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poemas

POEMAS
do J A PÃ O
do
ANTIGO
seleções do
Kokin’wakashû

古今和歌集抄
Kajita Hanko,
“Episódio de O Romance do Genji”
(1905)
Andrei Cunha
ensaio, tradução e notas

poemas
POEMAS
do J A PÃ O
do
ANTIGO
seleções do
Kokin’wakashû
古今和歌集抄

2020
Seleção, tradução, introdução, notas e outros paratextos:
Copyright © 2020 Andrei dos Santos Cunha

Título em japonês: 古今和歌集 (Kokin’wakashû)

Editor: Roberto Schmitt-Prym

Revisão: Beatriz dos Santos Cunha

Digitação dos poemas em japonês:


Greice Luize Schaefer da Silva,
Gabrielle Miguelez da Silva e Bruno Costa Zitto

Projeto gráfico: Andrei dos Santos Cunha e Roberto Schmitt-Prym

Capa: Andrei dos Santos Cunha

Ilustração da capa: Ogino Issui, “Caderno de esboços” (1903)

Todos os poemas japoneses e todas as ilustrações se encontram em


domínio público.

Como citar este livro (ABNT):


CUNHA, Andrei. Poemas do Japão antigo: seleções do Kokin’wakashû.
Porto Alegre: Bestiário/Class, 2020.

Todos os direitos desta edição reservados.

Rua Marquês do Pombal, 788/204


90540-000, Porto Alegre, RS
Fones: (51) 3779.5784 - 99491.3223
www.bestiario.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD


Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410
C972p Cunha, Andrei
Poemas do Japão antigo / Andrei Cunha. -
Porto Alegre, RS : Class, 2020.
214 p. : il. ; 14cm x 21cm.
ISBN: 978-65-991129-3-5
1. Literatura japonesa. 2. Poesia. I. Título.

CDD 895.6
2020-137 CDU 821.521
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura japonesa 895.6
2. Literatura japonesa 821.521
SUMÁRIO

1 PRIMAVERA I 67
2 PRIMAVERA II 77
3 VERÃO 89
4 OUTONO I 95
5 OUTONO II 111
6 INVERNO 121
7 COMEMORAÇÕES 127
8 ADEUSES 131
INTRODUÇÃO 12
9 VIAGENS 135
PREFÁCIO EM HIRAGANA 10 NOMES DE COISAS 139
DE KI NO TSURAYUKI 46 11 AMORES I 143
SELEÇÕES 12 AMORES II 151
DO KOKIN’WAKASHÛ 13 AMORES III 157
65 14 AMORES IV 163
REFERÊNCIAS 198 15 AMORES V 169
16 LAMENTOS 175
ÍNDICE ONOMÁSTICO-
BIOGRÁFICO 203 17 MISCELÂNEA I 179
18 MISCELÂNEA II 183
19 OUTRAS FORMAS 187
20 POEMAS DO
DEPARTAMENTO
IMPERIAL DE POESIA 195
Este livro é dedicado a todas as pessoas que de
alguma forma fazem parte da história do curso
Bacharelado Tradutor Japonês-Português
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
poemas
POEMAS
do J A PÃ O
do
ANTIGO
seleções do
Kokin’wakashû

古今和歌集抄
見るもの聞くものにつけて言ひ出せるなり。
ことわざしげきものなれば、心に思ふことを、
の言の葉とぞなれりける。世の中にある人、
 やまとうたは、人の心を種として、よろづ

Ki no Tsurayuki,
“Prefácio
em hiragana”
(séc. X)

La Nature est un temple où de vivants piliers


Laissent parfois sortir de confuses paroles;
L'homme y passe à travers des forêts de symboles
Qui l'observent avec des regards familiers.

Charles Baudelaire,
“Correspondances” (1857)

Página anterior: Hishikawa Moronobu,


“Episódio dos Contos de Ise” (1679)
INTRODUÇÃO

O presente volume contém uma seleção de 165


exemplos do universo de 1.111 poemas que compõem o
Kokin’wakashû (“Coleção de poemas antigos e contem-
porâneos”), a primeira antologia poética japonesa rea-
lizada por ordem imperial. No Japão, o Kokin’wakashû
foi o texto central por um milênio, tendo sido publicado
ainda na Antiguidade (início do século X) i e exercido sua
autoridade canônica ao longo de toda a Idade Média (sé-
culos XII a XVII), do xogunato Tokugawa (séculos XVII
a XIX) e da Restauração Meiji (segunda metade do sé-
culo XIX). Sua primazia só começou a ser contestada na
época do modernismo (início do século XX) que, por se
posicionar com uma estética anti-Kokin’wakashû, foi por
isso mesmo um movimento literário que prestava uma
oblíqua e derradeira homenagem à importância da obra
aqui apresentada.
O Kokin’wakashû (também conhecido pelo seu nome
abreviado, Kokinshû) estabeleceu o modelo a ser seguido
nos mais diversos níveis: a forma poética; as regras de
organização de antologias; as situações em que se fazia
poesia; quem eram os sujeitos que podiam poetar; quais
regras de gosto e de estilo eram exigidas do poeta; qual
i
A Antiguidade japonesa vai de 592 d.C. a 1192 d.C. e não corresponde
à Antiguidade regional europeia.
INTRODUÇÃO 13

vocabulário, dicção e gramática eram aceitos como “dig-


nos do poético”; quais temas podiam ser tratados em po-
esia; qual era o tipo de envolvimento aceito (ou esperado)
entre a elite do poder e a elite literária; e mesmo quais
elementos da natureza tinham mais força simbólica do
que outros no momento de se escrever literatura. Vamos
encontrar o alcance e a presença dessa cristalização esté-
tica nos mais diversos campos: desde o haicai de Bashô,
que surgiu de uma reorganização desse universo poético
e está impregnado de “coisas do Kokin’wakashû”; passan-
do pela pintura; pela codificação do amor cortês; pelos
padrões de beleza; pela estilização do erótico e de outras
tecnologias de gênero; pela história das sensibilidades;
pela decoração, moda, arquitetura, artes aplicadas, gas-
tronomia, teatro, e muitas outras áreas.
O “Prefácio em hiragana” desta antologia, de autoria
do grande poeta e editor Ki no Tsurayuki (e cuja tradução
incluí neste volume) é visto por muitos como um “equi-
valente japonês” da Poética de Aristóteles. Em que pesem
as grandes diferenças de tempo, concepção de mundo,
cultura, contexto e intenção, a literatura japonesa é uma
das únicas no mundo a possuir o que o comparatista Earl
Miner (1990) chama de “poética fundacional por escrito”
(outros exemplos seriam as civilizações chinesa, grega e
latina) — um texto de intenção estético-didática que lista
as condições, categorias e mecanismos necessários para
se escrever poesia.

A POESIA JAPONESA ATÉ O KOKIN’WAKASHÛ

Nos séculos anteriores à compilação do Kokin’wakashû,


a corte imperial devotara grande atenção aos modelos
literários chineses. A maioria dos intelectuais escrevia,
preferencialmente, poesia em kanshi (chinês literário),
14 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

reservando a composição de waka (“poemas em japonês”)


para usos privados, como a comunicação entre amigos e
amantes, por exemplo.
As mulheres não tinham, em geral, acesso à instrução
em língua chinesa, e utilizavam o japonês para a comu-
nicação por escrito. No período arcaico, o Japão chegara
a ser uma sociedade matriarcal; e alguns resquícios des-
ses hábitos muito antigos ainda estavam presentes. De
fato, as mulheres ainda tinham direito à propriedade e
precisavam ser “conquistadas” por meio de um complexo
ritual de cortejo. Esse amor cortês da Antiguidade japo-
nesa dependia centralmente da poesia. As mais antigas
narrativas já descreviam a comunicação amorosa como
uma forma de correspondência poética. Não por acaso,
os dois mais importantes poetas do período inicial de
ressurgência do waka são Ono no Komachi e Ariwara no
Narihira ii — tanto ela quanto ele detentores de uma re-
putação que transcende o literário, como figuras român-
ticas envolvidas em inúmeras aventuras galantes.
Antes da obra que apresentamos neste livro, o
Man’yôshû (“Coletânea da Miríade de Folhas”), de 785,
era a mais importante antologia poética, com 4.516 waka.
Essa primeira seleção buscava, no contexto da corte im-
perial, reunir o que de melhor havia sido feito em poesia
até então, incluindo desde canções populares até sofis-
ticados discursos cerimoniais. Nessa obra, verificava-se
uma profunda identificação entre linguagem, natureza,
religião e poder imperial. Assim, por exemplo, o poema
2 do Man’yôshû, de autoria do imperador Jomei, descreve
um universo em que os céus, a terra e o corpo político
formam um todo harmonioso:

Vide o Índice onomástico-biográfico no final do volume para uma


ii

breve nota sobre esses e outros autores da antologia.


INTRODUÇÃO 15

D O A LTO DA M O N TA N H A CO N T E M P LO M I N H A T E R R A

大和には 群山あれど とりよろふ  
天の香具山 登り立ち 国見をすれば 
国原は 煙立ち立つ 海原は 
鴎立ち立つ うまし国ぞ 蜻蛉島 
大和の国は

inúmeras são as serras


desta terra de Yamato
dentre elas exulta este
monte perfume sob o céu
aqui de seu cume
contemplo meu reino
sobe dos campos
a fumaça das casas
sobe do oceano
o voo das gaivotas
admirável país é o meu
ilha das libélulas
a bela terra de Yamato

yamato ni wa / murayama aredo / toriyorou / amenokaguyama /


noboritachi / kunimi wo sureba / kunihara wa / keburi tachitatsu
/ unahara wa / kamame tachitatsu / umashi kuni zo / akitsushi-
ma / yamato no kuni wa

Durante a Alta Antiguidade, na era Nara (710 a 794), a


casa imperial japonesa encontrou no modelo chinês uma
forma de centralizar o poder, por meio de instituições ju-
rídicas, políticas, cerimoniais e religiosas inspiradas em
práticas continentais. Assim, a língua da administração
era o chinês escrito; e qualquer aristocrata que desejasse
uma carreira precisava dominar essa modalidade de ex-
pressão. Por consequência, até o século IX, os principais
poetas e intelectuais japoneses privilegiaram a escrita
16 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

chinesa, em detrimento dos gêneros textuais nativos.


Um problema que pode ter contribuído para a pre-
ferência pelos modelos chineses ao invés do waka é que
a escrita da língua japonesa ainda demorou mais um
século para se consolidar. O Man’yôshû foi escrito usando
um sistema adaptado da escrita chinesa para representar
os sons do japonês, algo tão complexo e cheio de varian-
tes e exceções que, algumas gerações depois, as pessoas
já não conseguiam mais ler o que os seus antepassados
haviam escrito.
Em 794, o imperador Kanmu (737–806) transferiu
a corte para a região onde hoje se encontra a cidade de
Quioto. Com o desejo de que a nova capital trouxesse
um longo período de estabilidade e harmonia, deu-lhe
o nome de Heiankyô (“capital da paz”). Ao período que
começa nessa data e se estende por mais quatro séculos,
chamamos de era Heian (794–1192) ou Baixa Antiguida-
de.
Durante a era Heian, o clã Fujiwara se apossou de
muitos feudos, tornando-se o mais poderoso grupo de
influência e sobrepujando as outras grandes famílias. Os
Fujiwara casavam suas filhas com imperadores, para que
elas gerassem príncipes herdeiros do império. O chefe do
clã se tornava regente enquanto o príncipe não atingia a
maioridade. Quando os príncipes se tornavam adultos, o
chefe se tornava o principal conselheiro do novo impera-
dor. Com a ascensão dos Fujiwara, a ênfase se deslocou
gradativamente do modelo cultural chinês (que centra-
lizava o poder na figura de um imperador todo-podero-
so) e estava criado um ambiente propício para a volta do
waka como forma poética de destaque.
Com o enfraquecimento da China T’ang no fim do
século IX, aboliu-se o envio de comitivas diplomáticas
ao continente. A maioria dos historiadores afirma que,
devido à diminuição da influência continental, criou-se
INTRODUÇÃO 17

uma cultura mais característica do Japão. O poema waka


voltou a ser muito apreciado, e no ano de 905 um decreto
imperial determinou a elaboração do Kokin’wakashû.

FLORESTAS DE SÍMBOLOS

A partir do século IX, a poesia em japonês começa a


apresentar um estilo diferente — algo que viria, justa-
mente, a ser chamado de “estilo Kokin’wakashû” — pro-
duto de uma síntese que adotava temas e procedimentos
da cultura continental chinesa e os aplicava à literatura
vernácula.
É interessante notar que, em vez de emular a poesia
da China T’ang (618–907), sua contemporânea, os autores
japoneses da era Heian escreviam em um chinês literário
mais arcaico, reverenciando uma fase anterior da litera-
tura do continente — a era das Seis Dinastias (222–589).
Esse período da literatura chinesa tem por característica
uma predileção pelo artifício, pela alusão, pelo subenten-
dido, pelo uso de figuras de linguagem e de jogos imagé-
ticos e lexicais.
Se, por um lado, a poesia da era Heian valorizava a na-
tureza como tema, por outro, os nobres não saíam quase
nunca de casa. O contato com a natureza não era direto
— ocorria por meio dos jardins dos palácios, de pinturas,
desenhos, poemas e relatos. Ou seja, a “natureza”, na vida
dos nobres do período clássico, se encontrava em toda
parte, tanto espacial como psicologicamente, mas se tra-
tava em grande parte de uma natureza reconstruída.
Trata-se de um fenômeno que Shirane Haruo (2012)
denomina de “natureza secundária”, fator decisivo na
construção do imaginário e da estética dos japoneses. A
ênfase não está em como a natureza é e, sim, em como
ela deveria ser: graciosa e elegante. A tão difundida no-
ção de que os japoneses são um povo em harmonia com
18 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

a natureza se deve à criação dessa nature au second degré


que, na verdade, é uma temática literária e artística para
expressão de sentimentos e para reforçar um ideal de au-
sência de conflitos e de beleza elegante.
Em contraste com a centralidade da concepção divina
do poder imperial e de sua expressão na terra por meio
dos fenômenos da natureza que encontramos na fase li-
terária anterior, o Kokin’wakashû apresenta uma maior
quantidade de poemas que descrevem sentimentos hu-
manos e processos emocionais e intelectuais. A ênfase
se encontra na percepção subjetiva e na reconstrução do
real por meio da imaginação. Assim, por exemplo, tor-
na-se mais comum o uso do mitate (“ilusão de ótica”), um
recurso retórico que consiste em estruturar o drama do
poema em torno de uma suposta confusão visual de uma
coisa por outra iii — pétalas de flores caindo do céu por
neve, uma montanha desconhecida pelo monte Fuji, um
rio coberto de folhas avermelhadas por um rico brocado
de seda, etc.
Outro recurso muito encontrado no Kokin’wakashû
são as kakekotoba, palavras homófonas que se encontram
na articulação entre dois versos, significando uma coisa
em um verso e outra no verso seguinte iv. Em sua dis-
cussão do conceito de kakekotoba, a pesquisadora Olívia
Nakaema afirma que “não há alternância de significados,
mas coexistência” (2012, p. 128). Essa e outras ferramen-
tas poéticas eram utilizadas para aumentar o poder de
alusão do poema, criando uma estrutura de camadas de
sentido que estão interconectadas pelas “palavras-pivô”.
O século IX viu o surgimento dos utaawase (“concursos
de poesia”), provavelmente durante o reino do imperador
Uda (867–931). Nobres de menor escalão ficavam encar-
iii
Por exemplo, o poema 301 desta antologia; e muitos outros.
iv
Por exemplo, os poemas 103 e 742 desta antologia; e muitos outros.
INTRODUÇÃO 19

regados de organizar o certame, escrevendo os poemas


propostos em tiras de papel que eram apresentadas pelos
participantes ao imperador. Os temas mais comuns eram
a primavera e o outono (as estações mais importantes no
calendário da corte). A flor da valeriana (ominaeshi) v ti-
nha destaque, pois o seu nome faz alusão às “donzelas”
(consortes imperiais), responsáveis pela manutenção da
linha sucessória dinástica. A atividade de julgar poemas
com base em critérios objetivos propiciou o surgimento
de uma poética formal e explícita, que encontramos no
“Prefácio em hiragana” do Kokin’wakashû e nos diversos
tratados literários que viriam a ser escritos em períodos
históricos subsequentes.
Também se escreviam poemas em painéis com pintu-
ras (byôbuuta), inspirados nos motivos da decoração. Com
o tempo, a criação de biombos comemorativos, ofereci-
dos a importantes personagens da aristocracia em ani-
versários, festas de maioridade ou jubileus, passou a ser
uma importante atividade da corte. Esses objetos de de-
coração se tornaram cada vez mais complexos, incluindo
elementos narrativos e especial cuidado no arranjo espa-
cial dos desenhos e poemas. Esse cuidado estrutural na
organização de sequências poéticas se encontra refletido
na estrutura mesma do Kokin’wakashû.
Os poemas do Kokin’wakashû estão distribuídos em
vinte livros (maki, “rolos”). A maioria dos livros se estru-
tura em torno de temas tradicionais da poesia japonesa:
as quatro estações, amor, adeuses, viagens, comemora-
ções, lamentos, etc. Dois livros de “miscelânea” abrigam
os poemas que os compiladores não conseguiram enqua-
drar em nenhuma categoria. Três livros se baseiam em
categorias não temáticas: “nomes de coisas” (poemas de
adivinhação); poemas em “formas miscelâneas”; e obras
v
Vide poemas 226 e 238 desta antologia.
20 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

do Departamento Imperial de Poesia (poemas tradicio-


nais, utilizados em cerimônias religiosas ou oficiais).
O Kokin’wakashû tem sua forma constituída por aglo-
merados tópicos. Esses tópicos eram cuidadosamente
organizados e dispostos em sequência temporal, de ma-
neira a criar uma ordem maior. Assim, a antologia come-
ça com o início da primavera e o Ano-Novo (lunar) vi, evo-
luindo para a neblina, o rouxinol, as ervas que brotam do
chão depois de derretida a neve, os salgueiros, as amei-
xeiras em flor, seguidas pelas cerejeiras em flor, e assim
por diante, como que contando uma história da evolução
gradual das estações por meio das tópicas poéticas.
Também os poemas de amor narram em sua sequ-
ência o romance cortês em suas diferentes etapas — a
começar pela primeira vez que o poeta avista a pessoa
amada, evoluindo para os encontros às escondidas, as
esperas, as desilusões, a separação e as saudades. Os po-
emas estão dispostos em categorias formais, dentro das
quais há nexos de associação, sequência e progressão.
Os seis livros sazonais fazem referência à ordem cos-
mológica, sobrepondo-a ao calendário de eventos e ritu-
ais da corte imperial. Essa concepção de tempo circular
é típica da cultura japonesa, “um tempo rotativo sem co-
meço e sem fim [no qual] não são as posições dos corpos
celestes que se sucedem, como no caso do helenismo,
mas as estações” (KATO, 2012, p. 49) vii.
vi
O calendário “lunar” (ou “lunissolar”) utilizado na Antiguidade
japonesa é o mesmo da tradição chinesa. Em termos simplificados,
o “primeiro mês” desse calendário corresponderia ao “início da
primavera”, que tradicionalmente não ocorria em março e sim, no
mais das vezes, no que nós chamamos de fevereiro. O Ano-Novo
chinês, calculado pelo calendário lunar e comemorado até hoje em
diversos países da Ásia, geralmente cai no fim do nosso janeiro ou na
primeira semana de fevereiro.
vii
Algo que José Miguel Wisnik, no contexto da música, descreve como
“um tempo circular, recorrente, que encaminha para a experiência de
um não tempo ou de um ‘tempo virtual’, que não se reduz à sucessão
INTRODUÇÃO 21

Os cinco livros de “amores”, por sua vez, fazem refe-


rência a um tempo linear, de progressão inexorável, no
qual a experiência erótica aparece codificada em fases fi-
xas. O amor cortês, nesse contexto, à semelhança do que
ele representou no desenvolvimento da literatura regio-
nal europeia, assume a posição de representante meto-
nímico da vida emocional do indivíduo. A narrativa do
relacionamento amoroso é como a encenação da tragédia
anunciada do luto e da solidão a que cada vida humana
está condenada.
Essas duas concepções de tempo apresentam-se como
complementares no contexto da antologia. Os poemas
formam “florestas de símbolos”, com repetições e va-
riações orquestradas para criar a impressão de um todo
orgânico e inevitável. Assim, a cerejeira e a glicínia, por
exemplo, fazem alusão à glória do clã Fujiwara. O cuco,
principal personagem do verão, conecta o mundo dos vi-
vos ao reino dos mortos. O outono é estilizado a ponto de
se tornar o correspondente linguístico da padronagem
avermelhada de um brocado de seda. O inverno, fechan-
do o ciclo sazonal, remete à pureza da cor branca da neve
e ao recomeço que se anuncia com o final do ano.
Os livros 7 (“Comemorações”) e 16 (“Lamentos”) for-
mam um par temático: o primeiro, localizado no fim da
sequência sazonal, celebra a vida; o segundo, encerran-
do a seção sobre o amor, propõe uma meditação sobre a
perda e a morte. Os livros 8 e 9 (“Adeuses” e “Viagens”)
também formam um par temático e complementar. O li-
vro 10 (“nomes de coisas”) e os livros 17 e 18 (“miscelânea”)
demonstram os usos lúdicos da linguagem, comentam

cronológica nem à rede de causalidades que amarram o tempo


social comum”, um processo de “produção comunal do tempo [...]
constituída pela superposição de ritmos irregulares girando em torno
de um centro virtual, ou ausente, fora do tempo linear, [subordinados]
à ordem do pulso e da recorrência” (1999, p. 78).
22 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

aspectos da vida na capital e advertem sobre a futilida-


de dos sonhos humanos. Os poemas de “outras formas”
e que não se encaixam na regularidade encantatória do
resto da antologia surgem no livro 19; e a obra se encerra
com o livro 20, no qual estão registrados os poemas tra-
dicionais da corte — alguns tão arcaicos que antecedem
o surgimento da escrita.

AS FORMAS DO WAKA

Os dois principais tipos de waka (“poesia em japonês”)


são o chôka (“poema longo”) e o tanka (“poema curto”). O
chôka ou nagauta tem um número indeterminado de es-
trofes com dois versos (de 5 e 7 sílabas, alternadamente),
terminando sempre com dois versos de sete sílabas viii.
O tanka tem sempre cinco versos e um total de 31 sílabas
com a disposição da métrica obedecendo ao esquema
5-7-5-7-7 ix.
Além do tanka e do chôka, encontramos a forma sedôka,
com dois tercetos de 5-7-5 sílabas cada (5-7-7/5-7-7) x.
Alguns poemas do livro 19 são chamados de haikai xi,
mas essa palavra tinha um significado diferente na
Antiguidade: ela era usada para poemas com o mesmo
número de versos e sílabas que um tanka, mas que não
seguiam as muitas regras do bom gosto exigido na corte,
sendo considerados como “poemas de brincadeira”, sem
viii
Por exemplo, o poema 1002.
ix
Com exceção de alguns exemplos do livro 19, todos os poemas desta
antologia são na forma tanka.
x
Essa forma foi usada na Era Nara, mas depois do século VIII tornou-
se praticamente extinta. O primeiro ideograma de sedôka significa
“retornar” ou “circular”. No exemplo incluído neste volume, o “retorno”
se refere ao fato de que o poema 1008 responde a pergunta proposta
pelo poema 1007.
xi
Por exemplo, os poemas 1011 e 1012.
INTRODUÇÃO 23

pretensões de “seriedade”. Não há nenhum exemplo do


haicai, tal como ele é praticado hoje, no Kokin’wakashû xii.
Neste livro, vou utilizar a palavra waka para me referir
ao tanka, pois essa é a designação mais usada para o
período em que o Kokin’wakashû foi publicado. Na virada
do século XIX para o XX, com o movimento de renovação
das formas poéticas nativas, liderado por Masaoka Shiki,
os poetas voltaram a usar preferencialmente o termo
tanka. Ou seja, os tanka de autores clássicos, como os
desta coletânea, são geralmente referidos como waka, ao
passo que o mesmo tipo de poema, se de autoria de um
poeta moderno ou contemporâneo, é denominado tanka.
O waka-tanka pode ser ainda dividido em “parte de
cima” (kami, os três primeiros versos de 5-7-5 sílabas) e
“parte de baixo” (shimo, os dois últimos versos de 7-7 sí-
labas). Eis o poema 113, de autoria de Ono no Komachi:

花の色は 移りにけりな 
いたづらに
我身世にふる ながめせしまに

a flor da cerejeira
perdeu sua cor em
vão minha juventude
passou enquanto eu
distraída olhava a chuva

hana no iro wa / utsuri ni keri na / itazura ni


waga mi yo ni furu / nagame seshi ma ni

A “parte de cima” do poema é, aparentemente, sobre


a flor da cerejeira. No entanto, ela está ligada à “parte de
baixo” pela expressão itazura ni (“em vão”), que pode se re-

O haicai moderno tem três versos de 5-7-5 sílabas, mas o uso


xii

contemporâneo da terminologia só viria a se consolidar muitos


séculos depois.
24 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

ferir tanto ao murchar da flor quanto ao envelhecimento


da autora. Procurei manter um pouco dessa ambiguida-
de na tradução, dividindo a expressão “em vão” em dois
versos.
A poesia clássica japonesa desenvolveu, ao longo dos
séculos, uma série de convenções e de ferramentas po-
éticas (muitas das quais encontramos também, poste-
riormente, na tradição do haicai). As makurakotoba, ou
“palavras-travesseiro”, são epítetos fixos, semelhantes
aos usados por Homero na Odisseia, ou ainda metáfo-
ras antigas que se tornaram uma expressão poética, à
semelhança das kenningar das sagas nórdicas. O epíteto,
em geral, precede um substantivo que muitas vezes é um
nome de lugar (e que se imagina estar “apoiando a cabe-
ça” na palavra-travesseiro). A prática tem origem religio-
sa, pois se acreditava que a palavra associada protegia ou
glorificava a coisa designada xiii.
Engo, ou “associação lexical”, é uma ferramenta retó-
rica que consiste em criar no poema uma malha de pala-
vras associadas que, tomadas em conjunto, acrescentam
mais uma camada interpretativa ao texto xiv.
Kigo, ou “vocabulário sazonal”, são palavras associa-
das às quatro estações. Na época do Kokin’wakashû, essas
expressões não se denominavam ainda kigo, mas muitas
delas já eram consagradas — por exemplo, a flor da ce-
rejeira (primavera), o cuco (verão), as folhas tingidas de
vermelho (outono) e o Ano-Novo (inverno). No famoso
“haicai do velho lago”, de Matsuo Bashô, a presença do
sapo (kawazu) remete às fortes chuvaradas que ocorrem
durante a primavera no Japão. Em períodos posteriores
da evolução da poética japonesa, os kigo passaram a ser
organizados em “dicionários de expressões sazonais”, os
xiii
Um exemplo desta coletânea se encontra no poema 294, de autoria
de Ariwara no Narihira. Há muitos outros.
xiv
Por exemplo, o poema 167 desta antologia.
INTRODUÇÃO 25

saijiki. Essas obras de referência são muito importantes


para a composição de haicai e possuem mesmo versões
brasileiras xv.

A PALAVRA BROTA DO CORAÇÃO HUMANO

Até aqui, ressaltei a originalidade da antologia e seu


caráter “japonês”, em contraposição à poesia em língua
chinesa que, por certo tempo, ocupara a centralidade do
sistema literário da corte Heian.
No entanto, é igualmente fácil sustentar o ponto de
vista contrário. Já mencionei anteriormente como o estilo
do Kokin’wakashû pode ser descrito como uma síntese
da expressão nacional japonesa e de procedimentos
poéticos importados do continente chinês. Algo que
também chama muito a atenção é o quanto o “Prefácio”
de Tsurayuki deve, às vezes textualmente, ao “Grande
prefácio” do Shījīng xvi:

Shījīng: A poesia é a direção em que vai a vontade do es-


pírito. A vontade habita o coração e, ao ser expressa
em palavras, torna-se poesia.
Tsurayuki: A poesia japonesa brota do coração humano,
que é a sua semente, e suas folhas crescem como dez
mil palavras.

Por exemplo, Goga; Oda (1996). Vide referências.


xv

“Grande prefácio” do Shījīng, ou Clássicos da Poesia (China, séculos


xvi

XI a VI a.C.). Atualmente, acredita-se que a autoria do “Grande


prefácio” seja de Wei Hong (século I d.C.). 詩者,志之所之也。在
心為志。發言為詩。情動於中,而形於言。言之不足,故嗟歎。
嗟歎之不足,故永歌之。永歌之不足知,手之,舞之,足之,蹈
之也。情發於聲,聲成文,謂之音。治世之音安以樂,其政和。
亂世之音怨以怒,其政乖。亡國之音哀以思,其民困。故正得
失,動天地,感鬼神,莫近於詩。先王以是經夫婦,成孝敬,厚
人倫,美教化,移風俗。(Cf. SVENSSON, 1999; THEOBALD, 2010;
WIXTED, 1984.)
26 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

Shījīng: A emoção nasce dentro de nós e toma a forma de


palavras. Quando as palavras não bastam, podemos
suspirar; quando suspirar não resolve, cantamos; se
nem isso é suficiente, movemos ritmados as mãos e
os pés e dançamos. As emoções se expressam pela
voz e, quando a voz se forma em frases, dizemos que
elas são “melodias”.
Tsurayuki: Neste mundo, as pessoas têm muitos inte-
resses diferentes. Aquilo que pensam em seu cora-
ção, expressam em poesia, quando falam sobre as
coisas que viram e escutaram. Basta ouvir o rouxi-
nol do Japão, que canta em meio às flores, ou a voz
do sapo que vive na água, para entender que todos
os seres vivos produzem algum tipo de poesia.

Shījīng: A melodia que governa o mundo pacifica com


sua música, promovendo a paz e a alegria. As melo-
dias de um mundo em descompasso atiçam o ódio,
promovendo a tirania. As melodias de um país der-
rotado são plangentes, e seu povo sofre. Mas o cor-
reto restaura o perdido, move o céu e a terra, e emo-
ciona mesmo os demônios e deuses — e a melhor
maneira de se atingir o correto é a poesia. No tempo
dos antigos príncipes, os poemas eram usados para
harmonizar os casais, para promover o respeito aos
antepassados e o amor filial, para enriquecer a cul-
tura das pessoas e para civilizar os costumes.
Tsurayuki: A poesia é aquilo que, sem esforço, move o
céu e a terra e emociona até os ogros e deuses que
nossos olhos não podem ver. Ela harmoniza as re-
lações entre homem e mulher e consola mesmo o
coração de ferozes guerreiros.

A semelhança textual é testemunho da força de au-


toridade que a literatura chinesa representava para os
intelectuais japoneses; no entanto, como discutirei mais
adiante, as diferenças também são várias e importantes.
Miner (1990) propõe uma comparação entre a Poética
INTRODUÇÃO 27

de Aristóteles, o Shījīng chinês e o “Prefácio em hiragana”


de Ki no Tsurayuki. Aristóteles teria feito a escolha cons-
ciente de privilegiar o drama ateniense em detrimento
da épica; por sua vez, o prefácio chinês busca alinhar a
literatura aos interesses cívicos e políticos; já Tsurayuki
estava criando uma programática da poesia nacional, em
oposição à literatura de prestígio (a chinesa clássica), e
alinhando-a com o poder simbólico e religioso da corte
imperial de Yamato.
Miner classifica as poéticas chinesa e japonesa, fun-
dadas na lírica, como poéticas afetivo-expressivas. A
poética regional europeia, tal como definida por Aris-
tóteles, seria representacional-mimética e fundada no
drama. Uma importante consequência para a noção de
autoria decorre da centralidade da lírica: ao contrário da
lírica ocidental moderna e contemporânea, que, por sua
afinidade com o drama, às vezes se comporta como se a
poesia fosse a fala de uma personagem, a poesia chinesa
e a japonesa operam como se lidassem com fatos, e “a in-
terpretação deriva de uma firme crença no intencionalis-
mo” (MINER, 1990, p. 112).
O “Grande prefácio” chinês propõe uma poética afeti-
vo-expressiva fundada no humano e na harmonia entre
indivíduo e corpo político: trata-se de uma concepção
ética do estético, em que o sentimento (a “vontade”) se
expressa tanto em palavras como em música e em dança.
Já o “Prefácio em hiragana”, refletindo a religião nativa do
Japão, o xintoísmo, estabelece uma deliberada confusão
entre o mundo humano, o dos animais, o das plantas e
mesmo o mundo sobrenatural: todos pertencem ao mes-
mo continuum e produzem (ou são sensíveis à) poesia. A
poesia é um “canto”, como as vozes dos bichos, e a com-
posição de poesia seria algo “natural” para os humanos.
O sapo e o rouxinol são tópicos consagrados da poesia
clássica e considerados como possuidores de “belas vo-
28 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

zes”. Ki no Tsurayuki enfatiza o papel central da nature-


za, tanto como estímulo para a criação de poesia, como
quando afirma que a poesia é uma forma de expressão
natural ao ser humano.
Outro ponto de suposta semelhança entre a poética
clássica chinesa e o “Prefácio em hiragana” de Tsurayuki é
a lista dos “seis tipos de poesia”: (1) oculta persuasão (soeu-
ta); (2) enumeração ou descrição (kazoeuta); (3) compara-
ção (nazuraeuta); (4) exemplificação ou imagem evocativa
(tatoeuta); (5) poesia de tom elevado ou elegância (tadago-
touta); e (6) comemoração ou homenagem (iwaiuta). De
todo o “Prefácio”, esse trecho é o mais criticado pelos co-
mentadores — a começar pelo próprio copista da Anti-
guidade que anota, exasperado, ao fim da enumeração:
“creio poder concluir que, na verdade, não existem seis
tipos de poesia japonesa”.
À crítica de que a classificação em seis tipos não tem
pé nem cabeça, vem se somar a acusação de que essa lis-
ta, na verdade, é uma adaptação mal feita de categorias
chinesas associadas à retórica e à música. De fato, a ca-
tegoria de número (1) corresponde à persuasão (feng, 風),
descrita no “Grande prefácio” do Shījīng como a função
poética de fazer uma crítica velada por meio da indireta
sutil, sem se incriminar (ou seja, um uso pragmático da
poesia).
As categorias (2), (3) e (4) correspondem, respectiva-
mente, aos “três aspectos clássicos da poesia chinesa”:
descrição (fu, 賦); comparação (pi, 比) e imagem evoca-
tiva (hsing, 興). Essas três categorias têm um conteúdo
mais, digamos, “puramente estético” do que as outras (se
o gosto do freguês pende para o lado das “coisas ideais e
puras”). Note-se, no entanto, que na poética chinesa es-
ses aspectos podem estar presentes juntos em um mes-
mo poema, ao passo que o “Prefácio em hiragana” parece
querer classificar cada poema como pertencente a uma
INTRODUÇÃO 29

categoria específica, à exclusão das outras.


No Shījīng, a categoria (5) corresponde à poesia
didática e de alto tom moral (ya, 雅) que saúda um novo
governo ou explica por que o anterior caiu; a categoria
(6) faz referência às homenagens (sung, 頌) prestadas a
grandes exemplos de virtude ou de sucesso xvii.
Ora, uma leitura mesmo superficial do “Prefácio
em hiragana” de Ki no Tsurayuki permite ver que, no
contexto da poética japonesa, essas categorias não têm
absolutamente nada a ver com suas ancestrais chinesas.
Ainda que confusas de um ponto de vista, digamos, lógico-
aristotélico, as categorias de Tsurayuki são coerentes no
sentido de que todas estão baseadas em preocupações
estéticas, técnicas ou retóricas, ignorando totalmente
as possibilidades pragmáticas ou ético-políticas da
poesia, muito presentes no pensamento chinês. A
posteridade, em que pese a má-vontade do copista,
tratou as seis categorias do “Prefácio em hiragana” como
modelos didáticos de composição, algo mais próximo
do pensamento de Tsurayuki e mais razoável do que
as exigências de lógica ou de subordinação ao modelo
chinês presentes nos textos dos críticos. Isso não tira
totalmente, a meu ver, a razão do copista: os seis tipos
de poesia não fazem muito sentido como classificação
sistemática.
O “Prefácio em hiragana”, portanto, é duplamente
único e interessante para a leitora brasileira do século
XXI. Em primeiro lugar, ele estabelece, à semelhança
do “Grande prefácio” chinês, uma poética fundacional
escrita que dá destaque ao aspecto afetivo-expressivo
da literatura e adota como gênero central a poesia lírica
— em contraste com a poética aristotélica que, baseada

A descrição das categorias chinesas segue a sistematização


xvii

proposta por Wixted (1984, p. 393–394).


30 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

no gênero do drama, enfatiza o aspecto mimético-


representacional do literário, criando uma cisão entre
“palavra” e “coração” que está longe de ser universal ou
parte do senso comum em culturas não descendentes do
regional europeu.
Em segundo lugar, mesmo adotando a literatura
chinesa como modelo, a poética japonesa é reflexo de
uma experiência histórica bastante distinta. O gênero
lírico, parte integrante do tecido social da aristocracia da
Antiguidade, nunca precisou de justificativa extraliterária
para existir. Assim, quando Tsurayuki teorizou sobre a
poesia japonesa, ele não precisou atribuir a ela elementos
pragmáticos. A poesia japonesa se justifica a si mesma,
como canto — o canto dos seres vivos, a expressão de seu
sentimento.

PARATEXTO E HORS-TEXTE

A escrita japonesa é fruto de um longo processo de de-


senvolvimento. As primeiras duas grandes obras da lite-
ratura do Japão, o Kojiki xviii e o Man’yôshû xix, ambas com-
piladas no século VIII, foram escritas usando caracteres
chineses para representar os sons da língua japonesa. A
partir desse complexo sistema foram criados, nos três sé-
culos seguintes, dois silabários nacionais — as kana. Um
deles, as katakana, é composto de pedaços de caracteres
chineses; o outro, as hiragana, de simplificações cursivas
desses mesmos símbolos. Os textos da vida pública eram
escritos em chinês clássico.
As primeiras hiragana surgem em correspondência

xviii
Texto que combina o pseudo-histórico, o histórico e os mitos de
formação do Japão (cosmogonia e mitologia). Compilado por Ô no
Yasumaro, baseado na obra incompleta de Hieda no Are. Compilação
terminada em 712 (era Nara).
xix
Cf. primeira seção desta Introdução.
INTRODUÇÃO 31

oficial e privada, em diários oficiais do governo e quan-


do era necessário expressar opinião, descrever emoção,
e registrar poemas japoneses (que muitas vezes eram
compostos em eventos públicos). A poesia, no contexto
da vida aristocrática da era Heian, tinha uma função so-
cial diferente da verificada em outros lugares e épocas.
Como a música ou a dança em algumas culturas, o teatro
em outras, ou ainda o esporte, a poesia gerava a possibi-
lidade de se vir a ser notado em espaços públicos (não só
em eventos em que se compunha poesia, mas também
por meio da divulgação de exemplos de excelência, quan-
do ocorriam); de se adquirir informação sobre a vida pri-
vada de outros (por meio das alusões que se acreditava
encontrar nos poemas, que muitas vezes eram objeto de
discussão, boatos e rumores) e, principalmente, de se
animar relacionamentos de ordem privada (a poesia fa-
zendo as vezes da correspondência romântica — e mes-
mo de diversos outros tipos de correspondência).
Para um olho treinado, uma série de poemas escritos
pela mesma pessoa podia revelar sua ordem cronológica
e a narrativa por trás das ocasiões em que foram compos-
tos. O contrário também era verdade: aquilo que se espe-
rava de um amante em potencial tinha uma espécie de
roteiro pré-estabelecido por séries de poemas incluídos
em antologias imperiais. Assim, por exemplo, o Diário
de Izumi Shikibu xx (ostensivamente um relato autobio-
gráfico) teria sua narrativa modelada a partir dos livros
de temática amorosa do Kokin’wakashû.
Esse tipo de poesia é tradicionalmente associado a
práticas sociais, ou no mínimo coletivas, perdendo algo
de seu poder de alusão quando apresentado sem o con-
texto em que foi composto; ou seja, a maneira como um
leitor brasileiro — que associa a poesia japonesa à des-

xx
Diário poético escrito no início do século XI por Izumi Shikibu.
32 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

contextualização, dissociação de sensibilidade, concisão


e despersonalização — imagina um poema japonês é o
oposto da maneira como um japonês culto o lê. A poe-
sia tradicional japonesa pressupõe sempre uma narrati-
va que a acompanha. Mais que isso: essa narrativa não é
lida no modo da ficção, como os interlúdios de Fernando
Pessoa ou as personas poéticas de Robert Browning (ou o
“eu lírico” dos críticos literários). A poesia é vista como a
expressão do sentimento do poeta em um momento que
realmente aconteceu, como afirma Ki no Tsurayuki em
seu “Prefácio”: “a poesia japonesa brota do coração hu-
mano, que é a sua semente, e suas folhas crescem como
dez mil palavras”.
Um exemplo pode ajudar a compreender melhor tan-
to a vacilação entre o real e o ficcional de que estou fa-
lando como a sensação de ruído e interferência que esse
tipo de narrativa pode causar em um leitor não japonês.
A poesia de Ariwara no Narihira, cavalheiro da corte do
século IX que passou para a história como um modelo de
sensibilidade e beleza, encontra-se reunida num livro, os
Contos de Ise xxi, que apresenta os seus poemas acompa-
nhados de curtas anedotas. Às vezes, uma anedota reúne
mais de um poema, e nesse caso a cena pode incluir uma
interlocutora que também compõe, criando a situação-
-tipo do encontro romântico dessa época: a troca de ver-
sos de amor.
Hoje em dia, o relato é tido por ficcional, ainda que
muitos dos poemas tenham a autoria de Narihira corro-
borada por outras fontes. Esse modelo de narrativa-mol-
dura para um mundo de composição poética gerou, no
século seguinte, tanto a prosa de ficção como a de não
ficção em língua japonesa. A eficaz combinação do poéti-

Narrativa formada por 125 “contos”, incluindo um total de 209


xxi

poemas. Autoria desconhecida (atribuída a Ariwara no Narihira).


Escrita no século IX ou X (Era Heian).
INTRODUÇÃO 33

co e do ficcional chamou a atenção de Jorge Luis Borges:

Como os cretenses, os habitantes de Ise tinham fama


de mentirosos. O título da obra sugeriria que os relatos
que contém são falsos. Não é impossível que o anônimo
autor tenha composto muitos desses poemas e tenha
imaginado depois as dramáticas circunstâncias que os
explicariam. (BORGES, 2008, p. 49)

Nas escolhas semânticas desse parágrafo, encon-


tramos as categorias problemáticas que não são lidas
da mesma maneira por nós e pela cultura que gerou o
Kokin’wakashû: “mentirosos”, “falsos”, “anônimo autor”,
“imaginado”, “dramáticas”. E, ao apontar para o título
como justificativa para a desconfiança, Borges também
nos revela a profunda ligação que fazemos na nossa cul-
tura entre narrativa e ficção. A maneira como lemos hoje,
expressa nas dúvidas de Borges ao ler a Antiguidade
japonesa, não admite a combinação híbrida de ficção e
não ficção: ou se lê um texto como ficcional, e aí todos os
elementos do real são tratados como invenção; ou então
o texto precisa se reivindicar como biográfico, e a tarefa
do crítico parece residir na identificação dos “deslizes”
ou “mentiras” da história. Na verdade, um tratamento
mais nuançado desses materiais permitiria reconhecer
o quanto de estilização há no confessional, assim como
o quanto de mundo real é necessário para se criar uma
história. Essa problemática fica bastante clara quando se
analisa o conceito de autor à luz de textos japoneses anti-
gos.
A visão que temos hoje de autor em literatura é um
encontro de duas ideologias. Ela tem elementos do culto
ao gênio do romantismo do século XIX; ao mesmo tem-
po, o autor é foco de expectativas ligadas à divisão do
trabalho na sociedade capitalista e à profissionalização
e segmentação das artes. Eu poderia ainda acrescentar à
34 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

equação o fato de que a recepção da literatura japonesa


fora do Japão está tingida por questões orientalistas.
Podemos tentar descrever algumas características do
sistema literário da era Heian e, a partir da ideia de “po-
eta como produtor”, destacar os pontos de contraste com
outras culturas. Assim, Miner (1990) afirma que, para os
gregos, “a tragédia era escrita por cidadãos de Atenas do
sexo masculino, no contexto de uma competição patro-
cinada pelo governo”. Na Renascença, na Europa, o gru-
po autorizado era de homens da aristocracia ou homens
patrocinados por membros da aristocracia ou do clero.
No mundo contemporâneo, há a “visão predominante de
que qualquer pessoa (homem ou mulher) pode tentar,
mas apenas os que se profissionalizam obtêm sucesso”.
No caso da Antiguidade japonesa, “todos (homens e mu-
lheres), mesmo os analfabetos” podiam ser autores de
poesia (p. 18).
Ainda que o Japão moderno tenha absorvido a ética
da profissionalização associada ao capitalismo, a ideia de
que a literatura, como o esporte, não é necessariamente
uma atividade de recepção passiva, e pode envolver tudo
e todos, sobrevive de diversas maneiras xxii. O número de
japoneses que pratica, na qualidade de amadores, uma
arte, como a música, a dança tradicional, a poesia, a ca-
ligrafia, dentre outras, é muito maior do que o nosso. Al-
guém dizer numa roda de conhecidos no Brasil que “es-
creve poesia, sem compromisso, como passatempo” é um
convite ao escárnio, à incredulidade e ao riso; no Japão,
é uma ocorrência comum e estimulada desde a escola.

Agradeço ao poeta Diego Grando pelo insight. Em um debate sobre


xxii

poesia japonesa realizado na PUCRS em 2018, Grando chamou minha


atenção para a importância do elemento “amadorístico” e para a
singularidade do lugar do poeta no contexto do capitalismo pós-
industrial. Eu já tinha escrito sobre isso em outras ocasiões, mas a
conversa com o Diego ajudou-me a elaborar a hipótese com maior
precisão.
INTRODUÇÃO 35

No Brasil, onde houver uma comunidade de imigrantes


japoneses, há sempre um jornalzinho em japonês diri-
gido aos leitores locais, e quase todas essas publicações
promovem alguma modalidade de concurso de poesia,
ou ao menos mantêm uma página dedicada às compo-
sições dos leitores. A nossa atitude moderna de repulsa
ao poeta amador é uma decorrência lógica justamente do
culto romântico ao gênio e da especialização dos fazeres
no capitalismo, aos quais vem se somar, ao longo do sé-
culo XX, um gradual distanciamento dos sistemas edu-
cacionais com relação ao ideal humanístico e beletrista, e
o crescente utilitarismo subjacente às ideologias por trás
da formação de jovens e adultos.
No Brasil, no início do século XXI, é muito difícil
imaginar que possa haver uma teoria literária sofisticada
que admita a identidade do autor com o eu lírico, ou que
trate o poema como verdade factual. É como se o leitor
fosse incapaz de ler literatura sem passar pelo vestíbu-
lo da suspension of disbelief — aquele momento em que o
contrato ficcional entre leitor e texto se estabelece, o pri-
meiro concordando em acreditar no que o texto tem para
lhe dizer (ao menos pela duração da leitura), desde que
o segundo não lhe exija crédito de veracidade depois de
fechado o livro.
Em clara oposição à crítica ocidental contemporâ-
nea, “a compreensão literária na Ásia Oriental sustenta
que o autor está falando diretamente ao leitor, como se
não houvesse eu lírico, ou narrador de uma história”,
uma noção “de tal maneira contrária a ideias ocidentais
modernas que, para alguns, ela parecerá simplesmente
errada” (MINER, 1990, p. 30). A menos que seja dito ex-
pressamente o contrário, “presume-se que os poetas fa-
lam in propria persona” e os trechos de narrativas nos quais
se encontram comentários ou intervenções daquele que
um ocidental chamaria de narrador são denominados,
36 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

“em uma tradição de séculos, como ‘palavras do autor’


(sakusha no kotoba)” (MINER, 1990, p. 30).
O Kokin’wakashû faz uso do “conceito de integrar po-
emas por meio de textos em prosa” (RODD, 1984, p. 3), o
que se deve, em parte, ao fato de que a poesia japonesa
tende a preferir formas curtas, como que criando a ne-
cessidade de que o texte faça apelo ao hors-texte para ser
compreendido:

Uma das consequências desse uso social da poesia como


parte do discurso quotidiano na corte Heian é que o po-
ema se encontra preso à situação que o gerou; assim,
o conhecimento das circunstâncias de sua composição
era necessário para a compreensão de seu significado.
Isso propicia também o uso desses poemas como blocos
de construção para obras literárias de maior dimensão,
em cujo contexto eles podem ser explicados. Mesmo
poemas formais, escritos deliberadamente como atos
de criação artística, com o objetivo de serem lidos para
uma ampla plateia, eram frequentemente prefaciados
por uma nota explanatória, ou ao menos uma indicação
de tópico. (RODD, 1984, p. 20–21)

Muitos poemas do Kokin’wakashû apresentam aquilo


que eu chamo de “parafernália autoral”. Uma antologia
ambiciosa como essa necessita se basear em muitas fon-
tes documentais. Dentre essas fontes, encontravam-se,
por exemplo, relatos de eventos que envolviam a compo-
sição de poesia, arquivos de particulares, álbuns de poe-
mas pertencentes a indivíduos ou a uma família e com-
pilações poéticas organizadas privadamente por poetas,
servidores públicos ou intelectuais. De posse desses ma-
teriais, o editor precisava estabelecer critérios de seleção
e, em seguida, de classificação desses poemas. Muitos
deles vêm acompanhados da descrição das circunstân-
cias em que foram compostos — seja no título, seja em
INTRODUÇÃO 37

um texto explicativo. Assim, por exemplo, o título do po-


ema de número 745, escrito por Fujiwara no Okikaze, é
mais longo do que o próprio poema xxiii.
Não resta dúvida de que a situação descrita no títu-
lo do poema 745 é uma “cena romântica”, estilizada ao
máximo, recorrente na literatura japonesa de antes e
de depois (por exemplo, na passagem de O Romance do
Genji em que o quimono que a dama deixa para trás é
comparado à “casca da cigarra”). Além da peça de roupa
deixada para trás e da ideia do quimono como substituto
ou memória do corpo da amante, há o lugar comum dos
pais vigilantes e dos amantes secretos. Há ainda outros
lugares-comuns menos óbvios para um leitor brasileiro,
como a comparação entre o sal das lágrimas e aquele que
se extrai das algas marinhas, “a fogo lento”, o que seria
uma metáfora para a agonia do amor; ou ainda o uso da
palavra mo, que é tanto um tipo de alga como uma parte
do quimono (a cauda).
No entanto, o fato de que seja um clichê não impede
que o poema seja lido como tendo realmente acontecido.
De fato, para a literatura japonesa, talvez o que interes-
se ao leitor muitas vezes seja o reconhecimento (e o re-
gistro) de instantes em que a vida se parece com o clichê

xxiii
Além desse, há muitos outros poemas com títulos longos na
antologia. Em português, temos o exemplo semelhante dos poemas
de Gregório de Matos, cujos títulos às vezes são uma narrativa que
contextualiza o poema. Por exemplo: Continua em galantear aquella
Mariquita filha da Zabelona, que ja adiante dicemos (p. 1568); Passando
o poeta em certa occasião pela porta desta galharda dama reparou que a
sua vista expusera no peyto hum ramilhete de flores, que tinha na mão (p.
1619); Descreve a hum amigo desde aquelle degredo as alterações, e miserias
daquelle reyno de Angolla, e o que juntamente lhe aconteceo com os soldados
amotinados, que o levaram para o campo, e tiveram consigo para os aconselhar
no motim (p. 1602), e muitos outros (MATOS, 1968). Como no caso
dos waka do Kokin’wakashû, seguido se ignora se esses títulos são ou
não apócrifos; e mesmo a real autoria dos poemas é frequentemente
duvidosa ou de difícil comprovação.
38 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

consagrado. Estamos diante de um autor morto, irrele-


vante para a compreensão do poema, ou de um autor que
ilumina o texto com sua existência? A resposta variará de
acordo com os pressupostos culturais de cada leitor. Não
resta dúvida de que, lido fora de seu contexto, o poema
terá significados muito distintos.

SOBRE A TRADUÇÃO

A presente tradução começou a tomar forma no se-


gundo semestre de 2019 como material didático para a
disciplina de Literatura Japonesa em Tradução I do Ba-
charelado Tradutor Japonês-Português do Instituto de
Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Aproveitei diversos textos que eu havia escrito em dife-
rentes épocas sobre o assunto, mas as traduções dos po-
emas em si são em sua maioria inéditas. A preparação
do manuscrito ocupou os meses de janeiro e fevereiro de
2020 (as férias de verão); a revisão foi feita no início de
março; e a Introdução está sendo escrita enquanto esta-
mos todos confinados a nossas casas em virtude da pan-
demia.
Apresento aqui uma seleção de 165 exemplos de um
universo de 1.111 poemas — ou seja, menos de 20% do to-
tal de textos da antologia japonesa. A tradução integral
dos poemas do Kokin’wakashû exigiria uma dedicação de
tempo e de foco que raramente um tradutor brasileiro
teve ou terá o luxo de reservar a um projeto não remune-
rado. Meu objetivo com esta publicação é bem mais mo-
desto: oferecer ao leitor brasileiro um vislumbre de um
mundo que ele não conhece. Como esse mundo é distan-
te no tempo e no espaço, optei pelo antimodernismo em
minha abordagem editorial: desde o princípio, tive por
intenção criar um almanaque idiossincrático da cultura
japonesa da Antiguidade, incluindo na edição notas pa-
INTRODUÇÃO 39

ralelas, explicações introdutórias para cada um dos vinte


livros, minibiografias dos poetas, esta longa introdução-
-ensaio e ilustrações dos mais diversos tipos. O projeto
tipográfico procura dar mais destaque aos poemas em
português, mas não se furta de colocá-los lado a lado com
os poemas em japonês e a sua respectiva transcrição ro-
manizada. Algumas vezes, em vez de explicar a aparência
de um inseto ou de uma flor mencionados em um poe-
ma, acrescentei simplesmente um desenho da coisa em
questão à margem do livro.
A cultura japonesa nunca perdeu muito tempo com a
compartimentalização dos gêneros literários nem com
ideais de autonomia das artes. Desde os primórdios, a
escrita foi tratada como uma forma de expressão visu-
al. A poesia sempre foi tratada como canção e vice-ver-
sa. As artes plásticas dialogam com a literatura que, por
sua vez, está presente nas expressões artísticas ligadas à
performance, como o teatro, a música, a dança. A arquite-
tura não faz distinção entre o prédio e o jardim; o jardim
conversa com o texto; o texto é uma meditação sobre a
paisagem; a floresta é comparada a uma padronagem da
seda... e assim por diante. Propostas ocidentais de cria-
ção de uma extravagante “obra de arte total” não fazem
muito sentido em um contexto japonês, porque as artes
no Japão não foram nunca outra coisa que não totalizan-
tes. O pressuposto é de que tudo é híbrido: a cerimônia
do chá é uma filosofia e um evento social; o arranjo de
flores é um ritual estético; o mangá é literatura, assim
como o cinema; os romances têm poemas; as roupas e a
gastronomia dialogam com a pintura; etc. Os exemplos
são muitos e o assunto é inesgotável.
Em minha tradução anterior, Cem poemas de cem po-
etas (2019), publicada por esta mesma editora, já busquei
combinar elementos visuais aos poemas que traduzi. Eles
vinham acompanhados de notas interpretativas e de bio-
40 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

grafias dos poetas. Para a presente tradução de seleções


do Kokin’wakashû, meu editor, o artista plástico e poeta
Roberto Schmitt-Prym, me deu carta branca para resol-
ver a questão do design do livro como eu achasse melhor.
Em que pese minha pouca experiência como fazedor de
artefatos culturais, nunca me diverti tanto criando algo
na vida. As traduções estão longe de serem “neutras” ou
“fiéis”, e a profusão de paratextos vai a contrapelo do que
se costuma esperar de uma edição com poemas antigos e
veneráveis. Mas não vou pedir desculpas pela minha vi-
sibilidade como tradutor. A ideia era essa mesma, desde
o começo do projeto — causar interferência e ruído — e,
com alguma sorte, transmitir o meu entusiasmo por esse
fascinante capítulo da história da cultura japonesa.
Isso não significa que não houve critério nenhum na
idealização do volume. Ao selecionar os poemas, busquei:
(1) incluir ao menos dois exemplos de cada um dos vinte
livros; (2) incluir ao menos um exemplo de cada um dos
principais poetas xxiv; (3) observar, na medida do possível,
uma “representatividade proporcional” — ou seja, as ca-
tegorias com mais poemas também receberam um maior
número de traduções; (4) privilegiar poemas que “ficam
bem em tradução”, critério extravagantemente subjetivo
que me permitiu selecionar alguns poemas pelo simples
fato de que as traduções me pareceram mais atraentes
do que outras; e (5) seguir o meu gosto pessoal, critério
diferente do anterior no sentido de que incluí alguns po-
emas cuja tradução não está minimamente satisfatória,
mas que são tão bons — ou interessantes, ou famosos,

xxiv
“Principais”, aqui, significa duas coisas distintas: (1) os quinze
poetas com maior número de poemas na antologia em si; e (2) os
poetas mencionados em “listas canônicas”, como os “dois deuses da
poesia”, os “seis gênios poéticos”, etc. Procurei também incluir um
número considerável de poemas de “autoria desconhecida”, pois esses
perfazem mais de 40% do total da antologia.
INTRODUÇÃO 41

etc. — em japonês que merecem ser mencionados, ainda


que de forma muito imperfeita.
Inicialmente, planejava não repetir nenhuma tradu-
ção do meu livro anterior; no entanto, logo que come-
cei a traduzir o “Prefácio em hiragana”, compreendi que
isso não ia ser possível, pois os poemas citados por Ki no
Tsurayuki reaparecem na antologia posterior, organiza-
da por Fujiwara no Teika (eu traduzi os dois em ordem
cronológica inversa à das primeiras edições japonesas: o
Kokin’wakashû é do século X; Cem poemas de cem poe-
tas, do século XIII). Fiquei ainda mais mortificado quan-
do cheguei à conclusão de que, em alguns casos, eu não
concordava mais comigo mesmo e de que eu ia ter que revisar
parcialmente as traduções de um ano atrás para a pre-
sente antologia. Mortificações à parte, talvez essa cons-
tatação da instabilidade do texto traduzido tenha sido
um presente disfarçado. O texto poético não é nunca um
só; não é possível o acesso a um “santo dos santos” onde
se encontra a verdade do poema, pelo simples fato de que
esse lugar interpretativo não existe.
Não se trata, por um lado, de um livro ortodoxo de
“poesia traduzida”; por outro, também não é um livro
com pretensões críticas ou acadêmicas. Eu não quis que
fosse “apenas” um livro de poesia traduzida porque, ao
contrário do haicai das eras Pré-Moderna, Moderna e
Contemporânea, esse período do desenvolvimento lite-
rário japonês (a Antiguidade) e o gênero da maioria dos
poemas (o waka ou tanka) é muito mal representado no
sistema literário brasileiro, e eu acredito ser necessário
introduzir ao nosso leitor essa cultura e esse universo
com um número maior de detalhes e chaves de leitura do
que a mera apresentação dos poemas traduzidos.
Não tive a pretensão de escrever um texto acadêmico,
ou uma obra de crítica literária. As informações que eu
apresento são em grande parte as consensuais da área,
42 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

e este livro não inclui pesquisa original. É claro que, tendo


lecionado e refletido sobre o assunto por quase duas déca-
das, algumas opiniões pessoais e idiossincrasias de ênfase
vão se refletir nestas páginas, mas essas distorções estão
longe de constituírem uma visão inovadora ou sistemática.
Na tradução, não observei nenhuma lista geral de “re-
gras pessoais da tradução literária”. Também não me pre-
ocupei em seguir sempre os mesmos pressupostos. Alguns
poemas têm rimas, aliterações, ritmos e métrica tradicio-
nais (ou imitativos do japonês); outros dão mais importân-
cia à explicitação das imagens poéticas; outros ainda sa-
crificaram a retórica em prol do “conteúdo” ou da “ordem
normal” dos elementos da frase em português. Mas há
também os que se pretendem venutianos, criam sintaxes
retorcidas, apresentam outridões e arestas estrangeiras.
Tratei cada poema como um problema individual, e a so-
lução para cada um deles não segue um padrão. Não uso
quase nenhuma pontuação ou maiúsculas, mas não sabe-
ria dizer por que: talvez porque em japonês não se faça uso
de uma coisa nem outra, mas mesmo essa explicação é per-
feitamente arbitrária.
Eu tenho, no entanto, uma lista de preceitos que eu não
sigo ao traduzir poesia: (1) a crença de que existe “tradu-
ção fiel”, “tradução literal”, “tradução escorreita”, “tradução
definitiva” ou “tradução perfeita”; (2) o temor reverencial
frente ao texto que estou traduzindo, por mais venerável
ou sagrado que seja; (3) a necessidade de se captar o “es-
pírito” ou “verdade metafísica” por trás de um poema; (4)
o uso obrigatório de métrica formal; (5) a necessidade (ou
possibilidade) de se refletir na tradução a totalidade dos
elementos e do universo do poema estrangeiro; (6) a crença
de que é impossível traduzir poesia; (7) a crença de que só
é possível traduzir poesia de uma maneira específica; (8) a
crença de que, se for para obter um produto imperfeito e
transitório, é melhor desistir; (9) a obrigatoriedade do uso
de rima; (10) a proibição do uso de rima; (11) a proibição do
INTRODUÇÃO 43

uso de notas de rodapé e de outros paratextos contextua-


lizadores; (12) a crença de que o poema deve falar “por si
só”, sem “distrações”; (13) a imaterialidade do texto literá-
rio; (14) uma concepção a priori, essencialista, arquetípica
ou platônica do que venha a ser literatura; e (15) a seguinte
ideia, expressa por Otto Maria Carpeaux, e infelizmente
muito viva na cabeça de muitos apreciadores de literatura,
ainda no século XXI:

Religião judaico-cristão, ciência grega, direito romano:


eis a herança da Antiguidade [...]. E todas as outras
influências alheias, que o Ocidente recebeu mais tarde, já
não se incorporaram bem na nossa civilização; tornaram-
se influências “exóticas”. [... Nada] disso entrou realmente
em nossa civilização; continuou sempre “exotismo”.
[...] Das literaturas orientais recebemos e conservamos
definitivamente apenas algumas poucas obras, traduzidas
(se é lícita a expressão) de maneira antes inexata, razão
por que se tornaram obras nossas. [...] O que não provém
daquela herança antiga, continua inassimilável; e com
isso o conceito “Literatura do Ocidente” está justificado.
(CARPEAUX, 2010, p. 35–36)

Eu discordo com particular convicção da ideia de que


existe uma “nossa civilização” que possamos reivindicar, e
de que esse “nosso”, no Brasil, seja uma ideia pura e estável
chamada “Ocidente”. Com sorte, em um futuro debate so-
bre o que desejamos ser como país após a atual catástrofe,
a presente tradução contribuirá para uma maior abertura
para elementos que não pertencem a um “nós” excludente.

Andrei Cunha
Porto Alegre, 28 de junho de 2020.
ÍNDICE
ONOMÁSTICO-
BIOGRÁFICO

Ariwara no Motokata ♂
(séculos IX–X).Filho do
A governador da província
de Chikuzen. Poemas 1, 103,
339, 630 (4).
Abe no Nakamaro ♂ (698?
– 770?). Foi enviado Ariwara no Narihira ♂
muito jovem à China, (825–880). Neto do
como membro de uma imperador Heizei (o
embaixada do Japão, Mikado de Nara) por parte
para que realizasse seus de pai e do imperador
estudos. Mais velho, Kanmu por parte de mãe.
tentou voltar à terra natal, Recebeu o sobrenome
mas seu navio naufragou e Ariwara para ser excluído
ele retornou à China, onde da linha de sucessão
morreu septuagenário. imperial. Inspirou o
Mencionado no “Prefácio”. personagem Hikaru Genji
Poema 406 (1). de O Romance do Genji,
de Murasaki Shikibu (séc.
Akahito. V. Yamabe no XI). Sua figura, em parte
Akahito. baseada em fatos reais,
Amaneiko. V. Harusumi no em parte em mito e lenda,
Amaneiko. é associada à excelência
em poesia, à grande
204 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

beleza física e à fama de esquecido; outros foram


conquistador. Narihira é o compostos por poetas de
herói dos Contos de Ise, e classes sociais inferiores;
muitos dos poemas dessa alguns são de nobres que
narrativa são atribuídos caíram em desgraça devido
a ele. É um dos “6 Gênios a intrigas palacianas e
Poéticos” e também um tiveram seu nome apagado
dos “36 Gênios Poéticos”. dos registros; e muitos são
Mencionado no “Prefácio”. de mulheres que temiam
Poemas 133, 294, 616, 644, 646, por sua reputação se
747, 861, 879 (7). associadas ao conteúdo
de seus poemas. O nome
Ariwara no Shigeharu ♂
de uma mulher não se
(? – 905?). Segundo filho
revelava em público; por
de Ariwara no Narihira.
isso, temos muitos poemas
Poema 424 (1).
que são designados como
Ariwara no Yukihira ♂ (818– sendo de “uma dama”,
893). Irmão mais velho de “uma mulher” ou da “mãe
Ariwara no Narihira. A de Fulano”. Poemas 5, 7, 34,
peça de nô Matsukaze (“O 73, 122, 123, 135, 139, 171, 172,
vento que espera” ou “O 173, 174, 175, 176, 184, 198,
vento nos pinheiros”), de 205, 216, 217, 259, 286, 287,
Kan’ami e Zeami, conta a 289, 314, 317, 343, 409, 443,
história dos fantasmas de 469, 492, 496, 506, 511, 512,
duas irmãs que esperam 516, 520, 521, 522, 540, 582,
pela eternidade a volta de 637, 677, 692, 708, 758, 772,
Yukihira. Poemas 23, 962 (2). 855, 933, 1007, 1008, 1011,
Autoria desconhecida ♀ ♂. 1069, 1075 (53).
Mais de 40% dos poemas
incluídos na antologia não
tem autoria especificada.
Isso se deve a vários
C
motivos. Alguns são de
poetas muito antigos Chisato. V. Ôe no Chisato.
que tiveram seu nome
ÍNDICE ONOMÁSTICO-BIOGRÁFICO 205

Fujiwara no Toshiyuki ♂
D (?– c. 901). Era poeta e
calígrafo. É um dos “36
Gênios Poéticos”. Poemas
Dona Ise ♀ (c. 875 – c. 938). 169, 269, 578, 1100 (4).
Possui um total de 170
poemas em antologias Fujiwara no Yoruka ♀ (fim
imperiais. Está entre os “36 do séc. IX). Dama da corte.
Gênios Poéticos”. Poemas Poema 80 (1).
43, 138, 676, 681, 791 (5). Fun’ya no Yasuhide ♂
Dona Nijô ♀ (842–910). (século IX). Era Segundo
Consorte do imperador Diretor do Guarda-
Seiwa e mãe do imperador Roupa Imperial. Um
Yôzei. Teve um caso com dos “6 Gênios Poéticos”.
o monge Zen’yû e foi Mencionado no “Prefácio”.
afastada da corte. Seu Poemas 8, 249, 250, 849 (4).
título foi restabelecido
postumamente. Poema 4
(1).

H
F Harusumi no Amaneiko
♀ (séc. IX). Serviu como
Fujiwara no Okikaze ♂ dama de honra no palácio
(séculos IX–X). É um imperial. Poema 107 (1).
dos “36 Gênios Poéticos”.
Heizei, Heizei Tennô. V.
Poemas 102, 301, 745 (3).
Mikado de Nara.
Fujiwara no Tadafusa ♂
Henjô. V. Monge Henjô.
(? –928). Célebre por seu
talento como flautista. Hitomaro. V. Kakinomoto
Poema 196 (1). no Hitomaro.
206 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

I Ki no Tomonori ♂ (? – c.
905). Um dos compiladores
do Kokin’wakashû. Primo
Imperador Heizei. V. de Ki no Tsurayuki. Possui
Mikado de Nara. 67 poemas em antologias
Imperador Monmu. V. imperiais. Mencionado no
Mikado de Nara. “Prefácio”. Poemas 13, 38, 84,
177, 178, 562, 615 (7).
Ise. V. Dona Ise.
Ki no Tsurayuki ♂
(868–945). Foi um dos

K compiladores da antologia
Kokin’wakashû e autor
do importantíssimo
“Prefácio em hiragana”.
Kakinomoto no Hitomaro
Foi diretor da Biblioteca
♂ (c. 660 – c. 720).
Imperial. É um dos “36
Juntamente com Yamabe
Gênios Poéticos” e uma das
no Akahito, é considerado
mais importantes figuras
um dos “2 Deuses da
literárias da história do
Poesia”. Também faz parte
Japão. Autor do “Prefácio”.
do grupo dos “36 Gênios
Poemas 42, 79, 89, 117, 160,
Poéticos”. É um dos poetas
170, 262, 342, 352, 404, 804,
mais importantes da era
1002 (12).
do Man’yôshû. Escrevia
tanto tanka como chôka. Kisen, Kisen Hôshi. V.
Mencionado no “Prefácio”. Monge Kisen.
Poema 324 (1).
Kiyohara no Fukayabu ♂
Kanemi-no-ôkimi. V. (séculos IX–X). Bisavô de
Príncipe Kanemi. Sei Shônagon, a autora de
O Livro de Travesseiro.
Kanemori. V. Taira no
Possui 41 poemas em
Kanemori.
antologias imperiais.
Kengei, Kengei Hôshi. V. Poema 581 (1).
Monge Kengei.
ÍNDICE ONOMÁSTICO-BIOGRÁFICO 207

Komachi. V. Ono no imperador Saga (786–842).


Komachi. Aposentado, foi viver na
Kuronushi. V. Ôtomo no antiga capital, motivo
Kuronushi. por que o chamavam de
“Mikado de Nara”. No
“Prefácio em hiragana”,

M Ki no Tsurayuki pode ter


feito deliberadamente
uma confusão entre as
duas figuras históricas,
Mãe de Ono no Chifuru ♀
para criar uma impressão
(séc. IX). Filha de Ono
de maior profundidade
no Michikaze, um dos
cronológica. Mencionado
três mais importantes
no “Prefácio”. Poemas 90, 283
calígrafos da Antiguidade.
(2).
Poema 368 (1).
Mikuni no Machi ♀ (séc. IX).
Mibu no Tadamine ♂ (século
Consorte do imperador
X). Um dos “36 Gênios
Ninmyô. Poema 152 (1).
Poéticos” e um dos quatro
editores do Kokin’wakashû. Minamoto no Muneyuki ♂ (?
Teve importante atuação – 939). Neto do imperador
como poeta e também Kôkô. Possui 15 poemas em
como crítico. Mencionado antologias imperiais e uma
no “Prefácio”. Poemas 11, 183, coletânea individual. É um
327, 478 (4). dos “36 Gênios Poéticos”.
Poemas 182, 315 (2).
Michizane. V. Sugawara no
Michizane. Mitsune. V. Ôshikôchi no
Mitsune.
Mikado de Nara ♂. O
Mikado de Nara pode tanto Monge Henjô ♂ (816–890).
ser o imperador Monmu Foi capitão da guarda
(683–707) quanto Heizei do imperador Ninmyô
(774–824). O imperador e, quando este faleceu,
Heizei abdicou em 809 tornou-se monge. É um
em favor de seu irmão, o dos mais importantes
208 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

poetas do século IX e
possui uma antologia
individual. É um dos “36
N
Gênios Poéticos”. Poemas Nakamaro. V. Abe no
27, 165, 226, 394 (4). Nakamaro.
Nara no Mikado. V. Mikado
Monge Kengei ♂ (fim do séc.
de Nara.
IX). Um monge da região
Narihira. V. Ariwara no
de Shirogami, na província
Narihira.
de Yamato. Poema 875 (1).
Nijô. V. Dona Nijô.
Monge Kisen ♂ (século
IX). Um dos “6 Gênios
Poéticos”. Não se sabe
quase nada de sua
O
biografia. Mencionado no Ôe no Chisato ♂ (séculos IX–
“Prefácio”. Poema 983 (1). X). Sobrinho de Ariwara no
Yukihira e de Ariwara no
Monge Sosei ♂ (séculos IX– Narihira. Poema 271 (1).
X). Filho de Henjô. Poeta
Okikaze. V. Fujiwara no
e calígrafo. É um dos “36 Okikaze.
Gênios Poéticos”. Poemas 6,
Ono no Chifuru ga Haha. V.
56, 181, 357, 802, 1012 (6). Mãe de Ono no Chifuru.
Monmu, Monmu Tennô. V. Ono no Komachi ♀
Mikado de Nara. (primeira metade do
século IX). Uma das mais
Motokata. V. Ariwara no importantes poetas da
Motokata. Antiguidade. Seu estilo
é único no contexto do
Muneyuki. V. Minamoto no Kokin’wakashû. Era capaz
Muneyuki. de expressar extrema
ÍNDICE ONOMÁSTICO-BIOGRÁFICO 209

paixão ou sofrimento por


meio de um número muito
P
reduzido de palavras e
recursos. Teve profunda Princesa Shitateru ♀. Figura
influência sobre toda a mitológica. Personagem
subsequente literatura do Kojiki. Teria composto
de autoria feminina. Ono o primeiro poema japonês
no Komachi pertence no mundo celestial.
ao grupo dos “6 Gênios Mencionada no “Prefácio”.
Poéticos”. Mencionada no
Princesa Sotôri ♀ (séc. V).
“Prefácio”. Poemas 113, 552,
Consorte do imperador
658, 797, 938 (5).
Ingyô. Seu estilo poético
Ono no Takamura ♂ (802– é considerado como
852). Escrevia tanto em precursor do erotismo
chinês como em japonês, de Ono no Komachi.
mas suas coletâneas Mencionada no “Prefácio”.
individuais foram Poema 1110 (1).
perdidas. Poema 829 (1).
Príncipe Kanemi ♂ (? – 932).
Ôshikôchi no Mitsune Ocupou diversos cargos na
♂ (? – c. 925). Foi um corte. Poema 298 (1)
dos compiladores do
Kokin’wakashû. É um
dos “36 Gênios Poéticos”.
Mencionado no “Prefácio”.
Poemas 104, 120, 134, 167, 168,
S
179, 180, 213, 277, 329, 584, Sacerdotisa de Ise ♀ (séc.
611 (12). IX). Em Contos de Ise,
Ôtomo no Kuronushi ♂ é personagem de uma
(830? – 923?). Um dos das aventuras galantes
“6 Gênios Poéticos”. de Narihira. A Suma
Mencionado no “Prefácio”. Sacerdotisa do Santuário
Poemas 735, 899 (2). de Ise era escolhida
dentre um seleto grupo
210 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

de donzelas da mais alta Sugawara no Michizane


aristocracia. As inúmeras ♂ (845–903). Educador,
histórias românticas da estadista, poeta e calígrafo.
Antiguidade e da Idade É venerado como o deus
Média envolvendo essas Tenjin, protetor dos
figuras religiosas levam estudantes e dos poetas. A
a crer que se tratava de sua iconografia inclui a flor
um cargo de considerável da ameixeira. Poema 272 (1).
autonomia e poder. Poema
Susanoo, Susanoo-
645 (1).
no-mikoto ♂. Figura
Sadafun. V. Taira no mitológica. Irmão de
Sadafun. Amaterasu. Personagem
Sanjô no Machi ♀ (séc. IX). do Kojiki. Teria composto
Avó do príncipe Kanemi. o primeiro poema japonês
Consorte do imperador no mundo dos humanos.
Montoku. Poema 930 (1). Mencionado no “Prefácio”.

Shigeharu. V. Ariwara no
Shigeharu.
Shitateru-hime-no-mikoto.
T
V. Princesa Shitateru.
Tadafusa. V. Fujiwara no
Sôjô Henjô. V. Monge Henjô. Tadafusa.
Sosei, Sosei Hôshi. V. Tadamine. V. Mibu no
Monge Sosei. Tadamine.
Sotôri-hime. V. Princesa Taira no Kanemori ♂ (? –
Sotôri. 990). Possui 87 poemas em
Sugano no Takayo ♂ (início antologias imperiais e uma
do séc. IX). Pouco se sabe coletânea individual. É um
de sua biografia. Poema 81 dos “36 Gênios Poéticos”.
(1). Mencionado no “Prefácio”.
ÍNDICE ONOMÁSTICO-BIOGRÁFICO 211

Taira no Sadafun ♂ (871?


– 931). Secretário do
governador da província
W
de Mikasa. Poemas 238, 279
(2). Wani ♂ (séc. IV?). Autor
da “Canção de Naniwa”.
Takamura. V. Ono no
Sábio coreano que trouxe
Takamura.
a primeira cópia dos
Takayo. V. Sugano no Analectos de Confúcio
Takayo. para o Japão. Mencionado no
Tomonori. V. Ki no “Prefácio”.
Tomonori.
Toshiyuki. V. Fujiwara no
Toshiyuki. Y
Tsurayuki. V. Ki no
Tsurayuki. Yamabe no Akahito ♂
(século VIII). Atuou como
poeta na corte durante a

U era Nara. É considerado,


juntamente com seu
contemporâneo Hitomaro,
Uma dama da corte ♀ (séc. como um dos “2 Deuses da
IV?). Autora da “Canção do Poesia”. Também faz parte
Monte Asaka”. Mencionada do grupo dos “36 Gênios
no “Prefácio”. Poéticos”. É um dos poetas
mais importantes da era
Uma mulher ♀. (? – ?) Poeta. do Man’yôshû. Possui 46
Poema 375 (1). poemas em antologias
Uma mulher ♀. (? – ?) Poeta. imperiais. Mencionado no
Poema 412 (1). “Prefácio”.
Utsuku ♀. (? – ?) Poeta. Yasuhide. V. Fun’ya no
Poema 742 (1). Yasuhide.
212 P O E M A S D O J A PÃ O A N T I G O

Yoruka. V. Fujiwara no
Yoruka.
Yukihira. V. Ariwara no
Yukihira.
poemas do Japão antigo
seleções do Kokin’wakashû

古今和歌集抄

EX ORIENTE LUX
Acabou-se de compor
em Alegreya e EPSON 行書体

Porto Alegre, 30 de junho de 2020.

Copyright © 2020 Andrei Cunha

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