outono
há nova glória
para os crisântemos
depois de secos
mais bela é sua cor
279
平定文
Taira no Sadafun

aki okite / toki koso arikere / kiku no hana


utsurou kara ni / iro no masareba

竜田河 もみぢみだれて 流るめり 
sem título
O rio Tatsuta
わたらば錦 なかやたえなむ

é associado
ao outono rio Tatsuta
porque seu coberto de folhas
nome significa
“brocado de rubras à deriva
seda”; além minha travessia rasga
disso, na época
das folhas o brocado em dois
tingidas, ele fica 283
coberto de cores Mikado de Nara
outonais (“como
um brocado”). tatsutagawa / momiji midarete / nagarumeri
wataraba nishiki / naka ya taenan
poema 5 117

秋風に あへずちりぬる もみぢばの

sem título
ゆくへさだめぬ 我ぞかなしき

as folhas tingidas
não resistiram
ao vento de outono
e vagam à toa sem destino
tristes como a minha vida
286
Autoria desconhecida

akikaze ni / aezu chirinuru / momijiba no


yukue sadamenu / ware zo kanashiki
あきはきぬ 紅葉はやどに ふりしきぬ

sem título
道ふみわけて とふ人はなし

o outono chegou
cobriu de folhas tingidas
o chão do meu pátio
tapete alto intocado
pelos pés de visitas
287
Autoria desconhecida

aki wa kinu / momiji wa yado ni / furishikinu


michi fumiwakete / tou hito wa nashi
118 poepmp aa

秋の月 山辺さやかに てらせるは
sem título

おつるもみぢの かずを見よとか
lua de outono
que clara iluminas
as matas das serras
tanta é tua luz que contamos
quantas folhas caíram
289
Autoria desconhecida

aki no tsuki / yamabe sayaka ni / teraseru wa


otsuru momiji no / kazu wo miyo to ka

A “Idade dos inspirado em uma pintura de


Deuses” biombo da residência de sua
(kamiyo) majestade a imperatriz-mãe,
ちはやぶる 神代もきかず 竜田川
é uma era representando o rio tatsuta からくれなゐに  水くくるとは
da mitologia coberto de folhas rubras
japonesa, antes
do nascimento
do imperador nem na idade dos deuses
Jinmu (século no tempo de sua fúria
VI a.C.). O
rio Tatsuta houve rio como este
(que tem no dragão tingido vermelho
nome tatsu,
ideograma pelas folhas de outono
de “dragão”) 294
se tinge de 在原業平
vermelho no Ariwara no Narihira
outono, quando
caem as folhas chihayaburu / kamiyo mo kikazu / tatsutagawa
das árvores. karakurenai ni / mizukukuru to wa
poema 5 119

竜田ひめ たむくる神の あればこそ
canção de outono
秋のこのはの ぬさとちるらむ

Princesa do Outono A Princesa


que deuses propícios Tatsuta é a
deusa do outono.
seguem por onde passa Por onde ela
derrubai as folhas votivas passa, deuses
da boa fortuna
rubras oferendas tingidas a seguem, e as
298 folhas rubras
兼覧王 que caem são
Príncipe Kanemi como oferendas.

tatsutahime / tamukuru kami no / areba koso


aki no ko no ha no / nusa to chiruran

composto para um concurso de


白浪に 秋のこのはの うかべるを 

poesia realizado na residência


da imperatriz, no período kanpyô
あまのながせる 舟かとぞ見る

nas brancas vagas


as folhas do outono
flutuam — ou seriam
barquinhos que os pescadores
lançaram ao mar?
301
藤原興風
Fujiwara no Okikaze

shiranami ni / aki no ko no ha no / ukaberu wo


ama no nagaseru / fune ka to zo miru
livro 6
inverno
巻第六 冬歌

Os principais temas do inverno são


a chuva gelada e a neve e o fim do ano,
fechando um ciclo iniciado com a
neve de primavera, no livro 1.

Página anterior: Koyama Shokei,


“Paisagem de inverno”
(década de 1890)
122 poemaos

O brocado de
folhas rubras sem título

しぐれの雨を たてぬきにして
sobre o rio

竜田河 錦おりかく 神な月
Tatsuta é
uma imagem o rio Tatsuta se cobre
do outono; a de um brocado de folhas
chuva gelada,
do inverno. Este no mês sem deuses
poema faz a a fria trama em que tece
transição entre
o fim do outono é o chuvisco do inverno
e o início do 314
inverno. O “mês Autoria desconhecida
sem deuses” é
o décimo mês tatsutagawa / nishiki orikaku / kannazuki
do calendário shigure no ame wo / tatenuki ni shite
lunar.

canção de inverno 山里は 冬ぞさびしさ まさりける


人目も草も かれぬと思へば

aldeia da montanha
inverno e solidão intensos
os olhos que eu amo
e o verde dos campos
ausentes
315
源宗于
Minamoto no Muneyuki

yamazato wa / fuyu zo sabishisa / masarikeru


hitome mo kusa mo / karenu to omoeba
poema 6 123

ゆふされば 衣手さむし みよしのの

sem título
よしのの山に み雪ふるらし

a fria noite cai em


meu frio quimono
minha bela Yoshino
meu monte Yoshino
onde a bela neve cai
317
Autoria desconhecida

yû sareba / koromode samushi / miyoshino no


yoshino no yama ni / miyuki furu rashi

composto para um concurso de


poesia realizado na residência
みよしのの 山の白雪 踏みわけて

da imperatriz no período kanpyô


入りにし人の おとづれもせぬ

monte Yoshino
coberto de branco
alguém pisou aqui
atravessou a neve
e nem me visitou
327
壬生忠岑
Mibu no Tadamine

miyoshino no / yama no shirayuki / fumiwakete


irinishi hito no / otozure mo senu
124 poemaos

ゆきふりて 人もかよはぬ みちなれや
enquanto nevava

あとはかもなく 思ひきゆらむ
deserto o caminho
cai a neve
depois derrete
desaparece
como minhas ilusões
329
凡河内躬恒
Ôshikôchi no Mitsune

yuki furite / hito mo kayowanu / michi nare ya


atohakamonaku / omoi kiyu ran

depois que nevou 梅の花 それとも見えず ひさかたの


天霧る雪の なべてふれれば

as flores das ameixeiras


se perdem na nevasca
que nubla o vasto céu
e cobre tudo de branco
não sei mais o que é flor
334
柿本人麻呂
Kakinomoto no Hitomaro

ume no hana / sore to mo miezu / hisakata no


amagiru yuki no / nabete furereba
poema 6 125

あらたまの 年のをはりに なるごとに

no fim do ano
雪もわが身も ふりまさりつつ

é sempre assim
todos os anos
chegam ao fim
acumula-se a neve
e a minha idade
339
在原元方
Ariwara no Motokata

aratama no / toshi no owari ni / naru goto ni


yuki mo waga mi mo / furi masaritsutsu
ゆく年の をしくもあるかな ますかがみ

o imperador pediu
um poema de fim de ano
見るかげさへに くれぬと思へば

Este poema
encerra o livro do
no ano que se vai inverno, fazendo
tive alguns pesares referência ao
fim do ano e
mas tudo passa remetendo ao
o brilho do espelho primeiro poema
da primavera,
meu reflexo nele cujo tema é
342 o Ano-Novo.
紀貫之 Renova-se o
Ki no Tsurayuki ciclo das quatro
estações.
yuku toshi no / oshiku mo aru kana / masukagami
miru kage sae ni / kurenu to omoeba
livro 7
comemorações
巻第七 賀歌

Muitos dos poemas deste livro


foram compostos por ocasião de
aniversários. Possuem um caráter
público e muitas vezes obedecem uma
forma fixa.

Página anterior: Utagawa Kunisada I,


“Episódio do Romance do Genji”
(1843)
128 poemeoasrimv

わが君は 千代に八千代に 細れ石の
sem título

巌と成りて 苔のむすまで
viva o meu senhor
mil anos, oito mil anos
até que as pequenas pedras
se tornem grandes rochas
Este poema, em cobertas de musgo
uma versão um
343
pouco diferente, Autoria desconhecida
é a letra do
“Hino do Japão” waga kimi wa / chiyo ni yachiyo ni / sazareishi no
(Kimigayo). iwao to narite / koke no musu made
A melodia foi
criada ao final
do século XIX
e incorpora
elementos
rítmicos da 君がよは 千代に八千代に 細れ石の
hino do japão
música europeia
巌と成りて 苔のむすまで

a uma escala
pentatônica o reino do meu senhor
tradicional dure mil anos, oito mil anos
japonesa.
até que as pequenas pedras
se tornem grandes rochas
cobertas de musgo
Autoria desconhecida

kimigayo wa / chiyo ni yachiyo ni / sazareishi no


iwao to narite / koke no musu made
poema 7 129

escrito para o biombo


comemorativo do septuagésimo
aniversário de sua alteza, o
春くれば やどにまづさく 梅花
君がちとせの かざしとぞ見る

príncipe motoyasu

flores da ameixeira
primeiras da primavera
enfeitem nossas cabeças
para festejarmos
o nosso príncipe
352
紀貫之
Ki no Tsurayuki

haru kureba / yado ni mazu saku / ume no hana


kimi ga chitose no / kazashi to zo miru

poema escrito para um biombo


representando as quatro estações
春日野に 若菜摘みつつ よろづ世を

em comemoração do aniversário
de quarenta anos do ministro da
いはふ心は 神ぞ知るらむ

direita

nos prados de Kasuga


colhemos as jovens ervas
e felizes festejamos
os teus muitos anos
os deuses por testemunha
357
素性法師
Monge Sosei

kasugano ni / wakana tsumitsutsu / yorozuyo wo


iwau kokoro wa / kami zo shiruran
livro 8
adeuses
巻第八 離別歌

A maioria dos poemas deste livro se


refere à despedida entre alguém que
parte para terras distantes e alguém
que fica na capital. Muitos são entre
esposos ou amantes, mas há também
poemas para colegas de trabalho e
amigos, dentre outras situações de
despedida.

Página anterior: Katsukawa Shunshô,


“Episódio dos Contos de Ise” (séc. XVIII)
132 poemaea

quando seu filho deixou a capital

たらちねの おやのまもりと あひそふる
para ser vice-governador da
província de michinoku

心ばかりは せきなとどめそ
guarda da barreira!
abra o portão
para passar meu coração
só tenho isso a dar
como proteção
368
小野千古母
Mãe de Ono no Chifuru

tarachine no / oya no mamori to / aisouru


kokoro bakari wa / seki na todome so

sem título

A expressão
não me venha falar 唐衣 たつ日はきかじ あさつゆの
おきてしゆけば けぬべき物を

kara koromo que é dia de cortar


(“quimono de
brocado”) é
o vestido de nosso amor
um makura- ou desvanecerei
kotoba
de tatsu
como o orvalho
375
(“cortar” ou
“ir embora”).
A nota Este poema foi composto por uma mulher
explicativa para seu marido de muitos anos, no
após o poema dia em que ele veio lhe dizer que estava
pode ou não indo embora com sua nova esposa para
ser ficcional. assumir um cargo longe da capital.

kara koromo / tatsu hi wa kikaji / asatsuyu no


okite shi yukeba / kenubeki mono wo
poema 8 133

poema composto sob as cerejeiras


em flor, ao se despedir de seu
amigo tsuneyasu, na volta de um
花のまぎれに たちとまるべく
山風に 桜吹きまき 乱れなむ

passeio nas montanhas

o vento da montanha
despetala as cerejeiras
em rosado redemoinho
que a dança das flores
atrase tua despedida
394
僧正遍照
Monge Henjô

yama kaze ni / sakura fukimaki / midarenan


hana no magire ni / tachitomaru beku

ao despedir-se de alguém com quem


結ぶ手の しづくににごる 山の井の

conversara no monte shiga, perto


da fonte de ishii
あかでも人に 別れぬるかな

fonte da montanha
as gotas caem das mãos
nublando a água
cristalina mas rasa
como este encontro fugaz
404
紀貫之
Ki no Tsurayuki

musubu te no / shizuku ni nigoru / yama no i no


akade mo hito ni / wakarenuru kana
livro 9
viagens
巻第九 羇旅歌

Os poemas deste livro falam das


pessoas que a poeta deixou para
trás, ou ainda da sua saudade da
terra natal. Outros ainda falam do
deslocamento de funcionários da
capital para as províncias.

Página anterior: Katsukawa Shunshô,


“Episódio dos Contos de Ise” (séc. XVIII)
136 poemasr

ao contemplar a lua da china

天の原 ふりさけ見れば 春日なる 三笠の山に 出でし月かも
No monte vasto firmamento
Mikasa,
mencionado olhando ao longe
no poema em revejo o Japão
japonês, estava
o santuário de por detrás daquela serra
Kasuga, aonde a mesma lua
os enviados de 406
embaixada iam 阿倍仲麻呂
rezar antes de Abe no Nakamaro
partirem para o
exterior. O navio Conta-se que há muitos séculos
em que Abe
Nakamaro foi enviado à China pelo
no Nakamaro
tentou voltar
imperador para realizar seus estudos.
à terra natal Depois de muitos anos sem poder
naufragou e regressar, permitiram que ele embarcasse
ele retornou em um navio de embaixada de volta ao
à China, Japão. No porto de Ming, de onde partiria
onde morreu a embarcação, os chineses fizeram uma
septuagenário, festa de despedida em sua homenagem. O
sem nunca rever poema foi composto ao anoitecer, quando
o Japão. Nakamaro viu a lua surgir.

amanohara / furisakemireba / kasuga naru


mikasa no yama ni / ideshi tsuki kamo
poema 9 137

ほのぼのと 明石の浦の 朝霧に sem título


島がくれ行く 舟をしぞ思ふ

a pálida cor da aurora


ilumina a névoa em Akashi
ao longe uma ilha
esconde um barquinho
meus pensamentos
409
Autoria desconhecida

honobono to / akashi no ura no / asagiri ni


shimagakure yuku / fune wo shi zo omou

sem título
北へ行く かりぞなくなる つれてこし

cantam os gansos
かずはたらでぞ かへるべらなる

de volta ao norte
do número
que viera ao sul
está faltando um
412

Uma mulher acompanhou o marido quando


ele foi enviado a uma província longe da
capital. O marido morreu em seguida. A
viúva escreveu este poema no caminho de
volta, ao ouvir o canto dos gansos selvagens.

kita e yuku / kari zo naku naru / tsurete koshi


kazu wa tarade zo / kaeruberanaru
livro 1 0
nomes de coisas
巻第十 物名

Mono no na ou “nomes de coisas”


são poemas com uma palavra
escondida nas sílabas dos versos,
sendo tarefa do leitor descobrir que
coisa é essa disfarçada no poema.
Na Antiguidade, algumas hiragana
eram usadas para representar mais
de uma leitura, o que permitia a
criação de um número muito maior
de trocadilhos. Os poemas incluíam
nomes de plantas, lugares e bichos.
Escolhi dois exemplos ilustrativos, aos
quais acrescentei uma explicação.

Página anterior: Gyoshû Hayami,


“Rolo com esboços: cigarras”
(1925)
140 poema sm roiava

浪のうつ せみればたまぞ みだれける ひろはばそでに はかなからむや
O poema
japonês esconde
utsusemi
(“muda da
cigarra”
ou apenas muda da cigarra
“cigarra”) entre
o primeiro e o onda que enrolada torna
segundo verso.
A comparação brilhante e já mudada
é entre o canto siga rápida e qual cigarra
da cigarra, tido
por efêmero, e as cante e num instante suma
ondas do mar, no mar como se nada
que brilham 424
como joias, se 在原滋春
despejam na Ariwara no Shigeharu
areia e somem.
O poeta tenta nami no utsu / semireba tama zo / midarekeru
recolher as hirowaba sode ni / hakanakaran ya
ondas com as
mangas do
quimono, mas
a água salgada
se lhe esvai pelo
pano.
poema 10 141

O poema
japonês esconde
obana, nome
antigo da
ありとみて たのむそかたき うつ蝉の よをはなしとや 思なしてん

eulália, um tipo
de gramínea
cuja flor lembra
um penacho,
semelhante ao
nosso capim-
eulália dos-pampas (o
nome moderno
da planta é
ao ver a muda da cigarra susuki). A
muda e abandonada comparação é
entre a muda
eu lá lia que o nada da cigarra, tida
desta vida repetia por símbolo da
transitoriedade
o vazio daquela casca da vida, e a
443 desolação
Autoria desconhecida do mundo.
É comum
ari to mite / tanomu zo kataki / utsusemi no encontrar em
yo oba nashi to ya / omoinashiten culturas com
forte influência
do budismo
o argumento
de que o ser é
um sonho, ou
ainda de que a
existência não é
concreta, e sim
apenas uma
ilusão.
livro 1 1
amores i
巻第十一 恋歌一

Os cinco livros que tratam do amor


seguem uma narrativa fixa, característica
do amor cortês da Antiguidade. O livro
11 trata do início do romance, quando os
amantes sequer se conhecem — apenas
ouviram falar do ser amado, e têm sua
curiosidade despertada.

Página anterior: Katsukawa Shunshô,


“Episódio dos Contos de Ise” (séc. XVIII)
144 poemas r

sem título

あやめもしらぬ こひもするかな
郭公 なくや五月の あやめぐさ
canta o cuco
florescem os lírios
e eu aqui lírico
desatinado
me apaixonei
469
Autoria desconhecida

hototogisu / naku ya satsuki no / ayamegusa


ayame mo shiranu / koi mo suru kana

o poeta enviou esta mensagem a


春日野の 雪間をわけて おひいでくる
uma dama que avistara no festival
de primavera do santuário de
草のはつかに 見えし君はも

kasuga

por entre a neve


do vale de Kasuga
insinuavam-se verdes
leves brotos de relva
no dia em que te vi
478
壬生忠岑
Mibu no Tadamine

kasuga no no / yuki ma wo wakete / oiide kuru


kusa no hatsuka ni / mieshi kimi wa mo
poema 11 145

sem título
吉野河 岩きりとほし ゆく水の
音には立てじ 恋ひは死ぬとも

rio Yoshino
silenciosa correnteza
atravessa as rochas
como meu amor
mudo até a morte
492
Autoria desconhecida

yoshino gawa / iwa kiritôshi / yuku mizu no


oto ni wa tateji / koi wa shinu tomo

ao despedir-se de alguém com quem


conversara no monte shiga,
人知れず 思へばくるし 紅の

perto da fonte de ishii


末摘花の 色にいでなむ

do meu amor nada sabe


o meu amado — tormento
vermelho como o cártamo
que ameaça qual a flor
revelar a sua cor
496
Autoria desconhecida

hito shirezu / omoeba kurushi / kurenai no


suetsumuhana no / iro ni idenan
146 poemas r

人しれぬ 思ひやなぞと あしかきの
sem título

まぢかけれども あふよしのなき
não entendo
mesmo vivendo cerca
como trama de juncos
do meu amor nada sabe
o meu amado
506
Autoria desconhecida

hito shirenu / omoi ya nazo to / ashigaki no


majikakeredomo / au yoshi no naki

sem título 涙河 何みなかみを 尋ねけむ


物思ふ時の わが身なりけり

rio de lágrimas
não preciso procurar
a sua nascente
quando penso no meu amor
a água brota de mim
511
Autoria desconhecida

namidagawa / nani minakami wo / tazuneken


mono omou toki no / waga mi narikeri
poema 11 147

たねしあれば いはにも松は おひにけり

sem título
恋をしこひば あはざらめやも

em havendo semente
mesmo na nua rocha
nasce o pinheiro
se eu amar — de tanto amar
talvez faça o amor brotar
512
Autoria desconhecida

tane shi areba / iwa ni mo matsu wa / oinikeri


kou wo shi koiba / awazarame ya mo
よひよひに 枕さだめむ 方もなし

sem título
いかにねし夜か 夢に見えけむ

noite após noite


mudo sem sucesso
a posição do travesseiro
na esperança de em sonho
alguma vez te encontrar
516
Autoria desconhecida

yoi yoi ni / makura sadamen / kata mo nashi


ika ni neshi yo ka / yume ni mieken
148 poemas r

こむ世にも はや成りななむ 目の前に
sem título

つれなき人を 昔とおもはむ
vem, morte!
vem rápido, reencarnação!
que eu possa logo pensar
que este amor tão cruel
é só alguém do passado
520
Autoria desconhecida

kon yo ni mo / haya narinanan / me no mae ni


tsurenaki hito wo / mukashi to omowan

sem título つれもなき  人をこふとて  山びこの


こたへするまで  なげきつるかな

sem piedade
sou maltratado
à montanha
vou soluçar
responde o eco
521
Autoria desconhecida

tsure mo naki / hito wo kou tote / yamabiko no


kotae suru made / nagekitsuru kana
poema 11 149

ゆく水に かずかくよりも はかなきは

sem título
おもはぬ人を 思ふなりけり

menos certo
que escrever números
na água que corre
é amar alguém
que não nos quer
522
Autoria desconhecida

yuku mizu ni / kazu kaku yori mo / hakanaki wa


omowanu hito wo / omou narikeri
心がへ する物にもが かたこひは

sem título
くるしき物と 人にしらせむ

se eu pudesse trocar
o meu coração pelo teu
tu saberias da dor
de amar alguém
que não te quer
540
Autoria desconhecida

kokorogae / suru mono ni mo ga / katakoi wa


kurushiki mono to / hito ni shirasen
livro 1 2
amores ii
巻第十二 恋歌二

O segundo livro de temática amorosa


tem por personagem o amante que se
descontrola e não consegue manter
o seu amor em segredo. Este livro
parece também colecionar variações do
argumento, desenvolvido por Tsurayuki
no “Prefácio”, de que a poesia, a voz dos
humanos e os sons da natureza pertencem
a um mesmo continuum de expressão de
sentimentos. A poesia é associada ao
canto do cuco, ao cricrilar dos insetos, ao
bramir do veado, ao farfalhar da relva,
etc., e o coração que arde é comparado à
luz dos vaga-lumes.

Página anterior: Kajita Hanko,


“Episódio de O Romance do Genji” (1905)
152 poemas rr

思ひつつ ぬればや人の 見えつらむ
sem título

夢としりせば さめざらましを
pensando nele
adormeci e ele
me apareceu
se soubesse que era sonho
não tinha me acordado
552
小野小町
Ono no Komachi

omoitsutsu / nureba ya hito no / mietsuran


yume to shiriseba / samezaramashi wo

composto para um concurso de


poesia realizado na residência da 夕されば 蛍よりけに 燃ゆれども
imperatriz, no período kanpyô
光見ねばや 人のつれなき

no crepúsculo
assomam-se os pirilampos
ardem como meu coração
mas é luz que não se vê
minha amada é cruel
562
紀友則
Ki no Tomonori

yû sareba / hotaru yorike ni / moyuredomo


hikari mineba ya / hito no tsurenaki
poema 12 153

sem título
わがごとく 物やかなしき 郭公
時ぞともなく よただなくらむ

sofrerá o cuco
como eu da dor
de viver no mundo?
não é verão e ainda assim
ele canta noite adentro
578
藤原敏行
Fujiwara no Toshiyuki

waga gotoku / mono ya kanashiki / hototogisu


toki zo tomo naku / yo tada nakuran
虫のごと 声にたてては なかねども

sem título
涙のみこそ したにながるれ

não sou como os insetos


que com voz tristonha
cantam alto suas dores
só minhas lágrimas
caem uma a uma
581
清原深養父
Kiyohara no Fukayabu

mushi no goto / koe ni tatete wa / nakanedomo


namida nomi koso / shita ni nagarure
154 poemas rr

composto para um concurso de

秋なれば 山とよむまで なくしかに
poesia realizado na residência do

我おとらめや ひとりぬるよは
príncipe koresada

chega o outono
e as serras ecoam
o triste bramir dos veados
meu pranto no leito
é ainda mais saudoso
582
Autoria desconhecida

aki nareba / yama to yomu made / naku shika ni


ware otorame ya / hitori nuru yo wa

sem título ひとりして 物をおもへば 秋のたの


いなばのそよと いふ人のなき

sozinho e triste
os campos de outono
não me consolam
sussurra o arrozal
mas não é a minha amada
584
凡河内躬恒
Ôshikôchi no Mitsune

hitori shite / mono wo omoeba / aki no ta no


inaba no soyoto / iu hito no naki
poema 12 155

わがこひは ゆくへもしらず はてもなし

sem título
逢ふを限と 思ふばかりぞ

meu amor
não tem destino
não tem limite
meu único desejo:
estar contigo
611
凡河内躬恒
Ôshikôchi no Mitsune

waga koi wa / yukue mo shirazu / hate mo nashi


au wo kagiri to / omou bakari zo
いのちやは なにぞはつゆの あだ物を

sem título
あふにしかへば をしからなくに

não me importa a vida


efêmera como o orvalho
trocaria tudo isso
por uma noite contigo
e não me arrependeria
615
紀友則
Ki no Tomonori

inochi ya wa / nani zo wa tsuyu no / ada mono o


au ni shi kaeba / oshikaranaku ni
livro 1 3
amores iii
巻第十三 恋歌三

Os amantes já se conheceram e começa


o romance propriamente dito. Depois
de uma noite de paixão, o homem volta
à casa e envia à sua amada uma carta
com um poema apaixonado. No entanto,
as noites que passam juntos são curtas
como um sonho de verão. Os dois sofrem
porque não podem se ver e precisam
guardar em segredo o seu amor.

Página anterior: Katsukawa Shunshô,


“Episódio dos Contos de Ise” (séc. XVIII)
158 poemas rrr

escrito ao retornar a casa sob a

おきもせず ねもせでよるを あかしては
chuva de primavera, após uma noite
secreta com a amada

春の物とて ながめくらしつ
nem desperto
nem sonhando
a manhã me encontra
distraído contemplando
a chuva e o amor
616
在原業平
Ariwara no Narihira

oki mo sezu / ne mo sede yoru wo / akashite wa


haru no mono tote / nagamekurashitsu

sem título 人はいさ 我はなきなの をしければ


昔も今も しらずとをいはむ

o que ela diz? sei lá


mas como eu detestaria
ter o nome em algaravias
digo: nem antes nem agora
algo tive com essa senhora
630
在原元方
Ariwara no Motokata

hito wa isa / ware wa nakina no / oshikereba


mukashi mo ima mo / shirazu to wo iwan
poema 13 159

しののめの ほがらほがらと 明けゆけば

sem título
おのがきぬぎぬ なるぞかなしき

claro sol acende


muito devagar
o claro céu da aurora
tristes separamos as cobertas
nossos dois quimonos
637
Autoria desconhecida

shinonome no / hogara hogara to / akeyukeba


ono ga kinuginu / naru zo kanashiki
寝ぬる夜の 夢をはかなみ まどろめば

enviado a uma dama


no dia seguinte
いやはかなにも なりまさるかな

quando dormi contigo


a noite passou voando
como um sonho
tentei sonhar de novo
mas não estavas
644
在原業平
Ariwara no Narihira

nenuru yo no / yume wo hakanami / madoromeba


iya hakana ni mo / narimasaru kana
160 poemas rrr

narihira teve uma noite de amor


com a sacerdotisa de ise. no dia

きみやこし 我や行きけむ おもほえず
seguinte, estava ele procurando
alguém que pudesse servir de

夢かうつつか ねてかさめてか
mensageiro para enviar um poema
à dama, quando chegou-lhe este
poema

foste tu que vieste?


fui eu que fui?
qual dos dois?
foi sonho? foi verdade?
nós dormimos? despertamos?
645
A Sacerdotisa de Ise

kimi ya koshi / ware ya yukiken / omôezu


yume ka utsutsu ka / nete ka samete ka

resposta de narihira かきくらす 心のやみに 迷ひにき


ao poema anterior
夢うつつとは 世人さだめよ

na escuridão
do meu coração
não consigo enxergar
se foi sonho ou verdade
futuros leitores decidirão
646
在原業平
Ariwara no Narihira

kakikurasu / kokoro no yami ni / madoiniki


yume utsutsu to wa / yohito sadameyo
poema 13 161

夢ぢには あしもやすめず かよへども 

sem título
うつつにひとめ 見しごとはあらず

em sonho percorro
sem cansar o caminho
que me leva ao meu amado
mais amor teria
se o visse acordada
658
小野小町
Ono no Komachi

yumeji ni wa / ashi mo yasumezu / kayoedomo


utsutsu ni hitome / mishi goto wa arazu
しるといへば 枕だにせで ねし物を 

sem título
ちりならぬなの そらにたつらむ

quando deitei com ele


deixei de fora o travesseiro
(que tem fama de fofoqueiro)
mas de nada adiantou
o boato se espalhou
676
伊勢
Dona Ise

shiru to ieba / makura dani sede / neshi mono wo


chirinaranu na no / sora ni tatsuran
livro 1 4
amores iv
巻第十四 恋歌四

O quarto livro sobre o tema leva


adiante a narrativa do amor cortês. Os
amantes lamentam que não podem
se ver mais seguido. Há muitos
desencontros e impedimentos. A
paixão aumenta, a distância causa
sofrimento e inflama o desejo.

Página anterior: Akashi Chûshichi,


“Episódio dos Contos de Ise” (1883)
164 poemas ri

みちのくの あさかのぬまの 花かつみ
sem título

かつ見る人に こひやわたらむ
as raras flores dos
juncos do pântano
crescem como meu amor
nas raras noites que
juntos passamos
677
Autoria desconhecida

michinoku no / asaka no numa no / hanagatsumi


katsu miru hito ni / koi ya wataran

sem título 夢にだに 見ゆとは見えじ あさなあさな


わがおもかげに はづる身なれば

nem em sonho
ouso me mostrar a ele
pois dia após dia
meu rosto matinal
me envergonha no espelho
681
伊勢
Dona Ise

yume ni dani / miyu to wa mieji / asa na asa na


waga omokage ni / hazuru mi nareba
poema 14 165

月夜よし 夜よしと人に 告げやらば 
来てふに似たり 待たずしもあらず

sem título

que linda lua! que linda noite!


se eu escrevesse para ele
dizendo: olha! que linda noite,
será que ele ia achar que é convite?
(e quem disse que não seria?)
692
Autoria desconhecida

tsuki yo yoshi / yo yoshi to hito ni / tsuge yaraba


ko chô ni nitari / matazu shi mo arazu

A praia de Suma
須磨の海人の 塩焼く煙 風をいたみ

sem título era conhecida


pelas suas
思はぬ方に たなびきにけり

salinas. Pelo
fumaça das algas método antigo,
que o pescador queima queimavam-
se as algas
na praia de Suma marinhas e de
o vento te leva suas cinzas se
extraía o sal. O
para bem longe poema compara
708 o amado que
Autoria desconhecida parece cada dia
mais distante
suma no ama no / shio yaku keburi / kaze wo itami à fumaça que
omowanu kata ni / tanabikinikeri se afasta das
salinas.
166 poemas ri

impedido de ver a amada, o poeta


estava passando na frente da
casa dela quando ouviu os gansos

思ひ出でて 恋しき時は 初雁の
なきてわたると 人はしらずや
selvagens

sinto saudades
e quero te ver
os gansos selvagens
atravessam o vasto céu
e você tudo ignora
735
大友黒主
Ôtomo no Kuronushi

omoi idete / koishiki toki wa / hatsu kari no


nakite wataru to / hito wa shirazu ya

A planta
do poema sem título 山がつの かきほにはへる あをつづら
人はくれども ことづてもなし

japonês
(aotsuzura) se assoma da cerca
é uma
trepadeira da morada da serra
nativa que verde, uma rama de hera
não existe no
Brasil. Ela mas quando ele passa
forma um não chama “ó de casa”
kakekotoba 742
com “mas 寵
quando ele Utsuku
passa” (a
planta se yamagatsu no / kakio ni haeru / aotsuzura
assoma, mas hito wa kuredomo / kotozute mo nashi
ele não).
poema 14 167

あふまでの かたみとてこそ とどめけめ 涙にうかぶ もくづなりけり

o poeta estava de namoricos com uma


dama cujos pais eram muito vigilantes,
o que os obrigava a se encontrarem
sempre em locais secretos. certa feita,
estavam os dois reunidos quando uma
criada veio às pressas avisar que os
pais da moça se aproximavam. a dama
saiu correndo, deixando para trás
a cauda de seu quimono. o galante
lhe enviou a peça de roupa por um
mensageiro, e junto ia este poema

até a próxima dizia o


tecido deixado para
trás de lembrança
a fita de pano agora boia
qual alga num mar de lágrimas
745
藤原興風
Fujiwara no Okikaze

au made no / katami tote koso / todomekeme


namida ni ukabu / mokuzu narikeri
livro 1 5
amores v
巻第十五 恋歌五

No quinto livro sobre o amor,


encontramos os poemas que se
referem ao fim do romance, à
ausência e às saudades.

Página anterior: Nakanoin Michikatsu,


“Episódio dos Contos de Ise”
(1608)
170 poemas r

o poeta teve um romance secreto


Ariwara no com uma dama que morava na ala
Narihira era oeste do palácio da quinta avenida

月やあらぬ 春や昔の 春ならぬ わが身ひとつは もとの身にして
o modelo leste. no entanto, por volta do dia
do perfeito dez do ano-novo, ela se mudou.
cavalheiro — ele conseguiu descobrir onde ela
galante, bonito, estava, mas não pôde vê-la, pois
nobre e grande era um lugar muito vigiado. na
poeta. Após primavera seguinte, quando as
sua morte, ameixeiras se puseram em flor,
vinculou-se a em uma noite de magnífico luar,
seu nome um o poeta foi até o palácio onde
aglomerado de antes vivera sua amada. olhou
mitos e histórias ao seu redor e tudo lhe pareceu
apócrifas, diferente. lançou-se ao chão e
muitas delas chorou, até que a lua começou a
criadas para dar se pôr por detrás das montanhas.
contexto aos então, ele compôs este poema
seus poemas —
como neste caso, nem a lua é aquela
em que o título
ultrapassa nem aquela
o número de a primavera
palavras do
poema em só meu corpo, eu apenas
si. Muitas sou aquele de antes
das histórias 747
associadas a 在原業平
Narihira estão Ariwara no Narihira
reunidas nos
Contos de Ise. tsuki ya aranu / haru ya mukashi no / haru naranu
wa ga mi hitotsu wa / moto no mi ni shite
poema 15 171

須磨の海人の 塩焼衣 筬をあらみ 

sem título
間遠にあれや 君が来まさぬ

como o pano ralo


das roupas esgarçadas
dos pescadores de Suma
tua presença escassa
o meu leito enluta
758
Autoria desconhecida

suma no ama no / shioyakigoromo / osa wo arami


madô ni are ya / kimi ga kimasanu
こめやとは 思ふ物から ひぐらしの 

sem título
なくゆふぐれは たちまたれつつ

será que ele vem?


inútil pergunta
vibra no crepúsculo
a voz das cigarras
e eu aqui esperando
772
Autoria desconhecida

kome ya to wa / omou mono kara / higurashi no


naku yûgure wa / tachimataretsutsu
172 poemas r

escrito em viagem, pensando no

冬がれの のべとわが身を 思ひせば 
amado, ao ver as fogueiras nos
campos

もえても春を またまし物を
desertos no inverno os campos
como meu corpo sem o teu
mas mesmo mortos os campos
ardem pela primavera
que tarda em mim
791
伊勢
Dona Ise

fuyugare no / nobe to waga mi wo / omoiseba


moete mo haru wo / matamashi mono wo

sem título 色見えで 移ろふものは 世の中の 


人の心の 花にぞありける

corações e corpos
neste mundo de dor
são como a flor
no vaso morre
e não se lhe vê na cor
797
小野小町
Ono no Komachi

iro miede / utsurou mono wa / yo no naka no


hito no kokoro no / hana ni zo arikeru
poema 15 173

composto a pedido do imperador,


para decorar um biombo, no
忘れ草 なにをか種と 思ひしは 

período kanpyô
つれなき人の 心なりけり

flor do esquecimento
onde terá brotado
a tua semente? A “flor do
decerto no coração esquecimento”
(wasuregusa)
de quem mal me quer é o lírio-de-um-
802
dia. Essa flor
素性法師
é associada ao
Monge Sosei verão ou ao mal
de amor.
wasuregusa / nani wo ka tane to / omoishi wa
tsurenaki hito no / kokoro narikeri
はつかりの なきこそわたれ 世中の 

sem título

o ganso selvagem
人の心の 秋しうければ

enche com seu lamento


o céu do entardecer
anoitece o meu coração
no outono de tanto amar Otto Wilhelm
804 Thomé, “Lírio-
紀貫之 de-um-dia”
Ki no Tsurayuki (1885).

hatsukari no / naki koso watare / yo no naka no


hito no kokoro no / aki shi ukereba
livro 1 6
l amentos
巻第十六 哀傷歌

Este livro inclui elegias fúnebres,


poemas em homenagem aos
mortos, poemas compostos antes de
morrer, e outras formas de lamento.

Página anterior: Nakanoin Michikatsu,


“Episódio dos Contos de Ise”
(1608)
176 poemasri

ao perder o seu amor

なく涙 雨とふらなむ わたり河
水まさりなば かへりくるがに
as lágrimas que choro
sejam chuva
transbordem caudalosas
o Rio dos Mortos
e a tragam de volta
829
小野篁
Ono no Takamura

naku namida / ame to furanan / watarigawa


mizu masarinaba / kaeri kuru ga ni

composto por ocasião da cerimônia


照る日の暮れし 今日にやはあらぬ
de luto pelo imperador fukakusa
草深き 霞の谷に 影隠し

sobe a neblina
no vale de relva alta
cobre tudo de sombras
esconde o poente
que dia mais triste
846
文屋康秀
Fun’ya no Yasuhide

kusa fukaki / kasumi no tani ni / kage kakushi


teru hi no kureshi / kyô ni ya wa aranu
poema 16 177

亡き人の 宿に通はば ほととぎす 

sem título
かけて音にのみ 泣くと告げなむ

cuco, se tu fores
aonde está meu amado
no Reino dos Mortos
diz a ele que como tu
passo a vida a lamentar
855
Autoria desconhecida

nakibito no / yado ni kayowaba / hototogisu


kakete ne ni nomi / naku to tsugenamu
つひにゆく みちとはかねて ききしかど

o poeta estava doente


きのふけふとは おもはざりしを

eu sei muito bem


que há um caminho
que todos devem trilhar
só não pensava que minha jornada
começaria entre ontem e hoje
861
在原業平
Ariwara no Narihira

tsui ni yuku / michi to wa kanete / kikishikado


kinô kyô to wa / omowazarishi wo
livro 1 7
miscel ânea i
巻第十七 雑歌上

Os livros ditos “de miscelânea”


incluem os poemas que não se
encaixavam nas categorias “quatro
estações” ou “amor”. No entanto, muitos
deles poderiam perfeitamente estar em
outros livros da antologia. É possível
que muitos desses poemas estejam
aqui porque os compiladores não
conseguiram decidir qual era o “tópico
dominante” associado a cada um.

Página anterior: Katsushika Hokusai,


“A cachoeira de Yôrô, na província de Mino” (1834)
180 poemasriav o

em resposta ao escárnio de

かたちこそ 深山がくれの 朽木なれ
algumas damas

心は花に なさばなりなむ
o corpo é feio
como os troncos podres
nos bosques absconsos
mas o coração
dá flores a quem quiser
875
兼芸法師
Monge Kengei

katachi koso / miyamagakure no / kuchiki nare


kokoro wa hana ni / nasaba nari nan

sem título 大かたは 月をもめでじ これぞこの


つもれば人の 老いとなるもの

não há quem não admire


a lua no meio do céu
mas eu penso triste
que as suas fases numeram
os nossos dias minguantes
879
在原業平
Ariwara no Narihira

ôkata wa / tsuki wo mo medeji / kore zo kono


tsumoreba hito no / oi to naru mono
poema 17 181

o poeta estava doente


鏡山 いざ立ちよりて 見てゆかむ
年へぬる身は 老いやしぬると

vamos lá em caminhada
até o Morro do Espelho
para dar uma espiada
e averiguar se este corpo
está mesmo assim tão velho
899
大友黒主
Ôtomo no Kuronushi

kagamiyama / iza tachiyorite / mite yukan


toshi henuru mi wa / oi ya shinuru to

o imperador tamura ficou


maravilhado com a beleza de uma
paisagem de cachoeira que viu em
um biombo e ordenou que todos
思ひせく 心のうちの 滝なれや

compusessem poemas inspirados


落つとは見れど 音のきこえぬ

na pintura. eis o que escreveu uma


de suas damas de honra

seriam tais cataratas


meras torrentes de ilusão
de um coração que sofre?
eu olho e vejo uma queda
mas não há o som da água
930
三条の町
Sanjô no Machi

omoiseku / kokoro no uchi no / taki nare ya


otsu to wa miredo / oto no kikoenu
livro 1 8
miscel ânea ii
巻第十八 雑歌下

O segundo livro da categoria


“miscelânea” apresenta um grande
número de poemas relacionados ao
conceito de mujô, ou “impermanência”.
Esse princípio do budismo revela uma
visão pessimista da vida e do mundo:
tudo é temporário e está fadado a
desaparecer — a beleza, a riqueza, a
juventude, a glória, etc.

Página anterior: Ohara Koson,


“Batuíras e lua minguante” (início do séc. XX)
184 poemasriav oo

世中は なにかつねなる あすかがは
sem título

きのふのふちぞ けふはせになる
há algo neste mundo
que seja para sempre?
amanhã é um rio
ontem, águas fundas
hoje, baixios
933
Autoria desconhecida

yo no naka wa / nani ka tsune naru / asukagawa


kinô no fuchi zo / kyô wa se ni naru

fun’ya no yasuhide convidou


わびぬれば 身をうき草の 根をたえて
a poeta a ir com ele para a
província de mikawa, onde ele ia
誘ふ水あらば いなむとぞ思ふ

assumir o cargo de governador

meu corpo triste e só


é qual planta aquática
sem raízes nem rumo
se o teu rio me chamar
não resisto e pulo
938
小野小町
Ono no Komachi

wabinureba / mi wo ukikusa no / ne wo taete


sasou mizu araba / inan to zo omou
poema 18 185

nos tempos do imperador tamura,


o poeta se encontrava em suma,
わくらばに 問ふ人あらば 須磨の浦に

na província de tsu, afastado O “quimono


da corte devido a desavenças encharcado” é
藻塩たれつつ わぶとこたへよ

políticas, quando enviou esta uma referência


mensagem a alguém da capital tanto ao mar
quanto ao sal
se perguntarem por mim das lágrimas. É
uma metáfora
responde que sumi fixa para a
fui para a praia de Suma agonia do amor
ou ainda para
encharcar meu quimono a tristeza das
de água das algas coisas deste
962 mundo. Sobre as
在原行平 algas de Suma,
Ariwara no Yukihira vide o poema
708.
wakuraba ni / tou hito araba / suma no ura ni
moshiotaretsutsu / wabu to kotaeyo
わが庵は 都のたつみ しかぞ住む 

sem título
世をうぢ山と 人はいふなり

casinha de palha
no sudeste da capital
as pessoas chamam
o lugar onde moro
de Morro do Casmurro
983
喜撰法師
Monge Kisen

wasuraren / toki shinobe to zo / hama chidori


yukue mo shiranu / ato wo todomuru
livro 1 9
outras formas
巻第十九 雑躰歌

Este livro inclui poemas que não são


classificados como tanka (waka; vide
Introdução). O exemplo traduzido é
um chôka (“poema longo”). Esse gênero
poético não tem tamanho fixo e observa
uma alternância de versos de cinco e de
sete sílabas.

Página anterior: Kôno Bairei,


“Gardênia” (fim do séc. XIX)
188 poemas rpmias

QUANDO TSURAYUKI APRESENTOU AO


IMPERADOR ESTA ANTOLOGIA POÉTICA,
ACOMPANHAVA OS LIVROS ESTE CHÔKA,
LISTANDO OS MOTIVOS, AS ALEGRIAS E
AS TRISTEZAS DE SE ESCREVER POESIA

もたえず
よりくれ竹の世世に
ちはやぶる神のみよ
INTRODUÇÃO
chihayaburu desde a idade dos deuses
kami no miyo yori desde a era de sua fúria
kuretake no ao longo de mais gerações
yoyo ni mo taezu do que há nos bambus nós

みだれて
山のはるがすみ思ひ
あまびこのおとはの
PRIMAVERA
amabiko no cantamos com poemas
otowa no yama no se a bruma de primavera
harugasumi envolve os montes
omoimidarete e sentimos que a vida é bela
くごとにたれもねざめて
さよふけて山ほととぎすな
さみだれのそらもとどろに

VERÃO
samidare no quando chove no verão
sora mo todoro ni e ruge no céu o trovão
sayo fukete quando no meio da noite
yama hototogisu escutamos o canto
naku goto ni dos cucos da montanha
tare mo nezamete e acordamos
poema 19 189

見てのみしのぶ
の山のもみぢばを
からにしきたつた
OUTONO
e quando vemos kara nishiki
maravilhados as cores tatsuta no yama no
do brocado de folhas momijiba wo
tingidas do monte Tatsuta mite nomi shinobu

INVERNO
ゆきの猶きえかへり
の夜の庭もはだれにふる
神な月しぐれしぐれて冬

quando no inverno kannazuki


chove a chuva gelada shigure shigurete
e à noite a neve cai fuyu no yo no
aqui, ali niwa mo hadare ni
cobrindo o jardim furu yuki no
gelando os corações nao kiekaeri
をのみちよにといはふ
れてふことをいひつつきみ
年ごとに時につけつつあは

COMEMORAÇÕES
quando todos os anos toshi goto ni
renova-se o ciclo do tempo toki ni tsuketsutsu
se pedem os sentimentos aware chô
cantamos o que sentimos koto wo iitsutsu
e pedimos mil anos de vida kimi wo nomi
e glória ao imperador chiyo ni to iwau
る思ひも
がのふじのねのもゆ
世の人のおもひする

AMORES
se a gente deste mundo yo no hito no
sofre de paixão omoi suruga no
quando queima a emoção fuji no ne no
como arde a lava do Fuji moyuru omoi mo
190 poemas rpmias

みだ
わかるるな
あかずして
ADEUSES
akazu shite quando choramos
wakaruru namida em despedidas doídas


くさのことのはごと
藤衣おれる心もやち
LAMENTOS
fujigoromo quando o luto
oreru kokoro mo nos parte o coração
yachi kusa no se este mundo
koto no ha goto ni nos enche de dor

たまの
とすれどたまのをのみじかき心思ひあへず猶あら
といせの海のうらのしほがひひろひあつめとれり
すべらぎのおほせかしこみまきまきの中につくす
DEDICATÓRIA
suberagi no eu recebi do divino
ôse kashikomi imperador a tarefa
maki maki no de juntar rolo por rolo
naka ni tsukusu to estas folhas de relva
ise no umi no como na costa de Ise
ura no shiogai juntam conchas
hiroiatsume os pescadores na praia
toreri to suredo juntei os poemas
tama no o no como contas preciosas
mijikaki kokoro mas sendo eu sem talento
omoiaezu e de pouca inteligência
nao aratama no não ficou como devia
poema 19 191

らむ
さおふるいたまあらみふる春さめのもりやしぬ
つかふとてかへりみもせぬわがやどのしのぶぐ
年をへて大宮にのみひさかたのひるよるわかず
QUEIXA
os anos passam toshi wo hete
e eu não deixo o palácio ômiya ni nomi
a serviço do meu senhor hisakata no
sem saber se é dia ou noite hiru yoru wakazu
sem nunca abandonar tsukaru tote
a lida nem sentir kaerimi mo senu
saudades de casa waga yado no
a erva daninha cresce shinobugusa ouru
nas fendas do telhado itama arami
e as goteiras inundam furu harusame no
meu quarto frio e vazio mori ya shi nuramu
1002
紀貫之
Ki no Tsurayuki
192 poemas rpmias

SEDÔKA

そのそこに しろくさけるは なにの花ぞも
うちわたす をち方人に 物まうすわれ
sem título

ei você
aí do outro lado
quero te perguntar
que flor é essa
A resposta
que desabrocha tão branca
da pergunta nos campos de lá?
é “a flor da 1007
ameixeira”. Autoria desconhecida
No entanto,
especula-se que uchiwatasu / ochikatabito ni / mono môsu ware
esta dupla de sono soko ni / shiroku sakeru wa / nani no hana zo mo
poemas se refira
a algum ritual まひなしに ただなのるべき 花のななれや
epitalâmico, resposta à anterior 春されば のべにまづさく 見れどあかぬ花
a flor sendo
um símbolo do
feminino.
esta flor
é a primeira a abrir
na primavera de cá
respeite a beleza da flor
não fique em vão indagando
só por perguntar
1008
Autoria desconhecida

haru sareba / nobe ni mazu saku / miredo akanu hana


mainashi ni / tada nanoru beki / hana no na nare ya
poema 19 193

HAIKAI

sem título
人く人くと いとひしもをる
梅花 見にこそきつれ 鶯の

eu vim só para ver


as ameixeiras em flor
mas o rouxinol O grito do
rouxinol, hitoku
não quer saber hitoku, significa
e grita: “lá vem gente” “lá vem gente”.
1011
Autoria desconhecida

ume no hana / mi ni koso kitsure / ugúisu no


hitoku hitoku to / itoi shi mo oru

sem título
とへどこたへず くちなしにして

perguntei de quem era


山吹の 花色衣 ぬしやたれ

o quimono de rosas amarelas


ninguém respondeu
a gardênia é muda O nome japonês
da gardênia,
não tem boca kuchinashi,
1012 significa “sem
素性法師 boca”.
Monge Sosei

yamabuki no / hanairogoromo / nushi ya tare


toedo kotaezu / kuchinashi ni shite
livro 20
poemas do
departamento
imperial de poesia
巻第 二 十   大 歌 所 御 歌

O Departamento Imperial de
Poesia era responsável por preservar
os textos dos rituais da corte e de
outras cerimônias religiosas. No final
deste livro, há um adendo de poemas
que o importante poeta Fujiwara no
Teika (séc. XIII) preservou de cópias
manuscritas mais antigas. Dessa
sequência, traduzi o poema 1110, da
princesa Sotôri, personagem de uma
fase muito anterior da história do Japão
(séc. V).

Página anterior: Katsukawa Shunshô,


“Episódio dos Contos de Ise” (séc. XVIII)
196 poemas ro repaivameãvo umpeiuat re p oesua

O deus Naobi

あたらしき 年の始に かくしこそ
poema para o deus naobi

ちとせをかねて たのしきをつめ
tinha o poder de
transformar o
azar em sorte. que por mais mil anos
O Kojiki relata
que nasceu de se prolonguem as alegrias
um ritual de como a lenha da fogueira
purificação
de Izanagi. que juntos empilhamos
Durante a festa no novo Ano-Novo
do deus Naobi, 1069
o imperador Autoria desconhecida
oferecia um
banquete e se atarashiki / toshi no hajime ni / kakushi koso
acendia uma chitose wo kanete / tanoshiki wo tsume
grande fogueira.

しもやたび おけどかれせぬ さかきばの
Em português,
o sakaki canção para um ritual xintoísta
たちさかゆべき 神のきねかも
se chama
“japoneira
templária”, qual as folhas do sakaki
devido ao que estão sempre vivas
fato de ser
uma árvore mesmo debaixo da neve
frequentemente as sacerdotisas do culto
encontrada
no pátio de permanecem sempre jovens
santuários. 1075
A religião Autoria desconhecida
xintoísta
dá especial shimo ya tabi / okedo karesenu / sakakiba no
importância às tachisayaku beki / kami no kine ka mo
plantas perenes.
poema 20 197
ちはやぶる かものやしろの ひめこまつ

poema para o festival de inverno do


santuário de kamo
よろづ世ふとも いろはかはらじ

O Festival de
Inverno de Kamo
jovem pinheiro era realizado
do santuário de Kamo anualmente,
mas não tinha
os deuses e sua fúria data fixa. Os
preservem o teu verde pinheiros, que
permanecem
por mais dez mil anos verdes mesmo
1100 no inverno, são
藤原敏行 um símbolo de
Fujiwara no Toshiyuki longevidade e
constância.
chihayaburu / kamo no yashiro no / hime komatsu
yorozu yo fu tomo / iro wa kawaraji

mensagem de uma consorte


わがせこが 来べきよひなり ささがにの

para o imperador
くものふるまひ かねてしるしも

aventurada esta noite A princesa Sotôri


era consorte do
em que tu vens me ver imperador Ingyô
vejo nas patas da aranha (séc. V). Quando
a aranha tece
que já bailam e tecem sua teia no
o teu presságio quimono de uma
1110 mulher, isso
衣通姫 significa que ela
Princesa Sotôri vai receber uma
visita galante.
waga seko ga / kobeki yoi nari / sasagami no
kumo no furumai / kanete shirushi mo
198 poemas ro iapvo aãutno

referências
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personal. Madri: Alianza, cem poetas: a mais querida
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402.
índice
onomástico-
biográfico
Ariwara no Motokata ♂

A (séculos IX–X).Filho do
governador da província
de Chikuzen. Poemas 1, 103,
339, 630 (4).
Abe no Nakamaro ♂ (698?
– 770?). Foi enviado Ariwara no Narihira ♂
muito jovem à China, (825–880). Neto do
como membro de uma imperador Heizei (o
embaixada do Japão, Mikado de Nara) por parte
para que realizasse seus de pai e do imperador
estudos. Mais velho, Kanmu por parte de mãe.
tentou voltar à terra natal, Recebeu o sobrenome
mas seu navio naufragou e Ariwara para ser excluído
ele retornou à China, onde da linha de sucessão
morreu septuagenário. imperial. Inspirou o
Mencionado no “Prefácio”. personagem Hikaru Genji
Poema 406 (1). de O Romance do Genji,
de Murasaki Shikibu (séc.
Akahito. V. Yamabe no XI). Sua figura, em parte
Akahito. baseada em fatos reais,
Amaneiko. V. Harusumi no em parte em mito e lenda,
Amaneiko. é associada à excelência
em poesia, à grande
204 poemas ro iapvo aãutno

beleza física e à fama de esquecido; outros foram


conquistador. Narihira é o compostos por poetas de
herói dos Contos de Ise, e classes sociais inferiores;
muitos dos poemas dessa alguns são de nobres que
narrativa são atribuídos caíram em desgraça devido
a ele. É um dos “6 Gênios a intrigas palacianas e
Poéticos” e também um tiveram seu nome apagado
dos “36 Gênios Poéticos”. dos registros; e muitos são
Mencionado no “Prefácio”. de mulheres que temiam
Poemas 133, 294, 616, 644, 646, por sua reputação se
747, 861, 879 (7). associadas ao conteúdo
de seus poemas. O nome
Ariwara no Shigeharu ♂
de uma mulher não se
(? – 905?). Segundo filho
revelava em público; por
de Ariwara no Narihira.
isso, temos muitos poemas
Poema 424 (1).
que são designados como
Ariwara no Yukihira ♂ (818– sendo de “uma dama”,
893). Irmão mais velho de “uma mulher” ou da “mãe
Ariwara no Narihira. A de Fulano”. Poemas 5, 7, 34,
peça de nô Matsukaze (“O 73, 122, 123, 135, 139, 171, 172,
vento que espera” ou “O 173, 174, 175, 176, 184, 198,
vento nos pinheiros”), de 205, 216, 217, 259, 286, 287,
Kan’ami e Zeami, conta a 289, 314, 317, 343, 409, 443,
história dos fantasmas de 469, 492, 496, 506, 511, 512,
duas irmãs que esperam 516, 520, 521, 522, 540, 582,
pela eternidade a volta de 637, 677, 692, 708, 758, 772,
Yukihira. Poemas 23, 962 (2). 855, 933, 1007, 1008, 1011,
Autoria desconhecida ♀ ♂. 1069, 1075 (53).
Mais de 40% dos poemas

C
incluídos na antologia não
tem autoria especificada.
Isso se deve a vários
motivos. Alguns são de
poetas muito antigos Chisato. V. Ôe no Chisato.
que tiveram seu nome
poemas rorivãumar-tmrncvçmar
2 05

D Fujiwara no Toshiyuki ♂
(?– c. 901). Era poeta e
calígrafo. É um dos “36
Gênios Poéticos”. Poemas
Dona Ise ♀ (c. 875 – c. 938). 169, 269, 578, 1100 (4).
Possui um total de 170
poemas em antologias Fujiwara no Yoruka ♀ (fim
imperiais. Está entre os “36 do séc. IX). Dama da corte.
Gênios Poéticos”. Poemas Poema 80 (1).
43, 138, 676, 681, 791 (5). Fun’ya no Yasuhide ♂
Dona Nijô ♀ (842–910). (século IX). Era Segundo
Consorte do imperador Diretor do Guarda-
Seiwa e mãe do imperador Roupa Imperial. Um
Yôzei. Teve um caso com dos “6 Gênios Poéticos”.
o monge Zen’yû e foi Mencionado no “Prefácio”.
afastada da corte. Seu Poemas 8, 249, 250, 849 (4).
título foi restabelecido
postumamente. Poema 4
(1).

H
F Harusumi no Amaneiko
♀ (séc. IX). Serviu como
Fujiwara no Okikaze ♂ dama de honra no palácio
(séculos IX–X). É um imperial. Poema 107 (1).
dos “36 Gênios Poéticos”.
Heizei, Heizei Tennô. V.
Poemas 102, 301, 745 (3).
Mikado de Nara.
Fujiwara no Tadafusa ♂
Henjô. V. Monge Henjô.
(? –928). Célebre por seu
talento como flautista. Hitomaro. V. Kakinomoto
Poema 196 (1). no Hitomaro.
206 poemas ro iapvo aãutno

I Ki no Tomonori ♂ (? – c.
905). Um dos compiladores
do Kokin’wakashû. Primo
Imperador Heizei. V. de Ki no Tsurayuki. Possui
Mikado de Nara. 67 poemas em antologias
Imperador Monmu. V. imperiais. Mencionado no
Mikado de Nara. “Prefácio”. Poemas 13, 38, 84,
177, 178, 562, 615 (7).
Ise. V. Dona Ise.
Ki no Tsurayuki ♂
(868–945). Foi um dos

K compiladores da antologia
Kokin’wakashû e autor
do importantíssimo
“Prefácio em hiragana”.
Kakinomoto no Hitomaro
Foi diretor da Biblioteca
♂ (c. 660 – c. 720).
Imperial. É um dos “36
Juntamente com Yamabe
Gênios Poéticos” e uma das
no Akahito, é considerado
mais importantes figuras
um dos “2 Deuses da
literárias da história do
Poesia”. Também faz parte
Japão. Autor do “Prefácio”.
do grupo dos “36 Gênios
Poemas 42, 79, 89, 117, 160,
Poéticos”. É um dos poetas
170, 262, 342, 352, 404, 804,
mais importantes da era
1002 (12).
do Man’yôshû. Escrevia
tanto tanka como chôka. Kisen, Kisen Hôshi. V.
Mencionado no “Prefácio”. Monge Kisen.
Poema 324 (1).
Kiyohara no Fukayabu ♂
Kanemi-no-ôkimi. V. (séculos IX–X). Bisavô de
Príncipe Kanemi. Sei Shônagon, a autora de
O Livro de Travesseiro.
Kanemori. V. Taira no
Possui 41 poemas em
Kanemori.
antologias imperiais.
Kengei, Kengei Hôshi. V. Poema 581 (1).
Monge Kengei.
poemas rorivãumar-tmrncvçmar
2 07

Komachi. V. Ono no imperador Saga (786–842).


Komachi. Aposentado, foi viver na
Kuronushi. V. Ôtomo no antiga capital, motivo
Kuronushi. por que o chamavam de
“Mikado de Nara”. No
“Prefácio em hiragana”,

M Ki no Tsurayuki pode ter


feito deliberadamente
uma confusão entre as
duas figuras históricas,
Mãe de Ono no Chifuru ♀
para criar uma impressão
(séc. IX). Filha de Ono
de maior profundidade
no Michikaze, um dos
cronológica. Mencionado
três mais importantes
no “Prefácio”. Poemas 90, 283
calígrafos da Antiguidade.
(2).
Poema 368 (1).
Mikuni no Machi ♀ (séc. IX).
Mibu no Tadamine ♂ (século
Consorte do imperador
X). Um dos “36 Gênios
Ninmyô. Poema 152 (1).
Poéticos” e um dos quatro
editores do Kokin’wakashû. Minamoto no Muneyuki ♂ (?
Teve importante atuação – 939). Neto do imperador
como poeta e também Kôkô. Possui 15 poemas em
como crítico. Mencionado antologias imperiais e uma
no “Prefácio”. Poemas 11, 183, coletânea individual. É um
327, 478 (4). dos “36 Gênios Poéticos”.
Poemas 182, 315 (2).
Michizane. V. Sugawara no
Michizane. Mitsune. V. Ôshikôchi no
Mitsune.
Mikado de Nara ♂. O
Mikado de Nara pode tanto Monge Henjô ♂ (816–890).
ser o imperador Monmu Foi capitão da guarda
(683–707) quanto Heizei do imperador Ninmyô
(774–824). O imperador e, quando este faleceu,
Heizei abdicou em 809 tornou-se monge. É um
em favor de seu irmão, o dos mais importantes
208 poemas ro iapvo aãutno

poetas do século IX e
possui uma antologia
individual. É um dos “36
N
Gênios Poéticos”. Poemas Nakamaro. V. Abe no
27, 165, 226, 394 (4). Nakamaro.
Nara no Mikado. V. Mikado
Monge Kengei ♂ (fim do séc.
de Nara.
IX). Um monge da região
Narihira. V. Ariwara no
de Shirogami, na província
Narihira.
de Yamato. Poema 875 (1).
Nijô. V. Dona Nijô.
Monge Kisen ♂ (século

O
IX). Um dos “6 Gênios
Poéticos”. Não se sabe
quase nada de sua
biografia. Mencionado no Ôe no Chisato ♂ (séculos IX–
“Prefácio”. Poema 983 (1). X). Sobrinho de Ariwara no
Yukihira e de Ariwara no
Monge Sosei ♂ (séculos IX– Narihira. Poema 271 (1).
X). Filho de Henjô. Poeta
Okikaze. V. Fujiwara no
e calígrafo. É um dos “36 Okikaze.
Gênios Poéticos”. Poemas 6,
Ono no Chifuru ga Haha. V.
56, 181, 357, 802, 1012 (6). Mãe de Ono no Chifuru.
Monmu, Monmu Tennô. V. Ono no Komachi ♀
Mikado de Nara. (primeira metade do
século IX). Uma das mais
Motokata. V. Ariwara no importantes poetas da
Motokata. Antiguidade. Seu estilo
é único no contexto do
Muneyuki. V. Minamoto no Kokin’wakashû. Era capaz
Muneyuki. de expressar extrema
poemas rorivãumar-tmrncvçmar
2 09

paixão ou sofrimento por


meio de um número muito
P
reduzido de palavras e
recursos. Teve profunda Princesa Shitateru ♀. Figura
influência sobre toda a mitológica. Personagem
subsequente literatura do Kojiki. Teria composto
de autoria feminina. Ono o primeiro poema japonês
no Komachi pertence no mundo celestial.
ao grupo dos “6 Gênios Mencionada no “Prefácio”.
Poéticos”. Mencionada no
Princesa Sotôri ♀ (séc. V).
“Prefácio”. Poemas 113, 552,
Consorte do imperador
658, 797, 938 (5).
Ingyô. Seu estilo poético
Ono no Takamura ♂ (802– é considerado como
852). Escrevia tanto em precursor do erotismo
chinês como em japonês, de Ono no Komachi.
mas suas coletâneas Mencionada no “Prefácio”.
individuais foram Poema 1110 (1).
perdidas. Poema 829 (1).
Príncipe Kanemi ♂ (? – 932).
Ôshikôchi no Mitsune Ocupou diversos cargos na
♂ (? – c. 925). Foi um corte. Poema 298 (1)
dos compiladores do
Kokin’wakashû. É um
dos “36 Gênios Poéticos”.
Mencionado no “Prefácio”.
Poemas 104, 120, 134, 167, 168,
S
179, 180, 213, 277, 329, 584, Sacerdotisa de Ise ♀ (séc.
611 (12). IX). Em Contos de Ise,
Ôtomo no Kuronushi ♂ é personagem de uma
(830? – 923?). Um dos das aventuras galantes
“6 Gênios Poéticos”. de Narihira. A Suma
Mencionado no “Prefácio”. Sacerdotisa do Santuário
Poemas 735, 899 (2). de Ise era escolhida
dentre um seleto grupo
210 poemas ro iapvo aãutno

de donzelas da mais alta Sugawara no Michizane


aristocracia. As inúmeras ♂ (845–903). Educador,
histórias românticas da estadista, poeta e calígrafo.
Antiguidade e da Idade É venerado como o deus
Média envolvendo essas Tenjin, protetor dos
figuras religiosas levam estudantes e dos poetas. A
a crer que se tratava de sua iconografia inclui a flor
um cargo de considerável da ameixeira. Poema 272 (1).
autonomia e poder. Poema
Susanoo, Susanoo-
645 (1).
no-mikoto ♂. Figura
Sadafun. V. Taira no mitológica. Irmão de
Sadafun. Amaterasu. Personagem
Sanjô no Machi ♀ (séc. IX). do Kojiki. Teria composto
Avó do príncipe Kanemi. o primeiro poema japonês
Consorte do imperador no mundo dos humanos.
Montoku. Poema 930 (1). Mencionado no “Prefácio”.

Shigeharu. V. Ariwara no
Shigeharu.
Shitateru-hime-no-mikoto.
T
V. Princesa Shitateru.
Tadafusa. V. Fujiwara no
Sôjô Henjô. V. Monge Henjô. Tadafusa.
Sosei, Sosei Hôshi. V. Tadamine. V. Mibu no
Monge Sosei. Tadamine.
Sotôri-hime. V. Princesa Taira no Kanemori ♂ (? –
Sotôri. 990). Possui 87 poemas em
Sugano no Takayo ♂ (início antologias imperiais e uma
do séc. IX). Pouco se sabe coletânea individual. É um
de sua biografia. Poema 81 dos “36 Gênios Poéticos”.
(1). Mencionado no “Prefácio”.
poemas rorivãumar-tmrncvçmar2 11

W
Taira no Sadafun ♂ (871?
– 931). Secretário do
governador da província
de Mikasa. Poemas 238, 279
(2). Wani ♂ (séc. IV?). Autor
da “Canção de Naniwa”.
Takamura. V. Ono no
Sábio coreano que trouxe
Takamura.
a primeira cópia dos
Takayo. V. Sugano no Analectos de Confúcio
Takayo. para o Japão. Mencionado no
Tomonori. V. Ki no “Prefácio”.
Tomonori.
Toshiyuki. V. Fujiwara no
Toshiyuki. Y
Tsurayuki. V. Ki no
Tsurayuki. Yamabe no Akahito ♂
(século VIII). Atuou como
poeta na corte durante a

U era Nara. É considerado,


juntamente com seu
contemporâneo Hitomaro,
Uma dama da corte ♀ (séc. como um dos “2 Deuses da
IV?). Autora da “Canção do Poesia”. Também faz parte
Monte Asaka”. Mencionada do grupo dos “36 Gênios
no “Prefácio”. Poéticos”. É um dos poetas
mais importantes da era
Uma mulher ♀. (? – ?) Poeta. do Man’yôshû. Possui 46
Poema 375 (1). poemas em antologias
Uma mulher ♀. (? – ?) Poeta. imperiais. Mencionado no
Poema 412 (1). “Prefácio”.
Utsuku ♀. (? – ?) Poeta. Yasuhide. V. Fun’ya no
Poema 742 (1). Yasuhide.
212 poemas ro iapvo aãutno

Yoruka. V. Fujiwara no
Yoruka.
Yukihira. V. Ariwara no
Yukihira.
sobre
o tradutor
Andrei Cunha nasceu em 1973 em Pelotas (RS),
filho de um casal de professores de literatura.
Morou sete anos em Tóquio, onde desenvolveu
uma obsessão crônica pelo grupo musical Pizzicato
Five e fez graduação em Direito e mestrado em
Relações Internacionais na Universidade de
Hitotsubashi. De volta ao Brasil, defendeu tese de
Doutorado em Literatura Comparada na UFRGS
sobre a obra de Sei Shônagon. Tem traduções
publicadas de Ogawa Yôko, Nagai Kafû, Inoue
Yasushi, Tawada Yôko e Tanizaki Jun’ichirô e atua
como professor de Língua, Cultura e Literatura
Japonesa na UFRGS desde 2010. Em 2019, lançou
uma edição comentada de Cem poemas de cem
poetas (Ogura hyakunin isshu) pela Bestiário/Class.
Vive em Porto Alegre com o marido Marcelo, com
quem tem três gatos: Cecília (como a Meireles),
Bette Davis e Sugawara no Michizane.
poemas do Japão antigo
seleções do Kokin’wakashû

古今和歌集抄

EX ORIENTE LUX
Acabou-se de compor
em Alegreya e EPSON 行書体

Porto Alegre, 30 de junho de 2020.

Copyright © 2020 Andrei Cunha

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