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panfletos gradiva

1. A FRANÇA ANTES DA R E V O L U Ç Ã O
J. H. S h e n n a n

2. A CONTRA-REFORMA
Michael Mullett

3. MUSSOLINI F. A ITÁLIA FASCISTA


Marün BLinkhorn

4. A ÉPOCA D O S D E S C O B R I M E N T O S
David Arnold

5. A E V O L U Ç Ã O DO P E N S A M E N T O G E O G R Á F I C O
Conceição C o e l h o Ferreira, Nalércia Neves Simões

6. GALILEU E PLATÃO
Alexandre Koyré

7. GALILEU, DESCARTES E O M E C A N I S M O
F. Alquié, F. Russo, J. Beaude, M. A, Tonnelar, P. Costabel, R. Polin

8. T R A T A M E N T O ESTATÍSTICO E G R Á F I C O EM GEOGRAFIA
Conceição C o e l h o Ferreira, Nalércia Neves Simões

9. FILOSOFIA A N A L Í T I C A
Claude Imbert, Denis Zaslawsry, Francis Jacques, Plülippe Devaux, Jau Sebestik,
Françoisc A r m e n g a u d , Gilles G. Granger

10. HISTÓRIA E H I S T O R I C I D A D E
C. H i g o u n e t , C. Mazauric, Guy Pahnadc, FI. G. Gadamer, H. I. Marrou, Paul Veyne,
Pierre Vüar, R. Mandrou

11. GRÉCIA E MITO


Paul Ricoeur, Mareei Detienne, Pierre Vidal-Naquet, François Châtelet, André J.
Festugière
12. GÊNESE E GENES
Manuel Banet Baptista

13. O I N V E N T Á R I O DAS DIFERENÇAS


Paulo Veyne

14. WERNER HEISENBERG


PÁGINAS DE REFLEXÃO E AUTO-RETRATO
A. M. N u n e s dos Santos

15. MULHERES NA C I Ê N C I A
LISF. MEITNER, MARIA GOEPPERT-MAYER E MARIE CURIE
A. M. N u n e s d o s Santos, M. Amália C. Bento, Christopher Auretta

16. UMA T A R D E C O M O SR. FEYNMAN


A. M. N u n e s d o s Santos, Christopher Auretta

17. E D D I N G T O N E EINSTE1N
A. M. N u n e s d o s Santos, Christopher Auretta

18. D I Á L O G O D O S G R A N D E S SISTEMAS
Galileu Galilei
Conceição Coelho Ferreira
Natércia Neves Simões

A Evolução
do Pensamento Geográfico

gradiva
© 1986 Conceição Coelho Ferreira
e Nalércia Neves Simões/Gradiva Publicações, Lda.
Revisão do texto: Manuel Joaquim Vieira
Capa: Jorge Estrela
Fotocomposição: Grifas - Fotocomposição, Lda.
Impressão e acabamento: MANUEL BARBOSA & FILHOS, LDA.
Gradiva - Publicações, Lda.
Rua de Almeida e Sousa, 21, r/c, esq. - 1300 Lisboa - Telef.: 397 40 67 / 8
9."edição: Novembro/94
Depósito legal n.° 84.449/94

As autoras agradecem a colaboração


do desenhador Adolfo Manuel da Silva
CAPÍTULO 1

A GEOGRAFIA
NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS

1.1 A GEOGRAFIA COMO CIÊNCIA

Desde há vários milhares de anos que os factos,


as coisas que foram acontecendo, têm vindo a ser
alvo de questões por parte do homem. Era necessá-
rio saber o porquê e o quê dos acontecimentos que
se iam incorporando na experiência humana.
Assim, todos nós, da infância à maturidade, va-
mos adquirindo a percepção das coisas, a experiên-
cia. Mas mais importante do que adquirir experiên-
cia é saber manipulá-la. Todas as culturas foram,
através dos tempos, construindo padrões, sistemas,
segundo os quais a experiência era igualmente ma-
nipulada por todos os seus componentes. As per-
guntas que se colocavam necessitavam de respostas
satisfatórias e únicas para a comunidade. No fundo,
necessitavam do estabelecimento de uma ordem
que permitisse organizar um sistema coerente, se-
gundo o qual as nossas experiências, advindas das
mesmas questões, se enquadrassem nas mesmas
respostas. Assim se alargava esse conceito de ordem
a todas as actividades humanas. A necessidade de
respeitar uma ordem preestabelecida é facilmente

7
verificável no estabelecimento de sistemas religio-
sos e sociais. O estabelecimento de uma ordem é
também absolutamente necessária nos diversos
domínios que o homem foi alcançando pelas con-
quistas tecnológicas, como, por exemplo, a roda, a
utilização da máquina a vapor, a utilização de com-
putadores, etc.
Ao h o m e m colocavam-se os mais diversos pro-
blemas que é necessário resolver e n e m sempre a
experiência não ordenada tem capacidade para tal.
Assim, é fundamental criar sistemas ordenados a
partir dos quais seja possível resolver um problema
pontual, seja ele qual for. Surgiram, pois, a ordem
tecnológica e, posteriormente, a ciência. Esta é um
produto do pensamento humano destinado a criar
meios que permitam atingir objectivos finais, expli-
cativos de experiências passadas e da existência pre-
sente e preditivos para o futuro. No entanto, a ciên-
cia não é o único sistema possível. Se o h o m e m vier
a descobrir um sistema mais produtivo, é possível
que abandone este, tal como abandonou parte do
sistema tecnológico que precedeu a ciência.
Na ciência, a resolução dos problemas que lhe
são postos processa-se por etapas. Assim, podem
considerar-se quatro níveis: a resolução dos proble-
mas, a metodologia, a pesquisa e o enquadramento
filosófico:

Os problemas colocados são resolvidos pelos téc-


nicos, que se baseiam em princípios já estabe-
lecidos, aplicando-os através de um método e
encontrando uma solução para o problema;
Os métodos aplicados pelos técnicos são defini-
dos pelos metodólogos, que desenvolvem e
experimentam novas técnicas, que permitem

8
obter respostas mais eficazes para os proble-
mas que se colocam aos técnicos;
A descoberta ou pesquisa de novas áreas, novos
problemas do âmbito de cada ciência particu-
lar, é feita pelos teóricos. São eles que «pen-
sam» sobre aquilo que há para fazer no campo
científico;
Finalmente, o enquadramento abstracto e geral
de todas as ciências, o fundamento do pensa-
mento científico, é feito pelos filósofos, que
se preocupam com o pensamento em geral.

Fig. 1 - A organização do conhecimento científico

Pode, assim, considerar-se que os filósofos cons-


tróem as bases conceptuais de todas as nossas activi-
dades; que os teóricos as ajustam a campos científi-
cos específicos; que os metodólogos, através dos
conceitos científicos fundamentais que os teóricos
lhes fornecem, criam técnicas, e que os técnicos re-
solvem os problemas que lhes são colocados pela
comunidade sobre os mais diversos assuntos, utili-
zando as técnicas fornecidas pelos metodólogos.
Cada ramo científico vai resolver um conjunto de

9
problemas, de modo que, da sua inter-relação e
complementaridade, se produza uma sociedade
mais estável, com um conjunto de sistemas de co-
nhecimentos que providenciem um bem-estar social
cada vez maior.
Para os geógrafos levanta-se agora uma questão
fundamental:
Como enquadrar a geografia na ordem científica?
Será necessário, primeiro, reconhecer quais os
acontecimentos e as questões, «o quê?» e o «por-
quê?», de âmbito geográfico, que se podem colocar
e, a partir daqui, quais as respostas que se encon-
tram.
As questões que servem para identificar um
acontecimento causai, seja ele qual for, são coloca-
das a todas as ciências. Mas as questões que dizem
respeito a estruturas espaciais representam o funda-
mento do pensamento geográfico e, logo, da identi-
ficação da geografia.
Aos geógrafos são colocados problemas sobre
distribuições espaciais, respectivas estruturas e suas
conseqüências. O mundo em que vivemos vê-se pe-
rante grandes problemas de ordem espacial. Pode
dizer-se que alguns são mesmo prementes - a desi-
gualdade econômica, a guerra fria, a poluição e o
ambiente, a superpopulação. Todos eles têm a ver
com características de distribuição no espaço e ne-
cessitam de resolução a esse nível.
Compete à geografia descobrir quais os processos
que produzem essas estruturas espaciais, descobrir
qual a sua ordem, de modo a integrar essa ordem na
experiência, para que possam ser manipulados os
conhecimentos adquiridos. Quando são descobertas
técnicas que permitem resolver questões de ordem
espacial, é dada aos técnicos a possibilidade de re-

10
solver os problemas que as comunidades colocam
sobre as estruturas das distribuições espaciais. Aos
geógrafos cabe descobrir as respostas mais cabais a
perguntas do tipo «Porque é que as distribuições es-
paciais se estruturam de determinada maneira?».
A existência da geografia como ciência justifica-
-se pela capacidade que esta tiver de criar réplicas de
distribuições espaciais. Estas réplicas devem permi-
tir estabelecer um padrão conceptualmente eficaz
para definir as séries de acontecimentos que criam
estruturas espaciais, quer no presente, quer, poten-
cialmente, no futuro. Deste modo, a geografia será
capaz de criar sistemas ordenados de respostas, de
criar métodos para responder às questões sobre es-
truturas espaciais e suas conseqüências, de desco-
brir técnicas que permitam resolver os problemas
das distribuições espaciais. Assim, fornece sistemas
de respostas úteis sobre o modo como as estruturas
espaciais são produzidas e sobre qual o efeito dessas
estruturas nas nossas experiências. Contribui, de
modo decisivo, para o bem-estar da sociedade, em
complementaridade com os sistemas fornecidos pe-
las outras ciências.
Se a ciência permite explicar as nossas experiên-
cias, então a geografia enquadra-se no sistema
científico, porque este é o sistema que, neste mo-
mento, permite obter as respostas mais eficazes para
os problemas que se colocam.

1.2 CIÊNCIA, CIÊNCIAS


E MÉTODO CIENTÍFICO

Tal como já se disse, a ciência é um produto do


pensamento humano, tal como outros sistemas do

li
pensamento, e representa um instrumento desti-
nado a resolver certas tarefas humanas. Só que se re-
velou um instrumento tão poderoso que todos se
habituaram a pensar nela como uma instituição
super-humana, devido ao facto de ser supra-indivi-
dual e supranacional. Pode mesmo afirmar-se que se
trata de uma megaconstrução, em virtude de ser
uma estrutura hierárquica, composta por um grande
número de conceitos, construções e respectivas re-
lações.
A ciência não é um acumular de conhecimentos.
É, sim, uma ordem humana imposta, porque per-
mite dar respostas convenientes às interrogações do
homem.
No entanto, se parece existir um corpo comum
de conhecimentos aceites, se não ao nível universal,
pelo menos pela cultura ocidental (e, a partir daí,
fortemente difundido), não é menos verdade que as
diferentes áreas científicas que compõem a ciência
parecem ter entre si fortes divergências conceptuais.
Assim, fala-se em «ciências puras e aplicadas» e
«ciências físicas e humanas», pelo que podemos di-
zer que a ciência é composta por diferentes espécies
de ciências.
1
Carnap distingue dois tipos de ciências:

Ciências factuais: aquelas que detêm conteúdos


empíricos e trabalham directamente com fac-
tos (exemplos: geografia, antropologia, fí-
sica, biologia, história, economia, e t c ) . Com-

1
Rudolf Carnap (1891), filósofo alemão, representante do
positivismo lógico e um dos membros do Círculo de Viena.

12
preendem, assim, quer ciências físicas, quer
humanas, puras ou aplicadas;
Ciências formais: aquelas que apresentam apenas
sistemas de pensamento, como a lógica e a
matemática (incluindo a geometria). Ambas
se baseiam em dois conceitos: relação e nú-
mero.

Enquanto as ciências factuais se baseiam em


construções, isto é, em categorias de experiências
de conteúdos empíricos, as formais baseiam-se em
conceitos, ou seja, em idéias abstractas, não empíri-
cas, baseadas na relação, no número e nas combina-
ções. As ciências factuais produzem conhecimentos
acerca do mundo e, assim, explicam as nossas expe-
riências e fornecem respostas às nossas questões.
As ciências formais não se preocupam com o conhe-
cimento empírico e trabalham os seus conceitos
como axiomas.
Embora o trabalho dos cientistas formais não es-
teja sujeito a testes, como o dos factuais, os concei-
tos por eles encontrados vão, posteriormente, servir
às aplicações e experiências das ciências factuais.

O MÉTODO DA CIÊNCIA

Para resolver um problema que se coloca a uma


ciência é necessário um método de trabalho que
leve a descobrir a solução correcta. Este trabalho é
feito segundo várias fases:

1.° Formulação da hipótese

Quando um problema é colocado, é necessário


reconhecê-lo como um acontecimento, ou como

13
uma série de acontecimentos que estabelecem rela-
ções entre si ou com outros acontecimentos.
Aquilo que se pretende é descobrir o porquê ou
o quê desse acontecimento. Para isso é necessário
descobrir aquilo que o causa.
Geralmente, o cientista pensa aprioristicamente
numa causa lógica para tal acontecimento. Rara-
mente inicia uma investigação sem nenhuma idéia
sobre aquilo que vai investigar. Coleccionar dados e
procurar através deles uma relação possível é bas-
tante improdutivo. E, embora uma idéia a priori
sobre a causa de determinado acontecimento tanto
possa ser correcta como errada, é preferível partir
dela para tentar descobrir uma verdade que se possa
mostrar eficaz como resposta.

Quando se pensa que uma relação entre dois


acontecimentos, ou uma série de acontecimentos,
pode ser possível, está a construir-se uma hipótese,
que irá ser o fundamento das experiências que a irão
testar.
Trabalhando com base na lógica, pensa-se que a
hipótese X levará à causa Z. Esta hipótese é uma
resposta possível, que nos leva à experiência e que,
eventualmente, nos levará ou à descoberta de outras
respostas ou a confirmar a resposta inicial.

2° Descrição e observação

Para testar as suas hipóteses, os cientistas têm


de seleccionar os factos que lhes parecem mais re-
levantes. Para os seleccionar, os cientistas baseiam-
-se em teorias preconcebidas que determinam que
tipos de factos são relevantes para cada investi-
gação.

14
Após seleccionar os factos é necessário descrevê-
-los, o que é feito de duas maneiras possíveis:

Definição nominal: tal como vem nos dicioná-


rios (exemplos: idade, sexo, endereço, e t c ) ;
Definições operacionais: definições produzidas
pela realização de certas operações que são,
elas próprias, parte implícita ou explícita da
definição científica, da construção ou conceito
em causa. Estas definições são usadas quando
se fala de acontecimentos hipotéticos, cons-
truções ou conceitos que ainda não estão for-
malmente estabelecidos.

Após a definição é necessário ainda tratar da me-


dição, como parte final da descrição.
Depois de ter definido quais os factos a tratar, é
necessário estabelecer a forma como vão ser medi-
dos (verbalmente, por escrito ou de forma numé-
rica).
Geralmente, os cientistas preferem utilizar a
forma numérica por ser mais conveniente, visto
que:

Os dados são mais fáceis de tratar, armazenar,


manipular e produzir;
As medições são mais exactas e objectivas.

Esta preferência pela medição numérica constitui


ainda hoje um problema para as ciências sociais,
cujas técnicas de medição numérica para aconteci-
mentos do seu âmbito se encontravam pouco desen-
volvidas.
Finalmente, a observação. Esta é uma operação
complexa, que exige técnicas que permitam uma

15
exactidão na elaboração da colecção e registo dos
dados observados. É esta selecção e manipulação
de dados que permite formular uma teoria clara e
precisa.

3.° Classificação

Depois de o investigador ter obtido uma selecção


de dados que considera relevantes para resolver um
problema, é necessário manipulá-los. Para isso, co-
meça por generalizar os factos através de uma classi-
ficação precedente.
A classificação é, muitas vezes, um processo
quase inconsciente ou imediato, desde que os factos
sejam conhecidos e facilmente integrados em clas-
ses já estabelecidas. Na realidade, desde a nossa in-
fância que aprendemos a incluir os acontecimentos
em classes. Aprendemos a ter, assim, um procedi-
mento classificatório que nos acompanha toda a
vida. O cientista aproveita esta sua experiência e vai
englobando todos os factos possíveis, que consi-
derou relevantes, em categorias taxonómicas es-
pecíficas. A taxonomia ocupa, assim, uma posição
extremamente importante no desenvolvimento de
qualquer ciência.
Embora a classificação não seja um fim em si
mesma, é extremamente útil porque permite esta-
belecer mais facilmente a relação entre classes ou
entre factos do que se tivéssemos todos os dados in-
dividualizados. A classificação, ou integração em
classes, e seu posterior tratamento, embora nos fa-
çam perder informação, aumentam-nos o nível geral
de compreensão de um acontecimento. As relações
que se estabelecem entre classes tornam-se mais cla-

16
ras, permitindo-nos inferir das relações gerais que se
estabelecem entre a globalidade dos factos.

4.° Teste da hipótese e elaboração de leis

Após ter seleccionado e classificado os factos


relevantes para a sua hipótese, o cientista tem de
decidir se o seu julgamento sobre as relações entre
experiências é efectivamente válido.
É necessário, então, examinar um grande nú-
mero de casos, de modo a determinar se as suas ob-
servações são consistentes, o número de vezes em
que as observações condizem com os factos prede-
terminados e em que medida as relações estabeleci-
das são invariáveis.
Esta fase da investigação é lenta e feita com ex-
trema cautela, pois a determinação da validade da
hipótese acarreta, em si, uma forte subjectividade, já
que depende de o cientista aceitar ou rejeitar as pro-
vas de validação da hipótese. Para evitar esta situa-
ção usa-se uma linguagem tão objectiva quanto
possível e técnicas estatísticas.
Significa isto que o número de comprovações da
hipótese pode variar. Assim, um cientista pode con-
siderar válida uma hipótese comprovada em 95 %
dos casos ou apenas em 65 % dos casos.
Quando uma hipótese é considerada compro-
vada e válida, passa-se à elaboração de uma lei
científica.
Se se comprovou que as relações entre aconteci-
mentos eram invariáveis, deduz-se uma lei determi-
nista, que se pode definir do seguinte modo: se X,
então P(Z)=1,00. O que significa que, sempre que
existir o acontecimento X, isso implica o apareci-
mento de Z.

17
No entanto, hoje em dia são cada vez mais raras
as relações invariáveis e, logo, as leis deterministas.
Especialmente nas ciências sociais, mas não só, a
maioria das relações entre acontecimentos não são
constantes. O que se pode deduzir é a probabilidade
de determinado acontecimento vir a acontecer. A lei
probabilística pode deduzir-se do seguinte modo: se
X, então P(Z)=0,95 ou 0,78, e t c , significando, as-
sim, que há uma probabilidade de 95 % ou de 78 %
de, pelo facto de existir o acontecimento X, este pro-
vocar o aparecimento de Z.

5.° Teoria

Em linguagem comum, muitas vezes o termo


teoria significa hipótese.
Cientificamente, o termo teoria é específico e
utiliza-se para designar o processo de construção de
estruturas conceptuais formais em ciência.
Assim, as teorias são estruturas compostas por
leis e pelas regras segundo as quais essas leis se jun-
tam.
Todo o método científico se baseia numa su-
cessão de etapas, iniciando-se com o conhecimento
de acontecimentos e tendo como fim descobrir
as leis pelas quais esses acontecimentos se regem
e, assim, tornar predizíveis os acontecimentos fu-
turos.
Se os acontecimentos se podem simbolizar como
os fundamentos, ou a base, de todas as seqüências
que levam à explanação de uma teoria, o passo se-
guinte para essa explanação é a interiorização da ex-
periência que leva à construção de classes, as quais
constituem a primeira generalização de todo o pro-
cesso abstracto conseqüente.

18
O segundo nível da estrutura complexa da for-
mulação científica é constituído pela interconexão
entre grupos de construção, ou seja, a validação de
hipóteses ou leis. O terceiro nível desta estrutura é
composto por um conjunto de leis inter-relaciona-
das, ou teorias.
A teoria apresenta-se, assim, como o grande eixo
do desenvolvimento científico, sem o qual uma área
do conhecimento não se reconhece como ciência,
já que não apresenta características explicativas e
predizíveis dos acontecimentos sobre os quais se
debruça.
Pode-se, finalmente, concluir que a ciência tem
como objectivo final explicar e predizer, através das
suas aplicações práticas.
Aquilo de que partimos, o tentar explicar as nos-
sas experiências, torna-se, quando se descobrem as
causas e as leis pelas quais os acontecimentos se re-
gem, na capacidade para efectivamente as explicar
e, simultaneamente, predizer os acontecimentos fu-
turos. Aplica-se o método científico às nossas ex-
periências passadas e presentes, ajudando-nos a
conhecer melhor o mundo em que vivemos e a des-
cobrir as leis, os padrões ou as teorias pelas quais
nos regemos na globalidade. Isto torna possível pre-
dizer potencialmente aquilo que o mundo virá a ser,
ou os caminhos que provavelmente seguirá até se
descobrir um sistema mais poderoso que forneça
respostas mais eficazes às questões que se levan-
tarem.

19
1.3 A GEOGRAFIA NO CONTEXTO
DAS CIÊNCIAS

Uma ciência não pode ser caracterizada pelo mé-


todo, já que este é comum a todas as ciências -o
método científico -, n e m pelo objecto de estudo,
pois muitas vezes acontece terem várias ciências o
mesmo objecto de estudo.
Aquilo que verdadeiramente caracteriza uma
ciência é o conjunto de problemas, ou seja, as ques-
tões ainda sem resposta acerca de experiências, e as
maneiras que se econtram para os explicar.
Se o objecto da geografia são os fenômenos que
existem à superfície da Terra, eles apenas lhe in-
teressam na medida em que ocupam espaço, isto
é, não são os fenômenos em si mesmos que lhe in-
teressam (eles são, freqüentemente, objectos de
estudo de várias ciências), mas sim a sua expres-
são geográfica-o padrão da sua distribuição no es-
paço.
Durante muito tempo pensou-se que a geografia,
tal como a história, era uma ciência «integradora»
que possuía um método único e próprio. Isto levou a
que os geógrafos se debruçassem sobre problemas
que não lhes diziam directamente respeito, já que
procuravam respostas no contexto de outras ciên-
cias. Por exemplo, aos geógrafos não compete des-
cobrir as leis que regem o vulcanismo, mas sim veri-
ficar se existe um padrão de distribuição dos vulcões
à superfície da Terra. Com a individualização de
uma série de ciências (como a economia, a sociolo-
gia, a geologia, etc.) ficou reduzido o campo de tra-
balho da geografia.
Na realidade, muitos geógrafos não consideraram
que a eles apenas dizia respeito a análise de estrutu-

20
ras espaciais e que, quando muito, as suas constru-
ções eram complementares de outras, construídas
em campos científicos afins, de cuja complementari-
dade resultava uma melhor compreensão dos fenô-
menos estudados.
Assim, por exemplo, se é necessário perceber e
explicar como se processa o crescimento de uma ci-
dade, segundo áreas socialmente diferenciadas, é
fundamental a conjugação do esforço de várias ciên-
cias complementares para que tal seja conseguido.
Neste caso, a sociologia explicará o contexto social;
a história, o temporal; a antropologia, o cultural; a
economia, o econômico; e a geografia, o contexto
espacial propriamente dito, isto é, os padrões que
regulam todas as distribuições no espaço, e não o
crescimento da cidade em si.
Isto não significa que os geógrafos, tal como os
outros cientistas, se alheiem dos trabalhos executa-
dos noutras áreas do saber, visto que, muitas vezes,
uma lei ou uma teoria que rege um determinado
fenômeno pode ser útil, por analogia, a uma distri-
buição espacial. Assim, as leis da difusão da epide-
miologia foram úteis ao estudo da difusão de movi-
mentos e idéias. Ambas têm uma análoga difusão no
espaço e foi possível, deste modo, determinar mais
facilmente o padrão da difusão espacial de fenôme-
nos que interessam à geografia de um modo espe-
cial. À geografia são colocadas perguntas do tipo
«Onde?» e «Porque é que os fenômenos se distri-
buem no espaço de determinada maneira?» e, por-
tanto, os geógrafos devem encontrar as respostas
mais cabais para tais perguntas e deixar a outros
cientistas o estudo dos fenômenos em si mesmos.
Que lugar ocupa, então, a geografia no contexto das
ciências?

21
Até aos nossos dias, os geógrafos mantiveram en-
tre si grande controvérsia sobre o papel da geografia.
Ideologicamente, seguiram-se vários caminhos, que
foram para a geografia mais desvantajosos que úteis
para encontrar a sua posição no contexto das ciên-
cias.
Duas grandes tendências se podem apontar
como resultantes de tomadas de posição ideologi-
camente diferentes: a sistemática e a regional.
Assim, para a geografia regional, a singularidade
dos fenômenos geográficos deve ser encarada da se-
guinte forma: «[...] esta singularidade, embora esteja
presente em todos os campos da ciência de forma
mais ou menos ampla, o grau em que os fenômenos
são únicos, não é apenas maior na geografia do que
nas outras ciências, como o único é aqui de impor-
tância decisiva» (Hartshorne), ou seja, na geografia
regional, as generalizações em forma de leis são inú-
teis, se não mesmo impossíveis, e qualquer previsão
em geografia tem um papel insignificante.
Isto leva a geografia regional a estudar a «região»
como um fenômeno único, cujas combinações não
se repetem, não se podendo encontrar leis a aplicar
em áreas ainda não estudadas, o que torna a geogra-
fia uma mera descrição de fenômenos que se interli-
gam no espaço. A geografia é, assim, essencialmente
1
ideográfica .
No entanto, outros geógrafos apresentam um
ponto de vista contrário: «Apesar de o método

' Ciências ideográficas são as que fazem a descrição dos


factos particulares, ou singulares. Estão na base das ciências
do espírito, que se dedicam ao estudo de fenômenos únicos e
não pretendem formular leis de aplicação universal.

22
individualizador ser apreciado e necessário, deve
dizer-se que a geografia recebe o seu caracter estrita-
mente científico apenas através do método generali-
zador [...] Assim se criou a base para uma forma
mais concisa de explicação, apoiada na investigação
comparativa que conduz à formulação de leis.»
(Hettner, Die Geographie, 1927.)
A geografia sistemática procura o método cientí-
fico como o único possível em investigação, na ten-
tativa de descobrir as leis que regem os fenômenos
geográficos. «A busca de leis e a previsão baseada
nas leis é a medida de uma ciência.» (Bowman, 1934.)
A geografia é, assim, essencialmente nomotética
O facto de a geografia ser uma ciência ideográfica
e, simultaneamente, nomotética levanta dificulda-
des ao pretender-se integrá-la n u m determinado
conjunto de ciências. Este problema torna-se ainda
mais agudo quando se consideram os dois ramos
principais da geografia sitemática: a geografia física e
a geografia humana.
A geografia física adopta muitos conceitos e mé-
todos das ciências da natureza (geologia, botânica,
meteorologia, por exemplo). A geografia humana,
por sua vez, adopta conceitos e métodos de outras
ciências humanas (sociologia, demografia, econo-
mia). E, assim, a geografia física é facilmente in-
cluída no grupo de ciências da natureza e a geografia
humana no grupo das ciências humanas. Parece,
portanto, que a geografia é uma ciência que se re-
parte por vários grupos, difícil de incluir num grupo
definido.

1
Ciências nomotéticas são as que procuram leis gerais de
aplicação universal. Estão na base das ciências naturais.

23
Esta posição leva a ter-se muitas vezes uma visão
dualista da geografia. Por isso, alguns autores sus-
tentam que só o estudo da região (isto é, o estudo de
um determinado espaço e dos fenômenos físicos e
humanos que nele se interligam, constituindo uma
síntese entre o h o m e m e o meio) devia constituir
o objecto da geografia, na medida em que esta é a
única ciência que estuda a superfície da Terra na sua
diferenciação espacial e, portanto, a única ciência ca-
paz de fazer uma divisão da superfície da Terra em
áreas ou territórios, isto é, em regiões. Mas o facto é
que os geógrafos que praticam uma geografia siste-
mática se preocupam com a distribuição à superfí-
cie da Terra do fenômeno que estudam, quer se trate
de biogeografia (distribuição das formações vege-
tais, por exemplo), quer de geografia econômica
(distribuição das diversas formas de actividade eco-
nômica), quer de geografia cultural (distribuição das
diversas culturas), colocando, portanto, sempre em
destaque a diferenciação espacial da superfície da
Terra. Assim, não se pode considerar a região o
único objecto da geografia, dado que o geógrafo es-
tuda sempre a repartição espacial de qualquer fenô-
meno. Portanto, é ponto assente que, qualquer aue
seja a :orrente ou ideologia dominante, o funda-
mento da geografia é a questão: «Porque é que as
distribuições espaciais estão estruturadas de deter-
minada maneira?»
A forma que se encontrou para responder a esta
questão variou ao longo do tempo, umas vezes por
falsas polêmicas acadêmicas, outras por juízos de va-
lor errados. Por exemplo, Hettner denominou a geo-
grafia de wissenschaft, isto é, sabedoria do espaço.
O termo alemão wissenschaft é muito mais amplo
do que o termo inglês ou francês science. Assim, o

24
termo alemão wissenschaft designa qualquer corpo
organizado de conhecimentos e, portanto, uma crí-
tica histórica ou numismática, se for cultivada cons-
cientemente e com a erudição tipicamente alemã,
pode adquirir o caracter de wissenschaften por di-
reito próprio. Significa isto que para alguns geógra-
fos não é possível pôr de parte o caracter científico
da geografia, a necessidade de descoberta de leis, en-
quanto outros se encaminham para o estudo de es-
paços homogêneos, únicos - as regiões.
A resposta à pergunta colocada é, portanto, com-
plexa. A geografia inclui-se:

Nas ciências ideográficas, no caso da geografia re-


gional;
Nas ciências nomotéticas, no caso da geografia
sistemática;
Nas ciências da natureza, considerando a geogra-
fia física;
Nas ciências humanas, considerando a geografia
humana.

Isto não significa, porém, que a geografia seja


uma ciência que se reparte, mas antes que tem uma
posição de charneira, ou de ligação, entre as diversas
ciências. O núcleo básico da geografia é o pensar
geograficamente, isto é, o estudar os fenômenos na
sua distribuição espacial e nas suas diversas correla-
ções.
O facto de a geografia ser uma ciência de char-
neira, ou de ligação, situada entre as ciências da na-
tureza e as ciências humanas, traz dificuldades à
própria geografia: «O geógrafo é considerado um in-
truso tanto nas Faculdades de Letras como nas de
Ciências. Para os geógrafos que procedem das ciên-

75
cias naturais é freqüentemente difícil adoptar o que
pertence às ciências do espírito e para os que proce-
dem das ciências do espírito é ainda mais difícil
acostumar-se às ciências da natureza. Mas esta posi-
ção intermédia da geografia é compartilhada por ou-
tras ciências, como, por exemplo, a etnografia e até
a própria filosofia, que poderia pertencer à nossa for-
mação total, e assim sucederá quando se deixar de
considerar com desprezo uma valiosa ponte entre
ambas as linhas da nossa vida intelectual, muitas ve-
zes sem qualquer comunicação entre si.» (A. Hett-
ner.)
Assim, pode definir-se a geografia como «a ciên-
cia que estuda as variações das distribuições espa-
ciais dos fenômenos da superfície da Terra (abióti-
cos, bióticos e culturais), assim como as relações
do meio natural com o h o m e m e a individualização
e análise das regiões à superfície da Terra» (J. Esté-
banez).
Parece, pois, não haver dúvida em dois pontos:

A geografia deve tratar de descobrir as leis que


regem as distribuições espaciais;
A geografia debruça-se sobre a estrutura espacial
de um fenômeno à superfície da Terra, e não
sobre o fenômeno em si.

Uma distribuição é a freqüência com que qual-


quer facto ocorre no espaço. Assim, pode-se falar em
distribuições em uma, duas, três, n dimensões es-
paciais e geralmente utilizam-se técnicas gráficas
(histogramas, etc.) e cartográficas para representar
essas distribuições e mais facilmente se poderem fa-
zer deduções.

26
Quer se utilizem mapas, quer histogramas, é fá-
cil verificar que uma distribuição varia em padrão e
intensidade de um lugar para outro. Aquelas repre-
sentações são, assim, muito úteis no processo de
abstracção, permitindo estabelecer as conexões fun-
cionais e as correlações existentes.
Para descobrir os padrões existentes, a escala de
análise do geógrafo pode variar desde a área arqui-
tectónica (a área de desenho duma casa) até toda
a superfície da Terra. Qualquer escala pode ser utili-
zada, já que o comportamento espacial do h o m e m
interessa sempre aos geógrafos e as leis e teorias do
espaço não geográfico podem ser aplicadas a distri-
buições do espaço geográfico. Daí as inter-relações
entre a geografia física e as outras ciências do am-
biente natural e a geografia humana e as outras ciên-
cias sociais.
Para responder às questões de caracter geográ-
fico, que se reportam sempre à face da Terra, os geó-
grafos trabalham basicamente em dois sistemas de
localização:

Localização absoluta: um sistema convencional


que posiciona cada ponto em relação a uma
grelha onde a latitude e a longitude definem a
localização absoluta. Esta localização não
muda com o tempo. Por exemplo, Lisboa está
localizada a 38°42'44" norte de latitude e
9°7'55"oeste de longitude;
Localização relativa: um sistema pelo qual se po-
siciona um ponto em relação a outros. Por
exemplo, Lisboa situa-se na foz do rio Tejo,
na margem direita, ou Lisboa situa-se a três
horas de comboio expresso do Porto, etc.

27
Durante séculos, os geógrafos preocuparam-se
em construir uma imagem rigorosamente exacta dos
diferentes pontos da superfície terrestre, não esque-
cendo, portanto, que a pergunta que se lhes colo-
cava era «Onde?» e que eles eram os únicos que
deviam descobrir uma resposta satisfatória.
Hoje, com a Terra toda conhecida, torna-se impe-
rioso descobrir as «estruturas espaciais», ou seja, a
organização interna de uma distribuição (a localiza-
ção dos elementos uns relativamente aos outros), e
os processos que as originam. Umas e outros são de-
terminantes e básicos para explicar, melhor com-
preender e, principalmente, mais eficazmente poder
construir uma organização à superfície da Terra.
Aquilo que distingue a geografia das outras ciên-
cias (quaisquer que sejam) são, pois, as questões
acerca de localizações, estruturas espaciais e proces-
sos espaciais, pois nenhuma outra ciência tem a ver
com distribuições de fenômenos n u m espaço territo-
rial ou com estruturas espaciais.
O espaço que temos para viver é este: a super-
fície terrestre; aqui se desenrolam as actividades
humanas, criando movimentos sempre mais com-
plexos de pessoas, bens e idéias. Cada vez mais o es-
paço se interliga. É preciso descobrir os padrões de
distribuição dos fenômenos humanos e físicos nesse
espaço. É este também o «espaço» da geografia
como ciência.

28
CAPÍTULO 2

EVOLUÇÃO HISTÓRICA
DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO
2.1 A GEOGRAFIA NA ANTIGÜIDADE

Sem um corpo de questões e um método que


permita obter respostas concretas às mesmas não é
possível existir ciência.
Hoje podemos dizer que a questão específica da
geografia é: «Porque é que as distribuições espaciais
estão estruturadas da maneira como estão?» (Abler,
Adams e Gould.) Mas, se hoje estamos conscientes
da importância da estrutura de determinada distri-
buição, suas causas e conseqüências, e mesmo das
relações que se estabelecem entre conjuntos de dis-
tribuições espaciais, acabando por constituir siste-
mas de organização espacial à superfície da Terra,
não foi fácil alcançar esta consciência. E isto porque
a maior parte das questões geográficas sempre tive-
ram que ver com irregularidades das distribuições,
tanto físicas como humanas, nas quais é difícil defi-
nir pontos comuns e, logo, difícil definir métodos
que permitam determinar padrões.
No entanto, os primeiros indícios de uma preocu-
pação com a distribuição dos fenômenos surgiram
desde os primórdios da humanidade.

29
Desde os tempos mais remotos que o homem,
vivendo em grupos que se deslocavam continua-
mente, à procura de meios de subsistência ou em ac-
tividades guerreiras, sentiu necessidade de conser-
var informações sobre os caminhos percorridos e as
suas direcções e de as transmitir a outros. Desta ne-
cessidade surgiram os primeiros esboços represen-
tando a superfície da Terra, isto é, os primeiros
mapas.
Ainda hoje, qualquer pessoa que não saiba ler,
mas a quem se pergunta qual o melhor caminho
para ir a um lugar, é capaz de fazer um esboço,
mostrando o caminho a seguir, os factos importantes
que existam ao longo do percurso e os principais
obstáculos. Pelo que há autores que consideram que
«fazer mapas é uma aptidão inata da humanidade»
(E. Raisz).

Fig. 2 - Mapa esquimó das ilhas Belcher,


baía de Hudson

30
Fig. 3 - Mapa asteca

O mapa mais antigo de que se tem conhecimento


foi encontrado nas escavações da cidade de Ga Sur,
300 km a norte da Babilônia, e data de 2500 a. C.
(fig. 4). É uma pequena placa de argila, represen-
tando o vale de um rio, provavelmente o Eufrates,
com uma montanha de cada lado e desaguando por
um delta de três braços. O Norte, o Leste e o Oeste
estão assinalados com círculos com inscrições.
Além desta, foram encontradas outras placas, re-
presentando povoações ou mesmo toda a Babilônia,
o que mostra a importância que a cartografia tinha
na antigüidade. Os Egípcios devem também ter
construído mapas resultantes das medições feitas no
vale do Nilo no reinado de Ramsés II (1333-1300
a. C ) . Mas, destes, poucos se conservaram até à ac-
tualidade.
Segundo a concepção que então existia, a Terra
era plana, com a forma de um disco e constituída por

31
Fig. 4 - Mapa de Ga Sur, Mesopotâmia
(2500 a. C.)
uma massa continental que flutuava na água, com a
abóbada celeste por cima (fig. 5).
A expansão política, comercial e marítima dos
povos do mediterrâneo (Mesopotâmia, Fenícia,
Egipto) levou à elaboração de mapas marítimos e,
sobretudo, à descrição de lugares e de povos. Estas
descrições, denominadas périplos (nepinAiw = «na-
vegar em redor»), são sobretudo conhecidas pelas
referências feitas pelos escritores da antigüidade,
tendo chegado até nós muito poucas. Homero (850
a. C.) inspirou-se certamente nelas para escrever as
suas obras.

32
Fig. 5 - Mapa do tempo de Homero (700 a. C.)

O périplo mais antigo referido pelos escritores


gregos foi realizado por marinheiros fenícios ao ser-
viço do faraó egípcio (século VII a. C ) . Partiram do
mar Vermelho, dirigindo-se para sul e navegando
sempre ao longo da costa africana. Contornaram
África e só se aperceberam de que tinham dobrado a
extremidade sul deste continente quando viram o
Sol levantar-se à sua direita. Três anos depois regres-
saram ao Mediterrâneo. No século vi a. C, Cartago
organizou duas expedições em busca das regiões
produtoras de estanho. Um dos périplos contornou
África até aos Camarões pelo ocidente (onde foi
avistada uma montanha em chamas - o vulcão dos
Camarões) e outro contornou a costa européia até à
Bretanha. No século iv a. C, o marselhês Píteas con-
tornou novamente a costa européia, chegou às Ilhas

33
Britânicas e à Escócia e ouviu falar dos dias de
24 horas e das terras nebulosas de Tule (provavel-
mente a Islândia ou a Noruega).

O pensamento geográfico sistematizado surgiu


com os Gregos e a palavra geografia (yeiorypadia) foi
naturalmente criada por eles e significa exactamente
«escrever sobre a Terra».
O primeiro mapa grego de que se tem notícia
foi elaborado por Anaximandro de Mileto (650-615
a. C ) . Anaximandro, discípulo de Tales de Mileto,
era filósofo, engenheiro e geógrafo. Viajou e escre-
veu relatos das suas viagens. Pensa-se ainda que in-
ventou o gnómon, aparelho constituído por uma
vara vertical e que serve para medir a altura do Sol.
Ainda no século vi, foi estabelecido, por Anaxí-
menes, o princípio do geocentrismo, que devia du-
rar até Galileu.
O segundo mapa da antigüidade foi elaborado
por Hecateu de Mileto (560-480 a. C ) , que viajou
por parte do mundo conhecido, escreveu uma Des-
crição da Terra, a qual era ilustrada por um mapa em
que a Terra estava representada por um disco com
água à volta.
O m u n d o conhecido então pelos Gregos era
constituído por uma faixa que se estendia do Atlân-
tico ao rio Indo. As regiões a norte e a sul eram
pouco conhecidas. Considerava-se que a ecúmena
(mundo habitado) tinha uma forma oblonga, cujo
eixo este-oeste possuía o dobro do comprimento do
eixo norte-sul. Os nossos termos actuais longitude e
latitude vêm deste conceito.
A esfericidade da Terra foi apenas concebida de-
pois do século v a. C. e surgiu como resultado da re-
flexão filosófica sobre a forma ideal dos corpos, e

34
não da observação: a esfera é a mais perfeita de to-
das as formas; portanto, a Terra, obra-mestra dos
deuses, deve ser uma esfera. A idéia (de Parméni-
des, 510-450 a. C.) foi apoiada por Platão, que lhe
deu a credibilidade necessária. As provas da esferici-
dade da Terra só surgiram depois, com Aristóteles
(século iv a. C ) , que baseou os seus argumentos em
duas observações:

1) A sombra da Terra na Lua, na ocasião dos


eclipses, era redonda;
2) A altura dos astros em relação ao horizonte
variava quando um viajante se deslocava de
norte para sul.

Ainda no século v, Heródoto (485-425 a. C.) per-


correu a maior parte do mundo habitavel conhecido,
desde o Sudão até à Ucrânia e desde a índia até ao
estreito de Gibraltar. Colheu informações sobre os
oásis do Sara e a rota das caravanas que ligavam o
Norte de África às regiões mais a sul, que produziam
o ouro e o estanho. Escreveu uma obra vasta sobre
as regiões que conheceu, a História.
Heródoto pretendia conhecer os locais onde ti-
nham ocorrido os factos históricos sobre os quais ia
escrever, pelo que os estudou em pormenor, assim
como as suas populações e características, o con-
texto espacial e a organização política. Estas infor-
mações eram úteis ao poder grego, que pretendia
dominar politicamente os Bárbaros dos territórios
vizinhos.
Com a expedição de Alexandre Magno (334-323
a. C ) , os Gregos alargaram muito o seu conheci-
mento do mundo.

35
Alexandre fez-se acompanhar de vários sábios,
entre os quais dois discípulos de Aristóteles. Man-
dou fazer um cadastro do Império, traçar caminhos e
verificar as comunicações entre o mar Negro e o mar
Vermelho. Toda a documentação elaborada foi reu-
nida na Biblioteca de Alexandria.
Ainda no século iv, Dicearco construiu um mapa
utilizando dois eixos perpendiculares: um alongado
no sentido este-oeste, o diafragma, passando pelas
Colunas de Hércules e por Rodes, e o outro, a per-
pendicular, passando por Rodes.
Mais tarde, Eratóstenes (276-196 a. C ) , que pas-
sou a ter a seu cargo a direcção da Biblioteca de Ale-
xandria e é o primeiro filósofo grego a autodeter-
minar-se geógrafo, aperfeiçoou o mapa de Dicearco,
introduzindo-lhe vários meridianos e paralelos, for-
mando uma rede rectangular.
Nas suas leituras e observações teve conheci-
mento de que existia em Siena (Assuão) um poço
em que o Sol incidia verticalmente n u m único dia
do ano: no dia do solstício de Verão. Verificou que,
no mesmo dia do ano, em Alexandria, os objectos ti-
nham sombras. Desde a invenção do gnómon que
era possível medir a altura do Sol. Assim, medindo,
no dia do solstício de Verão, o ângulo que ao meio-
-dia os raios solares faziam com o horizonte em Ale-
xandria, calculou a medida do arco de circunferên-
cia que separa Alexandria de Siena (fig. 6).
A medida calculada foi de 1/50 da circunferência
(cujo valor de 360° ainda não era utilizado pelos
Gregos). O comprimento do arco era de 5000 está-
dios, a distância que separava Alexandria de Siena.
A partir desta medida foi calculado o perímetro da
Terra: 50 X 5000 = 250 000 estádios. Este valor é
aproximadamente igual a 46 250 km (1 estádio

36
Fig. 6 - Medição do perímetro da Terra
por Eratóstenes
mede 168 m) e o comprimento real do meridiano
terrestre é de 40 000 km, muito aproximado por-
tanto.
A partir daqui, Eratóstenes construiu uma qua-
drícula com vários meridianos e paralelos, que cons-
titui a base da rede de meridianos e paralelos ainda
hoje por nós utilizada para localizar qualquer lugar.
A ilha de Taprobana (provavelmente Ceilão) apa-
rece representada pela primeira vez (fig. 7).
O problema da localização surge, assim, estreita-
mente ligado à astronomia e à geometria. Este as-
pecto da geografia - ciência da localização dos lu-
gares - vai manter-se durante séculos e chegar até
ao século xviii.
A resposta à pergunta «Onde?», uma das ques-
tões fundamentais da geografia, passa a poder ser
dada com rigor, pois, a partir de agora, é possível lo-

37
Fig. 7 - Mapa de Eratóstenes

calizar com precisão, n u m mapa, qualquer ponto


da superfície da Terra.
A resposta a outra questão fundamental da geo-
grafia - «O que existe nesse lugar?» - é dada pe-
los geógrafos viajantes, que descreveram nas suas
obras os factos observados.
Desenvolvem-se assim, paralelamente, duas ten-
dências da geografia:

A geografia matemática, ligada à astronomia e à


geometria;
A geografia descritiva, resultante da descrição do
m u n d o conhecido.

Mais tarde, Hiparco de Niceia (190-125 a. C ) ,


astrônomo em Rodes, aperfeiçoou o quadriculado
utilizado por Eratóstenes. Segundo ele, a posição ri-
gorosa de um ponto só pode ser determinada astro-
nomicamente e a representação cartográfica deve
ser feita tendo como base a projecção da superfície
esférica da Terra n u m plano.

38
Hiparco utilizou a divisão da circunferência em
360° e construiu também uma rede de paralelos e
meridianos, mas projectados e igualmente distancia-
dos. Para medir a longitude propôs que se fizessem
observações simultâneas dos eclipses da Lua, o que
não chegou a ser posto em prática. Foi ainda Hi-
parco que elaborou a teoria das zonas climáticas,
que considerava como zonas compreendidas entre
paralelos, tendo previsto a existência de zonas de-
masiado quentes e demasiado frias para serem habi-
tadas.
O estudo da dimensão da Terra levantou um
problema: a ecúmena era muito pequena, ocupava
apenas um quarto do globo terrestre. O mundo era,
portanto, desequilibrado, o que não se ajustava ao
conceito grego de simetria. Assim, foi necessário
imaginar três continentes que servissem de con-
trapeso (fig. 8). Surgiu o conceito de antípoda
ou continente do Sul, a Terra Australis, actual An-
tárctida.
Contemporâneo de Hiparco, Posidónio de Apa-
meia efectuou uma nova medição da Terra. Utilizou
a distância linear entre Rodes e Alexandria e calcu-
lou a distância angular com o auxílio da estrela Ca-
nopo. O comprimento calculado para o meridiano
terrestre foi apenas de 29 000 km, o que levou a que
1° eqüivalesse apenas a 500 estádios, enquanto para
o
Eratóstenes I eqüivalia a 700 estádios. O valor de
Posidónio foi retomado mais tarde por Ptolomeu e
pelos cartógrafos do século xv.
As conquistas efectuadas pelos Romanos leva-
ram ao alargamento do conhecimento do mundo, tal
como tinha acontecido anteriormente com Alexan-
dre. O Império estendia-se desde a foz do Danúbio,
no mar Negro (conhecido por Ponto Euxino), até ao

39
Fig. 8 - 0 mundo ideal dos Gregos

Atlântico, desde o Norte de África até às Ilhas Britâ-


nicas. Realizaram-se expedições com o fim de obter
conhecimentos pormenorizados das regiões a con-
quistar, elaboraram-se itinerários, o mundo romano
foi medido e foram inventariados os seus recursos
militares e econômicos.
Os itinerários não tinham valor cartográfico: con-
sistiam em listas de cidades situadas ao longo das
principais vias de comunicação. Possuíam apenas
valor estratégico e administrativo, pois eram utiliza-
dos pelos exércitos e pelos administradores das
províncias.

40
Foram ainda os sábios gregos que preservaram e
desenvolveram o conhecimento geográfico.
Estrabão (64 a. C.-21 d. C.) era um grego que vi-
via em Roma. Tal como Heródoto, foi um grande
viajante, tendo percorrido grande parte do mundo
conhecido. Para ele, a geografia «interessava para
fins de governo» e «os geógrafos não devem preocu-
par-se com o que está fora do mundo habitado». Por
isso, interessava-se por uma geografia humana des-
critiva, opondo-se à geografia matemática. Na sua
obra Geographica descreveu várias partes do mundo
conhecido, baseando-se nos factos observados du-
rante as suas viagens e em informações recolhidas
nas obras gregas. Quer pelas suas idéias, quer pela
obra desenvolvida, Estrabão pode comparar-se a
Heródoto.
No século II d. C. surgiu o último geógrafo da an-
tigüidade - Ptolomeu de Alexandria (90-168 d. C ) .
Ptolomeu retomou as concepções de Hiparco, tendo
criado um processo de projecção cónica da superfí-
cie da Terra n u m plano. Elaborou um mapa muito
mais aperfeiçoado que o de Eratóstenes, tendo re-
presentado uma área maior (fig. 9).
Escreveu uma Geographia em oito volumes: no
primeiro refere os princípios de construção de glo-
bos e projecções de mapas, no último indica os
princípios da geografia matemática e da cartografia e
nos restantes faz a relação de 8000 lugares, com a
sua latitude e longitude. Mas estas coordenadas não
foram medidas directamente: baseavam-se em in-
formações anteriores e estavam indicadas nos ma-
pas já existentes. A Geographia continha ainda um
mapa do mundo e vinte e seis mapas de pormenor,
constituindo o primeiro atlas mundial. O mapa de
Ptolomeu representava uma área com 180° de longi-

41
Fig. 9 - Mapa de Ptolomeu

tude, desde as ilhas Afortunadas (Canárias) até à


China, e nele a África estava unida à Ásia pelo Sul.
A extensão dada à região representada foi exa-
gerada - Ptolomeu baseou-se nas medições de Po-
o
sidónio, para quem I eqüivalia a 500 estádios. Na
realidade, aquela extensão é apenas de 130°. O Me-
diterrâneo, no mapa de Ptolomeu, surge com o com-
primento de 62°, quando, na realidade, tem apenas
42°. Este erro permaneceu até ao século xvn, o que
levou Colombo a pensar que tinha chegado à índia
quando apenas chegara à América.

O facto de os Romanos não terem as mesmas


preocupações filosóficas (e científicas e estéticas)
que os Gregos levou a não ser dada aos trabalhos
gregos a importância devida. Os Romanos necessita-
vam de mapas simples, com caracter prático, e assim
voltaram a utilizar os antigos mapas em forma de
disco. A Itália estava sobrevalorizada (fig. 10) e
Roma e as províncias romanas eram bem visíveis,
com uma escala excessivamente grande, permitindo

42
Fig. 10 - Mapa romano

uma boa representação do Império. As áreas perifé-


ricas - China, índia e Ásia - tinham uma represen-
tação diminuta.

2.2 A GEOGRAFIA NA IDADE MÉDIA

Com a queda do Império Romano e a difusão do


cristianismo iniciou-se um período de regressão no
conhecimento científico e, portanto, no conheci-

43
mento geográfico. As causas para esta regressão po-
dem encontrar-se no contexto social, econômico
e religioso que se viveu durante este período histó-
rico.
As invasões bárbaras vão provocar uma situação
de guerra generalizada a todo o espaço europeu ocu-
pado pelo Império Romano. Esta situação irá provo-
car na Europa conseqüências desastrosas, que le-
vam ao isolacionismo e à instauração de um sistema
feudal. Entre essas conseqüências podem destacar-
-se as seguintes:

A maior parte da população activa masculina é


desviada das suas funções produtivas para
funções militares;
O abandono das actividades agrícolas, básicas
para a subsistência, leva a uma conseqüente
diminuição da produção;
Aumento considerável das taxas de mortalidade,
agravadas consecutivamente quer pela guerra,
quer pela fome, quer pela peste;
Desorganização de todos os sistemas econômi-
cos, sociais e políticos até aí existentes;
Destruição dos sistemas de comunicação;
Sucessão de invasões de povos diferentes, que
passam a dominar áreas distintas, com a con-
seqüente dominação política diversificada.

A Europa que surge após este período de in-


vasões é, pois, uma Europa dividida numa série
imensa de pequenas áreas politicamente diferencia-
das, deixando de existir uma política uniforme so-
bre todo o território.
Para além disto, a desarticulação dos sistemas de
comunicação e o facto de a Europa se encontrar rela-

44
tivamente despovoada dificultam a troca de pessoas,
bens e idéias entre as diferentes áreas européias.
O sistema feudal que se vai instaurar é essencial-
mente um sistema isolacionista, que tenta resolver
os problemas a partir da auto-subsistência do pró-
prio feudo. Assim, deixa de existir a mobilidade que
se verificava na antigüidade e o desconhecimento de
outras áreas, que não o feudo, torna-se cada vez
maior.
Neste ambiente, a Igreja torna-se o maior poder,
já que é o único poder central europeu. As respostas
às questões colocadas passam a ser dadas a partir de
interpretações bíblicas.
Não se pode pensar, no entanto, que o h o m e m
deixou de se questionar sobre o «Onde?». Só que a
ordem religiosa possuía respostas a estas questões,
pois a Bíblia continha referências cosmológicas e
geográficas que as satisfaziam. O facto de ser a Igreja
a dar as respostas que antes eram encontradas atra-
vés da ciência deve-se não só ao poder que a religião
detinha, mas também ao facto de o imobilismo po-
pulacional ter provocado o desaparecimento das
viagens e, com isto, o desconhecimento do mundo
real.
O desenvolvimento da ciência ou da religião de-
pende das preocupações do h o m e m e do tipo de res-
postas que ele procura. Assim, a ciência progride
quando o homem se preocupa com o mundo que o
rodeia e ela pode responder de forma satisfatória às
perguntas formuladas sobre o m u n d o físico. Com a
difusão do cristianismo foram problemas de ordem
religiosa, ou problemas que obtinham resposta na
religião, que passaram a interessar ao homem.
A adopção dos conhecimentos geográficos bíbli-
cos tornou-se evidente na cartografia. Utilizam-se

45
mapas circulares romanos, nos quais se introduzi-
ram caracteres teológicos, e não geográficos. Assim,
Jerusalém, a Cidade Santa, ocupava o centro do
mapa; o Paraíso, localizado a leste, ocupava a parte
superior do mapa; o Mediterrâneo tinha uma posi-
ção meridiana (fig. 11). Foi esquecido que a Terra era
esférica e reapareceu o conceito de Terra plana: um
disco circundado de água.
Podemos, portanto, considerar que Ptolomeu foi
o último geógrafo com consciência disso até ao sé-
culo xv.

Fig. 11 - Mapa da Idade Média (Orbis Terrarum)

46
Fig. 11-a - Mapa da Idade Média (S. Beato, 787
d. C.)

Se o pensamento geográfico continuou a existir


durante a Idade Média (ele é praticamente inerente
à existência do próprio homem), ao não ser formali-
zado em termos científicos, mas sim ao procurar
respostas na ordem religiosa, provocou o desapare-
cimento da geografia como ciência durante este
enorme período da história.
Enquanto a ciência decaía no mundo ocidental,
no mundo árabe, com o estabelecimento do Império
Muçulmano, depois do ano 800 d. C, passou a veri-
ficar-se um desenvolvimento científico.
O Império Muçulmano dominava uma área
muito vasta, desde o Afeganistão até ao Atlântico,
com excepção da Itália, França, Turquia e Bálcãs.
Devido a problemas de ordem militar e administra-

47
tiva (tal como nos Impérios Grego e Romano), sur-
giu a necessidade de conhecer o mundo. Ao mesmo
tempo surgia também a necessidade religiosa de via-
jar, na medida em que todo o muçulmano tem de ir
a Meca pelo menos uma vez na vida. Assim, as via-
gens e o comércio sofreram um novo impulso.
A geografia verificou um novo avanço. Entre os via-
jantes árabes destacam-se Al-Biruni, Al-Idrisi (1099-
1164) e Ibn Battuta, que escreveram extensos e va-
liosos relatos sobre as regiões por onde viajaram.
Idrisi, ao serviço do rei da Sicília, desenvolveu a es-
cola de Palermo e pôde elaborar o mapa árabe mais
completo que se conhece.
Por outro lado, os monarcas muçulmanos promo-
veram as ciências e as artes. Foi traduzida para árabe
a obra de Ptolomeu e desenvolveu-se a geografia, a
astronomia, a astrologia, a matemática e a geome-
tria.

Fig. 12 - Mapa árabe, século x

48
Apesar disso, o conhecimento e as descrições
geográficas produzidas são muito imprecisas e as
localizações pouco rigorosas. Os Árabes não se ser-
viam da latitude e da longitude para localizar os lu-
gares à superfície da Terra e elaborar mapas. A lati-
tude e a longitude são utilizadas pelos astrônomos
(considerados, aliás, como os melhores do mundo)
nas suas observações, mas quem faz os mapas são os
geógrafos, que não se servem dos dados dos astrôno-
mos. Surge, assim, no mundo árabe uma separação
entre geógrafos e astrônomos que não existia na an-
tigüidade.

Fig. 12-a - Mapa árabe, século XIII

49
Fig. 13 - Mapa da China (1, China; 2, montanha da origem do
homem; 3, país dos homens superiores; 4, país das mulheres;
5, país da vida difícil; 6, montanha do espírito do fogo; 7,
grande montanha periférica; 8, montanha branca; 9, Pusang
[América?]; 10, país do povo branco; 11, índia)

Simultaneamente, a cartografia desenvolvia-se


na China, mas sem qualquer contacto com o mundo
árabe ou o Ocidente (fig. 13). Desde sempre que os
governantes chineses se preocupavam com fazer
descrições geográficas das áreas que administravam,
acompanhadas de mapas.
Depois da invenção do papel (100 d. C ) , do pro-
cesso de impressão e da bússola, fizeram-se numero-

so
sos mapas locais por todo o Império Chinês. A carto-
grafia chinesa sofreu um impulso importante com o
cartografo Pei Hsiu (224-273), que coordenou mui-
tos mapas locais e lançou as bases da cartografia
científica chinesa, com a utilização de um reticu-
lado. Foi representado todo o território desde a Pér-
sia ao Japão, mas os Chineses pareciam desconhecer
o Ocidente.
A execução e utilização de mapas progrediram
sempre e, quando os Jesuítas chegaram à China, no
século xvi, encontraram numerosos mapas, de boa
qualidade, que lhes permitiram fazer um atlas do
Império.

Nos finais da Idade Média, as cruzadas, as pere-


grinações aos lugares santos e o renascimento do co-
mércio entre a Europa e o Oriente levaram a um
ressurgir da curiosidade pelo mundo desconhecido
e, portanto, a uma nova etapa no desenvolvimento
da geografia. Reapareceram os itinerários de via-
gens, as obras que descreviam as terras visitadas.
É costume salientar-se o papel de Marco Polo, de
uma família de comerciantes venezianos, que efec-
tuou uma longa viagem pelo interior da Ásia até à
China, tendo escrito um relato, O Livro das Maravi-
lhas. Não pode considerar-se a sua obra como de ca-
racter geográfico, pois nela são descritos muitos por-
menores colhidos sobre as regiões visitadas (lendas,
por exemplo) que não têm esse caracter. No en-
tanto, no seu livro existem descrições de interesse
geográfico.
Com o desenvolvimento da navegação houve
necessidade de voltar a uma cartografia realista, útil,
os portulanos, onde eram assinalados com notável

51
exactidão os acidentes costeiros, e a cartografia reli-
giosa foi abandonada.
Os Árabes trouxeram para o Ocidente a bússola,
que era utilizada pelos Chineses na navegação. No
século xiv, a sua utilização veio revolucionar o pro-
cesso de construção dos mapas para a navegação.
Através da utilização da agulha da bússola, que
indica o norte magnético, foi possível desenhar os
vários rumos dos ventos, constituindo uma rede de
rumos, seguidos quando se navega, a partir de um
ponto conhecido: uma rosa-dos-ventos central é li-
gada, em todas as direcções, a outras rosas-dos-ven-
tos, dispostas à sua volta segundo um polígono de
oito, dezasseis ou trinta e dois lados (fíg. 14). Foram
os Italianos e os Catalães que desenvolveram este
tipo de cartografia. O nome de portulano vem prova-
velmente da designação «mapas de piloto» (do ita-
liano portolanó).

Fig. 14 - Princípio de construção dos portulanos

52
2.3 A GEOGRAFIA DO SÉCULO XV
AO SÉCULO XIX

No princípio do século xv foi traduzida do árabe


para latim a obra de Ptolomeu (1406) e difundida
por toda a Europa.
As idéias dos Europeus sobre a forma da Terra
e a sua cartografia sofreram uma profunda altera-
ção, pois foi retomada a idéia da esfericidade da
Terra.
São também traduzidas outras obras da antigüi-
dade (Aristóteles, Estrabão, etc.) e a geografia re-
toma os dois rumos que vinha seguindo na antigüi-
dade:

A geografia matemática, ligada à cartografia e às


observações astronômicas;
A geografia descritiva.

O século xv é o século das grande viagens maríti-


mas e da descoberta de novos mundos. Ao mesmo
tempo que se vão trazendo as descrições das novas
regiões descobertas, que maravilharam os Europeus
pelos seus climas, vegetação, animais, gentes e hábi-
tos, vão-se aperfeiçoando os mapas utilizados nas
grandes viagens, em que se navega em pleno alto
mar, através da construção de mapas cada vez mais
exactos. A concepção geográfica do mundo mudou
mais rapidamente no primeiro quartel do século xvi
do que em qualquer outra época.
Surgem dois problemas: não é possível medir a
latitude e a longitude com precisão, pois apenas é
utilizado o astrolábio, e é necessário construir mapas
que abranjam o mundo inteiro.

53
Para medir a latitude recorre-se ao astrolábio.
Mas para os cálculos da longitude continuam a per-
manecer os erros de Ptolomeu.
Para construir mapas onde caiba o m u n d o re-
corre-se aos sistemas de projecção matemática. As
mais importantes foram construídas por'Mercator
(1569), considerado o pai da cartografia holandesa, e
por Ortelius (1570), em Antuérpia (fig. 15).
Mercator foi o primeiro cartografo a corrigir o
mapa de Ptolomeu, dando ao Mediterrâneo uma ex-
tensão de apenas 53°. A projecção de Ortelius, de
1570, é constituída por um mapa-mundo, o Thea-
trum Orbis Terrarum, em que o Velho e o Novo
Mundo figuram cada um n u m círculo, com meridia-
nos curvos. Ortelius executou ainda o primeiro atlas
moderno, com 53 folhas acompanhadas de um
texto.
O primeiro globo terrestre, que ainda existe, foi
construído em 1492, por Martin Behaim, de Nurem-
berga.
No século xvii, e como resultado das observações
de Copérnico, Kepler e Galileu, modifica-se a idéia
da posição da Terra no universo, a qual deixa de ser
geocêntrica e passa a ser heliocêntrica.
A invenção do cronômetro, a do relógio, em
1658, e a do sextante, em 1672, permitiram o cálculo
exacto da latitude e da longitude. Esta é medida a
partir da diferença horária entre dois lugares e só a
partir de uma medição precisa do tempo se pôde cal-
cular a longitude com exactidão. Foi possível, desde
então, corrigir os erros dos mapas construídos ante-
riormente.
Simultaneamente, começou a desenvolver-se em
França uma cartografia de grande escala, que permi-
tisse uma boa representação do território e que ser-

54
visse como base às necessidades da administração
política, da guerra, dos trabalhos de engenharia
(construção de estradas, canais, ou outras). A Aca-
demia das Ciências foi encarregada de elaborar os
mapas. O primeiro mapa, elaborado por Cassini,
surgiu em 1744. No mesmo ano começaram os tra-
balhos para um novo mapa, que foi concluído já du-
rante a Revolução Francesa: a Carte Géométrique de
la France, com 182 folhas, na escala de 1:86 400.
A partir de 1750, todos os países europeus começa-
ram o seu levantamento topográfico, a cargo dos ser-
viços geográficos dos exércitos.
Ainda no século xvu, é publicada na Alemanha
uma obra intitulada Geographia Generalis, da auto-
ria de Bernhard Varenius (1622-50), que teve grande
importância no desenvolvimento do pensamento
geográfico nos séculos xvn e XVIII.
Com base nas reflexões gregas, que distinguiam,
nas suas descrições, aquelas que eram regionais ou
corográficas daquelas que eram gerais e se referiam
ao m u n d o todo ou a áreas muito vastas, Varenius
distinguiu:

U m a geografia geral ou universal, que dizia res-


peito às características físicas da Terra, na
qual, utilizando os métodos da física e da ma-
temática, se podem fazer generalizações ou
leis, independentemente das unidades políti-
cas (isto é, ultrapassando as fronteiras dos di-
versos países);
U m a geografia especial ou particular, regional,
onde se faz a descrição dos países de dois
pontos de vista: 1) corográfico, abrangendo
grandes áreas, e 2) topográfico, abrangendo
pequenas áreas e no qual não é possível ela-

56
borar leis, pois as características das regiões re-
sultam essencialmente da interacção entre oho-
m e m e o ambiente, e o homem é imprevisível.

Varenius pressentiu, pois, que seria difícil consi-


derar a geografia regional uma ciência, na medida
em que ela era uma simples descrição de factos. As-
sim, entendia ele que era necessário à geografia criar
um conjunto de leis que se pudessem aplicar na ge-
neralidade e que explicassem os fenômenos encon-
trados nos estudos regionais.
As questões levantadas por Varenius caíram en-
tretanto no esquecimento e só muito mais tarde se-
rão retomadas com as preocupações epistemológicas
do século xx.
O século XVIII continuou a ser u m século de gran-
des descobertas. Várias áreas da Terra eram ainda
desconhecidas. Organizam-se expedições para reco-
nhecer o Norte da América, as índias Orientais, a
Nova Guiné, a Nova Zelândia, a Austrália. Os Rus-
sos, entretanto, exploram a Sibéria.
Os países europeus escreveram numerosas geo-
grafias em que se descreviam os territórios nacio-
nais, as suas produções, etc.
Surge entretanto, e também no século X V I I I , um
geógrafo, normalmente considerado apenas como fi-
lósofo: Emanuel Kant (1724-1804).
Kant foi professor de Geografia, durante cerca de
quarenta anos, na Universidade de Conisberga, na
Alemanha. A sua importância como geógrafo re-
sulta, não dó facto de ter trazido à geografia conheci-
mentos sobre novos espaços - ele não viajou -,
mas por ter reflectido muito, como filósofo que era,
sobre a natureza do conhecimento e a forma de o
classificar.

57
Segundo Kant, o conhecimento pode ser adqui-
rido por dois processos: 1) através da experiência
(conhecimento empírico); 2) através do raciocínio.
Alguns filósofos (Descartes, Leibniz) entendiam
que a experiência não era necessária à aquisição do
conhecimento, bastava a razão. Para estes filósofos,
as respostas às nossas questões seriam dadas por de-
duções, resultantes de sistemas de explicação. No
início do século xvin desenvolve-se a teoria oposta
(Locke, Newton): o conhecimento é empírico e para
compreender os fenômenos da natureza é necessá-
rio abandonar todas as explicações dadas a priori
pela razão, pois o nosso entendimento só pode com-
preender os fenômenos nas suas correlações directa-
mente observáveis. Kant pretendia conciliar estes
dois pontos de vista. Para Kant, o conhecimento de-
riva das percepções de cada indivíduo, interpretadas
pelos seus esquemas conceptuais, que são produto
do seu raciocínio sobre as experiências anteriores.
Para Kant, a geografia é um conhecimento em-
pírico, na medida em que, como ciência, deriva das
experiências do homem. Mas é mais do que conhe-
cimento comum, porque sistematiza e classifica os
factos e, além disso, está circunscrita à superfície da
Terra.
A seguir põe-se-lhe outro problema: se a geogra-
fia é uma ciência empírica, em que medida difere ela
de outras ciências empíricas, como a história e a
física? Kant encontra resposta em relação à física, na
medida em que esta ciência possui um vasto corpo
teórico, com princípios e leis, muitas vezes expres-
sos matematicamente. Mas em relação à história é
mais difícil fazer a distinção. E, assim, geografia e
história acabam por se distinguir porque, segundo
Kant, a geografia descreve a natureza no presente e

53
no espaço, enquanto a história descreve a evolução
do h o m e m ao longo do tempo - enquanto a geogra-
lia tem uma dimensão espacial, a história tem uma
dimensão temporal.
Na sua teoria da organização do conhecimento,
Kant considera, portanto, as disciplinas organizadas
cm três conjuntos: ciências sistemáticas, que estu-
dam as categorias dos fenômenos (botânica, geolo-
gia, sociologia); ciências históricas, que estudam as
relações entre os fenômenos no tempo; e ciências
geográficas, que estudam os factos nas suas relações
espaciais.
Kant assume, portanto, particular importância na
medida em que levanta questões sobre a natureza
do conhecimento geográfico.

2.4 A G E O G R A F I A MODERNA

A partir de 1800 verifica-se uma alteração pro-


funda nas preocupações dos geógrafos: a Terra já é
toda conhecida, já é possível responder com preci-
são à pergunta «Onde?», base do raciocínio geográ-
fico até então. A geografia deixou de se interessar
pelo estudo da Terra enquanto astro (geografia ma-
temática) e de ser a ciência da localização exacta dos
lugares e da cartografia.
A questão q u e começa a preocupar os geógrafos a
partir de agora é a pergunta «O que existe em tal
lugar?». Assim, passaram a estudar só a superfície
da Terra e a interessar-se apenas por dois proble-
mas: 1) o estudo da diferenciação do espaço, e 2) o
estudo das relações homem-meio.
Esta preocupação não é nova, já existia em Heró-
doto. Estrabão criticava os geógrafos matemáticos e

59
entendia que era mais importante o conhecimento
dos factos que existiam à superfície da Terra do que
a localização exacta dos lugares. Os grandes viajan-
tes depois dele - árabes, comerciantes do fim da
Idade Média, navegadores dos Descobrimentos -
preocuparam-se com as descrições das terras desco-
bertas. Mas este conhecimento - geográfico - não
era organizado segundo uma metodologia própria,
ao contrário do que sucedia com a geografia mate-
mática. Daí as preocupações de Kant sobre a natu-
reza do conhecimento geográfico, tendo-a definido
como a ciência que estuda o espaço. É a tendência
corográfica da geografia. A partir da tendência coro-
gráfica surgiu a concepção da geografia como ciência
idiográfica, isto é, ciência que estuda espaços, ou
áreas, que são únicos. Esta característica da geogra-
fia - ciência corográfica - distingue-a das outras
ciências, pois mais nenhuma disciplina se preocupa
com o estudo do espaço terrestre.
A geografia no século xix vai desenvolver-se a
par das outras ciências. Inicialmente com dois cien-
tistas alemães - Alexander von Humboldt (1769-
1859) e Karl Ritter (1779-1859), que vão dar à geo-
grafia descritiva um caracter sistemático e uma
metodologia própria, o que permitiu que a geografia
passasse a ser considerada uma das ciências moder-
nas. Humboldt e Ritter são, por isso, considerados
os seus fundadores, apesar de os trabalhos de ambos
serem muito diferentes.
Humboldt tinha uma formação essencialmente
naturalista. Estudou engenharia de minas, botâni-
ca, geologia, física e filosofia. Possuía uma grande
fortuna, o que lhe permitiu viajar e organizar ex-
pedições.

60
Entre 1799 e 1804 viajou por grande parte da
América Latina e explorou a bacia do rio Orenoco
(Venezuela), a sua ligação com a bacia do Amazo-
nas, a cordilheira dos Andes, as costas do Peru e o
México. Durante as suas viagens procedeu à recolha
de numerosos dados científicos: rríediu a latitude e a
longitude de muitos lugares; observou vales; colheu
e classificou muitas plantas; determinou a altitude
de vários lugares nos Andes; estabeleceu a relação
entre altitude e variação das formações vegetais; co-
lheu amostras geológicas; observou vulcões; mediu
a temperatura da corrente marítima, mais tarde de-
signada por corrente de Humboldt; notou a ausência
de povos nômadas pastoris.
De volta à Europa, organizou as notas recolhidas
e discutiu as suas observações com outros cientistas.
Realizou uma outra viagem à Sibéria e, a partir de
1829, começou a escrever as suas obras, de que se
destaca o Cosmos, livro em cinco volumes, tendo os
quatro primeiros sido publicados entre 1845 e 1859 c
o quinto já depois da sua morte. Utilizou pela pri-
meira vez o traçado de isolinhas para o estudo das
temperaturas.
Humboldt, tal como os cientistas do seu tempo,
não se dedicava a só um ramo do conhecimento. As
suas preocupações atingiam a botânica, a física, a
química, a geologia, a astronomia. A geografia não
estava sequer incluída como ciência nas suas refle-
xões. Para ele, a geografia era a geografia matemá-
tica, que tratava da localização absoluta dos lugares.
O seu principal objectivo era a procura de uma ciên-
cia integradora através da qual se pudesse demons-
trar a harmonia da natureza, pois considerava a
Terra um todo orgânico, em que os diversos fenô-
menos são interdependentes.

61
A ser assim, por que motivo se considera Hum-
boldt um dos fundadores da geografia moderna?
Porque, pelo seu trabalho, ele demonstra interesse
em explicar aquilo que diferencia as diversas áreas
do globo, tentando encontrar as relações que se esta-
belecem entre os diversos fenômenos à superfície da
Terra, de modo a produzirem espaços com carac-
terísticas diferentes. Ou seja, interessou-se pela dife-
renciação espacial e considerou a paisagem resul-
tado da interacção de vários fenômenos. Comparou
as formações vegetais de regiões tão diversas como a
América Latina e a Sibéria. Nos Andes observou a
variação do clima com a altitude, tendo introduzido
a terminologia de quente, temperado e frio, ainda
hoje utilizada. Tentou encontrar explicações para as
semelhanças entre as culturas dos povos asiáticos e
dos índios americanos. Das suas investigações, fei-
tas à escala regional, continental ou mundial, resul-
tou uma sistematização de conhecimentos geográfi-
cos. A geografia passou a ser, com Humboldt, uma
ciência sistemática. O mesmo fenômeno pode, as-
sim, ser estudado tanto ao nível mundial como ao
nível regional. A utilização de comparações univer-
sais foi talvez a sua contribuição mais importante.
Humboldt comparava sistematicamente as paisagens
da área que estudava com as outras partes da Terra.
O seu método era empírico e indutivo, pois parte de
casos particulares para os gerais, tentando obter
uma lei geral, válida também para os casos não
observados. Não procurava a descrição do indivi-
dual, do único, mas essencialmente do geral.
Karl Ritter, discípulo e amigo pessoal de Hum-
boldt, estudou filosofia, matemática, história e ciên-
cias naturais. Enquanto Humboldt foi um viajante
e um investigador, Ritter foi um professor - pri-

62
meiro dos filhos de um financeiro, mais tarde
na Universidade de Berlim - que baseava o seu co-
nhecimento essencialmente em leituras de trabalhos
existentes. Reflectindo muito sobre essas leituras,
preocupou-se com a natureza da geografia. No en-
tanto, não encontrou soluções que lhe permitissem
definir essa natureza. Verificou que a geografia obti-
nha os seus dados de fontes muito diversas e que
aquilo que lhe dava unidade era o facto de serem
dados da superfície terrestre, onde o homem vive.
Verificou também que há fenômenos da geografia
física que podem ser estudados nas suas inter-rela-
ções e que estas são independentes da acção do ho-
mem (por exemplo, a erosão da água corrente numa
vertente). Assim, para Ritter, são importantes os fe-
nômenos da superfície da Terra, as suas inter-rela-
ções e as relações dos fenômenos com o homem.
Reaparece a mesma preocupação que existia em
Humboldt, de estudar as leis que regem as relações
entre os fenômenos, de organizar e sistematizar o co-
nhecimento geográfico.
Com base nos conhecimentos adquiridos, Ritter
1
escreveu uma obra muito vasta, Erdkunde , cujos
primeiros dezanove volumes publicados são dedica-
dos à Ásia e à África, não tendo chegado a escrever
sobre a Europa. Na sua obra descreveu diversas
áreas do mundo, tentando integrar o quadro físico
com a ocupação humana, tendo estabelecido o mé-
todo de estudo: relevo, clima, produções, popula-
ção, síntese final. As suas descrições são de áreas
que ele considerava únicas, devido à inter-relação
dos fenômenos nelas existentes. Concede grande

' Conhecimento da Terra.

63
importância às formas espaciais e à reconstrução do
todo, partindo da observação do simples para o com-
plexo. Na sua obra existe uma grande preocupação
pedagógica, para fazer da geografia uma disciplina
que passasse a fazer parte do currículo da universi-
dade.
A partir de Humboldt e Ritter ficou, portanto, es-
tabelecida a metodologia da geografia descritiva.
A contribuição dos dois é, no entanto, distinta.
Enquanto Humboldt estudava diversos assuntos
(clima, vegetação, etc.) a várias escalas, comparando
regiões e continentes e dando à geografia um carac-
ter de ciência sistemática, Ritter, complementando e
organizando pedagogicamente o trabalho de Hum-
boldt, dedicou especial atenção às descrições e análi-
ses regionais, tentando explicar a inter-relação entre
os fenômenos nelas existentes, pois considerava que
as leis criadas pela geografia sistemática se deviam
verificar nas diversas regiões. Mas em ambos existe
um único objectivo: o de criar leis.
As modificações no pensamento geográfico e o
aparecimento de estudos temáticos levaram tam-
bém a alterações na cartografia.
O mundo estava todo reconhecido e cartogra-
fado, podendo, portanto, ultrapassar-se este tipo de
cartografia. Surgem também, no fim do século xvui,
princípio do século xix, os primeiros censos. Deste
facto resulta o interesse por cartografar os fenôme-
nos cujos dados são recolhidos. E, assim, surgem os
primeiros mapas temáticos, em que se representa
a distribuição da população, os climas, a vegeta-
ção, etc.
Após a morte de Humboldt e Ritter, a geografia
sofre um certo declínio. No entanto, mantém-se
como disciplina, com um grande dinamismo, o que

64
se reflecte por duas vias diferentes: a constituição de
numerosas sociedades de geografia e a permanência
como disciplina leccionada no ensino primário e no
secundário.
O século xix é o século das grandes viagens de
exploração ao interior dos continentes (África,
América Latina e Ásia). As sociedades de geografia
surgem intimamente ligadas a estas explorações:
elas organizam expedições, conferências, expo-
sições, elaboram mapas, instalam estações meteoro-
lógicas e editam revistas. Financeiramente, são
apoiadas pelos estados que praticam uma política
colonialista. As sociedades de geografia surgem,
portanto, ligadas à expansão do colonialismo euro-
peu:

Sociedades de geografia
fundadas a partir de 1820

1820-59 14
1860-69 6
1870-79 34
1880-89 28
1890-99 10
1900-09 11
1910-19 10
1920-29 30
1930-40 2

A primeira Sociedade de Geografia é a de Paris,


que foi fundada em 1821. Seguiu-se-lhe a de Berlim
(1828), a de Londres (1830), etc. Praticamente, todos
os países europeus possuíam uma ou mais socieda-
des de geografia, mais ou menos poderosas, con-
forme o número de associados.

65
A constituição das sociedades de geografia e a
sua ligação às estruturas do poder levou a uma ex-
pansão do ensino da geografia nas universidades e
ao reconhecimento oficial da geografia como ciên-
cia, apesar da oposição de muitos cientistas não geó-
grafos.
A presença da Geografia no ensino primário e no
secundário, em franca expansão, a partir de meados
do século xix, resulta da afirmação crescente dos na-
cionalismos, do culto pela pátria (sobretudo na Ale-
manha), que é preciso conhecer. E para conhecer a
pátria é preciso aprender a sua história e a sua geo-
grafia.
Assim, apesar de não se verificarem avanços no
pensamento geográfico, a Geografia permanece
como uma disciplina muito dinâmica ao longo da
segunda metade do século xix.

2.5 O POSITIVISMO E O DETERMINISMO


DO FIM DO SÉCULO XIX

O desejo de realizar uma ciência positiva, isto é,


apoiada apenas na observação dos factos, vem já do
século xvm e desenvolveu-se sobretudo a partir dos
estudos de física de Newton. Este defendia uma filo-
sofia da experimentação. O conhecimento deve re-
sultar da observação, do cálculo e da comparação
dos resultados, de modo a permitir a elaboração de
leis. A procura da causa dos fenômenos deixou de
ser uma procura apenas da razão, para assentar na
experimentação.
Estes conceitos filosóficos desempenharam um
papel importante no desenvolvimento das ciências,
quer físicas quer humanas, o qual já se tinha ini-

66
ciado no século xvn. O desenvolvimento da física
experimental influenciou o desenvolvimento de ou-
tras ciências da natureza: a geologia, a biologia (que
levou mais tarde à antropologia), a história natural,
que abriu as perspectivas à teoria da transformação
das espécies.
O desenvolvimento da história natural levou
ainda ao desenvolvimento da história e da sociolo-
gia, com Voltaire e Montesquieu, o que conduziu ao
desabrochar da reflexão política.
Durante o século xix continuou a expansão das
ciências da natureza (físicas e biológicas). A geogra-
fia dedicava-se ao estudo dos climas, da repartição
das formações vegetais e animais e, sobretudo, à
geomorfologia - estudo da distribuição das formas
do relevo. A geografia humana pouco evoluiu e con-
tinuou a empregar-se o método de Ritter - descre-
ver a relação entre o h o m e m e o meio em que vive.
Esteve mesmo em risco de desaparecer, na medida
em que o comportamento humano é imprevisível,
pois em geografia humana não é possível elaborar
leis.
No entanto, só em meados do século xix surge,
com Auguste Comte, a filosofia positivista, que dá à
ciência uma nova metodologia. O positivismo ba-
seia-se em três regras fundamentais:

1) A observação é a única base do conheci-


mento;
2) O estudo dos fenômenos deve basear-se ape-
nas no que é observável, renunciando a qual-
quer especulação sobre a sua origem ou o seu
destino;
3) As leis positivistas destinam-se a prever.

67
Na sua essência, o positivismo não admite a se-
paração entre o mundo físico e o m u n d o do espírito,
entre as ciências da natureza e as ciências do ho-
mem. Para Comte tudo obedece a um complexo de
fenômenos físico-químicos.
O positivismo exerceu grande influência no pen-
samento científico em geral e, evidentemente, nos
conceitos evolucionistas desenvolvidos por Darwin.
Darwin era um botânico especialmente interessado
no estudo da evolução das espécies e na sua selecção
natural. Segundo ele, os seres vivos sofrem mudan-
ças e variações que se transmitem hereditariamente,
de modo a torná-los mais aptos nas suas relações
com o meio. Surgem as idéias da luta pela vida e da
selecção dos mais fortes.
O livro de Darwin A Evolução das Espécies foi
publicado em 1859 (ano da morte de Humboldt e
de Ritter) e influenciou os cientistas sociais, levan-
do-os a rever os seus conceitos. O estudo da relação
homem-meio parece, assim, poder explicar as dife-
renciações culturais e econômicas ao longo da su-
perfície da Terra.
A filosofia positivista e as idéias de Darwin in-
fluenciaram também muitos geógrafos, que, a partir
delas, construíram uma teoria - a teoria do determi-
nismo geográfico - sobre a relação homem-meio: tal
como os organismos necessitam de se adaptar ao
meio para poderem sobreviver, também o h o m e m
necessita de adaptar o seu modo de vida ao am-
biente em que vive.
A geografia tornou-se assim a ciência que estuda
as respostas do h o m e m ao meio físico e, por isso,
deve ser capaz de prever como o homem reagirá
em diferentes ambientes. A geografia passou, por-
tanto, a ter um caracter positivista, na medida em

68
que pode levantar hipóteses, fazer deduções e for-
mular leis.
Entretanto surge o perigo de a geografia se cindir
em duas: a geografia física, praticada por geógrafos
que vêm da área das ciências naturais, e a geografia
humana, praticada pelos geógrafos com formação
histórica, sendo na primeira mais fácil aplicar o mé-
todo das ciências naturais, seguindo a corrente posi-
tivista.
A corrente determinista desenvolveu-se princi-
palmente na Alemanha, com Friedrich Ratzel (1844-
1904), professor de Geografia na Universidade de
Lípsia.
Ratzel viajou pela Europa e pela América do
Norte e Central e interessou-se sobretudo pelas mi-
grações dos animais e humanas. Examinou as cau-
sas que levaram à concentração da população em al-
gumas áreas da superfície da Terra, a influência do
ambiente físico nas deslocações e na distribuição da
população, nos indivíduos e na sociedade, tendo
concluído que o h o m e m vivia sujeito às leis da natu-
reza e que as diversas culturas resultavam das condi-
ções do ambiente natural.
As concepções deterministas de Ratzel estende-
ram-se às suas reflexões sobre geografia política.
Para ele, os grupos humanos são organismos que
crescem e se multiplicam, tendendo a expandir-se;
por isso tendem a alargar o seu território, ocupando
áreas maiores ou fazendo-o à custa dos territórios vi-
zinhos. Isto leva à supremacia dos vencedores sobre
os vencidos, que entram em decadência. Os estados
organizam-se de uma forma hierarquizada, justifi-
cando a expansão dos povos superiores à custa dos
inferiores. Estas concepções, em si puramente deter-
ministas e sdm conseqüências políticas imediatas,

69
foram retomadas pelos nazis na década de 1930, le-
vando ao expansionismo alemão.
Mais para o fim da sua vida, Ratzel modificou um
pouco as suas opiniões e passou a dar grande impor-
tância aos acontecimentos históricos como factores
que explicam muitos dos aspectos das sociedade hu-
manas.
Os seus conceitos vêm desenvolvidos numa obra
fundamental, Antropogeografia, cujo primeiro vo-
lume foi publicado em 1882. No segundo volume,
publicado em 1891, ressaltam já as modificações dos
seus pontos de vista iniciais e a importância dada à
história e ao ambiente cultural. Em 1900 declara
mesmo: «Eu talvez pudesse compreender a Nova
Inglaterra sem conhecer a terra, mas nunca sem co-
nhecer os seus imigrantes puritanos.»
Ratzel teve o mérito de dar à geografia um mé-
todo científico, podendo ser considerado o primeiro
a ter estudado cientificamente a geografia humana.
Além disso, manteve a unidade entre a geografia
física e a geografia humana, pois, no seu trabalho, o
h o m e m está sempre relacionado com o ambiente
físico.
A teoria determinista vai ser desenvolvida prin-
cipalmente nos Estados Unidos por discípulos de
Ratzel: Ellen Semple, uma americana que estudou
na Alemanha com Ratzel, que na sua obra deu a
maior importância à relação meio-homem e que ig-
norou as mudanças de opinião de Ratzel.
Para Ellen Semple, a sociedade humana pode
considerar-se um organismo que depende do meio
físico. No seu livro As Influências do Meio Geográfico
(1911) considera que tudo é explicável pelo meio.
Assim, os estados com territórios pequenos pos-
suem sociedades mais conflituosas e com mais ten-

70
dências expansionistas do que os grandes estados;
os climas são determinantes para a saúde dos povos
e deles depende a sua agilidade física e/ou mental;
os habitantes dos Alpes nunca darão grandes artis-
tas porque o «seu ambiente majestoso paralisa a
mente», por exemplo.
Além de Ellen Semple, outros geógrafos ameri-
canos consideraram a geografia humana o estudo da
influência do meio sobre o homem. Em defesa deste
ponto de vista destaca-se essencialmente William
Morris Davis, que se interessava sobretudo pelo es-
tudo da geografia física e cuja contribuição mais im-
portante pertence ao domínio da geomorfologia: a
teoria do «ciclo de erosão», segundo a qual as formas
do relevo evoluem e passam, sucessivamente, pelo
estado de juventude, maturidade e velhice. Para Da-
vis, a geografia estuda as características naturais da
superfície da Terra (geografia física) e considera o
efeito dessas características sobre o homem e as suas
actividades.
Estes conceitos são perigosos para a disciplina,
na medida em que ela passa a ter dois objectos: a
superfície da Terra, na geografia física; as relações
entre dois objectos diferentes, o h o m e m e a Terra,
na geografia humana. Estas duas posições são in-
compatíveis e levam ao desenvolvimento da pro-
cura dos factores geográficos, na geografia humana,
em vez de uma pesquisa objectiva. Na realidade, os
factores geográficos são todos os factores, físicos
ou humanos, que influenciam a localização e a dis-
tribuição de qualquer fenômeno numa determinada
área. O termo correcto que devia ser usado, quando
se pretende salientar a importância de qualquer
aspecto do ambiente, é o termo específico respei-
tante ao factor físico ou ao factor humano preten-

71
dido, por exemplo, factor climático, factor de relevo,
etc.
Na América do Norte, outros dois geógrafos de-
ram continuidade ao estudo da influência do meio
sobre o homem: Ellsworth Huntington, na Univer-
sidade de Yale, e Griffith Taylor, na Universidade
de Toronto.

2.6 O HISTORICISMO E O POSSIBILISMO

Como reacção ao positivismo, surgiu no fim do


século xix o historicismo, que acentua o papel do ho-
m e m na sociedade. A sua origem reside no desen-
volvimento das correntes filosóficas neo-idealistas e
neokantianas.
Segundo o historicismo, as ciências humanas di-
ferenciam-se das ciências naturais e não podem apli-
car os seus métodos. Por isso não podem procurar
leis através de hipóteses e deduções, mas sim com-
preender o homem através do estudo de casos con-
cretos e únicos. Surge novamente a distinção feita
por Kant entre ciências sistemáticas e ciências idio-
gráficas, isto é, ciências que estudam casos únicos.
Neste conjunto encontram-se a geografia e a his-
tória.
Do historicismo surge, na geografia, o possibi-
lismo, que se opõe ao determinismo. Segundo o de-
terminismo, o h o m e m resulta do ambiente; segundo
o possibilismo, o h o m e m é um agente que actua no
meio: qualquer grupo humano toma conhecimento
do ambiente físico que o rodeia, apercebe-se das for-
mas como o pode utilizar (possibilidades ambien-
tais) e selecciona as que estão mais de acordo com
as suas aptidões culturais. O meio natural não é

72
uma causa necessária, mas possível, é relativo, for-
nece um conjunto de possibilidades cujo desenvol-
vimento dependerá do homem, da sua liberdade de
escolher uma ou outra, segundo características cul-
turais que resultam da evolução histórica desse
grupo humano.
Com o possibilismo, a geografia ultrapassa o pe-
rigo de se dividir em geografia física e geografia hu-
mana e passa a ser uma ciência de charneira (uma
ciência-ponte), que se situa entre as ciências natu-
rais e as humanas. Ao mesmo tempo, define como
objecto de estudo a região.
A região define-se como um espaço em que as ca-
racterísticas naturais e culturais (ou físicas e huma-
nas) se interpenetram de tal forma, como resultado
de uma evolução histórica, que conferem a esse es-
paço características de homogeneidade que o dife-
renciam de qualquer outro espaço contíguo. A re-
gião resulta de uma síntese entre o homem e o meio.
É esta síntese que passa a ser objecto de estudo da
geografia.
Considera-se Vidal de la Blache (1845-1918) o
fundador da escola regional francesa.
Vidal de la Blache era um historiador que se inte-
ressava pelas questões de geografia, fez um doutora-
mento nesta disciplina e conseguiu para a mesma a
independência acadêmica (universitária) em relação
à História (até então, a Geografia era considerada
uma disciplina auxiliar da História). Foi encarre-
gado, pelo G o v e r n o Francês, de elaborar uma divi-
são regional da França mais de acordo com a reali-
dade econômica, política e social de então, pois a
divisão administrativa que existia datava de 1790
e a revolução dos transportes tinha-a tornado inade-
quada. Vidal de la Blache estudou profundamente a

73
França e propôs uma divisão em quinze regiões,
cada uma com uma capital regional.
Entre as suas obras destaca-se o Tableau de Géo-
graphie de la France, a elaboração do primeiro atlas
com mapas temáticos e a fundação de uma revista,
que ainda hoje se publica, Annales de Géographie.
Criou uma escola de Geografia e os seus discípulos
passaram a ocupar as cátedras desta disciplina nas
várias universidades francesas.
Com Vidal de la Blache surgem vários conceitos
novos:

Região (o objecto de estudo da geografia): espaço


em que se sintetizam o ambiente natural e o
aproveitamento que o h o m e m faz do meio,
dando assim grande importância à história;
Modo de vida: o produto da civilização e o re-
sultado da relação do h o m e m com o meio.
É constituído pela produção material, meios
de nutrição e combinação das actividades
agrárias e não agrárias. Relacionado com o
modo de vida está o meio de vida, isto é, a
adaptação dos recursos naturais feita pelos di-
ferentes povos;
Circulação: o movimento que põe em contacto as
diferentes partes do mundo, especialmente as
desenvolvidas, relacionando-as.

Com Vidal de la Blache, a geografia torna-se cla-


ramente antideterminista. O seu objectivo não é es-
tabelecer relações causais nem criar leis sobre as re-
lações homem-meio. O seu objectivo é observar as
relações mútuas entre o h o m e m e o ambiente físico,
nas quais não se podem estabelecer limites entre fe-

74
nómenos naturais e culturais porque eles se interpe-
netram.
A Vidal de la Blache sucederam-se numerosos
discípulos, que continuaram o pensamento da es-
cola possibilista e elaboraram numerosas monogra-
fias regionais nos vários países europeus e mesmo
nos EUA. O método de estudo de uma região pas-
sou a ter uma estrutura própria: primeiro, a análise
do meio físico, depois, as formas de ocupação e acti-
vidades humanas e, por fim, o processo de integra-
ção do homem com o ambiente.
Mas a realidade é que as regiões tradicionais ten-
diam a desaparecer com as grandes modificações
socieconómicas causadas pela industrialização cres-
cente e pela difusão dos meios de transporte. As re-
giões que se estudavam eram constituídas por co-
munidades agrárias, vivendo no meio rural e cujo
modo de vida reflectia a utilização dos recursos do
meio. Havia uma cozinha, uma arquitectura, uma
mentalidade regional (a cozinha, arquitectura e es-
pírito transmontanos, por exemplo). N u m a socie-
dade cada vez mais industrializada e urbanizada,
estas características desapareceram, para darem
lugar a uma grande uniformização do mundo. Ao
estudar a França de Leste, em 1917, é o próprio Vidal
de la Blache que reconhece que as modificações que
se produzem são tão grandes que, de futuro, «é ne-
cessário estudar as inter-relações que se estabele-
cem entre uma cidade e a região que ela do-
mina».
No entanto, tal como acontecera com Ratzel, os
seus discípulos não dão conta destas alterações no
pensamento do mestre e continuam a desenvolver
as idéias preconizadas antes, como se fossem imutá-
veis.

75
A geografia regional não teve em todos os países
exactamente a mesma orientação que lhe foi dada
por Vidal de la Blache em França (e que foi a prati-
cada por nós, Portugueses).
De certo modo, podem considerar-se as diferen-
ças como resultado dos conceitos de região e paisa-
gem nas línguas anglo-saxónicas, diferentes, no seu
significado, da região e paisagem francesas.
Na língua alemã, quer Land quer Landschaft se
podem traduzir por «região», mas Land significa
uma área com limites administrativos, enquanto
Landschaft, do mesmo modo que o termo inglês
landscape («paisagem»), significa uma região defi-
nida cientificamente. Assim, tanto se pode referir a
uma região única como à delimitação e classificação
de diferentes tipos de regiões.
Podem, portanto, considerar-se diversas formas
de encarar o estudo da paisagem:

A regionalização, isto é, o estudo de uma região,


ou de um espaço, cujas características resul-
tam da síntese entre o h o m e m e o meio (geo-
grafia regional francesa);
A ecologia da paisagem, estudo das relações
entre uma cidade e o território que o rodeia,
já previsto por Vidal de la Blache, mas ape-
nas posto em prática depois de 1950, quando
surge a noção de região polarizada;
A paisagem cultural (Kulturlandschaft), estudo
das diversas modificações sofridas pela paisa-
gem natural (Naturlandschaft) e provocadas
pelos grupos humanos ao longo do tempo.
O conceito de paisagem cultural surgiu na
Alemanha, onde os estudos de geografia cul-
tural assumiram grande importância a partir

76
de 1930. Nos Estados Unidos, o estudo da pai-
sagem cultural desenvolveu-se com o geó-
grafo Carl Sauer, que propunha para o estudo
da paisagem o método indutivo. Segundo
Sauer, a paisagem cultural resulta do mode-
lado da paisagem natural por um grupo hu-
mano. A cultura é o agente; o espaço natural,
o meio; a paisagem cultural, o resultado;
A classificação de paisagens, ou sistematização.
Uma classificação de paisagens foi, por exem-
plo, a elaborada pelo geógrafo britânico An-
drew Herbertson (1865-1915), que criou uma
divisão regional do mundo que ultrapassava
as divisões políticas, as quais eram inadequa-
das para a realização do trabalho científico.
Assim, dividiu o mundo em regiões polares,
temperadas frias, temperadas quentes e quen-
tes, as quais eram ainda subdivididas.

Mas, quer na geografia regional francesa, quer na


anglo-saxónica, os elementos físicos e humanos da
região inter-relacionam-se, constituindo a síntese
que caracteriza a geografia regional.
Simultaneamente, na Alemanha permanece a
preocupação sobre a natureza do pensamento geo-
gráfico, a sua inclusão no campo das ciências.
A geografia regional, ao estudar regiões que con-
sidera únicas e que integram, n u m mesmo espaço,
vários elementos, pode ser considerada uma ciência
idiográfica, segundo a classificação de Kant.
Alfred Hettner (1859-1941), ao reler Kant, retoma
as suas idéias e define a geografia como a ciência que
estuda o espaço. Para ele, «a geografia tem uma ca-
racterística corológica, tal como a história tem uma
característica temporal». E, por ser corológica, «tem

77
como objectivo conhecer o caracter dos países ou re-
giões, mediante a compreensão da coexistência dos
diversos reinos da natureza nas suas diferentes for-
mas» (Die Geographie, 1927).
A preocupação fundamental de Hettner era banir
o dualismo da geografia, o perigo da sua divisão em
física e humana, e consegue-o ao considerar que, na
medida em que, ao estudar simultaneamente, n u m
mesmo espaço, fenômenos físicos e humanos, a geo-
grafia é ao mesmo tempo uma ciência física e hu-
mana.
Por outro lado, levanta-se o problema de a geo-
grafia assumir, desde a antigüidade, dois aspectos:
uma geografia geral, onde se faz a descrição da
Terra, e uma geografia regional ou corológica. Ora, a
partir do século xix, a geografia geral deixa de ter
sentido com o desenvolvimento das outras ciências
da Terra: a geologia, a geofísica, etc. Assim, aquilo
que passa a constituir a essência da geografia é a sua
característica corológica. A geografia deve descrever
unidades espaciais, defini-las e compará-las. E cada
lugar concreto é caracterizado pela associação es-
pecífica de fenômenos que existe nesse lugar, di-
ferente da associação que existirá noutro lugar.
No entanto, ao estudar regiões, a geografia utiliza
conceitos da geografia geral e, assim, não há uma se-
paração radical entre as duas, existindo, antes, dife-
renças graduais. Além disso, Hettner acentuava
também o caracter corológico da geografia geral.
Levanta-se agora outro problema: qual é a uni-
dade espacial adequada que deve ser considerada
básica para o estudo da geografia regional? Os conti-
nentes, ou os grandes espaços como a Península Ibé-
rica, ou um país não servem, porque neles existem
várias unidades diferenciadas. Hettner não encontra

78
resposta para aquela pergunta, que constitui um dos
problemas teóricos e metodológicos mais graves da
geografia regional.

As preocupações sobre o método da geografia


estendem-se a outros geógrafos e a outros países.
Na Grã-Bretanha, Halford J. Mackinder (1861-1947),
nos seus escritos, acentuou também o caracter idio-
gráfico da disciplina. Simultaneamente, desenvol-
veu um trabalho semelhante ao de Vidal de la
Blache, ao introduzir a geografia como disciplina
universitária em Oxford, em 1887. A sua contribui-
ção estendeu-se ainda ao ensino primário e ao
secundário, tendo fundado, juntamente com profes-
sores daqueles graus de ensino, a Geographical As-
sociation, em 1893.
As idéias de Hettner são retomadas nos E U A por
outro geógrafo essencialmente preocupado com a
natureza da geografia, Richard Hartshorne (1899),
que acentua o caracter corológico desta, isto é, ciên-
cia que se dedica ao estudo da diferenciação espacial
da superfície da Terra, das suas diferenças regionais
e da associação de fenômenos diversos n u m espaço
concreto, portanto, quer continentais, quer de áreas
mais pequenas ou mesmo locais.
Ao mesmo tempo retomou-se a tendência siste-
mática da geografia, o estudo de temas, tendo-se de-
senvolvido a utilização de técnicas quantitativas de
análise, com a qual Hartshorne entra em conflito
aberto, defendendo o caracter idiográfico da geo-
grafia.
Ao acentuar o caracter corológico da geografia,
Hartshorne considerava que no estudo das regiões
não é possível estudar todos os fenômenos que nelas
surgem inter-relacionados, sendo, assim, necessário

79
ao geógrafo proceder à selecção daqueles que dão
caracter a essa região. Além disso, é preciso definir
unidades mínimas de estudo e delimitar áreas da su-
perfície terrestre, as quais formariam um mosaico de
uma região. As regiões relacionar-se-iam entre si,
formando áreas maiores, até constituírem «a única
área unitária: o mundo».
Tal como Hettner, Hartshorne também não defi-
niu o tamanho das regiões. As regiões são meros
fragmentos da Terra e a forma como cada área é deli-
mitada é subjectiva. «O nosso juízo de semelhança
implica um juízo subjectivo; assim como as carac-
terísticas das unidades homogêneas têm maior im-
portância que as outras, também a determinação da
região é, de certo modo, arbitrária.» {Perspective on
the Nature of Geography, 1960.)
Assim, é impossível descobrir leis na geografia
regional. O seu objectivo é simplesmente «a descri-
ção das diferentes partes da superfície da Terra»,
para o que é preciso realizar monografias regionais, a
partir das quais talvez se possam fazer generaliza-
ções, mas nunca leis.

2.7 A GEOGRAFIA QUANTITATIVA

Embora se considere o final do século xix domi-


nado pelas correntes historicistas, o positivismo con-
tinuava a influenciar algumas áreas científicas atra-
vés das atitudes naturalista e evolucionista.
Assim, no início do século xx, alguns círculos
filosóficos alemães vão aprofundar a linha positi-
vista, recusando a metafísica e o idealismo e desen-
volvendo uma nova corrente de filosofia, designada
por «positivismo lógico» ou «neopositivismo».

80
Os principais contributos para uma clara defini-
ção dos objectivos e características do movimento
advêm do Círculo de Viena, fundado em 1920, e do
Grupo de Berlim e podem ser assim resumidos:

Conseguir uma ciência unificada, ultrapassando,


portanto, a divisão entre ciências naturais e
ciências humanas;
Procurar uma linguagem objectiva, constituída
por um sistema neutral de fórmulas, com um
simbolismo livre da linguagem histórica;
Considerar que a base do conhecimento assenta
na evidência dos sentidos, opondo-se a todos
os fenômenos não verificáveis, que considera
metafísicos. Nenhum conhecimento que uti-
lize juízos de valor é válido.

Contudo, não é na Alemanha que o neopositi-


vismo vai evoluir. Os cientistas do Círculo de Viena
foram perseguidos pelo regime nazi (ao qual se
tinham oposto, dado que este se apoiava n u m con-
junto de juízos de valor), tendo um dos seus funda-
dores sido assassinado e os outros fugido para a Grã-
Bretanha e os Estados Unidos. É, pois, nestes países
que o neopositivismo se vai desenvolver, tornando-
-se particularmente activo entre 1940 e 1950 e defi-
nindo as suas características:

Todo o conhecimento assenta na experiência;


O neopositivismo é profundamente anti-idealista
e exclui todos os problemas metafísicos;
Deve existir uma linguagem comum a todas as
ciências;
A investigação científica e os seus resultados de-
vem ser expressos duma forma clara, o que

Si
exige o uso da linguagem matemática e da ló-
gica;
Recusa de um dualismo científico entre as ciên-
cias naturais e as ciências sociais.

A descoberta da teoria dos quanta na física obriga


a reformular toda a lei física como uma lei estatística
(probabilista) e a abandonar o determinismo e as
leis deterministas, defendidas pelo positivismo do
século xix. O movimento neopositivista em geral se-
gue de perto o desenvolvimento da física e passa a
considerar que existe uma indeterminação entre a
previsão e os acontecimentos futuros, pelo que
passa a conceder uma maior importância à probabi-
lidade do que à relação determinista de causa-efeito.
O princípio da indução não serve para decidir sobre
a verdade, mas sim sobre a probabilidade da ver-
dade, «pois não é dado à ciência chegar à verdade ou
à falsidade [...], mas os enunciados científicos podem
alcançar unicamente graus contínuos de probabili-
dade, cujos limites superior e inferior, não alcançá-
veis, são a verdade e a falsidade» (Reichenbach).
O período de 1930-40 é por muitos autores consi-
derado decisivo na evolução das ciências sócias, não
só porque muitas idéias do século xix estão em crise,
mas também porque coincide com uma grave crise
socieconómica. A situação dos Estados Unidos pode
ser considerada um exemplo típico. Entre 1918 e
1928 deu-se um forte surto industrial, que levou a
uma superprodução, com os graves inconvenientes
a ela inerentes, como, por exemplo, o aumento da
taxa de desemprego. Simultaneamente, verificou-se
um grande surto urbano, acompanhado pela degra-
dação habitacional e por graves problemas sociais.
Em 1929 foi a bancarrota norte-americana e as suas

82
repercussões no resto do mundo. A segunda guerra
mundial corresponde a um período de paragem, in-
clusivamente de algumas áreas científicas, entre elas
a da geografia.
Depois de 1945, as ciências sociais vêem-se soli-
citadas a responder a novos tipos de problemas:

Necessidade de superar a crise econômica capita-


lista, o que provoca o aparecimento da econo-
metria e da economia positiva;
Procura de instrumentos de controlo social mais
eficazes, o que teve conseqüências na sociolo-
gia e na psicologia social;
Exigências de planificação regional e urbana, ori-
ginadas quer pela crise econômica, quer pela
necessidade de reconstruir as áreas devasta-
das pela guerra, com conseqüências imediatas
na geografia.

Os problemas de organização espacial já não po-


diam ser encarados como meras necessidades des-
critivas, mas assentavam, fundamentalmente, na
procura de soluções que permitissem optimizar a
utilização do espaço terrestre, de modo que a pró-
pria organização espacial das actividades humanas
se tornasse mais eficaz em si e nas relações que sem-
pre se estabelecem com o espaço envolvente. Era
então preciso responder a perguntas do tipo: «Qual a
melhor localização para...?»
Embora um pouco mais tarde que as outras ciên-
cias sociais, também a geografia sofreu a influência
do movimento neopositivista anglo-saxónico. Duas
obras são fundamentais neste movimento inovador:
Exceptionalism in Geography, de Fred K. Shaefer, de
1953, que ataca directamente o cerne da concepção

83
regional-historicista da geografia, e Theoretical Geo-
graphy, de William Bunge, a primeira obra teórica de
geografia, publicada em 1962, uma obra fundamen-
tal da «nova geografia».
Esta nova geografia, nascida da influência do
neopositivismo na análise geográfica nos Estados
Unidos e que cedo se expandiu à Grã-Bretanha,
países nórdicos (Suécia) e só mais tarde às restantes
escolas geográficas européias, pôs em questão a
maior parte dos conceitos aceites pelas comunida-
des de geógrafos, tendo desencadeado uma autên-
tica guerra com a chamada «revolução quantita-
tiva».

2.7.1 CARACTERÍSTICAS DA GEOGRAFIA


QUANTITATIVA OU NOVA GEOGRAFIA

As características da nova geografia podem resu-


mir-se da seguinte forma:

A geografia é uma ciência empírica, visto que se


apoia nos dados da observação, tal como a
física ou a biologia. Para se exprimir com rigor
(e segundo a filosofia neopositivista) necessita
de recorrer à lógica e à matemática;
Adopção do m é t o d o científico e desenvolvi-
mento de um corpo teórico que permita expli-
car os fenômenos espaciais;
Definição e utilização de modelos espaciais resul-
tantes da actividade do homem, a escalas lo-
cais, regionais, nacionais ou globais, e dos pro-
cessos que levam à existência desses modelos
como objecto da geografia. Os modelos podem
ter várias características: ou serem representa-

84
ções da realidade, ou fórmulas matemáticas,
ou descrições que assemelham os processos
geográficos a outros processos (por exemplo,
físicos - a utilização do modelo gravitacional
de Newton para explicar a aproximação de
duas cidades, fig. 16);
Necessidade do tratamento estatístico de uma
grande quantidade de dados. Procuram-se re-
lações probabilísticas, e não relações causais;
há uma grande quantidade de dados a tratar,
pelo que é necessário recorrer ao computador
e à linguagem matemática. Esta característica
da nova geografia é uma das que lhe trazem
maiores dificuldades, pois nem todos estão
preparados para entender essa linguagem;
Criação da noção de espaço relativo.

Fig. 16 - As esferas representam cidades. Devido ao maior


número de contactos entre as cidades grandes, representadas
pelas esferas maiores, estas aproximam-se umas das outras,
enquanto as cidades pequenas se afastam. Notar a semelhança
com a lei gravitacional de Newton: todo o corpo exerce sobre
qualquer outro uma força atractiva directamente proporcional
às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da
distância que os separa

85
2.7.2 O MÉTODO CIENTIFICO

Ao contrário da geografia possibilista, em que


cada caso, ou cada região, é único e o seu estudo
se faz através de uma análise minuciosa, da qual
se tiram conclusões por método indutivo, a geo-
grafia neopositivista utiliza o método hipotético-de-
dutivo.
Assim, para explicar a realidade, e através da
percepção de alguns factos, o geógrafo apercebe-
-se de uma certa imagem do mundo. A partir dessa
imagem constrói um modelo, para a verificação do
qual levanta uma hipótese. Para testar a sua hi-
pótese recolhe dados que selecciona, descreve, clas-
sifica, isto é, divide em classes. Como, em geral,
se trata de dados muito numerosos, é freqüente-
mente necessário fazer um tratamento por compu-
tador.
A classificação dos dados leva à descoberta da re-
lação entre factos, a qual é muitas vezes imperceptí-
vel só através da análise.
A partir da classificação dos dados verifica-se
se a hipótese formulada tem consistência ou não.
Se tem consistência, passa-se à fase da experimen-
tação.
Em geografia, a experimentação faz-se através do
tratamento de numerosos casos, de modo a obter-se
a confirmação ou negação da hipótese.
A confirmação, em geografia, não é determinista,
isto é, a hipótese não tem de ser verificada em todos
os casos, mas é probabilista, isto é, a hipótese deve
verificar-se n u m número significativo de casos.
A partir daqui podem formular-se leis probabilistas
e construir-se a teoria ou modelo.

86
2.7.3 ESPAÇO ABSOLUTO E ESPAÇO RELATIVO

Ao responder à pergunta «Onde?», o geógrafo


verifica que os fenômenos espaciais se distribuem ir-
regularmente à superfície da Terra. Isto é, a sua den-
sidade varia: há lugares de densidade elevada e
lugares de densidade baixa (por exemplo, de popu-
lação, de queda pluviométrica, de altitudes acima
dos 4000 m, e t c ) .
Assim, para definir onde se localizam os fenôme-
nos, o geógrafo tem necessidade de definir o tipo de
espaço em que os vai localizar.
A noção de espaço absoluto surgiu com os Gre-
gos, que consideravam os fenômenos corpos que
flutuavam no vazio. Com Newton, o espaço passa a
ser composto por uma série de pontos e tem existên-
cia física.
É este espaço que a geografia utiliza desde os
Gregos até aos anos 50. E nele, para localizar um
ponto, necessita de idealizar um sistema de referên-
cia. Surgiram, assim, a rede de meridianos e parale-
los e as distâncias quilométricas. As distâncias me-
didas nestes sistemas de referência não variam ao
longo do tempo. São por isso consideradas distân-
cias absolutas. A localização de qualquer lugar ou
qualquer ponto é uma localização absoluta.
No século xix surgiu a noção de espaço relativo e
foi desenvolvida por Poincaré (físico e matemático),
que considerava o tempo e o espaço inseparáveis:
nada existe no mundo físico que seja puramente es-
pacial ou temporal. Assim, a localização relativa de
um ponto é a sua posição em relação a outro e pode
variar com o tempo ou com outros factores.
Imaginem-se três localidades, igualmente distan-
ciadas umas das outras, considerando o espaço abso-

87
luto (fig. 17). Suponhamos que entre A e C se
construiu uma auto-estrada. Quais as conseqüên-
cias n u m espaço relativo? A distância entre A e C
diminuiu, tornando-se mais curta, e as distâncias
AB e BC mantêm-se.

C
Fig. 17
a - Distâncias absolutas b - Distâncias relativas

Estamos habituados a ver apenas mapas com lo-


calizações absolutas, em que a posição dos lugares é
calculada em função de um sistema de referência
absoluto (latitude-longitude, distâncias quilométri-
cas). As distâncias relativas também se cartografam,
dando origem a mapas com aspecto «distorcido»
em relação àquilo que estamos habituados a ver
(fig. 18).
Além do tempo, podemos utilizar outras unida-
des para cartografar: o custo das deslocações entre
várias localidades; o número de contactos sociais en-
tre diversas cidades, durante um certo período de
tempo, etc.
Apesar de este tipo de representação nos parecer
distorcida, ela está, na realidade, mais próxima da
percepção que nós temos do mundo que nos rodeia.

88
Fig. 18
a - Distância tempo b - Distância tempo
em espaço absoluto em espaço relativo
(Seattle) (Seattle)

As distâncias parecem-nos longas ou curtas con-


forme o tempo que levamos a percorrê-las. E, mui-
tas vezes, este tempo depende do meio de trans-
porte utilizado. Para ir de Lisboa ao Porto podemos
utilizar o comboio intercidades, que une as duas ci-
dades em 3 horas, mas cujo bilhete custa mais de
2000$. Ou ir de comboio-correio, que leva 7 horas
a percorrer a mesma distância em quilômetros, mas
cujo bilhete custa menos de 1000$. Depende das
disponibilidades financeiras dos habitantes de Lis-
boa encontrarem-se a 3 ou a 7 horas do Porto e
acharem, n u m ou noutro caso, que a distância é pe-
quena, mas cara, ou grande, mas barata.

89
Na década de 1960 surgem as primeiras críticas à
nova geografia:

Os modelos em que ela se apoia são insuficientes


para explicar a realidade;
Os modelos encontram-se afastados da conduta
real do homem;
Os modelos procuram apenas descobrir o aspecto
que tomaria o m u n d o tendo em consideração
apenas certos pressupostos da racionalidade
econômica;
A nova geografia não se preocupa com a resolu-
ção dos problemas sociais.

2.8 AS GEOGRAFIAS RADICAIS

Entre 1950 e 1970 vão-se dar ao nível mundial


grandes tansformações sociais e econômicas que
irão provocar profundas alterações no pensamento
científico das ciências sociais.
Vários acontecimentos vão marcando de forma
decisiva estas transformações:

O fim da guerra fria, através de uma política de


coexistência pacífica que atenua as tensões
ideológicas internacionais no confronto Este-
Oeste e permite o florescimento da reflexão
marxista no Ocidente;
As mudanças nos países do Terceiro Mundo;
A crise do sistema de dominação ocidental.

Estas mudanças culminaram no processo de des-


colonização, com a independência de muitos países
africanos, como a Guiné e a Argélia, entre 1950 e

90
1970, o que veio alterar de modo radical as relações
internacionais.
Os problemas do subdesenvolvimento dos países
do Terceiro Mundo foram finalmente questionados
em vários momentos, como no Movimento dos Paí-
ses Alinhados, na Conferência de Bandung, em
1955, na qual se reclamou uma presença mais activa
destes países nas relações internacionais.
Também a Conferência Mundial de Comércio e
Desenvolvimento, realizada em Bruxelas em 1964,
permitiu levantar muitos dos problemas sociais e
econômicos do subdesenvolvimento e influenciou
não só a economia como também as outras ciências
sociais.
O subdesenvolvimento podia agora analisar-se
sob uma nova óptica, visto que se tomou conheci-
mento das conseqüências da dominação do sistema
capitalista e se reconheceram as relações existentes
entre o atraso econômico, a dependência e o inter-
câmbio internacional.
A crise do sistema mundial de dominação euro-
péia e norte-americana culminou no aparecimento
de uma série de movimentos que originaram gran-
des transformações na organização dos espaços
internacionais, como, por exemplo: o triunfo da
revolução comunista da China; o movimento neu-
tralista; a independência de países africanos, onde
passaram a vigorar regimes políticos socialistas; a
revolução cubana.
Toda esta crise culminou nos EUA, com a
Guerra do Vietname. A intervenção norte-ameri-
cana no Sueste asiático acabou por levantar uma
enorme onda de protestos interna, e mesmo uma
crise de confiança nas virtudes do seu sistema eco-
nômico e social.

91
As ciências sociais abria-se, assim, um campo
novo de trabalho através de uma nova compreensão
dos problemas dos países dependentes e do papel
das potências ocidentais e do próprio sistema capita-
lista na situação de subdesenvolvimento. As ciên-
cias sociais vêem-se, assim, confrontadas com novas
questões para as quais é necessário encontrar res-
postas diferentes das anteriores, não podendo estas
continuar, portanto, a investigar segundo as ideolo-
gias precedentes.
A década de 1960 torna-se a época da insatisfação
para os cientistas sociais. O neopositivismo não lhes
consegue fornecer os mecanismos mais convenien-
tes para esta nova compreensão. Novas correntes fi-
losóficas florescem no seu seio, como a fenomenolo-
gia e o existencialismo. É necessário introduzir na
análise social uma nova dimensão psicológica e va-
lorizar a experiência pessoal. Surgem os movimen-
tos críticos ou radicais em todas as ciências sociais.
Também a geografia vê surgir estes movimentos,
que recuperam, em parte, a herança historicista da
geografia.
Conjuntamente com estas novas situações ao
nível internacional, também ao nível interno se co-
meçam a fazer sentir necessidades de mudança.
A recusa das relações de produção capitalista, das
más condições de trabalho e a crescente degradação
das condições de vida nas cidades (que se tornam
meros espaços de reprodução da força do trabalho)
traduzem-se em movimentos de rebelião social ur-
bana. As ciências sociais são, assim, chamadas a
resolver novos conflitos sociais, no que são esti-
muladas por instituições governamentais que têm
absoluta necessidade de obter informações de tais
movimentos, de modo a poderem resolvê-los. Si-

92
multaneamente, descobre-se a degradação crescente
da biosfera e surgem os movimentos ecologistas.
O sistema de racionalidade surgido da revolução
científica do século xvn entra em crise. Os cientistas
começam mesmo a questionar-se sobre o papel da
ciência e da tecnologia e sobre as suas relações com
os valores fundamentais da vida humana. A ciência
começa a perder a imagem de conhecimento por ex-
celência, o que faz vacilar os pressupostos ideológi-
cos do positivismo e do neopositivismo. A relação
entre a racionalidade da ciência moderna e os valo-
res sociais é posta em causa, uma vez que se chega à
conclusão de que a investigação científica deve ob-
ter resultados socialmente significativos. Como diz
Rodovan Richta, «o que se pergunta é se o sistema
da ciência se aproxima do mundo e do homem, se
este sistema é capaz de fazer frente às reais necessi-
dades do desenvolvimento social das pessoas e da
formação prospectiva da vida social» e, neste con-
texto, se «as mudanças nas atitudes da ciência apa-
recem como formas fenoménicas de um processo
muito mais consistente e amplo de modificações das
necessidades sociais, dos interesses e dos valores».
Particularmente a comunidade universitária nor-
te-americana, a partir de 1965, encaminha-se noutra
direcção, diferente da do neopositivismo. Recusa-se
o mito da neutralidade da ciência, a ideologia tecno-
crata, a aplicação irracional do saber e o seu autorita-
rismo e a integração do sistema social através do
ensino. Tornam-se necessárias as «reformas revolu-
cionárias». Desde finais dos anos 50 e, principal-
mente, durante toda a década de 60, o conjunto da
praxis e da teoria científica é seriamente afectado e
em todas as disciplinas surgem correntes críticas,
que se designam a si mesmas como «radicais».

93
As primeiras que colocam em causa os princípios
até aí aceites são a economia e a sociologia.
Os movimentos críticos desenvolveram-se, não
só nos EUA, como também na Europa, em várias
ciências sociais, como a sociologia, a antropologia,
a ciência política, o urbanismo, a psicologia e o di-
reito. Aquilo que a maior parte dos cientistas pre-
tende é integrar a teoria marxista, como uma alter-
nativa às explicações acadêmicas tradicionais. Outra
característica básica do movimento é uma atitude
nitidamente antipositivista.
Esta atitude antipositivista é particularmente
marcada e clara na teoria crítica da escola de Fran-
coforte, uma das fontes essenciais do radicalismo
nas ciências sociais. A escola de Francoforte consti-
tuiu-se entre 1920 e 1930, em torno do Instituto de
Investigações Sociais, criado em 1923, o qual tinha
como objectivo principal estabelecer uma base inte-
gradora para o conjunto das ciências sociais, em fun-
ção da teoria marxista, procurando ligar a teoria e a
praxis. Com a subida de Hitler ao poder acabou o
Instituto, mas os seus cientistas irão instalar-se em
várias cidades (Bruxelas, Paris, Londres e Nova Ior-
que), de onde difundirão as suas idéias.

Durante a década de 60, estas tomadas de atitude


atingem o seu apogeu. Muitos filósofos e cientistas
sociais recusam definitivamente a explicação cientí-
fica baseada nos modelos das ciências naturais e a
sua aplicação aos conceitos das ciências sociais.
A geografia, como todas as outras ciências so-
ciais, sofreu também uma forte influência destes no-
vos movimentos. As descobertas da subjectividade
e da dimensão pessoal no campo da geografia vão-
-lhe dar uma nova dimensão, que surge mesmo den-

94
tro do movimento da nova geografia. Pode conside-
rar-se que a geografia da percepção e a geografia do
comportamento, nascidas da geografia neopositi-
vista, foram precedentes em relação às geografias ra-
dicais.

2.8.1 GEOGRAFIA DO COMPORTAMENTO


E DA PERCEPÇÃO

Desde finais dos anos 50 que o tema do com-


portamento começou a ser debatido nas ciências
sociais, especialmente após a obra de Herbert H. Si-
mon (1957) Models o/Man. Esta obra chamava par-
ticularmente a atenção para o facto de as decisões
econômicas serem tomadas a partir de uma multi-
plicidade de motivações e para o de, geralmente,
existirem escassas informações para os agentes eco-
nômicos trabalharem. Chama ainda a atenção para a
circunstância de os modelos estáticos (normativos)
pressuporem objectivos óptimos, enquanto o ho-
m e m apenas pretende alcançar o satisfatório.
As idéias de Simon começaram a ser introduzi-
das nos estudos geográficos por Julian Wolpert
(1964). A sua preocupação foi a de analisar os des-
vios que se verificavam entre os comportamentos
esperados, a partir dos modelos já existentes, e os
comportamentos reais.
Chegou à conclusão de que, tal como dizia Si-
mon, os comportamentos reais se ajustavam mais à
noção de «satisfatório» do que do «óptimo».
As idéias de Wolpert e de outros geógrafos trou-
xeram à geografia novos problemas, os do comporta-
mento, da informação e da decisão. Aquilo que preo-
cupa estes geógrafos é investigar as decisões sobre

95
organização espacial que se tomam na realidade e
que tantas vezes fogem aos esquemas propostos pe-
los modelos econômicos. A conduta espacial é agora
analisada a partir dos seguintes princípios:

Os homens são racionais quando tomam deci-


sões. Isto significa que o h o m e m opera sem-
pre de acordo com o modo como percebe o
meio. Só que nunca percebe o meio real ob-
jectivo, já que a sua percepção apenas lhe for-
nece uma imagem do meio. A sua racionali-
dade é, assim, limitada, como dizia Simon;
O homem toma decisões. A maior parte destas
decisões são tomadas repetidas vezes e o que
geralmente o h o m e m faz é fornecer uma res-
posta estereotipada;
As decisões baseiam-se no conhecimento da rea-
lidade objectiva. Este conhecimento é, no en-
tanto, limitado. Há quem tenha mais informa-
ções e quem disponha de menos e, para além
disto, o conhecimento varia com o lugar e
com as pessoas;
A informação avalia-se segundo critérios prede-
terminados. Na realidade, todas as decisões se
baseiam em regras aceites.

Deste modo, esta nova geografia baseia-se em


duas premissas básicas:

O h o m e m possui imagens mentais do meio e há


possibilidade de as medir adequadamente;
Existe uma forte relação entre essa imagem men-
tal do meio e o comportamento no m u n d o
real.

96
Assim, a geografia do comportamento e a da per-
cepção preocupam-se em responder a questões so-
bre o meio, sobre a sua organização espacial, mas to-
mando como factor dessa mesma organização as
condições psicológicas que lhe dão origem. O ho-
mem organiza o meio mais em função da percep-
ção que tem do que do conhecimento objectivo do
mesmo. A imagem mental que se possui de um
qualquer espaço é, assim, fundamental não só para
perceber o meio, mas também para o poder orga-
nizar.
Para o geógrafo, esta imagem é um filtro que
existe entre o h o m e m e o meio real. Aquilo que
lhe compete é analisar esta imagem e compará-la
com o mundo real, determinando se existe ou não
isomorfismo. Esta análise pressupõe que os geógra-
fos, tal como todos os homens, não têm acesso di-
recto ao mundo real e às suas características, mas
apenas à percepção, à imagem desse mundo, pelo
homem construída.
As decisões assim tomadas sobre organização es-
pacial, ao actuarem sobre a imagem de um espaço,
aproximam-se mais da realidade do h o m e m do que
os modelos econômicos, estáticos, o faziam.

2.8.2 A GEOGRAFIA RADICAL E LIBERAL


E A MARXISTA E ANARQUISTA

As novas questões colocadas às ciências sociais e


a influência de novas correntes filosóficas, como já
se referiu, trouxeram alterações mais ou menos pro-
fundas à geografia.
A insatisfação reinante no corpo acadêmico es-
tende-se aos geógrafos que não encontram no positi-

97
vismo as respostas satisfatórias para os problemas
agora colocados.
São mesmo alguns dos geógrafos mais importan-
tes da nova geografia, alguns dos que se tinham de-
bruçado sobre os seus aspectos teóricos, como Wil-
liam Bunge e David Harvey, que lideram o movi-
mento crítico.
O método científico positivista é agora conside-
rado insastifatório, se não mesmo mistificador.
Consideram, portanto, absolutamente necessário al-
terá-lo. Está nesta base a consciência de novos pro-
blemas reais, para os quais não se tem solução,
como sejam: o problema ecológico; a segregação so-
cial nas cidades norte-americanas; a Guerra do Viet-
name; a revolta dos Negros; a descoberta da injus-
tiça e da pobreza na sociedade norte-americana; e a
consciência de pertencer a um país explorador.
Tudo isto dá origem a um movimento crítico «ra-
dical», que atinge a sua grande expressão pública na
reunião da Association of American Geographers de
Ann Arbor em 1969, ano em que se começa a publi-
car uma revista que pretende expressar esta nova
corrente, oposta à da geografia quantitativa, Anti-
pode.
A geografia radical é, pois, uma reacção às pre-
tensões da nova geografia e aos modelos excessiva-
mente simples que elabora. Pretende demonstrar a
«falsa cultura» e integrar-se na ciência radical, visto
que é a única consciente das mudanças políticas re-
volucionárias e, nestas, a geografia radical é uma
componente que tem os mesmos objectivos e os
mesmos métodos.
Durante os primeiros tempos, a geografia radical
debruçou-se sobre três ou quatro temas principais: o
da pobreza e dos pobres; o dos Negros norte-ameri-

98
canos e dos grupos sociais marginais; o das condi-
ções da vida urbana, com particular atenção aos gue-
tos, à acessibilidade espacial dos serviços públicos e
à crise da habitação; e o da violência, conflitos so-
ciais e sua resolução.
Surge, assim, uma vasta gama de estudos geográ-
ficos, com temas completamente novos, mas que in-
cluem sempre de modo explícito a dimensão espa-
cial.
Os geógrafos norte-americanos iniciaram um
esforço colectivo para impor uma ruptura com o
pensamento anterior e introduzir na análise das es-
truturas espaciais não só um aspecto subjectivo e
pessoal (como fazia a geografia do comportamento e
da percepção), mas também uma perspectiva mar-
xista.
A este trabalho dos geógrafos norte-americanos
juntou-se o dos europeus, quer por influência do
movimento intelectual da época, quer pela difusão
das obras dos geógrafos norte-americanos. Assim,
na escola francesa aparecem nomes como Yves La-
coste, que tornou pública a sua opinião em 1973 e
criou a revista Hérodote em 1976, que segue esta li-
nha de orientação.
Esta corrente seguiu, no entanto, duas orienta-
ções específicas: 1) a radical liberal e 2) a radical
marxista e anarquista.
A geografia radical liberal (ou só radical) consi-
dera que a democracia deve ter um compromisso
forte com uma acção legislativa e executiva desti-
nada a minorar os problemas sociais. Os geógrafos
devem sugerir o ordenamento espacial que torne
possível as transformações sociais desejadas. Como
diz Morril, «os ordenamentos espaciais das activida-
des humanas devem reflectir as necessidades e dese-
jos dos que ocupam as áreas da sociedade no seu
conjunto, e não os estreitos objectivos da eficiência
econômica, nem apenas o interesse de proprietários
e investidores». Esta geografia devia conseguir mu-
danças, mas de caracter reformista. É uma geografia
liberal, idealista e elitista.
A geografia radical marxista e anarquista (revolu-
cionária) utiliza a teoria marxista como fundamental
para a análise geográfica. Pretende-se realizar uma
«geografia de esquerda», a qual assenta em três ob-
jectivos:

Construir uma sociedade mais equitativa, sem


pobreza nem sofrimento;
Trabalhar para uma mudança radical, de modo a
reconstruir a estrutura das opiniões conven-
cionais;
Criar uma organização, com uma acção efectiva,
dentro da geografia acadêmica.

Esta geografia analisa principalmente as relações


estruturais dos problemas sociais. U m a das noções
básicas é a de que o espaço não pode ser percebido
independentemente do objecto de estudo. A geogra-
fia quantitativa, pelo contrário, considerava o es-
paço como uma variável explicativa.
Teoricamente, o maior contributo deve-se a
Harvey, que recusa igualmente o idealismo, o posi-
tivismo e a fenomenologia, porque estas teorias ou
se centram sobre o indivíduo, não considerando as
limitações à liberdade individual por parte das estru-
turas sociais, ou esquecem o papel das elites na ma-
nipulação das estruturas sociais.
Há ainda a considerar a geografia humanista, que
surge do desenvolvimento da geografia do compor-

100
tamento e da percepção. É antipositivista e integra-
-se nos movimentos radicais. Recusa o caracter ob-
jectivo, abstracto, mecanicista e determinista da
geografia quantitativa e propõe um caracter mais
humano, em que os significados, valores, objectos e
propósitos das acções humanas tenham mais impor-
tância.
A sua principal preocupação é demonstrar que
existem desvios entre as condições do meio e a ima-
gem, ou, melhor, a percepção que os indivíduos e a
sociedade em geral têm desse mesmo meio. Esta
percepção, perfeitamente visível nos mapas mentais
que não coincidem com a representação cartográ-
fica, influencia as decisões sobre a organização des-
ses espaços. Esta geografia, considerando perspecti-
vas humanas, culturais e sociais, consegue propor
uma organização das estruturas espaciais mais adap-
tadas a cada sociedade.
Embora as geografias radicais sejam profunda-
mente diferentes da geografia quantitativa, há que
considerar que muitos destes geógrafos continuaram
a utilizar muitas técnicas quantitativas para resolver
os problemas levantados.
Como alguns geógrafos afirmam, «os métodos
existentes podem converter-se em métodos radicais,
aplicando-os a problemas radicais, mas também se
transformam pela forma como o geógrafo considera
o seu impacte na política pública». Sendo assim, a
maior diferença entre as geografias radical e quanti-
tativa parece ser mais uma mudança de objectivos
do que de métodos.

101
TEXTOS DE APOIO

A CLASSIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO

Desde que o homem pensa e desde que existe a linguagem


que ele tenta classificar a sua experiência em diversos tipos de
conhecimento. O conhecimento é diferente de povo para
povo, conforme a experiência e a linguagem.
Com os Gregos, o conhecimento desenvolveu-se em rela-
ção aos objectos e às experiências concretas, mas também no
abstracto. O aparecimento de palavras como matemática,
ética, política, geografia mostra uma tendência para subdividir
o conhecimento. À medida que o conhecimento foi progre-
dindo, foi-se desenvolvendo a tendência para o subdividir em
disciplinas. No entanto, persiste um problema: a partir de que
base o conhecimento se divide? Ou seja, em que se baseia o
conhecimento para se subdividir em disciplinas?
Uma resposta possível é considerar que o conhecimento (a
ciência) se divide em disciplinas que se agrupam conforme os
processos que utilizam para se desenvolver. Assim, a matemá-
tica desenvolve-se apenas pela razão, a física e a química pela
experimentação. Mas, actualmente, os filósofos consideram
que esta divisão não existe. Todo o conhecimento é em parte
empírico, em parte resultado da razão.
O que passa então a interessar é verificar qual a natureza de
cada ramo do conhecimento, isto é, aquilo que distingue uma
disciplina de outra (por exemplo, o que distingue a geografia
da biologia), ou seja, a forma como o conhecimento é adqui-

103
rido, a sua metodologia e a natureza dos conceitos fundamen-
tais.
A dificuldade em classificar as ciências resulta ainda do
facto de uns filósofos considerarem que a ciência é única, tem
sempre a mesma estrutura. Outros consideram que as ciências
se devem dividir em dois grupos ou tipos, com estruturas dife-
rentes: as ciências da natureza e as ciências sociais.
Não há, portanto, critérios definidos para dividir as várias
ciências.
O facto é que, no nosso dia-a-dia, o conhecimento está divi-
dido por razões práticas, devidas às diversas formas como o
utilizamos. Por exemplo, determinadas impressões sonoras
constituem o que chamamos música, a maior fonte de energia
é o Sol, etc.
A experiência levou-nos a formular conceitos que se inter-
-relacionam e pertencem a um grupo, fundamentalmente dife-
rente do outro grupo. Por exemplo, as idéias de massa, vo-
lume, densidade são conceitos inter-relacionados com uma
disciplina a que geralmente se dá o nome de física. Estes con-
ceitos não têm relação com os de rendimento, custos sociais,
riqueza e outros utilizados em economia.
Não só os conceitos pertencentes a uma forma do conheci-
mento estão relacionados uns com os outros, através da lin-
guagem lógica dessa forma do conhecimento, como também
as proposições que relacionam os conceitos entre si se podem
testar, segundo meios característicos dessa forma do conheci-
mento. Não basta crer que a solução de um problema está, ou
é, correcta. É necessário testá-la. E, na física, por exemplo, es-
ses testes realizam-se através da verificação experimental da
hipótese.
Em algumas formas do conhecimento, a experimentação
não é tão simples de realizar como na física.
Alguns autores excluem a geografia das formas do conheci-
mento (ou ciências), tal como excluem a medicina, a enge-
nharia e a arquitectura. Dizem eles que a geografia recorre a
processos das outras ciências para testar as suas hipóteses: da
geologia, da meteorologia, das ciências sociais. Estes autores
preferem a designação de campo de conhecimento para aquelas
disciplinas. Elas são vistas como formas de compromisso entre

104
o conhecimento e os problemas humanos. A arquitectura li-
ga-se ao desenho e à construção de edifícios, a medicina ao tra-
tamento do corpo. E a geografia? Haverá algo cujo principal
problema seja a organização espacial?
A pergunta fundamental para a geografia é:

«Há algum aspecto na geografia que não possa ser estu-


dado por qualquer outra disciplina?»

Isto pode ainda ser visto de outro modo: a geografia estuda


problemas que se podem cartografar. Esta visão não exclui a
geomorfologia nem a climatologia.
Este modo de ver a geografia leva-nos a considerar quais os
métodos que ela pode utilizar para estudar os fenômenos re-
velados pelos diversos padrões. A geografia é uma das formas
pelas quais se podem delimitar certos aspectos do conheci-
mento. Na linguagem da lógica e da matemática, ela é um con-
junto que compreende elementos de vários outros conjuntos
(fig. 19). Assim, a forma como o conhecimento se classifica de-
pende dos critérios usados e dos fins para os quais se faz essa
classificação.
Uma investigação recente (I. Cox, 1975) sobre os trabalhos
dos geógrafos mostrou que 75 % dos conteúdos se refere a
conceitos de localização, distribuição, associação e variação
por áreas e interacção espacial.
Adaptado de Norman J. Graves, Geography in Education,
Londres, 1984.

MODELOS

Porque é um dos termos que proporcionam uma aura de


grande savoir-faire àqueles que o usam, à expressão «modelo»
foi virtualmente subtraída qualquer definição específica.
É utilizada para designar qualquer coisa, desde uma simples
relação até uma teoria complexa. Hoje, nenhum cientista so-
cial pensa elaborar uma proposta de investigação sem incluir
nela o desenvolvimento de, pelo menos, três modelos, pre-
ferencialmente modelos matemáticos.

105
Fig. 19 - Posição da geografia no contexto das ciências

No entanto subsiste ainda uma pequena dúvida sobre se


cada cientista, individualmente, tem uma percepção muito
clara do que o termo «modelo» significa para si, e talvez até
para os seus colegas de disciplina, quando o utiliza.
Mesmo na literatura geográfica, encontramos tantas varie-
dades de significados do termo, que estávamos fortemente
tentados a sugerir que os eliminássemos todos. Mas, porque
o termo é de uso comum - embora impreciso - e a noção de
modelo é basicamente válida e muito útil, tentaremos dar uma
definição que sirva os nossos propósitos.
Os filósofos da ciência ficariam felizes se restringíssemos
o uso do termo «modelo» às ocasiões em que queremos falar

106
de estruturas isomórficas entre duas teorias. Isomorfismo é
uma correspondência biunívoca entre dois sistemas - por
exemplo, a correspondência entre números árabes e núme-
ros romanos. Suponhamos que estas duas teorias, cujas leis
têm a mesma forma, estão igualmente inter-relacionadas. Se
existir uma correspondência biunívoca entre todos os elemen-
tos de uma das teorias e todos os elementos da outra, cada
uma destas teorias pode ser tomada como um modelo da
outra.
Desta forma, um modelo não é uma teoria em si. É uma
abstracção da teoria, uma vez expoliada de todo o conteúdo
empírico, mas mantendo a mesma estrutura. Os filósofos
preferem restringir o uso do termo «modelo» àqueles ca-
sos em que ambos, o isomorfismo estrutural e a correspon-
dência biunívoca, estão de facto ou potencialmente em evi-
dência.
A utilidade dos modelos, deste modo definidos, assenta no
seu potencial heurístico (isto é, revelador). Dado que temos
razões para acreditar que uma estrutura teórica pode ser o mo-
delo de uma outra, podemos simplificar muito os nossos esfor-
ços para construir uma teoria numa área de investigação não
familiar. Os geógrafos, por exemplo, estão muito interessados
nos processos pelos quais idéias e inovações se difundem atra-
vés do espaço e despendem um grande esforço no desenvolvi-
mento de leis e teorias aplicáveis a estes processos. Ora acon-
tece que existem outros processos espaciais sobre os quais se
sabe muito mais do que sabemos, neste momento, sobre difu-
são de idéias e inovações, processos esses para os quais temos
teorias relativamente bem desenvolvidas. Um desses campos
é a epidemiologia, estudo da difusão de uma doença. Visto que
podemos encontrar muitas correspondências biunívocas entre
os elementos da teoria da epidemiologia e a difusão espacial,
podemos usar essa teoria como um modelo da teoria da difu-
são espacial.
A estrutura formal da teoria da epidemiologia nunca será
exactamente adaptada à estrutura da teoria da difusão de ino-
vações e idéias. Mas, assumindo que sabemos mais acerca da
teoria da epidemiologia do que sobre a difusão de idéias, exa-
minando a primeira, e extraindo-lhe o seu conteúdo empírico,

107
podemos retirar dela alguns ensinamentos para a estrutura
dos processos de difusão espacial.
Abler, Adams e Gould, Spatial Organization, Londres,
1972.

ANÁLISE METODOLÓGICA

A metodologia trata da posição e objecto de uma disciplina


dentro do sistema total das ciências, do caracter e natureza dos
seus conceitos.
A metodologia enriquece-se com a mudança e a evolução.
Numa ciência activa, os conceitos estão continuamente a ser
aperfeiçoados ou totalmente reformulados. As leis e hipóteses
são confirmadas ou desmentidas. A metodologia é a lógica
deste processo. Visto nesta perspectiva, a metodologia da geo-
grafia é demasiado complacente. Algumas idéias fundamen-
tais permaneceram indiscutíveis durante décadas, apesar de
existirem fortes razões para duvidar delas [...]
Na realidade, o desenvolvimento da geografia é muito mais
lento do que o de algumas outras ciências sociais, como, por
exemplo, a economia. Parte deste atraso deve-se, talvez, a
irreais ambições, que fizeram nascer a idéia confusa de uma
única ciência integradora com uma única metodologia pró-
pria. [...]
Com o desenvolvimento das ciências naturais, nos sécu-
los XVIII e xix, tornou-se claro que a descrição era insuficiente.
Mesmo a descrição seguida por uma classificação não explica a
forma de distribuição dos fenômenos no mundo. Explicar os
fenômenos que se descreveram significa sempre reconhecê-
-los como exemplos de leis. Outra forma de dizer o mesmo é
insistir em que a ciência não está interessada nos dados indivi-
duais, mas sim nos padrões que representam.
Em geografia, as variáveis fundamentais, do ponto de vista
da elaboração de padrões, são naturalmente as espaciais e
estão regidas por leis. Para este trabalho são necessários ins-
trumentos sob a forma de conceitos e leis. Deste modo, a geo-
grafia tem de ser concebida como a ciência que refere a formu-

108
lação de leis que regem a distribuição espacial de certas carac-
terísticas da superfície da Terra. Esta última limitação é es-
sencial: com o desenvolvimento da geofísica, da astronomia e
da geologia, a geografia não pode continuar tratando de todo o
nosso planeta, mas apenas da superfície do mesmo e «dos fe-
nômenos terrestres que ocupam o seu espaço».
Humboldt e Ritter reconheciam como objecto fundamen-
tal da geografia o estudo da forma como que os fenômenos
naturais, incluindo o homem, se distribuem no espaço. Isto
implica que os geógrafos devem descrever e explicar a forma
como as coisas se combinam «para ocupar uma área». Natural-
mente, estas combinações modificam-se de uma área para ou-
tra. Áreas distintas contêm factores distintos, ou os mesmos
factores distintos ou os mesmos factores em diferentes combi-
nações. Tais diferenças, bem como a combinação de factores
ou a sua disposição num lugar, constituem o fundamento da
noção de que as áreas são diferentes. Segundo os geógrafos
gregos, este ponto de vista é denominado corográfico ou coro-
lógico, segundo o nível de abstracção. Assim, a geografia deve
prestar atenção à disposição especial dos fenômenos numa
área, e não aos fenômenos em si. O que importa ao geógrafo
são as relações espaciais. As relações não espaciais existentes
entre os fenômenos de uma área constituem o objecto de ou-
tros especialistas, tais como os geólogos, antropólogos e eco-
nomistas. De todas as limitações que afectam a geografia, esta
parece ser a mais difícil de observar. Inclusive, a julgar por in-
vestigações recentes, os geógrafos nem sempre distinguem
entre, por exemplo, as relações sociais, por um lado, e as rela-
ções espaciais entre factores sociais, por outro [...]
Kraft, comentando Humboldt e Ritter, considera igual-
mente que a geografia é, pelo menos potencialmente, uma
ciência que trata de descobrir leis; que está limitada à superfí-
cie da Terra; que é essencialmente corológica [...]
[...] As investigações dos geógrafos, sejam físicos, econô-
micos ou políticos, são de dois tipos diferentes: sistemáticas
ou regionais. Uma região contém, sem dúvida, uma combina-
ção singular, única e inclusive, em alguns aspectos, uniforme
de espécies ou categorias de fenômenos. O detalhe com que
o geógrafo regional descreve, enumera ou cataloga estes tra-

109
ços, no começo da sua investigação, depende do tamanho da
região considerada. Na continuação deverá reunir informa-
ção sobre a distribuição espacial dos indivíduos em cada clas-
se. A sua tarefa específica, como cientista social, começa ape-
nas nesta fase. Primeiro deve observar as relações existentes
entre os indivíduos e as classes em virtude das quais a área
considerada possui o caracter unitário que faz dela uma região.
Em segundo lugar, deve identificar as relações que existem
nesta área particular, como exemplo das inter-relações causais
que - em virtude de leis gerais entre tais características -
mantêm, em todas as circunstâncias, conhecidos os indiví-
duos, as classes ou quaisquer outras categorias que possuam.
Este segundo passo conduz à aplicação da geografia sistemá-
tica na área em questão. Só quando se deram os dois passos se
pode dizer que se obteve um conhecimento científico da
região.
Chegamos, assim, à geografia sistemática. As relações es-
paciais entre duas ou mais classes específicas de fenômenos
devem ser estudadas em toda a superfície terrestre, para obter
uma generalização da lei. Aceitemos, por exemplo, que en-
contramos dois fenômenos que se dão freqüentemente no
mesmo lugar. Pode, então, formular-se uma hipótese que esta-
beleça que, sempre que num lugar apareçam os membros de
uma classe, aparecem também os membros da outra classe.
Para comprovar tal hipótese, o geógrafo necessita de um nú-
mero suficiente de casos e variáveis mais amplo do que aquele
que pode encontrar numa região. Mas, se ele confirmou com
um número suficiente de casos, então a hipótese converte-se
em lei, que pode ser utilizada para «explicar» situações ainda
não consideradas.
Humboldt e Ritter compreenderam com clareza que a geo-
grafia sistemática formula regras e leis que são aplicadas na
geografia regional [...]
O geógrafo sistemático, ao estudar as relações espaciais en-
tre um número limitado de classes de fenômenos, chega, por
um processo de abstracção, a leis que representam situações
artificiais, no sentido em que um número relativamente redu-
zido de factores é casualmente operativo em cada uma delas.
Praticamente, nenhuma lei deste tipo, nem um corpo de leis,

110
convirá completamente a uma situação concreta. Neste sen-
tido, cada região é única [...]
A geografia regional não tem de se sentir inferior ao ramo
sistemático, porque este terá sempre de obter os seus dados
da regional. Mais ainda, a geografia sistemática recebe uma
grande orientação da regional no que respeita ao tipo de leis
que deve descobrir, porque a geografia regional é como o labo-
ratório, em que as generalizações do teórico devem suportar a
prova de experimentação e da verdade.
Adaptado de F. Schaefer, O Excepcionalimo em Geografia,
Barcelona, 1971.

A GEOGRAFIA COMO CIÊNCIA

A geografia foi sempre fonte de indecisão para os responsá-


veis escolares e universistários. Ela deve estar incluída na área
das «ciências da Terra» ou das «ciências sociais»? Situar a geo-
grafia na estrutura do conhecimento é difícil devido à plurali-
dade de concepções de geografia no passado e ao debate ac-
tual sobre o domínio próprio da geografia.

1. AS CONCEPÇÕES DA GEOGRAFIA

Ao longo da evolução da geografia, o conceito sobre o


domínio da geografia foi sendo diferente para os geógrafos.
O que é mais geralmente adoptado é o que considera a geogra-
fia a ciência da diferenciação do espaço. Mas existem variações
na forma de entender este ponto de vista. E assim podemos
destacar:

A geografia é a ciência da superfície da Terra;


A geografia é o estudo das relações entre o homem e o
meio;
A geografia é a ciência que estuda a localização dos fenô-
menos à superfície da Terra.

111
2. A D I F E R E N C I A Ç Ã O DO E S P A Ç O

A geografia é um ramo do conhecimento que se identifica e


distingue com facilidade há mais de 2000 anos, tendo sido in-
troduzida no ensino pelos Gregos. O alargamento dos conhe-
cimentos durante a época dos Descobrimentos, a criação das
sociedades de geografia no século xix e a utilização de técnicas
de pesquisa rápidas e precisas resultam de uma necessidade
profunda: organizar o conhecimento sobre a superfície da
Terra. Para realizar esta tarefa, os geógrafos interessam-se, an-
tes de mais, pela definição de região, pela diferenciação espa-
cial da Terra. Esta definição constitui, desde os Gregos, um
denominador comum da maior parte dos trabalhos geográfi-
cos. Mas não é esta a questão que se debate quando se discute
a natureza da geografia. O que preocupa os geógrafos é o sen-
tido em que a geografia se deve orientar.

3. A ESCOLA DA PAISAGEM

O conceito de paisagem (em inglês: landscapè) permane-


ceu confuso durante muito tempo, devido ao facto de os Ale-
mães darem dois significados a esta palavra (em alemão:
Landschaft). O pensamento desta escola inspirou-se em traba-
lhos alemães, de onde parece ter resultado uma confusão na
utilização da palavra Landschaft, que tanto pode significar
«paisagem» (landscapè, paysage), no sentido de aspecto de
uma parte da superfície da Terra, como «região» (em inglês:
region; em francês: régiori). Na primeira acepção, os termos
Landschaft e landscapè são sinônimos; na segunda, Landschaft
traduz-se por region ou région. Esta confusão foi traduzida para
os trabalhos americanos e é bem patente na obra de Carl
Sauer The Morphology of Landscapè.
Sauer entendia que a paisagem podia ser analisada em dois
aspectos: a paisagem natural (Urlandschaft) e a paisagem cul-
tural (Kulturlandschaft). Por paisagem natural entendia a pai-
sagem original, antes da acção do homem; por paisagem cul-
tural, a paisagem transformada pelo homem. Isto teve como
resultado a aplicação dos métodos utilizados para analisar a
paisagem natural à análise da paisagem cultural.

112
4. ESCOLA ECOLÓGICA

A concepção da geografia como estudo da relação do ho-


mem com a Terra surgiu na Alemanha, mas exerceu maior in-
fluência em França, onde foi desenvolvida por Vidal de la Bla-
che, e na América, com Ellen Semple. Foi principalmente a
obra desta autora que contribuiu para que, nos países de lín-
gua inglesa, se passasse a considerar a geografia o estudo das
influências geográficas.
Na Universidade de Chicago desenvolveu-se uma tendên-
cia menos extremista da escola ecológica. Segundo os seus au-
tores, a geografia é uma ecologia humana, na qual se dá menos
importância ao meio físico: a geografia é uma ciência social
que estuda as relações entre as sociedades humanas e o meio
físico.
Nesta tendência, é difícil fazer a delimitação entre a geogra-
fia e a sociologia. Além disso, utilizam-se muitos conceitos
próprios da ecologia, como o de ecossistema.
Foi talvez em França que a concepção ecológica da geogra-
fia teve um maior desenvolvimento. Tanto Vidal de la Blache
(Princípios de Geografia Humana), como Jean Brunhes (Geo-
grafia Humana), como Max Sorre (Fundamentos da Geografia
Humana), consideram as relações entre o homem e o meio o
núcleo do estudo dos factos essenciais da ocupação da Terra
pelo homem. A forma como trataram grande número de
exemplos regionais e a sua concepção do homem como um
elemento de um conjunto fortemente articulado, o meio, per-
mitem que eles sejam considerados básicos para o desenvolvi-
mento da geografia humana.

5. A ESCOLA DA LOCALIZAÇÃO

Retoma-se a idéia de que a geografia é a ciência da distri-


buição dos fenômenos à superfície da Terra, pelo que está de-
pendente da geometria e da topologia para responder à ques-
tão «Onde estão as coisas?». Na realidade, qualquer trabalho
geográfico faz referência à localização e à distribuição dos fe-
nômenos. Os factos mais importantes por onde emergiu a teo-
ria da localização são os factos econômicos e a teoria baseia-se

113
114
115
A GEOGRAFIA, CIÊNCIA DO ESPAÇO

A história e a geografia poderiam ser denominadas, por as-


sim dizer, como uma descrição, com a diferença de que a pri-
meira é uma descrição segundo o tempo e a segunda uma des-
crição segundo o espaço. Deste modo, a história e a geografia
aumentam o nosso conhecimento com respeito ao tempo e ao
espaço [...] A história, por conseguinte, difere da geografia so-
mente com respeito ao tempo e ao espaço. A primeira é, como
se assinalou, uma relação de acontecimentos que se sucedem
no tempo, a outra uma relação de factos que se dão uns junta-
mente com outros no espaço. A história é uma narração, a geo-
grafia uma descrição [...]
Geografia é o nome para a descrição da natureza e do con-
junto do mundo. A geografia e a história preenchem a área in-
teira da nossa percepção: a geografia, a do espaço; a história, a
do tempo.
Emmanuel Kant - extraído de H. Capei, Filosofia y Ciên-
cia en la Geografia Contemporânea, Barcelona, 1981.

COSMO. ENSAIO DE UMA DESCRIÇÃO


FÍSICA DO MUNDO

Se se considera o estudo dos fenômenos físicos, o mais im-


portante resultado desta investigação é o conhecimento da co-
nexão entre as forças da natureza e o sentimento íntimo da sua
mútua dependência.
Se o homem, ao interrogar a natureza, não se limita à ob-
servação, se recolhe e regista os factos para estender a sua in-
vestigação para além da sua existência efêmera, a filosofia da
natureza despoja-se das formas vagas que a caracterizam
desde a sua origem; adopta, então, um caracter mais sério, faz
ressaltar o valor das observações, já não adivinha, mas com-
bina e raciocina.
Não se pretende, neste ensaio da física do mundo, reduzir o
conjunto dos fenômenos sensíveis a um pequeno número de
princípios abstractos, sem outra base que não seja a razão
pura.

116
A física do mundo que pretendo expor não se pretende
elevar às perigosas abstracções de uma ciência puramente ra-
cional da natureza. Estranho às preocupações da filosofia pura-
mente especulativa, o seu ensaio sobre o cosmo é uma consi-
deração do universo, baseada num empirismo pensado, isto é,
sobre um conjunto de factos registados pela ciência e submeti-
dos à acção de um entendimento que compara e combina.

A parte terrestre da física do mundo, para a qual conserva-


ria, de bom grado, a denominação antiga de geografia física,
trata da distribuição do magnetismo no nosso planeta (mas
não das suas leis); define, em grandes traços, a configuração
dos continentes, a extensão do seu litoral em relação com a
sua superfície, a distribuição das massas continentais nos dois
hemisférios, a qual exerce uma poderosa influência na diver-
sidade do clima e nas modificações meteorológicas da atmos-
fera; assinala o caracter das cadeias montanhosas; analisa a
altitude média dos continentes, a relação entre o ponto culmi-
nante e a altitude média das linhas de cumes com a sua distân-
cia à costa. Descreve as rochas eruptivas; estuda os vulcões, a
sua situação (isolada ou em séries), o seu tipo de actividade.
A parte terrestre do cosmo descreve ainda a luta do elemento
líquido com a terra emersa; estuda aquilo que é comum aos
grandes rios e a sua posição em relação às cadeias monta-
nhosas.
O objecto da geografia física é reconhecer a unidade na
imensa variedade de fenômenos e descobrir, pelo raciocínio,
através da combinação de observações, a regularidade dos fe-
nômenos dentro das suas variações aparentes. Se na exposição
da parte terrestre do cosmo tiver necessidade de descer a fac-
tos muitos concretos, será apenas para fazer notar a conexão
que existe entre as leis da distribuição real dos seres do espaço
e as normas de classificação ideal em famílias naturais, basea-
das em analogias de organização interna e de evolução pro-
gressiva.
A exposição de um conjunto de factos observados e combi-
nados entre si não exclui a pretensão de agrupar os fenômenos
de acordo com a sua ligação racional, nem de generalizar o que

117
é susceptível de generalização no conjunto das observações,
nem de chegar, enfim, ao descobrimento de leis.
A. Von Humboldt - extraído dc J. Mcndoza e outros, El
Pensamiento Geográfico, Madrid, 1982.

A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO
NA SUPERFÍCIE DO GLOBO
E A SUA FUNÇÃO
NO DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

O que nos surpreende ao observarmos um globo terrestre é


a arbitrariedade que preside à distribuição das terras e da água.
Não há simetria no conjunto arquitectónico deste todo terres-
tre, nada que o assemelhe, nesse sentido, aos edifícios cons-
truídos pelo homem, ou ao mundo vegetal e animal. Por isso,
despertaram mais interesse as suas partes constituintes do que
a sua aparência global, e os compêndios de geografia têm-se
dedicado, sobretudo, a descrever as suas diversas partes. Ten-
do-se contentado, até agora, com a descrição e classificação su-
mária das diferentes partes do todo, a geografia não pôde, con-
sequentemente, ocupar-se das relações e das leis gerais, que
são as que unicamente a podem converter numa ciência e dar-
-lhe unidade.
Com efeito, quanto mais avançamos no conhecimento das
distribuições espaciais à superfície do globo e quanto mais nos
interessamos, para além da desordem aparente, pela relação
interna entre as diferentes partes, mais simetria e harmonia
descobrimos. E as ciências naturais e a história podem ajudar-
mos a compreender a evolução das relações espaciais.
Nos três continentes do Velho Mundo, a forma oval de
África, a romboédrica da Ásia e a triangular da Europa deter-
minaram para cada continente três tipos diferentes de relações
dimensionais. O caracter uniforme que adquirem na África
opôem-se fundamentalmente ao que surge na Europa. Aqui,
com efeito, a longitude este-oeste eqüivale ao dobro ou ao tri-
plo da largura, a qual diminui desde a base do triângulo (o lado
que faz fronteira com a Ásia) até ao vértice, no Atlântico. Se a
África, compacta e dobrada sobre si mesma, não possui qual-

118
quer articulação, o coração do continente asiático, também
maciço e mais potente, é menos penetrável; mas, pelo contrá-
rio, a leste e a sul está finamente articulada.
A Europa abre-se em todas as direcções e, tendo em conta
a mesma superfícies de terras, a civilização pôde penetrar no
interior do continente. No corpo mais recolhido da Ásia não
foi possível um equilíbrio entre formas que se interpenetram,
como sucede na Europa. A Ásia e a África viram-se privadas
das vantagens inerentes às articulações e aos seus efeitos.
Se o núcleo central do continente asiático se manteve,
portanto, a pátria monótona dos povos nômadas, os seus ante-
países, as suas penínsulas articuladas e privilegiadas pela natu-
reza (China, Indonésia, índia, Arábial, Ásia Menor) constituí-
ram individualidades físicas e humanas. Contudo, estas não
foram capazes de propagar a sua civilização ao interior do con-
tinente.
Devido ao facto de serem pouco articuladas, as costas afri-
canas são menos extensas que as dos outros continentes. Daí a
pobreza de contactos entre o mar e o interior e a dificuldade de
acesso ao coração do continente. As condições naturais e hu-
manas negaram qualquer individualização ao corpo pouco ar-
ticulado de África. Tendo em conta que, aqui, os diversos ex-
tremos se situam à mesma distância do interior, como a
situação astronômica do continente, de um lado e do outro do
equador, faz com que os contrastes climáticos se distribuam
regularmente pelas zonas tropicais e subtropicais, todos os
fenômenos característicos deste indivíduo terrestre, que cons-
titui o verdadeiro Sul da Terra e onde culmina o mundo tro-
pical, conservaram um caracter uniforme e, sem dúvida, parti-
cular.

Nas relações de causa-efeito que a natureza e a história nos


mostram pode prever-se, ainda que o planeta pareça ter uma
vocação mais nobre revelada pela continuidade histórica, uma
organização superior e que não seria sequer de natureza pura-
mente física.
Karl Ritter - extraído de Mendoza, op. cit.

119
O HOMEM É UM PRODUTO
DA SUPERFÍCIE DA TERRA

O homem é um produto da superfície da Terra. Isto não sig-


nifica apenas que ele é um filho da Terra, pó do seu pó; mas
que a Terra o concebeu, o alimentou, lhe impôs tarefas, dirigiu
pensamentos, criou dificuldades que lhe robusteceram o
corpo e lhe aguçaram o engenho, lhe suscitou problemas de
navegação e rega e, ao mesmo tempo, lhe murmurou suges-
tões para os resolver. Ela entrou-lhe nos ossos e na carne, na
mente e na alma. Nas montanhas deu-lhe pernas e músculos
de aço para trepar as vertentes; ao longo da costa deixou-lhas
fracas e bambas, mas deu-lhe, em troca, um vigoroso desen-
volvimento do tórax e do braço para manejar os remos. Nos
vales amarrou-o ao solo fértil, circunscreveu as suas idéias e
ambições ao ambiente de monótona tranqüilidade e aos traba-
lhos minuciosos, limitando-lhe a visão ao horizonte apertado
do seu campo. Nos planaltos ventosos, nas pradarias sem fim,
nos caminhos sem água dos desertos, onde vagueia com os re-
banhos de pastagem em pastagem e de oásis em oásis, onde a
vida é incômoda, mas sem trabalho, onde o olhar pelo gado
que pasta lhe dá tempo para a meditação e os horizontes são
largos, as suas idéias tomam certa simplicidade grandiosa: a re-
ligião torna-se monoteísta, Deus torna-se uno e sem rivais,
como a areia do deserto e a erva da estepe. Ruminando a subs-
tância deste credo simples como único repasto de um pensa-
mento mal alimentado, a fé destes povos volve-se em fana-
tismo; as idéias dos grandes espaços, criadas pelo nomadismo
incessante e rítmico, desenvolvem-se para além da terra que
os alimentou, gerando o fruto das grandes conquistas impe-
riais.
O homem não pode ser estudado cientificamente desligado
da terra que cultiva, das regiões que percorre, dos mares que
navega, como o urso polar ou o cacto não podem ser com-
preendidos sem ter em conta o seu habitai. As relações do ho-
mem com o ambiente são infinitamente mais numerosas e
complexas que as dos animais e plantas superiores. São tão
complexas que constituem objecto de estudo legítimo e ne-
cessário. A investigação em Antropologia, etnologia, sociolo-

120
gia e história é fragmentária e parcial, limitada ao estudo da ra-
ça, do desenvolvimento cultural, da época, do lugar ou da va-
riedade de condições geográficas tomadas em consideração.
Por conseqüência, todas estas ciências em conjunto com a his-
tória, na medida em que a história tenta explicar as causas dos
acontecimentos, se mostram incapazes de chegar a uma solu-
ção satisfatória dos seus problemas, em grande parte porque o
factor geográfico presente em todos eles não tem sido sufi-
cientemente analisado. O homem tem feito tanto barulho
acerca da forma como «conquistou a natureza» e a natureza
tem estado tão calada na sua persistente influência sobre o ho-
mem, que o factor geográfico na equação do desenvolvimento
humano tem sido descuidado.
Extraído de Ellen C. Semple, Influences of GeographicEn-
vironment.

ATITUDE E EXPLICAÇÃO
EM GEOGRAFIA HUMANA

TENDÊNCIA ECOLÓGICA

A geografia humana desenvolve-se entre duas tendências,


que se podem chamar ecológica e corológica e que encaram o
estudo dos elementos humanos da face da Terra ora a partir de
influências naturais que eles revelem, ora da sua acção trans-
formadora do espaço onde se manisfestam. Duas atitudes, não
apenas diferentes, mas extremas, e até antagônicas, que levam
insensivelmente a tentativas de explicação nas quais intervém
em escala preponderante a natureza e o homem.
No desenvolvimento das duas tendências principais da
geografia humana, a ecológica precedeu a corológica e, embo-
ra esta goze actualmente de maior favor, a orientação inicial
pesa ainda muito nos nossos estudos e é provável que nunca
venha a ser posta de parte por completo.
O essencial da argumantação ecológica pode condensar-se
assim: o homem, para ser compreendido, precisa de colocar-se
no seu ambiente natural; como as plantas e os outros animais,
sofre a influência dele, sujeitando-se ou reagindo. Faz parte de

121
uma sorte de biosfera que envolve o globo e, embora pensante
e dotado de meios de acção incomparáveis, o seu compor-
tamento e as suas obras hão-de explicar em larga parte pelo
ambiente em que vive. A sua casa é de pedra nas regiões cal-
cárias, de madeira nas florestas boreais; pastor na estepe, trafi-
cante no deserto, navegador em litorais providos de recessos,
agricultor nas grandes planícies aluviais, por toda a parte as
formas de civilização trazem o cunho dos lugares em que bro-
taram, se radicaram ou desenvolveram.
Visivelmente inspirado nas idéias de Huntington, que atri-
bui especialmente ao clima qualidades repressivas ou estimu-
lantes para a energia humana, Toynbee, na sua vigorosa, do-
cumentada, mas perigosamente sistemática interpretação da
história, concede ao estímulo ou desafio da natureza um
grande papel na gênese das civilizações. Umas sucumbem à
dureza do ambiente, outras estagnam no meio das facilidades
que ele prodigaliza, apenas algumas sustentam galhardamente
a luta, e são essas que se elevam às formas superiores do que
se poderá chamar sociedades ou civilizações históricas.
Propositadamente se citou um teórico da histórica como
exemplo da aceitação que este modo de ver tem encontrado
fora dos geógrafos; etnólogos, sociólogos, historiadores e ou-
tros estudiosos das ciências do comportamento humano colec-
tivo deixaram-se seduzir por este caminho de explicação.
Vivendo no seio da natureza, o homem é, em larga parte, de-
terminado por ela nas suas reacções, nas suas obras, no sentido
que toma a sua evolução. Desde a famosa frase de Heródoto,
«o Egipto é um dom do rio», que o ambiente tem sido enca-
rado como um dos elementos de explicação do destino hu-
mano. Ratzel apôs ao primeiro volume da sua A ntropogeogra-
fla o subtítulo de Princípios de Aplicação da Geografia à Histó-
ria, que esclarece os seus propósitos interpretativos. O que os
estudiosos das ciências humanas em regra pedem à geografia
(quando se preocupam com ela) é um estudo do condiciona-
mento natural do homem, por outras palavras, um auxílio para
explicar, por meio de «influências naturais necessárias e pre-
visíveis» (pois nisso consiste a essência do determinismo), a
variedade regional das expressões humanas colectivas. Den-
tro do campo da geografia há muito se vêm opondo discussões

122
e exemplos a este modo de ver, a ponto de podermos conside-
rar o determinismo geográfico, pelo menos nas suas formas
mais simplistas e mais ingênuas, como tendo vida mais tenaz
fora do que dentro do campo desta ciência.

TENDÊNCIA COROLÓGICA

O homem é um agente da fisionomia dos lugares, que a sua


presença anima e as suas obras materiais carregam de nova
expressão. Aos elementos naturais da paisagem: relevo,
clima, vegetação espontânea, acrescenta-se uma acção hu-
mana que, através de elevadas densidades de população ou de
longa permanência no decurso do tempo, introduziu nela
transformações profundas e formas inteiramente originais. Se,
na economia, o homem aproveita muito do que a natureza lhe
fornece; se a agricultura é uma espécie de ritmo natural do ci-
clo vegetativo provocado por ele em relação às plantas que es-
colheu; se a criação de gado se funda em parte nos hábitos e
instintos dos animais, que o homem começaria por conhecer
como perseguidor antes de dominar como ganadeiro; os factos
relativos ao povoamento, à circulação e à indústria introdu-
zem na paisagem, sob a forma de povoações, estradas, portos,
pistas de aviação e grandes instalações de trabalho e de produ-
tos, expressões materiais que não encontram na natureza
qualquer paradigma ou sugestão.
Esta acção do homem sobre a terra, esta capacidade de
transformar, isto é, de humanizar as paisagens, será tanto mais
forte quanto mais eficazes forem as suas técnicas de utilização
da natureza e de organização do espaço. A civilização, disse
Vidal de La Blache, não é mais do que uma longa luta contra
os obstáculos naturais; o penhor da vitória, podemos acres-
centar, é a medida que permite avaliar o grau de civilização
de um povo.
Um imenso progresso amplia, da pré-história à civilização
industrial dos nossos dias, esta capacidade de acção sobre as
plantas e animais, sobre os recursos naturais, sobre os mate-
riais de construção. A invenção foi muito longe e, através dos
produtos sintéticos, o homem emancipa-se cada vez mais das
condições físicas, criando instrumentos de vida que resultam

123
essencialmente da inteligência e da organização humanas. Os
recursos da técnica moderna modelam paisagens estranhas,
artificiais, contraditórias, se as confrontamos com o seu qua-
dro natural.
Sem dúvida que o homem sofre a acção do ambiente em
que vive, e apenas os recursos recentes da energia mecânica
lhe permitem emancipar-se dele em larga escala. Calculou-se,
no meado do século presente, que metade da humanidade e
três quartos do globo desconhecem ainda os benefícios dessa
energia; mas qualquer técnica, por mais rudimentar que seja,
coloca na mão do homem uma arma contra a natureza. Ele não
vive determinado apenas por ela. Escolhendo, entre várias so-
luções possíveis, a mais adequada ou conveniente, fortalecido
pelo patrimônio da civilização (entre a complexa significação
desta palavra, à geografia importa reter, segundo Gourou, a de
«conjunto de técnicas de exploração da natureza e de organi-
zação do espaço»), ele dá, através das formas de paisagem que
cria ou modifica, expressão à sua vontade, inteligência e poder
criador. «Activo e passivo ao mesmo tempo», tem de ser con-
siderado menos como um ser vivo na dependência do am-
biente do que como um dos agentes da fisionomia das regiões,
um autêntico «factor geográfico», ao mesmo título que o clima
ou a posição. Foi Vidal de La Blache, o maior entre os grandes
iniciadores, que com mais penetração de pensamento e mais
riqueza de exemplos cunhou esta idéia, de que os seus discí-
pulos e continuadores haviam de fazer uma espécie de an-
verso da geografia humana. Uma grande indeterminação flu-
tua em todas as obras do homem. Tudo o que lhe respeita está
marcado.

INDETERMINISMO DAS ACÇÕES HUMANAS

Dentro da orientação ecológica, os contornos da geografia


humana tornam-se necessariamente imprecisos. Até onde vão
as influências do ambiente, até onde é lícito pesquisar os seus
reflexos na expressão colectiva da humanidade? Obras mate-
riais, pensamentos e sentimentos, produtos do espírito ex-
pressos por formas superiores, como a arte ou as crenças, não
revelarão o toque dessas influências? A citação de Semple so-

124
bre a gênese, de certo modo geográfica, do monoteísmo mos-
tra como os próprios geógrafos não tiveram a prudência de cir-
cunscrever o âmbito das suas pesquisas. Muito do que dentro
desta orientação se escreveu caberia, do mesmo modo, no
conceito da etnologia ou da sociologia.
Pelo contrário, a geografia humana, como atitude coroló-
gica, tem o seu campo de trabalho circunscrito aos elementos
humanos da paisagem. «Ciência dos lugares, não dos ho-
mens», chegou a escrever Vidal de La Blache, e o esforço vão
de Brunhes corresponde exactamente às mesmas preocupa-
ções. A uma geografia humana onde tudo cabia, que, tradicio-
nalmente, reserva um lugar ao estudo da raça, da língua, da re-
ligião, substitui-se assim um conjunto de factos conexos entre
si, como expressão da vida humana colectiva sobre um pedaço
de terra e materializada nas formas inscritas na paisagem.
Ao invés do que pretende a ilusão determinista, é o destino
humano que modela a fisionomia das regiões e que lhe con-
fere a sua personalidade geográfica.
Extraído de Orlando Ribeiro, Ensaios de Geografia Hu-
mana e Regional, Lisboa, 1970.

A NATUREZA DA GEOGRAFIA
E OS SEUS MÉTODOS

O sistema de ciências desenvolveu-se historicamente. Mas


este desenvolvimento histórico não é casual, deve-se antes a
determinadas causas; por isso, pode fundamentar-se e justifi-
car-se. Algumas ciências conseguem a unidade devido à sua fi-
nalidade prática. Outras, pelo contrário, devem a sua unidade
ao modo comum de aquisição de matéria que têm de elaborar,
ainda que essa matéria se componha de elementos hetero-
gêneos. Mas, com o tempo, a homogeneidade intrínseca do
objecto passa a ser o factor decisivo para a delimitação das
ciências. As ciências vão-se convertendo num sistema que se
justifica logicamente e cada ciência deve perguntar-se que
lugar lhe corresponde dentro desse sistema lógico. No en-
tanto, este objectivo não foi ainda alcançado no caso da geo-
grafia. Por um lado, encontramo-nos com definições que ten-

125
tam determinar a função da geografia de forma lógica, por
outro, vemos que existem definições obtidas do desenvolvi-
mento histórico da ciência, mas que ainda não conquistaram
uma posição consistente dentro do sistema lógico das ciên-
cias.
As definições lógico-apriorísticas da geografia tentam partir
do nome da ciência, deixando de lado o velho nome de geogra-
fia ou «descrição da terra», em favor do de «conhecimento da
terra», que reflecte com maior exactidão o caracter da ciência.
Dada esta definição, temos de perguntar-nos se a geografia
é realmente uma ciência homogênea. E também temos de
perguntar se, no sentido global, a Terra é um sujeito homogê-
neo. A natureza inorgânica da Terra é, por si só, tão rica e tão
variada que pode dividir-se em várias ciências: a astronomia, a
geodesia, a geofísica, a mineralogia e a petrografia, a geologia.
Muitas destas disciplinas podem agrupar-se em unidades su-
periores, tendo em conta a semelhança dos seus objectos e dos
seus processos de trabalho. Mas a fusão conjunta da geologia
com a denominada geografia astronômica e matemática, for-
mando uma ciência geral da Terra, não parece ter muita utili-
dade, dada a grande diferença dos seus métodos científicos,
ainda que possa ser necessário um resumo ocasional, com
pontos de vista comuns, dos resultados obtidos do contexto
originário dos fenômenos. A ciência geral da Terra teria ainda
de ser extensiva à flora e à fauna.
No estudo do homem levantam-se os mesmos problemas,
e são ainda maiores neste caso devido à riqueza de perfeição
variada da vida espiritual. As dificuldades em conceber o ho-
mem no sentido da geografia geral são tão grandes que ne-
nhum metodólogo se atreveu a incluí-lo, no seu conjunto,
dentro da geografia. Alguns autores desejam excluir o homem
da geografia, apoiando-se na sua espiritualidade e livre von-
tade; outros desejam saber que influência exerceu a natureza
da Terra sobre o homem, quando, na realidade, não se trata da
influência da natureza do conjunto terrestre, mas sim da in-
fluência das diferenças locais da superfície da Terra.
De acordo com esta interpretação, a geografia é dualista,
isto é, aplica métodos completamente distintos nos seus di-
ferentes ramos, trata-se de um complexo inorgânico de duas

126
ou mais ciências. Vemos, assim, que a definição de geografia
como ciência da terra não se pode resolver de forma conse-
qüente.
O sistema das ciências baseava-se, antigamente, apenas na
relação ou na diversidade dos objectos das ciências, isto é, as
ciências estruturavam-se de acordo com as afinidades concre-
tas dos seus objectos. Mas os filósofos sistematizadores supe-
raram essa concepção e reconheceram que a interpretação das
coisas a partir do ponto de vista das afinidades concretas é sim-
plista. Viram a possibilidade e a necessidade de outra concep-
ção, baseada em pontos de vista completamente opostos e que
permita o nascimento de ciências especiais. Mas não acaba-
ram de desenvolver esta concepção e omitiram o ponto de
vista decisivo para a integração lógica da geografia no sistema
das ciências. Deixaram-se levar pela definição da geografia
como ciência da Terra, incluindo-a portanto no sistema das
ciências da Terra, sem ter em conta a concepção dual, de modo
que a geografia humana fica excluída, ou então a geografia se
reparte pelos diferentes conjuntos do sistema.
A primeira distinção fundamental dentro das ciências ex-
perimentais teóricas que aqui nos interessa é a estabelecida
por Comte entre as ciências abstractas e as ciências concretas.
Esta definição não significa que as ciências abstractas não se
relacionem com os objectos concretos. Significa, sim, que as
ciências abstractas despojam os objectos concretos de todas as
suas características especiais e individuais para estudar apenas
os processos ou propriedades gerais, como, por exemplo, a
gravidade, a luz, o magnetismo, a natureza física como tal.
Pelo contrário, as ciências concretas entendem sempre os pro-
cessos e condições gerais como qualidades de determinados
corpos. Mas a distinção entre ciências abstractas e concretas
não é muito marcada. Podemos dizer que existe uma transição
desde as ciências completamente abstractas, como a física, a
química e a psicologia, passando pelas ciências que têm al-
guma relação com a natureza ou a mente, como a mineralogia,
a botânica, a fisiologia, a sociologia e a economia política geral,
até às ciências concretas, dirigidas para conceitos individuais e
colectivos. Esta diferenciação coincide, até certo ponto, com
a diferenciação recentemente estabelecida entre ciências no-

127
motéticas e ciências ideográficas, ou entre ciências de leis e
ciências de acontecimentos. Esta definição tem sido feita con-
siderando as designações ou termos de ciências naturais e
ciências culturais ou históricas, embora estas designações
sejam pouco felizes. Mas aquela diferenciação produz a falsa
impressão de que o fim das ciências nomotéticas é o
estabelecimento de conceitos genéricos e legais e o fim das
ciências ideográficas é o conhecimento do individual.
As ciências concretas referem-se à realidade de acordo com
a versatilidade do conteúdo das coisas e com as diferenças do
seu comportamento no espaço e no tempo. Podem partir, por-
tanto, de três pontos de vista diferentes e, desse modo, consti-
tuem-se três conjuntos principais.
Uma parte importante, talvez a maioria das ciências con-
cretas, poder-se-ia denominar ciências sistemáticas. Propõem
as condições temporais e espaciais e encontram a unidade na
sua homogeneidade ou na afinidade dos objectos de que se
ocupam. A distinção habitual das ciências entre ciências da
natureza e ciências do espírito baseia-se numa diferenciação
sistemática deste tipo. Dentro das ciências naturais desenvol-
veram-se em primeiro lugar as ciências dos minerais e das ro-
chas (minerologia e petrologia), das plantas (botânica), dos
animais (zoologia), e juntamente com elas se criou, por diver-
sos motivos, a ciência das plantas e dos animais fósseis (pa-
leontologia).
As ciências das línguas podem considerar-se ciências siste-
máticas do espírito, assim como a religião, a ciência política, a
ciência econômica e outras.
A afinidade do conteúdo é secundária para as ciências his-
tóricas. Unem no seu estudo uma série de objectos pertencen-
tes a sistemas distintos e esses objectos recebem homogenei-
dade mediante esse ponto de vista tão especial devido à consi-
deração do desenvolvimento temporal das coisas.
Tal como o seu desenvolvimento no tempo, a ordenação
das coisas no espaço tem direito a uma consideração especial,
e é significativo observar que os especialistas em lógica, que
reconheceram a necessidade do primeiro, se esquecessem do
segundo. A realidade é um espaço tridimensional que obser-
vamos de três pontos de vista. Em primeiro lugar, vemos as

128
lugar, vemos as conexões de uma inter-relação material; a
partir do segundo ponto de vista, vemos o desenvolvimento
no tempo; e, a partir do terceiro, a distribuição e a ordem no
espaço. Portanto, devem considerar-se as ciências corológicas,
juntamente com as sistemáticas e as cronológicas.
Exitem duas ciências corológicas. Uma ocupa-se da orde-
nação das coisas no espaço universal; é a astronomia, quando
o seu objectivo é a constelação dos astros e a natureza dos
diversos astros. A outra ciência corológica é a ciência da orde-
nação do espaço terrestre ou da superfície terrestre. Se não
houvesse relação entre os distintos pontos da Terra, e se os fe-
nômenos situados num mesmo lugar da Terra fossem inde-
pendentes entre si, não era necessária nenhuma concepção
corológica; mas a existência de tais relações, que as ciências
sistemáticas e históricas iludem ou apenas podem tratar, torna
necessária uma ciência corológica especial da Terra. Essa ciên-
cia é a geografia.
A reflexão sobre o desenvolvimento histórico da geogra-
fia mostra-nos que em todos os momentos se referiu o conhe-
cimento dos espaços distintos da Terra e que, ao longo
do tempo, só mudou o método de estudo, devido ao pro-
gresso dos resultados científicos. Os metodólogos que não per-
deram o contacto com o desenvolvimento científico sempre
salientaram, por isso mesmo, o ponto de vista da ordenação no
espaço.
Numerosos metodólogos modernos adoptaram esta pers-
pectiva e a aproximação corológica ocupa um lugar de desta-
que, mesmo no caso dos geógrafos que, em teoria, partem do
conceito da geografia como ciência da Terra e que rendem
culto à opinião «dualista».
A geografia é a ciência corológica da superfície da Terra e
estuda essa superfície nos seus diferentes locais. Não é uma
ciência da Terra ou da superfície da Terra enquanto tal, porque
todos os pontos de vista (aproximações) que não tenham em
conta as diferenças locais da superfície da Terra, ou que as con-
siderem unicamente como fenômenos perturbadores, não
pertencem à geografia. É antes a ciência da superfície terrestre
segundo as suas diferenças regionais, isto é, entendida como
um complexo de continentes, países, paisagens e locais.

129
A geografia não se limita, portanto, a um determinado
domínio da natureza ou do espírito, mas estende-se sobre to-
dos os círculos e formas de comportamento da realidade que
podem dar-se sobre a superfície terrestre. Não é a ciência da
natureza nem do espírito, mas é as duas coisas ao mesmo
tempo.
Durante muito tempo, os aspectos humanos ocuparam um
lugar preferencial nos estudos geográficos, porque a ciência
dos povos, dos estados e das cidades disse muito sobre a natu-
reza dos países. No final do século XVIII chegou-se a um conhe-
cimento físico-geográfico mais rico, que situou o estudo da
natureza em pé de igualdade com o estudo do homem. A exi-
gência teórica de excluir o homem da aproximação geográfica
nunca se tornou realidade e o homem foi sempre objecto do
estudo geográfico, ainda que de numerosas e diferentes for-
mas. A natureza e o homem formam parte inseparável da ca-
racterização dos países (das diferentes áreas). O homem de-
sempenha em algumas áreas papéis mais importantes que
noutras e alguns investigadores preferem dedicar-se à natu-
reza, enquanto outros se dedicam ao homem. Consequente-
mente, o elemento humano na geografia tem, numas vezes,
maior importância, noutras, menor.
A situação da geografia entre as ciências da natureza e do
espírito, ou, melhor, ao mesmo nível dessas ciências, traz con-
sigo, sem dúvida, certas incompatibilidades práticas. O geó-
grafo é considerado um intruso, tanto nas Faculdades de Le-
tras como nas de Ciências. Para os geógrafos procedentes das
ciências naturais é freqüentemente difícil adoptar o que per-
tence às ciências do espírito e para os que procedem das ciên-
cias do espírito é ainda mais difícil acostumar-se às ciências
naturais. Mas esta posição intermédia da geografia é comparti-
lhada por outras ciências, como, por exemplo, a etnografia e
até a própria filosofia, que poderia pertencer à nossa formação
total, e assim sucederá quando se deixar de considerar com
desprezo uma valiosa ponte entre ambas as linhas da nossa
vida intelectual, muitas vezes sem qualquer comunicação
entre si.
A. Hettner - extraído de Mendoza, op. cit.

130
A NATUREZA DA GEOGRAFIA

As maiores diferenças de caracter dentro da geografia si-


tuam-se nos métodos principais de organizar o conhecimento
geográfico, geografia sistemática e geografia regional, cada
uma das quais inclui a sua parte correspondente de todos os
campos específicos. Além da diferença formal de organização
das duas partes, existe uma diferença radical na forma como o
conhecimento deve ser expressado em proposições univer-
sais, quer sob a forma de conceitos genéricos, quer sob a forma
de princípios de relação.
A geografia sistemática organiza-se em torno de fenôme-
nos particulares de significação geográfica geral, estudando
cada um deles devido às relações da sua diferenciação regional
dos outros. A sua forma expositiva é, sem dúvida, semelhante
à das ciências sistemáticas. Tal como elas, estabelece concei-
tos gerais dos fenômenos que estuda e princípios universais
das suas relações, mas só em função do significado que tenha a
sua distribuição por áreas. Tal como as ciências sistemáticas,
por outro lado, a geografia sistemática não pode exprimir to-
dos os seus conhecimentos em termos de posições universais;
muitos devem ter expressão como casos únicos e ser estuda-
dos como tal.
Embora não existam limitações lógicas ao desenvolvi-
mento de conceitos e princípios genéricos em geografia siste-
mática, sem dúvida que a natureza dos femómenos e das rela-
ções entre eles, que são estudados em geografia, apresenta
muitas dificuldades para o estabelecimento de princípios.
Estas dificuldades são do mesmo tipo das que se apresentam
às outras ciências sistemáticas.
Sem dúvida que, qualquer que seja o grau de totalidade,
precisão e certeza alcançadas, tanto os princípios estabeleci-
dos, como os factos conhecidos em relação a uma situação par-
ticular, raramente permitem realizar predições definidas em
geografia. Esta característica é compartilhada pela geografia,
não apenas com a história, mas também com muitas outras
ciências, tanto naturais como sociais.
A geografia regional organiza o conhecimento de todas as
formas inter-relacionadas da diferenciação em áreas, em uni-

131
dades territoriais individuais, tendo de organizar este conheci-
mento num sistema de divisão e subdivisão do total da su-
perfície da Terra. A sua forma de descrição inclui duas fases.
Deve primeiro expressar, através da análise e da síntese, a
integração de todos os factos inter-relacionados em unidades
locais individuais e depois exprimir, através da análise e da
síntese, a integração de todas estas unidades locais numa área
dada. Para tornar possível essa integração, deve proceder à dis-
torção da realidade, até ao ponto de considerar áreas peque-
nas, mas finitas, unidades homogêneas, comparáveis umas
com as outras e agregáveis de modo a formarem unidades
mais amplas. Estas unidades mais amplas, ainda que arbitrá-
rias, determinam-se para permitir um mínimo de descrição ge-
neralizada de cada unidade «regional», que incluirá uma parte
da imprecisão e insuficiência.
Apesar de as unidades com que trata não serem fenômenos
reais, mas, qualquer que seja o nível da divisão, representa-
ções distorcidas da realidade, a geografia regional não pode de-
senvolver conceitos nem princípios gerais da realidade. Para a
interpretação das suas descobertas depende dos conceitos e
princípios gerais desenvolvidos pela geografia sistemática.
Além disso, ao comparar as diferentes unidades regionais, que
são, em parte, semelhantes, pode verificar e corrigir as propo-
sições universais desenvolvidas pela geografia sistemática.
O objecto directo da geografia regional é o caracter variável
da superfície da Terra - a qual constitui uma única unidade,
que só arbitrariamente se pode dividir em partes, as quais se
podem comparar com as divisões da história em períodos tem-
porais e são únicas no seu caracter total. Por isso, a pesquisa
em geografia regional, ainda que inclua interpretações de por-
menor, é, em grande parte, descritiva. A descoberta, análise e
síntese do único não devem, contudo, ser desprezadas como
se fossem «mera descrição»; pelo contrário, representam uma
função essencial da ciência, a única que esta pode realizar no
estudo do único.
O objectivo último da geografia, o estudo das diferencia-
ções em áreas da superfície da Terra, exprime-se de forma
mais clara na geografia regional; só mantendo constantemente
a sua relação com a geografia regional é possível à geografia

132
sistemática alcançar o objectivo da geografia e não desapare-
cer, absorvida por outras ciências. Por outro lado, a geografia
regional em si é estéril; sem a fertilização contínua de concei-
tos e princípios gerais que procedem da geografia sistemática
não pode alcançar níveis elevados de precisão e certeza na in-
terpretação que faz nas suas investigações.
Mais do que em qualquer outra etapa do desenvolvimento
da geografia americana, existe um acordo considerável sobre
a importância dos estudos da geografia regional, ao mesmo
tempo que se mantém o esforço para desenvolver os diversos
aspectos da geografia sistemática. E, mais ainda, o abismo apa-
rente que separa estes dois aspectos da disciplina parece que
está a diminuir: os que praticam a geografia regional depen-
dem cada vez mais dos estudos da geografia sistemática e os
que praticam um estudo sistemático reconheceram que o seu
contributo para a geografia como um todo depende do grau
em que forem capazes de se manter relacionados com os pon-
tos de vista da geografia regional.
R. Hartshorne - extraído de Mendoza, op. cit.

GEOGRAFIA TEÓRICA.
UMA METODOLOGIA GEOGRÁFICA

A análise metedológica centra-se na questão da relação en-


tre geografia e ciência. Parece ser consenso geral definir o ob-
jecto da geografia como ciência da superfície da Terra e dos fe-
nômenos com significado humano. Mas há, em particular,
dois problemas que dificultam o tratar a geografia como uma
ciência. O primeiro refere-se à função da descrição em geogra-
fia e o segundo à possibilidade da previsão dos fenômenos
geográficos.
A questão da descrição toma dois aspectos diferentes: pri-
meiro, a descrição é científica?; segundo, a descrição é algo
particularmente geográfico?
Há autores que consideram que a descrição não é científica.
Esta posição é insustentável. Existe uma infinidade de factos à
nossa volta e qualquer descrição deles é forçosamente muito

133
selectiva. Os geógrafos fazem sempre uma selecção desses fac-
tos, desde que os considerem significativos. O significado só
pode ser julgado em relação com qualquer outro fenômeno.
O estabelecimento desta relação significa que se formulou
uma teoria. Os chamados «simples geógrafos descritivos» têm
a sensação de uma área e uma intuição espacial bem desenvol-
vida. Isso significa que possuem uma teoria, por muito vaga
que seja, implícita e, provavelmente, formulada inconsciente-
mente.
Deste processo de descrição apareceu uma teoria progressi-
vamente explícita e rigorosa. Não há, então, lugar para dúvi-
das: a descrição é, por natureza, científica.
Em geografia, como em qualquer outra ciência, existe uma
contínua interacção entre lógica, teoria e factos (descrição).
Nenhuma pode estar separada das outras. Devido à sua inse-
parabilidade, é absurdo sustentar que uma das três, neste caso
a descrição, é mais «geográfica» que as outras. As três são geo-
grafia. O problema em geografia, como em qualquer outra
ciência, consiste em se ser capaz de encontrar a forma mais
econômica de ordenar a nossa percepção dos factos. Nesta
busca contínua da eficiência há que verificar que ela consiste
na construção de teorias.
A questão da possibilidade de previsão é crucial, na medida
em que é o ponto básico de toda a teoria. A preditibilidade dos
fenômenos geográficos depende, por sua vez, da resposta à
pergunta: os fenômenos geográficos são únicos ou gerais? Se
são únicos, não são previsíveis e não se pode considerar uma
teoria. Se são gerais, são previsíveis e pode constituir-se uma
teoria. A ciência assume que os fenômenos são gerais, não são
únicos.
O facto de um fenômeno ser único ou geral pode ser consi-
derado uma questão de ponto de vista, ou de propriedade ine-
rente ao fenômeno.
Se observarmos dois objectos de muito perto, veremos que
são totalmente diferentes, já que nos parecerá que cada pro-
priedade é diferente. Suponhamos, por exemplo, duas rochas
brancas. A sua cor não é igual, e, assim, chamar a ambas bran-
cas é um erro. Para sermos precisos, era necessário designar
cada cor por uma denominação específica e que fosse identifi-

134
cadora. Mas, para evitar muito trabalho, e melhor que inven-
tar um nome para cada cor da rocha, dizemos normalmente, ao
referir-nos a uma rocha: «A sua cor é esta.» Aplica-se o mesmo
raciocínio ao conceito de rocha. Não há duas rochas idênti-
cas. Por conseguinte, de acordo com a teoria da unicidade,
nada pode ser descrito e ainda menos explicado ou predito.
A teoria da unicidade é consistente, lógica e não científica.
A ciência opõe-se diametralmente à teoria da unicidade. Está
disposta a sacrificar a exactidão extrema, que se obtém a partir
do ponto de vista do único, a fim de ganhar a eficiência que é
conferida a partir da generalização.
Alguns geógrafos (Hartshorne) confundem caso único com
caso individual. O caso individual implica generalidade, não
unicidade.
W. Bunge (1962) - extraído de Mendoza, op. cit.

AS GEOGRAFIAS RADICAIS

O nosso objectivo é uma mudança radical - a substituição


das instituições e o ajuste institucional da nossa sociedade,
instituições que não podem já responder às necessidades so-
ciais de mudança, que impedem os intentos de nos dar pa-
drões de vida mais viáveis, e freqüentemente não servem
mais que os propósitos de se perpetuarem a si mesmas. Não
tentamos substituir as instituições existentes por outras que
tomariam, indubitavelmente, as mesmas formas; tentamos
encontrar uma nova ordenação de meios de acordo com um
novo conjunto de objectivos. [...]
[...] Cremos que as mudanças revolucionárias no meio so-
cial e físico são necessárias e possíveis. Cremos que os meios
políticos devem empregar-se, primeiramente, a alcançar fins
econômicos, mas que as mudanças ultrapassarão, eventual-
mente, o dinheiro e a política [...] Novas perguntas devem for-
mular-se e novos problemas se colocarão antes de começar a
pensar no final das soluções. Mas que nós, os geógrafos, pode-

135
mos contribuir para este processo de uma maneira significa-
tiva é algo que nos parece evidente.
David Stea, 1969 - extraído dc H. Capei, Filosofiay Ciên-
cia en la Geografia Contemporânea, Barcelona, 1981.

O PROPÓSITO DAS GEOGRAFIAS RADICAIS

Através de Antipode desejávamos desenvolver paradigmas


alternativos para estudar o presente e investigar formas de
mudança radical das sociedades futuras mais justas. A se-
gunda frustração que gerou a energia para iniciar Antipode ra-
dica na aparente falta de preocupação da nossa disciplina pelas
questões sociais. Uma década de mudança dos métodos da in-
vestigação geográfica não havia sido seguida paralelamente,
segundo parecia, de uma mudança fundamental da direcção
das preocupações geográficas.
R. Peet, 1972 - extraído de Capei, op. cit.

INSATISFAÇÃO PERANTE
A GEOGRAFIA QUANTITATIVA

Ao ser uma disciplina que deriva a sua força numérica de


uma multiplicidade de centros de ensino estatal e da ajuda fi-
nanceira de fontes militares e governamentais, [a Geografia]
tem sido verdadeiramente conservadora. Temos preferido au-
mentar a nossa compreensão dos padrões espaciais da socie-
dade, tal como são, em vez de questionar a «justiça» desses pa-
drões ou a responsabilidade da sociedade neles. A pobreza, a
injustiça, a discriminação, a fome, a doença, a contaminação
e o superpovoamento humano têm sido passados por alto.
É incrível que a geografia comece apenas agora a descobrir
alguns rasgos tão chamativos da paisagem. E, todavia, hoje,
quem os está estudando?
Ao ser uma disciplina conservadora, a geografia considera
tais problemas como aberrações temporárias ou como a evi-
dência de desigualdades inerentes à condição humana. Nesta

136
tradição «a transformação da paisagem» significa simples-
mente estudar a mudança evolutiva, e não avaliar as suas
causas.
R. Morril, 1969 - extraído de Capei, op. cit.

AS NECESSIDADES SOCIAIS NA GEOGRAFIA

De facto, a geografia é hoje recusada, na medida em que


não parece capaz de apreender os problemas cuja gravidade
todo o mundo começa, mais ou menos, a sentir devido à acção
dos meios de comunicação de massas. A geografia não parece
estar já em situação de dar uma descrição do mundo que res-
ponda às nossas preocupações.
Na universidade começa a ser denunciada como uma «em-
presa reaccionária de mistificação». As razões destes juízos ex-
peditivos não deixam de ter relação com as causas do mal-es-
tar que sente um número crescente de geógrafos, no plano da
sua prática científica.
Y. Lacostc, 1973 - extraído de Capei, op. cit.

PERSPECTIVAS DA GEOGRAFIA TEÓRICA

Eu tenho pouca paciência para os geógrafos acadêmicos,


incluindo os marxistas. Os geógrafos universitários tendem a
separar a teoria da prática. Lêem demasiado e na atmosfera
intoxicante de toda a teoria sem prática coloca-se todo o tipo
de objecções ao nosso trabalho. Na ciência, a metodologia não
se afirma por si mesma. Só o conteúdo avalia a metodologia.
A teoria necessita de experimentação. Se o trabalho real é
bom, então há que perguntar ao cientista pelos seus métodos.
Mas na religião é ao contrário: a metodologia é tudo, o dogma
nunca se põe à prova.
O reducionismo marxista tem pretensões também exagera-
das. Sustenta que existe uma geografia burguesa e uma geo-
grafia proletária. É provável. E que não existe qualquer outra.
Falso! A geografia burguesa sustenta que a Terra é redonda?

137
Certamente. Então, por acaso, devem os geógrafos proletários
considerar que ela é plana? Evidentemente que não.
Os neóíitos em dialéctica advertem que tudo está mudando
e que tudo flui para tudo de forma inter-relacionada. Com esta
convicção, anunciam que a geografia descritiva é estática e,
portanto, contra-revolucionária, enquanto a geografia do mo-
vimento é progressista. Para rebater o argumento do «pro-
cesso» há que ter em conta que toda a geografia teórica co-
meça com fluxos e termina com os padrões que estes fluxos
imprimem à paisagem humana. Von Thünen começou com o
movimento de bens, tais como adubos, e acabou num modelo
circular. Davis começou com a circulação da água e chegou
aos vales fluviais. Christaller começou com a premissa da dis-
tância a que um agricultor se pode deslocar, por dia, para ir
ao mercado e terminou em redes hexagonais. Ao nível da prá-
tica, a simplicidade dos mapas descritivos serve muito melhor
para mostrar a realidade do que os mapas abstractos que repre-
sentam os fluxos.
Hartshorne tinha razão sobre a unicidade das localizações.
A primeira idéia de utilidade da unicidade ocorreu-me quando
fazia geografia histórica em Fitzgerald. Alguns grupos huma-
nos do passado eram fáceis de colocar em mapas. Tratava-se
de pessoas importantes, os terratenentes, os agricultores mais
prósperos. Mas os arrendatários eram mais difíceis de carto-
grafar do que os proprietários. Por fim, os mapas das proprie-
dades não representavam os colonos, mesmo que se tivessem
instalado na região há muito tempo. Os ricos tinham nomes
completos e formais, mas os colonos nomes curtos e ridículos
e as minorias nomes odiosos. A singularidade significa iden-
tidade.
Em Toronto procurámos «regiões definidas de gente». Tra-
ta-se de regiões que a classe trabalhadora reconhece como as
suas próprias comunidades; reflectem a solidariedade da
classe trabalhadora. A identidade destas regiões depende da
singularidade, de um nome diferente dos demais. Assim, aca-
bei por concordar com Hartshorne sobre o valor da singulari-
dade das localizações.
W. Bunge, 1979 - extraído de Mendoza, op. cit.

138
BIBLIOGRAFIA

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RIBEIRO, O., Ensaios de Geografia Humana e Regional, Sá da
Costa Editores, Lisboa, 1970.
SCHAEFER, F., Excepcionalismo en Geografia, Barcelona, 1971.

139
ÍNDICE

Capítulo 1
A geografia no contexto das ciências

1.1 A geografia como ciência 7


1.2 Ciência, ciências e método científico 11
1.3 A geografia no contexto das ciências 20

Capítulo 2
Evolução histórica do pensamento geográfico

2.1 A geografia na antigüidade 29


2.2 A geografia na Idade Média 43
2.3 A geografia do século xv ao século xix 53
2.4 A geografia moderna 59
2.5 O positivismo e o determinismo do fim do sé-
culo xix 66
2.6 O historicismo e o possibilismo 72
2.7 A geografia quantitativa 80
2.7.1 Características da geografia quantitativa ou nova
geografia 84
2.7.2 O método científico 86
2.7.3 Espaço absoluto e espaço relativo 87
2.8 As geografias radicais 90

141
2.8.1 A geografia do comportamento e da percepção ... 95
2.8.2 A geografia radical e liberal e a marxista e anar-
quista 97

Textos de apoio

A classificação do conhecimento (N. Graves) 103


Modelos (Abler, Adams e Gould) 105
Análise metodológica (F. Schaefer) 108
A geografia como ciência (P. Haggett) 111
A geografia, ciência do espaço (Kant) 116
Cosmo. Ensaio de uma descrição física do mundo (A.
von Humboldt) 118
A organização do espaço na superfície do globo e a sua
função no desenvolvimento histórico (K. Ritter) 120
O homem é um produto da superfície da Terra (E.
Semple) 121
Atitude e explicação em geografia humana (O. Ribeiro) 126
A natureza da geografia e os seus métodos (A. Hettner) 131
A natureza da geografia (R. Hartshorne).» 133
Geografia teórica. Uma metodologia geográfica (W.
Bunge) 134
As geografias radicais (D. Stea) 134
O propósito das geografias radicais (R. Peet) 135
Insatisfação perante a geografia quantitativa (R. Morril) 135
As necessidades sociais na geografia (Y. Lacoste) 136
Perspectivas da geografia teórica (W. Bunge) 136
Bibliografia 139

142

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