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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Anais do I Congresso Nacional de Educação


Religião e Artes-CNERA

ISBN:978-85-237-1472-7
2019
CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO RELIGIÃO E ARTES

ORGANIZAÇÃO GERAL DO EVENTO


 Presidente - Profa. Dra. Mônica Dias Palitot
Vice-Presidente: Profa. Dra. Ana Paula Rodrigues

Antonio Agaildes Sampaio Ferreira


Anne Kelly Barbosa da Silva
Caroline Rangel Travassos Burity
Chayenne Pereira dos Santos
.Francisco de Assis Toscano de Brito
Henrique Miguel De Lima Silva
Ingrid Souto Vita Barros
Jailton Macena de Araújo
John Kennedy Domingos Nunes
Johnnys da Silva Hortêncio
Mariana Ferreira Feitosa Costa Leite
Pollyanna de Moura Felix
Romeu Tavares Bandeira
Rosicleia Moreira Palitot
Suely Maria Alves de Souza
.Thereza Sophia Jácome Pires

COMISSÃO CIENTÍFICA DO CNERA

 Presidente da Comissão – Prof. Dr. Jailton Macena de Araújo


Me.Ana Carolina Gondim de A. Oliveira
Dra. Ana Paula Rodrigues
Dra.Caroline Rangel Travassos Burity
Dr. Gabriel Bechara
Dr. Galdino T. de Brito Filho
Dr.Henrique Miguel De Lima Silva
Me.Francisco de Assis Toscano de Brito
Me.Lorena Bandeira da Silva
Dra.Mônica Dias Palitot
Dra.Thereza Sophia Jácome Pires
Apoio
Chayenne Pereira dos Santos
Pollyanna de Moura Felix
Suely Maria Alves de Souza
CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
RELIGIÃO E ARTES-CNERA
O 1º Congresso Nacional de Educação, Religiões e Artes – CNERA,
ocorreu nos dias 04 a 06 de setembro de 2018, na Universidade Federal da
Paraiba-UFPB (Campus 1), tendo por proposta o tema Olhares
Interdisciplinares.

O evento objetivou favorecer um debate interdisciplinar sobre temas da


Educação, das Ciências das Religiões e das Artes de modo a estimular uma
relação dialógica entre áreas tão diversas, mas que se completam.
Procurou-se também demostrar como a arte é trabalhada no âmbito
educacional e como ela pode auxiliar na aprendizagem; apresentar as
manifestações artísticas culturais de inspiração religiosa; consolidar
perspectivas sobre arte e religião nas mais variadas regiões do Brasil, além
de compreender como o processo da aprendizagem humana pode ser
favorecido pelo lúdico e pelas artes.
As temáticas da educação, religião e artes foram abordadas por áreas
diversas como as Ciências Jurídicas, a Psicologia, a Psicopedagogia, a
Gastronomia, dentre outras, que demonstraram o quanto estes temas
perpassam por todas as áreas humanas e sociais de modo integrado.
Este evento teve uma proposta única no país, com uma participação
exitosa, tendo sido avaliados e aprovados 60 artigos completos e 195
resumos simples. Foram dezenas de Grupos de Trabalhos das mais diversas
áreas, palestras e eventos culturais que propiciaram a todos momentos de
aprendizagens, partilhas e principalmente novas percepções sobre os temas
abordados.
Em nome de todos os que compartilharam conosco do CNERA a nossa
gratidão.

COMISSÃO ORGANIZADORA DO CNERA

Anais do I CNERA – Congresso Nacional de Educação, Religião e Artes. Mônica Dias


Palitot, Ana Paula Rodrigues, Jailton Macena de Araújo (Organizadores). –
João Pessoa:Ed.UFPB, 2019. 720 p. ISBN: 978-85-237-1472-7
Sumário
PRIMEIRA PARTE – ARTIGOS COMPLETOS

ARTE E FILOSOFIA: SABERES LÍQUIDOS ............................................................................ 8


A ARTE COMO POSSÍVEL INSTRUMENTO DE VISIBILIDADE DO TRABALHO
INFANTIL DOMÉSTICO NO BRASIL.................................................................................... 18
A ARTE NA REVOLUÇÃO: COMO OS AUTORES VANGUARDISTAS CONTRIBUÍRAM
PARA A REVOLUÇÃO RUSSA .............................................................................................. 33
A BENZEÇÃO NO BRASIL COMO LEGADO DAS CURANDEIRAS ANCESTRAIS
EUROPEIAS: APROXIMAÇÕES E AFASTAMENTOS ......................................................... 39
A CRIAÇÃO DO MUNDO: O MITO NAS METAMORFOSES DE OVÍDIO .......................... 54
A CULTURA INDÍGENA E SUA MANUTENÇÃO: A INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO
mNAS TRANSFORMAÇÕES SOCIOCULTURAIS DOS FULNI-Ô, DA CIDADE DE ÁGUAS
BELAS – PE .............................................................................................................................. 64
A EDUCAÇÃO E SEUS DEBATES ATUAIS: O QUE QUEREMOS NO ENSINO
RELIGIOSO? ............................................................................................................................. 72
A FORMAÇÃO DE DOCENTES AO ENSINO RELIGIOSO E A INSEGURANÇA
PEDAGÓGICA NO ENSINO CONFESSIONAL ..................................................................... 82
A FORMAÇÃO SOCIAL DOS BACAMAERTEIROS DE CACHOEIRINHA:
CONTRIBUIÇÃO DA SUA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA...................................................... 92
A LEI 11.645/08 NAS ARTES E NA EDUCAÇÃO: MANIFESTAÇÕES CULTURAIS
INDÍGENAS E AFRO-BRASILEIRAS .................................................................................. 101
A INVISIBILIDADE COMO ELEMENTO FANTÁSTICO NA LITERATURA E NO ICNEMA
JUVENIL BRASILEIRO ......................................................................................................... 111
ADAPTAÇÕES DE JOÃO E MARIA, DOS IRMÃOS GRIMM: CONTRIBUIÇÕES DE
FIGUEIREDO PIMENTEL E CARLOS FERREIRA E WALTER PAX ................................ 141
A REFORMA TRABALHISTA E A HIPERVULNERABILIDADE DA
TRABALHADORA ................................................................................................................. 152
ALGUNS PARALELOS ENTRE THOR E PERUN, DIVINDADES ESCANDINAVA E
ESLAVA DO TROVÃO .......................................................................................................... 161
AS FACETAS DE DIONISO N’AS BACANTES, DE EURÍPIDES ...................................... 171
ASPECTOS DO DIALOGISMO BAKHTINIANO NA LITERATURA JUDAICA DO
ECLESIASTES ........................................................................................................................ 181
BABA YAGA: A “BRUXA” DOS CONTOS ESLAVOS....................................................... 189
BURUBURU: A SIMBÓLICA DOS ORIXÁS NOS PROCESSOS CRIATIVOS DO
PERFORMER AYRSON HERÁCLITO E DO ARTISTA PLÁSTICO PARAIBANO
ELIOENAI GOMES ................................................................................................................ 198
CANDOMBLÉ RESISTÊNCIA CULTURAL: SURGIMENTO E CONSOLIDAÇÃO NO
SÉCULO XIX .......................................................................................................................... 205
COMO ELAS SABEM? CORPO, APRENDIZAGEM, EDUCAÇÃO E RELIGIÃO NA
INFÂNCIA .............................................................................................................................. 214
CONTRIBUIÇÕES DAS LITERATURAS FANTÁSTICA E MARAVILHOSA PARA AS
CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES ................................................................................................. 224
DA COR DE ÉBANO: HISTÓRIA, ARTE E ESTÉTICA NA VALORIZAÇÃO DA
NEGRITUDE NO AMBIENTE ESCOLAR ............................................................................ 236
DELITOS DO DESEJO: DAS PUNIÇÕES A EVA ÀS INFRAÇÕES DE LILITH ............... 246
DIANTE DAS BRUMAS DE AVALON: ESPAÇOS SAGRADOS EM GLASTONBURY .. 255
DISSERTAÇÕES DE MESTRADO SOBRE ESOTERISMO NO PPGCR/UFPB ENTRE 2009
E 2017 ...................................................................................................................................... 262
DOENÇA MENTAL E ETNOPSIQUIARIA EM INTERFACE COM DIREITO, SAÚDE E
RELIGIÃO ............................................................................................................................... 270
EMPONDERAMENTO FEMININO: UMA ANÁLISE DA AUTONOMIA DAS MULHERES
EM FEIRA LIVRE DE SANTANA DO IPANEMA -............................................................. 277
EMPONDERAMENTO POPULAR: PERFIL SOCIOECONÔMICO DA FEIRA LIVRE EM
SANTANA DO IPANEMA – AL ............................................................................................ 283
ENTRE CHOROS, SUSSUROS E MÁSCARAS: A ANTROPOLOGIA DE TURNER E O
TEATRO CONTEMPORÂNEO.............................................................................................. 291
EXPRESSÃO DA RELIGIOSIDADE NO MITO DO RAPTO DE PROSÉRPINA ............... 298
HISTÓRIAS DE CRIANÇAS: UM ENCONTRO COM AS MEMÓRIAS DE CAROLINA
MARIA DE JESUS .................................................................................................................. 311
IMAGEM E SIGNIFICAÇÃO: A RELAÇÃO ENTRE SUBJETIVIDADES E OBJETOS EM
UM CONTEXTO ESCOLAR .................................................................................................. 321
IMPACTOS DE FATORES SOCIAIS NA ESCOLARIZAÇÃO: REINSERÇÃO E INCLUSÃO
ESCOLAR DOS APRENDENTES DA EJA ........................................................................... 330
LAMPIÃO E A CONSTRUÇÃO DE UM MITO POPULAR: UMA ANÁLISE DAS
RELAÇÕES DE PODER E LUTAS NO NORDESTE BRASILEIRO.................................... 339
LUGARES SAGRADOS E TURÍSTICOS E LIDERANÇAS RELIGIOSAS COMO
PROPOSTA PEDAGÓGICA DO ENSINO RELIGIOSO: relato de experiência na escola da
cidade de Natal/RN .................................................................................................................. 351
MATERIAIS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL ........................................................................................................ 366
MEMÓRIAS DE UM BALAIEIRO: EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E UM
MERGULHO EM SUAS PERTENÇAS.................................................................................. 374
METALINGUAGEM: CORPORIFICAÇÃO DO GOZO PELA PALAVRA ......................... 387
MODA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS SUAS INFLUÊNCIAS NA MULHER
CONTEMPORÂNEA .............................................................................................................. 396
O ENSINO DE MÚSICA EAD POR MEIO DE TUTORIAIS ONLINE: FORMAÇÃO DE
INSTRUMENTISTAS ............................................................................................................. 409
O ENSINO RELIGIOSO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO
BRASILEIRA .......................................................................................................................... 421
O ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL-PAÍS LAICO ............................................................. 437
O EROTISMO E A DEVOÇÃO NAS ENTRELINHAS POÉTICAS: AS PRODUÇÕES
LITERÁRIAS DAS IRMÃS DE CARIDADE NO SÉCULO XIX .......................................... 449
O ESTRESSE EM ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO: A IMPORTÂNCIA DE
COMPREENDER PARA PREVENIR .................................................................................... 462
O LEGADO MISSIONÁRIO DE PADRE IBIAPINA: IMAGENS DE UM CATOLICISMO
POPULAR NO NORDESTE IMPERIAL ................................................................................ 470
O MITO DA CRIAÇÃO DO HOMEM: AS RAÇAS EM HESÍODO E OVÍDIO ................... 479
O MITO DE NARCISO: SACRALIDADE E TRANSCENDÊNCIA, UM OLHAR
PSICANALÍTICO ................................................................................................................... 488
O PORTEIRO DO INFERNO: REFLEXÕES ACERCA DA RECEPÇÃO DE UMA OBRA DE
ARTE PÚBLICA ..................................................................................................................... 496
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL: PERSPECTIVAS
DE PROFESSORES DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE
MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA-PB .................................................................................... 503
REFORMA TRABALHISTA REDUZINDO O ACESSO À JUSTIÇA .................................. 512
RELIGIÃO E ADOECIMENTO: UMA ANÁLISE SISTEMÁTICA...................................... 521
RELIGIÕES AFRO-AMERÍNDIAS NO BRASIL: UMA BREVE ABORDAGEM .............. 529
REMINISCÊNCIAS DE LEITURA: NARRATIVAS DA MEMÓRIA LITERÁRIA ............ 537
TEATRO COMO FERRAMENTA DE SENSIBILIZAÇÃO: DIÁLOGOS ENTRE O
CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS EM SALA DE AULA 545
TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO MUSICAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE UMA
OFICINA DE CRIAÇÃO DE JOGOS MUSICAIS DIGITAIS ............................................... 553
TRAJETÓRIAS FORMATIVAS, A ARTE E A CULTURA NEGRA NA FORMAÇÃO
INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES .................................................................. 560
TRATAMENTO E ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO: AÇÕES PRÁTICAS DA
BIBLIOTECONOMIA NO CENTRO DE PSICOLOGIA DA RELIGIÃO EM JUAZEIRO DO
NORTE-CE .............................................................................................................................. 570
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE O ENSINO DE CONTRABAIXO ELÉTRICO E
TEORIA MUSICAL NO GRUPO BXPE NO WHATSAPP ................................................... 578
UMA ANÁLISE DO TRÍPLICE CONCEITO DE MITO ....................................................... 587
UMA COBRA NA SALA DE AULA: PROJETO OFÍDIAS: UM DIÁLOGO SOBRE
CULTURA INDÍGENA PARA NÃO INDÍGENAS ............................................................... 598
RELIGIÃO E ADOECIMENTO: UMA ANÁLISE SISTEMÁTICA...................................... 610

SEGUNDA PARTE: RESUMOS SIMPLES - PÁG.616 A 720


PRIMEIRA PARTE

ARTIGOS COMPLETOS

Anais do I CNERA – Congresso Nacional de Educação, Religião e Artes. Mônica Dias


Palitot, Ana Paula Rodrigues, Jailton Macena de Araújo (Organizadores). –
João Pessoa:Ed.UFPB, 2019.720 p. ISBN: 978-85-237-1472-7
ARTE E FILOSOFIA: SABERES LÍQUIDOS

Dr. Robson Xavier da Costa1


Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais
Universidade Federal da Paraíba
Me. Márcio Soares dos Santos2
Universidade Federal da Paraíba

Resumo
Segundo Bauman (2001) vivemos na modernidade líquida. Termos como pós-
modernidade, hipermodernidade, modernidade tardia, hibridismo e transculturação
definem paradigmas contemporâneos. Desde 1960 as Artes Visuais dialogam com outras
linguagens expressivas utilizando a “bricolagem” e a “apropriação”, que possibilitam a
heterogenia dos saberes apresentados no campo expandido (performances, site specifics,
instalações, videoinstalações, intervenções urbanas, etc.). Neste GT questionamos: como
se estabelecem as relações entre as artes, a educação e as religiões no mundo
contemporâneo? Como o estudo das imagens pode aproximar as artes da educação?
Pretendemos estimular o debate sobre as reflexões em torno das Artes e dos saberes
humanos transdisciplinares.
Palavras Chave: Arte. Filosofia. Educação. Imagens.

Abstract
According to Bauman (2001) we live in liquid modernity. Terms such as postmodernity,
hypermodernity, late modernity, hybridism, and transculturation define contemporary
paradigms. Since 1960 the Visual Arts have been in dialogue with other expressive
languages using "bricolage" and "appropriation", which allow the heterogeneity of the
knowledge presented in the expanded field (performances, site specifics, installations,
video installations, urban interventions, etc.). In this GT we asked: how are the relations

1
Professor/Pesquisador do Departamento de Artes Visuais e do Programa Associado de Pós-Graduação em
Artes Visuais da UFPB; Pós-Doutor em Estética e História da Arte (PGEHA/MAC/USP); Doutor em
Arquitetura e Urbanismo (PPGAU UFRN e UMinho/Portugal); Mestre em História (PPGH UFPB);
Especialista em Sociologia e Educação Especial (UFPB) e Licenciado em Artes Plásticas (UFPB). Email:
robsonxavierufpb@gmail.com.
2
Professor da Rede Privada de Ensino de João Pessoa. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus
e Inclusão (GPAMI UFPB); Mestre em Filosofia (PPGF PUC) e Linguística (PPGL UFPE); Graduado em
Ciências Atuariais (UFPB); Filosofia (PUC SP) e Linguística (UFPE). Email:
professormarcio28@gmail.com.
between the arts, education and religions established in the contemporary world? How
can the study of images bring the arts closer to education? We intend to stimulate the
debate on the reflections on the arts and transdisciplinary human knowledge.
Key words: Art. Philosophy. Education. Images.

Introdução

A ausência, ou a mera falta de clareza, das normas - anomia - é o pior


que pode acontecer às pessoas em sua luta para dar conta dos afazeres
da vida. As normas capacitam tanto quanto incapacitam; a anomia
anuncia a pura e simples incapacitação (BAUMAN, 2001, p. 29).

Reunir um grupo de pesquisadores/as oriundos de diversas áreas de


conhecimentos, para debater as relações entre Arte e Filosofia no mundo contemporâneo,
foi o desafio proposto pelo grupo de trabalho “arte e filosofia: saberes líquidos”, durante
o I Congresso Nacional de Educação, Religiões e Arte (I CNERA), na Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), no ano de 2018, sob nossa coordenação.

Como profissionais oriundos de campos diversos das humanidades, um com


formação em artes visuais e outro em filosofia, temos dialogado durante os últimos cinco
anos, a partir das ações conjuntas realizadas no Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e
Inclusão (GPAMI) da UFPB, onde temos estudado práticas contemporâneas de
acessibilidade e diversidade cultural nos campos das artes visuais, museologia, design,
educação, moda, comunicação e filosofia.

A partir do ecletismo dessas abordagens resolvemos abordar conceitos capitais


para discutir arte contemporânea, como liquidez, pós-modernidade, hipermodernidade,
modernidade tardia, hibridismo e transculturação, a partir da bricolagem e da apropriação
cultural. Partindo da teoria de mundo líquido proposta por Zygmund Bauman (2001),
resolvemos pensar como esse conceito está relacionado com as áreas citadas e suas
diversas maneiras de interconexões transdisciplinares.

Recebemos dez propostas de trabalhos e selecionamos seis artigos que foram


aprovados e apresentados durante o GT arte e filosofia do I CNERA. Os pesquisadores
Ma. Jacqueline Carolino (GPAMI UFPB) e Dr. Robson Xavier (Coordenador do PPGAV
UFPB) discutiram “a relação entre cores e sentimentos: a arte como transmissor visual”
analisando o desenvolvimento de atividades artísticas e uso de cores com pessoas idosas,
no Lar de Longa Permanência Vila Vicentina Júlia Freire, em João Pessoa, Paraíba.
Os pesquisadores Dr. Clécio de Lacerda (Professor do IFCA – Ceará) e Me.
Vinícius de Oliveira (Professor do IFRPE – Pernambuco) apresentaram o artigo “imagem
e significação: a relação entre subjetividades e objetos em um contexto escolar”,
discutindo o conceito de imagem e subjetividade nas obras de sociologia da imagem:
ensaios críticos” de Koury (2004) e sociologia da fotografia e da imagem” de Martins
(2008), aplicados em sala de aula nos cursos de design.

A pesquisadora Atena Pontes (discente do PPGAV UFPB) apresentou o artigo


“moda na segunda guerra mundial e suas influências na mulher contemporânea”,
analisando o perfil sócio estético de mulheres durante o período da guerra na França a
partir da Revista Marie Claire e do arquivo do Museu da Moda de Lyon.

O pesquisador Dr. Milton dos Santos (Pós Doutorando pelo PPGAV UFPB)
apresentou o artigo “Buruburu: a simbólica dos orixás nos processos criativos do
performer Ayrson Heráclito e do artista plástico paraibano Elioenai Gomes”, discutindo
comparativamente a videoinstalação “Buruburu” de Ayrson Heráclito com a pintura
“Omuru: caminho do renascimento” de Elioenai Gomes.

E o pesquisador Dr. Stênio Soares (professor da UFBA) apresentou o artigo “o


porteiro do inferno: reflexões acerca da recepção de uma obra de arte pública”, discutindo
a recepção da obra o porteiro do inferno (1967) de Jackson Ribeiro (1928 – 1997) a partir
da teoria de Walter Benjamim.

O pesquisador Leandro Garcia (discente do PPGAV UFPB) apresentou o artigo


“experiências artográficas com o grupo reflexivo para homens autores de violência
doméstica contra a mulher” analisando a experiência do ensino não formal de artes visuais
para homens, no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), em
São Gonçalo do Amarante, Rio Grande do Norte, realizado em 2016.

Os seis artigos abordaram à pesquisa em/sobre/com artes visuais como referência


central, relacionando arte com filosofia contemporânea, abordando teorias propostas por
filósofos como Walter Benjamim (1892 – 1940), Michael Foucault (1926 – 1984), John
Dewey (1859 – 1952), Pierre Levy (1956 - ), Zygmunt Bauman (1925 - 2017), etc. Todas
as pesquisas apresentadas abordaram vivências dos autores com os temas trabalhados e o
esforço para a construção teórica no campo da investigação sobre as imagens.
1. Modernidade Líquida, Hibridismo, transculturação e bricolagem

Pós-modernidade, modernidade líquida, hipermodernidade, modernidade


tardia: são várias as expressões que procuram definir o atual momento político,
econômico, social e cultural. Diversas análises evidenciam que a sociedade
transformou-se significativamente nas últimas cinco décadas. Entre outros
aspectos, as inovações tecnológicas tornaram-se preponderantes na vida
cotidiana. Celulares, computadores, softwares e redes virtuais de comunicação
influem diretamente na hibridização de hábitos, costumes, formas de se
relacionar, levando-nos a questionar os pilares que sustentam a sociedade
ocidental (NEIRA e LIPPI, 2012, p. 607).
O Sociólogo e pensador Polonês Zygmunt Bauman (1925 - 2017), ex-professor
da London School of Economics, discutiu em sua obra o fenômeno da globalização e das
transformações ocorridas entre a o mundo moderno e o mundo contemporâneo,
elaborando o conceito de “modernidade líquida” ao discutir a fluidez das relações
humanas no mundo contemporâneo, onde todos os padrões sociais humanos pautados nos
moldes tradicionais foram desconstruídos e reformulados.

São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar que
podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais
podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não
quer dizer que nossos contemporâneos sejam livres para construir seu modo de
vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais
dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de construção.
Mas quer dizer que estamos passando de uma era de 'grupos de referência'
predeterminados a outra de 'comparação universal', em que o destino dos
trabalhos de autoconstrução individual (…) não está dado de antemão, e tende
a sofrer numerosas e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem
seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo (BAUMAN, 2001, p.15).

A vida humana sobre a terra em uma época de liquidez, fluidez, volatilidade,


incertezas, inseguranças, as relações humanas são moldadas pelo individualismo, gozo
imediato, artificialidade e regido pelo consumo, todos os referenciais estabelecidos pela
civilização ocidental foram desenraizados, liquefeitos e perdidos,

Os fluidos se movem facilmente. Eles "fluem", "escorrem", "esvaem-se",


"respingam", "transbordam", "vazam", "inundam", "borrifam", "pingam"; são
"filtrados", "destilados"; diferentemente dos sólidos, não são facilmente
contidos - contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou
inundam seu caminho. Do encontro com sólidos emergem intactos, enquanto
os sólidos que encontraram se permanecem sólidos, são alterados - ficam
molhados ou encharcados. A extraordinária mobilidade dos fluidos é o que os
associa à ideia de "leveza' Há líquidos que, centímetro cúbico por centímetro
cúbico, são mais pesados que muitos sólidos, mas ainda assim tendemos a vê-
los como mais leves, menos "pesados" que qualquer sólido. Associamos
"leveza" ou "ausência de peso" à mobilidade e à inconstância: sabemos pela
prática que quanto mais leves viajamos, com maior facilidade e rapidez nos
movemos (BAUMAN, 2001, p. 07).
Podemos visualizar a explicação do conceito no esquema abaixo:

Figura 01 – Esquema Monstro de Modernidade Líquida – canal super sociologia. Disponível em:
https://colunastortas.com.br/modernidade-liquida-o-que-e/.

Relacionamos o “modernidade líquida” com o conceito de “hibridismo” aplicado


a arte contemporânea, a junção do termo grego “hibris” com o termo latim “hybrida”,
termos empregados para designar seres mitológicos mistos de animais e humanos
fabulosos e na biologia o termo “hibrido” relaciona-se com genética (seres heterozigotos,
cruzamento de seres homozigotos) e taxionomia, designando o cruzamento genético entre
espécies vegetais ou animais distintos, gerando seres estéreis.

Ao aplicar-se o hibridismo na arte contemporânea a partir dos experimentos


desenvolvidos a partir dos anos 1960, a partir dessa década surgiram expressões artísticas
mistas, que envolvem o corpo, os materiais, os sons, os movimentos, a
multissensorialidade (LEOTE, 2015), absorvendo diferentes linguagens artísticas e
possibilitando a imersão do espectador nas obras.

O uso constante de gêneros, suportes, técnicas, tecnologias, mídias e linguagens,


a introdução da fotografia, do cinema, do vídeo, da arquitetura, do design, a consolidação
da performance, da videoarte, da instalação, da videoinstalação, da ciberart, da street art,
etc. permitiram identificarmos o hibridismo como uma das principais abordagens da arte
contemporânea. Ao abordar as relações entre Arte e Filosofia no contexto contemporâneo,
necessariamente consideramos os conceitos de mundo líquido, hibridismo,
transculturação e bricolagem nas artes.

O termo bricolagem é oriundo do francês e designa diretamente os trabalhos


manuais improvisados, utilizando retalhos aproveitados de diversos materiais. No campo
dos estudos culturais o conceito de bricolagem foi elaborado por Lévi-Strauss (1976),
como um método de expressão por meio da seleção e síntese de componentes oriundos
de culturas diversas. Derrida (1971) utilizou o conceito para designar a colagem de
fragmentos de textos diversos formando outro e Certeau (1994) utilizou a bricolagem
como a união ou simbiose de variáveis culturais de origens diversas para a construção de
novos saberes (NEIRA e LIPPI, 2012). Outro conceito que lida com a miscigenação de
saberes e informações culturais é a “transculturação”.

O conceito de transculturação é atribuído ao antropólogo cubano Fernando Ortiz


Fernández (1881 – 1969), atribuindo a fusão de formas culturais adotadas por grupos
distintos, substituindo algumas das suas práticas culturais tradicionais, dando lugar a
aculturação, quando uma cultura se impõe sobre a outra por meio da fusão cultural.

Nessa perspectiva, a história do mundo moderno e contemporâneo pode ser


lida como a história de um vasto e intrincado processo de transculturação,
caminhando de par em par com a ocidentalização, a orientalização, a
africanização e a indigenização (IANNI, 1996, p. 142).
Dos seis artigos apresentados no I CNERA, no “GT Arte e Filosofia: saberes
líquidos”, quatro trabalhos foram enviados na versão “artigo completo” para publicação
nos anais, abordando questões relacionadas aos conceitos citados, identificamos que:

Clécio Lacerda e Vinícius de Oliveira desenvolveram uma análise sobre as


próprias vivências como educadores a partir de uma leitura comparativa baseada no
conceito de sociedade da imagem (MARTINS, 2008) e de Cibercultura (LÉVY, 1999),
utilizando uma fundamentação teórico-metodológica comparada, a partir do estudo dos
livros “sociologia da fotografia e da imagem” (MARTINS, 2008) e “sociologia da
imagem: ensaios críticos (KOURY, 2004), chegando as seguintes considerações:

a) As imagens e as significações sozinhas no contexto escolar não garantem, nem


promovem intersubjetividades, é necessário considerar outras variáveis;
b) Os desejos subjetivos em espaços público-privados de disputas políticas
podem promover ilusões e rupturas;
c) As ações dos professores na escola dependem da sua compreensão de mundo
e das suas práticas e vivências educativas.

Stênio Soares analisou a recepção da obra de arte pública “O porteiro do Inferno”


de autoria de Jackson Ribeiro, instalada originalmente em 1967, no centro de João Pessoa,
tendo sofrido migração para vários lugares da cidade e finalmente foi fixada no giradouro
da entrada da Avenida Pedro II, de frente ao Centro de Comunicação, Turismo e Artes
(CCTA), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) a luz das contribuições de Walter
Benjamin (1994), indicou os seguintes resultados:

a) Determinada postura da recepção local da obra, permitiu que o observador


fosse participante e criador, e realizasse sua própria experiência de
pensamento sobre a obra;

b) A recepção dessa obra estava relacionada à maneira como os


sujeitos/espectadores estão no mundo e se relacionam com outros
fenômenos da Cultura local;
c) O Porteiro do inferno despertou a sensibilidade a partir da origem e
formação cultural de cada observador.

Milton dos Santos no artigo “Buruburu: a simbólica dos orixás nos processos
criativos do performer Ayrson Heráclito e do artista plástico paraibano Elioenai Gomes”,
analisou comparativamente a videoinstalação Buruburu e a pintura Omulu, chegou as
seguintes considerações:

a) Que para apreender o conteúdo simbólico presente nas duas obras é


preciso (re)conhecer o referente ao qual elas se reportam, isto é, a
cosmogonia e as hierofanias dos orixás da religião nagô-ioruba;
b) Do contrário, tal recepção corre o risco de se tornar refém do discurso
rígido da “arte pela arte”, assentado estritamente na percepção formalista
ou na decodificação dos elementos visuais aparentes.

E Atena Pontes no artigo “Moda na segunda guerra mundial e as suas influências


na mulher contemporânea” analisou o perfil físico-social das mulheres leitoras da Revista
Marie Claire em arquivos do Museu de Lyon, na França. Analisando objetos de época,
fotografias e entrevistas com mulheres que viveram durante a segunda guerra, chegando
as seguintes considerações:

a) As mulheres dos anos 1940 tinha uma vida ativa, trabalhavam em usinas,
cuidavam da casa, da família, andavam a pé ou de bicicleta;
b) Adaptaram não apenas sua rotina, mas também sua apresentação social.
c) O aspecto social das mulheres múltiplas do século XXI é identificável nas
capas das edições do ano 2018 da Marie Claire France e Brasil. Mas o
estereotipo corporal representado continua sendo o da mulher do século
XX;
d) A partir da comparação entre os dois períodos, 1939-1945 e 2018,
observamos semelhanças de práticas de moda demonstradas nas revistas.

Considerações Finais

Os quatro artigos completos enviados para publicação nos anais do I CNERA,


como resultados do debate do "GT Arte e Filosofia: saberes líquidos” abordaram de
maneira transdisciplinar os conceitos centrais indicados de “modernidade líquida”,
“transculturação”, “hibridismo” e “transculturação”. Cada autor/a a sua maneira abordou
transversalmente os conceitos propostos.

Milton Santos e Stênio Soares, ao analisarem obras de artistas brasileiros


vinculados à arte contemporânea, demonstraram que essas obras transitam entre o
hibridismo e a transculturação a partir da recepção, da leitura das imagens. Ambos
demonstraram que para que uma análise da imagem das obras de arte deve-se ter
conhecimentos relacionados ao contexto de sua criação, e fundamentação mítico-
simbólica, onde os preceitos dos conhecimentos de vida dos artistas interferem
diretamente nas concepções dos títulos ou dos temas das obras, influenciando a recepção
das mesmas.

Segundo os trabalhos apresentados o conhecimento dos dados históricos e


culturais relacionados às obras de arte, é fundamental para que as mesmas sejam
compreendidas em sua profundidade, qualquer leitura que desconsidere o contexto amplo
da sua simbologia ou da formação do olhar de quem lê as obras, corre o risco de manter
abordagens superficiais e descontextualizadas.
No caso das “obras de arte afro-brasileiras” a compreensão depende da
interpretação da simbólica dos artefatos das religiões de matriz africanas, que consistem
em ritualísticas complexas, construídas a partir das cosmovisões africanas reelaboradas
no Brasil e pouco divulgadas para a maioria da população brasileira. A ausência de
domínio desse repertório cultural específico (já disponíveis na internet e/ou em
publicações de exposições e mostras) pode resultar em leituras superficiais formalistas, o
que também ocorreu em relação ao “pré-conceito” quanto ao nome da obra “O porteiro
do inferno” de Jackson Ribeiro (1928 – 1997).

Atena Pontes, Clécio Lacerda e Vinícius Oliveira analisaram imagens e/ou


contextos publicados em revistas de moda ou em livros sobre a sociologia das imagens,
buscando identificar as relações estabelecidas entre a concepção da moda na vida
cotidiana de mulheres do período da segunda guerra mundial na França ou as vivências
de professores da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) sobre os
conceitos de imagens, a partir da revisão bibliográfica.

Esses autores indicaram que as publicações impressas, sejam livros ou revistas de


moda, refletem os contextos, onde as práticas sociais se desenvolvem e demonstram
aspectos das relações humanas em cada época. Essas publicações influenciam as práticas
cotidianas das pessoas, que buscam adaptar as possibilidades cotidianas as possibilidade
de incorporar ou seguir os conceitos ou tendências apontadas pelas publicações.

Ao comparar as revistas Marie Claire, publicadas no período da segunda guerra


mundial (1939 – 1944) na França, com as imagens estereotipadas das mulheres publicadas
na revista Marie Claire (França-Brasil) em 2018, Atena Pontes, analisou os arquivos,
fotos e as entrevistas com mulheres e identificou o papel social da moda e dos modelos
impressos nas revistas, como referências para a maneira de se vestir dessas mulheres,
mesmo que não tivessem condições para comprar as roupas, utilizaram da resiliência e da
criatividade para seguirem as tendências da moda.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2001.


DE CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano – artes de fazer. Tradução de Ephraim
Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1994.
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Florianópolis: UFSC, v. 14, nº. 20, 1996, p. 139-170.
KINCHELOE, Joe L. e BERRY, Kathleen S. Pesquisa em Educação: conceituando a
bricolagem. Tradução de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2007.
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MORIN, Edgar; ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgar de Assis (Org.).
Educação e Complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Tradução de Edgard de Assis
Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002.
NEIRA, Marcos Garcia e LIPPI, Bruno Gonçalves. Tecendo a colcha de retalhos: a bricolagem
como alternativa para a pesquisa educacional. In: Revista Educação & Realidade. Porto Alegre,
v. 37, n. 2, p. 607-625, maio/ago. 2012. Disponível em: http://www.ufrgs.br/edu_realidade/.
Acesso em: 15.12.2018.
A ARTE COMO POSSÍVEL INSTRUMENTO DE VISIBILIDADE
DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO NO BRASIL

Rayanne Aversari Câmara


Jailton Macena de Araújo

RESUMO

O trabalho aborda a proteção jurídica conferida às crianças e aos adolescentes no Brasil,


refletindo que a ineficácia das normas em relação ao trabalho infantil doméstico decorre
da invisibilidade desse tipo de exploração, muitas vezes mascarada como ajuda ou
participação social. O objetivo é apresentar as práticas artísticas como uma alternativa
capa de proporcionar visibilidade e consequentemente promover a vigilância, conferindo,
assim, maior efetividade aos direitos e garantias já positivados.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho infantil doméstico. Visibilidade. Reconhecimento.


Arte.

1. INTRODUÇÃO

Crianças e adolescentes, enquanto pessoas em desenvolvimento, merecem a


tutela especial do Estado, em razão da condição de vulnerabilidade em que se encontram.
Esse é o entendimento do ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição Federal
de 1988, que implementou a doutrina da proteção integral das crianças e adolescentes,
estabelecendo o

“dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão” (BRASIL, 1998).

Ratificando a Doutrina da Proteção Integral, entrou em vigor a Lei nº 8.069


(Estatuto da Criança e do Adolescente), sob a égide dos princípios da proteção integral,
do melhor interesse e da prioridade absoluta, para abranger todas as crianças e
adolescentes, independentemente da situação em que se encontram.
No âmbito do trabalho, há expressa vedação no artigo 7º, inciso XXXIII
Constituição Federal e no artigo 60 da Lei 8.069/90, ao trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de dezoito anos e qualquer trabalho a menores de dezesseis anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também dedica todo o Capítulo IV
do Título III à Proteção do trabalho infantil, dispondo sobre diversos itens relacionados à
proteção do trabalho infantil: a idade mínima, descanso, intervalos e duração da jornada
de trabalho, proibição do trabalho perigoso, insalubre, penoso, noturno ou trabalhos
realizados em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico,
moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola.
Apesar de o microssistema de proteção dos direitos infanto-juvenis ser
considerado avançado, as práticas sociais não acompanharam essa evolução, havendo
ainda negligência, ameaça e violações aos direitos tutelados.
A edição de 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) verificou que cerca de 2,6 milhões
de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estão sendo submetidos à exploração da mão-
de-obra (FUNDAÇÃO ABRINQ, 2016) no Brasil, números que podem ser muito
maiores, sobretudo considerando o trabalho infantil doméstico, cuja exploração oculta
não tem ainda uma metodologia adequada para aferição.
Nesse cenário, onde a simples positivação se mostra insuficiente, o presente
trabalho propõe a reflexão de a ineficácia das normas em relação ao trabalho infantil
doméstico decorre da invisibilidade desse tipo de exploração, para, ao final, defender que
as práticas artísticas podem ser um meio de proporcionar visibilidade e consequentemente
maior efetividade aos direitos e garantias existentes.

2. OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL

No Brasil, a situação da criança e do adolescente foi regulada por dois principais


sistemas jurídicos antes da implantação da atual doutrina da proteção integral: a Doutrina
Penal do Menor e a Doutrina da Situação Irregular.
No período anterior ao ano de 1830, não havia do Direito brasileiro qualquer
menção específica à criança ou ao adolescente (ALBERTON, 2005). O advento do
primeiro código criminal do Brasil alterou essa situação e instaurou a Doutrina Penal do
Menor através da Teoria da Ação com Discernimento. O texto tratava aqueles com idade
inferior a 21 anos como “menores”, e tinha por objetivo a responsabilização destes em
caso de ato criminoso, ainda que fossem incapazes para o exercício de múltiplas ações.
Mantendo a Doutrina Penal do Menor e a Teoria da Ação com Discernimento, o
Código Penal de 1890 inovou ao dispor que os menores de nove anos não poderiam ser
responsabilizados criminalmente. Do mesmo modo, não teriam responsabilidade aqueles
com idade entre nove e quatorze anos, desde que exercitassem prática criminosa sem
discernimento. Havendo discernimento, porém, estes últimos seriam recolhidos em
instituição disciplinar, não podendo ultrapassar a idade de dezessete anos no
estabelecimento (PEREIRA, 2008).
A primeira constituição republicana do Brasil, datada de 1891, não se preocupou
com proteção de nenhuma natureza à criança e ao adolescente, omitindo-se em relação a
essa parcela da população.
Enquanto foi adotada a teoria da Doutrina Penal do Menor, a legislação que
mencionava a criança e o adolescente tinha caráter exclusivamente penal, evidenciando
o desinteresse na salvaguarda de direitos infantojuvenis.
A Lei Federal 6.697/79 (2º Código de menores do Brasil) extinguiu a Doutrina
Penal do Menor, e introduziu a Doutrina da Situação Irregular, de caráter assistencialista,
voltada para:

[...] os casos de abandono, a prática de infração penal, o desvio de conduta, a


falta de assistência ou representação legal, enfim, a lei de menores era
instrumento de controle social da criança e do adolescente, vítimas das
omissões da família, da sociedade e do estado em seus direitos básicos
(PEREIRA, 2008).

Esse sistema firmava-se na ideia de uma sociedade regular, na qual há um


parâmetro de conduta, o qual, quando não observado, por abandono, violência, infração
ou qualquer outro motivo, traduzia situação irregular (KAMINSKI, 2002), na qual os
“menores” passavam a ser objeto da norma.
A Doutrina da Situação Irregular tem como características principais:
1. As crianças e os adolescentes são considerados “incapazes”, objetos de
proteção, da tutela do Estado e não sujeitos de direitos; 2. Estabelece-se uma
nítida distinção ente crianças e os adolescentes das classes ricas e os que se
encontram em situação considerada “irregular”, “em perigo moral ou
material”; 3. Aparece a ideia de proteção da lei aos menores, vistos como
“incapazes”, sendo que no mais das vezes esta proteção viola direitos; 4. O
menor é considerado incapaz, por isso sua opinião é irrelevante; 5. O juiz de
menores deve ocupar-se não só das questões jurisdicionais, mas também de
questões relacionadas à falta de políticas públicas. Há uma centralização do
atendimento; 6. Não se distinguem entre infratores e pessoas necessitadas de
proteção, surgindo a categoria de “menor abandonado e delinquente juvenil. 7.
As crianças e os adolescentes são privados de sua liberdade no sistema da
FEBEM, por tempo indeterminado, sem nenhuma garantia processual
(SARAIVA, 2003).
Não havia, portanto, reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos
de direito.
A Doutrina da Situação Irregular só foi substituída com a entrada em vigor da
Constituição Federal de 1988, que adota a Doutrina da Proteção Integral, fruto do
progresso nos debates acerca dos Direitos Humanos e de documentos internacionais como
a Declaração de Genebra, em 1924, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em
1948, e a Declaração dos Direitos da Criança, em 1959 (LIBERATI, 2006), que
despertaram sobre a vulnerabilidade da criança e do adolescente.
Pela Doutrina da Proteção Integral, busca-se a proteção da criança e do
adolescente, que passam a ser reconhecidos como sujeitos de direitos, e contam com tutela
jurídica. Ademais, criança e adolescente são identificados como pessoas em
desenvolvimento, que, por essa razão, gozam do princípio da prioridade absoluta, que se
encontra expresso no texto constitucional em seu artigo 227.
A Proteção Integral deve ser compreendida:

[...] como o conjunto de direitos que são próprios apenas aos cidadãos
imaturos; estes direitos, diferentemente daqueles fundamentais reconhecidos
a todos os cidadãos, concretizam-se em pretensões nem tanto em relação a
um comportamento negativo (abster-se da violação daqueles direitos) quanto
a um comportamento positivo por parte da autoridade pública e dos outros
cidadãos, de regra adultos encarregados de assegurar esta proteção especial.
Por força da proteção integral, crianças e adolescentes têm o direito de que os
adultos façam coisas em favor deles (CURY, 2005).

A Magna Carta deixou ainda o subjetivismo pelo garantismo (SARAIVA, 2006),


ao suprimir o vocábulo “menor”, dotado de carga discriminatória, e empregar os termos
“criança” e “adolescente”, assim aplicáveis à infância e à adolescência de forma
universal, o que não ocorria nos sistemas anteriores.
Foram definidos, pela primeira vez na legislação brasileira, os direitos
infantojuvenis, sua proteção e o consequente dever da família, da sociedade e do Estado
de retomar o exercício do direito em caso de lesão ou ameaça.
Fixadas as normas constitucionais, cujas garantias constituíram a base do Direito
da Criança e do Adolescente, emergiu no Brasil a necessidade de uma norma específica
para efetivar os direitos previstos na Constituição, pois

Apesar de toda a inovação no que tange à assistência, proteção, atendimento e


defesa dos direitos da criança e do adolescente, constantes na Constituição
Federal, estes não poderiam se efetivar se não regulamentados em lei ordinária.
Se assim não fosse, a Constituição nada mais seria do que uma bela, mas
ineficaz carta de intenções (VERONESE, 2008).

Nessa conjuntura, entrou em vigor a Lei nº 8.069 (Estatuto da Criança e do


Adolescente), corroborando a Doutrina da Proteção Integral, sob a égide dos princípios
da proteção integral, do melhor interesse e da prioridade absoluta, para abranger todas as
crianças e adolescentes, independentemente da situação em que se encontram.
O Estatuto da Criança e do Adolescente regulamenta de forma específica os
deveres da família, sociedade e Estado em relação ao desenvolvimento das crianças e
adolescentes, e estabelece uma política de atendimento à infância e juventude norteada
pelos princípios da descentralização político-administrativa e da participação da
sociedade civil.
A distinção entre os conceitos criança e adolescente também está disposta no
Estatuto em seu artigo 2º, que utiliza o critério objetivo da idade, restando definido que
criança é a pessoa com até 12 anos, e adolescente é aquele com idade entre 12 e 18 anos
(BRASIL, 1990). Essa diferenciação visa:
Dar tratamento especial às pessoas em fase peculiar de desenvolvimento, em
razão da maior ou menor maturidade, a exemplo das medidas sócioeducativas,
atribuídas apenas a maiores de 12 anos na prática do ato infracional, enquanto
aos menores desta idade se aplicam as medidas específicas de proteção
(PEREIRA, 2008).

A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente formam


o microssistema de proteção dos direitos infantojuvenis, no qual se observa a existência
de três vertentes: o dever de instauração de políticas públicas dirigidas à infância e
juventude de forma universal; o rol de medidas protetivas para aqueles que estejam em
risco pessoal ou social; e a estipulação de medidas socioeducativas para adolescentes que
praticarem ato infracional.

3. PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

Para a competente compreensão do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil,


é necessário verificar seus fundamentos jurídicos, situados na Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança, na Constituição da República Federativa do Brasil e no
Estatuto da Criança e do Adolescente e, ainda, examinar seus princípios, uma vez que:
Os princípios, no marco de um sistema jurídico baseado no reconhecimento de
direitos, pode-se dizer que são direitos que permitem exercer outros direitos e
resolver conflitos entre direitos igualmente reconhecidos. Entendendo deste
modo a ideia de ‘princípios’, a teoria supõe que eles se impõem às autoridades,
isto é, são obrigatórios especialmente para as autoridades públicas e vão
dirigidos precisamente para (ou contra) eles (BRUÑOL, 2001

2.3.1 Princípio da proteção integral

O princípio da proteção integral é fundamental em sede de Direitos da Criança e


do adolescente, e está expresso de forma inequívoca no artigo 1º da Lei 8.069/90. Por
proteção integral, compreende-se que criança e adolescente são sujeitos de plenos direitos
inerentes à pessoa humana, e, ainda, que merecem tutela especial e global (LAMENZA,
2011) pela condição de desenvolvimento e, consequentemente, de vulnerabilidade, em
que se encontram.
O princípio exprime que a reinvindicação desses direitos não está condicionada a
qualquer situação específica, do contrário, é universal, sendo suscetível a qualquer criança
ou adolescente. E ainda, que a proteção dos direitos infantojuvenis, em sua totalidade,
abrangendo-se a integridade física, mental e psicossocial, é dever da família, da sociedade
e do Estado (BRASIL, 1988) de forma descentralizada e prioritária.
Da proteção integral decorrem outros dois princípios essenciais que alicerçam os
direitos da criança e do adolescente: o princípio do melhor interesse e o princípio da
prioridade absoluta.

2.3.2 Princípio do melhor interesse

O princípio do melhor interesse, embora não encontre previsão legal expressa na


Constituição Federal ou no Estatuto da Criança e do Adolescente, é intrínseco à doutrina
da proteção integral, recepcionada por eles (FACHIN, 2008).
O melhor interesse preza pela prevalência dos direitos infantojuvenis em relação
a interesses de outros, tendo o escopo de concretizar as garantias constitucionais e
estatutárias da criança e do adolescente, funcionando como um verdadeiro critério
hermenêutico (BARBOZA, 2000).
No plano prático, o princípio do melhor interesse tem norteado questões
envolvendo crianças e adolescentes como mecanismo processual para solucionar
divergências, no sentido de que havendo desacordo envolvendo qualquer direito relativo
à criança ou adolescente, o interesse destes, apurado pelo magistrado no caso concreto,
prevalecerá (CHAVES, 2009).
Ante a complexidade e diversidade de casos envolvendo interesses infantojuvenis,
é primordial compreender que o princípio do melhor interesse não tem um padrão de
aplicabilidade, mas sim que“(...)este critério só adquire eficácia quando referido ao
interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças”
(SOTTOMAYOR, 2013).
Nesse contexto, o emprego do princípio na praxe é medida essencial para a
concretização dos valores e direitos fundamentais da criança e do adolescente positivados
pelo legislador.
2.3.3 Princípio da prioridade absoluta

O princípio da prioridade absoluta confere efetividade à proteção integral. Ele foi


inserido na legislação brasileira pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, e
instrumentalizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que em seu artigo 4º
preconiza que:

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber


proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento
nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e
na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de
recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude (BRASIL, 1990).

Morfologicamente, o termo “prioridade”, significa “1 Anterioridade. 2


Preferência conferida a alguém, relativamente ao tempo de realização do seu direito, com
preterição do de outros.” (FERREIRA, 2014) E o vocábulo “absoluta” constitui “1 O que
existe independente. 2 Que não é relativo. 3 Independente, único. 4 Que não tem peias
nem restrições. 5 Que é único ou forma sozinho um elemento” (FERREIRA, 2014).
O uso associado dessas palavras só aparece na Constituição Federal no artigo
2273, que trata dos direitos da criança e do adolescente, indicando que estes têm
prioridade sobre quaisquer outros, inclusive sobre os que também gozam de preferência,
a exemplo dos direitos dos idosos.
Embora o ordenamento jurídico tenha sofrido ao longo do tempo alterações
substanciais, sendo atualmente o Estatuto da Criança e do Adolescente considerado
avançado em termos de proteção à criança e ao adolescente, as práticas sociais não

3
PRIORIDADE ABSOLUTA. Prioridade Absoluta, direitos das crianças em primeiro lugar. Disponível
em: http://v1.prioridadeabsoluta.org.br/prioridade-absoluta-direitos-das-criancas/. Acesso em: 23/12/2014.
acompanharam essa evolução, havendo ainda negligência, abusividade e ameaça à
direitos tutelados.

4. O TRABALHO INFANTIL

Trabalho infantil é aquele exercido por pessoas abaixo da idade mínima legal
permitida.No Brasil, a Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XXXIII e a Lei
8.069/90, em seu artigo 60, proíbemexpressamente o trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de dezoito anos e qualquer trabalho a menores de dezesseis anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
No mesmo sentido, a CLT dedica todo o Capítulo IV do Título III à Proteção do
trabalho infantil, dispondo sobre diversos itens relacionados à proteção do trabalho
infantil: a idade mínima, descanso, intervalos e duração da jornada de trabalho, proibição
do trabalho perigoso, insalubre, penoso, noturno ou trabalhos realizados em locais
prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em
horários e locais que não permitam a frequência à escola.
O país ratifica, ainda, através do Decreto nº 4.134/2002, a Convenção 138 e a
Recomendação 146 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Idade Mínima
de Admissão ao Emprego e foi o primeiro a elaborar, através do Decreto nº 6.481/2008,
a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), que inclui, entre outros, o
trabalho infantil doméstico.

A vedação do trabalho infantil se justifica na medida em que

O trabalho diminui o tempo disponível da criança para seu lazer, sua vida em
família e educação; diminui, também, a oportunidade de estabelecer relações
de convivência com seus pares e outras pessoas da comunidade em geral. Além
disso, os menores experimentam um papel conflitante na família, no local de
trabalho e na comunidade, pois, como trabalhadores, são forçados a agir como
adultos, no entanto, não podem escapar de sua natural condição infantil. Esses
fatores são fonte de estresse emocional que afetam o desenvolvimento mental
e físico em um estágio crítico da vida. Crianças e adolescentes vivem um
processo dinâmico e complexo de diferenciação e maturação. Precisam de
tempo, espaço e condições favoráveis para realizar sua transição nas várias
etapas em direção à vida adulta. Essas transformações os tornam mais
vulneráveis às situações de risco do ambiente de trabalho e, portanto, mais
susceptíveis a adquirir doenças ocupacionais (MARTINS, 2013).

Essa proibição ao trabalho infantil deriva do dever de proteger crianças e


adolescentes e de lhes garantir todos os direitos fundamentais, observando suas condições
peculiares de pessoas em desenvolvimento, e se funda nos princípios da proteção integral,
do melhor interesse e da prioridade absoluta.
A exploração de trabalho de crianças e adolescentes, portanto, consiste não
somente em ilegalidade, mas em grave violação aos direitos fundamentais.
No tocante à fiscalização, a Instrução Normativa (IN) 102/2013 da Secretaria de
Inspeção do Trabalho (SIT), que dispõe sobre a fiscalização do trabalho infantil e a
proteção ao adolescente trabalhador, atribui a todos os Auditores Fiscais do Trabalho -
AFT, as atividades de fiscalização voltadas aos temas do combate ao trabalho infantil e
proteção ao adolescente trabalhador e estipula que das ações fiscais empreendidas pelas
Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego - SRTE, devem ter prioridade
absoluta para atendimento aquelas relacionadas ao trabalho infantil e proteção ao
adolescente trabalhador.
Apesar da vasta e específica proibição legislativa e ética pelo Estado e da
prioridade absoluta nos procedimentos de fiscalização, a edição de 2015 da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) constatou que cerca de 2,6 milhões de crianças e adolescentes entre 5
e 17 anos estão sendo submetidos à exploração da mão-de-obra (FUNDAÇÃO ABRINQ,
2016) no Brasil, números que podem ser muito maiores, sobretudo considerando o
trabalho infantil doméstico, cuja exploração oculta não tem ainda uma metodologia
adequada para aferição.
A positivação e a possibilidade de fiscalização, portanto, se mostram insuficientes
para a erradicação do trabalho infantil, sobretudo o doméstico, sendo necessário
intensificar os esforços de conscientização sobre o tema, pois a invisibilidade e a falta de
reconhecimento da exploração do trabalho infantil impedem o seu enfrentamento.

5. A VISIBILIDADE: UM CONCEITO SOCIAL

Os conceitos de visão e visualidade não são opostos nem idênticos. A visão


corresponde basicamente à dimensão psicofísica do olhar, enquanto visualidade se refere
essencialmente à percepção social.

Embora visão sugira a percepção visual como operação física, e visualidade a


mesma percepção como fato social, as duas não se opõem como a natureza se
opõe à cultura: a visão é também social e histórica, e a visualidade envolve
corpo e psique. Todavia, não são idênticas: aqui, a diferença entre os termos
assinala uma diferença no interior do visual - entre os mecanismos da visão e
suas técnicas históricas, entre o dado da visão e suas determinações discursivas
- uma diferença, muitas diferenças, entre de que modo vemos, como somos
capazes, autorizados ou levados a ver, e como vemos esse ver ou o não-visto
dentro dele (FOSTER, 1988).

A visão enquanto fenômeno da óptica fisiolófica e neurológica, não é o objeto da


presente abordagem, conquanto existam autores, a exemplo de Mitchell, que defende que
“a própria noção da visão como atividade cultural necessariamente encerre uma
investigação de suas dimensões não-culturais” (MITCHELL, 2002).
Nos interessa a relação entre experiência visual e variantes culturais, as quais
formam “um sistema de códigos que interpõem um véu ideológico entre nós e o mundo
real” (MITCHELL, 2002).
A visão, como uma aptidão fisiológica, é perfeitamente capaz de detectar o
trabalho infantil.
É a visualidade, enquanto dimensão contextual e cultural do olhar, o foco da
questão da invisibilidade do trabalho infantil. “Trata-se de abandonar a centralidade da
categoria de visão e admitir a especificidade cultural da visualidade para caracterizar
transformações históricas da visualidade e contextualizar a visão” (KNAUSS, 2006).

6. A INVISIBILIDADE DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO

A definição de trabalho infantil doméstico não está relacionada apenas aos


afazeres, mas à relação entre a criança ou o adolescente e os habitantes da casa, ao
processo de trabalho e à presença ou não de remuneração pelos serviços, sendo possível
a classificação em três tipos: socialização, ajuda e remunerado (ALBERTO, 2006).
Socialização se refere ao trabalho realizado na casa da própria criança ou
adolescente, com o caráter de participação na vida familiar. Ajuda é considerado o
trabalho realizado na casa de terceiros, onde a criança ou adolescente assume algumas
tarefas para que os adultos façam outras simultaneamente (ALBERTO, 2006). E, por fim,
remunerado é a clara relação entre empregado e empregador, onde a criança ou
adolescente presta serviços mediante onerosidade.
Os trabalhos do tipo socialização e do tipo ajuda muitas vezes não são
considerados trabalho, dada a ausência de onerosidade, o caráter de aprendizagem e de
participação da vida social, de forma que a exploração é invisível. Em relação às meninas
a invisibilidade é ainda mais aguçada, pois é comum que os afazeres domésticos sejam
tratados como obrigação no processo de educação transmitido pelas famílias (LIMA,
2010).
A invisibilidade não decorre, portanto, de características físicas, mas sim da falta
de reconhecimento da exploração de mão de obra infantil no meio doméstico como um
problema social. Consequentemente, a não percepção do trabalho infantil enquanto tal
acaba por dificultar ou tornar ineficazes as ações das políticas públicas (SILVA, 2009).
A falta de reconhecimento corresponde a um desrespeito intitulado privação de
direitos – Entrechtung (HONNETH, 2003). Ocorre que quando se aborda a luta por
reconhecimento, comumente se refere ao reconhecimento legal de uma situação
anteriormente não abordada no ordenamento jurídico. No caso do trabalho infantil,
inclusive o doméstico, como já existe uma ampla proteção normativa, é a falta de
reconhecimento de fato que acarreta uma violação a direitos.
Assim, a promoção da visibilidade social e do reconhecimento do trabalho infantil
doméstico de fato é fundamental para conferir efetividade aos direitos e garantias já
positivados, e não deve se restringir a métodos especializados e monodisciplinares, mas
também buscar meios de produção e conhecimento não textuais, inclusive através da
interação entre Direito e outros saberes.

7. ARTE COMO POSSÍVEL INSTRUMENTO DE VISIBILIDADE DO


TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO

A validade e a vigência no ordenamento jurídico não necessariamente implicam


em eficácia das normas. Em relação ao trabalho infantil doméstico, a proibição legal não
significou a erradicação real devido a uma dificuldade social em identificar a ocorrência
de exploração, que se confunde com ajuda e participação familiar, tornando-se invisível.
A promoção da visibilidade e reconhecimento de fato é, portanto, essencial para
conferir efetividade aos direitos e garantias já positivados. Essa luta por visibilidade não
deve se restringir a métodos jurídicos especializados, fragmentados e monodisciplinares,
mas socorrer também a outros saberes, como a arte, que ao expor dimensões da realidade
que o espectador não havia reparado (ORTIGOSA LOPEZ, 2002), é uma ferramenta
eficaz de acusação contra ideais ou violações a direitos.
As próprias práticas artísticas são formas modelares de ação e distribuição do
comum, uma vez que elas são “ ‘maneiras de fazer’ que intervêm na distribuição geral
das maneiras de fazer e nas relações com maneiras de ser e formas de visibilidade”
(FRANCIÈRE, 2005).
Essa possibilidade de utilizar a arte como forma de dar visibilidade efetiva à
exploração de mão de obra infantil e a outras violações de direitos vem sendo
recentemente reconhecida. Em 2017, o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e
Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho, em parceria com a Comissão de
Documentação do Tribunal Superior do Trabalho promoveu a exposição itinerante "Um
mundo sem trabalho infantil", objetivando alertar sobre as piores formas de trabalho
infantil, nelas inclusas o trabalho doméstico.
Também em 2017, o Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB)
realizou em João Pessoa a exposição “Trabalho infantil: Se você cala, ele não para”, que
faz uma reflexão sobre a exploração do trabalho infantil, trazendo não somente imagens,
mas utensílios utilizados por crianças e adolescentes no trabalho.
Uma das funções de promover a visibilidade da exploração de trabalho infantil
doméstico é disseminar também a vigilância. Aquilo que é visível é vigiável. Nesse ponto,
não se trata apenas de produzir um olhar vigilante para o outro, mas também voltado para
si, uma vez que a possibilidade de ser visto molda a conduta do sujeito, que passa a vigiar
a si mesmo, para não ser punido (FOUCAULT, 1983).
Não se pretende aqui apontar as práticas artísticas como um meio único de
promoção de visibilidade da exploração do trabalho infantil, mas tão somente elenca-las
como um instrumento possível, capaz de colaborar na construção de uma nova cultura
jurídica, partindo-se da constatação de que os métodos positivistas do Direito não
garantem a eficácia pretendida pelas normas e, portanto, estão obsoletos.

CONCLUSÃO

O trabalho infantil, definido como aquele exercido por pessoas abaixo da idade
mínima legal permitida, gera consequências nocivas aos valores éticos e à sociedade, pois
diminui o tempo disponível da criança para seu adequado desenvolvimento (educação,
família, lazer); provoca o estresse ao gerar uma situação de conflito onde a condição
natural de crianças e adolescentes é ignorada em prol de atitudes adultas; aumenta o risco
de doenças ocupacionais, e prejudica de forma geral a formação crianças e adolescentes.
Há um amplo reconhecimento jurídico da necessidade de proteger crianças e
adolescentes em relação ao trabalho. Ocorre que a vasta e específica proibição legislativa
e ética do trabalho infantil pelo Estado e a priorização absoluta nos procedimentos de
fiscalização não foram suficientes para a erradicação do trabalho infantil, cujas
estatísticas apontam números elevados. A situação é ainda mais grave relação ao trabalho
infantil doméstico, pois a exploração oculta não tem ainda uma metodologia adequada
para aferição.
Esse cenário evidencia que o problema está na falta visibilidade social, ou seja, na
falta de reconhecimento da exploração de mão de obra infantil no meio doméstico como
um problema social e não percepção do trabalho infantil enquanto tal.
É essencial, portanto, como forma de conferir efetividade aos direitos e garantias
já positivados, promover a visibilidade, mão somente através de métodos jurídicos
especializados, fragmentados e monodisciplinares, mas também por meio de outros
saberes, como a arte.

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A ARTE NA REVOLUÇÃO: COMO OS AUTORES
VANGUARDISTAS CONTRIBUÍRAM PARA A REVOLUÇÃO
RUSSA

Bruna Lis Tavares Moura


Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)
E-mail: brunalis11@hotmail.com

Anna Karla da Silva Brisola


Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ)
E-mail: anna.k.brisola@gmail.com

RESUMO
Este trabalho analisa como autores vanguardistas endossaram a guerra civil russa por
meio das suas obras, que se dirigiam principalmente a classe operária, para captar apoio
para a revolução. Assim sendo, têm por objetivos demonstrar a influência da arte nesse
contexto, bem como apresentar alguns dos estilos da vanguarda. No tocante à vertente
metodológica, usou-se da abordagem qualitativa. No método de abordagem, da forma
sistémica. Já em relação ao procedimento, adotou-se o método tipológico. Conclui que na
Revolução Russa a arte também esteve no cenário e os artistas, especialmente os
construtivistas, a exploraram com o fim de angariar forças para os movimentos
socialistas.

Palavras-chave: Revolução Russa; Vanguarda Russa; Arte.

1 INTRODUÇÃO

A insatisfação com o regime czarista de Nicolau II, a fome que afetava o país, a
concentração de terras nas mãos da burguesia e da Igreja Ortodoxa, bem como a
participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial, foram alguns dos motivos
responsáveis pela eclosão da Revolução Russa de 1917. Gerando, portanto, “uma
extraordinária atmosfera de inquietude e renovação nos campos social, político e cultural,
cujos desdobramentos se fizeram sentir durante todo o século XX” (CAVALIERE, 2017,
p. 19).
Contudo, não se tratou apenas de uma insurreição política, mas também artística,
que durou vinte anos, de 1910 a 1930 (MIGUEL, 2006, p. 28). Essa conjuntura de guerra
civil fora “endossada pelos artistas. Imbuídos dos ideais de vanguarda, eles próprios
queriam uma revolução na arte que pudesse transformar a vida” (ANDRADE, 2007, p.1).
Desta forma, a arte começou a anunciar e desenvolve-se conforme os anseios
sociais, passando esse movimento a ser denominado por alguns estudiosos como
vanguarda russa, entretanto, há críticas a respeito dessa nomenclatura.
Marcelo Albuquerque (2017) afirma que “as vanguardas russas têm como
características principais dois pontos: o uso de elementos geométricos puros
(consequentemente a redução dos matizes de cores) e a mentalidade revolucionária”.
Diante desse contexto social e político, se destacaram movimentos vanguardistas
importantes, como o cubo-futurismo, o suprematismo e construtivismo.
O cubo-futurismo traz como característica a preocupação com a realidade e
concretude daquilo que buscavam expressar, seja através da palavra ou de imagens,
rompendo com simbolismos, onde “o que está em pauta é uma orientação estética voltada
para a concreção, o que significa uma referência direta ao objeto, ao invés de alusões
indiretas” (CAVALIERE, 2017, p. 27). Um dos grandes nomes cubofuturistas é o de
Vladimir Maiakóvski, conhecido como o “poeta da Revolução”.
Maiakóvski era apoiador dos bolcheviques e desenvolveu diversos trabalhos no
período da revolução russa. Seja através de propagandas afetas ao movimento
revolucionário, seja através das suas obras, ele denunciava as mazelas sociais e clamava
por liberdade. Em seus poemas, remetia-se a população, para instigá-la à revolução,
movimentando as classes operárias, que viviam a realidade da opressão czarista.
O suprematismo, por sua vez, “representado pelo pintor Kazimir Malevitch, foi
um dos mais importantes movimentos artísticos da história da Rússia e deixou notáveis
contribuições para a arte moderna” (FERRARI; et al, 2013). Sua expressão era de arte
abstrata, sem compromisso com a existência de objetos, havendo uma liberdade na sua
exteriorização, que pode ser vista, por exemplo, no Quadro Vermelho: Realismo
Pictórico de uma Camponesa em Duas Dimensões, que data de 1915, sendo de autoria
malevitchiana.
Figura 1 - Quadro Vermelho: Realismo Pictórico de uma Camponesa em Duas Dimensões

Essa obra dá alusão para um início de uma nova fase, “que rompia com toda a
rigidez das imposições do passado e prenunciava a sua libertação; era a irregularidade da
forma banhada pelo sangue da revolução; revolução na arte e na política que alentavam
aquela população” (GRECO, 2007). Outra pintura famosa deste autor é a Cavalaria
Vermelha, onde o vermelho representa a cor da revolução, associada ao movimento
socialista. Desta maneira, a atuação de Malevitch durante a guerra civil russa foi de
acolhê-la, levando-o consigo todos aqueles que o admiravam.

Figura 2 - Cavalaria Vermelha


Por fim, o movimento construtivista veio para romper com essa abstração absoluta
trazida pelo suprematismo. Artistas como Vladimir Tatllin, Aleksander Mikhailovich,
Lazar Lissitzky, entre outros, buscavam “formas de expressões artísticas que pudessem
transformar a arte estabelecendo um novo paradigma de arte com sensibilidade, crítica e
participação” (SANTOS, 2014, p. 26).
No construtivismo, começou-se a perceber a importância da participação popular.
O cartaz Bata os Brancos com a Cunha Vermelha, de 1919, cujo autor é Lissitzky, foi
uma das primeiras manifestações artísticas com traços construtivistas. De cunho político,
“seu impacto foi tamanho que chamou a atenção do partido comunista para a importância
dos cartazes como ferramentas de comunicação” (SANTOS, 2014, p. 26).

Figura 3 - Bata os Brancos com a Cunha Vermelha

Os ideais construtivistas se aliaram as ideologias revolucionárias e os artistas da


época se colocaram como sujeitos responsáveis por unir a realidade ao plano artístico.
Dessa maneira, utilizavam suas obras como o meio para alcançar todas as camadas
populares, “adicionando imagens/símbolos para captar a atenção da classe
operária/camponesa que não sabia ler e escrever” (SANTOS, 2014, p. 29), pois o objetivo
era ganhar o apoio das massas.
Logo, esse estudo tem por objetivos analisar a influência política e social da arte
na revolução e alguns dos principais artistas causadores desse movimento, bem como
apresentar o suprematismo e o construtivismo, relevantes estilos artísticos da vanguarda.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para a elaboração desse estudo, utilizou-se como fundamentação teórica artigos
científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado, que analisaram a influência
histórica das vanguardas no contexto da Revolução Russa, embasando o objetivo
principal deste trabalho, qual seja, demonstrar como o as manifestações vanguardistas
geraram adesão à guerra civil russa.

3 METODOLOGIA

Reconhecendo a importância da arte na revolução russa, o presente trabalho é


desenvolvido com base em uma intensa pesquisa nos movimentos artísticos que se
destacaram durante esse período. Levantando dados e características que marcaram a
época, bem como os autores que mais se sobressaíram. Para isso, fez se empregou no
tocante à natureza da vertente metodológica a abordagem qualitativa. No método de
abordagem, utilizar-se-á da forma sistémica. Por fim, em relação ao procedimento,
adotou-se o método tipológico e histórico.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Este trabalho analisa como autores vanguardistas endossaram a guerra civil russa
por meio das suas obras, que se dirigiam principalmente a classe operária, para captar
apoio para a revolução, o que demonstra a influência da arte nesse contexto. Dessa forma,
foi sendo observado que na Revolução Russa a arte também esteve no cenário e os
artistas, especialmente os construtivistas, a exploraram com o fim de angariar forças para
os movimentos socialistas.

5 CONCLUSÃO

Por conseguinte, percebe-se que ao longo de toda Revolução Russa a arte também
representou esse cenário político e social de mudanças, articulando-se entre si, retratando
a insatisfação social e voltando-se para as classes menos favorecidas, que não tinha acesso
a elas, passando a retratar a suas vidas cotidianas, de opressão e anseios, contribuindo
primordialmente para a instauração e manutenção do movimento socialista.
Desses movimentos artísticos percebe-se que a vanguarda que mais se destacou
com o objetivo de angariar forças para a revolução socialista, foi os construtivistas, pois
se aliaram aos ideais revolucionários e teve ampla participação popular, porque descrevia
a vida cotidiana das camadas menos favorecidas, que antes não tinham acesso à arte.

REFERÊNCIAS

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& Verso. Rio de Janeiro, p. 3 - 3, 20 out. 2007.

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MIGUEL, Jair Diniz. Arte, ensino, utopia e revolução os ateliês artísticos Vkhutemas/
Vkhutein (Rússia/URSS, 1920-1930). 2006. Tese (Doutorado em História) –
Universidade de São Paulo, São Paulo.

SANTOS, Leonardo Schwertner dos. Construtivismo russo: a arte e o design gráfico


dos cartazes soviéticos. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso I, na linha de formação
de Design, do Centro Universitário UNIVATES. Lajeado, 2014.
A BENZEÇÃO NO BRASIL COMO LEGADO DAS CURANDEIRAS
ANCESTRAIS EUROPEIAS: APROXIMAÇÕES E
AFASTAMENTOS

Profa. Dra. Yls Rabelo Câmara


UECE/IFCE

RESUMO
O I CNERA congregou estudiosos de diversas áreas do saber como a Antropologia, a
História, as Ciências Sociais, a Filologia e a Psicologia. Nesse sentido, fazendo um liame
entre as áreas do conhecimento supramencionadas e nosso objeto de pesquisa no pós-
doutorado, apresentamos um estudo sobre as rezadeiras brasileiras e suas ancestrais ibéricas,
cujas raízes se mesclam com as das bruxas do Medievo perseguidas pela Inquisição e pela
Caça às Bruxas. Objetivamos mostrar a relação entre nossas rezadeiras e as rezadeiras
ibéricas, cujo ofício ultrapassou os limites do Além-Mar, instalou-se em terras brasileiras e
continuou tanto aqui como lá. Para tanto, ancoramos nossas considerações nesse
levantamento bibliográfico em teóricos basilares para a temática como Hoffmann-
Horochovski (2015), Mainka (2002), Morais (2007), Nogueira (2012), Santos (2007, 2009),
Silva (2009), Stancik (2009), Theotonio (2011) e Zordan (2005), dentre outros. Concluímos
que nossas rezadeiras têm uma longínqua ligação com suas ancestrais ibéricas, que para aqui
rumaram quando ainda éramos uma incipiente colônia portuguesa e que consigo trouxeram
um conhecimento vetusto que remete ao Medievo e às mulheres que proviam a cura naqueles
tempos sombrios.

PALAVRAS-CHAVE: Benzeção, Rezadeiras Brasileiras, Rezadeiras Ibéricas.

1. A MULHER E A SABEDORIA ANCESTRAL DA ARTE DE CURAR

A tradição da busca da cura por meio da intercessão feminina é uma prática que
se perde na noite dos tempos. O ser humano sempre buscou a solução para os seus
problemas físicos, mentais e espirituais a partir da utilização da fitoterapia, das orações e
das práticas ritualísticas de mulheres que detinham e detêm o conhecimento oculto da
manipulação energética. Seguindo o curso natural do tempo, este conhecimento empírico
inerente às mulheres da Antiguidade foi-se aprofundando na Idade Média. De acordo com
Barstow (1991), naquele momento histórico, as chamadas “bruxas” pela Igreja eram as
parteiras e benzedeiras pertencentes a uma sociedade que as necessitava. Considerava-se
natural o fato de se recorrer às conhecedoras dos mistérios fitoterápicos para livrar-se de
problemas físicos, emocionais, mentais e espirituais, como supra citamos; para afugentar
o azar e atrair a prosperidade; para abençoar a semeadura objetivando uma farta colheita,
assim como para revolver a energia nos casos de amor dos consulentes.
Contudo, essas mesmas mulheres tornaram-se uma ameaça social ao formarem
confrarias e colocarem em risco o incipiente saber médico masculino, sexista e patriarcal,
que estava sendo gestado em paralelo com a ascensão do cristianismo, que naquele
momento legitimava-se como a religião oficial do mundo civilizado. Dessa forma, os
saberes pagãos faziam com que a bruxa expressasse, conforme Zordan (2005, p. 339-
340), “o poder das Grandes Deusas, a divinização da Natureza e a terra-corpo como
sagrados”. Acreditava-se que o poder de curar poderia levar também ao de matar. Para
Barstow (1991), esse poder inexplicável e sobrenatural somente poderia haver sido
concedido a tais mulheres pelo próprio Satanás, com quem elas supostamente haveriam
feito um pacto de sangue e/ou copulado anteriormente.
O que não encontrasse eco nos ditames cristãos deveria ser expurgado. Se as
mulheres eram vistas com desconfiança pelo cristianismo, as mulheres fálicas,
inteligentes, carismáticas e resistentes ao discurso hegemônico dessa religião, que
depreciassem a instituição matrimonial focada na monogamia e valorizassem o sexo e o
prazer estéreis, tornaram-se uma ameaça que deveria ser eliminada. Paradiso (2011)
resume que essas mulheres foram, então, declaradas inimigas dotadas de malícia, lascívia
e corrupção, posteriormente perseguidas com o apoio do clero e da nobreza e, finalmente,
emudecidas à custa de sangue. A desculpa encontrada para silenciar-lhes o discurso e a
postura empoderadas foi a de taxá-las de endemoniadas. E calhou bem: a partir de então,
o silêncio passou a ser o destino das mulheres, cabendo o discurso aos homens, que o
construíram com base em um arcabouço autoritário e focado no masculino.
Osório (2004) defende que a típica imagem da bruxa que habita a imaginação do
ocidental comum está intrinsecamente vinculada ao repúdio. Caracterizamos-lhe, o mais
das vezes, como uma mulher velha, feia e pobre; enrugada e com uma grande verruga
pendendo da ponta do nariz aquilino; o cabelo maltratado, longo e grisalho; a voz rouca;
totalmente vestida de negro e curvada sobre seu imenso caldeiro, onde um menino cristão
está sendo cozido a fogo lento para servir de base para o preparo de poções mágicas. Ao
seu redor, além do caldeiro, símbolo ancestral que representa o grande útero da Deusa
Mãe, onde vida e morte estão conectadas pela reencarnação, repousam também outros
objetos igualmente mágicos como a varinha e a vassoura, além da companhia inevitável
de corvos e de gatos pretos. Na maioria dos contos de fadas, cristianizados e
ressignificados pelo filtro moral puritano da Era Vitoriana, as bruxas são as vilãs por
excelência e devem morrer no fim da história para que o bem possa, por fim, triunfar.
Mas, afinal, quem eram/são as bruxas? E por que têm que necessariamente desaparecer
no final da trama para que esse suposto bem possa prevalecer?
À luz de Paradiso (2011) e Zordan (2005), a imagem da bruxa foi sendo construída
a partir de discursos que apresentavam as mulheres metaforicamente como seres
autônomos e sexualmente emancipados, em oposição direta ao sistema de controle
patriarcal hegemônico; a personificação da rebeldia, da autossuficiência, dos instintos
mais primitivos e de uma sexualidade selvagem. Em vista dessas características, fez-se
necessário moldá-las ao discurso falocêntrico: emudecê-las e ceifá-las. Ellis (1995)
afirma que essa mudança começou de forma gradual e aparentemente bem-intencionada.
Aos poucos, a medicina tradicional dos antepassados passou a ser considerada bruxaria
pelos que professavam a fé em Cristo, subestimando, sobrepujando e rebatizando antigos
saberes. As pessoas que faziam uso dos vetustos conhecimentos pré-cristãos, como filtros
e poções, passaram a ser implacavelmente perseguidas. Com o cristianismo cada vez mais
preponderante, intolerante e imponente, tornava-se inviável que a mulheres continuassem
a agir como sempre haviam agido; não se aceitava mais que seguissem remediando a vida.
Bastava com gestá-la. As bruxas, antes respeitadas por sua cultura milenar e hereditária,
com a Caça às Bruxas e a Inquisição, passaram a simbolizar a ligação feminina com o
oculto e com o diabólico (BECHTEL, 2001).
A violência misógina legitimada que se produziu contra elas chegou às raias do
delírio e da insanidade por duas marcadas e dolorosas vezes na História: na Inquisição e
na Caça às Bruxas. Determinadas localidades assistiram a um verdadeiro extermínio de
pessoas acusadas de bruxaria (diga-se de passagem, que entre 75% e 90% dos casos,
tratava-se de mulheres). E por que mulheres e não homens? Provavelmente porque as
mulheres sempre estiveram mais próximas das crianças, dos velhos e dos doentes – dos
mais débeis, portanto; sempre trabalharam mais devotadamente na elaboração do
alimento; sempre foram profundas conhecedoras das dores, dos partos, das doenças e da
morte em si e, consequentemente, passaram a ser vistas com maior desconfiança devido
a tal proximidade, como defendem Menon (2008) e Mainka (2002). Casanova e Larumbe
(2005) esclarecem que a grande maioria dessas “malfeitoras” eram habitualmente
diagnosticadas como mentalmente desequilibradas.
A economia foi, segundo Barstow (1991), um dos maiores detonantes das
perseguições. Normalmente, as acusadas ou eram mulheres paupérrimas e que dependiam
de seus vizinhos para sobreviver ou eram abastadas e atraíam a ganância de seus algozes.
Ademais, ainda conforme Barstow (1991, p. 184): “Todas las mujeres solas eran
consideradas especialmente vulnerables al diablo. Las parejas de madre e hija eran muy
sospechosas, y muchas fueron quemadas o colgadas juntas”. Corroborando esta assertiva,
Casanova e Larumbe (2005) explicam que o crescente número de mulheres que viviam
sozinhas naquele momento da História se devia à dissolução de conventos em áreas
protestantes e/ou à viuvez imperante em razão das guerras contínuas. Sozinhas e
vulneráveis, sem a proteção de uma figura masculina, aquelas mulheres desamparadas,
mentalmente afetadas e materialmente pobres ou demasiadamente ricas tornaram-se
presas fáceis para os inquisidores.
Apesar da perseguição empedernida que sofreram, as bruxas, reduzidas em
número, resistiram, ressignificaram sua missão, redimensionaram sua atuação e seguem
entre nós sob a configuração das curandeiras nos mais diversos sítios do planeta,
conforme Stancik (2009). A bruxa não morreu. E por que deveria? Sobre essa
continuidade tratamos a seguir.

2. A Arte da Benzeção e as Benzadeiras: a mulher como agente de cura

Consoante o que expomos acima, contrariando o que comumente fez-se crer, a


bruxa ancestral nunca foi sumariamente erradicada como se pretendia. Ela seguiu
existindo atualizada e camuflada sob outros nomes; no Brasil, foi rebatizada como
curandeira, rezadeira, benzedeira, mezinheira e parteira, segundo Conceição (2008).
Faz-se necessário explicar que o fato de nos referirmos reiteradas vezes a mulheres
aqui não quer dizer, em absoluto, que não existam rezadores, benzedores, mezinheiros,
curandeiros ou parteiros, mas são os homens tão pouco referenciados nesses ofícios, pelo
que concluímos do levantamento bibliográfico que fizemos para trabalhos acadêmicos
anteriores nessa temática, que preferimos restringir o escopo de nossa investigação às
mulheres que se dedicam a curar e proteger outrem através de rituais de benzimento.
Segundo Santos (2016, p. 14), “A benzeção é uma prática popular de cura, que
utiliza uma linguagem específica, tanto oral, quanto gestual, com o objetivo de não apenas
curar, mas também de dar uma explicação sobre o que está acontecendo.”. Destarte, os
consulentes que buscam uma rezadeira o fazem porque a consideram não somente uma
curandeira, mas também uma conselheira. Essas mulheres tocadas pelo dom da sanação
são especialmente respeitadas em suas comunidades porque extrapolam o limite físico e
dialogam com o etéreo. Conforme Morais (2007), dom vem do latim donum, que quer
dizer “oferta feita aos deuses”. Estendendo um pouco mais esse conceito, podemos
afirmar que ele significa a “oferta concedida por Deus a certas criaturas que se tornam
dotadas.”. (MORAIS, 2007, p. 447).
Para Santos (2007) e Araújo (2011), não são as rezadeiras que escolhem seu
caminho: elas são escolhidas por e para ele. Uma vez triadas entre tantas mulheres de seu
meio para a missão que consideram nobre, elas sentem-se na obrigação de retribuir esse
obséquio divino servindo de intercessoras entre a Espiritualidade e quem as buscam.
Normalmente, segundo Santos (2007) e Araújo (2011), o dom pode ser-lhes revelado por
meio de uma visão, de um sonho ou de um acontecimento sobrenatural; pela superação
de um grande obstáculo ou pode ser-lhes transmitido por alguém que já o tenha e
desenvolva, a fim de que seja continuado.
A benzeção cura doenças oriundas do corpo e do espírito, doenças que o saber
biomédico, muitas vezes, não alcança entender nem trata. As mais conhecidas são, a
saber: cobreiro (irritação na pele), dor de cabeça, dor de dente, dor de barriga, peito aberto
ou arca caída (dores na região do tórax), afta, espinhela caída (lumbago), quebranto (mau-
olhado), bicha (lombriga, vermes), arduvento (derrame e paralisias), vento brabo (choque
térmico), machucadura e rendidura (dores musculares e lesão por esforço), coceira,
brotoeja, bronquite, rouquidão, erisipela, ventosidade (gases), torção de braços e pernas
e quebradeira no corpo (SANTOS, 2007; ARAÚJO, 2011).
No ritual de cura praticado por essas mulheres especiais há tanto aproximações
como afastamentos devido ao seu modus operandi individual, não coletivo: “cada
benzedeira possui um rito próprio, uma maneira singular de benzer. [...] Essa
singularidade a torna ainda mais fascinante, uma vez que presenciamos várias maneiras
de se alcançar o mesmo objetivo: a cura através da fé” (NOGUEIRA; VERSONITO;
TRISTÃO, 2012, p. 169). Além disso, elas utilizam-se de uma rica farmacopeia na
fabricação artesanal de unguentos, xaropes, emplastos, garrafadas e banhos de limpeza,
além de outros saberes que as capacitam para práticas divinatórias (SANTOS, 2005).
Aqui fazemos um adendo para lembrarmos que esse conhecimento farmacopeico remete
ao saber fitoterápico das mulheres acusadas de bruxaria por detê-lo, no Medievo, e assim
diferenciarem-se dos homens, especialmente dos homens que exerciam a medicina:

A acusação contra as feiticeiras de fabricarem unguentos mágicos e maléficos


refere-se ao conhecimento que as mulheres tinham das ervas e de suas
propriedades, um conhecimento frequentemente invejado transmitido de mãe
para filha: as “funções” das mulheres, confinadas em casa, a tudo o que
concernia à educação das crianças e ao mercado, as obrigava a conhecer
remédios e poções. A perseguição da feiticeira revela igualmente o
ressentimento da medicina erudita e masculina em rivalidade contra a medicina
popular e feminina. (FURGONI, 1991, p. 403).

Além do ritual de reza, acompanhada de gestos feitos no corpo do paciente com


um galho viçoso de pinhão, guiné ou alecrim, por exemplo, a benzedeira unge-o de forma
repetitiva e reiterando palavras memorizadas, mas não por isso seguindo um padrão único
(THEOTONIO, 2011), ditas na efervescência do momento. A palavra é o meio utilizado
para que a cura atinja o consulente. A atenção volta-se para o que é dito – as jaculatórias
e os ensalmos. A confiança da benzedeira em sua reza e a confiança nela depositada pelos
que a buscam são fundamentais para que a magia funcione como se espera. Segundo
Cunha (2012, p. 1): “Por meio da palavra ou por meio da memória destas guardiãs, esses
saberes foram adquiridos, transmitidos e reconstruídos.”. Normalmente, no início das
benzeduras, para abrir o ritual, é comum utilizar-se de rezas estipuladas pela liturgia
católica como o Credo, o Pai Nosso e a Ave Maria, depois que os presentes se persignam.
Mas, a depender da benzedeira, na oração podem entrar também santos, orixás, caboclos
e/ou índios. Ou todos juntos. Para cada tipo de demanda dos consulentes existe um tipo
de reza distinto, conforme Theotonio (2011).
Além dos males que já elencamos, os consulentes procuram essas mulheres com
o intuito de resolverem também seus problemas nos campos afetivo e profissional; para
recuperarem e/ou preservarem a potência sexual, para selarem uma decisão importante e
que afetará suas vidas; para encontrarem pessoas e objetos perdidos, além de bens
roubados; para pedirem uma boa colheita; para que as parturientes tenham um bom parto;
para se livrarem de um encosto, resolverem conflitos familiares e combaterem vícios
(SANTOS, 2005; THEOTONIO, 2011). Muitas das orações por elas proferidas aludem a
elementos da natureza, como a água, que

[...] está diretamente relacionada com a cura da “dor de barriga”. A “água fria”
poderia ser de um rio cuja “correntia” levaria a dor que estaria fazendo sofrer
aquela pessoa. Em outras palavras, da mesma forma que o curso de água do rio
se processa, também a “dor de barriga” a água levaria. O simbolismo da água
poderia se fazer presente em rios, fontes, lagoas, principalmente na água do
mar. Muitas rezadeiras, ao benzer as pessoas de “arduvento”, de “mau-
olhado”, “erisipela” dentre outros males e após pronunciarem as palavras
sagradas, concluem o ritual pedindo ao “todo poderoso” que jogue o mal que
o doente “estava sentindo nas águas do mar sagrado.”. Com esse tipo de
procedimento delega-se ao mar que leve definitivamente o mal, a doença, o
azar, a inveja, o olho gordo, “vento bravo”, dentre outros males para nunca
mais retornar ao corpo ou ao espírito da pessoa. Aliás, para muitos curandeiros
não importa se a água é do mar ou de um rio. Para eles, tais lugares, além de
serem misteriosos, são sagrados. São nas águas que alguns rituais religiosos ou
curativos eram praticados. Batizados (iniciação), lavagem de correntes
(contas), limpeza de corpo poderiam ser efetuados nas águas. (SANTOS, 2005,
p. 188).

Para que entendamos o valor dessas mulheres em nosso meio, o que significaram
e significam para a saúde pública no pretérito e no presente, faz-se necessário
retrocedermos um pouco no tempo e explanarmos sobre suas origens, atreladas às suas
antecessoras portuguesas e galegas, cujo legado segue sendo fomentado por atuais
rezadeiras tanto na Península Ibérica quanto no Brasil.
A seguir, apresentamos um panorama da benzeção no Norte de Portugal e na
Galiza e sua chegada ao nosso país por meio dos colonizadores e imigrantes.

3. BENZEDEIRAS: dos resquícios de nossa colonização pelos ibéricos ao sincretismo


religioso no Brasil

No Norte de Portugal, onde repousam algumas de nossas mais genuínas raízes


culturais (tendo por base que estivemos na condição de colonos desse país por mais de
trezentos anos), mais especificamente na região de Trás-os-Montes, crê-se que uma
pessoa pode herdar o dom de cura de maneiras peculiares, como defende Morais (2007):
a) Se quando no ventre materno o bebê chora ou emite sons e a mãe se cala sobre isso,
esse bebê nascerá com os dons da cura e da vidência;
b) Se uma mulher com o dom parir sete filhas, sua filha mais jovem também o terá;
c) Se uma mulher parir gêmeos, estará propensa a recebê-lo e desenvolvê-lo.
Segundo esse estudioso, “O dom natural, com poder, precisamente por acontecer
à nascença, favorece às criaturas de aptidões especiais que, quando necessário, agem
sobre outrem sob o olhar do poder divino –este é de longe o dom mais raro e exclusivo
das mulheres.”. (MORAIS, 2007, p. 485). Por essa citação fica patente que o dom da cura
é uma prerrogativa do elemento feminino, segundo esse e outros teóricos como Paradiso
(2011), Stancik (2009) e Zordan (2005).
Era comum que as antigas rezadeiras portuguesas, também chamadas de santeiras
e saludadoras utilizassem, além das mãos, a saliva para curar. Por essa característica eram
conhecidas como cuspideiras. Para garantirem a pureza de seu dom, a saliva que
aplicavam nos consulentes era a primeira do dia, com a rezadeira em jejum desde o dia
anterior. Morais (2007) afirma também que essas mulheres preparavam defumações (que
auxiliavam nas sessões de exorcismos) e vomitórios em forma de garrafadas (para
desfazer, por meio de vômito, o feitiço feito por mulheres para atraírem os homens de
outras, presos por aquelas com feitiços em forma de beberagens onde um dos ingredientes
era sempre gotas de suor ou de sangue menstrual da mulher que queria esse homem alheio
e para quem fazia o feitiço).
Na Galiza, sita justamente em cima de Portugal e que no passado a ele esteve
unida territorialmente, comungando a mesma língua até o século XIII, o galaico-
português, as rezadeiras são relacionadas às meigas - bruxas benéficas e protetoras
pertencentes ao folclore galego. A Galiza distingue-se de outras regiões peninsulares
ibéricas porque, segundo Nogueira (1992), ali se processaram e condenaram poucas
bruxas. Contudo, legaram-se ao inconsciente coletivo galego inúmeras lendas e
superstições envolvendo essas mulheres:

As bruxas são as «sábias», ou «lumias» (lâmias?) ou mais frequentemente


«meigas» —um possível cruzamento etimológico entre mágica e medicina. Há
que se levar em conta, também uma extraordinária diferença existente na
Galícia, entre o litoral e o interior, onde predominavam (e predominam
superstições muito mais antigas, frente a uma racionalização de crenças no
litoral permanentemente em contato com o exterior (em particular com a
França). Dentro do país galego encontram-se, até os nossos dias, figuras que
nos remetem a Ovídio e a Apuleyo: as já mencionadas sábias, que podem
aparecer como «mencineiras» —a sua designação enquanto curandeira— ou
«vedoira», cujo nome traz implícito a capacidade de visualizar o futuro; ou
então em seu caráter mais maligno, as «xuxonas» uma chupadora de sangue,
ou das vísceras de uma pessoa. «Estria» asturiana ou «lúmia» galega, a
primeira menção de que temos notícia desta atividade na Galícia, é um
processo datado de 1602, onde Constanza do Pazo foi denunciada por três
mulheres que diziam que era «bruja», «hechicera», e que «chupaba los niños».
Neste último caso nos encontramos em presença de «lâmias», ou seja, os
demónios femininos de mitologia grecoromana, que sedentas de sangue,
atacavam os seres humanos, em especial as crianças, e às quais eram atribuídos
todos os males sucedidos às mesmas. Personagem sobrevivente de crenças
mais remotas e adaptado às cores locais —as «lumias». (NOGUEIRA, 1992,
p. 18-19).

Apesar dessas especificações, infelizmente, informações mais apuradas sobre


elas não chegaram até nós:

Non temos noticias de nomes de mulleres coñecedoras das herbas as súas


propiedades, e da súa aplicación nas enfermidades, pero é ben seguro que as
houboxa que moitas delas transmitiron o seu saber a súas descendentes e
moitas delas hoxe seguen exercendo esta medicina popular. A dificultade da
Muller para acceder a estudos tal como xa mencionabamos anteriormente e as
persecucións que sufriron as curandeiras por parte da Inquisición e
probablemente unha das causas de que non se atopen escritos que se refiran a
elas3. (FERNÁNDEZ-GARCÍA, 2015, p. 102).
Não temos notícias de nomes de mulheres conhecedoras das propriedades das
ervas e de sua aplicação em doenças, mas é certo que existiram, uma vez que muitas delas
transmitiram seu saber a suas descendentes e muitas delas hoje seguem exercendo essa
medicina popular. A dificuldade da mulher para ter acesso a estudos, tal como já
mencionamos anteriormente, e as perseguições que as curandeiras sofreram pela
Inquisição são, provavelmente, umas das causas pelas quais não se encontrem escritos
que se refiram a elas (Tradução nossa do galego para o português).
Entre lâmias, lumias, meigas e bruxas situamos a benzedeira galega, referência
inconteste do poder feminino de cura na Galiza de ontem e de hoje, de onde emigraram
muitos espanhóis famintos e tocados pela lazeira, esperançosos de encontrar na América
do Sul, especialmente na Argentina e no Brasil, melhores condições de vida. Antes deles,
portugueses, holandeses e franceses aqui já haviam desembarcado na época da colônia,
estabelecendo-se ou retirando-se depois de algum tempo de resistência.
Remontando, então, ao Brasil colonial, aparte dos físicos (médicos diplomados)
que emigraram para cá na condição de degredados, muitas vezes, e dos pajés autóctones,
haviam aqui agentes populares de cura, também emigrados da Península Ibérica:
curandeiros, parteiras, sangradores, dentistas e barbeiros – cujas práticas sobreviveram
durante o período monárquico e adentraram o período republicano (STANCIK, 2009).
Reiteramos que naquele momento, Medicina, religião e magia estavam amalgamadas,
tanto na medicina erudita quanto nos sistemas populares de cura, na metrópole ou nas
colônias portuguesas (RIBEIRO, 2015).
As doenças tropicais, desconhecidas pelo europeu colonizador, representaram um
sólido problema quando a colônia foi oficialmente estabelecida. Em uma época de muitos
homens e poucas mulheres, adoecer e/ou parir na Terra Brasilis supunha a morte ou
quase. Para além disso, somado ao fato de haver poucos físicos para atender à demanda
de bandeirantes, evangelizadores e degredados, havia o pudor feminino, que impedia que
os profissionais da saúde exercessem seu labor com as mulheres, tal como o faziam com
os homens. Para atendê-las haviam as parteiras e as rezadeiras, muitas delas vindas nas
caravelas portuguesas na condição de expatriadas, como afirmam Stancik (2009) e Silva
(2009).
Aos saberes trazidos pelas antecessoras das atuais rezadeiras galegas e
portuguesas, juntaram-se os saberes de índios autóctones brasileiros e dos escravos
africanos que para aqui foram trazidos de 1530 até final do século XIX. Esses
conhecimentos, mesclados e reconfigurados, foram arduamente perseguidos em distintos
momentos de nossa história.
Adentrando mais no tema e focando no presente, em linhas gerais, as benzedeiras
brasileiras são mulheres que se dedicam ao lar e por isso não são economicamente ativas.
Normalmente prescindem de uma “agenda” e atendem seus consulentes conforme estes
as procuram por demanda espontânea (CONCEIÇÃO, 2008). A varanda, o jardim e o
quintal são os espaços da casa onde costumeiramente realizam seu trabalho, que é também
de onde recolhem as folhas e os ramos das plantas que serão utilizados nas rezas. Quanto
a estes acessórios, Santos (2009) expõe que:

Para compor este ritual de cura, as rezadeiras podem utilizar vários elementos
acessórios, dentre eles: ramos verdes, gestos em cruz feitos com a mão direita,
agulha, linha e pano, além do conjunto de rezas. Estas podem ser executadas
na presença do cliente, ou à distância. Em seu ofício, de amplo
reconhecimento, essas mulheres “rezam” os males de pessoas, animais ou
objetos, bastando apenas que alguém diga os seus nomes e onde moram.
(SANTOS, 2009, p. 12-13).

Segundo Câmara, Sanz-Mingo e Câmara (2016), caracterizam-se por serem


mulheres pobres, enxergadas como sujeitos históricos que não possuem muita cultura
livresca. São necessariamente iniciadas e, na grande maioria dos casos, herdam o poder
de cura e o conhecimento acerca dos mistérios de suas práticas, apesar de que algumas
fogem a essa regra. Para Halbwachs (1990), as rezadeiras são sujeitos que preservam a
memória e a oralidade e que contribuem para com a identidade social que seu coletivo
representa - por essa e outras razões, o registro delas é tão importante para que não
percamos o legado que têm deixado entre nós.
Pelo levantamento bibliográfico que fizemos para trabalhos afins nessa mesma
temática, acreditamos que o porquê da procura por essas mulheres não repousa somente
na carência de médicos em algumas regiões mais pobres de nosso país, onde elas se
encontram em maior número, mas também se deve ao fato de que elas estão mais
próximas de seus consulentes do que os médicos o estão de seus pacientes e porque as
benzedeiras curam as doenças que os médicos não diagnosticam nem curam, como o mau
olhado, a maior queixa do público que as busca (CÂMARA; SANZ-MINGO; CÂMARA,
2016).
Embora haja rituais de cura de origem ameríndia e africana em seu modus
faciendi, o que predomina na benzedura brasileira é o apelo aos santos católicos (ainda
que rebatizados com nomes de entidades outras). Para Burke (2003, p. 5), em seus estudos
acerca do hibridismo cultural, ao nos defrontarmos com o que possivelmente diz respeito
a duas tendências culturais distintas, não devemos entendê-las de forma separada, pois
“não existe uma fronteira cultural nítida ou firme entre grupos, e sim, pelo contrário, um
continuum cultural.”. Independentemente da religião que pratiquem, cujas influências
estendem à sua práxis, a importância destas mulheres em suas comunidades é inconteste:

[...] ainda que o sistema público de atenção à saúde seja um importante e


permanente aliado na prevenção e cura de enfermidades, a população
brasileira, sobretudo a de camadas de baixa renda, continua fazendo uso de
outras opções terapêuticas, tornando vivo o pluralismo médico no país.
(ANDRADE; CORREIA, 2008, p. 13).

Assim como a pajelança, o cristianismo popular, categoria à qual as rezadeiras


pertencem, foi amplamente perseguido pelos médicos e defensores do saber científico,
principalmente entre o final do século XIX e início do século XX. Na tentativa de evitar
o rótulo de charlatãs, grande parte das benzedeiras se assume como católicas praticantes,
conforme Conceição (2008). Ademais, são unânimes em afirmar que não cobram por suas
rezas e conselhos - também para evitar a desconfiança por parte dos consulentes.
É interessante que ressaltemos que mesmo contando com um sistema de saúde que pode
ir de precário a regular, o paciente que procura o médico tende a não deixar de procurar
as benzedeiras, o que aproxima a terapêutica alopática da magia (THEOTONIO, 2011).
Curiosamente, pessoas que podem pagar um bom plano de saúde ainda se voltam para
essa manifestação da cultura popular e procuram as benzedeiras para proteção e cura de
males de todo tipo (ROSÁRIO et al., 2014). Em resumo: essas práticas não se restringem
somente às classes menos favorecidas de meios econômicos e os consulentes, em sua
maioria, as identificam como naturais:

Não são apenas pessoas “simples”, oriundas da classe popular e que


tradicionalmente tiveram pouco acesso à educação formal e ao saber médico.
Pessoas instruídas, que se consultam frequentemente com médicos e que
possuem uma situação financeira mais confortável também o fazem; é o caso
de políticos, professores, profissionais da saúde, entre outras. Pessoas que
acreditam nas benzedeiras, no poder das rezas, na eficácia das ervas... Pessoas
que buscam a medicina popular como alternativa ou como uma forma de
complementar o tratamento da medicina tradicional. Afinal, muitas pessoas
vão ao médico e a benzedeira ao mesmo tempo (SANTOS, 2007 apud
HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2015, p. 121).
Esse imbricamento da figura da rezadeira em temas sanitários brasileiros tem
origem nas dificuldades pelas quais passamos com esse aspecto, uma vez que a saúde é
um direito de todos, mas no Brasil, mais em teoria do que na prática.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusão, podemos afirmar que as rezadeiras não são um patrimônio


cultural originalmente brasileiro; sua presença entre nós remonta às rezadeiras galegas e
portuguesas que para o Brasil rumaram quando da colonização, que por sua vez tiveram
como ancestrais as bruxas que a Inquisição e a Caça às Bruxas perseguiram.
Ainda em voga na Península Ibérica, tal como em terras brasileiras, as rezadeiras seguem
sendo respeitadas em suas comunidades como mulheres que detêm o poder da cura para
males de ordem física, mental e espiritual; seguem sendo as conselheiras que seus
consulentes necessitam em casos de amor, nos negócios, nas resoluções de desavenças
familiares, laborais e vicinais - não importando quão economicamente favorecidos ou
desfavorecidos esses consulentes possam ser. Dito de outro modo: essas mulheres que
curam atraem uma plêiade de clientes que nelas confiam suas dores e que nelas depositam
sua confiança na resolução de problemas de várias ordens.
Execradas ao longo da História pelo saber médico falocêntrico, sexista, patriarcal
e hegemônico; em evidência ou longe dela em distintos momentos históricos, as
rezadeiras continuam a representar, para a tradição popular, as mulheres que detêm o
poder da cura. Já não são tantas como outrora. Urge que sociólogos, antropólogos,
filólogos e historiadores unamos nossos saberes em prol do registro e do estudo dessas
mulheres e desse fenômeno antes que a memória subestime a oralidade e se perca como
tantas outras manifestações culturais nossas que hoje são apenas mitos.

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A CRIAÇÃO DO MUNDO: O MITO NAS METAMORFOSES DE
OVÍDIO

Priscila Pinto Fabricio Ribeiro (UFPB)


scilapfr_@hotmail.com

Leandro dos Santos Souza (UFPB)


leandro_ufpb@yahoo.com.br

Orientadora: Dr.ª Alcione Lucena de Albertim (UFPB)


lucena25@hotmail.com

RESUMO

O mito cosmogônico retrata as origens do universo. Presente na obra Metamorfoses, de


Ovídio, o autor discorre sobre esse mito nos primeiros versos do Livro I da sua obra.
Neles, o poeta mostra a diferenciação cósmica impulsionada por uma força que jaz por
trás da separação dos elementos e consequente formação das partes que comporão o
mundo, sendo essa força a causa dessa diferenciação e identificada como um deus. Assim,
diante do quadro apresentado, propõe-se, neste trabalho, analisar o mito cosmogônico
presente na obra citada, buscando identificar a força sagrada geradora do cosmos,
apresentada no mito.

Palavras-chave: mito; cosmogonia; Ovídio; sacralidade.

INTRODUÇÃO
A história humana sempre foi e permanece sendo um mundo de pura reflexão
acerca do meio. A necessidade de explicar aquilo que aos olhos e entendimento humano
se torna ininteligível é inerente ao homem e a sua capacidade de criação. Esse desejo tão
arraigado no ser humano gerou a noção de mito.
Segundo alguns estudos científicos a ciência já tem apontado que o homem nasce
com a necessidade de crer em alguém ou em alguma coisa. Isso parece fazer sentido visto
que o homem sempre buscou nomear e crer em tudo o que era incrível ao seu
entendimento. A comunidade científica está tentando ratificar o que a fé e a criatividade
humana, há muito tempo, havia consumado. Os homens observavam as forças da natureza
e sua incrível capacidade de geração e passaram a nomear tais forças como sendo
divindades capazes de realizar maravilhas e de governar entre aqueles. A partir de então
tais figuras sacralizadas passaram a ser estabelecidas entre as sociedades de geração em
geração, cantadas por suas grandes realizações, tanto boas quanto más.
Assim também se deu com os homens mais influentes. Louvados, seus nomes
foram erigidos no decorrer das posteridades, tornando-se bravos heróis, dotados de
poderes provenientes das divindades há muito tempo reverenciadas através de ritos e
cânticos.
Podemos dizer que tais reverências, executadas pelas gerações, tornaram estas
divindades e heróis em mitos, pois o mito nasce da necessidade do homem de explicar
tudo ao seu redor.
Este trabalho tem por objetivo tentar explicar o que é o mito e qual é a sua
influencia dentro das sociedades antigas. Embora a noção de mito seja muito abrangente,
tentaremos pontuá-lo e, mostra-lo através da literatura. Escolhemos a obra de Ovídio, As
Metamorfoses, para explicar o mito da criação do mundo, revelando como o mito é visto
na cultura romana, através do autor, Ovídio.
O mito da criação do mundo sempre foi observado através de várias perspectivas
por diferentes culturas. Tendo em vista isso, para corroborar com o objetivo do nosso
trabalho que é comparar este mito cosmogônico, visto na cultura romana, com as demais
culturas, pontuaremos o mesmo na perspectiva de outras culturas de forma breve e direta.
A análise acerca do mito da criação do mundo na obra de Ovídio, As
Metamorfoses, será feita através do texto original latino e de uma tradução operacional
na língua portuguesa. 4

1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA NOÇÃO DE MITO

A noção de mito e o ser humano sempre caminharam lado a lado. Esse, desejoso
de encontrar explicações para o mundo em que vive, passou a nomear e a reverenciar tudo
aquilo que era misterioso à sua compreensão. O Sol e seus raios, a Lua iluminando a
escuridão da noite, as estrelas, as plantas nascendo sem a intervenção do homem, os raios
e seus danos, o fogo, os sentimentos humanos, tudo era fantástico à compreensão humana.
Desta forma, o homem os personificou e os reverenciou, mitificando estas forças maiores,
admiráveis e incontroláveis.

4
A tradução operacional é de nossa inteira responsabilidade.
O estudioso, Junito Brandão, em sua obra, Mitologia grega, Vol. I, conceitua o
mito como sendo “o relato de um acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante
a intervenção de entes sobrenaturais” (1986, p. 35). Ao analisarmos tal conceituação,
podemos nos certificar de que o mito, nada mais é do que uma narrativa ilógica e
irracional, construída sobre a presença de entes sobrenaturais, com a finalidade de
explicar fatos verídicos, ocorridos nas origens. Essa construção foi gerada através da
criatividade e vivência coletiva, do inconsciente de um povo. Junito Brandão ainda
afirma:
De outro lado, o mito é sempre uma representação coletiva, transmitida
através de várias gerações e que relata uma explicação do mundo. Mito
é, por conseguinte, a parole, a palavra "revelada", o dito. E, desse modo,
se o mito pode se exprimir ao nível da linguagem, "ele é, antes de tudo,
uma palavra que circunscreve e fixa um acontecimento".18 Maurice
Leenhardt precisa ainda mais o conceito: "O mito é sentido e vivido
antes de ser inteligido e formulado. Mito é a palavra, a imagem, o gesto,
que circunscreve o acontecimento no coração do homem, emotivo
como uma criança, antes de fixar-se como narrativa". (BRANDÃO,
1986, P.36)

Todavia, o mito, no decorrer dos milênios, passou a possuir diversas nuances um


pouco diferentes daquela primeira. Podemos citar o mito na visão de Platão, visto como
uma noção moral, o mito Aristotélico que é enxergado apenas como uma percepção
estética, mortificando, assim, aquela primeira noção do mito. Há também o mito histórico
que pontua os feitos de grandes homens e acontecimentos da história humana.

2. O MITO DA CRIAÇÃO DO MUNDO

O início de tudo sempre foi um grande fascínio para o homem. Explicar as origens
é algo inerente à curiosidade humana. O homem passa, então, a memorar e a sacralizar os
primórdios, inserindo-os na sua cultura, celebrando-os em sua religiosidade.
Cada cultura possui sua particularidade, sua visão em relação à origem do mundo.
A partir desta visão mítica, repousada em uma verdade, como já havíamos pontuado
acima, nasce o mito. O mito acerca da origem do mundo denomina-se cosmogônico.

Os mitos cosmogônicos apresentam uma serie de diversidades, mas


suas estruturas são semelhantes, ou seja, são triádicos. Eles partem de
um ponto unitário original, de onde emergem em dois elementos que se
contrapõem, um ativo (masculino) e o outro passivo (feminino). Esta
contraposição de elementos (masculino/feminino– ativo/passivo) se
repete em todos os seres do cosmo, e todos eles tendem a buscar a
unidade perdida. (MARCELO SILVERIO DA CRUZ, Mitos - suas
origens e sua importância para o homem contemporâneo, UFJF).
Como podemos perceber no fragmento acima, segundo Marcelo Silvério da Cruz,
o mito cosmogônico repousa num poder que origina todas as outras forças e, como pontos
de equilíbrio, existem as figuras ativa (masculina) e a passiva (feminina) que, embora
sejam forças distintas, unidas, estabelecem uma harmonia. É nesse equilíbrio de forças
interligadas que tudo se relaciona, criando ordem no mundo. Essa visão é estabelecida
em muitas culturas.
Afim de corroborar com a afirmação acima, podemos pontuar algumas culturas
que estabeleceram, dentro de seu compito religioso, essa mesma estrutura, baseada na
união das forças, ativa e passiva.
Na cultura chinesa, a força originária é denominada, Pan-Kou ou PanGou (o
homem primordial), e, a partir dessa força, surgiram as forças ativa, Yang e a passiva,
Yin. Estas, juntas, deram, segundo a cultura chinesa, origem ao mundo e as características
ativa e passiva dos seres vivos.
Na cultura Mesopotâmica, percebemos uma estrutura parecida com aquela
encontrada na cultura chinesa. Segundo os relatos mesopotâmicos, tudo foi proveniente
das águas primordiais, denominadas, Apson, e, dessa força central, nasceu duas outras
forças distintas, a luz (Marduk) e as trevas (Tiamat). Em um combate ferrenho entre
Marduk e Tiamat este sai vencido e é dividido em dois por Marduk, formando, assim, o
céu e a terra. Foi a partir desse mito que surgiu a cosmogonia, pontuada nas Escrituras
Sagradas Judaico-cristã.
A Bíblia5 relata que o mundo foi criado por Deus no decorrer de seis dias, sendo
o sétimo para o seu descanso. Dentro deste período de criação, ele criou o homem, Adão,
e a mulher, Eva, e os ordenou a crescer e multiplicar sobre a face da terra.
A cultura egípcia possui mais de uma vertente do mito da criação do mundo, mas
o mais difundido diz que a deusa da noite, Nut, quando estava abraçada ao seu marido, o
deus da terra, Geb, seu pai, o deus atmosférico, Shu, (pai de Nut), a ergue, nascendo, a
partir de então, o céu, que prende Geb, formando, assim, a Terra.6
A cultura hindu, por sua vez, possui relatos que se distinguem devido as
diversidade de tradições. Para os Brâmanes tudo se originou das águas primordiais, que
gerou as forças que originaram o mundo, o Ovo Cósmico e Prajápati. Já os Vedas

5Escrituras Sagradas Judaico-cristã.


6 Os dados acerca da cultura egípcia foram extraídos do artigo, Mitos de Criação: modelos
cosmogônicos de diferentes povos e suas semelhanças.
pontuam o homem cósmico, Purusha, como sendo o originador de todas as coisas. Por
fim, a tradição do Upanishads diz que tudo foi originado pela força maior e ativa, Raja,
de onde surgiu a luz, Sattva, e a escuridão, Tamas, dando início ao cosmo.7

2.1. A cosmogonia encontrada na cultura grega


O mito cosmogônico grego foi pontuado na obra Teogonia de Hesiodo. Ela revela
que a criação do mundo se deu a partir de quatro forças denominadas, Caos, Geia, Tártaro
e Eros. Geia, sozinha, gerou Uranos, Montes e Pontos. Da união de Uranos e Geia
nasceram criaturas mitológicas, monstros que personificavam a fúria e a força bruta da
natureza. Ainda desta união surgem os Titãs e, da união de dois deles, Chronos e Reia,
nasceram os deuses mais conhecidos do Panteão Helênico, dos quais, Zeus, é o principal
por ser o rei harmônico e equilibrador do cosmos. Os homens, segundo o mito
cosmogônico grego, foram criados e protegidos pelo Titã Prometeu.
A cultura grega foi de suma importância na construção do cultura romana, a
começar pelo estabelecimento de alguns de seus mitos, essenciais na religiosidade
romana.
No próximo capítulo iremos levantar o mito cosmogônico da cultura romana sob
a visão do poeta Ovídio em sua obra, Metamorfoses. Presenciaremos semelhanças e
distinções entre a religiosidade de ambas as culturas, grega e romana, por meio dos mitos.

3. O MITO DA CRIAÇÃO DO MUNDO POR OVÍDIO

Os mitos romanos se deram, tanto por meio da própria tradição latina, quanto pela
assimilação da cultura romana com as mais diversas culturas dos povos subjugados por
ela no decorrer das conquistas territoriais. Todavia, a cultura grega se estabeleceu de
forma vigorosa na religiosidade do povo romano. Como consequência desse
estabelecimento, podemos ver a presença constante dos deuses romanos, cujas
semelhanças são, inegavelmente, iguais ou parecidas as dos deuses gregos. O mito
cosmogônico, por exemplo, se assemelha muito ao àquele levantado pela cultura grega.

7 Os dados que tratam acerca das culturas chinesa, mesopotâmica e hindu foram extraídos do
artigo, Mitos - suas origens e sua importância para o homem contemporâneo.
O mito passou a ter espaço na literatura romana e o presenciamos, de forma mais
ativa, no período áureo ou clássico de Roma (século I a.C ao início do século I d. C.)
através das literatura e arte.
Neste período de ouro de Roma muitos poetas romanos passaram a revelar os
mitos em seus poemas e, dentre estes poetas destacaremos Ovídio e sua obra,
Metamorfoses (ano 8 d. C.)
As Metamorfoses de Ovídio traz inúmeros mitos e, dentre eles, podemos pontuar
o mito da criação do mundo, questão do nosso trabalho.
Em ambos os mitos cosmogônicos, grego e romano, há a presença de uma força
primordial denominada, Caos, força incomensurável geradora de outras forças que deram
início a tudo e, Ovídio, em sua obra, Metamorfoses, exibe tais acontecimentos.
3.1. Caos: a desordem
No início do Livro I das Metarmorfoses, Ovídio evoca os deuses para que esses
tragam ao seu espírito a realidade obscurecida da origem do mundo.
In nova fert animus mutatas dicere formas
corpora; di, coeptis (nam vos mutastis et illas)
adspirate meis primaque ab origine mundi
ad mea perpetuum deducite tempora carmen! (vs. 1 ao 4).
O espírito (me) leva dizer formas mudadas em novos
corpos.
Deuses, soprai as primeiras coisas para meus planos (se de
fato vós mudastes também aquelas (coisas)) e guiai (vós)
(para mim) o canto perpetuo da origem do mundo para os
meus tempos. (Tradução operacional).
No verso 5, começa a narrativa da cosmogonia. Ovídio pontua que, antes que
existisse qualquer outra forma de vida, havia uma força chamada Caos.
Ante mare et terras et quod tegit omnia caelum 5
unus erat toto naturae vultus in orbe,
quem dixere chaos: rudis indigestaque moles
nec quicquam nisi pondus iners congestaque eodem
non bene iunctarum discordia semina rerum. (vs. 5 ao 9).
Antes do mar, das terras e do céu, que cobre todas as coisas,
o aspecto da natureza era um só em todo o mundo, que
chamavam Caos: massa rude e confusa, nenhuma coisa
(existia) senão o peso inerte e sementes ajuntadas de coisas
não bem unidas pela discórdia. (Tradução operacional)

Esta força denominada Caos é a própria personificação da desordem.


Deformidade, discordância, instabilidade dos elementos. Os astros celestes
personificados pelos deuses, um Titâ (possivelmente Hélio, deus Sol, filho do titã,
Hipérion) e Febe (a Lua, Diana irmã de Febo), a força gravitacional, os limites entre os
mares e as porções de terra, nada existia senão a discordância entre sedimentos inertes.
Forças se opunham a outras forças, oposições dos extremos configuravam o
reinado de Caos.
nullus adhuc mundo praebebat lumina Titan, 10 nec nova crescendo
reparabat cornua Phoebe, nec circumfuso pendebat in aere tellus
ponderibus librata suis, nec bracchia longo
margine terrarum porrexerat Amphitrite; utque erat et tellus illic et
pontus et era, 15 sic erat instabilis tellus, innabilis unda, lucis egens aer;
nulli sua forma manebat, obstabatque aliis aliud, quia corpore in uno
frigida pugnabant calidis, umentia siccis, mollia cum duris, sine
pondere, habentia pondus. (vs. 10 ao 20).
Ainda nenhum Titã extendia luzes pelo mundo, nem Febe, havendo de
ser crescida, reparava os cornos novos, nem a Terra, tendo sido
equilibrada por seus pesos, estava suspensa pelo ar em volta, nem
Anfitrite estendeu os braços pela longa margem das terras. E como ali
havia terra, o alto mar e o ar, assim a terra era instável, o mar inavegável,
o ar desprovido de luz. Sua forma de nada permanecia e uma coisa
impedia outras (coisas) porque, em um só corpo, as (coisas) frias
lutavam com as (coisas) quentes, as (coisas) úmidas com as (coisas)
secas, as (coisas) moles com as (coisas) duras, a gravidade com as
(coisas) existentes sem gravidade. (Tradução operacional).

3.2. O “deus” e a “ melior natura”: a ordem


Logo após a descrição de Caos e todo o vestígio de desequilíbrio cósmico deixado
por ele, Ovídio encabeça a separação dos elementos, o início da ordem cósmica que vai
do verso 21 ao 75. Nesta trajetória podemos presenciar novas forças que têm o objetivo
inicial de direcionar e separar os elementos da natureza, o “deus”, (força masculina),
indenominável, chamado, apenas, de “fabricator mundi” e sua auxiliadora, a “ melior
natura” (a natureza favorável ou a melhor natureza), (a força feminina).
Ambas as forças foram, de acordo com Ovídio, essenciais para a ordenação, o
equilíbrio do cosmos. Elas são as organizadoras de todo o tumulto deixado por Caos,
“diremit hanc litem” (v. 21).
Hanc deus et melior litem natura diremit. Nam caelo terras et terris
abscidit undas et liquidum spisso secrevit ab aere caelum. quae
postquam evolvit caecoque exemit acervo,
dissociata locis concordi pace ligavit: 25 ignea convexi vis et sine
pondere caeli emicuit summaque locum sibi fecit in arce;
proximus est aer illi levitate locoque; densior his tellus elementaque
grandia traxit et pressa est gravitate sua; circumfluus umor 30 ultima
possedit solidumque coercuit orbem. (vs. 21 ao 31).
O deus e a natureza favorável dividiu este litígio. De fato, separou as
terras do céu e (separou) as águas das terras, o céu límpido distinguiu
do ar espesso. Depois que revolveu aquelas (coisas) tirou- (as) do
montão obscuro e ligou as (coisas) separadas do lugar pela paz
concorde. Também a força ígnea e sem peso do céu convexo explodiu
e fez lugar para si nos altos cumes. O ar é próximo daquela em razão da
leveza e do lugar. A terra, mais densa do que estas (coisas), puxou os
elementos grandiosos e foi imprensada por sua (própria) gravidade. O
líquido, espalhado em volta, possuiu as extremidades e conteve a região
sólida. (Tradução operacional).

Todavia, Ovídio, logo após os versos acima, destaca o “deus” ( v. 32), agora
sozinho, trabalhando em favor da ordem cósmica. Esta força se opõe a vontade de Caos.
Denominado, “quisquis fuit ille deorum”, (quem quer que fosse dos deuses) e, como já
mencionado, “ fabricator mundi”, ( criador do mundo), o “deus” tece a criação nos versos
32 ao 75. Aglomera a terra, formando, assim, o globo terrestre. Estendeu os mares,
formou, por meio dos ventos, os rios, os pântanos e todos os olhos d’água. Fez surgir as
montanhas e os vales, florestou a paisagem e dividiu o clima. Nomeou os ventos e lhes
deu liberdade para evolarem sobre a terra sem impedimento. Os astros celestes passaram
a ferver e iluminar a terra e o céu, saindo da escuridão eterna, ocupando, juntamente com
os deuses, as regiões infindas do céu. Os animais obtiveram suas moradas nos mares e na
terra. Tudo floresce e têm suas forças impulsionadas para a vida através deste “frabricator
mundi”.
Podemos presenciar algo bastante relevante quanto à influência de Caos, do
“deus” e da “melior Natura”(esta sendo instrumento facilitador para a ação do “deus”).
Ovídio mostra que a desordem e a inércia que rodeava o reinado de Caos, foi algo que
existiu, contudo, não poderia retornar e isso é pontuado através dos verbos de ação que
se encontram sempre no passado. (praebebat, reparabat, pendebat, porrexerat, erat,
manebat, obstabat, pugnabant – estendia, restabelecia, pendurava, estendia, era,
permanecia, incomodava, lutavam). Já, quando a ordem passa a ser estabelecida pelo
“deus”, com ajuda da “ melior natura”, Ovídio levanta ações no perfectum (ações
acabadas), revelando ao leitor e estudioso da obra que a ordem veio e se estabeleceu,
reinante, sem a possibilidade de um retorno à desordem. O “deus” cria e tudo o que fora
criado por ele é eterno e perfeito. Os verbos de ação tanto do “deus” quanto do movimento
dos elementos criados por ele, com ajuda da “melior natura” são: diremit, absidit, secrevit,
evoluit, exemit, ligavit, emicuit, fecit, traxit, possedit, coercuit, fuit, secuit, coegit,
glomerauit, iussit, addidit, cinxit, distinxit, locauit, dedit, permisit, recessit, invasit
imposuit, dissaepserat, coeperunt, cesserunt, cepit. (dividiu, separou, distinguiu,
desdobrou, tirou, ligou, explodiu, fez, puxou, ocupou, conteu, foi, recordou, juntou,
aglomerou, ordenou, acrescentou, cingiu, distinguiu, estabeleceu, deu, permitiu, retirou
avançou, colocou, dividira, começaram, cederam, recebeu).
4. CONCLUSÃO

Embora cada cultura possua sua própria identidade religiosa, existem pontos que
se assemelham entre elas, e, um desses, é, sem dúvida, a figuração da cosmogonia. Uma
força primordial, geradora de duas outras forças, uma ativa, (masculina) e outra passiva
(feminina), essenciais ao desenvolvimento da vida humana, dá início ao que muitas
culturas entendem por criação do mundo e, a cultura romana, não ficou fora deste mesmo
pensamento religioso.
De acordo com As Metamorfoses de Ovídio, grande obra do século I d. C., que
detalha a transformação ou, podemos assim dizer, a evolução de diversos mitos, a religião
romana acreditava neste percurso de forças que, unidas, geraram a harmonia do cosmos.
Tinha como força primeva, Caos, que, por sua própria natureza, é a discórdia entre os
elementos e a manifestação da desordem. Como força geradora do equilíbrio do cosmos,
se contrapondo ao Caos, existia o “deus” (força masculina) e sua adjutora, a “melior
natura” (força feminina) que, unidas, estabeleciam o equilíbrio da criação e o nascimento
de toda natureza existente.
Desta forma, concluímos que Ovídio trás, em sua obra, As Metarmofoses, pontos
inerentes à essência da criação vistos em diversas culturas do mundo ao levantar forças
sacras geradoras do cosmos em sua obra, através do mito cosmogônico. Percebemos tal
fato, logo após um estudo apurado do texto original da obra ovidiana, ao fazermos um
levantamento dos verbos que estabelecem as ações dos principais personagens da
cosmogonia, ou melhor, daqueles que geraram o início de todas as coisas, o Caos, o
“deus” e a “melior natura”. Durante nosso estudo observamos que muitos dos verbos,
pontuados por Ovídio, possuíam ações criadoras. Estas, quando direcionadas a Caos,
encontravam-se no passado do infectum, mostrando, assim, ações que, de fato, ocorreram,
mas que não poderiam tornar a serem exercidas. Logo após, presenciamos as ações
pontuadas pelo “deus” e a “melior natura”, que evidenciam o perfectum (ação acabada),
revelando que as ações desses últimos são perfeitas, em relação àquelas outras, e
imutáveis.

REFERÊNCIAS
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____________________________________Mitologia grega, Vol I. Diagramação Daniel
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FARIA, Ernesto. Dicionário escolar latino-português. 4° ed. Artes gráficas Gomes de


Souza S.A., Campanha Nacional de Material de Ensino, 1967.

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Concepção gráfica: Fluir Perene. Apoio: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da
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OVÍDIO. Metamorphoses. Ed. Bilíngue. Tradução, introdução e notas de Domingos Lucas
Dias. Apresentação de João Angelo Oliva Neto – São Paulo: Editora 34, 2017 (1° edição)

SKOLIMOSKI, Kellen N; ZANETIC, João. Mitos de Criação: modelos cosmogônicos de


diferentes povos e suas semelhanças. In: II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia
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SOUSA, Eudoro de, 1911 – História e mito. Cadernos da UnB. Asa Norte Brasília- DF:
Editora Universidade de Brasília, 1981.
A CULTURA INDÍGENA E SUA MANUTENÇÃO: A INFLUÊNCIA
DA GLOBALIZAÇÃO NAS TRANSFORMAÇÕES
SOCIOCULTURAIS DOS FULNI-Ô, DA CIDADE DE ÁGUAS
BELAS – PE

Ana Patrícia Reis Da Silvai Rafael de Oliveira Rodrigues

O principal objetivo deste trabalho é analisar o modo como elementos culturais dos povos indígenas da
etnia Fulni-ô, residentes na cidade de Águas Belas, Pernambuco, são produzidos como objetos de
consumo para turistas e visitantes, seguindo a lógica do mundo globalizado. Para o alcance do objetivo
proposto, foi realizada pesquisa bibliográfica, com enfoque na história da etnia, além de uma visita in
loco, para realização de entrevistas semiestruturadas. Os resultados preliminares permitiram observar
que os índios Fulni-ô são um ótimo exemplo para refletir a produção de elementos culturais e identitários
em objetos de consumo, articulando categorias como local e global, para divulgar elementos da sua
cultura, ao mesmo tempo em que promovem desenvolvimento socioeconômico da etnia.

Palavras-chave: Povos indígenas Fulni-ô; Águas Belas/PE; Cultura; Globalização.

Introdução

Na sociedade contemporânea, a instantaneidade entre relações e trocas de informações acelerou


ainda mais o processo de interação entre culturas distintas, além de potencializar as práticas de consumo.
Com isso se percebe culturas tradicionais abaladas de um lado, e o consumo de bens simbólicos gerados
pelo impacto da globalização de outro.
Neste sentido, o conceito de Economia da Cultura são implantados como formas de auxílio nesse
estudo, pois trazem as ferramentas que se relacionam com o que se pretende analisar, onde tomamos
como exemplo a etnia Fulni-ô, da cidade de Águas Belas-PE, Agreste de Pernambuco.
Este grupo étnico, por sua vez, luta pela manutenção de sua cultura diante do acelerado processo
de modernização e tecnologias, em que, cada vez mais, a proximidade com outros costumes de etnias
diferentes das deles, influenciam nas suas práticas diárias. O estudo analisa, portanto, os aspectos
positivos e negativos relacionados à produção de elementos da cultura indígena como bens de consumo.
Dessa forma, é importante ressaltar que os povos indígenas Fulni-ô, assim como outras tribos do
Nordeste, fizeram parte do processo de tentativa de “aculturação”, onde a ideia que se tinha era de que
os índios ao entrar em contato, mesmo que pouco, com os “brancos”, perderiam logo seus costumes e
iriam se tornar “civilizados” (GALVÃO,1979).
Vários questionamentos são feitos referente à identidade ética dos índios Fulni-ô devido ao fato
deles viverem tão próximo da cidade de Águas Belas, no entanto, o que se pode afirma é que não se
define um grupo étnico à partir de noção de raça, ou sangue.
Os indígenas que se definem de forma pública como índios, assim, são considerados por direito
como indígenas, pois é estabelecida uma identidade diferenciada, quebrando o preconceito em relação
aos índios do Nordeste, que por sua vez não são menos indígenas que os da Amazônia.
Fredrik Barth disseminou essa ideia que percorre no campo étnico e levantava a bandeira
argumentando:

Apenas os fatores socialmente relevantes tornam-se próprios para diagnosticar a


pertença, e não as diferenças “objetivas” manifestas que são gerados por outros
fatores. Pouco importa quão dessemelhante possam ser os seus membros em seus
comportamentos manifestos – se eles dizem que são A, em posição a outra categoria
B da mesma ordem, eles estão querendo ser tratados e querem ver seus próprios
comportamentos serem interpretados e julgados como de As e não de Bs ( BARTH,
1998: 195).

Nesse sentido, é importante considerar as questões simbólicas que compõem seus traços culturais,
por serem parte de fatos que afirmam sua identidade quanto indígenas, esses elementos ajudam na
relação de portabilidade de uma identidade específica.
De acordo com Barth (1998) ainda, a forma de organização social de um grupo étnico depende
das fronteiras que se estabelecem com a manutenção provinda dos índios e não índios.
Seguindo essa linha de pensamento, se percebe que em meio às mudanças decorrentes do mundo
capitalista e globalizado, é impossível um grupo étnico manter sua cultura e costumes de forma original,
pois o processo cultural vive em evolução e modernização. A cultura está sempre se dinamizando e se
transformando.
Sendo assim, os grupos étnicos devem aparecer como organização social que se adapta as
mudanças, assim como afirma Cunha:

Um mesmo grupo étnico exibirá traços culturais diferentes, conforme a situação


ecológica e social em que se encontra adaptando-se às condições naturais e às
oportunidades sociais que provêm da interação com outros grupos sem, no entanto,
perder com isso sua identidade própria (1986: 115).

É desta forma que a Economia da Cultura entra como agente, dando suporte conceitual para as
formas que os índios Fulni-ô encontraram de inovar seus métodos em relação às atividades econômicas
adaptando para práticas comerciais semelhantes as da cidade, mas com sua particularidade de indígena,
que se manifesta através de seus costumes culturais.
Nesse sentido, assim como os demais grupos que experienciam o mundo capitalista e globalizado,
têm adotado estratégias de sobrevivência para adquirir recursos que viabilizem sua sustentabilidade
financeira.
Os índios Fulni-ô, nesse cenário, se tornam um referente empírico ideal para refletir o modo como
os povos indígenas tem se apropriado das categorias capitalistas e produzido elementos de sua cultura
como bens de consumo para potenciais consumidores.

Fundamentação Teórica
Ao longo dos anos os povos indígenas do Brasil têm passado por um contínuo
processo de dizimação de sua cultural. Como marco deste processo, Pacheco de Oliveira
(1994) observa que temos as reformas pombalinas, em que instituição políticas e práticas
sistemáticas de assimilação foram implementadas pelo estado com o intuído de agregar
os povos indígenas à lógica de mercado europeia de finais do século XVIII.

No século XIX, com o final da escravidão, este processo foi intensificado através
das políticas eugenistas, as quais tinham como principal objetivo, além de promover uma
maior assimilação da população indígena e afrodescendente, purificar o povo brasileiro.
Como marco deste período, foram implementadas uma série de estratégias de e incentivos
à vinda de trabalhadores europeus, brancos, com a finalidade de dirimir a mestiçagem e
formar uma raça pura. Nesse momento histórico acreditava-se que a mistura de raça era
o principal entrave ao desenvolvimento social e econômico do país (LARAIA, 2001).

Dessa forma, os povos indígenas entraram o século XX como “cobaias” de um processo


civilizatório caracterizado por uma grande violência física e simbólica, tendo como objetivo
agregá-los a lógica de mercado, através da destruição dos seus principais elementos culturais:
festividades, artesanato, religiosidade, rituais.

Cabe destacar que este processo foi mais forte no Nordeste do país, uma vez que
geograficamente ele foi colonizado primeiro, o que não quer dizer que ele não tenha sido tão
violento quanto para com os povos indígenas do Norte do País.
No que se refere mais especificamente aos Fulni-ô, eles foram durante muito tempo considerado
pelos estudiosos como os últimos remanescentes dos históricos índios Karirí, cujo hábitat abarcava todo
o Nordeste do Brasil (BOUDIN, 1949).
No entanto, depois de análises linguísticas, concluiu-se que não havia uma relação direta entre os
dois grupos. O que se sabe é que, de acordo com registros da Informação Geral da Capitania de
Pernambuco (1906), eles eram cerca de 323 pessoas que pertenciam a grupo indígena em meados de
1749. E que já nos anos de 1937 o grupo havia crescido consideravelmente.
Atualmente os povos indígenas da etnia Fulni-ô estão localizados na cidade de Águas Belas,
agreste de Pernambuco, com 40.235 mil habitantes, sendo aproximadamente 4.689 indígenas (IBGE,
2018), e são o único povo indígena do Nordeste a falar sua língua matriz. Não se tem uma data exata de
quando a tribo foi aldeada8, como também existe a possibilidade de que os mesmos tenham obtidos
elementos de outras tribos anteriores que possivelmente deram origem ao seu povo.

8
Se organizar sob forma de aldeia.
A religião é para eles um assunto bem delicado, pois apesar da presença de igreja católica na praça
central da aldeia, muitos dos indígenas Fulni-ô se consideram apenas índios quando lhes perguntam
sobre suas religiões. Esse é um aspecto bem nítido de como esse grupo se adaptou diante do que lhe foi
imposto pelas culturas distintas as deles.
É apenas a partir da Constituição de 1988 que este cenário começa a mudar e os povos indígenas
começam a ganhar direito à voz, tendo como base uma série de direitos garantidos, como direito a terra,
a educação e saúde (PACHECO DE OLIVEIRA, 1994). Todavia, a grande violência simbólica sofrida
ao longo da colonização ainda trazia uma vergonha para que eles buscassem o reconhecimento como
índio, especialmente os povos indígenas do Nordeste.

Este quadro começa a se modificar a partir da década de 1990. Pacheco de Oliveira


(1994) observa que, neste período, teve início um movimento conhecido como etnogênese,
processo através do qual os povos indígenas, especialmente os do Nordeste, começaram a se
reafirmar enquanto índios, exaltando sua identidade através de elementos da sua cultura.

Diante disso os índios Fulni-ô, de Águas Belas, são um grupo interessante para refletir
as transformações culturais e as estratégias de reafirmação identitária no mundo globalizado,
marcado como observa Hall (2014) pelo estreitamento das fronteiras geográficas e culturais,
aliados em novos processos de comunicação, e mais ainda: de assimilação da lógica capitalista
do mundo globalizado.

Atualmente os Fulni-ô se dividem entre a cidade de Águas Belas e a aldeia onde eles
praticam seu principal ritual, o Ouricuri. Ao longo dos anos eles sobreviveram a sua série de
tentativas de apagar sua cultura, mas conseguiram se manter como único grupo indígena do
Nordeste a falar sua língua materna, além dos seus principais rituais, os quais envolvem
isolamento da cidade na aldeia vizinha ao município.

Ao longo dos anos eles têm enfrentado um violento processo de assimilação, e mesmo
tendo o seus direitos e identidade reconhecidos pela constituição, ainda não tem suas terras
demarcadas. O principal entrave é a deslegitimação de alguns segmentos sociais em reconhecê-
los como índios, utilizando a justificativa de que eles já estão há muito tempo convivendo com
os povos ditos brancos, o que faz com que eles não sejam reconhecidos de um todo como povos
indígenas.
Numa estratégia para se reafirmar como povo indígena, mesmo tendo assimilado uma
série de elementos culturais no mundo globalizado, eles têm divulgado uma série de elementos
da sua cultura, utilizado a mesma lógica de produção cultural na atualidade. Em outras palavras,
uma vez que a cultura no mundo globalizado se torna uma mercadoria, a qual passa por um
processo de produção, distribuição, circulação e consumo (HALL, 2014), eles têm utilizado
alguns elementos de sua cultura, como artesanato, rituais, como forma de divulgar sua cultura
e reafirmar sua identidade indígena.

Dessa forma, se percebe que ao longo de sua trajetória em busca da legitimação de sua
identidade étnica, os Fulni-ô tentam “superar as pressões mantendo sua língua própria e seus
segredos e assiduidade em sua prática religiosa, economicamente praticam uma gama de
atividades que os integram às economias locais, regionais e até mesmo nacionais” (Campos,
2006, p. 62).

Com a dificuldade climática enfrentada para práticas agrícolas na região e mesmo sem
dados que comprovem qual o tipo de economia era praticada pelos Fulni-ô, Campos destaca
que ela, provavelmente, era baseada na agricultura que permanece hoje ainda ativa entre alguns
indígenas.

“A economia Fulni-ô é marcada por uma variedade de atividades, que podem


ser compreendidas como estratégia de sobrevivência a um ambiente que
oferece poucas opções de criação de renda, em razão das pressões sociais e
ambientais a que são submetidos.” (CAMPOS, 2006, p. 62)

Com isso, as atividades econômicas que são praticadas se diversificam tanto no âmbito
cultural, como em outras atividades, as quais, por sua vez, são consequentemente resultado do
contato com não índios. Estas discussões se inserem na temática da Economia da Cultura, a
qual trata o simbolismo cultural de uma determinada sociedade, como a ampliação das relações
sociais de maneira a utilizar de ferramentas da economia que ajudam a analisar a importância
que tem a cultura como geradora de emprego e renda.

Análise dos dados

A participação da vida dos índios com eventos exteriores aos da tribo é significante, uma vez
que a aldeia é considerada um bairro da cidade. Existem membros da tribo que trabalham na cidade com
funcionalismo público e privado, assim como existem comerciantes indígenas, jovens que estudam nas
escolas municipais e estaduais fora do aldeamento, políticos como vereadores, além do futebol
atividades em que os índios são bastantes presentes em relação à interação entre índios e não índios.
As atividades econômicas em uma ordem decrescente, sendo a agricultura a primeira e em
seguida vem o artesanato que é bastante predominante na tribo e, por sua vez, é importado para vários
lugares do Brasil. Além disso, há também os empregos e trabalhos que são exercidos pelos índios na
cidade de Águas Belas e em outras cidades da região. Outra forma de renda é o arrendamento de terra
que são recolhidos anualmente e, por fim, existem as apresentações de danças que têm crescido muito
nos últimos anos (FERREIRA, 1996).
De acordo com as observações obtidas por Campos (2006, p. 64), “no caso dos Fulni-ô, as únicas
atividades exclusivamente indígenas são a produção de artesanato e a apresentação indígena, enquanto
todas as outras também são exercidas pela população regional não indígena”.
Periodicamente muitos índios viajam para cidades grandes para a venda de artesanato e para fazer
apresentações de dança, passando aproximadamente um mês viajando fazendo esse tipo de atividades.
Essa é uma das formas mais comuns de renda dos Fulni-ô, assim como a maneira que buscaram de
divulgar sua cultura e se manterem dentro do que o mundo globalizado exige.
Essas atividades são bastante discutidas na cidade. As discussões giram em torno de elas são uma
prova de que os Fulni-ô estão perdendo sua cultura em meio a tantas tecnologias, e apropriações de
atividades tidas no senso comum como maciçamente executadas por povos “brancos”. Sobre este ponto,
é importante destacar que

Qualquer grupo social humano elabora e constitui um universo completo de


conhecimentos integrados, com fortes ligações com o meio em que vive e se
desenvolve. Entendendo cultura como o conjunto de pessoas de uma determinada
sociedade humana dá às experiências por ela vividas e aos desafios que encontra ao
longo do tempo, percebe-se o quanto as diferentes culturas são dinâmicas e estão em
contínuo processo de transformação. No entanto, é importante frisar as variadas
culturas das sociedades indígenas modificam-se constantemente e reelaboram-se com
o passar do tempo, como a cultura de qualquer outra sociedade humana. (FUNAI,
2013).

Como os demais grupos étnicos no mundo globalizado, esta etnia reformulou sua maneira de
fazer comércio sem deixar de lado seus costumes, isso mantem a ideia de que existem pontos tanto
positivos quanto negativos, no entanto, nenhum deve ser tomado como total verdade absoluta do que
realmente gerou esse processo agregação de lógicas nas suas trocas com os demais grupos sociais.

Alguns teóricos culturais argumentam que a tendência em direção a uma maior


interdependência global está levando ao colapso de todas as identidades culturais
fortes e está produzindo àquela fragmentação de códigos culturais, aquela
multiplicidade de estilos, aquela ênfase no efêmero, no flutuante, no impenetrante e
na diferença e no pluralismo cultural. (HALL, 1999, p.73).
O que se sabe é que a identidade dos indígenas Fulni-ô é preservada mesmo como que impõe a
modernidade atual. Isso é afirmado de forma conceitual à existência da economia da cultura obtida com
alternativa de adaptação da tribo.
Mesmo em meio às dificuldades obtidas pelos índios de forma geral, em manterem sua cultura
viva, especificamente a tribo Fulni-ô da cidade de Águas Belas- PE, os indígenas utilizam mecanismos
da economia da cultura como forma de manter e mostrar sua cultura e costumes, sabendo que essa seria
uma forma de sobreviver ao mundo globalizado, buscando uma via estratégica para sair da tutela do
Governo Federal (FUNAI) na geração de renda e gerenciamento de seus recursos.
Os povos indígenas Fulni-ô são conhecidos como a tribo que mantém sua identidade própria, e
que apresenta uma forte manutenção de elementos centrais da sua cultural quando comparado a outras
tribos do Nordeste que perderam quase que por completo, seus costumes e língua.
Os mecanismos utilizados se tratam de ferramentas da Economia da Cultura que ajudam na
produção de bens culturais como objetos de consumo. Temos como exemplo disso os bens tangíveis e
intangíveis da produção cultural, canais de circulação, tecnologia e a produção. Os Fulni-ô utilizam tais
ferramentas quando empregam sua cultura a esses mecanismos em troca de obtenção de renda.

Estes autores somados aos estudiosos da economia cultural (VALIATI, 2015; SCOTT,
1999) conceitua a analise de como os elementos culturais dos Fulni-ô são transformados em
mercadorias, tendo como principais agentes deste processo eles próprios, contribuindo para
divulgar a cultura indígena, ao mesmo tempo em que garantem renda para a população indígena.

Metodologia

A metodologia de analise foi desenvolvida a partir de uma abordagem qualitativa, exploratória


e de forma descritiva. Para o alcance dos objetivos propostos a metodologia foi dividida em três fases.

I. Pesquisa bibliográfica da trajetória dos índios do nordeste com enfoque na história dos Fulni-ô.
II. Observação participante na aldeia Fulni-ô, na cidade de Águas Belas/PE, com o objetivo de
analisar e discutir quais elementos da cultura da tribo são utilizados como forma de divulgação
de sua identidade.
III. Verificação da relação da tribo com o conceito de Economia da Cultura.

Conclusão

Diante de tudo que foi levantado, foi possível perceber que os Fulni-ô de Águas belas
adotam a estratégia de transformar sua cultura em um bem de consumo através de elementos como
o artesanato, ou exibição pública de seus rituais em forma de dança, para reafirmar sua identidade
cultural frente ao Estado, e também para conseguir se manter nestes contextos, em que as
fronteiras locais e globais se inter-relacionam na busca da compreensão do grau de importância
de se ter como estratégica a adaptação quando ocorre interação social entre culturas diferentes.
Com a estratégia de sobrevivência e manutenção de sua cultura, os Fulni-ô criaram o
mecanismo de venda de sua arte e sua produção cultural para se afirmarem como índios, mesmo
sendo híbridos.

Referências bibliográficas

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FENART, J. (Orgs.) Teoria da Etnicidade. Trad. Elcio Fernandes. São Paulo: Ed. Unesp, 1998, pp. 185-
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MELO, Mário. Os Carnijós de Águas Belas. Rev. do Museu Paulista, São Paulo : Museu Paulista, v. 16,
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PACHECO DE OLIVEIRA, João. A Viagem da Volta: Reelaboração Cultural e Horizonte Político dos
Povos Indígenas do Nordeste. In: Atlas das Terras Indígenas/Nordeste. Rio de Janeiro: PETI/ Museu
Nacional/UFRJ. 1994, pp. V-VIII
A EDUCAÇÃO E SEUS DEBATES ATUAIS: O QUE QUEREMOS
NO ENSINO RELIGIOSO?

Mirinalda Alves Rodrigues dos Santos9

RESUMO: No contexto atual que estamos inseridos discutir e promover a reflexão acerca
de questões de diversidade cultural religiosa se faz necessária ao combate de preconceitos
e discriminações dentro do âmbito escolar no que se refere às religiões, inclusive as
consideradas religiões “minoritárias”, ou seja, as que não são cristãs. É nessa perspectiva,
que esse artigo tem como objetivo refletir e perceber Ensino Religioso como componente
curricular que possa contribuir para o combate a intolerância religiosa nas escolas, bem
como promover nos educandos o respeito, a valorização, o reconhecimento de si e com o
outro e a cultura de paz. Metodologicamente esse estudo é bibliográfico com
delineamento explicativo de concepções que fazem refletir sobre as questões da
importância do diálogo inter-religioso nas propostas pedagógicas para potencializar o
processo de ensino e aprendizagem. Concluímos, portanto, que é de responsabilidade do
Ensino Religioso enquanto componente curricular reconhecido atualmente na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) na área das Ciências Humanas, superar cada vez
mais as lacunas enfrentadas nas escolas em uma perspectiva não confessional e não
prosélita, em que suas práticas metodológicas e pedagógicas possam incluir temas
emergentes que precisam ser debatidas de acordo com as mudanças e diversidades
religiosas que encontramos no contexto escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Diversidade cultural. Religião. Educação.

INTRODUÇÃO

No contexto atual que estamos inseridos muito se tem refletido acerca da


intolerância religiosa nas escolas, principalmente em um viés que diz respeito às relações
estabelecidas em relação ao professor e ao aluno que aponta ao preconceito inclusive
acercadas a religiões afro-brasileiras. Nesse sentido, como as escolas públicas se
configuram cotidianamente diante desse cenário? Diante de tal questionamento, nos
reportamos a pensar nas ações pedagógicas das escolas e, é através do currículo no qual
consideramos o pilaste das escolas públicas e que muitas vezes o deixamos de lado e não
dando tanta importância quando pensamos em ações educativas para o combate a
intolerância religiosa nas escolas.

9
Doutoranda e Mestra em Ciências das Religiões na linha de pesquisa: Educação e Religião pela
Universidade Federal da Paraíba/ UFPB. Graduada em Pedagogia pela mesma instituição. Email:
<mirirodrigues2@gmail.com>
É nesse sentido que esse estudo se robora, por dar esse olhar de significância para
o currículo em prol ao combate de atos de proselitismo, negação do outro e intolerância
quando tratamos de questões de religiões presentes no campo educacional. esse estudo
faz abordagens bibliográficas com interlocuções com autores que dialogam com as
questões de currículo como, Silva (1999 - 2007); Sacristán (1995) entre outros
referenciais. Para as discussões do Ensino Religioso em que partimos das concepções de
Passos (2007); Soares (2015), entre outros autores.
As reflexões desse trabalho estão divididas em dois seguimentos nas quais
faremos primeiramente uma abordagem acerca da formação dos professores que lecionam
a disciplina Ensino Religioso, apontando questões relevantes que podem contribuir para
pensar na formação inicial e continuada dos mesmos. Em seguida entraremos nos debates
acerca do currículo escolar em uma perspectiva de buscar meios - caminhos em aspectos
metodológicos e pedagógicos que possam contribuir para um Ensino Religioso não
confessional, não prosélito e que promova o respeito à diversidade cultural religiosa.

2. O Ensino Religioso e seus desafios no campo do currículo escolar

Discutir o currículo para o Ensino Religioso é um debate necessário e atual, uma


vez que esse ensino foi retirado na terceira versão da Base Nacional Comum Curricular/
BNCC, contido, nas versões anteriores dessa Base o Ensino Religioso era previsto como
componente curricular na área das Ciências Humanas. Contudo, é garantido esse ensino
na Constituição Federal de 1988, bem como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação/
LDB, neste caso, as escolas públicas devem continuar ofertando obrigatoriamente e
matrícula facultativa esse ensino.
Compreendemos que esse ensino há muitas lacunas a serem sanadas no que diz
respeito à formação de professores (como já foi exposto acima) e em relação a materiais
didáticos, seja por falta dos mesmos ou até mesmo pela elaboração desses materiais em
que a maioria dos livros didáticos continuam a evidenciar apenas uma religião, em muitos
casos, a religião cristã. Mas, como podemos abordar as outras religiões diante dessa
lacuna? É nesse tocante, que acreditamos que o currículo escolar contribui na formação
humana desse ensino, no qual o respeito seja prioridade nas práticas pedagógicas do
Ensino Religioso. Assim, partimos na perspectiva de Tomaz Tadeu da Silva em relação
ao currículo podemos entender que:
[...]. O currículo tem significados que vão muito além daqueles com os quais
as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território.
O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O
currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja a
nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é
documento de identidade (SILVA, 1999, p. 150).

Em virtude dessa concepção de currículo que problematiza as questões de etnias,


raças e de crenças e não crenças como pode ser restrito as concepções de um Ensino
Religioso pautado no respeito da pluralidade religiosa. O currículo ao qual Silva nos
apresenta, abrange inúmeras formas de construção de conhecimentos e possibilita a
construção de identidades de sujeitos em uma relação de percepção de sociedade – sujeito
- ação, lidando com as particularidades. Partindo desse ponto de vista de currículo o
entendimento de esse ensino ser prosélito está equivocado, uma vez que partimos de uma
perspectiva de manifestação religiosa nas diversas tradições culturais, dessa forma,

É importante considerar as representações mentais dos indivíduos, as ideias


sobre o outro, o entendimento das situações humanas de conflitos, as imagens
que elaboramos de nós mesmo em relação aos outros. E esse é o terreno da
educação. A cultura é algo que caracteriza grupos humanos diferenciados e que
cada indivíduo assimila de forma única (SACRISTÁN, 2012, p. 53).

Diante disso, é preciso que as escolas promovam práticas educativas que


reconheça as diferenças e respeitem as questões culturais e crenças religiosas e também
não religiosas. Para tanto, é preciso que as construções de currículo voltado para esse
ensino caminhem para um Ensino Religioso que não se limitam apenas uma religião, mas
que favoreçam também as outras religiões e também outras formas de crer e não crer. Se
o currículo não estiver aberto para essas questões interfere nas possibilidades de
ressignificação e (re)construção do currículo escolar.
O Currículo não é algo indefinido “o currículo é o núcleo e o espaço central mais
estruturante da função da escola. Por causa disso, é o território mais cercado, mais
normatizado. Mas, também o mais politizado, inovado, ressignificado” (ARROYO, 2011,
p. 13). Podemos assim dizer que ele tem uma dinâmica circularizadora, no qual, envolve
diversas maneiras de ser trabalhada, como forma de organizar um espaço educativo, que
não se limita apenas em um espaço escolar, pelo qual nele estão incluídas as experiências
adquiridas ao longo do tempo, que são planejadas e transformadas em atividades que
possibilitam o processo de ensino e aprendizagem mais significativo, tendo como base as
teorias tradicionais, crítica e pós-crítica. Isso potencializa ainda mais a ampliação e a
organização do conhecimento, neste caso, “O conhecimento dependente do contexto diz
a um indivíduo como fazer coisas específicas. Ele não explica ou generaliza, mas lida
com particularidades” (YOUNG, 2009, p.48). O princípio da teoria do currículo nos
possibilita a refletir e relacionar os conteúdos curriculares às experiências culturais dos
educandos e ao mundo concreto que os cercam, no sentido de valorização e garantia de
privilégios e legitimar atos de opressão a determinados grupos marginalizados frente a
uma sociedade excludente. Conforme Pereira (2009. p.70):

Assumo o currículo como redes de significação permeadas por relações de


poder, e, em constante processo de deslocamento. Esses deslocamentos
tornam-se importantes porque dão significação múltipla a prática social e
cultural nele produzida. Essas práticas mediadas pelo poder produzem uma
dinâmica complexa que se estabelece a partir de negociações.

De acordo com a autora, o currículo aqui proposto nos remete a refletir e


questionar acerca das nossas representações sobre os “outros”, propriamente da nossa
identidade. Assim, permite-nos relacionar às representações que construímos dos
“outros”, daqueles que consideramos “diferentes”. No entanto, considerarmos o outro
como sujeito consciente, que se reconheça como atuante em uma determinada cultura
com valores, crenças e modo de vida diferente, e que ao mesmo tempo se torna
homogênea. Com essa concepção esse sujeito, além de se relacionar com o meio social
de uma forma produtiva, contribuirá para o desenvolvimento de uma identidade
autônoma. Nesse sentido, ainda de acordo com a autora mencionada:

Referindo-me ao currículo como redes de significação do processo cultural de


pertencimento de diferentes grupos sociais, afirmo que ele tem a seu favor a
oportunidade de assumir o poder enquanto uma estratégia significativa de
negociação para produzir mudanças importantes no processo de
reconhecimento e legitimidade do poder dos grupos sociais nas sociedades
multiculturais. [...]Referindo-se ao campo do currículo, Macedo & Pereira
(2007b: 14) defendem “o currículo como espaço-tempo de negociação
agonística de sentidos, ou seja, (…) uma negociação agonística pressupõe a
diferença e a disputa que, ao invés de destruir o outro, lida com uma articulação
provisória da diferença que reconhece a legitimidade da existência do outro”
(PEREIRA, 2009, p.171).

Contudo, podemos afirmar que os sujeitos são efeitos dos discursos, que produz
identidades e diferenças. Desse modo, “[...] o currículo pode ser visto como um discurso
que, ao corporificar as narrativas particulares sobre o indivíduo e a sociedade, nos
constitui como sujeitos – e sujeitos também muito particulares” (SILVA, 2007, p.195).
Assim, historicamente, a escola por meio de seu currículo legitima as identidades
hegemônicas (ocidentais, religiões cristãs, brancas, etc.) que contribuem para posicionar
as não hegemônicas como inferiores: “as culturas ou vozes dos grupos sociais
minoritários e/ou marginalizados que não dispõem de estruturas importantes de poder
costumam ser silenciadas, quando não estereotipadas e deformadas, para anular suas
possibilidades de reação” (SANTOMÉ, 1998, p.161).
Nessa perspectiva, entendemos que o Ensino Religioso é um grande contribuidor
para a formação plena do educando, que visa a sua forma de observar e compreender o
mundo que o cerca. Essa é uma característica importante do Ensino Religioso que é o de
valorizar experiências e saberes dos/as educandos/as, potencializando a formação integral
do ser, para isso requer práticas pedagógicas e postura ética de profissionais que
direcionem suas metodologias, voltadas para a inclusão de componentes curriculares que
contemple as diversidades religiosas sem proselitismo. Conforme Junqueira e Oliveira
(2006, p. 46):

O Ensino Religioso perdeu sua função catequética, pois a escola descobre-se


como instituição autônoma que se rege por seus próprios princípios e objetivos,
na área da cultura, do saber e da educação. A manifestação do pluralismo
religioso é explicitada de forma significativa; não é mais compatível
compreender um corpo no currículo que doutrina, que não conduza a uma visão
ampla do ser humano.

Nesse sentido, “a cultura também está intrinsicamente ligada à educação e ao


currículo [...] por um conjunto de sentidos socialmente criados que permite aos sujeitos
se identificarem uns com os outros” (LOPES e MACEDO 2011, p.184). Por esse
entendimento da relação entre cultura-educação-currículo que nos leva a refletir que ao
contemplar essas relações no currículo do Ensino Religioso possibilita o combate das
representações que compreende esse Ensino ser de caráter tendencioso e suas reproduções
enquanto um ensino que visa apenas a confessionalidade sem nenhuma reflexão crítica a
respeito dessas questões.

3. O Ensino Religioso e seus desafios no campo da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões)

Para descontruir essa visão há uma necessidade de formação inicial do professor


desse componente curricular ser licenciado no curso de Ciência(s) da(s) Religião(ões). O
profissional que não tem essa formação se depara com um grande desafio, pois os mesmos
não conseguem relacionar e distinguir a Teologia com a(s) Ciência(s) da(s) Religião (ões),
consequentemente, afetando nas suas práticas pedagógicas. Assim muitos professores
dessa área acabam cometendo o proselitismo, indo contra as perspectivas do Ensino
Religioso. Dessa forma, essa disciplina requer uma formação sólida e contínua, que haja
reflexões constantes sobre a prática cotidiana, buscando assim, sempre driblar as
implicações e os desafios encontrados acerca desse componente curricular.
De grosso modo, o Ensino Religioso nos remete a uma abordagem pedagógica,
respeitando as diversas crenças religiosas trazidas pelos/as educandos/as. Diante dessa
questão, o Ensino Religioso, enquanto componente curricular obrigatório nas escolas traz
uma reflexão que nos compele a pensar em uma formação integral, diante da
complexidade de ideologias em relação às experiências religiosas que são socialmente e
historicamente construídas. Assim, a escola se depara em um desafio, no sentido de
organizar seu currículo, formar seu corpo docente e discente na perspectiva da totalidade.
Essa por sua vez, leva em consideração às diversidades culturais religiosas.
É nessa perspectiva que o estudo aqui proposto se fortalece, tendo como objeto de
estudo Ensino Religioso e currículo, buscando perceber e entender os sentidos de Ensino
Religioso nos discursos de currículo na área da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões) e quais
concepções e interpretações a área está produzindo acerca dessa questão nos que diz
respeito às relações interculturais propostas pelas políticas de currículo para esse ensino,
a partir das análises do Projeto Pedagógico de Curso, bem como os discursos dos
docentes. Diante disso, inferimos que as percepções de currículo na matriz curricular da
área de Ciência(s) da(s) Religião(ões) em nível de graduação e Pós-graduação Ensino
Religioso precisam se constituirem para interculturalidade, para a diversidade cultural e
para a uma educação de cultura da paz.
Dentro dessa área de ensino, é importante discutir em uma abordagem pós - crítica
de currículo, pois na perspectiva do currículo pós-crítico, podemos entender a
importância que se dá na valorização das identidades e diferenças no multiculturalismo,
conforme Silva (2007, p. 86), o currículo pós-crítico não é “uma hierarquia entre as
culturas”. Nesse contexto o currículo pós-crítico vem sendo compreendido e aplicado na
contemporaneidade que se direciona para a construção do currículo do Ensino Religioso
que ao longo da sua história era conduzido na perspectiva catequista, em que a religião
cristã era ensinada de forma proselitistas, fazendo com que ela fosse valorizada e
consequentimente as religiões consideradas minoritárias, por uma sociedade excludente
cristã, se tornaram descriminadas e ficaram a margem desse ensino, gerando o
preconceito e intolerância a essas religiões excluídas.
É nesse sentido que esse estudo tem sua importância, pois apresenta alternativas
teórico-metodológicas para análise curricular do Ensino Religioso, bem como a
construção de uma perspectiva de consciência crítico-reflexivo, rompendo assim com
certos preconceitos, uma vez que o respeito à diversidade é um ponto central desse ensino.
Tendo em vista que o Ensino Religioso valoriza a multiculturalidade e a interligação
dessas múltiplas culturas, esse estudo busca contribuir para processo de ensino e
aprendizagem do Ensino Religioso.
Falar da formação de professores sempre foi uma questão que requer um olhar
mais aguçado para poder expor e buscar estratégias de melhoria nas práticas aplicadas em
diversos seguimentos da atuação dos mesmos. E falar da formação de professores de
Ensino Religioso é um caminho muito mais complexo e arriscado, em que se deve ter
uma maior cautela acerca das práticas educativas, partindo do pressuposto que o
professor, no ato de educar, “passa” para o educando sua experiência cultural religiosa e
visão de mundo. O professor de E.R sem ter a formação “adequada”, no caso, se a
formação inicial não for graduação no curso de Ciências das Religiões10, apresenta um
grande risco de cometer proselitismo, por isso, há uma necessidade de se ter atenção mais
precisa na formação desses professores. Dessa forma, é preciso “não tratar o ER como
área de conhecimento autônoma, mas antes como a prática do que a Ciência da Religião
produz como conhecimento”. (SOARES, 2015, p. 46).

10
Usando a nomenclatura Ciências das Religiões devido ao curso de graduação na Universidade Federal
da Paraíba (UFPB) e esse estudo diz respeito ao contexto paraibano. Lembrando que a nomenclatura do
curso varia em outros Estados. Ver MIELE, Neide; Possebon, Fabricio. Ciências das religiões: proposta
pluralista na UFPB. Numem. Juiz de Fora, v. 15, p. 403-431.
Por falta da formação adequada, atualmente, nas escolas que temos, ainda sente-
se essa dificuldade em separar a convicção religiosa dos conteúdos a serem abordados no
Ensino Religioso. Difícil pensar nessa separação em nosso contexto social, uma vez que
se apresenta laico na constituição, porém ainda está em processo de transição, pois temos
ainda influências religiosas regendo nosso país. O objetivo do Ensino Religioso é quebrar
esses paradigmas, como podemos observar:

[...] o Ensino Religioso fica posto como um meio de educação da religiosidade


em si mesma, finalidade que permite chegar a uma visão integral do ser
humano e a fundamentar sua atuação ética na história. Em suma, o sujeito ético
pressupõe o sujeito religioso. Esse modelo parece concretizar perfeitamente a
ideia de educação religiosa ou da religiosidade dos sujeitos como uma
necessidade para a formação geral escolar. (PASSOS, 2007, p. 63)

Diante disso, vimos que o Ensino Religioso, na teoria, não tem o seu modelo
curricular influenciado por nenhuma religião, mas infelizmente não é o que acontece nas
escolas. Para que haja uma transformação, é necessária uma formação inicial que seja
sólida e contínua para os professores, para que estejam sempre atualizados diante das
mudanças sociais. O Ensino religioso, nessa perspectiva, é importante e contribui para a
formação plena do aluno com o intuito de capacitar os professores, para que possam atuar
de forma que contemplem todas as manifestações religiosas por meio do conteúdo,
legitimando a autonomia do ensino religioso que abandonou seu caráter confessional.
Nesse sentido, é preciso considerar os saberes e construção de concepção de
religião que os profissionais dessa área devem ter, esse cerne de vivência ao longo da sua
história de vida, provocando uma reflexão sobre o contexto das relações sociais. E
possibilitar uma educação que abarque as dimensões e necessidades de uma sociedade,
no qual a laicidade faz parte do nosso cotidiano, entretendo a questão de um estado laico
para o Ensino Religioso é um grande desafio, devido às várias contradições encontradas
em um Brasil que se diz ser laico, mas tem resquícios de uma nação confessionalista.
Diante do exposto, a pesquisa a qual apresentamos aqui apesar de estar em
andamento podemos concluir a respeito os impactos desse nosso estudo, podemos elencar
que, devido às novas políticas educacionais como Plano Nacional de Educação, as
Diretrizes Curriculares Nacionais, e, contudo devido a retirada do Ensino Religioso
enquanto componente curricular na última versão da Base Nacional Comum Curricular
os cursos de graduações e os programas de pós–graduação devem voltar seu olhar para a
educação básica quando nos referimos ao Ensino Religioso.
Tal problemática justifica-se diante das escolas públicas aparentam não terem sido
configuradas para levar em consideração a diversidade cultural e religiosa, acreditamos
que podemos provocar uma discussão que leve os sujeitos da escola a compreender que
os processos de exclusão e desigualdades passam pelas modificações dos padrões gerais
de funcionamento do espaço educacional.
Nossa pretensão é, portanto, não se limitar e nem finalizar nesse estudo as
discussões do Ensino Religioso e o currículo escolar, apontamos alguns sinais de como
poderemos pensar melhor esse ensino em uma perspectiva de respeito à diversidade
cultural religiosa por meio do currículo escolar. Acreditamos, portanto, que é importante
esse ensino estar em constantes discussões no cenário político nacional e regional, pois
muito se tem a avançar tanto nas legislações e principalmente nas práticas teóricas,
metodológicas e pedagógicas que o envolve.

REFERÊNCIAS

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Histórica e um Componente Curricular Brasileiro: ensino religioso. Disponível em:
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2009, p.37-54.
A FORMAÇÃO DE DOCENTES AO ENSINO RELIGIOSO E A
INSEGURANÇA PEDAGÓGICA NO ENSINO CONFESSIONAL

Andréia Rodrigues da Silva Nunes


IESP-PB11

RESUMO:
Um dos maiores desafios da educação é ensinar o aluno a conviver, ou viver com o outro,
aprender a ser tolerante, conhecer e respeitar as diferenças. Diante da insegurança pedagógica
provocada pela aprovação do ensino confessional no plenário do Supremo Tribunal Federal,
analisaremos criticamente a formação de professores para o ensino religioso nas escolas;
apresentando uma proposta de educação que promova e assegure o pleno exercício da
cidadania, que lhes proporcione uma convivência solidária e respeitosa com toda comunidade
escolar, onde a diversidade cultural se manifeste na pluralidade de identidades que
caracterizam os grupos e as sociedades. A metodologia aplicada será uma investigação
exploratória de caráter analítico qualitativo, por meio da pesquisa bibliográfica em livros e
sites.

PALAVRAS-CHAVE: ensino religioso; ensino confessional; diversidade cultural.

ABSTRACT: One of the greatest challenges of education is to teach the student to live with,
or to live with the other, learn to be tolerant, know and respect the differences. In view of the
pedagogical insecurity caused by the adoption of denominational teaching in the plenary of
the Federal Supreme Court, we will critically analyze the teachers training for religious
teaching in schools; presenting a proposal of education that promotes and ensures the full
exercise of citizenship, which provides them with a solidary and respectful coexistence with
the entire school community, where cultural diversity manifests itself in the plurality of
identities that characterize groups and societies. The applied methodology will be an
exploratory investigation of qualitative analytical character though the bibliographical
research in books and websites.
Keys words: religious education; confessional teaching; cultural diversity

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe a uma reflexão sobre uma educação que gere
desenvolvimento de habilidades que assegurem a produtividade do cidadão para atuar
com valores que lhe proporcione uma convivência solidária na sociedade e como as

11
Graduada em Pedagogia (FAFI), pós-graduada em Psicopedagogia Institucional (URCAMP), pós-
graduada em Supervisão e Orientação Educacional (CINTEP), cursando especialização em Ciências das
Religiões, Diversidade e Ensino Religioso (IESP). andreiarsnunes@gmail.com
políticas educacionais podem contribuir para a solidariedade e a tolerância em toda a
comunidade escolar e grupos sociais, culturais, religiosos e étnicos, onde a diversidade
cultural se manifeste na pluralidade de identidades que caracterizem os grupos e as
sociedades que compõem a humanidade. Para tanto, como metodologia aplicada fazemos
uso da pesquisa bibliográfica, com consulta em livros, sites e resenhas; por tratar-se de
uma investigação exploratória e de caráter analítico qualitativo.
O ensino religioso exige que o professor dialogue com as diferenças, que saiba
conviver com as diferenças e que esteja aberto ao diálogo, respeitando a pluralidade
cultural presente nas escolas. É essencial que ocorra diálogo entre os sujeitos envolvidos
no processo educacional, escola, família, alunos, professores e outros profissionais da
educação.
Nas escolas brasileiras, espera-se um ensino religioso laico na diversidade cultural
religiosa. A escola procura ser lugar de promoção de diálogo e respeito, desenvolvendo
aprendizagens críticas dos conhecimentos espirituais da humanidade. Não ensinando
religião ou religiões, mas levando o aluno a comparar criticamente e interpretar os fatos,
também religiosos e seus contextos históricos. Religião não se ensina na escola, ensina-
se a refletir o fenômeno humano. Todos têm direito ao esclarecimento das crenças.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. O Ensino Religioso na Escola Pública e as Leis Brasileiras

Em 1549, chegam ao Brasil seis jesuítas liderados por Manoel da Nóbrega trazidos
pelo governador geral Tomé de Souza. Funda-se, em Salvador, a primeira escola pública
brasileira, o colégio Companhia de Jesus. Inicialmente, a instituição era destinada aos
indígenas, mas os colonos reivindicaram a escola para seus filhos, passando a ser a escola
exclusiva para eles.
Os jesuítas são expulsos de Portugal em 1759, e a escola pública passa a ser
conduzida por outros setores da Igreja Católica. Com a primeira Constituição Federal em
1824 (Constituição Política do Império do Brazil), a religião do império continua sendo
a Católica Apostólica Romana.
A segunda fase da história do Brasil é marcada pela separação do Estado e
Religião. Em 1890, o presidente Manoel Deodoro da Fonseca consagra a plena liberdade
de cultos. E em 1891, fica estabelecido que todas as religiões podem praticar seus cultos
e suas crenças livremente, e que o ensino ministrado nas escolas públicas seria laico. De
acordo com Holmes (2015, p. 37),

A interculturalidade crítica aponta, pois, para um projeto necessariamente


decolonial. Pretende entender e enfrentar a matriz colonial do poder, que
articulou historicamente a ideia de “raça" como instrumento de classificação e
controle social com o desenvolvimento do capitalismo mundial (moderno,
colonial, eurocêntrico), que se iniciou como parte da constituição histórica da
América.

O Decreto de Getúlio Vargas (1931) estabelece que o ensino religioso seria


facultativo e ministrado de acordo com a confissão religiosa manifestada pelos pais e
responsáveis do aluno. A Constituição de 18 de setembro de 1946 diz: "O ensino religioso
constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será
ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for
capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável."

A primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB 4024/61) propõe em seu artigo 97:

"O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de
matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de
acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz,
ou pelo seu representante legal ou responsável. § 1º A formação de classe para
o ensino religioso independe de número mínimo de alunos. § 2º O registro dos
professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa
respectiva."

Na segunda LDB (5692/71) consta:

"Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação


Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos
estabelecimentos de lº e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no
Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969.

Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá


disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus".

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96), de dezembro de 1996, definia:

"O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários


normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem
ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos
alunos ou por seus responsáveis”.
Somente em julho de 1997, quando passou a vigorar uma nova redação do artigo
33 da LDB 9394/96, assegurando o respeito à diversidade e vedando o proselitismo:

"O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação


básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo".

Com a aprovação pelo Congresso Nacional do Acordo Brasil-Santa Sé, assinado


pelo Executivo em novembro de 2008, o acordo cria novo dispositivo, discordante da
LDB no Artigo 11 em vigor.

"A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade


religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita
a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. §1º.
O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula
facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do
Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem
qualquer forma de discriminação".

Em 27 de setembro de 2017, após quatro sessões de intenso debate, o plenário do


Supremo Tribunal Federal declarou constitucional, o ensino religioso confessional na
rede pública de ensino brasileira. A ministra Cármen Lúcia afirmou que a facultatividade
da matrícula evita qualquer constrangimento aos alunos que não professarem a religião
predominante. “A laicidade do Estado está respeitada e não vejo contrariedade que me
leve a declarar inconstitucional as normas questionadas. A lei questionada não autoriza
proselitismo, catequismo ou imposição de uma religião específica”.
A LDB determina que o ensino religioso nas escolas públicas deve ser oferecido
em caráter optativo. Cabe a cada rede de ensino (estadual ou municipal) a definição dos
conteúdos e os critérios para admissão dos professores. Cada sistema de ensino organiza
o oferecimento do ensino religioso na sua grade horária. Alguns estados fazem parcerias
com igrejas e instituições religiosas para admissão de professores. Outros estados
admitem professores não confessionais, sem serem necessariamente representantes de
alguma religião, optando pelo ensino religioso não confessional.
Espera-se um ensino religioso laico na diversidade cultural religiosa nas escolas
brasileiras. A escola como lugar de promoção de diálogo e respeito, desenvolvendo
aprendizagens críticas dos conhecimentos espirituais da humanidade.
2. Sociedade Pluralista e o Ensino Religioso

Vivemos em uma sociedade plural composta por indivíduos que se diferenciam


entre si, mas se assemelham em essência; nesse contexto é normal que haja diferenças na
convivência do cotidiano escolar. Uma sociedade pluralista é aquela em que convivem
pessoas que têm interesses contrários, mas que reflete a noção de justiça de um povo, e
garante os direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade.
Ainda hoje é tema de permanente discussão o racismo no Brasil, étnico ou social,
contra o índio, o negro, o pobre. É lamentável que ainda no século XXI a sociedade
brasileira ainda apresente momentos de desrespeito e intolerância. A laicidade no Estado
brasileiro garante a igualdade de direitos e de conhecimento das diversas possibilidades
de espiritualidade permitindo a todos suas crenças e práticas religiosas. É uma conquista
de uma sociedade que buscou separar-se do poder teológico e político tradicional.
Busca-se na educação brasileira a neutralidade confessional do Estado e um
tratamento igualitário entre todos os agentes envolvidos na comunidade escolar, onde as
diferenças não são negadas, mas respeitadas. O ensino religioso propõe fornecer ao aluno
meios de optar por uma orientação religiosa, motivada por um desejo consciente e
voluntário.
A pluralidade cultural do mundo em que vivemos e que se manifesta de forma
impetuosa em todos os espaços sociais, inclusive nas escolas e salas de aula,
frequentemente, gera conflitos enfrentados pelos educadores. Por outro lado, essa
pluralidade promove o enriquecimento das ações pedagógicas, tirando os profissionais
da educação da zona de conforto, fazendo-os refletir e buscar estratégias para lidar com
esse desafio.
A escola caminha sempre em direção ao combate à intolerância, através do “com-
viver”, ou viver com o outro. DELORS (1998), ao propor os “Quatro Pilares da Educação
para o século XXI”, fala de “aprender a viver junto” ou “o com-viver”. Aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser são um dos maiores
desafios da educação, segundo o autor.
A convivência humana vem carregada de diversos interesses e necessidades
individuais, que são em potencial geradores de conflitos que podem levar ao
rompimento das relações interpessoais e à violência na escola. A escola também tem a
função de formar valores morais e competências para uma convivência saudável entre
os envolvidos no processo escolar. Podemos utilizar brincadeiras, jogos, atividades
esportivas, entre outras estratégias como meio para a formação social e afetiva do aluno.
Segundo Holmes (2016, p. 85),

Em sua atuação concepção, o ER deve promover a reflexão, a partir do


contexto social dos educandos, visando educar para o diálogo, para o
exercício da alteridade e para a construção de atitudes que conduzam para
um novo caminho, em que os valores positivos possam permear no seio da
comunidade estudantil e na sociedade.

Restaurar os laços dentro da escola e construir a mediação é o caminho a ser


trilhado pelo professor de ensino religioso, procurando deixar fora do ambiente escolar
questões indesejáveis que podem surgir como: violências verbais ou físicas, atitudes
discriminatórias e preconceituosas, bullying, conflitos de interesses, falta de consenso,
práticas de injustiça, entre outras. O princípio da tolerância e do respeito às liberdades
individuais entre as diversas manifestações religiosas que compõem a diversidade étnica
e cultural da nação brasileira, aponta os princípios para a formação cidadã do aluno.

3. Perfil do Professor de Ensino Religioso

O ensino religioso exige que o professor dialogue e saiba conviver com as


diferenças e que esteja aberto ao diálogo, respeitando a pluralidade cultural presente nas
escolas. É essencial que ocorra diálogo entre os sujeitos envolvidos no processo
educacional, escola, família, alunos, professores e outros profissionais da educação.
A melhoria da formação dos professores do Ensino Religioso deve apontar no
sentido de uma educação para a tolerância, para a não-violência, para o aprender a ser e
o aprender a viver juntos. As instituições formadoras de educação inicial e continuada
desses professores não podem se furtar das discussões relativas aos temas pertinentes ao
exercício da função de professor do ensino religioso: laicidade, respeito, tolerância,
pluralidade, diversidade, questões morais, filosóficas e religiosas.
Independente da opção ou posicionamento religioso de cada professor ou aluno,
o Ensino Religioso deve ser pensado como área de conhecimento, como disciplina
curricular, tendo o fenômeno religioso nas suas diferentes manifestações como objeto de
estudo, e não crenças individuais, procurando evitar qualquer forma de proselitismo
religioso em sala de aula. Dessa forma, o Ensino Religioso trilha por um bom
planejamento, estudo crítico e consciente dos fatos religiosos, discutindo questões
referentes à diversidade cultural e desigualdades, conectando saber, identidade e poder,
levando em conta o contexto sociocultural dos alunos e o ambiente institucional,
conforme afirmam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) Brasil (1998, p. 86)

Sabe-se que cada escola tem identidade própria. Essa identidade é constituída
por uma trama de circunstancias em que se cruzam diferentes fatores. Cada
escola tem uma cultura própria permeada por valores, expectativas, costumes,
tradições, condições, historicamente construídos, a partir de contribuições
individuais e coletivas. No interior de cada escola, realidades econômicas,
sociais e características culturais estão presentes e lhe conferem uma
identidade absolutamente peculiar.

São grandes os desafios do professor de ensino religioso, no entanto espera-se que


esse profissional estimule a participação e o diálogo, levantando discussões interessantes
aos alunos e criando sempre um clima democrático no ambiente escolar. Espera-se do
educador de Ensino Religioso que esteja disponível ao diálogo, articulando questões
suscitadas no processo de aprendizagem do educando, escutando e facilitando o diálogo,
mediando conflitos e unindo escola e comunidade.
O educador deve levar em consideração que família e comunidade religiosa são
espaços privilegiados para a vivência religiosa e para a opção da fé. Assim, o educador
coloca seu conhecimento e sua experiência pessoal a serviço da liberdade do educando.

METODOLOGIA

O estudo desse artigo pretende abordar a forma de atuação do professor de ensino


religioso nas escolas brasileiras nos dias atuais, e suas contribuições para a redefinição
dos fundamentos epistemológicos e pedagógicos do ensino religioso. Espera-se do
professor de Ensino Religioso diálogo e convivência com as diferenças, servindo de
espelho para os alunos e respeitando todos os tipos de diversidade presentes na escola.
A metodologia aplicada será uma investigação exploratória de caráter analítico
qualitativo, por meio da pesquisa bibliográfica em livros e sites.
Analisando as informações obtidas na pesquisa bibliográfica, percebe-se a
necessidade de se avançar com o ensino religioso no Brasil, promovendo um ensino
democrático, republicano e laico, e que a escola seja um lugar de promoção de diálogo e
respeito. Laicidade e tolerância devem estar sempre juntas no cotidiano escolar. Segundo
a autora Holmes (2016, p. 49),

Podemos respeitar a posição de cada religião, porém isso não quer dizer que
devamos concordar com os seus dogmas, mas tratá-las de maneira coerente
para que possamos compreendê-la e reconhecê-la dentro de suas diferenças e
daí a compreensão do outro a partir da tolerância, respeito e diálogo. A paz no
mundo só se construirá quando houver esse entendimento entre as pessoas e as
tradições religiosas, sendo essa uma busca do próprio ER.

O meio mais eficaz para se combater a intolerância religiosa é a educação. Um


dos maiores desafios da educação é ensinar o aluno a conviver, ou viver com o outro,
aprender a ser tolerante, conhecer e respeitar as diferenças. A escola tem o papel de
combater à intolerância, através do “com- viver”, ou viver com o outro. DELORS (1998),
ao propor os “Quatro Pilares da Educação para o século XXI”, fala de “aprender a viver
junto” ou “o com-viver”. Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos
e aprender a ser são um dos maiores desafios da educação, segundo o autor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que a melhoria da educação brasileira no que se refere ao ensino


religioso passa principalmente pelo diálogo entre os elementos que envolvem a
comunidade escolar, família, aluno, professor e demais profissionais da educação.
Não podemos compreender a história da humanidade sem procurar conhecer os
fatos religiosos que a caracterizam. As tradições religiosas estão intrinsecamente ligadas
a história da humanidade, conceituando cultura. O fenômeno religioso favorece o
desenvolvimento de um espírito crítico, que permite ao homem discutir e conceber
fenômenos da atualidade que fazem parte do seu cotidiano. Mas para se compreender os
fatos religiosos, é preciso compreender três princípios do Estado de Direito: a liberdade
de consciência, da igualdade e do bem comum.
As Ciências das Religiões parte de uma perspectiva teórico-científica bem
definida. Os alunos não recebem aula de Religião, porque parte-se do pressuposto que
não se ensina religião. Prática religiosa é experiência a ser transmitida pelas famílias dos
alunos. As Ciências das Religiões relacionam-se com uma área do conhecimento que
possui objeto próprio de investigação, que é o fenômeno religioso em todas as suas
manifestações e tradições religiosas e seus impactos na organização dos diferentes grupos
sociais. Holmes (2016, p. 54) afirma que,

É preciso interpenetrar a teoria e a prática. Todavia, em cada cultura estudada


em sala de aula, com todas as suas diferenças e a complexidade do tema,
existem várias possibilidades de se compreender melhor sobre o fenômeno
religioso e uma delas é o diálogo inter-religioso. Isto é de fundamental
importância para o ER, porque é através dele que se dá o respeito às diferenças
e a possibilidade e exercício da boa convivência.

O perigo das aulas confessionais estará na reprodução de ideias ou opiniões


equivocadas, pouco estudadas, sem embasamento, que podem gerar preconceitos e
discriminações. A divisão de turmas para o ensino confessional pode fomentar disputa ou
intolerância, e o objetivo do ensino religioso é, justamente o contrário, incentivar a
tolerância. A escola é um espaço de conhecimento científico, de momentos de reflexão,
de argumentação, de saber lidar com o pensamento divergente e de respeito pela crença
do outro.
Em tempos de tanta intolerância religiosa no país afora, separar crianças e jovens
por conta da sua crença ou não-crença é lamentável. Joga-se fora uma grande
oportunidade de fomentar o exercício do diálogo, da escuta e do convívio com a
alteridade, porque o convívio com a diferença é que produz o respeito e a tolerância de
que tanto necessitamos na sociedade brasileira.
Ensino Religioso escolar na perspectiva não confessional, com professores
licenciados ou especialistas em Ciências das Religiões, não faz proselitismo, nem
doutrinação e tampouco é incompatível com a laicidade do Estado. No atual contexto de
fundamentalismo religioso que vivemos no Brasil, não parece acertado que um aluno
passe pela escola sem que tenha aprendido alguns conceitos como religiosidade, sagrado,
fé, transcendência e outros correlacionados. Mas que ao final da educação básica, nossos
alunos conheçam noções das principais religiões no Brasil e do mundo, para que caminhe
para o respeito.
O diálogo é um componente importante nesse processo, levando o aluno a
compreender que a diversidade religiosa é uma riqueza, num país como o Brasil, e
favorecendo-o aprofundar a sua busca pelo sentido da vida. Espera-se do educador de
Ensino Religioso que esteja disponível ao diálogo, articulando questões suscitadas no
processo de aprendizagem do educando, escutando e facilitando o diálogo, mediando
conflitos e unindo escola e comunidade
REFERÊNCIAS

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BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre Diretrizes e Bases da


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GRESCHAT, Hans-Jürgen. O que é Ciência da Religião? São Paulo: Paulinas, 2005.

GUALBERTO, Marcio Alexandre M. Disponível em


http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/11/Mapa-da-
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HOLMES, Maria José Torres. Ensino Religioso: esperanças e desafios – reflexões da


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Temas Sobre a Instrução no Brasil Imperial (1822-1889) - Volume II / Jean Carlo de


Carvalho, Mauricéia Ananias, Rose Mary de Souza Araújo (orgs.). João Pessoa: Marca
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Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Religioso/ Fórum Nacional Permanente
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As Leis Brasileiras e o Ensino Religioso na Escola Pública Disponível em


https://gestaoescolar.org.br/conteudo/728/as-leis-brasileiras-e-o-ensino-religioso-na-
escola-publica . Gestão Escolar 2009. Acesso em 10/08/2018
A FORMAÇÃO SOCIAL DOS BACAMAERTEIROS DE
CACHOEIRINHA: CONTRIBUIÇÃO DA SUA EXPERIÊNCIA
RELIGIOSA

Adenilton Moises da Silva12


Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião
Universidade Católica de Pernambuco/Recife/PE
adenilton.silva80@gmail.com

Wellington Silva de Andrade13


Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião
Universidade Católica de Pernambuco/Recife/PE
wellingtonandrade@yahoo.com.br

RESUMO
Este trabalho se propõe a apresentar as experiências religiosas popular do Grupo dos
Bacamarteiros, situado na zona rural da cidade de Cachoeirinha, Agreste de Pernambuco.
O Batalhão 16, assim denominado o grupo, é uma expressão cultural que participa
animando os festejos juninos, as procissões religiosas e as celebrações dos padroeiros na
zona rural. Com base nos traços da religiosidade popular, analisaremos a questão do
processo formativo do grupo, isto é, sua origem, seus membros, suas tradições, que
englobam os traços característicos culturais e religiosos, tais como: as danças típicas, as
rezas, os cantos e as roupas, numa performance ritualística que expressa a sensibilidade
religiosa e a resistência cultural destes Bacamarteiros. Através dessas manifestações,
investigaremos como constroem uma identidade social organizada, que se reflete nos
próprios festejos, inserindo crianças, jovens, adultos e idosos de ambos os sexos. Suas
celebrações realizadas num estilo local e identitário, utilizando-se de cantos e rezas,
reverências e tiros ajudam na manutenção da experiência coletiva.

PALAVRAS-CHAVE: Bacamarteiro; Religiosidade; Cultura; Celebração.

1- Trajetória Histórica dos Bacamarteiros de Cachoeirinha

Esse movimento cultural está situado nos sítios Jucazinho e Jupi na zona rural de
Cachoeirinha – PE, a 06 km de distância da cidade. Acontecia nessas localidades,

12
Licenciado em Filosofia pelo INSAF – Instituto Salesiano de Filosofia em Recife; graduação em Teologia
pelo Instituto de Teologia de Caruaru – PE; mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião pela Universidade Católica de Pernambuco.
13
Graduado em Ciências com Habilitação em Matemática – FAMASUL – Faculdade de Formação de
Professores da Mata Sul; Pós-Graduação em Matemática Comercial e Financeira – UFRPE – Universidade
Federal Rural de Pernambuco; mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião pela
Universidade Católica de Pernambuco.
principalmente, nas festas juninas de São João e São Pedro, os moradores se reuniam para
contar causos e comer iguarias de milhos colhidos nesses períodos, e por meio desses
fatos agradeciam as farturas dos celeiros e as bênçãos das chuvas que Deus lhes dava.
Havia poucas casas e situavam-se relativamente distantes da realidade atual desses
sítios. As chuvas eram mais intensas nesse período do ano. O acesso à vila de
Cachoeirinha requeria dificuldades de transportes. O contato com os meios de
comunicação era quase inexistente, restava-lhes a criatividade de produzirem alguns
artefatos capazes de suprir essas carências. A distração tornou-se uma necessidade
primária, devido às fadigas dos trabalhos exigidos pelas plantações e árduos serviços
braçais. Uma das principais iniciativas dos moradores foi incrementar nos festejos juninos
os tiros de pólvoras e as danças nos terreiros de algumas casas.
Os principais festejos, comumente, ocorriam na casa do casal André Avelino da
Rocha e Serafina Padilha Freitas, no sítio Jucazinho próximo ao açude municipal 14. A
casa era um ponto de referência social, visto não ter na localidade outro espaço para os
encontros comunitários. Na falta de um templo religioso, a residência do casal substituía
e assumia a importância do espaço sagrado, todavia, essa realidade era assumida apenas
nos meses de maio e junho por ocasião das noites dedicadas à Virgem Maria e aos santos,
Senhor São João e Senhor São Pedro.
Também havia celebrações juninas na comunidade rural de Jupi, sobretudo, na casa
de José Severino da Cruz (Seu Bader) e sua esposa Terezinha. Ambos residiam onde hoje
funciona o grupo escolar Baronesa do Amaraji – nessa escola, atualmente, estuda parte
dos filhos dos Bacamarteiros. Foram as relações entre esses dois casais que fortaleceram
e produziram o desenvolvimento dessa cultura nas duas comunidades. Favorecendo a
participação de muitas pessoas e criando um compromisso de continuidade, visto que, em
Cachoeirinha, fora uma produção originada pela população local, embora, depois venha
a ganhar novos aperfeiçoamentos e padronizando-se de forma mais organizacional.

14
Por ser uma construção feita por esse senhor acabou ficando conhecido com “Açude dos Andrés”. Hoje,
pertence ao município e abastece a população do sítio Jucazinho e outras localidades próximas. André
Avelino e seus filhos, José Quirino, João André, Damião Quirino, Manoel André, Delfim Quirino, Antônio
Quirino, Josefa Avelina, Felícia Avelina e Francisca Avelina, cuidaram do açude por duas gerações. Mas
em 1969, aos 84 anos de idade falece Joaquim Quirino da Rocha, neto de André Avelino, dando fim ao
ciclo de gerações que preservaram familiarmente o reservatório de água. Dado esse fato, na década de 1980,
os moradores solicitaram à Prefeitura de Municipal uma ampliação e reforma para um maior
aproveitamento das águas. As reivindicações foram atendidas, sobretudo, tendo em vista as necessidades
causadas pelas secas no agreste-meridional de Pernambuco.
Em meados do século XIX os vizinhos das redondezas se reuniam nas casas desses
casais para festejarem os santos juninos com alegria, devoção e fé. Alegre porque tinha
os inícios das primeiras colheitas feitas a partir do dia 19 de março, dia de São José,
esposo da Virgem Maria15. Fé porque acreditavam que essa fartura era graça de Deus em
suas vidas. Devotos aos santos festejados pela aproximação humana e afetiva com que os
santos católicos se revelavam na cotidianidade de suas realidades existenciais:

O catolicismo rural... contém... uma mística da natureza em que o homem se


vê numa dependência incondicional em face das forças do cosmo, vividas
como manifestações de piedade que se externam sob os símbolos do
catolicismo em ciclos condicionados pelas estações do ano e datas da vida:
festas dos santos padroeiros, dias de festa que voltam no ciclo do ano (como
Sexta-feira Santa e sua procissão de Jesus morto, ornado festivamente). A ação
festiva é narrativa: é a comemoração repetida do santo que tem feições heróicas
e transformadoras. Na festa, a consciência mágica torna-se mítica. A história
dolorosa da própria vida quase não recebe atenção: gente pobre tem santos
ricos. As festas religiosas são também pontos culminantes da vida social e as
tradições religiosas são funcionais para a conservação do estado presente
(HIGUET, 1984, p. 24).

Diante desse contexto, a comunidade tem uma especial devoção a São José 16,
dando início ao ciclo das plantações das lavouras e protetor das famílias do campo,
sobretudo, porque cria a expectativa da proximidade das grandes festas juninas que os
Bacamarteiros mais celebram. Planta-se a esperança de um ano farto para as famílias
nordestinas. Esperam colher seus frutos da terra justamente no mês junino, período das
grandes festas preparadas com comidas típicas, danças, fogueiras, fogos e balões,
sobretudo, pelas reuniões familiares em torno das mesas cheias de iguarias de milho e
mandioca. Essa experiência de preparação das festas e da devoção dos santos fica clara
na fala da porta-bandeira do grupo:

Minha madrinha Leotorda (esposa de Abílio) fazia bolos de milho, matava


galinha. A gente, eu e minhas primas, enfeitávamos o terreiro com
bandeirinhas. Tio Abílio comprava fogos de artifícios e ficávamos esperando.
Por volta das 09 horas da manhã eles chegavam, atiravam no caminho em um
serrote que tem, para avisar que iam chegando. Nós íamos encontrar. Quando

15
Essas informações foram ditas pelo Jairo Calado membro responsável pela nova formação do grupo dos
Bacamarteiros.
16
Ressaltamos que a principal devoção aos santos católicos do grupo está direcionada a São João. No
estandarte dos Bacamarteiros é a figura desse que prevalece com maior vigor. A festa normalmente é
celebrada por grande parte dos nordestinos na véspera do dia 24 de junho, contudo, os atiradores optam
pelo dia da natividade de São João Batista. O grupo se reconhece como o santo, portador e anunciador de
Cristo nos dias atuais. Levam aos moradores à alegria da vinda do Cordeiro e anuncia a remissão dos
pecados e a alegria por serem perdoados e abençoados pelas farturas do campo.
chegavam a casa, madrinha e tio iam recebê-los na porteira. Eles entravam
cantando, atiravam, dançavam ao som da viola, do bumbo e do reco-reco,
almoçavam e à tardinha iam embora. Nós ficávamos com muita saudade, mas
à noite íamos todos para o cruzeiro onde era rezado o terço de São José (Maria
Carlinda da Silva).

Por terem tal prática de vida, os primórdios dos Bacamarteiros buscavam dá


importância às rezas do terço, das novenas e a realização das procissões, tudo isso com
pouco discurso teológico, mas perpassado por inúmeras cantigas religiosas. Essas
celebrações inseriam a todos. O povo local era o protagonista das rezas, uma vez que o
catolicismo era popular e não havia presença de representante do catolicismo sacramental,
dogmático. Rezava-se pelas famílias e nas famílias. Os pedidos eram feitos por todos e
por suas necessidades de seres humanos ligados as coisas campestres. Todo esse jeito de
rezar envolvia um modo próprio que corresponde às expectativas da comunidade local.
Por meio disso, foram capazes de produzir uma maneira de reza aguçada pela
corporeidade:

O corpo permite a comunicação. Mesmo com todos os aparelhos e técnicas


modernas, a base de nosso contato será sempre o corpo que usa esses
instrumentos. Nada poderá substituir o contato direto dos corpos. Cada cultura
tem o seu sistema de símbolos, de palavras ou de gestos simbólicos que
permitem a comunicação. A língua é o fundamental, mas há todo um
vocabulário feito de gestos do corpo – por meio dos olhos, da boca, das mãos,
dos pés (COMBLIN, 2007, p. 91).

O corpo é o grande instrumento de oração. Mecanismo de contato com a


divindade.

2 – Os festejos

Nesse momento os primeiros participantes17 eram habituados a ver as festas


juninas sendo animadas pelos tiros das ronqueiras – um instrumento de ferro carregado
com pólvora e pendurado por um arame para ser balançado e jogado contra a parede ou
pedras com a finalidade de provocar um enorme estrondo, semelhante a tiros muito fortes.
Ainda usavam uma espécie de arma artesanal produzida pelos moradores locais,
denominada de cano solto – artefato de ferro utilizado para fazer disparos maiores do que
as ronqueiras. Enchia-se esse cano com pólvora sobre a calçada para ser, em seguida,

17
Segundo o testemunho de Damião Quirino da Rocha, os três primeiros bacamarteiros a aderirem a
brincadeira foram: José Pedro, João Ferreira Calado (João André) e Manoel Batista (Mané Ligeiro).
acesso com uma brasa que era tirada das fogueiras juninas18 com o intuito de provocar
um grande tiro, dizem ser tão forte, que chegava a apagar os candeeiros da casa e do
alpendre.
André Avelino possuía uma dessas armas de tiro artesanal, mas também, uma de
cano grosso e curto, a qual ele nomeou de “nossa menina”. Afirma-se que esse artefato
bélico de cano grosso e curto foi utilizado na Guerra do Paraguai (1864-1870) em meados
do século XIX19. Com efeito, de maneira desconhecida por seus parentes, esta arma veio
para nas mãos dele. Tal posse da arma gerou o resultado do que hoje se denomina
Bacamarteiros do Batalhão XVI. A partir desse único objeto e das experiências praticadas
com as ronqueiras e com as de cano solto começou um processo de aquisição de armas
mais sofisticadas, possibilitando mais adesão e visibilidade das brincadeiras por parte dos
indivíduos.
Entre os relatos dos Bacamarteiros destacam-se as condições sociais e econômicas
das pessoas que compunham as comunidades de Jupi e Salgadinho. Dizem serem todos
cidadãos pacatos, trabalhadores agricultores, pecuaristas e artesãos. Produziam, em
especial, botas, gibão e outros utensílios de montarias, como selas e arreios. As mulheres
se ocupavam do trabalho doméstico e da produção de rendas. Desse modo, contribuíram
de forma direta para a manutenção da economia e do desenvolvimento cultural da cidade
de Cachoeirinha. Esse jeito de ser possibilitou o auto-sustento da comunidade como ainda
na preservação futura do conhecimento comunitário e a salvaguardar o artesanato local
do coro e do aço.
Esses festejos por volta do ano de 1942 foram organizando o primeiro grupo de
Bacamarteiros. Até então o modo com participavam eram muito aleatório, visto que se
reuniam apenas nas festas juninas ou no mês de maio. Por volta da década de 40 tentam
sistematizar a maneira como deveria manter a unidade e a continuidade dos atiradores ao

18
O fogo para acender essas armas só podia ser tirado das fogueiras juninas porque as mesmas eram
dedicadas ao santo do dia. Proibia-se usar fósforos ou outros utensílios que produzissem calor para a
combustão. Pois na compreensão desses indivíduos o fogo era santificado pelo santo devocional, o qual
exigia que todas as oferendas a ele apresentadas deviam ser purificadas. Mais ainda, os tiros não eram para
matar ou assustar as pessoas, mas para celebrarem – semelhantes a gritos humanos que querem despertar
as divindades, chamando a atenção para as necessidades humanas – a presença do divino no meio do povo.
19
Existem inúmeras especulações em torno da origem da existência dos Bacamarteiros. Impõem-se com
mais relevância, a versão de que a brincadeira teve início com as comemorações dos que voltaram da Guerra
do Paraguai. Com relação à arma a hipótese mais comum é a versão original que vem do Clavinote holandês
do séc. XVII ou na Granadeira do Sistema Mineé francês, do meado do século XIX. A arma é citada na
obra Os Sertões, por Euclides da Cunha, como parte do arsenal bélico dos “fanáticos” na histórica e altiva
Canudos do beato Antônio Conselheiro. Pesquisa realizada no dia 12/04/2011.
www.bacamarteirosdepernambuco.blogspot.com.
longo de todo o ano, afim de, permanecer a tradição nas próximas gerações. Este
movimento individual e familiar poder ser compreendido como sujeitos sociais que se
situam numa:

Sociedade que os humilha e os oprime, e deste modo, eles reconstituem um


pequeno mundo que lhe é próprio. Nesse pequeno mundo eles encontram
identidade. Podem ter seus terreiros, escolas de samba, escolas de capoeira e,
em certas regiões, irmandades. Ali podem se reis ou rainhas. Estão longe da
outra sociedade em que não são nada. Ali podem “viver” (...) Porém, esses não
deixam de ser paliativos que não compensam a rejeição pela sociedade global
e pelas elites dominantes. Quem se beneficia dessa compensação não pode
ignorar ou deixar de sentir a presença de uma sociedade que o rejeita e o reduz
à nulidade (COMBLIN, 2007, p. 56).

Desse modo, cria-se um mundo identitário com a finalidade de compensara


disparidade entre as realidades campestre e urbana. Sobretudo, buscam suprir a ausência
da instituição católica que deveria se nesse momento a grande vinculadora das relações
sociais desse contexto histórico. Se havia uma sensação de nulidade entre os membros
locais ocasionada pela mentalidade supersticiosa de uma modernidade ainda em fase de
construção, eles precisam da construção de um mundo simbólico permeado de
significados familiares e fertilmente sustentados por rezas, cantos, danças e tiros capazes
de responderem as carências comuns de suas existências. Desse modo, a imagem das
tradições inter-religiosas – catolicismo, indígena e afro – edificam a construção de um
templo sagrado para expressarem sua fé.
Tendo estruturado o primeiro grupo de atiradores, esses homens são convidados a
fazerem suas apresentações compostas de rezas, benditos, danças e tiros de bacamartes,
nas comunidades rurais próximas. Sua viagens eram executadas a pé, pois não tinham
condições de terem outro meio de transporte, senão, a caminhada, onde às vezes
enfrentavam as chuvas e lamas nas estradas, porém, para eles tudo revelava um
significado, eram perseverantes em cumprir um mandato sagrado. Funcionava como um
meio de purificação por meio dessas penitências que comportavam o sacrifício de
enfrentar chuva, poeira, longitude, cansaço e perigos noturnos.

Um fenômeno ligado à própria natureza do homem. Ele se sente um ser a


caminho. Sua própria vida é uma caminhada do nascimento para a morte, da
juventude para a velhice e, em sua aspiração mais profunda, uma passagem
desta vida efêmera para uma vida feliz após a morte. Por isso, sair de um lugar
para buscar outro é próprio do coração humano. O homem é o eterno peregrino,
o permanente “procurador” de Deus. Saímos de Deus e estamos em contínua
tendência para Aquele que é o nosso Princípio e o nosso Fim. É daí que o
caminhar adquire um sentido especial para o homem. Todos os povos têm seus
lugares de romaria. É, por assim dizer, o subconsciente universal que está à
procura de uma perfeição perdida: o paraíso perdido e a esperança de encontrá-
lo, o céu (BECKHAUSER, 2007, p. 22).

Os santuários que correspondiam aos Bacamarteiros eram as casas da região. Para


eles se dirigiam na perspectiva de estar em marcha de cumprimento do anúncio da Palavra
de Deus a seu modo. Contudo, não era permitido aos Bacamarteiros do Batalhão XVI em
dias de São João e São Pedro visitarem outras comunidades sem antes comparecerem à
casa do mestre do grupo. Permaneciam em suas localidades, pois nos dias sagrados as
celebrações já tinham lugares pré-estabelecidos a serem realizadas. Nessas duas datas que
fazem referência ao calendário católico, o grupo se reunia na residência do mestre
Damião. No terreiro da casa havia um cruzeiro de madeira e uma pequena capela dedicada
a senhor São João e São Pedro. No espaço entre a casa e o cruzeiro, todo o ambiente era
ornamentado como bandeirinhas coloridas e com palhas de coqueiros, de modo que,
faziam-se corredores com a finalidade dos atiradores traçarem todo o trajeto até chegar à
capela dançando, cantando e rezando todo o seu repertório religioso correspondente ao
mesmo de junho. Eles criam em torno desse terreiro uma liturgia própria onde não há uma
íntima ligação entre a casa de alpendre e a capela, entre a mesa da refeição e o altar da
igreja. Entre o espaço sagrado e o humano há um ponde de ligação que é o cruzeiro
fincado no pátio. É um intermediário entre a realidade terrestre e atemporal, entre o espaço
familiar e o espaço santificado. Onde a cruz reúne a vida horizontal e a vida vertical,
unindo dessa forma o humano ao divino.
Os encerramentos de cada celebração sempre aconteciam sempre em volta do
cruzeiro que ficava defronte à casa do mestre do grupo. O cruzeiro como espaço sagrado,
torna-se um lugar de oração, onde rezavam terços para fazerem pedidos por uma
excelente apresentação, como também ao término de cada folguedo voltavam para rezar
e agradecer os festejos que animaram com sua fé e danças. Todos os dias 24 e 28 de junho,
às 17:00 horas os componentes dos atiradores se dirigiam a residência para ouvirem os
repasses do mestre que se fundamentavam em orientações sobre o manuseio seguro da
arma e como se comportarem nas residências onde fossem recebidos.
Diante desse ritual simbólico, torna-se imprescindível a confecção de uma
vestimenta correspondente a significar a função identitário do grupo diante do sagrado e
do povo comum. A fim de realçar a tradição que havia em outros atiradores, esses
bacamartes de Cachoeirinha resolveram, na década de 1950, produzir seu primeiro
fardamento de cor azul, chapéu de palha com uma flor vermelha, fita e laço vermelhos,
simbolizando a continuidade da tradição regional do Agreste Pernambucano. Todo esse
ritual simbólico se iniciava no raiar do dia, conforme depoimento de um dos membros:

Às 04:00 horas da madrugada chegavam ao cruzeiro e faziam disputas dizendo


que o tiro maior iria acordar São João. Nesta brincadeira, acordavam os
vizinhos que, acostumados nem se importavam. Nesse momento acontecia um
fato curioso. Segundo Damião (Quirino) e os atiradores (alguns) viam um rosto
no Sol ao nascer, e julgavam ser o de São João, e mais, poderia o Sol estar
encoberto ou brilhante que eles não se encandeavam isto só acontecia no dia
24 (de junho) (Janaina Santos).

Dado esses fatos, as observações apontadas nesses trabalhos servem para nos
ajudar a perceber que há uma identidade cultural resiliente nas camadas sociais
desfavorecidas na sociedade contemporânea. Esse fato vem historicamente desde a
colonização do Brasil. Os negros, índios foram obrigados a silenciar suas crenças e
culturas a mando de uma compreensão eurocêntrica da realidade humana. A qual se serviu
do abuso do poder para impor seu modelo de sociedade, com efeito, tal imposição
desembocou-se numa multiculturalidade, porque teve suas bases sustentadas pelas
expressões de outros povos, possibilitando uma pluralidade cultural na formação da
sociedade brasileira.
A partir das histórias dos Bacamarteiros de Cachoeirinha, descobrimos que no
grupo existe uma estrutura organizacional construída internamente que favorece a
identidade social de cada membro. No contexto em que se encontram os componentes,
eles não fazem parte de uma massa social, pelo contrário, em suas expressões culturais e
religiosas tornam-se reconhecidas pelo nome e pela tradição familiar que pertencem.

BIBLIOGRAFIA

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www.bacamarteirosdepernambuco.blogspot.com (acessado em 12/04/2011).
A LEI 11.645/08 NAS ARTES E NA EDUCAÇÃO:
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS INDÍGENAS E AFRO-
BRASILEIRAS

Clarissa Suzuki
(ECA/USP - clarissasuzuki@usp.br)20
Maria Pinheiro
(ECA/USP - maria.pinheiro@usp.br)21

RESUMO

O artigo aborda temas e questões relacionados à implementação da Lei 11.645/08, que


estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história e das culturas afro-brasileiras e
indígenas em todos os níveis da Educação Básica, em especial no ensino de arte. Parte-se
do pressuposto de que a abordagem do ensino da história e das culturas indígenas e afro-
brasileiras, em uma perspectiva crítica, implica explorar outras epistemologias e,
portanto, outras pedagogias, que integram de forma dinâmica linguagens e áreas do
conhecimento diversificadas, como a dança, as visualidades, a música, a culinária, a
filosofia, a história oral, a religiosidade, a festa etc. As reflexões apresentadas tiveram
como ponto de partida as comunicações e discussões realizadas no Grupo de Trabalho “A
Lei 11.645/08 nas Artes e na Educação: Manifestações Culturais Indígenas e Afro-
brasileiras”22, que buscou difundir ações educativas e de pesquisa que estão sendo
desenvolvidas em diferentes regiões do país, no contexto da escola pública e da formação
inicial e continuada de professores, em decorrência da implementação da referida lei.

PALAVRAS-CHAVE: Lei 11.645/08; História e Culturas Indígenas e Afro-brasileiras;


Educação Básica; Formação de Professores.

INTRODUÇÃO

Decorridos 15 anos da Lei 10.639/03, e sua revisão legal após 10 anos com a
publicação da 11.645/08, acumulamos muitas experiências práticas e teóricas em
decorrência da sua implementação que visam o ensino da história e das culturas afro-
brasileiras e indígenas em todos os níveis de ensino da Educação Básica. Mesmo sabendo

20 Professora da UNIMES-Santos, mestre em Artes e doutoranda em Artes na USP. Pesquisadora do Grupo


Multidisciplinar de Estudo e Pesquisa em Arte e Educação (CAP/ECA/USP).
21 Pedagoga, mestre em Educação e doutoranda pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,

na linha de pesquisa “Fundamentos do Ensino e Aprendizagem da Arte”.


22
Grupo de Trabalho do I Congresso Nacional de Educação, Religião e Artes (CNERA) realizado na Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa/PB, no período de 04 a 06 de setembro de 2018.
que ambas são fruto do protagonismo histórico dos movimentos sociais, esse marco que
altera a LDB impulsionou fissuras no discurso hegemônico que estrutura os currículos.
Diante dessa temporalidade, temos a possibilidade de compartilhar pesquisas e ações
implementadas, e seus desdobramentos, no sentido de inspirar e fortalecer outros fazeres
e saberes pedagógicos e culturais na educação escolar e no Ensino Superior.
No que tange às culturas afro-brasileiras e indígenas, a sua inserção na educação
escolar e no Ensino Superior, ao mesmo tempo em que favorece o conhecimento da nossa
diversidade cultural e social, aponta os conflitos subjacentes a um modelo educacional,
que, historicamente, se recusou a considerar esses saberes e experiências como formas
credíveis de conhecer e estar no mundo. O imperativo racial e étnico é um elemento
central na dinâmica de distinção das produções simbólicas oriundas desses grupos, dado
que no Brasil o racismo é estrutural e estruturante, operando na desqualificação de seus
conhecimentos e incutindo nessas populações a noção da inferioridade de suas culturas
como verdade indiscutível. Daí a necessidade de pesquisas e ações comprometidas com a
reconstrução, o registro e a reflexão sobre processos culturais, históricos, sociais,
epistemológicos e pedagógicos que marcam o legado das populações negras e indígenas
no Brasil, a fim de que se revele a complexidade de suas redes de saberes e práticas
inventivas de organização social, política e comunitária.
É importante reconhecer que a luta pelas práticas de educação que contemple a
experiência e as formas de produção de conhecimento das populações negras e indígenas
não se encerra na garantia de torná-las presentes nos currículos, já que esses saberes
podem se fazer presentes de inúmeras maneiras nos espaços formais de ensino, inclusive
subjugados a abordagens essencialistas e folclorizantes, o que contribuiria ainda mais para
a manutenção e o fortalecimento de estigmas e estereótipos sobre o conhecimento e as
práticas culturais desses grupos.
O entendimento da diversidade de suas expressões culturais – suas opções
estéticas, seus modos de funcionamento e de contestação, suas formas de organização
social, entre outros aspectos - constitui um desafio aos educadores e educadoras, bem
como às instituições de ensino e aos órgãos definidores de políticas públicas para a área
da educação. O desafio decorre, especialmente, da necessidade de se desfazerem
equívocos históricos que deturpam e reduzem a complexidade de suas cosmovisões, ao
lançarem mão de modos de inteligibilidade ocidentalistas, incapazes de reconhecer que
os vários Brasis se apresentam sob múltiplas faces – inapreensíveis a modos de
racionalidade que se pretendem únicos – e que, apesar das diferenças que guardam entre
si, se cruzam abrindo infinitas possibilidades de diálogo. Falamos dos muitos Brasis que
não são praticados nos bancos das escolas e das universidades e que se impõe como
realidade a ser conhecida a partir dos versos e gramáticas que lhes são próprios.
Por ser terreno da expressividade, da subjetividade e da invenção, a arte se mostra
um campo privilegiado para levar adiante esse desafio. Para tanto, é fundamental que
possamos transpor e transgredir modos convencionais de abordagem das linguagens da
arte, especialmente no que diz respeito a sua fragmentação em campos especializados de
manifestação (dança, teatro, música, visualidades). Nas culturas tradicionais africanas e
em grande parte das práticas culturais e liturgias afro-brasileiras, por exemplo, a música
se expressa, quase sempre, em conjunto com a dança, com a finalidade de invocar e louvar
divindades, exaltar feitos de um herói ou de um povo, amenizar a lida do trabalho,
manifestar um sentimento etc., não sendo apenas um meio de expressão simbólica, de
fruição e de prazer estético. A palavra e o canto, têm efeitos concretos na realidade e na
vida de seus praticantes, “é sopro animado e que anima aquilo que expressa” (Hampaté
Bâ, 1982). Isto se evidencia, por exemplo, na tradição jeje-nagô ou iorubá, em que a
palavra e o som têm o poder de conduzir axé, força vital que possibilita o dinamismo da
existência.
Dialogando com as formas que alguns povos ameríndios concebem
cosmologicamente a música, podemos citar o modo como os A’uwe Uptabi (Xavante)
relacionam esta prática com “os sonhos, sobretudo no que se refere à prática de ouvir
cantos, memorizá-los e levá-los para fora do sonho” (FUSCALDO, 2016, p.39). Para
muitos povos indígenas brasileiros, a música além de ser uma forma de construção e
manutenção de conhecimento, está diretamente ligada ao xamanismo em sua dinâmica
que envolve seres, substâncias e acontecimentos, sendo que os trânsitos entre mundos são
possibilitados por sonhos e cantos (FUSCALDO, 2016). Cabe ressaltar que a concepção
a partir da qual os indígenas relacionam-se e diferenciam-se de outros seres que coexistem
no mundo, o que inclui seu entendimento da ideia de sonhos e de música, é distinta das
concepções hegemônicas do ocidente, o que amplia as possibilidades epistemológicas de
produção do conhecimento no campo das artes.
Dessa forma, considerando os modos próprios de sentir/fazer/pensar que
fundamentam as culturas de matriz africana (e suas diásporas) e as indígenas, as áreas do
conhecimento não estão fragmentadas como pressupõe o discurso ocidental, articulando
de forma dinâmica linguagens e campos do saber diversificados, como a dança, as
visualidades, a música, a culinária, a filosofia, a história oral, a religiosidade, a festa etc.,
e que justifica a proximidade teórica e metodológica da experiência cotidiana. Esses
saberes – apesar de não chegarem aos currículos das instituições de ensino formal – vem
sendo criados e recriados no cotidiano das práticas culturais e liturgias afro-brasileiras e
indígenas, como o jongo, o toré, o samba, a capoeira, os candomblés, as pajelanças,
macumbas etc. Ao reconhecer suas epistemologias, reconhecemos também outras formas
de expressão e, portanto, outras pedagogias, assentes em princípios estéticos, políticos,
comunitários, relações espaço-temporais que confrontam a perspectiva ocidentalista de
mundo e os padrões de representatividade e educação sugeridos pelo cânone.
Acreditamos que o diálogo entre docentes e pesquisadores de instituições públicas
de ensino superior e professores da Educação Básica oferece contribuições para o
aprofundamento conceitual e a ampliação das possibilidades metodológicas de
abordagem da história e das culturas afro-brasileiras e indígenas nos diferentes níveis de
ensino, além de incentivar a pesquisa e o estudo das referidas temáticas e de suas
epistemologias. Nesse sentido, a temporalidade decorrente da implementação da Lei
10.639/03, e posterior revisão no ano de 2008, com a publicação da 11.645, torna possível
o compartilhamento de ações educativas e pesquisas, que vêm sendo realizadas em
diferentes regiões do país, a fim de inspirar e fortalecer outros saberes e fazeres culturais
e pedagógicos, na construção de conhecimentos e práticas que dialogam com a educação,
sob uma perspectiva antirracista e anticolonialista.

O GRUPO DE TRABALHO

As comunicações que compuseram o Grupo de trabalho (GT) que nomeia este


artigo, foram propostas por educadores/as de diversas áreas do conhecimento e regiões do
país e apresentam distintas abordagens metodológicas para o ensino da história e das
culturas afro-brasileiras e indígenas, fatores que enriqueceram os diálogos propostos,
ampliando as possibilidades de pensar e fazer, desde o ponto de vista estético, político e
pedagógico, no contexto da Educação Básica e da formação inicial e continuada de
professores.
O artigo “Histórias de crianças: um encontro com as memórias de Carolina Maria
de Jesus” foi apresentado pela educadora e pesquisadora baiana Fátima Santana Santos e
abordou um estudo realizado a partir de uma experiência educativa envolvendo crianças
do Centro de Educação Infantil Dr. Djalma Ramos, no município de Lauro de Freitas,
Bahia. Através da obra e das memórias da escritora brasileira Carolina Maria de Jesus,
metodologicamente afiaram a escuta com as histórias e experiências compartilhadas
oralmente pelas crianças, em diálogo com as histórias de vida de Carolina de Jesus. A
representatividade da escritora negra para um coletivo de crianças, majoritariamente
negras, possibilitou a abordagem educativa de questões que interseccionam gênero, raça
e classe, tendo em vista que estes marcadores também orientaram a vida e a luta da
escritora brasileira. Uma característica importante do projeto, é que ele não é fruto da ação
individual de um/a professor/a, mas parte de uma ação política e pedagógica coletiva,
envolvendo todo o corpo docente da escola, cujo trabalho educativo e de pesquisa no trato
com as relações étnico-raciais no cotidiano escolar é realizado a longo prazo e em diálogo
com as famílias e experiências sociais e culturais das crianças. O trabalho propõe uma
reflexão sobre as experiências de escolarização de crianças negras no contexto da
Educação Infantil, apontando para a potencialidade do trabalho envolvendo as histórias
de vida enquanto prática propositiva para uma educação antirracista na construção de
representações e processos identitários afirmativos junto a estudantes, professores/as e
comunidade escolar.
A arte/educadora, narradora de histórias e pesquisadora Giselda Pereira
Rodrigues, conhecida como Giselda Perê, apresentou os resultados parciais da sua
pesquisa de mestrado desenvolvida no Instituto de Artes da Universidade Estadual
Paulista – UNESP, no campus da capital paulista. Com a comunicação intitulada “Os
mitos e contos africanos e afro-brasileiros na formação de professores: uma prática de
combate ao racismo e a intolerância religiosa”, apresentou uma proposta formativa para
professores da educação básica que fomenta uma educação antirracista em diálogo com
a Lei 10.639/03 e o trabalho com contos e mitos tradicionais africanos e afro-brasileiros
no contexto escolar. Há duas perspectivas interessantes: de um lado, partir das histórias
de vida dos/as professores/as para localizar as lacunas percebidas em suas experiências
de formação inicial e continuada envolvendo as culturas negras na diáspora brasileira,
com o objetivo principal de refletir sobre práticas racistas no contexto educativo; e, por
outro, trazer como eixo norteador da formação de professores/as uma metodologia assente
na oralidade e nos contos e mitos africanos e afro-brasileiros, a fim de fazer frente a um
contexto educacional onde a estética e o pensamento hegemônicos são europeus e brancos
e abrir caminhos para a criação de abordagens antirracistas no ensino das artes.
Os professores Henrique Eduardo de Oliveira e Kelly Cristine Cordeiro
apresentaram um projeto interdisciplinar realizado entre as disciplinas de Arte e Língua
Portuguesa no Centro Estadual de Ensino Profissional Hélio Xavier de Vasconcelos na
cidade de Extremoz no estado do Rio Grande do Norte. “DA COR DE ÉBANO: história,
arte e estética na valorização da negritude no ambiente escolar” foi desenvolvido em uma
disciplina eletiva e buscou, de forma positiva e propositiva, enfrentar o racismo no
ambiente escolar valorizando a negritude e as estéticas afro-brasileiras, já que em um
contexto escolar de maioria afrodescendente, os estudantes não se viam representados e
não reconheciam as práticas de racismo que estruturam a instituição. As ações
desenvolvidas tiveram a parceria da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte-
UERN por meio do projeto de extensão “Diálogos sobre diversidade”, cujo foco central
foi a valorização da identidade e da estética negra, culminando com um ensaio fotográfico
e uma exposição. A parceria da universidade com a escola é fundamental para o
desenvolvimento de ambas instituições, tanto em relação aos aspectos teóricos quanto aos
práticos. Outro ponto positivo do projeto deve-se ao fato dele ter partido da iniciativa e
do interesse dos estudantes, não sendo uma proposta imposta pelos/as educadores/as e,
por essa razão, contou com grande adesão e envolvimento dos jovens.
A docente e pesquisadora Ladjane Alves Sousa, da Universidade do Estado da
Bahia, e professora de EJA na rede municipal de Lauro de Freitas/Bahia, apresentou o
trabalho “Memórias de um Balaieiro: Educação de Jovens e Adultos em um mergulho em
suas pertenças”. O projeto envolveu estudantes de EJA em um processo educativo que
parte das suas memórias pessoais e de saberes e fazeres de um mestre Balaieiro de grande
relevância para o contexto local, a fim de reconhecer e valorizar narrativas e histórias de
vida que nos contam sobre experiências e sobre o protagonismo de sujeitos, que, ao longo
do tempo, ocuparam, por uma força externa, o lugar da subalternidade nas histórias e
narrativas oficiais. O processo educativo buscou favorecer a construção de um sentimento
de pertença entre os estudantes envolvidos no projeto, mobilizando saberes e
procedimentos presentes nos campos da arte e em tradições culturais locais - a arte de
trançar balaios -, além de reconhecer a escola como um espaço privilegiado de produção
e circulação de conhecimentos e histórias de personagens e acontecimentos importantes
que marcam a cultura local.
“Diversidade étnica: brincadeiras, jogos, danças e histórias” foi o trabalho
apresentado por Janeide S. Silva e Janete S. Silva, irmãs e parceiras de trabalho na
Universidade de São Paulo (USP), a primeira como professora da Creche Central da USP,
a segunda como técnica do Hospital Universitário. Além de envolver a comunidade
escolar - famílias, funcionários, professores, alunos de outras turmas - o projeto teve o
cuidado de ouvir os alunos, valorizando suas vozes, seus desejos e interesses. E o desejo
era brincar! Através das brincadeiras, as autoras apresentaram às crianças um universo de
elementos lúdicos, estéticos e históricos das culturas africanas, afro-brasileiras e
indígenas, que são objeto de pesquisa das educadoras há longo prazo e que desenvolvem
com muita propriedade. As famílias também foram incentivadas a irem até a Creche
compartilhar experiências com as crianças - alguns trouxeram danças, outros histórias,
músicas, brinquedos, comidas etc. Um dos princípios que fundamentou o projeto era o de
que todo mundo ensina e todo mundo aprende (crianças, funcionários, professores,
familiares, moradores do entorno etc.), construindo o que poderíamos chamar de uma
“ação educativa e cultural comunitária”.
As professoras Jeniffer Adrielle Trajano Lima e Elisa Ferreira Teixeira
apresentaram o trabalho “Teatro como ferramenta de sensibilização: diálogos entre o
cristianismo e as religiões de matrizes africanas em sala de aula”, desenvolvido com
estudantes da Escola Estadual de Ensino Médio Lyceu Paraibano, em João Pessoa,
Paraíba. A partir do processo que envolveu a criação e a encenação de uma peça teatral
sobre os Orixás, roteirizada pelas professoras no contexto de uma disciplina de Língua
Portuguesa, buscaram discutir com os estudantes questões referentes à intolerância
religiosa praticada contra as religiões de matriz africana e o processo de catequização das
populações negras no contexto da escravatura. Embora o tema do trabalho seja relevante
para a reflexão sobre os desafios de implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08,
especialmente por ter sido desenvolvido em uma escola pública, as discussões sobre
racismo foram tratadas de forma subliminar no artigo e na apresentação, merecendo uma
reflexão mais crítica e aprofundada, que poderia partir, por exemplo, da abordagem e do
desdobramento do tema e do projeto no contexto escolar, envolvendo as famílias e o corpo
docente.
“Uma cobra na sala de aula: Projeto Ofídias: um diálogo sobre cultura indígena
para não indígenas” apresenta a pesquisa de mestrado da arte/educadora Priscila Passos
de Lima, que é natural de Manaus, Amazonas, mas atualmente reside na cidade de São
Paulo. Como professora de Arte e a partir de sua relação intrínseca com as culturas
indígenas amazônicas, a pesquisadora tece interessantes diálogos interculturais nas aulas
de Arte inspirada por uma experiência em um espaço expositivo formal, mais
especificamente com o Projeto Ofídias, realizado em novembro de 2016 em Belo
Horizonte, Minas Gerais, que contempla aproximações da arte contemporânea com a
imagem mitológica da cobra. O objetivo de sua pesquisa é explorar empiricamente
metodologias no ensino das artes visuais que permitam aproximações com os elementos
simbólicos e visuais presentes nas culturas indígenas no norte do país. Um ponto
importante que poderia ter sido explorado em seu texto é a presença das vozes de artistas
e teóricos indígenas, considerando que a garantia de lugares de fala é fundamental em um
processo de descolonização das narrativas hegemônicas ocidentais presentes nos espaços
educativos.
A pesquisadora Verônica Brito Ferraz Gominho analisou, por meio de
entrevistas e de vivências partilhadas em seu estágio supervisionado do curso de
Pedagogia, as concepções e práticas de professores de uma escola pública da rede
municipal de João Pessoa, Paraíba, no campo das relações étnico-raciais. Em sua
pesquisa, mapeou a formação dos docentes para atuar com a temática na escola e analisou
as concepções que fundamentam o trabalho com a mesma. Por meio de uma abordagem
crítica em diálogo com referenciais teóricos importantes para a discussão das relações
étnico-raciais na escola, a autora trata de temas fundamentais para o aprofundamento da
discussão em torno de uma educação antirracista prevista pela Lei 10.639/03, como o
racismo estrutural e o mito da democracia racial.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Diante dos diálogos e das reflexões provocadas pelos trabalhos apresentados no


Grupo de Trabalho “A Lei 11.645/08 nas Artes e na Educação: Manifestações Culturais
Indígenas e Afro-brasileiras” destacamos alguns desafios e algumas contribuições para
implementação da Lei apontadas nos trabalhos apresentados.
Em praticamente todos os trabalhos, o racismo e a intolerância religiosa
presentes no cotidiano escolar foram evidenciados como obstáculos para implementação
da lei, pois não se trata somente da inclusão de temáticas culturalistas no currículo escolar,
mas da problematização das relações de poder e, consequentemente, da desconstrução
dos mecanismos que hierarquizam as produções de conhecimento.
Apesar do compartilhamento de muitas experiências significativas, grande parte
dos trabalhos apresentados ainda são frutos da ação pontual de alguns educadores/as, o
que revela a insuficiência de políticas e programas públicos de formação (inicial e
continuada) de professores para o ensino da história e das culturas afro-brasileiras e
indígenas na escola, de modo que esse conhecimento integre os projetos pedagógicos dos
espaços educativos e as abordagens não fiquem subjugadas a perspectivas essencialistas
e folclorizantes, o que contribuiria ainda mais para a manutenção e o fortalecimento de
estigmas e estereótipos sobre o conhecimento e as práticas culturais desses grupos.
Para que haja uma mudança efetiva no contexto escolar em direção a uma
educação intercultural e, portanto, antirracista, há também a necessidade de ir em busca
de outras epistemologias e pedagogias o que requer uma postura permanente de pesquisa
e criação por parte do professor(a), orientada pelos modos próprios de pensar/sentir/fazer
que caracterizam os diferentes grupos sociais e suas culturas, e os diálogos entre eles.
Outras histórias e outros saberes, exigem outros fazeres pedagógicos e culturais.
Em relação as principais contribuições para a implementação da lei, trazidas
pelos trabalhos apresentados, destacamos que os processos pedagógicos que partem das
histórias de vida e das narrativas de sujeitos e grupos sociais (estudantes, familiares,
moradores do entorno, escritores, artistas etc.) subalternizados pelas histórias e narrativas
oficiais, são experiências formativas que contribuem para a descolonização do currículo,
priorizando os saberes locais, valorizando a construção de processos identitários
afirmativos e o sentimento de pertencimento entre estudantes e comunidade escolar.
Dessa forma, compreendemos que os processos de ensino e aprendizagem
envolvendo a história e as manifestações culturais indígenas e afro-brasileiras integram e
incluem a comunidade escolar como um todo - todo mundo ensina e todo mundo aprende
(estudantes, corpo docente, familiares, moradores do entorno etc.) - formando o que
poderíamos chamar de comunidades de aprendizagem.
É nesse sentido também que assumimos a escola e todo espaço educativo como
território de produção e circulação de conhecimentos e histórias de vida de sujeitos
subalternizados pelos discursos e narrativas hegemônicas. A escola é um espaço onde se
faz circular outras falas, outros olhares, outras histórias, outros saberes, é intercultural por
natureza, onde as linguagens artísticas se cruzam com os meios de expressão
contemporâneos, provocando fissuras e práticas de re-elaboração que contribuem na
afirmação e construção das identidades e estéticas afro-brasileiras e indígenas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÁ, A. H. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (org.). História Geral da África – vol.
1. São Paulo: Ática/UNESCO, 1982.
BRASIL. Lei Federal 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Brasília, DF, 2003.
______. Lei Federal 11.645 de 10 de março de 2008. Brasília, DF, 2008.
______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília: junho,
2005.
FUSCALDO, A. I. A. Ro’wapari’nho’re: sonhar e pegar cantos no xamanismo
a’uwe_xavante. São Paulo: Porto de Ideias, 2016.
A INVISIBILIDADE COMO ELEMENTO FANTÁSTICO NA
LITERATURA E NO ICNEMA JUVENIL BRASILEIRO

Valnikson Viana de Oliveira23


Morgana de Medeiros Farias24

Resumo: O presente trabalho propõe uma análise da construção metafórica da invisibilidade no


conto “Frontal com fanta” (2005), de Jorge Furtado, e em sua adaptação cinematográfica Boa
sorte (2014), de Carolina Jabor, levando em consideração a focalização narrativa. Por meio do
estudo do personagem principal (nomeado João apenas no texto fílmico), observa-se a
importância do imaginário na sua constituição enquanto “ser invisível”, através da utilização de
substâncias que alterariam sua “normalidade”. Tanto a narrativa escrita quanto a filmada
abarcariam o questionamento da própria noção de o que é “normal”, expandindo a ideia de
invisibilidade dos níveis físico e imagético para o estado social dos jovens ante o convívio
coletivo. Nosso estudo ainda visa a uma maior compreensão da relação entre o material escrito e
o filmado, destacando as características específicas e modificações associadas à transposição de
uma linguagem à outra. Nessa perspectiva, para embasar o nosso trabalho, nos valemos
principalmente dos apontamentos teóricos de Friedman (2002) Reis & Lopes (2000), sobre o
foco narrativo, Hutcheon (2011) e Bazin (2014), a respeito da adaptação e da linguagem
cinematográfica, além de Cortázar (2006), nos auxiliando na exploração do elemento fantástico
dentro do campo da criação literária.

Palavras-chave: Literatura; Cinema; Adaptação; Conto fantástico; Invisibilidade.

Introdução

O cinema tem contribuído diretamente no processo de confluência das artes, pois,


sendo uma modalidade notadamente heterogênea, soma características básicas das outras
manifestações estéticas, formando um autêntico compósito que sintetiza, em si mesmo,
entre outros componentes, a plasticidade da pintura, o movimento e o ritmo da dança, a
tridimensionalidade da escultura e arquitetura, a dramaticidade do teatro, e a narratividade
da literatura (BRITO, 1996). Nesse sentido, pensar a arte literária nos dias de hoje nos
remete diretamente à arte cinematográfica, isto porque cada vez mais suas formas de
engenho se entrecruzam em diferenças e semelhanças, nos lançando, sob o viés da
adaptação, diversos caminhos de análise.
A literatura tem contribuído substancialmente para o desenvolvimento do cinema
ao longo do tempo, com os realizadores visuais se apropriando de diversos aspectos do

23
Mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atualmente, é doutorando em Letras
pela mesma instituição, seguindo a linha Leituras Literárias.
24
Mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atualmente, é doutoranda em Letras
pela mesma instituição, seguindo a linha Leituras Literárias.
suporte escrito, de seu modo de contar uma história, contribuindo, por outro lado, para o
redimensionamento da narrativa impressa contemporânea. É o que podemos observar nos
desdobramentos da teoria da adaptação, que hoje consegue romper com a noção de
hierarquização entre as artes. Antes, ao se adaptar grandes clássicos literários para a
linguagem cinematográfica, o resultado era visto como “arte secundária”, com a produção
sendo acusada de se apropriar veementemente dos meandres da linguagem escrita. O
trabalho com a palavra foi, por muito tempo, considerado vítima daquela ainda então nova
forma de expressão imagética, dotada de inúmeros elementos não existentes no texto
impresso. A adaptação, assim, constitui-se como forma que aproxima cada vez mais as
artes literária e cinematográfica. Tanto que, no contexto atual, filmes e livros são
pensados e lançados quase que ao mesmo tempo, com o movimento entre as artes se
dando de modo recíproco, em uma espécie de colaboração mútua na elaboração, na
expansão e na pluralidade de sentidos. Isso mostra que o cinema, ao se voltar para a
literatura, também a modifica, seja em relação à própria especificidade narrativa ou até
mesmo no campo da indústria, a exemplo da publicação de edições trazendo nas capas os
cartazes ou clara indicação dos filmes cujo roteiro se baseou em suas páginas, o que incide
também no processo de recepção das obras.
Buscando aprofundar tais relações, o presente artigo pretende tecer uma análise
da construção metafórica da invisibilidade no conto “Frontal com fanta” (2005), de Jorge
Furtado, e em sua adaptação cinematográfica Boa sorte (2014), de Carolina Jabor,
levando em consideração a focalização narrativa. O estudo centra-se no personagem
principal e em sua relação com a “invisibilidade”, trazendo questões acerca do joven
enquanto “ser invisível” perante o convívio social. Ressaltando as diferenças e
semelhanças, objetiva-se, portanto, analisar os modos de construção das narrativas
(literária e fílmica), refletindo acerca do modo como o elemento imaginário se constitui
enquanto fundamental na representação da invisibilidade e em como reverbera na
produção de sentidos.

Interpretando o foco narrativo ensimesmado

Para Bakhtin (2003, pp. 4-5), “[...] a luta do artista por uma imagem definida da
personagem é, em um grau considerável, uma luta dele consigo mesmo”. Sendo assim,
por trás do discurso do personagem-narrador estaria as escolhas promovidas pelo autor,
o legítimo inventor de todas as perspectivas presentes nas narrativas. Podemos dizer que
o narrador em primeira pessoa que também é protagonista corresponde a um modo
peculiar de manifestação da história a ser desenvolvida pelo autor.
Norman Friedman (2002) tentou responder, em sua tipologia de narradores, as
indagações a respeito de quem narra a história, de que perspectiva esta ação é realizada,
que canais seriam utilizados para tal comunicação com o leitor e a que distancia este seria
colocado da história. Assim, a teoria formulada pelo estudioso traça rotas que definem o
narrador em voz, posição espacial e modo de transmissão de informações: “Autor”
onisciente intruso, Narrador onisciente neutro, “Eu” como testemunha, Narrador-
protagonista, Onisciência seletiva múltipla, Onisciência seletiva, Modo dramático e
Câmera. Para o estudioso, o Narrador-protagonista seria aquele que “[...] encontra-se
quase que inteiramente limitado a seus próprios pensamentos, sentimentos e percepções”,
cujo ângulo de visão corresponderia à de um “centro fixo” (FRIEDMAN, 2002, p. 177).
A peculiaridade do narrador do tipo protagonista está ligada diretamente à
aproximação ou distanciamento que ele faz entre o leitor e a história, revelando certo
interesse na apresentação dos eventos narrados que, apesar de não poderem ser
modificados, podem ser resinificados, mostrados em parte representativa para aquele e
não em sua totalidade. Por estar no cerne da ação, ele teria menos mobilidade que o “Eu”
como testemunha (personagem mais ou menos envolvido nos acontecimentos da narrativa
que fala em primeira pessoa ao leitor), bem como menos amplitude, pontos de vantagem
e variedade de fontes/canais de informação. Ele não teria acesso ao estado mental dos
demais personagens e condicionaria o que é contado quase que inteiramente à sua
perspectiva.
Segundo Dal Farra (1978), para um narrador que também é protagonista, a
narração passa a ser uma fala, portanto, torna-se um elemento central para a construção
da sua psicologia, de seus valores e de suas falhas. A sua fala reconstituiria seu ponto de
vista e também seus pontos de cegueira. A autora contesta a noção de subjetividade
atrelada ao foco narrativo em primeira pessoa, apontando que todas as narrativas seriam,
de certa forma, objetivas, “[...] pois o narrador nunca estará encerrado na visão estreita de
uma determinada personagem” (DAL FARRA, 1978, p. 19), visto que as
estratégias/recursos narrativos empreendidas por determinado autor excederiam a figura
do narrador.
Na verdade, aquilo que tem-se considerado ser o ponto de vista do
narrador e que, segundo se afirma, filtra o mundo e dá forma e nome às
coisas, nada mais é que uma postura visual regulada por uma ogiva
maior: aquela que enxerga no defeito ou na amplitude de visão
conferida ao narrador a certeza do sucesso dos valores que quer
manipular (DAL FARRA, 1978, p. 23).

Genette (1995 apud REIS & LOPES, 2000), por sua vez, postulou três modelos
de narrador: o autodiegético, o heterodiegético e o homodiegético. O primeiro tipo, dentro
da diegese (ou história), é definido por Reis & Lopes (2000, p. 251) como responsável
por relatar “[...] as suas próprias experiências como personagem central”. Tal narrador
abarcaria importantes consequências semânticas e pragmáticas, decorrentes do modo
como estrutura a perspectiva, organiza o tempo, manipula a distância.
Brito (2007), entretanto, difere o ponto de vista em uma narrativa literária do
conceito de plano subjetivo de uma narrativa cinematográfica. A “câmera subjetiva”
aparentemente coincidiria, fisicamente, com a ideia de focalização em primeira pessoa,
pois o que veríamos na tela coincidiria com a visão de um (ou de mais de um) dos
personagens. Todavia, no que diz respeito à dimensão, tal plano seria “micro-estrutural,
setorizado, fragmentário”, enquanto “o ponto de vista narrativo, ao contrário, é macro-
estrutural, ou seja, se refere ao filme por inteiro” (BRITO, 2007, p. 10). Isso quer dizer
que, ao contrário de uma narrativa literária inteiramente narrada em primeira pessoa, a
câmera subjetiva corresponderia a um pequeno trecho, a um dos muitos recursos da
narrativa cinematográfica que, não necessariamente, tomaria toda a elaboração estética
de um filme.

“Frontal com fanta” e a conjuntura do conto fantástico

O diretor e roteirista Jorge Furtado é um dos mais inventivos e renomados do


cinema brasileiro. O gaúcho começou a carreira destacando-se na autoria de curtas-
metragens que misturavam ficção e documentário. Um dos fundadores da Casa de Cinema
de Porto Alegre, ele também é reconhecido pelo trabalho na produção de diversas séries
e programas especiais para a televisão, tendo dirigido também longas-metragens de
grande sucesso no circuito nacional e assinado o roteiro de outros filmes com destaque
de público e crítica. O realizador empreendeu sua primeira incursão no campo da
literatura com a coletânea de contos Meu tio matou um cara e outras histórias (2002), o
qual trazia o texto que deu origem ao filme Meu tio matou um cara (2004), já
apresentando um jovem protagonista. Com a leitura do compêndio impresso, percebe-se
que a criatividade ficcional e o caráter dinâmico característicos das narrativas fílmicas de
Jorge Furtado também se faziam presentes em seu material escrito.
Em 2005, o autor participou da antologia Tarja preta, que traz narrativas curtas
focadas em usuários de drogas medicamentais pesadas (os chamados remédios “tarja
preta”), suas implicações e funções na vida das pessoas. Tais psicotrópicos ativam o
sistema nervoso central (SNC) ou provocam ação sedativa nos seus consumidores,
podendo, por estes motivos, causar dependência. Os personagens criados pelos escritores
convidados para a seleta não têm vergonha em se assumirem viciados em antidepressivos,
estimulantes e outros psicotrópicos, transformando os leitores que acompanham seus
dilemas em testemunhas oculares dos efeitos de uma onda química.
É de Furtado o conto que abre o livro, intitulado “Frontal com fanta”, narrado em
primeira pessoa por um jovem protagonista ansioso que, desde muito cedo, experimenta
a invisibilidade ao ingerir ansiolíticos com refrigerante de laranja. Acompanhamos sua
internação em uma clínica de reabilitação, ambiente em que descobre o amor através da
curiosa relação com uma mulher mais velha e portadora da AIDS, que lhe apresenta um
novo olhar sobre a vida, através da possibilidade de aproveitar cada segundo de sua
existência como se fosse o último. O autor estudou medicina por algum tempo, curso que
não chegou a concluir. A curta experiência na área, entretanto, parece tê-lo auxiliado na
construção do texto. Ele elenca com propriedade as substâncias químicas contidas nas
medicações, assim como os efeitos colaterais que cita no desenrolar da narração. O
escritor também demonstra conhecimento ao colocar remédios legais e ilegais num
mesmo patamar de utilização, relativizando o aspecto moral das drogas. O texto é iniciado
por uma interessante epígrafe, que já adianta o caráter insólito do enredo.

Aos onze anos emprestei a um amigo O segredo de Wilhelm Storitz, no


qual Julio Verne me propunha como sempre um comércio natural e
íntimo com uma realidade nada diferente da cotidiana. Meu amigo
devolveu-me o livro: "Não terminei de ler, é demasiadamente
fantástico". Jamais renunciarei à surpresa escandalizada desse minuto.
Fantástica, a invisibilidade de um homem? Então, só no futebol, no café
com leite, nas primeiras confidências sexuais poderíamos nos
encontrar? (CORTÁZAR apud. FURTADO, 2005, p. 7)

A citação em questão foi retirada do escrito “Do sentimento de não estar todo”,
que compõe o famoso volume A volta ao dia em 80 mundos (1967), do autor argentino
Julio Cortázar (1914-1984). O trecho selecionado, por sua vez, remete ao romance O
segredo de Wilhelm Storitz (1985), do escritor francês Jules Verne (1828-1905), uma
narrativa que manifesta o incomum ao focar-se na figura enigmática de Wilhelm Storitz,
que teria encontrado o segredo da invisibilidade através de experiências científicas. Na
trama, o personagem jura vingar-se da afronta da família Roderich por recusar-lhe a mão
da herdeira Myra. Tendo como cenário a Hungria Medieval, o livro revela-se uma
aventura sobre as fronteiras da própria condição humana. A escolha referencial de Jorge
Furtado parece ter sido completamente calculada, já que o excerto trata da reação ao
absurdo, ao extraordinário incorporado à literatura, ao mesmo tempo em que faz alusão a
uma narrativa que também traz o elemento da invisibilidade como chave para a
interpretação do universo interior do personagem principal. Tal componente
caracterizaria a narrativa como de ordem fantástica, inserindo-a em uma vertente literária
amplamente explorada pelo próprio Julio Cortázar.
O escritor argentino citado em “Frontal com fanta”, inclusive, foi além do
universo ficcional, apresentando diversos ensaios com alguns princípios considerados por
muitos como regentes do gênero conto e da inserção do maravilhoso no fazer literário,
em uma rica produção crítica advinda de sua bagagem enquanto escritor e pesquisador.
Nesta perspectiva, o estudioso compara a realização contística à arte de fotografar,
trazendo a ideia de que um texto do gênero deve apontar sentidos para além de suas
próprias fronteiras, escolhendo e limitando uma imagem ou acontecimento que seja
significativo, capaz de “atuar no espectador ou no leitor como uma espécie de abertura,
de fermento que projete a inteligência e a sensibilidade em direção a algo que vai muito
além do argumento visual ou literário” (CORTÁZAR, 2006. pp. 151-153).
Para melhor exemplificar sua teoria, ele também estabelece uma comparação entre
o conto e o romance, apontando que, enquanto o primeiro gênero corresponderia a uma
arte sintética, trabalhando com a seleção de elementos significativos, o segundo se
relacionaria a uma arte mais analítica, trabalhando com a acumulação de material.
Cortázar chega a postular que o conto é um “resumo implacável de certa condição
humana” ou mesmo um “símbolo candente de uma ordem social ou histórica” (2006, p.
153). A partir disso, também traça um paralelo entre a gênese de um conto e a de um
poema, apontando para a ação de exceder o que seria “normal” através da escrita.

[…] se o ato poético me parece uma espécie de magia de segundo grau,


tentativa de posse ontológica e não já física como na magia
propriamente dita, o conto não tem intenções essenciais. A gênese do
conto e do poema é, contudo, a mesma, nasce de um repentino
estranhamento, de um deslocar-se que altera o regime ‘normal’ da
consciência [...] (CORTÁZAR, 2006, p. 234, grifo nosso.).

Indo de encontro ao excerto, Bosi (1975, p. 31) indica que o conto funcionaria
como uma espécie de “poliedro capaz de refletir as situações mais diversas de nossa vida
real ou imaginária” e que, devido às variadas possibilidades temáticas e da pequena
extensão que geralmente possui, apresentaria uma maior circulação, compreendendo
consequentemente um público leitor mais amplo e diversificado.
O conto fantástico seria aquele que contém um elemento estranho, rompendo com
o que é natural ou habitual. Ademais, Cortázar (2006, p. 235) indica que seria necessário
que o fator excepcional passasse a “ser também regra sem deslocar as estruturas ordinárias
entre as quais se inseriu”. Sendo assim, entende-se que o componente fantástico deveria
logo se integrar à ordem comum do cotidiano narrado. Ainda segundo o teórico, o insólito
não deveria aparecer o tempo todo (full-time) no conto, nem ser do tipo deus ex-machina,
surgindo ao seu desfecho para solucionar algum impasse (CORTÁZAR, 2006, p. 236).
Ainda em consonância a Julio Cortázar, qualquer narrativa não necessariamente deve se
ater à realidade, com a escrita podendo servir como meio de expressão e reprodução de
formas de representação alegórica, defendendo que “a linguagem íntegra é metafórica”
(CORTÁZAR, 2006, p. 86).
O elemento mágico não se desassociaria da realidade dentro do texto,
estabelecendo, através dela, um pacto de verossimilhança com o leitor. As grandes
surpresas nos esperariam ali “onde tivermos aprendido por fim a não nos surpreender com
nada, entendendo por isto não nos escandalizarmos diante das rupturas da ordem”
(CORTÁZAR, 2006, p. 179). A proposta aqui seria desenvolver a história despertando
ainda mais a imaginação de quem lê, oferecendo-o novas sensações que em nada o
excluem da experiência do real. Nesta perspectiva, podemos verificar que a narrativa
escrita por Jorge Furtado é um exemplo acabado do conto fantástico. Ele recorre ao
insólito para tratar dos conflitos internos do jovem protagonista, fazendo com que embarquemos
na “realidade irreal” do personagem, passando a acreditar, depois do estranhamento, que este fica
mesmo invisível ao ingerir comprimidos de Frontal com fanta sabor laranja.

Boa sorte e a adaptação fílmica de um texto literário


Atualmente, a adaptação se faz presente nas mais diversas áreas e perpassa por
todas as artes. Seja no cinema, na televisão, na literatura, na música ou até mesmo nos
jogos de internet, o ato de adaptar tornou-se um elemento cada vez mais comum e
explorado, isto porque o processo de recontar histórias nos parece intrínseco à própria
existência humana. Para o cinema, tal processo torna-se cada vez mais ávido e presente,
sobretudo nas adaptações de obras literárias, as quais, desde o surgimento da sétima arte,
têm sido recriadas para a grande tela.
É nessa perspectiva que surge Boa Sorte (2014), primeiro filme de ficção sob a
direção de Carolina Jabor. A cineasta carioca estreou no cinema com o gênero
documentário. Além de seu trabalho em vídeos de campanhas publicitárias, Jabor também
dirigiu episódios de diversas séries televisivas. É importante ressaltar que, para a
produção do filme baseado no conto “Frontal com fanta”, a cineasta contou com a
presença de Jorge Furtado como roteirista, o que denota a relação existente atualmente
entre as produções literária e cinematográfica brasileiras. Ele trabalhou o texto em
parceria com seu filho Pedro Furtado.
A presença de Jabor na direção, no entanto, cria um novo olhar sob a narrativa
posta no papel, agora dos personagens João e Judite (interpretados por João Pedro Zappa
e Deborah Secco), que se conhecem em uma clínica de reabilitação e, por meio de
diálogos que denotam uma realidade diferente da considerada “comum” e imagens
dotadas de delicadeza, apaixonam-se, de modo que esse amor causa uma transformação
sobretudo na vida do protagonista. Se, portanto, enxergamos a adaptação como processo
criativo e capaz de ressignificar a narrativa literária, podemos refletir acerca da resistência
ainda presente (inclusive por parte da crítica acadêmica) em considerar as adaptações
como obras “secundárias” e/ou “inferiores”. O cinema, mais do que o teatro ou a música,
talvez desperte tal visão negativa quando se trata de adaptação literária pela falta de
longevidade. É o que Hutcheon (2011) aponta, ao trazer a argumentação de Robert Stam,
afirmando que:

[...] a literatura sempre possuirá uma superioridade axiomática sobre


qualquer adaptação, por ser uma forma de arte mais antiga. Porém, essa
hierarquia também envolve o que ele chama de iconofobia (uma
desconfiança em relação ao visual) e logofilia (a sacralização da
palavra). (HUTCHEON, 2011, p. 24).

A “desconfiança” em relação à imagem, no entanto, se desconstrói se observarmos


o próprio aspecto de tal fenômeno como integrante da cultura de massa atual. Nesse
sentido, o cinema redimensiona o conceito da imagem como signo pronto e acabado a
partir de suas especificidades enquanto linguagem (montagem, planos, fotografia, mise-
en-scène etc.). Hutcheon (2011) argumenta:

Se as adaptações são, por definição, criações tão inferiores e


secundárias, por que estão assim presentes em nossa cultura e, de fato,
em número cada vez maior? Por que, de acordo com as estatísticas de
1992, 85% de todos os vencedores da categoria de melhor filme no
Oscar são adaptações? Por que as adaptações totalizam 95% de todas
as minisséries e 70% dos filmes feitos para a TV que ganham Emmy
Awards? (HUTCHEON, 2011, p. 24).

Para a autora, tais questionamentos a levam à principal definição da adaptação que


defende: “Repetição com variação, conforto do ritual combinado à atração da surpresa”
(HUTCHEON, 2011, p. 25). Para o leitor/espectador, encontrar outro modo de “ver” a
história da qual já tem conhecimento é um ato de prazer e risco, porque à medida que
revisita a história que já lhe é familiar, adentra no universo da surpresa, criando
expectativas sobre um novo olhar posto na história, o que termina trazendo para a
discussão a questão da noção de “fidelidade” à obra original, já que parte do público busca
encontrar a obra original na tela, desprezando, por muitas vezes, a especificidade da
narrativa cinematográfica.
Bazin (2014) sai em defesa da adaptação, ao afirmar que as diferenças estéticas
entre as artes tornam ainda mais delicada essa busca à fidelidade, no sentido de que, para
encontrar as equivalências, é necessária uma grande capacidade inventiva por parte do
cineasta. Para ele, “no campo da linguagem e do estilo, a criação cinematográfica é
diretamente proporcional à fidelidade” (BAZIN, 2014, p. 126). Desse modo, o cinema
deve buscar em seus artifícios a criação de símbolos que traduzam a linguagem verbal
sem precisar recorrer a uma equação de igualdade, mas sim de “equivalências” à obra
adaptada. Bazin (2014) ainda defende:

Considerar a adaptação de romances um exercício preguiçoso com o


qual o verdadeiro cinema, o “cinema puro”, não teria nada a ganhar é,
portanto, um contrassenso crítico desmentido por todas as adaptações
de valor. São os que menos se preocupam com a fidelidade em nome de
pretensas exigências da tela que traem a um só tempo a literatura e o
cinema (BAZIN, 2014, p. 127).
Percebe-se, portanto, que a noção de “fidelidade” está antes relacionada à própria
“traição” e à capacidade inventiva que o diretor se mostra capaz de construir para
representar o que o escritor faz com tanta especificidade. Desse modo, o Cinema se
constitui de elementos que lhe são próprios, ou seja:

[...] [o cinema] pode, enfim, almejar a fidelidade – não mais uma


fidelidade ilusória de decalcomania – pela inteligência íntima de suas
próprias estruturas estéticas, condição prévia e necessária para o
respeito às obras que ele investe. Longe de a multiplicação das
adaptações de obras literárias muito distantes do cinema inquietar o
crítico preocupado com a pureza da sétima arte, elas são, ao contrário,
a garantia de seu progresso (BAZIN, 2014, p. 129).

A ideia de Bazin, portanto, corrobora com a argumentação de que não só a


literatura enriqueceu a estética cinematográfica, mas que o cinema hoje é capaz de
contribuir também para a transformação da estética literária, já que “ambas as
modalidades narrativas possuem a mesma inclinação ao realismo de mostrar o homem no
seu confronto com o mundo” (ASTRE apud BRITO, 1996, p. 18). Enxergando a
adaptação como um caminho que alarga a produção de sentidos e que transforma
continuamente a relação entre as artes – nesse caso, literatura e cinema – percebe-se que
Carolina Jabor, ao adaptar a obra de Furtado (embora este tenha colaborado como
roteirista) traz uma nova perspectiva para a história (o que é necessário ao processo de
adaptar), diferente da que o cineasta teria, caso houvesse trabalhado como diretor na
produção do filme. É a partir daí que a análise das narrativas (literária e fílmica) é
fundamental para o entendimento de como o elemento fantástico da invisibilidade
presente no conto é construído e representado na tela.

A construção da invisibilidade

O caráter dinâmico presente no conto “Frontal com fanta” (2005) denota muito da
estética contemporânea da literatura voltada ao público juvenil, de modo que converge
com a narrativa cinematográfica. Tal fato, portanto, rendeu ao roteiro de Boa sorte (2014)
grande parte do que está na narrativa escrita, inclusive considerável número de conversas
entre o protagonista e a personagem soropositiva.
O filme, para aproximar-se da narração em primeira pessoa empreendida no conto,
apresenta algumas cenas gravadas em câmera subjetiva, na perspectiva do protagonista,
e em discurso com voz over. O interessante é que tais recursos narrativos são quase
exclusivamente utilizados em momentos de construção da característica invisível do
personagem principal. Além disso, podemos verificar que, de certo modo, o filme alarga
o caráter da invisibilidade, potencializando tal efeito através das inúmeras cenas em que
vemos o jovem João, mas as pessoas que estão com ele não o notam, o que confere ao
elemento fantástico o tom de real e verossímil a partir da ingestão do remédio com o
refrigerante. Podemos observar tal aspecto também nos diálogos narrados, que são
construídos de modo a tornar concreto o absurdo universo dos personagens:

O que você fez pra ficar invisível?


- Tomei frontal com fanta.
- Uva ou laranja?
- Laranja. A minha mente pegou um atalho, pulou direto para o último
estágio. Eu já tinha ficado invisível antes, sem tomar nada. Acontece
que tomei frontal com fanta quando estava invisível e acho que isso
congelou a invisibilidade no cérebro. Uma parte do meu cérebro, a que
comanda a invisibilidade, travou.
- E passou quando?
- Quando eu lambi uma garota.
(FURTADO, 2005, p. 31, grifo nosso)

No excerto acima, o protagonista tenta explicar como funciona o processo em que


ele fica invisível para a personagem feminina que conhece na reabilitação. A
invisibilidade, entretanto, acarretaria uma determinada regra de permanência: o jovem
não poderia tocar em outras pessoas. Ele vai percebendo este preceito ao tentar se
aproveitar do estado não visível para, por exemplo, espiar o banheiro feminino numa
festa. Nesta ocasião, o garoto não se aguenta e lambe o braço de uma garota que estava
passando o desodorante em frente ao espelho, sendo percebido por ela, que faz um
escândalo. Na narrativa escrita, Furtado descreve a cena como se o personagem só se
materializasse mesmo ao lamber a menina, assim como acontece quando ele toca nos
seios da namorada do irmão que não o viu ao ir à cozinha tomar água. Estas passagens
são transpostas com pequenas modificações de enredo na adaptação fílmica, ambas sendo
aglutinadas num mesmo momento da narrativa, com João discorrendo sobre sua
invisibilidade para Judite.
Nesse sentido, as narrativas literária e fílmica utilizam-se do elemento da
invisibilidade para produzir sentidos que transitam entre o imaginário e o real, de modo
que torna-se ponto central na narrativa. Ao mostrar, no conto, que o garoto já se sentia
invisível antes de tomar o Frontal com fanta, Furtado faz com que percebamos a
invisibilidade usada enquanto metáfora para caracterizar também as relações familiares e
sociais, representando o sentimento do garoto que se considera invisível para além da
ingestão da química. Esta, no entanto, fornece-lhe um sentimento de bem estar como
modo de encarar o duro cotidiano, funcionando como chave de fuga à sua realidade, como
podemos verificar nos seguintes trechos:

Eu não lembro muito bem se tinha 13 ou 14 anos na primeira vez em


que fiquei invisível. [...] É muito provável que eu já tivesse invisível
muitas vezes antes, tenho certeza que sim. (FURTADO, 2005, pp. 9-10,
grifo nosso)

Eu estava na escola na primeira vez que eu percebi que estava invisível.


[...] Talvez eu tenha ficado invisível para não ir naquele passeio, não
queria passar o dia vendo as meninas mais lindas me virando a cara. [...]
Abri o armário dos remédios, peguei um remédio da minha mãe,
frontal. Li a bula. “Componente ativo: alprazolam. Indicado no
tratamento dos estados de ansiedade. Seu mecanismo de ação exato é
desconhecido.” Talvez fosse isso, ansiedade se cura com remédio. [...]
Peguei o vidro e fui para o meu quarto. Tomei dois, devia ter pegado
água, não é bom tomar remédio com fanta. Deitei e dormi.
Acordei, era outra pessoa. E continuava invisível. [...] Tomei café e
mais um comprimido e fui para a escola caminhando sem ninguém me
ver. [...] Estava feliz e invisível. (FURTADO, 2005, pp. 10-11)

O jovem demonstra em seu relato que descobriu o poder da mistura de Fanta com
Frontal bem ao acaso. O estado de “felicidade” e a sensação de encontrar-se efetivamente
invisível sob o efeito da droga traz certo conforto ao garoto, denotando uma válvula de
escape da sua existência ignorada. A alegoria deste elemento mágico da narrativa põe em
questão a posição do sujeito na sociedade contemporânea, demonstrando as relações
familiares e pessoais fragilizadas, fruto de indivíduos que se sentem invisíveis perante o
coletivo (por diversos motivos), ao mesmo tempo em que também tornam o outro
invisível, aspecto comum em uma atualidade em que tudo é voltado para o “eu”. Esta
questão do sentimento real de invisibilidade é situada na adaptação fílmica dentro da fala
do protagonista, de forma a melhor concretizar o elemento fantástico. Trata-se de uma
escolha bastante significativa, que potencializa, através das imagens, a metáfora proposta
no texto literário.

[V.O.] No começo eu não sabia direito como funcionava. Vai ver que
eu nem ficava invisível mesmo porque todo mundo parecia invisível e
na rua quase nunca tem ninguém. E se tiver também, todo mundo só
olha pra frente. Se você olha pra alguém e essa pessoa também te olha
é um contato, e ninguém quer isso. A minha mãe vê tudo, mas não
presta atenção em nada, e o meu pai... Ah, esquece. O meu irmão e a
namorada só olhavam um pro outro. Eles não iam me ver nem que eu
tivesse visível. Ser invisível não é só ruim: você pode ouvir a conversa
das meninas, pode chegar bem perto, só não pode tocar (mas isso eu só
descobri depois, tarde demais). Depois eu descobri que dava pra ficar
invisível pra umas pessoas e pra outras, não. Pro meu irmão, eu ainda
tinha algum tipo de contato; pra minha mãe, eu nem precisava do
frontal, bastava a Fanta. (BOA SORTE, 2014, 18 min.)

O trecho narrado em voz over acima é ilustrado no filme com diversas cenas de
João próximo a pessoas que não o notam, inclusive seus familiares, mostrando-o
realmente invisível aos olhos dos outros, que agem como se não estivessem em sua
companhia.

Figura 1: Representação da invisibilidade no filme Boa sorte (2014) - Cena 1.

Fonte: BOA SORTE, 2014, 18 min. 20 seg.

Figura 2: Representação da invisibilidade no filme Boa sorte (2014) - Cena 2.

Fonte: BOA SORTE, 2014, 18 min. 50 seg.

Figura 3: Representação da invisibilidade no filme Boa sorte (2014) - Cena 3.


Fonte: BOA SORTE, 2014, 19 min. 10 seg.

Nas cenas, vemos o protagonista imitar os gestos de um homem aleatório na rua,


também escutando a conversa de duas garotas e assistindo de perto a intimidade do irmão
com a namorada. As passagens não são realizadas em câmera subjetiva, mas a narração
em voz over faz com que o espectador assista à ilustração da fala do personagem. Outro
momento que ressalta a invisibilidade do personagem é o que retrata mãe alheia à sua
presença na sala de casa. Ela fala ao celular sobre o filho, como se ele não estivesse ali.

Figura 4: Representação da invisibilidade no filme Boa sorte (2014) - Cena 4.

Fonte: BOA SORTE, 2014, 20 min. 4 seg.

Figura 5: Representação da invisibilidade no filme Boa sorte (2014) - Cena 5.

Fonte: BOA SORTE, 2014, 20 min. 27 seg.

A cena é mostrada sob o ponto de vista do protagonista sentado no sofá, colocando


os espectadores em sua posição. Vemos a mulher comentar o quanto o acha esquisito e
desligar a televisão que ele estava a assistir para liberar espaço na tomada elétrica e poder
carregar o celular. No longa-metragem, ele ainda tenta explicar que se tornou visível à
menina que lambeu através da saliva, um componente do corpo que não ficaria invisível.
A explicação do jovem, vista no excerto a seguir, demonstra certa instabilidade, outro
detalhe interessante em contraponto ao conto.

- Por que será que saliva faz passar a invisibilidade?


- A saliva... Ela faz parte do seu corpo, mas ela não é o seu corpo,
entende? Por exemplo, quando nos quadrinhos ou nos filmes alguém
fica invisível, a roupa também fica. Mas se a pessoa invisível cospe, o
cuspe cai no chão e a gente vê.
- Tem algum filme em que isso acontece?
- Não sei, nunca vi. Talvez tenha...
(BOA SORTE, 2014, 21 min. 54. seg, grifo nosso)

No filme, a passagem traz novamente o ponto de vista do personagem, mostrando


a indignação da menina assediada. Segundos antes, João aparecia atrás da garota, sem
que ela percebesse sua presença no banheiro:

Figura 6: Representação da invisibilidade no filme Boa sorte (2014) - Cena 6.

Fonte: BOA SORTE, 2014, 21 min. 34 seg.

Figura 7: Representação da invisibilidade no filme Boa sorte (2014) - Cena 7.

Fonte: BOA SORTE, 2014, 21 min. 38 seg.

Um fator importante presente no conto que não foi colocado no roteiro do filme
corresponde à circunstância em que o garoto se encontrava no instante em que ocorre o
episódio da lambida: ele não tinha bebido o comprimido de Frontal com fanta, mas
tomado vários copos de vinho. Este pormenor abrange a conjuntura psicológica criada
por Jorge Furtado para o protagonista do texto impresso, em que o jovem acredita que a
utilização da droga com a bebida sabor laranja na verdade solidifica ou faz perdurar sua
condição de invisibilidade ante os outros.
Em ambas as narrativas, percebemos que o garoto se sente desconfortável em seu
meio, enxergando a fragmentação das relações com os parentes, que não o compreendem,
como no seguinte trecho do conto: “Olhei para o meu pai, sofrendo, triste, tentando não
aparentar toda a tristeza que realmente sentia, com vergonha de imaginar uma parte dele
em mim, e tive certeza de que ele estava falando a verdade, eu era doente mesmo”
(FURTADO, 2005, p. 14). Nota-se que a convivência conturbada com os pais contribui
para que ele desenvolva seus problemas psicológicos, utilizando-se da invisibilidade para
sentir-se melhor. É interessante observar também a própria relação dos demais
personagens com as drogas, sejam lícitas ou ilícitas, de modo que ambas as narrativas
ilustram a dependência das pessoas que carregam a necessidade de consumir os mais
variados tipos de substâncias para se sentirem melhor, ou seja, para fugir de suas
respectivas realidades.
Outro aspecto que se destaca é a maior inserção da personagem Judite na narrativa
cinematográfica, com a história de amor entre ela e João se tornando o coração do enredo.
Ao contrário do conto, narrado em primeira pessoa pelo jovem protagonista, o filme
focaliza de modo bem melhor a construção da personalidade da personagem feminina, de
modo que ela ganha maior espaço e voz, principalmente a partir de seu caderno de
anotações, que traz comentários escritos sobre seus dias na clinica de reabilitação e, por
conseguinte, a sua história com o jovem protagonista. Através do caderno, em
determinado momento do filme, Judite também vira narradora dos acontecimentos e
situações do hospital. Sua escrita é feita com suco de limão, que se transforma em uma
espécie de “tinta invisível”, elemento que alarga a produção de sentidos em relação à
invisibilidade. Tal figura ainda motiva um dos momentos mais marcantes da narrativa
fílmica, em que o casal toma Frontal com fanta e foge da clínica de reabilitação.
Invisíveis, João e Judite caminham nas ruas imitando os gestos dos transeuntes, “visitam”
a casa dos pais do protagonista, roubam cordas de violão de uma loja de instrumentos
musicais e, finalmente, ficam completamente pelados em uma praia lotada.
Figura 8: Representação da invisibilidade no filme Boa sorte (2014) - Cena 8.

Fonte: BOA SORTE, 2014, 50 min. 10 seg.

Esta cena é deveras representativa, já que os dois aparentemente não são


percebidos pelos banhistas através da nudez. De volta ao centro de reabilitação, João
defronta a coordenadora geral do recinto (interpretada por Cássia Kis Magro), que o
questiona sobre o motivo da fuga. Entretanto, em momento nenhum fica claro se os dois
são descobertos fora da instituição pela ação de tirarem toda a roupa em público,
ressaltando o elemento fantástico da invisibilidade.

Algumas considerações

. O foco narrativo revela um projeto estético do autor na constituição do texto


literário, como meio de alcançar determinados efeitos no leitor. Assim também são as
técnicas utilizadas pelos realizadores audiovisuais na construção das cenas de um filme.
Nosso trabalho verificou como o conto “Frontal com fanta” (2005) e o filme Boa sorte
(2014) trabalham a invisibilidade do personagem principal, por meio da exploração de
sua perspectiva e da indução do leitor/espectador a compartilhar os seus conflitos,
aproximando-o de seu íntimo. Esse “penetrar no outro” é algo bastante interessante, pois
coloca quem lê/assiste ativo dentro das narrativas.
Qualquer estudo referente ao processo de adaptação torna-se indispensável para
uma maior compreensão da relação entre as artes literária e cinematográfica, destacando-
se suas características específicas e modificações associadas à transposição de uma na
outra, principalmente no que diz respeito ao engenho narrativo. Podemos dizer que os
aspectos visuais de um texto escrito e, consequentemente, as implicações metafóricas que
elas acarretam podem ser mais bem explorados na instância fílmica.
Em relação às ligações entre o conto de Jorge Furtado e sua adaptação
cinematográfica por Carolina Jabor, verificamos que a construção do filme potencializa,
através da imagem, o elemento fantástico da invisibilidade, principalmente em cenas em
câmera subjetiva e voz over que materializam tal condição do protagonista. Ademais, este
componente chave parece manter-se com grande valor representacional dos dilemas reais
vividos pelo jovem personagem, tanto no contexto cinematográfico, como no literário: a
marginalização ante o convívio social.
O filme constrói um fantástico “possível” ao deixar ambíguo o elemento da
invisibilidade, trabalhando principalmente a percepção dessa característica pelo olhar do
protagonista. Todavia, notamos a escolha do roteiro cinematográfico em atribuir maior
significado à personagem soropositiva, evocando, nela, o elemento do caderno escrito
com tinta “invisível”. O longa-metragem, claro, até pela maior extensão de tempo interno,
propõe novos aspectos à curta narrativa impressa, dando maior espaço à personagem
feminina que, por sua vez, contribui para o desenvolvimento e a solução dos conflitos
internos do jovem narrador.

Referências
BAZIN, A. O que é o cinema?. Trad. de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naif,
2014.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BOA SORTE. Dir. Carolina Jabor. Rio de Janeiro: Globo Filmes, 2014 [produção]. 1
filme (90 min).
BRITO, J. B. Literatura, cinema, adaptação. In: Revista Graphos. v. 1, n. 2. João Pessoa:
Jun. 1996. pp. 9-28. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/graphos/article/view/9179>. Acesso em: 04
mai. 2018.
______. O ponto de vista em cinema. In: Revista Graphos. v. 9, n. 1. João Pessoa: Jan./Jul.
2007. pp. 7-12. Disponível em:
<http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/graphos/article/view/4706>. Acesso em: 04 mai.
2018.
BOSI, A. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Ed. Cultrix, 1975.
CORTÁZAR, J. Valise de cronópio. Trad. de Davi Arriguci Jr. e João Alexandre Barbosa.
São Paulo: Ed. Perspectiva, 2006.
DAL FARRA, M. L. O narrador ensimesmado (o foco narrativo em Vergílio Ferreira).
São Paulo: Ática, 1978.
FRIEDMAN, N. O ponto de vista ficção: O desenvolvimento de um conceito crítico. In:
Revista USP. São Paulo, n. 53, março/maio, 2002. pp. 166-182.
FURTADO, J. Frontal com fanta. In: FURTADO, J. [et al]. Tarja preta. Rio de Janeiro:
Ed. Objetiva, 2005.
HUTCHEON, L. Adaptação. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2011.
REIS, C. & LOPES, A. C. M. Dicionário de teoria narrativa. São Paulo: Ática, 2000.
A PRINCESA E A ERVILHA: UM CONTO DE HANS CHRISTIAN
ANDERSEN ADAPTADO PARA HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Ana Paula Serafim Marques da Silva - UFPB


anapaulasms0108@gmail.com

Uélida Dantas de Oliveira – UFPB


uelida1114@hotmail.com

Daniela Maria Segabinazi – UFPB


dani.segabinazi@gmail.com

RESUMO: Neste artigo, propomos uma análise da adaptação do conto “A princesa e o


grão de ervilha”, de Hans Christian Andersen, para história em quadrinhos realizada por
Stephanie True Peters, traduzido por Fabio Teixeira, preocupando-nos em mostrar de que
maneira foi realizado o processo adaptativo do conto para o gênero HQ. A metodologia
adotada foi a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo-interpretativo. Para base teórica,
adotamos as considerações de Eisner (2010), Zilberman (1994), Powers (2008), Carvalho
(2006). Como resultados, verificamos que as quadrinizações de obras literárias podem
ser um bom recurso de valorização do clássico e sua permanência em outro suporte.

PALAVRAS-CHAVE: História em quadrinhos; Adaptação; A Princesa e a Ervilha.

1. INTRODUÇÃO

A Literatura é composta por textos dos mais variados gêneros, nos diferentes
suportes midiáticos – desde a oralidade aos meios escritos e digitais. É visível a
consagração da imagem nesses espaços pelo menos desde a década de 1960, período em
que muitos escritores começaram a se dedicar a arte das ilustrações, sobretudo na
literatura endereçada às crianças e aos jovens. Ainda, na década de 60, alguns autores
brasileiros, como Ziraldo e Mauricio de Sousa, iniciaram um trabalho com uma arte que
integra as linguagens verbal e visual necessariamente: a História em Quadrinhos (HQ),
de modo que seus textos compuseram parte do repertório literário dos leitores
infantis/juvenis de várias gerações, seja pelo envolvimento com as personagens com as
quais os leitores se identifica(va)m, seja pela natureza da HQ que, ao integrar a linguagem
visual à verbal, constitui uma linguagem atraente.
Essa riqueza de linguagem foi notada por algumas editoras que investiram em
adaptações de textos canônicos da Literatura universal para o suporte das HQs, visando a
atrair o leitor jovem e também o público escolar. Um marco nessas produções foi a
Editora Brasil-América (EBAL), fundada por Adolfo Aizen, que publicou a série Edição
Maravilhosa na década de 40, adaptando clássicos universais. Com o mesmo intuito, a
Editora Rio Gráfica, de Roberto Marinho, criou a série Romance em quadrinhos em 1956.
Nota-se que essas publicações buscavam, entre outras coisas, aproximar os
leitores do legado cultural deixado pelas grandes obras literárias, por meio de um texto
verbo-visual atraente e rico em possibilidades de leitura. Mais recentemente, interesse
semelhante apresentaram instituições governamentais, como o Programa Nacional
Biblioteca na Escola (PNBE), ao seguir os pressupostos de documentos oficiais da
educação, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que orientam a
inserção das HQS como recurso de incentivo à leitura e à escrita nas salas de aulas.
Diante desses fatos, interessa-nos, pois, neste artigo, compreender como se dá a
inserção das HQs no contexto das adaptações literárias, além de realizar uma analise do
processo adaptativo do conto do conto “A princesa e o grão de ervilha”, de Hans Christian
Andersen (1805-1875), para história em quadrinhos realizada por Stephanie True Peters,
traduzido por Fabio Teixeira.

2. HISTÓRIA EM QUADRINHOS E LITERATURA: QUADRINIZAÇÃO DOS


CONTOS

A adaptação dos contos de fadas para histórias em quadrinhos permite que o leitor
se depare com um texto com mais humor, com a presença de críticas irônicas, que têm o
objetivo de despertar no leitor a sua atitude apreciativa, fazendo com que ele possa
levantar questionamentos diante do texto original do conto de fada e do texto adaptado
para os quadrinhos. Conforme Linda Hutcheon (2012, p. 10): “A adaptação é (e sempre
foi) central para a imaginação humana em todas as culturas. Nós não apenas contamos,
como também recontamos nossas histórias”.
No Brasil, os contos de fadas mais famosos foram adaptados por Maurício de
Sousa nas histórias em quadrinhos da turma da Mônica. Contos como: Chapeuzinho
Vermelho, Branca de Neve, O patinho feio, A bela adormecida entre outros. Mauricio de
Sousa utiliza os personagens que já conhecemos da Turma da Mônica, mantendo neles as
características da personalidade de cada um, para atribuir humor à paródia realizada do
conto de fada adaptado. No entanto, acrescenta aos personagens Mônica, Magali, Cascão
e Cebolinha características dos personagens dos contos, como as vestes das princesas e
dos príncipes, além de alguns objetos relevantes do texto original. Essas características
estão explicadas na fala de Amarilha (2009):

Na história em quadrinhos da Turma da Mônica, o enredo é mais ágil e menos


dramático, tendo em vista que não se decide sobre o destino final dos
personagens. Nas narrativas da HQ os personagens têm a oportunidade de
consolidarem, mais uma vez, seu perfil no universo a que pertencem: Mônica
reafirma sua liderança; Cebolinha reafirma sua ingenuidade, e assim,
sucessivamente. As narrativas em quadrinhos sobrevivem da redundância
sobre os traços da personalidade de seus personagens. Os personagens da
Turma da Mônica não passam por metamorfoses profundas como ocorre com
os personagens dos contos de fadas. Cinderela passa de submissa e explorada
a princesa; de desprezada a admirada, enquanto Magali continuará a ser gulosa
a cada nova história (AMARILHA 2009; p.59).

Quando a adaptação é realizada, ocorre mudança na linguagem verbal e não


verbal, como também no suporte do texto, visto que a estrutura de um conto de fadas é
diferente da estrutura do texto de uma história em quadrinhos. Como acrescenta Pirota
(2004, p. 87), “[n]a passagem de uma linguagem para a outra (no caso específico do conto
para os quadrinhos), ou de um suporte para o outro, a estrutura narrativa é modificada,
transformada e recriada”.
No que diz respeito à paródia, podemos afirmar que sua presença na adaptação em
HQs permite que o leitor infantil desenvolva seu lado crítico, também permite que ele
possa recriar a história fazendo, assim, com que ele use sua imaginação. De acordo com
Amarilha (2009, p.61), “[a] relevância da paródia na formação leitora pode ser assinalada
pelos diferentes aspectos com os quais estimula a cognição, a inserção na cultura e a
desenvolver a atitude crítica diante do conhecimento que o contato com esse gênero de
texto propicia”.
Frisa-se, também, a relevância das adaptações feitas por Will Eisner para os
quadrinhos, a exemplo do conto dos Irmãos Grimm, A princesa e o Sapo, adaptação com
presença do humor irônico, de cores vibrantes e desenhos com traços dramáticos. Mesmo
tratando-se de uma história bastante conhecida, a maneira como Eisner faz os quadrinhos,
acrescentando elementos, como os quadrinhos hipercoloridos, torna a leitura da adaptação
marcante.
Outro destaque importante de adaptações é a coleção de clássicos organizada por
Chris Duffy, juntamente com a Editora Galera Record, na qual foram selecionados vários
autores para realizarem adaptações dos contos João e Maria, O gato de botas, Branca de
Neve, Cachinhos Dourados, entre outros. Ressalta-se que foram adaptados 17 clássicos.
Conforme Juliana Boeira da Ressurreição, “[a] fantasia dos contos de fadas é
fundamental para o desenvolvimento da criança. Há significados mais profundos nos
contos de fadas que se contam na infância do que na verdade que a vida adulta ensina”
(2010, pp.19-20). Levando isso em consideração, podemos constar que a adaptação de
um conto de fadas para histórias em quadrinhos contribui positivamente para a formação
leitora da criança, fazendo com que ele descubra alguns significados e sentimentos, como
também desperte seu lado crítico de leitor.
Em suma, as adaptações de contos de fadas para HQs permitem que o leitor use
sua imaginação para recriar um novo final para os contos por ele já conhecidos, interprete
o texto, questionando-o diante do contexto sociocultural em que vive atualmente, levando
em consideração o contexto no qual o texto original foi criado e o contexto da adaptação,
percebendo os valores e as diferenças agregados à estrutura de cada gênero.

3. A PRINCESA E A ERVILHA: UM CONTO DE HANS CHRISTIAN ANDERSEN


EM QUADRINHOS

A HQ A Princesa e a Ervilha, de Stephanie Peters e ilustrada por M. A.


Lamoreaux, é uma adaptação do conto homônimo publicado pelo dinamarquês Hans
Christian Andersen ainda no século XIX. Faz parte da coleção Clássicos em Quadrinhos,
da editora Ciranda Cultural que, como o título sugere, busca quadrinizar algumas obras
clássicas da literatura mundial para os leitores infantis/juvenis.
A capa é um elemento bastante significativo na constituição do arranjo visual de
obras voltada ao pequeno leitor. Segundo Powers (2008), a capa cumpre um importante
papel no processo de envolvimento físico entre a criança e o livro, pois a define como
objeto a ser apanhado, deixado de lado ou conservado ao longo do tempo. Na capa (Figura
1) de A princesa e a Ervilha (2014), além da ilustração, que apresenta imagens de
colchões num plano superior visto de cima, a diagramação visual que, segundo Eisner
(2010), tem a função de estabelecer o tom emocional, o ritmo e o clima da HQ, também
traz a informação do adaptador e ilustrador do exemplar. Ademais, o requadro no estilo
clássico de moldura real com o título da HQ e a informação de que é um “conto clássico
em quadrinhos” são elementos constituidores da capa.
Já na contracapa (Figura 1), é possível identificar além do tradicional balão
contínuo com rabicho, um desenho com traços do mangá. A obra, além de ser uma
adaptação de um clássico pra quadrinho, utiliza a ilustração com traços orientais para
encantar e segurar de vez o jovem leitor que, na sua maioria, adora quadrinhos e mangás,
uma produção cultural do oriente, Japão.

Figura 1 – Reprodução fotográfica da capa e da contra capa de A Princesa e a Ervilha, de Stephanie


Peters. Fonte: PETERS (2014)

A moldura real da capa também é utilizada na apresentação das personagens


(Figura 2), O Rei, A Rainha, A Princesa e O Príncipe. As imagens sugerem emoções,
gestos, sentimentos e ações. Essa exposição pode ser entendida como uma forma de
disciplinar a leitura, a partir daí o leitor vai saber, pela repetição de símbolos, identificar
cada personagem. Ademais, as páginas são unidas através da figura dos colchões, que
funcionam como requadro com função narrativa.
Figura 2 – Reprodução fotográfica da apresentação das personagens. Fonte: PETERS (2014, pp. 4-5)

Em toda a HQ a narrativa é contada, além de imagem e cores que dialogam o


tempo todo, por balões. A voz do narrador é apresentada em forma de legenda – que tem
a função de introduzir a narrativa e ligar os quadrinhos (Figura 3)–, a voz e pensamento
das personagens ocorrem através de balão contínuo com rabicho. Há apenas um balão
com rabicho de bolinha (p. 14) representando o pensamento do príncipe. As
onomatopeias, que, segundo Eisner (2010), além de serem extensão da imagem,
acrescentam sons a ela, também estão presentes no texto (Figura 4).

Figura 3 – Reprodução fotográfica da voz do narrador. Fonte: PETERS (2014, p. 6)


Figura 4 – Reprodução fotográfica dos recursos onomatopeicos. Fonte: PETERS (2014, p. 8; 13)

No processo adaptativo do conto de Andersen (1978) para a HQ a essência se


mantém. Facilmente encontramos elementos em comum nos dois gêneros, como por
exemplo, as fórmulas adquiridas, o “Era uma vez” e o “Felizes para sempre”.
Contudo, A princesa e a Ervilha (2014) traz elementos novos para a história.
Segundo Zilberman (1994, pp. 50-51), o processo de adaptação atende a necessidade de
aproximar o texto literário do leitor infantil e juvenil, sempre atendendo as “expectativas
recepcionais”. Nesse contexto, a HQ nos apresenta o que no conto “A princesa e o grão
de ervilha” (1978) é ocultado, os senões e as falhas das princesas numa reinvenção bem
humorada. Na primeira visita do príncipe, ele encontra uma jovem com características da
vaidade, estressada porque um fio do seu cabelo está fora do lugar (Figura 5); na segunda,
uma nerd que se acha a pessoa mais inteligente do mundo e pergunta ao príncipe: “Você
não sabe de nada, não é?”, o príncipe rapidamente vai embora dizendo: “Só sei de uma
coisa: estou indo embora!” (p. 9) (Figura 6).

Figura 5 – Reprodução fotográfica da Princesa vaidosa. Fonte: PETERS (2014, p. 8)

Figura 6 – Reprodução fotográfica da Princesa nerd. Fonte: PETERS (2014, p. 9)


Logo em seguida, o narrador nos informa que “Infelizmente, o príncipe não encontrou
uma princesa de verdade nem no dia seguinte” (p. 10). E ainda mais, o príncipe se depara com
outras jovens que não eram do seu agrado: uma avarenta com mania de grandeza, uma malvada
que preparou armadilhas para machucá-lo e por último, uma gulosa que sequer deixou o nobre
tocar na comida (Figura 7).

Figura 7 – Reprodução fotográfica da Princesa gulosa. Fonte: PETERS (2014, p. 11)

Ironicamente, as características das possíveis princesas representam arquétipos que nem


de longe se parecem com uma nobre. No entanto, podem simbolizar os guetos dos jovens, como
também os pecados capitais, ou seja, tais informações são importantes para adequar a narrativa
neste suporte e, como aponta Carvalho (2006), aproxima o texto ao universo do seu receptor.
Outro momento em que não é possível enxergar no conto de Andersen e que está
presente na HQ é a justificativa dada pela princesa à família real, na qual ela explica, através
do recuso de legenda com aspas (Figura 8), que estava andando a cavalo quando se distraiu ao
ver um pássaro voando, porém, sobre o solo havia uma serpente que acabará assustando o
cavalo, fazendo com que ela caísse dele. A menina ficou vagando em uma forte tempestade até
que um raio iluminou o castelo e ela prontamente pediu ajuda. A chegada da princesa ao palácio
é carregada de cores escuras e um amontoamento de quadrinhos, que, segundo Eisner (2010),
essa técnica realça o ritmo crescente de pânico (Figura 9).
Figura 8 – Reprodução fotográfica da justificativa dada pela princesa à família real. Fonte: PETERS (2014, p.
16)

Figura 9 – Reprodução fotográfica da chegada da princesa ao palácio. Fonte: PETERS (2014, p. 15)

É importante ressaltar que essas informações - das falhas das jovens candidatas a
princesa e da justificativa da nobre verdadeira – não alteram o teor do conto “A princesa e o
grão de ervilha” (1978), mas a inserção delas na narrativa pode ser percebida como uma
estratégia da autora para enriquecer o suporte, como também para dar mais verdade à ação,
assim, adequando ao leitor que se encontra em processo de amadurecimento.
A HQ é repleta de recursos inerentes ao gênero, como por exemplo, a utilização de close
e superclose, de elementos que dão ideia de movimento e amplificação da informação. Aqui
destacamos, principalmente, o plano dos colchões em que, diferente da capa, o anglo de visão
é a partir do chão (Figura 10), e a técnica utilizada nas cores que mostram a princesa sem dormir,
incomodada pela ervilha (Figura 11), permite que o leitor compartilhe experiência, pois mexe
com os sentidos do leitor. A incrédula Rainha, para testar a realeza da jovem, elabora um plano
infalível, em que através de uma ervilha, considerada por Bajgielman (2005) um o objeto
mágico, descobre-se a princesa de verdade.

Figura 10 – Reprodução fotográfica do plano dos colchões com anglo de visão a partir do chão. Fonte: PETERS
(2014, p. 24)

Figura 11 – Reprodução fotográfica da princesa sem conseguir dormir. Fonte: PETERS (2014, p. 26)

Além do mais, o livro possui informações sobre a vida do autor do conto, Hans Christian
Andersen, a vida da adaptadora, da ilustradora, a história da Princesa e a Ervilha, trazendo uma
versão italiana intitulada “A mulher mais sensível”. Também informa ao leitor que o conto foi
adaptado para peças teatrais, danças clássicas, como o balé, e programas de TV e Rádios. Além
disso, o livro traz como alguns de seus paratextos um tópico chamado “Perguntas para
Discussão”, o “Projetos de Redação” e o “Glossário”, o que sugere sua configuração com fins
também pedagógicos.

4. CONCLUSÃO

Conhecer as diferentes perspectivas sobre as HQs, assim como as fases pelas quais esse
gênero textual passou até se configurar como hoje o conhecemos, faz-nos perceber seu estatuto
de arte que se adapta aos diferentes contextos e épocas em que é desenvolvido, articulando sua
linguagem híbrida para conquistar cada vez mais leitores. Vimos que, com o domínio dos
elementos que compõem essa arte sequencial, muitas obras foram consagradas em solo
brasileiro, dando ênfase às adaptações dos clássicos universais. O amplo mercado de quadrinhos
visa a funções diferentes, destinando-se desde à criança ao público adulto, mas é visível o
interesse pedagógico ao retomar obras canônicas – de domínio público, normalmente – para
destinação às escolas. Trata-se, assim, do interesse em utilizar a adaptação para aproximar os
jovens leitores da herança cultural imortalizada nas grandes obras, o que pode ser pensado sobre
a obra discutida neste texto.
A análise do conto quadrinizado A Princesa e a Ervilha nos possibilitou perceber que
essa adaptação mantém elementos importantes da narrativa da qual se originou, como os
protagonistas, o conflito e o desfecho. No entanto, por se tratar de um novo suporte, houve a
necessidade de inclusão de novos elementos, como a inserção de personagens inéditos com
personalidades realçadas, a fim de atender a um novo público e a um novo tempo. É importante
reconhecer, contudo, que a HQ analisada tem elementos suficientes para ser lida como uma
obra autônoma ou como uma ponte para a leitura do texto de Andersen.
Portanto, acredita-se que as quadrinizações de obras literárias podem ser um bom
recurso de aproximação dos jovens leitores com os textos originais ou configurar-se como uma
agradável leitura de HQ, estimulando suas possibilidades leitoras de uma linguagem híbrida,
assim como desenvolvendo neles a criticidade na leitura do texto adaptado, caso já conheça o
texto-fonte.

REFERÊNCIAS

AMARILHA, Marly. História em quadrinhos e literatura infantil: a paródia na formação do


leitor. Revista Educação em Questão, Natal, v. 36, n 22, p. 56-73, 2009.
ANDERSEN, Hans Christian. A Princesa e o Grão de Ervilha. In: _____. Contos de
Andersen. Tradução do dinamarquês por Guttorm Hanssen. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

BAJGIELMAN, Selma. A Princesa e a Ervilha em Quatro Versões Selecionadas. In: Palavra


e Imagem: Um Casamento Nem Sempre Feliz. Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Letras – Linguagem, Cultura e Discurso – da Universidade Vale do Rio Verde
(UNINCOR), 2005. Disponível em: < http://www.unincor.br/images/arquivos_mestrado/disse
rtacoes/dissertacao_selma.pdf >Acesso em: 29 out. 2018.

CARVALHO, Diógenes Buenos Aires de. A adaptação literária para crianças e jovens:
Robinson Crusoé no Brasil. Porto Alegre, 2006.

DA RESSURREIÇÃO, Juliana Boeira. A importância dos contos de fadas no


desenvolvimento da imaginação. 2013. Disponível em:
<http://www.facos.edu.br/old/galeria/129102010020851.pdf>. Acesso em: 19 out. 2016.

EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial: princípios e práticas do lendário cartunista. São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. 2. Ed. Tradução André Cechinel.
Florianópolis: Ed. UFSC, 2013.

PETERS, Stephanie. A Princesa e a Ervilha. Ilustrador: M.A. Lamoreaux. Tradução: Fábio


Teixeira. Ciranda Cultural. 2014.

PIROTA, Patrícia. Palimpsestos Machadianos: adaptações para os quadrinhos da obra O


Alienista. In: RAMOS, Paulo; VERGUEIRO, Waldomiro; FIGUEIRA, Diego. Quadrinhos e
Literatura diálogos possíveis. 1ª ed. São Paulo: Criativo, p. 85-110, 2014.

POWERS, Alan. Era uma vez uma capa. Tradução de Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac
Naify, 2008.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 9.ed. São Paulo: Global, 1994.
ADAPTAÇÕES DE JOÃO E MARIA, DOS IRMÃOS GRIMM:
CONTRIBUIÇÕES DE FIGUEIREDO PIMENTEL E CARLOS
FERREIRA E WALTER PAX

Cristina Rothier Duarte – UFPB


cristinarothier@hotmail.com
Daniela Maria Segabinazi – UFPB
dani.segabinazi@gmail.com

RESUMO
Neste artigo, analisamos as adaptações do conto João e Maria ([1812]/2012), recolhido da
tradição popular por Jacob e Wilhelm Grimm, realizadas por Figueiredo Pimentel
([1894]/1958), considerado precursor cronológico da literatura infantil brasileira, e por Carlos
Ferreira e Walter Pax (2007), escritor e ilustrador, respectivamente, de uma versão do conto em
HQ. Metodologicamente, empregamos a pesquisa bibliográfica qualitativo-interpretativa.
Como resultado, percebemos que ambas as adaptações contribuem para a permanência do texto
fonte, ora acrescentando, ora retirando elementos que constituem a primeira narrativa, ao
mesmo tempo em que conferem novas possibilidades de leitura.

PALAVRAS-CHAVE: Adaptação; Contos clássicos; HQ; Letramento.

1. INTRODUÇÃO

As narrativas primordiais (COELHO, 2000, p. 94) têm sobrevivido ao longo dos


tempos. “Tais textos refletem um percurso de quase 25 séculos na evolução do homem (do séc.
V a. C. ao séc. XIX d.C.) e mostram, através da transfiguração literária, algumas das mudanças
havidas no modo de ver o mundo e de viver.” Neste trabalho, no entanto, não temos como
objeto de discussão aspectos sociológicos ou sociais que tenham vindo a refletir em novas
formas de se contar a mesma história. A partir da proposta de análise que trazemos, voltaremos
nosso olhar para dentro das narrativas, a fim de apontar elementos que foram mantidos ou
alterados nas três versões que selecionamos, levando em consideração o processo de adaptação
que sofreu.
Para o estudo comparativo realizado neste artigo, trouxemos o conto “João e Maria” nas
versões: dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, traduzido por Christine Röhrig, em Contos
Maravilhosos infantil e domésticos (2014), da Editora Cosacnaify; de Figueiredo Pimentel, em
Contos da Carochinha (1958), da Editora Quaresma, 25ª edição; e de Carlos Ferreira e Walter
Pax, em Irmãos Grimm em quadrinhos (2007), da Editora Desiderata.
Partindo da versão dos irmãos Grimm, apontaremos as contribuições de Figueiredo
Pimentel e de Carlos Ferreira e Walter Pax para a permanência dessa obra entre os leitores
brasileiros. O primeiro, presenteando-nos com sua reescrita no final do século XIX, quando as
crianças só podiam ler obras importadas, de linguagem difícil devido às diferenças linguísticas
e culturais, e os segundos, adaptando para um público mais maduro, adolescentes e adultos,
com uma linguagem verbo-visual mais contemporânea, representam o papel de colaboradores,
juntamente com inúmeros outros adaptadores e tradutores, para a perpetuação dos contos
primordiais, tornando-os clássicos universais.
Assim, antes de procedermos com a análise comparativa das três versões, iremos tratar,
brevemente, da história da literatura infantil, a partir da escrita dos irmãos Grimm e de
Figueiredo Pimentel. Importante advertimos que o adaptador Carlos Ferreira e o ilustrador
Walter Max, artistas contemporâneos, não serão tratados neste artigo em razão do viés histórico
que daremos à primeira seção deste trabalho. A metodologia empregada será a pesquisa
bibliográfica de cunho qualitativo-interpretativo. E teremos como fundamentação teórica
estudos de Coelho (2000), Leão (2007), Mendes (2017) e Oliveira (2014).

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. A literatura infantil dos Irmãos Grimm

Na Alemanha do século XIX, quando ainda não era uma nação unificada, devido à
ocupação Napoleônica, pairava um espírito nacionalista popular que inspirou Jacob Ludwig
Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) a estudarem elementos comuns a todos os
germânicos e imprescindíveis para a identidade desse povo, a língua e a cultura alemãs. Era o
Romantismo – sua segunda fase, mais especificamente – a força motriz inicial que fez com que
os irmãos investigassem as origens folclóricas do povo alemão, tendo como fruto um dos
clássicos infantis que foram eternizados permanecendo vivo até a atualidade, Kinder und
Hausmärchen (Contos de crianças e do lar).
Os contos dos irmãos Grimm, publicados entre 1812 e 1822, e posteriormente reunidos
em Kinder und Hausmärchen, somaram 03 (três) volumes: 02 (dois) contendo a compilação de
contos, e 01 (um) – o último – apresentando notas dos folcloristas, em que tratam do processo
de coletas das narrativas populares e do trabalho de elaboração da obra, e também informações
sobre suas fontes de coleta, sobre as variações dos contos, além de dados referentes a como,
onde e quando se deram as recolhas. “O objetivo dos Grimm com todo esse conteúdo cultural
germânico era registrá-lo e preservá-lo, de modo que a escrita não permitisse que a ‘essência’
dos povos germânicos, presente até então apenas na oralidade, se perdesse em algum momento
futuro.” (MENDES, 2017, p. 49). Portanto, a intenção inicial não era escrever para a infância.
Malgrado a obra não ter sido direcionada para esse público, como o próprio prólogo
apresenta, grande sucesso fez entre as crianças, de maneira que, logo, os contos foram editados
para elas. No entanto, a violência e a crueldade faziam parte das narrativas dos irmãos alemães.
Em “Rotkäppchen” (“Chapeuzinho vermelho”), exemplificando, o lobo tem sua barriga aberta
pelo caçador ainda em vida e, em seguida, é enchida de pedras e costurada, terminando o
antagonista morto ao cair em um poço, onde se debruçou para beber água. Esse novo estilo, em
que a crueldade convive com o espírito de esperança que o happy end faz nascer, é fruto da
concepção humanista da Era Romântica.
Mesmo violentos e cruéis, os contos tornaram-se populares entre as crianças, mas ainda
assim sofrem severas críticas, quanto à presença de elementos já considerados não adequados
para aquele público. Diante disso, os Grimm operaram modificações, reduzindo a preocupação
com o rigor acerca da fidelidade, adequando ao público burguês e, consequentemente, à
mentalidade das crianças.
Efetivamente, o humanismo romântico que se fez prevalecer para o final feliz das
narrativas, somado ao estilo poético dos Grimm e à moderação acerca da fidelidade em relação
ao original popular adotada após as apreciações severas de seus pares na literatura fez resultar
em uma fórmula de sucesso, eternizando contos que, ao longo da história, poderiam ter-se
apagado da memória humana.
Diante de tantas alterações que os contos sofreram para atender aos apelos da crítica e
se enquadrar ao que, naquele momento, compreendia-se como adequado para as crianças, os
contos que, inicialmente, eram objeto de interesse para resgate nacional mediante estudos das
raízes populares germânicas passaram a ser objeto de um projeto de criação com preocupação
literária e estética. Apesar das modificações, a obra somente alcançou realmente o sucesso após
a sua tradução, em 1825, para a língua inglesa, em uma edição que se limitou à publicação de
50 (cinquenta) contos – “[...] aqueles elencados por Wilhelm Grimm como os melhores –,
justamente aqueles que acabaram por se tornar canônicos depois. Também foi esta edição
britânica a primeira a trazer as ilustrações feitas pelo outro irmão, Ludwig Grimm.” (MENDES,
2017, p. 53).
2.2. Contribuições de Figueiredo Pimentel para a literatura infantil brasileira

O público leitor infantil brasileiro, até o final do século XIX, não dispunha uma literatura
que fosse nacional. Tínhamos os contos europeus universais reunidos em obras estrangeiras ou
mesmo aqui impressas, predominantemente, em francês ou em português lusitano, o que
dificultava a sua recepção face o obstáculo linguístico e cultural. Diante disso, Pedro Quaresma
(18---19--?) idealizou um projeto direcionado às crianças, a Biblioteca Infantil, da Livraria
Quaresma. Para tanto, convidou Figueiredo Pimentel para ser o organizador da coleção. Assim,
em 1894, era lançada a primeira obra infantil de autoria do escritor macaense Contos da
Carochinha, reunindo “40 contos populares, moraes e proveitosos de varios paízes [...]”,
escritos em “[...] linguagem facil como convém ás crianças [...]” (GAZETA DE NOTICIAS,
ANO XX, n. 157, 07 de jun. 1894, p. 3)25.
De acordo com Leão (2007, p. 19), “[p]ara falar com os leitores, o romancista assumiu
a responsabilidade de entrar na pele das contadoras de histórias: as baratinhas. Essas foram as
condições para que o novo gênero criasse a própria recepção [...].” Essa foi a estética adotada
pelo autor: apresentar a narrativa bem próxima da oralidade. Nesse sentido, constitui marca do
seu processo de reescrita a inserção de muitos detalhes à narrativa, entre eles, a nomeação dos
personagens. Figueiredo Pimentel, por exemplo, dá nome à Chapeuzinho Vermelho, que em
sua adaptação chama-se Albertina, e também o faz em relação a outros muitos personagens
inominados nos clássicos europeus: o Gato de botas de Malhado, a mãe da Branca de Neve de
Laurinda, apenas citando algumas ocorrências.
É importante notar que apesar de as obras da Biblioteca Infantil terem como preceito o
deleite, elas não se afastaram das lições morais e edificantes que caracterizavam a literatura
infantil desde suas fontes primárias, visto que a presença um fundo moralizante e pedagógico
era, podemos chamar assim, uma regra para a aceitação por parte do público. No entanto, não
podemos duvidar da inovação que realiza ao abrasileirar os contos, trazendo elementos e
costumes nacionais, facilitando a linguagem com vocábulos nossos.
A obra foi um sucesso, logo após seu lançamento, a primeira tiragem de 5.000 (cinco
mil) exemplares esgotou-se em menos de um mês. Apesar disso, a obra apresentava um sério
problema quanto aos desvios ortográfico, como expõe o prefácio da segunda edição. Assim,
nessa edição ampliada, com 60 (sessenta) contos, esses problemas foram objeto de revisão. O

25
A citação retirada do site da Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional
(http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/) guarda a grafia original.
êxito de vendas se repetiu também na segunda edição, esgotando-se mais 5.000 (cinco mil)
exemplares novamente, em pouquíssimo tempo. Esse sucesso de vendagem demonstra que a
fórmula de Figueiredo Pimentel foi bem recebida pelo público infantil, de modo que outras
obras da mesma coleção, de autoria desse escritor e de outros, foram lançadas pela Livraria
Quaresma, após Contos da Carochinha: Teatrinho Infantil, Histórias da Avozinha, O reino das
Maravilhas, Histórias do Arco da Velha, Os Meus Brinquedos, A Árvore de Natal, Histórias
do País de Ali-Babá, Contos do País das Fadas, Histórias da Baratinha, Histórias Brasileiras
e Álbum das Crianças.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como mencionado na introdução deste trabalho, analisaremos, nesta seção, o conto


“João e Maria”, dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, traduzido por Christine Röhrig, em Contos
Maravilhosos infantil e domésticos (2014), comparando-o, a partir de algumas categorias da
narrativa, com a adaptação de Figueiredo Pimentel, em Contos da Carochinha (1958); e a de
Carlos Ferreira e Walter Pax, em Irmãos Grimm em quadrinhos (2007).
As três versões selecionadas para análise contam, de uma maneira geral, a história de
um lenhador, sua mulher e seu casal de filhos – João e Maria –, uma família extremamente
pobre. A situação famélica faz com que a mulher tenha como objetivo abandonar as crianças
na floresta, que, convencendo o marido, executa o plano. Sem conseguirem encontrar o
caminho de volta, já que os pedaços de pão deixados por João foram comidos por pássaros,
João e Maria encontram uma casa feita de pão, bolo e açúcar, onde mora uma velha bruxa que
planeja alimentar-se deles, para tanto, mantém-nos presos enquanto engorda o menino até ficar
no ponto para cozinhar. No final, como o menino parece não engordar, ordena à Maria que entre
no forno, para verificar se está quente, ou ajeitar as brasas, ou, ainda, observar se o pão está
assado – a estratégia varia de acordo com a versão –, a qual diz não saber como fazer, quando
então a mulher o faz e fica presa, morrendo nas chamas. As crianças, assim, libertam-se, mas,
antes de fugirem, recolhem as joias que lá se encontram, e levam consigo, enfim chegam em
casa e são recebidas com alegria. Como se percebe, as três versões apresentam os enredos muito
semelhantes, no entanto há elementos, adiante demonstrados, que fazem com os contos se
distingam uns dos outros em alguns aspectos, conforme passamos a expor.
A narrativa em HQ se afasta um pouco das duas outras, por suprimir a primeira tentativa
de abandono de João e Maria. Nas versões dos irmãos Grimm e de Figueiredo Pimentel, há dois
momentos: o primeiro, em que as crianças conseguem voltar para casa, com o auxílio das pedras
brancas deixadas por João, e o segundo, em que a pista feita na trilha com pedaços de pão é
comida pelos pássaros, não permitindo que eles retornem para casa. Quanto aos personagens,
as narrativas se diferem em alguns aspectos que passamos a enumerar. A mulher adulta, nos
contos dos irmãos Grimm e de Figueiredo Pimentel, é mãe das crianças, e, na HQ, é madrasta.
Conferir um caráter tão cruel à uma personagem feminina que não é a mãe dá à narrativa um
tom mais romantizado, em que a figura da mãe permanece imaculada, o que não ocorre nos
contos, já que é da mãe que parte a ideia de abandono. Ainda, como o fim de conferir à
personagem feminina um ar de premeditação para o seu plano, a ilustração da HQ a sensualiza,
deixando um dos seios à mostra, quando está na cama com o marido, falando sobre sua ideia
de abandonar as crianças.

Figura 4 - Ilustrações representativas da madrasta na adaptação de Ferreira e Pax

A bruxa é introduzida nas narrativas de maneira distinta. Na versão de Figueiredo


Pimentel, a personagem assim que aparece é apresentada para o leitor como maléfica, mediante
a descrição do narrador:

Eles, que estavam morrendo de fome, comeram um pedaço do teto e um pedaço da


janela.
No mesmo instante uma pessoa gritou:
– “Quem é que está comendo a minha casinha?”

Ouvindo aquela voz áspera e dura, tiveram grande medo, mas como continuavam
famintos, tornaram a comer.
Então surgiu uma velha hedionda, muito baixinha, com uma boca enorme, nariz de
papagaio, toda preta e olhos verdes. (PIMENTEL, 1958, p. 36).

Em Carlos Ferreira e Walter Pax, a ilustração já denuncia as características físicas da


bruxa como estereótipo do mal que é feio. Embora haja, nos contos clássicos, personagens
femininas representativas do mal muito belas, como a madrasta em “Branca de Neve”, as bruxas
geralmente são marcadas pela extrema feiura, como no caso da versão da HQ estudada. Assim,
sua ilustração mostra uma mulher gorda, sóbria, despida da cintura para cima.

Figura 5 - Ilustrações representativas da bruxa (em close-up) na adaptação de Ferreira e Pax

Figura 6 - Ilustração representativa da bruxa na adaptação de Ferreira e Pax

Embora nessas duas versões, a personagem tenha assim sido apresentada, ou seja, sem
disfarce de seu aspecto horroroso, posteriormente, ela mostra um “lado bom”, oferendo mais
comida, cama e proteção, para a posterior execução da sua intenção de devorá-las. Na versão
dos Grimm, a personagem não é logo apresentada sob o viés negativo:

[...] João já tinha se servido de um bom pedaço do telhado e Maria, depois de ter
comido algumas vidraças redondas, estavam justamente quebrando mais um pedaço
quando ouviram uma voz fina vinda de dentro: “Crec crec, isca isca! Quem minha
casinha petisca?”

João e Maria levaram tamanho susto que deixaram cair o que tinham nas mãos e logo
em seguida viram uma velhinha bem franzina saindo pela porta. Ela balançou a cabeça
e disse: “Oi, crianças, como vieram parar aqui? Entrem comigo que irão passar bem.”
(GRIMM; GRIMM, 2014, p. 88).

Outro ponto de afastamento é o elemento mágico. No conto dos Grimm, não há qualquer
elemento caracterizador do conto maravilhoso, as crianças encontram a casa da bruxa e
retornam para casa sozinhas, sem o auxílio de qualquer elemento exterior às próprias ações. Já
em Figueiredo Pimentel, um passarinho branco os conduz à casa da bruxa, para salvá-los da
fome; depois também um passarinho branco alerta a menina da má intenção da bruxa, ao
ordená-la a entrar no forno; os passarinhos que comeram os farelos de pão que João deixou pelo
caminho presentearam as crianças com pérolas e joias preciosas antes do regressarem para casa;
um cisne atendeu o pedido dos meninos para ajudá-los a atravessar um lago; e, por fim,
novamente o passarinho branco os leva para casa. Na versão de Ferreira e Pax, o pássaro branco
também aparece, mas a sua interferência só se dá para levá-los até a casa da bruxa. Na HQ, sua
intervenção não parece benéfica como em Figueiredo Pimentel, tendo em vista que seu canto
os acorda para conduzi-los até a velha malvada como se fosse um aliado desta, assim, sua
intervenção não vem ao auxílio dos pequenos como no conto do escritor oitocentista.
Os desfechos das narrativas também são construídos com aspectos distintos nas três
narrativas. Na versão dos irmãos, as crianças voltam para casa sozinhas com as pedras preciosas
e pérolas que estavam pela casa da bruxa, e ao, chegarem, são recebidas com felicidade pelo
pai: “O pai ficou muito feliz ao revê-las, não tinha tido nenhum dia de alegria desde que as
crianças partiram e agora era um homem rico. A mãe, porém, havia morrido.” (GRIMM;
GRIMM, 2014, p. 88). Em Figueiredo Pimentel, a mãe não tem um final marcado pela perda e
pela indiferença como punição dos atos como nos Grimm. Além disso, a narrativa mostra que
mãe se arrepende de sua decisão de ter abandonado os filhos:

O lenhador e a mulher estavam aflitíssimos, lastimavam a perda dos filhinhos e


dizendo:
– “Ah! se eles puderem tornar outra vez, nunca, nunca, nunca mais havíamos de os
abandonar na floresta.”
A porta abriu-se e os dois pequerruchos entraram.
Quanta alegria! Como se abraçaram ternamente!

Com os presentes que os passarinhos fizeram, estavam ricos, e não tinham mais a
recear a miséria, a fome e o frio. (PIMENTEL, 1958, p. 40).

Ferreira e Pax, por sua vez, como nos Grimm, supre a presença da mulher adulta – a
madrasta no caso da HQ. As ilustrações juntamente com as falas dos personagens e a voz do
narrador, apresentam cenas que representam nesta sequência: o retorno das crianças, a recepção
pelo pai que está prestes a matar um coelho – provavelmente para saciar sua fome – o abraço
dos três personagens, a exibição das joias que as crianças carregavam consigo, e por fim, o final
feliz. Tudo, portanto, sem qualquer sinal na madrasta.
Figura 7 - Ilustração representativa do desfecho da narrativa na adaptação de Ferreira e Pax

Acerca da adaptação da linguagem do texto verbal para a verbo-visual da HQ, Oliveira


(2014, p. 3) explica que:

[o] verbal ganha a dimensão gráfico-visual [... pois], nos quadrinhos, a linguagem
verbal, bem como a não-verbal, assume um caráter altamente visual. As palavras se
inserem no cenário como as figuras e, se bem explorado, tal recurso amplia as
possibilidades comunicativas do meio. (OLIVEIRA, 2014, p. 39).

O que significa dizer que, enquanto, na literatura, o leitor se apropria da história por
meio da narração e da descrição – ou seja, pelo uso da palavra –, na HQ, há passagem do contar
para o mostrar predominantemente, assim, o espaço ficcional, as expressões faciais e gestuais
dos personagens podem ser representadas graficamente, não dependendo da linguagem verbal.
Quanto ao processo de abrasileiramento de Figueiredo Pimentel apontado por
estudiosos como Leão (2007), o corpus deste estudo não nos permitiu tal verificação uma vez
que a versão dos irmãos Grimm também é brasileira. No entanto, a nomeação de personagens,
característica de sua estética bem próxima da oralidade, é comprovada tendo em vista que o
lenhador pai das crianças é chamado de Manuel, e sua esposa, a mãe de João e Maria é
Margarida: “Manuel era um pobre lenhador que vivia com sua mulher margarida e dois filhos
[...].” (PIMENTEL, 1958, p. 34).
Ainda quando a linguagem verbal, na versão de Ferreira e Pax, há a atualização
linguística com a inserção de termos que demarcam a oralidade atual, quando a o pai diz no
meio da floresta: “Vamos parar aqui, gente!” (2007, p. 62); quando o pai adverte João: “Deixa
disso, moleque.” (2007, p. 63); nos diálogos dos irmãos: “Mano, tô com medo.” (2007, p. 63),
e no desfecho quando a frase paradigma dos contos de fadas “E viveram felizes para sempre.”
é substituída por: “E eles viveram juntos na maior felicidade.” (2007, p. 73).

4. CONCLUSÃO

A partir da análise que empreendemos, pudemos perceber que embora o conto “João e
Maria” na versão dos Grimm tenha mais de 200 anos, seu enredo não se afasta totalmente na
primeira reescritura brasileira, a realizada por Figueiredo Pimentel, nem na HQ, versão dotada
de uma linguagem contemporânea de Ferreira e Pax, confirmando a assertiva de Oliveira (2014,
p. 14), no sentido de que os contos de fundamentais, no decorrer das adaptações que sofrem no
transcurso do tempo, “[...] permite o reconhecimento quase que imediato do leitor/receptor,
tornando assim o diálogo entre obras mais efetivo, aspecto este, [...] altamente relevante quando
do estabelecimento de uma relação intertextual entre obras e artes.”
As diferenças apontadas não impedem que o leitor possa perceber que a raiz das
narrativas é a mesma, e suas semelhanças não objetam leituras conjugadas, pelo contrário, a
leitura de variadas versões permite o letramento do leitor e refina o seu gosto estético,
possibilitando-lhe a construção de um olhar crítico sobre o texto literário, bem como sobre
outras expressões artísticas como a HQ ou mesmo o cinema e as artes plásticas.

REFERÊNCIAS
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil – teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna,
2000.

FERREIRA, Carlos; PAX, Walter Pax. Hansel e Gretel. In (Diversos autores) Irmãos Grimm
em quadrinhos. Rio de Janeiro: Editora Desiderata, 2007.

GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Contos Maravilhosos infantil e domésticos. Tradução


Christine Röhrig, São Pualo: Editora Cosacnaify, 2014.

LEÃO, Andréa Borges. Publicar contos de fadas na Velha República: um compromisso com a
nação. Comunicação & Educação, v. 12, n. 3, 2007.
MENDES, Franciele Lima de Oliveira. “A mais bela dama”: As ressignificações do feminino
em adaptações (2012-2013) do conto “Branca de Neve”. Dissertação (Mestrado em Letras).
Pelotas: UFPEL, 2017.

OLIVEIRA, Cristina de. Quadrinhos, literatura e o jogo intertextual. In: RAMOS, Paulo;
VERGUEIRO, Waldomiro; FIGUEIRA, Diego. Quadrinhos e Literatura diálogos possíveis.
1ª ed. São Paulo: Criativo, 2014, p. 37-54.

PIMENTEL, Figueiredo Pimentel. Contos da Carochinha. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Quaresma, 1958.
A REFORMA TRABALHISTA E A HIPERVULNERABILIDADE DA
TRABALHADORA
Jailton Macena de Araújo26
Nayra Luíza Vilarim Pereira27

Resumo

Pretende-se demonstrar, através de uma abordagem hipotético-dedutiva, a hipervulnerabilidade


da mulher gestante e lactante nas relações de emprego, ante a aprovação da Lei 13.467/2017 e
a consequente alteração do art. 394-A da CLT, que reduziu a autonomia da vontade e a
capacidade de autodeterminação dessas trabalhadoras. Parte-se, então, do seguinte problema:
Como a mudança do art. 394-A da CLT, pela Reforma Trabalhista, revela a
hipervulnerabilidade da trabalhadora, quando em estado gestacional ou de lactação? Será
utilizada a pesquisa bibliográfica para atestar essa categoria específica na qual a trabalhadora
está inserida, que tem a maternidade como uma de suas justificativas e exige especial proteção
do Estado contra a abusividade do dispositivo em comento, notadamente inconstitucional.

Palavras-chave: Reforma Trabalhista; Trabalhadora; Maternidade; Hipervulnerabilidade.

1 INTRODUÇÃO

Uma das alterações realizadas pela Reforma Trabalhista teve como objeto a redação do
art. 394-A da Consolidação das Leis Trabalhistas. Inserido na CLT pela Lei 13.287, de 11 de
maio de 2016, o mencionado dispositivo determinava o afastamento imediato da empregada
gestante e da lactante, que laborassem em ambientes insalubres, assim que o seu estado fosse
do conhecimento do empregador. A trabalhadora deveria assumir outro posto de trabalho, na
mesma empresa, que não fosse caracterizado pela insalubridade
Desse modo, o art. 394-A tinha como cerne não apenas a saúde das empregadas, mas
sobretudo os cuidados especiais necessários ao início da vida humana, representando uma
conquista não só em termos de direito do trabalho, mas de saúde pública também. Buscava-se
conferir máxima efetividade a valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a
vedação da discriminação no ambiente de trabalho, em virtude do gênero.

No entanto, a Lei 13.467/2017 muda este cenário e torna regra o trabalho, em condições
mórbidas, da mulher gestante ou lactante, de maneira a condicionar a sua realocação à

26 Professor Doutor em Direito pela UFPB. Docente Permanente do PPGCJ da UFPB. E-mail:
jailtonma@gmail.com
27 Graduanda do curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba, atualmente cursando o décimo período. E-
mail: nayravilarim@outlook.com
apresentação de atestado médico, bem como, ao grau de insalubridade ao qual encontra-se
sujeita, colocando abaixo todo o apoio e segurança que haviam sido concedidos a essas
trabalhadoras. O novo art. 394-A da CLT, de modo abusivo, obriga a empregada a continuar o
seu trabalho em ambientes que, por si só, são considerados nocivos a uma pessoa em estado
biológico normal, isto é, na ausência de gravidez e de aleitamento.
É quase impossível que uma trabalhadora, que já se encontra na mira do empregador
por ter engravidado (ou seja, hipervulnerável), se insurja contra a regra e arrisque a sua fonte
de renda, apresentando voluntariamente um atestado médico que lhe impeça de exercer a
atividade ou função que lhe foi atribuída pelo patrão. Daí porque o dispositivo em questão
também configura como cláusula abusiva. Assim, buscar-se-á apontar a hipervulnerabilidade
das trabalhadoras gestantes e lactantes, além de um meio de enfrentamento a toda esta situação.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A Lei 13.467/2017 foi aprovada praticamente na surdina, não havendo sido realizada
qualquer espécie de consulta aos principais interessados e destinatários das normas alteradas, o
que coloca sob suspeita as modificações. Seus defensores, em sua grande maioria empresários,
justificaram a necessidade de uma mudança na legislação trabalhista, nos ditames da Lei
13.467/2017, com base na Teoria da Flexibilização, segundo a qual os direitos trabalhistas e,
em consequência, o gasto elevado que se tem com os empregados é que são a causa do
desemprego e do não desenvolvimento da economia. Sobre esse aspecto, afirma Jorge Luis
Souto Maior:

Para concretizar o objetivo de desmantelar a legislação trabalhista, a ideologia


neoliberal procura impor a noção de que o direito do trabalho foi o causador da crise
econômica (...) Procura, também, convencer-nos de que o alto custo da mão-de-obra,
gerado pelas regras trabalhistas, foi o que causou o alto índice de desemprego. E, por
fim, identifica o Estado social como o culpado de tudo isso, já que teria sido obra sua
a criação dos direitos sociais. (SOUTO MAIOR, 2000, p.3.).

O empresariado, com o apoio dos governantes, utiliza falácias como essa para justificar
a supressão de direitos e garantias. Na verdade, o que realmente se apresenta como um gasto
oneroso às empresas é a altíssima carga tributária do Brasil, dinheiro que vai direto para os
cofres públicos e que nem os cidadãos nem os empresários vêm retorno para a vida comunitária.
Conseguir uma vaga numa creche da prefeitura, por exemplo, para deixar o filho enquanto se
trabalha é um feito quase impossível. As vagas paras as poucas creches existentes são escassas.
Os custos com mão-de-obra, no Brasil, estão entre os mais baixos do mundo
(SANT’ANNA, 2012). O desemprego, desse modo, é gerado por um conjunto de fatores alheios
ao direito do trabalho. Assim, se os direitos trabalhistas não são o motivo do desemprego, sua
desregulamentação nada irá contribuir para o aumento da contratação de mão-de-obra. Não
obstante, essa falsa premissa tem avançado sem ressalvas, destruindo a legislação trabalhista, a
exemplo da permissão para as trabalhadoras em estado gestacional ou de lactação
desempenharem atividades nocivas à saúde e segurança.
O trabalho das empregadas gestantes e lactantes em locais insalubres é regulado pelo
artigo 394-A, inserido na Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei. n. 13.287 de 11 de maio
de 2016, e originalmente vedava, o trabalho tanto de empregadas gestantes, quanto de lactantes
em atividades, operações e locais insalubres. A partir do momento que o empregador tivesse
ciência da condição da trabalhadora deveria afastá-la da tarefa ou do ambiente nocivo, devendo
recolocá-la em outra função na empresa, que não possuísse tal característica.
Na hipótese de a empresa não ter uma unidade ou outra atividade isenta de
insalubridade, a empregada gestante ou lactante deveria ser afastada na modalidade licença
remunerada, paga pelo empregador.
Porém, a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, modificou a redação do referido
dispositivo. Agora, o legislador faz uma distinção entre a trabalhadora gestante e a lactante.
Antes, ambas não podiam, de forma alguma, trabalhar em local deletério, devendo ser
imediatamente retiradas ou realocadas, independente de atestado médico. Com a mudança, só
a gestante pode ser automaticamente afastada da atividade mórbida, contudo, somente se esta
tiver grau máximo de insalubridade.
No caso de a função desempenhada pela grávida ser de grau médio ou mínimo de
insalubridade, esta apenas será afastada do local de trabalho mediante apresentação de atestado
médico, a fim de que este faça prova do real potencial de dano que a exposição ao agente nocivo
possa causar à trabalhadora e ao bebê. A lactante, por sua vez, ainda mais prejudicada, só terá
o direito de ser apartada do seu ambiente de trabalho através de atestado médico, em qualquer
grau de insalubridade. Desse modo, são fortes as implicações sociais trazidas pela Reforma
Trabalhista, tornando-se evidente a redução da condição de mulher às circunstancias biológicas
e socioeconômicas.

3 METODOLOGIA
A pesquisa foi desenvolvida através de uma abordagem hipotético-dedutiva a partir da
análise do conflito social decorrente da alteração do art. 394-A da CLT pela Reforma
Trabalhista, para deduzir as consequências e apresentar possíveis propostas de solução para as
adversidades que as empregadas em estado gestacional e de lactação terão que enfrentar para
manter seus postos de trabalho e como esse enfrentamento pode ser feito, observando-se os
princípios da dignidade da pessoa humana e a vedação da discriminação em razão do
sexo/gênero.
Os métodos de procedimentos foram o monográfico e o funcionalista. O método
monográfico fora empregado uma vez que partindo do estudo da alteração normativa, no que
diz respeito ao trabalho de grávidas e lactantes em locais insalubres, foram examinados os seus
possíveis resultados a fim de se obter o impacto causado na vida das trabalhadoras em geral,
enquanto mulheres e mães. Já por meio do método funcionalista, estudou-se a trabalhadora do
mencionado art. 394-A como parte de um todo social organizado por atividades.
Relativamente às técnicas de pesquisas, a pesquisa documental indireta foi aqui adotada,
tendo em vista que o levantamento de dados será realizado mediante pesquisa documental e
bibliográfica.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Embora seja sabido que os primeiros momentos da vida do bebê são determinantes para
a sua saúde e o seu desenvolvimento, a legislação obriga a sua presença em locais de trabalho
insalubres, ainda quando se encontra no ventre materno, bem como, ao sair dele, durante os
seus primeiros e vitais suspiros, quando estabelece, como regra, que a sua mãe lactante - e,
portanto, que funciona como uma espécie de órgão externo essencial à sua sobrevivência, posto
que sua alimentação depende totalmente dela – labore em lugar morbífico, de condições
sanitárias precárias, duvidosas ou de risco.
Faz-se pertinente o uso do termo obrigar, no início do parágrafo anterior, porque
determinar que a parte mais frágil, logo vulnerável, da relação empregatícia que já se encontra
em um momento bastante delicado, repleto de tensão, produza uma prova acerca daquilo que é
óbvio, uma vez que os locais de trabalho deletérios são intrinsicamente fornecedores de risco à
saúde e à vida delas e das suas crias, implica em não lhe fornecer outra alternativa, senão o
próprio trabalho insalubre.
Na legislação consumerista, a vulnerabilidade é requisito imprescindível para que o
indivíduo seja considerado consumidor e, por conseguinte, suscetível ao fornecedor. No que
diz respeito à hipervulnerabilidade, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor prevê, no
art. 37, §2°28 e no art. 39, inciso IV29, alguns grupos de consumidores que são mais facilmente
desarmáveis que os demais, em razão de alguma condição que lhe diz respeito. Como é o caso
de pessoas pobres, idosos, crianças, bebês, portadores de necessidades especiais e aqueles
contaminados com o vírus HIV, por exemplo.
Assim, percebe-se que o grau de vulnerabilidade do ser humano varia conforme a sua
idade, sua saúde, seu desenvolvimento psicossocial e sua capacidade de determinação perante
às situações, por exemplo. Em algumas circunstâncias, apresenta-se tão vulnerável, quando
comparado aos demais, que passa, então, a ser portador de uma hipervulnerabilidade, mesmo
que, em diferente oportunidade, não possa ser assim considerado.
Analogamente, a trabalhadora gestante e lactante do art. 394-A da CLT encontra-se ao
bel prazer do empregador, posto que no estado em que se encontram não reúnem condições de
emitir um posicionamento contrário ao do patrão, já que a circunstância na qual se encontram,
por si só, é capaz e provocar um rompimento futuro do vínculo empregatício. Essa situação,
por seu turno, torna clara a hipervulnerabilidade dessa trabalhadora mãe.
Dessa maneira, as empregadas grávidas, bem como, aquelas que amamentam
constituem uma categoria específica de trabalhadores que, exclusivamente em razão do estado
em que se encontram, necessitam de uma proteção especial do Estado, assim como os
consumidores idosos, crianças e portadores de necessidades especiais, por exemplo.
É preciso, então, que se tome consciência dessa singular categoria de direito material –
a hipervulnerabilidade - a que pertencem as trabalhadoras grávidas ou que amamentam, para
que essas mulheres recebam um tratamento capaz de amenizar tudo o que as coloca em
desvantagem numa relação de emprego, até porque o estado em que estão equivale à prestação
de um serviço, por assim dizer, à sociedade e à espécie humana, contribuindo, em maior escala,

28 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.


§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência,
explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita
valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à
sua saúde ou segurança.

29 Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada
pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
IV - Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde,
conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
para a perpetuação da nação e conferindo a possibilidade de um futuro para o país, o que deveria
ser valorizado, acolhido e protegido.
Por conseguinte, por ocasião das transformações físicas, hormonais e emocionais,
acarretadas pela gravidez ou pela lactação e das suas implicações no âmbito do trabalho, a
Consolidação das Leis Trabalhistas (Decreto-Lei 5.452/43), a exemplo da Lei n. 8.078/90,
deveria trazer, expressamente, em algum de seus dispositivos a imposição da vedação ao
empregador de favorecer-se das trabalhadoras gestantes e lactantes, que exercem funções ou
realizam atividades em ambientes insalubres, mantendo-as em seus postos de trabalho a
depender da apresentação ou não de atestado médico.
Nesse sentido, o art. 394-A da CLT, do ponto de vista contratual, deve ser entendido
como uma cláusula abusiva, nos moldes do art. 51, inciso IV 30 do CDC, e, dessa maneira,
considerado nulo de pleno direito. É um direito básico do consumidor a proteção contra práticas
e cláusulas abusivas, impostas quando do fornecimento do produto ou serviço, nos termos do
art. 6°, inciso IV do CDC. Logo, também deve ser um direito básico da empregada grávida ou
que amamenta não ter contato com fatores que podem vim a prejudicar a sua saúde e a do seu
bebê.
Ao considerar a possibilidade de trabalho da gestante e da lactante em locais insalubres
como cláusula abusiva, o Estado estaria reconhecendo a hipervulnerabilidade da trabalhadora e
assumindo que tal disposição parte exclusivamente do querer do empregador, contra o qual a
empregada não reúne condições de enfrentamento, em virtude da maternidade não ser vista com
bons olhos no mundo do trabalho.
A abusividade, na legislação consumerista, é analisada sob a perspectiva da boa-fé
objetiva, não sendo exigida para a sua configuração dolo ou culpa da parte do fornecedor. Assim
também deve funcionar na seara trabalhista, não sendo necessária a análise da intenção do
empregador ao permitir a empregada continuar desempenhando atividade insalubre; se
realmente quis gerar qualquer tipo de ônus para ela.
Basta a simples aplicação do art. 394-A, para que a disposição, através do controle
difuso de constitucionalidade31, seja considerada nula de pleno direito e, consequentemente, ser

30 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos
e serviços que:
IV - Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade
31 São vários os dispositivos constitucionais por violados pelo referido dispositivo, dentre os quais
encontram-se: a proteção ao trabalho da mulher; redução de riscos inerentes ao trabalho; o primado
a trabalhadora realocada na empresa, de maneira que passe a laborar em condições desprovidas
de agentes mórbidos e nocivos.
Ainda, com a Reforma Trabalhista, o enquadramento do grau de insalubridade também
pode ser objeto de negociação coletiva. No entanto, como visto, a trabalhadora gestante e
lactante tem o seu grau de autonomia da vontade bastante reduzido, não conseguindo se opor
aos anseios do patrão, de modo que deve ser considerada nula toda e qualquer negociação com
ele realizada, da qual resulte consequências onerosas para a empregada, haja vista que serão
resultantes privativamente da vontade do empregador.
Dessa forma, o Poder Judiciário, também em sede de controle difuso de
constitucionalidade, visando a harmonia e coordenação das normas do ordenamento jurídico
brasileiro e a efetiva observância dos preceitos constitucionais, além de decretar o caráter
abusivo da redação do art. 394-A da CLT precisa fazer o mesmo com o art. 611-A, inciso XII,
também da Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de que, analogamente ao que acontece na
legislação consumerista, sejam consideradas nulas de pleno direito não só as cláusulas que
resultarem no trabalho da mulher gestante ou lactantes em situações marcadas pela
insalubridade, mas também, quando o grau de insalubridade for negociado entre o empregador
e as trabalhadoras, com vistas a permitir a referida situação.
Observa-se, então, que os dispositivos em questão são, de fato, um retrocesso para o
direito do trabalho, enquanto um dos pilares dos direitos sociais e extremamente importante
para o desenvolvimento de um país, uma vez que este envolve não somente o crescimento
econômico, mas o avanço social, político e cultural.

5 CONCLUSÃO

A nova redação do dispositivo em comento, que permite o trabalho de gestantes e


lactantes em ambientes insalubres, é fruto do capitalismo selvagem. Restam óbvias as
consequências desastrosas da alteração do art. 394-A da CLT para o trabalho feminino, ante a
hipervulnerabilidade da gestante e da lactante, tendo em vista que apenas o seu estado é capaz
de causar o fim da relação laboral.

pelo trabalho tanto na ordem social, quanto na ordem econômica; o direito à saúde; proteção à
maternidade, especialmente à gestante; a proteção à família e à infância e a sadia qualidade de vida.
Assim, inserir essa trabalhadora na categoria de hipervulnerável (ou seja, considerá-la
totalmente indefesa junto ao empregador), propiciando o seu afastamento do ambiente de
trabalho insalubre a partir da presunção absoluta da existência do dano causado pela exposição
ao agente nocivo, sem a necessidade da posterior comprovação da ocorrência do dano por via
de atestado médico, significa que, além da saúde e da segurança da empregada e do seu bebê,
também se estará protegendo o seu vínculo empregatício e, numa visão mais abrangente, o
próprio trabalho feminino e o desenvolvimento do país.
Para tanto, até que o referido artigo seja efetivamente revogado. O Estado, através do
Poder Judiciário, na atividade dos magistrados, quando da análise do caso concreto, devem
realizar um controle difuso de constitucionalidade, haja vista que as mudanças perpetradas pela
Reforma Trabalhista e aqui trabalhadas representam uma afronta à inúmeros preceitos
constitucionais, de modo a considerar como cláusula abusiva do contrato de trabalho as normas
que permitem o labor da trabalhadora em estado gestacional ou de lactação em atividades,
funções ou ambientes deletérios, bem como, os acordos estabelecidos em sede de negociação
coletiva que versem sobre o enquadramento do grau de insalubridade, com o intuito de
assegurar o trabalho da gestante ou da lactante em condições insalubres.

6 REFERÊNCIAS

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do trabalho. São Paulo. Boitempo. 2006

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Acesso em: 28 de julho de 2018.

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Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, para
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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L132 87.htm>
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Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1° de maio de 1943, e as Leis
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1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm> Acesso em: 28 de
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CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009.

DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª Ed. São Paulo: LTR,
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SANT’ANNA, Francisco. Salário do operário industrial brasileiro é um dos mais baixos


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SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Direito do trabalho e desenvolvimento econômico: um


contraponto à teoria da flexibilização. In: Fundamentos do direito do trabalho: estudos em
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SOUZA, Maria Carolina Rosa de. Cláusulas contratuais abusivas nos contratos de
consumo. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11277&revista_caderno=10#_
edn31> Acesso em: 16 de outubro de 2018.
ALGUNS PARALELOS ENTRE THOR E PERUN, DIVINDADES
ESCANDINAVA E ESLAVA DO TROVÃO

Victor Hugo Sampaio Alves


UFPB-PPGCR/NEVE/CAPES

Resumo
Thor e Perun eram, respectivamente, as divindades escandinava e eslava do trovão, presentes
nos pantões das religiões pré-cristãs desses povos. Nosso objetivo é analisar três fontes literárias
medievais e nelas identificar se há alguma semelhança no modo como os dois deuses foram
descritos ou, então, se possuíam atributos e áreas de regência similares. Nos propusemos a
investigar a Crônica Primária Russa, o Landnámabók e a Eyrbyggja Saga. Enquadramos nosso
trabalho metodologicamente nos conformes estipulados por Schjødt, caracterizando-o enquanto
proposta de um comparativismo genético, ou seja, na realização de uma comparação entre os
sistemas mitológicos e religiosos de dois povos que estiveram em contato durante sua história.
Terminamos evidenciando aspectos entre os dois deuses que de fato se mostraram semelhantes,
como suas ligações com os trovões, fenômenos atmosféricos e a fertilidade, suas características
bélicas e suas funções de protetores dos homens e da comunidade.

Palavras-chave: Thor; Perun; Mitologia Comparada; Religião pré-cristã.

INTRODUÇÃO: os deuses Thor e Perun

Thor, o deus escandinavo dos trovões, se apresenta enquanto figura extremamente


popular nos dias de hoje. Sua presença é notada em diversas camadas da sociedade,
manifestando-se tanto em âmbitos acadêmicos quanto na cultura pop de alta circulação como,
por exemplo, o herói cada vez mais famoso dos já conhecidos quadrinhos e dos recentes filmes
da Marvel. As concepções envolvendo Thor nem sempre são precisas e fiéis ao que os estudos
da religião nórdica pré-cristã têm demonstrado mas, por vezes, giram em torno de um
imaginário que não é tão desgarrado da representatividade do deus na mitologia dos povos
nórdicos: um deus destemido, extremamente forte e de apetite insaciável que controla os trovões
e elimina, com seu martelo mjöllnir, os gigantes – inimigos ferrenhos dos deuses -.
Na Escandinávia da Era Viking, Thor era um deus altamente estimado pelos povos que
habitavam as atuais Noruega, Suécia e Dinamarca. Certamente que, apesar de todos esses povos
compartilharem traços genéticos, linguísticos e religiosos em comum, não podemos afirmar que
houvesse uma única forma de paganismo homogênea e uniforme praticada amplamente por
esses povos, consideradas as diferenças rituais e cultuais de acordo com região geográfica,
recorte cronológico, outros povos com quem mantiveram contato e também a classe social
(NORDBERG, 2012). Ainda assim, os indícios de que dispomos, principalmente os de natureza
toponímica e arqueológica, aparentemente apontam para o fato de que o culto a Thor era
compartilhado por todo o território escandinavo durante a Era Viking (BRINK, 2014).
Conforme argumentado por Langer (2015), Thor trata-se de uma das mais importantes,
relevantes e presentes divindades do mundo escandinavo pré-cristão.
Portanto, ainda que em linhas gerais, podemos afirmar que Thor foi um deus extremamente
presente no paganismo escandinavo. Basta notarmos que, além das já citadas evidências
arqueológicas e toponímicas, praticamente todos os tipos de registros literários medievais que
tratem da mitologia ou religião nórdica enquanto matéria o citam: Eddas, sagas e poemas
escáldicos. Todas as origens e etimologias do nome Thor são palavras que designam e
significam trovão (LANGER, 2015). Jan de Vries (1977) esclarece duas possibilidades para o
nome do deus em nórdico antigo, que seriam Þórr e Þunnar. Notamos a ocorrência de seu nome
em uma série de outros idiomas em que também era utilizado para designar o trovão: em inglês
antigo, Þur, Þunnor ou Þor; em finlandês, Turisas (formado por Tūr + isä, que significa pai);
em antigo alto-alemão, Donar; em gaulês, Tanaros; em faroês, Tora e no latim, Tonare. A
origem de seu nome seria do proto-germânico *ÞunraR.
O principal vínculo de Thor, então, era com os raios e trovões, uma perspectiva que foi
recentemente criticada por autores como Taggart (2015), mas que ainda conta com prestígio na
tradição acadêmica e continua a imperar nos estudos sobre o deus (DAVIDSON, 1990;
LANGER, 2015; SIMEK, 2007; TURVILLE-PETRE, 1975; DE VRIES, 1977; DÚMEZIL,
1973). A classe camponesa, que trabalhava e dependia diretamente dos campos e das colheitas,
foi a grande cultuadora de Thor. A leitura das fontes mitológicas que temos é muito elucidativa
nesse ponto, pois grande parte delas revela que o deus não regia somente os raios e trovões,
mas também chuvas, tempestades e ventos; as narrativas mitológicas de Thor enfatizam com
frequência seu domínio sobre o mundo natural e atmosférico (DAVIDSON, 1994). Portanto,
era de se esperar, conforme ressalta Langer (2015), que Thor fosse um deus apto a atender desde
as necessidades dos fazendeiros e colonizadores, que necessitavam das chuvas para aumentar a
fertilidade de seus campos, até os marinheiros e viajantes em busca de jornadas seguras e climas
favoráveis enquanto se lançavam ao mar. Autores como Perkins (2001) defendem a forte
existência da imagem de Thor como um senhor dos ventos, responsável por criá-los e assoprá-
los na direção que desejasse e a quem, obviamente, os marinheiros pediam proteção.
A proximidade de Thor com o mundo dos homens é também de extrema relevância. A
proteção oferecida por ele aos outros deuses estendia-se também aos humanos e seus mitos
enfatizam claramente sua posição de protetor da raça dos homens, além de ser o mantenedor da
ordem e inimigo voraz de qualquer elemento que a ameaçasse – geralmente, os jotun, a raça
dos gigantes – (SIMEK, 2007). Percebemos outra manifestação dessa proximidade entre o deus
e os humanos ao repararmos que Thor é o único deus a quem, nas narrativas mitológicas, é
inúmeras vezes relatada a companhia de um humano e mero mortal, Thjálfi, seu parceiro em
diversas aventuras e, por vezes, também escudeiro (LINDOW, 2001). Se existem ocasiões na
mitologia nórdica em que notam-se referências de um relacionamento próximo entre deuses e
homens, estas referências remetem indubitavelmente a Thor.
Por sua vez, conforme atestam várias fontes documentais e literárias da Idade Média,
Perun era o deus do trovão cultuado entre os eslavos ocidentais. No caso dos eslavos orientais
– tribos que dariam origem aos atuais tchecos, poloneses, bielorrussos, ucranianos e eslovenos,
entre outros - não existem, nas fontes medievais, menções seguras e claras envolvendo o culto
a Perun entre esses povos (ZNAYENKO, 2016). Segundo Ivanov e Toporov (1973), a raíz
integrante do nome do deus, *per (atingir), reflete sua função nos mitos e na religião eslava pré-
cristã. Seu nome, Perun, significaria algo como “aquele que atinge o inimigo”, o que faz
menção tanto ao seu papel de protetor dos homens contra criaturas malignas, quanto sua relação
com os trovões, que seriam arremessados por ele e atingiriam a terra. Inclusive há, na região
Báltica, a ocorrência de deuses do trovão portando a mesma raiz em seu nome: Perkūnas,
adorado entre os lituanos, e Pērkons, divindade cultuada pelos letões.
Outras hipóteses defendem que o nome de Perun poderia estar relacionado ao latim
quercus, nome dado o carvalho que, como já se sabe, era frequentemente atingido por raios; ou
então ao polonês piorun, que significa “trovão”. Decifrar a etimologia de seu nome é uma tarefa
complexa e ainda longe de estar esgotada, mas ela sempre desemboca, aparentemente, em
complexas idéias e noções relacionadas às concepções dos raios e dos céus segundo esses
povos. Possivelmente Perun foi, antes da Idade Média, a divindade suprema dos eslavos
orientais. Seu nome figura em diversos tratados e crônicas, relacionando-o frequentemente aos
céus, às estações, às chuvas e à fertilidade (BOYER, 1991).

Objetivos e Metodologia
Propusemos realizar um trabalho de cunho qualitativo, que investigaria exclusivamente
fontes literárias para elucidar possíveis comparações e analogias. Assim sendo, nosso objetivo
era investigar de que maneira Thor e Perun foram retratados em algumas fontes medievais
específicas que tenham proposto, em alguma medida, oferecer descrições desses deuses e seus
atributos.
Nosso estudo se encontra inserido na proposta comparativa de Schjødt (2017),
categorizado no que ele classificou como comparativismo genético. Este consiste em eleger
alguma unidade de comparação dentro de um sistema mítico-religioso (um deus, um ritual, uma
entidade, etc.) e, então, compará-la a outra unidade possivelmente análoga dentro de outro
sistema mítico-religioso. Contudo, para que a comparação se caracterize como genética, os dois
povos e religiões a ser comparados devem necessariamente ter estabelecido contatos e
intercâmbios um com o outro dentro de seu devir histórico (SCHJØDT, 2017). Conforme
sabemos, os vikings Rus, originários da região da atual Suécia, adentraram o leste Europeu e
fundaram o principado de Kiev, mantendo o controle dessa região e de seus povos nativos –
eslavos –. Posteriormente, esses escandinavos assimilaram outras tribos eslavas e assumiram o
controle e a regência também de Novgorod (DUCZKO, 2004; LOGAN, 1991).
Elegemos, para nossa análise da figura de Thor, trechos de dois materiais literários. A
primeira delas é a Eyrbyggja Saga, obra de autoria anônima e pertencente ao subgrupo de sagas
chamado Íslendingasögur – ou, “Sagas de Distrito”-. Ela versa sobre as peripécias de diversos
personagens quando do período de colonização da Islândia. Para nós, o mais interessante está
nas descrições que a narrativa oferece dos primeiros colonos islandeses e de suas respectivas
crenças pagãs. Dentre eles, o mais interessante é Þórólfr, o “Barbudo de Mostur”, que é descrito
seguindo pela costa do mar enquanto procurava um local ideal para seu assentamento. Em seu
barco ele carregava um mastro com a efígie de Thor, retirada de um templo dedicado ao deus e
localizado originalmente na Noruega (ANTÓN, 2018). O outro material a ser analisado, o
Landnámabók, é uma obra em que encontramos narrativas detalhadas acerca da colonização da
Islândia por parte dos noruegueses quando nos séculos IX e X (OLIVEIRA, 2018).
Já as informações sobre Perun foram retiradas da Crônica Primária Russa, conhecida
também como Crônica dos Anos Passados ou Crônica de Nestor. Ela foi escrita em Kiev, no
início do século XII e, do ponto de vista histórico e religioso, consiste na obra de maior extensão
e importância sobre os Rus – escandinavos suecos – que chegaram a Kiev. A Crônica
proporciona informações indispensáveis a respeito de fatos históricos, dos cultos religiosos e
panteão de deuses de várias tribos eslavas (LA PUENTE, 2017).
Gostaríamos de ressaltar que certamente existem inúmeras outras fontes descrevendo as
atribuições mitológicas a as áreas de regência desses deuses. Contudo, selecionamos essas obras
devido ao seu caráter cronístico ou, no caso das obras islandesas, que (supostamente) pretendem
narrar acontecimentos históricos quando do período de colonização, ao contrário de materiais
como as Eddas, por exemplo, cujo viés é essencialmente mitológico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: nos deparamos com duas divindades similares?

Tanto o Landnámabók quanto a Eyrbyggja saga trazem menções à crença em Thor


durante o período de colonização da Islândia. A primeira delas, inclusive, faz referência a
pilares que ficavam dentro das casas, ao lado do assento central, provavelmente desempenhando
a função de sustentar o teto. Nesses pilares estaria cravada a imagem de Thor, provavelmente
demonstrando seu papel como guardião do lar e protetor dos colonos. A importância desses
pilares claramente excedia a mera arquitetura e aponta para uma provável importância
simbólica e religiosa pois, como aponta Davidson (1990), eles são repetidamente mencionados
não somente no Landnámabók, mas nas sagas como um todo.
Os colonizadores vindos da Noruega provavelmente fizeram uso da imagem de Thor
também em templos que traziam consigo em seus barcos. Na Eyrbyggja saga, Thorolf pergunta
ao deus se deveria fazer as pazes com o seu rei ou deixar seu país – a Noruega - e encontrar
um novo lar – no caso, a Islândia -. Ouvindo a resposta de Thor, Thorolf reúne todos os seus
pertences e os coloca num barco, bem como seu templo: ele o desmontou quase inteiro e levou
consigo grande parte dos pilares de madeira que o compunham, juntamente com um pouco de
terra que estava debaixo de onde a estátua de Thor era mantida. Graças a isso, Thorolf obteve
uma viagem segura e ventos favoráveis (graças a Thor, talvez, que controlava os ventos) e, ao
avistar a baía islandesa, arremessou ao mar alguns pilares em que estavam cravadas imagens
de Thor, dizendo que faria sua casa onde os pilares encalhassem. O apelo de Thorolf a Thor
havia sido feito da seguinte maneira:
“Thorolf, o Barbudo de Mostur, fez um grande sacrifício e perguntou a Thor, seu
querido amigo, se deveria fazer as pazes com o rei, ou sair daquela terra em busca de
outras fortunas. Mas as palavras mostraram a Thorolf a Islândia; e ele em seguida
conseguiu para si um grande barco à altura da empreita, e o preparou para a viagem
até a Islândia, levando consigo sua família e seus pertences; e muitos de seus amigos
se ofereceram para viajar com ele. Ele desmontou o templo e tinha consigo a maioria
das toras que haviam estado lá, assim como terra de debaixo de onde Thor se sentava”
(Eyrbyggja saga; 4, 1989).
Ao que parece, Thorolf era um completo devoto de Thor, considerando-o seu ástvinr
(querido amigo). Após ter encontrado o local para construção de sua casa, a saga descreve que
ele marca os limites de sua propriedade com fogo, um tipo de ritual que deveria estar atrelado
ao deus: lembremos que Thor não somente era o deus que guardava e consagrava os limites de
propriedade, mas que regia os raios e estes, ao atingirem certas árvores, faziam com que surgisse
fogo (DAVIDSON, 1990).
Thor surgia nas rezas e súplicas até mesmo de personagens aberta e declaradamente
cristãos, como Helgi, o Magro, cuja narrativa se dá no Landnámabók. A caminho de uma de
suas viagens marítimas ele roga a Thor, deus do clima e dos céus, por ventos favoráveis e
seguranças: “[ele] invocava Thor quando precisava partir em viagens no mar ou então para
tomar decisões difíceis e pensar em assuntos que considerava de grande importância”
(Landnámabók H, p. 184, 2007). Encontramos, nesses casos, Thor relacionado a assuntos e
decisões impactantes e definitivas na vida desses personagens, sejam eles devotos do deus
(como Thorolf) ou cristãos (como Helgi). Além disso, Thor também figura como um deus em
controle do clima e das manifestações atmosféricas como ventos, chuvas, raios e tempestades,
a quem, portanto, os marinheiros pediam por proteção ao viajar. No caso de Thorolf, nota-se a
existência de relatos de sacrifícios realizados ao deus.
Seja como for, em ambos os casos o deus aparece não somente como regente do trovão,
dos raios, dos céus, do clima e dos ventos, mas como algum tipo de protetor e amigo dos
homens, mantendo a ordem e o bem-estar na comunidade humana mais do que qualquer outro
deus. Talvez por isso os colonizadores tenham levado pilares cravados com a imagem de Thor
ao navegarem em direção à Islândia, fundando essa nova terra com seu deus patrono e protetor.
Conforme afirma DuBois (1999), Thor pode não ser um deus supremo mas é, acima de tudo,
um deus do povo, que representava grande parte da população. Em oposição a Odin, Thor não
era tão atrativo aos gostos aristocráticos, mas sim à devoção dos fazendeiros, camponeses e
marinheiros.
No caso de Perun, a Crônica Primária Russa narra a “reforma pagã” feita em Kiev pelo
príncipe Vladimir I, que ergueu estátuas de madeira representando seis deuses, sendo a mais
importante delas a de Perun, cujo material era diferente: a cabeça era feita de prata e o bigode,
de ouro. Além disso, são mencionados também sacrifícios feitos a essas divindades – com forte
enviesamento cristão, como se verá a seguir - :

“Então Vladimir começou a reinar sozinho em Kiev e mandou erguer, em colinas fora
do castelo, estátuas de ídolos: uma de Perun, feita de madeira com a cabeça em prata
e um bigode de ouro, e outras de Khors, Dazh’bog, Stribog, Simar’gl e Mokosh. As
pessoas faziam sacrifícios a eles, chamando-os de deuses, e traziam seus filhos e filhas
para sacrificá-los a esses demônios. Eles profanavam a terra com essas oferendas, e
toda a terra dos Rus e essas colinas eram manchadas com sangue” (Russian Primary
Chronicle, 1953; p. 93).

Mesmo não tendo sido nosso objeto de análise, a obra Heimskringla de Snorri Sturluson,
escrita por volta de 1230, curiosamente descreve uma estátua de Thor adornada com os mesmos
metais preciosos (Heimskringla; 2011, cap. 69). O adorno em metais preciosos pode ser um
forte indicativo de que, tanto para os eslavos quanto para os escandinavos, suas respectivas
divindades do trovão eram altamente estimadas. De volta à Crônica Primária, a obra também
narra que, quando acordos comerciais ou militares eram feitos, os eslavos desembainhavam
suas espadas e faziam o juramento de manter sua palavra em nome de Perun. Quando o príncipe
Oleg e seus homens firmaram um tratado de paz com os bizantinos, “[os homens de Oleg]
juraram por suas espadas e por seu deus Perun, e por Volos, o deus do gado, confirmando,
assim, o acordo” (Russian Primary Chronicle, 1953; p. 38). A Crônica também nos descreve as
consequências que cairiam sobre aquele que quebrasse seu juramento, pois “se qualquer
príncipe ou russo, cristão ou não, violar os termos deste contrato, ele encontrará sua morte,
trazida por suas próprias armas, e será amaldiçoado, tanto por Deus quanto por Perun, por ter
violado seu juramento” (Russian Primary Chronicle, 1953, p. 77).
Portanto, conforme a Crônica, era em nome de Perun que os príncipes e guerreiros de
elite faziam seus juramentos, sendo também pelas mãos dele que sofreriam as consequências –
a morte - caso faltassem com sua palavra. O ato de jurar em nome de um deus revela ser ele de
extrema importância e, no caso de Perun, talvez o delegue o status de uma divindade suprema.
É de relevância ressaltar que o culto a Perun transitava entre duas camadas distintas da
sociedade, atendendo às necessidades dos guerreiros de elite, príncipes e aristorcratas, fosse
para atuar em seu favor durante as guerras, fosse para sacralizar seus juramentos; e igualmente
entre os camponeses, que podiam visitar sua estátua fora dos muros dos grandes castelos, nas
colinas, para realizarem sacrifícios e pedir pelo que necessitavam. Essa maleabilidade de Perun
é semelhante à de Thor, que era parte integrante dos gloriosos feitos heróicos contados em sagas
e poemas escáldicos para entreter a aristocracia nórdica dos grandes salões, mas a quem os
camponeses rezavam para pedir ajuda em questões pragmáticas e aumento da fertilidade dos
campos (SALO, 2014).
Outro paralelo existente, que não foi aqui explorado por questão de recorte, é fruto de
uma evidência linguística. É possível que haja alguma conexão entre a arma de Thor, o martelo
mjöllnir, e a palavra russa para designar justamente os raios, que é molnija – молния -
(KRAPPE, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de termos em mente que o presente estudo apresentou um recorte muito


específico – até mesmo por conta da extensão máxima permitida -, e que uma série de outras
fontes necessitam ser contextualizadas, consideradas e analisadas para abarcar o assunto em
questão, foi possível apontar alguns aspectos similares entre essas duas divindades do trovão.
Algumas diferenças se fizeram evidentes: Thor foi descrito com muito mais ênfase como
estando relacionado a manifestações climáticas e atmosféricas. Perun, em contrapartida,
apareceu mais relacionado a aspectos bélicos, militares e aristocráticos do que no caso de Thor.
A nível de semelhanças, ambos eram indubitavelmente muito estimados pelos seus povos, a
ponto de serem retratados, conforme visto anteriormente, em estátuas feitas de metais preciosos,
constituindo quase que imagens de deuses supremos; os dois aparentemente mantinham um
relacionamento próximo com os humanos e desempenhavam papéis de protetores destes,
mantendo a ordem social e o bem-estar comunitário.
Uma conexão entre os dois deuses parece evidente, mas é complexo determinar de que
maneira e a que nível tais influências mútuas se deram. Além disso, como as fontes de que
dispomos sobre Perun são já tardias em relação à religião pré-cristã desses povos e foram
escritas, dessa maneira, quando o cristianismo já havia chegado e se instaurado em território
eslavo, é difícil apontar quais aspectos e atributos de Perun eram de fato parte da religião
indígena dos eslavos, e quais poderiam ter sido importados, por eles, da religião escandinava
pré-cristã. Não podemos também negar a possibilidade de que, com a influência dos Rus, Perun
tenha passado a ser descrito e visto de maneira semelhante a Thor por já ser, em sua origem,
um deus dos trovões e da comunidade extremamente semelhante a Thor. Esse fato teria
facilitado o intercâmbio e a circulação, entre os dois povos, de modos muito similares de cultuar
e significar essa(s) divindade(s), o que faz ainda mais sentido se considerarmos que
escandinavos e eslavos eram ambos povos indo-europeus.
O assunto aqui abordado certamente merece maior atenção do que têm sido dada – no
Brasil, estudos sobre Perun são inexistentes -. Materiais arqueológicos, históricos, folclóricos
e literários ainda aguardam análises para aos poucos desvendarmos tanto a face de Perun quanto
sua relação com Thor numa perspectiva comparativa.
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AS FACETAS DE DIONISO N’AS BACANTES, DE EURÍPIDES

Mayana da Silva Carvalho (UFPB)


E-mail: mayannahcarvalho@hotmail.com

Prisciane Pinto Fabricio Ribeiro (UFPB)


E-mail: cianef2005@hotmail.com

RESUMO
Dioniso é o deus mais misterioso do panteão helênico, mas sua influência atravessou as
fronteiras do mundo helênico, tornando-o um mentor de outras vertentes religiosas. É
perceptível a composição ambígua dessa figura enigmática e misteriosa através das obras em
que se faz presente. Em um momento ele oferece benefícios aos seus devotos, em outro, está
festejando com seu séquito nas festas dedicadas a si. Ele também deixa sua ira transparecer,
executando os infiéis, ou se transformando em leão, ou até transformando pessoas em animais.
Tendo em vista essa caracterização dada ao deus na tradição literária da antiguidade, propõe-se
neste trabalho, analisar na peça As Bacantes, de Eurípides, a atuação deste deus, e o seu aspecto
sagrado na religiosidade grega.

Palavras-Chave: Eurípides; As Bacantes; Dioniso; Baco; Tragédia grega;

INTRODUÇÃO

A obra As Bacantes de Eurípides é a única tragédia que nos chegou, dedicada a Dioniso.
A peça narra a vingança de Dioniso contra Penteu e sua família após este juntamente a sua mãe
e tias, ter negado a ascendência divina do deus, filho de Sêmele, filha de Cadmo.
Este artigo então consiste em uma análise de duas facetas de Dioniso que podemos
identificar na obra através da ação e dos discursos proferidos pelo próprio deus e por alguns
personagens que compõe a peça: o Dioniso consolador, que traz alegria aos homens e o Dioniso
vingador, aquele que pune os mortais que cometem hýbris. A importância do tema centra-se
basicamente nessa dualidade percebida em Dioniso, que, muitas vezes, é reconhecido de forma
superficial como detentor do vinho e da euforia. A partir desse pretenso estudo sobre a imagem
do deus na tragédia, novas possibilidades e olhares sobre o tema em questão poderão surgir,
enriquecendo ainda mais o leque de interpretações sobre essa deidade considerada polêmica na
mitologia greco-latina.
Para fundamentar o percurso de análise, utilizou-se Junito de Souza Brandão cujo
compêndio apresenta generalidades sobre o tema e Jaqueline de Romilly que fixa sua
abordagem no gênero trágico. Além desses, a Poética de Aristóteles dá-nos base sobre a
essência da tragédia e As duas máscaras de Paul de Saint-Victor nos auxilia no entendimento
de algumas tragédias individualmente, situando-nos em uma visão geral e também esmiuçada
do corpus da nossa pesquisa. Usamos a edição Le Baccanti editado por Vincenzo Di Benedetto
para a referenciação dos versos e a edição das tragédias de Eurípides, publicado pela editora
Verbo, para a leitura e análise.
O trabalho foi dividido em três seções. A primeira está assentada em uma
contextualização do autor e obra, enfatizando os aspectos mais relevantes sobre Eurípides e As
Bacantes, a fim de introduzir o leitor no universo do tragediógrafo e da sua criação literária. A
segunda parte centra-se em uma perspectiva sobre Dioniso e seu mito, direcionando o olhar
para a assimilação do deus na tragédia em questão. A análise do corpus localiza-se na última
seção, em que é traçado um prisma ambivalente que norteia a figura de Dioniso.

1. EURÍPIDES E SUAS BACANTES

Nascido apenas quinze anos após Sófocles, Eurípides vivia em uma época intelectual
completamente diferente de seu antecessor. Não viveu a gloriosa Era de Atenas, pelo contrário,
presenciou a ascensão da filosofia, período em que o movimento se enraíza e se solidifica,
levantando questionamentos acerca da existência dos deuses, e a guerra do Peloponeso, que
após 27 anos de batalhas, causou a ruína do império ateniense. “A desordem em que se debatem
seus personagens deve-se, provavelmente e em grande parte, a essa atmosfera de desencanto”
(ROMILLY, 1998, p. 101), sua carreira literária causou grande impacto, como é
frequentemente referenciado por Aristófanes32, porém nunca alcançou uma aprovação
expressiva, pois só foi vencedor de concursos por quatro vezes. Não participou da vida política
de Atenas e, no fim de sua vida, deixou a cidade para viver na corte do rei da Macedônia, onde
morreu em 406 a.C.
Eurípides bebeu na calamidade da guerra do Peloponeso para a criação de suas tragédias.
Isso pode ser notado em pelo menos três de suas obras dedicadas às prisioneiras troianas e à
ruína de Tróia, sendo elas Andrômaca, Hécuba e As troianas.
O tragediógrafo trouxe, em seu teatro, ideias novas e conceitos contemporâneos.
Brandão, em Teatro Grego, descreve as tragédias de Eurípides como ‘colcha de retalhos’ por
este autor estar mais aberto às mudanças e influências da sociedade que seus predecessores,
absorvendo isso, com fluidez, em sua escrita. Pode-se afirmar que Eurípides renovou o gênero

32
Em Acarnenses.
trágico, com suas obras, trazendo reviravoltas, sentimentos, heróis mais humanos e menos
divinos, personagens vívidos em suas tragédias que se movem pelo impulso de suas paixões
como em Medéia, deuses vingativos e implacáveis em toda sua crueza conforme podemos ver
em As Bacantes, composição literária, anunciada por Saint-Victor como “o mais belo
monumento dionisíaco que a antiguidade nos transmitiu”(2003, p. 556).
A obra narra o terrível fim de Penteu, rei de Tebas. No prólogo, temos um extenso
diálogo do próprio deus Dioniso que faz uma prolepse do que irá acontecer ao longo da peça.
O deus personifica-se em um sacerdote de si mesmo e deixa prodígios seus no túmulo de sua
mãe fulminada. Em seguida, Dioniso descreve as cidades pelas quais já passou e instituiu seu
culto: na Lídia, na Frígia e na Pérsia que são regiões vistas como bárbaras pelos gregos. Em
seguida, destaca Tebas:

De terras helênicas, Tebas é a primeira


a ressoar com meus gritos, a nébride sobre o corpo,
e à mão entregue o tirso, dardo feito de hera;
(EURÍPIDES, As Bacantes, vv. 23-25)33

Tebas é a primeira cidade helênica (grega) em que esse novo deus (Dioniso) instituirá
seu culto. Podemos apontar aqui um valor pessoal e significativo dessa cidade para o deus, o
que leva-o a instaurar seu culto nestas terras primeiramente. Tebas é a cidade de sua mãe
Sêmele, onde foi fulminada e onde Dioniso teve seu primeiro nascimento (EURÍPIDES, As
Bacantes, vv. 91-99). Ao chegar nas terras maternas, Dioniso encontra Agave, Autonoe e Ino,
irmãs de sua mãe, a proferirem equivocadamente pela cidade que Sêmele havia sido castigada
por Zeus por tê-lo ultrajado, alegando que ele seria o pai de seu filho quando na verdade era
filho de um mortal qualquer. Dioniso então lançou sobre elas o delírio, fazendo-as caminharem
errantes em direção às montanhas.
A dúvida acerca da paternidade divina de Dioniso é o eixo central que sustenta toda a
tensão da obra. Penteu, assim como sua mãe, Agave, não crê na descendência divina de Dioniso
e opõe-se a seus cultos e ritos. É a partir desta posição que o deus tece sua vingança contra a
família real tebana, estabelecendo sua descendência e instituindo em Tebas seus ritos.
Para alcançar seus objetivos, o deus enlouquece todas as mulheres tebanas, incluindo
Agave e suas irmãs, fazendo com que larguem seus afazeres e errem pelos montes. Após tal
ato, Penteu ordena que os guardas aprisionem os seguidores de Dioniso e tragam até ele o
responsável. É neste ponto da tragédia que vemos o desenrolar da ação trágica, pois ao entrar

A tradução d’As Bacantes utilizada em todo artigo pertence à edição da Editora Verbo de 1973, sem tradutor
33

mencionado.
em conflito com o deus, Penteu faz com que caia, sobre si e sobre os seus, a punição divina que
culminará em sua morte pelas mãos de sua própria mãe e das outras bacantes.

2. DIONISO, O ZAGREU
Dioniso, também chamado Baco, é reconhecido, pela tradição, como o último deus a
entrar no panteão olimpiano. Otto (2006, pág.160) afirma que esse deus pôde ser comprovado
em Creta em meados do segundo milênio antes de Cristo e, esteve em Delfos antes mesmo da
chegada de Apolo e seus oráculos. Sua história e os ritos de seu culto são, no mínimo, singulares
em comparação aos outros deuses gregos pois, mesmo sendo imortal e identificado deus, é
gerado por uma mortal, a princesa tebana Sêmele.
Segundo reconta Hamilton (1998, pág.65), Zeus apaixonou-se por Sêmele e com ela
teve encontros. Hera, irada, desceu a terra e se transmutou em ama de Sêmele, iludindo a
princesa tebana com palavras. Mais tarde, quando a jovem estava em seu quarto com o
simulacro34 humano do senhor dos céus, ela exigiu que Zeus lhe cumprisse um desejo. Preso
pelo juramento,35 o pai dos homens e dos deuses escutou o lamentável pedido de Sêmele, que,
aproveitando-se do fato, pediu ao deus que se apresentasse em sua forma divina. Zeus tentou
adverti-la sobre os riscos de seu desejo para a criança que ainda estava em seu ventre, contudo
foi em vão. Zeus então revelou sua verdadeira forma e Sêmele não, aguentando a imagem
gloriosa do deus, desvaneceu e morreu. Sêmele queimou junto com todo o palácio, e, antes que
a criança queimasse juntamente com a mãe, Zeus retirou Dioniso do fogo e abriu uma fenda em
sua própria coxa, onde abrigou o feto em crescimento, longe de Hera. Percebe-se então Dioniso
é um deus atípico, mesmo tendo nascido da união entre uma deidade e uma mortal, uma situação
curiosa para os moldes gregos, dado que da união de um deus e um mortal só poderão nascer
heróis com a mortalidade da natureza humana. Brandão (2010) menciona que, ao ser inserido
na coxa de Zeus para complementar da gestação, Dioniso transforma-se em uma emanação
direta da divindade do seu gerador, no caso, Zeus. Gerado por um deus, ele adquire a
imortalidade e o status de divindade que Sêmele não podia lhe outorgar como humana.
Dioniso é um deus que preside os cultos mistéricos, aquele que representa a face caótica
do nascimento dos deuses, ele traz em si aspectos do caos primordial, originário de todas as
coisas. É esse aspecto que encanta aos homens, a capacidade de dissolver a ordem existencial
criada pelos deuses, retornando o mundo ao caos onde não há hierarquia ou distinção. A

34
Forma humana do deus. O deus não pode aparecer em sua real forma pois é mortal para humanos.
35
Zeus havia jurado pelo rio Estige, um juramento feito em nome desse rio inferior não podia ser quebrado.
dualidade de Dioniso se deve à dupla natureza do vinho, “por um lado, a liberdade e a alegria
arrebatadora, e, por outro, a brutalidade selvagem” (Hamilton,1999, p. 69).
Estes aspectos estão condicionados à sua dor. Ele é a própria vinha, e, esta, ao contrário
das outras plantas frutíferas, precisa ser podada para que seus frutos cresçam e amadureçam, no
inverno a vinha é destituída de suas folhas, sobrando apenas ramos e o tronco retorcido. Parece
morta e de fato o deus também morre junto com a árvore, porém, ele ressurge e ganha forma,
assim como as videiras após o inverno, trazendo desta forma, para seus seguidores a esperança
na ressurreição, o renascer da alma.
Quando falamos de ressurreição não podemos deixar de mencionar Zagreu, segundo
Nonnos de Panopolis em sua Obra Dionisíacas (V EC), livro VI. O mito conta Zeus, ter
decidido que precisava de um herdeiro sensato para que ocupasse seu lugar, quando fosse
preciso. Ao observar as deusas, decidiu que Perséfone seria a companheira ideal, por sua
capacidade de decidir pela razão e não pelo coração, então o rei dos deuses transmutou-se em
dragão e deitou-se com sua sobrinha e também filha. Zagreu nascido alguns meses depois, subiu
ao trono de Zeus espontaneamente, tomando os raios em suas pequenas mãos. Hera ressentida
e irada ordenou que os titãs matassem a criança que estava sob os cuidados de Apolo e dos
Curetes. Os titãs, dessa forma, montaram um estratagema, cobriram seus rostos com pó de giz
a fim de não serem reconhecidos e tentaram enganar Zagreu com brinquedos. O deus,
percebendo o perigo, fugiu e foi perseguido por aqueles que viriam a ser seus executores,
metamorfoseou-se diversas vezes para escapar de seus algozes, porém nada adiantou. Vencido
pelo cansaço, Zagreu foi capturado pelos titãs que o despedaçaram e o devoraram. Zeus ao ver
tal cena, fulminou os titãs até que só sobraram cinzas e inundou a terra para lavar seus vestígios.

Depois que o primeiro Dioniso foi massacrado, Zeus aprendeu o truque do espelho
com a imagem. (NONNOS, Book VI, 206. Trad. W. H. D. ROUSE)36

Nonnos (V EC) menciona Zagreu como “o primeiro Dioniso”. De acordo com Brandão
(2010), Zagreu é um deus Trácio, incorporado à Hélade grega por sua similaridade com
Dioniso, os seguidores do orfismo o consideram uma imagem anterior à Dioniso, aquele que
era o deus sob outro nome.

Dito isto, Hermes levantou-se rapidamente em direção aos céus, contornando as asas
sob a brisa impetuosa. Lá ele deixou a forma superior de Phanes e voltou a si mesmo,
deixando que Baco crescesse uma segunda vez na mãe natureza. (NONNOS, book
IX, 155. Trad. W. H. D. ROUSE)

36
Traduzido a partir da tradução inglesa.
Nesta passagem, temos o nome de Baco, nome latino dado a Dioniso, associado a uma
segunda vida, ou formação, elemento que reforça a ideia da assimilação do deus com Zagreu,
o primeiro, o que foi morto. Após a sua morte, surge Baco, o segundo, aquele que simboliza a
vida e a sua continuidade. Vê-se, portanto, Zagreu, assim como Baco/Dioniso, ultrapassando
os limiares da morte e renascendo como uma nova divindade.

2.1. DIONISO E A TRAGÉDIA GREGA.


“A tragédia nasceu do culto de Dioniso” (BRANDÃO, 1990, p. 9)

Esta é a ideia inicial do livro Teatro grego de Junito de Souza Brandão,que entre os
estudiosos da área virou uma convenção dada a veracidade da afirmação. O envolvimento de
Dioniso com a tragédia ocorre por meio das festas dionisíacas em honra ao deus. De acordo
com Romilly (1998, pág.14), as representações eram imersas sempre em um contexto religioso
e eram frequentemente acompanhadas por procissões e sacrifícios. Segundo Aristóteles em sua
Poética, a tragédia (assim como a comédia) teria nascido de improvisos, dos solistas do
ditirambo (esta dos solistas dos cantos fálicos), evoluindo pouco a pouco até que se configurou,
adquirindo sua forma como conhecemos.
Brandão (2010, pág.10) nos traz a informação de que, historicamente, por ocasião da
vindima, todo ano se celebrava, em Atenas e por toda a Ática, a festa do vinho novo em que os
participantes, assim como os integrantes do séquito de Baco, embriagavam-se, cantavam e
dançavam freneticamente à luz dos fachos e ao som dos címbalos. Estes seguidores
disfarçavam-se de sátiros, ou como são popularmente concebidos “homens-bode”. Teria vindo
daí então o vocábulo tragédia: τράγος = “tragos”, bode + ῳδή = “oidé”, canto, tragédia.
Também sacrificavam um bode em honra ao deus pois acreditava-se que o bode tenha sido uma
das transformações de Zagreu antes deste ser devorado pelos Titãs.
Já Romilly (1998) nos traz outro ponto de vista, alegando que os sátiros se ligariam mais
ao gênero satírico, ao qual remete o nome, e o bode teria sido a recompensa oferecida ao melhor
participante ou uma vítima oferecida em sacrifício.

A tragédia, como gênero literário, surgiu somente porque aquelas festas em honra a
Dioniso passaram deliberadamente a procurar a substância das suas representações
num espaço estranho ao domínio dessa divindade. (ROMILLY, 1998, p. 19)

Mesmo havendo peças que falam sobre o mito de Dioniso (As Bacantes de Eurípides
foi a única que nos chegou como exemplo), a maioria das tragédias está ligada aos mitos das
epopeias, encontrando aí matéria-prima para sua confecção e enfatizando aquilo que a epopéia
apenas narrava, tornando-a assim tanto tangível quanto terrível

3. DIONISO CONSOLADOR
Vem depois o seu émulo, o filho de Sêmele,
que da uva o fluido líquido achou e trouxe
aos mortais; aquieta aos homens míseros
suas penas, quando do suco da vinha estão saciados,
o sono e o olvido dos male quotidianos
lhes concede; para as dores outro lenitivo não há.
(EURÍPIDES, As bacantes, vv. 278-283)

Dioniso ensinou aos mortais a arte de espremer as uvas e transformá-las em vinho. “Essa
bebida tem forte associação com a vida e a fertilidade desde a Mesopotâmia” LURKER, 2003,
pág.754. A videira e o vinho carregam um significado de ressurreição que é intimamente ligado
a Dioniso, seja pelo seu duplo nascimento, seja pelo mito de Zagreu que, muitas vezes, se
identifica com o seu. Na própria obra, há passagens que deixam cada vez mais evidente a
importância do vinho no culto a Dioniso e os efeitos que ele traz para o povo. Esta bebida,
consumida com moderação, tem como efeito o oblívio dos males e das dores dos homens além
de também lhes ofertar o sono. Seria essa então uma recompensa, principalmente para os
trabalhadores fatigados da labuta diária, trazendo felicidade, ao menos que temporária, para os
que estão esgotados e coragem para aqueles temerosos. Tomando uma concepção geral do
elemento, a ordem é essa: “dai vinho aos que estão cansados do trabalho e cerveja aos que
padecem amarguras na alma. Os príncipes, porém, não devem beber nem cerveja nem vinho,
que ficarão reservados para os que labutam e sofrem...” (Saint-Victor, 2003, apud, Provérbios,
31, 6-7). O trecho de provérbios apresenta uma diferenciação explícita, o vinho não é uma
bebida destinada aos nobres, aos líderes, mas ao povo, aqueles que sofrem a fadiga de suas
obrigações e afazeres diários
Ao ser consumido, o vinho permite que a pessoa esteja mais próxima, ou se torne um
com o deus. A manía, ou a loucura sagrada, trazida pela embriaguez, é descrita e apresentada
n’As Bacantes como um êxtase promovido pela possessão divina, é através dela que o homem
rompe as amarras dos modelos e do status, todos tornam-se iguais e sede da dominação e da
profusão de Dioniso.

Da Lídia e da Frígia, os campos ricos em ouro deixei;


da Pérsia, os planaltos batidos de sol;
de Báctria, os muros; em funesta invernia, o país
dos Medos; e a opulenta Arábia percorri
e a Ásia toda, que ao longo do salgado mar
jaz, com Helenos a bárbaros associados.
(EURÍPIDES, As bacantes, vv. 13-18)

É isto que representa Dioniso e que o faz um deus tão grandioso e disseminado. Ele não
concentra seus domínios na aristocracia, sua linguagem e medidas são dialogadas com a
população, ao contrário dos outros deuses do panteão. Além disso, Dioniso não se encontrará
preso às terras gregas, mas se expande como o vinho, a vida, institui seu culto em diversas
cidades, entre diferentes povos, adota a máscara que lhe é oferecida, acolhe a todos aqueles que
o procuram, dispensando a seus servos alívio e alegria.

3.1. DIONISO VINGADOR


É seguindo o motivo deixado em aberto no tópico anterior, que iniciamos este.
Traçaremos uma perspectiva do lado cruel do deus que traz alegria aos homens, mais
precisamente, o lado vingativo que é trazido à tona na peça escrita por Eurípides. Podemos
resumir em uma única palavra o que levou ao desfecho trágico da peça: Reconhecimento, ou a
falta deste por parte de Penteu, sua mãe e suas tias.
No início da peça já podemos ver a punição de Agave, Autonoe e Ino por dizerem que
Sêmele se deitou com um mortal. As irmãs não reconhecem que Dioniso é uma divindade, não
tinham nem conhecimento de sua sobrevivência após a jovem princesa de Tebas ter sido
fulminada. Por este motivo, Dioniso as enche de delírio e as fazem errar pelos montes junto
com as bacantes. O deus não apenas as pune, mas também toda a cidade que se recusa a
reconhecê-lo como deus. Logo em sua primeira aparição na peça, podemos ver o quanto este
reconhecimento pesa para o deus:

Cadmo, idoso já, o poder absoluto


a Penteu, de uma filha gerado, entregou;
este comigo luta e das libações
me repele, e, nas preces, de mim não tem memória.
Por isso, a ele e a todos os tebanos
mostrarei que nasci deus.
(EURÍPIDES, As Bacantes, vv. 43-48)

Como preces e libações são feitas apenas para os deuses, Penteu ao negar a execução
dessa prática à Dioniso, também nega a ele a sua natureza divina. Por Penteu não o reconhecer
como ser divino ofende a essência e as origens do novo deus, cometendo então uma hýbris, a
desmedida, o excesso, que será motivo de seu fim trágico na peça. Várias vezes Penteu é
alertado por Tirésias e Cadmo para que ele honrasse o novo deus, ou males poderiam cair sobre
ele. Contudo, o rei já cego pelo véu da ignorância, manda que tragam o sacerdote que tanta
comoção causa na cidade. Penteu desdenha da aparência e ameaça tanto o deus transmutado,
quanto suas seguidoras, de morte, afirmando os dizeres anteriores de sua mãe Agave,
desacreditando que o filho de Sêmele, seu primo, seja filho de Zeus. Dioniso como deus, deve
impor sua origem, segundo Saint-Victor (2003, p. 558) “O deus o esmagará e sua família
terrena, castigada e aterrada pelas calamidades, servirá de exemplo a quem ousar combater a
nova divindade”. A figura trágica de Penteu não consegue perceber os prodígios de Dioniso em
frente aos seus olhos.
A decadência de Penteu não se configura apenas em sua morte funesta. Penteu parece
cego ante os fatos que estão à sua frente e não percebe seu fim até que seja tarde demais. Os
elementos que sucedem a sua imposição sobre a figura divina apenas realçam o pathos na obra.
Primeiro o rei é humilhado, vestido como uma bacante ao caminhar pela cidade, já tomado pelo
delírio, em direção ao monte onde anseia ver os rituais que lhes são proibidos. No meio do
caminho Penteu acredita que pode carregar o monte em suas costas, nos dando a certeza de que
ele não está mais em sua própria consciência.
Penteu:
Não poderia levar as encostas do Citéron,
junto com as Bacantes, em meus ombros?
Dioniso:
Podias, se desejasses. Dantes, a mente
sã não tinhas, agora está como deve ser.
(EURÍPIDES, As Bacantes, vv. 945-948)

No chão, com o rosto ao pó, olhando para sua mãe, implorando pela sua vida, Penteu
enxerga seu erro e reconhece a divindade de Dioniso, porém é tarde demais, sendo esquartejado
pela mãe e suas companheiras. O castigo de Penteu termina com sua morte, mas o castigo de
sua mãe e das irmãs dela garantem o efeito trágico da peça. Agave após matar o filho pensando
ser um animal selvagem, festeja com a cabeça dele em seu tirso por toda a cidade, mostrando
com orgulho seu troféu até que, dialogando com Cadmo, seu pai, recupera os sentidos e percebe
o que fizera. Agave e suas irmãs são, assim, condenadas ao exílio.

Dioniso:
Injúria terrível de vós me veio;
Privado de honra foi meu nome em Tebas!
(EURÍPIDES, As Bacantes, vv. 1377-1378)

Em sua fala final Dioniso lamenta por não ter sido reconhecido na cidade de sua mãe e
de seu primeiro nascimento, mostrando novamente o motivo por trás de toda a peça, o não
reconhecimento da divindade que ocasiona a perturbação da punição. A forma que é narrada dá
a entender a falta de tranquilidade do afetado. Quando acontece a vida torna a si e a punição
está em execução permitindo assim o patético da tragédia.
CONCLUSÃO

A única tragédia em modelo dionisíaco que chegou até nós, da antiguidade, foi composta
por Eurípides para concursos de tragédias que aconteciam nas festas em honra ao deus. Tendo
em vista os argumentos apresentados no corpo da pesquisa, podemos vislumbrar uma ideia mais
abrangente sobre o deus Dioniso baseando-nos em duas características fundamentais do deus.
Os pontos estabelecidos na análise nos permitem observar o paralelismo na obra
concernente à dualidade de Dioniso que se configura em seu aspecto de deus consolador e, por
outro lado, deus vingativo. Examinamos o papel do deus com base nessas duas perspectivas,
elencando aspectos textuais que demonstram a existência de uma ambiguidade, mas ao mesmo
tempo, uma harmonia entre os dois aspectos de modo que o deus é posto em total correlação
com sua própria forma de atuação. A análise tende a um aprofundamento que evoca um Dioniso
além de sua imagem mais difundida na atualidade, como apenas o detentor do vinho e da
euforia. Dito isto, esperamos que este artigo tenha auxiliado numa compreensão mais ampla de
Dioniso e de sua importância para o mundo antigo.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: ArsPoetica, 1993. 151 p.


BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Vol. II. Petrópolis: Vozes. 2010. 357p.
____________________. Teatro grego: tragédia e comédia. Petrópolis: Vozes, 1985. 120p
EURIPIDE. Le Baccanti. Bergamo: Bur, 2010. 531 p.
EURIPIDES. Alceste, Andrómaca, Íon, As Bacantes. São Paulo: Verbo, 1973. 345 p.
HAMILTON, Edith. Mitologia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 495 p.
LURKER, Manfred, Dicionário de simbologia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 776 p.
NONNOS DE PANOPOLIS, Dionysiaca: book 8. Disponível em
<http://www.theoi.com/Text/NonnusDionysiaca8.html>. Acesso em: 23 de Jun. 2017.
__________________, LesDionysiaques: Chants I e II. Paris: Les Belles Letres, 2003. 200 p.
OTTO, Walter Friedrich. Teofania: O espírito da religião dos gregos antigos. São Paulo:
Odysseus Editora, 2006. 197 p.
ROMILLY, Jaqueline de. A tragédia grega. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
170 p.SAINT-VICTOR, Paul de. As duas máscaras. São Paulo: Germape, 2003. 695 p.
STEPHANIDES, Menelaos. Prometeu, os homens e outros mitos. São Paulo: Odysseus,
2004. 205
ASPECTOS DO DIALOGISMO BAKHTINIANO NA LITERATURA
JUDAICA DO ECLESIASTES

Me. Gilmar de Souza Barbosa Vasconcelos


UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA
E-mail: gilmar.filosofia@hotmail.com

RESUMO
O artigo propõe a leitura de passagens do livro bíblico do Eclesiastes partindo do ponto de vista
literário, desse modo, abordaremos os aspectos dialógicos que permitem essa obra ser destaque
na literatura judaica, devido seu caráter relativamente helenístico, o qual transmite ideias que,
de certa forma, confrontam o pensamento judaico-teocêntrico, então vigente. Procuraremos as
partes do livro em que os aspectos da intertextualidade ficam mais evidentes, numa tentativa de
demonstrar a aplicabilidade da teoria bakhtiniana do dialogismo, observando como ela se
encontra na obra através da intertextualidade usada por seu autor.

PALAVRAS-CHAVE: Eclesiastes; Dialogismo; Intertextualidade.

INTRODUÇÃO

O pensamento do teórico literário russo Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1974)


tem despertado o interesse dos pesquisadores na área do conhecimento das ciências humanas,
principalmente no campo da linguagem, pois as suas teorias quanto ao discurso, aos gêneros e
a maneira como esses são estabelecidos, etc., chamam bastante à atenção para a
interdependência de falas e pensamentos, bem como de relações sociais na constituição de um
texto, pois como perceberemos, em quaisquer discursos, sempre fala um ou mais sujeitos que
nem é “assujeitado” a sociedade em que vive, ou seja, não é uma extensão desta, mas também
não é uma subjetividade autônoma em relação à sociedade, de algum modo estão envolvidos
com esta. (Cf. FIORIN, 2006, p. 55).
Partindo dessa teoria bakhtiniana, logo percebemos a impossibilidade de construção de
um texto enunciativo, que seja “original”, no sentido de não ser atravessado por outras vozes.
Bakhtin, admite que tal texto só teria sido possível a um único “autor” o “Adão mítico”
(BAKHTIN, Apud, FIORIN, 2006, p. 18), pois, só ele, poderia ter feito algo com tal
originalidade, uma vez, que não existia ainda a sociedade nem “outros” sujeitos com quem
pudesse dialogar. A partir dele, não haveria mais nenhum discurso que não estivesse revestido
de dialogismo, tendo em vista que “o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o
discurso de outrem, que está presente no seu. [...]. O dialogismo são as relações de sentido que
se estabelecem entre dois enunciados.” (FIORIN, 2006, p. 19).
Munidos da teoria bakhtiniana acerca do dialogismo, partiremos em nosso propósito de
descobrir no livro bíblico do Eclesiastes os aspectos que possivelmente o caracterizam como
um texto literário dialógico. Para tanto, também veremos a obra de Haroldo de Campos
Eclesiastes (1991), livro em que os aspectos dialógicos do Eclesiastes são destacados e
trabalhados com detalhes. Estabeleceremos através de citações diretas, as relações existentes,
por exemplo, entre o livro de Eclesiastes na Bíblia de Jerusalém (2010) e a Epopeia de
Gilgamesh, literatura sumeriana datada de pelo menos três mil anos antes de Cristo.

SÍNTESE DA VIDA E OBRA DE MIKHAIL MIKHAILOVITCH BAKHTIN

Em 16 de novembro de 1895 nascia em Orel, uma pequena cidade ao sul de Moscou


Mikhail Mikhailovitch Bakhtin, descendente de família aristocrata que perdera suas posses.
Aos nove anos de idade muda-se com a família para Vilna, capital da Lituânia, essa cidade
juntamente com a cidade plurilinguística de Odessa, para onde ele vai aos quinze anos, serão
fundamentais para a formação de Bakhtin, tendo em vista, que nelas não se falavam uma única
língua, mas uma diversidade de línguas ou “poliglossia”, esse contato com diversos idiomas
como o polonês, o lituano, dentre outros, vai marcar, significativamente, toda a sua obra. (Cf.
FIORIN, 2006, p. 9). Em Odessa inicia seus estudos universitários, mas é em São Petersburgo
que conclui, formando-se em História e Filologia.
Em 1917, Bakhtin apoia a Revolução Russa. Entre os anos de 1918 a 1920 leciona em
Nevel local onde teve origem o círculo de amigos que depois veio a ficar conhecido como o
“Círculo de Bakhtin”. Em 1921 casou-se com Elena Aleksandrovna Okolóvitch, mulher que
lhe acompanhou até o fim da vida deixando-o viúvo em 1971.
Sua obra começa a ganhar formas quando em Vitebsk publica seu primeiro ensaio que
tinha como título “Arte e responsabilidade”, onde explora as relações existentes entre as formas
artísticas e vida social. Entre 1925 e 1929, publicou quatro importantes trabalhos: “O método
formal nos estudos literários, Discurso na vida e discurso na arte, Freudismo; uma crítica
marxista e Marxismo e filosofia da linguagem.” (FIORIN, 2006, p. 10). Em 1940, apresentou
no Instituto Gorki, sua tese de doutorado intitulada “Rabelais e a cultura popular”, mas não
pôde defendê-la devido à guerra, o que veio a fazer só em 1946, porém depois de muitas
polêmicas que esse trabalho causou, foi reprovado em 1952, mas o mesmo é publicado em 1965
e lhe dá renome mundial. (Cf. Ibid., 2006, p. 11).
Bakhtin escreveu outras diversas obras, porém, em português temos apenas, segundo
Fiorin, em Introdução ao pensamento de Bakhtin (2006) as seguintes: Marxismo e filosofia da
linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem (1979),
Problemas da poética de Dostoievski (1981), a cultura popular na Idade Média e no
Renascimento: o contexto da obra de François Rabelais (1987), Questões de literatura e de
estética: a teoria do romance (1988), Estética da criação verbal (1992), O freudismo: um
esboço crítico (2001). Morreu em 1975.

O DIALOGISMO BAKHTINIANO E SUAS CARACTERÍSTICAS

Para que desenvolvamos a proposta deste artigo é preciso atentar para o conceito de
dialogismo posto por Mikhail Bakhtin, pois o mesmo é um princípio fundamental em sua obra
e, portanto temos que nos remeter a ele para melhor compreendermos a relação existente entre
o livro judaico de Eclesiastes e textos de outros povos.
Em Introdução ao pensamento de Bakhtin, segundo declara, Fiorin (2006, p. 18) “O
teórico russo enuncia esse princípio e, em sua obra, examina-o em seus diferentes ângulos e
estuda detidamente suas diferentes manifestações.” Ele continua a análise onde podemos
encontrar as estruturas que formam o conceito que Bakhtin chamou de “dialogismo”, dentre
estas, podemos destacar, entre outras, a linguagem, pois:

Segundo Bakhtin, a língua, em sua totalidade concreta, viva, em seu uso real, tem a
propriedade de ser dialógica, [...], todos os enunciados no processo de comunicação,
independentemente de sua dimensão, são dialógicos. Neles, existe uma dialogização
interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é sempre
inevitavelmente também a palavra do outro. Isso que dizer que o enunciador, para
constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu.
Por isso, todo discurso é inevitavelmente ocupado, atravessado, pelo discurso alheio.
(Ibid., p. 18,19).

Segundo pensa Mikhail Bakhtin em Marxismo e Filosofia da Linguagem (1992), a


enunciação é um produto derivado da interação de sujeitos socialmente organizados, pois a
própria natureza do enunciado é social, assim toda enunciação acontece dentro de um contexto
social e ideológico, em que cada enunciador tem o seu “horizonte” determinado, cada um pensa
e se dirigi a um grupo social também definido. Porém, é importante notarmos o fato de que
“Não são as unidades da língua que são dialógicas, mas os enunciados” (FIORIN, 2006, p. 20).
A diferença substancial entre unidade linguística e enunciado reside, em que, no primeiro caso,
das unidades da língua, que nada mais é do que sons, palavras e orações; existe a possibilidade
de repetirem-se muitas vezes os mesmos sons, palavras, orações etc., no segundo caso, o do
enunciado, isso não é possível, pois o mesmo é único, não existe possibilidade, segundo Fiorin
(2006), de haver dois enunciados iguais.

Não é a dimensão que distingue uma unidade da língua de um enunciado, [...]. O que
os diferencia é que o enunciado é a réplica de um diálogo, pois cada vez que se produz
um enunciado o que se está fazendo é participar de um diálogo com outros discursos.
O que delimita, pois suas dimensões é a alternância dos falantes. Um enunciado está
acabado quando permite uma resposta de outro. Portanto, o que é constitutivo do
enunciado é que ele não existe fora das relações dialógicas. Nele estão sempre
presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele refuta,
confirma, completa, pressupõe e assim por diante. (FIORIN, 2006, p. 21).

Para Bakhtin, existem ao menos três conceitos acerca do dialogismo. “O primeiro


conceito de dialogismo diz respeito, pois, ao modo de funcionamento real da linguagem: todos
os enunciados constituem-se a partir de outro.” (FIORIN, 2006, p. 30). Todos os discursos
enunciativos são atravessados por outros sujeitos que falam por outros meios aos mesmos
enunciados. Nas formações sociais onde os enunciados são produzidos, diz Fiorin (2006), pode
operar o presente, o passado e o futuro.
O presente opera por meio dos múltiplos enunciados produzido em relação aos mais
diversos temas. O passado por sua vez, tendo a atualidade por depositária constitui-se no
presente por meio dos enunciados legados da tradição. Já o futuro se faz atual, através dos
enunciados que falam dos objetivos utópicos da contemporaneidade. (Cf. FIORIN, 2006, p. 30).
Todos esses tempos e todas essas formas de constituição de enunciados, em Fiorin (2006), são
chamados de dialogismo constitutivo, sendo assim, o primeiro tipo de dialogismo apresentado
segundo ele, em Bakhtin.
Dessa forma vamos percebendo que, o sentido de dialogismo em Bakhtin, não é tão
simples como poderíamos imaginar, uma vez que não se trata apenas de um “diálogo”.
Continuemos então, no sentido de alcançarmos o segundo conceito de dialogismo para o autor:

Além do dialogismo constitutivo, há um outro que se mostra. Trata-se da incorporação


pelo enunciador da voz ou das vozes de outros(s) no enunciado. Nesse caso o
dialogismo é uma forma composicional. São maneiras externas e visíveis de mostrar
outras vozes no discurso. (FIORIN, 2006, p. 32).

Para concluirmos esse ponto, precisamos notar ainda o terceiro conceito de dialogismo
em Bakhtin, apresentado por Fiorin (2006), que juntamente com o dialogismo constitutivo e o
composicional, formará uma tríade que possibilitará a compreensão desse conceito. Trata-se do
sujeito que se constitui discursivamente, pois:

A subjetividade é constituída pelo conjunto de relações sociais de que participa o


sujeito. Por isso, em Bakhtin, o sujeito não é assujeitado, ou seja, submisso às
estruturas sociais, nem é uma subjetividade autônoma em relação a sociedade. O
princípio geral do agir é que o sujeito age em relação aos outros; o indivíduo constitui-
se em relação ao outro. Isso significa que o dialogismo é o princípio de constituição
do indivíduo e o seu princípio de ação. (FIORIN, 2006, p. 55).

Para o nosso propósito aqui, a diferenciação entre unidade da língua e enunciado já é o


suficiente, não requerendo, no momento, nos alongarmos nessa questão, tendo em vista, que
necessariamente abordaremos os demais aspectos do conceito de dialogismo, em Bakhtin, no
transcorrer do presente texto.

A LITERATURA JUDAICA DO ECLESIASTES

O livro de Eclesiastes tradicionalmente atribuído ao rei Salomão, que o teria escrito por
volta de 935 A.C., é um dos mais intrigantes e curiosos na Bíblia, pois em seu bojo retrata ideias
que parecem refutar algumas doutrinas rabínicas de sua época, como por exemplo, a dúvidas
levantadas na obra quanto a imortalidade da alma, a retribuição do bem e do mal, a
impossibilidade de uma vida feliz, etc., aparecem no texto como contraditórias a um autor que
teria vivido nesse período da história do povo de Israel, onde toda a sociedade tinha uma visão
de mundo totalmente teocêntrica e a autoridade divina (apesar da vida leviana que Salomão
adotou nos seus últimos dias) era inquestionável.
Temos assim, uma abertura para a crítica literária que se propôs estudar a possibilidade
da autoria do livro ser atribuída à outra pessoa e não a Salomão, pois os estudos propostos
encontraram evidências suficientes para mostrar que: a forma narrativa, os conceitos, e as ideias
apresentadas na obra, não correspondiam com a sociedade da Palestina dos dias de Salomão,
mas sim, com a do período do século III A.C., segundo a Bíblia de Jerusalém (2010), momento
histórico em que essa região estava sobre o domínio dos Ptolomeus, pois, possivelmente, o
autor desse livro teria tido conhecimento de algumas obras literárias da antiguidade clássica de
outros povos.
A autoria atribuída a Salomão seria, portanto, uma forma de homenagem, feita por
algum autor, devido à admiração que o magnífico rei de Israel despertara. Qohélet (o
personagem do livro) se investe do nome de Salomão apenas de forma fictícia, segundo nos
conta Haroldo de Campos, em seu livro Eclesiastes (1991).
Qohélet é alguém que vive de angustias e perturbações diante do próprio fato de existir,
pois a vida, segundo ele pensa, é enfadonha, não existe esperança de algo diferente, as coisas
sempre acontecem de forma cíclica e determinada. Diferentemente do que pregava a fé judaica,
ou seja, a certeza de uma existência eterna com Deus; Qohélet não tem certeza alguma além da
inevitabilidade da morte, apesar de demonstrar a fé em Deus, ele parece ter sido afetado pelos
ensinamentos filosóficos de sua época, que descredenciavam a maioria das doutrinas judaicas.
Esse conflito estará presente em toda a obra, é inevitável a observação de um personagem
atormentado pelos traços “semítico, que coexiste, indelével, com o quase-ceticismo helenizado
e nada ascético do Qohélet” (CAMPOS, 1991, p. 19).

ECLESIASTES E O DIALOGISMO BAHKTINIANO

Depois de havermos feito essa análise sucinta acerca do dialogismo bakhtiniano e da


obra do Eclesiastes, podemos adentrar na tentativa de identificar na obra judaica os aspectos
que a caracterizam como uma obra dialógica, ou seja, que estabelece relações com “outros”
pensamentos, outras vozes que falam no texto. Nesse sentindo destacaremos, em particular,
algumas passagens da Epopeia de Gilgamesh, citada por Haroldo de Campos em seu livro
Eclesiastes (1991), e trechos do livro de Eclesiastes na Bíblia de Jerusalém (2010), que
demonstram haver claramente a composição dialógica-intertextual a partir do texto sumério
antigo, vejamos os textos, segundo Campos, que cita a passagem da Epopeia de Gilgamesh:

De fato, na Epopéia (sic) de Gilgamesh (EG) lê-se esta fala do herói a seu amigo
Enkidu: ‘Um só não pode vencer / mas dois juntos o podem / a amizade multiplica as
forças, / uma corda tripla não pode ser cortada / e dois leões jovens são mais fortes
que seu pai’. (CAMPOS, 1991, p. 135).

A passagem semelhante na Bíblia de Jerusalém (2010) declara: “Alguém sozinho é


derrotado, dois conseguem resistir, e a corda tripla não se rompe facilmente”. (Ec 4. 12). Esse
ponto de encontro entre os textos são mencionados em nota de roda pé na Bíblia de Jerusalém,
inclusive, essa mesma nota é citada por Haroldo de Campo, vejamos como ela se encontra na
Bíblia de Jerusalém (2010, p. 1076): “A imagem da corda tripla encontra-se, da mesma forma,
em texto sumério do ciclo de Gilgamesh, ilustrando igualmente a vantagem de estar a dois, e
não solitário”.
Continuando a nossa pesquisa podemos encontrar alguns outros pontos no livro bíblico
que comprovam a influência intertextual em sua construção, observemos, nesse sentido, mais
uma parte do livro de Eclesiastes e outra da Epopeia de Gilgamesh:

Vai, come teu pão com alegria e bebe o teu vinho com satisfação, porque Deus já
aceitou tuas obras. Que tuas vestes sejam brancas em todo tempo e nunca falte
perfume na tua cabeça. Desfruta a vida com a mulher amada em todos os dias da tua
vaidade que Deus te concede debaixo do sol, todos os dias de vaidade, porque esta é
a tua porção na vida. (Ec 9. 7-9).

Na Epopeia de Gilgamesh, encontramos:

‘Ó Gilgamesh, aonde vais errando? / A vida que persegues, tu não encontrarás /


Quando os deuses criaram os homens / Reservaram a morte para os homens / E a vida
[...] retiveram para si. / Farta teu ventre, ó Gilgamesh / Noite e dia te deves distrair. /
Faz de dia festa de deleite / Leva noite e dia em danças e folguedos. / Teus trajes sejam
novos, que possam deslumbrar / Lava a cabeça e banha-te nas águas. / Atenta no
pequeno que em tua mão segura, / E deixa no teu peito a esposa deleitar-se! / Pois é
isto o que cabe aos homens’. (CAMPOS, 1991, p. 193).

Os textos demonstram claramente, as passagens paralelas que os cortam, as ideias


desenvolvidas são bastante similares, nos primeiros que foram citados e tratam sobre a “corda
tripla” fica evidente que o discurso de Qohélet não é exclusivo, pois o texto da Epopeia de
Gilgamesh de autoria anônima nos revela que tais expressões datam de pelo menos três milênios
A.C., e isso é uma evidência de que possivelmente a ideia que o autor de Eclesiastes desenvolve,
quanto a corta tripla, é retirada da leitura dessa obra literária.
Os dois últimos textos tratam especificamente da vida humana, do seu existir na terra,
Gilgamesh é aconselhado a desfrutar de tudo que tem possibilidade aqui, porque a eternidade é
assegurada apenas aos deuses, esse pensamento parece atormentar também Qohélet, pois nessa
passagem citada do Eclesiastes ele vem se lamentando, justamente, pelo “destino” que a todos
se reserva no caso a “morte”, ele não demonstra certeza de vida eterna, mas notamos o seu
desapontamento nas seguintes palavras “Este é o mal que existe em tudo o que se faz debaixo
do sol: o mesmo destino cabe a todos, [...] e o seu fim é junto aos mortos” (Ec 9. 4).
Assim, observamos no final de ambas as citações um mesmo conselho quanto a
desfrutar dos prazeres da vida, porque essa é a única oportunidade real de realização dos seres
humanos, pois, para além da vida não temos certeza de mais nada. Portanto: comer, beber,
vestir-se bem, desfrutar a vida com uma mulher, são todos, elementos do texto sumeriano que
são vistos claramente na narrativa do Eclesiastes, mostrando assim, o seu aspecto dialógico.
CONCLUSÃO

Na análise que fizemos constatamos, segundo a teoria dialógica bakhtiniana, que o


dialogismo é constitutivo da linguagem, e, portanto está presente em todos os discursos, não
havendo segundo Bakhtin, nenhum discurso que não seja perpassado por outras vozes, outros
pensamentos, etc., de tal maneira, que segundo Bakhtin, em Estética da Criação Verbal (2003),
mesmo entre produções monológicas, observaremos sempre a existência de uma relação
dialógica.
Dessa maneira, observamos que o livro Eclesiastes, embora pertencente à literatura
judaica, não está fechado aos discursos produzidos na sociedade em que vive o seu autor, mas
está sempre sendo traspassado por pensamentos e vozes de outros textos conforme observamos
nas leituras feitas da Epopeia de Gilgamesh em comparação com as passagens lidas do
Eclesiastes, onde encontramos evidências claras de sua influência na narrativa eclesiástica.
Com toda a certeza, a leitura e o estudo do livro de Eclesiastes sob o ponto de vista
bakhtiniano, enriquece o nosso conhecimento de mundo, pois nos faz atentar para a
multiplicidade, a multivariedade de tradições, e pensamentos que são postos em cada discurso
enunciativo. Isso nos instiga a continuar posteriormente a pesquisar e irmos descobrindo as
várias maneiras de discurso que o autor do Eclesiastes (Qohélet) usa para se expressar a um
povo, uma sociedade, e também a si mesmo, acerca de temas que divergem com o pensamento
tradicional, e que justamente por isso é tão angustiante.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992.

___________. Os gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.

CAMPOS, Haroldo de. Eclesiastes - Qohélet/O-que-Sabe: Poema Sapiencial, com colaboração


especial de J. Guinsburg, São Paulo, Perspectiva, 1991.

ECLESIASTES. Português. In: BÍBLIA DE JERUSALÉM. Revista e ampliada. 6. ed. São Paulo:
Paulus, 2010.

FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
BABA YAGA: A “BRUXA” DOS CONTOS ESLAVOS

Susan Sanae Tsugami


Universidade Federal da Paraíba – PPGCR / NEVE / CAPES
tsugamisanae@gmail.com

Resumo
A Baba Yaga é uma personagem ambígua e sobrenatural dos contos folclóricos russos. Histórias
sobre ela datam desde antes do século XVIII, na Europa Oriental, e inúmeras hipóteses são
debatidas para compreender os aspectos simbólicos das narrativas folclóricas nas quais ela
aparece. No entanto, a referida personagem é um ser paradoxal, apresentando características
ambíguas e opostas que transformam as interpretações acerca do que seria uma “Baba Yaga”
algo difícil de ser conclusivo. Dentre as diversas intepretações, as inúmeras compreensões e a
diversidade de características que Baba Yaga apresenta, sua relação com a feitiçaria pode
sugerir uma possível conexão com aspectos remanescentes de entidades pagãs eslavas.

Palavras-chave: Baba Yaga. Folclore. Paganismo Eslavo. Bruxa.

1.Introdução

Baba Yaga é uma figura do folclore eslavo comumente interpretada como “bruxa” ou
como um ser sobrenatural. Segundo Forrester (2013), a maioria dos russos estão em consenso
ao considerarem a Baba Yaga enquanto “bruxa”. Ao tentar traçar uma linha etimológica, a
autora argumenta que, em russo, a palavra usada para definir “bruxa” é ved’ma. Neste sentido,
o significado de sua origem poderia ser compreendido enquanto “saber”, pois, no russo
moderno, ved’ma ganha o significado de “notícias”. Esse próprio fator etimológico já ilustra
algumas dificuldades de investigação. A palavra “yaga” demonstra ainda maiores
complexidades nas tentativas de definições. Forrester (2013) argumenta que os estudos não
chegaram a um consenso sobre seu significado, apesar de inúmeras possibilidades de
interpretações, os pesquisadores a consideram obscura. No entanto, a autora sugere sua origem
da palavra russa ekhat – cavalgar, ou do alemão Jaeger – caçador. Outras correntes etimológicas
defendem que a palavra “yaga”37 possui seu significado original nas línguas eslavas do sul

37
As interpretações etimológicas da palavra Yaga podem ser direcionadas para outros sentidos como horror,
doença, fúria, dentre outros. Para uma discussão mais aprofundada sobre o assunto e suas inúmeras possibilidades
interpretativas da palavra “Yaga” ver: Baba Yaga: The Ambiguous Mother and Witch of the Russian Folktale,
Andreas Johns, 2004.
(bósnio, croata, sérvio), conectada às palavras jeza ou jezivo, no sentido de “horrível” e
“horripilante”.
Johns (2004) enfatiza que a Baba Yaga pode ser considerada a figura mais memorável
do folclore da Europa Oriental. As histórias sobre ela aparecem em diversos lugares da Rússia,
Ucrânia e Bielorrúsia desde antes do século XVIII. O autor ressalta que, apesar da Baba Yaga
estar associada a figura da “bruxa”, a referida nomenclatura não consegue abranger toda a
complexidade e riqueza que retoma os possíveis significados do que seria uma “Baba Yaga”.
Para Forrester (2013), apensar da correlação que se faz da Baba Yaga enquanto “bruxa”, sua
imagem e popularidade não fazem referência apenas à ideia da “bruxa má" e perigosa, mas
também estão relacionadas a aspectos maternais e benfeitores. Essas características ambíguas
da Baba Yaga contribuem não apenas para que surja todo um mistério entorno de sua origem e
significado, como acabam por transformar essa figura do folclore eslavo em um ser cada vez
mais intrigante.
Por outro lado, esses argumentos são alguns dos possíveis fatores que possibilitam que
a Baba Yaga se torne uma figura popularmente conhecida até os dias atuais. Forrester (2013)
especula que a imagem ambígua da Baba Yaga pode ter ocorrido por estar provavelmente
relacionada a uma deusa pagã eslava, cuja imagem é uma mistura de entidade com feiticeira.
Esse último aspecto desperta grande interesse em inúmeras pessoas implicadas em correntes
espirituais alternativas na contemporaneidade, a exemplo de movimentos alternativos como o
Sagrado Feminino e o movimento (neo) Pagão. Para estes, a Baba Yaga é uma figura altamente
apreciada enquanto entidade. Portanto, essa concepção da Baba Yaga enquanto entidade pagã
eslava acaba por ensejar outra interpretação dessa entidade nos movimentos espirituais
alternativos na contemporaneidade e, com isso, seus aspectos maternais e poderosos se
sobressaem aos aspectos “malignos” retratados nas narrativas. Para as correntes espirituais
contemporâneas, esses aspectos malignos são interpretados como características inseridas na
figura da Baba Yaga posteriormente, diante do processo de demonização do feminino.
Segundo Forrester (2013), outro fator importante de ser ressaltado, e que também dá
margem às inúmeras complexidades nas compreensões e interpretações dos pesquisadores em
relação a Baba Yaga, é que os contos populares que a mencionam foram transmitidos de forma
oral no período pré-cristão da Rússia. Consequentemente, traçar a história e evolução dessa
figura nos contos populares torna-se uma tarefa ainda mais difícil. Por meio da transmissão oral
das narrativas eslavas, a imagem desse ser curioso possivelmente ficou confusa com o passar
dos tempos, transformando-a em um ser cada vez mais enigmático. Suas inúmeras
características transitam entre as funções de doadora e vilã e, sendo assim, a Baba Yaga pode
ser compreendida como uma personagem permeada por ambiguidade, ambiguidade essa que
dificulta uma definição assertiva do que seria uma “Baba Yaga”. Forrester (2013) explica que
existem três tipos de “Baba Yagas”, mas que em algumas histórias essas três facetas aparecem
como irmãs. Já em algumas outras histórias ela morre para em seguida reviver e, conforme se
percebe, em cada narrativa a Baba Yaga surge de um jeito diferente.
Nesse sentido, o “conceito” de “Baba Yaga” transcende o entendimento de meros
opostos, em relação ao que é compreendido enquanto demoníaco ou divino. A Baba Yaga
também é descrita e interpretada como uma mulher que opõe-se a todas as deidades e crenças,
especificamente às judaico-cristãs e mulçumanas. Por serem complexas as interpretações sobre
a Baba Yaga, devido às suas características ambíguas, os pesquisadores sentem-se instigados a
realizar comparações de seus aspectos mitológicos e simbólicos com os de outros seres
mitológicos e folclóricos das culturas próximas às regiões eslavas. Apesar de existirem diversas
semelhanças entre a figura da Baba Yaga e essas outras entidades, Johns (2004) enfatiza que
seus aspectos ambíguos não podem ser ignorados. Segundo o autor, as representações sobre a
Baba Yaga são intrigantes, já que nas narrativas ela é mencionada ora com comportamentos de
doadora, ora com comportamentos de vilã. O fato dessa figura apresentar tantos opostos denota
a riqueza simbólica dos elementos presentes em suas histórias.

2. Izbushka: a casa da Baba Yaga

A Baba Yaga38 é uma personagem dos contos folclóricos eslavos que apresenta
considerável complexidade para ser analisada se forem levados em conta os inúmeros detalhes
que compõem suas narrativas. Por isso, inúmeras vezes as características da referida
personagem são descritas de formas divergentes. Forrester (2013) explica que, em grande parte
das narrativas em que a Baba Yaga aparece, ela vive em uma casa de madeira sustentada por
pernas de galinha. A descrição de sua casa pode sofrer alterações, variando de conto para conto.
Em alguns destes, a casa da Baba Yaga é descrita com pernas de bezerro ou calcanhares, já em
outros, sua moradia é descrita com pernas de galinha. Os estudiosos enfatizam uma correlação
com pássaros, enquanto que as pernas de galinha (as quais sustentam a casa de Baba Yaga),

38
Segundo Propp (2002), é possível encontrar com frequência inúmeros personagens que são
denominados enquanto Baba Yaga, porém, os mesmos pertencem a outras categorias diferentes do
que se compreende enquanto Baba Yaga: a madrasta; a velha ou velho; animais.
podem sugerir se tratar de uma morada com características de mobilidade e vida (animista),
apesar de não se movimentar muito rápido e nem percorrer longas distâncias. Forrester (2013)
argumenta que essa característica móvel da casa ou cabana da Baba Yaga, em alguns contos, é
passível de ser identificada em relação com a rotatividade da Terra e a contagem do tempo: é
por esse motivo, cogita-se, que a casa da Baba Yaga manifesta essas características móveis e
giratórias. Segundo a autora, essa hipótese está relacionada também à importância dos
movimentos de rotação e aos giros no artesanato tradicional das mulheres, indicando uma
correlação cultural.
Johns (2004) explica que, no que diz respeito à Baba Yaga, suas narrativas e
popularidade são amplamente difundidas. Conforme é de se esperar, a maioria da população da
Rússia, Ucrânia e Bielorrússia conhecem suas histórias, o que indica uma profunda relação
cultural desses povos com a sua figura. Inclusive, inúmeros pesquisadores argumentam que as
narrativas da Baba Yaga podem ter sido relacionadas, no passado, a ritos de iniciação. Este
entendimento é formulado por meio dos atributos e características da Baba Yaga, de sua casa e
dos objetos pertencentes a ela, que são amplamente encontrados em suas narrativas.
Identificam-se como sendo as mais elementares características da Baba Yaga, constantemente
representadas no folclore: a sua moradia; as suas características físicas; e o seu meio de
locomoção. Forrester (2013) explana que a casa ou cabana onde a personagem mora é chama-
se izba ou izbushka, sugerindo um tipo específico de construção. A izba é um tipo de casa feita
com toras de madeira e é um tipo de construção comum nas regiões do norte da Rússia e da
Escandinávia. Segundo a autora, a casa da Baba Yaga está situada em lugares como densas
florestas; em campos vazios ou à beira-mar. Esses locais sugerem uma distância considerável
dos locais onde os heróis residem, indicando uma espécie de fronteira com o outro mundo. A
esse respeito, Warner (2002) explica que a iza ou izbushka, além de ser descrita em lugares
distantes, também requer o ato de atravessar rios, fogos ou florestas. Além disso, em algumas
variações das narrativas, a izbushka aparece descrita como uma cabana sem janelas ou portas.
Para Warner (2002), uma característica relevante em relação a izbushka é que ela pode
estar relacionada a uma concepção de cabana tribal, manifestando traços iniciáticos e
zoomórficos. Essa compreensão foi sugerida por Vladmir Propp, que relaciona as histórias da
Baba Yaga enquanto narrativas simbólicas que retratam ritos de passagem. Por isso, elas podem
ser compreendidas como reveladoras de rituais de iniciações em que os neófitos são engolidos
simbolicamente por um monstro, para posteriormente serem regurgitados na forma de adultos.
Warner (2002) acrescenta que, além da compreensão de Vladmir Propp, outros pesquisadores
apontam também haver uma conexão entre as pernas de galinha da Baba Yaga com os ritos de
passagem, uma vez que, para os eslavos, era um costume tradicional sacrificar galinhas em
locais onde seriam feitas certas construções.
Outra característica importante da cabana da Baba Yaga, enfatizada tanto por Elizabeth
Warner quanto por Andreas Johns, está em algumas peculiaridades retratadas nas narrativas, a
exemplo de quando o herói recita o comando: “Izbushka, izbushka, volte suas costas para a
floresta e fique de frente para mim”39. A casa da Baba Yaga gira e, então, posiciona sua porta
de entrada de frente para o herói. Nos contos sobre a Baba Yaga, sua cabana é descrita de forma
a sugerir uma capacidade de girar em torno de si mesma, como exemplificado há pouco. No
entanto, Propp (2002) observa que esse “girar” ocorre somente por meio do comando do herói.
Sob a perspectiva do autor, essa seria uma possível fronteira entre o “visível” e o “invisível”,
não sendo permitido aos heróis transgredir esses limites. Por isso, eles não poderiam
simplesmente caminhar em volta da casa para adentrar nela. O autor ressalta que, para
possibilitar que o herói chegue no limite entre o “visível” e o “invisível”, torna-se necessário
fazer com que a cabana da Baba Yaga gire; apenas dessa forma ele poderia entrar nela, para,
enfim, sair. A característica giratória da Baba Yaga, para Ivanova (2013), é interpretada
enquanto abertura simbólica das portas para o submundo. Para a autora, portanto, a própria casa
da Baba Yaga pode ser considerada um símbolo. Ivanova (2013) ainda argumenta que a
localização da porta pode sugerir uma entrada para o outro mundo e, dessa forma, o herói só
conseguiria sair da cabana voando ou se locomovendo por outros meios incomuns.
Propp (2009) compreende a Baba Yaga como guardiã da fronteira entre o mundo dos
vivos e o dos mortos. Nos contos folclóricos a Baba Yaga oferece comida ao herói, permitindo
que ele/ela entre no mundo dos mortos. Durante essa jornada, os personagens são perseguidos
por ela até o limite dos mundos como forma de garantir que não permaneçam no mundo dos
mortos. O autor argumenta que tais características não só indicam uma ligação da Baba Yaga
com outro mundo, como também sugerem um processo iniciático pelo qual o herói ou heroína
precisarão passar. Esse momento das narrativas geralmente é seguido por um interrogatório,
realizado pela própria Baba Yaga. Outro aspecto importante é a conexão e o poder que a Baba
Yaga possui sobre os animais, o que pode ser compreendido enquanto vestígio de uma religião
“primitiva” relacionada a uma cultura de caçadores.

3. Características e atributos
39
Tradução livre do Inglês: “Izbushka, izbushka, turn your back to the forest and your front toward me”.
(WARNER, 2002, pg. 75).
Segundo Warner (2002), a Baba Yaga é comumente descrita como uma mulher velha,
de cabelos grisalhos, com dentes de ferro, de mamas “flácidas” e de aparência repugnante.
Outra descrição interessante é a de suas pernas, feitas de “ossos”, o que sugere uma silhueta
demasiadamente magra, semelhante a um esqueleto. A autora acrescenta que a Baba Yaga
também é descrita como sendo cega, mas possuindo aguçado farejamento e, por isso, sempre
consegue sentir e perceber a presença de estranhos. Ela não possui um marido ou consorte,
porém, tem suas filhas. Raramente ela é descrita enquanto mãe de filhos do gênero masculino,
demonstrando uma relação forte com o feminino. Nas narrativas, quando a Baba Yaga sai de
casa, geralmente voa em um pilão, varrendo com uma vassoura a trilha que deixa no caminho
por onde passa. Forrester (2013) compreende esse último aspecto enquanto um paralelo das
crenças em “bruxas” na Europa, que voavam em vassouras. Ademais, os objetos da Baba Yaga
podem ser considerados como artefatos mágicos, comparados com os tapetes voadores, fadas e
morcegos invisíveis de outros contos folclóricos. Porém, ao contrário do que acontece em outras
narrativas, nas histórias da Baba Yaga seus objetos nunca são emprestados ou doados para
outros personagens, permanecendo sempre consigo.
Em relação aos objetos que carrega, o pilão desperta curiosidade, uma vez que, em
séculos passados, este objeto fazia parte de um conjunto de ferramentas comuns para mulheres
em seu cotidiano. Era pelo uso do pilão que elas conseguiam triturar e preparar ervas e
diferentes grãos para cozinhar e fabricar remédios. Segundo Forrester (2013), o almofariz, ou
pilão, são instrumentos relacionados a comida, apontando ser a casa da Baba Yaga um local de
riquezas, comidas e farturas. Warner (2002) afirma que o pilão da Baba Yaga possui
características mitológicas. Conforme lembra a autora, nas narrativas, quando a personagem se
locomove em seu pilão, sua chegada é sempre anunciada com barulhos de trovão ou vento; o
vento, para os eslavos, possuía características demoníacas, mas também estava relacionado a
aspectos importantes da vida ordinária em regiões rurais, sobretudo no sentido climático e
meteorológico. Além disso, para os povos eslavos orientais, o vento era detentor de um papel
mitológico relevante, graças ao qual, explica Warner (2002), esses povos pensavam-se ser
possível tanto ouvir, quanto responder a pedidos humanos. No entanto, os elementos da
natureza também eram compreendidos em aspectos de malevolência, já que são imprevisíveis
e, por isso, relacionam-se também a forças negativas e destruidoras.
Dessa forma, a Baba Yaga é um ser difícil de ser compreendido, e muito ainda se
especula sobre sua identidade original. Warner (2002) argumenta que personagens parecidos
podem ser encontrados entre os germânicos, gregos, bálticos e finlandeses. As teorias sobre
essas origens relacionam a Baba Yaga a uma entidade celestial, já que apresenta aspectos
relacionados à meteorologia. A autora explica que existem paralelos entre a Baba Yaga, as
tempestades de trovões e o tempo nublado, ressaltando que, na Bielorrússia, a chegada dela é
descrita de forma enfática com trovões e relâmpagos. Outra interpretação delega à Baba Yaga
a função de senhora da floresta e dos seres selvagens. No entanto, há uma terceira abordagem
muito debatida e aceita entre os pesquisadores, associando-a a entidades do submundo, viés
sobre o qual a Baba Yaga é compreendida como guardiã da entrada do mundo dos mortos.
Warner (2002) enfatiza que pouca evidência foi encontrada para a defesa da Baba Yaga
enquanto reminiscência de uma deusa eslava dos mortos. Entretanto, Propp (2002) argumenta
que as possíveis conjecturas da Baba Yaga enquanto entidade são possíveis de ser sustentadas
ao analisar as suas características físicas. Afinal, ela é descrita nas narrativas como semelhante
a um cadáver; sua casa pode estar relacionada a uma espécie de caixão, já que a izbushka é
descrita enquanto um lugar pequeno, apertado e feito de madeira.
Os pesquisadores parecem estar em consenso ao compreenderem a Baba Yaga enquanto
relacionada ao mundo dos mortos. Ivanova (2013) elucida que a Baba Yaga pode ser
interpretada como uma espécie de guia entre os dois mundos (o dos vivos e o dos mortos); nesse
sentido, ela pode ser considerada como uma guardiã das fronteiras. Essa compreensão se dá a
partir de duas características importantes nas narrativas da Baba Yaga. Primeiramente, ela
reside na floresta e, portanto, essa seria uma indicação de relação com a entrada para o
submundo. A autora está de acordo com as compreensões de Vladmir Propp e Koshnoe
Tsarstvo, argumentando que o submundo da mitologia eslava era entendido como constituinte
de duas camadas: a primeira refere-se ao solo, local onde os ancestrais permaneciam; a segunda
situava-se abaixo do solo, sendo este o lugar dos espíritos considerados demoníacos.
Para Ivanova (2013), o segundo indicativo que sustenta essa compreensão da Baba Yaga
enquanto guardiã das fronteiras do mundo está no fato de que, nas narrativas, é possível
observar conteúdos referentes a certos rituais. A autora discorre sobre um conto em que a Baba
Yaga ajuda o herói a esgueirar-se especificamente para a camada inferior, pois este desejava
salvar a princesa que havia sido roubada por forças maliciosas. Sendo assim, poderia-se
entender que a Baba Yaga guardava a entrada para o mundo dos ancestrais. A autora argumenta
que a Baba Yaga é uma figura simbólica tida como um tipo de administradora dos “ritos de
passagem”, já que os personagens que se encontram com ela são invariavelmente testados. Ao
cruzarem seu caminho, esses personagens “perdem suas vidas”, no sentido de se transformarem,
sugerindo um processo de busca pelo conhecimento e de ascensão que acontece justamente por
meio dessas ritualísticas.

4. Considerações Finais
A Baba Yaga é um ser paradoxal que abrange muitos opostos, transitando entre vida e
morte, juventude e velhice, o humano e o animal, o masculino e o feminino. Ela se porta como
doadora e também como vilã. Segundo Oleszkiewicz-Peralba (2015), a Baba Yaga também
pode ser considerada como um ser que está conectado aos céus, à terra e ao submundo, além de
estar relacionada ao passado, presente e futuro. Ela se conecta ao feminino tecendo, cozinhando
e alimentando, porém, acredita-se que a Baba Yaga tenha perdido suas funções maternas. Tal
característica pode ter sido apagada por meio do processo de cristianização e sua demonização
do feminino em antigos cultos pagãos. Ainda assim, é importante ressaltar que algumas
características se mantiveram vivas nos contos, como seu poder sobre os animais e sobre os
mortos. Enquanto divindade ou entidade extremamente conectada à passagem da vida para
morte, Baba Yaga está relacionada à ancestralidade. Em sua faceta mais assustadora, ela é
canibalística e prospera com o sangue russo. Dentre suas principais presas estão crianças,
mulheres jovens e, de vez em quando, ameaça devorar um homem. Vez ou outra, pode ser
generosa dando conselhos cujo preço não é barato. A Baba Yaga está sempre testando aqueles
que vieram até ela, seja por acaso, seja por escolha. Os animais a veneram, ela os protege e
também protege a floresta como figura da mãe. Ela obteve o segredo para a água da vida e pode
ser compreendida como a Mãe Terra: esse último aspecto se popularizou não só na Rússia, mas
no mundo inteiro, fazendo com que ela seja venerada até os dias atuais.
Todas as características observadas nas narrativas em que a Baba Yaga está presente
apresentam infindável riqueza em seus significados e simbolismos. Dentre eles, encontramos
sua casa móvel com pés de animais, sua forma de locomoção, sua própria aparência, sua relação
com os outros personagens folclóricos e sua função nas narrativas, apresentando-se como
doadora e, outras vezes, como vilã. É possível identificar aspectos animistas e xamânicos da
Baba Yaga nas narrativas folclóricas, uma vez que ela não só protege os animais que habitam
a floresta, como, em alguns contos, ela própria assume a forma de animal. Além disso, ela
também pode atuar como administradora de rituais iniciáticos, algo ainda muito debatido e
discutido entre os pesquisadores. Contudo, estes estão de acordo no que diz respeito a uma
relação da Baba Yaga com o mundo dos mortos.
É importante ressaltar que é possível identificar inúmeros personagens e seres
mitológicos que possuem semelhanças e analogias com a Baba Yaga. Algumas semelhanças
entre ela e seres míticos de outras culturas foram postuladas alegando, por exemplo, paralelos
com entidades relacionadas aos mortos, como Hel (da mitologia nórdica)ou então com seres
como os dragões. Por fim, conclui-se que a Baba Yaga pode ser entendida enquanto um ser que
abrange uma gama abrangente de aspectos, estando relacionada ao conhecimento/sabedoria,
aos ritos de passagem e à ancestralidade. Portanto, seus muitos mistérios e ambiguidades podem
estar relacionados a distintas compreensões culturais de diferentes aspectos da vida.

5. Referências

FORRESTER, S. Baba Yaga: The Wild Witch of the East in Russian Fairy Tales. Jackson:
University Press of Mississippi, 2013.

IVANOVA, Evgenia V. The problem of mysteriousness of Baba Yaga character in religious


mythology. Humanities & Social Sciences: n 6, v 12, 2013. p. 1857-1866.

JOHNS, Andreas. Baba Yaga: The Ambiguous Mother and Witch of the Russian Folktale.
New York: Peter Lang, 2004.

OLESZKIEWICZ-PERALBA, Małgorzata. Fierce Feminine Divinities of Eurasia and Latin


America: Baba Yaga, Kālī, Pombagira, and Santa Muerte. New York: Springer Publishing,
2015.

PROPP, Vladimir. As raízes históricas do conto maravilhoso. São Paulo: Martins Fontes,
2002.

PROPP, Vladimir. Morphology of the Folk Tale. Austin: University of Texas Press, 2ª Edição,
2009.

WARNER, Elizabeth. Russian Myths. Austin: University of Texas Press, 2002.


BURUBURU: A SIMBÓLICA DOS ORIXÁS NOS PROCESSOS
CRIATIVOS DO PERFORMER AYRSON HERÁCLITO E DO ARTISTA
PLÁSTICO PARAIBANO ELIOENAI GOMES

Milton Silva dos Santos40


Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais
Universidade Federal da Paraíba
Pós-Doutorando (Capes) | PPGAV-UFPB/UFPE
<miltoncso47@gmail.com>

RESUMO
Este texto baseia-se na videoinstalação Buruburu, do artista visual Ayrson Heráclito, que se
aproxima do tema desenvolvido na pintura Omulu: caminho de renascimento, do artista plástico
Elioenai Gomes. O pressuposto defendido é que para apreender o conteúdo simbólico presente
nessas produções é preciso (re)conhecer o referente ao qual elas se reportam, isto é, a
cosmogonia e as hierofanias dos orixás da religião nagô-ioruba. Do contrário, tal recepção corre
o risco de se tornar refém do discurso rígido da “arte pela arte”, assentado estritamente na
percepção formalista ou na decodificação dos elementos visuais aparentes.

Palavras-Chave: religião; religiões afro-brasileiras (candomblé); arte visual afro-brasileira.

INTRODUÇÃO

O presente texto corresponde a uma pesquisa de pós-doutorado sobre a arte visual afro-
brasileira, também designada como arte negra ou arte afrodescendente. O interesse principal
recai sobre a produção plástico-visual referenciada a partir da simbólica dos orixás
(identificados por meio de emblemas que informam suas personalidades e domínios naturais),
cuja fruição pode transitar entre o ambiente propriamente religioso e o universo secular
representado pelos segmentos das artes visuais (museus, galerias, exposições nacionais e
internacionais e coleções de arte públicas ou particulares).41
As religiões de matrizes africanas no Brasil são caracterizadas por uma ritualística
complexa que abarca, inclusive, práticas de cura onde não faltam a folha, o alimento, a reza, o
cântico e outras fórmulas litúrgicas que intencionam rememorar os feitos e louvar os atributos
dos orixás (SANTOS, 2012). Esta ritualística, conectada com certas cosmovisões africanas

40
Milton dos Santos é Doutor em Antropologia Social (UNICAMP). PNPD Capes no PPGAV UFPB.
Graduado/Licenciado/Mestre em Sociologia/Antropologia (PUC SP). Email: miltonrpc@gmail.com.
41
Pesquisa de pós-doutorado intitulada África como referência e a cor como metáfora: a arte afro-brasileira no
currículo escolar, vinculada ao Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV-UFPB/UFPE),
com auxílio da Capes e supervisionada pela profa. Dra. Maria Emilia Sardelich (CE-UFPB; PPGAV-
UFPB/UFPE).
reelaboradas no Brasil, vem mobilizando, há décadas, a produção de vários artistas visuais.
Artistas que empregam as técnicas da pintura, da escultura, do desenho, etc., bem como a
linguagem contemporânea da performance, do audiovisual, da instalação, das intervenções
urbanas etc.
A fim de prosseguir nessa temática – que, em sentido amplo, articula arte e antropologia
e arte e religião –, as linhas que seguem terão como norte a videoinstalação Buruburu (2010),
do artista visual Ayrson Heráclito, e sugere algumas conexões com as referências presentes na
tela Omulu: caminhos de renascimentos (2015), do artista plástico Elioenai Gomes.

O ARTISTA TRADUTOR

Graduado em Educação Artística pela Universidade Católica de Salvador, Ayrson


Heráclito Novato Ferreira (Macaúbas-BA, 1968) é mestre em Artes Visuais pela Escola de
Belas Artes da UFBA e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Sua produção
transita entre a instalação, a fotografia, o audiovisual e a performance (ou ação, segundo suas
explanações), empregando, frequentemente, elementos que remetem à relação entre a África e
o Brasil, ao nosso passado colonial e às influências históricas, culturais e religiosas decorrentes
da diáspora forçada e do tráfico negreiro, em especial, na Bahia, onde o artista nasceu, vive e
trabalha.
Atuante desde o início de 1980 participou de várias mostras coletivas, entre as quais a
MIP 2, Manifestação Internacional de Performance, Belo Horizonte (2009); Trienal de
Luanda, Angola (2010); Incorporations: Afro-Brazilian Contemporary Art, Bruxelas, Bélgica
(2012) e Oito Performances, que teve a curadoria de Marina Abramovic (2015). Foi curador
Rotas e Transes, módulo da exposição internacional Histórias Afro-Atlânticas (MASP; Instituto
Tomie Ohtake, 2018) e premiado pelo 18º Festival de Arte Contemporânea do Sesc Videobrasil
(2013), que lhe possibilitou a residência junto ao Raw Material Company, em Dakar, Senegal.
Da sua variada produção artística, podemos citar as ações Transmutação da carne (2000), Bori
(2007), Batendo amalá (2014) e Os Sacudimentos: Reunião das Margens Atlânticas (2015),
apresentada na 57ª Bienal de Veneza; os vídeos Barrueco (2004) e As mãos do epô (2007); e
as videoinstalações Buruburu (2010) e Funfun (2012).
As fronteiras entre a arte e a religião na obra de Ayrson Heráclito não são rígidas.
Iniciado no candomblé, ele não separa sua atuação como artista, religioso e professor
universitário. Seus trabalhos são explicitamente referenciados pela mitologia dos orixás.
Carregados de significados simbólicos, suas obras contêm água, carne de charque, rapadura,
enxofre, peixe, grãos, sémen, carvão, etc., e azeite de dendê (epô) – “metáfora dos fluídos
corporais, do sangue escravo após os diversos suplícios aplicados à carne negra” (SANTOS,
2017, p. 11).
Esses materiais naturalmente perecíveis e transitórios – pois se modificam através da
ação do tempo e da decomposição – informam o interesse do artista por técnicas, suportes,
procedimentos e matérias-primas distintas daquelas mais frequentes no âmbito das artes
plásticas. A “efemeridade da obra de arte, narra Heráclito, é tão característica na
contemporaneidade assim como a permanência dos materiais e o cultivo do ideal de beleza que
foram valorizados no passado” (SANTOS, 2017, p. 10).
Segundo o próprio artista, a videoinstalação Buruburu teve como referente um dos mitos
de Omolu42, orixá responsável pela cura das enfermidades. Daí a expressão iorubana buruburu,
pipocas que simbolizam as feridas de Omolu, filho de Nanã, deusa anciã associada à lama
primordial, aos pântanos e à morte. O elemento central da narrativa são as feridas purulentas
que castigam o corpo de Omolu, que o levou a ser abandonado pela mãe e adotado por Iemanjá,
a “grande mãe”, que o acolhe em seu reino e lava suas feridas com a água do mar, efetivando a
cura (AYRSON HERÁCLITO apud FRANCO, 2016).

Figura 8 - Ayrson Heráclito, videoinstalação Buruburu.

A videoinstalação capta a atenção do...

...espectador com a ambientação sonora do estouro característico da pipoca. Vê-se a


tela preenchida de pipocas até que um corpo negro e despido adentra a tela
silenciosamente: ele caminha até o centro da imagem onde receberá o banho de pipoca
de Omolu. A marca de uma cicatriz na altura do peito do personagem aparece como

42
Orixá também conhecido como Obaluayê (obá, rei, dono, senhor; ayê, terra = Obaluayê, rei ou senhor da terra).
Segundo discurso religioso, Omolu/Omulu corresponde à sua aparência jovem.
uma ranhura na imagem. À espera do banho curativo, a cicatriz poderia até mesmo
sugerir a ferida histórica da escravidão, de forma que a dinâmica das formas negras e
brancas em tela não deixa nunca de ser sugestiva (MELCHIOR; PIMENTEL, 2015,
p. 150).
Durante a ação Buruburu realizada por Ayrson Heráclito em algumas mostras
individuais, ele possibilita ao público participar do mito de Omolu. Ao realizar essas ações em
espaços seculares – como galerias de arte43, por exemplo –, ele se posiciona como um “tradutor”
do sagrado afro-brasileiro. Ele “limpa” os corpos daqueles que se deixam banhar com a pipoca,
alimento e fonte de purificação na simbologia do candomblé. Nestas situações carregadas de
expectativas e silêncios, ele termina por aproximar o público leigo das práticas rituais quase
sempre circunscritas ao cotidiano das casas de culto.

A EXPANSÃO AFRO CULTURAL DE ELIOENAI GOMES

Assim como Ayrson Heráclito e outros artistas afro-brasileiros contemporâneos,


Elioenai Gomes remete-se, em parte da sua obra, ao legado cultural, histórico e religioso afro-
brasileiro. Registrado como Elioenai Gomes do Nascimento (João Pessoa, PB, 1963), também
é conhecido como Nai Gomes. Graduou-se em Educação Artística/UFPB, mas prefere
apresentar-se como artista multivisual. É o criador e o gestor do Ateliê Multicultural Elioenai
Gomes, localizado no Centro Histórico de João Pessoa/PB, espaço de fomento onde recebe
professores, estudantes e demais visitantes interessados na potencialidade da arte enquanto
veículo de transformação social.
Desde a sua trajetória principiada em meados dos anos 1980, Nai Gomes já realizou
mais de sessenta exposições distribuídas entre mostras individuais e coletivas, ocorridas em
diferentes regiões da Paraíba, do Brasil e do exterior. Das suas mostras individuais destacam-
se Emoções (CEF Cajazeiras, 1985); Passagens (CEF Flamengo, RJ; CEF Higienópolis, SP;
CEF Savassi, BH; CEF Ouro Preto, MG; CEF Cabo Branco, João Pessoa, PB, 1986); Afro
Raízes (CEF Cabo Branco e Sesc João Pessoa, PB, ambas exibidas em 1987); Humanas Folhas
(CEF Cabo Branco, João Pessoa, PB, 1988); I Arte Atual Paraibana (Funesc, 1988).44

43
Ver a ação realizada durante a exposição Pérola Negra (São Paulo, Blau Projects Art Galery, agosto
de 2016). Disponível em: <https://vimeo.com/232290059>. Acessos em: nov./dez.2018.
44
Dados reunidos no catálogo da exposição coletiva I Arte Atual Paraibana (Funesc, 1988). Acervo do
artista.
Em 2015, ele expôs um conjunto de dezessete pinturas na mostra Kolofé - um caminho
de expansão afro cultural.45 Trata-se de um projeto inovador, pois todo o processo criativo
desenvolveu-se ao ar livre, nas ruas do Centro Histórico de João Pessoa, formando um circuito
de intervenções urbanas, com cobertura audiovisual.46
Kolofé, termo que nomeia a exposição, significa benção na língua ritual do candomblé
nagô. É a partir deste “sentimento de reverenciar a herança cultural negra, que Nai Gomes
retrata a memória dos anônimos da história” (MAITÊ, 2015, p. 5), que construíram casarões,
praças, igrejas e monumentos da cidade de João Pessoa.
As pinturas de Kolofé relacionam aspectos da ancestralidade africana, da história da
escravidão e da religiosidade afro-brasileira. Feitas em “acrílica sobre tela negra” (nanquim),
delas surgem os orixás, nomeados e acompanhados por suas saudações litúrgicas: Exu –
“Levando a mensagem ao alto” – Laroiê; Lebara – “A carne mais barata do mercado é a carne
negra” – Omô Jubara; Ogum – “Com ele e só vitória” – Ogunhê; Oxóssi – “Somos todos uma
só vida” – Oke Arô; Ossain – “Sem folha não há vida” – Ewê Ewê; Irôko – “Ele é o agora
para todos” – Auê Tempo; Omulu “Caminhos de renascimentos” – Atotô; Oxumarê “É o
princípio e o fim” – " Aô Mobôi; Xangô – “A justiça que a tudo vê” – Kaô Kabyecilé; Iansã –
“Condutora das almas” – Eparrei; Obá – “Buscando o amor” – Obá Xirê; Oxum – “Mãe que
embala sonhos na vida que segue” – Orayeyê Ô; Logun-Edé – “Filho de natureza” – Lossi
Lossi; Iemanjá – “Doce mãe de todos”, Odoya; Nanã – “A mãe de todas as mães” – Saluba;
Oxaguiã – “A força que realiza” – Êpa Babá; Oxalufã – “Pai criador, senhor da vida e dos
mortos” – Êpa Babá.
Ao escolher certos logradouros do Centro Histórico, Nai Gomes associa os elementos
da natureza aos espaços habitados ou presididos pelos orixás. Os trilhos ferroviários abaixo do
Hotel Globo são de Ogum, orixá do ferro, da metalurgia e da guerra; a fonte da Ladeira da
Borborema, Oxum, orixá das águas doces; a Casa da Pólvora, Iansã, deusa da cor vermelha que
cospe fogo pela boca; e assim sucessivamente para os demais orixás cujos mitos são relidos
pelo artista.

45
Exposição contemplada pela 3ª Edição do Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras,
patrocinado pela Petrobrás, com realização do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Osvaldo dos
Santos Neves (Cadon), em parceria com a Fundação Cultural Palmares e o Ministério da Cultura.
46
Ver: <https://www.youtube.com/watch?v=yqVKUbB3Wds>. Acessos em: nov./dez.2018.
Figura 9 - Nai Gomes finalizando a tela Omulu, Mosteiro de São Bento, Centro Histórico, João Pessoa-PB,
2015.

Na pintura é possível visualizar o desenho de uma figura humana, cujo corpo encontra-
se pontilhado de branco, simbolizando as feridas/pipocas de Omulu. Não por acaso, ela foi
concebida em frente ao Mosteiro de São Bento, santo sincretizado com Omolu, cujos devotos
lhe imploram a cura para todas as enfermidades, especialmente o cancro e outras doenças de
pele.
A obra revela o emblema de Omolu, isto é, o feixe de nervuras de palma, vassoura
mágica, com o qual ele varre as doenças do mundo. As fibras de palha que ocupam a tela
recordam o mito no qual Iansã, ao comparecer a uma festa real, quisera dançar com o reticente
orixá da cura/doença (PRANDI, 2001). Tenaz, ela o conduz ao centro do salão, gira em torno
de si mesma, sopra com intensidade, provocando uma forte ventania, que descobre o corpo de
Omolu. Enquanto todos olhavam assombrados, suas feridas se transformavam em pequeninas
flores e depois em pipocas que deixaram o chão recoberto de branco. O que ocorre, nesta
narrativa, é a transmutação das chagas em pipocas que pulam do seu corpo, aliviando-lhe o
estigma ocultado por baixo do capuz de palha ou azê.
Nada no candomblé é aleatório; portanto, os títulos que identificam a videoinstalação
Buruburu e as pinturas da mostra Kolofé sinalizam passagens míticas. A despeito da linguagem
artística que difere os trabalhos de Heráclito e Gomes, suas obras se encontram através da
evocação do arquétipo do orixá da varíola.
Com vistas à articulação entre os campos da arte e da antropologia, da arte e da religião,
concluo esta reflexão introdutória reiterando o seguinte pressuposto: Para apreender os
conteúdos míticos e simbólicos expressos nas produções aqui examinadas, bem como nas
recriações plásticas de outros artistas afro-brasileiros, é preciso (re)conhecer o referente cultural
veiculado por ela – ou seja, os motivos, as composições, as narrativas visuais e as ações que
revelam aspectos da cosmogonia, mitologia e hierofania do mundo nagô-ioruba.
Na ausência desse repertório – hoje acessível através de exposições, catálogos,
bibliografias, revistas de arte etc. –, a recepção de muitas obras ditas afro-brasileiras poderá
resultar numa leitura imediata da “arte pela arte”, livre e desinteressada, limitada ao vocabulário
formalista ou à decodificação do itens visuais aparentes (técnicas, cores, suportes etc.).

Referências

FRANCO, B. Um nascimento para o mundo. Pérola Negra [Exposição de Ayrson Heráclito].


São Paulo: Blau Projects Galeria, 2016. Disponível em:
<https://www.beatrizfranco.com.br/perola-negra-ayrson-heraclito>. Acesso em:
nov./dez.2018.

MAITÊ, V. Kolofé: um caminho de expansão afro cultural. In: Kolofé: um caminho de expansão
afro cultural. João Pessoa-PB: Ateliê Multicultural Elioenai Gomes, 2015. (Catálogo)

PIMENTEL, M. E. M.; MELCHIOR, L. Reencantamentos e novas apropriações: alimento


como vivência e memória na arte brasileira contemporânea. Esferas - Revista
Interprogramas de Pós-graduação em Comunicação do Centro-Oeste, ano 4, n. 6, p. 141-
152, jan./jun.2015.

PRANDI, R. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia da Letras, 2001.

SANTOS, M. S. Afinal, o que são as religiões afro-brasileiras?. In: FELINTO, R. (Org.).


Culturas africanas e afro-brasileiras em sala de aula: saberes para os professores, fazeres
para os alunos. Belo Horizonte-MG: Fino Traço Editora, 2012.

SANTOS, J. M. P. Ayrson Heráclito: performances, espaços e ações. eRevista Performatus,


Inhumas, ano 5, n. 17, p. 1-16, jan.2017.

Site Consultado
TESSITORE, M. Ayrson Heráclito: um artista exorcista. Arte!Brasileiros, 27 de junho de
2018. Disponível em: <https://artebrasileiros.com.br/sub-home2/ayrson-heraclito-um-artista-
exorcista/>. Acessos em: nov./dez.2018.
CANDOMBLÉ RESISTÊNCIA CULTURAL: SURGIMENTO E
CONSOLIDAÇÃO NO SÉCULO XIX

Dulce Edite Soares Loss47

Resumo

Este artigo propõe a discussão de um candomblé sobrevivente da cultura e resistência negra


frequente nos anos de 1780. Retroceder no tempo, na configuração do povo nagô no Novo
mundo, sua trajetória de resistência, transformações e contribuição para o surgimento de uma
nova religião no Brasil, se faz necessária para se visualizar o comportamento e pensamentos
formados no seio deste complexo cultural no final do século XIX. Nesse sentido, o nosso
objetivo é o surgimento do candomblé ocorrido com o tráfico dos escravos para o Brasil e às
histórias conectadas entre os povos que contribuíram para a formação dessa religião tipicamente
brasileira. Para atingir este objetivo será realizada uma pesquisa de caráter bibliográfico, de
cunho histórico-documental em que um fenômeno religioso que perpassa séculos de
discriminação e intolerância, candomblé, figura na diversidade religiosa como parte de uma
identidade nacional.

Palavras chaves; candomblé; cultura; diversidade religiosa; resistência.

1 Introdução

Constantemente em todos os cantos do Brasil, geralmente em fins de semanas, pessoas


se reúnem em templos chamados terreiros com o objetivo religioso de louvar e invocar em
longas cerimonias os orixás por meio de cânticos e danças. É neste cenário que encontramos
um candomblé sobrevivente da cultura e forma de resistência negra frequente nos anos 1780.
Não podemos negar que a origem do fenômeno sociocultural do candomblé está diretamente
ligada às complexas relações dos escravos e seus descendentes com o mundo dos senhores e,
particularmente, com o catolicismo.
Na fé de seus ancestrais os negros escravizados visualizaram a possibilidade de refazer
os laços perdidos com a diáspora, manter e recriar tradições e reconstituir, em termos
simbólicos, suas famílias esfaceladas pelo sistema escravista. Apesar das diferenças étnicas que
aqui aportaram nos porões dos navios tumbeiros, as reminiscências africanas, seus rituais, cultas
e divindades foram agrupadas e organizadas numa religião: o candomblé, que surgiu

47
Mestranda no Programa de Pós-graduação em História, na linha de pesquisa História Cultural das Práticas
Educativas, da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. E-mail: dulceloss@hotmail.com.
oficialmente na Bahia nas primeiras décadas do século XIX com a chegada dos negros de
origem nagô. Antes disso, a religiosidade afro-brasileira estava presente em diversas regiões,
mas com muita repressão e pouca visibilidade. Nesse contexto, o nosso objetivo é o surgimento
do candomblé ocorrido com o tráfico dos escravos para o Brasil e às histórias conectadas entre
os povos que contribuíram para a formação dessa religião tipicamente brasileira.
Desenhando um panorama histórico do tráfico de escravos e sua cronologia, temos três
grandes ciclos: o ciclo da Guiné, durante a segunda metade do século XVI o ciclo de Angola e
Congo, no século XVII, e o ciclo da Costa da Mina, durante os três primeiros quartos do século
XVIII (PARÉS, 2006). Pierre Verger, em seus estudos, acrescenta o ciclo da baia de Benim,
entre 1770 e 1850, incluindo o período do tráfico clandestino. Para este trabalho deter-nos-
emos, sobretudo, no terceiro e no quarto ciclo, que estão compreendidos ao longo do século
XVIII e durante a metade do século XIX, período em que um maciço contingente de escravos
da Costa da Mina, a partir de 1820, aportou na Bahia sobrepujando tanto os povos jejes (Guiné)
como os povos de Angola.
Referindo-se à diáspora forçada da população africana no Brasil, encontramos uma
situação deveras singular nas quais diversos grupos humanos foram deslocados de suas
sociedades e instituições religiosas, e que ao serem transladados para um novo espaço social
trouxeram uma pluralidade de culturas na forma de memória e de experiências individualizadas,
porém sem aportes de instituições sociais que lhes dessem expressão. Fora do campo religioso,
nenhuma das instituições culturais africanas logrou, entretanto sobreviver com suas estruturas
próprias. Os calundus, os batuques e as irmandades católicas de homens negros, foram
importantes espaços de sociabilidade, uma forma institucionalizada de organização dos pretos,
aceita e até encorajadas pelas classes dominantes.
Tracejar um estudo bibliográfico de cunho histórico documental em um panorama que
marca a formação do candomblé, uma religiosidade afro brasileira, é o nosso intento, pois surge
quando as imposições econômicas da colonização transplantaram da África várias etnias de
origem territorial diferentes, com suas respectivas culturas diferenciadas.

2 Fundamentação Teórica

Para um conhecimento científico sobre a temática, abordaremos a produção acadêmica


brasileira sobre as religiões afro-brasileiras em especial o candomblé. Ao tratar das
interpretações realizadas por autores brasileiros faço a opção pela expressão “tempos históricos
distintos” que vão dos estudos precursores sobre a diáspora negra e sua religiosidade em que
autores referenciais constroem novos paradigmas interpretativos das religiões afro-brasileiras.
Na conjuntura Brasil-África-Brasil importantes autores deram contribuição a estudos
que acarretaram uma construção cultural na formação do povo negro, parte de uma identidade
nacional e na diversidade religiosa. Reportamo-nos a Alencastro (2000), Darcy Ribeiro (1995),
Roger Bastide (2001), Pierre Verger (1981), Reginaldo Prandi (1995), Nina Rodrigues (2005),
Renato Silveira (2006), Gisèle Omindarewá Cossard (2011), Parés (2006) e José Beniste (2001)
que em suas obras realizam importante debate sobre o continente africano, sua população, sua
participação e contribuição social e cultural (candomblé), no período colonial brasileiro. Essas
teorias foram valiosas e influenciaram novas pesquisas no campo religioso afro brasileiro.
Portanto trazer à tona esta investigação permite dar ênfase ao trânsito da religiosidade marcante
dos negros, sua cultura diluída na formação da cultura brasileira, identificando estruturas e
elementos componentes da família yorubá.

3 Metodologia

Com uma abordagem qualitativa a pesquisa tem como base um conjunto de dados
produzidos que devem ser interpretados, compreendidos e contextualizados e não quantificados
ou mensurados (MINAYO, 1995). Antônio Chizzotti (2003, p 221) enfatiza que a pesquisa
qualitativa implica em uma “partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos
de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são
perceptíveis, a uma atenção sensível” o que implica dizer que, após esta experiência, o
pesquisador em uma hermenêutica traduz em texto os significados patentes ou ocultos de seu
objeto de pesquisa.
A metodologia utilizada será bibliográfica, narrativa, de conhecimento cientifico no
intuito de coletar e analisar dados referentes à diáspora africana e à formação do candomblé no
território brasileiro. Nossas fontes serão alicerçadas nas obras dos referidos historiadores acima
citados e nos jornais digitalizados na Biblioteca Nacional.

4 DESENVOLVIMENTO

Quando falamos em diáspora negra, configuramos o Atlântico como uma gigantesca


“encruzilhada”. Por ele sabedorias oriundas de outras terras imantadas nos corpos dos cativos,
suportes de memórias e de experiências múltiplas africanas que ao serem lançados em uma
viagem sem volta, reconstruíram-se no próprio curso do destino, recriando a si e ao mundo com
os elementos que tempos mais tarde forneceriam as configurações da religiosidade praticada, o
candomblé, no Novo Mundo.
Segundo estimativas de autores estudados, Alencastro (2000) e Verger (2002), três a
quatro milhões de negros africanos foram trazidos para o Brasil. Quanto ao objeto de nossos
estudos, os yorubás, um forte intercâmbio no ano de 1850, entre a Costa da Mina e a Bahia
receberam meio milhão de escravos dos dois milhões de negros exportados pelos portos
africanos (SILVEIRA, 2006). Assim sendo, no curso do século XVIII, a diáspora
proporcionaria uma mudança geográfica na capitania da Bahia, com predominância desta
nação, que se tornaram mais numerosos que os angolanos, os jejes e os bantus. Luis Nicolau
Parés (2006) afirma que os nagôs, segundo fontes diversas, se constituíram em mais da metade
da população escrava africana, 59% e 69%,entre 1840 e 1860.
A diáspora, portanto faz aportar no Brasil os negros, suas subjetividades e imaginário,
que formam misturados a índios e europeus, moldando assim um perfil de diversidade cultural,
também, na constituição da religião afro-brasileira. Assim:

Os navios negreiros transportaram, durante mais de trezentos e cinquenta anos, não


apenas o contingente de cativos destinados aos trabalhos de mineração, dos canaviais,
das plantas de fumo localizados no Novo Mundo, como também a sua personalidade,
a sua maneira de ser e de se comportar, as suas crenças (VERGER, 2002, p. 23)

As primeiras notícias dos cultos africanos datam do século XVII segundo Renato
Silveira (2006). De forma muito diversa, a religiosidade africana se mostrava nos folguedos,
batuques (ajuntamento de negros que envolvem dança e toques de palmas, tambores ou outros
instrumentos) e calundus, o único alivio do seu cativeiro (SOUZA, 1986) no período colonial
através de cantos, danças, cerimônias públicas, atendimentos e ritos de cura a prática sistemática
dos rituais (calundus) trazidos da Costa dos Escravos em África. Os calundus se desenvolveram
paralelamente aos batuques e às folias das irmandades católicas. Desenvolvendo-se
principalmente no contexto urbano ou nas plantações de açúcar, os calundus e os batuques
ocorreram como uma forma de resistência cultural e como fator de integração e coesão social,
que se tornaram elementos determinantes para a perpetuação das organizações coletivas negras.
As primeiras menções aos calundus no Brasil são de 1680, por ocasião do Santo Oficio
da Inquisição, mas somente por volta de 1780, nos documentos relativos a esse mesmo Santo
Ofício, há menções sobre pretas da Costa da Mina, fazer bailes às escondidas, tendo uma preta
velha como mestra e “com altar de ídolos, adorando bodes vivos, untando seus corpos com
diversos óleos, sangue de gado e dando a comer bolos de milho depois de diversas bênçãos
supersticiosas” (VERGER, 1981, p. 21). O processo de surgimento do Candomblé, portanto foi
marcado por uma gradual progressão do sistema religioso afrobrasileiro, indo dos batuques e
calundus, passando pelas redes de irmandades religiosas, até às primeiras comunidades
estruturadas com liturgias e teologias sistematizadas como uma complexa organização eclesial.
Referindo-se às irmandades católicas, especialmente na segunda metade do século
XVIII, veremos serem elas as instituições sociais que mais contribuíram para o processo
dialógico que aos poucos foram criando e definindo os contornos estruturais e sociais das
diversas nações africanas no Brasil, reagrupando negros oriundos de África (Guiné, Angola,
Costa da Mina e Golfo do Benin), com suas especificidades étnicas em que estes se
desenvolveram: Bantos, Angolas, Jejes e Yorubás.
Veremos assim (Cf. Parés 2006) a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
às Portas do Carmo (Baixa do Sapateiros – BA), cuja existência data de 1685, sendo em 1700
erigida às Portas do Carmo, como sendo um reduto dos negros angolas e que a partir do século
XVIII foi obrigada a admitir irmãos jejes e crioulos, assim como mulatos e mesmo brancos; a
Irmandade do Senhor Bom Jesus das Necessidades, Redenção e Redenção dos Homens Negros
erigida na Capela de São Frei Pedro Gonçalves, vulgarmente denominada de Corpo Santo, na
Cidade Baixa – BA, onde em 1752 foi fundada pelos escravos jejes a devoção do Senhor Bom
Jesus das Necessidades e Redenção. A maioria dos pesquisadores contemporâneos identifica
esta Irmandade como sendo exclusivamente jeje, ou de negros daomeanos gege, devido a um
compromisso dessa irmandade redigido em 1913.
Já em meados do século XVIII “um grupo de crioulos, provavelmente descendentes de
africanos da Costa Mina, fundou a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios” (SILVEIRA
2006 p.151), na velha capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos das Portas do Carmo. Em
1764 esta irmandade transferiu-se para a Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha, instalando
seu culto no altar de Nossa Senhora da Piedade, convivendo com uma confraria de homens
brancos com grande prestigio social e negros malês.
Diante deste quadro, organizações tradicionais, se formaram na clandestinidade
escravocrata, geradas com estruturas similares às africanas, e foram capazes de criar, em torno
daquelas Irmandades, uma instituição religiosa com “progressivo nível de complexidade social
e ritual” (PARÈS, 2006, p. 118) que funcionou como eixo de articulação e reinterpretação de
uma unidade daquela diversidade migratória. Segundo João José Reis:
A irmandade representava um espaço de relativa autonomia negra, no qual seus
membros - em torno de festas, assembleias, eleições, funerais e missas e da assistência
mutua – construíram identidades significativas, no interior de um mundo às vezes
sufocante e sempre incerto. A irmandade era uma espécie de família ritual, em que
africanos desenraizados de suas terras viviam e morriam solidariamente. Idealizadas
pelos brancos como um mecanismo de domesticação do espirito africano, através da
africanização da religião dos senhores elas vieram a construir um instrumento de
identidade e solidariedade coletiva. (REIS, p.4)

Desse modo, o candomblé que surgi no século XIX tem a influência das Irmandades em
relação à organização e carrega consigo uma reconstituição não apenas da religião africana,
mas de aspectos culturais da África original, “numa espécie de reposição da memória que ficou
para trás” (PRANDI, 2005, p.166). O candomblé, a partir daí, transformar-se-ia em seu corpus
num exemplo de “resistência cultural” se constituindo “um verdadeiro pedaço da África
transplantada”, um universo que unia “homens e crianças num todo coerente e funcional”, no
qual se expressava “o triunfo das normas coletivas” (BASTIDE, 1971 p. 312, 313).
O termo candomblé segundo pesquisas realizadas em periódicos na Hemeroteca Digital
da Biblioteca Nacional apresentam: no diário de Pernambuco em14/05/1829 candomblé como
nigromancia (feitiçaria de negro). No Correio Mercantil da Bahia em 12/09/1839 intitulando
candomblé como sendo de preto velho, já o Argos Cachoeirano (1850) do Espirito Santo e o
Diário da Bahia (1858) relatam perseguições de policiais a casas com agrupamentos de negros
praticando feitiçarias, denominando-as candomblé. Sobre a cronologia no processo de
institucionalização do candomblé, Luís Parés explica que:

A década de 1820 marca assim a culminação de um processo iniciado no século XVIII


que leva a progressiva consolidação de novas instituições religiosas de base sociais
cada vez mais amplas, incluindo participantes de qualquer cor e status legal, mas
dominados e controlados na maioria dos casos pela população negra, e, nessa época
do século, majoritariamente por libertos cativos. (PARÉS, 2006, p. 130).

Mesmo estando presente no Brasil desde os primeiros negros que aqui desembarcaram,
foi somente no século XIX, com a presença de negros libertos e seus descendentes nas grandes
cidades que a população negra conheceu a possibilidade de maior integração entre si, com
liberdade de movimento, podendo agregar-se em residências coletivas criando e reconstituindo
uma África simbólica que foi, durante pelo menos um século, a mais completa referência
cultural para o negro brasileiro, o candomblé. (BASTIDE 1971). O primeiro candomblé a se
oficializar foi o da Barroquinha, entretanto salientamos que não podemos deixar de reconhecer
a matriz jeje como constitutiva e determinante da gênese do candomblé, sobre este assunto Luís
Nicolau Parés (2006) realiza um amplo estudo em sua obra A Formação do Candomblé:
História e ritual da nação jeje na Bahia.
É célebre a frase de Pierre Verger que aponta para o Candomblé da Barroquinha como
sendo o primeiro terreiro de candomblé da Bahia, “várias mulheres enérgicas e voluntariosas,
originárias de Keto, antigas escravas libertas, pertencentes Irmandade de Nossa Senhora da Boa
Morte da Igreja da Barroquinha, teriam tomado a iniciativa de criar um terreiro de candomblé
chamado Iyá Omi Asé Aura Intilé” (VERGER, 2002, p.28).
Renato Silveira (2006) apresenta, variadas e controversas versões sobre esta fundação,
revelando algumas possibilidades de interpretações, apoiadas em estudos elaborados por
diversos autores. Em um primeiro momento, os autores argumentam terem sido três as
fundadoras do candomblé da Barroquinha:

Em 1948 Edison Carneiro escreveu que as fundadoras do Candomblé da Barroquinha


foram “três negras da Costa, de quem se conhece apenas o nome africano – Adetá
(talvez Iyá Dêtá), Iyá Kalá e Iyá Nassô”. No início da década de 1970 entra em cena
Vivaldo da Costa Lima (que) retomaria Carneiro e as três fundadoras, rejeitando,
contudo a ideia de que Adetá seria uma forma abreviada de Iyá Detá e definindo-o
como um nome próprio iorubano, usado tanto pelos homens quanto pelas mulheres,
lembrando inclusive da existência de dois “tios” entre os fundadores do Candomblé
da Barroquinha, “Babá Assicá ou Axicá e Babá Adetá”. Em 1981 foi publicado o
segundo depoimento de um intelectual organizo do universo afro-baiano sobre as
fundadoras do Candomblé da Barroquinha, o de Antônio Agnelo Pereira, elemaxó de
Oxaguiã do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, a pessoa mais versada na tradição oral da Casa
Branca: as fundadoras teriam sido [segundo ele]: as “três Marias Júlias, tia Iyadetá,
tia Iyakalá e tia Iyanassô” (SILVEIRA, 2006, p.392).

Já em um segundo momento Renato Silveira (2006) aponta em suas pesquisas terem


sido duas as fundadoras do Candomblé da Barroquinha:

Baseando-se no depoimento de Mãe Senhora do Axé Opô Afonjá, Costa Lima


sugeriu, além do mais, que Iyá Akalá seria mais provavelmente mais um titulo de Iyá
Nassô, cuja série completa seria I”á Nassô Oió Acalá Magbô Olodumare”, reduzindo
a fundadora a duas. (Também em 1981), Pierre Verger (...) publicaria uma versão
baseada no depoimento de Mãe Senhora, na qual aparece um novo nome para as
fundadoras do axé de Airá Intilé, Dandana, que teria sido a introdutora do culto
Oxóssi, além naturalmente de Iyánassô Akalá ou Oká, introdutora do culto a Xangô.
Verger lembra também, no mesmo texto, a versão que recolheu da não mais célebre,
Maria Ecolástica da Conceição Nazaré, Mãe Menininha do Gantois, o primeiro
terreiro filial do Candomblé da Barroquinha, segundo a qual a primeira mãe-de-santo
teria sido Iyá Akalá, substituída por Iyanassô Oká, não podendo, portanto, ser
confundida com ela. Nem Iyá Detá nem Iyalussô Danadana são mencionadas na
versão de Mãe Menininha/Verger. Entretanto, em uma comunicação de 1985,
publicada no Brasil em 1992e dedicada à contribuição das mulheres na formação do
candomblé baiano, Verger assumiria uma versão mais compacta, com duas
fundadoras, “Iyaluso e Iyanaso”, “adeptas da confraria de Nossa Senhora da Boa
Morte”, auxiliadas por “Baba Asika”, “adepto da confraria de Nosso Senhor dos
Martírios” (...) assinale-se de passagem que ele aqui suprime, baseado no depoimento
de Mãe Senhora, Iyá Adetá e Iyá Akalá de nossa história (SILVEIRA, 2006, p. 393).

Desta forma a data da fundação do Candomblé da Barroquinha, nação Keto, deu-se nos
últimos anos do século XVIII, veremos a cronologia de fundação bem apresentada e
documentada em Silveira (2006, p. 374), gerando a partir deste núcleo inicial, vários outros
terreiros a partir dele, a exemplo de: O Terreiro do Gantois, “Iyá Omi Àsé Iyamase” e o “Centro
Cruz Santa do Axé Opô Afonjá”, que foi instalado em 1910 e estes originaram muitos outros,
que originaram mais outros “pelo jogo complicado das filiações” (VERGER, 2002). A partir
de 1960, extravasa progressivamente suas fronteiras geográficas, abandonando os limites
originais de raça e etnia dos fieis e ampliando seu território se fazendo visível através da
imagem capturada pelas artes e costumes marcando presença em esferas culturais não
religiosas: literatura, cinema, teatro, música, carnaval, televisão, culinária etc.
Vale ressaltar que as religiões de matriz africana, foram proibidas, não toleradas e
perseguidas por órgãos oficiais nos primeiros séculos de sua existência, ainda hoje os adeptos
dessas religiões continuam a sofrer agressões, menos da polícia e mais de seus rivais
pentecostais, e seguem sob forte preconceito, num país que se denomina laico.

Conclusões preliminares

Presente na colônia brasileira, desde o século XVI, diante a diáspora o candomblé se


institucionaliza no século XIX, quando o catolicismo era a única religião tolerada no país e
fonte básica de legitimidade social (PRANDI, 2005).
O candomblé, religião brasileira, oriundo da diáspora negra, passa por modificações ao
longo dos séculos. Mudanças que modificaram seu perfil: em África era familiar e em terras
brasileiras passa para pequenos grupos em senzalas e comunidades de negros vivenciadas nos
folguedos, batuques e calundus.
As irmandades católicas se tornaram o ponto central de encontro e socialização dos
negros. Por meio das Irmandades a população negra, conseguiu preservar fatores centrais de
sua cultura e a continuidade de culto a sua ancestralidade.
Há discordâncias sobre antiguidades dos candomblés baianos, porém o candomblé da
Barroquinha, antecessor do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, o famoso Terreiro da Casa Branca, é
considerado o primeiro candomblé institucionalizado e o mais antigo Candomblé do Brasil.
Referências Bibliográficas

ALENCASTRO, Luís Felipe. O Trato dos Viventes: formação do Brasil Atlântico Sul. Editora
Civilização Brasileira. 2000

BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia: rito nagô. Companhia das Letras. 2001.

As religiões africanas no Brasil – Contribuição a uma sociologia das interpretações de


Civilizações. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1971.

BIBLIOTECA Nacional Digital do Brasil. Hemeroteca Digital. Disponível em


http://memoria.bn.br/hdb/período.aspx. Pesquisa realizada em 20/10/2018.

CHIZZOTTI Antônio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. Editora Cortez, 2003.


PARES, Luís Nicolau. A formação do candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia.
Editora da UNICAMP, 2006.

PRANDI Reginaldo. Segredos Guardados: Orixás na Alma Brasileira. São Paulo.


Companhia das Letras, 2005.

REIS, João José. A morte é uma festa. São Paulo: Cia. das Letras, 1991

SILVEIRA Renato. O Candomblé da Barroquinha: processo de constituição do primeiro


terreiro baiano de Keto. Salvador. Maianga, 2006.

SOUZA, Laura de Melo e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade


popular no Brasil Colônia. Companhia das Letras. São Paulo. 1986. p. 243.

VERGER Pierre. Deuses Iorubas na África e no Novo Mundo. Editora Corrupio. 1981.

Fluxo e Refluxo Do Tráfico Escravos Entre o Golfo Do Benin e A Bahia de Todos os Santos
dos séculos XVII a XIX. Salvador Corrupio, 2002.
Como elas sabem? Corpo, aprendizagem, educação e religião na infância

Karla Jeniffer Rodrigues de Mendonça


Karla-pessoa@hotmail.com
Universidade Federal da Paraíba

RESUMO: O objetivo deste trabalho é discutir o religioso como ação educacional direcionado
a criança no espaço da escola pública, procurando traçar uma análise de como a criança
compartilha seus conhecimentos religiosos e como percebe a religiosidade no contexto escolar.
Reflito o que media estas percepções, como entendem a diversidade e como o corpo é agente
ativo e informado socialmente. A observação participante buscou entender com as crianças suas
compreensões. Por fim, em relação a religiosidade que até então as crianças compreendem e
(re) conhecem nos contextos educacionais que participam, aponto brotar entre empatias e
estranhamentos através/com/a partir do corpo nas relações intra e intergeracionais.
PALAVRAS-CHAVES: Criança. Religiosidade. Corpo. Educação.

INTRODUÇÃO

Este trabalho constitui-se em uma reflexão crítica em relação a religiosidade na infância


e como ela emerge na escola pública em uma multiplicidade de ações, analisando como neste
ambiente as crianças percebem e agem diante de diferentes situações em que este contexto se
apresenta nos significados e experiências religiosas a partir das ações dos adultos, de outras
crianças e das coisas expostas cotidianamente.
O objetivo era observar e entender como as crianças (re) agem e se posicionam diante
dos elementos religiosos na escola, a qual se contrapõe a uma proposta laica e reforça as
concepções religiosas dos adultos em detrimento das crianças. Desta forma, nos momentos
informais e em situações que surgiram no contexto em que a religiosidade esteve presente,
foram analisadas as ações das crianças e desenvolvidos diálogos sobre seus conhecimentos
religiosos e como entendem as ações do outro.
Com este trabalho procuro reforçar que a escola não o único lugar em que as crianças
podem conhecer e aprender no mundo, elas trazem suas vivências à este espaço como um ser
que vive e cresce na diversidade dos símbolos, relações e sensações nos ambientes em que
participam, os transformando a medida em que se transformam, processo aliás, que também
acontece com os adultos.
Neste enredo é que trago discussões em relação ao corpo, não como elemento em
desenvolvimento a ser doutrinado ou moldado para o bem viver físico, cognitivo ou espiritual,
ação na escola muitas vezes reconhecida como um trabalho do adulto, mas reflito que a
religiosidade faz parte do processo de aprender das crianças no coletivo em uma multiplicidade
de sensações e vivências a serem respeitadas, e que acontece através/ com/a partir do corpo e o
corpo do outro, seja este humano ou não-humano (LATOUR, 2005).
Este trabalho preocupa-se com a percepção do conhecimento e das vivências religiosas
das crianças em sua diversidade a ser respeitada no contexto escolar. As crianças no contexto
social educacional em que participam (re) agem, analisam e (re) conhecem a diversidade
religiosa, ao passo que refletem e se (re) afirmam aquela que vivem fora da escola. É neste
enredo que procuro (re) pensar a diversidade religiosa na escola, a partir/com as crianças.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

É na infância, considerando a diversidade de infâncias que são específicas de cada


sociedade e como ela é definida socialmente, que o corpo é investido para que diversas
aprendizagens sejam desenvolvidas por imposição do adulto, mas também é nesta geração em
que as aprendizagens são (re) criadas no ambiente e que são e serão fundamentais para a
autoconsciência e a consciência do outro.
O corpo é socialmente informado, como aborda Csordas (2008, p.110), e neste contexto
reflito sobre a educação formal das escolas que se mistura à uma educação religiosa, em que as
crianças são incentivadas a se apropriarem das informações corporais do contexto religioso
cristão dominante, isto é no corpo sentem como esta sociedade às aceitam e às preparam para
um futuro em que se acredita ser o melhor caminho para o bem viver.
A necessidade de orientar para a construção do Eu, ou seja para se tornar uma pessoa, é
uma visão adultocêntrica controladora e vigilante, nos termos Foucaltianos, comum no contexto
escolar e aparentemente impulsionado por um contexto religioso que serve como disciplinador,
não só no corpo físico mas também no que se considera “alma”, sendo um poder exercido sobre
o outro pela sua fragilidade e dependência. Essas práticas apontam o entendimento de que é
através da educação, da preparação moral e disciplinadora que poderá haver a construção das
personalidades baseadas no bem.
Para Foucault a questão do “detalhe” que ele reflete em “Os Corpos Dóceis” (2009), ao
meu entendimento, é a categoria que se percebe em cada indivíduo na era moderna para
controlar e treinar todas as suas particularidades para a formação de um indivíduo em sua
completude. Nesta perspectiva é que alguns educadores veem a necessidade de uma pedagogia
religiosa cristã na escola, principalmente em tempos de violência, atribuindo a ela ações sociais,
envolvidas em uma diversidade emocional posso dizer, que treinam as crianças para uma
convivência civilizada no hoje e para suas funções futuras em sociedade.
As religiões como parte das culturas de muitos contextos em que as crianças vivenciam,
são aprendizagens, a partir, com e no corpo, que irão mediar as suas consciências morais e
corporais desde muito cedo a partir dos rituais em que as famílias ou até mesmo a escola inserem
as crianças. Csordas (2008) reflete o sagrado tendo o corpo como ponto de partida para analisar
a cultura e o sujeito, pois considera que “ o corpo é o locus do sagrado, pois o corpo é a base
existencial da cultura” (CSORDAS, 2008, p.145).
Se pensando nas religiões como as de matriz africana é através do corpo que os banhos,
as orações e os benzimentos terão sua efetividade para alcançar o objetivo almejado. O trabalho
no corpo através de um cuidado bem planejado promoverá a consciência no sujeito de seu
trabalho existencial para a concretização do seu projeto de felicidade, começando desde o
nascimento de uma criança: a fita amarrada no braço, um colar do santinho, banhos com folhas
sagradas, chás curativos, etc, prepara o pequeno corpo para desempenhar satisfatoriamente suas
ações com saúde em sociedade, afinal “corpo e alma são inseparáveis nas representações dos
crentes” (LOYOLA,1984, p.78).
Nesta ideia, ser criança em centros urbanos em que as instituições como as escolas, a
família e a igreja organizam seus os tempos e espaços, como contextos interligados, procura-se
“individualizar os corpos” (FOUCAULT, 2009) através da educação, mas ainda assim estes
corpos biologicamente e socialmente considerados imaturos, constantemente se relacionam em
um contexto de interdependência e trocas nas redes de relações que tecem dinamicamente por
intermédio da agência que são dotados.
Em sua sociabilidade as crianças tecem estas teias desenvolvendo aprendizagens,
criando e recriando compreensões do mundo a sua volta através de suas experiências e práticas
em relação com o ambiente, protagonizando possíveis socialidades nos grupos que vivencia.
Dubet (1996, p.95) aborda que “experiência é uma maneira de construir o mundo” e sendo estas
experiências concretizadas e abstraídas considerando as ações heterogêneas, tem o corpo como
mediador entre o exterior e o interior.
O saber para a criança é diretamente relacionado ao fazer e as religiões se expressam
pelo ato, pelo contato, pela coletividade e troca de experiências em relação ao mundo sagrado,
procurando produzir corpos que se socializam em busca de um bem comum. As crianças, bem
como os adultos, estão nestes espaços religiosos nunca de maneira passiva, mesmo com a
intenção de uma educação doutrinária, elas interagem e experienciam com o contexto
realizando ligações com seu tecido social e a maneira de ser e estar dentro dele. Elas, mesmo
que de forma limitada, agenciam o corpo em relação às articulações possíveis em sua
autenticidade (DUBET,1996) dentro de uma pluralidade.
De acordo com Flávia Pires (2010) os adultos consideram o espaço religioso e a relação
com o sagrado como um contexto de aprendizagens. Segundo a autora é na fase dos 9 anos que
a crianças começam a apresentar uma identidade religiosa mais próxima das concepções da fase
adulta e assim vão apresentando através do corpo práticas religiosas aprendidas com a família
e nos contextos religiosos durante os anos de sua vida com maior autonomia, ela “aprende a ser
uma pessoa que ama Deus”(PIRES, 2011, p.163). A autora ressalta ainda que para as crianças
a religião é vivida a partir da experiência, portanto sua relação com o divino se dá através de
práticas aprendidas e compreendidas socialmente e intersubjetivamente entre os pares, mesmo
que de modo diferenciado que os adultos.
E tendo em vista esta última consideração é que nas escolas públicas apesar das
discussões políticas, sociais e pedagógicas frente à necessidade de uma educação laica,
podemos encontrar esta prática bastante presente em diferentes ações e objetos apresentados e
socializados pelos adultos na relação com as crianças, pedagogizando esta prática de forma
moralizadora. Porém estas práticas também são apresentadas pelas crianças espontaneamente
através da fala e da ação em suas relações intra e intergeracionais 48 e também com os não-
humanos presentes no ambiente.
A escola faz parte do cotidiano das crianças, bem como a igreja ou a família, e mesmo
as crianças que não frequentam espaços religiosos aprendem a viver em relação com o sagrado,
o divino, em nossa sociedade. São ações (globalmente falando) vivenciadas nas relações
sociais, que (re)constroem seus corpos em relações aos outros corpos, ou àquele que é
corporificado, como na relação do eu com o Outro considerado divino ou sagrado. Mary
Douglas (1976, p. 51) afirma que “o ritual permite, assim, concentrar a atenção, na medida em
que fornece um quadro, estimula a memória e liga o presente a um passado pertinente. Facilita,
deste modo, a percepção”.
Ao se relacionar com este Outro divino para o adulto tem uma função simbólica,
enquanto para criança podemos dizer que existe um aspecto prático e concreto (PIRES,2011)
pois é uma experiência vivida e uma aprendizagem constante dentro do grupo social em que o
corpo da criança é protagonista desta ação e compreensão dos significados que circulam neste

48
Caracteriza-se por intergeracional quando falamos nas relações entre gerações que se entendem como diferentes
(adultos e crianças por exemplo) e intrageracional como sujeitos pertencentes à mesma geração. (MENDONÇA,
2018, p. 22).
contexto. Apesar da escola ser reconhecida como reprodutora de dogmas e disciplinadora
através de diferentes concepções de educação, podemos analisar como a prática do sagrado se
afirma em muitos contextos escolares nas ações dos corpos que participam desta, inclusive
perceptível a partir das crianças de seu corpo (físico e mental) expressado verbalmente ou de
atos físicos, das performances.

METODOLOGIA

Esta pesquisa se desenvolveu entre os anos de 2016-2017 em uma escola pública de


João Pessoa, em que atuava como professora em uma turma de 4° ano do ensino fundamental,
em que neste período desenvolvia estudos relacionados a religião e infância. Foi realizada com
crianças entre 9 a 11 anos não só nas aulas de ensino religioso, mas em suas mais variadas
atividades que desenvolviam na escola, tendo em vista que os diálogos na aula de ensino
religioso se mostravam mais restritos e eram momentos vistos como cópias de conteúdos e
realização de atividades escritas. Assim para que as compreensões, (re) conhecimentos e ações
das crianças fossem percebidas no contexto social religioso que emergia na escola, foi
fundamental estar aberta aos entendimentos e as percepções das crianças.
Por isso, a observação participante se mostrou ideal ao se planejar entender as relações
diante da diversidade religiosa com/através/a partir da sensibilidade infantil, entendendo-as
como agentes sociais de conhecimento e participantes ativos no ambiente, não apenas
submissos às ações da educação do adulto.
Por fazer parte deste contexto, as crianças me viam como a professora interessada em
seus conhecimentos e percepções diante das situações em que era observada a vivência religiosa
dentro da escola, além de me colocar como também “aprendente” (SARMENTO, 2011) daquele
assunto a partir das crianças. Para os adultos era imperceptível a minha ação enquanto
pesquisadora no contexto, até porque observei que não se interessavam em participar da
conversa em que eu estabelecia com as crianças, pareciam entender que eu estava “cuidando”
delas.
Desta forma, além de observar o cotidiano de dentro, realizar rodas de conversa sobre o
assunto e atentar aos comentários surgidos a partir de algum conteúdo curricular ou história
contada, as crianças participaram de momentos em que registraram suas ideias a partir de
desenhos. Segundo Flávia Pires (2007):
O desenho é um material de pesquisa interessante para captar justamente aquilo que primeiro
vem à cabeça, aquilo que é mais óbvio para a criança. Porém, quando combinado com a
observação participante, é que os dois instrumentos potencializam a sua utilidade. Os
desenhos podem funcionar como um guia para a observação participante. (PIRES, 2007, p.
42).

Portanto, aproveitando a própria rotina da sala da aula em que estava atuando como
professora, os corredores e outros momentos no contexto escolar, esta pesquisa emergiu diante
dos olhares, vozes e ações das crianças com e no ambiente em suas vivências religiosas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em roda de conversa algumas crianças relataram experiências em rituais em espaços


religiosos que não correspondem a religião em que se identifica. Interessante atentar que das
18 crianças em média 4 relataram ter frequentado espaços religiosos e rituais diferentes da
religião em que relata pertencer. Na maioria dos relatos a ação do corpo do outro ao contar o
que observou nestes espaços foi o que mais interessou as crianças, seus olhos arregalavam com
interesse e curiosidade em saber sobre a maneira como as pessoas giram e pulam ao receber o
espirito santo, e a dança e as performances de uma gira em um terreiro de Umbanda.
Levadas pelas próprias famílias as crianças demonstram em suas histórias que não se
apresentaram alheias aos rituais, e mesmo recorrendo à explicação dos adultos para explicar
sobre a experiência do momento, foi no espaço escolar que a troca de vivências promoveu a
aprendizagem sobre o outro. Algumas crianças pertencentes a estas religiões que causaram
estranhamento às outras, explicaram como e porque estes corpos conseguem girar, pular, cantar
sem cansar a partir da própria experiência nos rituais religiosos que frequentam, compreendem
regras, processos e objetivos para estarem participando ou inseridas nestes espaços.
Em outra prática no espaço escolar foi solicitado na aula de geografia que desenhassem
espaços que frequentam sozinhos ou acompanhados. Algumas das crianças desenharam a igreja
e a escola como espaços do cotidiano, e um detalhe a ser observado foi como o corpo está
envolvido nestas práticas de aprendizagens, como são orientados e disciplinados para receber
os ensinamentos e orientações. De acordo com Sonia E. Maluf (2001, p.93) “Alguns exemplos
dessa corporificação da experiência, ou centralidade do corpo na experiência coletiva e
individual, são a forma pela qual se dá, em muitos desses grupos, o aprendizado e a socialização
das crianças”.
O corpo parado e sentado é ensinado para que as crianças incorporem as ações e
objetivos do outro nas religiões cristãs apresentadas, e estas mesmo nestes espaços de vigilância
têm em si (corpo) o mediador para as aprendizagens a serem desenvolvidas não de maneira
passiva ou repetitiva como comumente se considera por serem crianças, mas ativamente reagem
sobre o contexto, integram-se e transformam-se continuamente colaborando para a produção
deste próprio contexto ao qual se relaciona com tudo e com
todos criativamente.

Imagem 1. Desenho: como se aprende na Imagem 2. Desenho lugares que aprendo.


escola e na igreja.

A oração como ato de pensar em si e no outro e como prática corporal em movimento


está persistindo estar presente na escola pública, muitos professores em sua maioria mulheres
(neste contexto) desenvolvem esta prática nestes espaços em que a maioria são crianças os
sujeitos a participar. Estas apesar de participarem (nem sempre ativamente como o adulto insiste
em orientar a postura de seu corpo) por serem ensinadas que na escola também se necessita
desta prática, parecem não vivenciar a oração como nos espaços religiosos, como uma criança
relata “eu tento orar mas não consigo, “to” pensando no que eu quero contar para alguém, fico
olhando para quem tá falando, não é como quando vou na igreja”.
Certo dia uma criança da turma do 2° ano do ensino fundamental com dificuldades para
adentrar a sala dizia não gostar da escola, comecei uma conversa com ela e convidei-a a ficar
na minha sala e ela aceitou. No outro dia ela entrou correndo na escola e começou a girar e
correr em volta de uma quadra de areia em frente a minha sala. Alguns funcionários vendo a
situação iniciaram comentários que a criança estava perdida, com o “mal” no corpo, então a
carregaram até a secretaria onde lá sentada em uma cadeira uma professora chegou e começou
a orar em voz alta, pedindo pela sua alma falando inclusive em línguas. A criança começou a
chorar e fazia cara de braba, ficando quieta, o que para a professora foi um sinal de que Deus
tinha tomado seu corpo.
Outro momento precisei ficar com uma turma, pois a professora tinha se ausentado por
motivo de saúde e logo que iniciei a aula uma das crianças interrompeu e disse:
“- Professora você não reza?”, eu respondi: “Por que você está perguntando?”, ela respondeu:
“- porque minha professora reza antes da aula, a gente fica em pé.”. Então eu disse: “e por
que sua professora reza antes da aula?”, ela respondeu com a afirmação dos outros: “eu não
sei, acho que é porque para ter uma aula boa!” (conversa informal na sala de aula, agosto de
2017).

Era muito comum ouvir as crianças cantarolarem músicas gospel durante a aula ou em
brincadeiras na quadra mesmo me relatando que não iam na igreja, mas mostraram que as ações
de rezar e músicas religiosas fazem parte de seu cotidiano, o que sugere que são práticas e
rituais que viram rotinas até mesmo em momentos de convívio familiar e situações
descontraídas como em suas brincadeiras. Elas aprendem que através destas práticas e
sensações que emergem nestas vivências seu corpo é protegido e aprende a se relacionar de
maneira harmoniosa, mesmo que por vezes analisam não fazer sentido para elas.

CONCLUSÃO

Neste trabalho foi destacado que as práticas e os rituais da escola que envolvem os
adultos e crianças há uma relação de adaptação, conflito e questionamento por parte das
crianças em relação ao contexto religioso que se reforça na escola pública. Porém o que se
pretendeu refletir é que as crianças na diversidade de suas historicidades e entendimentos não
estão passivas a estas ações, mas sim participantes, afinal “elas também, não sendo uma "coisa
dada", são produto e produtoras de sentidos e de novas experiências sociais. (MALUF,2001, p.
99, ).
Ao se perceberem integradas e instigadas comunicativamente no contexto social onde o
religioso se (re) apresenta como modelo de se viver bem no presente e no futuro, as crianças se
posicionam criticamente em relação ao que até então compreendem e vivenciam socialmente,
mesmo diante da orientação do adulto (professor ou funcionário) que geralmente impulsiona
suas convicções.
Considero que o contexto informa o comportamento do corpo na criança, mas nem
sempre esta vai interagir significativamente como ele procura direcionar, talvez porque a
própria criança esteja separando os rituais de acordo com o contexto em que frequenta, ao
contrário do adulto que apresenta o simbólico de sua religiosidade nos espaços que participa,
como no caso desta instituição escolar.
Ao visibilizar este assunto na infância procurando entender que o grupo é heterogêneo
e aqueles pertencentes a esta categoria em trajetória de vida (PROUT, 2010) tem conhecimento
e historicidade, podendo em uma relação cuidadosa de adultos e crianças, colaborar com o (re)
conhecimento da participação da criança no contexto de modo que ela (re) crie habilidades,
pense no outro e não apenas em si própria durante seu crescimento, aliás como comumente é
vinculada a ideia de egoísta nata, digo que há controvérsias. São ações a serem incorporadas no
e através do corpo que possa dar ação aos pensamentos, aos valores, as morais através do fazer
que media a aprendizagem demonstrando respeito a partir da ação dos educadores no ambiente
educacional.
Este fazer remete-nos não só a força do gesto coletivamente aprendido, mas pela força
da mente e da palavra que também se aprende coletivamente, não apenas se copia, mas se (re)
cria.

REFERÊNCIAS

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(Primeira parte. Capítulo I. O corpo dos condenados. Terceira Parte. Capítulo I – Os corpos
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2011.
Contribuições das literaturas fantástica e maravilhosa para as Ciências das
Religiões

Andréa Caselli49

Resumo: Este texto apresenta ideias e definições sobre religião, espiritualidade e literatura na
contemporaneidade. Sob os paradigmas da pluralidade religiosa e da individualidade
cosmopolita, a literatura contemporânea tem contemplado os gêneros fantástico e maravilhoso
de forma exaustiva e mercadológica. Diante disso, é possível traçar uma profunda relação entre
religiao e tais gêneros, consolidando a presença do sagrado e de outros elementos religiosos na
literatura e no cotidiano cultural das pessoas. Como referencial teórico, foi utilizado um acervo
transdisciplinar de linguistas, críticos literários, teólogos e historiadores.
Palavras-chave: Religião e literatura. Literatura e sagrado. Literatura fantástica. Literatura
maravilhosa. Religião e contos de fadas.

Abstract: This text presents ideas and definitions about religion, spirituality and literature in
the contemporary world. Under the paradigms of religious plurality and cosmopolitan
individuality, contemporary literature has contemplated the fantastical and marvelous genres in
an exhaustive and marketing way. Given this, it is possible to draw a deep relation between
religion and such genres, consolidating the presence of the sacred and other religious elements
in the literature and in the cultural daily life of people. As a theoretical reference, a
transdisciplinary collection of linguists, literary critics, theologians and historians was used.
Key-words: Religion and literature. Literature and sacred. Fantastic literature. Marvelous
literature. Religion and fairy tales.

Muito já foi discutido em meio acadêmico sobre teologia e debates literários, não
somente em torno dos textos bíbicos, mas também abrangendo vários gêneros textuais. Bastante
recorrentes também são os estudos entre literatura considerada clássica e religião. Obras
iterárias que envolvem política, ascenção e queda social e historiografia como os textos de
Dostoiévsky, José Saramago e Miguel de Cervantes já foram incansavelmente analisadas à luz
da teologia e das Ciências da Religião.
Contudo, há a literatura de ficção fantástica – inluindo-se neste conjunto a literatura
maravilhosa - que surge em fins do séc. XVIII e apresenta inumeráveis referências ao
sobrenatural e às mitologias mais diversas e antigas, mas adquirindo maior atenção dos teólogos
e dos cientistas da religião apenas no começo do século XXI. Sendo assim, tentaremos, no


.
49
Doutoranda em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba. Email: sirenithada@gmail.com
decorrer das páginas seguintes, discutir sobre as influências e contribuições da mística contida
nas literaturas populares e fantásticas nos estudos em Ciênicas da Religião.
A aplicação de ideias e linhas de pesquisa entre teorias literárias e estudos teológicos já
constitui matéria consolidada em ciências das humanidades. Da mesma forma, pesquisas entre
literatura e religião na perspectiva dos textos sagrados ou da poesia épica também apresentam
o mesmo sucesso. No entanto, há um nicho ainda em expansão no que diz respeito a tal temática:
Outra perspectiva de estudos procura notar como a literatura pode permitir uma maior
compreensão do fenômeno religioso, ou de como ela expressa este fenômeno. Em outras
palavras, procura-se fazer uma interpretação das narrativas ficcionais fantásticas e
maravilhosas, populares e contemporâneas, a partir de uma perspectiva religiosa.
Uma das principais características desse panorama de análise é sua
transdisciplinaridade, uma vez que lança mão de um instrumental transdisciplinar em função
de suas leituras, e também procura notar como a produção literária é aberta a uma leitura
religiosa e de como este tipo de leitura também se apresenta como uma alternativa na análise
do fenômeno religioso. Um fato primordial a ser desenvolvido sobre tal questão é que a
literatura busca, no mundo real, apreender o sentido deste para exprimi-lo de acordo com uma
especificidade sua na ficcionalidade.
Apesar de o universo literário não ser o mundo real, é inspirado neste e então o
transcende. Há um comprometimento da literatura com a verdade. Não que haja a possibilidade
de uma literatura verdadeira ou falsa, mas a verdade da literatura está no fato de esta falar
sempre do essencial, do que ultrapassa a comunicação direta da linguagem. Para Ezra Pound, a
literatura é linguagem carregada de significado e pode-se acrescentar a isso que a literatura não
faz questão de demonstrar seus significados, sua verdade (Pound, 1995, p. 32).
É relevante lembrar o quanto a linguagem da mística, em qualquer tradição religiosa, é
uma expressão poética pura; e como, curiosamente, a linguagem apofática é tão cara aos
místicos, uma vez que estes procuram nomear o que não pode ser nomeado, dizer o indizível,
muitas vezes se aproximando do silêncio. A mística está presente no maravilhoso e no fantástico
através da metáfora, da presença do sorenatural e do seu modo literário. A mística contida na
narrativa metafórica que comunica por imagens e elementos folclóricos, sutilmente comporta
em si os vestígios de uma religião popular e primária. O conto de fadas, por exemplo, apenas
porta rastros do sagrado, mas não é o sagrado, portanto este dificilmente se esgotará na
narrativa, por mais que permita que esta fale nele. O sagrado desloca-se no texto, mas, enquanto
apenas rastro, permanece indizível.
Tratando mais diretamente da tarefa de interpretar textos, o linguista Umberto Eco, em
Interpretação e Superinterpretação (1997), expõe algumas idéias, principalmente sobre o caráter
apofático da linguagem quando procura falar do divino. Eco reconhece a existência de um
segredo em tudo no universo, e que a tentativa de se revelar um segredo sempre conduz a um
outro e assim progressivamente, até se perceber que o segredo último é impossível. Pois tudo é
segredo, ou talvez um segredo vazio.
O leitor/autor então “transforma o teatro do mundo inteiro num fenômeno lingüístico e,
ao mesmo tempo, nega à linguagem qualquer poder de comunicação” (Ibid. p. 45).
Corroborando a idéia que reconhece que a linguagem humana é inadequada para falar sobre
sacralidade, Eco atesta estar exatamente na possibilidade de ambigüidade e polivalência da
língua, ou seja, em sua falta de precisão, sua maior adequação para falar sobre o mistério, visto
não ter este uma forma final definida, ou um significado tangível.
Se reconhecemos que atingir o mistério é conhecer a verdade e que o falar da narrativa
maravilhosa popular sobre o mistério e no mistério é uma forma de participarmos deste, é
possível concordar com Eco quando este diz: “A verdade é secreta e nenhum questionamento
dos símbolos e enigmas jamais revelará a verdade última, só deslocando o segredo para outro
lugar”. (Ibid. p.46). A literatura, o maravilhoso mais especificamente, permite um deslocar-se
no mistério, pois não quer dizer algo unívoco, não quer ser a palavra última, e nisso encontra,
certamente, sua verdade.
Na atuaidade na qual tudo é ligeiro, líquido, cibernético; a literatura acompanha tal
necessidade e produz cada vez mais narrativas curtas e precisas. O estilo de escrita que exprime
textos curtos e diálogos acertivos e tornou bastante popular e mercadológico.E para falar sobre
religião ou incluir o sentimento religioso nos leitores, as narrativas recorrem à proximidade com
o sobrenatural. Sobre esse ponto, ainda podemos usar a opinião de Eco (1994, p. 9):

qualquer narrativa de ficção é necessária e fatalmente rápida porque, ao construir um


mundo que inclui uma multiplicidade de acontecimentos e de personagens, não pode
dizer tudo sobre esse mundo. Alude a ele e pede ao leitor que preencha uma série de
lacunas.

Então a imaginação do leitor, atrelada à fé e à sua percepção de sagrado, complementa


e preencha tais lacunas, dando à religião um status cada vez maior na vida contemporânea e
cosmopolita. Pois, nem um enredo é necessário para que o texto literário seja portador da
sacralidade, tal intrínseca ela permanece na imaginação humana:
Um texto narrativo pode não ter enredo, mas é impossível que não tenha história ou
discurso. Até a história de Chapeuzinho Vermelho chegou até nós através d
ediferentes discursos – de Grimm, de Perrault, de nossas mães. O discurso também
faz parte da estratégia do autor-modelo (Ibid. p. 42).

Sendo assim, conclui-se que não é necessária sequer uma trama para o desenrolar do
texto, pois simples narrativas já são o suficiente para que se trabalhe o sagrado e a
espiritualidade, o que ceracteriza as ficções fantásticas e maravilhosas populares que também
estão muito presentes nas atuais culturas. Contudo, o processo educativo se constitui como
agente principal da valorização desses gêneros literários como influenciadores do pensamento
religioso, visto que estão presentes em histórias em quadrinhos, em obras cinematográficas e
demais produtos consumidos por jovens e utilizados constantemente por educadores. O
fantástico e o maravilhoso, no contexto cosmopolita atual, abrangem a cultura popular
globalizante e estão presentes nos ambientes de lazer, nas escolas, nas universidades e nas
demais instituições humanas. Super-heróis, fantasmas, guerreiros intergalácticos e e seres
mágicos permeiam diverss culturas e se relacionam entre elas através dos textos literários e seus
derivados.
Não é intenção deste texto exaurir o assunto ou dar a palavra final sobre o tema, mas o
objetivo aqui é trazer à tona algumas possibilidades de relacionamento entre religião e literatura
fantástico-maravilhosa. Este artigo tem o fim didático de promover ideias para o estudo da
literatura também como conteúdo revelador da experiência religiosa humana. A literatura
constitui foco de interesse enquanto área do saber que que expressa modos de vida, estruturação
social e cosmovisão cultural. Isto posto, a solidariedade intelectual do texto se expressa em
sua modéstia, na argumentação das possíveis intersecções entre religião e literatura. No que diz
respeito à narrativa maravilhosa popular, por exemplo, evoca grande sabedoria em pequenas
narrativas.
Apresenta-se aqui uma ilustração em perspectiva de mapeamento, sinalizando o que há
e o que se tem discutido sobre religião e literatura fantástico-maravilhosa, ensejando os leitores
a irem além. Para tanto, é importante também delimitar terminologicamente o que se quer
dizer quando se fala sobre religião. Neste texto, optou-se simplesmente por utilizar o termo
religião, reconhecendo que - sob esta matriz nominativa - é possível aludir tanto à religião
enquanto fenômeno religioso, num sentido epistemológico, às religiosidades, isto é, às
expressões religiosas cotidianas eróticas e heréticas, sincréticas pragmáticas e híbridas; quanto
à religião institucionalizada e à instituição religiosa, aos preceitos e às normas convencionais,
aos argumentos legitimados e legitimadores de crenças e ritos. Para os propósitos deste texto,
portanto, utiliza-se simplesmente o termo religião, alertando pontualmente para essa gama
diversa de perspectivas, ênfases, conceitos, ou, indo além, apresentando definições quando
necessário.
O sociólogo José Pereira Coutinho (2012, p. 172), faz uma reflexão sobre as
transformações do sentimento religioso no devir histórico. Segundo ele, as expressões religiosas
evoluem como outros conhecimentos humanos:

À semelhança do Zeitgeist hegeliano, as ideias evoluem pela história de forma


contínua. Umas morrem, outras renascem reformuladas, algumas mudam reformadas.
Novas ideias não são mais do que velhas ideias recicladas a que os autores sempre
algo acrescentam. Mesmo a epistemologia de Kuhn, onde a evolução científica se faz
com descontinuidades, subentende revoluções enraizadas nos paradigmas anteriores,
uma continuidade, portanto. Na evolução do pensamento sociológico e religioso só
podia também observar-se esta cadeia ininterrupta.

De acordo com Coutinho - e sua opinião é uma das mais atuais e concisas sobre o tema,
além de estar em concordância com a de outros pesquisadores contemporâneos no Ocidente -
as múltiplas definições de religião podem caracterizar-se como substantivas, descritoras de sua
essência e de suas crenças. Se mostram como o acolhimento da experiência do outro ou do
sagrado. São também funcionais e refletem o papel social da religião. Sendo assim, e
observando todas essas qualidade, mesmo marcada pelo contexto temporal, social, académico
e ideológico de cada autor, tais conceitos colaboram para a compreensão da religião.
Etimologicamente a palavra religião deriva do latim, podendo significar religar, reler ou
reeleger. Nas três hipóteses está presente a ligação da humanidade com o sagrado. Então, fica
perceptível uma das principais características da religião, que é a ligação humana com algo
superior ou transcendente, que o leve a um nível do desconhecido/miraculoso. O contexto
cultural influencia sobremaneira a definição de religião. O folclore e as manifestações religiosas
populares dão o tom da sacralidade por meio de objetos, festas, celebrações coletivas, narrativas
compartilhadas e expressões artísticas. Assim, a religião é a relação com algo superior e
transcedente, mas é de forma concomitante a integração com a própria natureza com seus seres
vivos e orgânicos.
Em termos pragmáticos, a religião é um sistema composto por descrições do sagrado,
crenças que respondem ao sentido do mundo e da vida, práticas para expêciências de integração,
orientações normativas do comportamento e valores e atores coletivos com regras e recursos
próprios. Em termos funcionais, a religião permite normatizar a conduta individual,
providenciar coesão social, consolar, aliviar, redimir, fortificar a vontade, dar sentido à vida,
possibilitar a crescer e amadurecer e proporcionar consciência identitária.
A religião também pode parecer um sistema que comporta instituições estruturadas, mas
na contemporaneidade, na qual a questão da espiritualidade individual está muito presente, não
mais o sujeito necessita estar filiado a uma instituição para expressar crenças, regras e recursos
ritualísticos, símbolos, visões de mundo e experiências catárticas. A espiritualidade e a
liberdade de expressão, mutuamente intensificados, encontram-se no propósito da religião
cosmopolita, reforçando-se reciprocamente. As coletividades não deixam de existir, porque a
humanidade é também conjunto e as experiências são o modo pelo qual o coletivo se mantém.
Embora cada elemento possa agir separadamente, as visões do mundo podem juntar-se às
crenças, pela sua essência análoga, os símbolos e as experiências podem fazê-lo em relação às
práticas pela mesma razão. Os autores utilizam variadas formas para definir religião,
construindo as suas enunciações com os elementos acima referidos.
Esta presença de relação comunitária ou individual com o sagrado, o cerne das religiões,
leva-nos ao questionamento imprescindível sobre a espiritualidade. Esta partiu do interior das
religiões tradicionais para a construção criativa do indivíduo, auxiliada de elementos daquelas
e/ou de elementos animistas, pagãos, esotéricos, ocultistas, seculares. Relacionando religião
com espiritualidade - pois uma comparação não seria coerente, já que são ocorrências distintas
- a primeira associa-se a vivências sob autoridades externas/superiores e a instituições, a
segunda a experiências sob a própria autoridade individual. Para Giordan (2009), a religião
consiste na dimensão institucional da relação com o sagrado, baseando-se em verdades, ritos e
normas que sujeitam o indivíduo. Já a espiritualidade parte da liberdade de escolha do sujeito,
da sua experiência, dos seus sentimentos, do seu bem-estar e da sua realização.
A espiritualidade consiste numa relação pessoal, individual com o sagrado em si ou fora
de si - imanente ou transcendente - enquanto na religião a ligação ao sagrado realiza-se por
práticas institucionalizadas. Na espiritualidade subjetiva, tendo o sujeito como centro da busca
e da experiência, tenta aprofundar-se a relação do indivíduo consigo mesmo, para se conhecer
melhor, se aperfeiçoar ou desenvolver as suas capacidades. Na espiritualidade contemporânea
e cada vez mais digital/cibernética,o sujeito ruma a algo considerado por si superior, tendo em
vista relacionar-se e colher benefícios desta fonte. A espiritualidade, reflexo do atual
individualismo e da autosuficiência, centra o indivíduo como sujeito e como objeto. Como
objeto, o indivíduo precisa do próximo para avançar; como sujeito, basta-se a si próprio para se
desenvolver.
O historiador Lucien Febvre afirmou que a história é filha de seu tempo e tal premissa
pode ser aplicada também à religião. Quando o historiador reúne fontes primárias, ou seja,
sinais, vestígios sobre um fato ou sociedade que deseja estudar, ele não poderá recuperá
exatamente aquilo que aconteceu. Além disso, a forma como os historiadores analisam os fatos
é bem influenciado por suas experiências e estilos de vida, pelos seus valores, pela sua cultura
e pela forma de pensar de seu próprio tempo. Assim também é a realidade de qualquer outro
profissional que lida com presenças humanas.
A religião também é filha de seu tempo por ser profundamente influenciada pelas
manifestações humanas que a compoem. Não somente a literatura contemporânea é repleta de
elementos fantásticos e maravilhosos, mas esse fato também se estende para as artes, a mídia,
o mercado cultural como um todo. Muitos foram os contributos para que tal fenômeno tenha
sido possível e o sociólogo Peter Berger o explica, no devir de seu peóprio tempo, as influências
que levaram ao estado atual das religiões no Ocidente.
Em seu livro “O dossel sagrado”, publicado em 1969, Berger se baseia em teorias
socialistas de cunho marxista e gramsciano para defender o processo de secularização. Ou seja,
na perda de poder e de prestígio social da religião está também o desfavorecimento político das
instituições religiosas, acarretando em um processo através do qual a religião perde a sua
influência sobre as variadas esferas da vida social. Tal declínio religioso acarretaria a
diminuição do número de membros das religiões e de suas práticas, na perda do prestígio das
organizações religiosas e na desvalorização das crenças e dos valores a elas associados.
Muito posteriormente, no livro “Os múltiplos altares da modernidade”, publicado em
2014, o autor humildemente reconhece ter se equivocado em suas conclusões e discursa sobre
o paradigma contemporâneo da pluralidade religiosa. Não só Berger, mas vários outros autores
que se debruçaram sobre o tema no começo do século XXi, percebem que a religião não
declinou, mas se transformou em algo mais presente na vida das pessoas, porém de forma
diversificada, com conceitos amplos. Contudo, é importante notar que tal percepção deve ser
lida como a proposta de um novo modo de vida no qual os novos tempos deixam de ser
sinônimo de secularização e passam a representar pluralismo cultural e axiológico.
E esta parece ser a principal herança intelectual das literaturas fantástica e maravilhosa.
Pois neste tempo em que grupos tão distintos como neonazistas, socialistas americanos,
conservadores, teólogos da inchada, teólogos da prosperidade e grupos de ideologia de gênero
subdivididos arrastam multidões e disputam lugares na esfera pública internacional; as referidas
literaturas oferecem um ponto em comum entre todos eles, pois todos imaginam, sonham e
mantêm relações com o sagrado e com o sobrenatural. Parqdoxalmente, tais escritos são uma
aposta de fé nas virtudes de uma reserva de secularidade em cada um dos múltiplos altares da
modernidade.
A literatura não só é um agente ativo do acontecimento religioso, mas também uma
unidade passiva, já que refletem, em suas narrativas, a fé individual, as sociedades
interreligiosas e os tratos políticos. Contudo e muito importante, a magia nunca deixou de
acompanhar a humanidade devido à incapacidade da religião ou da ciência; sendo que a
literatura sempre se apresentou como um meio para o reflexo desse fato, enaltecendo a magia,
o sonho e a imaginação. Se a ciência não derruba toda a ignorância, sendo incapaz de solucionar
estes e outros assuntos, a magia poderá solvê-los, sobretudo havendo tendências pouco
religiosas. A magia perdura nas ações humanas – principalmente na literatura e nas artes - por
proporcionar soluções para as necessidades materiais e espirituais insatisfeitas de outras formas.
Finalmente, sobre o conceito de religião na contemporaneidade, podemos admirar a
opinião do teólogo Klaus Hock (2010, p. 18):

Conceituar a religião é um debate que não será concluído num futuro próximo e
provavelmente nem conhecerá conclusão. Um dos principais problemas na
conceituação do termo religião reside no fato de que o termo nasceu num contexto
cultural e histórico específico, o ocidental; alimentendo dúvidas e controvérsias
quando é utilizado em outros contextos.

Entretanto, acerca da espiritualidade, temos a basiladora conclusão do teólogo Carlos


Calvani (2014, p. 660), que reflete sobre o conceito de espiritualidade na teologia cristã, porém
suas palavras se prestando ainda para significar outras ramificações religiosas. Segundo
Calvani, é necessário:

apontar para a apropriação recente do conceito em áreas preocupadas em tematizar


fenômenos que não estão ligados às vivências religiosas institucionais e, finalmente,
destacar o campo da estética como uma possibilidade muito promissora de diálogo
com as ciências da religião, na medida em que a arte se propõe a ser uma forma de
conhecimento que não se apresenta como um absoluto universal e generalizante, mas
que prioriza representações não totalmente objetivas da realidade, explorando a
imaginação e linguagens indiretas e imaginárias, muitas vezes imprecisas e
propositalmente polissêmicas.

Isto posto, podemos refletir sobre os imbricamentos e relações possíveis entre religiões
e espiritualidades contemporâneas com a literatura; sendo a educação um forte agente para tal
percepção. Vale ressaltar que a literarua fantástico-maravilhosa, enquanto narrativas, sempre
têm a intenção de dizer algo acerca do ser humano e de seu mundo para o próprio ser
humano. O fazer literário faz parte de um exercício comunicacional bem mais complexo que
está relacionado, em seu íntimo, à preservação das memórias. Mesmo que construída sobre
fatos ficcionais e mesmo que concebida para entretenimento, uma narrativa ficcional é
sempre um retrato de algo.
É possivel considerar que o ser humano carrega e expressa uma justaposição
transitiva de histórias herdadas e recebidas que, em algum momento e a todo tempo, lhe dizem
algo sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre sua forma de compreender e compreender-se
no meio em que vive. São histórias reais e ficcionais. “Já que a ficção parece mais confortável
que a vida, tentamos ler a vida como se fosse uma obra de ficção” (1994, p. 124). Seja qual for
a narrativa, uma vai somando à outra, se justapõem e não são completas por si só. Elas
continuam incessantemente agregando-se a outras, sendo transformadas, incorporadas.
É nesse sentido agregador que as narrativas religiosas – os mitos e lentas – se filiam
aos contos e romances contemporâneos, são absorvidos por estes. Como novas leituras e
esquemas interpretativos. Assim, a nova literatura, transformando e agregando valor aos antigos
mitos e relatos cosmogônicos, se assemelha a um palimpsesto, ou seja, é como antigos
pergaminhos que eram apagados para que um novo texto fosse escrito, mas nos quais ainda
eram legíveis os restos das escritas anteriores. A constituição de uma narrativa está vinculada
à capacidade criativa humana, ao poder e à necessidade de compilar realizações, crenças e
esperanças e cocriar a partir delas.
Desta maneira, a construção de uma narrativa está vinculada à necessidade do ser
humano de estruturar um universo simbólico em queele possa se sentir em casa, um
universo simbólico que esteja aí quando as novas gerações nascerem; é o seu legado, a sua
memória, a sua história. Narrar histórias é a forma com que o sujeito diz para si mesmo quais
são os seus medos, as suas esperanças, como o mundo se apresenta para ele e como interpretá-
lo.
A narrativa, como também os elementos mitológicos e religiosos presentes nelas,
sobretudo aqueles ligados ao sentido do heroísmo (como o sacrifício, o altruísmo, os valores,
as angústias, as esperanças, os medos, a busca por um sentido, a formulação de questões
existenciais à vida humana) podem discursivamente, na montagem do texto, na sequência da
ação, indicar não só anseios religiosos de uma comunidade, como expor as crenças e os anseios
individuais de seus autores ou coletores (Reblin, 2010, p. 20-21).
O religioso ou o sagrado numa narrativa não é apenas a representação descritiva no
sentido de contextualizar ou criar o cenário no qual o enredo se desenvolve, mas o conjunto
de elementos que constituem a experiência literária: o cenário, o enredo, os diálogos, as ações,
os símbolos e os valores e a interatividade que se imiscuem nestes. (Reblin, 2010, p. 14).
No exercício de criar, narrar e realizar uma leitura do mundo, os literatura
apresenta componentes religiosos, sendo a religião parte indelével da cultura, criação do ser
humano em sua busca por sentido, sistema cultural e universo simbólico de contextos e
sociedades. Além disso, sabe-se que a religião abrange temas de grande potencial narrativo,
recursos ilustrativos envolventes, sobretudo, a partir de reinterpretações e mistérios, por
lidar com conspirações entre tradições e com o sobrenatural. À parte de sua potencialidade
enquanto recurso narrativo, os elementos religiosos remetem a valores, concepções de mundo
e expressões de sentido que são caros à vida humana e que necessitam ser periodicamente
reafirmados num exercício mítico e anamnético, isto é, de reiterar a origem do intuito de
manter o bem viver e o convívio social saudável.
Portanto, as narrativas literárias - principalmente no que tage ao fantástico e ao
maravilhoso, ficções de maior alcande de público na atualidade - são um caldeirão de
possibilidades para a apresentação e a representação da religião, da experiência religiosa ou de
componentes e temas frenquentes ao âmbito religioso. Na verdade, tal correlação está sujeita
ao modo como a história é contada e o propósito de fazê-lo.
Por fim, concui-se que é possível privilegiar uma concepção ampla de poética, mais
ligada aos antigos, e no entanto também esclarecer melhor o fenômeno contemporâneo no
mundo da pesquisa em teologia, ciências da religião e outros saberes que tratam da questão que
envolve o mistério da vida. A diferença entre os antigos, os modernos e os contemporâneos
pode ser verificada no fato de que a especialização das áreas talvez tenha sua origem em tempos
medievos com a proposta disciplinar organizacional do trivium e do quadrivium, estando ali já,
entre outros elementos, as origens do pensamento lógico sobre o texto e sua influência na
experiência transcendente (Joseph, 2008). Ao passo que para os modernos a classifcação da arte
se dava en-ter mimética e poética, sem se aterem tanto a uma epistemologia própria para cada
forma de arte.
Enquanto elementos miméticos, as artes garantem a relação da artística com a realidade,
a poesia provoca a admiração, espanto que faz pensar. Uma vez provocada a imaginação
humana a ser explorada diante da obra, é o momento oportuno para o lógica, enquanto proposta
de um pensamento que desperta novas correlações na elaboração de uma consciência maior de
si e do mundo em que habita. Tudo isso alarga a percepção da prática. Essa capacidade de
despertar a mente para uma vivência transcedente, talvez possa ser um dos elementos que
permitem integrar as várias formas de, não somente expressar artisticamente a realidade, mas
de recriar a relação que se tem com ela.
Na modernidade e no tempo hodierno as pessoas procuraram pensar suas
especificidades, elaboramram suas epistemologias próprias, na tentativa de definir o que é
literatura, o que é arte, o que é teologia, o que é ciências da religião. São dois momentos
importantes, mas que somente uma das posturas não atende de modo sufciente todas as infinitas
possibilidades. Sobretudo, no que diz respeito ao sagrado enquanto parte de tal realidade não
mensurável, e de difícil conceituação, cabendo quase que de modo apofático nos conceitos de
mistério, de milagre e de maravilhoso.
Sendo assim, apresentar múltiplas interfaces do sagrado e do humano propicia a
compreensão de muitos olhares sobre a dinâmica de relação com a literatura em que a religião
se faz presente, formas criativas de elaboração da percepção da realidade e o que isso ajuda a
pensar, e a pensar o modo de agir na vida; formando assim a relação entre mimética, poética,
lógica e prática, da qual fala Miriam Joseph, no Trivium.
Nesse sentido essas interfaces todas exercem uma função icônica de percepção da do
sagrado e da realidade nele contida, oferecendo imagens nas quais as transformações vão dando
pistas à percepção como chaves de leitura, abandonando formas limitantes de pensar sobre
sagrado, deus e alcançando a percepção mais ampla. Há nessa proposta de reunir as interfaces
do sagrado e da luteratura, um aspecto mais amplo que é uma reeducação estética, enquanto
formas de despertar e ampliar a sensibilidade, por vezes nos espaços tradicionais da religião e
da espiritualidade, por vezes em âmbitos inusitados. Em ambos os casos há que se ter uma
reeducação do olhar, quer seja para que o aparente não perca sua função de processo pedagógico
à contemplação de algo que se esconde, quer seja para que os inusitados espaços possam ser
vistos com uma saudável desconfiança de que podem abrigar algo que per-manece como
misterioso e maior do que se poderia pensar até então.
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Acesso em 23 de janeiro de 2019.
DA COR DE ÉBANO: HISTÓRIA, ARTE E ESTÉTICA NA
VALORIZAÇÃO DA NEGRITUDE NO AMBIENTE ESCOLAR

Henrique Eduardo de Oliveira


CEEP Hélio Xavier de Vasconcelos/UFRN
henrikeedu@gmail.com

Kelly Cristine Cordeiro


CEEP Hélio Xavier de Vasconcelos/ UFRN
kellycristine@ufrn.edu.br

RESUMO
O presente texto traz reflexões em torno da Lei 10.639/03, as quais tem alicerçado relações de
pesquisa e atividades de cunho didático-pedagógicas por meio das disciplinas de Arte e Língua
Portuguesa no Centro Estadual de Ensino Profissional Hélio Xavier de Vasconcelos, com
objetivo de promover o enfrentamento ao racismo no ambiente escolar. Em um contexto escolar
marcado por uma maioria étnica afrodescendente que não costuma encarar positivamente esta
identidade, nem mesmo consegue vislumbrar a prática e a perpetuação do racismo manifesto
em seu cotidiano, promovemos oficinas didáticas focando na promoção e valorização da
identidade afrodescendente, por meio de atividades artísticas, sobretudo com a fotografia, no
intuito de valorizar a estética negra no ambiente escolar.

PALAVRAS-CHAVE: identidade; racismo; estética.

INTRODUÇÃO

Quem sou eu? Quem é o outro? Esse é o princípio discursivo escamoteado nas nossas
práticas culturais, sobretudo naquelas inscritas no âmbito da educação. Os currículos e as
práticas educacionais das quais eles tratam são instrumentos de políticas identitárias (SILVA,
2004) e, de uma forma ou de outra, nosso trabalho como educadoras/es orbita em torno da
(re)afirmação de identidades culturais. Isto implica assumirmos o fato de que, os lugares de
sujeito que ocupamos socialmente e a forma como subjetivamos nossa importância dentro dos
contextos sociais são construídas por elementos culturais diversos.
Saber, poder e identidade. É disso que se ocupa a educação; da institucionalização de
saberes e sua instrumentalização em função de projetos sociais específicos, tangenciados pelos
discursos identitários, cujo poder se espalha sobre a malha social e influencia na forma que
encaramos o mundo, os outros e a nós mesmos/as.
Nesse sentido, chamamos a atenção para os mecanismos discursivos que são acionados
para a adjetivação dos sujeitos no reconhecimento de sua identidade negra, ou simplesmente da
negritude, que é uma questão de identidade inscrita para além dos elementos fisiológicos que
marcam o tom da pele das pessoas, está no reconhecimento da africanidade como um elemento
plural que fundamenta as práticas culturais afrodescendentes que são marcantes na formação
do povo brasileiro. Falamos na necessidade do reconhecimento de uma identidade porque temos
que lidar e superar os discursos pejorativos que orbitam em torno dela.
Então, quando falamos na afirmação da negritude, o fazemos em função da
desconstrução de inúmeras narrativas históricas que ao serem apropriadas socialmente
adjetivam de forma negativa o povo negro no contexto de nossa sociedade. Associando-os,
dentre outras coisas, ao caráter quase que exclusivo da identidade escrava, de sujeitos,
secundários e sobre cuja participação na construção do nosso país é fundamental.
Nessa cena, inteligência, beleza, sensibilidade, bondade, honestidade, etc, não são
elementos marcantes na identidade negra. O outro lado dessa moeda é a tendência a associá-la
com a malandragem, com o aspecto de desonestidade e fragilidade de caráter; a distorção
estética de seus traços de beleza não acolhidos pelos padrões sociais dominantes; a baixa
escolaridade da população negra é associada a pouca inteligência e assim por diante. A
consequência disso é que uma parcela muito grande da população negra no Brasil tem grande
dificuldade em se reconhecer nesse lugar, justamente por não conseguir valorizar os traços
culturais e estéticos que tocam essa identidade.
O processo de agenciamento dessas políticas identitárias abriga a concorrência entre
inúmeras identidades, em função das quais os grupos sociais alijados dos modelos sociais
centrais, como a população negra, tendem a se organizar na busca pelo estabelecimento de
políticas afirmativas que levem à superação da marginalização identitária. E aqui não tratamos
apenas de uma questão subjetiva ou simbólica, mas também da exclusão social e do lugar de
opressão dentro do contexto da luta de classes, o que reflete objetivamente nas condições de
vida das pessoas. É esta a marca visceral das questões em torno do debate étnico-racial na
sociedade brasileira, fortemente atravessada por discursos e práticas racistas, muitas vezes não
assumidas e que se ocultam por trás do discurso falacioso da democracia racial.
É em função dessas afirmativas mais gerais, que o presente texto propõe uma reflexão
acerca de questões que tocam a construção das identidades étnicas, sobretudo a que diz respeito
ao reconhecimento e valorização da negritude. Em função disso, nos cabe refletir qual o lugar
da questão racial na escola? Como nossas práticas educativas mobilizam os discursos
identitários para lidar com esse debate? Quais as representações construídas em função da
identidade negra explicitados pelos saberes e práticas educativas?

A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL E A EDUCAÇÃO NO BRASIL: REFLEXÕES E


PERSPECTIVAS

Quem é o sujeito negro na escola? O que significa ser negra/o? Quais os signos estéticos
que tocam e atravessam esse lugar de sujeito? Quais os tons, as cores e os sentidos estéticos que
marcam essa identidade e que são propagados na escola e, consequentemente, se refletem nas
aulas de arte? Esses elementos têm norteado nossa reflexão e pesquisa a nível de mestrado, ao
mesmo tempo em que toca nossa prática educativa na inquietude da necessidade de
instrumentalizar, dentro do ensino das diversas linguagens artísticas, aquilo que é prescrito na
Lei 10.639/03, que enquanto elemento de política afirmativa deveria tornar o ensino de história
e cultura afro-brasileira obrigatório na educação básica.
Contudo, a obrigatoriedade não encerra as demandas que reivindicam uma nova postura
educativa no tocante aos elementos sobre os quais se fundamentam o discurso identitário da
negritude e na forma como os saberes escolares os constituem e os legitimam. São questões
perpassadas pela memória histórica do povo negro no Brasil e como esta acaba sendo
apropriada pelas demais disciplinas, como Arte, Língua Portuguesa e História, que lançam mão
desta memória para constituir suas próprias representações do real que acabam por fornecer,
por exemplo, os traços das formas e tons estéticos que marcam nossa cultura e que ao serem
traduzidos no universo escolar se constituem como elementos marcantes das identidades de
modo geral.
Nesse sentido, enquanto instrumento de política educacional, a Lei 10.639/03 é de um
marco relevante, sobretudo pela sua capacidade de incidir sobre um amplo sistema educacional
e pelo seu potencial de transformação cultural, muito mais pelos desafios que estabelece do que
o que efetivamente tem se conseguido fazer com ela até agora. Por isso, é preciso reconhecer a
importância daquilo que propõe no tocante a alterar visões de mundo, ressignificar a memória
coletiva, criticar mitos e enfrentar preconceitos. São inúmeros os discursos que consagraram
aos povos negros e indígenas um lugar de subalternidade e relevância mínima na formação da
nação brasileira, cuja centralidade é dada às narrativas eurocêntricas de cunho civilizatório.
A partir da legislação em questão, se propõe uma narrativa histórico-social na qual
negros e indígenas (com o complemento da Lei 11645/08) se colocam em cena na montagem
do drama brasileiro, sob uma perspectiva que ressignifica seu papel e dá-lhes o devido estatuto
enquanto agentes históricos, a começar pelo reconhecimento de sua história num mesmo
patamar daquele dado aos povos europeus.

Tanto a lei n º 10639/2003 quanto a Lei 11.645/2008, que determina a obrigatoriedade


do estudo das histórias e culturas dos povos indígenas nas escolas brasileiras, propõem
novos percursos para sociedade democrática. Exigem medidas para a superação de
preconceitos contra negros e indígenas, como também contra os outros
marginalizados pela sociedade, entre eles, ciganos, caiçaras, carvoeiros,
empobrecidos, homossexuais, idosos, deficientes Finalmente a educação oferecida, da
excelência acadêmica produzida, assim como das condições materiais, financeiras,
técnicas, humanas para atingi-las (SILVA, 2010, p 39)

Isso passa primeiro pela luta histórica do povo negro no Brasil que nos provoca ao
reconhecimento de que a materialidade da definição de raça/etnia/classe toca as relações sociais
e as pedagógicas, estruturando e intermediando o cotidiano de nossa sociedade, tanto de forma
coletiva, quanto na forma como individualmente subjetivamos nosso lugar no mundo a partir
desses elementos sociais.
Depois, pela busca de fazer da educação uma lente que possa transformar visões de
mundo em função da desconstrução e do abandono de preconceitos, por meio da promoção de
conhecimentos que possam abolir a ignorância que compromete a dinâmica social e o
desenvolvimento individual dos sujeitos, sobretudo daqueles identificados por outrem, como
negros. Isso só é possível a partir do estabelecimento de uma rede ampla de comprometimento
na qual nós, profissionais da educação, nos munimos das competências epistemológicas e
pedagógicas e do comprometimento social com a superação do racismo por meio do nosso
ofício, de modo que possamos fazer dele uma prática que promove experiências
transformadoras dentro e fora da sala de aula, na promoção de uma educação cidadã, em uma
escola na qual a cidadania seja tomada como um conceito amplo.
A escola, enquanto espaço privilegiado para desenvolvimento de práticas educativas, é
também um espaço pensado em função do disciplinamento de corpos e subjetividades, em torno
do qual se elegem os saberes e a forma de conhecer, visando um modelo social específico. Por
isso, uma educação e uma escola alinhadas com um projeto de sociedade democrática precisam
ser, antes de tudo, multiculturais; abertas a multiplicidade de vozes que emergem de lugares
sociais e experiências culturais específicas, pelos quais precisam passar a legitimação de
saberes, a representação de mundo e o estabelecimento de identidades e valores sociais.
Já que o saber é uma questão de poder e identidade, precisamos multiplicar nossa forma
de saber, de modo que um número cada vez maior de pessoas se veja representado, sobretudo
na forma como o saber é produzido no âmbito das nossas escolas. Sem desconsiderar o poder
que ela tem para orientar nossas formas de vida e nossas visões de mundo, é preciso também
perceber a escola não apenas como o espaço onde o conhecimento é produzido e transmitido
de forma isenta e imparcial, mas que ela o faz a partir de padrões socioculturais específicos;
legitimando e reproduzindo concepções, valores e clivagens sociais, construindo sujeitos, seus
corpos e identidades, legitimando relações de poder, hierarquias e processos de acumulação de
capital simbólico e cultural (FOUCAULT, 1997).
Apesar disso e da diversidade étnica e cultural que marca a formação da população
brasileira, não somos educados/as devidamente preparados para lidar com a multiplicidade da
existência e cultivamos ainda uma educação fincada em retrógrados princípios iluministas de
verdades únicas e modelos de sujeitos polarizados, os quais servem de balizas para práticas
educativas limitadas, no que se refere ao postulado de uma política de identidades desenvolvida
por meio de nossas práticas educativas balizadas na tríade: saber, poder e identidade.
Essa é uma questão que toca diretamente à forma como é desenvolvida a relação de
ensino-aprendizagem no âmbito da escola e o papel que tem o currículo escolar como um
importante mecanismo de políticas culturais, como já dito anteriormente, cujo valor no processo
de escolarização está para além da seletividade de seus conteúdos. Por isso não podemos perder
de vista que o processo que elege os conteúdos e a forma de conhecer é marcado não apenas
pelos discursos que verbaliza, mas também e fundamentalmente pelas questões que silencia. A
teoria pós-crítica do currículo chama a atenção sobre “os processos pelos quais, através das
relações de poder e controle, nos tornamos aquilo que somos”, demonstrando que “o currículo
é uma questão de saber, identidade e poder” (SILVA, 2004, p. 147).
A construção de uma nova prática curricular, alinhada às demandas da igualdade racial
passam pelo que podemos chamar de enegrecimento da educação brasileira, que nada mais é
do que o acionamento de práticas discursivas voltadas ao fortalecimento da educação da
população negra, de maneira que ela se sinta acolhida e apoiada na medida em que o coletivo
reconhece a importância da história e da cultura dos povos africanos e de seus descendentes,
como forma de construírem livremente seu pertencimento étnico-racial e promover o exercício
da ampla cidadania.
Em outras palavras, o ocultamento ou mesmo a distorção da importância histórica do
povo negro em nossa sociedade é um dos principais fomentadores de uma cultura alinhada ao
racismo fruto de um processo colonizador que de forma persistente incute na cultura do
colonizado a imagem de sua inferioridade. Ensinando-lhes que não possuem história antes do
encontro com o colonizador europeu, cujo papel histórico seria o de civilizar-lhes.

Com o propósito nem sempre atingido, de convencer os negros de que possuem uma
inteligência estranha, contrária à razão, o colonizador arquitetou males físicos,
infelicidades, sofrimentos que geraram (...) uma espécie de dificuldade de ser, um
sistema de frustrações culturais que tornaram mais complexas as lutas por libertação
(SILVA, 2010, p. 43).

Não é demais dizer que a sociedade brasileira ainda cultiva perspectivas a partir das
quais a identidade negra sofre o impacto da desqualificação intelectual, o que na prática, gera
sentimentos, posicionamentos e ações racistas, discriminatórias e indubitavelmente, muito
sofrimento. Nas nossas escolas, este ainda é um traço muito marcante em torno da negritude. O
que ao seu modo produz muita insegurança, motivada pela baixa estima pessoal associada ao
pertencimento a um grupo social marcado pela desqualificação e estereotipação das pessoas e
de seu modo de vida.
Essa educação não produz apenas corpos dóceis, mas corpos dóceis e inseguros, que se
projetam no mundo a partir de imagens retalhadas e feias de si mesmos. Disso advém inúmeros
problemas educacionais que passam pelo insucesso escolar da população negra, ao alto nível
de evasão escolar, que por sua vez se reflete no baixo nível de escolaridade dessa parcela da
população. Sabemos que este não é um problema gerado apenas pela educação e pela escola
em si, mas que estas o reverberam e reproduzem no contexto de suas políticas identitárias. É
preciso ressaltar que dentro dessa circularidade há pontos discordantes em termos de práticas
educacionais promovidas por uma parcela dos profissionais da educação que sempre
demonstram sensibilidade quanto a estas demandas, promovendo uma prática curricular
alinhada com a promoção da igualdade racial.
Partindo dessa perspectiva destoante e frente aos problemas causados pelo racismo no
âmbito das escolas através de graves atentados aos direitos humanos e à cidadania, buscamos
desenvolver ações, a partir das atividades de arte-educação, no âmbito do Centro Estadual de
Ensino Profissional Hélio Xavier de Vasconcelos, na cidade de Extremoz – RN. Seguindo os
caminhos apontados pela problematização acerca das vozes e das formas narrativas a partir das
quais vão sendo construídas as representações sobre nossa sociedade e seus valores culturais de
modo amplo, ao mesmo tempo em que passamos a problematizar as narrativas que representam
as experiências históricas do povo negro no Brasil e a importância da herança cultural afro-
brasileira e como isso reverbera na vida de nossos/as alunos/as negros/as em termos da
autoidentificação e de valorização de seu próprio lugar social.
Isso nos fez questionar: em que medida a educação e a escola estão abertas ao
acolhimento da diversidade, de valores culturais e de identidades que figuram como direitos
humanos fundamentais?
Para estabelecer uma relação entre reflexão e prática de ensino, fizemos da pauta do
multiculturalismo e do debate sobre negritude o esteio para alicerçar o cotidiano de nossas
atividades didático-pedagógicas na referida escola.
Considerando o saber uma questão de experiência, nos coube problematizar os termos
nos quais tem se dado a aprendizagem da população negra no nosso país. Em que medida
nossos/as alunos/as se veem representados na dinâmica de uma educação e de um currículo
centrado em valores culturais que permitem o abrigo de práticas e discursos racistas no âmbito
da escola?
Quanto a isso, cabe considerar que há vários estudos que apontam para o fato de que
alunos/as negros/as enfrentam inúmeras dificuldades para se manterem nas escolas. Não por
acaso, estes/as também detém o maior índice de evasão escolar (GOMES, 2007). Esta é uma
questão que precisa ser encarada de frente por nós educadoras e educadores, pois o
enfrentamento ao racismo passa por nossa capacidade de reconhecer o silenciamento da cultura
negra na nossa sociedade como um todo e na escola de modo específico. Em função disso, os
valores transmitidos pela educação se alinham com uma tendência de espelhar uma imagem de
sociedade na qual a população negra não se enxerga, ou se enxerga sob a ótica da desvalorização
cultural e da desigualdade social.
Essa invisibilidade quando atua dentro da escola produz efeitos danosos. Se
considerarmos, como dito acima, que a aprendizagem é uma questão de experiência nos cabe
questionar que experiência educativa têm alunos/as que não se vêm representados/as nos
discursos e nas imagens que nossa escola e sociedade produzem deles/as.
Quais são os termos a partir dos quais se produz a identidade negra em nossa sociedade?
Como a escola lida com a construção dessas identidades? Quais as vozes que ecoam a partir de
nossa prática docente?
Tomando a escola onde atuamos como referência para o desenvolvimento dessas
reflexões como objeto de pesquisa do mestrado, e da prática de sala de aula, temos procurado
lançar mão desse exercício não apenas para constituir respostas frente aos questionamentos que
apresentamos, mas transformar nossa prática de ensino de modo a contemplar as demandas de
inclusão no âmbito da escola.
Nesse sentido, procuramos alinhar a promoção de conhecimentos ao próprio exercício
do saber enquanto experiência, temos desenvolvido um trabalho através dos componentes
curriculares de Artes Visuais e Língua Portuguesa através do quais têm sido propostas
atividades com objetivo de levar os/as alunos/as a desenvolverem novas experiências quanto às
suas identidades étnicas, de modo a se reconhecerem como sujeitos sociais ativos e
transformadores.
Compreendendo que as práticas culturais são indissociáveis do modo de vida das
comunidades e em um contexto escolar marcado por uma maioria étnica afrodescendente, que
não vê de forma positiva esta identidade, nem mesmo consegue vislumbrar a prática e a
perpetuação do racismo evidente em seu cotidiano, buscamos promover a valorização da
negritude, de modo a sensibilizar os/as alunos/as a se reconhecerem de forma positiva como
partícipes da identidade afro-brasileira. Para tanto, procuramos acionar instrumentos didáticos
por meio de oficinas pedagógicas de arte-educação e cultura que buscaram envolver os/as
estudantes no debate sobre a formação sócio-histórica e cultural brasileira, africanidade,
diversidade étnica, cultural e racismo, por meio de atividades de artes visuais, notadamente a
fotografia, utilizada como instrumento de valorização da estética negra no ambiente escolar.
Dentre as atividades planejadas e discutidas com o alunado foi realizada a montagem de
uma exposição fotográfica inteiramente construída por eles/elas. A exposição que tem por título
As Cores de Ébano foi montada como culminância de uma primeira etapa de atividades voltadas
à valorização da identidade afrodescendente através da discussão de elementos históricos e
culturais da identidade negra de forma a demonstrar para os/as alunos/as que reconhecer-se
nesta dimensão identitária é algo extremamente positivo para suas vidas e um aspecto que
precisa ser valorizado.
O trabalho teve um alcance amplo, pois, além das atividades com o grupo específico
ligado à disciplina eletiva ofertada dentro do currículo escolar, que abrigava um universo de 40
alunos/as, foram promovidas pelo projeto, palestras e oficinas de enfrentamento ao racismo em
todas as turmas da escola. Isso fez com que o público da escola, como um todo, tivesse acesso
às oficinas pedagógicas voltadas ao enfrentamento do racismo. Contudo, vale destacar que a
exposição fotográfica é um trabalho artístico desenvolvido pelo grupo de 40 alunos/as da
referida disciplina eletiva. E, nela, eles/elas foram os/as grandes protagonistas: foram
fotógrafos/as, modelos, produtores/as, diretores/as e curadores/as da obra.
Peças da exposição fotográfica resultante do trabalho desenvolvido com e pelos/as alunos/as d CEEP Hélio
Xavier de Vasconcelos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que o resultado plástico e estético da obra seja de fato admirável, consideramos
que o trabalho valeu muito mais pelos elementos subjetivos que não poderiam ser quantificados,
pois se inscrevem numa dimensão da valorização da autoidentidade e do reconhecimento do
valor da cultura negra e da própria negritude por parte dos/as alunos/as envolvidos no projeto,
que foi também selecionado por um edital cultural da Secretaria Estadual de Educação do Rio
Grande Norte, financiando, assim, a montagem da obra.
Os resultados do projeto são notáveis, sobretudo pelo envolvimento e dedicação dos/as
alunos/as de modo dinâmico e construtivo. O trabalho não se encerrou com a exposição
fotográfica, mesmo porque é objeto de nossa pesquisa de mestrado, mas a partir dele, pudemos
perceber uma considerável mudança de postura de alguns alunos e alunas frente aos debates
propostos e a valorização de sua negritude. Muitos se descobriram negros/as dando um novo
sentido ao termo, resguarda-lhe um caráter de positividade e assumindo uma nova dimensão da
estética pessoal e cultural, na qual os aspectos das culturas afrodescendentes se mostram
presentes e valorizados.
Muitos/as já asseveram acerca da própria identidade: Negr@ sim, Negr@ sou, de modo
mais espontâneo. Não se trata apenas da narrativa de outrem sobre seu lugar social, mas a
construção de um discurso de autoidentificação frente à ancestralidade africana. Contudo, não
perdemos de vista o horizonte que aponta para a necessidade de seguir com os enfrentamentos
contra o racismo e contra toda forma de preconceito e descriminação na escola e em nossa
sociedade, pois democracia e justiça social são objetivos que requerem de nós ações que
promovam a ampliação de direitos sociais e a diminuição do foço social que nos divide em uma
luta de classes que fornece direitos e privilégios a uns, ao preço de segregação e da opressão de
muitos mais.

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políticas, pedagógicas e estéticas. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

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LILITH

Wanessa de Góis Moreira – UFPB – wanessa1806@gmail.com


Hermano de França Rodrigues – UFPB – hermanorg@gmail.com

Resumo: A mitologia judaico-cristã reverbera a subalternização feminina em símbolos e


discursos que tentam sustentar o patriarcado como sistema hegemônico. No entanto, algumas
mulheres rompem com os paradigmas dominantes, porém, estas são colocadas num entre-lugar
social. Eis o caso de Lilith e Eva, personagens do livro Caim, escrito por José Saramago (2010).
Ambas desprendem-se da imagem cristianizada de mulher, e, por isso, são rechaçadas por
utilizar o seu corpo erotizado como forma de vivenciar sua sexualidade, de maneira mais
explícita. Dessa forma, numa conexão entre a Bíblia, a Literatura e a teoria sócio histórica de
Bataille (1987), pretendemos analisar as múltiplas facetas da sexualidade erótica feminina, no
cenário subjetivo da obra, no intento de demonstrar que a autonomia sexual da mulher, amiúde,
sofre represálias ao contestar e confrontar a inoperante supremacia masculina.

Palavras-chaves: Lilith. Eva. Erotismo.

Introdução

Por tempo, as mulheres, na sociedade, sobretudo no Ocidente, estiveram acorrentadas


aos discursos dominantes, cujas coordenadas conduziram-nas ao ostracismo e ao apagamento,
ocupando, amiúde, um entre-lugar social. A sociedade ocidental fora erguida sob os protocolos
judaico-cristãos que utilizavam as interpretações das escrituras sagradas para controlar e ditar
o que poderia ser praticado nas esferas públicas e privadas.
Nesse contexto, surgem manifestações artísticas que, direta ou indiretamente,
confrontam e contestam as estruturas de poder solidificadas institucionalmente, desconstruindo
as ideologias opressoras que insistem em regular a sociedade. Nesse cenário, destacamos o
escritor português José de Sousa Saramago (1922 – 2010) que, há muito, serve-se do seu
engenho literário para contradizer os protocolos de instituições dominadoras, especialmente a
Igreja Católica. O autor publicou diversos livros com teor crítico e opositor aos ditames
patriarcais judaico-cristãos. Entre sua vasta produção, focaremos na obra Caim, romance
publicado em 2009.
O enredo retrata, de maneira irônica, a história do Antigo Testamento. Saramago (2009)
se apropria dos personagens bíblicos, que foram punidos pelo Deus das escrituras sagradas,
realocando-os como grandes protagonistas da sua obra. Como exemplo, Caim que mata seu
irmão e, por isso, é condenado a sofrer as agruras do trabalho para sempre, diferentemente de
sua representação na obra em tela. Caim, aqui, comete o fratricídio e é punido por Deus a
caminhar eternamente sem rumo na vida, porém, o protagonista questiona seu Senhor e o coloca
como grande causador dos males. Logo, começa a peregrinação. Numa das perambulações de
Caim, depara-se com a cidade de Nod, onde, passado alguns dias, relaciona-se com algumas
mulheres, em especial, com a rainha Lilith. Nesse interim, buscaremos analisar o significado
desta mulher na narrativa; o motivo de seu comparecimento no enredo e, sobretudo, entender o
porquê de sua relação com Caim.

O Erotismo e a experiência humana.

O erotismo acompanha o sujeito desde o nascimento, quando o bebê, através do choro,


deixa evidente para a mãe que deseja algo. A título de exemplo podemos pensar: quando o
recém-nascido tem fome, chora e, em seguida, a mãe o amamenta. Isto é, observamos que o
erótico manifesta-se a partir da busca do infante em satisfazer suas necessidades prazerosas,
corroborando a ideia de que o erótico faz parte do ser humano, desde os primórdios da sua
existência. Desse modo, percebemos que o erotismo se constitui através de um impulso interno,
mas que necessita do objeto externo para “completar-se”. Como afirma Bataille (1987): “o
erotismo é um dos aspectos da vida interior do homem. Nisso nos enganamos porque ele
procura constantemente fora um objeto de desejo. Mas este objeto responde à interioridade do
desejo.” (p. 20, grifo do autor). Ou seja, a procura por um objeto externo que nos satisfaça,
reafirma, ainda mais, que o desejo parte, sempre, do interior humano, comprovando, assim, que
o erótico faz parte da essência do ser, indo muito além do sexo tido, somente, como reprodutivo.
Isto posto, reafirmamos que o erótico constitui uma instância inerente ao ser humano,
pois, somente este, funda-se a partir do grande trauma da vida: o nascimento, que o tira do lugar
de sujeito contínuo50, e o coloca na ordem da incompletude, tornando-o um ser “solitário”.
Conforme Bataille (1987), o sujeito só conseguirá ser completo, em sua totalidade, quando a
morte comparecer, porquanto é, neste momento, que o corpo virará matéria inorgânica, sem
sentido e valor, voltando a sua gênese: o vazio. Ou seja, enquanto houver vida, o indivíduo
contornará o sentimento de falta, por meio de fantasias e das (sempre errantes) realizações
destas.
Diante disso, observamos que a busca incessante para realizar um desejo advém por
sermos sujeitos descontínuos51. A descontinuidade conduz o ser humano a refletir o quanto ele

50
Ser completo - não necessita de “nada” para preencher-se.
51
Ser incompleto - necessita de “algo” para sanar suas lacunas.
é incompleto. O individuo, a todo o momento, procura formas para preencher e se dispor da
sensação de completude, uma vez que a solidão e o vazio são sentidos como algo terrífico de
ser experienciados pelo humano. Desse modo, contemplamos que a falta, presente no âmago
do ser, leva-o para um ciclo de repetições que, no intento de ser “inteiro”, busca, continuamente,
subterfúgios para vivenciar seus anseios mais profundos.
Segundo Bataille (1987, p.21), o erotismo é “um aspecto da vida interior”. Ele faz parte
da alma humana, é nele que o desejo se concebe. O erotismo permite ao sujeito encontrar-se
consigo mesmo, provocando, neste, uma experiência interior, uma vez que o erótico é uma
“elaboração” do mais intrínseco no homem: a subjetividade. Por isso pode ser considerado uma
prática intimista. Neste ditame, podemos considerar o erótico enquanto uma força que
impulsiona o ser humano a realizar seus desejos mais íntimos. Surge do querer algo e se regozija
quando concretiza o almejado. Ou seja, o erotismo é, também, realização da fantasia. É o desejo
que, mesmo em meio à sensação de descontinuidade, leva-nos adiante na vida. O erotismo é
movimento, que põe a vida humana em foco:

O erotismo, eu o disse, é aos meus olhos o desequilíbrio em que o próprio ser se põe
consciente em questão. Em certo sentido, o ser se perde objetivamente, mas nesse
momento o individuo identifica-se com o objeto que se perde. Se for preciso, posso
dizer que, no erotismo, EU me perco. (BATAILLE, 1987, p. 21)

Observamos que esse “Eu”, no qual o autor diz se perder, pode ser considerado enquanto
o Eu que se constrói a partir das normas sociais, que ditam o que é certo e errado na sociedade.
Ele é errante, porém habita os recônditos mais íntimos do ser: o Eu da subjetividade, que traz à
tona e realiza as vontades mais escusas. O erótico é uma escápula do universo convencional,
no intuito de envolver-se na incumbência mais singular: sexual do ser humano. É construído
através das criações simbólicas que perpassam o psiquismo humano, portanto, o erótico, a partir
do processo criativo, traz os desejos particulares dos seres, pois cada sujeito possui fantasias
singulares. Daí a impossibilidade de definir o erotismo de maneira unificada. Bataille explicita
as mais variadas formas de desejo existentes, isto é, põe em xeque o fantasiar que cada sujeito
é capaz de produzir. O erotismo apresenta plurissignificados, parte da singularidade e torna-se
uma experenciação interior ímpar:

Os seres que se reproduzem são distintos uns dos outros, e os seres reproduzidos são
distintos entre si como são distintos daqueles que os geraram. Cada ser é distinto de
todos os outros. Seu nascimento, sua morte e os acontecimentos da sua vida podem
ter para os outros certo interesse, mas ele é o único diretamente interessado. Só ele
nasce. Só ele morre. Entre um ser e outro há um abismo, uma descontinuidade.
(BATAILLE, 1987, p. 11)

Dessa forma, verificamos que o erotismo é a sexualidade consciente de si. É o


transbordamento do desejo, que busca, de alguma forma, ser vivenciado, em sua totalidade. O
erótico trata, com deslizamentos, aquilo que o ser humano produz, no intento de sentir e de
concretizar o que lhe é de mais subjetivo. Seria um desequilíbrio que coloca o homem em
questão, por trazer à tona o que é de mais humano: o desejo de desejar.

Lilith e Eva: corpo desejante

Na obra em questão, Caim, após ter matado seu irmão, recebe como castigo de Deus
andar pelo mundo perdido, ou seja, sua condenação é viver sem a certeza do amanhã. Após a
sentença, Caim segue sem rumo por vários lugares, conhecendo inúmeras cidades e povos, cada
um com características distintas. Até que, num certo dia, encontra o caminho para a terra de
nod, e pergunta a um habitante o significado deste nome. Este responde que a terra não tem um
nome certo, mas é conhecida como a terra das fugas ou terra dos errantes. Logo, Caim pergunta
quem seria o senhor da terra:

E o senhor daqui, é quem, O senhor é senhora e o seu nome é lilith, Não tem marido,
perguntou caim, Creio ter ouvido dizer que se chama noah, mas ela é quem governa
o rebanho, disse o olheiro, e imediatamente anunciou, Aqui está a pisa do barro.
(SARAMAGO, 2009, p. 49)

Observamos que a primeira preocupação de Caim é querer saber o nome da figura


masculina que dominava a terra, concepção bastante patriarcal, segundo a qual caberia somente
ao homem comandar os dotes. Nesse sentido, era imaginável ter uma mulher exercendo essa
função. Assim, Saramago (2009) faz uma crítica aos papeis do homem e da mulher na
sociedade, levando os leitores a refletir o porquê de Caim assumir, de imediato, que se tratava
de um homem, e não de uma mulher, quem mandava na terra. Outro ponto a ser destacado está
no nome da cidade, que é conhecida como o lugar dos errantes, isto é, era uma mulher quem
comandava os lotes, consequentemente, no contexto patriarcal, deveria ser rechaçada caso
transgredisse os preceitos opressores. Vemos, então, que Lilith é autônoma e dona do lugar, por
isso podemos pensar na utilização metafórica do narrador em batizar a única cidade liderada
por uma figura feminina, de errante, numa alusão à condição no imaginário cristão.
Passando alguns dias em nod, Caim finalmente conhece Lilith, porém num primeiro
momento ela não fala com ele, apenas o observa. Após dias, a rainha dos errantes indaga o
olheiro da cidade, pedindo informações sobre o novo habitante que possui um sinal vermelho
na testa. O servo diz que o forasteiro é de poucas palavras, e parece não querer ser reconhecido.
Logo, Lilith ordena que o levem até seu quarto. Antes de ser conduzido ao leito funesto, são as
servas quem têm o primeiro contato com Caim:

[Caim] se encontrava ali e ao cuidado das escravas. Conduzido por elas a um quarto
separado, caim foi despido e logo lavado dos pés à cabeça com água tépida. O contacto
insistente e minucioso das mãos das mulheres provocou-lhe uma ereção que não pôde
reprimir, supondo que tal proeza seria possível. Elas riram e, em resposta, redobraram
atenções para com o órgão erecto, a que, entre novas risadas, chamavam flauta muda,
o qual de repente havia saltado nas suas mãos com a elasticidade de uma cobra. O
resultado, vistas circunstâncias, era mais do que previsível, o homem ejaculou de
repente, em jorros sucessivos que, ajoelhadas como estavam, as escravas receberam
na cara e na boca. [...] as escravas pareciam não ter pressa, concentradas agora em
extrair as últimas gotas do pénis de caim que levavam à boca na ponta de um dedo,
uma após outra, com delícia. (SARAMAGO, 2009, p. 54 – 55)

Notemos que as escravas de Lilith vivenciam seus anseios sexuais. Elas, efetivamente,
são as condutoras da relação sexual, de maneira autônoma, o que justifica a presença delas na
cidade de nod, pois estas apenas elucidaram as regras pelos signos da transgressão. E nod é,
justamente, esse espaço onde dão vasão a sua sexualidade. Observamos que elas riem ao
manipular o pênis de Caim. Aqui, o gesto serve com artifício denotador da masturbação que
elas praticam. Com efeito, as servas brincam e objetificam o personagem, como se a situação,
embora, infame e deplorável, fosse corriqueira e sem importância para elas, pois estavam
acostumadas a escarnecerem de seus “hóspedes”. Riem dele por considerarem-no ingênuo ante
o sexo e as “doçuras” do corpo feminino. Outro aspecto interessante é que são várias mulheres
a participarem do ritual orgiástico, estando totalmente desprendidas das normas de cerceamento
e exclusão, na medida em que buscam, tão somente, o prazer. Destarte, percebemos que o
erótico comparece enquanto impulso que leva as mulheres a quererem “extrair a última gota do
pénis”, como uma forma de se preencher deste outro, de saciarem as suas vontades, aqui,
explicitamente sexuais. Outro ponto é que as escravas não se indagam sobre o determinado
estranho, apenas buscam satisfazer seus mais íntimos desejos. Após este primeiro contato, Caim
é levado até Lilith:

Lilith estava sentada num escabelo de madeira trabalhada. [...] Levantou-se, ajustou
as pregas do vestido fazendo escorregar lentamente as mãos pelo corpo, como se
estivesse a acariciar-se a si mesma, primeiro os seios, logo o ventre, depois o princípio
das coxas onde se demorou, e tudo isso o fez enquanto olhava o homem fixamente,
sem expressão, como uma estátua. (SARAMAGO, 2009, p. 56 – 57)

Nesta cena, podemos considerar que Lilith se masturba diante de Caim, de maneira
extremamente livre. Ela o objetifica para concretizar suas fantasias. Novamente, observamos o
erotismo comparecendo no enredo. No momento em que a rainha de nod ambiciona ter Caim
para aplacar seus anseios, retomamos ao erotismo do corpo, que Bataille (1987) descreve. A
personagem busca o errante, estritamente, para gozar. Ela não possui nenhum vínculo afetivo
com o protagonista, mas o busca sem restrições e deixa claro que o deseja para suprir suas
vontades sexuais. Lilith, após o momento de sentir o seu corpo, confessa para Caim que é
casada, mas que isso não a impede de usufruir dos homens que desejar: “Vejo que és ágil de
cabeça, se estás a pensar no meu marido, sim, também esse não está autorizado a entrar, mas
ele já o sabe, não tens que lho dizer” (SARAMAGO, 2009, p. 56 – 57). Observamos que Lilith
não teme em dizer que é casada e que possui outros homens. Deixa bastante claro para todos o
que faz e, principalmente, para o seu cônjuge, ou seja, a rainha de nod é extremamente
transgressora, por utilizar-se da convenção social do matrimônio para burlar os mandamentos
e a lei que, à época do antigo testamento, vislumbrava a mulher como pertencente a um só
homem, pois aquela que fugisse a regra deveria ser punida. Desse modo, subverte os
paradigmas que subalternizavam a mulher na sociedade patriarcal, construindo sua própria
identidade, a de mulher libertária. Além do mais, a personagem conta ao seu marido e não se
preocupa com a opinião dele. É como se ela, de fato, gozasse em saber que o esposo tem ciência
do que ela faz, mas que ele nada pode fazer ou reclamar, pois Lilith se vê enquanto independente
e livre. Vemos o quanto Lilith é voraz e orgástica. Ela “impunha” que o personagem a fizesse
gozar. A rainha dos errantes é quem conduz o coito, tudo tem que acontecer da forma como ela
deseja, e Caim somente obedece. Nessa relação, o homem não tem autonomia sexual, é o
feminino que guia os procedimentos. Reside, aí, uma crítica ao que, comumente, nas sociedades
patriarcais, acontecia: a mulher servia, somente, como um receptáculo de esperma. A figura
feminina era totalmente apagada da relação sexual. Ela não podia exprimir suas vontades, tendo
que estar disponível para tudo aquilo que o homem quisesse. Assim, Lilith insurge como
representação de uma mulher que se coloca como agente na relação e que busca externar o que
deseja. Lilith nos faz questionar o porquê da mulher ser repelida por vivenciar seus anseios
sexuais, já que o homem pode expor seus desejos, e a mulher, que ocupa o mesmo espaço, não
pode. Isso nos levar a pensar o quanto o ser feminino é repleto de enigmas e tabus, mas que,
mesmo diante disso, surge a imagem de Lilith, que estimula as mulheres a passarem pelo
processo de reconhecer o seu Eu mais subjetivo, no intento de serem livres e autônomas em sua
sexualidade.
Nessa cartografia, a rainha dos errantes vai à busca do homem que deseja para dar vasão
a sua vontade, tornando-se senhora dos seus desejos mais eróticos. Lilith tudo vivencia, como
forma de sentir suas vontades preeminentes. A voz do seu corpo grita pela concretude dos seus
desejos, ela é “insaciável” (SARAMAGO, 2009, p. 60), por estar sempre em busca de conciliar
os anseios mais subjetivos, no que tange a sua sexualidade. Nas suas falas, nomeadamente no
momento em que está tendo uma relação sexual com Caim, é nítido que a personagem possui
um apetite sexual devorador e livre de interdições:

entreguei-te o meu corpo para que o gozasses sem conta, nem peso, nem medida, para
que desfrutasses dele sem regras nem proibições, abri-te as portas do meu espírito
antes trancadas. [...] não sou mulher para remorsos, isso é coisa para fracos, para
débeis, eu sou Lilith (SARAMAGO, 2009, p. 69).

Observamos que nada apaga a sexualidade de Lilith. Ela representa a subversão da


feminilidade, a busca de uma liberdade sexual explícita. A rainha de nod passa a entender que,
embora no imaginário narrativo a mulher não goze de prerrogativas mínimas, ela detém as
rédeas do seu destino, de modo que, não precisaria seguir nenhum mandamento, a não ser os
seus. Por isso, afirma ser Lilith, colocando-se como responsável por suas escolhas. Desse modo,
vemos o quanto o erotismo conduz Lilith, impulsionando-a, incessantemente, a gozar sem
amarras; realizar suas fantasias e os seus desejos.
Diante disso, temos uma boa percepção de como o erótico comparece na Literatura,
como afirmam tanto Branco (1983) quanto Paz (1994). É a partir do texto literário que criamos
possibilidades de conhecer o que é de mais humano em nós: o desejo e, também, de
contestarmos os preceitos repressivos que perpassam o meio social, sendo essa uma das maiores
perspectivas de Saramago (2009), trazer à tona aquilo que é silenciado nas sociedades,
sobretudo no que tange à sexualidade feminina.
Outrossim, é que Saramago (2009), em Caim, ironiza e critica, alegoricamente, a reação
de Deus – bíblico – ante Eva. Contrariando a narrativa promulgada pela tradição, Eva,
conquanto sofra as mesmas punições sancionadas pelo Criador, reage de maneira díspare,
usufruindo da sua voz para reclamar a visibilidade que lhe fora negada nos textos sagrados. No
texto saramaguiano, Eva é a primeira mulher de Adão, e ambos moram no Jardim do Éden até
que, um dia, motivada por um ímpeto contestatório, promove o ato detrator, ao comer do fruto
que lhe fora proibido. Assim, Deus é recolocado na posição de carrasco inclemente, na medida
em que é incapaz de perdoar suas criaturas, expulsando-as do lar que as abrigava e,
concomitantemente, ofertando-lhes cruéis pronúncios. Vejamos no excerto seguinte:

não só sofrerás todos os incómodos da gravidez, incluindo os enjoos, como parirás


com dores, e não obstante sentirás atração pelo teu homem, e ele mandará em ti, Pobre
eva, começas mal, triste destino vai ser o teu, disse eva, Devia tê-lo pensado antes.
(SARAMAGO, 2009, p. 17 – 18)

Observamos que os discursos presentes nas duas narrativas congregam concepções


divergentes sobre a condição feminina vista sob o ângulo do Deus onipotente. O modus-
operandi de Deus, impregnado de soberba e desdém, projeta uma mulher que, aparentemente,
é esmagada pela força brutal de uma Deidade que fala a partir do masculino. Todavia, a ironia
que se “espreita” entre as palavras do Algoz faz eclodir um feminino, humano, suscetível às
suas paixões e desventuras. Daí, ser aquela que opta pela desobediência ao invés de se silenciar
ante a arbitrariedade cega dos homens.
Apesar dos protocolos patriarcais se imporem sobre Eva, mais uma vez ela os transgride,
diferentemente daquilo registrado no texto bíblico. Após terem sidos expulsos do Jardim do
Éden – lugar em que a fartura e a abundância eram inextinguíveis – foram exilados para terras
áridas e inóspitas, passando por dias e noites na miséria. Após a expulsão, Deus proíbe que o
casal retorne ao paraíso, instalando um querubim em seus portões para que os degredados não
adentrassem. Porém, após dias de fome e sede, Eva resolve voltar ao Jardim para reclamar
alimentos, mesmo sabendo que haveria um guardião impedindo sua entrada. Ela, muito
persuasiva, o desafia e, após muita insistência, consegue dissuadi-lo:

Considerações finais
Nossa pesquisa buscou, à luz de uma análise sócio-histórica e filosófica, compreender
a essência da transgressão que move a personagem Lilith, na obra Caim (2009). O movimento
que impulsiona esta mulher ampara-se no erotismo que a constitui enquanto sujeito desejante.
Lilith é a representação do erótico feminino, que busca gozar libertariamente, especialmente na
sociedade que, ainda, é movida pelos protocolos machistas.
Neste cenário, observamos que o erotismo faz parte do ser humano, e que, de alguma
forma, buscará saídas para ser vivenciado e experenciado, pois sempre haverá desejo e vontade
em cada indivíduo. Desse modo, o olhar do preconceito poderá ser desmistificado a partir disto,
na medida em que verificamos que todos são pertencentes do erótico e, assim, a mulher poderá,
também, buscar a plenitude do gozo que, na sociedade machista, ainda é algo rechaçado.

Referências

BATAILLE, Georges. O erotismo. Porto Alegre: L&M, 1987.

BRANCO, Lucia Castello. O que é erotismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.

PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 1994.

PIRES, Valéria Fabrizi. Lilith e Eva: imagens arquetípicas da mulher na atualidade. São Paulo:
Summus, 2008.

ROBLES, Martha. Mulheres, mitos e deusas: o feminino através dos tempos. São Paulo: Aleph,
2006.

ROCHA, Everardo. O que é mito. São Paulo: Editora brasiliense, 1996.

SARAMAGO, José. Caim. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

SICUTERI, Roberto. Lilith: A Lua Negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
DIANTE DAS BRUMAS DE AVALON: ESPAÇOS SAGRADOS EM
GLASTONBURY

Susan Sanae Tsugami


Universidade Federal da Paraíba – PPGCR / NEVE / CAPES
tsugamisanae@gmail.com

Resumo
A cidade de Glastonbury tornou-se famosa por seus inúmeros fenômenos relacionados ao
movimento New Age e por todo seu turismo espiritual. Locais como Chalice Well e Tor
despertam curiosidade em turistas buscando lugares sagrados e curativos para visitarem. A
comunidade (neo) Pagã reivindica essa cidade como um dos seus lugares para peregrinação.
Diante de inúmeros mistérios que permeiam a cidade, acredita-se que esta seria a antiga Avalon
das lendas Arturianas. Dentre diversas histórias que influenciam o imagético sobre o lugar,
Glastonbury também é famosa pelas águas avermelhadas do Chalice Well, recebendo visitantes
do mundo inteiro para conhecerem as águas “curativas” do poço. Sendo assim, a presente
pesquisa possui o objetivo de realizar uma discussão teórica a respeito de como a referida cidade
é compreendida pelos Pagãos Contemporâneos e como se dão seus processos de
ressignificação.

Palavras-chave: Avalon. Paganismo Contemporâneo. Glastonbury. Turismo Espiritual.


Espaços Sagrados.

1. Introdução

Glastonbury é uma cidade localizada em Somerset, na Inglaterra, sendo popularmente


conhecida como a mítica Avalon das lendas Arturianas52. Segundo Bowman (2008), a cidade
atrai interesse daqueles que admiram as histórias e mitos envolvendo o Rei Arthur, assim como
aqueles interessados em literatura, a exemplo da obra As Brumas de Avalon de Marion Zimmer
Bradley (1979). A cidade de Glastonbury ficou famosa por inúmeros fenômenos relacionados
ao movimento New Age e por todo seu turismo espiritual. Locais como Chalice Well, White
Well, Tor e o The Goddess Temple despertam curiosidade em turistas que estão buscando
lugares “sagrados” e “curativos” para visitarem. Dentre os eventos que acontecem na cidade,
ressaltamos o famoso festival de música de Glastonbury e o festival (neo) Pagão Beltane53.
Outros locais de interesse turísticos estão nas redondezas da região de Somerset e são famosos

52
O Rei Arthur teria sido levado até Avalon para ser curado dos ferimentos que sofreu na batalha.
53
Festival do calendário celta, referente ao início da primavera.
monumentos arqueológicos, como Avebury e o Stonehange54, que atraem turistas e (neo) Pagãos
do mundo inteiro.
O Paganismo Contemporâneo, para Blain e Wallis (2007), é compreendido enquanto
categoria religiosa em que estão incluídas as seguintes vertentes: Wicca, Heathen55, Druidismo
Contemporâneo, Ásatrú e Religião da Deusa, dentre algumas outras. Diante das compreensões
religiosas do (neo) Paganismo, há o entendimento de compromisso com a natureza, que é
concebida, por eles, em aspectos sagrados. Considera-se, portanto, como entendimento comum
entre essas vertentes, a relação animista contemporânea em relação ao mundo natural, já que é
comum se deparar com discursos (neo) Pagãos que consideram o planeta como um “organismo
vivo”. O termo Paganismo Contemporâneo refere-se às crenças religiosas que buscam resgatar
e/ou reconstruir as religiões europeias pré-cristãs. Seus adeptos sentem-se profundamente
conectados com um passado não-cristão e obtém, assim, algumas visões romantizadas dessas
sociedades, o que possibilita considerar o (neo) Paganismo enquanto ressignificação desses
aspectos religiosos pré-cristãos, que em seguida sofrem adaptações para o mundo
contemporâneo. Strimska (2005) compreende essa vertente religiosa como produto da
contemporaneidade, argumentando, no entanto, que a religião Pagã Contemporânea transita
entre duas épocas, sendo compreendida em aspectos tanto antigos, quanto novos.
Para o universo do (neo) Paganismo, a cidade de Glastonbury apresenta-se de forma
convidativa, pois possui, nesse contexto, forte viés espiritual/religioso. A região de Somerset e
Glastonbury, segundo Bowman (2008), é utilizada tanto para peregrinação, quanto para o
turismo espiritual da comunidade. Ressalta-se que são realizadas, na cidade, inúmeras
atividades voltadas para o público alternativo, a exemplo de: celebrações de datas festivas do
calendário anual (neo) Pagão Celta; realizações de hand-fasting56; e realizações de rituais
funerários. Compreende-se, portanto, que a cidade oferece diversas atividades turísticas e
espirituais e, devido a esse fator, os (neo) Pagãos sentem-se acolhidos em suas crenças.
Considerados esses aspectos, o presente trabalho se propõe a discorrer sobre os lugares que a
comunidade (neo) Pagã considera enquanto “espaços sagrados”, averiguando as apropriações e
ressignificações feitas em torno desses locais. O objetivo é realizar uma breve discussão teórica
sobre a utilização desses espaços enquanto lugares que promovem a experiência religiosa.
Compreende-se o Paganismo Contemporâneo ou o (neo) Paganismo enquanto categoria que se

54
Monumentos Megalíticos que datam o período Neolítico.
55
Nomenclatura que se refere ao Paganismo Nórdico Contemporâneo, incluem-se: Ásatrú e o Forn
Seid.
56
Hand-fasting é a cerimônia do casamento (neo) Pagão, sendo realizada com a ritualização de
“amarrar” ou entrelaçar com uma fita ou corda as mãos dos noivos.
refere a inúmeras vertentes religiosas, as quais buscam recriar e ressignificar crenças, tradições
e folclores das religiões europeias pré-cristãs.

2. Bem-vindo a Avalon: (neo) Paganismo em Glastonbury

A cidade de Glastonbury é considerada como o lugar mítico que teria sido ocupado por
Druidas em tempos passados. É, assim, um lugar interpretado pela comunidade enquanto
possibilidade e “sonho alternativo” de uma comunidade pequena e bonita que pode alcançar a
realização. Ivakhiv (2001) explica que a cidade possuí seu pluralismo espiritual e religioso, pois
divide espaço tanto entre comunidades cristãs, quanto entre comunidades alternativas e (neo)
Pagãs. Portanto, dentre diversas histórias sobre santos e Igrejas, há uma coexistência dessas
comunidades com interesses de peregrinação na região. Ainda assim, alguns espaços são
reivindicados pelos (neo) Pagãos enquanto seus “templos” e, com isso, algumas tensões são
geradas entre a comunidade cristã e a espiritualidade alternativa de (neo) pagãos e demais
crenças que a cidade acolhe. Esse foi o caso do Chalice Well57, famoso por sua água que é de
cor avermelhada devido ao alto índice de ferro e minerais presentes em sua composição. Por
conta de sua cor, os habitantes locais e visitantes acreditam que as águas do poço possuem
propriedades curativas. Em releituras (neo) Pagãs, Bowman (2008), explica que a comunidade
interpreta a água de cor avermelhada do Chalice Well como um símbolo do sangue menstrual
da Deusa, sendo a água, portanto, representação do sagrado feminino. As inúmeras hipóteses
se misturam com dados históricos, arqueológicos e releituras contemporâneas de cunho
espiritual sobre antigos Druidas e as lendas do Rei Arthur.
Em meio aos processos de ressignificações, especulou-se que o Chalice Well poderia ter
sido o poço da mítica Avalon, o que consequentemente faria dele uma antiga ocupação druídica.
Inúmeras pesquisas foram realizadas no local e em suas proximidades. Estas argumentavam
que o famoso poço poderia ter antecedido a era cristã, existindo há mais de 2000 anos e,
portanto, talvez apresentasse alguma relação com os druidas. No entanto, as escavações
realizadas por Philip Rahtz na década de 1960 descartaram a hipótese de antigas origens
druídicas, já que o pesquisador encontrou poucas evidências de ocupação que remontassem à

57
O Chalice Well é um local em Glastonbury, considerado como um dos mais antigos poços da
Inglaterra. O local conta com um jardim e permite a entrada de visitantes em horários comerciais, é
permitido beber água direto de uma bica que se encontra dentro do jardim. As águas do Chalice Well
podem ser acessadas fora do jardim, possibilitando que, tanto residentes da cidade, quanto visitantes
possam beber da água sem precisarem acessar o jardim. Para maiores informações:
http://www.chalicewell.org.uk/
época pré-romana. Na época concluiu-se, sobre a construção do poço, que ela provavelmente
tenha se dado por volta do ano de 1200. No entanto, na região onde o poço se localiza existem
dois teixos que são considerados sagrados para a comunidade. Mathivet (2006) explica que os
teixos encontrados no jardim do Chalice Well poderiam ter tido alguma relação druídica, já que
sua datação remonta ao ano de 300. a.C. A autora explica que os teixos estariam associados à
uma compreensão celta da morte e do renascimento, fato que iria de encontro ao mito de Anwyn,
a antiga terra celta dos mortos regida por Gwyn ap Nudd.
Outro lugar de visitação na cidade é a Tor58, uma torre que se tornou o símbolo de
Glastonbury. Ela foi construída em uma colina e, por isso, pode ser vista e localizada à uma
distância considerada próxima aos arredores da cidade. Conhecida também por St Michaels
Tower, acredita-se que a torre poderia ser uma espécie de residência das fadas, o que a tornou
um lugar para peregrinação. Ao se aproximar do caminho que leva à torre, encontra-se uma
pedra com o símbolo “Awen”, símbolo esse comumente utilizado entre os Druidas
Contemporâneos. Muito se especula sobre a construção e a função da Tor. Rahtz (1970)
argumenta que o monumento teve sua primeira ocupação no século VI, mas grande parte das
hipóteses mais aceitas entre os pesquisadores a datam enquanto uma Igreja já Medieval, ou
parte de um monastério anglo-saxão cujo primeiro relato pode ser encontrado na Carte de St.
Patrick. Contudo, o autor conclui que a arquitetura da torre poderia ser um produto do século
XIV, argumentando que sua construção e ocupação possivelmente se deram em momentos
históricos distintos.
Em meio as diversas lendas que permeiam o mistério sobre a cidade de Glastonbury,
também se destacam as As Sacerdotisas de Avalon. Bowman (2008) enfatiza que o movimento
da Deusa, referente ao sagrado feminino, é uma das maiores contribuições em termos de
peregrinações contemporâneas na cidade de Glastonbury. As Sacerdotisas de Avalon do
Glastonbury Goddess Temple59 oferecem cursos de formações para homens e mulheres que
possuam interesse em se formarem sacerdotes e sacerdotisas. Lá também são realizadas práticas
de cura, leituras de oráculos e Handfasting60, dentro das configurações: casamentos oficiais
(legalizados) e não oficiais (apenas a cerimônia ritualística). Por estar envolvida em tantos
contos, mitos e fatos históricos, os meios de divulgação turísticos referem-se à cidade como um
antigo lugar de peregrinação, enxergando-a enquanto local onde “mistérios” e passados míticos
se desenrolaram.

58
https://www.nationaltrust.org.uk/glastonbury-tor
59
http://goddesstemple.co.uk/
60
Ritual de casamento (neo) Pagão.
Segundo Blain e Wallis (2007), os Pagãos Contemporâneos compreendem que as
manifestações sagradas acontecem de forma imanente, pois, para muitos deles, a sacralidade
não está fora de si próprios, dos objetos e dos lugares, mas o oposto; há, então, uma
compreensão animista contemporânea do mundo circundante. Além disso, há uma identificação
e grande empatia por parte desses adeptos em relação às religiões pré-cristãs, que buscam
manter em seus discursos a importância desses locais, sendo eles historicamente ligados ou não
às sociedades antigas. Gera-se, assim, o entendimento de que esses lugares possuem alguma
relação com as sociedades pré-cristãs, o que os torna fonte direta de contato espiritual e religioso
com tais sociedades.
Sob o viés da compreensão de Rountree (2006), argumenta-se que a comunidade (neo)
Pagã direciona parte de seus interesses para a visitação de lugares que são considerados espaços
de devoção. Compreende-se, com isso, que o turismo espiritual possuí, também, propósito de
peregrinação. Lugares como Glastonbury e seus espaços, que são tanto turísticos quanto
“espirituais” para a comunidade Pagã Contemporânea (incluindo as visitações ao Chalice Well
e a Tor) são, muitas vezes, considerados templos para a referida comunidade. Certamente que
soma-se a isso o fato da cidade oferecer outras atividades de celebrações sazonais do calendário
(neo) Pagão Celta, como é o caso do Beltane. Esta festividade conta com visitantes de diversos
lugares da Inglaterra e do mundo em uma grande festa e procissão. Segundo a autora, estes são
espaços que propiciam aproximação da comunidade e sua relação com a ancestralidade, ainda
que compreendida por meio de um olhar romantizado desses adeptos , tornando-os lugares de
importantes jornadas espirituais. Para Rountree (2012), no entendimento do (neo) Paganismo,
a relação dos espaços sagrados é compreendida sob o viés da concepção animista
contemporânea, segundo a qual a manifestação do sagrado pode ocorrer de diversas maneiras:
por meio da própria natureza, como em rios, montanhas, árvores, trovões e fogueiras; ou então
graças aos seus elementos, como a terra, o ar, o fogo e a água. Portanto, lugares como espaços
naturais, históricos e os referidos espaços de Glastonbury passam a ser compreendidos pela
comunidade Pagã Contemporânea enquanto seus “espaços sagrados”.

3. Considerações finais

Glastonbury é uma cidade consideravelmente ativa no que diz respeito às crenças (neo)
Pagãs. Inúmeras atividades são realizadas no local, como celebrações do calendário (neo) Pagão
Celta e outras celebrações formais que propiciarão para a comunidade alternativa uma
possibilidade de realização espiritual e religiosa da vida cotidiana, como casamentos e ritos de
passagem. Além de possibilitar o turismo espiritual alternativo, a cidade conta com inúmeras
lojas esotéricas e a presença de artistas conhecidos no contexto (neo) Pagão, como Linda
Ravenscroft, artista plástica cuja residência e ateliê localizam-se na cidade, além de inúmeros
outros artistas. A cidade que foi envolvida e cativada pelos adeptos da Nova Era e pessoas
alternativas acabou tornando-se um lugar de expressão subjetiva, produzindo discursos
contemporâneos acerca de tradições folclóricas pagãs, identidades etnoculturais pré-modernas
e recriações de cultos antigos de adoração às Deusas. Compreende-se, visto isso, que
Glastonbury pode ser considerada enquanto lugar espiritual para a comunidade (neo) Pagã, uma
vez que atua promovendo contato religioso e conferindo autenticidade às suas crenças. Por meio
desses lugares, os praticantes se sentem possibilitados a dialogarem com as diversas formas de
existências do mundo natural que está “além-do-mundo-humano”.
Lugares de visitação turística ou de peregrinação, como muitas vezes Glastonbury é
compreendia pela comunidade em questão, são considerados templos vivos onde é
proporcionada uma conexão direta com as divindades e, portanto, onde se concretizam as
sensações dos adeptos de estarem de alguma forma conectados com as “raízes” (neo) Pagãs e
ancestrais de sua religião. Ainda que os estudos históricos e arqueológicos encontrem
dificuldades para afirmar uma relação concreta desses lugares enquanto verdadeiros locais de
cultos pré-cristãos, o fato é que há inúmeros “mitos” envolvendo a cidade. Destaca-se, então,
a geografia religiosa como aspecto relevante a ser considerado nos estudos sobre a referida
categoria religiosa. Afinal, as inúmeras maneiras como os (neo) Pagãos construíram a
compreensão de suas crenças religiosas acabaram por criar discursos de autenticidade e
etnicidade, num espaço em que eles sentem-se legitimados naquilo que acreditam. Ademais,
ressalta-se a importância do fato de que a cidade oferece ritualizações de ritos de passagem,
como casamento e funerais, pois a comunidade (neo) Pagã nem sempre se sente assistida no
que se refere às ritualizações das fases da vida. Com isso, muitos adeptos acabam por buscar
formas alternativas, livres ou solitárias de concretizarem seus ritos de passagem. Por isso,
lugares como Glastonbury tornam-se possibilidades de legitimação e relevância do sentimento
de pertencimento à comunidade (neo) Pagã como um todo.
Referências

BLAIN, Jenny; WALLIS, Robert J. Sacred Sites Contested Rites/Rights: Pagan


Engangements with Archaeological Monuments. United States: Sessex Academic Press,
2007.

BOWMAN, Marion. Going with the flow: contemporary pilgrimage in Glastonbury. In:
MARGRY, Peter. Shrines and pilgrimage in the modern world: New itineraries into the
sacred. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2008, p. 241-280.

IVAKHIV, Adrian J. Claiming sacred ground: Pilgrims and politics at Glastonbury and
Sedona. Indiana University Press, 2001.

MATHIVET, Stephanie. Alice Buckton (1867–1944): The Legacy of a Froebelian in the


Landscape of Glastonbury. History of Education, v. 35, n. 2, 2006, p. 263-281.

RAHTZ, Philip. Excavations on Glastonbury Tor, Somerset, 1964–6. Archaeological Journal,


v. 127, n. 1, 1970, p. 1-81.

RAHTZ, Philip. Glastonbury Tor: A Modified Landscape. Landscapes, v. 3, n. 1, 2002, p. 4-


19.

ROUNTREE, Kathryn. Performing the divine: Neo-Pagan pilgrimages and embodiment at


sacred sites. Body & Society, v. 12, n. 4, 2006, p. 95-115.

ROUNTREE, Kathryn. Neo-paganism, animism, and kinship with nature. Journal of


Contemporary Religion, v. 27, n. 2, 2012, p. 305-320.

STRMISKA, Michael. Modern Paganism in world cultures: comparative perspectives. In:


STRMISKA, Michael (eds). Modern Paganism in world cultures: comparative perspectives.
United States of America: Abc-clio, 2005, p. 1-53.
DISSERTAÇÕES DE MESTRADO SOBRE ESOTERISMO NO
PPGCR/UFPB ENTRE 2009 E 2017

Otávio Santana Vieira


UFPB
otavio.filosofia@gmail.com

RESUMO

De 2009 a 2017 foram produzidas no Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões


da UFPB quatro dissertações de mestrado com o tema do esoterismo. Tomamos como critério
para estabelecer a seleção das dissertações segundo a conformidade com o tema envolvendo o
esotérico, a definição acadêmica e o referencial teórico da História do Esoterismo Ocidental.
Estas dissertações possuíam como tema o Hermetismo, o Rosacrucianismo e a Teosofia de
Jacob Boehme. Percebe-se uma linearidade em todas as produções em termos de método e
alinhamento teórico. Todas as dissertações seguem um critério crítico e histórico, a teoria do
imaginário como enquanto método central e a linha religião, cultura e sistemas simbólicos como
enquadramento teórico dentro do programa.

PALAVRAS-CHAVE: ciências das religiões; esoterismo; sistemas simbólicos; imaginário.

INTRODUÇÃO

De 2009 a 2017 foram produzidas no Programa de Pós-Graduação em Ciências das


Religiões da Universidade Federal da Paraíba quatro dissertações de mestrado com o tema do
esoterismo. Tomamos como critério para estabelecer a seleção das dissertações segundo a
conformidade com o tema envolvendo o esotérico constituído enquanto objeto de pesquisa em
Ciências das Religiões, a definição acadêmica e suas tendências teóricas e o referencial teórico
da História do Esoterismo Ocidental. Estas dissertações apresentam temáticas que vão desde o
Hermetismo, ao Rosacrucianismo e a Teosofia de Jacob Boehme.
As pesquisas sobre esoterismo, no continente europeu, originaram-se na segunda metade
do séc. XX, associadas à emergência de uma série de componentes socioculturais que até a
década de 1960 e 1970 se encontravam fora do interesse acadêmico. Entre estes estudos
estavam a discussão sobre sexualidade, gênero, contracultura, magia, esoterismo, etc. Encontra-
se atualmente em amplo desenvolvimento e já consolidado institucionalmente na Europa e
Estados Unidos com a criação de centros de pesquisa, periódicos especializados, cursos e
atividades acadêmicas, além de um arcabouço teórico. Na América latina está em estágio de
institucionalização e desenvolvimento de pesquisas autóctones envolvendo o campo esotérico
latino-americano e pesquisas sobre o esoterismo em outras regiões desde a América latina.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Seguimos enquanto fundamentação teórica os autores que propõem a discussão


acadêmica referente ao esoterismo constituído enquanto um campo composto por agentes,
clientes, grupos, movimentos, etc.
A definição de trabalho para o termo esoterismo segue as propostas da chamada “história
do esoterismo ocidental”. Optamos por duas definições que são as mais consolidadas entre os
pesquisadores.
A primeira é a de Antoine Faivre (1994; 2010) desenvolvida ao longo das décadas de
1980 e 1990, e reatualizada na década de 2010. Segundo Faivre (1994; 2010) o esoterismo é
uma “forma de pensamento” que inclui os sentidos de “tradição primordial”, “grupo disperso”,
“gnose” e “correntes históricas”. A este último sentido corresponde o atual estágio da pesquisa
acadêmica. Por fim, Faivre propõe uma série de elementos que ele chama de “fundamentais”,
são eles: a ideia de correspondências universais, de uma natureza viva, de mediação e
imaginação, a transmutação, além de mais dois que ele chama de “intrínsecos”: a prática da
concordância e a transmissão.
Por outro lado, Wouter J. Hanegraaff (2006) propõe definir esoterismo como uma
categoria tipológica, ou seja, certos tipos de atividade religiosa específicas ou um tipo de
religião ou dimensão estrutural ligada a correntes históricas ou culturais.

METODOLOGIA

Nossa abordagem é qualitativa e descritiva, e nosso recurso é bibliográfico-documental.


Nosso objeto está constituído enquanto as produções dissertativas oriundas do Programa de
Pós-Graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba. Nestes
documentos buscamos analisar a constituição do objeto “esoterismo” segundo nossa base
teórica e identificar o nível de teorização nestas produções e as tendências interpretativas que
autores envolvidos utilizaram, ou seja, identificar seus critérios teóricos e metodológicos.
Inicialmente localizamos os documentos que estavam de acordo com nosso critério
teórico e estabelecemos suas linhas gerais. Em seguidas analisamos os critérios metodológicos,
os temas, as abordagens e as tendências desenvolvidas.
Com isso buscamos elencar e estabelecer o nível de desenvolvimento da pesquisa sobre
esoterismo no referido programa e quais as direções que a pesquisa tem seguido nesta
instituição.
A seguir apresentamos uma descrição sumária destes trabalhos dissertativos, seguido das
conclusões que conseguimos estabelecer.

1. Oliveira, Vitor L.: Rosacrucianismo: História e Imaginário. 2009.

Rosacrucianismo: História e Imaginário consiste no primeiro trabalho dissertativo do


PPGCR/UFPB sobre esoterismo, e o primeiro sobre o Rosacrucianismo. O Rosacrucianismo é
abordado em termos gerais, inicialmente sobre os manifestos publicados entre 1614 e 1616,
porém é direcionado totalmente para o ramo da Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis
(AMORC) que já se mostra desde a Introdução e é tomada como fonte para a definição do
movimento. Tal constatação se confirma com uma exposição final sobre o Positio Fraternitatis
Rosae Crucis, este que é um documento produzido pela AMORC em 2001.
Em termos metodológicos o autor utiliza-se da História cultural (Peter Burke) e da Teoria
do Imaginário (Gilbert Durand). Já a História das ideias, autores eruditos e o próprio discurso
da AMORC são as fontes secundárias.
Este trabalho dissertativo divide-se em três partes: 1) Os manifestos; 2) Aspectos
historiográficos; e 3) Análise do Rosacrucianismo conforme a Teoria do Imaginário.
O primeiro capítulo pretende estabelecer os documentos iniciais do movimento
rosacruciano, ou seja, os manifestos publicados no séc. XVII, o Fama Fraternitatis, o Confessio
Fraternitatis e o Casamento Alquímico de Cristian Rosenkreutz. A abordagem,
majoritariamente literária, é em sua maior parte descritiva, partindo das fontes em conjunto a
referências de autores especializados que apontam alguns elementos comparados em outros
documentos da época, como obras literárias e filosóficas, além de eventos históricos relevantes.
Também desenvolve tentativas de interpretação simbólica generalista acerca destas fontes
primárias.
O segundo capítulo compreende uma abordagem mais histórica, buscando problematizar
o contexto que envolve os anos de formação do movimento e a repercussão da literatura
originária em autores como F. Bacon, R. Fludd, J. V. Andreae, Comenius, Descartes e Newton.
Também estabelece uma aproximação entre os movimentos rosacruz e maçônico do séc. XVII,
e a origem do movimento norte americano, centrando-se na denominação AMORC. O
referencial teórico é em sua completude as teses de Frances Yates, C. MacIntosh, C. Rabisse
sobre o movimento.
Por fim, o terceiro e último capítulo pretende desenvolver uma análise do imaginário do
movimento. É analisado o discurso ligado à denominação AMORC e de seu fundador H. S.
Lewis. É perceptível que a narrativa de Lewis destoa da narrativa dos documentos que foram
apresentados no primeiro capítulo como os originários. A abordagem também é descritiva, e a
exposição sobre os aspectos doutrinários, simbólicos e ritualísticos segue o discurso da ordem
AMORC. A tentativa de análise dos simbólicos associados ao movimento é mais uma vez
generalista que reafirma o discurso da ordem. Fecha o texto dissertativo uma análise sustentada
na Teoria do Imaginário acerca do discurso sobre a origem do movimento por parte da
denominação AMORC, de cada manifesto e dos aspectos rituais.

2. Amorim, José Carlos A.: Geheime Figuren der Rosenkreuzer. Esoterismo no Imaginário
do Movimento Rosacruz do Século XVIII. 2016.

Geheime Figuren der Rosenkreuzer, Esoterismo no Imaginário do Movimento Rosacruz


do Século XVIII é a segunda dissertação do PPGCR/UFPB a abordar o movimento rosacruciano.
Desta vez o objetivo se encontra em desenvolver uma interpretação simbólica da famosa
publicação Geheime Figuren der Rosenkreuzer (Símbolos Secretos dos Rosacruzes).
Mais uma vez é escolhida a abordagem a partir da Teoria do Imaginário. Os fundamentos
teóricos seguem a historiografia sobre o contexto da obra, a Teoria do Imaginário e as propostas
acerca do Esoterismo Ocidental.
Este trabalho dissertativo é desenvolvido em três partes: 1) A Hierohistória do
movimento; 2) As fontes do simbolismo presente na obra; 3) A análise Isotópica das imagens.
O primeiro capítulo traça um percurso fenomenológico que busca estabelecer uma
compreensão do movimento rosacruz em termos de uma Hierohistória, e que seu fundamente é
uma história não linear e subterrânea. Neste sentido, os fatos históricos associados com o
movimento representavam um aspecto da vida espiritual tanto dos indivíduos quanto da
sociedade da época. Estes aspectos são tomados a partir da produção simbólica gerada pelo
movimento em termos de profetismo e reforma do mundo, formulados desde os conteúdos
presentes nas correntes esotéricas que emergem no Renascimento (Cabala, Alquimia,
Hermetismo, etc.), tudo isso confluindo para a composição dos Símbolos Secretos.
O capítulo dois dedica-se, sobretudo a investigar as fontes do simbolismo rosacruz restrito
ao contexto do séc. XVIII. Este contexto comporta autores envolvidos com outros movimentos
contemporâneos, como a Teosofia cristã e a maçonaria. Além disso, busca rastrear em meio à
literatura esotérica precedente que faz uso de simbolismos semelhantes através de vários
manuscritos. Uma incursão em alguns ritos maçônicos é desenvolvida para a possibilidade de
perceber alguma confluência entre estes e os rosacruzes, fixando-se em seus recursos
simbólicos. Este capítulo segue uma abordagem majoritariamente histórica e comparativa.
A análise proposta dos tratados presentes nos Símbolos Secretos é desenvolvida no
terceiro e último capítulo, onde o método da Teoria do Imaginário é propriamente aplicado. É
desenvolvida uma “hermenêutica das imagens” baseada em suas influências imagéticas a partir
de alguns eixos (ideias, conceitos, concepções, adesões, etc.). É seguida de uma
“fenomenologia das imagens” que busca compreender o sentido, a estrutura e a dinâmica das
imagens desde uma posição essencialista, e o estruturalismo figurativo de Gilbert Durand
(schèmes, regimes, estruturas). Tudo isso conflui para o que é chamado de “decomposição das
imagens”, que visa estabelecer uma “isotopia” das imagens.

3. Vieira, Otávio S.: O Hermetismo como Elemento Fundamental do Ocidente. Um Paradoxo


entre sua Necessidade e sua Rejeição. 2016.

Esta é a primeira dissertação do PPGCR/UFPB sobre Hermetismo. Possui como objetivo


apresentar e compreender como o Hermetismo se constitui e ao mesmo tempo uma forma de
pensamento recorrente e rejeitada na cultura ocidental. Sua fundamentação teórica é a da
História das Ideias, História da Filosofia, a Teoria do Imaginário e o Esoterismo ocidental. Este
trabalho se divide em três partes: 1) uma abordagem histórica sobre a origem do Hermetismo
da Antiguidade; 2) sua recepção no Renascimento e sua rejeição; 3) sua recorrência.
O primeiro capítulo trata da origem do Hermetismo. É apresentado o relato mitológico de
Hermes e a de Hermes Trismegistos e sua associação com o Hermetismo e o Esoterismo. Em
termos históricos é apresentado o contexto histórico de Alexandria helenística e as
aproximações entre Filo de Alexandria, o Médio-Platonismo e o Neopitagorismo. Por fim, a
constituição dos escritos herméticos, seu problema envolvendo autoria e autoridade, e a
transmissão pela via bizantina até a Itália renascentista.
No segundo capítulo se desenvolve sobre a recepção florentina destes escritos associados
com outras fontes antigas para a constituição de uma forma de pensamento a partir deste
conjunto que chamamos hoje de Esoterismo ocidental. Acerca das fontes de autoridade é
apresentado a constituição da sabedoria antiga, antigos sábios ou profetas aos quais estão
ligados enquanto uma rede de transmissão que se origina na revelação original (Hermes
Trismegistos e/ou Zoroastro) até o divino Platão. Dois autores são abordados: Marsílio Ficino
e Pico Della Mirandola. Além disso, apresenta-se um panorama da episteme renascentista
centrada nas noções de semelhança, analogia e correspondência. Por fim, se problematiza a
ruptura com as ideias herméticas e por um lado sua rejeição por parte da crítica histórica e
filológica, por outro lado sua permanência enquanto um saber e um imaginário esotérico.
O último capítulo apresenta uma análise do pensamento hermético em sua formulação
epistêmica. A lógica hermética é desenvolvida comparativamente com a lógica aristotélica e
cartesiana moderna. Deste modo, desenvolve acerca da contribuição de Gilbert Durand para o
resgate de tais formulações e sua lógica ternária e o papel da imaginação enquanto mediação.
Finalizando com a problematização entre tempo histórico linear e correspondência histórica
conforme a Teoria do Imaginário.

4. Segundo, João F. B.: Mysterium Pansophicum: Imaginário e Esoterismo em Jacob Boehme.


2017.

Esta é a primeira dissertação que envolve o esoterismo ocidental a abordar um autor


específico, a saber, Jacob Boehme, e sobre este autor no âmbito do PPGCR/UFPB. Trata-se de
um trabalho monográfico, bibliográfico, descritivo e interpretativo. Possui como
fundamentação teórica os estudos sobre esoterismo e a Teoria do Imaginário de Gilbert Durand.
É dividida, como de costume, em três partes: 1) biografia, contexto e filiações de pensamento;
2) o pensamento esotérico de Boehme; e 3) uma interpretação do simbolismo boehmiano.
No primeiro capítulo desenvolve sobre a biografia de Boehme, algumas linhas gerais
sobre sua obra e o contexto envolvendo a Reforma. Desenvolve também acerca de sua
fundamentação teórica acerca do esoterismo ocidental.
O segundo capítulo busca desenvolver as ideias esotéricas e místicas de Boehme em seu
contexto da Reforma. Acerca do esoterismo o autor desenvolve algumas relações do
pensamento de Boehme com algumas das correntes esotéricas, filosóficas, religiosas e
teológicas que o fundamenta.
O terceiro e último capítulo, busca interpretar o simbolismo boehmiano a partir da Teoria
do Imaginário. São abordadas as seguintes construções simbólicas: imaginatio vera, lands
krone, a trindade divina, Sofia, as duas quedas, o olho das maravilhas, a missão do Cristo e o
Mysterium pansophicum.

CONCLUSÃO

Todos os trabalhos dissertativos apresentam um caráter crítico e abordagens


bibliográficas.
A primeira dissertação apoia-se de forma contundente no discurso associado ao
movimento estudado inviabilizando o caráter crítico que é existente, contudo colocando em
suspeição a isenção da pesquisa e um consequente essencialismo.
Dos quatro trabalhos monográficos analisados apenas os três últimos (2, 3 e 4) apresentam
e desenvolvem a formulação do problema envolvendo o esoterismo enquanto objeto ou campo,
aderindo a determinadas propostas, problematizando ou as descrevendo.
Três das quatro dissertações abordam movimentos ou grupos associados à história do
esoterismo ocidental (1, 2 e 3), e apenas um aborda um autor específico (4). Vale ressaltar que
o segundo trabalho objetivou uma investigação delimitada a uma obra específica, porém, seu
caráter globalizante acerca do envolvimento com o movimento em questão o torna amplo em
termos de espectro de pesquisa.
Os três primeiros trabalhos (1, 2 e 3) apresentam uma visão ampla incorrendo no
desenvolvimento de extensos espectros e contextos.
Percebe-se uma linearidade em todas as produções em termos de método e alinhamento
teórico. Todas as dissertações seguem um critério crítico e histórico, a teoria do imaginário
como enquanto método central e a linha religião, cultura e sistemas simbólicos como
enquadramento teórico dentro do programa.

REFERÊNCIAS

AMORIM. J. C. A. Geheime Figuren der Rosenkreuzer. Esoterismo no Imaginário do


Movimento Rosacruz do Século XVIII. Dissertação de Mestrado. João Pessoa, Universidade
Federal da Paraíba, 2016, 176 pp.

FAIVRE, Antoine. Access to Western Esotericism. Albany, NY: SUNY Press, 1994.
_____________. Western Esotericism. A Concise History. Translated by Christine Rhode. New
York: SUNY Press, 2010.

HANEGRAAFF, W. J. Esotericism. In. HANEGRAAFF, W. J.; FAIVRE, A; VAN DEN


BROEK, R; BRACH, J-P. (ed). Dictionary of Gnosis & Western esotericism. Leiden:
Koninklijke Brill NV, 2006.

OLIVEIRA, V. L. Rosacrucianismo: História e Imaginário. Dissertação de Mestrado. João


Pessoa, Universidade Federal da Paraíba, 2009, 120 pp.

SEGUNDO, J. F. B. Mysterium Pansophicum: Imaginário e Esoterismo em Jacob Boehme.


Dissertação de Mestrado. João Pessoa, Universidade Federal da Paraíba, 2017, 149 pp.

VIEIRA, O. S. O Hermetismo como Elemento Fundamental do Ocidente. Um Paradoxo entre


sua Necessidade e sua Rejeição. Dissertação de Mestrado. João Pessoa, Universidade Federal
da Paraíba, 2016, 177 pp.
DOENÇA MENTAL E ETNOPSIQUIARIA EM INTERFACE COM
DIREITO, SAÚDE E RELIGIÃO

Ana Margareth Manique de Melo61


Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)
anamelo14@hotmail.com

RESUMO
Este artigo teve como interesse estudar a Loucura. Buscou realizar diálogo, não apenas entre
diferentes autores e seus respectivos entendimentos a respeito deste tema, mas também, entre
diversos referenciais, como histórico, antropológico, cultural, jurídico, psicológico, psiquiátrico
e religioso. Os objetivos foram apontar algumas possíveis compreensões sobre a loucura,
proporcionar interdisciplinaridade entre aqueles paradigmas, e auxiliar na construção de novas
formas do olhar para o fenômeno religioso e suas diversas maneiras de expressividades. O
desenvolvimento desse artigo ocorreu através do método de pesquisa bibliográfica. A escolha
deste método se deu por este auxiliar pesquisas, que se interessam em analisar vários autores e
seus entendimentos diante de determinado assunto, proporcionando a possibilidade de englobar
grande quantidade de informação, corroborando assim para a obtenção de uma pesquisa de boa
qualidade. A Cultura foi utilizada neste estudo como referencial por ser compreendida como
um dos responsáveis por dar valor e reconhecimento à loucura como doença. É na Cultura em
que o indivíduo está inserido, que há a possibilidade de recebimento de apoio, ou não, para a
construção de uma organização psicológica, de seu crescimento e manutenção. É preciso, desta
forma, ser observado que em cada época da humanidade há diferentes modos de descrever o
que vem a ser enquadrado como doença, para isso os conhecimentos acadêmicos e as
representações sociais e culturais de forma concomitante, entre outros paradigmas, são
utilizados. Outros referenciais de estudo são a antropologia cultural e a etnopsicologia, as quais
aproximam-se, ao dirigirem seus estudos para o que há de diferente entre os membros de uma
mesma cultura, considerando esta uma totalidade irredutível em relação a outras. A
etnopsiquiatria se fez presente por contribuir com sua diferente forma de entender a loucura, ou
seja, esta busca embasar o desenvolvimento da área de saúde mental, a partir do trabalho de
etnólogos e de psiquiatras tradicionais, os quais proporcionam transformação de fatos
etnográficos em objetos etnológicos e de fatos nosográficos em objetos nosológicos. A junção
destes resultados, realizada por um etnopsiquiatra, é capaz de gerar como resultado um olhar
diferenciado e contextualizado para a prática clínica e para o estabelecimento de diagnóstico,
prognóstico e tratamento. Houve momentos na História em que o louco foi considerado um
possuído, relacionado à possessão demoníaca, em diversas estruturas religiosas e mágicas.
Durante o período Renascentista, por volta da segunda metade do século XV, a loucura e o
louco eram retratados, não apenas em peças teatrais, mas em danças e na literatura. Alguns
escritos dos chamados loucos eram admirados e lidos pela classe culta francesa. Este status veio
a modificar-se por volta do século XVII, quando ser louco tornou-se referência para exclusão
social. Se anteriormente, haviam sido criados estabelecimentos para os loucos, nos quais a
medicina árabe era utilizada como meio de cuidado, neste momento, estes mesmos espaços
foram usados para enclausurarem os mendigos, os portadores de doenças mentais, os

61
Aluna bolsista da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
desempregados, os idosos miseráveis, entre outros. Não mais com uma visão social de
admiração, mas buscou-se com essa atitude uma reestruturação burguesa do espaço social. A
decisão de internar adquirida não se direciona para um estabelecimento médico, mas para uma
estrutura semijurídica que, além dos tribunais, decide, julga e executa. Portanto, fica claro que
na estrutura das casas de internamento, não esteve presente nenhuma ideia ou liderança médica,
mas a intenção de naturalização do internamento desta população.

Palavras-chave: Loucura; Cultura; Direito.

INTRODUÇÃO

A busca de compreensão da loucura pode ser realizada a partir de diversos contextos,


como o histórico, o psicológico ou o orgânico, por exemplo.
Para o desenvolvimento deste estudo a Cultura será o referencial, entendendo que é esta
que dá valor e reconhecimento à loucura como doença. Em cada época da humanidade são
observados diferentes modos de descrevê-la, utilizando-se para isso os conhecimentos
acadêmicos e as representações sociais e culturais, entre outros paradigmas.
Segundo Pessotti (1999), há pouca mudança no conceito básico de loucura no decorrer
da História. O que pode ser observado é uma grande variedade ou subdivisões atribuídas à
loucura, principalmente depois do século XVII. Este autor define loucura como “perda da
autonomia psicológica (implicando perda da liberdade e do autogoverno)”, seja pela perda da
razão ou por sua perversão, seja causada pela força do apetite que atropela o controle racional
do comportamento.
Este entendimento está diretamente associado à Cultura em que o indivíduo está
inserido, na qual poderá haver apoio ou não, a uma organização psicológica, seu crescimento e
manutenção.
A Cultura é entendida por Kohut (1988) como o lugar onde são escutados sons
familiares da própria língua, músicas nacionais, vozes daqueles que se conhecem, hábitos que
são vistos e são reconhecidos. Onde o indivíduo é estimulado pela arte, pela filosofia e pela
política. Ou seja, há um “arcabouço apoiador da linguagem, da arte, da música e das tradições”.
A antropologia cultural, assim como a etnopsicologia, aproximam-se ao dirigirem seus
estudos para o que há de diferente entre os membros de uma mesma cultura, sendo esta
considerada uma totalidade irredutível a uma outra.
Através de um processo de seleção (não biológico, mas cultural), um número
considerado expressivo de membros de uma sociedade, compartilham as mesmas
preocupações, inclinações e possíveis aversões. Esta é a base para a teoria desenvolvida e
nomeada de “arco cultural” (Benedict apud Laplantine, 1998).
De modo similar a etnopsiquiatria direciona seus interesses de estudo em fazer conexões
entre procedimentos diferenciados dos etnólogos e dos psiquiatras. Onde aqueles transformam
fatos etnográficos em objetos etnológicos, e estes transformam fatos nosográficos em objetos
nosológicos. Possibilitando ao psiquiatra, com a junção destas duas possibilidades de estudo e
entendimento de um mesmo fato, gerando como resultado em sua prática clínica, o
estabelecimento de diagnóstico, prognóstico e tratamento.

A LOUCURA EM DIFERENTES MOMENTOS DA HISTÓRIA

Durkheim (1977 apud FOUCAULT, 1978), como sociólogo, utilizou-se das concepções
evolucionista e estatística para referir-se à loucura, ou seja, um fenômeno seria considerado
patológico quando se distanciasse de uma média pré-estabelecida, sendo esta composta de
características determinadas, assim como seria levada em consideração a frequência da
ocorrência daquele na espécie observada. Essa comparação só faz sentido quando realizada em
uma mesma época e contexto.
A patologia era vista pelos psicólogos americanos e por aquele sociólogo, como
portadora de um aspecto negativo, o qual refletia uma marginalidade por natureza,
impossibilitando uma integralidade na cultura onde ocorria.
Antropologicamente é possível observar-se que características próprias de determinada
cultura poderão ser compreendidas de modo diverso, quando também são levadas em
consideração suas crenças, tradições e comportamentos em relação a um mesmo fenômeno.
Cada doença tem sua imagem formada por virtualidades antropológicas que ela
negligencia ou reprime, e cada Cultura se posicionará considerando sua peculiar construção.
A partir destes entendimentos, Foucault (1978) se coloca: ...”nossa sociedade não quer
reconhecer-se no doente que ela persegue ou que encerra; no instante mesmo em que ela
diagnostica a doença, exclui o doente”.
O que ocorreria de modo diverso nas culturas primitivas, as quais, de modo positivo,
colocam seus membros, que manifestam doenças mentais, no centro da vida religiosa.
Historicamente, até o início de uma medicina positiva, o louco era considerado um
possuído, sempre relacionado a significações religiosas e mágicas. Em dois momentos
registrados na história, houve a interferência da medicina no fenômeno da possessão, antes do
século XIX. Uma referiu-se à responsabilidade dos médicos em demonstrar que os rituais
religiosos seriam “imaginação desregrada”. Em uma segunda situação, deveriam comprovar,
sob a convocação das autoridades eclesiásticas que os fenômenos de êxtase ou de profetismo
eram “movimentos violentos dos humores ou dos espíritos” (FOUCAULT, 1978).
Ainda sobre o fenômeno religioso relacionado à loucura, observa-se, segundo
Dalgalarrondo (2008):

A definição da experiência como espiritual ou patológica


dependerá do modo como tais vivências estão assentadas e imbricadas na
estrutura de valores e crenças na qual as ações dos sujeitos ocorreram e são
julgadas (DALGALARRONDO, 2008, p. 32).

Foi visto de modo positivo, até certo ponto, quando a loucura e o louco eram descritos,
representados na literatura, no teatro e na dança, principalmente na segunda metade do século
XV, durante o Renascimento. Nessa época, têm-se notícias da criação dos primeiros
estabelecimentos reservados aos loucos. Seu tratamento tinha como referência a medicina
árabe. Havia loucos considerados célebres, os quais seus escritos eram lidos pela classe culta
francesa.
Porém, em meados do século XVII, a loucura se tornará motivo de exclusão social. E a
partir daí, os estabelecimentos terão a função de internamento, onde cidadãos foram
enclausurados, levando-se em consideração critérios diversos do que se entendia como loucura.
Foram os mendigos, os portadores de doenças mentais, os desempregados, os idosos
miseráveis, entre outros. Todos aqueles que davam mostras de “alteração” em relação à razão,
à moral ou à sociedade. Buscava-se com essa atitude uma reestruturação burguesa do espaço
social.
Percebe-se que uma mesma Cultura, em momentos diferentes age diferentemente diante
de um mesmo fenômeno. Assim como em uma mesma época Culturas diversas se posicionam
também diferentemente. Como o exemplo citado acima, entre a cultura europeia e árabe, onde
a primeira se deixou influenciar pela segunda com sua visão de doença mental e seu tratamento
(FOUCAULT, 1978).
As exclusões podem se dar geograficamente (como nas sociedades indonésias, onde
aquele que é considerado diferente da grande maioria, vive em algum local distante e isolado);
materialmente (o internamento, realizado em nossas sociedades) ou virtualmente (visão apenas
do exterior).
Laplantine (1998) descreve que a sociedade Ocidental, através da medicina, entende a
doença mental como algo maléfico e que deve ser esmagada, assim como seus sintomas devem
ser estrangulados, fazendo com que sejam reprimidas.
Essa sociedade também descreveu como ‘algo maléfico’ a cultura e os rituais religiosos
de um povo. Fato este observado na deportação de negros para a América do século XVI ao
século XIX. Realizando a separação de mulheres, homens e crianças de uma mesma família;
desfazendo os laços afetivo e cultural que os unia, procurou conduzir esses indivíduos ao
desinvestimento total de sua própria cultura. Resultando em grande sofrimento psíquico.
Para corroborar com este pensamento, Roger Bastide (1972, apud QUEIROZ, 1983)
contribui ao descrever como pode ser entendida a loucura ou aquele que a vivencia:

O louco é, portanto, aquele que, depois de um choque ou de uma frustração, se


refugia dentro de si mesmo para construir um castelo sem portas nem janelas,
ou uma cela de paredes nuas, e aí realizar para si mesmo, e somente para si
mesmo, as mais estranhas festas (Roger Bastide, 1972. p. 9-36.)

Para referenciar alguns avanços e novas formas de olhar a loucura e o louco, no dia
10 de Outubro é comemorado em todo o mundo o Dia Internacional da Saúde Mental. A data
foi instituída em 1992 pela Federação Mundial de Saúde Mental.
Refletindo sobre este tema, o qual envolve muitos seres humanos, no início do ano de
2001, o Governo Federal editou a Lei nº 10.216/2001, a qual tem como objetivo proteger e
garantir o direito das pessoas portadoras de transtornos mentais, através do acesso ao sistema
de saúde com tratamento humanizado e respeitoso, buscando desenvolver esse trabalho de
modo a proporcionar a inserção do portador deste transtorno na família e nos espaços em que
transita
A partir desta Lei também foi criada a Política Nacional de Saúde Mental, que através
do programa “Conte com a gente”, fornece serviços como: Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS), estes subdividido em l, ll, lll, CAPSad e CAPSi, responsáveis por oferecerem
atendimentos de acordo com quantidade da população de cada município e serviços
especializados. Além dos Serviços Residenciais Terapêuticos e Programa de Volta pra Casa.
Todos de forma integral e gratuita.

METODOLOGIA

Para o desenvolvimento deste artigo método utilizado foi a pesquisa bibliográfica, o


qual segundo Gil (2010) se refere a busca por informações através de publicações, sejam elas
livros, teses ou mesmo jornais. Hoje, também estão incluídas as adquiridas através de CDs e
das publicações disponíveis na Internet.
De acordo com Gil, a pesquisa bibliográfica auxilia na pesquisa, entre outras, que se
interessa em analisar vários autores e seus entendimentos diante de determinado assunto, com
o intuito de ser utilizada como fundamentação teórica. Assim como para estudos históricos.
Proporciona a possibilidade de englobar grande quantidade de informação.
Para a obtenção de uma pesquisa de boa qualidade, o pesquisador deve, ao se utilizar de
fontes secundárias, confrontá-las, se certificando da ausência de possíveis contradições.

CONCLUSÃO

A articulação entre psiquismo e cultura é necessária para o entendimento do ser humano,


cada um refletindo sua época e fatos históricos em que está inserido.
Se, em séculos anteriores, é possível observar-se como foi entendida a doença mental e
suas subdivisões a partir de contexto cultural, hoje não se faz de modo diverso.
A organização da personalidade e bom equilíbrio psíquico estão diretamente
relacionados com o avanço tecnológico, mudanças de valores e comportamentos cada vez mais
velozes.
É objetivo da etnopsiquiatria desenvolver sua prática terapêutica a partir de pesquisa
pluridisciplinar. Busca compreender as dimensões cultural e psiquiátrica das perturbações
mentais. Dito de outro modo: relaciona em seu estudo, as condutas psicopatológicas e as
culturas onde elas ocorrem.
O psicológico de todo ser humano está imbricado no social e na cultura, e que esta é a
ele introjetada ao longo da convivência com seus pares, é um dos pilares para a compreensão
de suas psicopatologias.
Estudar o homem a partir deste referencial é entendê-lo em sua completude e em suas
muitas possibilidades de existir. É permitir ver este ser humano e respeitá-lo como fruto também
de sua cultura, não julgando esta como superior ou inferior, mas apenas como aquela que pode
ajudar a explicar e justificar comportamentos e sentimentos que os compõem.
Percebe-se o quanto a desculturação desequilibra ou mesmo destrói o psiquismo de
quem a sofre. O quanto se torna prejudicial psicologicamente a ruptura de valores, passados
através da tradição por seus familiares e pares. Sejam eles religiosos, econômicos ou sociais.
O respeito pela cultura a que o indivíduo pertence é princípio fundamental. Por isso, ter
um olhar diferenciado para o que é distinto é uma das preocupações da etnopsiquiatria. Porém,
deveria pertencer a todas as especialidades que tem como objetivo primário cuidá-lo e tratá-lo.
O ser humano que se mostra diferente e é diagnosticado como doente mental, merece
ser acompanhado por profissionais que sejam capazes de vê-lo em sua completude e
singularidade, que possam compreendê-lo e apoiá-lo em seu peculiar modo de existir. Isso o
possibilitará desenvolver e manter uma organização psíquica de acordo com suas limitações, e
o colocará no lugar de sujeito de direitos e deveres.

REFERÊNCIAS

DALGALARRONDO, Paulo. Religião, Psicopatologia & Saúde Mental. Porto Alegre:


Editora Artmed, 2008.

FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro,
1975.

__________________. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora


Perspectiva, 1997.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2010.

KOHUT, Heinz. A Psicologia do Self e a Cultura Humana. Porto Alegre: Editora Artmed.

LAPLANTINE, François. Aprender Etnopsiquiatria. São Paulo: Editora Brasiliense, 1998.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Disponível em > http://portalms.saude.gov.br < Acesso em: 20


agos. 2018.

PESSOTTI, Isaias. Os nomes da Loucura. São Paulo: Editora 34, 1999.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. Roger Bastide: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
EMPONDERAMENTO FEMININO: UMA ANÁLISE DA AUTONOMIA
DAS MULHERES EM FEIRA LIVRE DE SANTANA DO IPANEMA -AL
RTES INTEGRADAS DXTO
Silvania Monteiro da Silva
Universidade Federal de Alagoas – UFAL.
Email: silvania.eco@gmail.com

Andresa Ferreira dos Santos


Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Email: andressa_2000il@hotmail.com

Alcides José de Omena Neto


Universidade Federal de Alagoas – UFAL.
Email: netosefaz@gmail.com

Resumo:
A pesquisa teve como objetivo compreender as dinâmicas existentes, dentro do cotidiano de
mulheres que são vendedoras na feira livre de Santana do Ipanema-AL. Além disso, o estudo
buscou entender, dentre outros fatores, como se deu a inserção dessas pessoas no mercado de
trabalho, e quais são suas contribuições para com a renda familiar. O método utilizado foi a
pesquisa de campo de caráter exploratório, com metodologia qualitativa, para além disso foi
aplicado questionários com 30 feirantes, tendo como objetivo identificar fatores que
contribuíram para a autonomia das mulheres na feira. Para tanto, é importante enfatizar que as
vendedoras se apoderaram das oportunidades e estão demostrando com determinação, o quanto
desejam dias melhores e uma vida mais digna a partir do trabalho nas feiras.

Palavras – Chave: Emponderamento; Feira livre; Mulheres; Santana do Ipanema.

Introdução:

O estudo busca compreender questões referente as dinâmicas existentes, dentro do


cotidiano de mulheres vendedoras na feira livre de Santana do Ipanema-AL. A pesquisa busca
entender entre outros aspectos como as feirantes se inserem nesse mercado, e qual é o seu papel
de contribuição para com a renda familiar.
A busca de independência pelas mulheres vem se destacando ao longo dos anos, nesse
contexto, quando se trata do emponderamento feminino é importante realizar algumas
ponderações. Assim como trata Cecília Sardenberg (2006, p.02), para nós, feministas, o
emponderamento de mulheres, é o processo da conquista da autonomia, da autodeterminação
[...] O emponderamento das mulheres implica, para nós, na libertação das mulheres das amarras
da opressão de gênero, da opressão patriarcal.
Dessa forma, no processo as mesmas acabam se auto promovendo, sabendo suas
capacidades investem na busca pela estabilidade socioeconômica. Contudo, no cenário exposto
pela pesquisa deve-se ponderar se o ambiente em que elas estão inseridas não dispõem de muitas
possibilidades para o mercado de trabalho.
É possível que com isso haja uma alta probabilidade que as mulheres que entraram na
feira, é por falta de melhores oportunidades, porém, o trabalho se tornou uma alternativa
significativa para melhorar de padrão de vida. Nessa perspectiva, também houve algumas
exceções como incentivos familiares e iniciativas próprias. Além disso, a renda recebida das
feiras serve muita das vezes como parte de uma fonte de renda familiar, ou o único
complemento, se não a única renda familiar.
Para tanto, o estudo é estruturado em três tópicos: o primeiro está relacionado aos
fundamentos teóricos enfatizando os principais conceitos para a pesquisa, em seguida é
apresentado os principais resultados e discussão em relação ao estudo e por fim é evidenciado
as principais conclusões para com o tema.

Fundamentação Teórica:

Ao longo dos anos apesar das dificuldades impostas pela sociedade, as mulheres
conquistam destaque em diversos segmentos, na questão do trabalho, elas estão se promovendo
ganhando rumos anteriormente não considerados. Desse modo, é notória a presença e a
autonomia das mulheres tanto no mercado de trabalho quanto na promoção de renda familiar.
Segundo afirma D‟Alonso (2008):

As mulheres deixaram de ser apenas meras donas-de-casa e passaram a ser não


somente mãe, esposa e também operária, enfermeira, professora e mais tarde,
arquiteta, juíza, motorista de ônibus, bancária entre outras das mais diversificadas
profissões, ocupando um cenário que antes era masculino .

Nessa perspectiva, ramos diversos são atuados por mulheres, desde os mais preparados
aos mais simples, porém, não menos digno. Ao longo da história da humanidade as mulheres
fizeram transformações importantes nos mais variados campos, mas sem dúvidas as principais
ocorreram em sua posição na sociedade, […] buscando o direito trabalhar e ter sua
independência financeira (BAYLÃO E SCHETTINO, 2014).
Dessa forma, o empoderamento feminino é oriundo das transformações que ocorreram
no âmbito das conquistas promovidas pelas mulheres. Sendo, um movimento presente no
cenário econômico, onde estas estão se apoderando das oportunidades, indicando o quanto
desejam dias melhores. O que as mulheres buscam com o emponderamento é o seu caráter
emancipatório e igualitário para com os homens, de modo a reconfigurar a sociedade patriarcal
em que vivem, com seus processos e estruturas que ainda subalternizam a mulher (DEERE &
LEÓN, 2002, p. 52).
A mulher emponderada se constitui através de vários aspectos, buscando alcançar metas
sociais e econômicas, ou seja, está bem consigo como também financeiramente. Desse modo,
mulheres criativas chegam no mercado desenvolvendo e planejando suas atuações.
Nesse aspecto, uma atividade do setor de serviços que recebe muitas adeptas é a feira
livre, ainda presente em muitas regiões e com ênfase nas cidades interioranas. A feira é
articulada devido muita das vezes a cultura local. Assim sendo, as mulheres estão cada vez
mais presentes, atuando no trabalho da feira.
A feira livre é um espaço onde se comercializa e existe a troca de informações,
conhecimentos, pontos de interação, além da troca de moedas existe a presença da
Folkcomunicação, ou seja, a interação do conhecimento popular, dos locais de conversa, da
comunicação em se, por fim das trocas de saberes. De acordo com Gushiken (2011, p. 03-04).
Em outras palavras, a folkcomunicação aponta para a troca de informações entre
membros do mesmo grupo social, num primeiro momento, e entre grupos sociais
distintos, num segundo momento. Portanto, consideram-se as práticas populares de
produção de linguagem – no artesanato, nos jogos, nas diversões, nos eventos festivos
e outras tantas formas de manifestações populares – como um modo de produzir
sentido e reinventar as vinculações sociais, em nível comunitário e entre as
comunidades e a sociedade em geral. Na perspectiva da folkcomunicação, a cultura é
considerada como ambiente de produção, circulação e consumo de informações .

Nesse contexto, a feira é um segmento desse processo, pois o ambiente é culturalmente


apresentado como um espaço aonde as pessoas matem suas interações, ou seja, meio que
interliga o conhecimento, cultura local, diversificação de saberes, circulação e oferta de
produtos e serviços.
O espaço de comercialização é caracterizado como um ambiente onde existe a variedade
de produtos e serviços. Além disso, a um processo de negociações aonde os vendedores se
comunicam com os clientes por meio de acordos e regras. Segundo Sato (2007, p.99):

A feira livre deve ser compreendida, então, como um contínuo organizar, baseado em
acordos e negociações, em cooperação e competição e na execução de regras tácitas.
Isso garante a agilidade, a extrema adaptabilidade e a criatividade de formas de se fazer
a feira livre.

Para tanto, podemos compreender que o ambiente aonde as mulheres podem esta
inseridas é diversificado conforme seus anseios e pontos de vista. No entanto, é importante
ponderar que ambos os lados são dignos e proporciona na medida do possível uma qualidade
de vida, ainda mais, não podemos esquecer que as mulheres ao longo dos anos alcançaram
espaço e atualmente conquistam.

Metodologia:

A pesquisa de campo foi de caráter exploratório, com metodologia qualitativa, a coleta


de dados foi realizada através de questionários semiestruturados contendo um roteiro de 8
perguntas, para uma amostra de 30 mulheres que atualmente são feirantes da feira livre do
município de Santana do Ipanema- AL. A pesquisa foi realizada em meados de agosto de 2018
e o objetivo central era identificar os fatores que contribuíram para a autonomia das mulheres
na feira.

Resultados e discussão:

Os resultados apresentados tiveram como premissa fundamental, a identificação dos


fatores que influenciaram a sua autonomia no mercado. As informações obtidas através dos
questionários evidência que as mulheres atualmente vêm tornando-se grandes líderes.
Contudo, no cenário exposto pela pesquisa devemos ponderar que o ambiente em que
estás estão inseridas, não se dispõem de muitas possibilidades para o mercado de trabalho, com
isso muitas mulheres entraram na feira por falta de melhores oportunidades, porém, o trabalho
se tornou uma alternativa significativa para melhorar de vida. Nesse meio também houve
exceções como incentivos da família ou iniciativa própria.
Assim, foram 30 feirantes entrevistadas, com a faixa etária de 22 a 62 anos, essas atuam
no trabalho com variedades de produtos e serviços, dentre esses estão: frutas, verduras,
eletrônicos, lanches e roupas. A maioria das mulheres que atuam na feira, ofertam verduras e
legumes, os produtos comercializados na feira em sua maioria são oriundos de terceiros,
recebidos de outros municípios e de outros estados, de forma que se constatou que apenas uma
mulher produz produtos orgânicos.
Abaixo podemos observar a figura que retrata uma parte considerável da feira no
município de Santana do Ipanema- AL:

Figura 1- Feira livre em Santana do Ipanema- AL

Assim sendo, é evidente um gasto mais elevado para vender o produto internamente,
tendo em vista, o custo para importação. Caso fosse produzido dentro do próprio município os
custos seriam reduzidos tanto para os vendedores quanto os clientes. Logo, pode-se melhorar
esta fonte de renda, com políticas públicas direcionadas para educa-las no sentido de
possibilidades de inclusão na produção dos produtos que comercializam.
Além disso, os principais desafios relatados durante a pesquisa foi o baixo consumo dos
clientes que no ano de 2017 e ao longo do primeiro semestre de 2018 teve uma redução
considerável o que influencia na renda familiar das mulheres. Desse modo, é fundamental que
exista incentivos locais que estimulem as feirantes a produzirem na sua localidade, investindo
na produção local de verduras e derivados, sendo essas mais simples de serem produzidas.
Assim, as produtoras reduziriam seus custos e o desperdício oriundo das importações de locais.
como: Caruaru-PE, Arapiraca-AL e Sergipe.
Nessa perspectiva, em relação ao desperdício de legumes e frutas encontradas na feira,
uma iniciativa promovida pelas vendedoras foi oferecer ou disponibilizar os produtos para a
alimentação de animais. Uma questão que é benéfica evitando que os resíduos sejam jogados
totalmente no lixo, porém, o desperdício revela uma má gestão do negócio pois isso indica que
o planejamento está sendo inadequado, tendo em vista, que existe mais oferta do que demanda
sendo que o mercado funciona ao contrário.
Para tanto, é importante enfatizar que as vendedoras se apoderaram das oportunidades
e estão demostrando com determinação, o quanto desejam dias melhores e uma vida mais digna
a partir do trabalho nas feiras. Com isso, conclui-se que o emponderamento das mulheres na
feira livre promove a autonomia e a superação da desigualdade, apesar das dificuldades é
possível perceber que a feira proporcionou uma maior independência, para as mesmas no
mercado de trabalho.

Conclusão:

Portanto, ao longo do estudo podemos perceber que as mulheres conquistaram muitas


oportunidades, que estimulou a independência e a autonomia das mesmas. O universo feminino
pode atualmente participar de vários segmentos da economia.
Desse modo, muitas das mulheres veem a feira como uma alternativa prática para
melhorar a qualidade de vida. Isso incentiva a buscarem formas de conviver na região, através
da geração de renda a partir do comercio na feira.
A pesquisa enfatizou a participação da mulher na feira, fazendo uso da sua autonomia
para conquista um espaço na sociedade, aumentar sua renda, sendo muita das vezes provedora
do lar, isto é, mantendo sua família a partir da feira e de outros auxílios.
Para tanto, o trabalho pode promover um maior desenvolvimento através de políticas
públicas que estimulem o desenvolvimento local, ou seja, a partir de incentivos locais tanto as
mulheres quanto outros vendedores poderiam produzir internamente evitando maiores custos
para a comercialização. Outra perspectiva seria a produção oriunda do investimento tendo como
base fundamental a produção de produtos orgânicos, tendo esses um consumidor em evidencia
que está cada vez mais preocupado com sua qualidade de vida.
Nesse segmento, a renda oriunda seria mais elevada para os feirantes e os demais
integrantes da economia local, pois o investindo contaria com a participação de instrumentos
para a produção como: equipamentos e insumos para o setor primário.
Desse modo, é importante compreender que mesmo em meio as dificuldades as
mulheres demostram com toda determinação que estão empenhadas no seu negócio e dispostas
a continuar no mercado. Por fim, através do trabalho as feirantes indicam melhorias tanto em
sua autoestima quanto na sua renda.

Referências:

BAYLÃO, A E SCHETTINO, E. A Inserção da Mulher no Mercado de Trabalho


Brasileiro. XI Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, 2014.

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia


e Estatística. Contagem Populacional. Disponível em:
<>.http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/popul/default.asp?t=3&z=t&o=22&u1=1&u2=1&u4=1
&u5=1&u6=1&u3=34>. Acesso em: jul. 2018.
D’ ALONSO, G.L. Trabalhadoras brasileiras e a relação com o trabalho: trajetórias e
travessias. Psicol Am Lat. México. N.15, dez. 2008. Disponível em < http://
www.inesc.org.br> Acesso em 17 de setembro de 2018.
GUSHIKEN, Y. FOLKCOMUNICAÇÃO: INTERPRETAÇÃO DE LUIZ BELTRÃO
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REVISTA TRÊS [...] PONTOS, 2015.

SALDANHA MARINHO, Paloma Abelin and GONCALVES, Hebe Signorini. « Práticas de


empoderamento feminino na América Latina », Revista de Estudios Sociales [Online], 56 |
Abril 2016, posto online no dia 01 abril 2016, consultado o 03 de Agosto 2018. URL :
http://journals.openedition.org/revestudsoc/9863

SARDENBERG, Cecília M. B. (2006), “Conceituando “Empoderamento” na perspectiva


Feminista”. In: I Seminário Internacional: Trilhas do Empoderamento de Mulheres – Projeto
TEMPO’, NEIM/UFBA, Salvador, Bahia, de 5-10 de junho. Disponível em , Acesso em
02/12/2018

Sato, L. PROCESSOS COTIDIANOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA FEIRA


LIVRE. Psicologia & Sociedade; 19, Edição Especial 1: 95-102, 2007.
WILLIAMS, P. O empoderamento feminino e as mulheres do programa Bolsa Família.
REVISTA TRÊS [...] PONTOS, 2015.
EMPONDERAMENTO POPULAR: PERFIL SOCIOECONÔMICO DA
FEIRA LIVRE EM SANTANA DO IPANEMA – AL

Hiara Teixeira Ferreira Silva62;


Martha Lohane Silva Lima63;
Alcides José de Omena Neto64;
RESUMO:
As feiras livres são espaços de importância comercial e cultural bem como de inclusão social,
de todos os perfis de pessoas. A mesma é o objeto desta pesquisa, que lida com a atual percepção
do contexto do trabalho, tomando as feiras como espaços de construção histórico cultural.
Dentro desta perspectiva, buscou-se conhecer a realidade socioeconômica da feira livre que
atuam no centro da cidade de Santana do Ipanema, localizada em Alagoas. O objetivo proposto
foi alcançado a partir de uma pesquisa do tipo exploratório-descritiva, tendo por base um
suporte teórico, além de recorrência à pesquisa empírica a qual revelaram os resultados que a
opção por tornar-se feirante, em muitos casos, decorre da necessidade. No entanto, através de
trabalho árduo, os feirantes se inseriram neste mercado, que faz poucas exigências de
qualificação. É perceptível que essas pessoas enfrentam um trabalho duro em seus cotidianos e
transpuseram e continuam transpondo, dia a dia, inúmeras dificuldades para manterem-se no
mundo do trabalho.

Palavras-chaves: Emponderamento; Feira livre; Santana do Ipanema.

INTRODUÇÃO

Desde a Antiguidade, as feiras livres têm se mostrado um importante meio de


comercialização de produtos, tendo destaque os agrícolas e artesanais, mas também podem ser
entendidas como espaço de lazer e de encontros. A feira livre é abordada como uma
manifestação da cultura urbana brasileira que mesmo com o crescente avanço do
desenvolvimento do comércio se mantem ativa, como um lugar privilegiado para práticas de
folkcomunicação. Etimologicamente de acordo com Miriam C.S Dolzani (2008) A feira livre
no Brasil constitui modalidade de mercado varejista ao ar livre, de periodicidade semanal,
organizada como serviço de utilidade pública pela municipalidade e voltada para a distribuição
local de gêneros alimentícios e produtos básicos. Não seria inoportuno considerá-las como
artefatos culturais, resilientes ao passar do tempo, apesar do declínio e de seus desafios
crescentes frente às novas demandas. Da mesma forma, seria possível apontar que as feiras

62 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. E-mail:


hiarateixeira@hotmail.com
63 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. E-mail:
martha_lohane@hotmail.com.
64 Professor Assistente I da Universidade Federal de Alagoas - UFAL - Campus do Sertão - Unidade - Santana
do Ipanema – AL. E-mail: netosefaz@hotmail.com.
livres são locais propícios para inserção inicial no mercado de trabalho, uma vez que as
atividades ali desenvolvidas não exigem muita capacitação ou experiência. Levando-se em
conta a importância da feira enquanto espaço de construção histórica e cultural dos núcleos
populacionais e comerciais. Para efeito desta pesquisa de caráter exploratório-descritivo, foi
aplicado um questionário estruturado junto ao universo dos feirantes do local. Os dados obtidos
foram submetidos à análise descritiva, que resultaram nas informações que permitiram algumas
inferências apresentadas ao longo das últimas seções deste artigo, que antes discorre sobre uma
abordagem geral da feira livre no brasil, a inserção no mercado de trabalho e as feiras livres e
analise do perfil socioeconômico da feira livre. Quanto ao objetivo geral este artigo busca
caracterizar o perfil socioeconômico da feira livre, bem como as dificuldades dentro da
perspectiva do desenvolvimento local. Como objetivos específicos busca identificar o processo
de criação e utilização da matéria prima para a produção dos produtos. A presente pesquisa tem
abordagem qualitativa. Quanto aos meios, a pesquisa é um estudo de caso único da feira livre,
situada na cidade de Santana do Ipanema, Alagoas. Foi realizado pesquisa de campo afim de
conhecer o trabalho dos feirantes. Para um melhor entendimento a respeito do conteúdo deste
trabalho, é apresentada a seguir a estrutura do trabalho elaborado. Além desta introdução, a
pesquisa é constituída por outras quatro seções. A segunda seção trata da revisão da literatura
que consiste do levantamento dos conceitos relacionados a feira livre e o seu perfil
socioeconômico. A terceira seção refere-se à metodologia do estudo, métodos utilizados para
que fosse possível realizar esta pesquisa. Na quarta seção encontra-se os resultados e discussões
que traz a análise dos dados da pesquisa em discursão, onde são apresentados e analisados os
resultados obtidos no estudo de caso, tendo como intuito alcançar os objetivos propostos neste
estudo. A quinta seção refere-se às conclusões geradas a partir da análise dos dados. Por último,
apresentam-se as referências consultadas durante sua elaboração.

1 REVISÃO DA LITERATURA

1.1 Uma abordagem geral da feira livre no Brasil

A partir da queda do feudalismo e o surgimento do capitalismo, esse modo de comércio


começou um processo de sistematização e passou a ganhar uma nova importância econômica.
Inicialmente o surgimento das feiras foi francamente impulsionado pelas Cruzadas, visto que,
naquela época, era necessária uma forma de atividade comercial que atendesse às necessidades dos
comerciantes e viajantes.
Desde o tempo da colônia as feiras livres existem no Brasil, e mesmo com os adventos da
modernidade, elas permanecem vivas, sejam em grandes ou pequenas cidades. Nas pequenas
cidades do país elas são o principal e, às vezes, o único local de comércio da população.
Nos tempos modernos, as feiras têm uma variedade grande de produtos disponíveis, desde
produtos sofisticados até pequenas coisas que a classe mais pobre precisa. As feiras são a maior e
mais completa representação de mercado e até hoje constituem um ponto de encontro entre
compradores e vendedores. No Brasil, as feiras existem desde o tempo da colonização, evento social
que promoveu o desenvolvimento da economia interna do país. Atualmente, é muito comum nas
cidades brasileiras as feiras serem realizadas uma vez por semana em locais pré-determinados.
Entre as maiores e mais tradicionais feiras do país, as que mais se destacam são: a “Ver-
o-Peso” maior feira livre do Brasil e da América Latina, que ocorre desde o século XVII, na
cidade de Belém, Pará; e, a Feira de Caruaru, situada em Pernambuco, uma das maiores feiras
ao ar livre do Brasil, iniciada no final do século XVIII. Ambas foram consideradas de grande
importância histórica, e por canta disso, indicadas como patrimônio imaterial do Brasil pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
As feiras têm por objeto promover trocas de mercadorias entre pessoas de diferentes lugares,
com diversos produtos, com a principal finalidade de suprir as necessidades pessoais de cada
indivíduo. Com o passar do tempo e através da produção excedente e da necessidade de outros
produtos não produzidos, se iniciou o processo de troca de produtos.
Esta atividade comercial começou itinerante, mas com o passar do tempo começou a surgir
uma necessidade natural de um local que promovesse a opção de todos os produtos, e que
estivessem disponíveis para trocas e comércio. Com o tempo, provavelmente o número de pessoas
foi aumentando, e o poder público interveio com o objetivo de disciplinar, fiscalizar e, é claro, cobrar
os impostos.

1.2 Inserção no mercado de trabalho e as feiras livres

A feira livre representa uma das formas mais antigas de comercialização de variados
produtos, desenvolvendo até hoje um importante papel econômico, social e cultural. Além
disso, quando se refere como um negócio, este cenário de comercialização se torna um forte
instrumento de políticas públicas e um grande gerador de emprego e renda para o município.
Muitas cidades operam o tempo todo quase que em função da feira, dela recebendo todas as
influências possíveis. O intercâmbio com pessoas de outras procedências é algo inevitável o
que acaba sempre acrescentando elementos novos à vida local.
O espaço urbano advém de diferentes do passado e continuam existindo no presente, sendo
este espaço humano, porque o homem o constrói e o reproduz através de diferentes classes sociais.
Este espaço estando ligado à produção, pois é nesta que o processo produtivo social acontece, sendo
fragmentado em virtude de cada um manter relações espaciais entre si e com o todo, o que gera uma
movimentação de fluxos de pessoas, veículos e produtos.
A feira de Santana do Ipanema surgiu como a maioria das outras feiras livres, através de
trocas e vendas de produtos de necessidade básica. Porém, com a diversidade dos produtos, o espaço
ocupado pela feira foi aumentando, e com isso a variedade de frequentadores também, modificando a
paisagem local e diversificando o conjunto de produção de trocas e sentimentos. Com a feira livre em
estudo, visto que ela representa para o município um evento de grande importância comercial, que
altera a rotina do meio, tendo como exemplo o grande caos que se torna a malha viária local nos dias
em que a feira acontece.
Como resultado das pesquisas de campo com fregueses, podemos observar no Gráfico 1, as
principais vantagens de comprar na feira livre, e 38% dos entrevistados concordam que é uma grande
vantagem a oferta de produtos frescos, seguido pelos 29% da vantagem dos preços mais baixos.

1.3 Analise do perfil socioeconômico da feira livre

Pontuamos que a feira livre de Santana do Ipanema tem uma característica


diversificada, onde buscou compreender as possibilidades de geração de emprego e renda. O
comercio de mercadorias é bastante variado possuindo não apenas barracas alimentícias, mas
também ambulantes, transportadores e ainda outros tipos de mercadorias como roupas e
calçados, que atendem a diversas demandas. A maioria dos produtos é oriundo de outros
municípios ou até mesmo de outros estados, com exceção de alguns agricultores que produzem
na própria roça.
A feira possuem 253 barracas, que são armadas semanalmente nos dias da feira, o fator
social é visível na feira livre santanense, promovendo a interação das pessoas, os encontros
entre conhecidos e até mesmo as novas relações que podem se formar, os feirantes possuem
mecanismos que facilitam a comunicação com seus clientes, Importante fator de geração de
renda, o que já é bastante significativo, haja vista as condições sociais e econômicas da maioria
das cidades nordestinas, a feira representa também a ocupação do espaço urbano como lugar de
encontro.
Para Sá (2010), o comércio de feira livre é ainda hoje uma atividade econômica e social
relevante para a vida de muitos brasileiros, principalmente no Nordeste do Brasil, onde parte
significativa da população possui ainda o hábito de fazer compras semanais nestes locais. No
momento em que os modernos meios de comunicação, caso das redes sociais, ou a adoção de
determinadas medidas de segurança, tendem a afastar as pessoas do convívio social, a rua é
reclamada como espaço de socialização, de confraternização e de troca de experiências. E a
feira livre desempenha esse papel. o valor acessível é levado em consideração pelo consumidor,
já que os produtos possuem preços menores, qualidade e variedade, elucidando o poder de
negociação, conseguir pechinchar, negociando diretamente com o feirante o preço.
Além disso, incentiva a existência desse tipo de comércio, já que a maioria dos
fregueses utilizam dinheiro em espécie, onde dessa forma há a circulação imediata de capital,
o que beneficia o feirante, o qual fornece outros meios de pagamento, mas a tradição ainda se
mantém predominante no que se refere a esse tipo de transação comercial. Ainda existe a grande
queixa dos feirantes que é o baixo movimento do mercado, o que acaba enfraquecendo a feira
santanense.

MATERIAIS E MÉTODOS
A presente pesquisa traz metodologia qualitativa onde na primeira etapa do trabalho, foi
realizada uma pesquisa bibliográfica, que é aquela que acontece através de registros disponíveis
ao público, por meio de publicações como livros, artigos, teses entre outros. Através de
interpretações de textos, documentos, artigos acadêmicos, buscar opiniões de autores diversos
em relação ao objeto de pesquisa para melhor entendimento do perfil socioeconômico
relacionando com feira livre local.
Na segunda etapa foi realizado uma pesquisa em campo no local onde a feira livre
acontece para conhecer os produtos ofertados pela mesmas, onde proporciona diversas bancas
com produtos produzidas que está situado no município de Santana do Ipanema, tendo como
objetivo de apurar os dados, fazendo observações diretas e estudo de caso. Para que fosse
possível o alcance dos objetivos propostos, foi usada a técnica de entrevista semi-estruturadas,
com temas ligados ao perfil socioeconômico, tendo a finalidade de identificar as características
e dificuldades dentro da perspectiva da feira livre. Após a coleta dos dados foi possível analisar
e interpretar as informações coletadas em campo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos resultados referente a análise dos dados é possível identificar que a feira
santanense, proporciona um lugar alternativo para aquelas pessoas que precisam de renda sem
que se exija experiência ou capacitação, além de ser opção de renda extra para muitos, foi
possível identificar que os feirantes em sua maioria, tiram seu sustento apenas na feira, mas
também uma parcela pequena dos feirantes possuem formação acadêmica e atuam em outras
áreas no mercado.
A feira livre oferta produtos naturais e com qualidade, que em sua maioria é oriundo de
outras localidades, apenas uma pequena parcela do produtos são cultivados pelos agricultores
locais. Ao ser questionado sobre os desafios e dificuldades de se atuar nesse mercado os
feirantes afirmaram que é o baixo movimento do mercado o que acaba afetando na renda dos
mesmos, isso acontece por conta da abertura do novo hipermercado na cidade e outros
estabelecimentos que são concorrentes diretos da mesma. Apesar disso a feira se mostra ter
compradores fies que não trocam os produtos ofertados na feira por ser de qualidade e natural,
além de oferecer produtos diversificados alimentícios, de vestuário, eletrônicos e artesanal por
um preço menor.
Tendo em vista os objetivos que foram propostos, a finalidade da pesquisa foi
compreender melhor e dar uma maior visibilidade ao perfil socioeconômico da feira livre
santanense e mostrado que é um dos importantes meios para a geração de novos negócios e um
espaço cultural. Foi possível também compreender as dificuldades e não visibilidade
encontradas por os feirantes em Santana do Ipanema.
Para Ribeiro (2007) os feirantes amanhecem na cidade transportando os produtos
para vender, comprar, barganhar, trocar e participar do grande acontecimento da sociedade
que é a feira. Sendo as feiras sonoras, sendo dissolvidas na paisagem local, realizam um
movimento considerado pequeno, e como atendem uma parcela restrita e geram um
movimento que dilui na economia informal, raramente são incluídas em programas de
geração de renda e desenvolvimento. As feiras livres têm uma atenção pequena se
comparada ao movimento econômico que promovem, visto que as feiras geram ocupação de
renda e identidade regional.
Geralmente se expandem ao invés de se reduzirem, pois alimentam essa cultura
territorializada que passa a se tornar um espaço de manifestação de identidade. Os
lavradores-feirantes são favorecidos, pois comercializam produtos de difícil inserção em
outros mercados, sendo sua prioridade de produção baseada na cultura alimentar local,
associada a um abastecimento dos alimentos com maior qualidade.
CONCLUSÃO

Os resultados obtidos através da análise dos questionários e da observação da feira


livre de Santana do Ipanema nos mostram que ela é muito freqüentada nos dias de seu
funcionamento por variados interesses; e, onde pessoas de lugares, culturas, idades,
religiões, interesses e classes sociais diferentes se encontram, modificando o espaço através
da dinâmica local e interagindo culturalmente, seja por relações comerciais, afetivas ou
identitárias.
A partir da análise de dados feita após a entrevista com os produtores da Feira pode-
se perceber que a maioria das pessoas que ali se encontram já tem um determinado tempo
neste ramo, pois é uma forma de se conseguir obter uma renda e sustentar sua família.
Conforme dito pela maioria deles atualmente o salario de aposentadoria que muitos deles
recebem mal da para se sustentar e precisam ter uma renda extra para complementar o salário
base que eles recebem. Após os estudos realizados foi possível perceber que a feira livre é
vista como uma ação social para a comunidade, e proporciona para a cidade um patrimônio
cultural e um meio de comercialização diferenciado para a população, gerando renda ao
município.
O espaço em que se realizam as feiras é muito importante, pois ali ocorrem relações
sociais que passam de geração para geração, assim como pela sobrevivência desta prática
comercial tão antiga, que resiste até hoje, e permite que os pequenos produtores ou
comerciantes ambulantes e informais negociem seus produtos. Nos dias de quarta-feira,
sexta-feira e sábado, quando ocorrem as feiras tradicionais, o fluxo de veículos é tão intenso
que a malha viária interna fica congestionada .As relações de identidade entre os
participantes variam de acordo com cada indivíduo, alguns vão exclusivamente ou
tradicionalmente comprar, outros se divertirem, passearem, encontrarem, e vários outros
interesses que cabem perfeitamente no contexto da feira, em virtude desta ser um local
diversificado humanamente, e sujeito às variadas sociabilidades, as quais promovem as
enriquecedoras trocas de saberes.
Neste sentido, conclui-se que a feira livre de Santana do Ipanema contribui para um
estágio inicial de desenvolvimento na região, e é uma alternativa de emprego para quem não
tem outras oportunidades, os feirantes enfrentam muitos desafios para se manterem no mercado,
pela falta de políticas públicas bem definidas para o setor, que dê suporte ao desenvolvimento
do mesmo, e pelos concorrentes que cada vez mais cresce. Com isso pode se identificar espaços
para que de fato a feira possa gerar todos os benefícios nos âmbitos social, cultural e econômico
na busca por um desenvolvimento sustentável da região. Para pesquisas futuras, sugiro um
levantamento das políticas públicas pois é necessário, que haja uma sólida política de
preservação da feira livre. É necessário um trabalho em que haja a conscientização da sociedade
a respeito do papel da feira como expressão das culturas locais, não permitindo assim que novos
modelos alterem seu formato original.

REFERÊNCIAS

ATELIÊ GEOGRÁFICO. Revistaria eletrônica. Disponível em:


<https://www.revistas.ufg.br/atelie/article/view/4710/3971>. Acesso em: 07 ago. 2018.
AUDE, Camila Guimarães. A feira livre na celebração da cultura popular. São Paulo, p.
120, 2010. Disponível em: <http://paineira.usp.br/celacc/sites/default/files/media/tcc/140-
4811-PB.pdf>. Acesso em:

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. IBGE cidades@.


Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>.
Acesso em: 10 out. 2011.07 ago. 2018.

SÁ, M. G. Feirantes: Quem São? Como Administram seus Negócios?. In: ENCONTRO
NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ADMINISTRAÇÃO, 34, 2010, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2010.
ENTRE CHOROS, SUSSUROS E MÁSCARAS: A ANTROPOLOGIA DE
TURNER E O TEATRO CONTEMPORÂNEO

Macário Velozo Hartnett65

RESUMO
O teatro detém um lugar especial nas ciências sociais, pois alguns de seus teóricos mais
importantes usam terminologia teatral para descrever o mundo a seu redor. Nesse contexto,
pensadores como Victor Turner e Irving Goffman utilizam o teatro como base de suas teorias.
Nesse artigo, faremos um estudo de caso do espetáculo “Retomada”, mantendo o foco do nosso
exame na liminaridade descrita por Turner, e veremos como esse e outros conceitos
antropológicos podem ser utilizados para análise de performances do teatro contemporâneo.

Palavras-chave: Victor Turner; Antropologia; Teatro; Liminaridade.

INTRODUÇÃO

O dramaturgo irlandês Oscar Wilde, em um ensaio publicado em fins do século XIX,


afirmou: “a vida imita a arte66”. Segundo ele, “o que é interessante nas pessoas da alta sociedade
[...] é a máscara que cada uma delas coloca, e não a realidade por trás da máscara 67”. (WILDE,
1891, tradução nossa). A teoria de que o mundo é um palco seria aprofundada setenta anos
depois pelo sociólogo canadense Irving Goffman.
O teatro, arte performática por excelência, detém um lugar especial nas ciências sociais.
Como veremos a seguir, alguns de seus teóricos mais importantes usam terminologia teatral
para descrever o mundo a seu redor. Nesse contexto, antropólogos que utilizaram o teatro como
base de suas teorias, como Victor Turner, são considerados de essencial importância no campo
das análises sobre o tema.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Irving Goffman entendia que os seres humanos estão constantemente atuando. Cada
papel exige que o ator demonstre uma faceta diferente de sua personalidade. Para desempenhar

65
Bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Pernambuco.
E-mail: macariohartnett@yahoo.com
66
No Original: “Life imitates art”.
67
No original: “What is interesting about people in good society [...] is the mask that each one of them
wears, not the reality that lies behind the mask”.
um papel, os atores frequentemente se unem em equipes e utilizam um lugar específico para a
performance denominado pelo autor de “front stage” (palco). O palco é um local
especificamente escolhido para dar credibilidade à equipe. Assim, o jaleco do médico e toda a
parafernália tecnológica presente em seu consultório servem para ajudá-lo a desempenhar seu
trabalho com precisão e segurança, mas também são apetrechos que fazem o paciente
reconhecê-lo como médico e tratá-lo como tal (GOFFMAN, 1959).
Intimamente relacionada ao palco está uma outra região denominada “back stage”
(bastidores), nesse local a equipe pode relaxar, longe da vista da plateia. A cozinha de um
restaurante é um bom exemplo de bastidores. Distantes dos fregueses, os garçons podem
reclamar deles e fazer uso de linguagem chula, bastante diversa do linguajar polido que são
obrigados a usar em sua presença. Os bastidores não são um lugar livre de performances, onde
qualquer coisa pode ser dita ou feita. Muito pelo contrário. Para Goffman (1959), nos bastidores
ocorre um outro tipo de performance, onde os atores expressam suas frustrações e se apoiam
mutuamente nos intervalos, revigorando a performance que deve continuar no palco.
Um terceiro lugar relacionado a esses dois seria “outside” (lado de fora), onde ocorrem
outras performances (GOFFMAN, 1959). Assim, para um vendedor de sapatos “front stage”
seria a loja com a presença dos clientes, “back stage” seria o momento em que os clientes não
estivessem no local, e “outside” seriam diversos lugares, dentre eles a casa do vendedor, onde
ele já não desempenha mais esse papel e sim o de marido e pai de família, por exemplo.
O renomado antropólogo escocês Victor Turner também se inspirou no teatro para
desenvolver suas teorias, talvez por ser filho de uma atriz. Ele entendia que essa arte era
descendente direta dos rituais de passagem, que se fragmentaram em diversas artes na sociedade
contemporânea. Assim, Turner cunhou termos como “drama social” para explicar momentos
de conflito e crise na sociedade (TURNER, 2005).
O conceito de estrutura é importante para entender as teorias de Turner. De acordo com
Radcliffe-Brown, os fenômenos sociais dizem respeito a estruturas sociais, pois “uma relação
social entre duas pessoas […] só existe como parte de uma rede ampla de relações sociais, que
envolve muitas outras pessoas68” (1940, p. 3, tradução nossa). As relações de parentesco são
uma parte fundamental da estrutura, pois relações sociais entre membros de uma família “têm
atreladas a elas certos direitos e deveres, ou modos de comportamento distintos69”

68
No original: “a particular social relation between two persons […] exists only as part of a wide
network of social relations, involving many other persons”.
69
No original: “have attached to them certain rights and duties, or certain distinctive modes of
behavior”.
(RADCLIFFE-BROWN, 1969, p. 52, tradução nossa). Status – as diferentes posições sociais
de chefes tribais e pessoas comuns, de homens e mulheres – também detém um papel importante
na determinação das relações sociais (RADCLIFFE-BROWN, 1940, p. 4).
Arnold Van Gennep entendia que rituais de passagem são “ritos que acompanham
qualquer mudança de lugar, estado, posição social ou idade” (TURNER, 2005, p 140). Esses
rituais consistem de três fases: separação, margem e agregação. A separação é o afastamento
simbólico do indivíduo da posição que ele ocupava na estrutura social; a fase de agregação
ocorre no fim do ritual de passagem, quando o indivíduo será reintegrado à sociedade em uma
nova posição na estrutura. É o que acontece entre esses dois momentos, o período marginal (ou
liminar) que interessa particularmente a Turner (2005 p. 137): “se o nosso modelo básico de
sociedade é o de uma ‘estrutura de posições’, devemos encarar o período de margem ou
‘liminaridade’ como uma situação interestrutural”.
Durante o estado de liminaridade, o neófito de um rito de puberdade é aquilo que Turner
chamou de “nem-menino-nem-homem”. Esse caráter ambíguo torna difícil definir
precisamente o que ele é, por isso ele não pode absolutamente se encaixar na estrutura bem
definida da sociedade, encontrando-se à margem dela. Turner (2005) esclarece que: “a
liminaridade pode, talvez, ser encarada como o Não a todas as asserções estruturais positivas,
mas sendo, de certa forma a fonte de todas elas”.
Contrapondo-se à estrutura, que se constitui em uma rede complexa de relações
hierárquicas, a liminaridade se caracteriza pelo que Turner denominou “communitas”, onde
todos os neófitos são iguais: tanto o filho do chefe, que herdará o trono futuramente, quanto o
filho do homem mais humilde da tribo. Os neófitos não podem ser distinguidos uns dos outros,
pois durante a liminaridade, eles não têm nada: “não têm status, propriedade, insígnia,
vestimenta secular, graduação, posição de parentesco, nada que possa distingui-los,
estruturalmente, de seus companheiros [...] não têm nem mesmo nome” (TURNER, 2005, p.
143).
Turner cita como exemplo o ritual de investidura do kanongesha - chefe supremo, o
mais alto cargo político entre os Ndembu (tribo da Zâmbia – África). Nesse ritual, o futuro
chefe é humilhado e qualquer pessoa que esteja ressentida com ele pode expressar sua mágoa
abertamente, devendo ele suportar tudo isso com paciência e humildade. O propósito dessa
humilhação é despertar no futuro chefe a consciência de sua própria mesquinhez, para que ele
não venha a utilizar seu novo cargo em benefício próprio, devendo governar pensando no bem
de toda a tribo (TURNER, 2005). Fica evidente o propósito do ritual de passagem de exercer
forte influência sobre os neófitos.

O GRUPO TOTEM
A partir de Antonin Artaud, o teatro desenvolveu sua própria “linguagem concreta”.
Cansados da imposição de um texto dramático, diretores teatrais começaram a desenvolver
espetáculos que faziam uso de pouca ou nenhuma linguagem oral inteligível. Os atores
passaram a balbuciar palavras incompreensíveis em idiomas artificialmente inventados, e o
teatro apropriou-se de outras linguagens artísticas, fazendo uso extensivo da música, da dança
e das artes visuais (ARTAUD, 1970). É interessante notar que, ao se libertar do texto dramático
e buscar outras fontes de inspiração, o teatro pode se aproximar mais de suas raízes nos rituais
de passagem.
O grupo de performance teatral “Totem” surgiu na década de 1980, criado por membros
do grupo Trem Fantasma e por alunos do Colégio Estadual de Olinda. Durante uma pesquisa
de campo, os membros do grupo Totem visitaram povos indígenas Xucurú, Capinauá e
Pancararú, e participaram de seus rituais, criando assim um ritual sincrético próprio: o
espetáculo “Retomada”. Em uma entrevista concedida a mim, o diretor do grupo, Fred
Nascimento, citou os escritos de Victor Turner como uma influência na elaboração da
performance.

METODOLOGIA
O diretor teatral do grupo Totem não é o único artista que se embasa nos escritos do
antropólogo escocês: um dos mais notórios admiradores de Turner é Richard Schechner,
professor de estudos da performance na Tisch School of the Arts, da Universidade de Nova
Iorque. Schechner foi diretor teatral do Performance Group por mais de uma década. Expondo
o conceito de “drama social” turneriano, Schechner comenta que “rituais de passagem são
inerentemente dramáticos70”, pois seus participantes “tentam mostrar aos outros o que eles estão
fazendo, [...] [assim], as ações adquirem o aspecto de algo performado para uma plateia71”.
(SCHECHNER, apud QUANTZ 2011, p. 36). Afirmações como essa, proferidas por alguém
que não só é um acadêmico, como também um diretor teatral, demonstram a validade das teorias
de Victor Turner dentro do campo das artes.

70
No original: “rites of passage are inherently dramatic”.
71
No original: “try to show others what they are doing, […] actions take on a performed-for-an-audience aspect”.
Farei a seguir uma análise do espetáculo “Retomada”, que tive a oportunidade de
assistir. A análise se embasará na liminaridade Turneriana, e será suplementada por
informações que coletei em uma entrevista que realizei com Fred Nascimento, o diretor teatral
do grupo. Buscarei demonstrar como conceitos antropológicos podem ser utilizados para
análise de performances do teatro contemporâneo.

ANÁLISE DE RETOMADA

A plateia entra no teatro. O palco está bastante escuro. Oito mulheres choram a um canto
do palco, muito alto. Uma guitarra toca notas esparsas, distorcidas, dissonantes. Uma névoa de
gelo seco complementa o ar sobrenatural da cena. O choro intenso das mulheres dura pelo
menos cinco minutos, se estendendo bem além do tempo necessário para os espectadores se
acomodarem em seus assentos. O efeito é horripilante. A intenção parece ser causar desconforto
na plateia.
No início do espetáculo, as semelhanças com um ritual de passagem já são evidentes.
No escuro do teatro, os espectadores são todos iguais, como os neófitos em um ritual de
iniciação, não são ninguém. A simbologia de Retomada é oriunda da liminaridade: um local
isolado do mundo cotidiano e com características e símbolos peculiares e semelhantes à
simbologia da morte. O choro desesperado das atrizes no palco é certamente um choro de luto;
na dança ritual que ocorre em seguida, as atrizes jogam punhados de terra umas nas outras,
trazendo a ideia de um enterro, essas semelhanças não são mera coincidência. De acordo com
Nascimento: “Sempre foi uma coisa que acompanhou o grupo. Foi a partir de Van Gennep. E
depois o Victor Turner. A gente devorou muita coisa deles”.
Após esse momento inicial de crise, o palco fica mais claro e a plateia percebe que as
atrizes trajam vestimentas e pintura ritualística indígena. As mulheres fazem uma dança
ritualística, que se assemelha um pouco a uma haka dos maoris neozelandeses. Aqui a linha que
separa os papéis tradicionalmente atribuídos a homens e mulheres é borrada. Nessa dança as
atrizes se movem de maneira bastante amasculinada, como homens guerreiros que se preparam
para a guerra. Mais à frente, colocarão vestidos e dançarão de maneira bastante feminina.
Turner entende que “nas sociedades predominantemente estruturadas pelas instituições de
parentesco, as distinções sexuais têm grande importância estrutural” (TURNER 2005, p. 143).
Entretanto, é comum que nos rituais de passagem os neófitos sejam tratados como seres
assexuados ou bissexuais. Eles “podem ser considerados como uma prima materia humana -
como matéria bruta indiferenciada.” (TURNER 2005, p. 143). Sendo essenciais para a estrutura,
as distinções sexuais não existem na liminaridade, que é interestrutural.
Em Retomada, após a dança de guerreiros, vestidos descem do alto pendurados em uma
estrutura de metal. As atrizes cobrem seus rostos com eles, os utilizando como máscaras. Em
Betwixt and Between, Turner escreve a respeito dos sacra, mistérios que constituem o cerne da
questão liminar. Esse conhecimento místico frequentemente é exibido através de objetos
sagrados, também denominados sacra. Esses incluem instrumentos musicais, pinturas, ossos,
espelhos, estatuetas e máscaras. As máscaras costumam ter caráter desproporcional e
monstruoso. Um dos mistérios que os neófitos aprendem na liminaridade é os nomes dos
espíritos que, acredita-se, presidem a cerimônia. (TURNER 2005). A respeito desse momento
do espetáculo, o diretor teatral menciona praiás – entidades de rituais indígenas que dominariam
o corpo de pessoas com poderes mediúnicos, de maneira semelhante aos orixás no candomblé.

Fred Nascimento: Ali é os praiás. Porque os praiás Pancararús, eles ficam


completamente cobertos, só que eles usam palha. Eles têm umas máscaras ritualísticas
que só tem o buraquinho do olho. Você não sabe quem tá ali dentro. [...] E os vestidos
vêm de cima justamente pra trazer essa ideia de que o encantado está chegando. [O
encantado são os espíritos incorporados pelos médiuns].

Como vimos acima, uma das características fundamentais dos neófitos em um ritual de
passagem é o fato deles não serem ninguém e não terem nada (propriedade, status, roupas
seculares, etc). É o que se verifica em retomada. Até esse ponto da peça, as mulheres não eram
ninguém. Não estavam aqui nem ali. Estavam nuas (metaforicamente; as atrizes estavam
seminuas). Ao receberem as máscaras – os sacra, os mistérios – as mulheres receberam o cerne
da questão liminar. Já não são mais ninguém. Já não estão mais nuas. Após utilizarem os
vestidos como máscaras e dançarem como praiás, removem as máscaras e as utilizam como
roupas, cobrindo seu corpo seminu. Colocando os vestidos que receberam, têm direito a uma
identidade. Turner explica: “O termo ‘arquétipo’, em grego, denota um cunho ou tipo mestre,
e esses sacra, apresentados com numinosa simplicidade, imprimem nos neófitos os pressupostos
básicos de sua cultura.” (TURNER 2005).
Os sacra fornecem o padrão de referência ao iniciado. Mas nessas sociedades, acredita-
se que o conhecimento dos sacra não é mera transmissão de informação. Eles efetivam uma
mudança ontológica no indivíduo. É através deles que a matéria humana bruta e indiferenciada,
que é o neófito do ritual de passagem, se torna um indivíduo apto a desempenhar as funções de
seu novo cargo, seja ele um caçador, um chefe de tribo ou uma esposa. O conhecimento dos
sacra “une, intimamente, o homem e o cargo.” (TURNER, 2005, p. 154)
CONCLUSÃO

Percebe-se que os conceitos de “liminaridade”, “communitas”, “drama social”, dentre


outros, foram em grande parte inspirados no teatro. E de forma reversa, de acordo com o estudo
que fizemos acima, fica aparente que essas teorias também podem ser utilizadas para entender
performances teatrais contemporâneas, refratando-as sob uma ótica distintamente turneriana.
Se analisarmos outros estudos feitos na área da performance, encontraremos mais
evidências da validade das teorias de Turner, não só para antropólogos como também para
artistas. Em função do limitado número de páginas do presente artigo, não poderemos estender
essa análise a outros estudos de caso. Contudo, o exame feito no espetáculo Retomada
demonstra que existe um amplo campo a ser explorado no limiar entre a antropologia e o teatro.

REFERÊNCIAS
ARTAUD, Antonin. The Theater and Its Double. London: John Calder, 1970.

GOFFMAN, Ervin. The Presentation of Self in Everyday Life. Chicago: Anchor Books,
1959.

KAPCHAN, Deborah A. Performance. American Folklore Society, 1995.

QUANTZ, Richard. Rituals and student identity in education: Ritual critique for a new
pedagogy. Springer, 2011.

RADCLIFFE-BROWN, Alfred R. On Social Structure. The Journal of the Royal


Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, vol. 70, No. 1, 1-12. 1940.

RADCLIFFE-BROWN, Alfred R. Structure and Function in Primitive Society. Londres:


Cohen & West, 1968

TURNER, Victor. Floresta de símbolos. Niterói: EdUFF, 2005.

WILDE, Oscar. The Decay of Lying – An Observation. Arquivo disponível online em:
http://www.online-literature.com/wilde/1307/. 1891.
EXPRESSÃO DA RELIGIOSIDADE NO MITO DO RAPTO DE
PROSÉRPINA

Letícia Maria Quintella Viana (Graduanda – UFPB)


leticia.mqv@hotmail.com

Orientadora: Dra. Alcione Lucena de Albertim


lucena25@hotmail.com

RESUMO
O presente trabalho propõe analisar o mito do rapto de Prosérpina, presente no livro V das
Metamorfoses, de Ovídio, identificando na narrativa mítica o arcabouço de cunho religioso,
como representação explicativa do surgimento das estações do ano. Filha de Júpiter e Ceres, a
deusa é assimilada a Perséfone da tradição grega, sendo, neste caso, filha de Zeus e Deméter,
que, deusa das terras cultivadas, representa a fecundidade da lavoura. Tendo em vista que o
rapto de Prosérpina por Plutão, senhor do mundo ínfero, acarreta a desordem cósmica, Júpiter
intervém, estabelecendo um pacto com Ceres, o qual promove o nascimento das estações,
imprescindíveis para o funcionamento do ciclo produtivo da terra. Desta maneira, nossa
metodologia está pautada em pesquisas bibliográficas que discutem a importância do mito para
a religiosidade na civilização greco-latina arcaica, para isso utilizaremos o aporte teórico de
Brandão (2015), Grimal (2000), Guimarães (1982), entre outros.

Palavras-chave: mito; religiosidade; estações; Prosérpina.

INTRODUÇÃO

O mito, celebrado pelo rito, faz parte da construção do homem arcaico desde que sua
racionalidade pode ser atestada. Buscando explicar os mistérios da organização da natureza e
do pensamento humano, o mito era abordado de diferentes formas dentro do mundo greco-
latino arcaico, estando presente nas religiões familiares e nas mais abrangentes, como as da
cidade. Em meio a enorme diversificação de dúvidas suscitadas a partir da observação da
natureza e do próprio comportamento, os mitos elencavam o papel de prover explicações que
suprissem as necessidades humanas independente do âmbito no qual estas se encontrassem. Os
mitos cosmogônicos, por exemplo, buscavam explicar a origem do mundo, partindo da
formação do cosmos e do estabelecimento da natureza.
No mito cosmogônico narrado pelo poeta latino Públio Ovídio Naso (43 a.C –17 d.C),
Metamorfoses (8 d.C), encontramos a narração da separação dos elementos primigênios, de
como se deu a imposição da gravidade, e ainda o retrato da explosão primeira que proporcionou
o desenvolvimento inicial do universo. Após a narração destas e das demais transformações
cosmogônicas, como a divisão das águas, Ovídio tratará das transformações etiológicas, que
podem ou não afetar o cosmos e ocorrem, por vezes, de uma hora para outra. Dispensam
explicações aprofundadas acerca de sua natureza.
Durante a descrição de tais modificações etiológicas, Ovídio traz, no livro V da obra, o
retrato do rapto de Prosérpina, deusa da germinação das terras que pode ser assimilada a
Perséfone grega, por Plutão, o senhor dos Infernos, que pode ser assimilado a Hades da tradição
grega. No momento do rapto, Prosérpina grita escandalizada e todos os seres a ouvem, inclusive
sua mãe, Ceres, deusa da terra cultivada, que pode ser assimilada a Deméter grega. Ao ouvir os
gritos da filha, Ceres procura-a por todos os cantos da terra durante nove dias. A deusa fica tão
horrorizada que passa a maior parte do período sem alimentar-se e sem consumir tanto o néctar
quanto a ambrosia, alimentos vigorantes que são importantíssimos para que os deuses
mantenham-se nutridos, encontrando-se, assim, num estado de desnutrição total.
Os recursos imagéticos que exprimem a autodepreciação de Ceres servem como
paradigma para o estado em que a terra se encontrara, denotam a queda das folhas e o solo
ressequido. Quando descobre que a filha está nos Infernos, Ceres pede a Júpiter, que é pai de
Prosérpina, para trazer a filha de volta, mas, como esta rompera o jejum, jamais poderia sair
definitivamente do submundo, pois iria de encontro à lei das moiras. Júpiter, então, durante o
desenrolar da exegese, estabelece um acordo entre Plutão e Ceres, no qual Prosérpina fica
impelida a passar metade do ano com a mãe, quando o tempo seria florido e ocorreriam o verão
e a primavera, e a outra metade com o marido, Plutão, quando ocorreriam o inverno e o outono,
reflexos da tristeza de Ceres, estabelecendo as estações do ano que são observadas desta forma
desde então. (Massi, 2010, p. 228)
À vista disso, dispusemo-nos, no seguinte trabalho, a analisar as características do mito
etiológico do rapto de Prosérpina, como este se desenvolveu, e como a cosmogonia influenciou
a possibilidade da suscitação e afirmação desse mito. Articulando-as ao aporte teórico de Junito
Brandão em Mitologia Grega, exploraremos as vicissitudes do mito, celebrado pelo rito, que
tornam possíveis a criação do pensamento religioso através da rememoração e do
estabelecimento dos mitos etiológicos, a exemplo do nosso objeto de estudo.

1. COSMOGONIA, ETIOLOGIA, E SUAS ABORDAGENS NAS METAMORFOSES

A cosmogonia é um tipo de narrativa que versa a respeito da gênese do mundo. A obra


Metamorfoses trata de uma narrativa cosmogônica muito importante da história da literatura
mundial, abrangendo acontecimentos como a separação dos elementos primordiais 72 e a
instauração da ordem do cosmos73. O motivo que perpassa a obra é tratar das transformações
nas quais o mundo foi-se estabelecendo até tornar-se como estava na época em que o poeta
vivera, deixando clara sua intenção no primeiro verso do proêmio, quando diz: In noua fert
animus mutatas dicere formas, em tradução operacional: o ânimo me leva a dizer as formas
mudadas para novos corpos.
Entre os versos 3 e 4 do proêmio, quando retrata: ab origine mundi ad mea tempora,
“da origem do mundo até os meus tempos”74; Ovídio delimita o recorte de tempo que utilizará
dentro da obra, e vai além: ao utilizar a preposição de ablativo 75 ‘ab’, marca um ponto de origem
e, utilizando a preposição de acusativo76 ‘ad’, estabelece uma direção. Por utilizá-las em
contraponto, o autor delimita o caminho o qual a narrativa percorrerá, desenhando o movimento
que será traçado pelo canto contínuo (perpetuum carmen, v. 4).
Após o proêmio, Ovídio dá continuidade à exegese apontando a existência do Caos
primordial, dizendo que, nele, tudo estava misturado e, por isso, a Terra encontrava-se em
estado de disformidade total, onde não se diferenciavam céu, terra e mar; noite e dia, ou mesmo
o frio do quente, o seco do úmido, o mole do duro e o pesado do leve (v. 5-20), tudo era
representado por uma massa una, inabitável, que impedia a proliferação de qualquer tipo de ser
vivo mortal.
Em seguida, no excerto compreendido entre os versos 21 e 75, o poeta narrará como a
separação dos elementos a partir das ações de um deus (representado pelo termo deus, portanto
um deus primordial ao qual não se atribui nenhuma particularidade, considerado como
representação de uma força ordenadora) e a natureza favorável a ele, possibilitaram a
organização do cosmos e a existência de vida na terra, no mar e no céu, que agora estariam
devidamente divididos e dispostos como conhecemos.
Continuando a narrativa e explicando coisas como a criação do homem (v. 76-88) e a
suscessão das quatro idades (ouro, prata, ferro e bronze, narrada entre os versos 89 e 150),
Ovídio abrange toda a cosmogonia universal no primeiro livro dos quinze que compõem a obra,
dedicando-se nos demais a tratar do corolário de transformações pelas quais o mundo passará
devido à predisposição fornecida pela ordem que então impera na natureza.

72
Entre os versos 21 e 75 do livro I
73
Que se encerra, de fato, ao final do livro I
74
Neste trabalho utilizaremos a tradução de Domingos Lucas Dias, respeitando suas escolhas de tradução.
75
Um dos casos em que a língua latina se declina
76
Outro caso em que a língua latina se declina
Tais mudanças são menores do que as que participam do processo cosmogônico e,
chamadas de etiológicas, têm como propósito explicar determinado acontecimento ou objeto a
partir do momento em que ele ocorre e passa a existir, dispensando maiores considerações a
respeito do que houvera anteriormente. Apenas o episódio de transformação que tal coisa sofre
para tornar-se outra, ou simplesmente surge na natureza, é necessário. Por exemplo: o mito de
Narciso77 tem por objetivo apontar como a flor de Narciso passou a existir e porque foi nomeada
desta forma, narrando então que ocorreu a partir do momento em que Narciso metamorfoseou-
se, em momento algum é dito como a flor se chamava antes, na verdade, a explicação etiológica
exclui a importância do que a antecede, descartando a forma que as coisas possuíam antes da
nova realidade estabelecida por ela.
Embora a etiologia não necessite de uma explicação aprofundada a respeito de suas
causas, Ovídio a utilizará, por vezes, para explicar o que fora narrado no livro I da obra, que
trata da cosmogonia, por este não permitir maior profundidade acerca de determinadas
minuciosidades.
Durante o mito das quatro idades Ovídio vai narrar, entre os versos 113 e 116, que,
durante a transição da raça de ouro para a de prata, Júpiter reduziu a duração da antiga
primavera, mas não explicará o motivo para que o deus tenha tomado tal atitude. No livro V,
porém, no excerto compreendido entre os versos 341 e 571, enquanto narra o rapto de
Prosérpina e suas consequências, o poeta traz o motivo para que Júpiter tenha tomado a ação
naquele momento, criando uma ponte entre o início do livro e o mito etiológico.
Júpiter, executando a função de mantenedor da ordem, que lhe é atribuída desde o mito
das quatro idades, envolve-se na trama do rapto de Prosérpina para estabelecer um pacto entre
Plutão e Ceres, a fim de apaziguar a irmã e não ferir a lei das Parcas: divindades assimiladas às
Moiras que impediam que alguém deixasse os Infernos após quebrar o jejum. O resultado do
pacto78 faz com que se explique o motivo para que Júpiter tenha tornado a primavera findável
e o rapto de Prosérpina seja um forte exemplo de como a etiologia é utilizada pelo poeta para
explicar acontecimentos que ocorrem no livro I.
Além desta característica que torna o mito do rapto de Prosérpina importante, há, a partir
dele, a divisão do mundo em estações, e conhecer as fases pelas quais o mundo passaria durante
o ciclo do ano fazia com que o homem soubesse o momento de plantio e colheita e assim
pudesse se adaptar ao ambiente, entendendo quando trabalhar para estocar alimento e quando

77
Narrado entre os versos 339 e 510 do livro III das Metamorfoses.
78
Narrado entre os versos 564 e 571
descansar, esperando a ida dos tempos inférteis. Organizando-se, inclusive, para comercializar
e navegar nos momentos em que a natureza se mostrasse favorável.
Por ter a capacidade de subjugar a subsistência humana a si, a forte presença de Ceres é
fundamental para que o mito tome essa relevância, pois os recursos imagéticos que exprimem
sua sacralidade serão pontuados constantemente no enredo, demonstrando como seu estado de
depreciação afeta negativamente a natureza, e seu contentamento, positivamente.

2. ANÁLISE DO MITO DO RAPTO DE PROSÉRPINA

A narração do mito do rapto de Prosérpina tem início no verso 341 do Livro V das
Metamorfoses, e é narrado por Calíope79 à Minerva80, que pede para que as musas o narrem,
pois, no excerto compreendido entre os versos 250 e 340, estas explicam à deusa que estiveram
num embate com as Piérides81.
Segundo estas, a primeira Piéride canta a respeito da Titanomaquia 82 de maneira
deturpada, entre os versos 319 e 320 indignam-se pelo fato de que a Piéride: atribui aos
Gigantes/ uma falsa honra e esvazia os feitos dos deuses maiores. Porquanto, as musas indicam
Calíope, por excelência, para declamar o canto que entoou; e é assim, ao som da lira, que esta
inicia a exegese enaltecendo a Ceres de modo que percebamos desde o princípio a importância
da deusa para os romanos e para a transformação etiológica que ocorrerá ao final da narrativa.
O louvor à Ceres tem início no verso 341 e encerra-se no verso 345. No verso 341,
Calíope conta que a deusa foi a primeira que rasgou a terra com o curvo arado, apontando ao
fato de que fora por conta das terras férteis e dos rijos grãos, pertencentes à deusa, que o homem
precisou produzir ferramentas capazes de rasgar e arar o solo, a fim de cultivar e preparar
alimentos que fossem capazes de saciar a fome.
Nos versos 342 e 343 do encômio, Calíope diz que Ceres foi a primeira que ao mundo
deu cereais e o doce sustento,/ foi a primeira que criou as leis. Tudo é dádiva de Ceres;
indicando-a como a primeira a possibilitar que o homem fosse capaz de prover seu próprio
sustento, mostra que tanto a vida laboriosa quanto a subsistência humana estavam diretamente
vinculados a ela.

79
Musa responsável pelo canto
80
Deusa da sabedoria
81
Nove irmãs, filhas de Piério e Evipe, as quais desafiam as musas a um concurso de canto.
82
Guerra entre deuses e Titãs. A última travada antes que Júpiter estabelecesse a organização do cosmos. É narrada
por Hesíodo, entre os versos 617 e 720 da Teogonia.
As leis que menciona em foi a primeira que criou as leis (v.343) estão ligadas às
adaptações necessárias para a sobrevivência: ela quem decidia quando as terras estariam férteis
ou não; ensinou ao homem o momento de plantio, colheita e estocagem, possibilitando que se
adaptasse aos ciclos de fertilidade do solo e aprendesse a identificar o tipo de terreno necessário
para plantar cada tipo de grão. Logo, todas as regras e leis que deveriam seguir para produzir
de maneira adequada e não passar fome ou ter de migrar para terras longínquas, eram atribuídas
à Ceres – que regia todas as dádivas pertencentes a esse domínio.
Nos versos 344 e 345 que finalizam a obsecração, Calíope, ainda que seja a mais apta
ao canto, se declara incapaz de entoar um digno da deusa – atitude que exalta novamente a
sacralidade que esta detém. Vale ressaltar que o discurso ainda pode ser visto como um reflexo
da prática de invocação às musas que os aedos cultivavam, pois Calíope está a celebrar uma
deidade superior a si, de maneira análoga a qual os poetas as invocavam por serem superiores
a eles.
A Musa prossegue o detalhamento da narrativa fazendo menção à Titanomaquia, a fim
de superar a narrativa das Piérides, visto que se tratava de uma disputa, e explicar
minuciosamente as causas que motivaram o rapto de Prosérpina por Plutão, explanando,
destarte, todos os fatores envolvidos na trama. A musa desconstrói a subversão instituída pelas
adversárias e atribui as devidas glórias a Júpiter, o qual derrotou Tifeu83 e reestabeleceu a ordem
cósmica.
No ápice da derrota, porém, a criatura cai provocando um estrondo que abala todo o
plano terrestre; tamanha é a vibração que amedronta até mesmo Plutão, fazendo com que ele
emerja à superfície para averiguar o que houvera 84. A passagem em que o deus ouviu o barulho;
deixou seus domínios; e emergiu ao território superior, tem início neste verso e encerra-se ao
fim do verso 361.
Dando continuidade à narrativa Calíope deixará claro, entre os versos 363 e 379, o que
de fato motivou o deus a raptar Prosérpina: Vênus, movida pelo desejo ígneo de ser reconhecida
e sentir que não recebe a consideração devida das demais divindades, que, segundo sua
concepção, subjugam o poder do amor que ela e seu filho Cupido detêm, ordena a este que
lance suas setas contra o tio para fazer florescer em seu peito uma paixão voluptuosa pela filha
de Ceres.

83
Último Titã a ser suplantando por Júpiter.
84
O deus é mencionado pela primeira vez no verso 356 através do epíteto rex silentum, que alude ao fato deste ser
o rei dos mortos.
A deusa do amor explicita toda a confiança que tem em Cupido no verso 365, pois
atribui tudo o que tem de mais poderoso ao filho: Filho, minha arma, meu braço e meu poder;
conferindo ainda uma enorme certeza de que seu poderio supera as demais divindades
existentes, entre os versos 368 e 370, quando diz: Tu subjugas os habitantes do céu,/ e até o
próprio Júpiter, tu subjugas as divindades vencidas do mar/ e aquele que governa as divindades
marinhas; para convencê-lo mais facilmente, se utiliza de figuras retóricas a fim de persuadi-
lo; destacaremos, portanto, alguns momentos em que tais caricaturas de seu discurso atribuem-
lhe um caráter mais incisivo: Por que não dilatas o poder de tua mãe,/ que também é teu? (v.
371-372); Mas tu, pela defesa/ do poder que partilhamos, se isso representa algum benefício,/
une essa deusa a seu tio (v. 377-379), a fim de exortá-lo a cometer o que deseja, a deusa pontua
constantemente que partilha de seu próprio poder com ele, coagindo-o com primazia, pois, após
o longo discurso, Cupido alça voo e acerta a flecha poderosíssima no Senhor dos Infernos.
Sob os efeitos da flecha de Cupido, Plutão apaixona-se funestamente por Prosérpina
assim que a encontra. A deusa está em meio às flores, sorrindo, e assim que é raptada de maneira
ignominiosa, pelo deus, sente-se aterrorizada, pondo-se a gritar incessantemente por socorro,
pedindo, sobretudo, pelo amparo da mãe. No verso 390, Ovídio, através da narração de Calíope,
atribui à Ceres o florescimento, deixando bem claro que a úmida terra produz flores; no verso
seguinte podemos observar que o poeta admite uma transversalidade imprescindível para o
entendimento do mito e suas consequências, relacionando este e o mito das quatro idades,
contado no livro I, ao dizer que a primavera é perpétua, assim como era até que Júpiter a
findasse durante a transição da idade de ouro para a idade de prata, permitindo que enxerguemos
a simultaneidade entre as narrativas e que entendamos a finalidade do mito do rapto de
Prosérpina como sendo a explicação do motivo que levou Júpiter a dividir o ano em estações.
Tal característica nos apresenta uma nova funcionalidade do mito etiológico: explicar
causas e motivações que não têm espaço para serem citadas na narrativa cosmogônica, onde
interessa-nos apenas entender como funcionava a desordem e como a ordem se estabeleceu,
dispensando os pormenores que a etiologia explora ao propor explicações para a existência de
objetos e seres e a tomada de atitudes que afetam a organização da natureza e a vida em
sociedade.
A narrativa prossegue e podemos encontrar, entre os versos 398 e 399, características
que indicam a queda da primavera que virá a ocorrer: E, porque rasgara a veste de alto a baixo,/
as flores colhidas caíram da túnica que as segurava; pelo fato de Prosérpina ser a deusa da
germinação das terras, o florescimento também está estritamente vinculado a sua significação.
A imagem das flores caindo por causa do seu sofrimento simboliza a infertilidade pela qual a
natureza passará no momento em que esta não estiver presente; o movimento de cima para
baixo que o rompimento de sua vestimenta perfaz retrata o mesmo processo pelo qual as folhas
passam quando o outono se aproxima, e esta estação simboliza justamente um período de falta
de fertilidade da natureza, uma queda, a mesma queda que Prosérpina sofre sendo levada do
mundo superior ao inferior, privando as terras de germinar.
Entre os versos 400 e 424 o rapto é concluído. Ao tentar retornar para o submundo com
a deusa, porém, Plutão depara-se com Cíane – uma ninfa do rio que se mostrará útil para as
conclusões que Ceres tomará mais adiante –, que tenta impedir o deus de concluir a fuga,
proferindo, entre os versos 415 e 419, que este não poderia ser genro de Ceres sem que esta
permitisse, deveria: pedi-la e não raptá-la; põe o deus como inferior às deusas e inflige sua
moral ao dizer que, ao relacioná-los, estaria comparando ninharias com grandezas. Insultado e
tomado pela ira, o deus, que é referenciado no verso 420 como o filho de Saturno, ultraja as
águas da ninfa utilizando seu cetro real e conclui o rapto. Do verso 425 ao 437, Cíane sofre uma
transformação, reflexo do poder de Plutão, transformando-se em riacho. Tal metamorfose é
concluída com os dizeres: Por fim, em lugar do sangue que dá vida, em suas alteradas veias/
corre água, e nada resta que possa ser agarrado.
Do verso 438 em diante a narração de Calíope se detém a explicar as ações de Ceres
durante o período em que procura Prosérpina, destacando suas características físicas e como
agia quando impulsionada pelos sentimentos de dor e vingança. Exprime também como tais
expressões refletiam sobre a terra e os seres vivos, a fim de pontuar constantemente a fragilidade
da vida mortal perante a divindade. A tessitura de seus comportamentos pode ser secionada em
etapas as quais sucedem umas às outras conforme Ceres capta maiores informações acerca dos
acontecimentos envolvidos no desaparecimento da filha.
Na primeira etapa, localizada entre os versos 438 e 461, Ceres ainda não sabia o que
estava acontecendo, apenas ouviu seus gritos e pôs-se a procurá-la incessantemente, dia e noite.
No primeiro dia requestou a ajuda de Aurora – Titânide conhecida por ser quem abre as portas
dos céus para o carro do sol – e Héspero – filho de Aurora –, que, assim como ela, falharam em
encontrar a deusa raptada. Ceres, desesperada, continuou a caçá-la por todos os lados, parando
sequer para dormir, conforme evidenciado no verso 445: começou de novo a procurar a filha,
do pôr ao nascer do sol. Em seguida, por não estar hidratando-se da maneira adequada ou
repousando em momento algum, avistou uma casa e pediu água para a anfitriã, porém, ao invés
da bebida, esta a serviu uma espécie de mulsum: mistura de vinho, farinha de cevada e mel que
nutriria a deusa.
Enquanto está ingerindo desesperadamente a mistura, um rapaz a desagrada por tornar
risível a situação degradante em que se encontra. Sentindo-se ofendida, rega-o com uma parte
de sua bebida que é composta por líquido e farinha de cevada, o que provoca a metamorfose
dele em estelião: pequeno lagarto símil ao camaleão. Este excerto demonstra a magnitude de
seu poder e a maneira como age quando à flor da pele, representando, sobretudo, a importância
da filha para que Ceres esteja em harmonia.
A segunda etapa é compreendida entre os versos 462 e 484, quando Ceres descobre que
a filha fora raptada e torna todas as terras inférteis como reflexo de sua ira. Logo no verso 463
é evidenciado que a deusa havia procurado a filha por toda a parte, pois: faltou mundo à sua
busca; no verso 464, quando retorna ao local em que primeiro procurou, chega ao riacho em
que Cíane havia sido metamorfoseada. A ninfa tenta ajudar Ceres da única maneira que
encontra, visto que não podia falar: deixou ver/ à superfície das águas o cinto de Perséfone,
bem conhecido da mãe,/ que por acaso tinha caído ao poço sacro naquele lugar (v. 468 a 470).
No momento em que Ceres se depara com o cinto da filha, entende que esta havia sido
raptada, deste modo, haja vista que ainda não conhecia a origem do raptor, pune todos os seres
existentes e amaldiçoa todos os lugares da terra, pois considera a todos ingratos e indignos do
dom das colheitas,/ e, mais que todos, Tinácria, onde encontrou sinais do rapto. (v. 475 a 476).
As consequências da maldição que roga nas lavouras, em reflexo da cólera que a
acomete, são descritas entre os versos 477 e 484, quando a deusa destrói os arados, enfraquece
as sementes, e ordena que os campos não germinem. Nos versos 478 e 479, onde se diz que a
deusa: deu morte igual a lavradores/ e a bois de trabalho, podemos observar que Ceres subjuga
homens e animais de maneira análoga, não se diferencia o animal do homem, ambos necessitam
do alimento fornecido pelos seus grãos na mesma proporção: o homem não tem poder de
produção sem que ela permita.
Do verso 481 ao 484 é explicitado como o culto à deidade é importante para a sociedade,
mostrando, sobretudo, como estes estão vinculados à necessidade do homem de que a terra
esteja fértil para que ele produza, pois se torna claro que a fertilidade é o motivo do louvor, e
sua falta que ocasionará o definhamento da vida terrestre: a fertilidade desta terra, por todo o
mundo louvada,/ está desmentida (v. 481-482). A desordem cósmica também é vista como
resultante de seu abalo, pois uma vez que esta fertilidade fora desmentida: as messes morrem
ainda em erva,/ e ora destrói o sol em excesso, ora a muita chuva, e afetam-nas as inclemências
e os ventos (v. 482-484), esta passagem delimita, acima de tudo, a perturbação inicial que a
primavera sofre, pois, o vento ameno, o sol baixo e a falta de pluviosidade, são substituídas por
toda a desordenação narrada.
A terceira etapa está compreendida entre os versos 485 e 508 e representa basicamente
o momento em que Ceres descobriu a natureza do raptor de Prosérpina. Os versos 485 e 486
mostram apenas que a desarmonia da natureza continuava: as vorazes aves roubam as sementes
lançadas à terra./ O joio, os abrolhos e a invencível grama dão cabo do trigo.
Entre os versos 486 e 508, Aretusa – ninfa do rio – entra em contato com Ceres a fim
de fazer com que a deusa pare de culpar toda a terra por causa de um único culpado; utiliza
argumentos para apaziguá-la e explica que fala como uma forasteira, que sua pátria não é
aquela, mas que Ceres é tanto mãe da deusa quanto das lavouras: Ó mãe de uma donzela
procurada pelo mundo inteiro/ e mãe das searas (v. 489-490) e deveria zelar por ambas.
Explica ainda que a terra foi ultrajada, não infiel, e foi contrariada que se abriu ao rapto (v.
492), por isso não merecia o ataque sofrido.
Enquanto detalha o caminho que percorreu, privando Ceres de maiores explicações, a
ninfa a brinda com a resolução que tanto buscava, relatando, entre os versos 504 e 508, que,
enquanto caminhava às margens do Estige – rio dos Infernos –, avistou Prosérpina triste e
amedrontada, apesar de ser rainha e soberana do mundo das trevas (v. 507). Aretusa explica à
Ceres que sua filha havia se tornado esposa de Plutão, o que nos faz entender que Prosérpina
agora representava para o submundo tudo aquilo que Juno representava para o mundo superior
na posição de esposa de Júpiter.
A quarta etapa está compreendida entre os versos 509 e 532 e figura a reação de Ceres
ao descobrir o destino da filha e sua ida até Júpiter na tentativa de que ele a resgate. Quando
descobre o que aconteceu, infla-se de ódio como se estivesse fulminada por um raio, porém, ao
invés de desgastar ainda mais as lavouras, decidiu subir ao Olimpo e pedir para que Júpiter
resolvesse a situação, visto que este era pai da deusa que fora raptada.
No verso 514, Ceres inicia uma súplica a Júpiter que se encerra no verso 522, introduz
o discurso dizendo que suplica também pelo sangue do próprio deus, pedindo ainda que a
situação de Prosérpina não seja vista por ele como objeto menor de preocupação por ser filha
dela, e que não acha que a filha do próprio Júpiter mereça um ladrão como marido.
Do verso 523 ao 532, Júpiter replica as preces da deusa deixando claro que tem ciência
das responsabilidades de ambos com Prosérpina, mas que, antes de ser um ultraje, a ação do
irmão, o qual ele não se ofenderia por ter como genro, configurou um ato de amor. Explicita
ainda que Plutão não é inferior a ele senão por ação do destino (v. 529), porém, visto que a
deusa deseja tanto a separação, sua filha voltará ao céu com uma condição: se seus lábios não
tocaram lá/ em qualquer alimento. Pois assim se cumprirá a disposição das Parcas.
É válido que observemos dois pontos significativos do discurso de Júpiter: primeiro
podemos perceber que ele não se coloca acima de Plutão, o que exemplifica de maneira objetiva
que um dominar os Céus e outro os Infernos, não determina que um seja mais importante que
o outro, do contrário, todo o poder que Júpiter detém em seu domínio, Plutão porta
analogamente no seu, e ele faz questão de deixar isso muito claro quando Ceres supõe que ele
sobreponha o irmão.
O segundo ponto a analisar é a maneira como ele lida em relação à lei das Parcas –
entidades semelhantes às moiras que regiam o destino do homem e estipulavam leis que nem
mesmo os deuses poderiam transgredir. Júpiter explica que elas impedem que alguém deixe os
Infernos após alimentar-se e por isso só poderia agir se Prosérpina não houvesse quebrado o
jejum. Ainda que indique a grandiosidade do poder do seu irmão, são as Parcas que ele põe
como as únicas que poderiam impedir sua decisão de retirar a filha dos Infernos, o que
conjectura o poder que estas tinham sobre os deuses, pois suas imposições estariam acima de
qualquer decisão que os deuses envolvidos na trama desejassem tomar.
A última etapa que constitui o enredo estende-se do verso 533 ao 571. Ceres descobre,
para sua tristeza, que Prosérpina havia quebrado o jejum ao alimentar-se de sete grãos de Romã
colhido nos jardins dos Infernos e, entre os versos 543 e 550, transforma, aos prantos, o delator
de sua filha, Ascálafo, que é responsável por sua vinculação perpétua aos Infernos, em coruja.
Entre os versos 564 e 567, por fim, Júpiter estabelece um acordo entre Ceres e Plutão de modo
que a lei das Parcas não seja ferida, Plutão não seja ultrajado e Ceres sinta-se acalentada: institui
que o ano será dividido em duas partes de tempo iguais e Prosérpina ficará uma delas com a
mãe e outra com o marido, pertencendo assim aos dois reinos, estando tantos meses num como
no outro. Apesar de Ceres não se contentar completamente, ambos aceitam o acordo e a ordem
reestabelece-se, mais uma vez, por meio das ações de Júpiter.
Destarte, as quatro estações ocorriam porque os períodos de transição de Prosérpina
entre os mundos eram sempre difíceis para Ceres, sobretudo quando a filha deveria descer aos
Infernos, logo, o outono ocorria quando estava perto do dia em que a filha desceria ao
submundo, a queda das folhas dessa estação simbolizama privação de germinação das terras
pela seca que a falta da atuação de Prosérpina causará. Esse período era suscedido pelo inverno,
que representava a tristeza e o desespero de Ceres por estar longe de sua filha, marcando o ápice
da infertilidade do solo, já o verão e a primavera ocorriam quando Prosérpina estava nos céus,
germinando as terras e trazendo harmonia para a mãe.
Esse mito, então, explicita, além de todas as importâncias de Ceres para a sociedade e
para a subsistência humana, que foram citadas do decorrer do texto, as características
primordiais de Júpiter, pois ele é visto novamente como o mantenedor da ordem. As ações que
Plutão cometeu sob os efeitos do Cupido e tudo o que Ceres causou à natureza trouxeram de
volta a desordem cósmica que Júpiter contivera após a Titanomaquia, e por isso sua menção
por Calíope no primeiro momento se faz imprescindível, para figurar que desde os primórdios
a característica fundamental de Júpiter é estabelecer e manter a ordem, fazendo com que
percebamos que toda a resolução deste mito nada mais é do que ele, mais uma vez, exercendo
este papel crucial para a existência da vida.
Se os cultos a Ceres são vitais por sua capacidade de privar o homem e os animais de
alimentos através da infertilidade das lavouras, os cultos a Júpiter se tornam essenciais por
causa da necessidade de que ele esteja sempre cuidando da conservação da ordem da natureza.
O fato de Ceres ir até ele após ter destruído todo o cosmos em seu momento de raiva, pedindo
que ele intervenha para solucionar o ocorrido, demonstra, sobretudo, como ele era necessário
nos momentos de perturbação da ordem natural das coisas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho, buscamos explanar a figura de Ceres como preceptora dos


homens, mostrando que esta possibilitava o cultivo e consequentemente a sobrevivência
humana, regendo a natureza e dispondo suas terras férteis aos homens e animais. Ao decorrer
da análise também exploramos a maneira em que o mito era utilizado para explicar emoções
como o amor e a raiva, pois tanto as ações de Plutão quanto as de Ceres ocorreram de forma
indômita e motivadas pela ação de uma outra divindade, mesmo que esta se mantenha na
obscuridade por grande parte da trama, o leitor entende desde o início que tudo o que ela sofre
é motivado pela ação de Vênus e Cupido que afetaram Plutão.
Ainda nos debruçamos sobre a característica esclarecedora do mito para mostrar como
a sociedade romana da época de Ovídio se servia da narrativa mitológica para entender o que
não alcançava, a exemplo das mudanças climáticas e da impossibilidade de cultivar em
determinado período do ano. Essa forte utilização do mito em todos os âmbitos da vida pode
ser vista de maneira mais clara nos versos 481 e 482, quando nos é apontado que os homens
faziam louvores às terras de Ceres para que estas se mantivessem férteis, nos mostrando que o
homem romano expressava sua religiosidade em todas as tarefas que precisasse cumprir.
Ademais, fez-se cognoscível que há necessidade de uma desordem para que a ordem se
imponha, pois sem as ações de Ceres em seu momento de caos, Júpiter não precisaria
estabelecer um pacto que findasse a primavera, com esta infindável a natureza não passaria por
todos os ciclos que necessita para constituir sua harmonia e a sobrevivência de todos os seres
vivos em sua completude. A imprescindibilidade de Júpiter também fica estabelecida, pois, sem
sua intervenção, o cosmos não se reestabeleceria.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Junito. Mitologia Grega, vol. 1, 21ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Vozes – 2015;

CASSIRER, Ernest. Linguagem e Mito; tradução: J. Guinsburg, Miriam Schnaiderman. 4ª


edição. São Paulo: Ed. Perspectiva – 2013;

GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana; tradução: Victor Jabouille. 4ª


edição. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil – 2000;

HESÍODO. Teogonia; tradução: Jaa Torrano. 4ª edição. São Paulo: Ed. Iluminuras – 2003;

HOMERO. Ilíada; tradução: Carlos Alberto Nunes. 2ª edição. São Paulo: Ediouro – 2009;

OVÍDIO. Metamorphoses; edição bilíngue; tradução: Domingos Lucas Dias. 1ª edição. São
Paulo: Ed. 34 – 2017;

RUTHVEN, K. K. O Mito; tradução: Esther Eva Horivitz. 1ª edição. São Paulo: Ed. Perspectiva
– 2010;

VIRGÍLIO. Eneida; edição bilíngue; tradução: Carlos Alberto Nunes. 2ª edição. São Paulo: Ed.
34 – 2016;
HISTÓRIAS DE CRIANÇAS: UM ENCONTRO COM AS MEMÓRIAS
DE CAROLINA MARIA DE JESUS

Fátima Santana Santos


(UFSB - fatima.santana19@gmail.com)85

RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar através da história de vida e obras da escritora Carolina
Maria de Jesus, como tais perspectivas contribuem para uma educação antirracista. Trata-se de
um estudo descritivo que coloca em evidência experiências em uma instituição escolar de
ensino do município de Lauro de Freitas/BA, onde o debate entretece a partir das histórias
contadas pelas crianças, em um projeto escolar. Foi possível perceber, a partir dos exemplos
relatados, o quanto é possível que as crianças vivenciem suas experiências positivas e de
representatividade no âmbito escolar com projetos, que, de forma provocativa, trazem
proposições que fomentem o ensino das relações étnicos raciais na educação infantil

PALAVRAS-CHAVE: Criança negra; Carolina Maria de Jesus; Menina; Pobreza; Relações


étnico-raciais.

INTRODUÇÃO

As crianças ricas brincam no jardim com seus brinquedos prediletos.


E as crianças pobres acompanham as mães a pedirem brinquedos
pelas ruas. Que desigualdades trágicas e que brincadeira do destino.

(Carolina Maria de Jesus)

Não há como negar que a proposta desse escrito tem relação com a minha própria
história de vida e com tantas outras histórias que tenho ouvido ao longo do meu processo de
formação. Cresci no Curuzu, um bairro soteropolitano que por muito tempo foi considerado o
mais negro de Salvador. Minhas experiências de vida estiveram estreitamente imbricadas com
as questões raciais. Esse meu percurso formativo trouxe como marcas várias violências
simbólicas, e muitas vezes silenciadas. É importante lembrar que a “covardia para
sobrevivência” nesse meu percurso deu-se desde muito pequena e hoje, refletindo de forma

85
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ensino em Relações Étnico-Raciais na Universidade
Federal do Sul da Bahia.
mais madura, acredito que essa atitude foi, sem dúvida, uma tentativa de minimizar o
enfrentamento, já que, desde muito, cedo fui marcada por situações de racismo e preconceito.
Assim, diria que o processo de construção identitária nesse sentido - abro parêntese para
a questão de gênero, ser menina, negra e pobre no Brasil - é uma “tarefa” muito complexa.
Depois da família, a escola torna-se um espaço decisivo para que construções identitárias
positivas se solidifiquem e se amalgamem nos corpos das crianças.
Portanto, trazer para o diálogo textos da escritora e artista Carolina Maria de Jesus para
as crianças do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Dr. Djalma Ramos 86 é a
oportunidade de trazer para o centro do debate questões sobre como o processo de ensino-
aprendizagem em um currículo aparentemente “desconhecido” pode dialogar com questões
como identidade, gênero e dignidade.
O CMEI Dr. Djalma Ramos, como a maioria das instituições escolares públicas
brasileiras, encontra-se imerso em questões como pobreza e miséria. Assim, fatores como
violência, fome, e tantas outras mazelas sociais, infelizmente, também estão presente dentro do
nosso contexto. Portanto, a escolha por Carolina como projeto anual da instituição foi,
sobretudo, pela história de vida da escritora, e também como uma oportunidade de trazer
problematizações sobre identidade, representatividade, desigualdade, gênero e dignidade. Mas
quem foi Carolina Maria de Jesus?
Uma mulher negra que nasceu no Triângulo Mineiro, no dia 14 de março de 1914, na
cidade de Sacramento, onde é forte a tradição das Congadas e Moçambiques e a devoção à
Nossa Senhora do Rosário. Carolina estudou, em média, de dois anos, toda sua educação formal
na leitura e escrita é com base neste pouco tempo de estudo.
Mesmo diante de todas as mazelas, perdas e discriminações que sofreu em Sacramento,
por ser negra e pobre, Carolina revelou através de sua escrita a importância do testemunho,
como meio de denúncia, da desigualdade social e do preconceito racial.
Um dos seus livros mais famosos é Quarto de despejo (1960) onde ela descreve o dia-
a-dia de uma favela. Carolina deixou poesias, provérbios, contos, romances, diários, peças
teatrais, mas grande parte dessa obra permanece inédita.
Neste sentido, trazer Carolina tornou-se uma alternativa possível para repensarmos a
menina e a mulher negra dentro de um contexto de pobreza. É também um modo de

86
O Centro Municipal de Educação Infantil Dr. Djalma Ramos atende 145 (cento e quarenta e cinco) crianças, em
idade de 0 (zero) a 06 (seis) anos, no município de Lauro de Freitas, no bairro de Vida Nova, Lauro de Freitas/BA.
repensarmos a sua história como possibilidade no processo de leitura e escrita dentro do nosso
ambiente escolar.
As memórias da escritora nos instigam a entender melhor a complexa pobreza que nos
atinge diariamente. A pobreza, na atualidade, é definida como uma questão social produzida
por um sistema capitalista, onde a exploração tem impacto direto na formação de uma sociedade
injusta e desigual, conforme cita Yarbez (2012, p. 289).

Assim, abordo a pobreza como uma das manifestações da questão social, dessa forma
como expressão direta das relações vigentes na sociedade localizando a questão no
âmbito de relações constitutivas de um padrão de desenvolvimento capitalista,
extremamente desigual em que convivem acumulação e miséria. Os “pobres” são
produtos dessas relações que produzem e reproduzem a desigualdade no plano social,
político, econômico e cultural, definindo um lugar para eles na sociedade.

Portanto, a pobreza não se trata apenas de uma questão econômica. Trata-se de um


processo que é social e histórico que foi sendo construído, onde as condições de vida colocam
aqueles afetados pela pobreza no lugar de exclusão e subalternidade, ou seja, trata-se de uma
divisão social de classes.
Neste sentido, optamos em refletir sobre os escritos de Carolina Maria de Jesus em
diálogo com a pobreza, a partir de atores implicados num encontro com as suas
heterogeneidades, cujos processos culturaisformativos nos levaram a dar uma tratativa a uma
identidade coletiva que potencializasse as nossas crianças como curriculantes.

Nesses termos, crianças curriculantes se apresentariam para configurar e colorir mas


(in) tensamente os cenários curriculares, em geral feitos para elas, mas raramente com
elas. Seus etnométodos, ou seja, seus modos de sentirpensar e criar mundos relacionais
comporiam as propostas curriculares, sem que adultos as encaixassem nos seus
tempos e crenças narcísicos e obsessivos, nos quais a maturidade, a eficiência buscada
estariam num futuro traçado como “linha dura” inspiração crítica deleuziana.
(Macedo; Azevedo, 2013, p.29).

Pois, as reflexões atuais sobre um currículo educativo e formativo (Macedo, 2013) têm
provocado nesses espaços prospectiva de repensarem sobre como se dão os processos
formativos e, quando se trata de crianças, é irrefutável a reflexão sobre quais itinerâncias
formativas estamos propondo para elas.
REESCREVENDO A HISTÓRIA DE CAROLINA A PARTIR DOS ATORES
IMPLICADOS

Na história de vida de Carolina encontramos o jornalista Audálio Dantas, o homem que


sistematizou sua obra. Segundo os relatos do jornalista tratava-se de uma mulher briguenta que
ameaçava os vizinhos com a promessa de colocá-los em um livro. Segundo ele, Carolina os
ameaçava com a seguinte frase: “Estou escrevendo um livro e vou colocar vocês lá”. Dantas,
ao ser convidado por ela para conhecer o seu escrito, deparou-se com descrições do cotidiano
da favela.
A história dessa escritora nos aguçou a pensar na Carolina menina e nas suas infâncias,
deslocada ou alocada em um contexto de desigualdade e pobreza, e refletir nas itinerâncias
possíveis que Carolina fez para se envolver de forma tão intensa e profunda com o mundo da
leitura e da escrita.
Eu disse: o meu sonho é escrever!
Responde o branco: ela é louca
O que as negras devem fazer...
É ir pro tanque lavar roupa.
(Jesus, 1996, p. 201)

Ao fazermos uma conexão com o seu livro Diário de Bitita87 (1982), onde a autora nos
conta sobre as suas memórias de infância e adolescência, as nossas reflexões se dão no capítulo
onde ela narra suas experiências com a escola, o que nos dá clareza sobre o que significa ser
menina pobre e negra no Brasil.

[...] Amanhã eu não volto aqui. Eu não preciso aprender ler. É que eu estava revoltada
com os colegas de classe por terem dito que eu entrei:
- Que negrinha feia!
Ninguém quer ser feio
- Que olhos grandes, parece de sapo [...]
(Jesus, 1986, p.122)

Os relatos de Carolina em seu livro Diário de Bitita sobre a escola, já trazem


configurado a problemática descrita pela escritora Cavalleiro (2001) em seu livro Do Silêncio
do Lar ao Silêncio Escolar, onde é narrada a problemática sobre enfrentamento das relações
raciais no interior da escola com as crianças e sobre a postura dos professores quando o assunto
retrata tais questões.

87
Apelido de infância da escritora.
A criança negra que passa por constrangimentos normalmente não é “acolhida”... As
crianças me xingam de preta que não toma banho. Só porque eu sou preta elas falam
que eu não tomo banho. Ficam me xingando de preta cor de carvão. Eles me xingam
de preta fedida. Eu contei para a professora e ela não fez nada. (Cavalleiro, 2001,
p.146)

Assim, Carolina em suas narrativas demonstra de forma muito contundente como o


processo de aprendizagem se dá de forma diferente para negros e brancos e como esses
processos ocorrem inúmeras vezes de forma violenta e carregada de estereótipos. Em suas
descrições, fica claro que a questão racial no Brasil sempre foi um problema no Brasil.

- Eu quero falar com meus alunos pretos, é um assunto muito importante.


Os brancos saíam, e nós ficávamos. Ela dizia:
- Estou notando que os meus alunos brancos são mais estudiosos do que os meus
alunos pretos. Os brancos não erram quando escrevem. Lavam as mãos quando vão
pegar nos livros. Os desenhos então, que primor! Eles capricham e ganham cem todos
os dias. (Jesus, 1986, p. 127)

E sobre essas situações Cavalleiro (2001, p. 146) exemplifica como as professores/as se


referem às crianças negras como: “filhotes de São Benedito”, “cão em forma de gente”,
“carvãozinho”, entre outros. É perceptível que tais colocações violentam, inferiorizam, além
de dificultar o desenvolvimento e aprendizagem dessas crianças.
Muito embora Carolina descreva como era tratada na escola, o que nos leva ao
entendimento de que as suas experiências escolares são marcadas por diversas violências
simbólicas, racismo e discriminação, ela também descreve o seu encantamento pelo mundo da
leitura e pelos livros desde muito pequena.

[...] Depois percebi que sabia ler. Que bom! Senti um grande contentamento interior.
Lia os nomes das lojas! “Casa Brasileira, de Armond Goulart.” Não é só essa loja que
é uma casa brasileira. Mas as casas, as árvores, os homens que aqui nascem, tudo
pertence ao Brasil. Percebi que os que sabem ler têm mais possibilidades de
compreensão. Se desajustarem-se na vida, poderão reajustar-se. Li “Fármacia
Modelo.” [...] (Jesus, 1986, p.126)

Neste sentido, entendemos também que as crianças negras fazem parte de um território
e de um mundo letrado, onde as formas por meio das quais elas se expressam, cantam, dançam
e se relacionam são determinantes para repensarmos os processos de ensino-aprendizagem.
O projeto Carolina Maria de Jesus uma rainha entre nós que ocorreu no ano letivo de
2016, ganhou forma com muitos encontros entre o corpo docente do CMEI Dr. Djalma Ramos,
com as famílias, por meio de um processo de muita escuta e observação das crianças, a forma
como elas sentem e pensam o mundo. Depois subdividimos os projetos onde cada turma, a
partir das observações realizadas por cada professor com o apoio dos auxiliares de classe, pôde
dar corpo ao projeto a partir das singularidades daquela turma.
Assim, um dos grandes desafios foi fazer com que toda a comunidade escolar refletisse
sobre o projeto, incialmente a coordenação pedagógica apresentou o projeto à comunidade
escolar, e depois cada professora convidou os funcionários de apoio para dialogar e reelaborar
a proposta metodológica de cada turma. Também foram realizadas reuniões especificas com as
famílias das crianças onde elas conheceram um pouco sobre Carolina Maria de Jesus, e sobre
as atividades que seriam realizadas em cada turma.
Nossa expectativa é que as nossas crianças vivenciassem a experiência da felicidade a
partir de uma imagem positiva sobre si, construindo aprendizagens, reelaborando conceitos de
identidade, gênero, alteridade, e matriz civilizatória afro-brasileira.
À luz de novas concepções foi utilizado no projeto como pressuposto teórico para
pensarmos na alteridade civilizatória africano-brasileira Narcimária Luz (2013), consideramos
também a possibilidade de como as nossas crianças nos impõe a repensarmos o nosso currículo,
neste caso utilizamos Roberto Sidnei Macedo (2013).
O cerne principal de nosso projeto foi a história de vida e algumas obras da escritora,
poetisa e cantora Carolina Maria de Jesus. Como bibliografia complementar trouxemos autores
que problematizassem as relações étnico-raciais na educação infantil, a exemplo, Eliane
Cavalleiro e Fúlvia Rosemberg.

ENCONTRO EXPERENCIAIS COM A HISTÓRIA DE CAROLINA MARIA DE


JESUS

Sobre experiências significativas com a leitura, escrita, letramento e relações étnico-


raciais com crianças daremos destaque à história de Flavia e de José que denotam a partir das
suas experiências não só a perspectiva de leitura e escrita como também de representatividade
a partir do projeto Carolina Maria de Jesus uma rainha entre nós.
Após a professora do Pré II apresentar a história de Carolina Maria de Jesus para turma,
no dia seguinte, Ana Júlia trouxe um livro em branco, produzido com a ajuda da mãe, apenas
com um título na frente: “A descoberta de Flávia”. Na roda de conversa ela pediu para contar a
história aos colegas para que eles a ajudassem a ilustrar.
A história em seu resumo conta a história de uma menina chamada Flávia que estava no
parque brincando com sua patinete, quando outra menina se aproxima para brincar. Quando
Flávia resolve tomar sorvete ela fica sem querer dividir com a coleguinha e as duas se chateiam.
Então, no final, Flávia resolve dividir o sorvete. O que mais me chamou atenção no livro de
Júlia não foi só a história, mas principalmente a escolha da protagonista. Flavia é uma colega
da turma, negra, de cabelo crespo.
O que nos chama atenção é que não foi a colega de “pele mais clara”, de cabelo liso ou
ondulado, que Júlia escolheu para ser personagem de sua história. Foi Flávia. Uma das meninas
que fenotipicamente assemelhasse aos traços de Carolina. Isso nos fez perceber o quanto Júlia
e seus colegas estavam compreendendo o projeto, inclusive protagonizando em sua “história”
uma personagem negra, neste caso a sua colega de turma.

Ser aceito, ser amado, receber carinho, receber atenção, ser escutado, ser respeitado
pelo que é, principalmente pelos vínculos comunais que seus ancestrais
estabeleceram, ser respeitado por fazer parte da dinâmica da civilização africano
brasileira, enfim, ter orgulho de ser. Nossas crianças e jovens precisam, e a todo tempo
reivindicam, o direito a existência. (Luz, 2013, p. 11)

Outro momento de relevância do projeto foi quando uma das mães procurou a professora
da turma do pré II e perguntou: “pró, quem é essa tal Carolina?” A professora explicou para a
mãe da criança sobre o projeto e sobre o que estava trabalhando com as crianças.
É importante ressaltar que o projeto foi apresentado em reunião às famílias antes de ser
iniciado com as crianças, no entanto, por motivos diversos algumas mães não estiveram
presente. Isso nos fez avaliar o quanto representatividade é importante, pois a mãe de José nos
trouxe percepções de como as crianças estavam vivenciando a história de Carolina e como a
escritora estava chegando às famílias através delas.
A mãe relatou que José (criança da turma) havia chegado em casa dizendo: “Mãe a
senhora precisava conhecer Carolina, pois Carolina era uma mulher muito especial”. A
partir dessa frase a mãe começou a pesquisar e a se encantar também com a história de Carolina,
o que a fez com que ela levasse a história da escritora para sua classe de jovens e adultos. Essa
mãe era alfabetizadora de um programa do governo do estado denominado TOPA. 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] A prática pedagógica, que por vezes encharca-se de lágrimas em face das
consequências da dureza e da perversidade das condições de vida, do desespero diante
da miséria, no limite, constrói estratégias e alternativas; faz a festa, mergulha nos

88
Programa do Governo do Estado da Bahia – “Todos pela alfabetização” - cuja intenção é construir políticas
públicas para a educação de jovens, adultos e idosos, especialmente voltadas para a alfabetização. Disponível em:
http://www.sec.ba.gov.br/topa/topa.html. Acesso em: 20.06.2018.
movimentos e sons dos ritmos e cânticos afro-brasileiros cultivados na comunidade.
[...] (Macedo, 2013, p.126.)

Logo, é importante salientar que as crianças levaram para as suas famílias a história de
uma mulher pobre e negra, mas que ganhou o mundo a partir de seus escritos.
Não há como negar que a história de Carolina remonta às histórias de muitas Carolinas
e nos apontam para o que representa nascer menina pobre e negra no Brasil. O projeto sobre
Carolina Maria de Jesus uma rainha entre nós nos lembra que as desigualdades étnico-raciais
estão presentes no nosso cotidiano, mas que é possível construir junto as nossas crianças
experiências pedagógicas felizes e emancipatórias, que é possível resistir, reinventar e
transgredir de forma potente e com dignidade.
Assim, compreendemos que o direito de ser está imbricado com tantos outros direitos e
a garantia de novas aprendizagens, a partir das suas tantas e inúmeras experiências construídas
nos espaços de aprendizagem, e as nossas crianças negras, mesmo quando ainda estão
balbuciando as primeiras palavras, já trazem implícitas e amalgamadas em seus corpos a
necessidade desses direitos, dessa escola pujante, que através da memória e ancestralidade
negra, imbricadas com a leitura e escrita podem propor novas formas de ver, sentir e tocar o
mundo.
Desejamos que a experiência com a felicidade traduzidas em história de muitas
Carolinas promovam de forma potente novas reflexões sobre as relações étnico-raciais no
Brasil. E que as nossas crianças negras, a partir de suas experiências com os seus coletivos e
com os seus mundos, possam escrever, criar, dançar, brincar construir novas e tantas outras
histórias.
Alguns pesquisadores dizem que Carolina escrevia para resistir, o nosso desejo é que
essas experiências sejam construídas pelos coletivos através de novas insurgências, que os
espaços educativos possam promover e ressignificar o seu currículo, trazendo novas
problematizações a partir da lei 10.639/0389, e de novas concepções que todos os dias nascem
nos bairros, favelas, comunidades, terreiros e territórios.
Carolina Maria de Jesus nos inspira a seguirmos resistindo, porque para quem nasce
menina negra e pobre no Brasil construir novos caminhos a partir da escola se constitui como
forma de luta, emancipação e resistência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

89
A Lei 10.639/03, que versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, ressalta a importância
da cultura negra na formação da sociedade brasileira.
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1998.

_______. Ministério da Educação e Cultura. Lei 10.639, de 09 de Janeiro de 2003. Altera a


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IMAGEM E SIGNIFICAÇÃO: A RELAÇÃO ENTRE SUBJETIVIDADES
E OBJETOS EM UM CONTEXTO ESCOLAR

Vinicius de Oliveira
(CVC/Recife - PE)90

RESUMO
A imagem enquanto categoria é debatida por estudiosos e pesquisadores em diferentes períodos,
métodos e teorias. Este trabalho vislumbra uma análise comparativa entre as obras Sociologia
da imagem: ensaios críticos (KOURY, 2004) e Sociologia da fotografia e da imagem
(MARTINS, 2008), visando a ampliação do cabedal docente, de maneira que possa auxiliar
essa categoria em uma interseção de imagens e subjetividades projetadas, sobretudo, no
processo de conhecimento em sala de aula com concorrência entre mídias. Logo, consideramos
que a conceituação, presente no bojo de qualquer processo de conhecimento, é o gargalo que
estreita as relações e intensifica os atritos no tempo da cultura imagética.

PALAVRAS-CHAVE: imagem; sociologia; inter-relações.

INTRODUÇÃO

Diante dos incontáveis relatos de colegas, amigos e amigas de profissão, bem como
pela própria experiência docente que indica realidade contrária a expressa por parte daqueles
no que diz respeito à interseção de imagens no micro contexto da sala de aula de nível médio
de ensino, vivenciado em concomitância ao macro contexto da Sociedade da imagem
(MARTINS, 2008) e o da Cibercultura (LÉVY, 1999), percebemos a pertinência de uma
investigação que nos auxilie no entendimento sistemático, crítico e teórico a respeito dos
problemas gerados pelos encontros e desencontros das subjetividades dos indivíduos presentes
naquele micro contexto.
Os interesses e os esforços de tais indivíduos, sejam os presentes no micro contexto da
sala ou em qualquer outro, têm orientações, muitas vezes, divergentes, seja pela diferença do
papel exercido (docente e discente), seja pelas peculiaridades das histórias de vida, e/ou pelas
diferenças socioculturais e econômicas; como também pelas características comuns a cada fase
do desenvolvimento biopsicossocial (adulta e adolescente) e, por que não dizer, da síntese de
todos esses vieses. Entretanto, os campos imagéticos e representações abundam, seja através

Vinícius de Oliveira – Professor do Colégio Vera Cruz/Recife – PE (CVC-Recife). Bacharel em Sociologia pela
90

UFRPE. Email: vinicius.sociologia@gmail.com.


das mídias utilizadas pelo docente no decorrer da aula, ou através dos meios utilizados pelos
discentes, muitas vezes em concorrência e em raríssimas vezes de maneira cooperativa,
contudo, quase sempre ligados ao Ciberespaço em modo offline ou online (LÉVY, 1999).
Com isso têm-se percebido, tanto empiricamente como através do volume de trabalhos
acadêmicos dedicados às problemáticas ao micro contexto da sala de aula, que há um
distanciamento substancial entre as já mencionadas subjetividades, o que dificulta a realização
de conexões subjetivas (intersubjetividade) que poderiam favorecer o mútuo entendimento dos
signos. Ademais, não é o objetivo deste trabalho depreciar ocorrências como as que acabamos
de citar, ao passo que entendemos as mesmas como fruto, e ao mesmo tempo fertilizante, da
pluralidade e diversidade das, e entre, culturas, com seus respectivos símbolos, signos e
representações. Buscamos, sim, compreensão das minúcias cotidianas enquanto fragmentos
da inércia repetitiva que exaure objetiva e, sobretudo, subjetivamente os indivíduos desejosos
por rupturas dinâmicas, algumas vezes, ilusórias (MARTINS, 2008).
Desta forma, e seguindo a fundamentação teórico-metodológica comparada, chegamos
a considerar dispensável o uso de imagens e fotografias no decorrer de toda problematização
com o intuito de testar as frequentes afirmações a respeito da importância, quase irrefutável,
das imagens para os trabalhos envolvidos com docência e pesquisa, e consequentemente o teste
se estende às nossas habilidades metodológicas.
Logo, esse esforço nos levou a considerações que não dominávamos antes desse
trabalho e do estudo que ele demandou. Esperamos com isso contribuir significativamente
com o esclarecimento necessário a prática profissional, sobretudo a docente, nesse mundo cada
vez mais necessitado de entendimento.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Partindo de um excelente trabalho, posto aqui como eixo central, de José de Souza
Martins, publicado pela Editora Contexto em 2008, com o título Sociologia da Fotografia e
da Imagem, no qual o autor enfatiza a teoria sociológica sobre a fotografia, pinçamos algumas
noções que podem auxiliar não apenas na construção do entendimento da problemática
apresentada, como também na configuração de um contraste em relação a obra Sociologia da
imagem: ensaios críticos (KOURY, 2004), que indica a imagem e a fotografia, sobretudo,
como recurso metodológico.
Martins, como pesquisador e professor de corrente microssociológica, dialoga com
grandes expoentes do Interacionismo Simbólico (Goffman, Garfinkel e Blumer), bem como
com outras boas referências no estudo sociológico da vida cotidiana (Berger e Luckmann) e da
Fenomenologia (Alfred Schutz). Assim sendo, conduz o leitor e/ou a leitora para uma
compreensão hermenêutica daquilo que podemos chamar de significação dos objetos da
linguagem, especialmente a imagem fotográfica, ocorridos em contextos nos quais,
invariavelmente, as subjetividades inerentes aos objetos animados e inanimados
desencadeiam processos de imaginação e representação; sem, contudo, garantir alta
compatibilidade nas sínteses produzidas nos pontos de interseção (MARTINS, 2008).

Sobretudo na fotografia como documento da invasão da vida cotidiana e


repetitiva pelos instrumentos, gestos, cenas e cenários que fazem do
desencontro e do insólito os fatores do punctum da consciência visual que a
fotografia viabiliza e difunde (MARTINS, 2008, p. 20).

Percebemos que o autor entende o ato fotográfico como uma prática com suas
particularidades, comuns ao envolvidos na mesma, muito embora as técnicas possam ser
diferentes. Mesmo que o fotógrafo utilize técnicas de iluminação ou de velocidade de captura
da imagem fotográfica, inéditas e inovadoras, ele estará utilizando instrumentos/objetos que
estarão presentes quase que nas totalidades dos atos fotográficos. Da mesma forma acontece
com o fotografado, que é uma das partes constituintes, concomitantemente, de dois campos: o
imagético e o social, e que tanto auxilia com gestos, expressões, e posições, como é auxiliado
pelo fotógrafo na composição do ato. Contudo, e apesar dessa repetição caraterística do ato em
questão, há também as rupturas, os desencontros, íntima e profundamente conectados ao
punctum, ou seja, à seara subjetiva das experiências humanas que, para além de qualquer tipo
de juízo, realizam a imersão da vida cotidiana nas profundezas da diversidade e pluralidade
dos signos e símbolos que constituem as representações e atos imaginários.
Diante disso é pertinente afirmar que os desencontros são também orientados pelo
desejo humano por ilusões (BAZIN, 1962 apud MARTINS, 2008) que permitam rupturas da
inércia cotidiana, livrando momentaneamente os indivíduos da imaginação infértil às pulsões
imediatas que demandam dinamismo.

É o caso da guerra e das revoluções, que, na sua dimensão trágica, oferecem ao


pesquisador um ângulo de observação sociológica comparativa em relação aos
ângulos costumeiros de calmaria, rotina e repetição, que constituem a cômoda
fortaleza da pesquisa convencional (MARTINS, 2008, p. 20).
Embora o exemplo na citação trate de um contexto extremamente diverso, podemos
flexibilizar, trazendo para as nossas práticas cotidianas mais pungentes que orientam, de
maneira mais ou menos consciente, a buscar uma solução ou mesmo rupturas para cessar a
inércia pungente. É o que também verificamos no seguinte escrito de Martins (2008) ao citar
Bazin (1962): “na fotografia o essencial não é a perfeição do processo físico, mas o fato
psicológico de que ela satisfaz, por um meio mecânico, o nosso apetite de ilusão, e a ilusão
sobrepassa as eras”.
Destarte, há uma gama quase infinita de signos e símbolos entre o transcorrer de uma
ruptura, que busca dinamismo, e a oposição da inércia repetitiva, muitas vezes cotidiana.
Signos e símbolos esses que vão, em boa parte dos casos, na contramão, ou mesmo em vias
distintas e distantes, mas que de uma forma ou de outra se encontram, daquela que se coloca
ou é posta como central num determinado contexto. Para ficar mais claro e evidente podemos
associar à vivência da sala de aula, onde um docente ministra o conteúdo de uma disciplina,
estando assim na posição central de um contexto, e um discente que expressa pouco ou
nenhum interesse em relação a esse contexto, cotidiano, ao desviar a sua atenção para uma
brincadeira entre colegas de classe, ou para o seu próprio telefone celular. Em casos como
esses estarão os personagens subversivos buscando outras fontes de signos e símbolos,
representados e mediatizados por um conjunto de práticas consideradas, inicialmente,
coadjuvantes naquele contexto, mas que na verdade são práticas centrais em contextos cuja
trajetória é perpendicular em relação ao contexto indicado como central e/ou dominante e postos
por esse em posição periférica e de desordem.
Diante do exposto, torna-se pertinente uma analogia interrogativa: tais práticas
coadjuvantes subversivas de uma ordem cotidiana, em outras palavras, de uma inércia, se
conectam àquela noção de ilusão que Martins (2008) expôs ao citar Bazin (1962), a medida
que elas possibilitam um breve distanciamento subjetivo, mas que não liberta objetivamente
os subversivos, sendo assim estes inseridos numa nova inércia, numa nova rotina dialética
cujos contrários são os contextos periféricos (ora centrais) e o central (ora periférico)? Surge
assim uma provável hipótese que, todavia, não pode ser explorada neste trabalho, visto que ela
demanda um instrumental metodológico que não é coerente com o que foi definido para o
presente trabalho. Aqui objetivamos a comparação de trabalhos acadêmicos que tocam na
importância da imagem e da fotografia na compreensão de fenômenos cotidianos vinculados
a uma realidade sociocultural, e que, embora esses trabalhos afirmem a importância das
imagens, estas não garantem a intersubjetividade entre os personagens que interagem, tanto no
mesmo contexto, como também em contextos concorrentes.
Assim, retomamos o que foi pontuado a respeito dos contextos e suas respectivas
práticas, que mediam e trazem à objetividade os signos e símbolos que se estruturam mediante
o contato dos personagens com imagens e representações (Martins, 2008) projetadas, seja pelo
telefone celular e/ou pelas práticas subversivas dos contextos periféricos (ora centrais) em
confronto com os contextos centrais (ora periféricos). Essa reflexão indica uma orientação que
produz ônus ao tradicional argumento empoderador da imagem (em movimento ou parada)
enquanto recurso quase infalível na obtenção da atenção necessária à manutenção da
centralidade do contexto docente-discente/discente-docente. A imagem, seja ela fotográfica
ou não, traz consigo o seu punctum (subjetividade) o que a torna potencialmente relacional,
passível e talvez até desejosa por inter-relações. Mas, contudo, o objeto com o qual ela possa
vir a se relacionar pode trazer em sua infinitude subjetiva conexões entre signos, representações
e contextos tão diversos que a intersubjetividade passa a ser representada como espécie de
quimera.

METODOLOGIA

A partir desse ponto realizaremos uma comparação entre a obra organizada por Koury
(2004) com a análise teórica de Martins (2008). Vejamos os seguintes trechos de cada obra,
que tornam evidentes ambos os autores que ainda há muito a ser feito no tocante a apropriação
da imagem, seja ela fotográfica ou não, por parte das ciências sociais.

Acho que não resolvi nenhum problema, e nem um pensamento sistemático da


relação comunicação antropologia visual propus, ficou mais em um discurso de
perplexidade e do muito a se fazer, enquanto estudo e pesquisa, nesta disciplina que
abraço e abraçamos (KOURY, 2004, p. 15 e 16).
Portanto, indicações de que a entrada da imagem no universo da Sociologia e da
Antropologia abre um amplo terreno de indagações, dúvidas e experimentos que
tanto enriquecem o conhecimento produzido por essas ciências quanto alargam a
consciência das limitações que têm as técnicas de investigação conhecidas e
consagradas ou a consciência de sua importância relativa (MARTINS,
2008, p.10 e 11).

Koury (2004), pouco antes de expressar a ideia que acabamos de citar desenvolve outra
que aponta a tendência humana ao isolamento, tendência essa desencadeada pelo estilo de vida
capitalista, que dentre os seus inúmeros processos torna o espaço público num espaço de
relações impessoais e superficiais devido as particularidades objetivas e subjetivas desse
espaço. O mesmo ainda cita a marcha crescente do individualismo, que pode levar ao
isolamento, como consequência tanto da progressiva tendência da predileção pelo espaço
privado, local do “eu genuíno”, e opositor do espaço dos objetos mercantis, como pela
consequente espetacularização do privado, do íntimo, que revela não apenas a posição cada
vez mais central do “eu genuíno” em privacidade, mas também o desejo pela exposição deste
eu que se autoafirma na publicidade, na mercantilização da sua privacidade (KOURY, 2004).
Ampliavam-se assim as margens do recato e da solidão individual, ou seja, a
dificuldade de relacionar- se em público pelo exclusivismo do eu mantido em
segredo, ou pelo escancaramento deste mesmo eu como espetáculo em uma sociedade
de eus genuínos. O segredo e o escancaramento como objetos nebulosos de uma
sociabilidade impossível, a não ser na esfera íntima onde o não ser compreendido
(pelo social) tornava-se a chave mestra junto à outra, a manipulação, possível ou real,
numa sociabilidade de objetos mercantis (KOURY, 2004, p. 11).

Um tipo de ambivalência também é verificada em Martins (2008) ao iniciar a quinta


parte do primeiro capítulo da obra que estamos apreciando, que ele subintitula “Clique 5:
Apresentar e representar”:

Não é regra, mas não é raro, que o fotógrafo amador que fotografa pessoas, parentes,
amigos, conhecidos, escolha um cenário que enobreça os fotografados ou que sugira
uma classe social que não é a deles. Ou então valorize um detalhe mais digno dos
cenários costumeiros. Deixar-se fotografar diante de monumentos, de um palácio, de
casas de pessoas ricas reforça a encenação visual. Tenta contextualizar falsamente, o
fotografado. O fotografado fora de seu lugar transporta esse lugar consigo para dentro
do imaginário alienado de sua classe e de sua categoria social (MARTINS, 2008, p.
47 e 48).

Essa dialética contextual se assemelha à que já foi exposta neste trabalho, quando
indicamos a relação docente-discente/discente-docente em sala de aula, porém a atual enfatiza
a composição fotográfica num contexto visual que rompe com a realidade cotidiana dos
personagens, enquanto a anterior sugere hipoteticamente, e esse retorno reforça a validade e
legitimidade da hipótese, que aquela ruptura da inércia é ilusória ao passo que lança os
personagens numa nova rotina que é a dialética da centralidade contextual. Essa semelhança
identificada no quesito ruptura, quando orientada de maneira meticulosa contribui na
verificação de uma convergência para aquilo que expressou Koury (2004): “a publicidade do
‘eu’”. E justamente aí fechamos um ciclo que torna evidente a pertinência das obras escolhidas
e como elas se complementam mediante esforço teórico-metodológico, embora suas
respectivas abordagens sejam efetivadas em vias sociológicas diferentes.

Considerações Finais
No início da era moderna os filósofos empiristas buscaram sistematizar uma teoria para
entender a produção do conhecimento assentado na experiência sensível (MARCONDES,
1986). Séculos depois Karl Marx desenvolve o Materialismo Histórico, que trata o assunto de
maneira semelhante, partindo da materialidade natural condensada enquanto corpo humano
capaz de perceber a materialidade natural e artificial através dos cinco (as vezes menos)
sentidos (BARBOSA, 1986).
Ferreira (2010) recorre ao trabalho de Greuel (1994) e lá verifica que este retoma o
pensamento fenomenológico de Steiner para expressar com rigor o caráter dialético do
processo de conhecimento humano. Após a percepção da realidade material, primeira etapa
de três no processo de produção do conhecimento, seguindo a linha de pensamento
desenvolvida pelos autores mencionados, está o conceito, que assume nesse processo dialético
a função da antítese, à medida que após a percepção torna- se indispensável a decodificação
simbólica do que foi captado pelos sentidos e, ainda em nível orgânico, processados pelo
cérebro. Conceituar é destrinchar o que se mostra de forma objetiva, é reconhecer que existe
mais a ser percebido, é subjetivar o objetivo, é confrontar o metafísico com o físico.
Essa parte do processo em questão, que só ocorre após o confronto dos sentidos com a
realidade concreta, abre a porta para a síntese do referido processo, seja essa a representação.
Representar um objeto de conhecimento é produzir uma imagem, é codificar o que foi
decodificado na conceituação, é objetivar o que foi subjetivado na conceituação, visando
simplificar o que se tornou ligeiramente complexo (GREUEL, 1994 apud FERREIRA, 2010).
Já no século XX o físico austríaco Fritjof Capra (1987 apud FERREIRA, 2010) ratifica
essa noção a respeito da produção do conhecimento humano mediante a publicação da seguinte
ideia:
O papel crucial do ritmo não está limitado à auto-organização e à auto- expressão,
mas estende-se à percepção sensorial e à comunicação. Quando enxergamos, nosso
cérebro transforma as pulsações da luz em pulsações rítmicas dos seus neurônios.
Transformações semelhantes de modelos rítmicos ocorrem no processo auditivo, e
até a percepção do odor parece estar baseada em ‘frequências ósmicas’. A noção
cartesiana de objetos separados e nossa experiência com máquinas fotográficas
levaram-nos a supor que nossos sentidos criam alguma espécie de imagem interna
que é uma reprodução fiel da realidade. Mas não é assim que a percepção sensorial
funciona. As imagens de objetos separados só existem em nosso mundo de símbolos,
conceitos e ideias. A realidade à nossa volta é uma contínua dança rítmica, e nossos
sentidos traduzem algumas de suas vibrações para modelos de frequência que podem
ser processados pelo cérebro (CAPRA apud FERREIRA, 2010, p. 23 e 24).

Diante dessas ideias e das que já foram exploradas em etapas anteriores deste trabalho,
sobretudo as que indicam a persistência de uma tendência comportamental humana em relação
às rupturas, podemos inferir que o ser humano é um ser de desejos, e um desses desejos é pela
ilusão. Este desejo se conecta em meio aos trâmites cognitivos à noção de ruptura, questão
identificada na constância dessa prática em situações de iminente desgaste biopsicossocial
gerador de promessas e expectativas de desarranjos afetivos que demandam algum tipo de
esforço cognitivo racional, exigindo assim dele uma atenção maior na já mencionada segunda
etapa do processo de conhecimento, a conceituação.
Entretanto, não são todos os indivíduos humanos que seguem, mesmo intuitivamente,
a ordem das etapas apresentadas. Eles rompem, recorrem ao desejo por ilusões exatamente no
segundo ato do processo de conhecimento, aquele que possibilita ou possibilitaria uma
construção mais consistente do conhecimento, mediante ato decodificador, de atribuir e
construir os símbolos, os signos que dão firmeza às codificações representativas. Em alguns
momentos (sejam de inércia ou de dinamismo) as categorias de entendimento de parte dos
indivíduos não dão conta daquilo que se impõe ao entendimento deles, daí tendem a suprimir
a etapa da conceituação e se alimentar da ilusão que sacia o desejo de não sofrer com desgastes
que promovem desafetos.
Esses desejos estão presentes também no bojo da espetacularização das identidades em
disputa pela centralidade contextual mediante usos de representações que não dependem
necessariamente de imagens (paradas ou em movimento) ou de conceituações, mas,
principalmente, de representações de negação e autoafirmação (embora não tenhamos, ainda,
testado essa hipótese).
Portanto, as imagens e as significações presentes no contexto da escola não são
elementos que garantem e promovem intersubjetividades simplesmente por falta de
competência cognitivo-racional de uma ou mais partes. É preciso considerar alguns outros
objetos, e aqui realizamos o esforço para encontrar e entender, com fundamentação teórico-
metodológica, alguns; bem como as interações entre eles. Assim chegamos a considerar de
maneira consistente que em meio as questões que envolvem a pluralidade e diversidade dos
objetos culturais e naturais em suas respectivas plenitudes subjetivas, há também poderosos
desejos que tornam o(s) contexto(s) em espaço públicos-privados de disputas potencialmente
políticas, mas que se rendem ao espetáculo das ilusões desejosas e das rupturas.

REFERÊNCIAS
BARBOSA, Wilmar do Valle. O Materialismo Histórico. In: REZENDE, Antonio (Org.).
Curso de Filosofia: para professores e alunos dos cursos de ensino médio e graduação. Rio
de Janeiro: Zahar, 1986. Cap. 10. p. 173-195.

FERREIRA, Delson. Manual de Sociologia: Dos clássicos à sociedade da informação. 2. ed.


São Paulo: Atlas, 2010. Cap. 1. p. 17-25.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Comunicação e antropologia visual. In: KOURY,
Mauro Guilherme Pinheiro (Org.). Sociologia da imagem: Ensaios Críticos. João Pessoa:
Grei, 2004. Cap. 1. p. 8-16.

LEVY, Pierre. Dilúvios. In: LEVY, Pierre. Cibercultura. 1. ed. São Paulo: 34, 1999. Cap. 1. p.
11-20. Tradução de Carlos Irineu da Costa.

MARCONDES, Danilo. O empirismo inglês. In: REZENDE, Antonio (Org.). Curso de


Filosofia: para professores e alunos dos cursos de ensino médio e graduação. Rio de Janeiro:
Zahar, 1986. Cap. 6. p. 117-126.

MARTINS, José de Souza. Sociologia da Fotografia e da Imagem. 2. ed. São Paulo:


Contexto, 2008. p. 9-62.
IMPACTOS DE FATORES SOCIAIS NA ESCOLARIZAÇÃO:
REINSERÇÃO E INCLUSÃO ESCOLAR DOS APRENDENTES DA EJA

Me. Kalina de França Oliveira (UFPB)


kalina.ufpb.tae@gmail.com

Vera Cléia Alves da Silva Cavalcanti (IFPB)


veracaval@gmail.com

Orientadora: Me. Márcia Paiva de Oliveira (UFPB)


marciapaivaufpb@gmail.com

RESUMO
O presente artigo tem por objetivo geral investigar a reinserção e inclusão de alunos de EJA no
contexto escolar; de modo específico, analisar qual a possível correlação na saída da escola na
infância com as questões sociais, baixa escolaridade da família, assim como as relações entre
fatores econômicos, contextos familiares e culturais, que podem ter influenciado no atraso
escolar e nas questões de aprendizagem. Parte dos aprendentes da EJA (Educação de Jovens e
Adultos) foram vítimas de interrupções na trajetória escolar e o contexto social interferiu
diretamente na construção desta problemática. Desta feita, é possível inferir, com um olhar
psicopedagógico, que as questões sociais e a interrupção escolar andam atreladas, e que uma
influencia diretamente a outra. Para tal investigação, o procedimento metodológico adotado na
pesquisa qualitativa foi a aplicação de questionários semiestruturados a aprendentes da EJA de
uma escola pública localizada na cidade de Bayeux – PB e a análise dos mesmos com o intuito
de entender os fatores que interferiram na trajetória escolar dos referidos aprendentes. Nesta
pesquisa específica foi possível ampliar o olhar psicopedagógico e compreender outros
contextos (estruturas inadequadas, falta de motivação e de estratégias para a permanência dos
mesmos na instituição de ensino) que afetam as questões de aprendizagem e o percurso escolar.
Os achados da pesquisa servirão de base para repensar o processo educativo desse público,
inclusive na perspectiva da inclusão a partir de tais pilares.

PALAVRAS-CHAVE: Psicopedagogia; EJA; Interrupção Escolar; Inclusão.

INTRODUÇÃO

A política educacional, baseada na LBD 9394/96, mais precisamente em seu artigo 37º
§ 1º que diz que “a educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso
ou oportunidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”; diante disso,
faz-se necessário entender que, a priori, a EJA é uma política pública educacional e social, que
visa permitir que os alunos melhorem suas condições de vida, tendo em vista que a maioria das
pessoas entrevistadas é comprometida com a aprendizagem e entendem a importância da
educação, afirmando que estão lá por que desejam ou precisam.
Essas evidências que superam a vontade e a necessidade de aprender, em meios às
dificuldades e percalços da vida, é que levam estes jovens a decidirem retomar os estudos,
convictos de uma perspectiva promissora e diferente da atual, despertando um desejo e espaço
pessoal que lhe foi privado, mas dignamente é aguçado pela maturidade, Fernandez (1991) nos
remete a pensar que o aprender transcorre no seio de um vínculo humano cuja matriz toma
forma nos primeiros vínculos mãe-pai-filho-irmão, pois a prematuridade humana impõe a outro
semelhante adulto para que a criança, aprendendo e crescendo, possa viver.
A pesquisa teve por objetivo investigar reinserção e inclusão de alunos de EJA no
contexto escolar; assim como analisar qual a possível correlação entre a saída da escola na
infância com as questões sociais, baixa escolaridade da família, assim como as relações entre
fatores econômicos, contextos familiares e culturais, que podem ter influenciado no atraso
escolar e nas questões de aprendizagem. Para isto foi realizada uma pesquisa qualitativa por
meio da aplicação de questionários (misto ou semiestruturado) a aprendentes da EJA –
Educação de Jovens e Adultos – de uma escola pública localizada na cidade de Bayeux – PB.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O conceito de desigualdade abrange vários aspectos, desde a desigualdade de


oportunidade até a desigualdade de escolaridade/renda. Nesta pesquisa específica podemos
observar que boa parte dos entrevistados alegam que sua interrupção escolar foi ocasionada
pela falta de oportunidade, estruturas adequadas que pudessem oferecer uma boa educação,
motivação e estratégias para a permanência dos mesmos na instituição de ensino. Portanto
segundo Porto (2011, p. 90), o processo avaliativo mediador na prática de ensino propõe ao
educador uma prática consciente e refletida, é a construção de novos pensamentos conceituais.
A Psicopedagogia é uma área do conhecimento que busca explicar como os sujeitos
compreendem o processo de aquisição e construção da aprendizagem humana e todas as
questões relacionadas à aprendizagem que envolvem esta construção. Para tanto, tal área do
conhecimento leva em consideração o ser humano como:

[...] uma unidade de complexidades, ou seja, como um ser pluridimensional, com um


dimensão racional, uma dimensão afetiva/desiderativa e uma dimensão relacional,
esta última implicando um aspecto contextual e um aspecto interpessoal.” (SILVA,
2010, p. 32).

É perceptível que as relações estabelecidas no contexto em que o aprendente está


inserido faz relação direta com a forma com que o mesmo constrói o conhecimento e o
internaliza, já que o ser cognoscente por natureza é um ser social, assim como Silva (2010, p.
34) assevera quando explicita que:

A dimensão relacional contextual é constituinte no processo de construção do


conhecimento, na medida em que o ser cognoscente é um ser social contextualizado,
ou seja, determinado pelas condições materiais de existência em que vive na
sociedade.

Para o Psicopedagogo é importante compreender que o ser, em sua completude, não é


composto apenas “por suas características físicas ou por sua herança genética, mas igualmente
por tudo que recebe dos outros, isto é, dos grandes grupos a que pertence [...]” (JALES, 2010,
p. 23); é um cenário investigativo de construção do outro, já que colabora para que ampliemos
o nosso olhar diante do aprendente, pois se configura como uma possibilidade de investigar o
ser humano em várias dimensões.
A partir disto, os estudos investigativos acerca do ser cognoscente são basilares, porque
oriundos deles serão traçados percursos eficazes para se compreender as dificuldades de
aprendizagem apresentadas. É possível, após tal entendimento, estabelecer um paralelo entre as
condições socioculturais do sujeito e sua performance enquanto sujeito
aprendente/cognoscente, e assim construir uma conexão de contribuição entre Psicopedagogia
e a EJA, mais precisamente nas questões de intervenção, já que o psicopedagogo terá subsídios
para avaliar o contexto com mais exatidão e segurança, partindo das observações do meio social
e construindo um perfil hereditário de respostas aos casos apresentados, por exemplo.
Entretanto, a genética jamais será a única causa e explicação para as dificuldades de
aprendizagem; aliada a ela estão as influências ambientais compartilhadas e os fatores aleatórios
específicos do indivíduo em questão. Os fatores ambientais, ou seja, o meio que envolve o
sujeito aprendente, corrobora diretamente no processo de aquisição de novos conhecimentos e
“o ambiente doméstico exerce um papel importante em determinar se uma criança aprende bem
ou mal” (SMITH; STRICK, 2012, p. 33).
Partindo da premissa de que o indivíduo descontextualizado não existe e de que “para
realizar a avaliação psicopedagógica de um aluno, devemos considerar os ambientes que
frequenta” (SANCHÉZ-CANO; BONALS, 2010, p. 81) é crucial trazermos para a intervenção
psicopedagógica – desde a avaliação que norteará os passos seguintes do processo até as etapas
intervencionistas, que serão decisivas para um prognóstico favorável – os conhecimentos
adquiridos a partir de investigações antropológicas do meio em questão, que se vale, sobretudo,
de um método comparativo de análise.
Assim, o estudo da cultura familiar (o porquê e de onde se originam determinados juízos
de valor, por exemplo) e as marcas impressas por esta família no sujeito aprendente ganha
status, pois servirão de norteadores para esclarecer dúvidas e conduzir as intervenções
psicopedagógicas, já que o sujeito é multifacetado e é fruto de uma construção social, lapidado
pela família e pelo meio que o cerca. Desta forma, assevera Sampaio (2011, p.70) que

[...] a família imprime suas marcas no sujeito, moldando-o conforme acredita serem
corretos os seus juízos de valor. Estas marcas, no momento, poderão vir carregadas
de frustações, atribuindo ao filho a responsabilidade de ser o que estes pais não
conseguiram, ou de continuar uma tradição familiar.

METODOLOGIA

A pesquisa-ação possibilita que o pesquisador intervenha dentro de uma problemática


social, analisando-a e anunciando seu objetivo de forma a mobilizar os participantes,
construindo novos saberes. É através da pesquisa-ação que o docente tem condições de refletir
criticamente sobre suas ações. Ela possui uma base empírica que é concebida e realizada através
de uma relação estreita com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo.

Para a referida pesquisa, responderam ao questionário 8 (oito) aprendentes, entre 18


(dezoito) e 25 (vinte e cinco) anos, 2 (dois) do sexo masculino e 6 (seis) do sexo feminino,
estudantes concluintes do Ensino Médio, na modalidade EJA, da Escola Municipal de Ensino
Fundamental e Médio Irineu Pinto, localizada na cidade de Bayeux – Paraíba, no ano de 2016.
Para a presente pesquisa foi elaborado um questionário misto (ou semiestruturado) como
recurso para obtenção dos dados a serem posteriormente analisados. Para facilitar o processo
de aquisição de dados e assim também torná-lo impessoal, os informantes têm suas identidades
preservadas e, além disso, tal iniciativa transmite segurança e liberdade aos envolvidos
(pesquisador e informantes).
Assim, percebe-se que o questionário é um instrumento de suma importância no
processo de investigação dos dados, já que ele apreende informações baseando-se, geralmente,
na abordagem a um grupo representativo. Destarte, a presente pesquisa abordou um grupo de
alunos que estudam na mesma série, na mesma escola e tem o mesmo histórico e percurso
acadêmico, ou seja, por algum motivo abandonaram os estudos e após um período de tempo
retornaram, agora não mais no ensino regular, mas na modalidade EJA (Educação de Jovens e
Adultos).
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quando questionados acerca do nível de escolaridade dos seus pais, é possível perceber
que, dentre os aprendentes que responderam ao questionário, a escolaridade máxima foi ‘ensino
médio completo’, ou seja, a mesma escolaridade que os filhos atingirão ao término do ano
letivo, mostrando que eles não têm um referencial em casa a ser seguido neste quesito, uma
base familiar que os inspire a prosseguir e fazer diferente.

Quadro 1 – Escolaridade dos Pais

Fonte: Dados da Pesquisa, 2016.

É perceptível que a pesquisa demonstra a influência dos pais com baixa escolaridade no
mau desempenho educacional de seus filhos. Trazendo, então, uma nova reflexão, de que a
desigualdade social tira o direito à educação, quando força a busca de uma atividade
remunerada, e isto atinge não só a si, mas também as gerações seguintes. Portanto informações
acima confirma que tais oportunidades de entrar na escola ou abandonar no meio do caminho
foram negligenciadas, conforme Fernandez (1991), o problema de aprendizagem que apresenta,
sofre, estrutura um sujeito, se situa, entrelaça, sintomatiza e surge na trama vincular de seu
grupo familiar sendo às vezes mantido pela instituição educativa.
Em seguida foi perguntado se os pais valorizavam a prática escolar dos filhos e, de forma
unânime, todos responderam que sim. Ou seja, mesmo não tendo, na maioria dos casos, os pais
dado prosseguimento aos estudos, no ponto de vista dos filhos, eles valorizam a sua prática
escolar, mostrando assim que desejam um futuro diferente e uma história também diferente.
Visto que depositarão suas respectivas esperanças nos filhos, almejando o sucesso dos mesmos.
Abaixo, é possível perceber as justificativas dadas pelos aprendentes, corroborando com
a ideia de que os pais valorizam o seu percurso/ trajeto escolar. Vejamos:

Quadro 2: Justificativas

Fonte: Dados da Pesquisa, 2016.

Segundo Laffin (2012), embora a expectativa de melhorias profissionais seja um dos


fatores que motivam o público da EJA a dar continuidade aos estudos, não se pode desprezar
outros motivos que confirmam a importância do espaço educacional na vida de um sujeito,
como a preocupação em se manter empregado ou mesmo conseguir um emprego pode ser
constatada inclusive na fala dos aprendentes acerca dos que pensam seus pais e o discurso dos
mesmos.
É notório que todas as justificativas passeiam no campo da subjetividade, giram em
torno de palavras de incentivo e encorajamento, vindas de pais que não querem ver no filho/filha
a projeção da sua própria vida, figurando como facilitadores de autoria do pensamento, pois:

Quando se fala em ‘famílias possibilitadoras de aprendizagem’, tem-se uma tendência


a excluir as famílias de classes baixas, já que estas não podem fornecer uma qualidade
de vida satisfatória, uma alimentação adequada, acesso a diversas formas de cultura
(cinema, teatro, cursos, computador, etc.). Entretanto, é possível a existência de
facilitadores de autoria de pensamento, mesmo convivendo com carências
econômicas. (PORTO, 2011, p. 17).
Tendo em vista que os estudos clássicos consideram a família não apenas como uma
unidade econômica, mas também como uma comunidade de interesses e opiniões que
influenciam diretamente na constante escolha e decisões dos filhos.
Dando continuidade, fora feita a seguinte pergunta: “Você atribui a sua interrupção
escolar à desigualdade social; se não, a que você atribui?”.
Vejamos as respostas:

Aprendente 1 “Sim, parei porque engravidei e tive que parar de estudar por um ano.”
Aprendente 2 “Desisti dois anos seguidos, um porque quis mesmo, e outro porque engravidei.”
Aprendente 3 “Sim, porque muito trabalho para poder ajudar nas despesas da casa.”
Aprendente 4 “Não, apenas estou aqui porque sou fruto de muitas reprovações e várias decepções
familiares.”
Aprendente 5 “Não, eu só pensava em sair, não pensava no meu futuro, mas vejo que não valeu a
pena fazer isso.”
Aprendente 6 “Sim, por conta que tive que trabalhar cedo e quando chegava era tarde para eu vim
à escola.”
Aprendente 7 “Sim, porque fiquei grávida e tive que desistir para cuidar do bebê.”
Aprendente 8 “Sim, porque precisei parar um ano letivo para trabalhar e ajudar nas contas de
casa.”

No que tange às questões sociais, dois casos se repetem: gravidez na adolescência e


trabalho para colaborar na renda familiar. Foram motivos que, segundo os aprendentes,
interromperam seu percurso escolar, afetando decisivamente. Segundo Bezerra (2009, p. 79),
“homens e mulheres devem sentir-se motivados pela demanda crescente de um nível de
escolaridade cada vez maior, a fim de que tenham aumentadas as chances de inserção no
mercado de trabalho”.
No entanto, não se pode tão somente taxar a perspectiva “abandono escolar” de
preconceituosa, parece que há razões realmente importantes para que se considere tal fato,
pode-se pensar de forma mais clara, em diferentes maneiras de oportunidades e políticas de
prevenção para adolescentes e jovens. Segundo Laffin (2012, p. 83), é possível destacar que “o
mundo carece de solidariedade e a escola e seus agentes devem reconstruir sua função social,
tendo como princípio o respeito à individualidade e às particularidades dos sujeitos e nisso
ampliar sua compreensão de mundo e da condição humana”.
Por fim, perguntou-se “O que faltou para a obtenção do sucesso escolar em sua vida?”
e o quadro resposta foi o seguinte, destacando-se o fator coragem na resposta de três
aprendentes e, de forma surpreendente, o quesito estrutura escolar e melhores professores foi
explicitado por um dos aprendentes questionados, corroborando com a ideia de que o
conhecimento é processo e produto de uma construção cognitiva social e emocional, e o
ambiente escolar pode ser favorecido ou desencorajado, dependendo dos pressupostos
sociopedagógicos adotados pela instituição escolar e a maneira como são colocados em prática
pelos profissionais. (PORTO, 2011).

CONCLUSÃO

A desigualdade atinge a muitos, se formos comparar aqueles que tiveram oportunidades


- uma boa qualidade de ensino, que visa oferecer ferramentas para o aprendente, para que haja
o sucesso em sua vida escolar e que aponte para um bom êxito na vida profissional - com os
que não tiveram, e chegaremos, inevitavelmente, a este panorama de gritante desigualdade em
variados contextos. Todavia afirma Bezerra (2009, p. 79), o Estado Brasileiro nem sempre criou
condições para erradicar o analfabetismo. Hoje, há a necessidade de que sejam criadas
condições que deem aos analfabetos o respeito e a condição de frequentarem, em qualquer
época da vida, o ambiente escolar.
Inserção essa que deve levar em consideração a proposta pedagógica, trabalhando
didaticamente de maneira com que cada indivíduo reconheça a possibilidade de uso de
linguagem de forma que compartilhar e articular ideias que o remetam ao sua experiência e
diversos contextos sociais, como enfatiza Bezerra (2009, p. 148), a proposta ainda lembra que
é necessário que todo processo de aprendizagem da linguagem seja constituído de acordo com
os conhecimentos prévios que os alunos possuem, e que o contexto social é o lugar onde ocorre
a interlocução, e a escola deve levar em conta esses fatores, para, assim, contribuir para
transformação sociais.

REFERÊNCIAS

BEZERRA. E. E. J. A questão da oralidade na educação de jovens e adultos: um estudo de


caso. Olinda: Livro Rápido, 2009.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ministério da Educação, 1996.

CAMARGO, Orson. Desigualdade social. Disponível em


<http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/classes-sociais.htm>. Acesso em: 22 nov. 2016.
CASASSUS, Juan; O estudo da desigualdade. In CASASSUS, J. A escola e a
desigualdade. Brasília: Líber Livro Editora, Unesco, 2007.
FERNANDEZ, A. A inteligência Aprisionada, Abordagem Psicopedagógica Clínica da
Criança e sua Família. 2. ed.Porto Alegre: ed. Artes Médicas Sul, 1991.
JALES, Carlos Alberto. Antropofilosofia da educação: um olhar sobre o humano (perguntas
de sala de aula). João Pessoa: Ideia, 2010.

LAFFIN, F. L. H. M. Educação de Jovens e Adultos, Diversidade e o Mundo do Trabalho.


Ijuí : Unijuí, 2012.

RIBEIRO. C. A. C. Desigualdade de oportunidades no Brasil. Belo Horizonte: Argvmentvm


editora, 2009.

SÁNCHEZ-CANO, Manuel; BONALS, Joan. Avaliação psicopedagógica. Porto Alegre:


Artmed, 2008.

SILVA, Maria Cecília Almeida e. Psicopedagogia: a busca de uma fundamentação teórica. 2


ed. São Paulo: Paz e terra, 2010.

PORTO, Olívia. Psicopedagogia Institucional: teoria, prática e assessoramento


psicopedagógico. 4. ed. Rio de Janeiro: Wak editora, 2011.

SAMPAIO, Simaia. Dificuldades de aprendizagem: a Psicopedagogia na relação sujeito,


família e escola. 3 ed. Rio de Janeiro: Wak, 2011.

SMITH, Corinne; STRICK, Lisa. Dificuldades de aprendizagem de a-z: guia completo para
educadores e pais. Porto Alegre: Penso, 2012.
LAMPIÃO E A CONSTRUÇÃO DE UM MITO POPULAR: UMA
ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE PODER E LUTAS NO NORDESTE
BRASILEIRO

Kelyson Henrique de Oliveira Defensor 91


Maurício de Siqueira Silva92

RESUMO
O trabalho intitulado “Lampião e a Construção de um mito popular: Uma análise das relações
de poder e lutas no nordeste brasileiro” apresenta um estudo teórico de caráter bibliográfico
sobre como se dava as relações de poder e o habitus que construiu a figura de lampião bem
como o uso folkcomunicacional nessa construção. O Lampião, no banditismo e no cangaço, no
período da Primeira República na região do Nordeste. O objetivo primordial se pautou em
analisar os motivos que fizeram com que Virgulino entrou para o cangaço, tornando-o
“Lampião” do Nordeste. Para tanto, questionou-se: Como eram as relações de poder no período
da Primeira República? Quais fatores explicam a entrada de Lampião no Cangaço no Nordeste?
Como foi sendo construído esse mito? Considerou-se, ao final da pesquisa, que Lampião entrou
para o banditismo e o cangaço, não apenas por questões particulares ou familiares; mas sim,
através das diversas questões de relações de poder e questões sociais do período da Primeira
República no Nordeste do Brasil. A escolha da temática partiu do interesse em conhecer como
as relações de poder no período da Primeira República no Brasil e o cangaço contribuiu para a
construção mitológica do lampião que continuam presentes até os dias atuais, não só forma de
cangaço, mas de diversas formas em todo o território brasileiro, buscando investigar as relações
de poder predominante dos sertões, em sua forma mais arcaica, fizeram com que aos poucos a
população pobre, sofrida, discriminada; formada por negros, brancos e mestiços, aos poucos
fossem se unindo, formando grupos, tentando a produção de subsistência, não tinham incentivo
e assim faz com que surgissem rebeliões, revoltas, movimentos que tentavam melhores
condições de vida. Para o apanhado contextual, partindo de fontes primárias e secundárias de
obras científicas, revistas, artigos e monografias que tratam sobre a temática como: Ribeiro
(1995), Maciel (1985) e Lessa (2000); para justificar a hipótese que Lampião entrou para o
banditismo e o cangaço, não apenas por questões particulares ou familiares; mas sim, através
das diversas questões de relações de poder e questões sociais do período da Primeira República
no Nordeste do Brasil. Diante disso, esperasse que este artigo venha auxiliar para o
aprofundamento de futuros estudos e reflexões sobre as relações de poder, mas também, discutir
acerca da construção do nome lampião, de como sua ação e seu nome se constituiu e o que isso
gerou para o Brasil e gera até hoje no contexto de economia da cultura e economia do turismo.
Assim, esse trabalho trará diretrizes de como direcionar novos questionamentos na área da
história, no tocante às pesquisas sobre a vida e história do cangaço de lampião e preservação da
cultura nordestina.

PALAVRAS-CHAVE: Cangaço; Lampião; Mito popular; Nordeste.

1 INTRODUÇÃO

91
Pós-Graduado em Geo-História pela Faculdade de Ensino Regional Alternativa-FERA; Graduado em História
pela Faculdade Internacional do Delta-FID.
92 Mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local pela Universidade Federal Rural de Pernambuco –
UFRPE; Professor de Economia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Este estudo trata-se de uma revisão bibliográfica, objetivando analisar os motivos que
fizeram com que Virgulino entrasse para o cangaço, tornando-o “Lampião” no Nordeste, bem
como suas relações de poder, enfatizando questões que poderão justificar a entrada de Virgulino
Ferreira no banditismo e no cangaço no período da Primeira República na região do Nordeste,
a fim de responder as seguintes indagações: Como eram as relações de poder no período da
Primeira República? Quais fatores explicam a entrada de Lampião no Cangaço no Nordeste?
Como foi sendo construído esse mito? Assim, a escolha da temática partiu do interesse em
conhecer como as relações de poder no período da Primeira República no Brasil e o cangaço
contribuíram para a construção mitológica do lampião que continuam presentes até os dias
atuais, não só forma de cangaço, mas de diversas formas em todo o território brasileiro
Para o apanhado contextual, foi pautado de fontes primárias e secundárias de obras
científicas, revistas, artigos e monografias que tratam sobre a temática como: Ribeiro (1995),
Maciel (1985) e Lessa (2000); para justificar a hipótese que Lampião entrou para o banditismo
e o cangaço, não apenas por questões particulares ou familiares; mas sim, através das diversas
questões de relações de poder e questões sociais do período da Primeira República no Nordeste
do Brasil.
Diante disso, esperasse que este artigo possa auxiliar para o aprofundamento de futuros
estudos e reflexões sobre as relações de poder, mas também, discutir acerca da construção do
nome lampião, de como sua ação e seu nome se constituiu e o que isso gerou para o Brasil e
gera até hoje no contexto de economia da cultura e economia do turismo, assim como direcionar
novos questionamentos na área de História, no tocante às pesquisas sobre a vida e história do
cangaço de Lampião e preservação da cultura nordestina.

2 PRIMEIRA REPÚBLICA E OS ASPECTOS SOCIAIS, ECONÔMICOS, POLÍTICOS


E CULTURAIS QUE INFLUENCIARAM O BANDITISMO E O CANGAÇO NO
NORDESTE DO BRASIL.

O processo de formação da República no Brasil parte de discussões entre intelectuais


e membros das forças armadas desde o período imperial, que tinham o intuito de instituir em
terras indígenas um novo modelo de sociedade. Tais discussões ocorreram sem a participação
popular, e apresentavam como justificativa para a mudança: a modernização, a liberdade, o
amor à nação, e como bem foi colocado na Bandeira, à ordem e o progresso. Nesse patamar,
tentava-se instituir no país o modelo de república francesa (LESSA, 2000).
Nesse cenário o Coronelismo foi um marco presente nos primeiros anos da Primeira
República no Brasil. Com a descentralização do poder devido à passagem do Império para a
República, e a direção que o país tomou em relação aos aspectos sociais, culturais, políticos e
econômicos fortaleceram o aparecimento de novas cidades, mas que também construiu uma
sociedade baseada em produção agrícola de latifundiários.
Com o final do poder dos militares, os grandes proprietários de terra e exportadores
passam a obter mais espaço nas decisões políticas e de interesses em manter a ordem nas regiões
do país, por causa de conflitos e revoltas já iniciadas no período do Império, e que também se
estenderam no período militar.
Esses grandes latifundiários passaram a ter o título de Coronéis e tinham o poder de
comando em suas regiões, mais especificamente nos sertões do Nordeste, possuindo autonomia
política que pudesse manter os presidentes, deputados e governadores por mais tempo em seus
cargos.
A região dos sertões passou a ser um território de conflitos entre pessoas e grupos
diversos presentes no setor de subsistência, como jagunços, coronéis, cangaceiros, místicos,
grupos armados. Como já anteriormente citado, as revoltas de Canudos, Contestado e Caldeirão,
incluindo Juazeiro, mesmo não se concentrando em uma mesma região nordestina, com
realidades históricas e geográficas diferentes, possuem características em comum.
Esses movimentos sociais formados a partir desses sujeitos passam a reivindicar
mudanças na política social, denunciando o tipo de estrutura presente nas propriedades
latifundiárias, reivindicam direito a terra, tem o catolicismo e a fé como raízes de sua cultura
popular, formados por diversas raças e etnias, e, pelo inconformismo que apresentam são
considerados como desordeiros revoltosos e bandidos. Tais inconformismos tenderam aos
conflitos de origens diversas.
Leal (2012) concebe o coronelismo um tipo de poder resultante de um modelo
econômico e social que procura manter a economia privada e o poder público. O fator
primordial do coronelismo é exatamente manter no poder os grandes proprietários de terra, e
consequentemente, os representantes políticos da época, através do voto de favores.
Entendendo a questão do coronelismo como forma de manter o poder privado e o poder
público, nota-se que o governador mantem distanciamento das necessidades da população, e
precisa monitorar e manter os votos através dos representantes municipais, dos grandes
proprietários de terra, e estes, dos coronéis.
Leal (2012) reflete sobre a questão do coronelismo como um problema complexo. Ele
esclarece que o coronelismo no Brasil é fruto de todo um processo de escravidão e de relações
de poder instituídas ao longo dos anos antes da república. Para o autor, existiram duas fraquezas
para a existência do coronelismo no país. Uma fraqueza por parte dos proprietários de terra,
que se iludiam com o prestígio do poder outorgado, em troca da submissão política. A fraqueza
dos muitos pobres trabalhadores de roça, sem meios de sobreviveram, que os proprietários de
terra mantinham em seu poder.
Cabe mencionar, que os sertões do Nordeste são compreendidos como a região das
secas, de caatingas, de economia pobre e dependente, de subcultura particular, características
que se percebem pelo modo de vida, crenças, comidas típicas, pastoreio, tradições. Nessa
colocação Lindoso (2011) apresenta o sertão do Nordeste como sendo a terra dos homens fortes,
que enfrentam a seca, descendentes de brancos, índios e negros que se transformaram em
pastores ou vaqueiros.
Com as secas que castigaram os sertões do Nordeste a partir da segunda metade do
século XIX gerou uma situação caótica na população, fazendo com que esta cobrasse mais
atenção por parte dos governos, para que prestasse ajuda a população sofrida do sertão.
Tal situação entre o poder federal e a população nordestina castigada pelas
secas fez com que os coronéis tivessem mais autoridade perante a população, como
também serviu para conseguir mais oportunidades perante o poder governamental, em
relação à ocupação de postos de trabalho comandados pelo governo (RIBEIRO, 1995).

É inegável que, desde o século XVII, em pleno litoral nordestino, há relatos históricos
das ações de grupos de bandoleiros causando, já naquela época, medo e insegurança
na população. Contudo, é só no século XIX, com seu florescimento no sertão, que tal
forma de banditismo ganha relevo e singularidade, nascendo, também nesse período,
a denominação que carregaria até os dias atuais, qual seja, cangaço. Justamente a partir
de meados desse século, há o surgimento dos maiores expoentes do cangaceirismo,
dentre eles: Sinhô Pereira, Antônio Silvino, Lampião e Corisco. (LOPES, 2017, p.
14).

Nos sertões, os coronéis, além de controlar os modos de vida da população do sertão,


mantém o povo submisso aos seus poderes fazendo com que sua posição em relação ao governo
seja de grande importância, pois era tido como pessoa de muitos votos.
Rui Facó (2009) em seus estudos sobre Cangaceiros e Fanáticos descreve bem o que a
seca provoca no personagem forte dos sertões nordestino. O autor reflete que a seca provocou
uma espécie de nomadismo devido aos grandes proprietários de terra não terem condições de
manter um grande número de trabalhadores em suas fazendas devido as grandes perdas que a
seca provocava, aumentando o nomadismo e os grupos de flagelados que se formavam nos
diversos espaços do território dos sertões.
Assim, “A seca expulsa-os e congrega-os. O acicate para sua unidade é a fome.
Ficavam então até mesmo sem os recursos da economia natural.” (FACÓ, 2009, p. 33). Então,
a seca deixava a população pobre ainda mais pobre; sem água até mesmo para beber; sem
alimentos; sem destino; sem perspectiva de vida; e aos poucos se uniam não por laços de
amizade, mas pela necessidade de se ajudarem de alguma forma.
Lopes (2017) também observa que as questões do cangaço e do banditismo possuem
um fundo místico e de romantismo apresentado por autores diversos que tratam da questão do
cangaço. Essa versão romântica apresentada traz a questão da vingança como causa para a
entrada nos grupos de cangaço.
Para que não reste dúvida acerca da relevância dos fatores supracitados à propagação
do cangaço, basta notar que a sua derrocada coincidiu com a supressão ou redução de tais
elementos. Com a chegada de estradas, vias férreas e meios de comunicação que interligavam
os sertões aos grandes centros, aumento da intervenção federal por força da política
centralizadora e repressiva de Getúlio Vargas- consequentemente seguida da redução dos
mandonismos locais –, além dos acordos políticos estaduais para uma atuação policial conjunta,
o cangaço finda seu ciclo. Assim, o contato com os avanços e contradições do meio externo
tirou o sertão da sua estagnação política, social e econômica, confrontando suas relações de
poder, cultura e seu modo de produção com uma nova realidade – infértil para essa forma de
banditismo (LOPES, 2017, p. 16).
Nesse sentido, o autor discorre a questão anteriormente assinalada por Facó (2009) em
termos de ideias de autores sobre as causas do cangaço e supostos fatores que fizeram a
derrubada do mesmo.
Uma das características marcantes do cangaço é o banditismo. Em diversos países,
assim como no Brasil, ocorreu um tipo de banditismo considerado como banditismo social.
Aqui Lopes (2017) recorre à teoria de Eric Hobsbawn que aborda o banditismo em duas
categorias distintas como sendo o banditismo social e o banditismo convencional.
De acordo com os conceitos apesentados sobre banditismo, será que o cangaço e o
banditismo nos sertões do nordeste podem ser visto como banditismo social? Lampião,
considerado como marco na história do cangaço do Nordeste entrou no cangaço e se tornou um
bandido social como explica Rui Facó, por uma causa revolucionária? Ou Lampião entrou no
cangaço como um bandido comum, que praticava roubos, crimes e estava aliado ao poder dos
coronéis e ao poder público da época?
São questionamentos que surgem e que Lopes (2017), bem coloca:

Assim, nasce a via interpretativa do cangaço que maior ressonância teve entre os
estudiosos de esquerda. Sob a perspectiva do banditismo social, vislumbrou-se no
cangaceiro a figura de vingador dos oprimidos, representante inconsciente da revolta
camponesa. Ainda que, para Hobsbawm, Lampião não se enquadrasse no perfil de um
Robin Hood, isso não lhe retirava o título de bandido social. A crueldade e o terror,
de fato, representavam seu modo de agir, contudo, esse se dava num contexto e por
uma causa justificáveis (HOBSBAWM, 2010, p. 85 apud LOPES, 2017, p. 19).

No caso do banditismo no cangaço do sertão do Nordeste, a afirmação de Hobsbawm


(2010) apud LOPES (2017) representa as relações de poder entre os grupos de cangaço e os que
a eles beneficiavam, ou até mesmo, apoiavam. No caso de Lampião, existia uma aceitação do
poder liderado pelos coronéis e vice-versa.

2.1 Lampião: um marco da história e da civilização dos sertões do nordeste

Motivo de medo, de rebeliões, de progresso ou de regresso, de história, de estudos,


discussões, e assim Lampião segue, anos e anos, décadas e décadas, na história do cangaço e
banditismo dos sertões do Nordeste brasileiro.
Virgulino Ferreira da Silva, o cangaceiro que mais se destacou na história do cangaço
do Nordeste do Brasil, tem suas origens na família formada por José Ferreira de Lima e dona
Maria Vieira Lopes, casados em 13 de outubro de 1894, na Matriz do Bom Jesus dos Aflitos,
em Floresta. Ele aos 22 anos de idade, e ela com 21 anos de idade. Moravam na fazenda
Ingazeira. Tiveram nove filhos, o primeiro, nascido em julho de 1892, chamado Antônio; o
segundo em novembro de 1893, chamado Livino; o terceiro, chamado Virgulino, de acordo
com certidão de batismo, nasceu em 4 de junho de 1898, apesar de ter sido registrado com data
diferente, consta em sua certidão de registro civil a data de 7 de julho de 1897 (MACIEL, 1985).
Entretanto, Virgulino nem sempre foi temido, antes de entrar no cangaço era um jovem
forte e trabalhador. Trabalhava na roça no plantio de milho, algodão, feijão; cuidava de animais
como gado e bodes. Também foi feirante, vendia suas próprias fabricações de couro, como
roupas de vaqueiro, luvas, bornal e outros artefatos usados pelos vaqueiros da época. Foi
almocreve, uma prática da época onde se contratava vaqueiros para tanger os burros que
carregavam em seus lombos cargas diversas com alimentos, ferragens, cachaças, e outros (Ibid.,
1985).
A maioria dos relatos sobre a entrada de Virgulino e seus dois irmãos no cangaço
envereda a questão por brigas de terras. Nos escritos de Maciel (1985), procura especificar
detalhadamente cada acontecimento entre as famílias vizinhas de terra, focalizando o que
ocorreu entre as famílias dos Ferreiras e de José Alves de Barros, o Zé Saturnino (Ibid., 1985).
De acordo com o autor, a questão da inveja inicia toda uma trajetória. A inveja de João
Nogueira frente ao crescimento de seus vizinhos de fazenda, de um lado Manoel Ferreira Lima,
de outro Cândido Martins José. João Nogueira era o tipo de homem soberbo e ambicioso,
possuía intenções de ser chefe político da região. O autor acusa essa inveja de João Nogueira
como sendo “as raízes ocultas que estimularam Zé Saturnino a abrir questão e fazer sustança
dela com os Ferreiras.” (Ibid., 1985, p. 126).
De início, eram amigos, as terras limitadas por cercas e arames farpados, quando as
cercas ficam velhas, apodrecidas, os animais tendem a avançar nas terras vizinhas; mas que
essas famílias normalmente se entendiam e consertavam sem atritos, considerando que eram os
animais, e não seres humanos que invadiam as terras. A origem da primeira desavença entre as
famílias parte de questões amorosas, que segundo contos do “velho Terto de Inajá, foi tal
questão que originou as confusões dos Ferreiras com Zé Saturnino (Ibid., 1985).
Entretanto, Virgulino não chegou a casar. Mas teve seus amores, como Santina e sua
prima Gertrudes; e experiências com mulher a partir de quatorze anos de idade. Uma dessas
mulheres chamada Alvinha correu o boato que aos dezoito anos Virgulino teve um filho. Era
namorador, pois mesmo depois que ingressou no cangaço e jurou fidelidade a Maria Bonita
continuou com outras mulheres em cada canto dos sertões onde parava (Ibid., 1985).
Contudo, Virgulino gostava de Santina, como já citado anteriormente, e chega um
parente de Zé Saturnino, da mesma idade de Virgulino, que também se apaixona pela moça.
Em determinado dia, o parente de Saturnino muito enciumado, tira satisfações com Virgulino
e acabam em atrito. O rapaz apanhou muito e foi muito açoitado por Virgulino. Os parentes do
rapaz ficaram ressentidos e com queixa. Esse é o primeiro desentendimento acusado por Maciel
(1985). Outros foram surgindo e a cada dia aumentava o desentendimento entre as partes; fosse
por motivos políticos, porque Virgulino e irmãos votaram em candidatos da oposição que se
elegeram; desaparecimento de animais; roubos praticados por empregados de Zé Saturnino e
descobertos por Lampião; tudo era motivo de provocações.
A causa determinante apresentada pelo autor foi Zé Saturnino ter feito uma cerca para
fazer a queimagem da vegetação, e invade parte das terras da fazenda Ingazeira, pertencente
aos Ferreiras. Os Ferreiras, percebendo, desmontou a cerca e tocaram fogo. O gado dos
Ferreiras invadiu as terras de Zé Saturnino por ter ficado sem cerca. Zé Saturnino, vendo o gado
em suas terras, manda dois de seus moradores atirarem com rifle nos irmãos Ferreira quando
viessem juntar o gado. Estes estavam desarmados, mas a partir do dia seguinte passaram a se
armar até que ocorre troca de tiros, e chega a ferir o irmão de Virgulino, Antônio Ferreira (Ibid.,
1985).
A cada dia a situação ficava mais séria. Mesmo prestando queixa as autoridades, nada
se resolvia porque Zé Saturnino tinha a proteção das autoridades. José Ferreira, sempre homem
pacífico, resolve se mudar vendendo a sua fazenda com grandes prejuízos financeiros. Teve o
apoio de toda comunidade em sua decisão. Foram morar em Poço Negro. Tudo corria bem até
que um dia Zé Saturnino vai até a feira de Nazaré, povoado onde os Ferreiras negociavam, no
intuito de cobrar uma dívida de um cavalo vendido a um senhor de nome Agripa Eusébio. Zé
Saturnino e seus capangas já entraram no lugarejo armados e foram cobrar já com ofensas e
violências orais. Nisso chega Virgulino, que ao ver Zé Saturnino e o que estava acontecendo,
proferiu palavras de ofensas. O mesmo estava desarmado, mas foi até a casa do professor, onde
deixava suas armas, não tendo sucesso, pois não lhes foi entregue. Prometeu nada fazer na rua,
mas foi ao Poço Negro onde se juntou com o seu tio Manoel Lopes, indo fazer uma emboscada
para Zé Saturnino e seus capangas. Por pouco eles escaparam dos tiros proferidos pelo chefe
do bando e o tio (Ibid., 1985).
Revoltado, Zé Saturnino recorre a João Nogueira, e conta com seu apoio e incentivo.
Prepara um bando com 16 homens armados em direção a fazenda dos Ferreiras. No dia seguinte,
quando Virgulino acorda e vai em direção ao curral tirar leite, tem a surpresa de ver a
emboscada através dos muitos tiros em sua direção. Correndo para dentro de casa, pegou as
armas e travou um grande tiroteio, atingindo alguns dos homens de Zé Saturnino até que
resolveram ir embora (Ibid., 1985).
Daí por diante, este percebeu que não tinha como manter a paz, teria que enfrentar e a
única preocupação com seu pai que não concordava com violência. Era um homem de paz.
Conta a história que Virgulino que passou dez dias na Vila de São Francisco com Sinhô
Pereira, que também vivia em conflito com João Nogueira. O cangaceiro pretendia ter o apoio
de Sinhô Pereira, e nos dias que esteve com ele e o grupo, participou de festas e era admirado
por todos, pela sua esperteza e pontaria.
Mesmo morando distante, as perseguições de Zé Saturnino e Nogueira não paravam.
O pai de Virgulino fez acordo em Floresta para retirar seus filhos para longe da cidade. Então
decidiu ir embora, juntamente com os filhos, para terras de Alagoas, mais precisamente em
Mata Grande, devido ao convite recebido de Antonio Matilde; como também viviam muitos
familiares da mãe deste. O que o pai de Virgulino mais queria era ter a paz novamente (Ibid.,
1985).
A vida em Alagoas parecia à solução. Lá a esperança era que o Zé Saturnino lhes
deixasse em paz. “O inimigo porém não dormia...”. Em Alagoas os irmãos e Virgulino
conseguiram uma permissão do delegado de Água Branca, Tenente Pedro Nolasco, para
andarem armados, com exceção de usar dentro da cidade (Ibid., 1985).
Zé Saturnino continuou as perseguições, enviando cartas ao Coronel Ulisses da Cobra
e a seu irmão, o Capitão Sinhô, à Baronesa de Água Branca e ao Comissário de polícia,
denunciando os irmãos Ferreiras e Antônio Matilde como assassinos, bandidos e ladrões.
Apenas a Baronesa acreditou e convocou o delegado para que tomasse as providências. O
delegado, influenciado por Amarílio, que recebia dinheiro de Zé Saturnino. De imediato, o
delegado manda os soldados desarmarem os irmãos e Antônio Matilde. Novamente a falta de
paz continua em Alagoas (Ibid., 1985).
O mesmo revoltado com tantas perseguições planeja juntamente com irmãos e Antônio
Matilde e tocam fogo nas fazendas de Zé Saturnino, João Nogueira e Venâncio. O desespero
era grande por parte dos fazendeiros. Zé Saturnino pede apoio a seu tio Cassimiro Honório que
de imediato juntas os cangaceiros para irem a forra. O tiroteio de oito horas acontecia na
Passagem do Brejo. Antônio Matilde foi ferido. E só parou porque Cassimiro Honório, vendo
que nem tinham como fugir, mandou incendiar a caatinga. (Ibid., 1985).
Brigas constantes, falta de paz, em 22 de maio de 1920, morre a mãe de Lampião.
Estando ele e os irmãos escondidos no mato, veio velar a mãe apenas no período da noite.
Em junho do mesmo ano, José Ferreira, pai de Virgulino, vendo que a situação piorava
a cada dia, convoca os três filhos e os manda seguir para Espírito Santo do Moxotó, onde
ficaram trabalhando na fazenda de seu Terto (Ibid., 1985, p. 192).
O delegado de Mata Grande, comprado por Zé Saturnino, envia cartas ao chefe de
polícia de Alagoas, contando os acontecimentos, acusando os irmãos Ferreiras de perigosos
bandidos, muitos crimes, desfeita à polícia em Água Branca. O Governador decide então
mandar o Tenente José Lucena para encerrar toda a história. O Tenente se inteirou da história
ao chegar a Água Branca, e imediatamente procura Capitão Sinhô para dar notícias de Virgulino
e irmãos. Capitão Sinhô apenas informou que eles estavam com Coronel José Abílio, em Bom
Conselho (Ibid., 1985).
O Tenente Lucena segue então para Santa Cruz do Deserto, em busca do chefe do
bando e irmãos. Em 29 de junho, 38 dias após a morte de sua esposa, José Ferreira, estava em
frente a sua casa, quando chegou Lucena, e segundo a história conta, perguntou pelos filhos
bandidos. O pai responde que os filhos não são bandidos, são apenas homens. E nesse momento,
Lucena enfurecido, atira no pobre homem (Ibid., 1985, p. 194-195).
As crianças alarmadas correm para dentro do mato. João Ferreira e as três irmãs,
ouvindo os tiros voltaram as pressas para casa. Pediu ajuda ao delegado de Mata Grande, que
mesmo com medo, foi buscar o corpo e mandou enterrar. Ninguém da família esteve presente
no sepultamento, dia 30 de junho de 1920 (Ibid., 1985).
João Ferreira mandou um portador avisar a seus irmãos, em Pernambuco, sobre o
ocorrido. Encontrou-os no caminho, que já vinham ver o pai e decidir alguma coisa, planejar
uma solução. O portador entregou o bilhete a Virgulino, que caiu aos prantos ao ler os escritos
de seu irmão João Ferreira.
Foram à casa do pai, e lá conversou com os outros irmãos, decidindo a partir daquele
dia se tornar cangaceiro e vingar a morte do pai. Este antes de deixar a terra de Mata Grande
foi até o cemitério com seus irmãos e irmãs. E a partir desse dia, 05 de julho de 1920, Virgulino
tornou-se Lampião (Ibid., p. 200).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No período da Primeira República no Brasil se observa que ocorreram mudanças


sociais, econômicas e culturais no Brasil. Mudou-se a forma de poder do Império para
República sem existir um real planejamento das políticas governamentais.
Nos sertões do Nordeste, a seca, que servia de “indústria” para o poder público e para
os latifundiários, mantinha o povo sertanejo sempre em seus poderes. O que prevalecia eram as
formas de poder dos coronéis, dos deputados e dos governadores, que utilizavam a situação de
pobreza para se manterem no poder.
As relações de poder predominante dos sertões, em sua forma mais arcaica, fizeram
com que aos poucos a população pobre, sofrida, discriminada; formada por negros, brancos e
mestiços, aos poucos fossem se unindo, formando grupos, tentando a produção de subsistência,
não tinham incentivo e assim faz com que surgissem rebeliões, revoltas, movimentos que
tentavam melhores condições de vida.
Esses movimentos eram vistos pelos coronéis, chefes municipais e governos como
uma afronta ao poder. E a partir desse período, aumentou o banditismo nas regiões, formaram-
se grupos de jagunços, cangaceiros. Também nesse período, devido aos muitos grupos de
cangaço, o governo fortaleceu o policiamento nas regiões.
Muitos conflitos marcaram o período da Primeira República, não apenas no Nordeste,
mas em diversas regiões do país. O banditismo e o cangaço passaram a ser alvo de muitas
preocupações por parte dos Governos.
O grupo mais famoso nos sertões nesse período foi o grupo de cangaço de Lampião.
Esteve nos sertões do Nordeste entre 1920 a 1938. Nesse período de fortalecimento do cangaço,
o poder dos coronéis teve destaque.
Virgulino Ferreira, o Lampião, em seu período de vida antes de ingressar no cangaço
foi marcado pelas desordens sociais da época. Existiam conflitos em todo o país, no Nordeste
e na região sofrida em que vivia. Escutava as histórias, e nesse sentido se pode refletir as
questões que o fizeram entrar para o cangaço. Teve o período de sua juventude marcada por
perseguições, inveja e intrigas por parte de vizinho de terra, que também tirou a vida de seus
pais; fato que muitos autores justificam sua entrada no cangaço.
A partir do resumo histórico sobre a vida inicial de Virgulino, até a entrada no cangaço,
observa-se que o motivo principal de ter se tornado “o Lampião” foi causado pela inveja e
perseguições de João Nogueira e Zé Saturnino, contra a sua família.
De certo que as questões do meio em que foi criado, mesmo tendo recebido boa
educação familiar, não se pode ficar alheia às questões locais, a seca, a forma de poder da época,
as histórias de cangaço que escutava, e todo o contexto em que estava inserido.
Consideram-se também as questões culturais da época da Primeira República, nos
sertões do Nordeste. Terra de homem forte, trabalhador, valente, mas em sua maioria, pobre,
dependente de um sistema latifundiário e governamental cheio de falhas, de poder.
Diante dos argumentos apresentados, considera-se que não apenas por questões de
vingança Virgulino passou a ser Lampião, mas que todo o contexto histórico de sua infância e
juventude pode ser pensado como justificativa para ter se tornado Lampião.

REFERÊNCIAS
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LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Prefácios de José Murilo de Carvalho,
Alberto Venâncio Filho e Barbosa Lima Sobrinho 7ª ed. São Paulo: Companhia das Letras.
2012. 363p. ISBN 978-85-359-2130-4. Disponível
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2017.

LESSA, Renato. A invenção republicana. Cad. Esc. Legisl. Belo Horizonte, V.5, n.10, p. 9-
38. Jan/jul. 2000. Disponível
em:<https://www.almg.gov.br/export/sites/defalt/consulte/.../cadernos/.../10/invencao.pdf>.
Acesso em 25 de jul. 2017.

LINDOSO, Dirceu. O Grande sertão/Dirceu Lindoso. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira


(FAP), 2011. 232p.

LOPES, Alden Ferreira. Entre bandidos e rebeldes: o cangaço sob a perspectiva da


teoria das técnicas de neutralização. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de
Franca, v. 11, n. 2, p. 9-26, 2017. Disponível
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agos. 2017.

MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião, seu tempo e seu reinado. Petrópolis:Vozes, 1985.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro – a formação e o sentido do brasil. Companhia das


Letras. 1995. São Paulo. 2ª ed. 477 p.
LUGARES SAGRADOS E TURÍSTICOS E LIDERANÇAS RELIGIOSAS
COMO PROPOSTA PEDAGÓGICA DO ENSINO RELIGIOSO: relato de
experiência na escola da cidade de Natal/RN

Thalisson Pinto Trindade de Lacerda


Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Thalisson_pinto@hotmail.com

RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo propor uma ação pedagógica dos temas lugares
turísticos e sagrados e lideranças religiosas. Para tal intento, realiza-se uma pesquisa
bibliográfica com ênfase na análise descritiva e exploratória. Destaca-se, nesse trabalho,
atividades realizadas em sala de aula com o tema dos lugares turísticos e sagrados das religiões
pouco conhecida no contexto dos alunos, tais como: mesquitas, terreiros, igrejas e sinagogas;
como também lideranças religiosas: Mãe de Santo, Padre, indígena, judeu e outras
representações e lideranças. As atividades aplicadas nas aulas de Ensino Religioso (ER) foram
bingo dos lugares sagrados, Jogo da memória dos lugares sagrados, dominó dos lugares
sagrados, oficina de desenhos dos lugares sagrados e apresentação teatral dos dedoches das
representações e lideranças religiosas.
PALAVRAS-CHAVE: Prática pedagógica. Diversidade Religiosa. Formação docente. Jogos.

1. Introdução

O valor afetivo, religioso e simbólico dos lugares sagrados permeia nossas gerações.
Desde a pré-história até o nosso tempo moderno, o homem preserva a memória e valoriza os
lugares sagrados como patrimônio cultural da humanidade.
Partindo dessa linha, a escola de hoje tem a tarefa de difundir a temática lugares
turísticos e sagrados e lideranças religiosas através de várias atividades que possam mostrar aos
nossos alunos a diversidade cultural e religiosa existente em nosso país.
Nesse artigo, estudaremos a importância de os temas lugares turísticos e sagrados e
lideranças religiosas se tornarem proposta pedagógica do ER em sala de aula. Para isso,
fundamentamos o tema estudado pelo viés curricular nacional e municipal: Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) e Referencias Curriculares do Ensino Religioso da rede
educacional do município de Natal.
A BNCC apresenta na parte do Componente Curricular ER uma proposta que é relativa
ao tema dissertado nesse artigo, que é o conteúdo a respeito de lugares sagrados das religiões.
Além dos lugares sagrados, o tema lideranças religiosas também se apresenta na BNCC, tais
como Mãe de Santo, Padre, Pajé e outras que são reiteradas do 1º ao 9º ano do Ensino
Fundamental.
Dividimos o artigo em quatro partes: a primeira, trata-se da discussão da diversidade
religiosa, mais precisamente do Pacto Internacional da Diversidade Cultural e Religiosa. A
segunda parte, trata-se de um panorama do histórico do Ensino Religioso no Estado Rio Grande
do Norte (RN) e Natal. A terceira parte, frisa a discussão conceitual do presente tema dissertado
lugares turísticos ou sagrados e lideranças religiosas à luz da teoria. A quarta e última parte,
apresenta-se o resultado e as discussões relativas à reflexão das atividades executadas em sala
como proposta pedagógica do ER (bingos dos lugares sagrados; oficina do dominó dos lugares
sagrados e jogo da memória dos lugares sagrados; oficina desenho dos lugares sagrados: Meca,
Igreja e Mesquita; teatro de dedoches das representações e das lideranças religiosas: Padre,
Judeu, indígena e Mãe de santo).

2. Diversidade Cultural e Religiosa: um pacto internacional

A Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 1996, em consonância com a


Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabeleceu um pacto internacional dos direitos
civis e políticos no qual fortalece as relações internacionais no que diz respeito ao
reconhecimento da diversidade religiosa. O pacto fundamenta-se dos princípios já estabelecidos
da mesma declaração dos direitos humanos, definida em 1948, pela ONU.
O artigo 18, § 1, confere o direito à liberdade de expressar a religião, individual ou
coletivamente.
Segundo determina o pacto:

Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse


direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e
a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto
pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e
do ensino (1966)

Segundo definição do artigo 18, o pacto internacional é feito através de uma profunda
discussão dos direitos civis e políticos. O pacto não é importante apenas ao Brasil, mas a todos
os país que deram as garantias necessárias de fortalecer os direitos civis e políticos, entre eles
os exercícios de diversas práticas religiosas.
A Declaração Universal sobre a Diversidade Religiosa, publicada pela UNESCO, em
2002, foi elaborada em consonância com a declaração dos direitos humanos e do pacto
internacional promulgado em 1966. A declaração da Unesco sobre a diversidade religiosa trata
dos aspectos também de ordem universal: liberdade de expressão, dignidade humana, bem
como das relativas à diversidade cultural e religiosa.
Segundo declara a UNESCO, cultura é patrimônio da humanidade, e deva ser
preservada para futuras gerações (Artigo 1, 2002). A mesma afirma que:

[...] a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais
e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social
e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver
juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças (UNESCO, 2002).

Dessa forma, a declaração da Diversidade Cultural promove o respeito aos valores e a


religiosidade nos distintos espaços e lugares. Dentro desses espaços e lugares cada vez mais
diversificados, precisa-se ampliar a noção de reconhecimento da religiosidade como o de tornar
a convivência cada vez mais harmoniosa dentro desses espaços plurais.
No que diz respeito ao aspecto da religião, o diálogo inter-religioso defende a celebração
de diferentes identidades religiosas. Segundo declara o Artigo 2, da mesma Declaração
Universal sobre a Diversidade Religiosa, a convivência harmônica é formada a partir da própria
interação de pessoas e grupos com identidades culturais a um só tempo plurais (UNESCO,
Artigo 2, 2002).
Assim, tendo como base o pacto internacional de 1966, a declaração dos direitos
humanos e da diversidade religiosa, a UNESCO e a ONU declararam estimativas para fortalecê-
lo na educação. A educação em direitos humanos é um projeto que visa sobre a formação do
cidadão, pois a mesma estabelece “uma forma de o sujeito reconhecer a importância da
dignidade e, sobretudo, agir visando à conquista, a preservação e a promoção de uma vida
digna. (PEQUENO, 2008, p. 27).
No artigo O Ensino Religioso na Escola: Propostas Frente ao Estado Laico, publicado
nos anais do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso, no ano de 2015, faz-se uma
reflexão do Ensino Religioso na escola e sala de aula orientada da Constituição Federal de 1988,
acunhada de cidadã, construída numa ótica democrática.
Com essa ótica, a formação da cidadania e da diversidade cultural dentro dos direitos
humanos mostra-nos a importante relação que deve ser realizada com o Ensino
Religioso na escola, para então, fortalecer um diálogo na prática escolar e
proporcionar as escolas e consequentemente aos alunos, o respeito da diversidade
(LACERDA; FARIAS, 2015, p. s/p).

Com a contribuição efetiva dos direitos humanos à educação, a diversidade cultural


assume um papel importante, “educar para promoção do respeito a diversidade” (UNESCO).
No Artigo 210 da Constituição Federativa Brasileira de 1988 e Artigo 33 da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDBEN) enfatiza-se a relevância da proliferação da educação
cidadã e diversidade cultural e religiosa. Para esse contexto atual, a educação torna-se
instrumento de promoção para formação de sujeitos que saibam conviver com a diversidade de
gênero, sexo, raça e religião.

3. Contexto histórico do Ensino Religioso no Estado do Rio Grande do Norte

O advento do Ensino Religioso no Estado do Rio Grande do Norte (RN) aconteceu no


ano de 1973. Ainda na década de 70, a Resolução nº 03/73 determinou que o professor de ER
seria nomeado por uma autoridade religiosa da igreja.
O modelo usado na década de 70, no estado do RN, estava voltado ao catequético
(PASSOS, 2007, p. 59).
Por outro lado, no ano de 2000, foi publicado o parecer normativo, nº 050/2000 do
Conselho Estadual de Educação do Rio Grande no Norte no qual instituiu normas específicas
para certificação do Ensino Religioso. O tal parecer respeita a atividade do professor de ER
voltada a ética e cidadania.

3.1 Contexto histórico do Ensino Religioso na cidade de Natal/RN

O Ensino Religioso na cidade de Natal acompanha o mesmo processo de construção do


Conselho Estadual de Educação do Estado do RN. No ano de 2007, o Conselho Municipal de
Educação da Cidade de Natal estabeleceu normas para implementar o ER de acordo com a Lei
Federal nº 9394, sancionada no ano de 1996.
O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do
cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas
quaisquer formas de proselitismo. (Redação dada pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)

O mesmo dispositivo legal do município de Natal sobre o ER está respaldado na Lei


Federal, publicado no Diário Oficial do Município (DOM) em 29 de dezembro de 2014. O
mesmo diz que, [...] “é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui componente
curricular a ser ministrado do 1º ao 9º ano por professor de área específica e é assegurado o
respeito a diversidade cultural e religiosa” [...] (DOM, 2014).
Após lei municipal ser promulgada, a seleção de professor é semelhante a outras áreas
de conhecimento. Apenas o professor habilitado com os conhecimentos específicos assumi a
disciplina, isto é, ter curso de graduação na área de licenciatura em Educação Religiosa ou
Ciência(s) da(s) Religião(ões).
Com o respaldo legal, a Secretária Municipal de Educação (SME) disponibilizou os
referenciais curriculares de ER no ano de 2008. Os referencias curriculares do município de
Natal tem o caráter da proposta legal e conceitual dos Parâmetros Curriculares, criado pelo
Fórum Nacional Permanente do ER (FONAPER). Os referenciais incluíram propostas
metodológicas comuns, mas os conteúdos deverão ser fixados de modo diferenciado e de acordo
com as reais necessidades de cada escola (SME, 2008, p. 8).
De acordo com o mesmo referencial, os eixos temáticos: Escrituras Sagradas ou
Tradições Orais, Ritos, Ethos, Teologias e Culturas e tradições Religiosas são comuns a todas
as escolas do contexto municipal. O que será diferenciado é a escolha do conteúdo dos anos de
cada escolaridade.
No ano de 2018, a SME seguiu as recomendações do Ministério da Educação sobre a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e fez a atualização dos referenciais curriculares.
Durante meados de 2018, no Centro Municipal de Referência em Educação (CEMURE), em
Natal, a comissão de formação continuada do ER da SME atualizou o referencial de acordo
com a BNCC. Professores de ER da rede municipal e estadual de ensino do RN contribuíram
na atualização desse mesmo referencial. No mês de dezembro de 2018, a SME publicou a
versão impressa e o distribuiu as escolas e professores da rede municipal da cidade de Natal.
O referencial curricular fundamenta-se da perspectiva dos eixos temáticos do ER e o
mesmo tem o objetivo de fortalecer a inclusão de conteúdo que paute à diversidade religiosa.
A versão curricular, publicada em 2008, já tratava dessa perspectiva, cujo estudo e pesquisa
estabelecia o conhecimento religiosos das diversas tradições religiosas no ER, tais como:
cristianismo, islamismo, judaísmo, religiões-afro-brasileiras (candomblé e umbanda), entre
outras. Na época, o referencial curricular dos professores já valorizava bastante a pluralidade
religiosa e o fortalecimento da cultura de paz. A verão atualizada, no ano de 2018, incluiu a
proposta da BNCC do conhecimento religioso e do reconhecimento da diversidade religiosa no
âmbito dos currículos escolares (BRASIL, 2017).
A BNCC e o referencial curricular da rede educacional municipal de Natal: destaca
Identidades e Alteridades, declara também em seu objetivo de conhecimento, espaços e
territórios sagrados. O referido objetivo pode ser fixado de diversas abordagens e temas
pedagógicos, a saber: Lugares turísticos do Brasil, do mundo e regional. O mesmo assunto -
identidades e alteridades também contempla a temática das representações e lideranças
religiosas.

4. Discussão conceitual

4.1 Lugar ou lugares turístico(s) e sagrado

Os termos lugares turísticos, sagrado e lideranças religiosas referem-se a uma das


propostas de conteúdos que faz alusão a diversidade cultural. Está nítido que, essa referida
proposta, orienta o professor a ampliar a concepção do pluralismo sociocultural como um de
seus princípios, de modo que o ensino religioso, neste contexto, assume a posição de disciplina
que reconhece a diversidade cultural e religiosa.
A definição conceitual do termo lugar pela geografia, diz que, [...] tem como objeto de
estudo a sociedade que se refere a ação humana modelando a superfície terrestre: paisagem,
região, espaço, lugar e território (CORRÊA, 2003, p. 16).
Partindo dessa premissa, o conceito de lugar é defendido por Corrêa como elemento da
superfície terrestre. Rodrigues (2015, p. 5.036) diz que a definição do termo lugar traz também
outra questão pelas correntes da geografia humanística, uma relação profunda que o sujeito
estabelece com o seu lugar a partir das experiências do dia a dia. Além de o lugar ser um
elemento da superfície terrestre inserido dentro de um espaço físico, ele é muito repleto de
memórias afetivas, que são construídas pelo próprio sujeito como identidade. Segundo Staniski
(et al, 2014, p.2), constitui-se um lugar com aspectos históricos, culturais e ambientais de
singularidade geográfica e de identidade dos moradores.
A relação do sujeito com o seu lugar desperta o sentido afetivo, de modo que o lugar
não é considerado apenas como um espaço físico, é visto como um espaço importante da
formação da identidade de um grupo social e de grandes experiências vividas e de
pertencimento do sujeito. De acordo com Rodrigues (p. 5.036, 2015), o lugar é visto como lócus
do sujeito que o constrói, ao mesmo tempo em que constitui a si mesmo se relacionando com o
mundo e com a coletividade social.
Os lugares turísticos e sagrados, igrejas, templos, mesquitas, sinagogas, terreiros de
candomblé e umbanda despertam o sentimento de afetividade e de sagrado do sujeito. Eliade
falava (1992, p.13) “tudo que o homem toma conhecimento do sagrado porque este se
manifesta. Exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo
de sagrado nos revela”. Esse algo que se revela é o sagrado do próprio homem.

4.2 Liderança religiosa

Líder é aquele que pode exercer influência nas pessoas, é ele que tem a função de
representar um grupo social, orientar e coordenar. A pessoa que se torna líder, é responsável
por uma função. O professor, o gestor escolar, são considerados líderes, pois exercem uma
função na escola, o professor lidera a sala de aula, enquanto o gestor lidera toda a escola. O
religioso tem a função de liderar uma organização religiosa. De acordo com Passos (2006, p.
54) o líder tem como função preservar os ensinamentos religiosos, ele é considerado o guardião,
aquele que é responsável de transmitir a palavra sagrada [...].

5. Metodologia

Realizamos nossa pesquisa na Cidade de Natal (RN), na Escola Municipal Professor


Antônio Campos com turma do 5º ano C e 4º ano B do ensino fundamental, no turno tarde, a
mesma situa-se no bairro de Mãe Luiza, da mesma cidade. A pesquisa também foi realizada na
Escola Municipal São José na turma do 5º ano do ensino fundamental, turno manhã, localizada
no bairro de Ponta Negra, Natal. A faixa etária dos alunos das turmas supracitadas é de 10 e
11 anos de idade. A pesquisa foi realizada no período letivo de 2018, especificamente no 2º e
3º bimestre com base nos conteúdos do Referencial Curricular do ER: lugares turísticos e
sagrados e lideranças religiosas.
Nosso ambiente de pesquisa foi uma sala de aula, tendo como principal foco descrever
as atividades realizadas nas aulas de ER, tais como Bingo dos lugares sagrados, o dominó dos
lugares sagrados, o jogo da memória dos lugares sagrados, a oficina de desenhos dos lugares
sagrados e a apresentação teatral de dedoche. De acordo com Ludke et al (1986, p. 30), a
pesquisa descritiva tem como principal finalidade registrar detalhadamente do que ocorre “no
campo” (1986, p. 30).
Nesse tipo de pesquisa descritiva-reflexiva, mais especificamente a exploratória, o
pesquisador está mais envolvido com a pesquisa, de modo que, nesse contexto, explora o mais
precioso do campo: a descrição dos dados e a reflexão detalhada do que ocorreu. Na nossa
pesquisa, o nosso maior foco foi delinear as atividades supracitadas vivenciadas pelos alunos e
professor de ER.
Apontamos novas possibilidades de inovar a prática pedagógica com dinamismo e
ludicidade. E o mais importante, rompemos com práticas pedagógicas tradicionais que tendem
ao comodismo de atividades escritas no quadro, nas quais o aluno escreve sem o compromisso
de refleti-las criticamente (OLIVEIRA; CANANÉA, s/p).

6.1 Resultados e discussões

6.1 Atividade 1 – Bingo dos lugares Sagrados

O bingo93 é um jogo bastante educativo. Além de ser lúdico, o bingo tem a função
pedagógica de trabalhar a concentração, a leitura e a escrita. O bingo pode ser utilizado para
todas as disciplinas. Nós adaptamos o bingo ao tema lugares sagrados, na turma do 4º ano B
(Sinagoga, Terreiro, Templo, Igreja, Mesquita, Natureza, Rio Ganges, Meca etc.). Sugerimos
ao aluno a construção de um quadro no caderno com 4 nomes de lugares sagrados estudados na
sala, bem como sugerido pelo professor, conforme exemplo abaixo:

93
Está atividade foi extraída e adaptada do blog< http://ensinoreligiosoemsala.blogspot.com/2017/05/contacao-
de-historias-3-ano-lugares.html>. Acesso em 14 de outubro de 2018.
Figura 1 Figura 2

Figura 1 Quadro do Bingo, proposta do professor. Figura 2 Caderno do aluno demonstrando como deveria
ser feito a cartela do bingo dos lugares sagrados.

Está referida atividade do bingo dos lugares sagrados foi realizada em uma aula que
durou 1 hora. Os alunos participaram efetivamente da referida atividade, e souberam que cada
lugar sagrado possui um significado. De acordo com Oliveira e Koch, práticas formadoras, de
relacionamentos com estas com o “diferente”, contribuem nos encaminhamentos para uma
percepção e compreensão da humanidade que se perceve heterogênea (2012. p.461). Por essa
razão, a proposta de estudar o ER sem o do viés catequético facilita o processo de inclusão das
diferenças em sala de aula.

6.2 Oficina do dominó dos lugares sagrados e jogo da memória dos lugares sagrados

Realizamos na turma do 5º ano da Escola Municipal São José, o jogo do dominó e o


jogo da memória. Estes jogos foram adaptados ao conteúdo lugares sagrados. O jogo do dominó
tem uma função pedagógica lúdica, de entretenimento, e pode ser explorado de diferentes
formas na sala de aula. O jogo do dominó e o da memória são recursos pedagógicos que
contribuem com o desenvolvimento da criança e do adolescente em formação.
Esta atividade do jogo do dominó e jogo da memória dos lugares sagrados foi realizada
em 3 aulas, que tem 1 hora de duração cada aula. A construção do jogo foi bastante significativa
para os alunos, que o realizaram coletivamente.
A primeira aula dividimos a turma em duas equipes, uma equipe responsável pela
confecção do jogo da memória dos lugares sagrados e uma equipe pela confecção do dominó
dos lugares sagrados. Na mesma aula utilizamos o material para confecção dos jogos: cartolina
branca, cola branca, tesoura e imagens de diferentes lugares sagrados. A segunda aula
continuamos a confecção dos jogos. A terceira aula os alunos jogaram o dominó e o da memória
dos lugares sagrados. Em relação ao jogo do dominó, numa mesma peça colamos uma imagem
de um lugar sagrado e escrevemos o nome de um lugar sagrado. Nas outras peças fizemos o
mesmo processo. Para jogar e encaixar as peças corretamente, o aluno tem de reconhecer o
nome de cada lugar sagrado dos cristãos, judeus, muçulmanos, indígenas, umbandistas e
candomblecistas etc.
Figura 3 Figura 4

Figura 5

Figura 3: grupo confecionando o jogo da memória dos lugares sagrados. Figura 4 e 5: grupo
confecionando o jogo do dominó dos lugares sagrados.

Figura 6 Jogo da memória Figura 7 Jogo do Dominó

Figura 8 e Figura 9 Alunos jogando

6.3 Oficina desenho dos lugares sagrados: Meca, Igreja e Mesquita

A oficina de desenhos dos lugares sagrados foi realizada na Escola Municipal Antônio
Campos, na turma do 5º ano C. Realizamos essa oficina em 2 aulas. A primeira aula a turma
foi dividida em três grupos, o grupo 1, desenhou a igreja, lugar sagrado para muitos cristãos, o
grupo 2, retratou a cidade de Meca e a Caaba dos muçulmanos, e o grupo 3, desenhou a
mesquista, lugar sagrado dos muçulmanos. Na mesma aula, já iniciou a confecção dos
desenhos. A segunda aula concluímos o trabalho com a exposição do mural.
Figura 10 – Mural dos desenhos dos lugares sagrados

6.4 – Teatro de dedoches das representações e das lideranças religiosas: Padre, Judeu,
indígena e Mãe de santo

Os dedoches das lideranças e representações religiosas foram confeccionados pelos


alunos do 4º ano B. A apresentação teatral aconteceu no pátio principal da Escola Municipal
Antônio Campos. Trata-se de um projeto da rotina diária, da escola citada no qual os alunos
juntamente com os professores do 1º ao 5º ano apresentam atividades realizadas em sala de aula
para todos os alunos da escola. É um projeto cuja finalidade é compartilhar as experiências
pedagógicas.
As disciplinas ER, Artes e Educação Física, só foram implantadas no projeto de rotina
da escola no ano de 2018. Na época, houve um planejamento pedagógico onde os professores
e a gestão da escola sugeriu de incluir as disciplinas citadas no projeto de rotina semanal.
ER apresentou apenas uma única vez sobre o tema lideranças religiosas. Escolhemos 4
alunos para representar a turma do 4º ano B. Cada aluno responsável por apresentar o perfil das
representações e lideranças religiosas: padre, mãe de santo, judeu e pajé. Os alunos falavam
características das religiões africana, indígena, judaica e católica. A intenção é que os alunos
consigam descobrir por meio do perfil de cada liderança religiosa à sua respectiva religião. Por
exemplo, “sobre o judeu – símbolo sagrado é a estrela de Davi, o lugar sagrado é a Sinagoga,
responda qual é o nome da minha religião”?
Figura 11 – Representação do Judeu Figura 12- Representação do Padre

Figura 13 – Representação da Mãe de Santo Figura 14, Representação do Pajé

Figura 15 – Alunos apresentando o teatro de deoches aos alunos de todas as turmas

6. CONCLUSÃO

Buscamos ampliar a noção de diversidade cultural e religiosa nas aulas de Ensino


Religioso trazendo questões relativas as religiões afro-brasileiras, Islamismo, Judaísmo entre
outras organizações religiosas. Pois, determinado momento em que ministrava aulas sobre as
referidas religiões, mais precisamente religiões afro-brasileiras, alunos e alunas falavam de
modo pejorativo usando a expressão “macumba”.
A partir da aula com jogos educativos: bingo dos lugares sagrados, jogo do dominó e
jogo da memória dos lugares sagrados, oficina de desenhos dos lugares sagrados e teatro de
dedoches das lideranças religiosas, nutriu-se a perspectiva de que a igreja bem como o
cristianismo não é a única religião e lugar sagrado existente. Há muitos lugares, tais como:
mesquita, sinagoga, terreiro de umbanda e candomblé, templos, cemitério e muitos outros
lugares que podem ser estudados nas aulas de ER. Usamos o conceito de sagrado orientado por
Eliade por entender que sagrado é tudo aquilo que se manifesta, ou seja, o conceito de sagrado
aplica-se a todo fenômeno que se manifesta pelo próprio homem.

7. REFERÊNCIAS

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outubro de 2018.
MATERIAIS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE
GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Selmara Lima de Carvalho


Mestranda em Ciências da Educação pela Universidade Nacional del Rosário,
selmaracarvalho@gmail.com

RESUMO

O presente artigo busca trazer os principais resultados de uma pesquisa comparativa realizada
em duas escolas pré-selecionadas no município do Recife, como as relações de gênero são
trabalhadas pelos materiais didáticos de uma instituição de caráter religioso (católica) e outra
laica. A pesquisa foi de abordagem qualitativa a qual teve como objetivo analisar como os
materiais didáticos abordam as questões de gênero, através de imagem, desenhos e atividades.
Os resultados alcançados através dessas analises foram semelhantes em ambas às escolas, as
diferenças foram encontradas mais na prática docente que até então não era o foco inicial da
pesquisa, mas se faz necessário abordar nesse artigo devido as situações apresentadas durante
as observações.

PALAVRAS-CHAVE: Gênero; Educação Infantil; Materiais didáticos; Católica. Laica.

INTRODUÇÃO

O interesse por este estudo surgiu mediante a observações na rotina de diversas turmas
na educação infantil por meio do estágio curricular obrigatório durante a graduação em
pedagogia. Visto que questões como gênero muitas vezes não são abordados em sala de aula e
quando vem ser trabalhado pelo professor ou estão presentes nos materiais didáticos acabam
reforçando questões culturais de segregação.
Atividades em geral que estão presentes na rotina das crianças da educação infantil são
muitas vezes separadas com base no gênero biológico com a justificativa que aquilo não é coisa
de menino/menina ainda mais quando a instituição é de seguimento religioso, baseando suas
práticas pedagógicas na doutrina da igreja e ao Projeto Político Pedagógico da instituição que
já prever seguir as mesmas linhas ideológicas que a religião
Diante disso, o que se vê atualmente no campo escolar da educação infantil é uma grande
necessidade de abordar temas como gênero sem titular as atividades realizadas pelas crianças.
Entendemos que houveram grandes evoluções com relação a essa temática, mas é preciso mais,
pois compreendemos que as crianças são sujeitos que estão inseridos nos meios sociais, e a
forma como trabalhamos com eles influencia diretamente em nosso futuro.
Sendo assim o objetivo desse trabalho é apresentar ao leitor como questões de gênero
são abordadas através dos materiais didáticos em duas escolas de educação infantil pré-
selecionadas localizadas no município do Recife uma instituição de caráter religioso (católica)
e outra laica.

GÊNERO - ABORDAGEM DOS MATERIAIS DIDÁTICOS NA EDUCAÇÃO


INFANTIL

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) é o documento


que procura instrumentalizar os docentes que atuam na prática educativa cotidiana de creches
e pré-escolas da educação infantil brasileira, respeitando a diversidade cultural do país e a
especificidade dos profissionais pedagógicos. Sua abordagem a temática sobre gênero - ocorre
de forma um tanto superficial e até mesmo equivocada, deixando assim de servir como guia
educacional devido à ausência de orientações didáticas e conteúdo mais detalhados sobre a
temática. Como nos mostra o exemplo a seguir:

Dentre as questões relacionadas à sexualidade, as relações de gênero ocupam um lugar


central. Há um vínculo básico entre o gênero de uma pessoa e suas características
biológicas, que a definem como do sexo feminino ou masculino. Perceber-se e ser
percebido como homem ou mulher, pertencendo ao grupo dos homens ou das
mulheres, dos meninos ou das meninas, se dá nas interações estabelecidas,
principalmente nos primeiros anos de vida e durante a adolescência (BRASIL, 1998,
p. 19).

Conforme a citação esta é uma realidade bem presente em nossa sociedade por questões
sócio históricas. O documento ainda afirma que, a “separação de gênero acontece de forma
espontânea entre meninos e meninas, e que as crianças começam a se preocupar nas
características associadas ao ser homem ou mulher” (BRASIL, 1998, p. 20).
Os conceitos de gênero são amplos, mas, acima de tudo são construções sociais. Os
mesmos são plurais, estando assim sob constantes transformações. Para Guacira Louro (1997),
a identidade de gênero está ligada à identificação social e histórica dos sujeitos, que se
reconhecem como femininos ou masculinos.
Sendo assim é necessário examinar os materiais didáticos destinados às nossas crianças.
No campo da educação infantil existem materiais didáticos que ainda buscam um controle sobre
o que é ser menino e ser menina, reforçando essa separação por meio de brincadeiras, jogos,
cores, tarefas, emoções entre tantos outros meios. Souza (1995) diz, que para perceber se
concepções de gênero, sexualidade, raça e etnia são pautadas pela desigualdade, é necessário
examinar os materiais didáticos destinados às nossas crianças.
É preciso pensar em materiais didáticos que não reforcem a naturalização do gênero
biológico, ampliar as discussões em torno deste assunto sem repressão ou separação,
respeitando assim as pluralidades de cada sujeito.

METODOLOGIA

A metodologia de pesquisa utilizada para construção desse artigo foi à análise dos
materiais didáticos em duas escolas pré-selecionada no município do Recife, no total foram
realizadas oito visitas, todas na educação infantil. A faixa etária das crianças era entre cinco e
seis anos de idade em ambas as escolas, Por motivos éticos os nomes das instituições e das
coleções onde foram realizadas as visitas não serão divulga nesse artigo.
Para investigar se os materiais utilizados reforçam os padrões de gênero, realizamos
uma análise dos materiais didáticos, onde seu principal objetivo foram verificar sua adequação
para o ensino-aprendizagem da situação em que se insere. Dessa forma, observaremos se esses
materiais abordam a temática de gênero, e caso tragam tais questões, se as mesmas se encontram
adequadas à educação infantil e/ou reforçam a perpetuação das dicotomias, que muitas vezes
segregam e excluem.
Foi realizada uma análise tanto das atividades quanto das imagens apresentadas nos
livros didáticos. A coleção usada pela escola religiosa é dividida em cinco disciplinas língua
portuguesa, matemática, natureza e sociedade, movimentos e artes. Os materiais trabalham mais
com execução de atividade práticas, brincadeiras e depois da realização da mesma os alunos
relatarem através de colagem, desenhos entre outras formas, apresentando assim suas
experiências após a realização da atividade proposta pelo livro.
Na escola laica o material didático dos alunos fica dentro de uma caixa grande onde dois
livros didáticos um de matemática e um de português, um livro de colagem e um para realizar
ativadas com a família, assim como na escola religiosa os livros da escola laica trabalham mais
com atividades de colagem e brincadeiras através de execução das ativadas propostas.
A Escola religiosa está localizada na cidade do Recife. É uma instituição de ensino de
caráter religioso (católico), tendo como visão valores e princípios cristãos, atuando assim no
campo da educação. Considerada como uma das mais tradicionais do nordeste, possuindo mais
de cem anos de funcionamento, tendo como oferta de ensino desde a educação básica até ensino
superior.
A Escola laica fica localizada no bairro da Torre, também no município de Recife. É uma
instituição laica que surgiu no período da ditadura militar, com mais de sessenta anos desde sua
fundação. A escola identifica-se com a teoria sócia interacionista construtivista de ensino. No
início a Escola trabalhava somente com educação infantil, mas já incluindo em sua instituição
crianças com deficiências, se expandiu e atualmente oferece o ensino fundamental e médio.

ANÁLISE DOS MATERIAIS DIDÁTICOS

Durante a folhagem dos materiais presente nas duas escolas, foi encontrado apenas uma
imagem presente no livro de matemática da escola religiosa que chamou atenção, em que possui
uma atividade em que tem como objetivo o preparo de uma receita para as crianças realizarem,
a figura é ilustrada por uma mulher e uma menina preparando algo na cozinha, de início
acabamos acreditando que aquela imagem é algo sem tanta importância, mas esquecemos da
mensagem que ela acaba passando, ela traz consigo uma carga cultural em que o ambiente
doméstico, mais especificamente a cozinha é um espaço usado/frequentado “exclusivamente”
por mulheres, e então nos questionamos. Por que não um homem e um menino?
Bortolini fala que (2011, p. 29):

(...) falar sobre gênero não significa falar "de mulher", mas questionar as maneiras
como socialmente construímos as categorias "mulher" e "homem". Pensar sobre
gênero é pensar necessariamente sobre essas relações, marcadamente culturais e
históricas, não negando a materialidade dos corpos, mas entendendo que esses corpos
só são inteligíveis (compreensíveis) a partir de processos de significação
culturalmente, historicamente e politicamente construídos.

Questões como essas apresentadas por Bortolini são constantemente vista no cotidiano
em nossa sociedade e como visto estão presentes também nos livros didáticos, mesmo que em
quantidade pequena, pois estão diretamente ligadas a questões culturais. Encontramos menos
situações do que esperávamos, e isso foi visto de forma positiva, pois quando foi organizado o
processo de confecção desses materiais didáticos que estão presentes nas instituições a quais
foram realizada à pesquisa, foi trabalhado com cuidado e sensibilidade pensando assim da
formação social de seu público alvo.
Em ambas as escolas não foi autorizado que os livros e muito menos os alunos fossem
fotografados, somente permitido que olhássemos os materiais e anotássemos quaisquer
informação relevante.
Durante as observações, mesmo que o nosso foco na pesquisa não tenha sido a pratica
docente e o comportamento dos alunos. Foi possível observar várias situações em que a
segregação de gênero ocorreu, tanto de forma esponte quanto através de orientações pelos
docentes ou ADIs.
Na escola religiosa na espera para hora do intervalo as crianças fazem uma fila para
esperando o sinal tocar, sem intervenção de nenhum adulto as próprias crianças se separaram,
todas as meninas ficaram de um lado e os meninos de outro. Foi possível perceber que mesmo
sem a orientação do professor para que as crianças se separassem daquela forma, isso já teria
sido ensinado anteriormente.
Em outra situação durante uma atividade realizada pela ADI enquanto a professora ainda
não tinha chegado em sala, pois desse dia ela tinha se ausentado para ir ao médico. Foi realizada
uma atividade presente no livro didático movimentos de copo-bol, a orientação presente no
livro didático era para que dividisse a turma em duplas independente de seu gênero, porem a
adi separou as duplas de meninas com meninas e meninos com meninos. Pensando nisso
devemos lembrar que:

(...) transformar as relações de gênero é algo que vai muito além do que juntar
meninos e meninas nos trabalhos escolares ou dar o mesmo presente a meninos
e meninas no dia das crianças. Não é uma mudança apenas racional, pois mexe
com as emoções, com relações investidas de afeto, além de incidir nas
estruturas institucionais. (ALBERNAZ e LONGHI, 2009 p.89)

É preciso pensar em discursos que vão além do reconhecimento que as influências


culturais e religiosas interferem diretamente na construção social das crianças, visto que antes
mesmo de seu nascimento a sociedade espera do individuo aluno que se comporte conforme os
patrões de gênero pré-estabelecidos.
Na escola laica é importante apresentar uma situação abordada pela professora após o
comportamento de uma aluna, depois do intervalo existe um momento de descanso onde cada
criança pega uma esteia para poder descansar, a borda das esteiras é colorida, e duas crianças
estavam brigando, pois uma aluna queria a esteira que tinha a borda rosa e o menino já tinha
pego ela para poder deitar. Neste momento a professora interviu e disse para aluna que todas as
esteiras são iguais, não existe motivo para ela escolher a que foi pega pelo seu colega.
O discurso usado pela docente é de grade coerência, pois conforme a observação
realizada a mesma quando afirma que todas as esteiras são iguais busca descontruir na aluna
que queria a esteira com borda rosa, que existe uma cor especifica para cada gênero.

Considerações Finais

Os resultados alcançados após a observações dos materiais didáticos foram consideradas


positivas, visto que em ambas as escolas não foram encontradas nenhuma atividade presente
nos livros didáticos que reforcem os padrões de gênero. Somente na escola religiosa foi
encontrada uma imagem no livro de matemática onde constam duas pessoas preparando uma
receita na cozinha sendo representadas por mulheres.
Foi possível perceber que questões que reforçam os padrões de gênero estiveram
presentes nas duas escolas, tanto na pratica docente conforme os exemplos apresentados na
escola religiosa, quanto ao comportamento dos alunos conforme o exemplo da escola laica.
Assim como afirma Bortolini (2011, p. 36-37):

Precisamos, assim, pensar numa discussão sobre sexualidade e gênero na escola que vá
para além de uma postura justificada, lgbtista, mas num debate que problematize todo
o processo de heterossexualização compulsória e adequação às normas de gênero que a
escola cultiva cotidianamente. Não significa novamente invisibilizar gays e lésbicas,
mas, pelo contrário, visibilizar a todos e todas, inclusive os heterossexuais que
aparentemente estão confortáveis na sua sexualidade e gênero encaixados na norma.
Isso significaria romper com a perspectiva da heteronormatividade como única
possibilidade de hegemonia e repensar o gênero e a sexualidade na escola, não só pelo
reconhecimento de determinados grupos, mas pelo quanto essas questões dizem respeito
a toda a comunidade escolar, a toda a prática pedagógica, aos processos de constituição
de cada sujeito ali dentro, estudantes ou profissionais da educação. Significaria nos
propormos a nós mesmos um desafio de repensarmos os nossos próprios paradigmas e
tentar construir uma prática que não simplesmente inclua, mas que se repense, se
reestruture a partir dos questionamentos que tem diante de si.

É preciso repensar nossa pratica docente mudar o currículo da graduação no processo


de formação dos professores que vão trabalhar diariamente com diversas pluralidades de ser e
não nesse binarismo que é associado “o ser homem e o ser mulher”, e investigar com mais
eficácia esses matérias didáticos destinados a nossas crianças, pois os papeis de gênero e suas
identidades são e vão muito mais além do que é imposto e apresentado em nossa sociedade.
Entendemos que não existe profissão de homem e profissão de mulher, não existe cor
de homem e cor de mulher e muito menos brinquedos de meninos e brinquedos de meninas.
Isso se dá pelas relações sociais normas e padrões que são ditos como certo ou não, mas nos
questionamos sobre quem diz isso. A busca por métodos que não segreguem, excluam ou
diferencie um sujeito do outro vai muito mais além de reconhecer a existência desses
paradigmas é preciso desconstruir toda essa pratica e ação que estão presentes em nosso
cotidiano não só no espaço escolar e nos materiais didáticos, mas também em nossa sociedade.

Referências

ALBERNAZ, Lady Selma; LONGHI, Márcia. “Para compreender gênero: uma ponte para
relações igualitárias entre homens e mulheres”. In: SCOTT, Parry; LEWIS, Liana; QUADROS,
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MEMÓRIAS DE UM BALAIEIRO: EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS E UM MERGULHO EM SUAS PERTENÇAS

Ladjane Alves Sousa


(UNEB - ladjaneasouza@yahoo.com.br) 94

RESUMO: O artigo objetiva relatar as experiências e práticas desenvolvidas dentro de uma


turma de Educação de Jovens e Adultos. Considerou em seu fazer uma política de projeto
voltada para a valorização das pertenças e territorialidades dos sujeitos da EJA. A proposição
metodológica buscou conhecer a história de um balaieiro, homem com pertenças próximas aos
dos estudantes para dar maior sentido ao fazer escolar. O entendimento é que quando se parte
das vivências dos discentes as práticas escolares têm mais significado.

PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos; Memórias de um balaieiro; Pertença.

APRESENTAÇÃO

A educação de Jovens e Adultos - EJA é uma modalidade de ensino que vêm sendo
ofertada, em sua grande maioria, para aqueles que carregam marcas de um processo
civilizatório de negligência dos anônimos da história, estes que erguem, diariamente, com sua
força de trabalho, e com suas próprias vidas, nossa sociedade.
Alfabetizar na EJA precisa a todo instante está associada à compreensão de quem são
esses sujeitos, pois ao entendermos suas vivências, territorialidades, suas dinâmicas no mundo
tornam-se urgentes construções de práticas que respeitam e valorizam as narrativas históricas
que compõem cada estudante.
Ninguém se alfabetiza sem dignidade, e não se tem dignidade sem reconhecer seus
direitos e todas as marcas identitárias que nos compõem, desta maneira construir memórias
sobre um balaieiro, e especificamente, através da arte, é resgatar a integralidade destas pessoas,
a memória coletiva95 dos anônimos, desta maneira, a arte vem em nosso projeto como um
reencontro com a inteireza humana, que muitas vezes, por conta da vida que levamos, fica
adormecida dentro de cada um de nós.

94
Mestre em Educação e Contemporaneidade do Programa de Pós-graduação Educação e Contemporaneidade
(PPGEduC). Pedagoga pela UNEB. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Educação e Currículo (GPEC).
Professora no Município de Lauro de Freitas.
95
Compreendemos memória coletiva a partir das reflexões de Le Goff (1990) e especificamente suas contribuições
para pensar memória coletiva contribuindo com a construção de identidade coletiva.
E são de entendimentos como este que torna significativo usarmos as memórias sobre
Seu Balaieiro, homem comum e de grande relevância histórica, cultural e artística, e que ao
mesmo tempo, partilha dos mesmos coletivos que pertencem os nossos estudantes, são os
mesmos pobres, negros, trabalhadores autônomos, nordestinos, os mesmos anônimos.
Revisitar essas memórias em um projeto escolar, que visa ao desenvolvimento das
experiências de um mundo, também letrado é reescreviver as vidas dos próprios discentes, pois
suas trajetórias têm muitas aproximações, como citamos anteriormente, com a de seu Balaieiro.
Desta maneira, atrelar memórias com as experiências de desenvolvimento autônomo e
crítico dos estudantes ampliando as práticas de leitura e escrita através das vivências com seus
pertencimentos, seus territórios, e, a própria arte de confeccionar cestos e balaios é reconhecer
que “Os textos são a memória do homem na qualidade de ser-no-mundo e se constituem na
herança que possibilita dar continuidade à obra humana na história” (FURLAN, p.119, 1994).
O projeto foi desenvolvido dentro da proposta escolar onde a temática tratava dos direitos
humanos. Ampliamos o projeto ao levantarmos memórias sobre um sujeito importante para a
cultura e história local e exemplo de cidadão que lutou para garantir seus direitos à vida,
profissão e família através da sua arte de trançar balaios.
Discutir direitos humanos e memória de anônimos históricos, por sua vez, articulou-se
com a proposição da Secretaria Municipal de Educação – SEMED que trouxe como reflexão
para o ano letivo o seguinte tema: Cidade educadora.

JUSTIFICATIVA

Como alfabetizadora da EJA percebo a necessidade de elevar a baixa autoestima dos


estudantes, um dos fatores para o insucesso escolar. Busco construir práticas que valorizem as
experiências pessoais e coletivas dos discentes.
Daí nasceu A proposição metodológica de trabalhar com as memórias sobre a vida de seu
Balaieiro, Domingos Ferreira da Cruz, o mais antigo artesão em Lauro de Freitas, balaieiro há
66 anos96.
Conheci seu Balaieiro indo comprar balaios no centro, e me encantei com suas memórias,
pois têm pontos em comum com a história dos nossos educandos que trabalham desde a
infância, não tiveram a oportunidade de estudar e que lutam pelo sustento familiar.

96
O Município de Lauro de Freitas faz parte da Região Metropolitana de Salvador.
Com a arte de trançar balaios teceu toda sua história, esta que tem muito a nos dizer sobre
dignidade, luta e felicidade. A tentativa era apresentar uma vida comum, simples, mas
amalgamadas de pertenças e de saberes de um povo tradicional. Vi em suas vivências a
oportunidade de construir uma experiência de valorização dos anônimos da história.
Domingo Ferreira da Cruz, mais conhecido como seu Balaieiro, ou seu Balaio, aos
seus 78 anos de idade é o mais antigo artesão e repentista do Município de Lauro de Freitas.
Nasceu em 10 de agosto de 1938, natural de Ilha de Maré, chegou nesta cidade em 1951, há 66
anos, quando ainda era distrito chamado de Santo Amaro do Ipitanga, 11 anos antes da
emancipação da cidade que ocorreu em 31 de julho de 1962.
Ainda menino aprendeu com seu pai a arte de confeccionar balaios, e, desde então,
trabalha como balaieiro. Casou-se em 1960 com a senhora Antônia Santiago da Cruz, com quem
teve 19 filhos, 30 netos e 11 bisnetos até o momento.
Em 2012, recebeu o título de Cidadão Laurofreitense da Câmara dos Vereadores devido
à importância histórica, cultural e artística que Seu Balaieiro tem para este município.
Sua história já foi divulgada em jornais, revistas e ainda um vídeo institucional produzido
pela Secretaria de Cultura onde Seu Balaieiro relata algumas de suas experiências, mais a frente
serão indicadas as referências de tais documentos.
Homem simples, acolhedor e cheio de vida, que faz questão de falar que sem produzir
seus balaios adoece. Filho de uma pequena ilha localizada no subúrbio de Salvador, chamada
de Ilha de Maré, Seu Balaieiro mantém, até hoje, em Lauro a tradição familiar de trançar
balaios, e desta maneira preservando a memória de um povo tradicional.
O objetivo de trabalhar no projeto com a biografia de seu balaieiro era para conhecer as
memórias sobre a vida de Seu Balaieiro, uma vez que reconhecer sua história de luta e sucesso
é resgatarmos a nossa própria história, pois sua vida suscita dignidade e cidadania.
Desta forma, contribuímos para ampliar aprendizagens referentes aos conteúdos
escolares a partir de experiências com a arte. As nossas expectativas eram através do projeto
trabalhar com memórias, vivências e produções artísticas que dessem conta de fortalecer as
marcas identitárias e a autoestima dos nossos estudantes, pessoas com faixa etária entre 15 a 76
anos. São trabalhadores no serviço doméstico, pedreiros, recicladores de lixo, e, sobretudo, os
que vivem do mercado informal em várias áreas, inclusive, na produção de artesanatos.

METODOLOGIA
Pensar uma proposição metodológica de valorização do discente é relevante e
possibilita-nos recontarmos as histórias silenciadas de diversos anônimos da história, e, desta
maneira, contribuirmos com a autopercepção de sujeitos pertencentes a este coletivo, no qual
nossos estudantes da EJA fazem parte.
É comum e tradicional, mesmo na contemporaneidade, a propagação da história das
elites, entretanto é urgente rever tais narrativas para incluir sujeitos que são constantemente
negligenciados. Desta maneira, cada vez mais são insistentes as recomendações sobre uma
educação da ética da coexistência (LUZ, 2007), que seria, entre outras coisas, relações que
tivesse como princípio não apagar e nem negar as diversas existências individuais e coletivas
que compõem a humanidade.
Entendemos que a escola necessita constantemente buscar novos caminhos teóricos e
metodológicos que deem conta de proporcionar aprendizagens significativas e relevantes para
a formação cidadã dos estudantes da EJA. Desta maneira as memórias sobre Seu Balaieiro se
constituem como apropriação da narrativa de um anônimo histórico, de extrema relevância para
o contexto local e que se constitui como uma grande referência para a valorização dos discentes
da EJA, estes que pertencem aos mesmos coletivos do artesão mencionado.
Desenvolvemos o projeto desde o quarto bimestre do ano letivo de 2015, em turmas de
alfabetização da EJA, e estamos em fase de formatação de um livro, produzido por professoras,
estudantes, pai de uma professora e uma das netas de seu Balaieiro.
À medida que conheciam a história, levantaram hipóteses e curiosidades sobre o artesão
e a fabricação de balaios, e ao mesmo tempo repensavam suas próprias trajetórias de vida.
O projeto desenvolveu-se em cinco etapas. Na primeira, pesquisamos e produzimos
conhecimentos sobre Seu Balaieiro. Na segunda, realizamos pintura em tela sobre
representações de um balaieiro. A terceira, foi a preparação e a vista à casa de Seu Balaieiro.
Na quarta, culminância do projeto referente à socialização das aprendizagens dos estudantes e
a última, em curso, a sistematização de um livro fruto de todo o conhecimento construído.

ETAPA I – UM POUCO DE MEMÓRIA

Na etapa I do nosso projeto pesquisamos e produzimos conhecimentos sobre Seu


Balaieiro.
Fizemos antes de levarmos a discussão para a sala de aula um pequeno levantamento
bibliográfico de textos que contribuíssem com a pertinência do projeto, bem como com o
entendimento dos principais conceitos trabalhados em sala e, ao mesmo tempo, as bases para
produção de novos textos mais acessíveis à linguagem e ao entendimento dos estudantes.
Construímos junto aos estudantes da turma conhecimento sobre os principais conceitos
que girou em torno do nosso projeto como memória, história, profissão, família, artesanato,
artesão, balaieiro e balaio.
Um exemplo que destacamos narrar foi A discussão sobre o conceito de memória com
a contação da história contida na literatura intitulada Guilherme Augusto Araújo Fernandes,
que gira em torno da busca de um menino que tenta entender o que significa a palavra memória
para que pudesse devolver a memória perdida de uma velhinha que ele tanto gostava e morava
em um asilo ao lado de sua casa.

Fotos 01 - Atividade sobre o conceito memória

Era necessário que os educandos percebessem a relevância da memória para que


entendessem o porquê de construirmos conhecimento sobre Seu Balaieiro.
Fizemos leitura de reescrita de textos que divulgavam informações sobre Seu Balaieiro,
presente em revistas e jornais. Fizemos a leitura e discussão coletiva de uma biografia de Seu
Balaieiro e depois produzimos algumas interpretações e compreensões do texto através de
atividades impressas.
As bibliografias usadas referentes à memória de Seu Balaieiro e que foram base para a
reescrita dos textos foram: revistas locais, como Vilas Magazine - edição de 2008, 2015, e, a
Olá Revista - edição de 2014, que contem em duas páginas uma reportagem intitulada O
artesanato e o repente fazem parte da minha vida. Usamos o vídeo Mestre Balaieiro que
compõe a série Conheça a Nossa História pela Secretaria de Cultura em 2015.
ETAPA II – PINTANDO SEU BALAIEIRO

Na etapa II realizamos pintura em tela através de representações sobre como os


estudantes imaginavam ser Seu Balaieiro e também de diferentes tipos de balaios.
Essa etapa significou possibilitar aos discentes a construírem uma narrativa visual sobre
um homem que desconheciam, bem como expressarem quais compreensões tinham sobre o
artesão que confecciona balaios.

Fotos 02 – Pintura em tela sobre como os estudantes imaginavam ser Seu Balaieiro

Com esta proposição os estudantes vivenciaram, pela primeira vez, a produção de suas
expressões artísticas em pintura em tela. E por conta disto é importante ressaltar que devido não
terem tido contato anterior com pintura em tela, muitos ficaram tensos quando da produção,
alguns inclusive precisaram de mediações para relaxar, e desta maneira conversas individuais
e até massagens foram feitas.
A imagem a direita das fotografia apresentada, além de conter imagens de práticas para
tranquilizar um dos estudantes que ficou tenso quando do início da pintura, refere-se também
ao momento em que os discentes antes de irem para as telas esboçaram seus desenhos
livremente no caderno.
Embora os materiais disponíveis pela escola fossem escassos, mesmo contando com
doações, e tendo que no momento da pintura em tela trocarem materiais entre si, aguardando
um ao outro terminar de usar, e ainda, como já citado, não terem tido, anteriormente, nenhuma
experiência artística igual a esta, conseguiram expressar suas pinturas com muita criatividade,
leveza e vida. Tivemos senhoras com mais de 60 anos que pegaram em um pincel e pintaram
em tela pela primeira vez na vida, na etapa do projeto. E estas tinham tanta delicadeza e leveza.
Fotos 03 – Senhora com mais de 60 anos pintando pela primeira vez em tela

Trazer para a escola as artes visuais, na perspectiva da produção realizada pelo discente
é de grande relevância, pois os estudantes além de atribuírem significado ao se expressarem
através do ato de desenhar, eles constroem uma representação de mundo, ou seja, acionam suas
memórias das aprendizagens já construídas e ao mesmo tempo as ampliam para seus mundos
abstratos.

Fotos 04 – Algumas das telas produzidas pelos estudantes na etapa 02

E foi o que os educandos fizeram ao tentar representar Seu Balaieiro, pois no


levantamento do conhecimento prévio dos educandos identifiquei que eles não o conheciam,
nem a história nem a pessoa. Entretanto, em todos os desenhos tem a representação de um
homem e o formato de balaios, o que sugere as tentativas de demonstrar tranças entre as fibras
da matéria prima usada, entretanto mesmo já tendo a informação que Seu Balaieiro tinha 77
anos, não foi produzido nenhum desenho tentando ilustrar um homem idoso. Demonstrando a
presença de memórias de experiências concretas e abstrações, estas que contribuem, entre
outros fatores, para a ampliação da criatividade.
Fotos 05 – Estudantes desenhando e pintando suas telas no momento da etapa 02

ETAPA III – PROSAS COM SEU BALAIEIRO

Na etapa III aconteceu a preparação e a vista à casa de Seu Balaieiro.


Mesmo sendo os mesmos pobres, negros, trabalhadores autônomos, os mesmos
nordestinos, por um lado estudantes com uma baixa autoestima, e por outro, Seu Balaieiro, um
homem com uma autopercepção positiva sobre sua trajetória e sobre a sua importância histórica,
artística e cultural.
O roteiro de entrevista foi construído livremente pelos estudantes. Após os
questionamentos prontos, socializamos para evitar repetições. Só após a identificação das
perguntas semelhantes que ocorreu mediações no intuito de assegurar que os discentes
ampliassem as possibilidades de questionamentos.
Entre os conteúdos trabalhados no projeto estavam conteúdos referentes a práticas de
leitura e escrita, e o roteiro de entrevista foi uma das ações que proporcionou tais práticas, mas
durante todo o projeto tivemos contato com a possibilidade de ler e escrever.
A produção das práticas de leitura e escrita contribuíram para o conhecimento e
sistematização da história de vida de Seu Balaieiro, atividades relevantes para o processo de
alfabetização.
Foto 06 – Exemplo de uma produção de um educando para compor o roteiro de entrevista

Na visita, os estudantes apresentaram as telas criadas em sala logo que nos acomodamos
e fizemos uma pequena apresentação à porta da casa de Seu Balaieiro.

Foto 07 – Apresentação pelos estudantes das telas a Seu Balaieiro e bate-papo em sua casa

Os discentes fizeram perguntas livremente, rememorando o roteiro de entrevista


produzido em sala, e, à medida que iam perguntando, Seu Balaieiro respondia e ainda
acrescentava outras informações e vivências de sua vida.
Na troca de experiências nos diálogos desenvolvidos na visitação entre diferentes
gerações, percebi como os educandos avançaram no desenvolvimento da oralidade.
A visita contou ainda com um momento de aprendizagens sobre técnicas da confecção
de balaios. Seu Balaieiro fez demonstrações sobre a arte de trançar balaios e pediu aos
estudantes que identificassem alguns elementos contidos em suas explicações, bem como
experimentassem algumas das etapas da confecção de balaios.
Fotos 08 – Ensinamentos de Seu Balaieiro sobre a confecção de balaios

Ao termino da visita, os estudantes decidiram entregar as telas que produziram a Seu


Balaieiro, este que as colocou na parede de sua casa.
Terminamos a visita em agradecimento a Seu Balaieiro por ter aberto a porta de sua
casa, mas, sobretudo, por partilhar algumas de suas intimidades.
A construção do roteiro de entrevista e a visita à casa de Seu Balaieiro é um processo
que leva a alfabetização para fora da sala de aula, o tornando um processo sensorial e prático.

ETAPA IV – DIZERES SOBRE UM BALAIEIRO

Na quarta etapa, houve a culminância do projeto. Partilhamos com outras turmas da EJA
as atividades realizadas. Os educandos socializaram as aprendizagens construídas com os
colegas de outras turmas. Demonstraram-se orgulhosos e confiantes.
Foi feita uma homenagem a Seu Balaieiro através da entrega de um artesanato que o
retratava enquanto balaieiro por um dos estudantes. Devido a problemas de saúde Seu Balaieiro
foi representado por sua neta.

Fotos 09 – Momento da culminância do projeto

De acordo com as próprias narrativas de Seu Balaieiro, muito orgulhoso com a


homenagem recebida, deixou durante uma semana o boneco, como ele mesmo disse “vendendo
balaios com ele”. Narrando inclusive que quando as pessoas chegavam para cumprimentá-lo ou
comprar balaios ele apontava para o artesanato e dizia apontando para o balaieiro em artesanato
que era ele quem estava vendendo por aqueles dias.
Momento extremamente relevante, pois o encontro dos estudantes com Seu Balaieiro
proporcionou troca de experiências entre sujeitos com vivências marcadas de semelhanças e
proximidades, entretanto com autopercepções sobre suas trajetórias de vida tão diferente. Por
um lado, Seu Balaieiro, homem confiante e reconhecedor de sua importância para a cultura e
história da cidade, por outro, estudantes que não se reconhecem como sujeitos históricos.

Fotos 10 – Seu Balaieiro e seu artesanato dado para homenageá-lo vendendo balaios

Na culminância todos os profissionais contribuíram com a arrumação e organização do


espaço. Ressalto a importância da contribuição e participação efetiva dos discentes para a
construção de todo o processo.

ETAPA V – PALAVRAS SOBRE UM BALAIEIRO

A quinta etapa do projeto, que se encontra em fase de construção, que denominamos


Palavras sobre um Balaieiro refere-se à escrita de um livro, uma memória sobre seu Balaieiro
e sobre a cidade. O nosso objetivo é sistematizar os conhecimentos produzidos, os saberes
mobilizados durante todo o projeto.
A publicação é, sobretudo, uma proposta dos próprios estudantes, inclusive os que
pediram transferências da escola vêm cobrando através de mídias sociais, com muito carinho e
orgulho, a publicação.
Estamos em fase de formatação do livro, como dito anteriormente, produzido por
professoras, estudantes, pai de uma professora e uma das netas de seu Balaieiro.
O livro que vem sendo custeado com recursos próprios está organizado em quatro
capítulos: uma introdução inserindo reflexões sobre a relevância da memória de povos
tradicionais, e de resgatar a memória de seu Balaieiro enquanto representante de populações
indígenas. O segundo capítulo, contando memórias sobre a cidade, em seus aspectos culturais,
geográficos e históricos. O terceiro capítulo, descrevendo de maneira reflexiva o
desenvolvimento do projeto que deu origem a esta obra. E o quarto capítulo, especificamente,
sobre memórias sobre seu Balaieiro, sua trajetória de vida, e rememorando, sobretudo, a
trajetória do balaieiro, e sua técnica de traçar balaios e cestos, descrevendo um pouco as etapas
de produção.
Nossa intenção com a publicação é contribuir com mais um livro que colabore com a
história, cultura e arte de nosso município, uma vez que temos pouquíssimas obras sobre
memórias da cidade e de personalidades importantes pelas suas contribuições com a produção
do artesanato local. Pretendemos doar alguns exemplares para escolas, sobretudo que tenham
turmas de EJA, e, fazermos uso junto a outras turmas e estudantes em nossa unidade de ensino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Vilma de Lurdes. Ensino de História Local: Redescobrindo Sentidos.


SAECULUM – Revista de História. João Pessoa, jul./ dez. 2006.

BRASIL. Resolução CNE/CEB n. 01 de 5 de julho de 2000 que estabelece as Diretrizes


Curriculares Nacionais para EJA.

_______. Base Conceitual do artesanato brasileiro. Programa do Artesanato Brasileiro


(PAB). Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Brasília: 2012.

FOX, M. (1995). Guilherme Augusto Araújo Fernandes. São Paulo: Brinque-Book, 1995,
24ª Reimpressão.

FURLAN. Vera Ilma. O estudo de textos teóricos. In: CARVALHO, Maria Cecília M. (org).
Construindo o Saber, metodologia científica e fundamentos teóricos, 4 ed. Campinas: Papirus,
1994, p.119-128.

LAURO DE FREITAS. Mestre Balaieiro. Vídeo da série Conheça a Nossa História. Secretaria
Municipal de Cultura, 2015.

LE GOFF, Jacques. 1924. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão. et al. São Paulo:
Editora UNICAMP, 1990.

LUZ, Narcimária Correia do Patriocínio (Org.). Tecendo Contemporaneidade: Pontos de


diálogos sobre educação e contemporaneidade. Salvador – Ba: EDUNEB, 2007.

SANJE, Patrícia. O artesanato e o repente fazem parte da minha vida. Olá Revista, 2014.

SANT’ANNA, Vera Lucia Lins [et all]. Fazendo arte para aprender: A importância das artes
visuais no ato educativo. Revista Pedagogia em ação, v.2, n.2, p. 1-117, nov. 2010 – Semestral.
SHARPE, Jim. A História vista de baixo. In: BUAKE, Peter (org.). A escrita da História:
novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.

WESLEY, Márcio. Seu Domingos Balaieiro mantem acesa tradição centenária de Lauro
de Freitas. Revista Villas magazine, 2008.

Nota Domingos Ferreira da Cruz. Revista Villas Magazine, março de 2015.


METALINGUAGEM: CORPORIFICAÇÃO DO GOZO PELA
PALAVRA

Ma. Maria Genecleide Dias de Souza (UFPB)


genecleidecz@hotmail.com
Dra. Amanda Ramalho de Freitas Brito (UFPB)
amandaramalhobrito@gmail.com
Orientador: Dr. Hermano de França Rodrigues (UFPB)
hermanorg@gmail.com

O presente artigo propõe a leitura analítica do conto “Flor de cerrado” da escritora Maria Amélia
Mello. A partir dos pressupostos da teoria psicanalítica será discutido como o erótico vai se
constituindo através da metalinguagem. As reverberações do gozo ganha roteiros nos corpos
cênicos dos personagens inomináveis. “E avançava a avenida do meu corpo, acelerando entre
um vão e outro.” As palavras se revestem de sentidos pulsionais, construindo a tessitura desse
conto erótico. Dessa forma associa-se a essa leitura a própria interface do erotismo como
imagem, signo e palavra.

Palavras-chave: Metalinguagem; Erotismo; Psicanálise.

Introdução

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,


garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Carlos Drummond de Andrade

A flor de cerrado, conto inserido no livro Às oito, em ponto (1984), de Maria Amélia
de Mello, apresenta, na tecelagem das metáforas, a violência urbana e os seus desdobramentos
sociais e psicológicos, construindo pela focalização interna um embate entre o assaltante e uma
transeunte, que narra, no cronotopo do encontro, a desmedida falta que desfaz o lugar comum
do homem e da mulher, tornando-os agentes de sua própria fome. “E ali boiávamos, lado a lado,
náufragos de uma solidão ao contrário. A fome dele não parecia ter destino. A minha esperava,
estava aprisionada e gritava no cerrado.” (MELLO,2009 p.460).
O conflito estabelecido entre a mulher surpreendida pelo menino/assaltante, é evocado
pela ambiguidade da situação, em que uma relação sexual conduzida pelo desejo da vítima, a
transforma na agente da ação, invertendo os papeis de poder. Assim, no eixo da ação a trama
do poder revela a condição humana da fragilidade e do inusitado, ou seja, o naufrágio da
existência, precipitada pelo cotidiano violento das cidades. No conto, apreende-se a violência
de duas situações contrárias, mas convergentes: a do homem pobre e marginal e da mulher, pela
sua própria condição de mulher, ofendida pela macha do falocentrismo. Logo, duas realidades
cotidianas naufragadas pela desordem social. Nesse sentido, Coelho (2002, p.407) fala do
projeto literário de Maria Amélia Mello, destacando que: “a matéria-prima de sua poesia e
ficção é sempre o ser humano comum, irrealizado, perdido no cotidiano corrosivo das
megalópoles, prisioneiro da incomunicabilidade que fecha cada um em seu próprio e oculto
drama”. (COELHO, 2002, p. 407).
No projeto estético da autora, a incomunicabilidade surge como tessitura da própria
ambiguidade, da qual emerge toda a força poética da sua comunicação, mostrando que toda voz
silenciada se constrói em Flor de Cerrado pela sugestão cênica da palavra, metáfora sensual
dos próprios desejos. Aparecida Fontes (2017) chama atenção para a travessia entre o erótico e
a palavra poética, nos diz que: “enquanto o erotismo é metáfora da sexualidade, a poesia é
erotização da linguagem, a língua miserável e eterna. Uma linguagem em tensão: em extremo
de ser e em ser até o extremo.”
O caráter erótico da palavra em Flor de Cerrado é partícipe da própria ação erótica do
desejo, revelada, desse modo, pela metalinguagem, que urge em cada teia de significante, ao
falar de si, pela entonação das metáforas no texto narrativo, o significado. O desenrolar
metalinguístico do conto é percebido, sobretudo, pela natureza ambígua das conotações
poéticas reveladoras do conflito dramático entre os personagens. De acordo com Cañizal
(1996), é próprio da poesia a natureza ambígua da palavra, como também é próprio da
ambiguidade o traço poético. A trama poética percebida no enredo é parte da subversão dos
sentidos gerados na ambiguidade da violência cotidiana. Tal subversão aponta para a
consciência crítica da linguagem, que procura no seu processo a consciência crítica do mundo,
forjada por metáforas que traduzem um corpo (no nível da ação e da emoção) em coreografia
erótica, em um ato de resistência.
A encenação erótica do corpo na travessia figurativa da linguagem no conto, lembra o
que Deleuze (2008) nomeou de corpo cerimonial, construído por um disfarce que une o grotesco
ao gracioso, numa perspectiva do sublime, pelo qual o horror, neste caso, a violência, promove
a catarse.

A metalinguagem revelando os caminhos do erotismo

A linguagem literária dinamiza seus próprios aspectos de fala, comunicação e fruição


estética. Ela cria e recria os espaços da subjetividade humana, oferecendo ao interlocutor um
movimento, um ritmo e uma intencionalidade. A partir de categorias da linguagem literária,
como: a metáfora, a metalinguagem e a metaficção. Tal como observados na obra em análise,
elas contribuirão para o texto, dando fluidez às estratégias discursivas da linguagem.

Partindo desses pressupostos, podemos discutir a relação entre metalinguagem,


metaficção, metáfora, e como é identificada no texto literário. E mais especificamente como se
expressa no conto em análise, ou como ela contribui atuando como máscara na constituição das
imagens do erotismo.
De acordo com Gustavo Bernardo em O livro da metaficção, a metáfora é uma unidade
básica para entender a metalinguagem e metaficção. A metáfora é uma ferramenta lingüística
muito utilizada em relação a uma comparação com uma palavra ou expressão que pode ter
sentidos diferentes mediante a ênfase ao empregar apenas um deles. Assim, “A metáfora surge
sempre no lugar de outra coisa, precisamente daquilo que não se sabe. Se aceito o caráter
metafórico de qualquer linguagem, preciso admitir que todo discurso é ficcional.”
(BERNARDO, G. 2010, p. 15). Um exemplo de metáfora que se expressa no conto é quando o
assaltante fala para a mulher: “esse bicho aqui num gosta de conversa. Ele chove bala e fura
seu corpinho todo” (MELLO, 2009, p. 460). O menino assaltante se refere ao poder bélico da
arma que estar em seu poder. Nas palavras de Bernardo, (2010, p. 16) “a metáfora, potência
ambígua da linguagem, tanto ilumina um objeto quanto dele deriva sombras.”
A metaficção é a ficção que fala ou remete sobre si mesma. O leitor sabe que está lendo
uma narrativa ficcional e não um relato da própria verdade. Desse modo a metaficcionalidade
“se constitui como uma espécie de metáfora da própria consciência, que não será jamais linear,
mas sempre labiríntica.” (BERNARDO, G. 2010, p. 38). Alguns elementos que integram os
processos metaficcionais dentro do texto ocorrem a partir da intertextualidade, através da
paródia, do pastiche, do eco, da alusão, da citação direta, ou do paralelismo estrutural.

Sua característica principal é a autoconsciência, mas uma autoconsciência irônica e,


de certo modo, trágica. Ao se voltar para si mesma, ela se põe à beira de um abismo.
A metaficção representa, sim, a busca da identidade, mas ao mesmo tempo define essa
busca como agônica: dizer quem sou é uma necessidade que me exige sair de mim
para poder me ver, o que é uma impossibilidade. (BERNARDO, G. 2010, p. 52).

Dessa maneira, é ancorado ao leitor esse movimento de transitividade, ao navegar no


texto e trazer à consciência as representações identitárias trabalhadas pela metaficcionalidade,
isto reflete as várias possibilidades de expressão das subjetividades, visto que o ser humano se
constitui a partir da linguagem. E as subjetividades de cada indivíduo são construídas e
constituídas através das linguagens. Compreendemos como linguagem qualquer forma que
representa a comunicação verbal (fala) ou não-verbal (pinturas, danças, textos, dentre outras
possibilidades) ou que utilize qualquer signo, bem como, as demonstrações das emoções,
sentimentos, expressões faciais, gestuais e até mesmo a relação sexual. Para a psicanalista
Françoise Dolto (1996, p. 261) “o ato sexual é uma palavra muda entre dois seres que se
abraçam”. Ela consegue expor de forma muito simples e compreensível o diálogo crítico e
teórico sobre o que é linguagem. “o corpo humano é mais do que um encontro biológico, é uma
linguagem; tudo o que no ser humano é específico à sua espécie é linguagem”.
Diante dos pressupostos de Bernardo, ele explica as problemáticas que a linguagem
estabelece, tendo em vista que, ela pode ser abundante e insuficiente ao mesmo tempo.

A linguagem também é um problema metafísico de muitas facetas, a maioria delas


irresolvível e indecidível. Falo para entender ou comunicar, mas quando o faço
provoco sucessivos mal-entendidos. Toda linguagem é simultaneamente pletórica e
insuficiente: falo sempre mais do que queria e menos do que devia. Uso a palavra para
ter acesso à coisa, mas a palavra me afasta da coisa em si. Como a linguagem não me
basta por mais que me esforce, preciso ir além dela e explicá-la: chegamos à
metalinguagem da gramática, da linguística, da lógica, da própria filosofia. No
entanto, toda metalinguagem não deixa de ser uma linguagem, ainda que sobre outras
linguagens; logo, ela padece dos mesmos males de linguagem que comenta ou explica,
tornando-se tão pletórica e insuficiente quanto. (BERNARDO, 2010, p. 11).

Desse modo, é possível depreender que a metalinguagem é uma forma de linguagem


que se centra criticamente em si mesma, reverberando os domínios amplos do mecanismo da
comunicação, nesse caso, a literária, em que ao chamar atenção para si, traz a própria mimese.
Deixando as escâncaras a realidade social que assola o personagem pode ser a mesma que se
vê da janela do leitor.
Em vista disso, a estética do texto literário passa a utilizar uma construção narrativa de
contornos eróticos, encobrindo pela palavra, através da metalinguagem e suas metáforas os
rastros eróticos do seu discurso provocador. Como afirmar Durigan em seu livro Erotismo e
literatura,

A relação entre a prefixação de espaços para a representação sexual e o


comportamento pelo menos ambíguo das metalinguagens obrigou o erótico a refugiar-
se no domínio do implícito, do não-dito, das entrelinhas, do sussurro, que, com o
tempo, passaram a ser aceitos quase como suas características absolutas. (Durigan,
1985, p. 11).

No conto Flor de cerrado, fica bastante explícita a metalinguagem revelando os


caminhos do erotismo, o que pode ser apreendido a seguir:

O carro apoiava a perna dele na minha. E me batia uma vontade sem freios de beijar
ele todinho, lamber aquela fome toda, saquear todos aqueles assaltos em nome de
nada. Ele balançava o corpo contra o meu, metendo pela minha coxa. E avançava a
avenida do meu corpo, acelerando entre um vão e outro. (MELLO, 2009, p. 461)

Os signos escolhidos para falar do momento que se inicia a suposta relação de estupro,
a escritora Maria Amélia Mello, emprega palavras e construções frasais que lembram a
representação do movimento: carro, freio, velocidade, rua, avenida, assalto. Ela desloca o
sentido original utilizando, de modo metafórico para dar ritmo, forma e impacto ao leitor sobre
a relação sexual que se desenvolve em meio à rua escura, a abordagem de um assaltante. Para
a psicanalista Françoise Dolto, ela nos indaga sobre a possibilidade da linguagem dos corpos
ser um encontro entre duas pessoas ou esse encontro é regido pelo ímpeto da genética.

Trata-se, para a mulher, de suportar o assalto do homem, vítima ou cúmplice do cio


que aquietará a sua violência ou, para ele, do momentâneo desejo físico por uma
mulher que poderia muito bem ser outra, contanto que ele pudesse descarregar,
saciando assim um apetite sexual não-diferenciado que não leva em consideração a
sua parceira? (DOLTO, 1996, P. 261)

Esse fragmento dialoga com o conto tendo em vista que a personagem sem nome está
na condição de vulnerabilidade por ser uma mulher sozinha, em uma rua escura, esquisita, além
de está sendo assaltada. A partir desses eventos, inicia-se todo o desenlace para o sexo. No
enredo, o processo da metalinguagem é corroborado pela ambigüidade das ações, o assaltante
começa a relação em tom de ameaça: “num se move não, moça, esse bicho aqui num gosta de
conversa. Ele chove bala e fura seu corpinho todo” (MELLO, 2009, P. 460). No entanto, a
personagem feminina conduz toda a ação, como a narrativa mostra: “ganhava vantagem” sobre
o assaltante orientando, guiando para as veredas do seu desejo, sem que ele percebesse o real
interesse dela. A cada um estava acontecendo um rito diferente. Para ele se concretizava a
fantasia de estar com uma Grã-fina e para ela “a ameaça era mais uma tentação” (MELLO,
2009, P. 460). Segundo Alberoni (1988), questões como essa é um jogo da troca de papéis,
onde um mergulha na fantasia do outro. Eles entram em cena performando não com o outro,
mas com as fantasias que sustenta desse outro.

E me olhou mais fundo, varando o escuro, metendo a mão no silêncio e abrindo a


porta sem bater. E ele logo percebeu que estávamos desaguando no meio do mar. E
ali boiávamos, lado a lado, náufragos de uma solidão ao contrário. A fome dele não
parecia ter destino. A minha esperava, estava aprisionada e gritava no cerrado. Depois
de tanta água, tanto sal, a seca rachando a terra, flor enfiada no meio do barro,
resistindo sabe-se lá o quê. (MELLO, 2009, P. 460).
O texto erótico se estrutura a partir da metalinguagem, elegendo a metáfora para
constituição estética dessa literariedade erótica. A metalinguagem transborda de lirismo,
volúpias, desejo, onde a palavra roteiriza as dimensões do gozo contribuindo para a construção
da forma erótica. Para Bataille(2014, p.68) “Pode-se observar que o erótico tem um intenso tom
de mistério, desejo, dependência da imaginação”.
Etimologicamente a palavra erotismo surge no século XIX a partir do termo erótico,
derivado do mito grego Eros que significa Deus do amor, ou pode significar, também, Deus do
desejo sexual. A Psicanálise se apropria do termo e utiliza como pulsões eróticas àquelas em
que o indivíduo se pulsiona para a vida e pulsões tanáticas àquelas que o individuo se pulsiona
para funções inorgânicas, ou seja, para a morte. Quando a personagem se coloca de maneira
autônoma, vai conduzindo o outro para as instâncias do seu desejo, ela está se posicionando de
uma maneira ativa para a vida (pulsão erótica), inclusive ela sente prazer com todo o desenlace
do ato sexual.
No entanto, quando ela se coloca diante de uma condição de violência, na qual ela
mesma conduz o outro, esta mulher se posiciona para as pulsões tanáticas. Ela deixa pistas de
como tem sentido a vida: “de que valeria uma carteira cheia e essa vida aberta para o nada? (...)
ninguém a ser salvo, a correnteza. (...) Ele podia ter me matado, eu sei. Ele bem que podia ter
me salvado” (MELLO, 2009, p. 260, 263). A personagem feminina parece procurar no outro as
fronteiras para tamponar sua dor. Freud no texto moral repressiva, fala que o indivíduo que está
satisfeito não sente impulso para violar, pois sua moral controlaria tais impulsos. Nessa
perspectiva podemos entender que os dois personagens estão sedentos. Ele vítima de uma
realidade sócio-econômica; ela vítima das auguras da vida, de tecer outros caminhos da sua
solidão e da sua subjetividade. Assim, não tendo suas condições satisfeitas, descarregam as suas
energias, as suas violências.
Eliane Moraes & Sandra Lapeiz (1985) refletem o erótico como uma cena teatral em
que se descortina aos poucos o palco da ação, surgindo no lampejo do encontro as luzes da
ribalta, como identificamos na seguinte passagem: “a voz dele batia na minha pele e eu deixava
escorrer, fazendo ele pensar que comandava o espetáculo. Verdadeiro circo, pau e cerco.”
(MELLO, 2009, p. 460). Dentro de um contexto de violência e até mesmo de vulnerabilidade
essa mulher se coloca de uma maneira ativa. Ela subverte o contexto de opressão instituído pela
violência.
A violência personificada na figura do menino assaltante é absorvida pela mulher, que
seria a oprimida. Ela, certa de suas vontades e de seu corpo, induz o assaltante ao sexo,
o que representa uma ousadia no campo social uma vez que a sociedade tão repressiva
e mergulhada na censura militar, a narradora ousou escolher o prazer pelo puro prazer,
correr um perigo consentido e mesmo assim dar ao outro a sensação de dominação.
(Santos & Grácia-Rodrigues, 2015, p. 204)

Diante do exposto retomamos o pensamento de Bataille (2014, p.40), no qual ele aponta
que “o domínio do erotismo é o domínio da violência, da violação”. O conto deixa bastante
visível o cenário da violência, bem como esses dois corpos violados nas suas interioridades. A
morte nos coloca diante dos seres descontínuos que somos, enquanto o erotismo reanima a
nossa continuidade, daí o embate entre personagens violentados na tessitura da vida, e
devolvidos a ela pelo processo da fantasia criadora do sexo.
Tendo em vista a análise do conto Flor de Cerrado, da escritora Maria Amélia Mello,
podemos perceber que a trama do erótico é a trama da própria linguagem, desvelando outras
faces das relações de poder entre gêneros e classes sociais diferentes. Por isso, tivemos o
interesse de recuperar os pressupostos psicanalíticos para analisar a construção da subjetividade
dos personagens, bem como, a composição da trama sexual. E entendermos o percurso da
metalinguagem na construção do erotismo no conto, além de explicar que a metalinguagem é
utilizada como recurso estético da literatura para provocar o estado lírico do texto erótico.

Referências Bibliográficas

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BATAILLE, G. O erotismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

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Siciliano, 2002.

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Brasiliense, 2008.
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Cortes de Lacerda. -3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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brasiliense. 1985.

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de Sergipe – UFS, jul./dez. 2015, Ano X, v.23
MODA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS SUAS INFLUÊNCIAS
NA MULHER CONTEMPORÂNEA

Atena Pontes de Miranda 97


Universidade Federal da Paraíba

Resumo: Durante a Segunda Guerra, a imprensa fez um novo perfil físico-social da mulher,
personagem que desenvolveu papel ativo em tal período. Assim, o estudo foi realizado a partir
de pesquisas realizadas na França, com análises de revistas Marie Claire, arquivos do Museu
de Lyon, objetos da época, fotografias, e entrevistas de pessoas que viveram durante a época,
em que se descreveu a imagem socioeconômica da mulher desse período por meio do seu
vestuário. Até hoje são observados os resultados dessa época no inconsciente coletivo, em que
serão analisadas as influências exercidas, concluindo-se que a visão da imprensa do passado
moldou a imagem da mulher atual.

Palavras – Chaves: Imprensa. Mulher. Moda. Segunda-Guerra.

INTRODUÇÃO

Cada novo sistema visa mudar as configurações sociais a burguesia trouxe também uma
nova forma de moda. Uma moda além do seu conceito restrito de vestuário e este, em seu
conceito mais estrito de proteger. A moda como um padrão de conduta e consumo social,
derivado de modo ou maneira, um referencial para a diferenciação entre grupos sociais através
de uma estética característica de uma época. Apesar do artigo focar-se intensamente no
vestuário, não há como negar que a própria indumentária vai corresponder a padrões e
exigências socais da época.
Ao analisar o Díptico de Wilton98 (1395-99), pode-se observar a moda como fator de
distinção social. Existem quatro personagens na obra, os personagens podem ser distinguidos
através do vestuário. Além do tecido, muito bem detalhado pelo artista, destaca-se a figura de
um pé calçado (esquerda) e um pé descalço (esquerda). Esses detalhes demonstram com clareza,
na Idade Média, o papel da moda enquanto distinção social.

97
Atena Miranda é professora de arte da rede privada da cidade de João Pessoa. Master em Moda pela Université
de La Mode, Lyon, França e Bacharel em Comunicação Social pela UFPB. Membro do Grupo de Pesquisa em
Arte, Museus e Inclusão (GPAMI) e Mestranda do PPGAV da UFPB. Email: atenamiranda@gmail.com.
98
O quadro consiste em um pequeno retábulo com dois painéis que se abrem para a observação da imagem. Foi
pintado em têmpera sobre uma tela de 45,7 x 29,2cm, tendo sido produzido em 1395 ou mais tarde. Está hoje
na National Gallery em Londres.
Figura 1 – Díptico de Wilton
Fonte: https://www.nationalgallery.org.uk/paintings/english-or-french-the-wilton-diptych

Na França dos anos 1940 um acessório também foi um elemento de marcante distinção
social. Os chapéus e turbantes, foram muito utilizados pelas mulheres na França. Esse elemento
respondia a uma exigência social da época: aparentar higiene num momento em que, devido às
restrições, lavar os cabelos era algo difícil. As restrições impostas neste período já são bastante
intrigantes como objeto de estudo. Como a moda da época, que já seguia o conceito mais estrito
de objeto de luxo criado por Charles Worth, poderia se apresentar na escassez? A imprensa e
as revistas femininas empregam diversas soluções para ajudar suas leituras. De um jornal a
outro, em função da clientela, os conselhos variam (VEILLON, 2001, p. 96-98).
Para exemplificar esse questionamento e relacionar a mulher dos anos 1940 com a
mulher contemporânea, fora utilizado pesquisa documental, mais precisamente com a análise
das edições da revista Marie Claire publicadas na França entre 1939 a 1944 e das primeiras
edições de 2018. Além da base documental, fora realizada pesquisa bibliográfica.

A IMPRENSA DE MODA

A difusão da moda ao longo da história foi feita de diferentes modos. Através de figuras
marcantes da história, a exemplo de Éléonore de Habsbourg , esposa do rei da França François
I99, das pandoras100e das revistas de moda.
O Mercure Galant no século XVII, já registrava os estilos vestimentares da época, tanto
para o público feminino quanto para o público masculino. Posterioremente o Cabinet des Modes

99
O jovem rei lança na corte uma forte ideia de moda. Além do luxo dos tecidos e acessórios, dois elementos
mudam a silhueta feminina: crinolina (saia de armação) e o espartilho. GRAU, 1999, P.41
100
Bonecas vestidas com a última tendência de moda de Versailles e que circulam em toda a Europa. GRAU,
1999, P.55
por meio do contrato de assinatura, continua a ideia de moda para homens e para mulheres, traz
a descrição dos tecidos e uma publicidade sutil. A Revolução Francesa (1789-1799), muda o
cenário francês e atinge a moda censurando de forma implícita os exageros, pois estes estavam
relacionados as extravagancias dos monarcas com o dinheiro público.
Nesse sentindo, o jornal Journal des Dames et Modes, propõe uma revista ilustrada de
moda, no contexto pós-revolução, onde aparentar luxo e riqueza são provocações101. Apesar das
restrições sociais, a moda ainda continua a ser um elemento de distinção social a exemplo de
Joséphine de Bauharnais102. Na sequência surgem outras publicações que buscam se destacar
pela relação da Moda com outros domínios a exemplo da filosofia e literatura.
O Le Petit Echo de la Mode (1880-1983), um jornal semanal que abordava diversos
temas entre eles a Moda, foi de grande ajuda as donas de casa num período de crise econômica.
Em virtude das indenizações que a França pagava à Alemanha, por causa da Guerra da Prússia,
a situação econômica impôs medidas criativas que eram expostas neste jornal.
Em 1937, trazendo uma proposta de conteúdo semelhante ao Petit Echo de la Mode, a
revista Marie-Claire se destaca pelo seu conceito editorialista, uma mensagem direta e
espontânea, como uma grande amiga. Ao mesmo tempo estampa o luxo em sua capa com fotos
coloridas de modelos, algo inovador na impressa feminina. Com “rubricas” regulares sobre
moda: beleza e higiene, conselhos de família e viver bem, cartas de leitores, casa (decoração e
culinária), moda (vestuário e acessórios), leitura e publicidade, essa revista traduz de forma
ampla a Moda (maneira de viver) dos anos 1939 a 1944.

A MODA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A guerra chega na França e traz uma nova organização econômica fazendo com que o
país “saia da abundância e entre na escassez organizada”. (VEILLON, 2001, p. 8) Além de
dinheiro é necessário possuir cartelas especificas de tickets para poder realizar qualquer
compra, desde alimentos até vestuário, sem esquecer o ticket para ração de animais. Essas novas
regras econômicas fizeram com que Paris, Capital da Moda e da Alta Costura, sofresse grave
impacto, consecutivamente, a moda mundial. Estilistas, costureiras, donas de casas, todos
tiverem o mesmo problema de escassez e cada um respondeu à sua maneira, dentro das suas
limitações. Essas respostas foram disseminadas e articuladas dentro do universo da Marie

101
SULLEROT, 1963, P.16
102
Primeira esposa de Napoleão Iº
Claire. Uma moda preocupada com aspectos estéticos, se adequada a nova silhueta da mulher,
reinventando e reutilizando materiais diversos.
Essa reinvenção, durante a Segunda Guerra Mundial, foi impulsionada pela imprensa
escrita. Esta, além de atualizar a população sobres os fatos que estavam ocorrendo, fora a
responsável pela construção e validação simbólica dos aspectos físicos e sociais da mulher,
personagem que desenvolveu papel importante no período de beligerância mundial. Através da
moda (vestuário/vestimentas), a imprensa (especialmente a francesa com a Revista Marie
Claire), que já tinha alcance internacional traçava um novo modo de vida que as mulheres
deveriam adotar em virtude do período de escassez vivenciado, validando e instruindo novas
formas de utilização e fabricação do vestuário de toda a família. A princípio, com um discurso
direcionando para a classe social mais alta, os consumidores de moda (vestuário) e não as
fabricantes (mulheres que costuram as suas roupas e da família), pouco a pouco, como os anos
de guerra, a moda e os discursos das revistas se tornaram mais uniforme. Afinal, a economia
estava em crise para todos.
Por meio das roupas, pode-se observar as modificações econômicas e sociais impostas
as mulheres. A calça, uma peça de vestuário ainda de uso restrito as mulheres, se impõe à
medida que aumentam o número de mulheres trabalhando nas fabricas. Sobre a utilização dessa
peça do vestuário, a revista Marie Claire registra nos seus 10 mandamentos da Parisiense 103: A
culotte104 só poderá ser usada para andar de bicicleta. Juntamente com as calças, os turbantes105,
se tornam um acessório importante a ser utilizado nas fabricas.
As calcas, além de proporcionar maior conforto e mobilidade, evitam acidentes de
trabalho como por exemplo uma saia presa em uma máquina. Os turbantes, evitam igualmente
acidentes e mantém os cabelos mais limpos, já que estes não estão em contato direto com a
poluição das fabricas. No entanto, a moda voltada para as mulheres que trabalham não vai ser
exibida de forma direta nas revistas Marie Claire. Será documentada por outros meios, ainda
assim, podemos observar um diálogo entre esses dois estilos de moda: moda para o trabalho e
moda do cotidiano, a exemplo do turbante e das restrições.

103
Marie-Claire, nº 246, junho 1942
104
Culotte uma peça de roupa feminina que se assemelha a uma saia longa mais que é uma calça.
105
O turbante, elemento que chegou na moda no começo do século XX, promove a praticidade para
as mulheres dos anos 1940. No contexto da guerra as mulheres utilizam o turbante nas usinas, para
proteger seus cabelos da sujeira e para esconder os cabelos mal arrumados. Podem utilizar para andar
de bicicleta sem correr o risco de voar da cabeça. E como o shampoo estava em racionamento, ele
servia para esconder os cabelos mal lavados e malcuidados.
Devido à falta de matéria prima, a França instituiu um sistema de tíquete 106 de
racionamento. Desde setembro de 1940, o pão e o macarrão são colocados em racionamento,
no outono de 1941quase todas commodity107 estão em cotas. Os franceses dividiam as categorias
em E (menos de 3 anos) e V (mais de 70 anos), passando pelo J (crianças, adolescentes) e A (21
à 70 anos) (VEILLON, 1995, p. 34). Esses tíquetes eram classificados por cores em função do
produto, por exemplo vermelho para o açúcar, marrom para carne, verde para o chá ou café.
Sua distribuição era feita de acordo com a necessidade estipulada para cada categoria, como
algumas citadas acima. Esse sistema que começou em 1940 continuou até a regularização da
produção, se estendendo pelos anos 1940 mesmo após o fim da guerra.

Figura 2 – Diversos tipos de tíquetes franceses categoria A, anos 1940.


Fonte: : https://www.nithart.com/images/rationne/guerre%2039-44/ration2.jpg

A restrição se estendeu até a moda. No começo do ano 1941 foram estabelecidos cartões
para compra de produtos têxteis e de sapatos. As causas dessa escassez vestimentaria são
variadas, sobretudo as requisições alemãs. (VEILLON, 2001, p.72). Enquanto cada pessoa tenta
organizar seu vestuário de acordo com o cenário apresentado, a imprensa e as revistas femininas
empregam soluções a fim de ajudar seus leitores. De um jornal a outro, em função da clientela,
os conselhos variam (VEILLON, 2001, p. 96-97).
A escassez modificou a moda e trouxe novos padrões exemplificados nas páginas da
Marie Claire. Para a costura, visando diminuir a utilização de material houve uma diminuição

106
Tíquetes categoria A, disponível em: https://www.nithart.com/images/rationne/guerre%2039-44/ration2.jpg
107
Produtos de base
no número de bolsos, pregas de roupas e botões. Novos materiais, tecidos sintéticos ou
semissintéticos são inseridos a exemplo do Nylon, Viscose, Raiom. Outras fibras, a exemplo de
pelos de cachorros, passam a ser utilizadas108.

Figura 3 – Reportagem sobre a utilização de pelos de cachorros para fabricação de lã.

Como conselho para contornar o frio nos pés, a Marie Claire nº 155 de fevereiro de 1940
explica como fazer uma chausette russe (meia russa), uma meia feita de enrolando um pedaço
de pano de uma forma específica no pé, que foi adaptada pelas pessoas e feita com jornal.

Figura 4 – Reportagem ensinado a fazer uma meia russa.

Os sapatos, acessório indispensável ao ser humano na vida moderna, tiveram seus


solados modificados. O défice de couro ocasionou uma instauração generalizada de sapatos
com solado de madeira. De um metro cúbico de madeira poderiam ser feitos 160 pares de
solados para galochas, ou 175 à 200 pares para sapatos fantasia 109ou 50 pares de tamancos.
(VEILLON, 2001, p.138)

108
Marie Claire, nº 280, maio 1943
109
Sapato comum.
As soluções milagrosas mostram quanto a roupa, estreitamente ligada ao contexto, é um
fenômeno social. Elas traduzem um fato da sociedade: o grau de precariedade que chegou a
população francesa no espaço de alguns anos. (VEILLON, 2001, p. 101). Assim, novos hábitos
vão surgindo em função dessa adaptação. A imprensa de moda tem papel fundamental nesse
sentido: ajudam através de dicas a população a se adaptar, apresentam os novos tecidos,
difundem as melhores realizações dos costureiros.

INFLUÊNCIA NA MULHER CONTEMPORÂNEA

A mulher comum e seu corpo atravessam as diversas mudanças impostas pelos novos
modelos sociais, mas a mulher que a moda usa como referencial, representa o padrão social.
Assim, as revistas femininas atuais ainda mantêm a estrutura de capa com foto colorida,
normalmente individual, com cenas elegantes, mulheres magras, esbeltas e em sua maioria,
brancas. Apesar da indústria cinematográfica dos Estados Unidos, nos anos seguintes a Segunda
Guerra Mundial, tentar quebrar esse estereótipo do corpo feminino francês no universo da moda
promovendo através de atrizes como Marilyn Monroe um corpo curvilíneo, a mulher slin ainda
é padrão seguido no universo da moda, ambição de várias mulheres, o que move dietas e um
mercado milionário por ano. Buscando exemplificar este padrão e elencar pontos de intersecção
e diferenciação, serão analisadas as capas das revistas Marie Claire edição francesa dos anos de
1939 a 1944 e as capas da Marie Claire edição francesa e edição brasileira dos meses janeiro,
fevereiro, março, abril, maio, junho, julho e agosto 2018.
Uma questão se impõe, quem é a mulher contemporânea? Traçar o perfil dela é
importante pois é ela quem vai consumir o mesmo discurso de 70 anos atrás. Uma análise dos
textos que circulam atualmente na mídia (em reportagens de revistas, por exemplo) mostra que
o estereótipo da mulher submissa foi substituído, em grande medida, pelo da mulher múltipla:
que trabalha fora, cuida da casa, dos filhos e do marido e, ainda assim, deve encontrar tempo
para cuidar de si, fazer cursos de aperfeiçoamento, manter cabelos e unhas impecáveis, praticar
exercícios físicos, balancear a dieta, etc. Pode-se mesmo dizer que o grau de exigência em
relação à mulher tornou-se maior no conjunto de discursos dominantes de nossa sociedade: se
antes a “mulher perfeita” era a que cuidava bem do lar e da família, hoje ela precisa se destacar
profissionalmente sem descuidar das questões anteriores e, ainda, ter um corpo de modelo
(MORAES, 2012, p.260).
Essa mulher múltipla, apesar de conseguir lidar à sua maneira com alto número de
tarefas e cobranças sociais, nem sempre ira conseguir atingir esse padrão de beleza universal, a
sensação de incompletude a tornará uma excelente consumidora de imagens (revistas). A revista
cumprindo um papel de materialização do sonho e deixando sua função inicial, que seria a
informação e diversão, para o último dos últimos planos. Podemos observar essa questão
comparando as publicidades dentro dessas revistas. Nos anos 1940 a foto servia como atração
para o discurso do produto. Hoje, a imagem já é o discurso. (Cabendo aqui um outro estudo
nesse aspecto.) Então como a mulher da Segunda Guerra Mundial influencia a mulher atual?
Essa mulher múltipla, intensificou sua atividade social durante os anos 1940. Com os
soldados na guerra, as mulheres assumiram os postes de trabalho antes destinados aos homens,
cabendo a elas também uma atividade econômica. Com isso, adaptaram seu vestuário. As saias
perderam o volume e foram encurtadas, cabendo perfeitamente no cenário de escassez e se
adequando ao novo ambiente das usinas. A calça, indumentária que causava estranheza vestida
por uma mulher, era aceitável com a justificava do novo modelo social.
As adaptações do vestuário trouxeram conforto e segurança no trabalho e na locomoção,
através de bicicletas. Essas modificações não vão ser destaque na capa das revistas dos anos
1940, tendo em vista o discurso patriarcal110 do editorial da revista. Enquanto esses detalhes
eram abordados de forma discreta no interior da Marie Claire dos anos 1940, a Marie Claire
contemporânea (2018) não apenas valida esses trajes tornando-os elegantes e expondo-os em
suas capas como também trocou seu de discurso. A situação social conduziu a mulher dos anos
1940 para uma vestimenta até então restrita aos homens, a calça (WALFORD, 2008, p.162).

Figura 5 - Marie-Claire Brasil, agosto 2018 Figura 6 - Marie-Claire França, janeiro 2018

110
As primeiras edições da revista Marie-Claire destacavam em sua capa que eram feitas por homens.
Enquanto a moda desse período se torna utilitária, ao adaptar-se a nova condição
socioeconômica, essa mesma situação vai reger os novos símbolos para a mesma. A moda
enquanto manifestação social representa, através de símbolos, o poder. Assim, em períodos de
crise econômicas e para aqueles de categoria social menos favorizada, a distinção social se dá
pela utilização de acessórios. (LAPORTE e WARQUET, 2010, p. 67). Esta prática, que parece
ser evidente desde a Segunda Guerra Mundial não possui uma representação significante na
amostra estudada de 2018. Ao contrário, parece haver um processo de “desacessorização” para
buscar uma imagem de elegância. Nas amostras Marie Claire do ano 2018 os acessórios se
apresentam mais como complemento de um todo do que um elemento de diferenciação.

Figura 7 - Marie-Claire Brasil, janeiro 2018 Figura 8 - Marie-Claire França, agosto 2018

Essa carência de acessórios não seria bem vista nos anos 1940. Nessa época, manter-se
elegante significava também manter um bom penteado para destacar o chapéu. O que nem
sempre era possível para todas, devido as novas condições da mulher na sociedade e a escassez
de toda sorte de produtos. Manter os cabelos limpos e arrumados era um grande esforço até
mesmo para as classes sociais mais abonadas. Enquanto os chapéus e seus diversos modelos
eram febre nas classes altas, a mulher comum se apropriava do modelo turbante (WALFORD,
2008, p.91). Esse modelo, raramente era posto em evidência, mais comumente encontrado nas
páginas internas das revistas. O turbante poderia ser modelo chapéu para as mais sofisticadas
ou feito com uma echarpe. Era indispensável para a mulher da época devido a sua praticidade,
ele não tinha facilidade de voar, utilizado pelas mulheres que trabalhavam em usinas e podia
disfarçar um cabelo malcuidado devido à falta de shampoo.
Figura 9 – Marie-Claire, setembro, 1943

Quanto aos chapéus, pequenos ou grandes, de mês em mês, eles impressionam pela
ousadia, decorado com flores, penas ou laços, continuam como complemento indispensável da
mulher elegante, bem como os acessórios: luvas, sombrinhas e bolsas. (VEILLON, 2001,
p.189). Nas amostras de Marie Claire (1939-1944) existem duas edições que a capa se difere
das demais não apenas pela edição, mas também pela ausência do chapéu. Na edição nº227 de
29 de novembro de 1941 a ausência do chapéu é preenchia por um elegante penteado, um brinco
e uma moldura. Na edição nº316 de 15 de julho 1944, a ausência de acessórios transcreve uma
mulher simples, o penteado trivial, mas arrumado denota certa elegância, o fundo verde e o galo
trazem um ar campestre. Esta edição nº316 foi a penúltima edição da Marie Claire France, ela
só retornará dez anos depois, em 1954.

Figura 10 – Marie-Claire de novembro de 1941 Figura 11 – Marie-Claire de julho de 1944

O avanço da guerra e o racionamento se fez cada vez mais intenso forçando a todos a
utilizarem ou melhor, reutilizarem o que já tinham. Essa moda, guiada pela adaptação, permitiu
a afloração de ideias criativas e engenhosas por parte de mulheres comuns. Coube as revistas
de moda o papel de selecionar e difundir os melhores conselhos. Esse contexto de restrição
muda as expectativas sobre uma peça de roupa. Agora é o lado prático que supera todos os
outro. Enquanto a Marie Claire dos anos de guerra guarda no interior de suas páginas modelos
de roupas práticas e simples, conselhos para adaptar, costurar e reutilizar roupas, a Marie Claire
atual abre mão do luxo sem perder a elegância aposta numa capa que traduz o cotidiano da
mulher contemporânea e sua luta evidenciando esse novo posicionamento através de títulos
marcantes. Afinal, esta é uma grande diferença entre as capas da revista. Atualmente eles atraem
através das imagens e dos títulos111. Diferentemente das edições francesas dos anos 1939 a
1944, as edições francesas dos anos 1950 já começam a inserir títulos a exemplo da revista
concorrente da época, ELLE.
Quanto ao corpo, bem, esse corpo da mulher francesa não apareceu nesse período. Ele
é resultado da cultura europeia do século XIX. Mas então porque dizer que padrão corporal
feminino está relacionado a moda da Segunda Guerra Mundial? Uma série de fatores, entre
eles, a guerra promoveu uma globalização cultural intensa, o que nos vivenciamos hoje de
forma cotidiana através das novas comunicações. O século XIX através de pontos importantes
como a popularização da música, a invenção do telefone e do cinema, os automóveis, a
utilização da bicicleta pelas mulheres, enfim, uma serie de consequências da revolução
industrial, fez com que o esse século fosse marcado por uma aceleração dos fenômenos de moda
e uma multiplicação do padrão de silhuetas femininas.
A primeira parte do século XIX valoriza um corpo feminino de ancas largas e busto
volumoso através de uma cintura marcada abaixo dos seios. Por volta dos anos 1830, essa
cintura passa a ser marcada no seu lugar natural, no fim das costelas. Dez anos após, a cintura
é marcada e estendida até a região do púbis, modelando ainda mais o corpo feminino. Com o
estreitamente da crinolina, a cintura volta a subir nos anos 1860. Dez anos depois, a cintura,
marcada no seu lugar natural serve de apoio para destacar o volume no posterior. Esse jogo de
variação na altura das cinturas femininas segue variando nas décadas. No entanto, essa cintura
marcada exige cada vez mais da mulher. Essa exigência entra em vigência no cuidado com seu
corpo (Vigoureux-Loridon, 2006).
A moda agora impõe um corpo esguio que deve ser trabalhado conforme as exigências
da época. Assim, se a moda exigir volume, a roupas darão volume ao corpo, se exigir cintura,
a roupa delimitara. No novo século, a primeira guerra mundial registra o novo perfil da mulher
francesa, Garçonne. Essa moça rebelde era sensualizada pelos seus cabelos curtos, o cigarro na
boca, roupas leves e pelo abandono do espartilho deixando o corpo livre a roupa libertando esse
corpo não mais o marcava. Essa mulher não poderia ser qualquer uma. Ela precisaria de um

111
As revistas Marie-Claire desde sua primeira edição não utilizavam o título/letras em suas capas como recurso
para atrair o leitor. Esse posicionamento começará após o fim da guerra com a revista ELLE.
corpo magro para que o cabelo curto destacasse seu pescoço fino e as roupas retas escondessem
suas curvas. Algumas largam o espartilho mais comprimem os seios buscando uma silhueta
reta. Aos poucos, os anos 1930 reformulam as lingeries e abrem caminho para os anos de guerra.
Diferentemente do que se estava buscando, uma simplificação do vestuário feminino, esse
período tentar fantasiar através da ludicidade do vestuário e incrementar a carência vestimentar
por meio de acessórios.

CONCLUSÃO

A mulher dos anos 1940 tinha uma vida ativa, trabalhava em usinas, cuidava da casa, da
família, andava muito, a pé ou de bicicleta. Se alimenta de forma restrita. Tinha um ritmo forte
de vida, mas não vivia em um tempo tão acelerado como o século XXI, ganhou atribuições de
forma inesperadas e precisou se adaptar a este novo cenário. Com maestria adaptou não apenas
sua rotina, mas também sua apresentação social. O aspecto social dessa mulher múltipla do
século XXI é claramente identificável nas capas das edições do ano 2018 nas Marie Claire
France e Brasil. Mas o estereotipo corporal representado continua sendo o da mulher do século
XX.
Assim como na propaganda atual, a mensagem é transmitida pela imagem. O consumo
de imagens é uma pratica social respaldada pela mídia e tecnologia. Podemos observar que a
busca de padrões sociais é uma prática antiga, mas fortemente utilizada pela mulher
contemporânea. Não necessariamente pela representação dos valores que levam a uma distinção
social, mas pela busca de uma individualização, problemática da mulher contemporânea, sem
fugir dos padrões. A industrialização, a colonização, o desenvolvimento dos transportes, as
trocas comerciais e a mídia, o marketing de multinacionais do vestuário impõe interações
culturais que aumentam as semelhanças entre o vestuário de todo o planeta. (LAPORTE e
WAQUET,2010, p.71). Deixando evidente através da representação do corpo feminino nas
capas das revistas a existência de uma influência e uma interação da moda desse período
(1939/1944) de forma uniforme na contemporaneidade.
A partir da comparação entre os dois períodos, 1939-1945 e 2018, observa-se uma
semelhança de práticas de moda demonstradas nas revistas. A reutilização e a customização de
peças continuam a existir. O responsável pelo estilo de vestimenta da família ainda continua em
sua maior parte, a mulher. Antigamente como costureira e atualmente como compradora. Cabe
ainda a mulher a busca de tendências de moda, atualmente com o auxílio dos novos meios de
comunicação. A silhueta proposta na revista Marie Claire dos anos da Segunda Guerra, seguem
até a atualidade, demonstrando uma padronização estética continua. A relação da moda com os
acessórios se mantém, a bolsa sempre em destaque. A calça comprida, elemento do vestuário
que não era mencionado nas revistas de moda durante os anos 1939 a 1945, hoje evidente nas
capas da Marie Claire, demonstra uma igualdade no traje.
Com os novos espaços midiáticos, podemos nos questionar se a revista impressa ainda
se adequaria como fonte de pesquisa. Dessa forma, é pertinente observar os blogs de moda,
dadas proporções, uma revista eletrônica pessoal, se tornam uma fonte mais dinâmica e atraente.
No entanto, para observarmos a relação entre a mulher dos anos 1940 e a mulher atual, a
utilização da revista impressa como fonte é indispensável pois a mesma estamos lidando com
a mesma revista e anos de diferença, o que torna essa pesquisa ainda mais rica.

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WALFORD, Jonathan. Forties Fashion. New York: Thames & Hudson, 2008.
O ENSINO DE MÚSICA EAD POR MEIO DE TUTORIAIS ONLINE:
FORMAÇÃO DE INSTRUMENTISTAS

Roger Cristiano Lourenço da Silva


Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
rogercristianosilva@gmail.com

RESUMO: O presente artigo visa apresentar um projeto de pesquisa desenvolvido para o


Programa de Pós-Graduação em Música da UFPB, onde efetuaremos um estudo aprofundado
sobre o ensino de instrumentos musicais a distância. Buscamos conhecer sobre os tutoriais de
ensino de instrumentos musicais online, além de compreender a influência deles no mercado de
trabalho de escolas especializadas em música e na formação de instrumentistas. A pesquisa se
caracteriza como documental, a principal fonte de dados será a internet, e os documentos serão
sites, blogs e canais do YouTube. Espera-se que ao final dessa pesquisa possamos ampliar as
discussões sobre o tema, além de provocar discussões sobre a produção de tutoriais nesta
modalidade, contribuindo para uma forma emergente de produzir conteúdo musical através das
mídias digitais.

PALAVRAS-CHAVE: YouTube, EaD, Formação de instrumentistas.

INTRODUÇÃO
Dentre os inúmeros avanços tecnológicos, testemunhamos nos últimos anos a criação
do iPhone e dos smartphones em geral; a evolução da tecnologia streaming que permitiu a
popularização de provedores online como a Netflix; a multiplicação de softwares e aplicativos
de comunicação como o Skype e o WhatsApp. Assim, é possível perceber que conforme
acessamos novas tecnologias, podemos alterar nossa forma de realizar algumas atividades. Por
exemplo, com um smartphone podemos ter acesso a calendários, agendas, relógios, mapas etc.
Tudo isso com apenas um toque de tela proporcionado pela tecnologia touch screen, fazendo
com que não tenhamos a necessidade direta de possuir esses utilitários isoladamente. Além
disso, temos notado a diminuição do número das locadoras de filme (MARAFON, 2015)
ocasionada pelo crescente número de assinantes da Netflix. Outro hábito quase extinto é o envio
de mensagens SMS (BENTES, 2014), com o Skype e WhatsApp oferecendo o serviço
gratuitamente, dificilmente recorremos ao envio de mensagens através das operadoras de
telefonia móvel.
Se as tecnologias contribuem para alterar a forma com que consumimos diversos
serviços, também entendemos que elas podem alterar a forma de nos relacionarmos com a
educação. Sobre isso, Westermman (2010) aponta mudanças ocorridas na EaD do século XX
aos dias de hoje devido aos avanços tecnológicos. Neste trabalho vamos nos deter ao ensino de
música na modalidade EaD contribuindo para a formação de instrumentistas.
O ensino de instrumentos musicais na modalidade EaD não é algo novo no Brasil
(WESTERMANN, 2010, p.149), todavia, devemos considerar que os avanços tecnológicos, os
avanços em inclusão digital, a portabilidade dos aparelhos eletrônicos (BELTRAME, 2014)
são fatores que têm alterado a forma de estruturar e de divulgar os cursos (WESTERMANN,
2010). Existe um número considerável de produções acadêmicas sobre esse assunto, vide:
Westermann (2010); Beltrame (2014); Monteiro (2011) Mendes e Braga (2007); Cernev
(2017); Duarte e Marins (2015); Júnior e Figueirôa (2015); Requião (2015); Cota (2015); Gohn
(2010) entre outros. No entanto, ainda precisamos nos aprofundar bastante nessa área de ensino
de instrumentos musicais por meio das TIC (COTA, 2015).
As mudanças causadas pelo acesso às tecnologias fazem com que os consumidores
atuais sejam diferentes dos consumidores de décadas passadas, e isto exige um posicionamento
diferente de quem pretende ter sucesso no mercado de trabalho112 (ROSA; CASAGRANDA;
SPINELLI, 2017), tanto em termos de estratégias de divulgação, quanto em preocupação
pedagógica com o aluno que aprende de forma cada vez mais autônoma e independente do
contato direto com o professor (JÚNIOR e FIGUEIRÔA, 2015).
Em relação a países desenvolvidos, o Brasil é muito carente no que diz respeito a
modalidade EaD (MENDES e BRAGA, 2007). Além disso, os profissionais em educação de
forma geral ainda não são capazes de aproveitar ao máximo as TIC, portanto, se os educadores
não a desfrutam de forma plena, dificulta para os educandos explorarem esses recursos de forma
efetiva. Com base nisso, como podemos configurar aulas na modalidade EaD aproveitando ao
máximo os recursos disponíveis? Como os recém-formados em música podem disseminar o
conteúdo a um maior número de pessoas e ter o retorno esperado pelo serviço prestado? Como
podemos atender as necessidades de alunos cada vez mais autônomos sem que eles
desenvolvam uma prática instrumental fragmentada?
Quanto aos objetivos deste trabalho, podemos dizer de forma geral que pretendemos
identificar a composição do cenário nacional do ensino de instrumentos musicais por meio de
tutoriais online. De forma específica pretendemos: analisar e catalogar os principais produtores
de tutoriais online dos respectivos instrumentos: teclado; bateria; contrabaixo; guitarra; violão
e saxofone; investigar a estruturação pedagógica e comercial dos principais produtores de
tutoriais online na área de instrumentos musicais; refletir sobre as interações sociais na

112
Falamos especificamente sobre o mercado de trabalho voltado para o ensino de música.
plataforma do YouTube entre produtores de tutoriais e seus seguidores; avaliar o impacto dos
tutoriais online no mercado de trabalho de ensino de música em escolas especializadas nas
cidades de Campina Grande e João Pessoa. Entretanto, o presente projeto de pesquisa foi muito
recentemente aceito no PPGM da UFPB, sendo assim, é possível que ajustes ocorram no
decorrer da pesquisa.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nos últimos anos a temática apresentada neste trabalho tem ganhado notoriedade no
meio acadêmico: Westermann (2010) traça um breve panorama histórico sobre o ensino de
música através da educação a distância; Beltrame (2014) busca conscientizar os alunos
licenciandos dos atuais comportamentos dos educandos influenciados pelas novas tecnologias;
Monteiro (2011) explana sobre a construção de conhecimento cultural através da plataforma do
YouTube; Mendes e Braga (2007) buscam problematizar questões referentes ao uso de
tecnologias para melhorar a estruturação de um curso EaD de violão; Cernev (2017) busca
discutir como licenciandos em música têm usado as mídias sociais para construir conhecimento;
Duarte e Marins (2015) discutem possibilidades de utilização dos aplicativos para tablets e
smartphones no ensino da música; Júnior e Figueirôa (2015) fazem uma adaptação de um curso
presencial de clarineta para a modalidade EaD; Requião (2015) trata do ensino de música EaD
como alternativa para capacitação de professores não especialistas em música; Cota (2015) faz
uma revisão bibliográfica parcial sobre artigos relacionados ao uso de tecnologia na Educação
Musical brasileira; Gohn (2010) aponta tendências na EaD relacionadas ao uso de sofwares
online.
As aulas de música na modalidade presencial apresentam um preocupante nível de
evasão, o que causa perdas de investimentos e prejuízos de forma geral (CAPUZZO, 2016,
p.58). Em contraponto a isso, nas tabelas que apresentaremos nos resultados deste trabalho,
percebemos um interesse significante pelo estudo de instrumentos musicais na modalidade
EaD, onde apenas na plataforma do YouTube, em nível nacional, é possível encontrar
22.221.500 resultados sobre o ensino de instrumentos musicais, especificamente, dos
instrumentos: violão, teclado, bateria, contrabaixo, guitarra, saxofone (ver as tabelas:
1;2;3;4;5;6). Um número bastante expressivo, principalmente se levarmos em consideração
que ainda não investigamos os conteúdos propagados pelos diversos sites e blogs.
Além do alto índice de evasão no ensino tradicional (CAPUZZO, 2016), do aumento
do interesse e da utilização do YouTube como ferramenta de estudo (MONTEIRO, 2011), das
limitações para os professores e instrumentistas do mercado local (COELHO, 2016;
COUTINHO, 2014), há uma ampla tendência à digitalização no mercado da música (SEBRAE,
2015). O que por si só já indica a necessidade de atualização tecnológicas dos profissionais em
música.
O YouTube, enquanto uma das nossas principais fontes de dados, possui mais de um
bilhão de usuários e é acessado por pelo menos um terço dos internautas de todo o mundo
(YOUTUBE, 2018). É uma plataforma que permite aos seus usuários fazer o upload de vídeos,
para isso eles precisam realizar uma inscrição no site e criar um canal próprio. No entanto, não
é possível estimar exatamente quantos canais existem no YouTube, muito menos saber quantos
canais estão produzindo vídeos frequentemente, pois muitos dados oficiais não são divulgados
(LEMOS, 2018). O que sabemos ao certo é que pelo menos 25% dos usuários do YouTube
postaram pelo menos um vídeo, mesmo sem a intenção de manter um canal. Como afirma,
Monteiro (2011), Westermann (2010), Gohn (2010), Duarte e Marins (2015), é possível
encontrar aulas de música no YouTube, pois muitos usuários tem postado livremente tutoriais
de diversos instrumentos na plataforma. Posteriormente, concentraremos nossas buscas à
informações relativas aos canais brasileiros que produzem conteúdo pedagógico voltado para a
formação de instrumentistas. Explicações complementares serão detalhadas na metodologia.
Com base no que foi exposto, entendemos a relevância de abordar o tema pelos
benefícios que a EaD pode proporcionar. Júnior e Figueirôa (2015, p.1) afirmam que a EaD “é
uma modalidade de ensino que democratiza o aprendizado, baseada no compartilhamento do
conhecimento e experiências ligadas aos temas propostos de forma colaborativa”. Desta forma,
o conhecimento não fica restrito exclusivamente ao ambiente da sala de aula, o que pode
proporcionar um maior acesso ao saber. Sendo assim:

Vemos que o aprendizado não é restrito às dependências da escola, tampouco da sala


de aula. O professor pode então incentivar o aprendizado em outras situações e
ambientes se utilizando de diferentes ferramentas. Tablets e smartphones podem ser
ferramentas úteis para o professor caso ele pretenda expandir suas práticas
educacionais (DUARTE e MARINS, 2015, p.3).

Em nossas buscas por informações, sentimos falta de apoio estatístico que nos
auxiliassem a compreender melhor o fenômeno das aulas de instrumentos musicais na
modalidade EaD. Até mesmo no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE,
não encontramos dados suficientemente expressivos para expor neste trabalho. Monteiro (2011,
p.15) cita três universidades que possuem cursos de música na modalidade EaD, são elas a
Universidade Federal de São Carlos, a Universidade Nacional de Brasília e a Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Barros (2016, p. 51) aponta para uma tendência de produções
sobre o ensino de música EaD na formação docente, onde ele aponta vinte e sete produções
nessa temática, do ano de 2009 até o ano de 2014. Ainda é necessário ampliar essas discussões
sobre o ensino de música na modalidade EaD (COTA, 2015), principalmente em contextos não-
formais.
Num levantamento prévio no site do YouTube pudemos constatar que a guitarra é o
instrumento que apresenta o maior número de resultados em pesquisas relacionadas ao estudo.
Também observamos que o saxofone, apesar de ser apenas o terceiro maior em número de
resultados encontrados, é o instrumento com maior número de conteúdo elaborado por
professores, conforme destacado na tabela 3. Observe os dados a seguir:

Tabela 1- buscas relacionadas ao ensino de violão no YouTube

Fonte: YouTube, 2018 (https://www.youtube.com/)

Tabela 2- buscas relacionadas ao ensino de teclado no YouTube

Fonte: YouTube, 2018 (https://www.youtube.com/)

Tabela 3- buscas relacionadas ao ensino de saxofone no YouTube

Fonte: YouTube, 2018 (https://www.youtube.com/)

Tabela 4- buscas relacionadas ao ensino de guitarra no YouTube

Fonte: YouTube, 2018 (https://www.youtube.com/)


Tabela 5- buscas relacionadas ao ensino de bateria no YouTube

Fonte: YouTube, 2018 (https://www.youtube.com/)

Tabela 6- buscas relacionadas ao ensino de contrabaixo no YouTube

Fonte: YouTube, 2018 (https://www.youtube.com/)

METODOLOGIA

Essa pesquisa possui caráter qualitativo113, onde iremos realizar também um


levantamento numérico de dados para em seguida categorizá-los. Optamos pela abordagem
qualitativa porque ela:

[...] cria condições concretas para que se possa captar os significados dos fenômenos
investigados. Assim como o pesquisador é um elemento importante no processo de
pesquisa, também o campo se destaca como determinante do conhecimento a ser
produzido (Tozoni-Reis, 2009, p.25).

Quanto à modalidade de pesquisa, optamos pela documental. Segundo Tozoni-Reis


(2009, p.30) a pesquisa documental “tem como característica o fato de que a fonte de dados, o
campo onde se procederá a coleta de dados, é um documento (histórico, institucional,
associativo, oficial etc.)”. Todavia, não utilizaremos a princípio documentos convencionais.
Nosso foco se encontra no que Almeida (2011) trata como “documentos digitais”, que podem
ser sites, blogs, canais do YouTube etc. Pois a “internet configura-se como uma nova categoria
de fontes documentais [...]” (ALMEIDA, 2011, p.1), com relevante validade, principalmente
para pesquisadores atuais. A seguir, descreveremos detalhadamente cada etapa do processo de
pesquisa:

113
Estamos pensando sobre a possibilidade do quali-quanti.
1.1 Levantamento bibliográfico - partindo das ideias dos respectivos autores: Westermann
(2010) e (2015); Beltrame (2014); Monteiro (2011); Mendes e Braga (2007); Cernev
(2017); Duarte e Martins (2015); Júnior e Figueirôa (2015); Requião (2015); Cota
(2015) e Gohn (2010). No decorrer da pesquisa será necessário ler mais obras dos
autores citados, além de buscar outras fontes. É importante para nós que a pesquisa
possa “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vista a torná-lo mais
explícito ou a construir hipóteses” (GERHADT e SILVEIRA, 2009, p.35).

1.2 Coleta de dados – entendemos esta etapa em nosso trabalho como “a busca por
informações ou elucidação do fenômeno ou fato que o pesquisador que desvendar”
(GERHADT e SILVEIRA, 2009, p.68). Para catalogar os principais produtores
brasileiros de EaD na área de instrumentos musicais, sobretudo aqueles que publicam
suas aulas na plataforma do YouTube, iremos utilizar a estratégia de pesquisar através
de palavras-chave, pois o sistema de postagem do site exige que todo usuário produtor
de vídeo escolha palavras-chave que o definam em categorias (SERRANO e PAIVA,
2008, p.6), além disso, a busca por palavras-chave é uma estratégia muito utilizada por
pesquisadores em “softwares especializados ou pela internet [...]” (OLIVEIRA, 2011,
p.66). Considerando essas informações, pesquisaremos termos como “aulas de sax”,
“tutorial de sax”, “professor de sax”, e “curso de sax online”. Vale esclarecer que os
instrumentos musicais foco da nossa pesquisa são os que mais se aproximam da
realidade das escolas especializadas locais, são eles: teclado; contrabaixo; bateria;
violão; guitarra; saxofone. Como não podemos estimar com clareza o número de canais
do YouTube voltados para o ensino de instrumentos musicais, selecionaremos os
canais mais relevantes, isto é, os canais com o maior número de inscritos e de
visualizações.

1.3 Categorização e organização dos dados - após identificar os principais produtores,


iremos separá-los por instrumentos musicais e categorizá-los em: escolas online;
professor independente; integrante de grupo musical que produz aulas. Estamos
seguindo as etapas de identificar unidades de padrão, categorizá-las, organizar os
resultados, compará-los e analisá-los (MOYSÉS e MOORI, 2007, p.7)
CONCLUSÃO

Um dos fatores que validam a relevância do nosso trabalho é que na atualidade


“inúmeras pessoas utilizam os meios digitais para diversos fins e buscam adquirir
conhecimentos, mesmo que superficiais [...]” (MONTEIRO, 2011, p.15). Monteiro (2011, p.32)
afirma que a EaD possui um bom nível de aceitação no cenário nacional atual. Além disso,
acredita-se que:

os cursos da modalidade presencial venham a ser enriquecidos com ferramentas de


acompanhamento online e ambientes virtuais de aprendizagem, de modo que, aos
poucos, num futuro próximo, não haja distinção entre cursos identificados como a
distância e os presenciais tradicionais (SCHRAMM, 2012, p.102).

Se por um lado nossa pesquisa busca contribuir para uma ampliação do conhecimento
sobre o ensino de música na modalidade EaD tendo como objetivo a formação de
instrumentistas, por outro, buscamos também ampliar o conhecimento sobre o mercado
potencial do ensino de música nesta modalidade. Principalmente quando levamos em conta a
realidade do mercado de trabalho local das escolas especializadas no ensino de música.
Coutinho (2014, p.43) aponta que o mercado local é um tanto limitado para instrumentistas,
principalmente os de formação erudita. Coelho (2016) pondera que, apesar do objetivo da
Licenciatura em Música seja preparar o licenciado para a atuação em escolas na educação
básica, as práticas educacionais acontecem em ambientes múltiplos, não apenas nas escolas,
além do mais, muitos licenciados optam por outros nichos do mercado de trabalho, sem ser as
tradicionais salas de aula.
Com tudo que apresentamos, esperamos que ao final dessa pesquisa possamos
apresentar dados que auxilie a esquematização de diversos procedimentos metodológicos,
podendo ajudar os profissionais produtores de aulas de música EaD a conseguirem um retorno
positivo no mercado. Também temos a intenção de que este trabalho não beneficie apenas os
profissionais, mas também, estimule a comunidade acadêmica a olhar para as possibilidades de
ensino cada vez mais direcionadas para esse novo tipo de aluno.

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O ENSINO RELIGIOSO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A
EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Leonardo Luiz da Silva


UNESA – Universidade Estácio de Sá,
Nova Iguaçu – Rio de Janeiro.
prleonardoluiz@gmail.com

RESUMO: O presente trabalho trata do tema “O Ensino Religioso e suas contribuições para a
Educação Brasileira”. O objetivo central é apresentar a trajetória do ensino religioso e quais
contribuições este trouxe à Educação, sobretudo no Brasil, onde mesmo respaldado pela
legislação tem defensores e críticos das mais variadas ordens. A história da educação tem sua
origem voltada para atender às necessidades religiosas e políticas, logo, Política e Religião são
os dois pilares que erguem-na ao longo de sua jornada. É impossível dissociar uma coisa da
outra, ambas estão intrinsicamente ligadas desde seus primórdios e a Educação vem trazendo o
equilíbrio necessário entre elas para que de forma coerente, respeitando as diferenças existente
entre elas, possamos aprender com ambas e produzirmos uma sociedade mais justa.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino Religioso; Pedagogia; Escola.

INTRODUÇÃO

O trabalho aqui apresentado tem como objetivo geral propor reflexões sobre o Ensino
Religioso atentando para as contribuições que este tem trazido à Educação Brasileira,
analisando sua repercussão no contexto social.
O interesse pelo tema se deu por buscar entender melhor a relevância do Ensino
Religioso na Educação; uma vez que em nossa nação, especificamente, a igreja foi a
responsável pelo seu pontapé inicial, embora saibamos perfeitamente que esta atendia não aos
seus próprios interesses, e sim aos da Coroa Real Portuguesa. Por ter atuado também cerca de
duas décadas ininterruptas na área religiosa pude acompanhar o trabalho de homens e mulheres
que abnegados conseguiram educar e formar cidadãos conscientes com a contribuição do ensino
religioso, muitos deles não possuíam a formação de professores, no entanto eram excelentes
educadores. Para melhor compreendermos a atuação do Ensino Religioso faz-se necessário
entender a história da Pedagogia, o que abordaremos de forma bastante simplória dada a riqueza
de conteúdo que poderíamos aqui abordar e não o faremos pelo simples fato de não se tratar de
um trabalho extenso, mais de uma monografia.
Cambi (1999), esclarece que a Educação para se tornar a ciência que se tornou, precisou
passar gradativamente ao longo dos séculos por várias fases, construindo a tão nobre ciência
que podemos perceber hoje, e nesta mesma perspectiva estuda-la, analisá-la e minuciosamente
aprimorar não só a prática educativa como a didática e o currículo.
A pesquisa é de abordagem qualitativa, pois tratará entre outros assuntos, da qualidade
do Ensino Religioso proposto por igrejas, conventos e seminários de origem católica e
protestante e suas contribuições direta e/ou indireta à Educação Brasileira.
O tema é relevante pois, nos leva a uma análise aprofundada do ensino desde a
concepção de Paideia conforme aponta Cambi (1999), onde surgiram as primeiras práticas
educativas, passando pelo período veterotestamentário com a contribuição dos profetas e
sacerdotes responsáveis por “trabalhar” para Deus, sobretudo na educação, pois ensinavam as
leis de Deus e os códigos regimentares que norteavam o modus vivendi das congregações,
aldeias e impérios, chegando aos dias atuais onde já temos uma concepção de educação muito
bem elaborada e planejada dada as circunstâncias que norteiam o contexto educativo social
atual.
Os profetas ao denunciarem o pecado, segundo a Bíblia, denunciavam também as
injustiças sociais, muitas vezes ocasionada por ricos poderosos que cresciam oprimindo os
pobres, analisando a história cerca de oito séculos a.C., podemos ver profetas como Jeremias,
Isaias, Miquéias, Oseias e outros que aproveitavam toda oportunidade possível para ensinar ao
povo conceitos e valores que serviriam para norteá-los em sua trajetória histórica, para que a
partir daí pudessem viver de forma justa e irrepreensível, semelhantemente os sacerdotes,
homens vocacionados por Deus para fazer discípulos, encarregavam-se de ensinar e lembrar o
povo de seus valores não só espirituais, mais também civis e morais. É incrível perceber que a
palavra “discípulos” assim como “disciplina” possuem o mesmo radical “dis” de “discere” que
significa “aprender”. “A palavra disciplina vem do latim, disciplina “instrução”, “treinamento”.
A palavra discípulos, “aprendiz” está relacionada a ela. A forma verbal discere significa
aprender. Nossa palavra portuguesa “discípulo” que quer dizer “aprendiz” ou “seguidor”,
deriva-se dessa raiz latina”. (CHAMPLIN, 2014, p 178)
Com isso entendemos que o ensino religioso tem contribuído muito significativamente
para que a história das civilizações transponha as barreiras que lhes foram impostas pela
ignorância, tudo isso se dar com o papel do bom mestre que tem compromisso com a educação,
os verdadeiros educadores, aqueles que independente das dificuldades que enfrentam no seu
cotidiano, se comprometem com a arte de formar e transformar vidas. “Educadores, onde
estarão? Em que covas terão se escondido? Professores, há aos milhares. Mas o professor é
profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão;
é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança” (ALVES, 2015,
p 16).
O Ensino Religioso tem sido importante na construção histórica da educação Brasileira?
Quais os benefícios deixados pela escola para a sociedade, mediante o Ensino Religioso?
Como o professor de Ensino Religioso pode contribuir com a sociedade inserindo em seu
contexto, discussões afins em sua pratica educativa?
O trabalho tem como objetivo geral, analisar o Ensino Religioso na educação brasileira e suas
respectivas contribuições, e especificamente compreender como o Ensino Religioso pode
auxiliar na formação do cidadão, desenvolvendo não só seu conhecimento acerca do assunto,
como também aperfeiçoando o seu caráter, avaliando a predisposição de cada aluno ao lidar
com outros que tenham religiões diferente da sua e assim desenvolver a tolerância e o respeito
com o próximo e identificando as dificuldades de aceitação e possíveis intolerância quando
tratamos de assuntos religiosos em nossas escolas.
Partindo da perspectiva de que o Ensino Religioso não só foi importante na construção do
Brasil colônia, servindo-lhe de estrutura para a aculturação por parte da Coroa Real Portuguesa,
a escola hoje deve inseri-lo em seu currículo pedagógico afim de repassar a história e fazê-los
refletir sobre a importância do mesmo para desenvolver nos alunos, um pensamento crítico
quanto a tolerância, o respeito e a aceitação do outro, e assim nos ajudarmos como pessoas que
aprendem a conviver em sociedade, lembrando também que isso não pode ser feito de qualquer
maneira, é preciso pensar num currículo que contemple o aluno participante das aulas de Ensino
Religioso mais que também contemple, com outras atividades educativas, aqueles que não
participarão, já que segundo a LDB 9.394/96 em seu artigo trinta e três apresenta o Ensino
Religioso como matrícula facultativa, o que nos leva a pensar que muitos alunos não optarão
por participar deste, logo faz-se necessário pensar numa atividade que preencha essa lacuna no
período em que as aulas de Ensino Religioso estiverem sendo lecionadas.
O Ensino Religioso da época citada acima, tinha seus objetivos pautado pelo pensamento
católico europeu, religião imperial do momento, e visava fortalecer a coroa e não levar em conta
necessariamente as necessidades das pessoas. Ao contrário disso propomos um Ensino
Religioso voltado para as pessoas, pois é isso que apresenta-nos o sentido da palavra religião,
empatia pelo outro independentemente da fé que este apresente.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para esta pesquisa recorremos aos seguintes procedimentos metodológicos: pesquisa
bibliográficas a partir dos autores Franco Cambi (1999) com a obra “História da Pedagogia”;
Claudia Regina Benedetti; Hélcio de Paula Lanzoni e Viviane da Costa Lopes (2013) com a
obra “Fundamentos Sociológicos e Filosóficos da Educação” Módulo 2.2; Antonio Gilberto
(2014) com a obra “Manual da Escola Dominical” Edição histórica; Marcos Tuler (2010) com
a obra “Manual do Professor de Escola Dominical” Didática Aplicada à realidade do Ensino
cristão e Maria Judith Sucupira da Costa Lins (2004) com o artigo “Direito ao Ensino
Religioso”.
A obra de Cambi (1999), traça uma linha do tempo na história da Pedagogia, desde a
concepção de Paideia, passando pelo período veterotestamentário, a.C, ganhando forças
proporcionais no período neotestamentário, d.C até o seu estabelecimento como Ciência. Cambi
deixa claro que o Ensino Religioso foi primordial na construção da historiografia pedagógica.
A obra de Benedetti, Lanzone e Lopes (2013) elencam que a Sociologia e a Filosofia da
educação com sua fundamentação teórica e sua prática pedagógica ao longo da história trouxe
contribuições ímpares além de grande influência à grandes estudiosos como Psicólogos e
Filósofos de todas as épocas.
A obra de Gilberto (2014), esclarece de forma bem detalhada como surgiu a escola
Dominical sobretudo na instituição religiosa Assembleias de Deus no Brasil e como esta trouxe
para os templos boa parte do Ensino Religioso e como foi criado o CAPED (Curso de
Aperfeiçoamento de Professores da Escola Dominical), em 1974 preparando estes professores
para atuarem com responsabilidade nestas instituições.
A obra de Tuler (2010), apresenta o papel da Escola Dominical com seu currículo e método,
como uma escola como todas as outras, capaz de tornar conhecidos não só assuntos Bíblico-
Teológicos, como também conhecimento geral, visto que seus alunos encontram-se inseridos
no mesmo contexto social, assim a escola Dominical não só trabalha a fé das pessoas mais
também o seu conhecimento pessoal e cultural dada sua abrangência.
O artigo de Lins (2004), vem para assegurar que o Ensino Religioso é antes de tudo um
direito do aluno que pensa, que vive as diferenças da religião, Lins defende que é importante
que crianças e jovens recebam o Ensino Religioso nas escolas já que este tem se tornado um
tópico de relevante interesse à educadores de vários países.

METODOLOGIA
ENSINO E APRENDIZAGEM; UMA RESULTANTE DO PROCESSO EDUCATIVO
PROVENIENTE DA PAIDEIA

O termo Paidéia, associado a filosofia Platônica, traz a ideia de formação geral, ou seja,
contempla o homem como um todo, fala porém da educação que prepara o ser humano em todas
as áreas para a vida abrangendo o contexto ético, político, econômico, social e até espiritual.
Apoiado em Cambi (1999), no período neotestamentário temos a contribuição ímpar de Cristo
e do colégio apostólico que usaram uma pedagogia aplicada onde propunha-se um aprendizado
eficaz, o qual foi capaz de reunir multidões para aprender e apreender princípios e valores,
espirituais e sociais, como Pedro em Jerusalém, Paulo no aerópago de Atenas e João na igreja
de Éfeso, a maior da Ásia proconsular. Os assuntos ensinados por Cristo e seus apóstolos
inspiraram homens como Agostinho de Hipona que se destacou na história da pedagogia como
um ícone do ensino religioso. Ao longo dos séculos a teologia e a filosofia buscaram em santo
Agostinho uma forma de explicar o conhecimento metafísico fazendo com que o mesmo ficasse
conhecido como pai da teologia e um grande teórico da filosofia cristã.

Conforme Cambi (1999), no mundo antigo a vida educativa começa com os Sumérios e
os Semitas que por volta do terceiro século organizaram-se social e culturalmente na
Mesopotâmia, onde a educação já tinha objetivos bem elaborados, dentre eles podemos
destacar: O hábito de fundar cidades, cultivar grãos e o estabelecimento do poder político para
a formação da nobreza (Reis, Príncipes e Governadores), e religioso (sacerdotes e profetas). A
Educação acompanha os seguintes impérios: Egípcio, Assírio, Babilônico, Persa, Grego e
Romano. Seu apogeu, portanto se dar no império Grego onde a filosofia ganha destaque com
as escolas: Jônica, Eleia, Sofista, Atomista, Socrática, Platônica, Estoica, Neoplatônica,
Agostiniana, Tomista, Empirista e Racionalística114.

A influência das escolas gregas perduram até mesmo quando o Império Grego foi
definitivamente substituído pelo Romano (séc. VIII). Já no período medieval (do século V ao
século XV), a Educação junta-se a teologia com objetivos bem óbvios: colonizar e catequizar
as regiões “descobertas”, o império Romano expandia-se veementemente conquistando as
nações e dominando-as poderosamente e conta com o apoio dos jesuítas, companhia formada
pelo padre Inácio de Loyola que ao chegar no Brasil em 1549 já trazia um pensamento bem
definido sobre as nova terras, logo a Companhia de Jesus foi de particular importância para a

114
As escolas têm suas especificidades; porém, não é do escopo deste trabalho detalhar suas características.
Coroa, na preparação espiritual dos nativos para que pudessem receber, como uma terra fértil,
a nova cultura que lhes seriam imposta. Por isso, vale ressaltar que no Brasil a Educação foi
usada a serviço do império, deve ser por isso que em 1827, documentos complementares do
império mencionavam que o ensino da doutrina religiosa era um dos propósitos da escola,
juntamente com o ensino da leitura, da escrita, e das quatro operações (JUNQUEIRA, 2015).

O governo português no período colonial preocupava-se exclusivamente em expandir o


“cristianismo” nas novas colônias. Com isso desenvolveu-se o processo de catequização das
populações indígenas e africanas, para Ranquetat (2007), isto foi sim uma forma de se
evidenciar o Ensino Religioso, claro, nos moldes do catolicismo romano, religião oficial do
império, mesmo não se denominando dessa forma o Ensino Religioso se faz presente no período
jesuítico, é esta a primeira forma de educação catequética e de imposição religiosa através do
documento Ratio Studiorum115 ou Plano de Estudos dos jesuítas. Assim a Educação foi se
estruturando ao longo dos anos no Brasil, tendo como aliado principal o Ensino Religioso e em
1931 ele é reintroduzido no currículo das escolas públicas, de lá pra cá vem sendo alvo de
grandes discussões, muitos se colocam contra, outros a favor, no entanto, o Ensino Religioso
vem dando contribuições significativas à Educação e mesmo sendo alvo de grandes discussões
especulativas tem resultado surpreendente quando aplicado com excelência por professores
comprometido com a ética e com a arte de educador.

A partir de 1890 com a forte influência do positivismo, o ensino religioso assumiu novas
perspectivas voltadas para os ideias positivistas e só na proclamação da República com a
formação de um estado laico, levando em consideração que a população nacional é constituída
por uma cultura heterogênea, começa-se a olhar e a compreender a diversidade com base no
pluralismo cultural religioso, levando-o a ser considerado, um país laico, essa ideia passa a ser
fortemente defendida com a Proclamação da República em 1989. Vale ressaltar que para os
pensadores que se preocupavam com a educação entre o século XIV e o advento da Revolução
Francesa em 1789, não seria possível pensar a educação sem a religião. A Igreja Católica era
responsável pela educação. Além disso, em todas as dimensões sociais era perceptível
elementos religiosos o que demonstrava ter a Igreja grande poder na imposição de
comportamentos e regulamentações da sociedade. Não acabaram-se por aí as influências da
Revolução Francesa no Brasil, a Constituição Republicana de 1891 instituiu, a separação
Estado-Igreja, definindo que não haveria uma religião oficial no Brasil e a responsabilidade

115
Plano e organização de estudos da companhia de Jesus.
sobre o ensino ficou a cargo do estado, até então a religião oficial do Brasil era o catolicismo
Romano. A presença da religião na escola nunca foi problema até aquele momento, antes da
revolução Francesa a escola era uma instituição religiosa, a Igreja administrava a educação e
ninguém questionava isso, entende-se que as mudanças que ocorreram neste cenário, inspirou-
se na revolução Francesa. “...à influência da Igreja sobre o espírito das crianças era preciso opor
a da escola pública, laica, gratuita e obrigatória. (...) ... esta escola da República não era
antirreligiosa, sua mora era a da Igreja revisitada pelo Kantianismo filosófico. (...)... essa escola
pretendia ser tão ‘sagrada’ quanto a Igreja; ela visava também fundar uma moral comum e uma
liberdade pessoal, ela situava-se, portanto, no mesmo plano universal que a igreja ao tentar
transformar fiéis em cidadãos” (DUBET, 2011, p.290).

Como resultados dos acordos entre a Igreja e o Estado, surgem decretos e artigos como
o decreto Independência da República de 30 de abril de 1931 o qual diz ser o ensino da religião
“facultativo de acordo com a confissão do aluno e dos interesses da família, sendo que a
organização dos programas e as escolhas dos livros ficam a cargo dos ministros dos respectivos
cultos” (OLIVEIRA et al., 2007, p.51-52).

Constantes artigos e decretos vão sendo criados para discutir de forma relevante o
Ensino Religioso e desta forma este vem se desenvolvendo junto a Educação como parte
fundamental desta, na elaboração de um currículo multidisciplinar, contemplando todas as áreas
da formação do cidadão como ser que pensa e se desenvolve de forma que não só sua fé, mas
também seu caráter é alcançado. “Visto que sua inserção em contexto global educacional tinha
como objetivo tornar as relações mais solidárias e participativas além de ajudar nas descobertas
de instrumentos eficazes para a compreensão e para as ações transformadoras da realidade
social, através dos valores fundamentais da vida” (JUNQUEIRA, 2015).

LDBEN 9.394/96

O Ensino Religioso está resguardado por Lei, e é a Lei de Diretrizes e Bases (LDB
9.394/96), que garante o Ensino Religioso aos alunos nas escolas públicas como direito
constitucional, no entanto esta lei trata a questão de forma sucinta nos deixando sem muita
opção na hora de elaborarmos um trabalho como este, todavia uma gama de autores, até maior
do que se imagina, já se debruçam sobre esta temática, permitindo-nos conhecer o que se pensa
sobre o assunto e como este está sendo discutido. Todavia vale ressaltar que a LDB em questão
poderia nos trazer maiores informações visto que é um documento legal e que rege sobre a
educação como um todo, um documentos dessa envergadura com dados atualizados, legislando
sobre a educação, vem como um divisor de águas, mostrando um novo rumo para a Educação
brasileira e consequentemente para o Ensino Religioso que sem dúvida, é um assunto de grande
relevância na educação, com isso asseguro minha crítica quanto a falta de conteúdo sobre o
Ensino Religioso que este documento apresenta.

O artigo 33º, parágrafo II, reza que o Ensino Religioso é interconfessional, resultante de
acordos entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do
respectivo programa. Podemos observar que assim sendo, teremos um problema de ordem
religiosa, pelo fato de que uma das coisas mais difíceis já vista, é acordos entre religiões. Isso
nos leva também as seguintes indagações: Quais professores seriam incumbidos desta
responsabilidade? Qual a religião destes professores? Pois assim como na educação, na religião
também não há neutralidade.

O Ensino Religioso seria trabalhado como um tema transversal? Religião é um tema


Transversal? Estas e outras indagações seguindo esta mesma ordem precisam ser
problematizadas, debatidas quando tratamos de assuntos como este, a fim de encontrarmos
possíveis soluções. Quando procuramos respostas para estas indagações somos levados a pensar
essa temática como algo necessário no currículo educacional brasileiro já que esta modalidade
de ensino tem acompanha cada passo da educação durante toda a nossa trajetória.

“Em 22 de julho de 1997, foi promulgada a Lei 9.475 (MEC,1997), que alterou o artigo
33 da LDBEN 9.394/96, retirando o enunciado “sendo oferecido, sem ônus para os cofres
públicos” e dando outros direcionamentos ao texto sobre o Ensino Religioso: foi mantida a
menção à matricula facultativa e acrescida a referência ao fato de o Ensino Religioso ser
horários normais das escolas públicas de Educação Básica e assegurando o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Foi
explicitado que caberia aos sistemas de ensino regulamentar os procedimentos para a definição
dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecer as normas para a habilitação e a admissão dos
professores.

Competiria também aos sistemas de ensino ouvirem entidades civil, constituídas pelas
diferentes denominações religiosas, para definição dos conteúdos do Ensino Religioso (MEC.
Lei 9.475 [22 de julho de 1997, que dá nova redação do artigo 33 da Lei (9.9394/96) de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional], 1997).
A Procuradoria Geral da República (PGR), propôs que o Supremo Tribunal Federal (STF,
2017), declarasse a neutralidade do Ensino Religioso, para a PGR, este deveria ser abordado
como história, abrangendo todas as religiões, e a partir daí, decidir que o Ensino Religioso
entrasse no currículo como disciplina obrigatória, logo todos os alunos deveriam participar das
aulas e conhecer todas as religiões, suas histórias e suas influências, todavia o STF não acatou
tal proposta, dez ministros votaram e teve um empate ficando para a presidente do Supremo, a
Ministra Carmem Lúcia, dar seu voto de minerva, com o voto da presidente o Ensino Religioso
passou a ser confessional com aplicabilidade nas escolas públicas, sem contudo esta modalidade
de ensino entrar para o currículo como obrigatório, apenas quem manifestar o desejo de
participar das aulas já que a constituição garante ser este facultativo. Sobre tais decisões resta-
nos a seguinte indagação: Não seria o Ensino Religioso, uma disciplina de cunho histórico onde
suas nuances deveriam ser estudadas como as demais disciplinas? A decisão do Supremo parece
não entender dessa forma, o que para os professores fica cada vez mais difícil debater sobre
estes assuntos, mesmo que de forma histórica, já que este debate poderia soar como irrelevante
e desnecessário, levando os alunos inclusive a não querer participar da discussão.

Não vejo com isso um descaso ou omissão sobre o assunto, mais a falta de uma discussão
mais apurada levando em conta o conhecimento histórico e a experiência dos educadores
brasileiros. Talvez medidas mais enérgicas deveriam ser tomadas quanto a esse assunto onde,
ou todos receberiam esta disciplina, ou a mesma não seria aplicada a ninguém, ficando este
assunto exclusivamente na responsabilidade das famílias. Quando a mesma apresenta-se como
facultativa podendo ou não o aluno optar por participar das aulas, outra interrogação surge: Que
tipo de atividade será desenvolvida com os alunos que optarem por não participar das aulas
naqueles momentos de horário letivo normal? Parece-nos que até o momento não houve
respostas a estas questões.

PEDAGOGIA CRISTÃ EVANGÉLICA ALIA-SE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA


GERANDO RESULTADOS POSITIVOS.

De acordo com Gilberto (2013), o Ensino Religioso, numa perspectiva Cristã evangélica
vem atender ás demandas missionárias, onde visa preparar pessoas para o domínio das
Escrituras e assim transmitir ensinamentos que servem para nortear o estilo de vidas de seus
fiéis. Durante muitos anos vários percalços surgiram para que este não tivesse sucesso, porém
no ano de 1974 na Assembleia de Deus em São Cristóvão no Rio de Janeiro, um grande evento
pedagógico é realizado com o objetivo de formar professores para atuar nas EBDs, Escolas
Bíblicas Dominicais, este evento ficou conhecido como: CAPED, Curso de Aperfeiçoamento
para Professores de Escola Dominical.

Todos os domingos fiéis de várias denominações se juntam nos templos para aprender
estes ensinos que tem como base a Bíblia Sagrada, que é tida como regra de fé e prática para a
maioria dos evangélicos, porém não só questões bíblicas são abordadas mais também questões
sociais de todos os níveis, até porque de acordo com o cristianismo o homem não é só um ser
espiritual e por isso deve ser contemplado em todas as áreas de sua “triconomia” ou
“tricotonomia”, corpo, alma e espírito.

A frente do CAPED realizado em 1974 estava o pastor e educador Antônio Gilberto


com o apoio da CPAD, Casa Publicadora das Assembleias de Deus. O mesmo é membro da
CGADB, Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil.

Antonio Gilberto tem uma vasta experiência em educação dentro e fora das fronteiras
brasileiras, com mais de oitenta anos continua atuante no ensino sobretudo na formação do
formador. Embora a Escola Dominical recebesse a contribuição de 1974, a Escola Dominical
já estava presente no Brasil desde 19 de agosto de 1855 quando na ocasião um casal de médicos
escoceses, Robert e Sarah Kalley introduziram este ensino na cidade de Petrópolis no Rio de
Janeiro com o objetivo de ensinar as crianças a ler e escrever e a partir daí, facilitar o
aprendizado das Escrituras Sagradas, função esta que com o passar do tempo foi abandonada
pela igreja já que as escolas públicas se encarregaram da alfabetização. Várias mudanças
ocorreram no decorrer dos anos até que em 1974 acontece o grande bum do ensino cristão
evangélico no Brasil pelos organizadores do CAPED.

Uma figura muito lembrada na elaboração, criação e execução do CAPED foi o


filantropo, Robert Raiks, anglicano do século XVIII, que ao tomar conhecimento do quadro
histórico das crianças de Gloucester na Inglaterra, tomou a iniciativa de educá-las
alfabetizando-as e ministrando aulas de religião com o propósito de reformar a sociedade que
para Raiks estava a um passo do mundo do crime, pois aquelas crianças que eram forçadas a
trabalhar durante a semana nas indústrias se concentravam na praça em Gloucester aos
domingos e ali extravasavam toda sorte de violências e vícios onde muitos eram encerados na
prisão passando por tratamentos extremamente severos. Para Raiks a educação era a única
forma de reorganizar a sociedade da época.
No Brasil a EBD passou ao longo dos anos por várias reformulações em seu currículo
com o objetivo de levar alunos e professores a aprofundar seus conhecimentos, na CPAD por
exemplo, uma equipe formada por pedagogos, filósofos e teólogos elaboram trimestralmente
um ensino sistemático e responsável comprometido com a formação do ser humano. Há a
possibilidade de o ensino ministrado nos templos pelo Brasil a fora propicie de forma
significativa um aprendizado eficaz fazendo com que a educação tenha êxito ainda mais.
Semelhantemente as outras denominações e os outros seguimentos religiosos que não foram
citadas neste trabalho merece ser olhados de forma criteriosa para que suas contribuições diretas
e/ou indiretas sejam notificadas com clareza pois entendemos que todas as religiões tem algo a
acrescentar no que diz respeito a Educação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O trabalho aqui apresentado foi complementado com uma pesquisa de campo, através de
questionários. Nossa intenção com o questionário era avaliar e concluir a discussão sobre o
Ensino Religioso neste trabalho, por meio da opinião de professores que são também alunos do
curso de Pedagogia de uma universidade privada da Baixada Fluminense. As perguntas foram
elaboradas considerando as experiências destes professores ao longo de sua atuação na
educação.

Foram respondidos 20 questionários, todos por pessoas do sexo feminino, com idades entre
20 e 40 anos, com um tempo de atuação no magistério entre 3 e 10 anos.

Passamos agora a apresentar e analisar as respostas.

A primeira questão pergunta se o professor considera importante trabalhar o Ensino


Religioso nas escolas hoje. Dos 20 respondentes, 12 disseram que sim pois para elas a religião
está presente na dimensão humana e ajuda-nos na compreensão do outro e 8 disseram que não,
afirmando que a religião deve ser trabalhada exclusivamente pela família e que os professores
não estão devidamente preparados para trabalhar esta disciplina. Foram estas algumas das
justificativas,

1 Você considera importante trabalhar o Ensino Religioso nas escolas hoje?

(X) Sim, por que a Religião está presente na dimensão humana;


(X) Não por que os professores não estão devidamente preparados para trabalhar esta
disciplina.

Aqui cabe uma discussão sobre a importância desta modalidade de ensino, inclusive no
preparo destes professores para possivelmente atuarem com respaldo em suas salas de aula.

Na segunda questão quando perguntamos se esses professores quando alunos tiveram aulas
de Ensino Religioso e se estas aulas contribuíram para sua formação, dos 20 respondentes 12
responderam que não tiveram, 8 delas disseram que sim sendo que das 8, 4 alegaram não ter
estas aulas contribuído significativamente para sua formação e 4 disseram que as aulas de
Ensino Religioso fizeram delas pessoas melhores.

Na terceira questão, quando perguntados se elas acreditavam que o currículo educacional


seria melhor se tratasse o Ensino Religioso como como disciplina obrigatória, dos 20
respondentes, 12 disseram que não, porque certamente influenciaria os alunos a seguir ou negar
determinadas religiões, 4 disseram que talvez, pois serviria pra unificar o ensino e agregar
valores e 4 afirmaram que sim por que certamente deixaria o aluno preparado para lidar com as
diferenças. Mesmo sendo um número pequenos os que pensaram assim, isso nos possibilita a
ver que existe uma preocupação por parte deste professores quanto ao respeito às diferenças e
que acreditam ser o Ensino Religioso um fator importante na produção desta conscientização.

Na quarta questão perguntamos se como professor elas percebiam diferença nos alunos que
professavam algum tipo de fé e dos 20 respondentes, 10 disseram que não e 10 disseram que
sim e estas diferenças, segundo elas são percebidas no respeito que eles tem pelo próximo e na
facilidade de perdoar quando são ofendidos de alguma forma. Esta resposta complementa a
preocupação apresentada na terceira questão sobre o respeito à pessoa do outro.

Na quinta questão, quando perguntado se elas se achavam aptas para trabalhar Religião com
seus alunos, das 20, 19 disseram que não por falta de conhecimento do assunto, visto que
durante a formação pouco ou quase nada se falou sobre, deixando-as inaptas para esta função.
Aqui voltamos a discussão da primeira questão sobre o preparo destes professores, todas as
entrevistadas foram professoras em exercício e também alunas do curso de Pedagogia
demonstrando que não se acham preparadas para tal. Será que não seria esta uma razão para
agregar ao currículo do curso de Pedagogia este assunto de forma a contribuir com a formação
destes futuros pedagogos e por sua vez deixando-os aptos para trabalharem com seus alunos?
Na sexta questão, quando perguntado se elas achavam importante o Ensino Religioso está
previsto na Lei, dos 20 respondentes, 12 disseram que não por acharem que a religiosidade é
algo pessoal e que deve ser trabalhado pela família e 8 disseram que sim pois para elas seria
uma oportunidade de torna-los cidadãos melhores sem preconceito e tolerantes. Esta questão
corrobora com a terceira e a quarta questão onde a religião é vista como uma possibilidade de
conscientizá-los ao respeito e a tolerância religiosa.

Na sétima questão perguntamos: Se você lecionasse o Ensino Religioso que conteúdo você
trabalharia? Dos 20 respondentes, 7 disseram que trabalhariam a história das religiões levando
seus alunos ao conhecimento das religiões que fazem parte da nossa história e formação
cultural, 6 falaram que trabalhariam a questão do respeito ao próximo, ou seja, o Ensino
Religioso agregado aos valores, 4 disseram que falariam da Bíblia e da fé, o que nos leva a
acreditar que ocorreria um ensino tendencioso, o Ensino a serviço da religião e 2 não
responderam. Podemos observar pelas respostas ao questionário que o grupo de respondentes
aliam as suas opiniões com a necessidade de desenvolver melhor essa temática durante a sua
formação no Curso de Pedagogia. Isso nos faz entender que, um dos fatores primordiais para
que possamos trabalhar o Ensino Religioso com os alunos na sala de aula, é trabalharmos isso
antes na nossa formação com debates, seminários entre outros. Para que assim o pedagogo se
sinta no mínimo seguro para trabalhar com seus alunos.

CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho de conclusão de curso é analisar a importância do Ensino


Religioso no contexto escolar como um todo, sua utilização no ensino-aprendizagem e sua
contribuição para o desenvolvimento integral dos alunos. O interesse por esta temática surgiu
a partir das vivências profissional e pessoal, além de reflexões que ocorreram durante o período
da graduação bem como os estágios obrigatórios realizados.

Ao longo do referencial teórico, pude perceber que o Ensino Religioso é um dos meios
pelo qual os docentes com seus alunos podem construir e solidificar o conhecimento,
promovendo a necessidade de interagir entre si.
Conhecer a história da religião e o quanto sua contribuição é importante para a formação pessoal
do ser humano, é muito bom, saber que esta contribui significativamente com a educação, é
melhor ainda.
Durante esta pesquisa foi discutida e questionada a importância do papel do Ensino
Religioso na Educação. Pude perceber durante a pesquisa que o conhecimento sobre o assunto
ainda é algo muito distante da nossa realidade, pois quando se trata de religião no Brasil parece
estarmos transitando por caminhos perigosos e desnecessário.
Vale ressaltar que muitos professores quando surpreendidos com a responsabilidade de
ter que lecionar a disciplina de Ensino Religioso e sobre como trabalhar com elementos da
religião na escola, acabem criando suas próprias referências e concepções de acordo com o que
lhes parece convenientes, uma conveniência muitas vezes um tanto quanto perigosa, o que nos
indica que devemos o quanto antes trabalhar com nossos futuros professores esta questão tão
relevante e por meio da formação continuada trazer a discussão àqueles que já são professores
a fim de prepara-los para esta realidade. Caso contrário continuaremos com as dificuldades que
temos encontrado brasil a fora quanto a este assunto, dificuldades estas que faze alunos e
professores continuarem tão distantes desta temática, completamente avessos ao Ensino
Religioso, talvez seja pelo fato da religião no Brasil ser algo tão “político partidário” que faz as
pessoas acreditarem que ela não seja necessária. Desde o período em que o Ensino Religioso
estava a cargo da Companhia de Jesus, Societas Iesu116, a qual tinha compromissos com a Coroa
Real Portuguesa e não com o ser humano como de fato deveria ser, pois a verdadeira religião é
aquela que cuida das pessoas, que desenvolveu-se nos brasileiros esse sentimento avesso a
religião.
Um verso de Guerra Junqueiro (1885), que era um Realista, e que falava em nome da
camada popular, nos faz entender este sentimento. Talvez a muita corrupção, além dos
escândalos por parte de religiosos de vários seguimentos, tenha deixado as pessoas
desacreditadas do religioso como um todo, e por isso julgam-na desnecessária.
“Ó Jesuítas, vos sois dum faro tão astuto, Tendes tal corrupção e tal velhacaria, Que é
incrível até que o filho de Maria, Não seja inda velhaco e não seja corrupto, Andando há tanto
tempo em tão má companhia”.

(Junqueiro, 1885, pg.36).

Com tudo isso o Ensino Religioso passou a sofrer este descrédito com o “declínio” das
religiões ocasionadas por religiosos que de forma irresponsável conduziram esta parte tão rica
e tão sublime da nossa história. Sabemos que isso não justifica tal equívoco, mais com certeza

116
Companhia de Jesus
A ordem católica romana do clero regular, fundada por Santo Inácio de Loyola, em 1534, que está fortemente
comprometida com a educação, a bolsa de estudos teológicos, e trabalho missionário.
nos ajuda a entender um pouco o motivo que leva o Ensino Religioso a ser tão discutido nos
dias atuais e ao final de cada discussão observarmos que seu desfecho não chega a lugar
nenhum.

É relevante mencionar que assim como as demais disciplinas o Ensino Religioso


proporciona um desenvolvimento sadio e harmonioso dentro e fora das escolas, desde que não
seja aplicado de forma tendenciosa. E sim, levando alunos e professores aos conhecimentos
históricos das religiões em seus diversos aspectos, trabalhando a questão do respeito a pessoa
do outro, empatia bem como desenvolvendo no ser humano a capacidade de amar, perdoar,
conviver, pois ainda que a escola seja por excelência um espaço de educação formal, pode
perfeitamente se fazer presente outras estratégias e conteúdos educativos, devido a tão grande
diversidade de metodologias que podem ser utilizadas em sala de aula hoje e das relações
interpessoais que acontecem diariamente em um ambiente como este.
Sabemos que não é o Ensino Religioso o responsável por despertar esses sentimentos
nobre nas pessoas, mais com certeza é um meio de fortalecer tal sentimento e abrir novos
caminhos para uma visão mais ampliada.

REFERÊNCIAS

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__________ Conversa com quem gosta de ensinar. Campinas: SP, Papiro Editora, 2012
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TULER, Marcos. Manual do professor de Escola Dominical – Didática aplicada à realidade
do Ensino Cristão. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.
O ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL-PAÍS LAICO

Caroline Justino de Vasconcelos117

RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar um breve itinerário da formação religiosa do povo
brasileiro e a atual diversidade religiosa, tal formação passou por modelos catequéticos e
teológicos até chegar à atualidade, na qual vive uma celeuma. Por conseguinte, é apresentado a
relação entre a religião e o Brasil (país laico), com o propósito de entender como se dá o
contexto brasileiro de transformações do Ensino Religioso, o que é possibilitado através da
recuperação da história dessa disciplina.

PALAVRAS-CHAVES: Ensino Religioso; Estado Laico; Diversidade Religiosa no Brasil.

Introdução
O Ensino Religioso (ER) é uma realidade no currículo das escolas públicas de ensino
fundamental no Brasil em conformidade com a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional em vigor. Alvo de muitos estudos e debates ao longo do tempo,
essa disciplina ainda hoje, se apresenta como um problema nas escolas, que envolve entre tantos
aspectos, a relação entre religião e educação e o caráter laico do Estado.
Nesse sentido, “o ensino religioso é mais do que aparenta ser, isto é, um componente
curricular em escolas. Por trás dele se oculta uma dialética entre secularização e laicidade no
interior de contextos históricos e culturais precisos” (CURY, 2004, p. 183). Assim, discutir o
ER que se apresenta nas escolas
públicas brasileiras em nossos dias e sua relação com o Estado laico, é antes de tudo, refletir
sobre o processo histórico que envolve esse ensino, a educação e a própria história do Brasil
que sinaliza essa relação intricada e polêmica.

Breve relato da formação religiosa do povo brasileiro e a atual diversidade religiosa

O atual quadro brasileiro em relação à diversidade religiosa começou a ser formado com
a “descoberta” do país, na qual o “primeiro” ato cívico registrado foi a cerimônia religiosa euro-
cristã: a Missa, realizada para os indígenas na Bahia (KOURY, 2017). Dessa forma, o

117
Aluna do Programa de Iniciação Científica do Bacharelado em Direito na Universidade Católica de
Pernambuco. <caroljustino@icloud.com>
instrumento propagador do catolicismo torna-se a cultura lusa, ainda que, os indígenas e, em
seguida, os negros fossem maiorias no Brasil, esses só podiam expressar seus valores religiosos
através da fé Católica. Em última análise, cristianizá-los (índios e negros) significava
aportuguesá-los (AZZI, 1981).
Nesse contexto, a Igreja Católica desempenhou um papel fundamental na formação do
preconceito religioso em relação às religiões de matrizes africanas e indígenas. Isso porque a
Igreja era revestida de um espírito de superioridade por ser a religião oficial do território
brasileiro (1500-1889), o que influenciava, principalmente, em questões econômicas e políticas.
Assim, o projeto de aportuguesamento foi efetuado através da Catequese Católica, pois ela
serviu de apoio e justificativa para o projeto colonizador. Em geral, a Igreja esteve em serviço
da Coroa estando subserviente ao Estado Português (BITTENCOURT FILHO, 2003).
Por conseguinte, a maior convivência e o contato com outras crenças entre o índio, o
negro e o branco resultaram no choque/ divergências de crenças e no medo pelo desconhecido.
Nessa perspectiva, com os índios, nos aldeamentos e reduções, as primeiras alianças dos
religiosos foram com os pajés, até absorver deles toda a sabedoria do manuseio das ervas nativas
(desconhecidas para o mundo europeu). Mas, após os padres terem recebido os conhecimentos
dos nativos, iniciou-se o processo de: demonização e desmoralização de quem representava
para tribo a sabedoria local; e associação à bruxaria. Com os negros, não foi diferente, pois a
Catequese se resumia ao Batismo obrigatório e ao castigo exemplar; e suas religiões nem sequer
eram consideradas como tal, mas sim, como diversão, sendo depois rapidamente associadas ao
mal, à feitiçaria. Tamanhas atrocidades deixaram heranças como o preconceito, o racismo e a
desigualdade social (KOURY, 2017).
Assim, brevemente, foi explicitada a formação religiosa primária do povo brasileiro, o
qual se tornou católico por imposição. Foram esses cristãos que colocaram na formação do povo
brasileiro esse sentimento de ninguendade, esse desconhecimento do outro, essa negação de
qualquer relação com o transcendente que não fosse aquela mediada pela Igreja Católica
(LEITE, 2011).
Tal contexto histórico foi decisivo na formação do quadro atual do Brasil, pois segundo
o Censo feito pelo IBGE (2010), observou-se que: Católica Apostólica Romana (64,6%),
Evangélicas (22,2%), Espírita (2%), Umbanda e Candomblé (0,3%), sem religião (8%), outras
religiosidades (2,7%), de acordo com o Censo levantado pelo IBGE no ano de 2010. Na prática,
há um grande sincretismo e a vivência de múltiplas pertenças religiosas, mas, oficialmente, esse
é o relato a respeito das religiões mais praticadas no Brasil.
A religião no Brasil-Estado laico

A desproporção entre cristãos (maioria da população brasileira) e seguidores de religiões


tidas como “minoritárias” é, atualmente, visível, além das pessoas sem religiões e ateus
(CENTRO DE REFERÊNCIA EM DIREITOS HUMANOS DO DISTRITO FEDERAL,
2013). Mas, desde a primeira República que o Brasil é um Estado oficialmente/ formalmente
laico. Durante o governo republicano provisório foi instaurada a separação entre a Igreja e o
Estado, pelo Decreto 119-A, em 1890, que foi confirmado pela primeira Constituição
republicana de 1891 (AQUINO, 2012). Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988,
ratificou:

Artigo 5º, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado


o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
cultos e suas liturgias.
Artigo 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I-
estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público (BRASIL,
1988).

A fim de uma interpretação conforme a Constituição é indispensável relatar alguns


compromissos assumidos pela República Federativa, com o intuito de compreender o escopo/
arcabouço formado para a concretização do objetivo fundamental da República: construir uma
sociedade livre, justa e solidária, promover a igualdade e o bem-estar de todas as pessoas sem
preconceitos de origem, raça, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação, garantir a liberdade de expressão, convicção e crença
e a prevalência dos direitos humanos são fundamentos
básicos da Constituição Federal brasileira (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO
PÚBLICO, 2016).
A Declaração Universal de Direitos Humanos, depois da II Guerra Mundial, em 1948,
no Artigo 13, estabeleceu:

Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este


direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar
essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada
ou coletivamente, em público ou em particular (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS, 1948).

A Organização das Nações Unidas, em 1966, adotou o Pacto Internacional Sobre os


Direitos Civis e Políticos (PIDCP), o qual trata a respeito dos direitos de primeira geração; em
1978, publicou a Declaração Sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, proclamada pela
Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura; e,
em 1981, publicou a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e
discriminação fundadas na religião ou nas convicções; sendo o Brasil signatário desse Pacto e
dessas Declarações, que tratam sobre os Direitos Humanos.
A Constituição Federal de 1988 a fim de que tais Direitos Humanos recebessem a
garantia de Direito Fundamental, ratificou-os ao estabelecer:

Artigo 5°, § 1° - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm


aplicação imediata. § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º - Os
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados,
em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (BRASIL,
1988).

A Lei n° 7.716 de 1989, conhecida como Lei de Caó, elevou atos de intolerância
religiosa à categoria de crime, passível de punição de um a três anos de reclusão e multa. Foi
revogada pela Lei 9.459 de 1997, determinando:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça,
cor, etnia, religião ou procedência nacional (BRASIL, 1997).

A Organização das Nações Unidas estabeleceu, em 1992, na Declaração Sobre os


Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou étnicas, Religiosas e Linguísticas; e
aprovou na Conferência Geral da Unesco a Declaração de Princípios sobre a Tolerância, em
1995. O Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-2), de 1996, previu a necessidade
de prevenir e combater a intolerância religiosa, inclusive no que diz respeito às religiões
minoritárias e aos cultos afro-brasileiros. E o PNDH-3, de 2009, preocupado com a intolerância
religiosa, a discriminação e o racismo em relação às religiões de matriz africana, visou em seu
Objetivo Estratégico: estabelecer o ensino da diversidade das religiões, inclusive as derivadas
de matriz africana na rede pública de ensino, com ênfase no reconhecimento das diferenças
culturais, promoção da tolerância e na afirmação da laicidade do Estado.

O Estatuto da Igualdade Racial de 2010, estabeleceu:


Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à
população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos
étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais
formas de intolerância étnica.
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:
I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou
preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que
tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em
igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos
político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou
privada;
II - desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e
fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude
de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; (BRASIL, 2010).

Tal aparato de Declarações, Pactos, Convenções, Estatuto e Leis ratificam que o Estado
brasileiro é, em tese, neutro e imparcial. É importante ressaltar, que imparcial e neutro não
significa dizer que o Estado seja ateu ou ateísta, isso porque lhe é proibido firmar posição ou
tomar partido em relação a qualquer orientação religiosa. Tampouco laicidade se confunde com
laicismo, isto é, o Estado não é contra o pensamento religioso, dessa forma, o mesmo não almeja
diminuir ou erradicar a vida religiosa na esfera social (LEITE, 2011).
Contudo, a intolerância religiosa permanece viva em todos os ambientes, fundamentada,
em geral, pelo eurocentrismo cristão. Dessa forma, a formalização jurídico-constitucional do
Estado laico e da liberdade religiosa não tem assegurado, na prática, igual garantia a todas as
religiões. Tal prática consiste na não aceitação e reconhecimento étnico de um povo por um
grupo ou sociedade que não respeita a cresça, a cultura, os traços étnicos e as religiosidades
daqueles que são diferentes (SILVA, 2007).
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República recebe, no Disque
Direitos Humanos (100), muitas denúncias de intolerância e violência religiosa de diversas
partes do Brasil, e registrou-se que a maior parte dos crimes de intolerância são cometidos por
pessoas que se dizem religiosas e não por ateus (AMORIM, 2016). Tais denúncias se
caracterizam desde ofensas pessoais e contra a religiosidade, discriminação, agressão física,
ataques e destruição a locais sagrados. E há também o preconceito e a intolerância religiosa
contra as pessoas sem religião, agnósticas ou ateias.
Com efeito, no quadro atual, o Brasil tem experimentado graves ofensas ao Estado laico:
decretos municipais que tornam obrigatórias orações e leitura da Bíblia nas escolas públicas;
prefeitos que decretam a entrega das chaves da
cidade a Deus; parlamentares que instalam símbolos religiosos nas casas legislativas. Tais ações
demonstram que os agentes públicos possuem mais compromisso com sua crença pessoal do
que com valores republicanos e os direitos fundamentais dos cidadãos, o que, a rigor, vem
permitindo a institucionalização do racismo religioso e encorajando segregações e perseguições
praticadas “em nome de Deus” (LOREA, 2008).
As religiões afro-brasileiras são as principais vítimas dessa intolerância. Terreiros de
Umbanda e de Candomblé são os locais de culto das religiões de matriz africana. São, portanto,
tão sagrados quanto qualquer outro templo, de qualquer religião. E, no entanto, esses terreiros
têm sofrido constantes ataques em diversos pontos do Brasil. Objetos de cultos são destruídos,
seguidores de Umbanda e Candomblé chamados de “adoradores do diabo” e suas celebrações
e festas religiosas interrompidas, de forma desrespeitosa, por pessoas de outras religiões
(SILVA, 2007). Tais acontecimentos, além de outros, são frutos do mesmo processo de
tensionamento da laicidade do Estado.
É essencial ressaltar que intolerância religiosa reside também sob a Justiça, isso porque
há intolerância religiosa na Jurisprudência brasileira. Tal fato é evidenciado com as divergências
do Tribunal a respeito do tratamento da mesma questão: assédio moral no trabalho por
motivação de cunho religioso.
Em muitos casos, considera-se a questão como apenas um mero aborrecimento e não algo que
viola a integridade e a liberdade do indivíduo. Essa discrepância nas decisões faz com que fique
evidente a dificuldade do Judiciário no tratamento da questão e a urgente necessidade de
construção de padrões decisórios, com uso de técnica jurídica coerente para conferir a melhor
solução para o conflito religioso.
Desse modo, a liberdade religiosa como uma liberdade específica deve ser devidamente
reconhecida quando posta em risco em um conflito normativo, devendo ser avaliada a sua
dimensão jusfundamental pelo magistrado. O direito à liberdade de crença, culto e consciência
é uma das reivindicações mais antigas dos indivíduos, principalmente, diante do histórico
mundial de perseguições e atrocidades cometidas em nome de religião (GUIMARÃES, 2017).

Contexto brasileiro das transformações do ensino religioso


O Brasil no seu processo de formação efetuou lentamente alterações no Ensino Religioso em
consequência do desenvolvimento do Estado, de sua auto compreensão, e também em vista das opções
políticas (RANQUETA T JÚNIOR, 2008).
No Brasil Colônia e no Brasil Império, o ensino era promovido pela Companhia de Jesus- os
jesuítas, a qual visava a evangelização, e assim, aportuguesamento dos gentios, tudo isso por meio da
Catequese Católica. Depois da expulsão dos jesuítas houve a reforma Pombalina, mas o ensino da
religião continuou com o mesmo fim catequético. Ainda na Monarquia, paulatinamente, são criadas
universidades, e o Ensino Religioso passa a ter caráter mais privativo e doméstico efetivando o
sincretismo religioso, assim, desenvolve-se como Ensino Religioso o ensino da Religião. No Império, o
Catolicismo é a religião oficial de acordo com a Constituição de 1824 no Artigo 5° (BRASIL, 1824).
Em 1889 com Proclamação da República, e a posteriori com a Constituição de 1891 é disposto
que o ensino público seria de caráter leigo, tal modificação não agradou a Igreja Católica, que toma
posição de defesa da liberdade religiosa. Nesse contexto, a Constituição de 1934, no Artigo 153, dispõe:

O ensino religioso será de frequência facultativa e ministrado de acordo com os


princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e
constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias,
profissionais e normais (BRASIL, 1934).

Tal dispositivo legal garantiu o Ensino Religioso nas escolas, mas, de fato, houve a continuidade
do tratamento que viabiliza o crescimento da descriminação de caráter religiosa. É nesse contexto que
se construiu o arcabouço do cenário de crise de 1965: “o ensino religioso perdeu sua função catequética,
pois a escola descobre-se como instituição autônoma que se rege por seus próprios princípios e objetivos,
na área da cultura, do saber e da educação” (JUNQUEIRA, 2011).
Em 1988, foi promulgada uma nova Constituição, na qual houve grande cautela no processo de
redação da Lei de Diretrizes e Bases em relação ao Ensino Religioso a fim da construção da nova
concepção de ensino religioso, e termino da associação com a catequese. A LDB, em 1996, foi
sancionada pela Lei n°9.394, dispondo:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para
os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por
seus responsáveis, em caráter: I - confessional, de acordo com a opção religiosa do
aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos
preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou II -
interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se
responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa (LDB, 1934).

A expressão “sem ônus para os cofres públicos” suscitou bastantes discussões, todas embasadas
no argumento da “separação Estado e Igreja” (JAMIL CURY, 2004). Nesse contexto, foi aprovada no
Senado Federal a Lei n°9.475/1997 que diz respeito sobre Ensino Religioso, a qual dispõe:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os
sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso
e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas,
para a definição dos conteúdos do ensino religioso (BRASIL, 1997).

Na sociedade contemporânea, ainda há muitas controvérsias quando se trata da questão da


Diversidade Religiosa no Brasil, principalmente no posicionamento e no imaginário das pessoas. A
formação religiosa numa determinada confissão não é função da escola nas sociedades plurais e
democráticas. Assim, a escola, como instituição social, responsável pela formação dos sujeitos, tem
como um dos papéis fundamentais a transmissão da cultura e do conhecimento, sendo imprescindível
em sua abordagem questões acerca da diversidade cultural religiosa (GARCIA, 2009). O Ministério da
Educação na proposta da Base Nacional Comum Curricular, em 2016, dispõe:

O Ensino Religioso, articulado às demais áreas e componentes curriculares do Ensino


fundamental, tem como objetivo de estudo o conhecimento religioso produzido no
âmbito das culturas e tradições religiosas (indígenas, africanas, afro-brasileiras,
judaico, cristã e islâmica, espíritas, hindus, chinesas, japonesas, semitas, movimentos
místicos, esotéricos, entre outros), e os conhecimentos não-religiosos (ateísmo,
agnosticismo, materialismo, ceticismo, entre outros), assumindo a pergunta, a
pesquisa e o diálogo como princípios metodológicos orientadores dos processos de
observação, identificação, análise, apropriação e ressignificação dos saberes,
organizando-se a partir das seguintes perspectivas: 1.Identidades e Diferenças:
abordar o caráter subjetivo e singular do humano a partir do estudo da corporeidade,
alteridade, dignidade, imacência-transcendência, religiosidade, subjetividade,
territorialidade, relações interculturais e de bem-viver. 2.Conhecimentos dos
fenômenos religiosos/ não religiosos: contempla os aspectos que estruturam as
culturas e tradições/movimentos religiosos, a partir do estudo dos mitos, ritos,
símbolos, ideias de divindades, crenças, textos orais e escritos, doutrinas, literaturas,
valores e princípios religiosos. Incluem-se ainda, as convicções, filosofias e
perspectivas seculares de vida. 3.Ideias e Práticas religiosas/não religiosas: aborda as
experiências e manifestações religiosas nos espaços e territórios; as práticas
celebrativas, simbólicas, rituais, artísticas, espirituais; a atuação das lideranças
religiosas; as instituições religiosas e suas relações com a cultura, políticas, economia,
saúde, ciência, tecnologias, meio ambiente, questões de gênero, entre outros
(BRASIL, 2016).

Nesse contexto, de alterações do Ensino Religioso em vista das modificações do Estado e da


sociedade, que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439 foi impetrada, em 2017, com o intuito
de que o Supremo Tribunal Federal (STF) assentasse que o Ensino Religioso nas Escolas Públicas não
fosse de caráter confessional, e com a proibição de admissão de professores na qualidade de
representantes das confissões religiosas. Todavia, o STF julgou improcedente a ADI, sendo majoritária
a ideia de que a laicidade do Estado brasileiro não impediu o reconhecimento de que a liberdade religiosa
impôs deveres ao Estado, um dos quais a oferta de Ensino Religioso com a facultatividade de opção por
ele (BRASIL, 2017). Dessa forma, é notório as dificuldades que na atualidade ainda vigoram em relação
a prática do Ensino Religioso nas Escolas Públicas.

Considerações Finais:
Inicialmente, foi tratado sobre a formação religiosa primária do povo brasileiro, o qual se tornou
católico por imposição. Imposição que implicou na disposição dos dados quantitativos a respeito das
religiões mais praticadas no Brasil. Isso porque houve uma nítida discrepância entre cristãos e os adeptos
das demais religiões.
Por conseguinte, foi citado, brevemente, a evolução histórica dos dispositivos legais em defesa
dos Direitos Humanos em relação à liberdade religiosa. É necessário ressaltar que as melhoras já
alcançadas por meio da conquista da promulgação de textos legais ainda não é o suficiente, isso porque
ainda há um cenário vivo em relação a intolerância religiosa.
Por fim, tratou-se do cerne deste estudo: Ensino Religioso no Brasil. Para além da polêmica
dicotômica existente, no campo acadêmico, entre ser a favor ou contra a disciplina Ensino Religioso nas
escolas públicas, este texto viabiliza a compreensão da complexidade da questão e sinaliza que essa luta,
muitas vezes, deixa de perceber as relações interpessoais entre professores e alunos. Como portadores
de uma religiosidade, os professores levam esse elemento para sua relação profissional, para a troca com
alunos e para interpretação dos conteúdos abordados na disciplina por eles ministrada.
Ademais, é aconselhável que a problemática da questão religiosa seja tratada nos cursos de
formação de professores, mesmo daqueles que não trabalharão diretamente com a disciplina de Ensino
Religioso. A fim de que a reflexão sociológica sobre a interface entre religião/ religiosidade e educação
possa lhes promover uma liberdade reflexiva para uma prática docente mais responsável e mais
consciente. Além disso, essa formação diversifica os recursos pedagógicos para promover a tolerância
e o respeito à crença dos outros em momentos em que há conflitos em sala de aula, e nos mais diversos
ambientes de convivência social.

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O EROTISMO E A DEVOÇÃO NAS ENTRELINHAS POÉTICAS: AS PRODUÇÕES
LITERÁRIAS DAS IRMÃS DE CARIDADE NO SÉCULO XIX

Noemia Dayana de Oliveira – PPGH/UFCG

RESUMO: As Casas de Caridade foram espaços de convivência de mulheres e órfãs religiosas


instruídas pelo Padre Ibiapina durante a segunda metade do século XIX. Nelas, as práticas
educativas combinavam o trabalho e as habilidades artísticas, afim de (re)inserir socialmente esta
minoria. Depois do aprendizado das “primeiras letras”, as internes passavam a desenvolver
trabalhos manuais para o sustento da casa, mas sem abandonar a escrita e a atuação teatral. Diante
disso, analisaremos as produções literárias – por meio das ferramentas teórico-metodológicas do
Contextualismo Linguístico – publicadas no jornal A Voz da Religião no Cariri, que transgrediu a
ordem religiosa vigente, divulgando o resultado da devoção e do meticuloso erotismo nas escritas
femininas.

PALAVRAS-CHAVE: Padre Ibiapina; Irmãs de Caridade; religião; literatura; transgressão.

INTRODUÇÃO
O presente artigo é fruto das pesquisas acerca do cotidiano das mulheres internas das Casas
de Caridade, mais especificamente a produção literária das Irmãs de Caridade, as quais viviam em
instituições educacionais organizadas pelo padre José Antônio de Maria Ibiapina, que instruía as
órfãs ao matrimônio, o que geralmente não acontecia nas instituições católicas do século XIX que
eram majoritariamente direcionadas à vida conventual. Destacamos as atividades realizadas pelas
educandas, diretamente influenciadas pelas instruções e ideologias de Ibiapina, a exemplo do
incentivo a escrita de poemas, peças teatrais e textos narrativos, divulgados pelo jornal A Voz da
Religião no Cariri, editado pelo próprio padre-mestre. Ao contrário disso, essas mulheres seriam
limitadas pelos seus superiores, uma vez que a viabilidade de publicação era dificultada pelas
questões da época (gênero e financeiro).
Com o avanço das pesquisas, verificamos a extensão de informações que existem sobre as
Casas de Caridade, sobre o padre Ibiapina e sobre todos os que estiveram direta ou indiretamente
ligados a ele durante sua jornada. Contudo, as pesquisas realizadas apontavam na direção de um
personagem mitificado, ilhado na sua experiência missionária, como se ela tivesse sido a única de
sua vida profissional e pessoal. Diante disso, nos desafiamos a buscar pelas influências intelectuais
de Ibiapina, como elas se processaram e qual era a sua rede de sociabilidade no Ceará, na Paraíba,
no Pernambuco e nos diversos lugares por onde transitou na sua juventude, período em que se
formou bacharel em Direito, advogou, foi político, professor e juiz. A partir disso, nos indagamos
até onde se estendeu sua ação missionária e como ela poderia ter ligações com o seu passado secular.
Resolvemos então observar as produções literárias produzidas pelas Irmãs de Caridade, com o
intuito de reconhecer nelas a interferência ideológica de Ibiapina.
Para tanto, iniciamos a investigação nas vinte e duas casas presente em cinco principais
províncias do Nordeste – Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí –, todas
mantidas pela arrecadação de esmolas feita pelos beatos ou a doação de homens e mulheres
influentes nas regiões onde funcionavam essas instituições. Inclusive, a terra e os imóveis onde se
localizava esse projeto foram frutos de concessões feitas ao padre Ibiapina, um homem que possuía
considerável rede de sociabilidades influentes, bem como projeção política e jurídica num período
que antecede a década de 1860.
Por sua vez, as mulheres que estavam ligadas as Casas de Caridade eram de origem pobre
e não vislumbravam oportunidades educacionais e/ou profissionais nas localidades em que viviam.
O interior nordestino no século XIX era carente de incentivo econômico e, de acordo com as
condições miseráveis em que estavam condenados os seus habitantes, a instrução intelectual não
aparecia como uma ferramenta necessária para sobrevivência. Além disso, a realidade apontava
para o patriarcalismo, onde massivamente os homens ocupavam os cargos dos afazeres públicos,
portanto, precisavam ter maior instrução, e as mulheres eram relegadas as tarefas privadas, que
preliminarmente não exigia a alfabetização ou qualquer outro conhecimento letrado.
Com o incentivo dessas casas parte das meninas órfãs que antes eram direcionadas aos
conventos, aos prostíbulos e até mesmo atingidas pela morte, puderam contar com oportunidade de
se alfabetizar, de se especializar em trabalhos manuais e a partir daí decidir entre o matrimônio
realizado e financiado por essas instituições ou permanecer na organização desses espaços, o qual
oferecia as atividades de professora, cozinheira, porteira, superiora, vice-superiora, inspetora,
zeladora, secretária, roupeira, enfermeira e corista. Além das meninas, as casas também recebiam
mulheres mais velhas para compor o quadro interno de atividades, que se renovava e passava a
comportar as próprias aprendizes.
O impulso e a expansão das obras do padre Ibiapina não obedeceu aos limites fronteiriços
das províncias do Nordeste, o que ocasionou impacto na vida de muitos pobres relegados pelos
projetos sociopolíticos do Império brasileiro. A chegada da educação – ferramenta encarada pelo
projeto das casas não somente pela dimensão escolar, mas principalmente pela formação e
emancipação humana – nessa região marginalizada, viabilizou a inserção social e econômica, ainda
que de forma tímida, de muitos sujeitos através dos conhecimentos adquiridos e das oportunidades
viabilizadas por intermédio do padre Ibiapina.
Em fins do século XIX, a consolidação das Casas de Caridade se dava, sobretudo, pelo
empenho de um conjunto amplo de mulheres que administravam essas instituições, limitando
significativamente o poder dos beatos em qualquer dimensão do projeto, seja interna ou
externamente. Por isso, os cargos institucionais eram ocupados em totalidade pelas irmãs da
caridade, as quais possuíam formação para cumprir os cargos a que estavam destinadas, assim como
emancipadas para fazer valer as suas autoridades diante da ameaça do modelo vigente da sociedade
e das regras oficiais da Igreja Católica.
Portanto, o perfil intelectual das Irmãs de Caridade pode ser analisado, entre outras coisas,
através das produções literárias que não só proporcionam reflexões estéticas acerca do texto, mas
amplia-se a observação em direção ao contexto, a linguagem, ao público e as influências que as
fizeram desenvolver essas obras (POCOCK, 2003). Nesse sentido, esses poemas-documento,
priorizados nas presentes análises, nos viabilizaram uma concepção diferenciada das beatas, as
quais ultrapassaram a esfera do sagrado, elemento próprio do ambiente em que estavam inseridas,
para a vivência literária corporificada do divino, ganhando publicidade por meio do já mencionado
jornal A Voz da Religião no Cariri.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A perspectiva geral que serve para as teorizações da tematização proposta está no
reconhecido protagonismo da religião como objeto de investigação histórica. A história das
religiões analisa as religiões quanto ao seu desenvolvimento histórico e variações, notadamente os
fatos religiosos, originalmente interessada pela origem e desenvolvimento das crenças e ideias
religiosas, buscando no estudo dos povos antigos a possibilidade de caracterizar a religião, no
singular.
Atualmente se tem evidenciado a necessidade de repensar o método, com a implicação
indissociável de uma clara problematização do objeto, que inclui a questão dos apriorismos e
reducionismos, as possibilidades/impossibilidades de descrições e compreensões valorativas, a
compreensão do significado das autonomias e singularidades da religião, e o significado social e
cultural da religião.
Definir religião é impossível fora das formas concretas de existência histórica nas quais se
manifestou, porque toda definição é aproximativa, exigindo uma descrição do homem em relação a
uma alteridade, permanecendo no debate a pergunta acerca do que seria esta alteridade, traduzindo
a relevância do saber histórico sobre as religiões.
Desde as iniciativas da Escola de Chicago, com os estudos de Joachim Walch (1929
passim), emergiu a compreensão de que a religião não estava cativa de formas culturais particulares,
mas afeitas a um substrato profundo de uma antropologia que busca um pretendido homus
religiosus, adotando uma tipologia das formas religiosas de caráter descritivo e paradigmático,
ainda operativa, depois acrescida de novas abordagens multidisciplinares que evidenciam a
totalidade do homem, na direção de uma leitura intra-religiosa, e, com a antropologia, propondo a
compreensão da religião em função da cultura (Geertz), subsumindo aportes filosóficos ou
teológicos, que buscam um entendimento da religião relacionado ao social.
Na contemporaneidade o estabelecimento de um estatuto epistemológico para religião
permanece em construção, em torno de fenômenos como a secularização, a esfera do privado, a
relativização, que não deixa de operar no binômio dessecularização/pública,
absolutização/fundamentalismo, sendo para muitos a religião, uma seção da história social ou
cultural.
A ampliação das exigências de não mais ignorar o fenômeno religioso em função de uma
manifesto e crescente significado existencial, social, cultural e político, expresso nas práticas sociais
e seus conflitos, onde a dimensão religiosa emerge constituindo-se em instrumento de ordenação
da realidade, enquanto, lugar, produto e fator ativo desta. Segundo Gomes,

O religioso é um objeto específico, não se pode diluí-lo numa história econômica ou


social como acontecia nas décadas de 60 e 70 ou como ocorre, às vezes, na atualidade
quando a história das mentalidades ou a história cultural têm ambição de englobar,
sem mais, a História religiosa (GOMES, 2002, p.17).

Com a emergência da história das mentalidades e da história cultural, os medievalistas


depois seguidos pelos modernos, começaram a adotar a longa duração como instrumento de
investigação buscando articular relações entre instrumentos de crença, espera, valor e sonho.

Enquanto enfraquecia progressivamente a demanda pela história econômica e social,


a história cultural produz hoje mil novidades e é anunciada como a história de amanhã.
Na realidade, a história cultural que hoje se produz convém a um tempo de
desencantamento. Na história cultural, os nossos contemporâneos pensam poder
encontrar respostas satisfatórias para as suas perguntas fundamentais, esperam dela
uma abordagem global, pedem-lhe que esclareça o sentido do nosso tempo e a
evolução que a ela nos trouxe. Está, pois, em jogo a nossa identidade coletiva
enquanto humanidade (Ibid. p. 18).

A novidade da história cultural a partir dos anos 80 “está na onipresença, nos novos objetos,
nas novas problemáticas, nas novas abordagens para as antigas questões” (Ibid., p. 18). Todavia, as
especificidades do estudo da história das religiões ainda requerem que apontemos sua emergência.

As relações entre história cultural e história religiosa são complexas. As duas


disciplinas tiveram, cada uma no seu ritmo próprio, a sua evolução. A história
religiosa conheceu no último meio século um importante desenvolvimento,
adquirindo, na medida em que saiu das esferas confessionais e eclesiásticas, uma forte
legitimidade científica e universitária. A história cultural desenvolveu-se depois da
História Religiosa, em certos casos por iniciativa de historiadores que praticavam as
duas disciplinas. Na atualidade, não poucos historiadores desejam englobar a história
religiosa na história cultural. Esta estrita imbricação [história cultural e das religiões]
não tem aceitação unânime.
A nova história religiosa tenta responder as novas questões colocadas por outros
campos da história, multiplicando, desta forma, novos objetos, novas problemáticas,
novas abordagens, novas temáticas, nova metodologia e novas epistemologias.
Os estudos comparativos são hoje uma solicitação vinda do mundo que se globaliza e
que busca ver a humanidade unificada e pacificada em escala mundial (Id. p. 18, 22).

Contemporaneamente, o estudo da história das religiões tende a realçar a importância de


voltar-se para insurgências e ressurgências, quebrando monopólios simbólicos e dualidades como
tradicional/moderno, erudito/popular, magia/religião, igreja/seita, uma vez que já superamos a
compreensão da religião que se voltava para os povos antigos e entendia o fenômeno religioso como
passado a ser superado ou sobrepujado pela afirmação da racionalidade para estabelecer a busca
da compreensão do fenômeno de uma perspectiva científica, através de uma transdisciplinaridade
(que estendeu os estudos comparativos) não restrita a limites epistemológicos de cada saber.

METODOLOGIA
A pesquisa constituiu-se de análise documental, a qual aportou nos métodos consagrados
pela bibliografia para o seu devido tratamento. Para tanto, os procedimentos dividiram-se em
revisão bibliográfica, constituição de um corpus documental, classificação das fontes e, por fim, a
análise estética dos poemas, sem perder de vista o contexto histórico de sua autoria.
O primeiro momento constituiu-se da revisão bibliográfica, cujo objetivo era o de analisar
o perfil diferenciado do padre Ibiapina, a partir do seu trabalho missionário desenvolvido na
segunda metade do século XIX. Nesse sentido, estudamos inicialmente as biografias existentes
sobre esse personagem, que reafirmavam o lugar de líder religioso, desconsiderando as outras
inserções sociais, igualmente necessárias para a compreensão da sua militância, das suas ideias e
da sua projeção social. Em seguida, ampliamos o universo de leituras para o contexto em que esteve
inserido Ibiapina, isto é, o Nordeste oitocentista, lugar carente de iniciativas políticas para a
educação, a miséria, as mulheres, os órfãos, etc. Ao final dessa etapa iniciamos as leituras acerca
da História das Religiões, que conduziu as reflexões para o entendimento da Religião como uma
função da cultura, excluindo definitivamente a possibilidade de estudar o missionário apenas como
um fenômeno unicamente caridoso, construção identitária limitada, que adveio dos escritos
biográficos.
Além disso, investigamos a biografia das Irmãs da Caridade através dos escritos contidos
no jornal A Voz da Religião no Cariri, o qual publicou os poemas e as histórias de vida dessas
mulheres, e d’As Crônicas das Casas de Caridade, documento produzido pelas beatas
acompanhantes do padre Ibiapina durante as missões religiosas. Nesse relato foi possível destacar
as vivências com o padre-mestre, o itinerário nas diversas Casas de Caridade, bem como as
características presentes na escrita das irmãs-autora.
O segundo momento, a constituição de um corpus documental, correspondeu ao
recolhimento das fontes que apresentassem particularidades acerca do perfil intelectual, político e
religioso das beatas das Casas de Caridade. Isso fez com que nos debruçássemos principalmente
sobre os poemas das irmãs presentes no jornal A Voz da Religião no Cariri, o que originou uma
antologia poética de mais de 60 poemas entre os anos de 1869 e 1870.
O terceiro momento se compôs da classificação tipológica desses poemas, o que
corresponde a especificação da origem e da natureza dos documentos. A origem dos documentos
se deu pelo caráter público e a natureza em religiosa. Analisamos ainda as intenções das autoras
das fontes procurando identificar qual era o aparato simbólico em que estavam se apoiando, tendo
em vista que o contexto político era alicerçado na religião, mais especificamente o catolicismo. Isso
abriu para a necessidade de fixar paradigmas presentes interna e externamente aos documentos, ou
seja, buscar o entendimento desses produtos do tempo a partir da sua coerência, inclusividade e
plausabilidade, este último pensado a partir dos estudos de Berger (1985).
A última parte corresponde a análise estética dos poemas, sendo priorizados aspectos
temáticos relativos a devoção, redenção do eu lírico pelo Cristo-homem e a consumação do encontro
com o divino. Essas feições atribuem aos escritos características da literatura romântica, vivenciada
por elas no contexto educacional e histórico, além das influências do barroco, próprias da cultura
religiosa em que estavam inseridas.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
As Irmãs de Caridade publicaram no jornal A Voz da Religião no Cariri entre os anos de
1868 a 1870, o que corresponde ao período em que esteve ativo e que ostentou uma coluna chamada
“Literatura”, um espaço disponível para a publicação literária de diversos colaboradores do jornal,
especificamente as mulheres. Com essa observação, foi possível coletar mais de 60 produções
literárias, as quais se dividem entre poesia e prosa, de estilo marcadamente barroco, embora com
fortes traços do romantismo em voga na época. Tendo em vista a dimensão desse artigo, optamos
por três poemas que sugerem de forma sintética e panorâmica as características que prevalecem na
antologia recolhida.
Assim como nos ensina Bourdieu (1996), não é possível compreender uma trajetória sem
que tenhamos antes esboçado antes os espaços e as relações dos indivíduos. Contudo, longe de
alinhar categoricamente as trajetórias das autoras desses poemas, encontramos informações sobre
Victoria Maria do Coração de Jesus e Seraphina, que domiciliaram nas Casas de Caridade das
cidades cearenses de Missão Velha e Crato, respectivamente. Elas dominaram as letras ao entrarem
em contato com as instruções do padre Ibiapina, o que as atribuiu um diferencial a mais: a
possibilidade de se inserirem na história dessas instituições por meio das próprias produções.
Victoria Maria do Coração de Jesus, embora tenha o mesmo nome da irmã que redigiu
páginas n’As Crônicas das Casas de Caridade, esta não acompanhou o padre Ibiapina nas suas
missões, uma vez que era irmã das letras na instituição em que morava. A sua contribuição deu-se
especificamente na educação, instruindo as meninas, ao mesmo tempo em que produziu poemas e
cânticos para as órfãs internas. Destacou-se por ter diversos poemas publicados no jornal A Voz da
Religião no Cariri.
Seraphina, irmã da casa do Crato, pôde ser reconhecida pelo perfil melancólico dos seus
poemas, fruto da educação recebida na instituição, isto é, instrução construída nas bases da caridade,
penitência e da cristandade (NASCIMENTO, 2009). Assinou alguns poemas com o pseudônimo de
Elias Sisnando da Cunha, sustentado justamente concomitante aos de própria autoria, mas que só
fora revelado nos últimos números do periódico.
O primeiro poema é datado de 13 de dezembro 1868, da autoria de Victoria, a qual
influenciada pelos preparativos natalinos, compunha juntamente com outros colaboradores, poemas
que frisassem o mês do nascimento o deus católico: Jesus Cristo. Na coluna “Literatura” dessa
edição, ela foi a única mulher a publicar, bem como a primeira, já que o jornal contava com poucos
meses de circulação. Segue abaixo o poema:

SENTIMENTO D’ALMA DIRIGIDOS À 3


JESUS CRISTO NO SANTÍSSIMO Orvalho Celeste,
SACRAMENTO Descei em porção
E vinde aplacar
1 As chamas ardentes
Amante Divino Do meu coração.
Do meu coração,
Minha alma por vós 4
Suspira e anseia Ó Divino Esposo
Num mar de aflição Pai d’Eucaristia
Ah! Vinde habitar
2 No meu coração
Ah! Vinde abraçar-me De noite, e de dia.
Em o vosso amor,
Em espécie de pão 5
Vinde consolar-me Qual manso Cordeiro
Divino Senhor. Por vossa Paixão
Ah! Vinde fazer
Morada gostosa Toda transformada
No meu coração. Eu possa gozar-vos
Na Eternidade.
6
Para que em vós (Victoria Maria do Coração de Jesus)
Minha humanidade

O poema Sentimento d’alma dirigidos à Jesus Cristo no santíssimo sacramento, de autoria


da irmã de caridade Victoria Maria do Coração de Jesus, é um dos espécimes presentes na vasta
produção poética da beata cearense que gira em torno da devoção ao Cristo e do desejo de redenção
da alma em aflitos do eu lírico.
O poema possui em sua estrutura seis estrofes, sendo todas essas estrofes compostas por
cinco versos, que, por sua vez, possuem cinco sílabas tônicas. As estrofes 1, 3, 4 e 5 apresentam a
mesma estruturação de rimas. Por sua vez, as estrofes 2 e 6 possuem outro tipo de construção
rítmica.
A partir do título do poema, pode-se perceber que a enunciação do eu lírico se destina
exclusivamente a um destinatário: Jesus Cristo. O Cristo é evocado pela voz enunciadora do poema
mediante diversos nomes, como “Amante Divino”, “Divino Senhor”, “Orvalho Celeste”, “Divino
Esposo” e “Pai d’Eucaristia”. Todos esses vocativos dão ao destinatário da enunciação um lugar
especial e de grande poder, sendo ele capaz de redimir e de alentar a alma do eu lírico, envolta em
um “mar de aflição”.
O Cristo no poema não é só visto como uma divindade, mas como um verdadeiro objeto de
desejo. Assim, os limites de incompreensão do sagrado são diluídos. Ao ser objeto de desejo do eu
lírico, o Cristo mais se parece a um homem, sujeito amado pelo eu lírico em tremenda aflição.
Para que o eu lírico se alivie do fardo de sua humanidade, só há uma saída: a junção dos
corpos do Cristo homem ao seu, de beata casta. Somente após esse verdadeiro ato de cópula, no
qual o Cristo fará “morada gostosa” em seu coração, o eu lírico transcenderá sua condição humana
e conseguirá, juntamente ao seu objeto de desejo, vivenciar a experiência sagrada da eternidade,
para além das tormentas de um coração em chamas, absolutamente humano e terrestre, enquanto
não for redimido pela paixão do Cristo homem.
O poema seguinte é de 09 de maio de 1869, segundo ano de circulação do jornal, o qual
estava cada vez mais aberto às publicações literárias das Irmãs de Caridade, que compunham a
quase totalidade da coluna “Literatura”. Nesse momento outras irmãs despontaram no periódico,
como por exemplo, a irmã Seraphina, todas influenciadas pelo padre Ibiapina a reproduzirem as
instruções apreendidas nas casas, como uma forma de estender os ensinamentos cristãos para todos
os leitores. Ambientado nos dias posteriores a Semana Santa, o poema examina a hora da
comunhão:

ANTES DA SANTA COMUNHÃO Habitar meu coração,


Meu Jesus sacramentado!
Oh! Minha alma, exulta, exulta;
De prazer e da alegria! Não tardeis meu sumo Bem,
Porque vais aproximar-te Doce amor das almas puras,
De Jesus na Eucaristia! Fazer dos peitos sacrário
Destas pobres criaturas.
Vinde já meu doce Bem
De mim muito desejado, (Victoria Maria do Coração de Jesus)

Estes três quartetos mantêm profundas relações com o tom da enunciação adotado pelo eu
lírico do poema analisado anteriormente. Assim como no poema passado, em Antes da santa
comunhão há uma constante divisão dos lugares ocupados tanto pelo eu que enuncia quanto pelo
eu ao qual o poema é destinado.
De um lado, as pobres criaturas, categoria na qual o próprio eu lírico se enquadra. De outro,
por sua vez, o Jesus, visto como um “doce Bem” e um “Doce amor” “muito desejado”. Esse
contraste bastante demarcado entre “criador” e “criatura” há tempos já vinha sendo elaborado na
historiografia literária brasileira.
Principalmente a escola barroca, estética marcada pelos contrastes entre o sagrado e o
profano, tão bem poetizados por Gregório de Matos, o Boca do Inferno, mantém relações com a
estética dos poemas não só de Victoria Maria do Coração de Jesus, mas também de diversas outras
mulheres que formavam as Casas de Caridade.
O auto rebaixamento do eu lírico, reflexo da auto flagelação, do auto silenciamento e da
demonização dos desejos e das potencialidades dos corpos femininos, se choca com a elevação
suprema do Cristo, que, só de aproximar-se de seus fiéis na forma de um rito sagrado, torna-se um
ser com o poder grandioso de transformação dos sujeitos crentes, retratados como pobres criaturas
famintas pelo amor divinal.
O terceiro poema é de autoria de Seraphina, com data de 24 de outubro de 1869.
Aparentemente sem temática previamente estabelecida pelos editores do jornal, essa produção se
diferencia tanto em questões estéticas como em termos contextuais, uma vez que a data não
corresponde a nenhuma celebração católica. Reconhecida historiograficamente pela publicação de
temas piedosos (NASCIMENTO, 2003), esse poema se apresenta como diferencial em relação aos
outros aqui apresentados. Segue abaixo:

DESEJOS 6º
Quando o sol se despede das aves,
1º Pois vão todas repouso tomar,
Oh! Guiai-me, meu DEUS, ao deserto! Solitária me veja nos bosques,
Quero lá minha vida findar! Escutando os grilinhos cantar!
Sofra embora o meu corpo inimigo
Vá minha alma convosco habitar. 7º
Quando a luz vem tão majestosa,
2º Com seus raios tão puros brilhar,
Oh! Meu DEUS, não permitas que eu morra Sinto na alma a mais doce ventura,
Sem que vá no deserto habitar! Só com Vós, ó meu DEUS, quero estar.
Quero lá nas sombrias montanhas,
Doce cântico a vós entoar! 8º
Que sim, que meu bendito
3º Como a Virgem, me queiram guardar;
Oh! Meu DEUS, quem não ama esta vida? Na montanha deserta que habite,
Doce vida no mundo sem par! Não me venha o demônio tentar.
Quem não ama esta vida tão bela,
Só com DEUS, nos desertos, passar? 9º
Assim quero, ó meu DEUS, no deserto
4º Minha pobre existência findar!
Quando a aurora bem doce raiando, Vá minha alma com doce esperança
Vem o sol com mais vivo esplendor Na Celeste morada habitar.
Ver as aves dos bosques, dos campos,
A louvar a seu DEUS criador! (Seraphina)


Se é de Maio este tempo ditoso,
Eis o orvalho, com mais lindas cores,
Cobre a verde relvinha dos prados,
E a campina adornada de flores!
Diferentemente dos dois poemas analisados anteriormente, Desejos, de autoria da beata
também cearense, mais precisamente da cidade do Crato, Seraphina, é o que mais traz consigo uma
visão pessimista da vida no mundo. Diferentemente de Victoria, Seraphina não acredita ser possível
a redenção divina ainda em vida.
É justamente no encaminhar-se para a morte que o eu lírico de Desejos vê sua possível
redenção e seu descanso eterno. Somente com a morte de sua “pobre existência”, o eu lírico de
Desejos se vê capaz de consumar com seu “DEUS” a possibilidade de sua alma ocupar uma vaga na
“Celeste morada”. Ainda que já esteja perto da morte, o eu lírico ainda pede ao divino a possibilidade
de ir para um deserto.
Na narrativa bíblica, o deserto pode ser compreendido como um local de peregrinação,
através da história de Moisés e seus quarenta anos em busca da terra prometida, e de tentação, visto
que o próprio Cristo foi tentado por Satanás no deserto. Assim, o eu lírico ainda guarda o resto de
sua vitalidade para seus últimos dias no deserto, onde poderá estar a sós com seu “DEUS”, vencendo
tentações e o louvando sem cessar.
No poema, percebe-se a distinção bastante demarcada entre o corpo e a alma. O corpo porta
as mazelas do pecado, não é à toa que é adjetivado de “inimigo”. Por sua vez, a alma ocupará um
lugar na companhia do divino, ao conseguir, finalmente, após sua temporada no deserto, na
companhia e no fortalecimento de “DEUS”, usufruir da eternidade e poder descansar do fardo de sua
pobre humanidade.

CONCLUSÃO
As produções poéticas aqui analisadas correspondem ao produto da educação recebida pelas
irmãs nas Casas de Caridade, das quais resultou o contato com outros saberes, a exemplo das artes
cênicas, das literaturas e da música, componentes que as diferenciaram em relação a aprendizes de
outras instituições educacionais. Estas mulheres por entrarem em contato com as artes, em especial
a literatura, vide a inserção no jornal de texto de poetas consagrados como Bocage e a própria
influência estética nos escritos das beatas, oriundas de escolas literárias como o Barroco, fizeram
com que elas atuassem no contexto em que viviam, disseminando expressões apreendidas na devoção
ao sagrado que foram por aproximadas a realidade, de modo a corporificar as divindades masculinas
católicas.
Percebe-se que esses poemas podem ser lidos como textos porta-vozes das ideologias e
discursos disseminados nessas instituições. Sendo assim, os sujeitos-autores dos poemas em grande
parte reproduzem preceitos e valores cristãos, de modo a apropriarem-se das formas literárias para
difundir os ensinamentos referendados institucionalmente: de auto anulação do corpo, dos desejos e
da própria feminilidade.
Entretanto, nas entrelinhas dos textos recolhidos observam-se vozes que enunciam que aquele
contexto de reprodução de discursos fundamentados na narrativa cristã também demarcavam as
consequências da interdição sexual, corporal e ideológica naqueles sujeitos-autores. Tanto é que as
beatas escritoras se auto definiam como um “corpo inimigo”, “pobres criaturas”, “aflitas”, “corações
em chamas ardentes”, entre outros.

REFERÊNCIAS
Fontes
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Linguagens do ideário político. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003. p. 23-62.
O ESTRESSE EM ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO: A
IMPORTÂNCIA DE COMPREENDER PARA PREVENIR

Mônica Dias Palitot118


Universidade Federal da Paraíba

Francisco de Assis Toscano de Brito119


Universidade Brasil-Santa Emília de Rodat

Suely Maria Alves de Souza120


Fonoaudióloga do Municipio de Logradouro

1 INTRODUÇÃO

De um modo geral, os adolescentes se deparam com várias situações novas e pressões


sociais, favorecendo condições próprias para apresentarem flutuações de humor e mudanças
expressivas no comportamento. Tendo em vista tantas mudanças, o reflexo destas no contexto
escolar também será sentido, principalmente, devido à presença do vestibular que exige dos
adolescentes, alunos do Ensino médio, escolhas para as quais a maioria não está ainda preparada.
Assim sendo, observa-se a presença do estresse que poderá interferir de forma direta no
rendimento escolar dos adolescentes.
O termo estresse tem sua origem na física, onde designa a tensão e o desgaste a que estão
expostos os materiais, e usado pela primeira vez do ponto de vista fisiológico em 1936 pelo
médico Hans Selye na revista científica Nature. No artigo ele trouxe como grande contribuição
a descrição de uma resposta não-específica a qualquer demanda que se imponha ao corpo
(LEMES e cols, 2003). O que se tem observado desde então, e com maior ênfase a partir da
década de 1980, é um avanço cada vez maior das consequências do estresse na saúde,
preocupando os profissionais que se dedicam à saúde mental a ponto de ser considerado por
alguns como uma epidemia.
Posteriormente, Malagris e Castro (2000) conceituam estresse como uma reação do
organismo decorrente de alterações psicofisiológicas que acontecem quando uma pessoa enfrenta
situações que podem irritá-la, amedrontá-la, excitá-la, confundi-la ou mesmo proporcionar

118Professora do Departamento de Psicopedagogia da UFPB, Doutora em Psicologia, Mestre em


Educação. Presidente da Comissão Própria de Avaliação da UFPB.Coordenadora do Grupo de Pesquisa
Aspectos Psicológicos e Sociais da Aprendizagem(GPAPSA)
119
Professor da Universidade Brasil-Faculdade Santa Emília de Rodat. Mestre em Serviço Social,
Bacharel em Direito, Membro do GPASA.
120
Fonoaudióloga do Municipio de Logradouro-PB, Membro do GPAPSA. Especialista em Fonoaugiologia com
formações na área do Transtorno do Espectro do Autismo
intensa felicidade. Assim, qualquer evento que favoreça uma quebra do equilíbrio do organismo
exigindo adaptação pode ser fonte de estresse. Esses estressores podem ser externos, que são os
acontecimentos que ocorrem na vida das pessoas e interno que são as características individuais
adquiridas pelo sujeito em sua vida, a saber, padrão comportamental, crenças, capacidade de
enfrentamento, sentimentos, cognições, habilidades sociais do sujeito.
Ao longo do ciclo vital, o indivíduo é exposto a diversas situações que se apresentam
como desafios e nos impulsionam ao desenvolvimento positivo. Entretanto, também nos
deparamos com eventos com os quais não nos percebemos capacitados a lidar, o que pode gerar
um estado de tensão no organismo denominado estresse (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2007;
LIPP; NOVAES, 2000).
As consequências das exigências da sociedade moderna também se fazem presentes nas
relações familiares, pois estas sobrecarregadas com a quantidade de trabalho e atividades
propiciam uma ausência maior dos pais na rotina do lar, fazendo com que os jovens não usufruam
da sua atenção no rendimento escolar, no desenvolvimento da, bem como nas questões afetivas.
Outro aspecto também representativo desta sociedade é o fato dos jovens terem que seguir rotinas
com uma série de compromissos a cumprir e exigências como o vestibular.
Com relação à aprendizagem o prejuízo na capacidade de aprender, anteriormente
atribuído apenas a déficits cognitivos, tem sido associado, nos últimos anos, à exposição a
eventos estressores específicos (BRANCALHONE et al, 2004; LIPP, 2004; LIPP e NOVAES,
2000; SBARAINI e SCHERMANN, 2008) que acabam por acarretar um baixo rendimento
escolar. Na adolescência, os estressores costumam estarem associados a situações com os pais e
outros membros da família, professores, colegas, mudança de escola, doenças, deficiências no
desenvolvimento físico ou emocional ou mesmo condições socioeconômicas específicas
(ANTONIAZZI, DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1988; CALBO et al, 2009; COMPAS, 1987;
DELL’AGLIO, 2003).
Os distúrbios psicológicos mais comuns na presença do estresse na adolescência são:
depressão, dificuldades de relacionamento, comportamento agressivo, desobediência inusitada,
ansiedade, choro excessivo, gagueira, dificuldades escolares, pesadelos, irritabilidade e insônia.
Os distúrbios físicos são: asma, dores de barriga, dores de cabeça, doenças
dermatológicas, entre outras. O estresse na adolescência pode ser causado por excesso de
atividades e também por vários fatores como: separação dos pais, morte de alguém na família,
nascimento de irmão, hospitalizações e mudança de escola ou residência (LIPP e NOVAES,
2000), maturidade e independência precoce, permissividade sexual excessiva, exposição a
pessoas desconhecidas, mudança na rotina, impedimento físico para o alcance de algum objetivo,
assim como também pelo contato com membros da família que estejam sob estresse (raiva
interpessoal, ausência de suporte social) e as exigências relativas as escolhas da futura profissão.
(VILELLA, 1996).
De acordo com Lipp e cols. (2003), a escola pode ser um fator estressante, pois para
alguns jovens este é um local de autoafirmação e de exigências como cursar uma faculdade.
Palitot (2003) refere que o professor e o aluno trazem para o ambiente escolar sua história, suas
ideias, concepções e expectativas mútuas do que deverá ocorrer em sala de aula.
O impacto negativo que os diferentes eventos estressantes causam na adolescência é
evidenciado também na aprendizagem e consequentemente no rendimento escolar. A
aprendizagem é entendida como um processo contínuo que ocorre durante todo o ciclo vital, no
qual o ser humano está constantemente recebendo novas informações que podem ser integradas
a experiências e conhecimentos prévios. Tal processo provoca mudanças comportamentais
relativamente permanentes, através de experiências anteriores vivenciadas pelo indivíduo
(CAMPOS, 1986; PALITOT, 2003; SADOCK e SADOCK, 2008; ZANELLA, 2006). Do ponto
de vista neurobiológico, a aprendizagem ocorre quando uma informação completamente nova
chega ao Sistema Nervoso Central sem que nenhuma informação prévia seja evocada (RIESGO,
2006).
Partindo do pressuposto da importância da presença do estresse no desempenho
acadêmico dos estudantes, acredita-se que as mesmas interferem diretamente no processo de
aprendizagem já que determinam como o estudante apreende as informações, compreende e
transforma o conhecimento, ou seja, é fundamental descobrir os fatores do estresse e sua relação
com o processo de aprendizagem considerando o avanço da vida moderna, buscando formas de
oferecer melhores condições de aprendizagem respeitando a individualidade de cada adolescente.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Diante das constantes adaptações que se impõem necessárias às pessoas a presença do


estresse acaba se tornado inevitável, pois está presente em todas as situações que exigem do
indivíduo capacidade de adaptação da mente e do corpo. As consequências da exposição ao
estresse excessivo podem ser observadas em três áreas distintas: o corpo, a mente e o social, isto
é, no domínio físico, cognitivo, emocional e comportamental.
Dentre as repercussões cognitivas possíveis, destacam-se o decréscimo da atenção e da
concentração, deterioração da memória, aumento do índice de erros, dificuldade e demora na
resposta a estímulos. Esses aspectos irão consequentemente repercutir no processo de ensino-
aprendizagem, podendo estar associados ao desempenho acadêmico de crianças, jovens e
adultos.
A escola, com todas as suas expectativas e exigências, pode ser também uma grande
fonte de estressores. Para Langston e Cantor (1989) deve-se considerar que a transição na vida
acadêmica dos estudantes no início de seus estudos universitários pode gerar um aumento de
responsabilidade, ansiedade e competitividade, o que facilitaria o estresse. Além das mudanças
próprias de ensino, os alunos se deparam com as incertezas naturais da escolha profissional.
Fisher (1994), em seus estudos com universitários, também verificou a ocorrência de estresse na
época de transição para a universidade, decorrente da mudança de planos (novas etapas), tarefas
acadêmicas, dificuldades financeiras e, sobretudo, sociais que marcam a vida dos universitários
O determinante, segundo alguns autores como Noronha e Fernandes (2006), para a
aparição dos sintomas de estresse é a capacidade do organismo de enfrentar as exigências da
situação, que pode ser negativa ou positiva, e tem como consequência, um prejuízo na qualidade
de vida, tal como a perda da habilidade de se concentrar e a capacidade de raciocínio lógico. As
relações entre o estresse e outros construtos têm sido também investigadas e associadas, pois,
quando a aprendizagem não ocorre conforme o esperado, surgem as suas dificuldades, daí a
relação do decréscimo cognitivo e o estresse.
Desta forma, considerando todas as alterações decorrentes do estresse e o impacto que
provoca no processo de aprendizagem, e no desenvolvimento do indivíduo, este estudo buscará
discutir os efeitos negativos que o estresse causa na aprendizagem. Considerando as
especificidades características da etapa do desenvolvimento humano em que se encontram os
sujeitos da pesquisa, e as possíveis implicações dessas na aprendizagem.

3.1 ESTRESSE NA ADOLESCÊNCIA

No transcorrer do desenvolvimento humano os adolescentes se deparam com situações


diversas, que podem afetá-los tanto fisicamente como emocionalmente, gerando o estresse que é
definido como uma reação natural do organismo a um estímulo ou situação especial de tensão,
ou de intensa emoção, que pode ocorrer em qualquer indivíduo, independentemente da sua idade.
As reações de estresse podem ser breves e facilmente ultrapassadas pelas pelos
adolescentes, mas em alguns casos, estes podem desenvolver uma perturbação mais prolongada
e intensa. Segundo Fisher (1994) na adolescência as transformações ocorrem em grande
quantidade e numa velocidade bem maior que na fase adulta, sendo esses períodos propícios ao
surgimento de um nível de stress elevado.
Os fatores etiológicos do stress na adolescência tanto podem ter origem externa quanto
interna, assim como ocorre com o adulto, mas essas causas são diferenciadas. Segundo Lipp
(2000) o estresse não surge sozinho sendo necessário algo para precipitá-lo. Algumas vezes as
fontes de estresse ou estressores são eventos que ocorrem na vida do jovem e que ultrapassam
sua capacidade de adaptação. Embora, também possa ocorrer sem que haja fato algum que
poderia estar gerando estresse, no entanto, o adolescente começa a apresentar sintomas
característicos do problema.
Nesse período, os eventos estressores incluem, entre outros, discussões com colegas,
amigos e familiares, imagem corporal e incertezas sobre o futuroUm estudo realizado por
Dell’Aglio (2003) investigou a frequência e o impacto de eventos estressores em uma amostra
de adolescentes, verificando-se que os cinco eventos mais frequentes nessa população foram:
ter provas no colégio, discutir com amigo(a)s, morte de algum familiar (que não pais ou
irmãos), ter que obedecer às ordens de seus pais e ter brigas com irmãos (ãs) Estes eventos
revelam que problemas escolares e familiares são comuns nessa etapa da vida. Dentre os fatores
internos são os do próprio indivíduo, que o levam a reagir e a sentir-se de determinado modo.
Esses fatores que geram stress nos adolescentes são: ansiedade, depressão, timidez, desejo de
agradar, medo de fracasso, medo de que os pais morrem e ela ficar só, medo de ser ridicularizada
por amigos. (Lipp, 2003)
Faz-se necessário que os pais e professores fiquem atentos, pois independente da causa,
o estresse na adolescência pode acarretar sérios problemas, tais como: asma, úlceras, alergias,
distúrbios dermatológicos, diarréia, tiques nervosos, dores abdominais. Crise de estresse
excessivo e prolongado pode também repercutir no sistema imunológico afetando a resistência e
tornando a pessoa vulnerável a qualquer vírus a que esteja exposta, como a gripe, podendo
aparecer úlceras, hipertensão arterial, obesidade e bronquite.
Em presença das várias causas que geram o estresse, outro fator importante que pode
vir a desencadear um estresse mais intenso é a escola, pois é uma instituição que influencia
diretamente na vida dos adolescentes. Juntamente com o estresse elevado o adolescente pode
apresentar sérias dificuldades de aprendizagem, dificultando ainda mais seu rendimento escolar.

3.2 A ESCOLA COMO FONTE DE ESTRESSE

Problemas escolares e familiares são comuns nessa etapa da vida. Segundo Aysan
(2001), a ansiedade diante de situações de avaliação acadêmica como testes e provas pode tornar-
se uma importante fonte de estresse para os adolescentes, principalmente quando o desempenho
influencia oportunidades futuras relacionadas à vida profissional. Durante a adolescência, o
indivíduo pode se deparar com situações para as quais ainda não apresenta um repertório de
estratégias consolidado.
À medida que o sujeito vai se desenvolvendo, novas tarefas vão surgindo, exigindo
diferentes habilidades e estratégias de enfrentamento para que consiga dar conta dessa demanda.
Portanto, durante a adolescência, quando o indivíduo não consegue flexibilizar as estratégias para
enfrentar tais situações, pode envolver-se em comportamentos de risco na tentativa de conseguir
lidar com esses acontecimentos (Scandrolio e cols., 2002).
O desrespeito às diferenças individuais dos alunos, a desconsideração de suas
expectativas, seus anseios e medos, a falta de estimulação, as regras oscilantes que não são
colocadas de forma clara e uniforme, bem como posturas muito divergentes e cobranças
desnecessárias também contribuem para o aparecimento do estresse no aluno.
O espaço físico é outro ponto importante a ser avaliado, pois este pode não ser adequado
em decorrência de salas pequenas, pouco aconchegantes, mal iluminadas, pouco ventiladas e com
acústica ruim. A falta de espaço suficiente para esportes, para o contato com a natureza, bem
como o material pedagógico também podem não estar adequados e causar estresse aos jovens.
Outro fator a ser considerado é o professor, pois o comportamento e as atitudes destes
na sua relação com o aluno são fundamentais, pois, segundo Patto (2000), o professor pode
projetar nos alunos seus próprios complexos, dificuldades emocionais, conjugais, sociais,
repetindo com seus alunos suas próprias experiências de uma educação equivocada ou sofrida.
Isto pode causar confusão no aluno no processo de aprendizagem e a escola pode passar a ser
uma fonte geradora de estresse. Witter (2002) ratifica esta influência afirmando que o estresse
do professor contribui em grande parte para o estresse do aluno.
Segundo Witter (2002), professores estressados podem gerar ou intensificar o estresse
do aluno, levá-lo a ansiedade, reduzir a motivação, prejudicar a qualidade e o resultado do ensino,
ampliar as ocorrências de agressão na escola, entre outros aspectos negativos. Isso gera um
ambiente desagradável, que por sua vez, intensifica o estresse do professor, formando um círculo
vicioso.
Lipp, Arantes, Buriti e Witzig (2002), a partir de levantamento realizado demonstram
que as queixas mais freqüentes com relação aos professores são: professores nervosos, grito de
professor, impaciência e falta de conversa com os alunos, instruções confusas, nunca dizer que o
trabalho está bom, não conhecer os alunos direito, não deixar os alunos contarem os problemas
de casa, tarefas em excesso, criar competição demais entre os colegas e ser desorganizado.
Diversas outras situações são consideradas por Tricoli (2004) como eventos comuns na
instituição escolar que podem contribuir para o aparecimento do estresse, são elas: situação de
prova e de falar em público, medo de ser rejeitado ou não ter bom desempenho nos esportes, as
críticas, preconceitos e possíveis rejeições de colegas e professoras, além da falta de
intercâmbio entre a família e a escola. Por outro lado, fontes internas de estresse também
podem estar relacionadas a esse ambiente, como as interpretações que o adolescente dá aos
acontecimentos e experiências que ela vivência com relação as suas notas, bem como a forma de
tratamento recebida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo o que foi abordado faz-se necessário compreender o quanto as mudanças
ocorridas na adolescência, seja orgânica ou emocional, afetam no comportamento e na maneira
de percepção do mundo pelos adolescentes. Faz-se imprescindível que, sobretudo a escola
conheça e trabalhe com os fatores de estresse que poderão vir a afetar o estudante. A prevenção
neste caso é essencial para o alívio do estresse e como forma de evitar uma futura depressão.
Assim sendo, o contexto escolar merece atenção especial quando se considera o estresse
na adolescência, tanto como agente estressor, quanto como um local onde se manifestam as
consequências deste estresse.

REFERÊNCIAS

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O LEGADO MISSIONÁRIO DE PADRE IBIAPINA: IMAGENS DE UM
CATOLICISMO POPULAR NO NORDESTE IMPERIAL121

Gilson Lopes da Silva122

RESUMO: Neste trabalho analisamos as ações realizadas por Padre Ibiapina na região Nordeste
durante o século XIX. José Antônio de Maria Ibiapina nasceu em Sobral (CE). Atuou na política
e advocacia e aos 47 anos de idade tornou-se sacerdote, peregrinando pelos sertões do Nordeste
e empreendendo ações que visavam melhorar a qualidade de vida nos lugares por onde passava,
construindo açudes, cemitérios, capelas e casas de caridade. Padre Ibiapina destaca-se como
símbolo de um catolicismo voltado para as necessidades do povo, minimizando as dificuldades
e sofrimentos da população carente do sertão nordestino.

Palavras-chave: Padre Ibiapina; Missões; Catolicismo popular.

INTRODUÇÃO

José Antônio de Maria Ibiapina, o Padre Ibiapina (1806-1883), nasceu em Sobral (CE),
foi deputado, advogado e juiz de direito. Aos 47 anos abandona a vida civil e se torna padre
peregrino nos sertões do Nordeste evangelizando, promovendo ações socioeducativas e
colaborando e construindo açudes, cemitérios, capelas, cacimbas, igrejas e casas de caridade.
As missões mobilizavam as populações por meio de rituais religiosos e mutirões de
trabalho organizados para a execução das construções. Essas ações, permeadas pela caridade
cristã, socorriam os sertanejos minimizando as dificuldades emergentes ao mesmo tempo em que
executava ideais de civismo e produtividade. O período de atuação missionária de Ibiapina é
marcado pela miserabilidade e flagelo social ocasionados por sucessivas secas.
As casas de caridade figuram como suas principais obras e congregavam um ideal de vida
à ser seguido pelas acolhidas pautado na orientação para a moralização, trabalho, noções de
civilidade, disciplina e educação doméstica. Durante seu itinerário de peregrinação foram
construídas vinte e duas casas de caridade no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
Neste trabalho analisamos a importância do catolicismo popular de Padre Ibiapina que se
manifestou nas missões empreendidas na região Nordeste, destacando como principal símbolo a
construção das casas de caridade.

121
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001
122
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN. E-mail: gillopes2000@hotmail.com
Como referencial teórico trabalhamos com a História Cultural, que apresenta
contribuições nas pesquisas que dão ênfase à socialização da cultura e destacam uma abrangência
de temas relacionados à linguagem, às representações e às práticas culturais, entre elas as
educacionais, realizadas pelos seres humanos em relação uns com os outros e em sua relação
com o mundo.
Nos apropriamos da compreensão de História Sociocultural que, segundo Burke (2008),
apresenta contribuições para a História Cultural e Social, e sofre influencias da junção dessas
duas vertentes historiográficas, como é o caso de nosso trabalho onde investigamos o processo
histórico e cultural empreendido por Padre Ibiapina e suas contribuições no campo social e
educativo no sertão nordestino.
Como procedimento metodológico realizamos levantamento bibliográfico e de fontes. Os
textos fundantes são trabalhos de pesquisadores da vida e obras do Padre Ibiapina, como
Carvalho (2008), Comblin (2011), Hoornaert (1981) e Mariz (1980), e material acadêmico. As
fontes e documentos que utilizamos, a exemplo do Estatuto das Casas de Caridade, são
provenientes do Santuário de Santa Fé, espaço localizado em Solânea (PB), construído por Padre
Ibiapina no final do século XIX.

Padre Ibiapina: uma vida marcada por ações públicas e pelas missões itinerantes

José Antônio Pereira Ibiapina nasceu em Sobral (Ceará) no dia 06 de agosto de 1806. Foi
o terceiro filho de Francisco Miguel Pereira e Thereza Maria de Jesus. Teve sete irmãos. Segundo
biógrafos, seu pai teria passado um período na Serra de Ibiapaba dedicando-se à agricultura e à
educação de crianças. Da temporada nessa região é que teria se derivado o diminutivo Ibiapina
ao nome da família. Em 1816 o pai de Ibiapina foi nomeado escrivão da vila de Icó, importante
entreposto comercial no interior do Ceará. Nessa vila, Ibiapina e seus irmão mais velhos são
matriculados na escola primária do professor José Felipe. O menino destacava-se como uma
criança inteligente e também recebia acompanhamento vocacional do vigário da Vila, Padre
Domingos da Mota Teixeira, que acreditava na sua vocação sacerdotal.
No ano de 1819 o pai foi nomeado tabelião vitalício da comarca do Crato (CE) e com a
mudança os estudos de Ibiapina foram interrompidos, dando continuidade apenas à catequese e
aulas de latim na Vila de Jardim. Depois que seu pai perdeu o protetor político na Vila, em 1823,
a família se muda para Fortaleza. Nesse mesmo ano o menino segue para o seminário de Olinda
(PE) e ocorre o falecimento de sua mãe. Depois desse fato ele retorna para o Ceará.
O pai de Ibiapina enfrenta problemas por estar envolvido politicamente na Confederação
do Equador, tendo seus bens confiscados. Seu irmão mais velho, Alexandre Raimundo pereira
Ibiapina, também envolvido no levante político, é preso. O pai é condenado a fuzilamento, que
ocorre no dia 07 de maio de 1825, e o irmão enviado para a Ilha de Fernando de Noronha, onde
faleceu. (NASCIMENTO, 2009).
Diante da situação da família, Ibiapina, que havia retomado os estudos em Olinda,
interrompe-os e retorna ao Ceará para amparar os irmãos órfãos. Devido à precariedade da
família, recebem auxílios de amigos paternos. Em 1828 ele retorna para o seminário e leva as
irmãs mais novas, Ana e Maria José, abrigando-as no Recolhimento Nossa Senhora da Glória.
Ibiapina se matricula no curso de Direito e por uma incompatibilidade de horários entre o
seminário e o curso opta pelo segundo, formando-se bacharel em 9 de outubro de 1832, aos 26
anos de idade. Dada a dedicação na defesa da tese “a Comissão Avaliadora solicita sua nomeação
para o cargo de lente substituto de uma das cadeiras para assumir já no semestre seguinte”.
(BEZERRA, 2010, p. 106).
Com o título de bacharel, Ibiapina retorna ao Ceará e se programa para lecionar em
Pernambuco no ano seguinte. Na sua terra, concorre às eleições para deputado federal e na mesma
época fica noivo de Carolina Clarense. O casamento é marcado para o ano seguinte. Em 1833 ele
está em Olinda lecionando Direito Natural e fica sabendo que foi eleito como deputado mais
votado para representar o Ceará na Assembleia Legislativa Nacional no período de 1834-1837.
Ao final do ano letivo retorna ao Ceará para casar com Carolina. Chegando em Fortaleza
descobre que a noiva fugiu para casar com um primo. Segundo alguns de seus biógrafos, esse
fato teria causado grande frustração e desilusão em Ibiapina e a partir daí nunca mais ele voltaria
a falar em casamento.
Depois da desilusão amorosa, viaja ao Rio para assumir o cargo de deputado. Durante os
trabalhos, fica sabendo da nomeação para o cargo de juiz de Direito e chefe de polícia da Comarca
de Campo Maior (atual Quixeramobim/CE), cargos que assumiu entre 1834 e 1835. Contudo,
Ibiapina não permaneceu muito tempo como político e nem como juiz ou chefe de polícia pois
deparou-se com dificuldades no desempenho de suas funções “dadas as práticas retrógradas de
resolução dos problemas da justiça onde trabalhou, decorrente dos desmandos das oligarquias
locais, dos donos de engenhos”. (BEZERRA, 2010, p. 108).
Atua no Recife como advogado, mas também abandona o cargo, desfazendo-se de seus
bens e passando a morar num sítio nos arredores da cidade vivendo numa espécie de retiro que
durou três anos, dedicando-se à vida espiritual e ao tratamento da asma. Vende o sítio e vai morar
no centro do Recife, época em que passa a frequentar o Convento da Penha, dos frades
Capuchinhos. Depois do período de reclusão e meditação, Ibiapina, contando com quase 47 anos
de idade, decide ordenar-se padre e recebe o presbiterato no dia 03 de julho de 1853, num
processo ocorrido em menos de um mês, sendo dispensado do processo protocolar vigente.
Ficou na sede da Diocese atuando como professor do Seminário de Olinda e Vigário
Geral. Em 1855 se consagra a Nossa Senhora e substitui o sobrenome Pereira por Maria,
assinando como José Antônio de Maria Ibiapina. Três anos depois inicia missões itinerantes
percorrendo o interior das províncias do Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco e
Paraíba. Padre Ibiapina depara-se com o sertão nordestino marcado por sucessivas secas, pelas
dificuldades de comunicação com outras regiões e com a pouca importância econômica que lhe
era atribuída pela Corte.
Esses e outros fatores determinaram o isolamento da região, dificultaram o processo de
ocupação e acabaram fundando uma sociedade com características distintas em relação ao litoral.
De acordo com Bezerra (2010, p. 93), no contexto político e econômico fraco e sem fortes reações
“o Nordeste passou a ser identificado como região problema, símbolo de atraso, e as próprias
elites da região restringiram-se a apoiar grupos do Sul que estavam em franca luta pelo poder
nacional”.
As missões de Ibiapina ocorreram entre os anos de 1856 e 1875, mobilizando a população
dos lugares por onde passava para a construção de igrejas, capelas, hospitais, açudes, cacimbas,
cisternas, barragens, cemitérios, cruzeiros e casas de caridade. A ação do missionário era marcada
pela organização de mutirões contando com a participação das próprias comunidades, levando
conforto com suas palavras e atenção. As missões mostravam-se como um alento e diminuíam o
sofrimento da população por meio da fé, da caridade e do trabalho.
Em lugares insalubres e com poucas perspectivas de melhorias de qualidade de vida,
Padre Ibiapina voltou-se para o atendimento aos pobres, movido pela caridade cristã, mas ao
mesmo tempo preocupado com o atendimento moral, econômico e social dos miseráveis. Suas
missões eram marcadas por princípios e rituais da ética religiosa cristã, embasadas na civilidade
e moralidade pública, mas também congregavam as pessoas para colaborarem nas construções
desempenhando aspectos importantes de produtividade. (NASCIMENTO, 2009).
As missões empreendidas por Ibiapina na região Nordeste não eram inéditas. Outros
sacerdotes ligados à congregações religiosas europeias, como os capuchinhos, desenvolviam
trabalhos religiosos em espaços distantes das capitais. Contudo, o diferencial presente na obra
missionária de Ibiapina pode ser destacado pelo alcance e a dimensão das ações que desenvolveu,
percorrendo sozinho cinco províncias nordestinas, e pela prática evangélica do seu trabalho que
agregava os fatores religiosos de conversão aos aspectos de produtividade.
As incursões de Ibiapina pelos sertões tinham a finalidade de construir “uma obra de
assistência e educação, a fim de curar o operário e preparar para fins domésticos a mulher pobre
dos sertões”, mostrando-se “profundamente preocupado em combater a ociosidade, a
negligencia, os vícios e os crimes” (MARIZ, 1980).
Nas regiões distantes da Corte, a realidade socioeconômica da população constituiu um
motivo para a criação de um vínculo forte com o catolicismo popular nas celebrações místicas e
no apego aos santos. Nesse contexto, destacavam-se figuras como Padre Ibiapina, Antônio
Conselheiro e Padre Cícero, que congregavam grande aglomerado de pessoas em nome da fé
salvacionista, marcada pela prática de romarias e construções pelo interior do país, como afirma
Andrade (2002, p. 153):
Foi nas regiões mais interioranas ou nos sertões para onde era mais difícil atrair
os clérigos que mais se disseminou o catolicismo popular ou rural. De fato, a
situação de penúria de padres em certas regiões do país favoreceu o
desenvolvimento de um catolicismo menos ortodoxo com a participação ativa
dos leigos e beatos que investiam principalmente na criação de santuários
domésticos e na organização de romarias para esses santuários.

De modo geral, as propostas de assistência empreendidas pelo Padre são evidenciadas nas
diversas construções que transformavam a vida das comunidades por onde ele passava, porém,
as ações socioeducativas, que também faziam parte de suas missões, encontram sentido no
funcionamento das casas de caridade.

As casas de caridade: Um símbolo do catolicismo popular transformando a formação da


mulher sertaneja

Padre Ibiapina construiu vinte e duas casas de caridade nas províncias de Pernambuco,
Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. As primeiras no ano de 1860, em Gravatá do Jaburú (PE),
e Santa Luzia do Mossoró (RN). As instituições destinavam-se ao acolhimento de meninas
enjeitadas, órfãs e moças pobres.
Bezerra (2010, p. 153), destaca que a preocupação em educar moças pobres e órfãs vinha
desde o século XVIII “com a criação de instituições voltadas para educação e proteção das
mulheres a fim de evitar que estas buscassem meios de sobrevivência nas ruas”. Na Bahia havia
sido criada a Ordem das Reformadas de Nossa Senhora da Conceição, que educava moralmente
as chamadas mulheres equivocadas. No Rio de Janeiro a Irmandade da Misericórdia acolhia e
educava meninas e no Recife havia a Casa dos Expostos e Colégio das Órfãs.
Enquanto essas comunidades aceitavam meninas e moças brancas, educadas para se
tornarem mestras de colégios, as casas de caridade de Ibiapina não apresentam relatos de
educação diferenciada considerando a cor ou situação social das acolhidas. Pesquisadores da obra
de Ibiapina afirmam que ele preconizou uma ordem formativa igualitária na medida em que teria
optado “pelo pobre”. (SILVA, 1986, p. 75). Além disso, as casas de caridade ibiapinianas foram
construídas distante dos grandes centros urbanos, atendendo as carências imediatas das mulheres
sertanejas.
As irmãs da caridade davam instrução às moças e acompanhavam os momentos de
oração. Quando as acolhidas atingiam a idade de casar, um procurador escolhia um rapaz
honesto, bom, cristão e trabalhador. Feita a escolha, os jovens eram apresentados e se os dois se
agradassem o casamento era realizado por conta da casa. No período em que estavam na
instituição as jovens recebiam ensinamentos de primeiras letras, flores, labirintos e bordados.
Esse modelo de educação tinha a preocupação de prepara-las para desempenhar funções próprias
do lar, adquirindo habilidades características ao modelo de mulher, esposa e mãe. (PINHEIRO,
1997).
O estatuto e o regimento interno que regulavam o funcionamento das instituições foi
redigido pelo próprio Padre Ibiapina. O trabalho, a educação, oração e o lazer, seguiam o controle
e a vigilância do regimento previsto pelo Padre que acompanhava as outras instituições a partir
da Casa de Caridade de Santa Fé, em Solânea (PB), comunicando-se com as irmãs Superioras de
outras casas por cartas. As instituições também poderiam receber pensionistas, moças de elite
das regiões onde as casas funcionavam, que muitas vezes eram colocadas pelos pais para receber
a mesma educação das órfãs e meninas pobres, sem regalias ou privilégios.
O estatuto expressa uma organização clara da divisão do trabalho e do controle do que se
produzia na instituição. Estava pautado pelos momentos de fé, oração e a prática da caridade e
de um rígido cumprimento à estrutura hierárquica presente nas casas, principalmente, na figura
da superiora que mantinha grande controle sobre as internas, sabendo quem se negava ao trabalho
e quem cumpria bem o seu dever. Ela contava com o auxílio de um conselho das mulheres mais
prudentes e discretas para deliberar sobre os meios de corrigir os maus costumes e ajudar no
controle do trabalho e cumprimento das tarefas, corrigindo possíveis problemas. (SILVA, 2015).
O regulamento interno definia o cotidiano das casas, marcando o horário de acordar e se
recolher, os rituais de comportamento, o asseio matinal, os horários das refeições e o
direcionamento das orações e das tarefas de trabalho e de estudos. Numa das partes das casas
funcionava a escola de letras, espaço onde as internas aprendiam a ler, escrever, contar, costurar,
bordar, fazer labirinto e outras tarefas que se julgavam necessárias para a educação completa de
uma mulher.
O processo de decadência das Casas de Caridade começou poucos anos depois do
falecimento de Padre Ibiapina, que ocorreu em 19 de fevereiro de 1883 na pequena casa onde
morava, construída vizinho à Casa de Caridade de Santa Fé, em Solânea/PB. O missionário
passou sete anos sofrendo de asma e outras complicações. Nos dois últimos anos de vida, período
em que seu estado de saúde se tornou crítico, ele já estava preso a uma rústica cadeira de rodas
ou no próprio leito. Almeida (2014, p. 42), aponta alguns fatores que contribuíram para o
desaparecimento das casas de caridade:

Podemos citar três elementos decisivos para a comunidade das beatas do Padre
Ibiapina paulatinamente ir desaparecendo: a circunstância dele não ter conferido
à sua comunidade um estatuto “jurídico” que lhe garantisse a sobrevivência após
a morte do fundador; a falta de interesse por parte de muitos vigários; e a
ausência de simpatia por parte dos bispos posteriores pela forma de vida religiosa
das beatas. Pois apesar da Igreja respeitar o sacerdote e seus colaboradores
jamais concordou em ver à frente de suas missões após a sua morte, as mulheres
leigas da região.

De acordo com Nascimento (2009) a chegada de congregações religiosas femininas


vindas da Europa, e que se espalharam por vários pontos do país, inclusive na região Nordeste,
também tornou-se um empecilho para a continuidade do funcionamento das casas de caridade
Ibiapinianas que não formavam uma congregação oficial, reconhecida pela Igreja Católica.
Comblin (2011, p. 15), afirma que “tudo o que preexistia no Brasil foi considerado inapto para
uma reforma verdadeira da igreja de acordo com o novo espírito que imperava em Roma”.
Apesar das casas de caridade encerrarem as atividades tão precocemente, o projeto
socioeducativo proposto por Padre Ibiapina para a formação da mulher sertaneja constituiu-se
paradoxalmente de um conservadorismo mantenedor do papel destinado à mulher na sociedade
– na figura da boa mãe e esposa, mulher de hábitos rigorosos e comedidos – mas também
mostrava-se importante e significativo porque imbuia a figura feminina de uma progressista visão
de modelo educacional numa época em que eram raros os estabelecimentos para a educação de
mulheres.
Nascimento (2009) observa que as mulheres das casas de caridade “não aparecem como
exploradas ou servindo como exército de reserva no desempenho de suas funções”. Ao
contrário, “o trabalho lhes rendeu muito na qualidade do ofício aprendido”, e numa terra marcada
por adversidades, inclusive profissionais, muitas dessas mulheres “desemprenharam funções de
mestras, artesãs de flores artificiais, chapéus de palhas e rendas, além da tecelagem com o
algodão” funções vistas como “os frutos colhidos do trabalho e da aprendizagem nas Casas de
Caridade”. (NASCIMENTO, 2009, p. 124, grifos da autora). Para Almeida (2014, p. 36):
As Irmãs de Caridade trabalhavam em meio à calamidade vivenciada nas
localidades que contavam com recursos insuficientes fornecidos pelo Estado
para amenizá-la. A contribuição delas na obra missionária do Padre Ibiapina foi
essencial para que ele conseguisse realiza-la, pois eram as mulheres que
lideraram estas casas e que se responsabilizaram pela educação das órfãs.
Dedicavam-se em tempo integral e sabendo, Padre Ibiapina, do caráter essencial
de tais mulheres, lhes dirigiu grande parte do conteúdo de seu discurso para
conduta moral que estas deveriam seguir.

Freyre (2000, p. 769), acredita que a continuidade das casas de caridade teria dado ao
catolicismo social brasileiro “um vigor como que telúrico; uma base francamente brasileira à sua
ação sem prejuízo nenhum da ortodoxia romana dos dogmas e dos ritos”.

CONSIDERAÇÕES

A vida e a obra de Padre Ibiapina, marcadas pela atuação na vida pública e posteriormente
nas missões evangelizadoras, estão permeadas por fatos importantes que contribuíram com o
desenvolvimento dos sertões da região Nordeste, diminuindo o sofrimento de um povo que
enfrentava mazelas socioeconômicas, provocadas por constantes secas, pelo abandono e o
descaso do poder público e o flagelo da miséria. Suas práticas e ações eram marcadas por
finalidades pautadas na evangelização e no fortalecimento do espírito dos sertanejos e levava
esperanças por meio da fé e da caridade. Colaborava com hábitos de civilidade e auxílio mútuo
encontrando ocupações para o povo nos mutirões para a construção de açudes, cacimbas,
estradas, cemitérios e casas de caridade, entre outras obras que melhoravam a qualidade de vida
e amenizavam o sofrimento da população.
As casas de caridade construídas por Ibiapina abrigavam meninas e moças pobres e órfãs,
funcionando a partir de um ideário socioeducativo baseado num estatuto e regimento interno
elaborados pelo Padre, marcados por regras que visavam incutir nas internas hábitos de
civilidade, amor, fé e caridade, além do gosto pelo trabalho e uma educação com foco nas
primeiras letras e prendas domésticas.
As obras destacadas neste trabalho denotam a importância do catolicismo popular
vivenciado por Padre Ibiapina no Nordeste imperial. Nessa região marcada por adversidades e
dificuldades à época, é inegável que as missões evangelizadores e ações socioeducativas
empreendidas por Ibiapina mostraram-se como um alento e uma prova de amor evangélico no
sentido cristão mais pleno e que colaboraram, mesmo que por pouco tempo, com a qualidade de
vida da população carente, levando não só auxílio espiritual e material, mas também
demonstrando preocupação e respeito pelo povo. Talvez por isso, a presença do Padre Ibiapina
ainda seja tão forte na memória de muitos dos lugares por onde ele passou.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, E. F. Padre Ibiapina e as Casas de Caridade: contribuições educacionais no


nordeste do século XIX. Monografia (Especialização em Fundamentos da Educação: Práticas
Pedagógicas Interdisciplinares). Campina Grande: Universidade Estadual da Paraíba, 2014.

ANDRADE, M. O. 500 anos de catolicismos e sincretismos no Brasil. João Pessoa: Editora


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BEZERRA, O. L. Trabalho, pobreza e caridade: as ações do Padre Ibiapina nos sertões do


Nordeste. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Natal: Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, 2010.

BURKE, P. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

CARVALHO, E. L. T. A missão Ibiapina: a crônica do século XIX escrita por colaboradores e


amigos do Padre Mestre atualizada com notas e comentários. Passo Fundo: Berthier, 2008.

COMBLIN, J. Padre Ibiapina. São Paulo: Paulus, 2011.

FREYRE, G. Sobrados e mucambos. Rio de Janeiro: Record, 2000.

HOORNAERT, E. Crônica das Casas de Caridade fundadas pelo Padre Ibiapina. São Paulo:
Ed. Loyola, 1981.

MARIZ, C. Ibiapina, um apóstolo do Nordeste. 2ª Ed. João Pessoa: Editora


Universitária/UFPB, 1980.

NASCIMENTO, M. C. M. Filhas e irmãs do Padre Ibiapina: educação e devoção na Paraíba


(1860-1883). Dissertação (Mestrado em História). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba,
2009.

PINHEIRO, R. S. L. Sinhazinha Wanderley: o cotidiano do Assú em prosa e verso (1876-


1954). Tese (Doutorado em Educação). Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
1997.

SILVA, J. F. A configuração da Moral Católica na Educação Feminina nos Estatutos das


Casas de Caridade do Padre Ibiapina em Barbalha. In CAVALCANTE, Maria Juraci Maia
et al (Org.). Histórias de mulheres: amor, violência e educação. Fortaleza: Edições UFC, 2015.

SILVA, S. V. (Org.). A Igreja e a questão agrária no Nordeste: subsídios históricos. São Paulo:
Edições Paulinas, 1986.
O MITO DA CRIAÇÃO DO HOMEM: AS RAÇAS EM HESÍODO E
OVÍDIO

Leandro dos Santos Souza (UFPB)


E-mail: leandro_ufpb@yahoo.com.br
Priscila Pinto Fabrício Ribeiro (UFPB)
E-mail : scilapfr_@hotmail.com
Orienador(a) Drª. Alcione Lucena de Albertim (UFPB)
E-mail: lucena25@hotmail.com

RESUMO
Em Trabalhos e dias, Hesíodo apresenta o cotidiano dos mortais mostrando diretrizes de como proceder
na vida. Dentre as narrativas, o poeta descreve o surgimento dos homens passando por cinco raças: ouro,
prata, bronze, heróis e ferro. Por outro lado, o poeta latino Ovídio traz esse mito de maneira diferenciada
nas Metamorfoses, em que são apresentadas para o leitor apenas quatro raças, deixando de descrever a raça
dos heróis. O nosso trabalho propõe analisar o paralelo estrutural entre as eras dos homens presentes no
mito das raças hesiódicas e aquelas apresentadas em Ovídio.
Palavras-chave: Mito. Hesíodo. Ovídio. Raças.

INTRODUÇÃO

Hesíodo, em Trabalhos e dias, nos mostra cinco raças de homens que foram criadas por Zeus (ouro,
prata, bronze, Heróis e ferro), porém em Ovídio, podemos perceber a presença apenas de quatro sendo
excluída a dos heróis.
Raça criada pelo cronida, com a finalidade de combater toda a hýbris (descomedimento) praticada
pela raça de bronze que veio anteriormente, os heróis tem destaque em nosso trabalho, pois é o ponto de
divergência mais claro entre o poema grego e o latino.
Vernant (2008), em sua obra mito e pensamento entre os gregos, propõe que as raças em Hesíodo
seguem uma estrutura de contraposição dicotômica que é dividida em dike e hýbris. Dentro dessa dualidade
estrutural, temos também uma estrutura triádica que determina as três funções indoeuropeias relacionadas
a heróis e reis: a função jurídico-religiosa, a função guerreira e a função empreendedora.
O poeta Ovídio segue uma proposta diferente em sue poema. O mito das eras dos homens é
retomado por ele de maneira artística e estilística, sendo trazido novamente não mais com a mesma carga
que percebemos em Hesíodo. Na sua descrição, o poeta se refere às eras dos homens de uma forma que
percebemos uma degradação entre as raças, partindo da mais civilizada para a mais selvagem.

1. O Mito das raças em Hesíodo e em Ovídio


Na civilização do ocidente, a lembrança querida de uma Idade de Ouro percorre a literatura,
percebemos isso quando nos deparamos com Platão e Ovídio por exemplo. E ao chegar ao tão sonhado
Paraíso dos cristãos, o jardim do Éden, criado por Deus, em que o homem vivia plenamente feliz junto da
natureza, revivemos aqui a sensação de retorno ao princípio onde tudo era mais fácil. Micea Eliade irá se
referir a isso como perfeição dos começos.
O mito do Paraíso primordial de seus habitantes em eras de fartura terrena, permaneceu ao longo
da História e possivelmente deu origem a outro, o mito do selvagem bom. Como afirma Eliade:

Os séculos XVI, XVII e XVIII criaram um tipo de “selvagem bom” à medida de suas angústias
morais, políticas e sociais. Os ideólogos e os utopistas [...] invejaram sua liberdade, [...] sua
existência bem-aventurada no seio da Natureza. Mas essa “ invenção do selvagem” [...] era tão
somente a revalorização, radicalmente secularizada, de um mito muito mais antigo : o mito do
Paraíso terrestre [...] (ELIADE, 1957, p. 40).

Acrescenta:

[...]é que o Renascimento, como a Idade Média e como a Antigüidade têm a lembrança de um
tempo mítico em que o homem era bom, perfeito e feliz. E acreditou-se reencontrar nos
selvagens, que se acabava de descobrir, os contemporâneos dessa época mítica primordial
(1957, p. 44,).

Assim, a busca pelo paraíso terrestre, a volta à idade de ouro da humanidade, representa pois, em
Ovídio uma vontade de retorno às origens, deixando claro que o mito das raças é retomado pelo poeta para
fazer referência a um tempo melhor do que sua época. Segundo Junito Brandão, a narrativa mítica é um
relato de uma história verdadeira, ocorrida nos tempos dos princípios illo tempore, quando com a
interferência de entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir. Essa nova realidade pode ser total ou
parcial tomando a conotação de cosmoantropofania. Logo, mito é uma narrativa de criação, traz a existência
algo que não era e passou a ser. Assim, com o mito das raças em Ovídio não seria diferente, nele está
presente uma conotação de degradação entre as eras dos mortais. Isso é apresentado no poema com a
finalidade de reforçar a ideia de que o poeta quer a volta da raça de ouro.
Tendo deixado claro essa distinção entre o mito no poema grego e no latino, partamos agora para a
análise de Vernant, referida anteriormente, sobre as raças dos homens em Hesíodo e comparar com a mesma
narrativa apresentado em Ovídio.
Primeiramente, temos a descrição da raça de ouro que vivia junto com os deuses e em nada tinham
falta, pois a terra dava tudo de bom grado. Depois, temos a raça de prata (muito pior que a de ouro V.126
– Hesíodo), passavam muito tempo como crianças e envelheciam rapidamente e logo morriam. Seu erro foi
não sacrificar aos deuses.
Em terceiro lugar nós temos a raça de bronze. Os homens dessa era se utilizavam do bronze para
fabricar todos seus utensílios, inclusive suas casas. O seu erro foi importar-se apenas com a guerra,
sucumbiram por suas próprias mãos, matando-os uns aos outros, pois não sabiam o que fazer com
instituição da guerra.
Em quarto lugar temos a raça dos heróis, Ovídio não nos mostra essa raça em seu poema, mas em
Hesíodo nos é mostrado que essa raça é mais excelente que a anterior. Os heróis realizaram feitos
magníficos e seu fim afortunado foi nas ilhas dos bem aventurados onde vivem junto com Cronos.
A quinta raça é a de ferro. Aqui nós temos a presença de uma dualidade de conceitos, até a divindade
Justiça se retirou do meio dos mortais, aqui não há virtude, apenas perversidade. Essa raça é caracterizada
pelo trabalho árduo. Hesíodo lamenta não ter nascido na raça anterior ou na seguinte (v.175), pois
acreditava-se que depois da raça de ferro um ciclo de fecharia e a raça de ouro retornaria.
Como já referido anteriormente Vernant (2008) propõe que as raças seguem uma estrutura de
diálogo entre si. Primeiramente relacionada a soberania nós temos a raça de ouro e a de prata. Em seguida
no âmbito da guerra nós temos a raça de bronze e a dos heróis e por fim no âmbito do trabalho nós temos a
raça de ferro que dialoga com ela mesma.
Partindo dessa estrutura nós temos as raças relacionadas a diké (justiça)e Hybris(descomedimento).
Na soberania nós temos a raça de ouro relacionada a diké e a de prata relacionada a Hybris, por não ter
sacrificado aos deuses. Na guerra nós temos a raça de bronze relacionada a Hybris , pois não soube
comandar bem a instituição da guerra, diferentemente da raça dos heróis que são caracterizados pela diké
por serem virtuosos. No âmbito do trabalho a raça de ferro tem como marca a dualidade de não ter um
conceito claro de diké e hybris, visto que a própria justiça se retira do meio dos mortais.
Em Ovídio o mito das raças se apresenta de maneira diferente, a presença de adjetivos como deterior
v.115 e peioris v.128, denota de que as raças eram realmente piores do que as anteriores. Para corroborar
esse fato, temos ainda a ausência da descrição da raça dos heróis, os quais estão presentes em Hesíodo. Por
fim, nós percebemos ainda na descrição de Ovídio a ausência de um lamento, diferentemente de Hesíodo
que lamenta não ter nascido anteriormente ou posteriormente a sua raça que é a de ferro. Essa ausência de
lamento em Ovídio nos mostra que ele apenas aguardava o retorno da raça de ouro, deixando claro uma
estrutura de decadência linear em seu texto, diferente do poema de Hesíodo que segundo Vernant nos
propõe um diálogo entre as raças. Portanto, devemos ter em mente esse dialogismo entre diké e hybris,
assim sendo, verifiquemos as características das raças em Hesíodo e como elas se posicionam na análise de
Vernant.

2. A RAÇA DE OURO

A raça de ouro é caracterizada pela sua fartura e ausência de trabalho. Todos os homens mortais da
idade de ouro foram criados pelos próprios deuses do Olimpo, concomitante ao reinado de Cronos. Essa
raça não se preocupava com o plantio ou colheita, pois a terra gerava-lhe tudo espontaneamente. Além
disso, viviam como deuses e como reis em tranquilidade e em pacificidade.
A primeira raça descrita por Hesíodo denomina-se de ouro, porque o ouro é o símbolo da realeza e
do poder. Dentro desse âmbito, característico da raça de ouro, pois, viviam com os deuses, nós temos
semelhanças desses homens com os deuses imortais, pois, jamais envelheciam. Porém ainda eram mortais,
mas sua morte assemelhava-se a um sono profundo, dormiam e não acordavam mais.
O seu fim também era marcado pela realeza e pelo poder. Logo que deixavam esta vida, recebiam
o basiléion géras (privilégio real) que é um símbolo de poder. Desta maneira, passavam a ser daímones
epikhthónioi, intermediários, posicionando-se entre os homens mortais e os deuses.
O basiléion géras, como representa poder, tem uma conotação toda especial, quando se leva em
consideração que os daímones epikhthónioi, esses intermediários excepcionais passam a assumir outra
responsabilidade quando finda suas vidas mortais. Há duas funções, segundo a concepção místico-religiosa
da realeza, que definem a excelência benéfica de um bom rei. A primeira é a de phýlakes (guardiões dos
homens) que zelam pela observância da justiça e, a segunda é a de plutodótai (dispensadores de riquezas)
que favorecem a fecundidade do solo e a dos rebanhos trazendo assim a prosperidade para todos os mortais.
Um fato interessante apresentado por Claude Mossé é que Hesíodo emprega as mesmas expressões,
para descrever os reis da raça de ouro(Claude Mossé, 1993), para qualificar também os reis justos do seu
século e dessa forma trazer um pouco do poder da raça ancestral para eles simbolicamente .
Os homens da raça de ouro viviam hòs theoí, como deuses, logo quando os reis mais excelentes e
justos do tempo do poeta optam por utilizar debates e discursos para resolver questões por meio da
assembleia e, com auxílio de suas palavras mansas e sabias, fazem cessar a hýbris, o descomedimento, são
saudados como theòs bós, como um deus.
Assim, como a terra na época da raça de ouro era fecunda e generosa, igualmente a cidade, sob o
governo de um rei que respeita os deuses e age de maneira justa, floresce em prosperidade sem limites. Já
como oposição, o rei que não respeita o que simboliza seu sképtron, o seu cetro, quando se deixa levar pela
hýbris se desvia do caminho que conduz à diké, leva a cidade a ruína tornando-a infértil e com isso trazendo
calamidade e fome.
Dessa maneira temos a descrição de Hesíodo que nos mostra que por ordem de Zeus, trinta mil
imortais invisíveis (que são os próprios daímones epikhthónioi) vigiam a piedade e a justiça dos reis. Assim
fica claro que nenhum deles, caso se desvie da diké, não deixará de ser castigado mais cedo ou mais tarde
pela própria diké.

3. A RAÇA DE PRATA
Assim como os homens da raça de ouro, os deuses também criaram os homens da raça de prata.
Apesar de ser um metal precioso, mesmo com um valor diferente do ouro, a prata também tem seu valor.
Entre a raça de ouro e a de prata nós temos uma dualidade em forma de contraposição, de um lado,
nós temos a soberania piedosa da Era de Ouro fundamentada na diké, do outro, temos a hýbris louca da raça
de prata. Essa desmedida, porém, não está relacionada à guerreira, pois os homens da raça de prata mantêm-
se afastados, abstendo-se tanto das batalhas, quanto dos labores campestres.
A afronta cometida por essa raça está associada a um descomedimento em si, é uma asébeia, uma
impiedade e uma adikía, uma injustiça de caráter puramente religioso. Dessa maneira, os homens da raça
de prata se negaram a oferecer sacrifícios aos deuses e não reconheceram a soberania de Zeus, senhor da
diké.
O fim dessa raça foi determinado por sua tamanha desmedida, de modo que foram exterminados
por Zeus, porém os homens da raça de prata recebem, após o castigo de serem destruídos, honras, certo que
menores, mas análogas às tributadas aos homens da raça de ouro. Similares aos homens da primeira era que
se tornaram daímones epikhthónioi, os mortais da raça de prata tornam-se daímones hypokhthónioi, também
intermediários entre os deuses e os homens, porém sua ação é de baixo para cima, partindo dos homens
para os deuses enquanto os da raça de oura agem dos deuses para os homens.
Outra analogia que nós percebemos ao longo da descrição na era de prata é que os mortais dessa
raça estão relacionados de maneira simbólica com as características que os titãs possuem. Ambos possuem
o mesmo caráter, a mesma função, o mesmo destino.
Os titãs, diferente dos deuses olimpianos, são destrutivos e trazem consigo a característica de
representarem a natureza quando se diz respeito às forças mais destrutivas. Eram orgulhosos e prepotentes,
tanto que mutilam o seu pai Urano e depois ainda passam a disputar com Zeus o poder sobre o universo.
Mesmo sendo descomedidos os titãs ainda são reis, tanto é que titán em grego, em etimologia
popular, aproxima-se de titaks, rei, e titéne, rainha, assim os Titãs têm por vocação o poder. (M.A. Bailly,
1901)
Em oposição a Zeus, porém, que representa para Hesíodo a soberania da ordem e da diké, os titãs
são aqueles que simbolizam tudo o que há de descomedido trazendo consigo a força destrutiva da natureza,
ficando relacionados então a arrogância da desordem que são característicos da hýbris. Assim, de um lado
nós temos Zeus e os homens da raça de ouro como projeções do rei justo e de outro, temos os titãs e os
homens da raça de prata, símbolos de reis descomedidos. Estabelece-se então, através da raça de ouro e de
prata a estrutura, que como observamos, está relacionada aos mitos hesiódicos da soberania.

4. A RAÇA DE BRONZE
A raça de bronze também foi criada por Zeus, porém há uma diferença entre ela e as demais quando
se diz respeito a sua criação. Quando foi criar os mortais da dessa era, Zeus usou como sua matriz freixos
de bronze que são símbolos da guerra.
Essa raça, diferente da anterior, que cometeu uma hýbris no âmbito religioso, aqui a hýbris será
militar, no âmbito da guerra, da violência bélica, caracterizada pelo comportamento do homem durante a
batalha.
Desse modo nós temos agora uma passagem do plano religioso para as manifestações da força bruta
e do terror. Aqui nessa raça já não é mais a ideia de justiça que a permeia, não há distinção do justo ou do
injusto, ou de culto aos deuses.
Durante a era de bronze ainda nos fica claro que os homens pertencem a uma raça que não come
pão, isso nos mostra que se tratava de uma raça que não se ocupava com o arado da terra ou colheita.
Diferentemente dos demais mortais das outras eras descritas em Trabalhos e dias de Hesíodo, o
montante de guerreiros violentos da raça de bronze não são destruídos por Zeus, porém visto que não fazem
distinção de justiça ou injustiça acabam por não fazer distinção também entre seus semelhantes sucumbindo
à guerra, se destroem deferindo golpes uns contra os outros, domados por seus próprios braços, por sua
própria força física.
Ainda nessa raça, percebemos que o próprio epíteto que identifica esses homens violentos tem um
sentido simbólico. A exemplo do próprio Ares, o deus da guerra no âmbito da violência, ele é chamado por
Homero na Ilíada de khálkeos (de bronze). No pensamento grego, o bronze, pelas qualidades que lhe são
atribuídas (liga de extrema relevância na guerra), sobretudo por sua eficácia distinta, está relacionado ao
poder vinculado à batalha, que, por sua vez, se oculta nas armas defensivas e dentre elas nós temos: couraça,
escudo e capacete. Dessa maneira relacionado às armas de bronze nós temos o seu brilho e sua voz, então,
se o brilho metálico do bronze reluzente impõe de maneira ferrenha o terror ao inimigo, o som do bronze
estridente, sua phoné (voz), também revela a natureza de um metal animado e vivente que afugenta os
malefícios dos adversários.
Destacamos que a raça de bronze está intrinsecamente ligada às armas defensivas, contudo, existe
uma arma ofensiva também estreitamente ligada à índole e à origem dos guerreiros dessa era. Trata-se da
lança ou dardo confeccionado de madeira especial, a melia, o freixo. Logo, como vimos no início da
descrição, a raça de bronze nasceu de freixos, dessa maneira observamos o quanto essa raça está ligada a
batalha. As ninfas mélias ou melíades, nascidas do sangue de Urano, estão intimamente unidas a essas
árvores de guerra que se erguem até o céu como lanças, além de se associarem no mito a seres sobrenaturais
que encarnam a figura do guerreiro.
Jean-Pierre Vernant (1990) faz um comparativo bastante singular do gigante Talos com os homens
da raça de bronze. Talos, guardião incansável da ilha de Creta, nasceu de um freixo (melia) e tinha o corpo
todo de bronze. Da mesma maneira que Aquiles, o gigante cretense possuía uma determinante
invulnerabilidade condicional, que apenas a magia de Medeia foi capaz de destruir. Esses gigantes, cuja
família Talos pertence, representam uma confraria militar, dotada de uma invulnerabilidade condicional
como também possuem uma estreita relação com as ninfas mélias ou melíades.
Na Teogonia, o poeta apresenta esses fantásticos gigantes de armas faiscantes porque eram de
bronze, como seres que têm em suas mãos lanças enormes de freixo, e as ninfas que se chamam mélias.
Assim nós temos uma distinção dessa raça com as anteriores, pois os mortais dessa era possuem a
lança de atributo militar, porém em contraposição a isso temos a raça de ouro que traz consigo o cetro de
atributo real da justiça e da paz, havendo então uma diferença grande de valor e de nível. Fica claro que a
lança deve se que submeter-se ao cetro. Quando essa hierarquia é quebrada, há uma ruptura de princípios
reais e sacerdotais, o que torna a lança algo nocivo daí, ela passa a ser confundida com a própria hýbris.
De maneira geral, quando o guerreiro é tributário da violência, a hýbris se apodera dele, pelo motivo
de ele estar voltado totalmente para a lança. Como exemplo disso nós temos, dentre outros, o caso de Ceneu,
o lápita da lança, que sendo qualificado da mesma maneira que Talos, Aquiles e os Gigantes de uma
invulnerabilidade condicional como todos os que passaram pela iniciação guerreira, Ceneu fincava sua
lança sobre a praça pública, prestava-lhe um culto e, ainda mais descomedido, obrigava a todos que por ali
passassem a tributar-lhe honras divinas (Pierre Grimal, 2005).
Deste modo, fica claro que os homens da raça de bronze são filhos da lança, indiferentes à diké e
aos deuses, que como os gigantes, após a morte, sucumbindo na guerra uns contra os outros, foram lançados
no Hades por Zeus, onde se dissiparam no anonimato da morte.

5. A RAÇA DOS HERÓIS

Os heróis são caracterizados principalmente pela sua ascendência divina. Sendo a quarta raça criada
por Zeus, os heróis representam a raça primeira (protére gene), pois é mais justa.
Os homens dessa raça carregam em si o sentido de serem melhores (dikaióteron ou áreon), porque
sendo mais justos não cometerão as hýbris das demais raças. No entanto a despeito de serem caracterizados
assim, Hesíodo aponta dois grupos de heróis, aqueles que simplesmente pereceram( v. 116), em contraponto
àqueles que mereceram os campos elísios, e ilha dos venturosos (v.171). Assim, é possível inferir que o
segundo grupo acima referido diz respeito aos heróis que conquistaram a glória imperecível, dentre os quais
se encontra Aquiles. Os primeiros homens do grupo, a despeito de serem heróis, ao morrer, tornaram-se
sombras sem nome ou lembrança (anonmós), certamente por não haver realizado grandes feitos, ou mesmo
por haver cometido algum descomedimento, alguma hýbris.
Como exemplo bem claro desses dois tipos de heróis opostos nós temos os heróis que estão
presentes na Ilíada de Homero. De um lado, por exemplo, nós temos Ájax Oileu (Pierre Grimal, 2005), um
herói que se ergue mordido pela hýbris, chefe do contingente na Guerra de Troia, destacou-se não só por
sua habilidade e rapidez, mas também pela crueldade e desrespeito para com os deuses. Suas hýbris
provocaram a morte de muitos soldados gregos. Dentre elas podemos citar o que seria a sua maior falha, o
fato de ter cometido sacrilégio no templo de Atena, deusa da sabedoria. Ele violentou Cassandra, filha do
rei de Troia, junto ao altar da deusa. Esta, em represália, destruiu a sua frota com uma tempestade e fê-lo
morrer afogado. Por vários anos, seu sacrilégio pesou sobre o seu povo, que para apaziguar a cólera
de Atena, remetiam a Troia, anualmente, duas donzelas para serem sacrificadas em honra da deusa. Em
oposição a Ajax Oileu nós temos Aquiles, sendo este um herói, mais justo e bravo, trazendo consigo a sua
areté incomparável, marcado pela prudência e respeito a tudo quanto representa um valor sagrado.
Tendo entendido as características da raça dos heróis e como eles se sobressaem em relação às
demais, partamos agora para ultima raça que é descrita por um metal.

6. A RAÇA DE FERRO

A raça de ferro dos mortais é caracterizada principalmente por seu trabalho. Sendo a ultima das eras
descritas por Hesíodo, os homens dessa época também eram marcados pelos males que os cercavam. No
mito de Prometeu e Pandora (Pierre Grimal, 2005), Hesíodo nos dá um panorama dessa raça. Dentre os
males soltos por Pandora apresentados no mito nós temos: doenças, a velhice e a morte. Além dos
malefícios nós temos mais características específicas da raça de ferro: a ignorância do amanhã e as
incertezas do futuro, a existência de Pandora, a mulher fatal, e a necessidade premente do trabalho com já
referido.
Essa junção de elementos tão cheios de infortúnios nos é mostrada, mas o poeta de Ascra por sua
vez distribui num quadro único. As duas Érides, as duas lutas, se constituem na essência dessa era dos
homens.
A causa primordial de todos esses infortúnios foi o desafio a Zeus por parte de Prometeu e o envio
de Pandora. Partindo dessa causa, o mito de Prometeu e Pandora nos mostra dois pontos de vista, mas que
culminam num único fim: a miséria humana na raça de ferro. A necessidade de sofrer, de realizar o trabalho
de arar terra para obter o alimento é igualmente para o homem a necessidade de gerar filhos através da
mulher. Nascendo e morrendo geração após geração, o homem tem que suportar diariamente a angústia e a
esperança de um amanhã incerto.
Nessa raça nós percebemos uma existência ambivalente e ambígua. Nessa realidade não temos
distinção entre o bem e o mal, ambos os conceitos não estão separados, mas amalgamados, porém ainda
são solidários e indissolúveis. Partindo dessa premissa, temos o motivo por que o homem, rico de misérias
nesta vida, não obstante se aproximam da mulher, a Pandora, o mal amável, que os deuses ironicamente lhe
enviaram.
Ela é esse mal belo, foi quem retirou a tampa da jarra em que estavam encerrados todos os males.
Caso não tivesse realizado tal feito, os homens continuariam a viver como antes, livres de sofrimento, do
trabalho árduo e das enfermidades dolorosas que trazem a morte. Todos esses malefícios, porém, foram
espalhados, despejados pelo mundo, contudo ainda restando Esperança, de modo que a vida não fica
marcada apenas pelo infortúnio, cabendo ao homem realizar a escolha entre o bem e o mal. Assim, Pandora,
como podemos perceber, é o símbolo dessa ambiguidade em que vivemos.
Esse duplo aspecto trazido figurativamente pela menção à mulher e a terra através da figura de
Pandora, expressa a função da fecundidade, tal qual se manifesta na raça de ferro na produção de alimentos
e na reprodução da vida. Nessa era já não existe mais a abundância espontânea característica da primeira
raça, há então, de agora em diante, um diferente comportamento entre os mortais, no qual o homem deposita
a sua semente (spérma) no seio da mulher, assim como o agricultor a introduz de maneira árdua a semente
nas entranhas da terra. Em contrapartida, toda a riqueza adquirida que o homem obtiver tem, portanto o seu
preço determinado pelo trabalho do homem. Para a raça de ferro entre a terra e a mulher se estabelece uma
relação de ambiguidade onde o que a figura feminina traz são simultaneamente princípios de fecundidade
e potências de destruição, consumindo diariamente a energia do homem, destruindo-lhe, em consequência,
os esforços. Fica então decidido que a mulher finda por marcar esse trabalho árduo do homem esgotando-
o, por mais vigoroso que seja, entregando-o à velhice e à morte, ao depositar no ventre de ambas o fruto de
sua fadiga.

7. CONCLUSÃO: A RETOMADA DO MITO

A narrativa mitológica de Hesíodo é retomada por Ovídio em seu poema Metamorfoses de maneira
diferenciada. A sua descrição das raças é feita de modo que a sucessão delas se posiciona numa estrutura
de decadência, da melhor (ouro) para a pior (ferro), a ausência da raça dos heróis nos mostra isso. Portanto,
o mito para Ovídio se posiciona de maneira estratégica, pois está inserido numa crítica a sociedade de sua
época, que está tão degradada que apenas um retorno a uma nova era de ouro pode salvá-la. Vemos o mito
presente para demonstrar algo real, já que segundo Junito Brandão (1986) mito é o relato de um
acontecimento ocorrido no tempo primordial, uma realidade que passou a existir, que não era e passou a
ser. Nessa perspectiva, Ovídio retoma o mito de Hesíodo de maneira artística, num tempo posterior, mas
para referir-se e coloca-lo num contexto com uma carga cultural e social diferente. Para entender a narrativa
recontada por Ovídio, portanto, precisamos recorrer a Hesíodo e entender como as raças se posicionavam
em sua época. Partindo desse ponto, temos, portanto, como a eras dos homens de posicionam também em
Ovídio. Desta maneira, não há esperança, pois não há heróis para que os homens se baseiem, apenas a total
depravação, que apenas findará com uma nova e sacra raça. Assim, podemos afirmar que, diferente de
Hesíodo, Ovídio se posiciona num patamar mais pessimista, enquanto o poeta grego nos traz a figura dos
heróis com o intuito de tentar instruir os homens de como se portar em relação às coisas sacras.
REFERÊNCIAS

BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral. São Paulo: Ed. Nacional, Ed. da USP, 1976.

BENVENISTE, Emile. O Vocabulário das Instituições Indo-européias. São Paulo: Unicamp, 1995.

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Vol. I. Petrópolis: Vozes, 1986.

CHANTRAINE, Pierre. Diccionaire Étymologique de la Langue Grecque. Paris: Éditions Klincksieck,


1968.

DUMÉZIL, Georges. Mythes et dieux des indo-européens. Paris: Flamarion, 1992.

ELIADE, Mircea. Mythes, rêves et mystères. Paris : Gallimard, 1957. (Idées, 271).

ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Tradução de Manuela Torres. Rio de Janeiro: Edições 70,
1989. (Perspectivas do homem, 19).

HESÍODO. Teogonia (A origem dos deuses). Trad. Jaa Torrano. 3ª Ed. São Paulo : Iluminuras, 1995.

HESÍODO. Os Trabalhos e os Dias. Trad. Alessandro Rolim de Moura. 22ª Ed. Curitiba: Segesta, 2012.

HESÍODO. Os Trabalhos e os Dias. Trad. Mary de Camargo Neves Lafer. 6ª Ed. São Paulo: Iluminuras,
2006.

MOSSÉ, Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Trad. Rosa Carreira. Lisboa – Portugal: Edições 70, 1993.

OVÍDIO. Metamorfoses. Trad. Domingos Lucas Dias. 1ª Ed. São Paulo: Editora 34, 2017.

VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos: Estudos de Psicologia Histórica. 2. Ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2008.

O MITO DE NARCISO: SACRALIDADE E TRANSCENDÊNCIA, UM


OLHAR PSICANALÍTICO

Drª Alcione Lucena de Albertim – UFPB


lucena25@hotmail.com

RESUMO: Narciso, filho do rio Cesifo e da náiade Liríope, foi metamorfoseado na flor que leva o
seu nome. Ele era muito belo e estava em sua plena juventude, mas desdenhava o amor, havia tão
áspera soberba em tão aprazível beleza. Como castigo por tal hýbris, apaixona-se pela própria
imagem nunca vista por ele anteriormente, com a qual se depara ao ver-se nas águas cristalinas e
puras de um riacho em que nenhum animal ou humano havia bebido antes. Tão avassaladora é a
paixão, que não consegue afastar-se da imagem refletida na água, e acaba fenecendo, transformando-
se, por fim, no narciso. Nesse sentido, a proposta do trabalho é analisar o mito de Narciso, presente
nas Metamorfoses, de Ovídio, voltando-se o olhar para o aspecto transcendente do mito, expressão
da sacralidade e da psique humana.

PALAVRAS-CHAVE: Mito; Narciso; Sacralidade; Psicanálise; Ovídio.

O mito de Narciso encontra-se no Livro III da obra Metamorfoses, de Ovídio. O personagem


principal é um jovem, filho de Liríope, ribeira da Beócia, e Cefiso, rio da Beócia. Desde o ventre já
podia ser amado (OVÍDIO, 2017, III, verso 345) e foi chamado Narciso, o que já anteciparia os
acontecimentos posteriores, haja vista o sentido etimológico da palavra ναρκή, de onde provém o
nome e que significa torpor, dormência, entorpecimento, paralisia, denotando, na narrativa do mito,
o estado em que fica o personagem, atônito diante da própria imagem especular na água do riacho.
Além disso, a própria descrição da flor tem pontos similares com a história do personagem, o que
ratifica o sentido primeiro do mito como narrativa que explica algo, repousando em uma verdade
(RUTHVEN, 2010). Assim, a flor cujo nome é o mesmo do jovem, Narciso, floresce na primavera e
é frequentemente encontrada em solo úmido, perto de lagoa ou de rio. É autossuficiente, pois não
precisa de outra planta para sobreviver. O caule inclinado faz a flor pender para baixo, o que a
aproxima da água do rio ou lagoa próxima da qual vive. Tal quadro retrata o que vem acontecer a
Narciso, ele, senhor de si, renega o amor, e por cometer essa hýbris – termo grego que designa a
desmedida, a ultrapassagem do métron, da medida –, será tomado por um desejo avassalador, que o
fará fenecer diante da sua própria imagem refletida na água do rio.
Assim, a partir de uma possível leitura do mito de Narciso, propomos fazer algumas ilações
acerca do narcisismo, conceito fundamental da teoria psicanálise, e sua relação com o mito referido,
o que será feito ao longo do artigo, trazendo o mito em conjunto com a teoria.
Freud (1996), em seu ensaio Luto e Melancolia, traz uma discussão sobre relação objetal,
que está no cerne desses dois estados psíquicos. No que tange ao luto, Freud o define como a reação
à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido,
como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Neste caso, a perda é de um objeto
real. Na melancolia, também há a perda de um objeto amado, entretanto, configura-se como uma
perda de natureza mais ideal.
Conforme o pai da psicanálise:
[...] não podemos, porém, ver claramente o que foi perdido, sendo de todo razoável
supor que também o paciente não pode conscientemente receber o que perdeu. Isso,
realmente, talvez ocorra dessa forma, mesmo que o paciente esteja cônscio da perda que
deu origem à sua melancolia, mas apenas no sentido de que sabe quem ele perdeu, mas
não o que perdeu nesse alguém. [...] (FREUD, 1996, p.451)

Nesse sentido, a perda objetal se dá no âmbito interno do sujeito, de modo abstrato, não
palpável, pois ocorre na esfera subjetiva. A despeito da perda de algo concreto, a perda verdadeira
não fora nesse domínio, mas naquilo em que o sujeito se identifica com esse algo. Confundindo-se
com o ego, haja vista que o investimento libidinal se dá sobre este, a perda do objeto significa a perda
do próprio ego, por isso que ocorre de maneira inconsciente. Nesse sentido,

[...] a identificação é uma etapa preliminar da escolha objetal, que é a primeira forma –
e uma forma expressa de maneira ambivalente – pelo qual o ego escolhe um objeto. O
ego deseja incorporar a si esse objeto, e em conformidade com a fase oral ou canibalista
do desenvolvimento libidinal em que se acha, deseja fazer isso devorando-o. (FREUD,
1996, p. 255)

A princípio identificando-se absolutamente com o objeto, o sujeito estabelece um vínculo


simbiótico com ele, ocorrendo, no entanto, um sentimento ambivalente de amor e de ódio à medida
que começa a perceber que o objeto não lhe atende completamente, trazendo a frustação. Em uma
relação narcísica, a frustação à completude é insuportável, visto que o objeto faz parte do ego do
sujeito.
É dentro desse escopo que ilações serão feitas quanto ao mito de Narciso, identificando no
personagem da narrativa mítica a expressão dessa estrutura psíquica. Não é à toa que o pai da
psicanálise cunhou do mito o termo para designar a sua teoria.
Quanto ao mito de Narciso, este, logo que nasceu, Tirésias, o adivinho, foi consultado se
Narciso veria os longos dias de uma velhice avançada, o que lhe foi respondido: “Se ele não tiver se
conhecido” (OVÍDIO, 2017, III, v. 348). Em termos psicanalíticos, na relação objetal, o sujeito que
possui uma ferida narcísica apreende-se no outro, uma vez que não reconhece a alteridade, sendo este
outro, parte constitutiva desse sujeito. Conhecer-se no contexto narcísico, portanto, é se deparar com
o outro que é o si mesmo, na busca da completude. O objeto do desejo é, na realidade, o objeto da
necessidade, tão imprescindível à própria sobrevivência do sujeito.
Narciso, tendo completado dezesseis anos, poderia ser considerado tanto uma criança como
um jovem. Muitos jovens, muitas donzelas o desejaram. Mas (havia tão áspera soberba em tão
aprazível beleza) jovem nenhum, nenhuma donzela lhe tocou o coração. A negação ao amor denota
a interdição do desejo, o que se configura como uma hýbris, um erro transcendental. Na cosmogonia
narrada por Hesíodo (2007), origem do universo, Eros é uma das forças primordiais, juntamente com
Caos, Terra e Tártaro. Sendo o mais belo dentre as divindades, como força propulsora, ele impulsiona
a criação e o surgimento dos elementos que comporão o Cosmos, incluindo homens e animais, logo,
ele está na base constitutiva de tudo o que existe. Narciso se nega ao Amor (Eros), e quem se nega
ao amor, ultrapassa o métron, o liame até onde se pode ir, estabelecido pelos deuses. Um dia, alguém
dentre esses jovens, dirigindo-se ao alto em ato de súplica, conclama: “Seja permitido que assim ele
ame, assim (ele) não alcance ao amado/obtenha/possua/ não seja senhor dele” (OVÍDIO, 2017, III,
verso 405). Nêmesis, deusa que personifica a vingança divina e representa a força encarregada de
abater toda a desmesura, por exemplo, o excesso de felicidade de um mortal, ou o orgulho dos reis,
etc., atende ao pedido, dando assentimento às justas súplicas. Tudo o que se eleva acima da sua
condição pertinente, expõe-se a represálias dos deuses, pois tende a subverter a ordem do mundo e a
pôr em perigo o equilíbrio universal, por isso tem de ser castigado, se se pretende que o Cosmos se
mantenha. É esse o sentido do preceito délfico, “Conhece-te a ti mesmo”, que se encontra no templo
do deus Apolo, em Delfos. Esse conhecer-se diz respeito a se estar cônscio quanto à sua própria
ontologia, sabendo que qualquer desmedida acarretará consequências.
Assim, um dia Narciso estava a caçar, e afastando-se dos companheiros, deparou-se com um
lugar aprazível e favorável ao descanso, onde se deteve, pois estava exaurido pela caça. Lá,
encontrara uma fonte de águas límpidas e puras, onde homem ou animal nunca houvera tocado: “O
jovem, cansado pelo entusiasmo da caça e pelo calor, atraído pela beleza do lugar e pela fonte,
descansou aí. Ao procurar saciar uma sede, brota nele uma outra sede” (OVÍDIO, 2017, III, v. 415).
Essa outra sede diz respeito à sede do desejo. É como se até o momento Narciso estivesse com o
desejo adormecido (ναρκή), e a intervenção divina (Nêmesis), que condiz com a realização do
oráculo proferido por Tirésias, promovesse o despertamento desse desejo, na percepção da alteridade,
do objeto externo ao Eu, mas que acaba por ser a imagem dele mesmo. “Enquanto bebe, arrebatado
pela imagem da forma vista, ama uma esperança sem corpo, crê ser corpo o que é água” (OVÍDIO,
2017, III, verso 416-417). É relevante mencionar a presença da água com essa função especular. A
água, elemento fluido, ligado a divindades que se metamorfoseiam tais quais Proteu, Tétis, Métis,
etc., será o instrumento através do qual Narciso de reconhecerá e, consequentemente, será levado à
sua própria transformação na flor. Além disso, a água faz contraponto com o fogo, cujo valor
simbólico é estruturante na história narrada. Enquanto da água brota a esperança de obter o objeto
desejado, o fogo o afasta dessa realização, uma vez que lhe acarreta sofrimento.
Ele, estendido no chão, comtempla-se e vê dois astros, que são na realidade os seus próprios
olhos, comtempla os cabelos, dignos de Baco e dignos de Apolo, contempla as faces, virginais ainda,
o colo de marfim, a graça da boca e o rubor misturado a nívea brancura. Cada parte do seu corpo
refletida na água suscita o seu desejo, fá-lo arder, queimar, havendo o autoerotismo por parte do
personagem. Admira tudo o que o torna a ele digno de admiração. Sem o saber, a si se deseja; é
aquele que ama, e é ele o amado. Ele próprio é o fogo que acende, e aquele que o cobiça. O fogo é
uma figura recorrente na narrativa a partir do instante em que ele se vê, traz a lume,
representativamente, as pulsões do id, instância psíquica que se manifesta através das representações
de ideia.
Narciso é a fonte e o objeto do desejo, a sua imagem refletida na água é o objeto para onde
direciona o seu desejo, no entanto, desconhece a natureza desse objeto. A sombra que ele vê, é o
reflexo da própria imagem, nesse sentido, a busca do amor objetal é a busca de si mesmo, por isso
que nas relações objetais no estado narcísico busca-se ao igual. Por ainda não haver o reconhecimento
e a aceitação da alteridade, o sujeito completa-se com o outro, e se este lhe falta, ele perece, haja vista
faltar-se a si mesmo.
Narciso não sabe o que vê, mas o que vê, consome-o (cupio)! Narciso é denominado
imprudens, contrário de prudens (providens: que conhece, que vê diante), haja vista que até o
encontro com a sua própria imagem, ele nunca havia se visto, e mesmo quando se vê, não sabe que é
ele mesmo. É pertinente observar que no encontro do sujeito que possui uma ferida narcísica com o
objeto, ocorre exatamente o mesmo processo. Uma vez que não alcançou a triangulação própria da
resolução do complexo de Édipo no seu desenvolvimento psíquico, encontra-se em estado de fusão
simbiótica com o objeto do desejo. O enlace ocorrerá exatamente porque houve a identificação do eu
com o objeto. O sujeito, necessitante da completude do seu eu buscada na relação com o objeto,
enxerga o outro a partir de si mesmo, sem, no entanto, ter consciência de que se trata da busca por si
mesmo. Nesse sentido, afirma Freud:

A identificação narcísica com o objeto se torna, então, um substituto da catexia erótica,


e, em consequência, apesar do conflito com a pessoa amada, não é preciso renunciar à
relação amorosa (FREUD, 1996, p. 255)

O mito de Narciso antecipa esse estado antes do desfecho da narrativa. A mesma ilusão que
engana seus olhos, excita-os. Engana porque se trata de uma pseudo alteridade, excita porque
corresponde ao que emana dele mesmo. Ilude-se, pois crer haver encontrado a plenitude com alguém
que o completa. Tais são as palavras de Narciso: “Tanto o vejo, quanto é para mim prazeroso, mas o
que vejo e me agrada, no entanto, não encontro” (OVÍDIO, 2017, III, v. 446-447). A frustação diante
do objeto, haja vista o princípio da realidade mostrar que, de fato, trata-se de um outro que não condiz
com o almejado, acarreta o sofrimento. A inviabilidade da completude e consequente malogro fazem-
no desesperar-se, pois é como perdesse parte de si mesmo, o que lhe traz uma sensação de morte, de
esvaziamento existencial, de queda no vazio. Continua Narciso: Tão grande engano aprisiona aquele
que deseja, que ama (OVÍDIO, 2017, III, v. 447).
Depois do primeiro instante, quando encontra o objeto amado, ocasião de enlevo e esperança,
vem o segundo momento, em que a ambivalência se impõe, e a esperança de ainda realizar seu desejo
se confunde com o despeito, com o desgosto pela decepção. Diz Narciso:

“Quem quer que tu sejas, vem até aqui! Por que me enganas, jovem sem par? Buscando-
te, para onde vais? Certamente, nem meu aspecto nem minha idade são razão para que
fujas, e até as ninfas me amaram! ” (OVÍDIO, 2017, III, versos 454-456).

Nessa conjuntura, a onipotência própria da personalidade narcísica se mostra, e Narciso tenta


impor a realização do seu desejo, o desejo do Eu pode ser satisfeito. O sujeito sente-se com o poder
de satisfazer o seu desejo, uma vez que é o objeto de desejo de tantos.
Quando o princípio da realidade se instaura ou se insinua, vem a terceira fase, momento em
que o rancor se apresenta. No mito, o personagem finalmente percebe que aquele a quem direciona
o seu desejo e toda a sua atenção é ele mesmo, Narciso. É quando ocorre o reconhecimento, ele vem
a saber o que não sabia, e a consciência trágica do personagem vem à tona, ele percebe a
impossibilidade de realizar aquilo que acredita ser o objeto da sua realização, advindo a reviravolta
no desenrolar dos acontecimentos.
Narciso se desespera:

Este sou eu! Apercebi-me, e nem a minha imagem me engana. Sou abrasado pelo amor
de mim mesmo. Carrego e provoco as chamas! Que farei? Seja rogado ou rogue? Que
rogarei, então? O que cobiço está comigo. A abundância fez-me pobre. Oh! Pudesse eu
separar-me de meu corpo! Estranho voto em quem ama, querer eu que o objeto do meu
amor esteja longe!
(OVÍDIO, 2017, III, V. 463-468)

A aporia suscitada pela apercepção de Narciso o leva à sua derrocada. O fato de reconhecer-
se em uma condição sem saída não o faz deixar de desejar o objeto. Considerava-se afortunado, mas
sua fortuna na realidade é sua miséria. Ele sucumbe pela ardência do desejo que não pode realizar, e
ao mesmo tempo pela impossibilidade de possuir o objeto, pois o que cobiça encontra-se nele.
Contraditoriamente, anseia separar-se de si mesmo, a fim de viabilizar o desejo, mas isso significaria
a perda do objeto, logo, de todas as maneiras, está condenado.
Sempre que tenta abraçar a imagem, ela se desvanece, e em seu delírio de paixão, pede que
fique, a aquele que é ele mesmo.

Para onde foges? Fica, cruel, não me abandones, aquele que ama ‘Clamou’; seja
permitido olhar aquilo que não é para tocar e oferecer alimento à mísera loucura”.
(OVÍDIO, 2017, III, V. 477-479)
A percepção do outro pela imagem especular leva à sensação de destruição, caso esse outro
se afaste. Nesse sentido, Narciso, a despeito de já saber a natureza do seu objeto, não pode se afastar
dele, uma vez que o sentimento de que o outro é sua extensão, não o liberta dessa relação simbiótica.
Eu sou você, e você sou eu, não há a mínima possibilidade de dissociação, a não ser pelo
aniquilamento.
Conforme Freud:

Se o amor pelo objeto – um amor que não pode ser renunciado, embora o próprio objeto
o seja – se refugiar na identificação narcísica, então o ódio entra em ação nesse objeto
substitutivo, dele abusando, degradando-o, fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica
de seu sofrimento. (FREUD, 1996, p. 257)

E é exatamente isto que irá acontecer. Narciso, tomado de desespero, começa a bater no
próprio peito, a ferir-se, e a pele alva fica rubra. Contempla mais uma vez a imagem na água, e não
suporta mais:

Tal como a cera amarela pelo fogo brando e o orvalho matutino pelo sol tépido
costumam derreter, assim se liquefaz, corroído pelo amor, e pouco a pouco é consumido
por fogo oculto (OVÍDIO, 2107, III, v. 487-490)

A simbologia do fogo, presente ao longo da narrativa, traduz a presença de Eros. Há mais de


uma referência para Eros no âmbito das narratologia mítica. A primeira, já referenciada acima, denota
o caráter propulsionador dessa divindade, que se assemelha mais a uma força ctônica do que a uma
personificação. É essencial para que o Cosmos e todos os seres venham a existir. Ele assegura não
somente a continuidade das espécies, mas também a coesão interna do Cosmos. Nesse sentido, ele se
constitui como uma das quatro forças primordiais, proveniente de Caos. Outra referência tende a
designá-lo como filho de Afrodite, deusa do amor, e de Hermes, deus mensageiro; ou filho de
Afrodite e Ares, deus da guerra. Hesíodo (2000), na Teogonia, além de mostrar a divindade como
constituinte do Cosmos, trá-la como pertencente ao séquito de Afrodite, que, nesta tradição, nasce
das espumas geradas pelo sêmen de Urano, caído no mar depois de ter seus órgãos genitais decepados
por Cronos e jogados nas águas marítimas. Trata-se, portanto, de uma divindade que acompanha a
deusa em seus trabalhos de persuasão ao amor e de sedução. No entanto, Eros como elemento
emulador do desejo, diz respeito mais a uma força vital, que preside toda a existência. Narciso,
quando desdenha do amor, despreza a sacralidade que emana dessa potência.
A presença do fogo, da chama, que queima, que arde, que consome, que faz cobiçar, remete
a Eros. O fogo tem constituição sagrada, emana dos deuses para tirar os homens da escuridão,
atribuindo-lhe a civilização e, por isso mesmo, é cultuado como entidade divina. O fogo oculto pelo
qual Narciso é consumido, liquefazendo-se, é a pulsão primitiva que impele o homem a estar em
constante busca, é o que o mantém vivo, mas quando direcionado para um objeto interditado, traz a
destruição.
No ápice do seu sofrimento, Narciso é comparado à cera que derrete sob a ação da chama do
pavio, e ao orvalho matinal, que derrete ao contato do sol. Ele se liquefaz. É interessante observar
que é exatamente essa a sensação do sujeito que porta a ferida narcísica, não tendo se diferenciado
do objeto. Esse sujeito, ao perder seu objeto de desejo, que se configura mais como objeto de
necessidade, sente-se desonerando, como se estivesse se desfazendo. Trata-se da angústia de
aniquilamento, própria de um estágio muito regredido da estrutura psíquica do eu.
Narciso, após metamorfosear-se em uma flor que levará o seu nome, haja vista a sua cor de
marfim com um rubor no centro, o que caracteriza o estado final em que o personagem se apresenta,
ao ferir-se no peito por conta dos murros dados contra ele mesmo, será chorado pelas ninfas, as
mesmas que por ele se apaixonaram:

E já preparavam a pira, as tochas agitadas e o féretro; em nenhum lugar havia corpo;


em lugar do corpo, uma flor amarela com pétalas brancas que cercavam o centro.
(OVÍDIO, 2017, III, V. 508-510)

Narciso metamorfoseia-se. A sua morte não traduz um aniquilamento, mas uma


transformação, dando origem à flor narciso, cuja símbolo perpetua tudo o que a história do
personagem representa. O mito, em sua essência, é a expressão da psique humana, e com sua função
de elaborar através da narração, proporciona a possibilidade de o homem conhecer-se em seu âmago,
através da identificação com os arquétipos expressos pelos mitos.

REFERÊNCIAS:

OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução de Paulo Farmhouse Alberto. Lisboa: Livros Cotovia, 2010
HESÍODO. Teogonia. Tradução de JAA Torrano. 7ed. São Paulo: Iluminuras, 2007.
RUTHVEN, K. K. O Mito. Tradução de Esther Eva Horivitz. São Paulo: Perspectiva, 2010.
FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. In: A história do movimento psicanalítico, artigos sobre a
metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916). Rio de Janeiro: Editora Imago, 1996.
O PORTEIRO DO INFERNO: REFLEXÕES ACERCA DA RECEPÇÃO
DE UMA OBRA DE ARTE PÚBLICA

Stênio José Paulino Soares123


Doutor em Artes (USP)
Professor adjunto da Universidade Federal da Bahia

Resumo: O Porteiro do Inferno é uma obra pública de Jackson Ribeiro, instalada em 1967 no
centro da capital paraibana. Até 2007 ela migrou para diferentes lugares da cidade, quando
afixaram-na em uma rotatória em frente à UPFB. Refletiremos acerca das relações estéticas entre
esse objeto artístico, a arquitetura e a cidade, bem como os discursos religiosos que atravessaram
sua recepção. À luz das contribuições de Walter Benjamin (1994), entendemos que, ao situá-la
dentro de um debate político-religioso ao longo de anos, revelou-se como a forma de percepção
das coletividades humanas da cidade se configuraram contemporaneamente ao modo de
existência da obra.
Palavras-chave: Arte contemporânea. Jackson Ribeiro. Recepção. Discurso religioso. Cidade.

INTRODUÇÃO

Antes de mudar para a Europa, em 1965, Jackson Ribeiro elaborou uma obra pública para
ser instalada na cidade de João Pessoa. A obra era esperada por artistas e crítico locais como um
exemplar do renomado artista plástico conterrâneo (O NORTE, 1966). Nesse contexto, Jackson
Ribeiro era considerado uma das referências da escultura brasileira, conhecido pela crítica de arte
e com obras adquiridas por importantes museus e colecionados (SOUZA, 1978). O projeto de
uma obra pública de Jackson Ribeiro foi adquirido pelo governo do Estado da Paraíba, durante a
gestão de Pedro Gondim. A obra foi elaborada em um galpão, improvisado como ateliê do artista,
e ficou pronta em 1965, mas permaneceu guardada, e somente dois anos mais tarde, foi instalada
na Av. Getúlio Vargas (O NORTE, 1966)124.
O lugar escolhido para instalação é fundamental para compreender a importância que
tinha a obra de Jackson Ribeiro para o cenário artístico paraibano. A obra pública foi alocada em
uma praça, localizada dentro de um contexto arquitetônico e urbanístico com influência
modernista. O prédio com detalhes de uma arte décor, projetado pelo arquiteto Clodoaldo

123
Stênio Soares é Performer. Professor do Departamento de Técnicas do Espetáculo da Escola de Teatro da
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor colaborador do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Estudos Étnicos e Africanos (Pós-Afro/CEAO/UFBA). Doutor em Artes e Mestre em Estética e História da Arte
pela USP> Especialista em Museologia com ênfase em curadoria pelo MAC USP. Bacharel em Ciências Sociais
pela UFPB. Email: steniosoares@gmail.com.
124
Os relatos mais recorrentes indicam que o artista plástico Breno Mattos e o crítico Vigínius da Gama e Mello
promoveram a exposição pública e instalação da obra, até então desconhecida da sociedade.
Gouveia, funcionava a antiga Faculdade de Filosofia (FAFI) e o Liceu Paraibano. O prédio,
localizado na Av. Getúlio Vargas, está integrado e dialoga com o projeto urbanístico do Parque
Sólon de Lucena, cuja implantação foi coordenada por Roberto Burle Marx (PINACOTECA DO
ESTADO, 2014, p. 183).
Percebemos, nesse contexto, como a (re)construção do espaço urbanístico da cidade de
João Pessoa expunha determinadas escolhas de tendências artísticas. A obra foi nomeada
popularmente como “Porteiro do Inferno”, porém não existe um consenso sobre como surgiu o
nome; algumas narrativas atribuem ao crítico Vigínius da Gama e Mello. Segundo Raul
Córdula125, na época quando a obra foi instalada nesse logradouro, algumas pessoas deixaram
flores, plantas com valores místicos e velas criando uma atmosfera religiosa para a obra pública;
a mesma informação foi encontrada em um texto escrito por Hélio Oiticica (1968).
Entretanto, o nome da obra pública e as relações afetivas estabelecidas por alguns
observadores não agradaram aos membros da Primeira Igreja Batista, igreja cristã protestante,
localizada também na Av. Getúlio Vargas. É interessante pontuar como a obra de arte, em um
contexto de fetichização, ganha determinadas atribuições quando associada a um discurso
religioso. Helio Oiticica (1968) já havia apontado sobre o caráter fisionômico da obra de Jackson
Ribeiro, e os motivos os quais motivariam a nomeação das suas obras pelos observadores.
A questão era inquietante para Jackson Ribeiro, pois o artista se orientava por questões
estéticas e buscava uma abstração da forma (SOARES, 2010). Por outro lado, a estrutura totêmica
dos objetos revelava aspectos fisionômicos, o que também aproximava seus trabalhos às
expressões da nova figuração. Em relação à questão das características fisionômicas dos objetos
de Jackson Ribeiro, Oiticica (1968) afirmou: “a possibilidade de uma obra que não tem um
significado x, mas que possua uma estrutura que nos interessa enquanto que aberta aos
significados” (OITICICA, 1968). Nesse contexto histórico, a partir da atribuição de significados
imbricados em discursos construídos na cultura, surgiu um impasse quanto à permanência da
obra pública nessa praça e que culminou, posteriormente, na sua retirada.
A saga da obra “O Porteiro do Inferno” durou 40 anos, desde sua instalação em 1967,
posteriormente migrando para diferentes lugares da cidade, até em 2007 quando afixaram-na em
uma rotatória em frente à Universidade Federal da Paraíba (UPFB). A obra também foi objeto
de debates no cenário político da cidade, quando parlamentares da câmara municipal acataram

125
Durante a mesa-redonda “Helio Oiticica e Jackson Ribeiro: do neoconcreto à arte pública”, com a participação
de Raul Córdulo (ABCA/AICA), Walter Galvão (UFPB) e Stênio Soares (USP), realizada no dia 19 de março de
2010 na Usina Cultural Energisa/Fundação Ormeo Junqueira Botelho. Atividade da programação da exposição
“Helio Oiticica e Jackson Ribeiro: do neoconcreto à arte pública”, sob curadoria de Dyógenes Chaves.
as cobranças de líderes religiosos católicos e protestantes sobre a retirada da obra em frente à
UFPB. Na ocasião, os artistas locais se organizaram em um movimento de reconhecimento e
valoração da obra de Jackson Ribeiro. Passeatas, encontros universitários e a presença na mídia
local estavam mais preocupados em falar sobre a importância da obra e do artista para a história
local, ao invés de se debruçar sobre a linguagem do artista. Nesse mesmo ano, duas diferentes
ações foram executadas pela Prefeitura de João Pessoa e pelo Governo do Estado da Paraíba.
A Fundação Cultural de João Pessoa (FUNJOPE), órgão de administração indireta da
Prefeitura, criou um edital público que levava o nome de Jackson Ribeiro, o qual objetivava a
seleção de obras públicas para instalação na cidade de João Pessoa; o edital foi uma das
ferramentas criadas para endossar o reconhecimento da obra de Jackson Ribeiro e para incentivar
os artistas locais a criarem obras públicas para a cidade. Já o governo do Estado, por meio da
Curadoria de Artesanato da Subsecretaria de Cultura do Estado da Paraíba emitiu um parecer
alegando que a obra originalmente recebeu o nome de “astronauta”, em referência à chegada do
homem a lua.
Ao conversar com alguns conselheiros que assinaram esse parecer, o argumento era que
precisavam criar alguma ferramenta que pudesse desmistificar a nomeação desse trabalho de
Jackson Ribeiro. No entanto, entendemos que essa intervenção do Estado reafirmou o discurso
fetichista que cerca essa obra, além de negligenciar a afirmação do próprio Jackson Ribeiro,
quando se referia a obra pelo nome Porteiro do inferno na reportagem de Maria Eduarda Souza
(1978). Além disso, os escritos de 1968 de Helio Oiticica já se referiam a essa obra pelo nome
Porteiro do Inferno anterior ao ano de 1969, quando se noticiava a chegada do homem à lua.
Jackson Ribeiro costumava nomear suas obras de elementares e construções, uma nomenclatura
usual entre artistas que pensavam seus trabalhos de maneira abstrata, todavia o dialogo que os
objetos construíam com o público observador sempre abriu margem para nomeação popular das
obras, o que destaca também a afirmação de Oiticica a respeito do potencial figurativo da obra
de Ribeiro estar “aberta aos significados” atribuídos por seus observadores.
Entretanto, seja nomeada pelo artista seja alcunhada pelo diálogo poético com público,
esse trabalho está longe de se filiar a uma ideologia de divulgação de uma “conquista do espaço”
realizada pelos estadunidenses, especialmente porque Jackson Ribeiro se declarava comunista e
com críticas às políticas dos Estados Unidos da América. Passados três anos da instalação da
escultura na rotatória em frente à UFBA, a polêmica sobre o nome da obra se reacendeu e foi
estendida à campanha eleitoral de 2010, quando o então prefeito da cidade de João Pessoa
candidatou-se à Governador do Estado da Paraíba. Durante a campanha eleitoral, panfletos
jogados de helicóptero, “demonizavam” a campanha deste candidato, atribuindo-lhe um
julgamento inquisidor.
Depois de décadas, a obra de Ribeiro ainda carregava o estigma do fetiche, servia de
especulação na disputa pelo poder político local e, em débito com a poética do artista e sua
importância para história da arte, era pouco reconhecida entre seus conterrâneos.
Mesmo com a mudança da obra para diferentes lugares na cidade, um elemento se
encontra constante e presente: a relação entre o lugar e o tempo da obra de arte, ou seja, sua
existência e a significação dela em cada lugar onde esteve. É a própria existência da obra Porteiro
do Inferno que inicia a narrativa sobre sua própria história. Sua existência não compreende
somente as transformações que ocorreram durante os mais de quarenta anos, mas como essa obra
de arte ingressou em um sistema de relações sociais. Através da sua história podemos identificar
os vestígios de alguns discursos religiosos, políticos e artísticos, que cercam o fenômeno de
fetichização da obra de arte. Como foi sugerido por Hélio Oiticica, realizam com a obra de
Ribeiro uma “transposição definitiva da condição de ‘obra de arte’ isolada como tal para a de
objeto mágico de fruição coletiva” (OITICICA, 1968).
A mudança de contexto, ou sua ampliação, segue questões sobre a existência e a natureza
da própria obra: ao transformar a obra de arte em um objeto atravessado por valores religiosos,
os observadores apontavam que a obra de arte é algo aberto para criação além do trabalho do
artista.
Em seu ensaio sobre a reprodutibilidade técnica, Walter Benjamin (1994) afirma que “no
interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se
transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência” (1994, p.169). Nesse estudo sobre a
obra de Jackson Ribeiro entendemos que a percepção e o envolvimento dos observadores estão
ligados, entre outros aspectos, ao caráter fisionômico da obra. No caso da obra em questão, a
nomeação pode ter se dado por diferentes motivos que, necessariamente, não interessam ao nosso
estudo. Mas entendemos que existe uma realidade, integrada por discursos divergentes, que
constrói uma aura para a obra Porteiro do Inferno. Não bastava que a obra estivesse fixada em
frente a uma igreja de orientação cristã, mas tão somente seu nome marca um significado para
sua existência nessa realidade cultural.
O caminho percorrido pela obra errante e as manifestações públicas mostram o caráter de
unidade e durabilidade que definem sua aura. Criaram um “invólucro”, marcando etiquetas com
características e adjetivos de um determinado discurso religioso, estabelecendo uma relação
aurática com a obra de arte.
Para além do debate entre os discursos religiosos e políticos, entendemos que essa obra
pública, quando era localizada no seu primeiro logradouro, motivava uma outra percepção a
respeito de questões estéticas formais. Enquanto uma obra pública, o trabalho de Jackson Ribeiro
foi construindo de maneira racional, sustentado pela poética do artista que envolvia a apropriação
crítica da sucata, e pretendia ser também crítica na sua exposição pública em diálogo com a
arquitetura e o urbanismo. Onde foi originalmente instalada, e seguindo as orientações poéticas
do artista, essa obra pública debate, entre outros aspectos, com o conceito de simetria e o discurso
de industrialização da modernidade, ideais que atravessam um determinado discurso estético
modernista.
Nesse contexto expositivo, a obra de Jackson Ribeiro demonstrava um vanguardismo
contemporâneo, algo que também chamou a atenção do crítico neorelista Pierre Restany.
Porteiro do Inferno foi instalada em um contexto urbanístico que dialogava com dois exemplares
da educação espacial modernista – o prédio de Clodoaldo Gouveia e o paisagismo de Roberto
Burle Marx.
Quando observamos a obra, entendemos a preocupação de Jackson Ribeiro em construir
um objeto que consiga dialogar sua linguagem artística com o espaço público, sem o referencial
do espaço fechado da galeria. Porteiro do inferno não foi construído para um lugar específico,
embora o artista tenha declarado que sabia que este trabalho seria instalado entre instituições, e
certamente estivesse sujeito aos discursos e outros fenômenos sociais.
A obra foi pensada para o espaço aberto, onde houvesse diálogo com arquitetura,
plasticidades e visualidades, e por isso o artista não teria criado essa trabalho com a ambição de
lhe “blindar” da cidade e a cultura: pelo contrário, sua linguagem do artista sempre motivou a
participação do observador. Em uma leitura da obra é perceptível sua forma e seu material
construtivo. Para além da materialidade e estética do objeto novas questões se deflagravam a
partir do olhar atento e que não cabe mais a uma observação descomprometida. Porteiro do
inferno é uma escultura que mede mais de 2m de altura e seu material é uma construção de sucata.
O volume sugere algumas formas que nos faz perceber e dialogar de outra maneira com
o espaço; o desenho que o objeto sugere assemelhava-se a um figurativismo. E, nesse sentido, é
importante ponderar que há uma estreita relação entre a figuração e o imaginário, e isso está
enraizado como um fenômeno da cultura no indivíduo, sujeito à tessitura de determinados
discursos, justamente por que a cultura também guarda seu caráter ideológico e pode influenciar
na criação de outros sentidos. Nessa relação com a obra, o observador é interrogado e suas
perguntas são orientadas também para si: o que é ou o que foi esse ou aquele fragmento de ferro
usado na construção? Embora, suspeitamos da origem de alguns fragmentos do objeto, resta-nos
duas questões que precisariam ser respondidas para além do visível: porque o autor usou a sucata?
E como ele desenvolveu uma técnica para compor um objeto totêmico, expressivo, cujas figuras
saltam aos olhos e despertam sentidos?
Essas são questões colocadas a partir de uma primeira leitura da obra, de uma abstração
inicial, e transformam-se em uma indagação, cujas possíveis considerações estariam na nossa
experiência com a arte, com o conhecimento que cultivamos e, para tanto, está em constante
aprofundamento. Seria desconexo pensar que essa obra de arte se coloca somente exterior à
minha experiência, colocando nossa relação como produto de relações de causalidade: ora, se
essa relação com um objeto expressivo é capaz de nos despertar sentidos e, portanto, trata-se de
uma interioridade que se exterioriza a partir da obra. Se não houvesse a criação do artista não
poderíamos experimentar aquela indagação. Negar essa indagação seria recusar conhecer a obra,
que encontra uma comunicação, também, através dos sentidos.
Finalmente, podemos encontrar pistas para compreender o que cerca o problema da
fetichização da obra de Jackson Ribeiro: é uma determinada postura que pretende explicar a obra
de arte a partir da síntese, permite que o observador da obra seja participante e criador dela, e
realize sua própria experiência de pensamento. Se pensar é circunscrever um campo para pensar
(CHAUI, 2005, p.148), quando nos ocupamos em compreender a obra de Jackson Ribeiro,
revisitando seus caminhos para a construção da linguagem, estamos realizando nossa experiência
de pensamento. Entretanto, pensamento e juízo são faculdades humanas que estão em relação
íntima com nossa subjetividade. A maneira como cada observador participa de uma obra de arte,
ainda que seja uma participação como forma diálogo ou pensamento, está relacionada à maneira
como esse sujeito está no mundo e se relaciona com outros fenômenos da cultura.
Essa postura que alia pensamento e juízo passa, necessariamente, pela escolha entre a
explicação de uma obra de arte e o arbítrio de tão somente experimentá-la sem julgamentos.
Quando pensamos um impensado motivado pela obra do artista, realizamos uma relação de
interioridade-exterioridade, fundamos uma relação reflexiva que não deseja dizer o que é, mas
indagar o que somos. Porteiro do inferno desperta as sensibilidade a partir da sua origem no
observador, embora a própria obra seja o “originário da linguagem como sensível” (CHAUI,
2005, p.149). Isso implica afirmar que cada diferente olhar de um novo observador encontrará
na experiência sensível suas próprias questões e respostas. A obra de arte como forma de
conhecimento nos permite compreender que as sensibilidades e emoções, suas razões particulares
e pessoais da existência, são elementos fundamentais do fenômeno da recepção.
REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. In. Magia e técnica,
arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 165
– 196.
OITICICA, Hélio. Jackson. Rio de Janeiro, 1968. Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=document
os&cod=2&tipo=2>. Acesso em: 02 jun. 2008.
PINACOTECA DO ESTADO (São Paulo, SP). Roberto Burle Marx: uma vontade de beleza.
Curadoria Giancarlo Hannud, textos de Bruno Schiavo e Giancarlo Hannud. Catálogo: São Paulo,
2014. 194p.
PORTEIRO do Inferno continua abandonado. João Pessoa – PB: Jornal o Norte, 13 out. 1966.
SOARES, Stênio. Arcaísmo expressivo: a poética escultórica de Jackson Ribeiro. João Pessoa:
Funarte/Fundação Ormeo Junqueira, 2010. (comunicação oral).
SOUZA, Maria Eduarda Alves de. O escultor de ferro. Jornal do Brasil. Rio de janeiro, 30 out.
1978.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CHAÍ, Marilena. Experiência de pensamento: ensaios sobre a obra de Merleau-Ponty. São


Paulo: Martins Fontes, 2002.
SOARES, Stênio. Uma poesia surda e rouca: a obra de Jackson Ribeiro em acervos museológicos
brasileiros. In: Kátia Canton. (Org.). Poéticas da natureza. São Paulo: PGEHA/MAC USP,
2009. p. 63-68.
________. O escultor do ferro. Cadernos de cultura - Boletim de arte e cultura, João Pessoa, p.
19 - 21, 01 abr. 2010b.
________. Seria a subjetividade do pesquisador um problema? Reflexões metodológicas para
uma pesquisa interdisciplinar em arte. PGEHA USP. Interdisciplinariedade,
Transdisciplinariedade no Estudo e Pesquisa da Arte e Cultura. São Paulo: PGEHA USP,
2010c. p. 335-339.
________. Arte e educação: um estudo de caso a partir do Jogo dos Elementares de Fernando
Jackson Ribeiro. João Pessoa: UFPB/UFPE, 2010d. (comunicação oral).
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL:
PERSPECTIVAS DE PROFESSORES DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE
ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA-
PB

Verônica Brito Ferraz Gominho126


Universidade Federal da Paraíba
veronicagominho@hotmail.com

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo central analisar concepções e práticas de professores,
no campo da diversidade étnico-racial, de uma escola pública da rede municipal de João Pessoa/PB,
delimitando como objetivos específicos: mapear a formação dos professores para atuar com a
temática e caracterizar concepções de docentes acerca do que consideram importante para a melhoria
do trabalho com a temática para as relações étnico-raciais na escola. Desenvolveu-se por meio da
abordagem qualitativa, com entrevista semiestruturada realizada com três professores da rede
municipal de João Pessoa/PB.

PALAVRAS-CHAVE:Política Educacional. Diversidade Étnico-Racial. Formação Docente.


Práticas Pedagógicas.

INTRODUÇÃO

O tema deste estudo é “Práticas Pedagógicas para a Diversidade Étnico-Racial” e parte da


seguinte pergunta: Quais são as concepções e práticas de professores, no campo da diversidade
étnico-racial, no Ensino Fundamental de uma escola pública da rede municipal de João Pessoa/PB?
Desse modo, o presente estudo teve como objetivo geral: analisar as concepções e práticas de
professores, no campo da diversidade étnico-racial, de uma escola pública da rede municipal de João
Pessoa/PB. E, como objetivosespecíficos: mapear a formação dos professores para atuar com a
temáticae caracterizar concepções de docentes acerca do que consideram importante para a melhoria
do trabalho com a temática para as relações étnico-raciais na escola.
A partir desse entendimento, a proposta desta pesquisa encontra justificativa por sua
relevância pedagógica, política e social nas discussões para a diversidade das relações étnico-raciais
no âmbito educacional, e, ademais, ampliar pesquisas no campo da política educacional para a
diversidade das relações étnico-raciais, com o propósito de contribuir para a melhoria destas relações
na escola. Para tanto, a perspectiva desta pesquisa é conhecer práticas de ensino exitosas de

126
Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça - UFPB/CE. veronicagominho@hotmail.com
Trabalho apresentado à Universidade Federal da Paraíba, como requisito institucional para obtenção do título de
Licenciada em Pedagogia, sob orientação da Profa. Dra. Elzanir
Santos.https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/11958.
professores do Ensino Fundamental II, levando em consideração as dificuldades existentes na
profissão docente.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Apesar da disseminação de informações sobre o racismo no Brasil e das conquistas do


movimento negro e de especialistas na área da diversidade étnico-racial,fica evidente que ainda existe
muito a ser feito para que possamos combater esta prática discriminatória.
Por estes aspectos, evidencia-se a importância da formação continuada de professores para as
diversidades étnico-raciais, estes cursos trazem grandes contribuições para professores que
necessitam ampliar seus conhecimentos. De acordo com Munanga(2003, p.11), “no Brasil o mito de
democracia racial bloqueou durante muitos anos o debate nacional sobre as políticas de “ação
afirmativa” [...] atrasou também o debate nacional sobre a implantação do multiculturalismo no
sistema educacional brasileiro”.
Entretanto, entende-se que pensar em formação continuada para as diversidades étnico-raciais
pressupõe pensar em política educacional para este campo de estudo. Desse modo, com vistas a
garantir o ensino para as relações étnico-raciais, foi sancionada a Lei 10.639/03127,que é uma ação
afirmativa e versa sobre a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
na Educação Básica, com a perspectiva de corrigir as desigualdades étnico-raciais existentes no
sistema educacional brasileiro.
Segundo Gomes (2008, p. 79),

A Lei 10.639/03 faz parte das políticas de ação afirmativa. Estas têm como objetivo
central a correção de desigualdades, a construção de oportunidades iguais para os
grupos sociais e étnico-raciais com um comprovado histórico de exclusão e primam
pelo reconhecimento e valorização da história, da cultura e da identidade desses
segmentos.

Partindo desse entendimento, verifica-sea necessidade e urgência da inclusão da temática na


Educação Básica, a fim de contribuir para que sejam estabelecidas “relações étnico-sociais positivas”
128
. É um trabalho que não pode ser pensado isoladamente, requer a participação do Estado e o
engajamento das escolas para que os resultados sejam satisfatórios.

127
A lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003 passou a incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" a qual altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional”.
128
Art. 2° As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas constituem-se de orientações, princípios e fundamentos para o
planejamento, execução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover a educação de cidadãos atuantes
Além disso, a escola deve estar envolvida com a inclusão da temática da diversidade étnico-
racial na perspectiva de que o trabalho seja desenvolvido durante o ano letivo. Portanto, “é importante
destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico, marcadamente, de raiz europeia por um
africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e
econômica brasileira” (BRASIL, 2004, p. 17).

CONCEPÇÕES DE PROFESSORES ACERCA DO ENSINO PARA A DIVERSIDADE


ÉTNICO-RACIAL

O grande entrave do trabalho para a diversidade étnico-racial nas escolas são as concepções
que alguns docentes têm acerca da temática, existe uma abordagem estereotipada. Tem-se a visão do
negro escravo e pouco se discute o protagonismo negro, a sua luta e a sua resistência ao longo da
história. Essa concepção de inferioridade prevalece, diante disso, passam a naturalizar as
desigualdades raciais na escola abordando a temática apenas no Dia da Consciência Negra. Para
Gomes (2001, p. 05),

Dessa maneira, um povo cuja história faz parte da nossa formação cultural, social e
histórica passa a ser visto através dos mais variados estereótipos. Ser negro torna-se um
estigma. Se passarmos em revista vários currículos do ensino fundamental e médio,
veremos que o negro, na maioria das vezes, é apresentado aos alunos e às alunas
unicamente como escravo – sem passado, sem história – exercendo somente algumas
influências na formação da sociedade brasileira. Numa outra face desse mesmo
procedimento, o negro, quando liberto, é apresentado como marginal, desdobrando-se
na figura do “malandro”.

Pelo exposto, entende-se que o Dia da Consciência Negra não é um dia para comemorações,
é um dia de reflexão, de debate, é o momento de culminância dos projetos desenvolvidos durante o
ano letivo.
Outro fator a ser observado é a abordagem que a escola desenvolve acerca dos aspectos que
envolvem as religiões de matriz africana, ainda existe resistência por parte de professores em
trabalhar com a religiosidade africana.
Partindo desse entendimento o Estatuto da Igualdade Racial assegura,

Art. 2o É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades,


reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele,
o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas,
econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua
dignidade e seus valores religiosos e culturais. (BRASIL, 2010, p. 01).

e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas,
rumo à construção de nação democrática.
Apesar das dificuldades, existem educadores comprometidos com o ensino da história e
cultura afro-brasileira. As exceções mostram que é possível realizar um trabalho de inserção da
temática no cotidiano escolar. Alguns fatores favorecem o trabalho docente com a temática, fatores
como: pertencimento racial, trajetória de vida, formação acadêmica, formação continuada, entre
outros fatores.

METODOLOGIA

Diante dos objetivos apresentados, definimos a pesquisa qualitativa para uma melhor análise
dos resultados.
Para Minayo (2002, p.21-22),

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa,


nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado.
Ou seja, ele trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.

Nessa perspectiva, os sujeitos participantes desta pesquisa são: uma professora de Educação
Física, um professor de História e uma professora de Língua Portuguesa, que atuam no ensino
fundamental de uma escola municipal129 situada no bairro de Mangabeira IV em João Pessoa/PB. A
escolha da professora de Educação Física ocorreu por se tratar de uma mulher que se autodeclara
negra, com dezesseis anos de experiência na área de educação da rede privada e como prestadora de
serviço, e nove anos concursada da rede municipal de João Pessoa, a qual observei e entrevistei
durante a realização do Estágio Curricular, coletando dados acerca da temática-objeto deste estudo.
O professor de História, que se autodeclara mestiço, lecionou por quatro anos na rede privada e está
há quatorze anos como professor da rede pública, a professora de Língua Portuguesa, que se
autodeclara branca, tem dezoito anos de docência, atuou por quatro anos na rede privada, trabalhou
dez anos e seis meses na rede municipal de Cabedelo, e na rede municipal de João Pessoa atua há
nove anos. O professor de História e a professora de Língua Portuguesa, foram indicados pela
professora de Educação Física, por trabalharem de forma interdisciplinar com projetos que abordam
o tema da diversidade das relações étnico-raciais. Ressalta-se, aqui, que as identidades dos

129
De acordo com o censo escolar do ano de 2017, a escola é composta por 83 funcionários, 214 alunos
nos anos iniciais (1ª ao 4º ano), 496 alunos nos anos finais (5º ao 9º ano), 303 alunos na Educação de
Jovens e Adultos, e com 53 alunos da Educação Especial. Disponível em: http://www.qedu.org.br/ Acesso
em: 20 de jun. de 2018.
participantes foram mantidas em sigilo por questões de natureza ética, por esse motivo, foram
chamados de “Maria”, “Pedro” e “Rita130”.

FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES E SUAS CONCEPÇÕES


ACERCA DA DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL

Para realizar a análise sobre a formação continuada para a diversidade étnico-racial,


confirmou-se a necessidade de perguntar sobre a formação acadêmica de cada professor entrevistado.
Portanto, a professora de Educação Física também é formada em Pedagogia com habilitação em
Orientação Educacional, com Bacharelado em Biblioteconomia, Especialização em Educação
Biocêntrica, Especialização em Educação Popular, Mestrado em Educação Popular, os cursos foram
realizados pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB, e tem como formação técnica o curso de
Edificações.
O professor de História é graduado em História pela Universidade Estadual da Paraíba -
UEPB, com Mestrado em História pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. No
Mestrado pesquisou sobre identidades religiosas. A professora de Língua Portuguesa é graduada em
Letras pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Especialista em Metodologia de Ensino em
Língua Portuguesa pela UVA-UNAVIDA, e com Mestrado em Linguística pelo Programa de Pós-
Graduação em Linguística-PROLING da Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
Ao serem indagados sobre: quais cursos com a temática negra você participou durante o
exercício da profissão? Os professores responderam de forma distinta. Dois professores responderam
que participaram e não concluíram o curso de formação continuada com a temática, portanto, os três
tiveram experiências diferenciadas, conforme as respostas abaixo:

Maria: Eu participei de um curso o ano retrasado, que era uma formação continuada,
na escola Antônia... Não lembro. Que tivemos várias formações, tivemos a questão do
quilombo, tivemos as visitas aos indígenas, que às vezes também se apega muito a
questão do negro e não vê a questão do indígena. Então eram 100 horas, não era 70, era
dia de sábado, era lá em Paratibe, longe pra dedeu, e foi o que não me fez continuar nele
porque ele continua sendo oferecido, mas foi um curso maravilhoso.

Pedro: Eu participei do curso de extensão ainda quando eu estava na graduação, sobre


as relações étnico-raciais na sala de aula, e eu já fui formador também com professores
da rede municipal de Alhandra, onde trabalhei com essa temática também da
implementação da Lei das relações étnico-raciais na sala de aula. Eu comecei o curso

130
Conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), as identidades dos sujeitos
participantes da pesquisa foram mantidas em sigilo, aos quais foram atribuídos os seguintes nomes fictícios: Maria
para a professora de Educação Física, Pedro para o professor de História e Rita para a professora de Língua
Portuguesa.
em Paratibe, pelo município, mas não terminei porque eu tive problemas de saúde com
o meu pai e não deu para prosseguir.

Rita: Curso mesmo, nenhum, né. A prefeitura que já ofertou especialização com essa
temática, mas eu já tava fazendo mestrado e depois que eu voltei eu dei um tempo, né!
Até porque no ano que eu tive interesse de fazer não contou como formação continuada
da prefeitura, então mesmo quem fez precisou fazer a outra formação continuada. Então,
assim, não achei muito proveitoso nesse sentido prático de tempo, né, claro que a
formação ela é válida sempre, mas assim como a gente trabalha tem uma carga horária
grande a gente tem que realmente escolher o que fazer, não dá pra fazer muito, e eu
acabo fazendo realmente na minha área. Só esse ano que teve um seminário de uma
tarde, que foi no início do ano, que os professores foram chamados a participar, foi 3
horas só.

Diante do exposto, fica evidente que dois professores iniciaram a formação continuada
com a temática diversidade étnico-racial ofertado pela Secretaria de Educação do município de
João Pessoa, e não concluíram. Nesse caso, um professor queixa-se da localização e o outro alega
ter desistido por problemas pessoais. A terceira professora entrevistada ressalta a questão da
disponibilidade de tempo, enfatiza que prioriza os cursos da sua área e que pontua para a carreira.
A grande problemática percebida é que o professor acaba limitando suas práticas, pelo fato de
escolher a formação continuada na sua área de formação, nesse sentido, encontra dificuldade em
desenvolver o trabalho com a temática. Para que o trabalho seja desenvolvido, os professores têm
realizado pesquisas individuais, o que caracteriza sua autoformação. Para que seja possível
atender a demanda dos cursos de formação continuada, Gomes (2005, p.153) sugere que,

Uma outra proposta de trabalho com a diversidade étnico-racial e que pode ser
considerada como uma estratégia de combate ao racismo no interior da escola refere-se
à organização de trabalhos conjuntos entre diferentes instituições escolares. Para isso, é
necessário realizar um mapeamento das escolas que estejam realizando trabalhos
interessantes com a questão racial. Esse mapeamento pode ser desenvolvido pela
universidade (um projeto de extensão), pelos centros de formação de professores ou por
equipes técnicas da secretaria de educação e divulgado para as escolas. Após esse
mapeamento, pode-se promover encontros e trocas de experiências entre os docentes.
Para tal, é preciso flexibilizar os tempos escolares (que já está proposto na LDB) e
pensar em momentos de participação da comunidade junto com os professores e alunos.
Essa mesma estratégia pode ser realizada, numa escala menor, no interior da própria
escola.

Por esses aspectos, entende-se que, para garantir a formação continuada para a diversidade
étnico-racial dos professores da rede municipal de João Pessoa, é preciso atentar para a oferta dos
cursos observando a localização geográfica, mas igualmente, para uma política de formação que
priorize tempo de formação na carga horária de trabalho dos professores para que seja possível
atender a todos, com materiais pedagógicos adequados.
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES PARA A DIVERSIDADE ÉTNICO-
RACIAL

Para conhecer as práticas de ensino desenvolvidas pelos professores entrevistados, perguntei


sobre: Quais recursos você utiliza durante as atividades com a temática das relações raciais? Vale
destacar que, os professores desenvolvem projetos de forma interdisciplinar durante o ano letivo, e
tem como ponto forte a culminância no Dia da Consciência Negra. Estes aspectos ficam evidentes
com os relatos a seguir:
Maria: Dentro de projeto já trabalhamos em parceria com o professor de história e com
a com a professora de Português, fizemos o projeto, utilizamos vídeos que tratavam a
questão da cultura, da relação da dança, da relação da religião[...] Então, trabalhamos
peças, trouxemos muitos documentários, né. [...] Então, não é uma coisa criada só para
ser uma dança ali no final, eles dançam, eles cantam, eles fazem, mas eles têm que
entender esse processo de construção, esse processo de tanto sofrimento, de tanta luta e
que ainda é constante.

Pedro: Um eu trabalhei na EJA, que foi aí que eu trabalhei muito mais a questão do
preconceito, trabalhei a parte de uma música de Chico César, que o título da música é:
“respeite os meus cabelos, brancos”, e com a turma do fundamental II eu trabalhei mais
um conceito mesmo da violência, da escravidão, dos escravizados. E trabalhei muito a
questão do poema Navio Negreiros, certo, e desenvolvi com eles um teatro a partir do
poema Navio Negreiro. Como professor de história a gente não pode deixar de falar da
escravidão, mas é claro que eu não me prendo a isso, certo. Eu não fico preso para que
o aluno tenha essa visão de que o negro só foi escravo e ponto final, né! Mas aí eu tenho
que ressaltar toda a importância dessa população que veio para cá, que não veio porque
quis, mas ao chegar aqui contribuíram gigantemente para que o país fosse o que é hoje,
né, aí eu trabalho tanto a questão dos heróis, mas eu trabalho também a questão da
influência na culinária, a influência na dança, na música, na literatura.

Rita: Eu já trabalhei com a professora de educação física o ano retrasado, eu trabalho


com música e poesia, né. A gente já trabalhou com música de Nina Simone, uma que
eu não lembro o título agora, né. Inclusive fui eu quem trouxe aí eu pedi para o professor
de inglês trabalhar a parte de inglês, né, associar já que o original é em inglês e a gente
fez uma declamação com os alunos [...] os meninos cantaram a que eles escolheram
para cantar, que foi uma de Racionais [...] trabalhei Elza Soares, Criolo, Racionais, Seu
Jorge, Jorge Ben Jor, Emicida, eu escolhi uns dez [...] um grupo que escolheu uma
propaganda com KarolConka [...] uma propaganda da Avon porque poderia ser anúncio
publicitário [...] que é um batom líquido, só que os batons eram dispostos no pescoço
de forma que parecia um colar étnico africano, assim o desafio é você fazer o aluno
perceber, não dá a resposta pra ele, aí eu fui fazendo as perguntas pra eles poderem fazer
a análise do anúncio, que cores se destacaram, porque se destacavam, qual é a etnia que
tava sendo representada, aí eu fui chegando a questão do cabelo. Mas como era o cabelo
dela? Como é que ela se apresentava? A disposição daqueles batons está formando o
que? Um colar. É qualquer colar? Que tipo de colar? E aí, uma das alunas negra, depois
desse trabalho começou a vim mais com cabelo solto, começou a se aceitar mais, é um
trabalho de pertencimento racial porque Carol Conka começou a trazer isso, né. [...] Eu
gosto de trazer compositores que sejam negros falando da temática do negro, né, porque
aí é uma questão de experiencial realmente, não é um branco falando do negro, é o negro
falando dele mesmo.

Por estes relatos fica evidente que, os professores desenvolvem estratégias para realizar suas
práticas de ensino mesmo com a escassez de material didático, citado por uma das entrevistadas.
De acordo com Chagas (2017, p. 84):

Logo, em qualquer nível de escolaridade, é possível ao professor/a, a partir de um


simples recurso, como uma gravura pertinente à história e a cultura afro-brasileira e
africana, trabalhar esses conteúdos, sem necessariamente ter que esperar o preconceito
racial se manifestar em sala de aula. Basta que tenha formação, acesso ao material
didático adequado e vontade política para reinventar sua prática, assim como a
metodologia com que vai abordar esses conteúdos em sala de aula e implementá-lo no
currículo escolar.

É importante salientar que, parcerias com o movimento negro e com especialistas na área são
fundamentais nesse processo de reconhecimento da história e cultura do povo negro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho desenvolvido foi acompanhado in loco por meio do estágio supervisionado do


magistério no Ensino Fundamental II, do curso de Pedagogia. Pelas vivências partilhadas, consegui
identificar que os professores trabalham de acordo com o proposto pela Lei 10.639/03.
A questão da formação continuada para professores foi um tema que gerou uma forte
discussão, os professores demonstraram grande interesse em participar do curso ofertado pelo
município de João Pessoa, que acontece na Escola Municipal Antônia do Socorro da Silva Machado,
localizada em uma comunidade quilombola, em Paratibe. Mas, diante da localização geográfica e do
dia e horários em que o curso é disponibilizado, os professores alegaram dificuldade quanto à
mobilidade e permanência no mesmo. A escassez de tempo também foi outro fator que, segundo os
docentes, acarretou na escolha de cursos voltados para a sua área de formação, e que, por uma questão
de otimização de tempo, poderiam ser realizados na escola.

REFERÊNCIAS

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para o Ensino de História e Cultura Afro - Brasileiro e Africano. Brasília: MEC -
SECADI/SEPPIR /INEP, 2004. Disponível em: http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-
content/uploads/2012/10/DCN-s-Educacao-das-Relacoes-Etnico-Raciais.pdf Acesso em: 13 abr.
2018.
______, Senado Federal. Estatuto da Igualdade Racial. Brasília, 2010. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.htm >. Acesso em: 31
jul. 2018.

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______, Presidência da República. Lei n. 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Brasília, 2003. Disponível
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CHAGAS, Waldeci Ferreira. História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica


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GOMES, Nilma Lino. A Questão Racial na Escola: Desafios Colocados Pela Implementação da
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______, Nilma Lino. Educação e Identidade Negra. Aletria: Revista de Estudos de Literatura,
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MINAYO, M.C.S. (Org.). Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. 21. Ed. Petrópolis:
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MUNANGA, Kabengele. Uma Abordagem Conceitual das Noções de Raça, Racismo, Identidade
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de-raca-racismo. Acesso em: 19 set. 2017.
REFORMA TRABALHISTA REDUZINDO O ACESSO À JUSTIÇA

Aislan Saraiva Tavares


UFPB – aislanst@gmail.com
Anna Rachel Alves de Arruda
UFPB - annarachel_11@hotmail.com
Francisco Pereira da Silva Junior
UFPB – engfjunior@hotmail.com

RESUMO: O acesso à justiça garantido no artigo 5°, XXXV, da Carta Magna de 1988 teve
repercussão com a vigência da lei 13.467/17, alterando dispositivos da Consolidação das Leis do
Trabalho que protegia os direitos dos trabalhadores. Restando demonstrada a fragilização dos direitos
com a mudança no pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais. Busca-se assim comparar
as legislações vigente e a revogada, correlacionando com o número de processos ingressos na Justiça
do Trabalho, demonstrando que houve uma redução substancial no número de ações trabalhistas com
a vigência da nova lei, tendo em vista que se tornou mais oneroso o processo para o sucumbente,
limitando assim o acesso à justiça, ferindo princípios relacionados a sociedade livre e solidária, a
gratuidade da justiça, o da cidadania e o da dignidade humana.
PALAVRAS-CHAVE: Sucumbência. Acesso à justiça. Direito fundamental.

INTRODUÇÃO

O princípio garantidor do acesso à justiça trazido na Constituição Federal (CF) de 1988,


em seu artigo 5º, XXXV, enquadrado entre os Direitos e Garantias Fundamentais do cidadão,
também conhecido como princípio do direito de ação, pode ter algumas restrições a partir da
vigência da Lei 13.467/17.
A reforma trabalhista introduzida a partir da vigência da Lei 13.467/17, em 11 de
novembro de 2017, alterou dispositivos legais da Consolidação da Leis do Trabalho (CLT),
Decreto-Lei 5.452/43, trazendo repercussão no acesso à justiça e em direitos constitucionais, em
particular no que se refere ao acesso à justiça.
Dentre as mudanças trazidas com a reforma trabalhista destaca-se o pagamento dos
honorários sucumbenciais nos processos trabalhistas, previsão esta introduzida com a inclusão
do artigo 791-A da CLT, no qual tornou expresso a determinação do pagamento dos referidos
honorários, bem como fixou a margem percentual no qual devem ser calculados os referidos
honorários, a partir de alguns preceitos que deve ser observado pelo juízo quando da fixação do
valor devido de honorários pela parte vencida.
Destaca-se que mesmo nas ações patrocinadas pelo próprio autor ou mesmo de
beneficiários da justiça gratuita, tais honorários serão fixados e devidos pela parte sucumbente,
de forma que pode haver a oneração dos custos do processo trabalhista e consequentemente uma
dificuldade de acesso à justiça, visto que até a vigência da reforma trabalhista não havia até então
em no corpo legal da CLT qualquer descrição ou menção aos “honorários advocatícios”.
A redução no número de ações trabalhista poderá ocorrer devido ao receio da parte autora
quanto a causa de pedir, visto que pedidos sem embasamento jurídico ou mesmo sem provas
consistentes para sustentação no processo não irão mais integrar a peça processual, uma vez que
a mesma poderá incorrer futuramente em honorários sucumbenciais, caso a parte seja vencida.
Realizada está breve explanação, o presente trabalho busca realizar uma análise da
legislação anterior a reforma trabalhista em relação a legislação introduzida por meio da vigência
da Lei 13.467/17, de forma a comparar as legislações vigente e a revogada, correlacionando com
o número de processos ingressos na Justiça do Trabalho, especificamente no Estado da Paraíba,
demonstrando que houve uma redução substancial no número de ações trabalhistas com a
vigência da nova lei, estatística essa que pode ter sido motivada em razão da introdução da
previsão legal de pagamento dos honorários sucumbenciais. Entretanto, estudos mais
aprofundados e detalhados precisam ser realizados para confirmação da referida tese, porém, não
faz parte do escopo do presente estudo.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO


DE AÇÃO

O princípio do direito de ação está previsto na CF/88, sendo esse um direito público
subjetivo do cidadão, conforme previsão do artigo 5º, XXXV, vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito; (grifado)

Tal dispositivo legal garante ao cidadão o acesso ao Poder Judiciário para apreciação de
lesão ou ameaça de direito, de modo que cabe ao Poder Judiciário tal jurisdição, podendo assim
ser capaz de dizer o direito e fazer a coisa julgada.
“Trata-se de uma das garantias mais importantes do cidadão, uma vez que,
modernamente, a acessibilidade ao Judiciário é um direito fundamental de qualquer
pessoa para efetivação de seus direitos. De outro lado, não basta apenas a ampla
acessibilidade ao Judiciário, mas também que o procedimento seja justo e que produza
resultados (efetividade). ” (SCHIAVI, 2017)

A proibição do Estado em promover a autossatisfação dos interesses individuais traz a


natureza subjetiva do direito de ação, de modo que deve haver a provação do exercício da
função jurisdicional. Portanto, o direito de ação é oposto contra o Estado, no que se refere ao
exercício de uma função pública, tornando assim tal princípio de natureza pública. Por fim, a
natureza genérica do direito de ação é caracterizada em razão de tal preceito jurídico ser
atribuído a todos os cidadãos, independente dos interesses que sejam alvo da discussão jurídica.

Os Honorários de Sucumbência

Os honorários advocatícios podem ser classificados em três tipos: Contratuais;


Arbitrados; e sucumbenciais. Os dois primeiros tipos são originários da relação contratual entre
o cliente e seu advogado, os contratuais, como o próprio nome diz, tem sua origem no contrato
firmado entre eles, enquanto os arbitrados surgem a partir da necessidade de que os honorários
sejam arbitrados pelo juízo, quando o cliente e o patrono não estipularam um valor para o contrato
ou quando ocorreu algum desentendimento entre eles, cabendo ao juízo sua determinação. Por
outro lado, os honorários sucumbenciais são fixados pelo juízo e devem ser pagos por quem
perder a ação judicial ao patrono da outra parte, no final do processo.

‘Sucumbir’ significa ser derrotado. Assim, honorários de sucumbência, são os


honorários que o vencido tem que pagar ao vencedor para que este seja reembolsado
dos gastos que teve com a contratação do advogado que defendeu seus interesses no
processo. (ARAÚJO, 2016)

A Reforma trouxe a efetivação de entendimento já consolidado na esfera civil consoante


princípios mínimos de dignidade da advocacia, previsto inclusive na Carta Magna em seu artigo
133 que “O advogado é indispensável à administração da justiça”.
A previsão de honorários advocatícios no âmbito do processo trabalhista havia previsão
apenas na súmula 219 do TST, in verbis:

Súmula nº 219 do TST


HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO (alterada a redação do item I e
acrescidos os itens IV a VI em decorrência do CPC de 2015) - Res. 204/2016, DEJT
divulgado em 17, 18 e 21.03.2016
I - Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não
decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte, concomitantemente: a)
estar assistida por sindicato da categoria profissional; b) comprovar a percepção de
salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que
não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.
(art.14,§1º, da Lei nº 5.584/1970). (ex-OJ nº 305da SBDI-I).
II - É cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação rescisória
no processo trabalhista.
III – São devidos os honorários advocatícios nas causas em que o ente sindical figure
como substituto processual e nas lides que não derivem da relação de emprego.
IV – Na ação rescisória e nas lides que não derivem de relação de emprego, a
responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios da sucumbência
submete-se à disciplina do Código de Processo Civil (arts. 85, 86, 87 e 90).
V - Em caso de assistência judiciária sindical ou de substituição processual sindical,
excetuados os processos em que a Fazenda Pública for parte, os honorários advocatícios
são devidos entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da
condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o
valor atualizado da causa (CPC de 2015, art. 85, § 2º).
VI - Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, aplicar-se-ão os percentuais
específicos de honorários advocatícios contemplados no Código de Processo Civil.

A súmula 219 do TST é merecedora de revisão, visto que a mesma se encontra com
enunciado contrário a legislação vigente, devendo tal súmula se adequar aos preceitos legais
vigentes.

O pagamento dos honorários sucumbenciais e a reforma trabalhista

A reforma trabalhista introduzida por meio da lei 13.467/17 trouxe inovações no campo
do processo trabalhista, visto que até a vigência da referida legislação não havia no âmbito da
CLT qualquer menção ao pagamento dos honorários sucumbenciais, porém com a inclusão do
artigo 791-A na CLT, houve a expressa previsão do pagamento de tais honorários, bem como a
regulamentação quanto aos percentuais e critérios que o juízo deve adotar para determinação da
quantia a ser paga pela parte vencida, trazendo a seguinte previsão legal, in verbis:

Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários
de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15%
(quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito
econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
§ 1º Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações
em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria.
§ 2º Ao fixar os honorários, o juízo observará:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência
recíproca, vedada a compensação entre os honorários.
Assim a inclusão do referido dispositivo legal trouxe a expressa previsão de fixação dos
honorários sucumbenciais entre a faixa de 5% (cinco por cento) e 15% (quinze por cento) sobre
o valor que resultar a sentença, do proveito econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre
o valor atualizado da causa, devendo o juízo para arbitrar o percentual observar os critérios
elencados no §2º do referido dispositivo.
Tal inovação traz grande repercussão ao processo trabalhista, ao que se observa o
legislador trouxe para a esfera judicial trabalhista a prática que era comum em outras esferas
processuais, a exemplo das ações que tramitam na esfera cível.
Havendo ainda procedência parcial, a possibilidade de reciprocidade entre os referidos
honorários sucumbenciais teve sua previsão trazida no §3º, porém, vedada a compensação entre
estes.

A justiça gratuita e os honorários sucumbenciais

A inclusão do artigo 791-A na CLT não trouxe ainda a previsão de pagamento dos
honorários de sucumbência aos beneficiários da justiça gratuita, conforme a previsão legal
abaixo:

Art. 791-A (...)


§ 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo,
ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações
decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e
somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado
da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de
insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se,
passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

A expressa previsão de pagamento dos honorários sucumbenciais trazidos no §4º, do


artigo 791-A da CLT, demonstra que mesmo tal parte sendo hipossuficiente a mesma incorrerá
no pagamento dos referidos honorários a parte vencedora, gozando apenas da suspensão da
execução, caso não tenha capacidade de arcar com tais custos, porém poderá ser executado a
qualquer tempo nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou,
se sobrevier situação financeira adversa do que a época da condenação.

METODOLOGIA
A presente pesquisa buscou correlacionar através de inferência entre os dados de ingresso
de novos processos nas Varas do Trabalho da Paraíba e a Reforma Trabalhista, em particular
quanto ao pagamento de honorários de sucumbência.
A Justiça do Trabalho no Estado da Paraíba é formada por 27 (vinte e sete) Varas do
Trabalho (VT), localizadas nos municípios de Cajazeiras, Campina Grande, Catolé do Rocha,
Guarabira, Itabaiana, Itaporanga, João Pessoa, Mamanguape, Patos, Picuí, Santa Rita e Sousa.
Objetivando correlacionar os dados foram obtidos no sítio eletrônico do 13º Tribunal
Regional do Trabalho (TRT), o quantitativo de novos processos na fase de conhecimento, de
modo a verificar as implicações da reforma trabalhista em relação ao ingresso de novos processos
na esfera judicial trabalhista.
A figura 1 apresenta o quantitativo de novos processos nos anos de 2017 e 2018, este último
apenas até o mês de outubro, visto que os dados referentes aos períodos subsequentes ainda não
foram disponibilizados por aquela corte trabalhista.

Figura 10 – Número de novos processos ingressos nas VT da Paraíba – Fase de conhecimento


Fonte: 13º Tribunal Regional do Trabalho

Conforme apresentado na figura 1, observa-se uma redução de aproximadamente 50% no


comparativo de cada mês entre os anos de 2017 e 2018, destacando-se os meses de novembro de
2017, início da vigência da reforma trabalhista, com mais de 4500 novos processos e o mês
subsequente a entrada em vigência da reforma trabalhista, dezembro de 2017, com menos de 1000
novos processos, ambos na fase de conhecimento.
Apesar das novas regras impostas pela reforma trabalhista nas relações de trabalho,
aparentemente não parece justificar a redução do ingresso de novas ações devido unicamente a estes
fatos, visto que na maioria das vezes o que se está discutindo é uma relação de trabalho fruto da
legislação anteriormente vigente, levando a crer que o principal fato que pode explicar tal decréscimo
é em razão de questões processuais, a exemplo da possibilidade de pagamento dos honorários de
sucumbência, uma vez que não é raro encontrar petições trabalhista com pedidos sem fundamentação
jurídica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos dados apresentados na Figura 1, demonstra-se que houve uma “corrida” para
que fossem ingressadas ações trabalhistas antes da vigência da reforma trabalhista, visto que o
mês de novembro houve um aumento de quase o dobro da média do ano de 2017, ficando
evidente a “fuga” da nova legislação, que naquele momento dentre as principais novidades era a
possibilidade de pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais.
Infere-se ainda que a redução ocorrida no ano de 2018 no ingresso de novas ações podem
ter sido motivadas também devido aos aspectos processuais, visto que os advogados em seu dever
laboral devem ter alertado seus clientes sobre a produção de provas concisas, além de elaborar
suas peças apenas com bases jurídicas consistentes, fato muitas vezes que não são comprovados
pelos relatos dos clientes, inviabilizando assim a materialização da peça processual a ser
analisada pelo juízo.
A principal implicação ao cidadão é a perda de direitos constitucionais garantidos no
artigo 5º, XXXV, visto que o cidadão por já ser a parte vulnerável nas relações trabalhistas, por
vezes diante de tamanha incerteza que poderá implicar em maiores prejuízos materiais, em razão
de um possível pagamento dos honorários sucumbenciais, acaba por não ingressar com a devida
ação trabalhista, tendo assim seus diretos tolhidos tanto no aspecto constitucional quanto no
aspecto trabalhista, resultando em perdas de verbas indenizatórias a que fazia jus.
Mesmo ingressando com a referida ação e a mesma for sentenciada desfavorável em
relação ao autor, com o arbitramento de honorários sucumbenciais, caso haja a pretensão de
impetrar recurso da decisão proferida em juízo na ação originária, poderá ainda ser novamente
condenado em pagamento de honorários sucumbenciais recursais, dessa forma causando ainda
mais temor por parte do autor da ação e consequentemente afastando o trabalhador cada vez mais
dos seus direitos.
CONCLUSÃO

Ao longo desse estudo ficou demonstrada que a concessão automática dos honorários de
sucumbência em favor dos advogados atuantes na Justiça do Trabalho, trazida pela Lei nº
13.467/17, é uma das mudanças processuais mais significativas na seara processual trabalhista.
Concluísse que as modificações legislativas trazidas com as reformas trabalhistas afetam
diretamente três indivíduos citados no presente trabalho artigo, quais sejam: a) o Trabalhador
que ver padecer seu direito constitucional de acesso à justiça e garantia a proteção de sua
condição de hipossuficiente limitada; b) O Advogado que ver na legislação como um
reconhecimento a dignidade de sua profissão; c) O Estado por meio do órgão da Justiça do
Trabalho, que observa um fenômeno da mitigação de sua função social de proteger a relação de
trabalho e de assegurar o direito do Trabalhador, além da perda de receitas orçamentárias com a
diminuição do número de casos ajuizados.
No caso do Estado da Paraíba fica notoriamente demonstrado que houve uma redução
significativa de metade do ingresso de novas ações trabalhistas na fase de conhecimento, com
uma evidência de que as vésperas da vigência da reforma trabalhista houve um incremento
anormal de ações trabalhistas, evidenciando que se buscava ali que as mesmas sejam tratadas
com base na legislação vigente anterior a Lei 13.467/17.
Apesar do presente artigo estar baseado apenas na inferência estatística entre o número
de novas ações e os honorários de sucumbências trazidas com a reforma trabalhista, estudos mais
detalhados são necessários a fim de verificar junto a todos os agentes envolvidos, ou seja,
pesquisa em escritórios de advocacia, trabalhadores, magistrados, entre outros, de modo que seja
possível caracterizar de forma pormenorizada a motivação da redução de novas ações judiciais
trabalhistas, ficando como sugestão para pesquisas futuras.

BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Adriano Alves de. O que são honorários de sucumbência? 2016. Disponível em:
<https://alvesaraujoadv.jusbrasil.com.br/artigos/396873636/o-que-sao-honorarios-de-
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SCHIAVI, Mauro. A reforma trabalhista e o processo do trabalho: aspectos processuais da Lei


n. 13.467/17. 1ª. ed. São Paulo: LTr, 2017.
TRABALHO, 13º TRIBUNAL REGIONAL DO. Produção dos Magistrados. 2018. Disponível em:
<https://trt13.jus.br/institucional/corregedoria/producao-dos-magistrados>. Acesso em: 30 nov.
2018.
RELIGIÃO E ADOECIMENTO: UMA ANÁLISE SISTEMÁTICA

Bruna Tavares Pimentel


UFPB, bruna.t.pimentel@hotmail.com131
Resumo
Este trabalho trata-se de uma análise sistemática de busca criteriosa da literatura, tem como
objetivo identificar as possíveis influências da religiosidade no processo de adoecimento na
sociedade brasileira, realizado através de diálogos entre textos e autores que tratam sobre a
temática dentro da perspectiva da Antropologia. Dessa forma, o trabalho aborda diversas
religiões e religiosidades, concluindo que existe uma influência em vários aspectos da
religiosidade diante ao adoecimento, que se dá epistemologicamente e também subjetivamente
através de crenças, fator que auxilia no pensar e no agir dentro das sociedades.
Palavras-chave: Antropologia da Saúde; Religiosidade; Adoecimento.

INTRODUÇÃO

A concepção de adoecimento vai além de fatores biológicos e físicos, podem se dá por


condições espirituais e culturais, quando as benzedeiras, por exemplo, afirmam ter curado uma
pessoa que nem os médicos conseguiram curar, é porque a doença, neste caso, pode não ser física.
Na Umbanda, o trabalho de cura e tratamento une a questão espiritual religiosa ao saber médico
o que legitima a cura. Já na igreja Universal do Reino de Deus, a cura está totalmente ligada ao
milagre, nesta o único instrumento usado para alcançar o resultado é a fé do fiel.
Este trabalho trata-se de um recorte da pesquisa realizada na minha monografia, e tem
como objetivo dialogar textos que discutam a temática religiosidade e adoecimento dentro da
perspectiva antropológica, identificar as possíveis influências da religiosidade no processo de
adoecimento das pessoas em sociedades brasileiras e contribuir teoricamente com a temática.
A seleção dos textos se deu através da revisão sistemática com cunho qualitativo.
Traçando estratégias de pesquisa previamente pensadas, os textos obtidos através desse método
caminharam pelas mais diversas religiões cultuadas no Brasil. Sendo assim, ficam claras as
formas com que cada religião trabalhada vê o adoecimento nas práticas de cura, na manutenção
da saúde e até mesmo os tratamentos de doenças.

131
Bacharel e licenciada em Ciências Sociais, mestranda no programa de pós-graduação em Sociologia
(PPGS), todos pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
REFERÊNCIAL TEÓRICO

Estudar a religiosidade é reconhecer sua complexidade diante das sociedades nos mais
variados ângulos, e reconhecer suas influências na vida cotidiana, inclusive quando se refere ao
cuidado com a saúde e todas as percepções em volta do adoecimento. Os estudos antropológicos
na área da saúde foram iniciados nos anos 60, Canesqui (1994 apud MELLO, 2013), inicialmente
apresentando oposição ao padrão médico, a Antropologia abriu um leque para reflexão de
recursos terapêuticos e questões também além do meio médico oficial.
A relação entre antropologia, saúde e religiosidade é um forte diálogo interdisciplinar que
tem colaborado com ambas as áreas diante dessa ciência que surge enviesada em arcabouços
teóricos abrangentes com métodos e conceitos trabalhados na Antropologia como também
literaturas sobre saúde. Esse campo da Antropologia da saúde procura entender como os
indivíduos expõem e interpretam o adoecimento que se expressam como formas de sofrimento e
dor, levando em consideração as mais diversas formas de interpretação desses fenômenos.
De acordo com Costa e Cardoso (2014) a doença não se limita a fatores ou desequilíbrios
biológicos, mas também deve ser vista como uma construção social, fenômeno cultural e
religioso. Podendo ser comprovada a partir do seguinte raciocínio: a doença é um fenômeno
mundial e a medicina também, consequentemente as doenças são conhecidas pelas suas causas e
sintomas, a causa parte do mesmo agente etiológico em todo o mundo. Já os sintomas se
apresentam normalmente da mesma forma em todos os indivíduos.

METODOLOGIA

O método de revisão sistemática consiste em um levantamento bibliográfico com critérios


específicos, que geralmente traz um produto final na forma de resposta para uma pergunta pré-
estabelecida. De acordo, com o pensamento de Gomes e Caminha (2014, p. 396), a análise
sistemática “vem sendo utilizada como método para suprir a lacuna da inconclusão deixada pelas
revisões narrativas”. Essa forma de revisão auxilia o pesquisador a aprimorar hipóteses, sintetizar
os dados já existentes, afeiçoar as dimensões da amostra e a fazer cronogramas de trabalho
(MEDINA; PAILAQUILÉN, 2010).
Para sua realização da revisão sistemática, conforme o pensamento de Higgins e Green
(2011 apud GOMES; CAMINHA, 2014) são estabelecidos os sete passos descritos a seguir, que
foram adotados neste estudo como percurso metodológico: Formulação da pergunta, localização
e seleção dos estudos, avaliação crítica dos estudos, coleta de dados, análise e apresentação dos
dados, interpretação dos dados, aprimoramento e atualização da revisão. Seguido esses passos,
foram selecionados os textos que foram discutidos neste artigo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os brasileiros têm buscado formas alternativas de tratamento usando-as de forma


simultâneas e não-linear. A OMS reconhecendo isto buscou incorporar o conceito de medicina
tradicional, está se dá por práticas e tratamentos de doenças através de conhecimentos passados
por gerações e crenças religiosas buscando encontrar a cura fora do âmbito médico. Pode ser
demonstrada através do uso de plantas, minerais, terapias espirituais e consultas com entidades.
Percebendo esta realidade, a OMS promove a institucionalização de políticas no Brasil por parte
do Ministério da Saúde como: Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no
Sistema Único de Saúde – SUS.
Mello (2013) afirma existir uma aliança disciplinar entre a antropologia da saúde e a
religiosidade (brasileira), que seria a ressignificação da doença e as práticas de ritos em busca de
uma vida plena, priorizando a saúde. O Brasil com toda sua miscigenação, brancos, negros e
indígenas deu lugar aos mais diversos cultos, advindos de lugares e regiões distintas, inclusive
cultos africanos.
Martin e Andrade (2010) trabalham conceitos como catolicismo popular e religiosidade
popular. Esse catolicismo provocou uma inomogeneidade nas práticas religiosas de modo que
resultou em uma disseminação irregular, a tal ponto que a igreja Católica se adaptou ao
catolicismo dividido ente o clero e o povo. A religiosidade popular se dá no Brasil principalmente
em áreas rurais, esta se manifesta por meio de uma linguagem religiosa própria do povo, devido
a essa especificidade pode ser caracterizada como um comportamento autônomo. Segundo Velho
(2003):
[…] a grande maioria da sociedade brasileira é constituída de católicos fiéis à Igreja de
Roma. No entanto, são infindáveis e frequentes as situações em que católicos recorrem
a centros espíritas, terreiros de umbanda e candomblé. Quando não o fazem diretamente,
usam parentes e amigos como intermediários(VELHO, 2003, p. 25).

Isso faz refletir sobre a diversidade religiosa brasileira, levando em consideração que o
brasileiro pode seguir mais de uma religião e ter crenças em várias outras. Para Mello (2013) as
religiões afro-brasileiras como a Umbanda e o Candomblé estão ligadas a crenças em espíritos,
este processo se dá pelo ato da incorporação, transe e possessões advindas de espírito estes muitas
vezes atuam na cura e tratamento de doenças, assim como também, na manutenção da saúde
física e espiritual. (SARAIVA, 2010 apud MELLO, 2013). No Candomblé especificamente, onde
estão presentes os cultos aos orixás africanos ligados a força da natureza, acredita-se que cada
pessoa possui seu próprio orixá e este tem uma relação direta com o indivíduo.
Na pesquisa realizada por Mello (2013) no contexto afro-religioso no Rio de Janeiro, um
entrevistado do Candomblé aborda essas questões em seus discursos, quando afirma:
“dependendo do Orixá, a pessoa está mais propícia a sofrer mais em determinada parte do corpo.
Então, por exemplo, uma filha de Oxum, ela já tem tendências a ter problemas na barriga e nos
pés também. Cada Orixá tem a sua parte frágil.” (Sr. Miguel) (Mello 2013, p 89). Porém, essa
busca alternativa de cura está associada ao sistema da medicina popular paralelo ao tratamento
espiritual. Não é dispensável a medicina científica, elas simplesmente se complementam quando
se fala no contexto da Umbanda.
Rodrigues et al (2016) tratam da religiosidade dos pajés na pajelança indígena. Esse
processo mediúnico Xamânico sofreu alterações consideráveis com a presença de grupos
africanos e matrizes cristãs com ideologias ocidentais, nas comunidades indígenas. O ritual da
pajelança marca a religiosidade e espiritualidade indígena e cabocla instrumentalizada por
estruturas simbólicas e imateriais.
Bourdieu (1989 apud RODRIGUES et al 2016) o ritual da pajelança marca a
complexidade, a interiorização da cultura de um povo e suas construções sociais. Isto faz com
que através de mesma se interpretem fatores como adoecimento e cura, com simbolismos e
sentidos espirituais e religiosos. Nas comunidades caboclas a prática desse ritual tem influência
da cultura mágica indígenas, da cultura do negro, do branco, de elementos da afrodescendência,
do marco judaico-cristão e de atividades xamãs indígenas, que segundo os autores “dão vida
também à pajelança cabocla” (RODRIGUES et al 2016, p. 4).
Os pajés indígenas e pajés caboclos são possuidores dos mais diversos saberes como o da
cura, por exemplo, que eram adquiridos como herança dos antigos Caraíba Tupinambá. O que
lhes dão certa importância, devido à confiança que ganham por suas práticas e pelo poder de seus
trabalhos. “A crença no pajé se assemelha em muitos aspectos à fé cabocla no terapeuta popular,
num sincretismo que intermedeia confiança imanente aos que procuram o trabalho de
curandeirismo” (RODRIGUES et al 2016, p. 6).
Verifica-se esse processo de práticas médicas primitivas na pajelança indígena, em que a
religiosidade se faz presente principalmente nos rituais de cura que se dá inicialmente pela cura
da alma que vai enfrentar as doenças, que acreditam ser causadas por espíritos. Ou seja, essas
práticas de curas se estendem a outras culturas, Costa (2008) trabalha dentro da Antropologia da
Saúde, questões religiosas voltadas ao Candomblé e as benzedeiras como formas alternativas de
manutenção da saúde, na busca de cura e suas implicações diante o adoecimento. Esses vão
ressaltar que nas tradições religiosas afro-brasileiras e indígenas há um intermédio entre o plano
terreno e o plano espiritual que denominam como curador.
Costa (2008) faz uma pirâmide para trabalhar as distinções entre as benzedeiras
curandeiros e ervateiros. Na base ficam os ervateiros, aplicam técnicas de rezas e ervas para o
tratamento de doenças. No meio os curandeiros, esses têm um poder superior ao médico atribuído
e reconhecido pelo seu grupo social. E no topo, as benzedeiras que merecem esse poste por já ter
passado pelas outras experiências, detêm o saber sobre as ervas, rezas e entidades sobrenaturais.
Cada religiosidade trabalha a questão da saúde de formas diferenciadas, que se dá de
acordo com as tradições culturais e no que se acredita ou no sagrado o qual se crer. As entidades
que normalmente atuam na área da saúde são os caboclos e pretos velhos no caso da Umbanda.
Já no Candomblé são os orixás Omulu (o médico dos pobres) e Ossáin (orixá das folhas) que
fazem esse papel.
Neste caso pode-se observar que o meio religioso e a medicina popular têm pontos em
comuns, como o uso de plantas como forma de medicamentos. Porém outros elementos estão
presentes neste processo quase de trata de religiões como o Candomblé e a Umbanda, como o
uso do álcool, cigarro, cachimbos, entre outros. Principalmente quando antecede os rituais para
a incorporação, aonde toda a ciência e sabedoria diante do adoecimento vem da entidade, o
médium não precisa necessariamente saber ou estudar para que a cura aconteça.
Ribeiro (2014) colabora teoricamente sobre o “trabalho de cura” na umbanda pelos pretos
velhos e especialmente pelos caboclos. A mesma divide esse ritual em dois momentos,
salientando que esse rito acontece em público por ter o objetivo de reestabelecer de maneira
explícita à harmonia entre o homem e o mundo natural. O primeiro momento é o “diagnóstico”
que se dá quando o indivíduo chega até a entidade, que está incorporada no médium e conversa
sobre seu estado de saúde. O outro momento é quando é feito o tratamento da doença. O
adoecimento é visto nesse campo religioso como um infortúnio. Como ficou claro, o “trabalho
de cura” feito pelos caboclos (as) acontece depois do ritual do infortúnio na vida do indivíduo.
Para Martin e Andrade (2010) a cura pelo benzimento vem de ritos mágicos e se sustenta
por um sistema de crenças, presentes comumente no meio rural, que é intensamente ligado à
religião e à natureza. Na pesquisa realizada pelas autoras em Ligeiro, interior da Paraíba, fica
claro como essa crença se dá na prática observando o relato: Uma vez uma mulher veio de noite
com uma menina; estava vomitando, chega estava descombucada. Eu rezei, no outro dia ela
disse que não tinha dado remédio e estava boa (A. R, p. 7). No relato a rezadeira não só
diagnostica o sintoma de "mau-olhado" garante a cura através da reza feita por ela. Neste a visão
de Martin e Andrade (2010, p. 126) “Neste cenário tudo parece misturado; fé, magia, milagre,
castigo” onde existe uma obrigação de afastar a força do mal.
Paes (2014) trabalha com ex-votos no contexto cristão, católico, no Círio de Nossa
Senhora de Nazaré em Belém do Grão Pará analisa o este espaço urbano e faz refletir sobre as
questões do adoecimento e a religiosidade neste campo religioso. O ex-voto “são levados por
devotos como pagamento de “promessas”” (PAES, 2014, p.2). Durante essa procissão, assim
como muitas que acontecem anualmente no Brasil inteiro, os devotos pagam suas promessas que
neste caso é almejando a superação de um adoecimento, agradecimento e pedindo proteção.
Esses levados, são normalmente objetos que representam a graça alcançada, está
normalmente é tida para o fiel como impossível, então, sua conquista se torna um milagre.
Quando o caso está vinculado à saúde estes ex-votos, segundo Cascudo (2004, p. 450) se dá
através de “representação do órgão ou parte do corpo humano curado pela intervenção divina e
oferecido ao santuário em testemunho material de gratidão”.
Esse ritual é marcado pela característica testemunhal, que se refere à entrega do exvoto,
a quem se foi feito a promessa, de forma pública para que não haja dúvida que a dívida foi paga
e que a graça foi alcançada. Engrandecendo assim, o agente do milagre dando-lhe prestígio. Esse
ritual de crença dentro do catolicismo, que se efetua através da religiosidade dos seus seguidores,
justifica o acúmulo de objetos nos quartos/sala de milagres no mais diversos centros de
peregrinação.
Araújo (2015) faz um estudo de caso onde analisa os devotos do Santo Daime e suas
práticas relacionado a saúde e doença. É interessante colocar que em religiões, como o
catolicismo, por exemplo, tratavam dos adoecimentos através de um processo onde a busca por
cura ou manutenção da saúde eram abstratas, a religiosidade agia sem o uso de qualquer
substância ingerida.
Esta pesquisa, além de surgir com esse diferencial, já traz consigo uma problemática. Este
grupo religioso faz uso durante o seu cerimonial de substâncias psicoativas em um chá que tem
o mesmo nome da religião (Santo Daime) que é essencial para o rito de cura dos seus devotos. O
Santo Daime está inserido nas formas de terapias alternativas, por causa da herança
xamânicaameríndia que carrega, sendo assim o uso dos psicoativos que se fazem presente na
Ayahuasca é comum entre os fiéis na busca de curas físicas e espirituais.
Neste campo religioso a cura não é limitada a “remissão dos sintomas”, mas fornece aos
seus fiéis uma possibilidade de repensar os valores e hábitos que cercam seus cotidianos tornando
a cura significativa “de tal forma que a cura e a doença são compreendidas a partir de uma
perspectiva relacional que fornece um significado singular para o indivíduo em interação com o
cosmos e o mundo espiritual” (ARAÚJO, 2015, p.6). Acreditam e têm como doutrina manter
uma boa relação com o espiritual.
Costa e Cardoso (2014) abordam percepções de cura e adoecimento dentro das igrejas
pentecostais e neopentecostais a partir de um estudo literário em que a Igreja Universal do Reino
de Deus realiza a “Cura Divina”, por compreender a libertação de enfermidades que assolam a
vida das pessoas que buscam ajuda nesse campo religioso para desfazer-se dos malefícios que as
acompanham. Nas últimas décadas, mas especificamente com o advento da modernidade, essa
busca tem aumentado significantemente. Sendo assim, a Igreja Universal tem inaugurado
templos em todo o Brasil, se propondo a atender as pessoas que se sentem doente e se veem
precisando de ajuda religiosa para a cura da mesma. De acordo com Lima (2006 apud COSTA E
CARDOSO 2014):
O conceito de doença na Igreja Universal possui um sentido mais abrangente:
problemas físicos, desemprego, problemas familiares, problemas familiares, problemas
mentais ou emocionais, pobreza. A chamada “Renovação Carismática” da Universal
promete, desde a cura da dor de cabeça, do nervosismo, da depressão e outros
infortúnios que afetam o cotidiano de uma pessoa, até mesmo a AIDS. Para tal, são
usados recursos como “óleos ungidos”, “sal abençoado”, “roupa ungida”, sendo que a
cura é prometida a todos que tenham fé (p. 121).

Vale ressaltar que essa percepção da doença, que se destaca por se diferenciar
drasticamente das concepções tidas normalmente na sociedade brasileira, parte a crença em que
as doenças são causadas por presença de demônios e para expulsá-los para trazer a cura é preciso
manifestá-lo o que distancia esse campo religioso das igrejas consideradas pentecostais. E se
assemelha as incorporações presentes na Umbanda e no Candomblé, porém nessas religiões a
manifestação é vista de forma positiva e nas igrejas Universais de forma negativa e demoníaca.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reconhecer a importância dos conhecimentos populares, dos saberes tradicional e da


religiosidade no campo da saúde é perceber que ambos influenciam na concepção da doença,
consequentemente na forma a qual o indivíduo adoecido busca cura, tratamento ou até mesmo
manutenção da saúde. Sendo assim, os fatores religiosos se manifestam de acordo com a
religiosidade subjetiva do indivíduo na sociedade na qual ele foi inserido, isto afeta a concepção
dos mesmos quando se trata do adoecimento. Depois de traçada as mais diversas teorias e
concepções conceituais trabalhadas nas Ciências Sociais.
Dessa forma, resumo a religiosidade como um conjunto de crenças adquiridas a partir de
um campo religioso, que influencia o indivíduo diante dos mais diversos fatores sociais,
incluindo o adoecimento, pensando desde o risco de adoecer até a morte. Levando em
consideração o contexto sócio-histórico e cultural do povo brasileiro, e toda sua diversidade
religiosa, vimos grupos sociais das mais diversas concepções diante o adoecimento. E fica claro
como se divergem uma das outras, seja nos meios usados para tal ou ao sagrado a quem se busca
ajuda ou cura.

REFERÊNCIAS

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biomedicina: um estudo de caso no Santo Daime. In: REUNIÃO DE ANTROPÓLOGOS
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antropologia. 2013. 120 f. Tese (Doutorado) - Curso de Ciências em Saúde Pública, Escola
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em:
<https://bvssp.icict.fiocruz.br/lildbi/docsonline/get.php?id=3662>. Acesso em: 15 out. 2017.

PAES, Anselmo do Amaral. SEGUINDO VOTOS E EX-VOTOS NO CÍRIO DE NAZARÉ


(BELÉM-PA): PERSPECTIVAS PARA COMPREENSÃO DA CULTURA MATERIAL
RELIGIOSA. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 28., 2015, Natal.
Anais... . Natal: Asssociação Brasileira de Antropologia, 2015. p. 01 - 12. Disponível em:
<http://www.29rba.abant.org.br/resources/anais/1/1401679969.pdf>. Acesso em: 22 out.
2017.

RIBEIRO, Maria do Amparo Lopes. “Ôh, que caminho tão longe, quase que eu não
vinha!”: práticas terapêutico religiosas nos trabalhos de cura com Caboclos na Umbanda de
Teresina-Piauí. 2014. 144 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Antropologia e
Arqueologia, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2014. Disponível em:
<http://repositorio.ufpi.br/xmlui/handle/123456789/145>. Acesso em: 30 out. 2017.

RODRIGUES, Renan Albuquerque et al. Pajelanças indígena e cabocla no Baixo


Amazonas/AM e suas implicações a partir de questão histórica. Ponto Urbe, São Paulo, p.1-
16, dez. 2014. Disponível em: <http://pontourbe.revues.org/2411>. Acesso em: 05 nov. 2017.

SOUZA, Marcela Tavares de; SILVA, Michelly Dias da; CARVALHO, Rachel de. Revisão
integrativa: o que é e como fazer. Einstein, São Paulo, v. 8, n. 1, p.102-106, jan. 2010. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/eins/v8n1/pt_1679-4508-eins-8-1-0102.pdf>. Acesso em: 20 nov.
2017.

VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. 3. ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 2003.

RELIGIÕES AFRO-AMERÍNDIAS NO BRASIL: UMA BREVE


ABORDAGEM
Jessica Kaline Vieira Santos132

Resumo: A proposta do presente artigo é discutir um pouco das religiões brasileiras, mais
precisamente no que diz respeito as religiões que contém traços híbridos e que são de matriz
africana e indígena no Brasil. Entendemos que essa discussão se faz necessária, visto que essas
religiões ainda são discriminadas e marginalizadas, sendo alvo de preconceito, mesmo em uma
sociedade ampla e plural que é a sociedade brasileira. Aqui trata-se de um estudo bibliográfico,
elaborado a partir das concepções sobre essas religiões que já foram trabalhadas por outros
autores, bem como um estudo comparativo, apontando as similaridades e as dissemelhanças entre
essas religiões.
Palavras-chaves: Religiões; Hibridismo; Afro-ameríndias.

Panorama da Formação Religiosa no Brasil.


O panorama das religiões brasileiras ao nosso ver, se constitui paralelamente com a
formação da identidade nacional, bem como com mestiçagem do nosso povo. Nesse sentido as
religiões de matriz africana, assim como as demais que aqui se estabeleceram trouxeram consigo
suas características principais, que ao longo do tempo, juntamente com o contato estabelecido
entre outras culturas, acabam por se modificar e adquirir uma identidade própria. Objetivamos
nesse artigo dispor um pouco da construção identitária do panorama dessas religiões no Brasil,
principalmente no que diz respeito a formação das religiões de matriz africana.
Mesmo sendo um país majoritariamente cristão, o Brasil é nos dias atuais, um país que
contém um grande número de brasileiros que integram outras religiões, como por exemplo as de
matriz africana e religiões orientais. O fato do Brasil ser um país cristão em sua maioria, está
ligado principalmente a instituição do catolicismo como religião oficial ainda no seu período
colonial, o projeto colonial português era de angariar novos territórios, gerar lucro, e adquirir
novos fieis para o Catolicismo. Pierucci (2005) afirma sobre a condição oficial do catolicismo:
“O Brasil, foi um país oficialmente católico por quase 4 séculos. Mesmo depois dele ter se
tornado independente em 7 de setembro de 1822, manteve-se a Igreja católica oficialmente unida
ao novo Estado Nação.” Ou seja, o catolicismo era oficial e obrigatório, e professar outra
expressão religiosa era considerado heresia passível de punição. “O catolicismo, além de religião
oficial, foi uma religião obrigatória. Professar outra fé que não fosse a cristã era correr o risco de
ser considerado herege e, também inimigo do rei cujo o poder vinha de Deus” (SILVA 2005
p.19)

132
Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. E-mail: kalinejessica@hotmail.com
Contudo, os portugueses ao chegarem ao território recém “descoberto” se depararam com
uma população não cristã de aproximadamente 5 milhões de nativos que por vez tinham sua
forma especifica de acreditar nos deuses da natureza.

Em território brasileiro, esse número chegava a 5 milhões de nativos, divididos em


tribos de acordo com o tronco linguístico ao qual pertenciam: tupi-guarani (região do
litoral), macro-jê ou tapuia (região do Planalto Central), aruaque (Amazônia) e caraíba
(Amazônia). Por possuírem tradições religiosas e rituais que abordam as forças da
natureza e os espíritos dos antepassados, os indígenas apresentavam visão cosmológica
considerada inferior e profana pelos europeus, e, assim, não era tolerada. (Relatório
sobre intolerância e violência religiosa no Brasil/2011- 2015 2018)

Somando-se aos traços culturais e religiosos trazidos pelos portugueses, e a dos nativos
que já se encontravam aqui, está a cultura e religiosidade africana. Negros, vindos de várias partes
do continente africano, que no território foram mantidos em regime de escravidão trouxeram com
eles as características culturais e religiosas de seu povo, sua etnia. Características diversas entre
si, que ao chegar aqui, pela proximidade em que as etnias se encontravam no território, acabam
por se hibridizar e construir uma nova forma de crer do povo africano.

Os africanos eram trazidos de diferentes países, principalmente de Angola,


Moçambique, Congo e Guiné. Na captura, as populações tribais, dotadas de
religiosidades particulares, eram separadas uma das outras e vendidas como
mercadorias para os senhores de engenho, fato que provocou certa desordem para que
pudessem se organizar em estratégia de liberdade. Não obstante, assim como ocorreu
com todos aqueles que não seguiam o Catolicismo, foram impedidos de praticarem seus
cultos e crenças tradicionais. (Relatório sobre intolerância e violência religiosa no
Brasil/2011- 2015 2018 p.13)

Assim, apesar das represálias, os negros africanos que se encontravam no território


brasileiro tendem a criar estratégias de praticar a sua religião mesmo que atrelada ao Catolicismo,
no que o autor Vagner Gonçalves da Silva (2005) chama de Catolicismo Negro. Entretanto,
apesar de uma certa “abertura” de culto ainda no Período Imperial, as religiões de matriz africana
só se delineiam e se constituem de fato após a Proclamação da República em 1889, e a nova
constituição de 1891 que institui a separação entre o Estado e a Igreja, ou seja, a partir de então
o Brasil Republicano passa a ser um Estado Laico, sem religião oficial institucionalizada.
Obviamente, que não é apenas dessas 3 expressões de religiosidade que se constitui a
pluralidade religiosa brasileira, podemos observar a influência de outros cultos cristãos como as
religiões advindas do protestantismo nas suas expressões pentecostais e neopentecostais, bem
como de outras expressões não cristãs como é o caso do judaísmo, o budismo, o espiritismo, e o
xintoísmo por exemplo, contudo para a elaboração desse trabalho, iremos considerar apenas as
religiões de matriz africana e indígena.
Religiões afro-ameríndias:formação, pluralidade, misticismo, similaridades e diferenças

As religiões afro-brasileiras ou cultos afro-brasileiros são sobretudo religiões não cristãs,


magicas, místicas, sacrificiais, iniciáticas, pautadas na experiência, que utilizam formas de transe
e possessão, e recebem esse nome por se tratarem de religiões que sofreram a influência dos
povos africanos, assim como afirma Pierucci(2005):

Os cultos afro-brasileiros são assim chamados por causa da origem de seus principais
portadores, os escravos traficados da África para o Brasil, mas também porque até
meados do século XX funcionavam exclusivamente como ritos de preservação do
estoque cultural dos diferentes grupos étnicos negros que compunham a população dos
antigos escravos e seus descendentes. (PIERUCCI P.202, 2005)

Essas religiões se organizaram muito recentemente, se observamos que a


institucionalização das mesmas se dá a partir das últimas décadas do século XIX com o
surgimento das leis abolicionistas e a abolição da escravidão no Brasil, bem como do advento da
Republica Brasileira e a constituição republicana de 1891, se compararmos com a atuação do
catolicismo oficial desde os primeiros anos do Brasil Colonial.
Apesar da diferença de culto dos orixás entre as tribos africanas, ao chegar no território
da colônia, essas particularidades acabaram sendo deixadas de lado, havendo a aproximação
desses orixás para a formação da religião. Elas se formam em várias partes do Brasil, muitas
vezes com nomes distintos de localidade para outra mas sempre com a influência das
características das práticas africanas. Prandi fala um pouco sobre a formação das religiões de
Matriz africana no nosso território como veremos a seguir:

Os criadores dessas religiões foram negros das nações Nagô ou Iorubá, especialmente
os de tradição Oyó, Lagos, Ketu, Ijexá, Egba, e as nações Jeje, sobretudo os mahis e os
daomeanos.(PRANDI 2010,P.29)

Já Pieruicci (2005) afirma que além de se formarem em partes distintas do Brasil, as


religiões afro-brasileiras também adotam práticas e formas rituais distintas, bem como adotam
nomes diferentes: Candomblé na Bahia, Xangô em Pernambuco e em Alagoas, Batuque no Rio
Grande Sul, Tambor de Mina no Maranhão e no Pará, macumba e logo depois Umbanda no Rio
de Janeiro.
Contudo, para nós, essas religiões não se formam somente a partir da influência africana,
mas também soma-se a influência indígena nos nossos nativos, principalmente no caso da
Umbanda, que se caracteriza por ser uma religião hibrida com elementos do catolicismo popular
e do espiritismo, diferente do Candomblé africano que tem uma formação mais voltada para o
culto de seus ancestrais.
O candomblé emerge com o fim da escravidão e acredita na pluralidade de Deuses, vindo
com os africanos já existia desde o período colonial, foi reprimido e adaptado para que os negros
pudessem continuar com seus cultos. A principal adaptação que identificamos foi a aproximação
dos deuses africanos para santos da Igreja Católica, ou seja, cada Orixá recebeu a representação
e o nome de um santo ou santa do catolicismo. Essa correspondência, se dá por exemplo em Exú
que para o catolicismo é a figura do demônio, Ogum como Santo Antônio(BA) e São Jorge (RJ),
Iemanjá como Nossa Senhora da Conceição ou Nossa Senhora dos Navegantes, dentre outros.
Contudo, apesar de um orixá ser incorporado em vários Filhos-de-Santo, ele é identificado como
um Deus Único. (SILVA 2005)
No Brasil, cultuam-se aproximadamente 20 orixás, contudo no Continente Africano esse
número é muito maior, chega a uma marca de 400 deuses.

Os orixás vieram da África com o escravos. Só que enquanto na África há o registro de


culto a cerca de 400 orixás, apenas uns vinte deles sobreviveram no Brasil. A cada
Orixá, cabe reger e controlar, as forças da natureza, como certos aspectos da vida
humana e social. (PIERUCCI 2005 P.294)

O Candomblé nos primeiros anos republicanos e pós abolição, também foi fundamental
para fortalecer os vínculos de sociabilidade entre os negros recém libertos. Não se tratava apenas
de culto, o terreiro tornou-se espaço de sociabilidade e de solidariedade com a camada da
população negra. O que de certa forma não se perdeu até os dias atuais, um exemplo claro é o
respeito que os praticantes tem não somente ao seu orixá, mas também a sua família de santo (as
famílias de santo são organizações familiares sem relação sanguínea, que emergem com a
escravidão e pós abolição como forma mutua de ajuda entre os negros).
A Umbanda por sua vez é uma religião genuinamente brasileira, nasce no Rio de Janeiro
em 1908 sob forte influência do Candomblé, do espiritismo, do kardercismo, e da religião
católica e dos cultos de matrizes indígenas. É uma religião hibrida, que combina traços das
demais, como também apropria e dá nova significação para seus elementos. Na sua essência a
Umbanda não tinha o objetivo de representar a cultura negra, o seu objetivo era na verdade, se
constituir como uma religião que pudesse representar os brasileiros e não apenas uma parcela
deles, mesmo que nos dias atuais ela esteja associada os negros.
Seu panteão compartilha dos orixás africanos assim como o Candomblé, mas como no
seu caso, a Umbanda mistura elementos de outras religiões é característico dela que não se
cultuem apenas os Orixás. Se no caso do Candomblé os orixás foram agrupados respeitando as
referências de seus grupos étnicos, no caso da Umbanda tentou classificar e organizar a grande
variedade de entidades cultuadas. (SILVA 2005)
Além dos orixás, temos os guias, que são inferiores aos orixás, e normalmente são os que
incorporam no corpo dos médiuns, e que se agrupam de acordo com uma serie de aspectos, como
origens étnicas, elementos da natureza, ou afinidades psicológicas por exemplo. As falanges133
são agrupadas a partir de Orixás principais, e abaixo dele encontram se os Pretos Velhos e
Caboclos, médicos espirituais, e por fim na hierarquia, estão os espíritos não evoluídos,
considerados das trevas que na maioria das vezes são incorporados com o intuito de evoluírem
espiritualmente. ( Silva 2005)
Além das diferenças e semelhanças citadas acima, ainda podemos observar que o transe
no Candomblé se faz com o indivíduo inconsciente de forma total, enquanto na Umbanda esse
transe é feito em semiconsciência do indivíduo. As músicas na Umbanda são em sua maioria
cantadas em português, enquanto no Candomblé são feitas em idioma africano, como o Iorubá
por exemplo. No Candomblé a comunicação dos deuses se faz a partir do jogo de búzios e ebós134
e oferendas, no caso da Umbanda existe a comunicação e o diálogo entre o deus e os integrantes
da religião.
Além da Umbanda e do Candomblé ainda identificamos a presença de outras religiões ou
movimentos religiosos que sofrem influência indígena e afro-brasileira com é o caso da Jurema
e do Vale do Amanhecer.
A Jurema também conhecida como catimbó é uma religião iniciatica de origem indígena
com maior incidência no nordeste do Brasil, onde se ingere uma bebida feita da casca da árvore
de Jurema, “a denominação jurema se refere a planta, a beberagem e ao ritual”(PINTO 1995
p.27) Se caracteriza pela incorporação dos mestres e caboclos a partir do transe, pelo uso de fumo
e principalmente pela ingestão da Jurema. Além de mestres e caboclos, o panteão da jurema
também é composto por reis e rainhas e príncipes e princesas, que integram nos planos espirituais
a terra dos “encantados”. Existe a pratica da oferenda, principalmente de frutas e mel, e de
animais em alguns casos. Nesse sentido, observamos também a aproximação da jurema com as
religiões de matriz africana, principalmente por se tratar de uma religião que utiliza a
incorporação, e o uso de oferendas, por exemplo.

133
Na definição atribuída pelo dicionário, a palavra Falange pode ser identificada como tropa ou legião, no caso das
religiões que integram essa nomenclatura, falanges são agrupamentos de espíritos, na maioria dos casos de forma
hierárquica e que tem o mesmo tipo de trabalho que exercem ou aos orixás que estão ligadas.
134
A palavra ebó significa sacrifício ou oferenda feita geralmente a um orixá, que pode ter vários significados, ele
pode ser em agradecimento, pedindo proteção para uma adversidade ou obstáculo da vida ou até mesmo abrir
oportunidades para quem o fez. https://www.juntosnocandomble.com.br/2011/06/ebo-significado-completo.html
O Vale do Amanhecer, movimento doutrinário concebido no Brasil no fim da década de
1960, é uma expressão religiosa bem mais recente que a Umbanda, Candomblé e a Jurema e
assim como as demais também contém traços culturais e religiosos de matriz afro-ameríndia,
contudo bem mais que apenas esses traços, o Vale mistura esses elementos ao cristianismo, com
também traços culturais orientais, andinos, dentre outros. É cristão em sua essência, mas em seu
panteão de espíritos estão presentes os orixás, os pretos velhos e caboclos, médicos, faraós. As
cores e insígnias, juntamente com essa mistura de elementos de outras religiões é o que
caracteriza o movimento. As diferenças do Vale do Amanhecer, com relação as demais é o fato
de terem Jesus Cristo como figura central, outra característica que os diferencia é o fato de não
haver sacrifícios animais, e nem a utilização de tambores e atabaques, e a recomendação de seus
integrantes não utilizarem bebidas alcoólicas no seu cotidiano. Ainda observamos que desde a
sua instituição o Movimento vêm crescendo em número de templos e adeptos, entretanto não se
observa a autodenominação do movimento nos índices do senso por exemplo. É uma doutrina
relativamente desconhecida.

Considerações finais
Buscamos assim como o próprio título informa ao nosso leitor, fazer uma breve abordagem
de religiões que sofreram influencias em sua formação dos povos africanos e ameríndios, o nosso
principal objetivo é tentar informar ao leitor desse artigo que as religiões de matriz afro-ameríndia
são bastante ricas no que diz respeito a sua formação enquanto religião mas também em sua formação
cultural, e nesse sentido, a partir das informações aqui contidas lançar a discussão de forma acessível,
para desmistificação do preconceito, desrespeito e da intolerância religiosa que as religiões de matriz
afro e indígena ainda são alvo mesmo com a instituição do debate e de leis que possibilitaram a
liberdade de culto no Brasil.
Identificamos que a repressão feita a essas religiões bem como a liberdade de culto tardias,
favoreceram em grande medida a marginalização, discriminação, desrespeito e intolerância que as
religiões afro-ameríndias sofreram em grande medida no passar dos anos e também nos dias atuais.
Além do fator social de visibilidade a essas religiões também foi o nosso objetivo identificar
minimamente as semelhanças e diferenças que se estabelecem entre essas religiões para facilitar o
entendimento de que elas são distintas e ricas em seus detalhes, sem as colocar num cesto comum de
particularidades.
Para indicar essas semelhanças e diferenças utilizamos o método comparativo, que nos
permitiu fazer a breve analise das mesmas. Porém entendemos que mesmo com a explanação do que
em síntese constitui cada religião aqui mencionada, a experiência vivida em loco em cada espaço de
sociabilidade delas consegue ser muito mais rico e cheio de detalhes. E é nesse sentido de que apesar
de entendermos que objeto do nosso trabalho a princípio foi cumprido, a pesquisa ainda é bastante
lacunar, principalmente se comparada a experiência pessoal e cada indivíduo que se propuser a visitar
cada espaço socioreligioso que aqui foi mencionado.

REFERÊNCIAS

DA SILVA, Vagner Gonçalves. Candomblé e umbanda: caminhos da devoção


brasileira. Selo Negro, 2005.
Relatório sobre intolerância e violência religiosa no Brasil (2011- 2015): resultados
preliminares / Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos
Humanos; organização, Alexandre Brasil Fonseca, Clara Jane Adad. – Brasília: Secretaria
Especial de Direitos Humanos, SDH/PR, 2016. 146 p. : il. color. ; 30 cm. ISBN: 978-85-
60877-51-5
PIERUCCI, Antônio Flávio. As religiões no Brasil, apêndice. GAARDER, Jostein,
2005.
PINTO, Clélia Moreira. Saravá jurema sagrada. 1995. Tese de Doutorado. Dissertação de
mestrado. Recife: PPGA/UFPE.
PRANDI, Reginaldo. Raça e religião. Novos Estudos, v. 42, 1995.
ULBRA. Cultura Religiosa, 2009, Reproset.
https://www.juntosnocandomble.com.br/2011/06/ebo-significado-completo.html
http://luznaumbanda.blogspot.com/2013/02/falanges-espirituais.html
REMINISCÊNCIAS DE LEITURA: NARRATIVAS DA MEMÓRIA
LITERÁRIA

Joyce Marie Silva Gomes


Universidade Federal do Cariri (UFCA)
joymar.sg@gmail.com

Deise Santos do Nascimento


Universidade Federal do Cariri (UFCA)
deiseatenas@gmail.com

Nayonara da Silva Rodrigues


Universidade Federal do Cariri (UFCA)
nayonarar@gmail.com

RESUMO: O resumo apresenta os resultados de uma atividade prática desenvolvida na disciplina


obrigatória curricular “Teoria e prática de leitura”, desenvolvida com alunos do segundo período do
curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri. A atividade tinha como objetivo
identificar as referências de leituras, quanto ao gênero literário e a influência familiar de leitura, que
os alunos trazem ao chegar à universidade. Os Procedimentos metodológicos empregados qualificam
como uma pesquisa descritiva de abordagem qualitativa, uma vez que os alunos foram estimulados a
narrar suas experiências de leituras externando o significado que essas experiencia representou em
suas vidas e, nos oportunizando com a possibilidade de interpretação dos fatos. A conclusão final
mostrou que na maioria dos casos, a família foi a grande incentivadora. o que contribuiu para que
eles já chegassem à escola, sabendo ler e escrever as primeiras vogais.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura. Memória. Narrativa.

INTRODUÇÃO

Geralmente, a leitura não aparece entre os jovens como suas preferências, sobretudo nesse
momento de total inserção de tecnologias. Os livros não figuram nas mãos, ao invés dele,
podemos ver os celulares. Isso não implica dizer que temos uma geração de jovens não leitores,
mas de certo, com menos leitores do que podemos considerar, como “leitura relevante”.
Chamamos de leitura relevante, aquela leitura que tem uma qualidade literária, e que pode ajudar
o leitor a refletir sua vida em sociedade.
Na disciplina Teoria e Prática de Leitura, desenvolvida no curso de Biblioteconomia da
Universidade Federal do Cariri – UFCA, procuramos despertar nos alunos o interesse por esse
tipo de leitura, contudo, foi necessária conhecer o que eles traziam sobre leitura, na bagagem.
Assim, a atividade “reminiscência de memória” vem sendo desenvolvida, sempre no inicio da
disciplina, com o objetivo de, através da narrativa, conhecer suas experiências com o livro e a
leitura, bem como, suas escolhas quanto ao gênero literário e, suas influências na prática leitora.
A aceitação foi positiva e os resultados nos surpreendeu, pois, os alunos geralmente
trazem outras narrativas que vão além do que foi requisitado, mas que nos permite conhecer um
pouco mais da história de vida de cada um.
Esse trabalho apresenta os resultados, da última experiência realizada com 42(quarenta e
dois) alunos do período 2018.2, uma turma mista com idade variando entre dezesseis e cinquenta
e dois anos. Revisitar a memória, foi a expressão usada para explicar a dinâmica da atividade
uma vez que é na memória que as lembranças ficam guardadas e, que recorremos quando
queremos recuperar essas lembranças.
O resultado desse exercício revelou diferentes tipos de leitores de práticas leitoras com
escolhas variadas de gênero literário. A partir desses resultados, tivemos a possibilidade e
planejar as discussões em sala usando como base, as informações trazidas pelos alunos, por suas
próprias vivencias. Essa tem se mostrado uma atividade construtiva não apenas para a disciplina,
mas pelo próprio processo de interação entre os alunos, no decorrer da disciplina, trazem para a
discussão em sala, suas experiencias.

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA

Na atual sociedade, explicar as pessoas que ler é importante é uma tarefa difícil. Elas
estão cada vez mais seduzidas, e porque não dizer, abduzidas, pelas ferramentas tecnológicas que
lhes abre um mundo novo, com infinitas possibilidades de ação. Contudo o que muitos custam a
entender é que pra viver nesse mundo novo, é necessário saber ler para poder interpretar, e assim,
compreender a sociedade tecnológica na qual estamos imersos e, todo contexto social em nossa
volta. A leitura é o caminho para a ascensão social de uma pessoa, pois ela possibilita o acesso
a informação e ao conhecimento que são necessários nesse processo. Para Padilha e Souza (2010,
p.4) “a leitura contribui para o prazer pessoal e amplia os interesses do indivíduo, ajuda no
desenvolvimento e na personalidade, além de ser meio para aquisição de conhecimento e de
socialização”.
É pela leitura que o sujeito começa a entender o mundo e superar as barreiras que limitam
suas ações. Sem leitura, a pessoa não vai muito longe e sabemos que isso é um problema que traz
consequências, sobretudo, profissionalmente, e também, abre portas para a manipulação das
pessoas. Para Bamberger (1991, p.99) “a leitura talvez é o melhor meio de impedir o perigoso
raciocínio ‘preto no branco’ (o bem contra o mal) e de contrabalancear os instrumentos de
persuasão e manipulação subconscientes”.
A leitura é o caminho para o exercício da cidadania, pois possibilita que os sujeitos
tenham uma maior participação nos processos sociais, interações e construções na sociedade com
autonomia e podendo se posicionar criticamente. A sociedade da informação oferece muitos
canais de acessos a informação e ao conhecimento, contudo, nem todos utilizam os conteúdos
que são disseminados, por não saber ler, nem compreender as mensagens veiculadas e, desta
forma, acabam sendo manipuladas por outras pessoas. Se apropriar do conhecimento e da
informação é o que vai transformar a vida das pessoas, mas isso requer habilidades, sobretudo de
leitura.
A complexidade que envolve o ato de ler, talvez justifique a dificuldade encontrada por
muitas pessoas que, acabam desistindo dessa atividade, por acreditar que isso não fará diferença
em sua vida. Nesse sentido, o processo de aprendizagem e desenvolvimento cognitivo fica
comprometido e a pessoa não consegue ser um sujeito capaz de agir criticamente. Como afirma
Coltheart (2013, p. 24), “ler é processar informações: transformar escrita em fala, ou escrita em
significado. Qualquer pessoa que tenha aprendido a ler terá adquirido um sistema mental de
processamento de informações capaz de realizar essas transformações.”
A leitura inspira a escrita, e a criatividade no leitor, e os participantes da pesquisa,
descreveram em sua maioria, que também desenvolveram o hábito de escrever, após a leitura de
um livro ou um texto. É preciso saber também que ainda que os livros sejam de fundamental
importância, a leitura não está ligada somente a eles, pois ler é bem mais complexo do que
imaginamos, ainda que não muito mencionado, há várias formas de ler um material, seja com o
toque ou só observando uma imagem.
Na leitura do artigo “Na memória das professoras: uma história de leitura e escrita”, a
autora mostra em vários momentos do texto, através da narrativa de suas fontes, a importância
da leitura na vida de uma pessoa e seu poder transformador. Um trabalho que se identifica com
a pesquisa feita com os alunos, sobretudo quando há um reconhecimento de que, ainda que por
mais básico que seja, tudo aquilo que se leu, um dia contribuirá para o engrandecimento
intelectual e a formação do sujeito leitor. É a leitura, que impulsiona as mudanças acontecem.
Ainda tomando como base o artigo de Freitas (1998), é importante ressaltar o papel que
o ambiente familiar tem nesse processo, pois os primeiros impulsos no despertar da leitura,
geralmente vem da família, quando se começa a construir o gosto pelo livro e a leitura. As falas
abaixo, comprovam essa afirmação.
“A minha mãe sempre lia pra mim e meu irmão. Todo dia, nem que fosse um pouquinho,
mas ela sempre lia”.

“Meu tio era professor e sempre incentivava a gente a ler, ele só dava livro de presente
e eu gostava muito”.

“Na minha casa todo mundo gosta de ler, meu pai sempre tinha livros e as vezes ele lia
em voz alta, pra gente ficar escutando. Foi assim que eu comecei a gostar de ler e de
ganhar livros”.

Como podemos perceber, algumas estratégias são usadas pelas famílias para despertar o
interesse dos filhos ainda criança, pela leitura. Ler em voz alta, ou presentear com livros, pode
ser iniciativas com bons resultados. Esse processo que se inicia com a participação mais ativa da
família, continua com a escola que em geral, é onde se efetiva de fato a aprendizagem, com a
orientação dos professores. As atividades desenvolvidas na sala de aula, utilizando a leitura são
motivadoras e muitos alunos se encantam e acabam descobrindo o prazer de ler um livro.
A partir dessa descoberta, eles começam a identificar o tipo de leitura que mais lhe agrada
e a definir suas escolhas pelo gênero literário. Acreditamos que esse processo de escolhas é
determinante na formação do sujeito leitor. Nesse sentido, consideramos que é importante que o
aluno tenha liberdade de escolha na escola, quanto as leituras que deve fazer. Isso não deve ser
uma imposição, pois dessa forma, pode acarretar na repulsa e aversão aos livros e a leitura. A
escola deve estar aberta a ouvir os alunos e considerar suas escolhas como algo possível e
aceitável, dentro de um planejamento escolar, pois não é eficiente que a escola tenha alunos que
não leiam os livros que ela oferece. As falas abaixo exemplificam isso:
“Eu não gostava de ler na escola, porque os livros que tinha lá eram chatos”.

“Na escola nunca tinha o que eu gostava de ler e eu só lia mesmo porque se num lesse
ficava sem ponto de participação”.

“Muito ruim a pessoa ler o que não gosta e ainda mais quando é obrigado”.

Essas experiências de leituras também ficaram na memória dos alunos e suas falas, nos
mostra que na construção de um sujeito leitor, ele é a parte mais importante, portanto, não deve
ser desconsiderada. A leitura deve ser incentivada partindo de principio de respeito as escolhas
de quem vai ler. Com imposição nada se constrói, isso é fato. A presença maciça das tecnologias
em nossas vidas, tem tirado de muitos sujeitos, especialmente os mais jovens, o gosto pelo livro
físico, e acreditamos que é também, papel da escola saber unir essas duas ferramentas no sentido
de fazer com quem uma, não obscureça a outra.
É perfeitamente possível, no nosso entendimento construir uma sociedade com mais
leitores e mais cidadãos conscientes, se soubermos trabalhar usando todo potencial tecnológico
que temos, sem que isso, deixe o livro fora desse processo. A escola precisa estar preparada para
lidar com esse momento, acompanhando seus alunos nesse processo de descobertas e subsidiando
e incentivando a leitura e a formação cidadã, alinhada ao momento que traz novas práticas de
escrita e leitura.

METODOLOGIA

Os Procedimentos metodológicos empregados qualificam como uma pesquisa descritiva


de abordagem qualitativa, uma vez que os alunos foram estimulados a narrar suas experiências
de leituras externando o significado que essas experiencia representou em suas vidas e, nos
oportunizando com a possibilidade de interpretação dos fatos. Os sujeitos da pesquisa foram os
42 (quarenta e dois) alunos da disciplina “Teoria e prática de leitura.
A atividade foi explicada em sala, sendo dado aos alunos um prazo de uma semana para
que mesma fosse entregue. O prazo foi dado para que o aluno pudesse, de maneira mais cautelosa,
relembrar suas experiencias de modo a captar o máximo de lembranças.
A coleta dos dados, ocorreu com a entrega de um texto com no mínimo, duas laudas,
relatando suas experiências literárias, desde o primeiro ao último livro que leram, mas não
apenas relatar o que leram, deveriam também, descrever o sentimento e as impressões ao ler, a
motivação de suas iniciativas, se por vontade própria ou por solicitação de terceiros (escola,
amigos, família), quais livros foram os preferidos, seus autores favoritos e quem foram seus
maiores incentivadores, quanto ao hábito de leitura.
A organização dessas narrativas para a análise, respeitou a ordem de entrega da atividade
e procedeu com a leitura silenciosa e com bastante atenção de cada texto. Nesse momento, pela
observância da escrita, identificamos alguns aspectos que alguns textos apresentavam, tais como:
reticencias ou traços feitos de maneira aleatória (possivelmente indicando pausa), quebra do texto
em alguns pontos, com expressões do tipo: “deixa pra lá”, uma escrita mais forte (podendo
indicar uma ênfase na fala), ou até mesmo a repetição de palavras. Tudo isso que foi observado,
pode expressar um significado na narrativa.
Na análise das narrativas, utilizamos a análise de conteúdo, que segundo Bardin (2009,
p.42) pode ser definida como,

Um conjunto de técnicas de comunicação visando obter, por procedimentos


sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
(quantitativos ou não) que permitam interferência de conhecimentos relativos a
condições de produção/reprodução dessas mensagens.
Para Queiroz (1991, p.5) a análise “significa decompor um texto, fragmenta-lo em seus
elementos fundamentais, isto é, separar claramente os diversos componentes, recortá-los a fim
de utilizar somente o que é compatível com a síntese que se busca”. Apesar da orientação do
autor, não tinha como desconsidera os fatos narrados em sua totalidade. Muitos alunos
mergulharam de forma profunda em suas lembranças e trouxeram à tona fatos para além do que
pedido como atividade.
É certo que não descartamos essa narrativa, procuramos entender a relação dos fatos com
a formação do nosso aluno enquanto sujeito leitor, porque em muitos desses relatos, que nós
podemos qualificar como uma experiencia de vida ruim, a leitura aparece como uma alternativa
para fugir da realidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise das narrativas forneceu elementos para que pudéssemos entender como se
constituiu a formação do sujeito leitor nos alunos. Foi um processo que envolveu alguns atores
sociais que necessariamente, não estavam inseridos na família. Foram amigos, professores,
vizinhos, um bibliotecário, ou os próprios colegas em sala de aula, participantes desse processo.
A influência familiar no processo de leitura foi o ponto mais ressaltado nas falas, foi através de
um pai, mãe, tia, tio, primos e avós, muitos alunos tiveram seu primeiro contato com o livro e a
leitura.
Sobre essa influência famíliar, as narrativas citam algumas das dificuldades que existiam
nas famílias, que de certo modo, interferiu na normalidade desse processo, contudo não se
configurou como um empecilho ao aprendizado da leitura nem da escrita. Muitos pais, na
impossibilidade de atender seus filhos em suas necessidades de leitura, recorriam a outros
membros da família, para que dessem esse suporte, passando essa pessoa, a ser referência para o
aluno, como citado em muitos dos textos.
O papel desenvolvido pelas escolas também foi outro ponto de destaque. Os relatos
ecoam as dificuldades dos alunos, em ler uma obra de acordo com suas preferencias de gêneros
textuais, sobretudo na época do ensino médio, quando tinham que se preparar para a entrada na
universidade, com uma carga de livros de literatura, que segundo alguns relatos, nada tinha a ver
com o que queriam ler. Essa fala vai na perspectiva do que já havíamos falado, quanto a
importância de a escola considerar as escolhas de leitura feita pelos alunos, no planejamento das
ações a serem fomentadas.
Apesar de muito jovens, os alunos se mostram leitores com escolhas e preferencias de
gênero literário, bem determinadas que, acreditamos nós, pode ser bem aproveitada pela escola
pra discutir problemáticas do contexto social e ajudá-los em suas questões práticas, na vida em
sociedade. Cabe à escola, aos professores e demais sujeitos envolvidos nesse processo, saber
capitanear esse potencial que eles têm em mãos, e tornar essa atividade positiva e proveitosa para
ambos os lados.
Se tratando do gênero literário, pôde-se perceber que a grande maioria durante a infância
tinha um maior convívio com a literatura infantil, com contos de fadas, sendo o Monteiro Lobato,
o autor mais citado. Na fase da adolescência isso foi mudando e, além da literatura brasileira,
(que era uma obrigatoriedade da escola), outros autores foram sendo incorporados as leituras,
alguns de literatura estrangeira, sendo o romance a ficção, os dois gêneros mais citados.
As narrativas refletiram o real interesse dos mesmos pela leitura e isso nos possibilitou
trabalhar essa questão de acordo com as preferencias dos alunos e nos ajudou a construir a agenda
de debates que seriam feitos no decorrer da disciplina. Essa estratégia nós consideramos positiva
uma vez que houve participação plena de todos. Percebemos que os alunos também ficaram
satisfeitos com a dinâmica adotada, sobretudo porque, tiveram voz e puderam construir
coletivamente as ações futuras. Acreditamos que esse é o caminho para a construção do
conhecimento, e para a formação de sujeito pensantes e atuantes na sociedade e, uma vez dando
certo é importante que se torne uma prática cada vez mais comum, ouvir os alunos em suas
necessidades e seus desejos.

CONCLUSÃO

O contexto social segue uma dinâmica própria acompanhando o ritmo de evolução da


sociedade. Da mesma forma as instituições e as pessoas devem procurar acompanhar esse
andamento e isso, requer conhecimento e capacidade de leitura para decifrar os códigos e signos
tão presentes no campo social. As escolas devem trabalhar com diferentes possibilidades de
acesso a leitura, respeitando a liberdade de escolha dos alunos, dialogando com outras
tecnologias, que não apenas o livro, no sentido de fazer da leitura, uma atividade agradável e de
interesse dos jovens estudantes. Ouve-se muito dizer que os jovens não são bons leitores, isso
não é verdade, contudo nós acreditamos que eles não fazem leitura de textos com mais qualidade
literária, que possa ajuda-los a se posicionar criticamente na sociedade e entendemos que esse é
o papel da escola.
A pesquisa nos trouxe essa percepção, uma vez que muitos participantes externaram sua
insatisfação com o papel desenvolvido por suas escolas, quando o assunto era leitura e livro.
Outro aspecto destacado foi o importante papel que a família desenvolve no momento que a
criança está começando a aprender a ler e escrever. Os pais não devem se furtar a esse momento,
nem tão pouco, transferir essa responsabilidade apenas para a escola. Essas experiências em
geral, não bem sucedidas como mostram também algumas narrativas.
A realização da atividade nos deu um panorama da condição de leitor desses alunos. Suas
angustias e frustações de leitura, seus gostos e preferencias literárias, os gêneros e autores
preferidos e, sua postura em saber buscar suas escolhas. A turma participante demonstrou
amadurecimento no processo de construção do sujeito leitor e, cada um, a sua maneira, soube
valorizar os incentivos e ajuda que tiveram nesse processo que também é de amadurecimento e
formação cidadã.

REFERÊNCIAS

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BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Edição e
revisão atualizada. Lisboa: Edições 70, LDA, 2009.
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HULME, C. A. Ciência da Leitura. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 24-41.
FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Na memória de professoras: uma história de leitura e
escrita. Veredas: revista de estudos linguísticos, Juiz de Fora, v. 1, n. 2, p. 9-29, jan. 1998.

PADILHA. Gabriela Fagundes; SOUZA Fernanda. LEITURA COMO PRÁTICA PARA A


FORMAÇÃO DA CIDADANIA. Disponível em: http://www.uniedu.sed.sc.gov.br/wp-
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QUEIROZ, Luís Ricardo Silva. Pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa: Perspectivas para o
campo da etnomusicologia. Claves n. 2, nov. 2006. Disponível em:
http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/claves/search. Acesso em: 14/11/2018.
TEATRO COMO FERRAMENTA DE SENSIBILIZAÇÃO: DIÁLOGOS
ENTRE O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES DE MATRIZES
AFRICANAS EM SALA DE AULA

Jennifer Adrielle Trajano Lima (UFPB)


e-mail: jenniferadrit@gmail.com135

Elisa Ferreira Teixeira (UFPB)


136

RESUMO: A discussão baseada na história e cultura afro-brasileira é uma alternativa urgente e


necessária para a atualidade. Sabendo disso, o objetivo deste trabalho foi gerar sensibilização e
respeito nos educandos da Escola Liceu Paraibano quanto à prática das religiões afro-brasileiras. Para
o alcance desta finalidade foi criada uma peça – tema: Quem é o seu Orixá? – de roteiro desenvolvido
pela professora de português, com falas pensadas pela turma, baseando-se nas invasões em África e
no processo de catequização dos negros trazidos para o Brasil. Como resultado da aplicação do
projeto, tem-se questionários que dão indícios de o objetivo ter sido alcançado.

PALAVRAS-CHAVE: Teatro na escola; Religiões afro-brasileiras; Colonização; Educação


interdimensional.

INTRODUÇÃO

O estudo da história afro-brasileira na sala de aula é essencial para o entendimento da


trajetória do negro no Brasil, que remonta desde a época da colonização até os dias atuais, e a partir
disso entender como se desenvolveu o racismo, a discriminação e a visão do negro como ser inferior
e incapaz. É também importante mostrar o “outro lado” da história, em que temos a sensibilização
dos alunos para uma visão realista dos acontecimentos históricos, demonstrando o verdadeiro papel
do afrodescendente no nosso meio e quais foram as justificativas usadas para lhes tirarem essa
posição.
Sabendo da relevância da história afro-brasileira para a educação, este trabalho parte de uma
perspectiva hermenêutica realizada com alunos do primeiro ano, entre agosto e setembro de 2017, na
Escola Estadual de Ensino Médio Liceu Paraibano. Como docente nesta escola, a professora de língua
portuguesa, Jennifer Trajano, objetivou gerar sensibilização e respeito nos educandos quanto à prática
das religiões afro-brasileiras, a partir de vivências cognoscitivas-emocionais que almejavam
desenvolver a empatia nos alunos, a fim de culminar em apresentação de peça teatral.
O Brasil e a sua história sofreram uma grande influência do pensamento eurocentrista em
vários âmbitos da sociedade, e um desses locais é a escola, que, predominantemente, ainda leciona

135
Graduada no curso de licenciatura plena em Letras – Língua Portuguesa – pela Universidade Federal da Paraíba.
136
Graduada no curso de História – Licenciatura Plena – pela Universidade Federal da Paraíba.
assuntos que tem um olhar voltado para uma história com configurações exteriores, e com isso tem-
se o esquecimento dos sujeitos que realmente foram importantes para o desenvolvimento do país: os
índios e os negros.
Nesse sentido, a história e a cultura desses povos por muito tempo foi renegada e excluída do
âmbito escolar e social, e por isso que essas duas leis: a 10.639 de 2003 e a 11.645 de 2008 foram de
grande importância para uma educação multirracial, preocupada com o conhecimento e valorização
da diversidade cultural, que são de grande valor, pois:

Tanto as antigas migrações combinadas com o tráfico negreiro e a colonização dos


territórios invadidos, quanto as novas migrações pós-coloniais combinadas com os
efeitos perversos da globalização econômica, criam problemas na convivência pacífica
entre os diversos e os diferentes. Entre esses problemas têm-se as práticas racistas, a
xenofobia e todos os tipos de intolerâncias, notadamente religiosas. As consequências
de tudo isso engendram as desigualdades e se caracterizam como violação dos direitos
humanos, principalmente o direito de ser ao mesmo tempo igual e diferente. Daí a
importância e a urgência em todos os países do mundo, em implementar políticas que
visem ao respeito e ao reconhecimento da diferença, centradas na formação de uma
nova cidadania por meio de uma pedagogia multicultural (MUNANGA, 2005, p. 21).

Assim, o roteiro da peça foi criado pela docente, com falas pensadas pelos alunos, baseando-
se nas invasões em África e no processo de catequização dos negros trazidos para o Brasil. O tema
principal estudado e “desmistificado” – haja vista os preconceitos observados no decorrer das aulas
– foi a vida dos Orixás. Como respaldo para os resultados desta pesquisa, tem-se a análise de
questionário respondido pelos educandos após a peça.
A conscientização tem o objetivo de desenvolver um olhar mais crítico da realidade, e a partir
disso tem-se o desvelamento desta e dos mitos que a rodeiam. O homem, a princípio, tem uma visão
ingênua da realidade que o rodeia, e ao adotar um olhar crítico sobre o seu meio chega-se à
conscientização (FREIRE, 1979).
Destarte, quanto mais conscientização houver, mais há a aproximação com a realidade. A
partir disso, pode-se dizer que o compromisso histórico faz parte da conscientização, pois o homem
é capaz de construir a história por meio desse processo. Assim, Paulo Freire (1979) reafirma o
compromisso histórico que a conscientização implica.
Com base nisso, utilizou-se o teatro como estratégia pedagógica para dinamizar a reflexão e
o debate sobre a temática proposta, pelo caráter provocativo e criativo no seu processo de elaboração
e apresentação. O teatro não só pode trabalhar os conteúdos específicos como também o
desenvolvimento pessoal, pois é entendido como um meio importante para a expressão do indivíduo.
Trata-se de uma relevante estratégia para discussão sobre a diversidade, que neste caso centrou-se
nas questões étnico-raciais e religiões afro-brasileiras.
METODOLOGIA

Na Escola de Ensino Médio Liceu Paraibano, entre os meses de agosto e setembro de 2017,
foi desenvolvido o projeto “Diálogos entre o cristianismo e as religiões de matrizes africanas” com
uma turma do primeiro ano. A professora de língua portuguesa desta turma ficou responsável para
preparar os alunos, a fim de se apresentarem durante a Semana Cultural da escola. Esta ocorre todos
os anos na instituição e é feita como espaço para culminância dos projetos desenvolvidos pelos
professores ao longo do(s) bimestre(s).
Antes de a apresentação da peça ser discutida, a turma teve aulas com vivências
cognoscitivas-emocionais, que envolvem tanto o cognitivo quanto o afetivo (DEL PRETTE; DEL
PRETTE, 2008). A primeira vivência desenvolveu-se da seguinte maneira: pediu-se que os alunos
fechassem os olhos e se imaginassem em casa com a família. Logo em seguida que imaginassem sua
morada ser invadida por pessoas ruivas que falam alemão e já entram espancando seus familiares.
Depois que os levam para um país desconhecido e os obrigam a trabalhar de graça.
Dito isto, os alunos começaram a se alterar, dizendo que não permitiriam essas agressões,
então pediu-se que eles abrissem os olhos, dizendo “o que vocês acharam de imaginar isso?”. Eles
disseram que não se sentiram bem, portanto, fez-se a afirmação: “pois foi isso que ocorreu com os
negros”.
A partir daí começou-se a dissertar sobre a história da negritude, do sofrimento e também das
religiões africanas, discutindo pontos como o preconceito, o que seria a macumba etc. Seguidamente,
durante as outras aulas teóricas, foi dito que a proposta para a Semana Cultural era a de se fazer uma
peça de teatro Quem é o seu Orixá?, que contou a vida de cada um desses seres.
O roteiro ocorreu como se segue: de início dois alunos de vestidos recitaram trechos da
música Carta de Amor, composição de Maria Bethânia 137. Em seguida, seis alunos vestidos com
roupas de etnias africanas entraram para representar os negros em África. Após, apareceram em cena
portugueses que sequestraram dois deles, seguindo para o Brasil. Um ainda era jovem, portanto ficou
sendo catequizado por um padre, que ensinava sobre o cristianismo. Ao longo das aulas, o negro fazia
referências dos personagens cristãos aos orixás. A cada associação, ele chamava um Orixá,
respectivamente: Oxalá, Exú, Iemanjá e Ogum.

137
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tjZgiXwDxwQ>. Acesso em: 10 nov. 2018.
Figura 1 - Alguns atores da peça – Foto: autoria própria

Na saída da peça os alunos entregaram uma lembrancinha com o dia da semana de cada orixá
e também frases que pediam respeito às religiões.
No início da aplicação do projeto, alguns alunos ficaram ainda receosos, mas quando foi
pedido para que pesquisassem a história dos orixás, muitos achismos foram quebrados. Assim, os
ensaios da peça ocorreram durante as aulas de Língua Portuguesa e História, com a direção da
professora de Língua Portuguesa.
A peça foi apresentada no dia 27 de setembro do ano de 2017. Após esta, os alunos
responderam a um questionário, sem se identificar. Seguem as perguntas que o compuseram:

Figura 2 – Questionário de Aplicação


Dessa forma, os educandos puderam responder supostamente de forma livre, haja vista não
precisarem se identificar. Por isso, no decorrer dos Resultados e Discussões suas falas são citadas em
forma de sigla: E (Estudante) + 1 (Numeração) = E1, por exemplo.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Durante o desenvolvimento do projeto, percebeu-se que muitos alunos, ao longo das aulas,
quebraram achismos que a cultura brasileira respaldada de preconceitos ainda carrega, a exemplo de
achar que as religiões de matrizes africanas são do “demônio” (conceito do cristianismo), que
macumba era algo ruim e não um instrumento, que os orixás são seres maldosos etc. Isto se confirmou
por meio das respostas presentes no questionário solicitado. De acordo com Antônio Olímpio de
Sant’Ana (2013, p. 64):

Preconceito é uma opinião preestabelecida que é imposta pelo meio, época e educação.
Ele regula as relações de uma pessoa com a sociedade. Ao regular ele permeia toda a
sociedade tornando-se uma espécie de mediador de todas as relações humanas. Ele pode
ser definido também, como uma indisposição, um julgamento prévio negativo, que se
faz de pessoas estigmatizadas por estereótipos.

Esse preconceito foi sendo, aos poucos, quebrado ao longo das aulas, principalmente por
conta das vivências cognoscitivas-emocionais, que tinham como base o objetivo de gerar empatia,
Habilidade Social (PAVARINO; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2005) necessária no ambiente
escolar para haver respeito e para que docentes e discentes possam conviver em um ambiente
harmônico (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2011).
Isto porque segundo Paulo Freire, a educação tem o dever de conscientizar o aluno e é
importante pelo fato de proporcionar significativas mudanças, pois:

Quanto mais conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência


fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma
razão, a conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma
posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou
melhor, sem o ato ação – reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira
permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens
(FREIRE, 1979, p. 15).

Assim, faz-se necessário conscientizar-se acerca do lugar do outro, imaginando-se em sua


pele, em seu contexto social. Um dos principais objetivos do projeto foi esse, haja vista o preconceito
ocorrer pelo fato de um ser humano ser incapaz de se pôr no lugar do outro, de sentir a Habilidade
Social empatia. E1, por exemplo, menciona não possuir tal habilidade antes do processo que
desencadeou com a apresentação da peça:
E1: Confesso que tinha um pouco de pré-conceito [sic] e que olhava pra essas pessoas
que seguiam tal religião com indiferença. Atualmente, depois da peça minha mente
ficou mais aberta pra esse tipo de coisa e assunto e que [sic] hoje não tenho nenhum
tipo de pré-conceito, a peça junto com a professora Jhennifer me ajudaram muito abrir
a mente e perceber que todos nós somos iguais e que não existe diferença independente
de gosto ou opinião.

Como se pode ver no trecho acima, o(a) discente admite que possuía preconceito, mas que ao
longo do processo ensino-aprendizagem, esta que não foi apenas conteudista, passou a olhar as
religiões afro-brasileiras não mais com “indiferença”, como menciona, tendo em vista ter se
conscientizado.
Por isso, a educação para as relações étnico-raciais e acerca da diversidade cultural religiosa
devem vir a ser uma oportunidade para trazer novas perspectivas para questões como esta (de
preconceitos), que estão intrínsecas em nossa sociedade e que tendem a ser naturalizadas.
Portanto, essas práticas docentes são “um dos elementos para a formação integral do ser
humano que podem encaminhar vivências fundamentais no conhecer, respeitar e conviver com os
diferentes e as diferenças” (FLEURI, 2013, p.20). Tal fato se comprova quando se lê uma das
respostas de E2:

E2: Depois da peça comecei a me interessar mais sobre orixás, comecei a ver outras
peças. Antes da peça não tinha nenhum conhecimento e foi uma experiência muito boa.
Confesso que sentia um enorme preconceito com as religiões, e nunca tive ou quis me
aprofundar mais nesse assunto até que a professora propôs a peça. Sinto que deveria ter
conhecido antes essa religião, antes de julgá-las [sic], hoje entendo que é uma religião
como todas as outras.

O relato de E2 mostra uma realidade comum com relação às pessoas preconceituosas: a falta
de informação, como a própria palavra “pré-conceito” sugere. Por essa razão, é imprescindível que a
escola como espaço educativo englobe no seu Projeto de Intervenção Pedagógica práticas que
possibilitem o educando a conhecer e dialogar com as religiões diferentes da dele, principalmente as
de matrizes africanas, não por serem melhores mas sim por trazerem em sua essência a cultura de um
povo que foi escravizado e sofre até o presente a herança escravocrata dessa falta de empatia social.
Os docentes têm o espaço democrático da escola como um importante meio para a harmonia
destes conhecimentos étnicos e culturais, e as religiões, haja vista relacionarem-se à cultura de um
povo, são elementos imprescindíveis nesse processo. Destarte, é dever da educação escolar ligar o
sujeito ao espaço que o cerca, seja ele inserido ou não em tal contexto para assim gerar o que prevê
a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação: o pleno desenvolvimento do educando e seu exercício
para a cidadania (BRASIL, 1988; 1996).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, percebe-se que a inclusão de iniciativas de cunho cultural, neste caso o
teatro, são um importante meio para o desenvolvimento e solidificação da educação étnico-racial no
âmbito escolar. Mostrar os problemas e a luta dos negros na nossa sociedade é primordial para o
conhecimento e reconhecimento do negro como sujeito histórico e personagem principal de todas as
épocas e acontecimentos que permearam a nossa história.
A partir da construção e contato dos alunos com a peça Quem é seu Orixá? obteve-se um
caminho para a compreensão da verdade por trás da religiosidade afro-brasileira e superação dos
preconceitos arraigados em nosso imaginário social, que tendem a tratar a cultura negra e africana
como exóticas e/ou fadadas ao sofrimento e à miséria.
Com o desenvolvimento de uma educação moldada a partir destes objetivos teremos a
constituição de um espaço de divulgação de conhecimentos que visam a igualdade de raças e culturas.
Portanto, considera-se que a inclusão da história e da cultura afro-brasileira e indígena nos currículos
da Educação básica brasileira, através da promulgação das Leis 10.639 de 2003 e 11.645 de 2008,
por meio das Habilidades Sociais Educativas e da linguagem teatral, é um momento histórico ímpar,
de crucial importância para o ensino da diversidade cultural no país. Isto porque, como mostram os
resultados, os estudantes se sensibilizaram e se conscientizaram no que diz respeito à tolerância
religiosa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado .htm>. Acesso em: 10
nov. 2018.

______. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação


nacional. 1966. Disponível em: <http://www.planalto .gov.br/ccivil_03/leis/ l9394.htm>. Acesso
em: 10 nov. 2018.

______. Lei 10. 639, de 9 de janeiro de 2003. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”, e dá outras providências. 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /LEIS/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 10 nov. 2018.

______. Lei 11.645, de 10 de março de 2018. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Lei/L11645.htm>. Acesso em: 10 nov. 2018.

DEL PRETTE, Almir. DEL PRETTE, Zilda Aparecida. P. Psicologia das relações interpessoais:
Vivências para o trabalho em grupo. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

DEL PRETTE, Zilda Aparecida; DEL PRETTE, Almir. Psicologia das habilidades sociais na
infância: teoria e prática. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
FLEURI, Reinaldo Matias (Org.) Diversidade religiosa e direitos humanos: conhecer, respeitar e
conviver. Blumenau: Edifurb, 2013.

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento


de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes,1979.

MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação,


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PAVARINO, Michelle Girade; PRETTE, Almir del; PRETTE, Zilda A. P. del. O desenvolvimento
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<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/v iewFile/1382/1082>. Acesso
em: 10 nov. 2018.
TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO MUSICAL: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA SOBRE UMA OFICINA DE CRIAÇÃO DE JOGOS
MUSICAIS DIGITAIS

Thiago da Silva Sales


Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
thiagopianist@yahoo.com.br

RESUMO: O presente trabalho trata-se de um relato de experiência com alunos de graduação e pós-
graduação durante uma oficina de criação de jogos musicais digitais na UFPB. O objetivo era que ao
final do curso, os alunos deveriam saber criar jogos utilizando o PowerPoint. Quanto à metodologia
empregada, os alunos tiveram 2h de aula presencial, onde foram apresentados às ferramentas básicas
de criação de jogos no PowerPoint e 6h de atendimento online, onde os alunos deveriam acessar o
nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA (google sala de aula), assistir aos tutoriais e resolver
as atividades propostas pelo professor tutor, totalizando 8h de curso. Os resultados foram satisfatórios
e apontam para a direção da inovação nas ferramentas utilizadas pelo professor de música nos espaços
educativos.

PALAVRAS-CHAVE: Tecnologias e educação musical; educação musical online; criação de jogos


musicais digitais.

1. INTRODUÇÃO

Existem várias Game Engines (motores de criação de jogos) que são softwares disponíveis
no mercado de forma gratuita ou parcialmente gratuita. Dentre elas, estão a Unity 3d, Unreal,
CryEngine, dentre outras. Com essas plataformas, é possível criar jogos em 2D e 3D, abrindo todo
um leque de possibilidades. Entretanto, são necessários conhecimentos básicos em programação,
design gráfico, conhecimento intermediário em inglês, entre outras coisas. Assim, a criação de jogos
utilizando o PowerPoint parece ser mais viável. Primeiro, é um programa bastante acessível e
podemos encontrá-lo em quase todos os computadores. Segundo, é muito utilizado por professores
em aulas com apresentações de slides, ou seja, o professor já conhece essa ferramenta.
A oficina de criação de jogos musicais digitais é parte integrante de uma série de oficinas
sobre o ensino de música e tecnologia, que por sua vez, fazem parte do Projeto de extensão “Educação
musical online e semipresencial” vinculado ao grupo de estudos Tecnologias Digitais e Educação
Musical - TEDUM, da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. O projeto de extensão tem parceria
com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - IFRN.
Em 2017, tive contato com esse conhecimento durante a disciplina de Metodologia do Ensino
da Música V, onde a ideia era desenvolver jogos voltados para a educação básica. Nesse mesmo ano,
participei como aluno do curso principal do TEDUM: Diálogos e Conexões, onde tive a oportunidade
de criar um jogo voltado para deficientes visuais. Ao concluir o curso, fui convidado para fazer parte
da equipe do TEDUM.
Em 2018, entrei na equipe com a intenção de ajudar com o que fosse necessário. Em uma das
reuniões semanais da equipe, surgiu a ideia de criar mini-oficinas sobre tecnologias e educação
musical. Num processo bastante democrático, foi perguntado quem gostaria de fazer a primeira
oficina, assim como qual seria o tema da primeira oficina. Surgiram ideias como oficina de violão-
IFRN, oficina de criação de jogos-UFPB, Ferramentas de Comunicação para Músicos-UFPB, dentre
outras. Decidi por voluntariar-me para realizar a primeira oficina na UFPB. O tema que escolhi foi
Criação de Jogos Musicais Digitais. A equipe decidiu que todas as oficinas teriam a mesma estrutura,
2h aula presencial e 6h de aula online, totalizando 8h.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Segundo especialistas, jogar estimula o desenvolvimento psicológico, social e cognitivo.


Além disso, o jogo é uma atividade natural, motivadora e através dele é possível gerar motivação
intrínseca, despertando nos jogadores o desejo de aprender algum conteúdo por conta própria. E
quando este desejo é realizado, a pessoa sente prazer e tem um sentimento de recompensa, tendo mais
motivação para continuar a aprender (CUNHA et al., 2009 apud BARBOSA et al., 2013, p.41). Neste
sentido, a utilização de jogos musicais surge como mais uma ferramenta que pode auxiliar o professor
de música nos espaços educativos em que atua.
Por outro lado, devemos estar atentos aos problemas que o uso excessivo de dispositivos
móveis podem causar no ser humano. O excesso de estímulos visual e sonoro produzido pela TV, por
exemplo, atinge o território da emoção. Como afirma Cury:

Pensar é excelente, pensar muito é péssimo. Quem pensa muito rouba energia vital do
córtex cerebral e sente uma fadiga excessiva, mesmo sem ter feito exercício físico. Este
é um dos sintomas da Síndrome do Pensamento Acelerado - SPA. Os demais sintomas
são sono insuficiente, irritabilidade, sofrimento por antecipação, esquecimento, déficit
de concentração, aversão à rotina e, às vezes, sintomas psicossomáticos, como dor de
cabeça, dores musculares, taquicardia, gastrite. Por que um dos sintomas é o
esquecimento? Porque o cérebro tem mais juízo do que nós e bloqueia a memória para
pensarmos menos e gastar menos energia (CURY, 2003, p. 59-60).

Desse modo, estamos diante de uma síndrome silenciosa, que está cada vez mais evidente
nos espaços educativos de educação básica, mas que podemos diagnosticar através dos sintomas
como a irritabilidade, déficit de atenção e o esquecimento. Sobre a relação entre emoção e acesso à
memória, o autor complementa:

O acesso à memória nos computadores é livre. Na inteligência humana este acesso tem
que passar pela barreira da emoção. Se uma pessoa está tranquila ou ansiosa, o grau de
abertura da memória e, consequentemente, sua capacidade de pensar estarão afetados
por essas emoções. Um executivo pode preparar bem uma palestra para os diretores da
sua empresa, mas no momento da apresentação pode truncar sua exposição por causa
da ansiedade. [...] A memória humana não está disponível quando queremos. Quem
determina a abertura dos arquivos da memória é a energia emocional que vivemos a
cada momento. O medo, a ansiedade e o estresse travam os arquivos e bloqueiam os
pensamentos. [...] A ansiedade pode comprometer o desempenho intelectual. Alunos
bem-preparados podem ir pessimamente numa prova se estiverem nervosos. [...] Se
quisermos ajudar ou corrigir uma pessoa tensa, devemos primeiro conquistar sua
emoção para depois conquistar sua razão (CURY, 2003, p. 111-112).

De acordo com o autor, para termos acesso à memória, precisamos estar bem
emocionalmente, pois, se considerarmos hipoteticamente que um aluno de música está com medo,
ansioso ou estressado antes de uma apresentação, e durante a mesma ele tem um desempenho muito
abaixo do que o professor tem presenciado em sala de aula, eis aí um sintoma da Síndrome do
Pensamento Acelerado - SPA. Cabe ao professor observar, buscar perceber esses sintomas e oferecer
ajuda ao aluno.
O uso de jogos musicais digitais, seja para dispositivos móveis seja para computador, deve
ser utilizado com moderação, de forma inteligente e sustentável. Apesar de ser uma poderosa
ferramenta de ensino-aprendizagem, o excesso de estímulos visual e sonoro que esses dispositivos
proporcionam, podem ser prejudiciais à saúde dos alunos e acabar por tornar-se uma ferramenta
ineficiente.

3. METODOLOGIA

A experiência foi estruturada em planejamento, regência e avaliação. Durante o


planejamento, eu tinha que levar em conta os seguintes dados: a oficina era aberta à toda comunidade,
entretanto, inscreveram-se alunos de graduação e pós-graduação da UFPB. A oficina teve a duração
de 8h, sendo 2h presencial e 6h online. Embora tivesse fixado a faixa etária mínima em 16 anos, se
tivéssemos numa escola de ensino básico, poderíamos realizar essa oficina com uma turma do
fundamental II ou com uma turma do ensino médio.
A oficina aconteceu no dia 04/06/2018, na sala de reuniões do CCTA-UFPB, das 17h às 19h.
Coloquei como pré-requisitos saber utilizar o PowerPoint e redes sociais como Whatsapp e Facebook.
O ponto de partida do plano de curso foi o objetivo geral, que era o seguinte: ao final do curso os
alunos deverão saber criar jogos utilizando o PowerPoint. Como objetivos específicos, os alunos
deveriam aprender a utilizar as ferramentas do Powerpoint para criar jogos, aprender a fazer edição
de imagem, áudio e vídeo, e, finalmente, criar um jogo no Powerpoint. Os conteúdos foram
escolhidos buscando contemplar os objetivos específicos:

a) Apresentação.
b) Ferramentas do Powerpoint.
c) Baixar assets do jogo.
d) Ferramentas online (edição de imagem, áudio e vídeo).
e) Sobre o jogo show do milhão.
f) Criando um jogo de perguntas e respostas (Quiz).
g) Conclusão (Avaliação).

A primeira parte do curso foi expositiva onde mostrei alguns jogos prontos no intuito de
despertar a curiosidade e a criatividade dos alunos. Na sequência, tivemos uma parte prática, na qual
os alunos aprenderam os recursos básicos para fazer os jogos. Em seguida, iniciamos a parte online,
que foi baseada a partir de tutoriais e atividades enviadas no google classroom (google sala de aula).
Começamos uma divulgação massiva da oficina nas redes sociais (Facebook, grupos de
Whatsapp e Instagram), nos órgãos oficiais de comunicação da UFPB (site do CCTA e site da UFPB),
divulgação por email para as coordenações dos Departamentos de Música-Demús, Departamento de
Educação Musical - DEM, além de realizar divulgação através de cartazes fixados nos murais do
CCTA.
No dia da oficina, chegamos com 1h de antecedência para ajustes de som e datashow. Embora
eu fosse ministrar a oficina, toda a equipe do TEDUM estava envolvida de algum modo, fosse
auxiliando com as inscrições ou na parte de criação de contas de email do domínio EMO, que
significa Educação Musical Online. As contas exemplo@gmail.emo.ufpb.br, são contas do tipo
empresarial, ou, em nosso caso, institucional. Existem algumas restrições de comunicação, onde só
é possível a comunicação de conta “emo para emo”. Apesar disso, posso listar algumas vantagens de
ter uma conta de email institucional, entre elas, o armazenamento em nuvem ilimitado no google
drive e o desbloqueio de aplicativos exclusivos do google. Fez-se necessário utilizarmos esse tipo de
conta uma vez que só poderia acessar o nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA (google
sala de aula), quem tivesse uma conta com o domínio EMO.
Começamos a oficina às 17h15min. Haviam 15 alunos inscritos, todos compareceram na parte
presencial da oficina. Após uma breve apresentação, falei do projeto TEDUM, sobre as oficinas que
seriam oferecidas durante o semestre, da estrutura da oficina de criação de jogos musicais e do nosso
AVA. Em seguida, mostrei algumas possibilidades de jogos criados no Powerpoint, como por
exemplo, o Jogo da Memória, com o tema da copa do mundo, o jogo Show do Milhão, o jogo Qual
é a Nota, o jogo da Família dos Instrumentos, o Jogo do Coco de Roda, o Jogo dos Intervalos, o jogo
No Ritmo do Frevo, dentre outros.
A maioria desses jogos foram criados por alunos do curso de licenciatura em música durante a
disciplina de Metodologia do Ensino da Música V, que tem por enfoque o eixo temático Música e
Tecnologia. Feito isso, mostrei de forma prática, como podemos criar um jogo de perguntas e
respostas (Quiz) utilizando o Powerpoint. A cada passo que eu realizava no meu notebook era
apresentado nos slides e os alunos repetiam em seus computadores. Durante a oficina de criação de
jogos musicais digitais, foi feito um passo a passo de como criar um quiz, que posteriormente foi
disponibilizado também como um tutorial no google sala de aula.
Em 2017, criei um jogo que consiste em simular o conhecido “Show do Milhão”, jogo de
perguntas e respostas apresentado pelo Sistema Brasileiro de Televisão – SBT entre 1999 e 2009. O
projeto é um jogo que pode ser editável, ou seja, o educador musical pode editar as perguntas a
qualquer momento, com o tema que mais lhe for conveniente138. Por exemplo, teoria musical, história
da música, conhecimentos gerais em música, percepção, etc. O jogo durou mais ou menos 2 meses
para ser criado, desde a concepção até a “Versão Beta”. Apesar de não estar 100% concluído, o jogo
encontra-se num estado que pode ser executado tranquilamente nos mais diversos espaços educativos.
Criar um jogo educacional foi uma experiência incrível. A parte mais difícil, para não dizer
trabalhosa, foi a criação de vários hiperlinks em cada slide.
O nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA (google sala de aula) foi preparado com
bastante antecedência em relação ao início da oficina. Nele foram postados 2 conteúdos: uma
mensagem de boas vindas e a primeira atividade do nosso curso. Atividade 1: Acessar e testar pelo
menos 3 jogos deste link139. Depois, comentar aqui a sua experiência com no mínimo 5 linhas. Os
jogos estavam disponíveis para download no site Mentes Musicais indicado através do link.
Foi então que apareceu o primeiro problema técnico do curso, os alunos estavam com dificuldade
de acessar o nosso AVA. A partir disso, sentimos a necessidade de criar um tutorial explicando o
passo a passo para acessar o AVA. Este primeiro tutorial teve o link disponibilizado no grupo do
Whatsapp. Dos 15 alunos, 12 conseguiram acessar o AVA e continuar no curso. A atividade foi
realizada pelos alunos sem mais dificuldades. Quanto ao prazo de entrega, tive que ser mais flexível.
Este que deveria ser entregue no dia seguinte 05/06, teve o prazo estendido para o dia 08/06.
Quanto ao atendimento online, foi aberta uma webconferência no google meet (similar ao Skype)
e se deu em 3 momentos. O primeiro, no dia 09/06 das 20h às 22h. O segundo, no dia 10/06 das 20h
às 22h. O terceiro no dia 11/06 das 20h às 23h59min. Além desses 3 momentos, havia o atendimento
assíncrono pela equipe do TEDUM via grupo do Whatsapp.

138
Quem quiser saber mais pode olhar o site Mentes Musicais, onde podemos encontrar o trabalho completo que
mostra o passo a passo bem detalhado.
139
http://mentesmusicais2017.blogspot.com/p/jogos-musicais.html
A segunda e última atividade do curso, a Atividade 2 - Final, foi dividida em duas etapas: A)
Criar um jogo no Powerpoint; e B) Enviar o jogo para o Google Drive. A maioria dos alunos não teve
dificuldade em criar o jogo, mas sim em enviar o mesmo para o Google Drive. Durante a oficina,
foram criados tutoriais para auxiliar os alunos. Estes tutoriais foram postados em nosso AVA. O
tutorial 1, tratava da criação de jogos no Powerpoint. O tutorial 2, ensinava como criar o Jogo X. No
tutorial 3, foi feito um vídeo com um resumo da parte presencial da oficina, mostrando como criar
um jogo básico no Powerpoint. O tutorial 4, mostra como baixar vídeos do Youtube, converter para
mp3, editar o áudio e salvar em WAV. No tutorial 5, mostrou como enviar o jogo para o Google
Drive. Para tal, foi criada uma pasta compartilhada no meu Google Drive e postei o link no AVA.
Assim, os alunos poderiam acessar o link dentro do AVA e enviar o jogo para o Google Drive.
Alguns alunos tiveram dificuldade, hora por causa da conexão com a internet, hora por não
entenderem o que deveria ser feito na Atividade 2 - Final. Vale a pena comentar o caso do Aluno X,
que apesar de ter muitas dúvidas, não desistiu do curso, assistiu aos tutoriais, utilizou do atendimento
online via Meet e/ou Whatsapp, quando percebi, já era 1h da manhã do dia 12/06. Apesar de tudo, o
Aluno X conseguiu concluir o curso com sucesso. A segunda atividade teve seu prazo estendido até
o dia 14/06, quando eu declarei encerrada a oficina de criação de jogos musicais digitais. Dos 12
alunos, 10 conseguiram concluir o curso.

4. RESULTADOS

Como produto final surgiram jogos interessantes. Podemos citar alguns jogos tais como o
jogo Música Eletrônica, que apresentou um alto nível de qualidade e comprometimento com a
proposta do curso. O jogo Tema de Minisséries, que trouxe o conteúdo da percepção musical através
das trilhas sonoras de séries de TV. O Quiz Cantar, que explorou questões como quais partes do
corpo estão entre as que produzem o som da voz. O Testando Nossos Ouvidos, esse jogo teve por
objetivo testar o ouvido, trouxe questões como: que instrumento está tocando? Já o Organogame,
aborda o tema da família dos instrumentos e o Minha Primeira Atividade, teve como eixo temático o
ensino do violão, dentre outros. Desse modo, cumprimos o objetivo geral que era criar um jogo
musical no Powerpoint.
Sobre os aspectos que foram avaliados, escolhi como parâmetros a criatividade e a
participação. A respeito dos instrumentos de avaliação, optei por realizar uma avaliação prática.
Além disso, criei uma avaliação no google formulários para que os alunos pudessem avaliar o curso.
Ao perguntar quais foram os pontos positivos e negativos do curso (parte presencial), um dos alunos
respondeu que houve falha de comunicação na solicitação de levar notebook para a oficina. Quanto
ao ponto positivo, ele destacou que a oficina foi bem elaborada. A mesma pergunta foi feita só que
referente a parte online. Ele respondeu que achou tudo tranquilo e de fácil operação. Perguntamos
quais foram os desafios enfrentados? Ele comentou que criar o jogo foi bastante desafiador porque
havia esquecido de algumas instruções e não teve tempo de assistir aos tutoriais com antecedência.
Ao ser questionado se gostaria de fazer um segundo módulo mais avançado, ele respondeu
positivamente.

5. CONCLUSÃO
A Oficina de Criação de Jogos Musicais Digitais me proporcionou vivenciar uma experiência
enriquecedora do ponto de vista pedagógico. Ao longo do curso, tivemos a oportunidade de aprender
e adquirir as habilidades necessárias para que tivéssemos um bom encaminhamento do curso. Os
jogos criados a partir do Powerpoint mostraram-se uma ótima ferramenta de ensino-aprendizagem,
que despertam o interesse dos alunos em aprender.
Pensando na educação básica, surgem algumas indagações que mais cedo ou mais tarde
teremos que enfrentar e buscar soluções viáveis. Como adaptar as tecnologias aos espaços
educativos? Como renovar os métodos de ensino-aprendizagem em tempos de revolução digital? A
educação e mais especificamente a educação musical, passam por uma constante transformação.
Como educadores, podemos ser autores dessa mudança e fazer a diferença mesmo em tempos
difíceis. Mas, o que não podemos, é fazer de conta que as tecnologias digitais não existem. Pretendo
continuar as minhas pesquisas em Tecnologias e Educação Musical e continuar contribuindo para o
avanço da área.

6. REFERÊNCIAS:
BARBOSA, Priscilla Alves et al. Perspectivas em Ciências Tecnológicas, v. 2, p. n. 2, Mar.
2013, 39-48.
CURY, Augusto. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante. 2003.
BLOG MENTES MUSICAIS DA UFPB. Jogos Musicais. Disponível em:
<http://mentesmusicais2017.blogspot.com/p/jogos-musicais.html> Acesso. em: 29 de junho de
2018
CONVERSOR DE ÁUDIO. Online Audio Converter. Disponível em: <https://online-audio-
converter.com/pt/> Acesso em: 29 de junho de 2018.
TANAKA-SORRENTINO, Harue. Jogos Musicais Interativos: uma experiência com alunos
de Licenciatura e Mestrado em Educação Musical. XX Congresso Nacional da Associação
Brasileira de Educação Musical. Educação Musical para o Brasil do Século XXI. Vitória, 07 a
10 de novembro de 2011. Anais da Abem, pág. 1301.
VISUAL HUNT. Free high quality photos. Disponível em: <https://visualhunt.com/> Acesso
em: 29 de junho de 2018.
SAVEFROM.NET. Baixar vídeos do Youtube. Disponível em: <https://pt.savefrom.net/>
Acesso em: 29 de junho de 2018.
TRAJETÓRIAS FORMATIVAS, A ARTE E A CULTURA NEGRA NA
FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES

Giselda Pereira Rodrigues


Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
<gigiselda.pere@gmail.com>
Agência financiadora: CAPES

RESUMO: O percurso formativo de um (a) professor (a) pode se dar oficialmente a partir da
graduação, mas ela é composta por todas as experiências familiares, sociais e culturais. A pesquisa
pretende a partir da trajetória formativa da pesquisadora investigar as lacunas na formação de
professores (as) acerca do ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira. A pesquisa de
campo a ser realizada, busca encontrar uma prática formativa para professores que dialogue, a partir
do estudo dos contos e mitos tradicionais africanos e afro-brasileiros, com o racismo no contexto
escolar. E também com a reflexão sobre a trajetória formativa individual de professores, incluindo
suas histórias de vida.

PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; Cultura negra; História de vida.

1. Introdução

Este artigo pretende discutir como a formação inicial e continuada de professores os qualifica
para trabalhar com a cultura africana e afro-brasileira como fonte de conhecimento, incluindo em
suas práticas propostas decoloniais. E como, mesmo após a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) nº 9.394 (BRASIL, 1996), com a inclusão da obrigatoriedade do ensino
de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, o racismo estrutural e a intolerância religiosa
impedem sua aplicação.
A Lei nº 10.639/03 (BRASIL, 2003) acresce à LDB os artigos 26-A, 79-A e 79-B, tornando
assim obrigatório o ensino de Cultura Negra no ensino fundamental e médio das redes pública e
privada de ensino, e define que o ensino de História e Cultura Negra no Brasil se dará por todo o
currículo, mas “em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”
(BRASIL, 2003, art. 26-A, § 2º). Mesmo indicando todo o currículo para a aplicação da lei, é
designada para o ensino das Artes uma grande responsabilidade, e o professor de Arte é um dos
responsáveis pela sua efetivação.
Essa determinação aconteceu durante minha graduação, quando tomei conhecimento dessa
especificidade que atravessou diretamente meus anseios e me fez refletir sobre que tipo de professora
de Artes gostaria de ser, e o principal, como faria para dar conta dessa responsabilidade, pois durante
todo o curso houve somente uma palestra que abordou a existência da lei, sua importância e contexto
histórico.
De modo geral, o ensino no Brasil foi pautado pela cultura ocidental cristã europeia; por isso,
o conhecimento sobre a cultura negra africana e brasileira ficou fora da formação básica do ensino
formal de milhares de brasileiros, geração após geração. Mesmo aqueles nascidos negros no Brasil,
se não pertencem a uma família consciente de sua negritude e que preserva aspectos culturais, ou às
comunidades culturais negras, não têm garantido em sua formação o conhecimento sobre a História
e a Cultura negra. As instituições de ensino, por sua vez, pelo fato de serem projetos de preservação
da cultura hegemônica, não formam professores de Artes qualificados para trabalhar com outras
culturas e cosmovisões.
Pautando-se na lei, muitas gestões escolares subentendem que o professor de Artes está
habilitado a propor projetos com cultura negra. Mas, como isso seria possível? As graduações têm
em sua centralidade a visão ocidental europeia, conteúdos e regras de moralidade e relações
estabelecidas no fim do século XIX e começo do XX, período em que o Brasil se pensava
intelectualmente como nação e em que o pensamento racista predominava em grande parte da
intelectualidade brasileira.
O racismo foi estruturante na formulação da identidade nacional, o que influenciou direta e
indiretamente a elaboração do currículo de ensino. “Toda a preocupação da elite, apoiada nas teorias
racistas da época, diz respeito à influência negativa que poderia resultar da herança inferior do negro
nesse processo de formação da identidade étnica brasileira.” (MUNANGA, 2004, p. 54)
Neste artigo, farei uso da metodologia “história de vida” a fim de apresentar minha trajetória
formativa como artista e educadora, e narrarei como, a partir dela, questionei o racismo institucional
e percebi a invisibilidade da arte e da cultura negras em todos os níveis da formação de um professor.
Para ilustrar o caminho percorrido até o momento na pesquisa, serão relatadas experiências
formativas para professores em dois projetos artísticos e educativos, as quais colaboraram para a
definição da pesquisa de campo, que será um novo projeto de formação para professores (as) em arte
e cultura negra, com maior aprofundamento em conceitos que se apresentaram nas experiências
anteriores.

2 Caminhos da formação, encontros e desencontros

No inicio dos anos 2000, o Movimento Negro brasileiro teve uma importante conquista: a
alteração da LDB nº 9.394/96, uma mudança histórica que refletiu a luta de muitas gerações de
militantes negros, artistas, pesquisadores, professores e políticos.
Com isso, a instituição privada onde cursei a graduação ofereceu palestras gratuitas,
contextualizando a necessidade e importância história dessa mudança na LDB. Tomei conhecimento
de sua existência e de que, de alguma forma, essa alteração provocaria também a mudança da prática
educativa de muitos arte-educadores.
Mas, fora essas poucas horas, não houve durante os anos de curso mais nenhuma proposta
formativa que fizesse com que aquela geração de futuros artistas e professores de Artes se sentissem
capazes de atuar na perspectiva dessa mudança.
A educação sistêmica ainda é herdeira do modelo implantado pelos jesuítas, que pensa a arte
como um meio para catequizar e modernizar outras áreas, e que exclui a arte negra e a indígena. Ana
Mae Barbosa (2002, p. 21) fala sobre a presença invisível dos jesuítas:

Embora ausentes das atividades educativas, eram os ecos de suas concepções que
orientavam nossa cultura quando aqui chegou D. João VI, e oito anos depois quando
chegou a Missão Francesa, havendo mesmo quem afirme que suas influências ainda
ressoam entre nós!

Sendo a escola historicamente um aparelho ideológico do Estado, ela se estrutura com base
nessa concepção. Simas e Rufino (2018, p. 20) afirmam: “A experiência de escolarização no Brasil
é fundamentada pelo colonialismo europeu-ocidental e pelas políticas de expansão e conversão da fé
cristã”.
Meu trabalho como artista levou-me para grupos de culturas negras tradicionais, onde iniciei
minha real formação em cultura negra. Mas, apesar do processo formativo em cultura negra iniciado
na atuação artística, como arte-educadora não havia conseguido modificar as abordagens de temas e
artistas.
Na trajetória percorrida na arte-educação, as tentativas de inclusão de práticas centradas na
cultura negra foram poucas e tímidas, mas mesmo assim sofri impedimentos por parte da gestão das
escolas, nas particulares e também nas escolas públicas. Deixei a sala de aula, pois reviver o racismo
na instituição escolar reabriu as feridas decorrentes de todo o racismo e intolerância religiosa vividos
como aluna da educação fundamental, nos anos 1980 e 1990.
Afastada da sala de aula, parti em busca de caminhos em que pudesse ir ao encontro da criança
e do professor (a), uma experiência independente da escola que proporcionasse reflexões sobre o
racismo e a intolerância. Encontrei no estudo de contos e mitos tradicionais africanos e afro-
brasileiros uma perspectiva de formação em cultura negra, um caminho a percorrer pela densa e
profunda floresta das culturas e histórias negras, e um caminho pra refletir e combater o racismo e a
intolerância religiosa.

3 Urgências e inquietações no caminho da formação de professores (as)


Depois de deixar a sala de aula, durante quase três anos minha principal experiência formativa
em Arte e Cultura Negra foi o trabalho como educadora do Museu Afro Brasil (MAB), onde pude
imergir na relação com um acervo que busca representar uma identidade cultural negra brasileira.
Mediar diariamente obras de artistas negros que questionavam a história oficial sobre a população
negra com sua produção artística e cultural colocou-me em contato com as mais diversas
manifestações do racismo e da intolerância religiosa. Milhares de crianças e adolescentes que
reproduziam comportamentos racistas, milhares de professores (as) que demonstravam não ter
conhecimento nem da superfície, muito menos da profundidade da cultura negra.
Durante minha permanência no MAB, conheci outras educadoras que desejavam, assim como
eu, aprofundar propostas formativas para professores (as) vividas no contexto do museu.
Ofertávamos oficinas e/ou palestras, mas que se encerravam ali.
Desse desejo de aprofundamento nasceram, de forma independente do museu, dois projetos:
Literatura Negra e Oral: um Tesouro Ancestral e ÌRÈTÍ – Formação em Cultura Negra para
Educadores, vencedores de três concursos culturais do Programa de Ação Cultura (PROAC) da
Secretaria Estadual de Cultura paulista e que abordarei a seguir.

3.1 Literatura Negra e Oral: um Tesouro Ancestral

Em parceria com uma educadora formada em Letras, realizamos, dentro da biblioteca do


Centro de Educação Unificado (CEU) Capão Redondo, dois módulos formativos, um olhando para a
produção literária negra e periférica, e outro para a tradição oral e o estudo dos mitos e contos
tradicionais africanos e afro-brasileiros.
Nessa primeira experiência, tive um grupo formado só de professoras da rede pública.
Primeiramente, não havia planejado abordar o tema do racismo e da intolerância; era o início de meu
estudo com mitos e contos e com o contexto histórico de suas regiões de origem. Meu principal
objetivo era apresentar às professoras uma abordagem artístico-educativa que ofereceria
conhecimentos sobre nossa ancestralidade africana, e que possibilitaria que seus (suas) alunos (as)
negros (as) e afrodescendentes se vissem representados (as) nas histórias ouvidas no contexto escolar.
Mas, ao longo dos 12 encontros percebi que havia entraves da maioria das participantes com
o estudo da mitologia afro-brasileira em que são narradas as histórias dos orixás, divindades
provindas das culturas iorubá, banto e fon, cultuadas nas religiosidades de matriz africana no Brasil.
Algumas relatavam que seria difícil contar essa mitologia na sala de aula, pois muitos alunos
eram evangélicos, e as famílias se manifestariam negativamente. Precisei, então, contextualizar
historicamente a mitologia e suas relações com a formação cultural brasileira, o que fundamentou e
justificou para algumas o estudo dessa mitologia. Contudo, a maioria não conseguiu olhar além dos
problemas que surgiriam se elas levassem a escuta e/ou leitura das histórias dos orixás para sua rotina
em sala de aula.
No estudo dos contos africanos, trabalhamos com o conto “Elefante antes, elefante depois”,
do povo saras do Chade, que narra a história de uma elefanta que, junto com sua manada, despe-se
de sua pele animal, torna-se humana e vai refrescar-se no Rio Chade. Por conta do desejo insano de
um caçador, ela não encontra sua pele e permanece humana, torna-se sua esposa e com ele tem filhos.
Após anos de convivência e adaptação à vida humana, um dia sua rotina de mãe e dona de casa é
quebrada, pois, ao reencontrar sua pele, ela imediatamente volta para sua manada.
O grupo mostrou-se resistente ao conto, por ele ir de encontro a algumas moralidades
específicas de uma cultura baseada no cristianismo. Na transformação de animal em humano, de
humano em animal, mesmo que não se explicite cunho religioso, há a magia, e atualmente parece
proibido tratar de elementos mágicos na educação infantil e fundamental, reflexo da “demonização”
de tudo o que não é compreendido ou do que não é cristão, principalmente no ponto de vista dos
adeptos das igrejas neopentecostais.
As professoras, em sua maioria, demonstravam medo da reação de suas crianças, pois elas
mesmas estranhavam o contexto cultural apresentado no conto, visto com julgamento, sempre
associado a coisas negativas, como pobreza e violência. Discutimos sobre nossa formação, que nos
limita na compreensão da existência de outras culturas, de outros modos de ver e entender o mundo.
E que parte dessa dificuldade estava fundada no racismo estrutural em nossa sociedade.
Outro objetivo da formação seria capacitar as professoras na arte da narrativa e da mediação
de leitura, para que percebessem como o momento da história em sala de aula pode aprofundar
camadas no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos escolares e da vida. Mas nos deparamos
com o medo de narrar e de se expor.
Perceber que uma professora  que tem, desde o surgimento do ofício de ensinar em
diferentes culturas, a palavra falada como uma das principais ferramentas  sente medo de narrar, de
contar uma história, mostra que Walter Benjamin, em sua obra O narrador, tinha razão ao afirmar:

São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num
grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se
estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a
faculdade de intercambiar experiências. Uma das causas desse fenômeno é óbvia: as
ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu
valor desapareça de todo. (BENJAMIN, 1994, p. 202)

Essa percepção trouxe um novo elemento para as urgências percebidas na formação de


professores (as): reconectar o ofício de ensinar à palavra falada, ao valor da oralidade e aos
conhecimentos preservados nela. Inspirar-se na qualidade da palavra proferida no contexto da
tradição oral, que preserva conhecimentos milenares, seria um novo propósito para futuros projetos
de formação de professores (as)

3.2 ÌRÈTÍ – Formação em Cultura Negra para Educadores(as)

Após as descobertas na experiência formativa com o projeto Literatura Negra e Oral, percebi
a necessidade de uma proposta formativa que dialogasse com a Abordagem Triangular de Ana Mae
Barbosa, abrangendo contexto histórico, estudo/pesquisa para reflexão e produção artística.
A produção cultural e artística negra é, por natureza, multifacetada, com muitas linguagens
em diálogo: Música, Dança, Artes Visuais, Performance, Narração e Artes Cênicas estão quase
sempre interligadas. A partir dessa perspectiva foi criado ÌRÈTÍ, que em iorubá quer dizer
“esperança”. Esperança de mudanças de paradigmas e de giros epistemológicos.
O projeto foi criado em parceria com uma educadora do MAB das Ciências Sociais, formado
inicialmente por sete módulos, que se propunham a apresentar diferentes perspectivas históricas,
artísticas e culturais da arte negra. Realizamos na região noroeste em 2014 e na região leste de São
Paulo, em 2015. No módulo “A tradição oral, os contos e mitos e a educação”, pude aprofundar os
temas abordados na formação anterior e discutir mais criticamente o determinismo do racismo em
nossas relações com a cultura tradicional e negra.
Estudamos o conceito de tradição viva, apresentado por Hampaté Bâ no texto A tradição viva
(História Geral da África, pág. 167), e fizemos relações com a função do tradicionalista da palavra
no contexto africano e a função de professores no contexto ocidental.
Mergulhamos no conceito de arte e cultura negra tradicional, africana e afro-brasileira com o
foco na arte da narrativa, no reencontro do professor com a palavra, inspirado na qualidade da palavra
proferida no contexto tradicional, que preserva e fomenta conhecimentos milenares. Para ir ao
encontro da qualidade da palavra proferida no contexto educativo, buscamos a figura do narrador
tradicional, conhecido ocidentalmente como griot, no contexto das famílias das professoras e de seus
alunos. Valorizar a tradição oral familiar, os conhecimentos transmitidos por avós e avôs, era o
primeiro passo na direção da valorização do que se conta em sala de aula, da importância da sabedoria
que está além dos livros.
Após um período de estudo do contexto histórico e da técnica de narrar histórias, apresentei
um repertório de histórias tradicionais registradas na literatura infanto-juvenil contemporânea. Havia
livros de autores brasileiros, norte-americanos e africanos, que pesquisam histórias tradicionais
africanas e a mitologia afro-brasileira. Os livros foram dispostos em mesas e as professoras, após um
tempo de apreciação, deveriam escolher uma história, que seria compartilhada na roda de histórias
que finalizaria nosso módulo de estudo.
As discussões sobre racismo institucional apareceram ao longo dos encontros. A gestão
escolar e a família sempre apareciam como os agentes impeditivos de práticas com a cultura negra;
não havia, até então, reconhecimento dos racismos individuais, da dificuldade pessoal das
professoras. Mas as escolhas das histórias contaram muito sobre suas limitações, principalmente
quando se tratava das mitologias afro-brasileiras, das mitologias dos orixás.
O debate sobre como o contexto cultural do professor não deveria definir quais culturas ele
apresenta para seus alunos foi profundo e doloroso. Principalmente ao abordar o campo da
religiosidade, ficou claro que a laicidade do Estado, garantida na Constituição, é subvertida no
contexto brasileiro. Ela muitas vezes apareceu como justificativa para a ausência da mitologia afro-
brasileira nas rodas de histórias.
A laicidade nasce na França para garantir a separação entre Estado e religião e respeitar o
direito individual à diversidade religiosa. Mas no Brasil ela foi usada para excluir tudo o que se
relaciona à cultura negra, que é esvaziada e reduzida às religiões de matriz africana. A intolerância
religiosa faz com que uma mitologia seja vista unicamente como expressão de uma religião e não
como parte de um arcabouço cultural milenar, onde o culto às divindades é um dos aspectos, e não
sua totalidade. Racismo e intolerância religiosa andam juntos e se fundem quando o assunto é
mitologia afro-brasileira.
Nos últimos encontros, quando preparávamos a roda final de histórias, percebi que poucas
haviam escolhido a mitologia dos orixás e, mesmo depois dos estudos sobre como o sincretismo
contribuiu para a demonização dessas divindades, professoras com orientação religiosa
neopentecostal diziam abertamente que “os demônios” não entrariam em sua sala de aula.
Mas, apesar da resistência à inserção da mitologia afro-brasileira, pudemos ter uma roda de
histórias diversa, que representou a riqueza cultural de nossa herança cultural africana. Muitas
professoras relataram que já estavam experimentando novas propostas com a cultura negra e que se
sentiam mais seguras e fundamentadas para argumentar junto às gestões e às famílias. Além do
processo de aprendizagem sobre a cultura africana e afro-brasileira, algumas puderam rever a própria
história e seu pertencimento à história da população negra, reconstruindo sua autoestima como
mulher negra.

4. Depois de caminhar, o que há no horizonte?

As experiências descritas relatam tentativas de formação em cultura negra a partir da arte da


narrativa de mitos e contos africanos e afro-brasileiros, mas desde o princípio o racismo e a
intolerância religiosa cruzam a trajetória com a violência que lhes é característica.
Por tratar do mundo do encantamento, do mágico, o estudo com mitos e contos tradicionais
pode parecer inofensivo e incapaz de dialogar com questões sociais tão profundas e dolorosas. Mas
Regina Machado (2004, p. 24) nos conta que, “Longe de ser ilusão, o maravilhoso nos fala de valores
humanos fundamentais que se atualizam e ganham significado para cada momento da história das
sociedades humanas”.
O trabalho com mitos e contos tradicionais é produtivo ao olharmos sua capacidade de refletir
o ser humano e possibilitar a reflexão sobre suas verdades. É matéria profunda ao pensarmos em
pesquisa, pois relaciona muitos aspectos do pensar e fazer humano e nos dá a oportunidade de
conhecer diferentes culturas, compreender seu contexto e códigos culturais, a partir de uma narrativa
que preserva saberes que ultrapassam os limites do conhecimento dito científico.
E o que é o racismo senão o resultado do que antes era visto como conhecimento científico:
a afirmação de que um ser humano era inferior ao outro por sua raça. Deixa de ser biológico quando
a ciência não mais considera o conceito de raça, e se torna somente social quando as características
de determinada etnia  cor, cabelo, fenótipo  definem as oportunidades que um ser humano terá no
mundo. E é dele que nasce o racismo institucional, que “se manifesta em normas, práticas e
comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do
preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância”
(PEREIRA, 2014, p. 51).
No horizonte que alcanço, percebo que, para a futura experiência formativa em cultura negra
com professores, é impossível pesquisar qualquer campo das artes negras sem discutir paralelamente
o histórico do racismo e suas diversas formas de atuação, principalmente no contexto escolar. Sem
isso, a aplicabilidade da Lei nº 10.639/03 fica superficial, deixando a arte e a cultura negras
unicamente no patamar do folclore, do entretenimento, ao distanciar sua existência como fonte de
conhecimento e formação.
A metodologia de história de vida será fundamental para conduzir os professores num
processo de revisitar a própria história, buscando lacunas sobre sua descendência negra e/ou suas
relações com o racismo. “Quando invocamos a memória, sabemos que ela é algo que não se fixa
apenas no campo subjetivo, já que toda vivência, ainda que singular e autorreferente, situa-se também
num contexto histórico e cultural.” (SOUZA, 2007, p. 63)

5. Conclusão

A arte negra pode ser campo de pesquisa para o entendimento da cosmovisão africana, da
qual a cultura afro-brasileira descende diretamente. E os mitos e contos tradicionais são portas de
entrada para a compreensão de que a cultura negra está longe de ser exclusivamente uma expressão
religiosa, folclórica e exótica.
A formação em Arte e Cultura Negra é, portanto, fundamental e urgente para que o racismo
institucional existente na escola e na prática educativa seja combatido. Aos professores (as) que
reproduzem racismo por falta de conhecimento, o conhecimento; e aos professores (as) que
perpetuam o racismo por ideologia, o conhecimento das leis.
Ao se pensar uma formação de professores que traga a reflexão sobre nossa formação inicial
e sobre a percepção de nós mesmos, como profissionais e cidadãos, a formação continuada em Arte
e Cultura Negra é uma grande potência. Revisitar a própria trajetória em relação ao racismo e à
intolerância religiosa, com o apoio da metodologia de histórias de vida, pode ser fundamental para
uma verdadeira mudança de paradigmas; rever-se e reconhecer seu papel como sujeito histórico
potencializa as propostas com arte e cultura negra.
Os pilares que fundamentarão a futura pesquisa de campo com formação continuada de
professores são:
 contextualizar historicamente: conhecer a história oficial e as histórias invisíveis sobre o
percurso da população negra na diáspora brasileira;
 pesquisar/ler a obra: perceber a oralidade como campo de conhecimento por meio dos mitos
e contos africanos e afro-brasileiros, com o apoio da recente produção de literatura infanto-
juvenil;
 produzir arte: retomar a capacidade de um professor de narrar, permitir que a arte de narrar
histórias conduza processos de aprendizagem significativa em sua formação continuada e que
isso reflita em sua prática educativa.
Ao revisitar sua obra, a professora Ana Mae Barbosa (1998) reafirma que Abordagem
Triangular não é um método, pois método quem cria é o professor, nesse caso, a formadora. A
Abordagem Triangular aponta caminhos formativos que garantem a compreensão do campo de
estudo de forma profunda e multifacetada, sem limitar a capacidade criadora durante um processo
formativo.

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SOUZA, Elizeu Clementino de Souza. (Auto)biografia, histórias de vida e práticas de formação.


Salvador: EDUFBA, 2007.
TRATAMENTO E ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO: AÇÕES
PRÁTICAS DA BIBLIOTECONOMIA NO CENTRO DE PSICOLOGIA
DA RELIGIÃO EM JUAZEIRO DO NORTE-CE
Daniela Maria Alves Daniel
Universidade Federal do Cariri
danielaalvesdaniel@gmail.com

Lázaro Almeida Galvão


Universidade Federal do Cariri
lazaroalmeida.64@gmail.com

Deise Santos do Nascimento


Universidade Federal do Cariri;
deiseatenas@gmail.com

RESUMO: O trabalho apresenta ações em andamento do projeto de extensão intitulado; Tratar e


organizar, para disseminar: ações práticas da Biblioteconomia no Centro de Psicologia da Religião
em Juazeiro do Norte-CE, desenvolvido por alunos do curso de Biblioteconomia, da Universidade
Federal do Cariri (UFCA). Trata-se de uma pesquisa exploratória, utilizando como método
abordagem qualitativa. Se justifica pela relevância religiosa e social do fenômeno “Padre Cícero”,
para a cidade do Juazeiro do Norte, bem como para os estudos da religiosidade popular. Como
objetivo geral, busca-se facilitar aos usuários a recuperação e o acesso à informação por meio de um
acervo adequadamente organizado; tendo como objetivos específicos, promover aos alunos vivências
das práticas biblioteconômicas; fortalecer a responsabilidade social da universidade com a sociedade;
e facilitar o estudo e pesquisa da religiosidade popular para os usuários. Com o trabalho já realizado,
os primeiros resultados confirmaram as evidências de que se trata de um acervo de relevância
histórica, com valor e dimensão informacional e cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Organização; Tratamento da informação; Informação.

1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho apresenta um resultado parcial das ações desenvolvidas no projeto de extensão
“Tratar e organizar para disseminar: ações práticas da Biblioteconomia no Centro de Psicologia da
Religião em Juazeiro do Norte-CE” e, reflete a preocupação dos futuros profissionais da informação,
em relação ao tratamento dado aos documentos que registram a memória da religiosidade popular na
região do cariri cearense, especialmente na cidade de Juazeiro do Norte, na região sul do Estado do
Ceará. Os alunos do curso de graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri-
UFCA, através do projeto, vivenciam a realidade de um acervo, que não dispõe de um tratamento
adequado, nem de uma política de desenvolvimento que venha a garantir a proteção dos documentos,
do ponto de vista da preservação e conservação, evitando assim, a deterioração e os possíveis danos
ao patrimônio material.
Essa experiência, só é possível, porque a universidade, através da pró- reitoria de extensão,
viabiliza a execução de projetos que agregam valor e qualidade ao ensino mediado em sala de aula.
A parceria entre a UFCA e o Centro de Psicologia da Religião – (CPR), permite ao aluno
desempenhar, também, um papel social, uma vez que ele leva para além das fronteiras da
universidade, o conhecimento que é produzido lá. A discussão sobre a responsabilidade social das
universidades, sobretudo aquelas de caráter público, assim como, do papel da extensão universitária,
não é de agora. Ela ultrapassou diferentes momentos da história do país e dos movimentos sociais
que, liderados por estudantes na época, (SOUSA, 2002), faziam valer o direito, e o acesso à educação
e a cultura para o povo.
Passados diferentes momentos, a extensão universitária continua sendo uma das portas de
escoamento do conhecimento que as universidades produzem para serem aplicados na vida em
sociedade. Assim, a idealização desse projeto foi guiada por essa história e pela necessidade latente,
dos alunos colocarem em prática, seus conhecimentos. Nossa intenção se associou ao desejo
expressado pelo CPR, no sentido de receber o conhecimento que a ação de extensão podia lhe
proporcionar.
O CPR, é uma instituição sem fins lucrativos e, foi fundado no ano de 1977, com a chegada
à cidade de Juazeiro no Norte – CE, das pesquisadoras e religiosas da Congregação de Nossa Senhora
(CSA), Therezinha Stella Guimarães, doutora em Psicologia da Religião e, Anne Dumoulin, doutora
em Ciências da Educação. Desde então, vem cumprindo com o propósito que motivou sua criação,
exercendo a responsabilidade social, uma vez que, traz à luz, a pesquisa e o estudo da religiosidade
popular na região do cariri cearense, que tem na figura do Padre Cícero, seu maior representante.
Localizado no bairro Aeroporto, o CPR possui um acervo de grande relevância histórica,
formado por vários documentos de tipologias diversificadas como; manuscritos, livros, cordéis,
jornais, dicionários, teses, dissertações, obras consideradas raras, conforme os critérios de
classificação para esse tipo de documentos. O início da atuação religiosa das pesquisadoras na
localidade, é também o marco inicial para um trabalho de campo da pesquisa desenvolvidas por elas,
a longo prazo, que já resultou em muitas publicações sobre a história da religiosidade popular no
Brasil, especialmente, na região sul do Ceará.
Com a crescente atuação, as pesquisadoras foram formando, a partir das diversas doações
recebidas, o acervo que se encontra na biblioteca do CPR e que, recebe a ação de extensão. Além da
religião e da religiosidade popular, o acevo traz também outras temáticas dentro das ciências humanas
e da educação, razão que aumenta ainda mais, a procura por esse acervo. Nesse sentido, é que se
buscou levar o projeto ao CPR, colaborando com a aplicação das técnicas de tratamento e organização
de documentos, para que a biblioteca possa oferecer a seus usuários um acervo em condições ideais
de uso, bem como, garantir que os documentos possam tem uma vida longa no acervo.
Assim, o projeto teve como objetivo geral, facilitar aos usuários a recuperação e o acesso à
informação por meio de um acervo adequadamente organizado. A biblioteca é um espaço importante
na sociedade e muitas vezes é esquecido, ou mal aproveitado, contudo, quando existe uma gestão que
está atenta a essas questões, pode vir a ser um lugar agradável e bem frequentado pelos usuários.
Desta forma, a pesquisa justifica-se pela importância social do fenômeno religioso na região do cariri
cearense, para a história da religião no Brasil e pela atuação da biblioteca junto à sociedade, prestando
um serviço de grande relevância a pessoas de diferentes partes do mundo.

2 TRATAMENTO E ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO EM BIBLIOTECA

As bibliotecas que ainda não disponibilizam seus acervos através das diversas formas de
acesso online são consideradas tradicionais, sobretudo em relação ao uso das práticas aplicadas no
tratamento e na organização da informação. Podemos afirmar que a biblioteca do CPR é uma
biblioteca tradicional em todos os sentidos. Ela não entrou na era tecnológica e o acervo, é tratado e
organizado, nos moldes da biblioteconomia tradicional.
O seu acervo é formado por uma variedade tipológica de documentos, incluindo, obras
especiais, consideradas raras, que necessitam de um cuidado mais especifico, no sentido de combater
as ações do tempo que provocam a depreciação do documento, dentre outros, que estavam sendo
disponibilizados para consulta local, sem um tratamento e uma devida organização, o que dificulta o
acesso a informação, impedindo que a biblioteca cumpra seu papel mais relevante que é, o de tornar
a informação acessível e possível de ser recuperada Souza e Hillesheim (2010).
Foi nesse sentido que as intervenções foram sendo pautadas e, por entendermos que o
tratamento e a organização da informação são etapas essenciais que, quando deixa de ser feita,
acarreta danos muitas vezes irreparáveis ao acervo, como também, para o usuário. Para Guimarães
(2009, p.106), a organização da informação deve ser entendida como,

um conjunto de procedimentos que incidem sobre um conhecimento socializado (que,


por sua vez, é um produto social e tem uma utilidade social e individual), os quais
variam em virtude dos contextos em que são produzidos ou os fins a que se destinam,
pois é a partir destes que se desenvolvem os parâmetros de organização.

Os procedimentos aos qual o autor se refere, são as etapas de catalogação, que consiste na
representação do documento do acervo que será disponibilizada aos usuários por meio dos catálogos.
Segundo Mey (1995, p. 5),

a catalogação é o estudo, preparação e organização de mensagens codificadas, com base


em itens existentes ou passíveis de inclusão em um ou vários acervos, de forma a
permitir interseção entre as mensagens contidas nos itens e as mensagens internas dos
usuários.
Uma vez codificadas as informações, são elaborados os catálogos que ao serem acessados
pelos usuários, possibilita que a informação seja localizada no acervo. O segundo procedimento, é a
analise documentária que compreende a classificação e a indexação do documento. É a representação
do assunto tratado em cada documento. A atribuição de um código numérico (dotação)
correspondendo ao assunto, seguida pela classificação de autoria da obra, (número de Cutter), que é
composto também por letras que representam a autoria e a titulação do documento.
Esses são procedimentos de organização que facilitam a vida do usuário e a ordenação do
acervo numa biblioteca. Gigante, considera que (1995, p. 2), “os sistemas de classificação
bibliográfica foram elaborados com o objetivo de organizar os acervos de bibliotecas e facilitar o
acesso dos usuários à informação contida nesses acervos”. Quando existe a presença de um
profissional bibliotecário, esse acesso fica ainda mais fácil, pois o usuário pode ser auxiliado por esse
profissional em sua busca, ganhando tempo e orientado quanto ao uso dos documentos.
A presença de um bibliotecário é fundamental para o bom desempenho de uma unidade de
informação (biblioteca, arquivo, centro de documentação, museu e etc..), na prestação de serviços a
sociedade. Assistir o usuário em sua necessidade é fundamental para que ele se mantenha assíduo
frequentador desses espaços. O bom funcionamento de um sistema de informação depende do
trabalho desse profissional, sobretudo, no sentido de facilitar que a informação chegue até as pessoas
de maneira eficiente.
Para Laudon (2011) “um sistema de informação pode ser definido como um conjunto de
componentes inter-relacionados trabalhando juntos para coletar, recuperar, processar, armazenar e
distribuir informações com a finalidade de facilitar o planejamento, o controle, a coordenação, a
análise e o processo decisório em organizações.” Por tanto Dias e Naves (2007, p.17) sintetizam o
conceito de tratamento da informação como sendo:

expressão que engloba todas as disciplinas, técnicas, métodos e processos relativos a:


a) descrição física e temática dos documentos numa biblioteca ou sistema de
recuperação da informação; b) desenvolvimento de instrumentos (códigos, linguagens,
normas, padrões) a serem utilizados nessas descrições; e c) concepção/implantação de
estruturas físicas ou bases de dados destinadas ao armazenamento dos documentos e
de seus simulacros (fichas, registros eletrônicos, etc.). Compreende as disciplinas de
classificação, catalogação, indexação, bem como especialidades delas derivadas, ou
terminologias novas nelas aplicadas, tais como metadados, e ontologias, entre outras.
O bibliotecário como gestor transformador e disseminador da informação, tem o papel
fundamental no sentido de atuar e desenvolver suas atividades dentro das bibliotecas. É ele que gerencia
e coordena os trabalhos de organização, tratamento, e disseminação do acervo, implementa os sistemas
de informação, fomentando suas ações, assume a competência informacional, adotando e disseminando
práticas transformadoras na sociedade.
Para Fujita (2003), “a organização da informação compreende as atividades e operações do
tratamento da informação, envolvendo para isso o conhecimento teórico e metodológico disponível
tanto para o tratamento descritivo do suporte material da informação quanto para o tratamento temático
de conteúdo da informação. ”
O CPR, é um centro de pesquisa, que possui um acervo rico e histórico, que conta com obras
diversas, em vários idiomas, sendo a maior parte do acervo doada e, muitas das doações, foram feitas
por familiares de pessoas ilustres da cidade, que figuram entre aqueles que gozaram do privilégio de ter
convivido de perto, com o responsável pela transformação da cidade de Juazeiro do Norte, no que ela é
hoje, Padre Cícero Romão Batista. Como atende um público diversificado e formado por pessoas
oriundas das diferentes regiões do país e também de outros países, a biblioteca do CPR deve buscar
essa organização para seu acervo, e desta forma desempenhar de forma correta seu papel perante a
sociedade.

3 METODOLOGIA

A metodologia empreendida na ação de extensão que hora apresentamos os resultados


parciais, partiu de um conhecimento prévio do campo a ser explorado. Uma visita inicial foi o ponto
de partida para o planejamento da ação, bem como das técnicas metodologias a serem aplicadas. Esse
conhecimento prévio do campo se mostrou importante porque nos deu a oportunidade de fazer um
diagnóstico do acervo e a identificação dos problemas que demandavam uma ação imediata.
Já pensando a metodologia para um trabalho de campo, percebemos que seria necessário o
uso de alguns suportes técnicos, como o diário de campo e a máquina fotográfica, para registro através
da imagem e a descrição por meio da escrita, o estado da arte de alguns documentos.
Para Oliveira (2014, p1) “o diário de campo configura-se como um dispositivo de registro
das temporalidades cotidianas vivencias na pesquisa, ao potencializar a compreensão dos
movimentos da/na pesquisa”. O uso desses suportes nas pesquisas é uma prática comum nas ciências
sociais, pois ajuda o pesquisador a captar as impressões do campo mantendo-se fiel aos fatos
observados.
Todos os elementos que compõem a metodologia são essências numa pesquisa, porém, já
existe um reconhecimento de que a pesquisa não deve seguir por um único caminho nem permanecer
nele para sempre (KUHN, 1978), foi assim que muitos paradigmas foram quebrados na ciência.
A necessidade de uma metodologia para se empreender uma pesquisa é indiscutível e, no caso
da pesquisa em questão, ela se caracteriza como uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa,
que utiliza como método, a aplicação de técnicas e instrumentos específicos da Biblioteconomia
(tabelas, de classificação, códigos de catalogação, bem como, técnicas de higienização e organização
de acervos), buscando aperfeiçoar os resultados. O uso desses instrumentos e dessas técnicas,
contribuem para um manuseio adequado de cada documento e, a manutenção e preservação das obras,
sobretudo, aquelas com valor histórico.
Nesse sentido, de modo sistemático, as etapas foram sendo executadas iniciando pela
higienização do acervo, quando são identificados e retirados os agentes biológicos que danificam a
obra, bem como, toda sujidade encontrada. Feito isso, os documentos foram tombados, recebendo
um carimbo com a identificação da instituição. Nesse momento também foi feito a listagem contendo
todos os documentos inseridos no acervo, quando se toou conhecimento do quantitativo de obras
existentes na biblioteca. Na sequência, os livros considerados “raros”, foram separados do demais, e
colocados em um local onde o usuário não tem acesso. A Medida é no sentido de proteger essas obras
dos danos causados pela ação humana, sobretudo proteger o acervo de não correr o risco de ficar sem
o documento.
Nesse momento, a pesquisa está na fase de catalogação e classificação do acervo, antes de
serem disponibilizadas para o acesso dos usuários. Esse projeto tem como responsabilidade organizar
e tratar o acervo da biblioteca do CPR, dentro dos padrões biblioteconômicos, permitindo assim uma
recuperação da informação mais rápida e eficaz.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Com o trabalho já realizado, uma conclusão parcial apresenta como primeiros resultados, a
identificação de um acervo de relevância histórica e cultural com valor e dimensão, não apenas
religiosa. Os registros revelam informações da formação social, política e econômica da cidade de
Juazeiro do Norte, e as características do crescimento urbano da região do cariri cearense, e também
da religiosidade local. Podemos concluir que se trata de um acervo de grande valor informacional.
O CPR possui um acervo de aproximadamente mil obras, apesar da relevância documental,
do acervo, o mesmo não se apresenta em condições ideais de uso, no que se refere à classificação dos
assuntos, como ocorre com os acervos nas bibliotecas.
Falta a este, organização e tratamento, em conformidade com as técnicas que facilitam o
acesso dos usuários aos documentos e, que ajudam na disseminação da informação. Mesmo assim, o
CPR vem cumprindo sua função social, e o propósito que motivou sua criação e, se constitui como
um campo de pesquisa para estudiosos e pesquisadores de várias partes do mundo, que veem em
busca de conhecer e estudar a religiosidade popular naquela região. Um trabalho de pesquisa que na
maioria das vezes resulta numa produção acadêmica ou literária, contribuindo desta forma, com o
aumento de publicações acerca da temática religiosa e, consequentemente, com o volume documental
do acervo do CPR.
A história em torno do fenômeno que ficou conhecido como o “o milagre do Juazeiro”,
alimenta um fluxo constante de pessoas – seja na condição de ”romeiro”, seja como pesquisador - e
dita o ritmo e a dinâmica de funcionamento na cidade, chegado a ficar impraticável a circulação em
determinadas localidades, especialmente quando se aproxima as datas comemorativas, quando
ocorrem as grandes romarias.
Desde que foi criado, o CPR acompanha de perto esse movimento migratório, através do
trabalho de acolhida aos romeiros, realizado pela religiosa Anne Dumoullin, com apoio da igreja
católica, que como pesquisadora tem contribuído com os estudos da religiosidade popular através de
suas publicações na área e com a pesquisa, uma vez que mantém aberta à comunidade científica, as
portas do CPR. Nesse sentido, este se mostrou um campo fértil para uma atuação da Biblioteconomia.

5 CONCLUSÃO

A partir do que foi descrito neste trabalho, observa-se o vasto número de informações
guardadas no CPR em Juazeiro do Norte, que devem ser expandidas como fonte de pesquisa nos
meios educacionais. É preciso definir e aplicar uma política de organização e tratamento destes
materiais tendo em vista a sua recuperação pelos pesquisadores e estudantes em busca da memória
tanto da cidade, como também, da religiosidade popular, levando em consideração a riqueza do que
está armazenado neste local. As atividades que foram desenvolvidas no projeto proporcionaram aos
integrantes a oportunidade de obter novos conhecimentos e desenvolver experiências referentes à
organização, tratamento e preservação de acervo, integrando teoria e prática.
Destaca-se que o CPR é tradicional, e preserva a história local da cidade e de pessoas
importantes em épocas passadas, que construíram a identidade da região. A chance de participar da
organização e tratamento do acervo foi de importância fundamental para nosso desenvolvimento.
Na prática, os métodos abordados nas disciplinas da graduação e o contato com outras, que
serão vistas posteriormente, bem como, uma maior compreensão da interação entre acervo e usuário,
visto que é de suma importância no desenvolvimento do projeto, que o material tratado vise atender
a demanda de usuários, além de atender aos desejos da Irmã Annette que disponibilizou o local e o
acervo ao público, registrando a existência de um centro de pesquisa, que possui um acervo rico e
histórico, sobre uma das histórias mais antigas e marcantes da cidade, de valor não apenas religioso,
mas para toda a sociedade na qual faz parte, é o que o torna um ambiente tradicional e único.
Nesse sentido é vista a importância de se ter uma biblioteca única, organizada de acordo com
a cultura organizacional, e que a presença de profissionais adequados trabalhando de forma
interdisciplinar faz toda a diferença, evitando, assim, o mau manuseio dos documentos e construindo
um centro informacional adequado e eficiente.

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OLIVEIRA, Rita de Cássia Magalhães de. (ENTRE)LINHAS DE UMA PESQUISA: o Diário de


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e/view/16748/12483>. Acesso em: 16/11/2018.
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE O ENSINO DE
CONTRABAIXO ELÉTRICO E TEORIA MUSICAL NO GRUPO BXPE
NO WHATSAPP

Lêdo Ivo Benevides de Souza Júnior


Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
ledoivojr@hotmail.com

RESUMO: Este trabalho refere-se à reflexão sobre práticas utilizadas para o ensino de contrabaixo
elétrico e teoria musical através do aplicativo Whatsapp. Trata-se do grupo BxPE onde participam
contrabaixistas de Pernambuco que compartilham entre si, áudios, vídeos sobre técnicas, experiências
vividas, possibilidades de repertórios baseados no citado instrumento. Este artigo pretende discutir
sobre as metodologias referentes ao ensino educativo/musical, o entendimento sobre o grupo e seus
objetivos para a valorização dos músicos integrantes, assim como as possibilidades metodológicas
que podem ser utilizadas no terceiro setor e/ou em contextos não formais de ensino que também
possam estar inseridas em grupos no aplicativo Whatsapp com a finalidade de ensinar e aprender
música em diferentes contextos.

PALAVRAS-CHAVE: ensino-aprendizagem; música; tecnologias; educação musical.

INTRODUÇÃO

O grupo de nome BxPE, foi fundado em Março de 2014 através do aplicativo “Whatsapp”
destinado para telefonia móvel. Este grupo foi criado com o objetivo de aproximar os vários
contrabaixistas do estado de Pernambuco, tanto os profissionais quanto os amadores, na tentativa
de igualar e perpetuar o respeito mútuo entre os integrantes, sobretudo na intenção suprir a
necessidade de músicos substitutos para as bandas e orquestras de baile.
O referido grupo contém uma média de mais de 78 participantes 140 que se reúnem em
encontros mensais marcados sempre nas 2as segundas-feira, para debater questões musicais e
sociais, tendo como objetivo solucionar os problemas existentes na classe musical e os projetos
que visam beneficiar a todos do grupo, tais como: melhorias de cachês, workshops, masterclass,
encontros musicais, campanhas de doação à instituições e membros, na tentativa de sanar a
desigualdade entre músicos.
O BxPE é organizado por núcleos141 da seguinte forma:

 Financeiro;

140
Nem todos os participantes podem comparecer aos encontros presenciais, pois os horários não convêm para
alguns, geralmente por motivos de trabalho.
141
Vale salientar que para cada núcleo, existe um diretor e seus assistentes.
 Gerência da sala virtual;
 Gerência do facebook;
 Marketing e mídia;
 Social.

Este trabalho vem demonstrar e discutir as diversas formas de aprendizagem que são
utilizadas dentro da sala de conversa, por se tratar de um processo pedagógico a distância, serão
citados os trabalhos de Moore (2007), Keasley (2007), Suzuki (1994), Oliveira (2015), Queiroz
(2013) e Almeida (2003), trabalhos esses que reforçarão esta discussão.

PROCEDIMENTOS UTILIZADOS PARA O PROCESSO DE ENSINO-


APRENDIZAGEM

A internet vem proporcionando uma maior possibilidade de obter informações diversas


com mais rapidez, pois a Educação a Distância vem aproximando a relação aluno/professor entre
dois pontos geográficos distintos, implicando na troca de informações sem que a distância
geográfica atrapalhe, assim, ambos estão em um processo constante de aprendizagem.
De acordo com Moore (2007) e Kearsley (2007), a teoria da distância transacional se trata
de um viés pedagógico e não geográfico, em que “a autonomia do aluno – a segunda dimensão
da aprendizagem independente.” (MOORE, M. 1972, p.8), pois para essa teoria, são primordiais
três pontos, que são: diálogo entre os participantes, estrutura dos programas de ensino do
professor e a autonomia em que o aluno tem para organizar os seus estudos.
Relacionados aos processos educativo-musicais do grupo, surgem dúvidas e
compartilhamento de arquivos de áudio com exemplos técnicos relacionados ao contrabaixo,
solfejos rítmico e melódico, explanações sobre teoria musical, harmonia, vídeos de participantes
em performances com artistas e repertórios diversos.
Em virtude de alguns baixistas não terem o conhecimento teórico, já foram enviados
trechos em partitura para exercitar, escritos manualmente e/ou tiram fotos de métodos musicais,
em seguida enviam os arquivos para a sala de bate-papo facilitando o acesso, sobretudo perguntas
e respostas sobre determinados assuntos; o auxílio de áudios com solfejos rítmico ou melódico,
em que eles escutam, imitam e leem repetidamente relacionando com a escrita. Em paralelo ao
pensamento de Suzuki (1994), o processo da imitação é imprescindível para o desenvolvimento
do indivíduo, no que tange o estudo de instrumentos musicais, despertando e impulsionando os
membros para a busca constante de saberes.

Encontros presenciais e eventos organizados pelo grupo


Os encontros são organizados com o objetivo de fortalecer o grupo e beneficiar os
membros, incentivando aos estudos musicais e ressaltando principais metas. O primeiro encontro
musical foi realizado em um estúdio142 de gravação situado em Olinda-PE, tendo três baixistas
que ministraram masterclass referentes aos temas: “Condução e ritmos”; “Alain Caron 143 e suas
técnicas” e “ritmos pernambucanos”, despertando várias perguntas entre os baixistas da plateia,
ao final, foi tocada em loop144, uma harmonia de uma música145 gravada por um dos participantes,
que serviu de guia para todos os baixistas improvisarem. Sendo que a gravação original já havia
sido compartilhada no grupo para que todos estudassem para o evento.
Houve a participação dos baixistas iniciantes e veteranos no mesmo evento,
proporcionando assim, a união do grupo além de uma aprendizagem entre eles por terem
momentos e visões diferentes sobre o instrumento. Além deste, teve outro encontro em uma
escola de música do centro do Recife, tendo dois baixistas do BXPE ministrando as masterclass,
referentes: “a interação entre bateria146 e baixo em diversos ritmos”, ao final foram convidados
baixistas da plateia para tocarem juntos com os ministrantes. Alguns encontros musicais
realizados, como:

1º Encontro Musical BxPE e o Masterclass – BxPE no Bateragir

142
Foi cobrado uma taxa para custear as despesas do estúdio.
143
Alain Caron é um baixista canadense que possui técnicas peculiares de slaps avançados no contrabaixo elétrico
e ovacionado por músicos do mundo inteiro.
144
Trecho musical gravado em que se repetiu por várias vezes.
145
Música “Beira do Mar” de Ricardo Silveira, banda “High life”.
146
O professor de bateria da própria escola foi quem estava acompanhando os baixistas na masterclass, em que
músicos do BxPE foram convidados por ele, pelo fato de ter achado muito interessante a iniciativa do grupo.
Fonte: Grupo do BxPE, no Whatsapp.

Metodologias e os exemplos didáticos presentes na sala virtual


No grupo são utilizadas várias formas de atender às necessidades dos integrantes, tendo em
vista que a sala virtual possui diversos baixistas experientes. O processo ocorre através perguntas,
explicações digitadas pelos membros sobre diversos assuntos, áudios explicativos, músicas e vídeos
com determinadas conduções de contrabaixo ou demonstrações de técnicas relacionadas ao
instrumento, possibilitando atender às necessidades do grupo. Os integrantes têm acesso às essas
informações a qualquer hora e lugar, bastando apenas fazer o download do arquivo. Abaixo segue
um exemplo de um dos membros que perguntou sobre harmonia e improvisação, como integrante
participante do grupo resolvi colaborar respondendo e fazendo uma pequena tabela com os modos:
Figura 1 - Pergunta e respostas sobre modos gregos e campo harmônicos:

Fonte: Grupo do BxPE, no Whatsapp.

Nesse sentido, se faz necessário trazer conceitos sobre a abordagem PONTES, também como
reflexão do professor sobre suas próprias práticas, em que pode melhorar, facilitando a transmissão
do conhecimento. Para corroborar com essa abordagem, Oliveira (2015) menciona que:

O termo PONTES é usado uma metáfora para transmitir e explicar a postura pedagógica
mediadora, inclusiva, articulada, desenvolvida pelo professor ou outros indivíduos que
ensinam e desenvolvem pessoas usando a música como meio de educar, como finalidade
artística, recreativa e como apoio ao indivíduo com necessidades ou aptidões especiais.
A palavra ‘pontes’ remete os indivíduos para conexões entre espaços e depois entre
pessoas, objetos, músicas, ações. A abordagem PONTES não se trata de um método de
ensino, mas de uma visão pedagógica de trabalho docente articulado aos participantes do
processo músico-educativo, visando dar significado ao ensino e à aprendizagem através
de escolhas didáticas pertinentes e adequadas. Importante observar que “estamos
mostrando um caminho e não um destino” (OLIVEIRA, 2015, p. 183).

A abordagem PONTES está inserida ao grupo a todo momento, as trocas entre os


participantes do grupo envolvendo experiências dos membros e estudos que auxiliam a sanar as
dúvidas entre eles, despertando a minha atenção para elaborar formas fáceis e simples para explicar
tais dúvidas. Como no exemplo das figuras 4 e 5, demonstrei a preocupação em tentar acabar com
esta dúvida, que poderia ser a mesma de outros participantes. Depois dessas explicações, as perguntas
surgem e então, começa e a maioria participa desse processo de ensino-aprendizagem.
Após essa explicação sobre os referidos assuntos, me preocupei na transmissão do conteúdo
de forma adequada à todos, sobretudo atender às necessidades dos membros, pois alguns não
compreenderam a explicação sobre campo harmônico, pois só compreenderiam na “prática”. Então,
tive a iniciativa de gravar vídeos, explicando sobre campo harmônico na tonalidade de Dó Maior,
facilitando para todos e demonstrando como os acordes soavam no referido campo harmônico.

Figura 2 - Vídeo sobre campo harmônico em Dó Maior e arpejos em Lá menor:

Fonte: Grupo do BxPE, no Whatsapp.

Em outro exemplo, um dos integrantes, o membro (X) viu a dificuldade de outro membro (Y)
que estava precisando de um instrumento e não tinha a mínima condição financeira para obtê-lo, pois
foi analisado o caso pelo integrante (X) que chegou a doar um de seus instrumentos ao membro (Y),
havendo um gesto de solidariedade para com o próximo, foi visto como uma espécie de ponte ou
facilitação do caminho para o aprendizado musical do outrem e a possibilidade de inseri-lo no
mercado de trabalho.

Figura 3 - Doação de um contrabaixo à um dos integrantes do grupo:


Fonte: Grupo do BxPE, no Whatsapp.

É possível o ensino-aprendizagem instrumental em contextos não formais através do


Whatsapp?

O aplicativo vem revolucionando a sociedade, possibilitando diversos grupos de debates,


estudos e até envios de cardápios de refeições a pronta entrega, no que possibilita os usuários estarem
conectados à internet o dia inteiro, seja ensinando, aprendendo e/ou atendendo quaisquer
necessidades de um grupo. No terceiro setor, tais como ongs, igrejas, escolas de música não-
governamentais entre outras, também pode ser inserido o aprendizado a distância por meio do
whatsapp, tendo em vista que todas as informações ficam salvas na memória dos aparelhos
telefônicos dos participantes e podem ser revistas em qualquer momento ou lugar. Nos contextos
citados podem haver possibilidades de alunos terem contato com quaisquer grupos relacionado ao
aprendizado não formal de instrumentos musicais, tendo possibilidades de se expressarem e de serem
aconselhados por alguns músicos experientes, tanto para aspectos técnicos, quanto contextos teórico-
musicais e sociais.
O professor de uma determinada turma de alunos com a faixa etária de 15 anos, poderá formar
grupos de baixistas iniciantes em sala de aula para um processo dialógico com o grupo BxPE, em
que terão acesso à materiais educativos, como: vídeos, trechos escritos em partitura através de fotos
do celular para serem tocados e solfejados, áudios com conduções de contrabaixo, músicas para os
alunos tocarem juntos e compreenderem a principal função do instrumento em cada gênero e a
vivência dos participantes. O fato dos processos serem mediados pela internet pode se tornar uma
aprendizagem mais acessível para alguns alunos, pois o terceiro setor é um espaço em potencial para
que várias pessoas tenham o acesso à música. Segundo Loureiro (2003) vem corroborar quando
menciona que:

Qualquer pessoa pode aprender música e se expressar por meio dela, desde que sejam
oferecidas condições necessárias para a sua prática. Quando afirmamos que qualquer
pessoa pode desenvolver-se musicalmente, consideramos a necessidade de tornar
acessível, às crianças e aos jovens, a atividade musical de forma ampla e democrática.
(LOUREIRO, 2003, p. 163).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho foi possível ressaltar e compreender, um pouco, sobre o processo de ensino-
aprendizagem de contrabaixo elétrico e teoria musical no grupo de baixistas de Pernambuco, através
do aplicativo Whatsapp, tratando-se de um processo educativo a distância onde são compartilhados
diversos arquivos relacionados as técnicas do referido instrumento, teórico-musicais, repertório
diversificados, a vivência dos contrabaixistas veteranos que enriquecem e aconselham os baixistas
iniciantes.
Sendo assim, o aplicativo pode ser utilizado como uma ferramenta de compartilhamento de
saberes musicais e que passa a ser um dos itens das novas tecnologias de informação e comunicação
que, no contexto educativo-musical pode ser trabalhada em quaisquer contextos formais e não
formais. Segundo Almeida (2003):

Ensinar em ambientes digitais e interativos de aprendizagem significa: organizar


situações de aprendizagem, planejar e propor atividades; disponibilizar materiais de
apoio com o uso de múltiplas mídias e linguagens; ter um professor que atua como
mediador e orientador do aluno, procurando identificar suas representações de
pensamento; fornecer informações relevantes, incentivar a busca de distintas fontes de
informações e a realização de experimentações; provocar a reflexão sobre processos e
produtos; favorecer a formalização de conceitos; propiciar a intera-prendizagem e a
aprendizagem significativa do aluno. (ALMEIDA, 2003 p. 90).

Nesse sentido, de acordo com Queiroz (2013), a Educação Musical é compreendida como um
campo diversificado em que estão envolvidos estudos e práticas diversas, sujeitos e locais distintos,
e que a transmissão musical pode se dá por várias vias, como: as vias intencionais de ensino – escolas,
conservatórios, universidades - e as vias não intencionais – através das etnometodologias e suas
relações com o mundo social e os espaços locais. Portanto o compartilhamento de saberes musicais
pode ocorrer de várias formas e o aplicativo Whatsapp também tem contribuído para esse fim, não
apenas para o grupo BXPE, mas existem diversos grupos musicais contendo integrantes que ensinam
e aprendem constantemente, a distância ou não.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Elizabeth B. de. et al. Relatório de pesquisa não publicado: mestrado a distância.
São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Mestrado/Doutorado em
Educação/Currículo, 2004.

LOUREIRO, Alícia Maria Almeida. O ensino de música na escola fundamental. 4ª edição.


Campinas, SP: Papirus, 2003, p. 163.

MACHADO, Éverton da Silva. Músicos que leem partitura e músicos que tocam de ouvido. 2013.
Monografia (Curso de Licenciatura Plena em Educação Artística/Música) Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em:
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MOORE, Michael; KEARSLEY, Greg. Educação a Distância: uma visão integrada. Trad. Roberto
Galman. São Paulo: Thomson, 2007.

OLIVEIRA, Alda. A Abordagem PONTES para a Educação Musical. Aprendendo a Articular. São
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QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. “Escola, cultura, diversidade e educação musical: diálogos da
contemporaneidade”. Intermeio (UFMS), v. 19, 2013, p. 95-124. Disponível em:
<http://www.seer.ufms.br/index.php/intm/article/vi ew/2363/1463> Acessado em: 02/04/2018.

SUZUKI, Shinichi. Educação é amor. Tradução: Anne Corinna Gottber. 2 ed Santa Maria: Pallotti,
1994.
UMA ANÁLISE DO TRÍPLICE CONCEITO DE MITO

Autora: Ms. Prisciane Pinto Fabricio Ribeiro – UFPB


Cianef2005@hotmail.com

RESUMO: A proposta deste trabalho centra-se em analisar uma perspectiva triangular do conceito
de mito, apresentada sob três formas de exposição do termo, a saber, mythos, μύθος e mito. A grafia
latina mythos designará, em linhas gerais, o constructo do pensamento primitivo imbuído de
sacralidade, compreendido na pesquisa a partir de excertos das obras homéricas e hesiódicas. Depois
será observada, na Arte Poética de Aristóteles, como essa noção desenvolveu-se dando margem para
o surgimento do conceito aristotélico de μύθος (grafia grega), elemento constitutivo da composição
literária, a fabulação, e, por fim, o termo mito (grafia portuguesa) será percebido como a unidade
entre os dois conceitos anteriores, definido como uma narrativa ficcional cuja base foi desencadeada
nos primórdios.

PALAVRAS-CHAVE: Mythos; Μύθος; Mito; sacralidade; fabulação.

INTRODUÇÃO

O mito faz parte das bases da humanidade, pois é, desde sempre, a narrativa mais eficiente
no sentido de ordenar e compreender a natureza e o homem, bem como os aspectos imanentes a si
que não podem ser explicados racionalmente. No mito, existe uma ἀρχή147 em pleno movimento na
voz do poeta, que não foi partícipe da origem das coisas, mas através de uma relação sagrada, revive
e reconta fatos primordiais por meio de cantos. Em nenhuma outra parte da terra, como diz Otto
(2006, p. 50), e em nenhum outro momento da história, foi atribuída tamanha importância ao canto e
à linguagem elevada como no mito grego. “A essência do mundo se consuma no cantar e no
dizer”(OTTO, 2006, p.51).
Então, por sua influência e por sua origem, as noções de mito, que temos dos gregos como
herança viva, habitam em uma tradição intrínseca ao pensamento ocidental e tem sido alvo de grandes
especulações no âmbito científico.
A busca por métodos de interpretação, para decifrar as conhecidas “narrativas absurdas”,
deliberou uma série de perspectivas do seu conceito. O mito então passa a ser visto como um modo
de expressão do pensamento humano com sua linguagem e com suas particularidades. Um primeiro
elemento, como postula Vernant (2003, 171), que deve ser levado em consideração, é o passo dado
a partir da tradição oral para diversos tipos de literatura escrita. Mas os estudos acerca de seu conceito
ganharam largas dimensões, indo desde o âmbito histórico e religioso, como apresentam os estudos

147
O termo αρχή, de acordo com Chantraine (1968, p.119) tem como sentido mais antigo a ideia de “ter iniciativa
de”, configura o sentido de “algo primeiro que foi fixado”, e por isso, “origem”, “princípio”.
do antropólogo Eliade, até os influxos do mito sobre as competências psicológicas do homem,
consoante Jung, Campbell, Mardones, que trarão bases para nossa discussão.
Tendo em vista a pluralidade de olhares sobre o mito, serão tratadas neste capítulo do
trabalho, três compreensões desse conceito que estão intimamente relacionadas, a partir de uma
leitura dos teóricos e do aparato literário greco-latino (maior fonte da essência do mito), para a
obtenção da percepção desse elemento tão importante no mundo antigo que não se perdeu no tempo.
Para um maior esclarecimento das ideias e para melhor sistematização da reflexão que será
desenvolvida aqui, estabelecemos uma grafia específica designada a cada definição elucubrada no
corpo do texto. Em primeiro lugar, usaremos da grafia latina mythos para indicar as narrativas que
refletiam os primórdios das concepções humanas do mundo e de si e, por isso, carregada de
sacralidade. Essa compreensão será percebida nos textos homéricos e hesiódicos por se assentarem
como os textos literários mais remotos do mundo ocidental. Em segundo plano, através da grafia
grega μῦθος, será exposta a ideia de enredo ou fabulação, desenvolvida no âmbito do pensamento
aristotélico como parte integrante da construção literária. Por fim, atribuiremos à escrita portuguesa,
mito, a relação das duas perspectivas traçadas anteriormente, a definição que parte desde sua natureza
ontológica até a sua estrutura ficcional, deduzindo que o mito, em linhas gerais, corresponde à busca
de uma sistematização do universo caótico do pensamento e da própria condição humana a partir da
criação literária.

O MYTHOS E SUA ORIGEM

O mythos foi gerado com o homem, não há como determinar sua cronologia, tampouco
apontar os elementos que o trouxeram à existência. Seus ditames perpetuaram-se de geração em
geração solidificando-se como a pedra bruta sendo substância constitutiva do imaginário humano. A
concepção primeira de mythos está amalgamada na “sancta simplictas del genero humano”148, na
visão de Cassirer (1968, p.09), e, por ser parte integrante do homem, é um elemento inerente a sua
essência, que se mantém em completa harmonia com sua realidade, pois é praticado e vivenciado.
Conforme Malinowsky (1948, p.36), o mythos cumpre, dentro da cultura primitiva, uma
função indispensável. Ele expressa, dá vigor e codifica o credo, salvaguarda e reforça as morais de
um povo, é a voz eficiente do rito e contém regras práticas para a orientação humana. Basta
observarmos o temor e respeito com que o indivíduo primitivo cinge a natureza e seus fenômenos de
modo geral, com os quais interage, e os retoma diariamente, dando a cada elemento um caráter
sobrenatural e divino. Um exemplo disso é a figura de Zeus, na religiosidade grega, que representa a

148
Cassirer considera o mythos em seu valor ontológico como sendo mais uma expressão da emoção do que um
pensamento racional. O filósofo traduz sancta simplicitas como Urdummheit, que evoca a ideia de uma ingenuidade
primitiva.
ordenação do cosmo, de onde parte o bom funcionamento da vida, reconhecido senhor das
manifestações do relâmpago e do trovão, ou Apolo, mestre da clarividência, personificação das
potências iniciadoras na profecia. Quando o assunto é a agricultura, a deusa Deméter representa a
produção e a fertilidade da terra, é ela a responsável pelas boas colheitas. Isso porque a sociedade
primitiva está profundamente ligada às estruturas orgânicas da natureza, como bem aponta Cassirer:

Cuando estudiamos ciertas formas muy primitivas de pensamiento religioso y mítico -


por ejemplo, la religiòn de las sociedades totémicas - nos sorprende descubrir hasta
qué grado la mente primitiva siente el deseo y la necesidad de discernir y dividir, de
ordenar y clasificar los elementos de su contorno. Apenas hay nada que escape a este
apremio constante de clasificación. No sólo se divide a la sociedad humana en
diferentes clases, tribus, clanes, que tiene diferentes funciones, costumbres y deberes
sociales. La misma división aparece en todas partes en la naturaleza. El mundo físico
es, a este respecto, el duplicado exacto y la contrapartida del mundo social. Plantas,
animalies, seres orgánicos y objetos de naturaleza inorgánica, substancias y
cualidades, todos quedan igualmente afectados por esta clasificación149.
(CASSIRER, 1968, p.22)

A própria organização social do indivíduo dos primórdios ocorre mediante sua percepção de
uma ordenação de “leis” cósmicas e nas atividades divinas 150 e é esse funcionamento de caráter
superior que o espírito primitivo visava repetir. Suas ações quotidianas eram embasadas em ações
arquetípicas ab origine realizadas pelos deuses e heróis in illo tempore151 (ELIADE, 1969, p. 47)152.
Os ritos, portanto, configuravam-se como a manutenção e preservação dessa verdade transcendental
vivenciada pelo espírito primitivo153.

149
“Quando estudamos certas formas muito primitivas de pensamento religioso e mítico - por exemplo, a religião
das sociedades totémicas -, nos surpreendemos em descobrir até que ponto a mente primitiva sente o desejo e a
necessidade de discernir e dividir, ordenar e classificar os elementos de sua Esboço. Não há quase nada para
escapar dessa constante restrição de classificação. Não só divide a sociedade humana em diferentes classes, tribos,
clãs, que tem diferentes funções, costumes e deveres sociais. A mesma divisão aparece em toda a natureza. O mundo
físico é, a este respeito, a duplicação exata e a contrapartida do mundo social. Plantas, animais, seres orgânicos e
objetos de natureza inorgânica, substâncias e qualidades são igualmente afetados por esta classificação” (Todas
as traduções dos textos usados no corpo do trabalho e em notas de rodapé é de nossa inteira responsabilidade.)
150
O mundo dos Seres primordiais é o universo onde todas as ações aconteceram pela primeira vez, por isso, é a
partir dessa dimensão, reflexo da profunda harmonia de fenômenos cósmicos, que o homem primitivo é constituído.
O mundo dos deuses e dos heróis, a partir de seus símbolos, torna-se o modelo exemplar da sociedade. A título de
exemplo, temos a Teogonia de Hesíodo que narra como aconteceu a origem de todas as coisas e a ordem cósmica a
partir de Zeus.
151
As expressões ab origine e in illo tempore, usadas por Eliade, podem ser traduzidas respectivamente, como
“desde a origem” e “naquele tempo primordial”.
152
Expressões e termos gregos e latinos no interior de citações diretas de teóricos apresentados na discussão serão
traduzidos em nota. Já aqueles retirados do corpus literário greco-latino poderão vir no interior do trabalho entre
parênteses.
153
O rito é um solene proceder e um elevado atuar que coloca o homem em uma esfera superior. Sobre essas práticas,
diz Eliade: “La repetición de un ritual por los Seres divinos trae consigo la reatualización del Tiempo original,
cuando el rito se celebró por primeira vez. He ahí la razón por la que el rito es eficaz: participa de la plenitud del
Tiempo sagrado, primordial. El rito actualiza el mito. Todo o que el mito narra acerca del illud tempus, los “tiempos
bugari”, el rito lo reactualiza, lo propone como realizándose ahora, hic et nunc.”(ELIADE, 2008, p. 21) Tradução:
“A repetição de um ritual pelos Seres divinos traz cvonsigo a reatualização do Tempo original, quando o rito foi
celebrado pela primeira vez. Épor essa razão que o rito é eficaz: participa da plenitude do Tempo sagrado,
Diante dessas breves considerações, é possível perceber o abismo que distancia a nossa
percepção de mundo e do ser, da sensibilidade e harmonia de pensamento do homem primitivo, fato
que permite o empobrecimento e o distanciamento desse sentido primeiro do mythos, fundindo-o com
o folclore, ritos populares, contos, dentre uma sumidade de conceitos atuais em que esse encarna o
papel de simples ficção e, até mesmo, de mentira.
É bem verdade que o desmembramento de sentido teve seus primeiros suspiros nos séculos
VI e V a.C., como nos lembra Vernant (1992, p.115), com o desarrolho da história e do pensamento
filosófico. Contudo, toda a herança grega, afirma ainda o estudioso (1992, p.170), manteve, na senda
do tempo, a permanência da essência do mythos da cultura ocidental a que ainda se tem acesso, o que
nos leva a inferir a participação crucial e relevante da literatura na efetivação dessa transmissão. Além
de nos informar seu valor como narrativa elevada, a tradição literária nos dá acesso a toda uma
construção social, histórica e cultural de momentos do pensamento humano. É o meio mais cabível
da presentificação dessa mentalidade antiga.
Essa expressão do indivíduo, materializada em narrativas tradicionais, serviu também de
fonte para o advento da composição literária. Como resultado disso, temas, imagens e significados
desses relatos absurdos, ambíguos e vivos, adquirem forma e ordenação, fundamentam-se como a
estrutura basilar da ποίησις154. Nesse sentido, o mythos como arte e literatura reflete para nós um
caráter simbólico e alegórico, não possuindo necessariamente qualidades místicas, mas promovendo
tramas e ações que sugerem valores e padrões de moral e conduta na sociedade grega.
O termo μῦθος155, como bem conceitua Chantraine (1968, p.718), corresponde à uma
sequência de palavras que constrói um discurso, sinônimo de ἔπος que significa palavra, discurso,
forma, (cujo radical designa o termo epopeia) distinguido pelo conteúdo, opinião, intenção e
pensamento. Essas últimas noções são sentidos mais arcaicos herdados, provavelmente, da raiz
*meudh/mudh do indo-europeu, segundo Stahlin (1942, p. 772). Essa raiz, posteriormente, é
associada ao verbo muttire, no latim, cujo significado literal de -mu-, segundo Ernout et Meillet
(2001, 426), corresponde ao ato de insuflar palavras. Vernant aborda, em linhas gerais, a ideia de
palavra formulada referindo-se ao sentido de mythos:

primordial. O rito atualiza o mito. Tudo o que o mito diz sobre illud tempus, os "tempos de bugari", o rito o reage,
o propõe como sendo realizado agora, hic et nunc.”
154
O termo ποίησις, manifestado diversas vezes no corpus aristotelicum, em linhas gerais, pode ser traduzida por
produção tendo em vista o sufixo -σις, responsável pela carga de uma ação em processo impressa no verbo. Mas, na
Poética do referido autor, capturamos na ideia do termo o sentido de composição artística, pois, segundo Chantraine
(1968, p. 923) o termo ποιϝέω é geralmente considerado como um denominativo da parte de *ποιϝός , mas esse
*ποιϝός não é atestado e não figura senão nos compostos dos tipos κλινοποιός , λογοποιός , dentre outros” Ο que
nos leva a inferir no valor do termo uma ideia de qualificativo. Em linhas gerais, o processo de atividade no verbo
ποιέω aspira uma qualidade no produto.
155
Uso da forma μῦθος, nesse momento, surge na nossa discussão como forma de abordar os valores etimológicos
do termo. Nas páginas precedentes a forma será usada como meio de nominar a perspectiva aristotélica, como bem
pontuamos no tópico introdutório de nossa pesquisa.
Em grego, mýthos designa uma palavra formulada, quer se trate de uma narrativa, de
um diálogo ou da enunciação de um projeto. Mýthos é então da ordem do legein, como
o indicam os compostos mythologein, mythologia, e não contrasta inicialmente com os
logoi, termo cujos valores semânticos são vizinhos e que se relacionam às diversas
formas do que é dito. Mesmo quando as palavras possuem uma forte carga religiosa,
quando elas transmitem a um grupo de iniciados, sob forma de narrativas concernentes
aos deuses ou aos heróis, um saber secreto interdito ao vulgo, os mythoi podem ser
também qualificados de hieroi logoi, discursos sagrados. Para que o domínio do mito
se delimite em relação a outros, para que através da oposição de mýthos e lógos, dali
em diante separados e confrontados, se desenhe a figura do mito da própria
Antigüidade Clássica, foi preciso toda uma série de condições, cujo jogo, entre o oitavo
e o quarto séculos antes de nossa era, fez cavar, no seio do universo mental dos gregos,
uma multiplicidade de distâncias, cortes e tensões internas.
(VERNANT, 1992, p. 172)

Portanto, de acordo com essa colocação do helenista, é possível afirmar que o mythos possui
íntima relação com a linguagem dadora de instruções cívicas e lições de religiosidade, e possui a sua
retoricidade, não deixando de ter seu valor racional (apesar do caráter irracional vívido em suas
narrativas) e garantindo um constructo social. A maior marca dessa organicidade do mythos é a
própria transmissão oral, aspecto forte e determinante nos fundamentos da tradição literária.
A noção de mythos como narrativa formulada, percebida nas entranhas do texto literário,
com o passar do tempo e através da intervenção do pensamento filosófico, é concebida com uma
nova face na literatura, ab-rogando do termo seu forte sentido religioso e enfatizando o valor de
composição de discurso, que será abordada com severidade e eficiência por Platão e Aristóteles.
Diante disso, buscaremos então observar como o mythos assumiu uma posição de conceito principal
na composição do texto literário.

2. AS FACES DO MYTHOS: UMA PERSPECTIVA DO MITO DE PLATÃO AO ΜῦΘΟΣ


DE ARISTÓTELES

A grande ruptura existente entre mythos e logos, tão preconizada pelos estudiosos, está
claramente assentada na supremacia do pensamento filosófico sobre o pensamento mítico. Essa
assertiva deixa claro que o universo e a realidade do homem, a partir dos pensadores pré-socráticos,
não são mais vistos como uma sucessão de eventos aleatórios, de caráter superior aos domínios
humanos constatado no mythos, pois, através do intelecto, o indivíduo pode investigar e compreender
a regularidade e o sistema que rege o mundo. Isso significa que não há mais a procura de uma
explicação para as coisas em elementos externos ao mundo inteligível, como é o caso da figura das
divindades. Gaia e Hefestos, como exemplifica Morgan (2000, p. 32), passam a ser racionalizados e
designados apenas como “terra” e “fogo”, perdendo o sentido simbólico, a dualidade de significados,
e convertem-se em apenas signos. O mythos, dessa forma, deixa de ser o solo onde se fundamentam
historicamente, religiosamente e institucionalmente todas as explicações das verdades do homem.
Não que a filosofia estaria prestes a banir o mythos da sociedade grega, mas, como pontua Vernant
(2003, p. 186), tenta reintegrá-lo, desmitificando-o e dessacralizando-o, com o intento de reformular
a mesma verdade que o mythos apresentava, expressando-a, no entanto, debaixo dos contornos de um
relato alegórico
Vernant afirma que o mythos, com o advento da filosofia, passa a ser uma forma análoga de
dizer o que o lógos afirma. Por ser constituído de modo diferente, assume uma nova participação na
sociedade:

De hecho, éstos no rechazaron sin más el mito, en nombre del logos, arrojándolo a las
tinieblas del error y a las quimeras de la ficción. No dejaron de utilizarlo
literariamente, como ·el tesoro común del que debía alimentarse su cultura para
permanecer viva y perpetuarse. Más aún, desde la 'edad arcaica reconocieron al mito
un valor de enseñanza, aunque de enseñanza oscura y secreta; le atribuyeron un valor
de verdad, aunque de una verdad no formulada directamente, de una verdad que, para
ser entendida, necesitaba ser traducida a otra lengua de la que el texto narrativo no
era más que la expresión alegórica.156
(VERNANT, 2003, p.185)

Platão possui uma relação ambígua com o mito. Na República (VII, 514a-517c), por
exemplo, o mito assume uma persona alegórica157, dirigida de acordo com a expressividade do
pensamento dialético e ético evidenciados nos diálogos platônicos, conforme Cassirer (2004, p.60).
Vernant (2003, p.187) ainda diz que o filósofo utiliza o mito para expressar o que está além de uma
linguagem filosófica, como uma espécie de metalinguagem para comunicar o incognoscível158. O Ser
e o Devir, por exemplo, não podem ser objetos de um saber verdadeiro a não ser por meio de uma
crença, pistis, de uma opinião, doxa.
Contudo, Platão segue a concepção dos pré-socráticos, cuja depreciação do mito não está na
sua potencialidade transcendental, mas na percepção dos deuses e heróis contida nas obras dos poetas.
O diálogo Eutifron demonstra que Sócrates, quando trata a respeito de sua condenação, esclarece que
não nega a existência dos deuses, mas repugna as atitudes negativas que os poetas atribuem a eles
(06α-ξ). Dessa forma, em linhas gerais, o discípulo de Sócrates rechaça e descaracteriza o pensamento
mítico do seu sentido essencial à luz de sua filosofia.

156
“De fato, eles não rechaçaram, sem mais, o mito, em nome do logos, arrojando as lâminas do erro e as quimeras
da ficção. Não deixaram de utilizá-lo literariamente, como o tesouro comum do que devia alimentar sua cultura
para permanecer viva e perpétua. Mais ainda, desde a época arcaica reconheceram o mito un valor de ensino,
embora de ensino e segurança; O nome de uma verdade, apesar de uma verdade sem formulação direta, de uma
verdade, para ser entendida, precisa ser traduzida outra língua do que o texto narrativo não era mais que a
expressão alegórica.”
157
“A alegoria é um procedimento retórico que pode eliminar-se, logo que realizou o seu trabalho. Depois de termos
subido a escada, podemos, em seguida, descer. A alegoria é um procedimento dialético. Facilita a aprendizagem,
mas pode ignorar-se em qualquer abordagem directamente conceptual.” (RICOEUR, 1976, p.67)
158
Temos essa percepção de Vernant contemplada em algumas obras Platônicas como: Protágoras, com a versão
platômica do mito de Prometeu(320ξ a 324δ), A República e o mito de Er (lX, 614β- 621β), e Crítias e a Atlântida
de Platão (113α-121ξ)
Em sua obra, a República, através do diálogo de Sócrates e Adimantos, o filósofo levanta
questões sobre a forma ideal da pólis. No livro II, passa a analisar qual o modelo mais apropriado de
educação dos guardiães da cidade, levando em consideração a formação já proposta na educação
tradicional grega, a saber, ginástica para o corpo e música para a alma (República, 376δ - 376ε). No
percurso do diálogo fica claro que, para Platão, o mito, muitas das vezes, em sua função poética, é
negativo para a estrutura social da cidade (República- II, 377δ- 382ε), tanto no ponto de vista estético,
quanto do ponto de vista ético, pois as obras, segundo Jaeger (2001 p.781)159, quanto “mais poéticas,
menos as devem escutar as crianças e os homens que pretendem ser livres, para que temam mais a
servidão que a morte”.
A importância ao mito dada pelo pensamento platônico está na sua funcionalidade, pois o
produto de sua enunciação deve promover benefícios para o ouvinte. É aqui que se fixa a aletheia do
mito, na condição de formador de realidades concretas na alma do homem, que, consoante Platão,
deve plantar boas sementes morais no caráter pueril. Por esse fator, na condição de fundador de cidade
com Adimantos, Sócrates critica calorosamente o mito criado e contado na poesia, sobretudo nas
homéricas e nas hesiódicas.
Enquanto Platão levanta indagações a respeito do valor temático do mito, percebe-se que por
baixo dessa construção jaz, majoritariamente, a necessidade de uma esquematização que elabore esse
mito da melhor maneira possível. Quem trará, de fato, essa abordagem é Aristóteles em sua obra Arte
Poética, onde encontra-se as bases da nossa segunda conceituação da subdivisão do mythos que nos
cabe aqui.
É válido acrescer que nosso intuito não cerca uma pesquisa que exponha a noção metafísica
do mito trazida por Aristóteles para o universo grego. Contudo, sua perspectiva de μῦθος será
observada como conceito técnico da composição poética, marca e marco da sua obra, Arte Poética.
O mito compartilha com os domínios poéticos uma característica que equivale a um tópos de
discurso. Tal como o mito, segundo o que já está exposto aqui, o μῦθος, definido como fabulação, é
uma μίμησις160, cuja principal função está focada na representação de ações.
No primeiro capítulo da Poética, quando o filósofo estagirita apresenta a μίμησις como a
mola propulsora e ponto de interseção de todas as artes, concretiza seu pensamento afirmando que

159
O confronto entre as duas grandes funções da poesia, o prazer estético e a modelação ética da alma, é, pelo nosso
espectro, um dos grandes motivos da crítica platônica, pois, precisamos no seu discurso que o poeta não deve centrar-
se na construção estética em detrimento dos valores éticos, mas, de forma equilibrada articular ambos os elementos,
a fim de promover uma formação pura e delimitada pelos quatro pontos cardeais defendidos pela teoria platônica: a
piedade, a valentia, o domínio de si e a justiça, como dita Jaeger (2001, p.778).
160
Aristóteles não apresenta uma definição concreta de μίμησις, apenas expõe esse conceito como a essência de
todas as artes. É um processo em que se desenvolvem diversos tipos de expressões artísticas com meios diferentes,
objetos diferentes e de modos diferentes. Algumas artes utilizam cores e figuras, por conseguinte, outras representam
com a palavra, o ritmo e a harmonia, aliados ou dissociados. Nesse primeiro momento da sua poética, onde ele
discrimina os meios, obtemos as primeiras tipologias de gênero que servirão de paradigma e nomenclatura na divisão
das criações poéticas.
estas vão diferir em três aspectos: nos meios de representação, nos objetos representados, e no modo
de representar (1447α, 13-16).
Em suma, por meios, podem ser classificados os componentes materiais e técnicos através
dos quais a composição é articulada. Por objetos, entende-se a representação dos agentes, e por modo,
aponta-se aquilo que Platão discerne entre narrativa simples e μίμησις no livro III da República
(392δ- 394δ) e, Aristóteles denomina como, narrativa, drama ou composição mista.
A par do poético, o μῦθος é uma das categorias quantitativas da composição artística que está
diretamente ligado ao objeto, pois este elemento está embasado na ideia de μιμοῦνται οἱ μιμούμενοι
πράττοντας (os personagens representam os que agem – 1448α):

ἔστιν δὲ τῆς μὲν πράξεως ὁ ,μῦθος ἡ μίμησις, λέγω γὰρ μῦθον τοῦτον τὲν σύνθεσιν τῶν
πραγμάτων. (Poética, 1448α)

O μῦθος161 é a representação das ações, digo, pois, ser o próprio μῦθον a composição
dos atos.

Detendo-nos neste excerto do corpus aristotelicum aqui assentado, observamos que ao μῦθος,
Aristóteles dá duas perspectivas de definições que se correspondem, compreendamos como elas se
entrelaçam.
Há, na língua grega, dois importantes sufixos, que se contrastam em suas nuances semânticas
aplicadas a substantivos provenientes de verbos. São eles o -σις - que designa o processo de ação,
dinamismo como elucida Soares (2006, p. 76) e o -μα- como o resultado da ação, objeto estático.
Observa-se que Aristóteles atribui a cada um desses sufixos a raiz πραγj-. No primeiro caso, μίμησις
πράξεως corresponde à representação das ações dos homens, o processo de representação de acordo
com a atuação humana viva, por natureza, em seu dinamismo e interação e corresponde a uma
assertiva de caráter universal. Antes de refletir uma conjunção de atos, o μῦθος sugere a reprodução
artística de uma disposição natural do homem de pôr movimento e gerar resultados no percurso da
vida. Isto é passível a qualquer tipo de composição literária. A μίμησις πράξεως é o ponto fulcral de
toda a produção da arte expressa pelo μῦθος através de um encadeamento discursivo-narrativo. Após
essa afirmativa, Aristóteles afunila seu conceito, apontando para o outro viés da sua abordagem, o
μῦθος é uma composição de ações, σύνθεσιν τῶν πραγμάτων. Embora o termo πραγμάτων,
carregando o sufixo -μα-, retrate as ações como objetos estáticos, produto da ação (vale salientar que
entra em contraponto ao πράξεως), encontramos em σύνθεσιν o sufixo –σις- de modo a nos impelir
à compreensão de que, o μῦθος não é só um sistema de representação de ações. Dentro desse sistema

161
Optamos por não traduzir o termo μῦθος a fim de manter a linearidade de nossa proposta onde na forma da
palavra μῦθος temos um sentido distinto daquela, anteriormente vista, mythos e de mito.
há uma articulação através de que interagem os atos sempre de forma que promova uma unidade no
μῦθος. É nesse sentido que Aristoteles diz: μῦθος δ᾽ ἐστὶν εἷς, Uno é o μῦθος (1451α).
Essa unicidade é exequível no μῦθος no momento em que o ποιήτα representa o que é possível
e passível de acontecer através da verossimilhança ou da necessidade (τὸ εἰκός ἢ τὸ ἀναγκαῖον –
1451α). São esses dois elementos os elos que conectam as ações de modo que sendo um deles
deslocado mude toda a estrutura da σύνθεσιν τῶν πραγμάτων (1451α). A boa escolha de ações
propícias bem interligadas de sorte que crie um μῦθος uno e completo é ajustada pela “ordenação das
ações” (σύστασις τῶν πραγμάτων- Poética, 1450β).
O corolário dessa análise nos dá o cabedal para dizer que a σύστασις é o processo pelo qual
o poeta recorta as ações em um determinado mito tradicional para formalizar a σύνθεσιν como um
μῦθος uno e completo, tendo princípio, meio e fim (Ὅλον δ` ἐστὶ τὸ ἔχον ἀρχὴ καὶ μέσον καὶ
τελευτήν – 1450β) segundo o objetivo da sua criação. A πράξις, portanto, para Aristóteles é um objeto
bifacetado que cabe em dois movimentos, como objeto de representação e ao mesmo tempo o
instrumento que deriva no processo de representação através da πόιησις. É a πράξις o elemento
primordial do μῦθος. O mito, por isso, é o palco onde os homens vislumbram suas πράξεις
representadas pelas imagens divinas.

CONCLUSÃO

Mediante as considerações feitas, compreende-se a mutabilidade das percepções acerca da


construção do mythos, mas não a descaracterização de sua essência. Os conceitos de Mythos, mito e
μῦθος, elencados aqui, são interdependentes e se vinculam exatamente, por meio do valor arquetípico
presente nessas definições.
Em um olhar menos atento, a πράξις, representada no mito, difere da composição poética
visto que cada um carrega um objeto distinto de representação. O mito mostra a ação de deuses e
seres superiores, já na μίμησις aristotélica, o μῦθος é a representação de ações humanas. Contudo,
entende-se que o discurso aristotélico na Poética apenas desintegra da explicação técnica do μῦθος o
seu valor simbólico. Pois, apesar de o mito construir-se sobre a imagem de entidades sobrenaturais,
os poetas pincelam a narrativa com ações humanas, de modo a manter uma unidade entre o natural e
o sobrenatural. Isto quer dizer que os mitos representam deuses e heróis por meio do espectro da
μίμησις da πράξις humana, que se expressam simbolicamente, fato tão combatido por Platão. Todo
mito tem um μῦθος, e se esse mito é uma narrativa simbólica, logo, o μῦθος é também simbólico,
possui uma relação intrínseca com o conteúdo mítico produzido nos primórdios.
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UMA COBRA NA SALA DE AULA: PROJETO OFÍDIAS: UM DIÁLOGO
SOBRE CULTURA INDÍGENA PARA NÃO INDÍGENAS

Priscila Passos de Lima


Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”/UNESP
priscilapassosarte@gmail.com

RESUMO
A Lei 11.645 tornou obrigatório o ensino da Cultura Indígena no ensino de arte. O Projeto
Ofídias, realizado em 2016, em Belo Horizonte, Minas Gerais, traz diálogos com a arte
contemporânea através da imagem mitológica da cobra. O objetivo geral deste artigo é
compreender as relações entre a imagem da cobra e o ensino das artes visuais no Projeto Ofídias.
Como específicos, pretende-se contextualizar as referências da mitologia indígena relacionadas
à imagem da cobra no Projeto Ofídias e traçar seu percurso metodológico visando uma mediação
com a cultura indígena. Utilizamos abordagem qualitativa de cunho exploratório e, quanto aos
procedimentos técnicos, pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Concluímos, no atual
cenário politico nacional, importante iniciativas metodológicas de cunho decolonial.
PALAVRAS-CHAVE: Artes Visuais; Imagem; Mito; Cobra; Educação.

INTRODUÇÃO

O texto que aqui se inicia, carrega a poesia de uma imagem e se encarrega de levá-la a
quem lê. Quando pensamos em arte de forma bem generalista e superficial, os referenciais
estéticos e imagéticos nos encaminham para estruturas ocidentais europeias. Mesmo quando
falamos de Brasil, que foi constituído como nação com a mescla das culturas: indígena, africana
e europeia. A invisibilidade das matrizes africanas e indígenas como parte da cultura brasileira é
expressiva no material disposto nas salas de aula brasileiras. Ao iniciarmos um discurso sobre
um ensino de arte que contemple o cumprimento da Lei 11. 645/08, que torna obrigatório o
ensino da Cultura Afro-Brasileira e Indígena na escola brasileira, nos deparamos com um
panorama um tanto quanto distante do que o escopo da lei prevê quando adentramos os ambientes
de ensino. Sendo a arte uma das facetas que compõe a cultura, partimos do pressuposto de que a
construção cultural brasileira surge da mescla das matrizes europeias, indígenas e africanas. O
professor de Arte, por sua vez, não possui subsídios necessários para uma mediação cultural entre
os alunos e as raízes que alicerçam a própria cultura, uma vez que o material de apoio distribuído
pelo Ministério da Educação, atribui às referências europeias lugar de destaque, pensamento que
reverbera nas salas de aula. Delimitando este diálogo à vertente da cultura indígena, cabe ao arte-
educador intervenções junto aos discentes que promovam religações com elementos culturais,
ainda que em regiões onde o distanciamento é maior devido ao afastamento geográfico onde não
há relações de familiaridade sobre as vivências dos povos tradicionais. Contudo, tais regiões
distanciadas geograficamente, são interligadas por um imaginário ancestral. Então a questão que
surge é: Como seria a aplicação de uma metodologia de ensino de arte com referenciais estéticos
da cultura indígena em uma região como o sudeste do Brasil?

Experimentações nesta direção, assumem um território de descobertas intrínsecas sobre


a matriz indígena advindas dos grupos étnicos que formaram o povo brasileiro. Ao abordarmos
tais grupos étnicos, adentramos em lugares que não seriam possíveis de tocar pelo plano físico,
porém, é de fácil aproximação por estarmos interligados em teias metafísicas, repletas de
simbolismos e significados comuns.

Dessa forma, nas aulas de artes, abordagens que permeiem o campo afetivo permitem
uma imersão cultural. Ou seja, o acesso à uma experiência que aproxime culturas permite colocar
a própria identidade cultural em ordem.

Dentro do vasto universo visual indígena, nos deparamos com a imagem da cobra como
um elemento cultural de grande recorrência nas narrativas míticas dos povos indígenas em todo
o território brasileiro e também presente em diversas culturas ameríndias. Para os ocidentais, é
vista como a representação de Satanás nos escritos bíblicos, em contrapartida ocupa lugar de
destaque e respeito em narrativas cosmogônicas dos povos tradicionais, onde sua presença é, na
mesma medida, respeitada e temida ao ponto de determinar rotas de embarcações e demarcar o
local de fundação das cidades, como uma relação territorial nas cidades no entorno dos rios
destaca seu rastro no imaginário amazonense, no norte do Brasil. Seguindo estas inquietações,
apontamos para reflexões sobre a necessidade de ações de confronto com o panorama colonial
ainda vigente na escola brasileira.

Reconhecendo um cenário que anseia por metodologias colaborativas que aproximem


as salas de aula no ensino básico no Brasil, mesmo distantes geograficamente de comunidades
indígenas e que reforçam este afastamento por práticas educacionais ainda voltadas às referências
europeias de arte, nos deparamos com nosso objeto de estudo chamado: “Projeto Ofídias”,
desenvolvido na cidade de Belo Horizonte pelo Pós-Doutor em Letras pela UFMG, Mário
Geraldo Rocha da Fonseca em parceria com o SESC Palladium em Belo Horizonte, Minas
Gerais, cujo o mérito é a confluência entre as artes indígenas e as artes contemporâneas, onde se
apropria da imagem da cobra como ponto de partida para seus diálogos. Este projeto surge na
pretensão de oferecer subsídios para arte-educadores e proporcionar experimentações em
processos criativos da arte indígena entendendo a necessidade de uma quebra nos paradigmas
educacionais brasileiros.

Vislumbrando um pensar sobre novas possibilidades no ambiente escolar tradicional,


este trabalho tem como objetivo geral compreender as relações entre a imagem da cobra e o
ensino das artes visuais no Projeto Ofídias, realizado em novembro de 2016, no Sesc Palladium
em Belo Horizonte, Minas Gerais, uma vez que não há vivência com a mitologia indígena por
parte do público que por sua vez não é indígena. Como objetivos específicos, pretende-se
contextualizar as referências da mitologia indígena relacionadas à imagem da cobra no
desenvolvimento do Projeto Ofídias. Também busca traçar o percurso de atividades
desenvolvidas no projeto, no intuito de exemplificar uma sistematização metodológica que
possibilite ao educador uma mediação com a cultura indígena que culmine em produções
artísticas que contribuam como proposição à novas práticas de ensino que embasem provocações
à realidade atual do sistema político educacional vigente.

Esta pesquisa assumiu caráter descritivo, uma vez que buscou gerar maior familiaridade
com as referências culturais indígenas e a arte-educação, estabelecendo a relação entre cultura e
arte. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, ao abordar um assunto ligado à subjetividade do
sujeito em relação ao mundo real, não podendo ser traduzido em números, principalmente por
concernir à cultura. Para Minayo (2002), a pesquisa qualitativa se refere a questões de âmbito
particular e se preocupa com um tipo de realidade que não pode ser quantificada, passando pelas
seguintes etapas: fase exploratória, de trabalho de campo, da análise e tratamento do material
empírico e documental. Sobre os aspectos metodológicos, a pesquisa utilizou o método científico
dedutivo, caracterizando-se pela coleta da pesquisa bibliográfica e documental, aliada à pesquisa
de campo, a partir da coleta de imagens de arquivos do catálogo produzido ao fim do projeto.
Tratando-se de um estudo de caso no que se refere a esta análise, a imagem da cobra surge como
elemento visual no qual todo o projeto é desenvolvido, apontando para uma ponte possível entre
o ensino da arte e o imaginário ancestral indígena.

Fundamentos conceituais

Ao fundamentarmos esta pesquisa, partimos da necessidade em conceituar arte e arte-educação.


Sobre arte, Vásquez (1999), a descreve como elemento vital em toda sociedade e em Peixoto
(2003), o meio pelo qual o homem se torna em ser social. Ao falarmos sobre arte-educação, temos
nos PCNS. (1997), que determina que os alunos consigam compreender os muitos produtos
artísticos que surgem de variadas culturas e etnias. Quanto à cultura geral, utilizamos a visão das
teias de significado de Geertz (2008) e encontramos em Sanches (1999) uma concepção de
cultura como processo de transformação do homem. E, com referência à imagem, encontramos
em Maisel (2014), como a percepção individual do mundo. Para Didi-Huberman (2012), a
imagem ainda é acompanhada pela possibilidade de nos permitir imaginar. Sobre a imagem da
cobra, Pinto (2012), aponta sua presença em muitos mitos, o que ajuda a dar compreensão e
sentido a questionamentos sobre a fundação e criação de elementos da natureza e da sociedade,
onde uma única imagem é capaz de portar o bem e o mal. E sobre experiência Dewey (2010),
revela seu caráter individualizador e de autossuficiência.

Por quê a cobra?

Ilustração de Cleo Jurino, indígena pueblo, com anotações de Aby Warbur, 1896.

Para quem nasce no estado do Amazonas, a relação entre a vida e o rio se mistura com
a própria razão de existência. Uma região cercada por águas recebe intensa influência deste
elemento natural e de tudo que vem dele. Encontramos então a cobra, ser mítico presente nas
relações de todas as cidades do norte do país. Temida e também respeitada por sua associação
com os perigos dos rios. Uma relação também retratada nas mitologias das nações indígenas do
noroeste do Amazonas como a genitora da humanidade. Sua imagem é também encontrada em
representações de povos ameríndios registrados por Aby Warburg em 1896, no livro: “El ritual
de la serpiente”. Essa imagem, que assim como muitas outras foi demonizada pelo cristianismo,
carrega consigo uma força ancestral. A cobra, é tida como um ser que encanta aos que adentram
à floresta. Esse encantamento está registrado em sua imagem presente em diversas culturas em
todo o mundo, sua força não passa despercebida. E quando pensamos em arte-educação e cultura
brasileira essa imagem ganha maior força ao relacionarmos sua presença também nas mitologias
africanas.
Cabe pensarmos a necessidade de uma quebra no padrão de ensino pautado apenas em
elementos culturais europeus, que desconsideram as culturas africanas e indígenas como capazes
de portar saberes e dar importância a registros desta memória coletiva. Como aponta Walsh
(2013, p. 298), “todo aquele que assume esse papel de guardião da memória, de ser um desafiador
da memória, torna-se um semeador [...]”. Os povos africanos e indígenas, tem na história oral o
alicerce de suas sociedades. A cobra, um ser tão significativo em suas narrativas, ganha então
lugar de destaque ao se pensar em uma metodologia de ensino de arte firmada em referenciais
culturais que contemplem as duas matrizes culturais.

Projeto Ofídias: ponto de partida

O nome “Ofídias”, eleito para nomear o projeto, surge como forma de homenagem à
Cobra, que segue a partir de agora com letra maiúscula no texto, uma vez que ocupa lugar de
honra em nortear essa pesquisa. Este ser especial em tantas culturas indígenas, em particular nos
grupos presentes na Amazônia.

[...] A serpente é um dos símbolos mais importantes da imaginação humana; nos climas
em que esse réptil não existe, é difícil para o inconsciente encontrar um substituto tão
cheio de variadas direções simbólicas. O monstro é, com efeito, símbolo da totalização
e do recenseamento completo das possibilidades (PINTO, 2012, p.116).

A figura da Cobra é um elemento mítico comum tanto para o imaginário ribeirinho no


Amazonas quanto para o do indígena. Presente na cosmogonia tradicional é temida e respeitada,
capaz de determinar o trajeto para embarcações e a localização de cidades. A Cobra, animal, é
também portadora de força e poder. Transita pelo ar, terra e água e tem o fogo em sua picada.
Para Pinto (2012, p.233), “as ideias possuem existência própria dentro de um ecossistema cultural
[...]Transcendem o espírito individual quando caem no domínio público, em todas as culturas em
que mitos são considerados como verdades [...]”. Assim, a Cobra faz parte da historia universal.
É encontrada em várias culturas e fortemente referenciada na mitologia. Ofídias, toma o mito da
Cobra-Canoa como metáfora para sua execução.

Nesta narrativa, uma Cobra gigante é a responsável por gerar toda a humanidade em seu
ventre e em uma viagem por um rio de leite aporta no local onde cada cidade foi fundada às
margens do Rio Negro, no Amazonas. Dessa forma, as atividades do projeto seguem um percurso
metodológico que parte de uma visão de mundo indígena, tomando essa relação da Cobra com o
meio onde habita. Mário Geraldo da Fonseca, o educador coordenador do Projeto Ofídias: Artes
e Culturas Indígenas, é Pós-doutor em Literatura comparada pela Faculdade de Letras da UFMG
com a tese: A Cobra e os poetas: uma mirada selvagem na literatura brasileira. Nascido na
cidade de Maués, no interior do Amazonas, cresceu imerso nos referenciais culturais indígenas
que permeiam o imaginário das cidades ribeirinhas no norte do Brasil. Artista, atua também no
campo da produção artística e essas vivências contribuíram grandemente para a concepção deste
projeto. Podemos delinear as atividades desenvolvidas em três pilares: I- A imagem: Mostra
Linha èh Gente; II- A palavra: Os Livros da Floresta; III- O fazer: Oficinas de arte contemporânea
e suas semelhanças com a arte indígena.

Mostra: Linha èh Gente

Mostra Linha èh Gente, Museu da Amazônia, Manaus (AM), setembro de 2016. Fonte: Catálogo Projeto Ofídias
(Foto: Mário Geraldo da Fonseca).

Linha èh Gente, é uma mostra que tem por objetivo iniciar um circuito de atividades
que ocorrem durante o projeto. A mostra é apresentada como ponto de partida que causa um
impacto visual. Conta com 30 cartazes com representações de desenhos apanhados por Theodor
Koch-Grünberg, em suas viagens ao Rio Negro, no Amazonas, no início do século XX, contidos
no livro Petróglifos Sul - Americanos (2010). Os desenhos são acompanhados de palavras
originadas do poema de Carlos Drummond de Andrade, “ Divagações em torno da palavra
homem”. A dupla formada: imagem + palavra, são dispostas como seres em uma concepção de
mundo que parte da visão indígena sobre a vida, onde tudo no mundo é ser vivente. O desenho
ganha vida! É gente! Logo a imagem possui espírito. Não há como vivenciar de forma genuína
essa relação entre a imagem e a vida em uma sociedade indígena, uma vez que não se nasce
indígena, contudo a imagem nos permite um caminho em nosso imaginário que nos permite uma
experimentação subjetiva, pois precisaremos imaginar para saber (Didi-Huberman 2012). Os
cartazes são apresentados em um painel que faz alusão a um pari, um trançado de talas de miriti
amarrados com fio de ticum, artefato indígena utilizado para capturar peixes pelos povos
advindos do Rio Negro, no Amazonas, no norte do Brasil.

Os Livros da Floresta: a voz de quem guarda os saberes

É importante pontuar que além dos diálogos que alicerçam o projeto terem como fonte
autores não-indígenas, os livros produzidos por indígenas são os grandes porta-vozes de saberes.
Ainda que a proposição consista em conversas sobre a produção destes livros, reforçando o uso
de narrações performáticas que têm por objetivo inserir os participantes em seus conteúdos, essa
linha literária, nomeada por estudiosos da cultura indígena como Livros da Floresta, teve origem
com a implantação de escolas nas aldeias, determinadas pela LDB (Leis de Diretrizes e Base da
Educação) de 1988. Os formatos destes escritos seguem uma proposta de coletânea de vários
autores indígenas e comumente estão em língua nativa acompanhada da tradução para o
português. São vários títulos, inclusive alguns disponíveis pelo Ministério da Educação.
Elegemos os cinco de maior destaque nessa organização bibliográfica pelo Ofídias: ANTES O
MUNDO NÃO EXISTIA, escrito por Umúsin Panlõn Kumu e Tolomãn Kehhíri, foi
considerado o primeiro Livro da Floresta, foi lançado em 1980, com colaboração da antropóloga
Berta Ribeiro; O LIVRO DAS ÁRVORES, teve a organização conduzida pelos professores
ticuna bilíngues e possui muitas ilustrações que associam o valor das árvores e seu valor como
ser “gente”; SHENIPABU MIYUI, história dos antigos, dos índios Huni Kuin do Acre; TE
MANDEI UM PASSARINHO: prosas e versos de índios do Brasil, trata-se de um
agrupamento de poemas e histórias de vários grupos indígenas do Brasil; UMA HIWEA ou O
LIVRO VIVO, organizado por Agostinho Manduca Mateus Ika Mura, trata de uma
farmacologia ancestral advinda de plantas que curam, tido como referência para a medicina atual.

Oficina de Artes Indígenas + Artes Contemporâneas: Mostra de Processos TIPITI

O TIPITI, objeto criado pelos indígenas brasileiros, é um elemento essencial para a


produção de farinha de mandioca. Possui um formato que muito se assemelha com a forma da
Cobra. Entra na proposta do projeto como analogia à produção artística resultante desta vivência
por parte dos participantes.

Assim como está previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte, “Tal ação
contempla a fruição da produção dos alunos e da produção histórico-social em sua diversidade”
(1997, p.41). Esse é o ponto onde cabe analisar os processos e seus significados. Momento
oportuno para que os participantes expressem a própria experiência neste contato com práticas
pautadas na arte indígena. A Mostra de Processo Tipiti foi composta de produções como:

Mito do Dilúvio, Sesc Palladium, Belo Horizonte, Para que todas as sementes voltem a nascer.
novembro 2016. Fonte: Catálogo Projeto Ofídias Performance final da primeira parte do Projeto
(Foto: Luiz Rodriguez) Ofídias, Sesc Palladium, Belo Horizonte,
novembro 2016. Fonte: Catálogo Projeto
Curso: O Método da Cobra no Ensino e Ofídias (Foto: das
Aprendizagem LuizCulturas
Rodriguez) Indígenas
A espinha dorsal desta metodologia, pode ser encontrada nas escamas de uma grande
serpente mitológica, a Cobra-Canoa, descritas por indígenas de várias etnias do norte do Brasil
como o ser responsável por criar toda a humanidade em seu ventre e durante uma viagem que
percorreu um rio de leite onde desembarcava seres mágicos que, ali, fundaram suas cidades.
Segundo Eliade (2010, p.74), a representação mitológica serve para explicar todas as “criações”,
independente do plano em que se aplica: biológico, psicológico, espiritual. Segundo o autor, “[..]
segue-se daí que aquele para quem se recita o mito é projetado magicamente in illo tempore, ao
“começo do Mundo”, tornando-se contemporâneo da cosmogonia [...]”. Este método se apresenta
em três perspectivas: os mitos, as artes e os saberes. Parte na proposta de narrativas mitológicas
que conduzam à uma viagem, como a da barriga da Cobra, que permite a imersão em aspectos
da cultura indígena para não-indígenas, público este que muitas vezes não possui qualquer
proximidade com esses elementos culturais e encontra na arte, em específico na arte
contemporânea, um elo de ligação para diálogos com as artes indígenas. Este harmonioso
diálogo entre a arte contemporânea e a arte indígena se dá, segundo Fonseca, (2017, p. 18) da
seguinte forma: “as artes contemporâneas traduzem em signos (imagens, sons, gestos etc.)
algumas ideias presentes desde sempre nas culturas indígenas”.

Essas ações assumiram caráter condutor para experimentações no fazer artístico


indígena. Ao apontar ligações estéticas, técnicas e também filosóficas com a arte contemporânea.
Para Dewey (2010, p.114), “Não obstante, a experiência em si tem um caráter emocional
satisfatório, porque possui integração interna e um desfecho atingido por um movimento ordeiro
e organizado.”. Assim, não poderíamos ter a mesma voz dos povos tradicionais, contudo,
poderíamos conduzir seu eco.

Considerações Finais: O bote da Cobra

É necessário um entendimento sobre o lugar político que o Projeto Ofídias ocupa ao


assumir, assim como a Cobra, a dualidade do veneno e da cura. Quando parte do ponto chave
onde denota a fragilidade na prática da Lei 11. 645/08, que determina o ensino de História e
Cultura Indígena na disciplina de Arte e em contraposição não enxerga o quão débil é o sistema
educacional brasileiro no que cabe ao preparo docente sobre a própria cultura.
Ofídias, além de propor o antídoto para esse mal, visa um caminho de ensino horizontal,
onde o educador está no mesmo nível de descobertas que o educando. E um ponto de destaque é
a busca por uma aproximação cultural não apenas firmada em um ponto de vista eurocêntrico ao
descolonizar os processos de aprendizagem ouvindo as vozes da floresta, mas é um retorno ao
princípio de quem somos.

O Projeto Ofídias possui um catálogo lançado também no Sesc Palladium em maio de


2017, com os registros de todos os processos que o compõem, possibilitando para pesquisadores
e educadores novos olhares sobre a cultura indígena.

Durante o ano de 2018, algumas experimentações agregaram e foram inseridas na minha


prática pedagógica com os alunos do Ensino Fundamental II do Colégio Inovação, localizado na
Freguesia do Ó, região norte da cidade de São Paulo. A contação do mito da Cobra-Canoa é o
ponto de partida para um primeiro contato com esses referenciais culturais, após segue a
apresentação de obras de artistas contemporâneos indígenas e não-indígenas que retrataram a
Cobra em algum momento de sua produção, a imagem é muito potente neste processo.

Entender que a produção indígena tem estética, forma e conceito capazes de diálogos
valiosos para nossas salas de aula nos faz vislumbrar inúmeros caminhos que recriam caminhos
e reverberam saberes milenares. Como afirma Duarte (1991, p. 25) “o significado dado pelo
homem à sua existência provém de um jogo entre o sentir (vivenciar) e o simbolizar (transformar
as vivências em símbolos) [...] produto não de um indivíduo isolado, mas de comunidades
humanas”. Ou seja, ensinar arte transcende visões de um mundo apenas visual e palpável, mas
torna-se um leque de caminhos dentro de um rastro imaginário com vestígios de nossa
ancestralidade, assim como os deixados por onde passa a Cobra.

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RELIGIÃO E ADOECIMENTO: UMA ANÁLISE SISTEMÁTICA

Bruna Tavares Pimentel


UFPB, bruna.t.pimentel@hotmail.com162
Resumo
Este trabalho trata-se de uma análise sistemática de busca criteriosa da literatura, tem como
objetivo identificar as possíveis influências da religiosidade no processo de adoecimento na
sociedade brasileira, realizado através de diálogos entre textos e autores que tratam sobre a
temática dentro da perspectiva da Antropologia. Dessa forma, o trabalho aborda diversas
religiões e religiosidades, concluindo que existe uma influência em vários aspectos da
religiosidade diante ao adoecimento, que se dá epistemologicamente e também subjetivamente
através de crenças, fator que auxilia no pensar e no agir dentro das sociedades.
Palavras-chave: Antropologia da Saúde; Religiosidade; Adoecimento.

INTRODUÇÃO

A concepção de adoecimento vai além de fatores biológicos e físicos, podem se dá por


condições espirituais e culturais, quando as benzedeiras, por exemplo, afirmam ter curado uma
pessoa que nem os médicos conseguiram curar, é porque a doença, neste caso, pode não ser física.
Na Umbanda, o trabalho de cura e tratamento une a questão espiritual religiosa ao saber médico
o que legitima a cura. Já na igreja Universal do Reino de Deus, a cura está totalmente ligada ao
milagre, nesta o único instrumento usado para alcançar o resultado é a fé do fiel.
Este trabalho trata-se de um recorte da pesquisa realizada na minha monografia, e tem
como objetivo dialogar textos que discutam a temática religiosidade e adoecimento dentro da
perspectiva antropológica, identificar as possíveis influências da religiosidade no processo de
adoecimento das pessoas em sociedades brasileiras e contribuir teoricamente com a temática.
A seleção dos textos se deu através da revisão sistemática com cunho qualitativo.
Traçando estratégias de pesquisa previamente pensadas, os textos obtidos através desse método
caminharam pelas mais diversas religiões cultuadas no Brasil. Sendo assim, ficam claras as
formas com que cada religião trabalhada vê o adoecimento nas práticas de cura, na manutenção
da saúde e até mesmo os tratamentos de doenças.

162
Bacharel e licenciada em Ciências Sociais, mestranda no programa de pós-graduação em Sociologia (PPGS),
todos pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
REFERÊNCIAL TEÓRICO

Estudar a religiosidade é reconhecer sua complexidade diante das sociedades nos mais
variados ângulos, e reconhecer suas influências na vida cotidiana, inclusive quando se refere ao
cuidado com a saúde e todas as percepções em volta do adoecimento. Os estudos antropológicos
na área da saúde foram iniciados nos anos 60, Canesqui (1994 apud MELLO, 2013), inicialmente
apresentando oposição ao padrão médico, a Antropologia abriu um leque para reflexão de
recursos terapêuticos e questões também além do meio médico oficial.
A relação entre antropologia, saúde e religiosidade é um forte diálogo interdisciplinar que
tem colaborado com ambas as áreas diante dessa ciência que surge enviesada em arcabouços
teóricos abrangentes com métodos e conceitos trabalhados na Antropologia como também
literaturas sobre saúde. Esse campo da Antropologia da saúde procura entender como os
indivíduos expõem e interpretam o adoecimento que se expressam como formas de sofrimento e
dor, levando em consideração as mais diversas formas de interpretação desses fenômenos.
De acordo com Costa e Cardoso (2014) a doença não se limita a fatores ou desequilíbrios
biológicos, mas também deve ser vista como uma construção social, fenômeno cultural e
religioso. Podendo ser comprovada a partir do seguinte raciocínio: a doença é um fenômeno
mundial e a medicina também, consequentemente as doenças são conhecidas pelas suas causas e
sintomas, a causa parte do mesmo agente etiológico em todo o mundo. Já os sintomas se
apresentam normalmente da mesma forma em todos os indivíduos.

METODOLOGIA

O método de revisão sistemática consiste em um levantamento bibliográfico com critérios


específicos, que geralmente traz um produto final na forma de resposta para uma pergunta pré-
estabelecida. De acordo, com o pensamento de Gomes e Caminha (2014, p. 396), a análise
sistemática “vem sendo utilizada como método para suprir a lacuna da inconclusão deixada pelas
revisões narrativas”. Essa forma de revisão auxilia o pesquisador a aprimorar hipóteses, sintetizar
os dados já existentes, afeiçoar as dimensões da amostra e a fazer cronogramas de trabalho
(MEDINA; PAILAQUILÉN, 2010).
Para sua realização da revisão sistemática, conforme o pensamento de Higgins e Green
(2011 apud GOMES; CAMINHA, 2014) são estabelecidos os sete passos descritos a seguir, que
foram adotados neste estudo como percurso metodológico: Formulação da pergunta, localização
e seleção dos estudos, avaliação crítica dos estudos, coleta de dados, análise e apresentação dos
dados, interpretação dos dados, aprimoramento e atualização da revisão. Seguido esses passos,
foram selecionados os textos que foram discutidos neste artigo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os brasileiros têm buscado formas alternativas de tratamento usando-as de forma


simultâneas e não-linear. A OMS reconhecendo isto buscou incorporar o conceito de medicina
tradicional, está se dá por práticas e tratamentos de doenças através de conhecimentos passados
por gerações e crenças religiosas buscando encontrar a cura fora do âmbito médico. Pode ser
demonstrada através do uso de plantas, minerais, terapias espirituais e consultas com entidades.
Percebendo esta realidade, a OMS promove a institucionalização de políticas no Brasil por parte
do Ministério da Saúde como: Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no
Sistema Único de Saúde – SUS.
Mello (2013) afirma existir uma aliança disciplinar entre a antropologia da saúde e a
religiosidade (brasileira), que seria a ressignificação da doença e as práticas de ritos em busca de
uma vida plena, priorizando a saúde. O Brasil com toda sua miscigenação, brancos, negros e
indígenas deu lugar aos mais diversos cultos, advindos de lugares e regiões distintas, inclusive
cultos africanos.
Martin e Andrade (2010) trabalham conceitos como catolicismo popular e religiosidade
popular. Esse catolicismo provocou uma inomogeneidade nas práticas religiosas de modo que
resultou em uma disseminação irregular, a tal ponto que a igreja Católica se adaptou ao
catolicismo dividido ente o clero e o povo. A religiosidade popular se dá no Brasil principalmente
em áreas rurais, esta se manifesta por meio de uma linguagem religiosa própria do povo, devido
a essa especificidade pode ser caracterizada como um comportamento autônomo. Segundo Velho
(2003):
[…] a grande maioria da sociedade brasileira é constituída de católicos fiéis à Igreja de
Roma. No entanto, são infindáveis e frequentes as situações em que católicos recorrem
a centros espíritas, terreiros de umbanda e candomblé. Quando não o fazem diretamente,
usam parentes e amigos como intermediários(VELHO, 2003, p. 25).

Isso faz refletir sobre a diversidade religiosa brasileira, levando em consideração que o
brasileiro pode seguir mais de uma religião e ter crenças em várias outras. Para Mello (2013) as
religiões afro-brasileiras como a Umbanda e o Candomblé estão ligadas a crenças em espíritos,
este processo se dá pelo ato da incorporação, transe e possessões advindas de espírito estes muitas
vezes atuam na cura e tratamento de doenças, assim como também, na manutenção da saúde
física e espiritual. (SARAIVA, 2010 apud MELLO, 2013). No Candomblé especificamente, onde
estão presentes os cultos aos orixás africanos ligados a força da natureza, acredita-se que cada
pessoa possui seu próprio orixá e este tem uma relação direta com o indivíduo.
Na pesquisa realizada por Mello (2013) no contexto afro-religioso no Rio de Janeiro, um
entrevistado do Candomblé aborda essas questões em seus discursos, quando afirma:
“dependendo do Orixá, a pessoa está mais propícia a sofrer mais em determinada parte do corpo.
Então, por exemplo, uma filha de Oxum, ela já tem tendências a ter problemas na barriga e nos
pés também. Cada Orixá tem a sua parte frágil.” (Sr. Miguel) (Mello 2013, p 89). Porém, essa
busca alternativa de cura está associada ao sistema da medicina popular paralelo ao tratamento
espiritual. Não é dispensável a medicina científica, elas simplesmente se complementam quando
se fala no contexto da Umbanda.
Rodrigues et al (2016) tratam da religiosidade dos pajés na pajelança indígena. Esse
processo mediúnico Xamânico sofreu alterações consideráveis com a presença de grupos
africanos e matrizes cristãs com ideologias ocidentais, nas comunidades indígenas. O ritual da
pajelança marca a religiosidade e espiritualidade indígena e cabocla instrumentalizada por
estruturas simbólicas e imateriais.
Bourdieu (1989 apud RODRIGUES et al 2016) o ritual da pajelança marca a
complexidade, a interiorização da cultura de um povo e suas construções sociais. Isto faz com
que através de mesma se interpretem fatores como adoecimento e cura, com simbolismos e
sentidos espirituais e religiosos. Nas comunidades caboclas a prática desse ritual tem influência
da cultura mágica indígenas, da cultura do negro, do branco, de elementos da afrodescendência,
do marco judaico-cristão e de atividades xamãs indígenas, que segundo os autores “dão vida
também à pajelança cabocla” (RODRIGUES et al 2016, p. 4).
Os pajés indígenas e pajés caboclos são possuidores dos mais diversos saberes como o da
cura, por exemplo, que eram adquiridos como herança dos antigos Caraíba Tupinambá. O que
lhes dão certa importância, devido à confiança que ganham por suas práticas e pelo poder de seus
trabalhos. “A crença no pajé se assemelha em muitos aspectos à fé cabocla no terapeuta popular,
num sincretismo que intermedeia confiança imanente aos que procuram o trabalho de
curandeirismo” (RODRIGUES et al 2016, p. 6).
Verifica-se esse processo de práticas médicas primitivas na pajelança indígena, em que a
religiosidade se faz presente principalmente nos rituais de cura que se dá inicialmente pela cura
da alma que vai enfrentar as doenças, que acreditam ser causadas por espíritos. Ou seja, essas
práticas de curas se estendem a outras culturas, Costa (2008) trabalha dentro da Antropologia da
Saúde, questões religiosas voltadas ao Candomblé e as benzedeiras como formas alternativas de
manutenção da saúde, na busca de cura e suas implicações diante o adoecimento. Esses vão
ressaltar que nas tradições religiosas afro-brasileiras e indígenas há um intermédio entre o plano
terreno e o plano espiritual que denominam como curador.
Costa (2008) faz uma pirâmide para trabalhar as distinções entre as benzedeiras
curandeiros e ervateiros. Na base ficam os ervateiros, aplicam técnicas de rezas e ervas para o
tratamento de doenças. No meio os curandeiros, esses têm um poder superior ao médico atribuído
e reconhecido pelo seu grupo social. E no topo, as benzedeiras que merecem esse poste por já ter
passado pelas outras experiências, detêm o saber sobre as ervas, rezas e entidades sobrenaturais.
Cada religiosidade trabalha a questão da saúde de formas diferenciadas, que se dá de
acordo com as tradições culturais e no que se acredita ou no sagrado o qual se crer. As entidades
que normalmente atuam na área da saúde são os caboclos e pretos velhos no caso da Umbanda.
Já no Candomblé são os orixás Omulu (o médico dos pobres) e Ossáin (orixá das folhas) que
fazem esse papel.
Neste caso pode-se observar que o meio religioso e a medicina popular têm pontos em
comuns, como o uso de plantas como forma de medicamentos. Porém outros elementos estão
presentes neste processo quase de trata de religiões como o Candomblé e a Umbanda, como o
uso do álcool, cigarro, cachimbos, entre outros. Principalmente quando antecede os rituais para
a incorporação, aonde toda a ciência e sabedoria diante do adoecimento vem da entidade, o
médium não precisa necessariamente saber ou estudar para que a cura aconteça.
Ribeiro (2014) colabora teoricamente sobre o “trabalho de cura” na umbanda pelos pretos
velhos e especialmente pelos caboclos. A mesma divide esse ritual em dois momentos,
salientando que esse rito acontece em público por ter o objetivo de reestabelecer de maneira
explícita à harmonia entre o homem e o mundo natural. O primeiro momento é o “diagnóstico”
que se dá quando o indivíduo chega até a entidade, que está incorporada no médium e conversa
sobre seu estado de saúde. O outro momento é quando é feito o tratamento da doença. O
adoecimento é visto nesse campo religioso como um infortúnio. Como ficou claro, o “trabalho
de cura” feito pelos caboclos (as) acontece depois do ritual do infortúnio na vida do indivíduo.
Para Martin e Andrade (2010) a cura pelo benzimento vem de ritos mágicos e se sustenta
por um sistema de crenças, presentes comumente no meio rural, que é intensamente ligado à
religião e à natureza. Na pesquisa realizada pelas autoras em Ligeiro, interior da Paraíba, fica
claro como essa crença se dá na prática observando o relato: Uma vez uma mulher veio de noite
com uma menina; estava vomitando, chega estava descombucada. Eu rezei, no outro dia ela
disse que não tinha dado remédio e estava boa (A. R, p. 7). No relato a rezadeira não só
diagnostica o sintoma de "mau-olhado" garante a cura através da reza feita por ela. Neste a visão
de Martin e Andrade (2010, p. 126) “Neste cenário tudo parece misturado; fé, magia, milagre,
castigo” onde existe uma obrigação de afastar a força do mal.
Paes (2014) trabalha com ex-votos no contexto cristão, católico, no Círio de Nossa
Senhora de Nazaré em Belém do Grão Pará analisa o este espaço urbano e faz refletir sobre as
questões do adoecimento e a religiosidade neste campo religioso. O ex-voto “são levados por
devotos como pagamento de “promessas”” (PAES, 2014, p.2). Durante essa procissão, assim
como muitas que acontecem anualmente no Brasil inteiro, os devotos pagam suas promessas que
neste caso é almejando a superação de um adoecimento, agradecimento e pedindo proteção.
Esses levados, são normalmente objetos que representam a graça alcançada, está
normalmente é tida para o fiel como impossível, então, sua conquista se torna um milagre.
Quando o caso está vinculado à saúde estes ex-votos, segundo Cascudo (2004, p. 450) se dá
através de “representação do órgão ou parte do corpo humano curado pela intervenção divina e
oferecido ao santuário em testemunho material de gratidão”.
Esse ritual é marcado pela característica testemunhal, que se refere à entrega do exvoto,
a quem se foi feito a promessa, de forma pública para que não haja dúvida que a dívida foi paga
e que a graça foi alcançada. Engrandecendo assim, o agente do milagre dando-lhe prestígio. Esse
ritual de crença dentro do catolicismo, que se efetua através da religiosidade dos seus seguidores,
justifica o acúmulo de objetos nos quartos/sala de milagres no mais diversos centros de
peregrinação.
Araújo (2015) faz um estudo de caso onde analisa os devotos do Santo Daime e suas
práticas relacionado a saúde e doença. É interessante colocar que em religiões, como o
catolicismo, por exemplo, tratavam dos adoecimentos através de um processo onde a busca por
cura ou manutenção da saúde eram abstratas, a religiosidade agia sem o uso de qualquer
substância ingerida.
Esta pesquisa, além de surgir com esse diferencial, já traz consigo uma problemática. Este
grupo religioso faz uso durante o seu cerimonial de substâncias psicoativas em um chá que tem
o mesmo nome da religião (Santo Daime) que é essencial para o rito de cura dos seus devotos. O
Santo Daime está inserido nas formas de terapias alternativas, por causa da herança
xamânicaameríndia que carrega, sendo assim o uso dos psicoativos que se fazem presente na
Ayahuasca é comum entre os fiéis na busca de curas físicas e espirituais.
Neste campo religioso a cura não é limitada a “remissão dos sintomas”, mas fornece aos
seus fiéis uma possibilidade de repensar os valores e hábitos que cercam seus cotidianos tornando
a cura significativa “de tal forma que a cura e a doença são compreendidas a partir de uma
perspectiva relacional que fornece um significado singular para o indivíduo em interação com o
cosmos e o mundo espiritual” (ARAÚJO, 2015, p.6). Acreditam e têm como doutrina manter
uma boa relação com o espiritual.
Costa e Cardoso (2014) abordam percepções de cura e adoecimento dentro das igrejas
pentecostais e neopentecostais a partir de um estudo literário em que a Igreja Universal do Reino
de Deus realiza a “Cura Divina”, por compreender a libertação de enfermidades que assolam a
vida das pessoas que buscam ajuda nesse campo religioso para desfazer-se dos malefícios que as
acompanham. Nas últimas décadas, mas especificamente com o advento da modernidade, essa
busca tem aumentado significantemente. Sendo assim, a Igreja Universal tem inaugurado
templos em todo o Brasil, se propondo a atender as pessoas que se sentem doente e se veem
precisando de ajuda religiosa para a cura da mesma. De acordo com Lima (2006 apud COSTA E
CARDOSO 2014):
O conceito de doença na Igreja Universal possui um sentido mais abrangente:
problemas físicos, desemprego, problemas familiares, problemas familiares, problemas
mentais ou emocionais, pobreza. A chamada “Renovação Carismática” da Universal
promete, desde a cura da dor de cabeça, do nervosismo, da depressão e outros
infortúnios que afetam o cotidiano de uma pessoa, até mesmo a AIDS. Para tal, são
usados recursos como “óleos ungidos”, “sal abençoado”, “roupa ungida”, sendo que a
cura é prometida a todos que tenham fé (p. 121).

Vale ressaltar que essa percepção da doença, que se destaca por se diferenciar
drasticamente das concepções tidas normalmente na sociedade brasileira, parte a crença em que
as doenças são causadas por presença de demônios e para expulsá-los para trazer a cura é preciso
manifestá-lo o que distancia esse campo religioso das igrejas consideradas pentecostais. E se
assemelha as incorporações presentes na Umbanda e no Candomblé, porém nessas religiões a
manifestação é vista de forma positiva e nas igrejas Universais de forma negativa e demoníaca.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reconhecer a importância dos conhecimentos populares, dos saberes tradicional e da


religiosidade no campo da saúde é perceber que ambos influenciam na concepção da doença,
consequentemente na forma a qual o indivíduo adoecido busca cura, tratamento ou até mesmo
manutenção da saúde. Sendo assim, os fatores religiosos se manifestam de acordo com a
religiosidade subjetiva do indivíduo na sociedade na qual ele foi inserido, isto afeta a concepção
dos mesmos quando se trata do adoecimento. Depois de traçada as mais diversas teorias e
concepções conceituais trabalhadas nas Ciências Sociais.
Dessa forma, resumo a religiosidade como um conjunto de crenças adquiridas a partir de
um campo religioso, que influencia o indivíduo diante dos mais diversos fatores sociais,
incluindo o adoecimento, pensando desde o risco de adoecer até a morte. Levando em
consideração o contexto sócio-histórico e cultural do povo brasileiro, e toda sua diversidade
religiosa, vimos grupos sociais das mais diversas concepções diante o adoecimento. E fica claro
como se divergem uma das outras, seja nos meios usados para tal ou ao sagrado a quem se busca
ajuda ou cura.

REFERÊNCIAS

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biomedicina: um estudo de caso no Santo Daime. In: REUNIÃO DE ANTROPÓLOGOS
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VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. 3. ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 2003.

i
Discente curso de economia – Campus Sertão – UFAL. E-mail: p.patriciareis1@gmail.com
CNERA
SEGUNDA PARTE

RESUMOS SIMPLES
GT 1 - A SACRALIZAÇÃO DA CARNE: A LITURGIA DO SEXO
NA LITERATURA ERÓTICA/PORNOGRÁFICA

Coordenadores: Dr. Hermano de França Rodrigues (UFPB)


Dra. Amanda Ramalho de Freitas Brito (UFPB)

Resumo: Se o sexo conduz o mundo, segundo ColetteChiland (1999), então, há algo nele que
pertence à dimensão do sagrado, haja vista a necessidade humana de ritualizar os prazeres da
carne, quiçá com a pretensão de torná-los suportáveis. No encontro de corpos, é a morte que
dirige o espetáculo, transformando vítimas em algozes e carrascos em mártires. Nosso Gt
acolhe pesquisas, concluídas ou em andamento, que se voltem para a natureza hierática do
sexo, em sua perambulação pela literatura erótica/pornográfica.

GT 2 - NACIONALISMO E FEMINILIDADE NAS LITERATURAS


AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Coordenadores: Ms. Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos (UFPB)


Ms. Sayonara Souza da Costa (UFPB)

Resumo: A problemática da formação da nação e a sua relação com o feminino corresponde a


temática relevante nas construções narrativas e poéticas das literaturas africanas de língua
portuguesa. A ciência da marginalização e opressão do feminino permite a compreensão da
formação dos espaços africanos, aqui compreendidos como nações pós-independência, a partir
de um viés marcado na unidade do coletivo social. Assim, o propósito do GT é dialogar com
pesquisas que centrem discussões nas temáticas aqui anunciadas. Pressupostos teórico-
metodológicos como os abordados por Anderson (2008), Appiah (2007), Bhabha (2013), Hall
(2006) e demais que adotam nos seus discursos a perspectiva pós-colonial são compreendidos
como diretrizes relevantes para as análises dos temas.

O MEDO E A BUSCA PELA LIBERDADE: ANÁLISE DO CONTO “OS


OLHOS DOS MORTOS”, DE MIA COUTO

Autor: Sayonara Souza da Costa

Resumo: O livro O fio das missangas (2009), do escritor moçambicano Mia Couto, é uma
coletânea de contos conhecida por retratar elementos do universo feminino. Os textos são
permeados por narrativas que trazem questões acerca da mulher e do seu espaço dentro do cerne
social. Assim, este escrito versa em analisar o conto “Os olhos dos mortos” por meio do evento
da gravidez e do desgaste emocional pela imposição do terror causado por seu marido. Esta
narrativa torna-se uma espécie de metáfora para os problemas enfrentados por nações
colonizadas, neste caso, colônia de Portugal e, portanto, os reflexos do período pós-colonial
vivenciados. Desta maneira, nossa metodologia é pautada em pesquisa bibliográfica e, para isto,
faremos a utilização dos postulados desenvolvidos por Fernanda Cavacas (2010), Rita Chaves
(2005), Jane Tutikan (2006), Ana Mafalda Leite (2010), Hall (2003), entre outros.

Palavras-chave: Conto. Feminino. Pós-Colonial.

A DESFRAGMENTAÇÃO DO FEMININO NAS HISTÓRIAS


FUNDANTES NA OBRA VENTOS DO APOCALIPSE: “MATA QUE
AMANHÃ FAREMOS OUTRO”.

Autor: Amanda Gomes dos Santos


Coautores: Luiza Helena Costa
Thamires Nayara Sousa de Vasconcelos

Resumo: O propósito da presente pesquisa consiste em analisar a desfragmentação do feminino


na obra Ventos do Apocalipse (2010), de Paulina Chiziane. Nesta narrativa, onde três
personagens nos são apresentadas, a autora percorre os caminhos da desconstrução do feminino,
evidenciando os aspectos culturais que legitimam a subjugação e apagamento identitário que nos
servirão de embasamento para tecermos nossas considerações. No tocante a fundamentação
teórica, utilizaremos as contribuições de Appiah (1992), Hall (2006), Spivak (2014), Silva (2006)
e (2014) e outras.

Palavras-Chave: Literatura. Cultura. Feminino. Desfragmentação. Ventos do Apocalipse.

NAÇÃO E NACIONALISMO: A INFLUÊNCIA DO MOVIMENTO


NEGRITUDE NA POÉTICA DA INSURREIÇÃO DE NOEMIA DE
SOUSA
Autora: Thamires Nayara Sousa de Vasconcelos
Coautores: Amanda Gomes dos Santos
Orientador: Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos

Resumo: O propósito desta pesquisa consiste em analisar os poemas Se quiseres me conhecer,


Abri a porta, Companheiros e Sangue Negro da moçambicana, Noemia de Sousa. Adotamos
como eixo central de discussão os ideais do Movimento Negritude contidos e como este substrato
filosófico repercutiu sobre sua a poesia, bem como a sua influência direta na constituição do
nacionalismo em Moçambique, dando maior robustez a Luta pela Libertação que se anunciava.
Para tanto, utilizamos como aporte os estudos teóricos de Balakrishnan (2000), Fry (2001),
Appiah (1997), entre outros.

Palavras-chave: Noemia de Sousa. Negritude. Nacionalismo.

A PRESENÇA AFRICANA EM ALDA LARA

Autor: Analice de Lima Aquino


Coautores: Raissa Ferreira da Silva
Orientador: Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos

Resumo: Este artigo tem como finalidade apresentar uma reflexão acerca do artesanato poético
de Alda Lara. O objetivo dessa análise qualitativa é cogitar sobre alguns traços de sua obra, como
o sujeito poético feminino, a lembrança da infância e principalmente o amor à pátria. Tratando
de uma pesquisa bibliográfica, o corpus deste trabalho é o poema “Presença Africana” (1953).
Como embasamento teórico foram utilizados Carla Ferreira (2008), Érica Pereira (2009), Maria
Eliane Pontes (2010), dentre outros estudiosos. Os resultados obtidos evidenciam que a Mãe-
África é uma das temáticas essenciais de sua poesia. Lara dedicou-se a sua vida pela sua terra,
exercendo uma atitude de amor ao próximo.

Palavras-chave: Poesia angolana. Alda Lara. Mãe-África. Nacionalismo.

SUBJETIVIDADE E FEMINILIDADE EM CONTOS DE MIA COUTO

Autor: Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos

Resumo: A escritura do moçambicano Mia Couto é repleta do exercício de subjetividade,


momento este que exercita os anseios femininos em prol de visibilidade e espaço numa sociedade
marcada pela exclusão. Desse modo, amparando esteio nos estudos culturais e de gênero,
propomos analisar como os elementos da subjetividade edifica a feminilidade de personagens em
contos de Mia Couto. Bhabha (2013) e Hall (2006), além de estudiosos da perspectiva feminista
ancorarão as nossas abordagens.

Palavras-chave: Subjetividade. Feminino. Mia Couto.

GT 3 – ESOTERISMO E RELIGIÃO

Coordenadores: Ms. Otávio Santana Vieira (UFPB)


Ms. José Carlos de Abreu Amorim (UFPB)
Resumo: O esoterismo é um campo que abrange ideias filosóficas (herméticas, neoplatônicas,
etc.) e mágicas, formas simbólicas, correntes históricas (Rosacruz, Maçonaria, Teosofia, etc.) e
movimentos espirituais (New age, NMRs), podendo ser definido como um conhecimento
rejeitado pela racionalidade moderna e determinadas tendências religiosas. Entretanto, a
permanência de seus componentes nas sociedades atuais revela sua importância ou tensão em
suas múltiplas representações simbólicas. Este GT propõe-se de maneira interdisciplinar a
problematizar o campo esotérico e sua relação com a ciência e religião, e sua dinâmica de
hegemonização e rejeição. Metodologicamente objetiva analisar e discutir em termos históricos,
filosóficos, sociais e culturais, assim como problematizar métodos e teorias existentes.

DISSERTAÇÕES DE MESTRADO SOBRE ESOTERISMO NO


PPGCR/UFPB ENTRE 2009 E 2017

Autor: Otávio Santana Vieira

Resumo: De 2009 a 2017 foram produzidas no Programa de Pós-Graduação em Ciências das


Religiões da UFPB quatro dissertações de mestrado com o tema do esoterismo. Tomamos como
critério para estabelecer a seleção das dissertações segundo a conformidade com o tema
envolvendo o esotérico, a definição acadêmica e o referencial teórico da História do Esoterismo
Ocidental. Estas dissertações possuíam como tema o Hermetismo, o Rosacrucianismo e a
Teosofia de Jacob Boehme. Percebe-se uma linearidade em todas as produções em termos de
método e alinhamento teórico. Todas as dissertações seguem um critério histórico-crítico, a teoria
do imaginário como enquanto método central e a linha religião, cultura e sistemas simbólicos
como enquadramento teórico dentro do programa.

Palavras-chave: ciências das religiões; esoterismo; sistemas simbólicos; imaginário

CULTURA E ESOTERISMO: INVESTIGANDO O


DESENVOLVIMENTO CONCEITUAL DE “OCULTURA”
Autor: Emmanuel Ramalho
Resumo: Ocultura é um conceito do sociólogo Christopher Partridge e refere-se ao processo
social e ambiente cultural no qual significados relacionados tipicamente ao que é popularmente
identificado como esoterismo, ocultismo, magia, entre outras categorias têm adentrado a cultura
popular por meio de filmes, livros, músicas e outras formas de arte e mídia e, consequentemente,
influenciado e modificado não só o campo do esoterismo ocidental, mas o próprio cenário
religioso do ocidente. Tal conceito tem sido cada vez mais usado para entender as interfaces entre
esoterismo e cultura popular, contudo, ainda é pouco conhecido na academia brasileira. Assim,
o objetivo deste artigo é apresentar o conceito de ocultura e analisar seu desenvolvimento
conceitual ao identificar suas raízes teóricas e seus desdobramentos a partir das contribuições e
críticas de outros acadêmicos.
O ESOTERISMO EM ECKANKAR: ETNOGRAFIA SOBRE OS
‘VIAJANTES DA ALMA’

Autor: Adriane Luísa Rodolpho

Resumo: Segundo Antoine Faivre, a partir do fim do século XVI, no Ocidente latino, observa-
se um movimento de reunir um conjunto de ideias formando um campo de saberes separado da
égide da Igreja. Neste sentido, conhecimentos exteriores ao teológico começam a se delinear
graças ao esforço dos humanistas que profissionalizam algumas ciências esotéricas (hermetismo,
kabala). O Iluminismo e o período Romântico vão conformar estes temas como o panorama do
esoterismo ocidental. O século XX traz o fenômeno da visibilidade crescente dos movimentos
de Nova Era, reatualizando a questão do esoterismo na contemporaneidade. Neste sentido, o
trabalho aqui apresentado retoma a etnografia realizada em Paris (EHESS, 2002) junto ao Grupo
Eckankar como um exemplo da atualização da teosofia de Helena Blavatski, bem como do antigo
escritor de ficção científica e fundador do grupo Eckankar Paul Twichel, em 1965 nos Estados
Unidos.

COMUNHÃO ARTÍSTICA: O ESOTERISMO AFLORADO EM LIMA DE


FREITAS

Autor: José Carlos de Abreu Amorim

Resumo: Um tripé simbólico se estabelece na dispersão de saberes e conhecimento, a saber: a


religião, a ciência e a arte. Esta última está tão unida as estruturas mentais que seus conceitos
alicerçam e por vezes refletem as punções ali presentes, como imaginação e imaginário, que são
termos recorrentes neste meio. O esoterismo não foge a estas expressões, seja como
conhecimento à margem das ideias acima (ciência, religião e arte). Ele se insere nas mesmas,
permitindo em determinados momentos uma valoração de suas noções ou correntes. Neste
trabalho dirigimos nosso olhar para a produção artística do pintor português Lima de Freitas
(1927-1998), em especial para a recorrência de elementos esotéricos em sua obra. Lima de Freitas
volta-se para temas que orbitam entorno dos mitos lusófonos, detentores de uma ampla carga
imagética e arquetípica, nas suas pinturas e esboços podemos vislumbrar temas alquímicos,
templários, maçônicos, rosacruzes, teosóficos, cabalísticos dentre outros. Visando viabilizar a
analise nos deteremos nas seguintes obras: Estudo para o “Anjo Andrógino”, 1971; “O Anjo
Andrógino”, 1971; “O Ancião dos Dias”, 1974-1981; “A Pedra Filosofal”, 1987; “Os guardiães
do Graal”, 1982-1985; “O milagre das rosas”, 1987; “Estudo para Dom Sebastião”, 1987, e; “O
encoberto”, 1987. Utilizaremos como ferramentas metodológicas, o estruturalismo figurativo
durandiano e a iconologia na perspectiva panoskyana.
GT 4 - CONSTRUINDO UM ESPAÇO DIDÁTICO-
PEDAGÓGICO PARA A PROMOÇÃO DO RESPEITO À
DIVERSIDADE CULTURAL E RELIGIOSA

Coordenadores: Ms. Mirinalda Alves Rodrigues dos Santos (UFPB)


Ms. Thalisson Pinto Trindade de Lacerda (UFPB)

Resumo: No cenário social atual, as discussões acerca da diversidade cultural religiosa


ganharam cada vez mais visibilidade no campo educacional. Compreendendo que a escola,
enquanto instituição precisa dialogar com a temática de diversidade cultural religiosa
considerando-a importante para desconstruirmos preconceitos que ao longo do tempo vem sendo
estabelecidos. Nesse sentido, o objetivo deste GT é: abrir discussões que contribuam com a
promoção do diálogo inter-religioso nas práticas pedagógicas em uma perspectiva crítica para o
respeito da diversidade cultural, especialmente na sala de aula de Ensino Religioso, na qual
oportuniza a reflexão das diferentes religiões e práticas espirituais, respeitando o “outro” e
considerando a importância de cada espiritualidade, conforme sua cultura e suas crenças.

Trabalhos Aprovados:

O ENSINO RELIGIOSO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A


EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Autor: Leonardo Luiz da Silva

Resumo: O trabalho aqui apresentado tem como objetivo propor reflexões sobre o Ensino
Religioso atentando para as contribuições que este tem trazido à Educação Brasileira, analisando
sua repercussão no contexto social. O interesse pelo tema se deu por buscar entender melhor a
relevância do Ensino Religioso na Educação. Por ter atuado também cerca de duas décadas
ininterruptas na área religiosa pude acompanhar o trabalho de homens e mulheres que
conseguiram educar e formar cidadãos conscientes com a contribuição do ensino religioso,
muitos deles não possuíam a formação de professores, no entanto eram excelentes educadores.
A pesquisa é de abordagem qualitativa e trata da qualidade do Ensino Religioso proposto por
igrejas, conventos e seminários de origem católica e protestante e suas contribuições direta e/ou
indireta à Educação Brasileira. Para esta pesquisa recorremos aos seguintes procedimentos
metodológicos: pesquisa bibliográfica a partir dos autores Franco Cambi (1999) com História da
Pedagogia; Claudia Regina Benedetti; Hélcio de Paula Lanzoni e Viviane da Costa Lopes (2013)
com Fundamentos Sociológicos e Filosóficos da Educação; Antonio Gilberto (2014) com
Manual da Escola Dominical; Marcos Tuler (2010) com Manual do Professor de Escola
Dominical Didática Aplicada à realidade do Ensino cristão e Maria Judith Sucupira da Costa
Lins (2004) com o artigo Direito ao Ensino Religioso. Durante esta pesquisa foi discutida e
questionada a importância do papel do Ensino Religioso na Educação. Pude perceber durante a
pesquisa que o conhecimento sobre o assunto ainda é algo muito distante da nossa realidade, pois
quando se trata de religião no Brasil parece estarmos transitando por caminhos perigosos e
desnecessários.

Palavras- chave: Ensino Religioso. Pedagogia. Escola.

COMO ELAS SABEM? CORPO, APRENDIZAGEM, EDUCAÇÃO E


RELIGIÃO NA INFÂNCIA
Autor: Karla Jeniffer Rodrigues de Mendonça

Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir o religioso como ação educacional direcionado a
criança no espaço da escola pública, procurando traçar uma análise de como a criança
compartilha seus conhecimentos religiosos e como percebe a religiosidade no contexto escolar.
Reflito o que media estas percepções, como entendem a diversidade e como o corpo é agente
ativo e informado socialmente. A observação participante buscou entender com as crianças suas
compreensões. Por fim, em relação a religiosidade que até então as crianças compreendem e (re)
conhecem nos contextos educacionais que participam brota entre empatias e estranhamentos
através/com/a partir do corpo nas relações intra e intergeracionais.

Palavras-chaves: Criança. Religiosidade. Corpo. Educação.

A EDUCAÇÃO E SEUS DEBATES ATUAIS: O QUE QUEREMOS NO


ENSINO RELIGIOSO?

Autor: Mirinalda Alves Rodrigues dos Santos

Resumo: No contexto atual que estamos inseridos discutir e promover a reflexão acerca de
questões de diversidade cultural religiosa se faz necessária ao combate de preconceitos e
discriminações dentro do âmbito escolar no que se refere às religiões, inclusive as consideradas
religiões “minoritárias”, ou seja, as que não são cristãs. É nessa perspectiva, que esse artigo tem
como objetivo refletir e perceber Ensino Religioso como componente curricular que possa
contribuir para o combate a intolerância religiosa nas escolas, bem como promover nos
educandos o respeito, a valorização, o reconhecimento de si e com o outro e a cultura de paz.
Metodologicamente esse estudo é bibliográfico com delineamento explicativo de concepções que
fazem refletir sobre as questões da importância do diálogo inter-religioso nas propostas
pedagógicas para potencializar o processo de ensino e aprendizagem. Concluímos, portanto, que
é de responsabilidade do Ensino Religioso enquanto componente curricular reconhecido
atualmente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na área das Ciências Humanas, superar
cada vez mais as lacunas enfrentadas nas escolas em uma perspectiva não confessional e não
prosélita, em que suas práticas metodológicas e pedagógicas possam incluir temas emergentes
que precisam ser debatidas de acordo com as mudanças e diversidades religiosas que
encontramos no contexto escolar.
Palavras-chave: Diversidade cultural. Religião. Educação.

LUGARES TURÍSTICOS SAGRADOS E LIDERANÇAS RELIGIOSAS


NA SALA DE AULA: (RE)DESCOBRINDO À DIVERSIDADE
RELIGIOSA

Autor: Thalisson Pinto Trindade de Lacerda

Resumo: Esta pesquisa foi realizada na Escola Municipal Professor Antônio Campos, localizada
em Mãe Luiza, no município do Natal, nas turmas do 1º ano 5º ano, no ano de 2018, tem o
objetivo de propor sugestões de conteúdos e de como aplicados nas aulas de Ensino Religioso.
Destaca-se a parte artística dos lugares turísticos e sagrados das religiões pouco conhecida no
contexto dos alunos: mesquitas, terreiros, igrejas e sinagogas, como também lideranças
religiosas: Mãe de Santo, Padre e outras. Realizamos Bingos dos lugares sagrados, Jogo da
memória dos lugares sagrados, o dominó dos lugares sagrados, oficina de desenhos de os lugares
sagrados e apresentação teatral dos dedoches das representações e lideranças religiosas. Portanto,
a grande maioria dos alunos reconhecia apenas o Cristianismo, e no que diz respeito as outras
religiões já mencionadas, trataram como “terrorismo” e “macumba”. Após esse trabalho
pedagógico realizado nas aulas de Ensino Religioso a diversidade religiosa é redescoberta para
os alunos por um ângulo não-confessional.

Palavras-chave: Diversidade Religiosa. Prática Pedagógica. Ludicidade.

O ENSINO DA CULTURA AFROBRASILEIRA NAS ESCOLAS


CONFECIONAIS

Autor: Eduardo Ailson da Cruz

Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas
confessionais, a partir da minha vivencia como docente nesses espaços educativos, em que a
liberdade de criação e estudo sobre os aspectos culturais, artísticos e religiosos do universo afro,
em específico, o candomblé e suas contribuições para a arte, são visualizados pelos pais dos
discentes como assuntos desnecessários na prática educativa de seus filhos, uma vez que, além
de serem de outra religião, estão tendo sua formação educativa em uma escola que prega a
evangelização dos seus alunos. Dentro dessa perspectiva, visualizamos a necessidade de trabalhar
essa temática, visando discutir esses tipos de argumentos e práticas preconceituosas por parte dos
pais dos alunos de escolas confessionais

Palavras – Chave: Educação; Arte; Religião, Cultura e Candomblé.


GT 5 - ATEÍSMO E SOCIEDADE

Coordenadores: Dr. Rogério Humberto Zeferino Nascimento (PUC-SP)


Ms. Carlos Pereira de Almeida (UEPB)

Resumo: Este Grupo de Trabalho, na área das Ciências Sociais, busca contemplar pesquisas e
estudos históricos, teóricos, bibliográficos e literários, concluídos ou em andamento, cuja
temática seja ateísmo. Diante do recrudescimento do conservadorismo político que ocorre em
consonância com o fundamentalismo religioso na história recente do Brasil, impõe-se a
necessidade da abertura de espaços de problematização e discussão das configurações da
descrença religiosa, como contraponto do referido contexto social. Uma vez o ateísmo estando
inscrito no campo religioso como negação, entendemos que o conhecimento de abordagens
ateístas pode proporcionar a ampliação dos horizontes de depreensão da intolerância religiosa e
favorecer o alargamento do grau de convivência enquanto coexistência de diferentes modos de
vida.

GT 6 - MÚSICA E RELIGIOSIDADE

Coordenadores: Ms. Natália Fernandes da Paixão (UNAMA)


Esp. Jefferson José Oliveira Chagas de Souza (UNAMA)
Resumo: Levando em consideração a diversidade multicultural presente na contemporaneidade
e a produção e a difusão da arte em ambientes não institucionais, o GT busca refletir sobre as
experiências e/ou interfaces teórico-metodológicas/performáticas ou empíricas relacionadas a
música no contexto religioso. Enquadram-se trabalhos com as seguintes temáticas: a) O ensino
da música no ambiente religioso; b) A performance musical em espaços religiosos; c) O mercado
da música religiosa; d) A função da música litúrgica; e) Música e diversidade religiosa; f) A
evolução da música religiosa; g) Música é fé; h) estética e linguagem da canção; i) Memória e
tradição oral relacionadas a música religiosa; j) Estudos etnomusicológicos relacionados as
religiões.

MÚSICA, MEMÓRIA E RELIGIÃO: A IMPORTÂNCIA DA


MUSICALIDADE NA ORIGEM E PRESERVAÇÃO DE ENSINOS
RELIGIOSOS
Autor: João Paulo Reis Braga

Coautor: Macário Velozo Hartnett


Resumo: A religião sempre teve uma relação simbiótica com a música. Através da análise
crítica do discurso, de acordo com a metodologia descrita por Fairclough, o presente artigo
apresenta um estudo a respeito da importância da musicalidade na origem e na preservação dos
ensinos religiosos de algumas das grandes religiões mundiais. Os resultados demonstraram que
a estrutura musical presente nesses textos – que fazem uso extensivo da rima, e que
frequentemente também eram dotados de melodia – foi fundamental para a memorização e a
transferência dos ensinos religiosos no passado, e que ela continua sendo importante hoje em
religiões tradicionais e em recém-criadas, como as religiões ayahuasqueiras.

Palavras Chave: Religião; Musicalidade; Tradição oral; Textos Sagrados.

BENDITO E LOUVADO SEJA: OS BENDITOS COMO ELEMENTO


DE CONSTRUÇÃO DA ROMARIA DE SÃO SEVERINO DOS RAMOS –
PAUDALHO/PE:

Autor: Leonardo Ferreira da Silva

Coautor: Eurides de Souza Santos;

Resumo: O presente trabalho refere-se a uma pesquisa de mestrado em andamento, cujo tema
central é a relação entre a música, representada pelo canto participativo chamado bendito, e a
construção das romarias ao Santuário de São Severino do Ramos, na cidade de Paudalho/PE. O
objetivo geral é compreender de que forma e em que medida a entoação dos benditos contribui
no processo de construção da romaria. A metodologia adotada é a abordagem etnográfica,
alicerçada na Pesquisa de Campo. As primeiras percepções demonstram que a música exerce
múltiplas funções dentro dos rituais romeiros, sendo, desta forma, um elemento de grande
importância na realização desses rituais.

Palavras Chave: Os Gideões Internacionais no Brasil. Aprendizagem musical. Prática musical.


Sociabilidade

APRENDIZAGENS, PRÁTICAS MUSICAIS E SOCIABILIDADE NA


ASSOCIAÇÃO OS GIDEÕES INTERNACIONAIS NO BRASIL

Autor: Juciane Araldi Beltrame;

Coautor: Ricardo Soares Ribeiro;

Resumo: Esta pesquisa tem como foco as práticas musicais realizadas na associação os
Gideões Internacionais no Brasil (GIB). O objetivo é investigar como se dá a aprendizagem
musical na associação os GIB. Os objetivos específicos são: definir do que se trata a associação
os GIB; investigar de que forma a associação os GIB vivencia a prática musical; analisar a
aprendizagem musical a partir do canto coletivo; e compreender de que forma as relações de
sociabilidade interferem no processo de aprendizagem musical. Trata-se de uma pesquisa de
abordagem qualitativa através de um estudo de caso. A relevância se deu no sentido de propor
um espaço que integre alunos com diferentes níveis de aprendizagem.

Palavras Chave: Religião; Musicalidade; Tradição oral; Textos Sagrados.

GT 7 - EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE: RELIGIÕES AFRO-


BRASILEIRAS NO CONTEXTO ESCOLAR

Coordenadores: Dr. Rosenilton Silva de Oliveira (USP)


Dr. Patrício Carneiro Araújo (PUC-SP)

Resumo: O objetivo desse GT é discutir o modo pelo qual as alterações na LDB (Lei 9394/96)
promovidas pelas leis 10639/03 e 11645/08, que estabeleceram a obrigatoriedade do ensino de
história e cultura africana, afro-brasileira e indígena na educação básica, tem impactado as
práticas pedagógicas. Interessa-nos refletir sobre as formas como as apropriações e conflitos em
torno da presença de elementos culturais e religiosos de matrizes africanas têm mobilizado
educadores e pesquisadores na produção de consensos ou dissensos sobre o que e como dever
ser abordado esse conteúdo em sala de aula. Terão preferências as contribuições que
interseccionam saberes da Antropologia, História e Pedagogia, numa perspectiva das teorias
de(s)coloniais, em que a revisão bibliográfica seja articulada com dados empíricos quantitativos
e/ou qualitativos coletados em diferentes contextos e de forma privilegiada nos espaços escolares.

LEGISLAÇÃO, SEMIÓTICA E RELIGIÃO EM AMBIENTE ESCOLAR

Autor: Erisvelton Sávio Silva de Melo

Resumo: O texto objetiva problematizar a presença, ou indiferença, de práticas pedagógicas na


escola sobre o ensino da cultura afro, afro-brasileira e indígena no uso semiótico do livro didático
de História na educação básica. Após a implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 e o
atual processo de protestantismo pentecostal há direcionamentos que podem tanto enfocar,
quanto descaracterizar a proposição do conteúdo proposto na jurisprudência. A pesquisa se
fundamenta na metodologia de cunho qualitativa-etnográfica, com observação direta e escuta em
ambiente escolar. Assim, a imagem traz uma condução ideológica positiva ou folclórica, tendo a
religião uma visão preponderante nesse aspecto.

Palavras-chave: Afro-indígena. Cultura. Educação Formal. Legislação. Imagens.


O QUE SE PODE APRENDER COM O IGBÁ? - O FAZER E O
APRENDER EM TERREIROS DE CANDOMBLÉ

Autor: Patrício Carneiro Araújo

Resumo: Artefato das religiões afro-brasileiras, o igbá possui múltiplas formas e adquire
diferentes sentidos nessas religiões. Diferenciando-se de acordo com as divindades às quais estão
relacionados e assumindo a ligação direta entre as divindades, o sujeito e a comunidade, o igbá
pode, então, ser pensado como um texto a ser lido e interpretado. As vivências rituais que se dão
em torno do igbá fazem dele um ponto de convergência da comunidade religiosa e agrega, no
mesmo tempo e espaço, sujeitos de variadas idades, níveis hierárquicos, etc. Da mesma forma,
os rituais relacionados com a sacralização e renovação constante da energia do igbá fazem deste
artefato um lugar privilegiado para os momentos de transmissão dos saberes religiosos que são
transmitidos de geração em geração. O igbá, nessa perspectiva, assume as vezes de aluno e
professor, fazendo-se protagonista do ensino e da aprendizagem no interior do terreiro. Por isso,
como diria Claude Levi-Strauss, o igbá também é bom para pensar. O objetivo deste artigo é
propor formas de pensar o igbá e explorar sua potencialidade pedagógica para a população de
terreiro e para quem quiser compreender melhor essas religiões e seus seguidores.

Palavras-chave: Igbá; artefatos; pedagogia do candomblé; materialidade e imaterialidade.

HERANÇA CULTURAL AFRICANA NO BRASIL E AGÊNCIA


RELIGIOSA: VELHOS E NOVOS DILEMAS

Autor: Rosenilton Silva de Oliveira

Resumo: O objetivo desse texto é, por um lado, refletir sobre o processo de constituição dos
movimentos negros de origem religiosa no Brasil, na segunda metade do século XX, e, por outro,
o impacto das ações desses grupos no estabelecimento de políticas públicas de salvaguarda
patrimonial de origem africana por parte do governo federal. Defendemos a hipótese de que o
modo pelo qual o Estado brasileiro produziu um entendimento sobre as categorias de
classificação e definição do patrimônio cultural negro foi mediado pela agência de lideranças
religiosas que disputam, na esfera pública, a autoridade em legitimar tal patrimônio.

Palavras chaves: identidade negra; patrimônio cultural negro, religiões afro-brasileiras, políticas
públicas, catolicismo, evangélicos.

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE: RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS NO


CONTEXTO ESCOLAR

Autor: Thiago Lima dos Santos


Resumo: Esta pesquisa versa sobre educação e relações étnico-raciais, formação de professores
e a implementação da Lei Federal 10.639/03 na cidade de São Paulo. Entre os objetivos deste
trabalho estão: fazer um levantamento de diferentes iniciativas não oficiais sobre formação de
professores oferecida por organizações do Movimento Negro; analisar esses programas de
formação considerando: material utilizado e os profissionais envolvidos; consolidar a produção
de um material final que possa ser utilizado em outros programas de formação da mesma
natureza. Sendo assim, este trabalho consistirá em uma análise comparativa da aplicabilidade da
Lei e seus resultados objetivos e subjetivos.

Palavras-Chave: Movimento Negro. Formação de professores. Formação Continuada. Lei


10.639/2003.

GT 8 - RELIGIÃO, DIVERSIDADE E RELIGIOSIDADE POPULAR

Coordenadores: Ms. Karla Samara Sousa (UFPB)


Ms. Diógenes Faustino do Nascimento (UFPB)

Resumo: A busca pela compreensão do fenômeno religioso em suas múltiplas manifestações,


bem como o reconhecimento da diversidade religiosa a partir da variedade de tradições,
religiosidades e espiritualidade, tem sido um desafio constante na contemporaneidade. O estudo
das religiões perpassa o aprendizado do “novo” quanto de “sistemas religiosos” já constituídos.
Ademais, é preciso levar em conta a superação de preconceitos, discriminações e intolerância
nesse contexto. Além da própria questão da diversidade, chama atenção no estudo crítico das
religiões em nosso país, a chamada “religiosidade popular’. No Brasil, por exemplo, a
religiosidade popular é marcada pela prioridade da vida coletiva e pelas festas que envolvem a
comunidade. Destaca-se ações como cultos, rezas, novenas e tudo aquilo que passa pelo processo
da rememoração. Este GT acolherá propostas que busquem ampliar perspectivas acerca desses
aspectos do estudo crítico das religiões: o fenômeno religioso em sua diversidade e o lugar da
religiosidade popular no Brasil.

O SACERDOTE MISTICO E SUA IMPORTÂNCIA NO BREJO


PARAIBANO

Autor: Natanael Muniz Falão Filho

Resumo: Diante dos avanços científicos e farmacológicos na atualidade, assim como o


considerado avanço social nas camadas carentes da sociedade do brejo paraibano, ainda que com
algumas precariedades, mas com acesso a postos de saúde, há a impressionante presença de um
ser responsável pela cura de dores físicas, emocionais e espirituais. Simplesmente chamados de
curandeiros e curandeiras, estes sacerdotes populares têm no reconhecimento da comunidade sua
consagração e importância de existência, se no passado eram a única forma de ter ajuda, hoje
eles atuam como a resposta mais íntima das necessidades humanas, seja material, espiritual e
emocional. O Sacerdote místico é o reconhecimento que independente das religiões bem mais
estruturadas e elitizadas, seja com os templos grandiosos e cada vez mais confortáveis, não
elimina a existência de pessoas simples, com um ramo de ervas invoquem uma energia sensorial
que dar respostas a comunidade, que mesmos com suas crenças tradicionais, não abre mão de um
recurso místico e poderoso. Na chamada pós-modernidade admite-se a existência de
religiosidades nas quais se percebe uma miscelânea de características religiosas diferentes.
Assim, a mistura é a base para a constituição de uma teia dinâmica de relações entre homens e
mulheres e suasligações com o sagrado. Diante de um cenário tipicamente atuado por mulheres,
na cidade de Areia/PB no brejo paraibano, destaca-se a presença de um homem, PAULO ROSA,
que faz uso da arte mítica das rezas e curas na diária de sua atividade de agricultor e na assistência
espiritual da região. Mesmo com os avanços assistenciais de saúde a recorrência da sua existência
se contrapõe ao avanço da medicina oficial. Saber como surgiu e atua esse sacerdócio na região
e qual sua importância na concepção popular é de suma importância ao registro cultural. Nosso
trabalho trás o registro desse sacerdócio no brejo paraibano de grande valor social e científico.

Palavras-Chave: Curadorismo; Benzedeiro; Sacerdote; Misticismo.

História e Memória da Afro-Jurema: o tombamento do Sítio de Acais


(Alhandra- PB)

Autor: Pedro Tiago de Souza

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar o decreto no 36.445 de 07 de dezembro de 2015,
que prevê o tombamento do Sítio do Acais em Alhandra-PB, por sua importância na História e
na Memória local dos Juremeiros e Juremeiras da cidade de Alhandra, na Paraíba.
Compreendendo os percalços para a efetivação do seu tombamento, percebemos que este
patrimônio – o único do Estado da Paraíba tombado que representa os povos tradicionais de
matriz Afro-Brasileira e Indígena − ainda continua sem projeto que o integre à dinâmica cultural
e religiosa da população e espaço de formação de identidade. O trabalho também visa uma
reflexão sobre os modos de pensar o patrimônio, as intolerâncias e a memória local dos povos
considerados “marginalizados” da História Oficial. Na verdade, estes apenas buscam o direito de
manterem sua tradição ainda viva, lutando com resistência contra a intolerância religiosa
existente, a especulação imobiliária do processo modernizador e as demoras nas nuanças
burocráticas das ações públicas que deveriam garantir a igualdade de direitos. Estes, “Os
guardiões” da tradição Juremeira aparecem para a história e para a memória como protagonistas
de seu próprio patrimônio.

Palavras-chave: História Regional, Memória e Patrimônio. Jurema Sagrada.


A PERMANÊNCIA DA DEVOÇÃO MARIAL ATRAVÉS DOS LUGARES
DE DEVOÇÃO E PEREGRINAÇÃO RELIGIOSA

Autor: Anamélia Soares Nóbrega

Resumo: Este estudo objetivou analisar a devoção à Maria na religiosidade popular, fruto da
confiança de seus devotos, os quais acreditam na sua intercessão diante da misericórdia divina.
A multiplicidade de devoções mariais deu origem a vários lugares de peregrinação religiosa, nos
quais as tradições da Igreja católica partem da condição simbólica desses locais. A metodologia
utilizada foi a revisão bibliográfica. Constatou-se que as aparições ou o encontro de imagens
tornaram diversos lugares dignos de milagres e romarias. Os resultados da pesquisa evidenciaram
que a devoção marial revela a importância de Maria de Nazaré no florescimento religioso,
ocorrendo à construção de vários santuários e a sua homenagem como padroeira através de
diferentes títulos que lhe são concedidos na devoção popular.

Palavras-chave: Religiosidade popular. Maria de Nazaré. Romarias. Igreja católica.

A CULINÁRIA DOS ORIXÁS: GASTRONOMIA E RELIGIÃO

Autor: Saionara Soares


Coautores: Jailton Macena de Araújo
Michelle Santos de Oliveira

Resumo: Uma grande parte das práticas religiosas de matriz africana está ligada ao ato de comer.
A arte de cozinhar para os orixás é constante nos terreiros e exige conhecimento dos mitos dos
orixás, os quais estão ligados aos fenômenos ou elementos da natureza, à dimensão sagrada de
cada alimento e ao que cada Santo pode ou não comer. No Candomblé uma das principais
ligações entre homens e deuses são as oferendas de alimentos e sacrifícios, a comida oferecida
se torna uma das fontes de poder, por meio do qual o homem adquire a força espiritual para entrar
em contato com o mundo dos orixás. A comida mantém a aliança entre deuses e homens, devendo
ser preparada com cantos e danças através de rituais que preparam o Santo para receber a
oferenda. Os rituais e sabores dos alimentos demonstram a riqueza de detalhes da cozinha das
religiões de matriz africana e, atualmente, as preparações, sem a dimensão sagrada, são levadas
também a restaurantes, ganhando força e reconhecimento.

Palavras-chave: Alimentos. Orixás. Religiões


CANDOMBLÉ RESISTÊNCIA CULTURAL: SURGIMENTO E
CONSOLIDAÇÃO NO SÉCULO XIX

Autor: Dulce Edite Soares Loss

Resumo: Este artigo propõe a discussão de um candomblé sobrevivente da cultura e resistência


negra frequente nos anos de 1780. Retroceder no tempo, na configuração do povo nagô no Novo
mundo, sua trajetória de resistência, transformações e contribuição para o surgimento de uma
nova religião no Brasil, se faz necessária para se visualizar o comportamento e pensamentos
formados no seio deste complexo cultural no final do século XIX. Nesse sentido, o nosso
objetivo é o surgimento do candomblé ocorrido com o tráfico dos escravos para o Brasil e às
histórias conectadas entre os povos que contribuíram para a formação dessa religião tipicamente
brasileira. Para atingir este objetivo será realizada uma pesquisa de caráter bibliográfico, de
cunho histórico-documental em que um fenômeno religioso que perpassa séculos de
discriminação e intolerância, candomblé, figura na diversidade religiosa como parte de uma
identidade nacional.

Palavras chaves: Candomblé; Cultura; Resistência; Diversidade religiosa.

A FORMAÇÃO DE DOCENTES DE ENSINO RELIGIOSO E A


INSEGURANÇA PEDAGÓGICA NO ENSINO CONFESSIONAL

Autor: Andréia Rodrigues da Silva Nunes

Resumo: Um dos maiores desafios da educação é ensinar o aluno a conviver, ou viver com o
outro, aprender a ser tolerante, conhecer e respeitar as diferenças. Diante da insegurança
pedagógica provocada pela aprovação do ensino confessional no plenário do Supremo Tribunal
Federal, analisaremos criticamente a formação de professores para o ensino religioso nas escolas;
apresentando uma proposta de educação que promova e assegure o pleno exercício da cidadania,
que lhes proporcione uma convivência solidária e respeitosa com toda comunidade escolar, onde
a diversidade cultural se manifeste na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as
sociedades. A metodologia aplicada será uma investigação exploratória de caráter analítico
qualitativo, por meio da pesquisa bibliográfica em livros e sites.

Palavras-Chave: Ensino Religioso; Ensino Confessional; Diversidade Cultural; Pluralidade de


Identidades; Formação de Professores.
O TORÉ: UMA FORMA DE RESISTÊNCIA E MANIFESTAÇÃO DA
ESPIRITUALIDADE DOS POVOS POTIGUARA E TABAJARA

Autor: Alvicleide Caetano da Silva


Coautor: Monicy Araujo Silva

Resumo: O sagrado manifestado no ritual indígena do Toré possibilita a ritualização e a


manifestação de suas espiritualidades. Assim, o Toré, não seria apenas uma manifestação
religiosa, mas cultural, política e social. Entre os Tabajaras, o Toré, resgata seus aspectos
culturais para fortalecer e reconstruir seu povo; entre os Potiguara é um traço forte do que eles
são. A presente discussão visa compreender como o ritual do Toré pode ser uma forma de
resistência e resgate da cultura entre os indígenas, percebendo que, dentro da prática religiosa do
Toré, a espiritualidade, o mito e o rito são homogêneos e híbridos em suas expressões e
manifestações.

Palavras-Chave: Tabajara. Potiguara. Toré. Rito. Espiritualidade

SOLA FIDE: A DOUTRINA LUTERANA DA SALVAÇÃO


Autor: Anderson Fernando Rodrigues Mendes

Resumo: No dia 31 de Outubro de 2017, o mundo protestante comemorou a corajosa atitude do


monge agostiniano Martinho Lutero em propor uma reforma profunda na teologia católica. Dada
a sua excomunhão, uma nova proposta de Igreja Cristã é apresentada aos fiéis alemães. Ao chegar
à conclusão que as obras meritórias não cumpriam a satisfação de Deus por justiça diante da
natureza pecaminosa da humanidade, mas, apenas por meio da fé em Cristo, as Escrituras
Sagradas e a própria imagem de Deus são abrandadas na aflita alma do padre alemão. Entretanto,
desde a sua descoberta pessoal até os atos de ruptura com a Madre Igreja colocando-se contra a
atuação do clero católico, na Alemanha, há uma sucessão de fatores que será abordada neste
artigo. Pretende-se neste breve trabalho apontar as motivações religiosas que culminaram na
Reforma Luterana, bem como na interpretação da soteriologia bíblica por Lutero e quais as
consequências imediatas de tais interpretações. Para o desenvolvimento deste estudo optou-se
pela revisão bibliográfica dos escritos do primeiro pastor evangélico reunidos em publicação
brasileira das Obras Selecionadas, assim como a discussão realizada pelos historiadores e
teólogos luteranos que tratam sobre o tema no Brasil e no mundo.

Palavras-chaves: Lutero; Reforma; Fé; Salvação.


BENDITO E LOUVADO SEJA A LUZ QUE MAIS ALUMEIA: UMA
ARTICULAÇÃO SOCIOANTROPOLÓGICA SOBRE RELIGIÃO E
ROMARIA EM JUAZEIRO DO NORTE

Autor: Tiago Alves Callou


Coautoria: Antonio Leonardo Figueiredo Calou

Resumo: O presente trabalho buscou uma análise socioantropológica sobre a religião e as


romarias na cidade de Juazeiro do Norte/CE, com enfoque na romaria de Nossa Senhora das
Candeias. Foi utilizado um arcabouço teórico para embasar a pesquisa, bem como o método
etnográfico para realizar a pesquisa de campo. Dessa forma, o trabalho foi dividido em três
partes: a primeira é um debate acerca do conceito de religião; a segunda um apanhado geral do
surgimento das romarias em Juazeiro do Norte e por último, a etnografia da pesquisa de campo.
Dessa forma, teve como objetivo expor um pouco sobre a romaria das Candeias e as práticas
realizadas pelos romeiros, bem como os locais considerados por eles como sagrados, realizando
uma interligação com a religião.

Palavras-chave: Religião, Romaria, Padre Cícero.

A ASCENSÃO DA IGREJA CATÓLICA E A SUA RELAÇÃO COM OS


EVANGELHOS APÓCRIFOS E CANÔNICOS NOS SÉCULOS DE I A IV

Autor: Paulo Sarmento

Resumo: Por séculos a discussão em torno dos evangelhos apócrifos foi muito restrita, porém,
nos últimos tempos tornou-se alvo de debate. Ainda assim, tais textos são importantes para a
história do cristianismo, principalmente para o catolicismo. Tendo em vista isso, o presente artigo
tem como objetivo analisar os motivos pelos quais a Igreja Católica não colocou esses escritos
como oficiais, sobretudo a problemática em torno de sua veracidade; como consta tal veracidade
foi bastante contestada. Uma das razões, alega-se, é que os tex não foram escritos sob inspiração
divina. A escrita dos evangelhos e suas escolhas como canônicos e apócrifos giram em torno do
século I ao IV. Tal fato motivou a realização de conselhos para definição dos mesmos. Este
trabalho terá uma abordagem teórica e, para tanto, envolverá tanto os aspetos históricos quanto
hermenêuticos dos textos. Pretende-se desenvolver uma reflexão crítica sobre a questão,
utilizando os escritos oficiais, tais como a bíblia e os próprios apócrifos, além de autores que
debatem o tema.

Palavras chaves: Evangelhos; Evangelhos apócrifos; Evangelhos canônicos; Igreja.


JUDEUS SEFARADITAS DA COMUNIDADE SHOMER YISRAEL DE
JOÃO PESSOA: Os desafios nas práticas educativas de crianças e jovens no
contexto cultural brasileiro.

Autora: Renata Baltar

Resumo: Analisaremos as práticas educativas no cotidiano da comunidade judaica Serfaradita


em João Pessoa-PB. Sendo o judaísmo uma cultura milenar, acreditamos ser de fundamental
importância uma análise de como se dá este processo educativo dos seus ritos, seus símbolos,
suas músicas, alimentação, vestimentas e do seu cotidiano; dessa forma destacaremos as
subjetividades produzidas através da memória dos judeus cotidianamente preservados e/ou
ressignificados. O objetivo é problematizar a importância das práticas educativas nesses espaços
de acordo com a formação da identidade religiosa/cultural Sefaradita e como suas práticas
educacionais se confrontam com os messiânicos. Metodologicamente, a pesquisa se inicia com
levantamento bibliográfico, e entrevista para colher dados e dar voz aos adeptos desta tradição.

Palavras-chave: Educação, Religiosidade, Judaísmo, Tradição, Identidade.

RELIGIÕES AFRO-AMERÍNDIAS NO BRASIL: UMA BREVE


ABORDAGEM
Autora: Jessica Kaline Vieira Santos

Resumo: A proposta do presente artigo é discutir um pouco das religiões brasileiras, mais
precisamente no que diz respeito as religiões que contém traços híbridos e que são de matriz
africana e indígena no Brasil. Entendemos que essa discussão se faz necessária, visto que essas
religiões ainda são discriminadas e marginalizadas, sendo alvo de preconceito, mesmo em uma
sociedade ampla e plural que é a sociedade brasileira. Aqui trata-se de um estudo bibliográfico,
elaborado a partir das concepções sobre essas religiões que já foram trabalhadas por outros
autores, bem como um estudo comparativo, apontando as similaridades e as dissemelhanças entre
essas religiões.

Palavras-chaves: Religiões; Hibridismo; Afro-ameríndias.


O LEGADO MISSIONÁRIO DE PADRE IBIAPINA: IMAGENS DE UM
CATOLICISMO POPULAR NO NORDESTE IMPERIAL

Autor: Gilson Lopes da Silva


Cooautora: Marlúcia Menezes de Paiva

Resumo: Neste trabalho, que se insere na História Cultural, analisamos as ações realizadas por
Padre Ibiapina na região Nordeste durante o século XIX. José Antônio de Maria Ibiapina nasceu
em Sobral (CE). Atuou na política e advocacia e aos 47 anos de idade tornou-se sacerdote,
peregrinando pelos sertões do Nordeste e empreendendo ações que visavam melhorar a qualidade
de vida nas cidades e vilas por onde passava, construindo açudes, cemitérios, capelas e casas de
caridade. Padre Ibiapina destaca-se como símbolo de um catolicismo voltado para as
necessidades do povo, minimizando as dificuldades e sofrimentos da população carente do sertão
nordestino.

Palavras-chave: Padre Ibiapina. Missões. Catolicismo popular.

FESTAS, PROCISSÕES E ROMARIAS: ASPECTOS DA


RELIGIOSIDADE POPULAR NO NORDESTE

Autor: José Pereira de Sousa Junior

Resumo: O presente artigo nasceu de uma experiência acadêmica no curso de história da


Universidade Federal do Rio Grande do Norte – campus de Caicó, intitulada História Cultural
do Nordeste, na qual podemos trabalhar vários aspectos culturais presentes no Nordeste, desde
as danças folclóricas, ritmos musicais, literatura de cordel até chegarmos à religiosidade.
Sabemos que esta religiosidade não é uma particularidade somente do Nordeste, mas, ela está
impregnada em grande parte da sociedade brasileira, em particular, aqueles que são praticantes
do catolicismo e, é neste ponto que caminha nossas reflexões e analises, ou seja, de perceber
como estas manifestações de fé e devoção foram sendo sacralizadas nas festas de padroeiros(as),
procissões e romarias, em particular no Nordeste.

Palavras-chave: Religiosidade; Festas; Procissões; Devoção.


OLHARES DA RELIGIOSIDADE POPULAR PARA ENTENDER O
MILAGRE EUCARÍSTICO DE SOUSA

Autor: Leonardo Araújo Pereira


Coautor: Glício Freire de Andrade Júnior

Resumo: a religiosidade popular reúne crenças, superstições, práticas, rituais, liturgias,


narrativas, símbolos e outros elementos representativos. Partindo desta definição e tendo em
mente a insuficiência da mesma, voltamos nosso olhar para o Milagre Eucarístico de Sousa
ocorrido em 25 de março de 1814 na freguesia de Nossa Senhora dos Remédios – Igreja do
Rosário dos Pretos. A história da cidade do alto sertão paraibano, Sousa, se confunde com a
própria história do milagre onde uma nova organização comunitária e espiritual ascendeu sob o
esplendor do fenômeno religioso e contou com a participação da comunidade na legitimação do
acontecimento. Assim é possível visualizar a importância dos fenômenos religiosos para o
renascimento não só espiritual, mas pessoal e coletivo de um povo e de uma comunidade. “Hoje,
o Santuário Eucarístico do Bom Jesus é marco de congregação e veneração de fies ao suposto
Milagre Eucarístico de Sousa”. A proposta é analisar o Milagre Eucarístico de Sousa a partir do
viés da Religiosidade Popular como forma de manifestação e apropriação do povo e da cultura
local.

Palavras-chave: Religiosidade; Milagre; Sousa.

A BENZEÇÃO NO BRASIL COMO LEGADO DAS CURANDEIRAS


ANCESTRAIS EUROPEIAS: APROXIMAÇÕES E AFASTAMENTOS

Autor: Yls Rabelo Câmara


Coautor: Lia Machado Fiuza Fialho

Resumo: O I CNERA congrega estudiosos de diversas áreas do saber como a Antropologia, a


História, as Ciências Sociais, a Filologia e a Psicologia Social – que dialogam com a Educação,
a Arte e as religiões. Nesse sentido, fazendo um liame entre as áreas do conhecimento
supramencionadas e nosso objeto de pesquisa no pós-doutorado, apresentamos um estudo sobre
as rezadeiras brasileiras e suas ancestrais ibéricas, cujas raízes se mesclam com as das bruxas do
Medievo perseguidas pela Inquisição e pela Caça às Bruxas na Europa - encaixando-se essa
investigação no eixo temático do GT 8 (Religião, Diversidade e Religiosidade Popular).
Objetivamos mostrar a relação entre nossas rezadeiras e as rezadeiras ibéricas, cujo ofício
ultrapassou os limites do Além-Mar, instalou-se em terras brasileiras e continuou tanto aqui como
lá. Para tanto, ancoramos nossas considerações nesse levantamento bibliográfico em teóricos
basilares para a temática como Hoffmann-Horochovski (2015), Mainka (2002), Morais (2007),
Nogueira (2012), Santos (2007, 2009), Silva (2009), Stancik (2009), Theotonio (2011) e Zordan
(2005), dentre outros. Concluímos que nossas rezadeiras têm uma longínqua ligação com suas
ancestrais ibéricas, que para aqui rumaram quando ainda éramos uma incipiente colônia
portuguesa e que consigo trouxeram um conhecimento vetusto que remete ao Medievo e às
mulheres que proviam a cura naqueles tempos sombrios.

Palavras-Chave: Rezadeiras. Cultura Ibérica. Cura.

RELIGIOSIDADE POPULAR, IDENTIDADE E MEMÓRIA EM


CANAFÍSTULA DE FREI DAMIÃO - PALMEIRA DOS ÍNDIOS
(ALAGOAS/BRASIL)

Autora: Eriane da Silva Dantas


Coautores: Manoel Valquer Oliveira Melo
Fabiana da Silva Pinto

Resumo: O presente trabalho objetiva estudar aspectos culturais da religiosidade nordestina


amparada sob a luz do Catolicismo Popular em Canafístula de Frei Damião, distrito agregado ao
município de Palmeira dos Índios, região Agreste de Alagoas. Numa análise preliminar,
evidenciamos a importância atribuída ao legado de religiosidade deixado por Frei Damião de
Bozzano para a comunidade de Canafístula. Identifica-se que suas primeiras incursões no
povoado aconteceram no período de 02 a 17 de outubro de 1936, no qual o missionário da Ordem
Menor dos Frades Capuchinhos foi hóspede na residência do senhor José Vitorino da Rocha, um
virtuoso professor que fora morador local. Consta que foi neste bendito espaço campal que o
visitante ilustre celebrou suas primeiras missões no Estado das Alagoas, como apontam Corrêa
(2015) e Filho (2016). O ‘Apóstolo do Nordeste’ durante os seus 66 anos de missões, percorreu
293.000 km² desde as grandes cidades até os pequenos povoados. Inicialmente sob o lombo de
animal, percorrendo as distâncias como missionário andante, conforme citam Aguiar e Silva
(2015). A sua popularidade e devoção religiosa no Nordeste tem sido expressada pelo viés do
Catolicismo Popular sertanejo numa demonstração da renovação da fé sob a aura de uma prática
religiosa distinta do catolicismo oficial. Inclusive a sua figura paterna acabava fugindo do
esquema político-social dominante, vivenciando a esperança, como descreve Cruz (2010). De
acordo com Silva e Santos (2014), a sua obra missionária é incorporada ao panteão de seres
admirados – pelo menos por alguns devotos do Nordeste. Sua imagem é comparável a outro beato
antecessor daquela região, o Padre Cicero Romão Batista. Pontuamos a assimilação entre ambas
às histórias, pois são norteadas contraditoriamente com conflitos entre as leis eclesiásticas e suas
respectivas práticas de evangelização. Para alguns, não se deve misturar política e religião,
entretanto, sabe-se que a imagem do frade foi copiosamente utilizada como “cabo eleitoral” de
vários políticos do Nordeste, essa instrumentalização era enunciada em meio à alienação do povo
e o misticismo acerca do poder de mobilização dos devotos junto dele. Alagoas foi destaque
nisso, como citam Lima (2005) e Cruz (2010). Fica evidenciado que sua passagem pelo Agreste
alagoano marcou profundamente a memória identitária do Distrito de Canafístula, tendo em vista
a incorporação do seu nome ao do povoado. Dentro do calendário local, anualmente são
realizadas duas missas campais, geralmente ocorrem no último domingo de maio em função da
data da sua morte, bem como a do primeiro domingo de novembro, data na qual se comemora o
seu nascimento, as referidas datas são consagradas aos seus fieis devotos. Para alcançarmos o
objetivo proposto diante das formulações de investigação, a pesquisa tem como eixo teórico,
publicações que versam sobre a prática do Catolicismo Popular a partir da vivência de Frei
Damião no Distrito de Canafístula, utilizam-se, a saber: monografias, dissertações, artigos de
periódicos, sites e blogs de opinião. Com base na pesquisa empírica, amparamo-nos em
entrevistas semiestruturadas com devotos e ex-voto do frei capuchinho. Sabe-se, que o
missionário tinha um grande carinho pelo povoado, local onde costumeiramente pernoitava,
descansava e recarregava suas forças para pregar os sermões das “santas missões” na região. Em
2008, foi erigida uma estátua em sua homenagem, o monumento é utilizado pelos os romeiros
que praticam suas rezas e penitências. Analogamente, como acontecia no tempo das missões de
Frei Damião, o comércio local lucrava com sua visita, por aumento na venda de comidas e de
objetos religiosos, fato apontado por Silva e Santos (2014). Desta feita, a tradição permanece
presente a cada comemoração ao santo, no local é preparada uma grande feira de artesanato, com
comidas típicas, utensílios diversos, artigos religiosos, entre outros produtos. Durante os dois
encontros anuais, estima-se que a visitação ao distrito gira em torno de vinte mil romeiros
advindos de caravanas de todos os Estados do Nordeste. É perceptível que com o processo de
beatificação em vista da canonização do santo, o Distrito de Canafístula de Frei Damião em
Palmeira dos Índios poderá se consolidar como território sagrado do Catolicismo Popular e do
turismo religioso no Brasil.

Palavras-chave: Catolicismo Popular. Frei Damião. Religiosidade. Memória.

IGREJA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS PRETOS EM


NATAL: RELIGIÃO, TRADIÇÃO E MEMÓRIA

Autor: Davi Alves Cavalcanti Júnior


Coautora: Irene de Araújo Van Den Berg

Resumo: Este trabalho pretende aproximar o conceito de Memória e Religião na descrição da


Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos construída especificamente para a devoção como
também da expressão da religiosidade dos mesmos na cidade de Natal-RN. Para realização deste
trabalho utilizaremos O diálogo com as fontes primárias, a saber: a oralidade, os contos e outras
formas de conservação da história aliados o uso da etnografia e um minucioso levantamento
bibliográfico. É a memória religiosa da sociedade particular, dos espaços por ela ocupados que
essa pesquisa se preocupou em pensar. Através da oralidade e do registro etnográfico de
moradores dos arredores e pessoas que conhecem a comunidade religiosa, foi possível traçar um
perfil da vida particular da Igreja do Rosário dos Pretos.

Palavras-chave: Memória; Religião; Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos; Natal/RN.
A ATUAÇÃO DO CENTRO ESPÍRITA SANTA BÁRBARA COM A
COMUNIDADE JOVEM DE SANTANA DO IPAMEMA-AL

Autor: Lucas Vilar dos Prazeres


Coautora: Beatriz Soares da Silva

Resumo: O objetivo desse trabalho é descrever as ações realizadas pelo Centro Espírita Santa
Bárbara (CESB), primeira e única casa umbandista institucionalizada no município de Santana
do Ipanema-AL. A pesquisa aqui apresentada se classifica como qualitativa descritiva e utiliza
como procedimentos metodológicos de coleta de dados, revisão bibliográfica, estudo de campo
e entrevista com questionário semiestruturado com a responsável, Cristovia Vieira Vasconcelos.
As atividades realizadas pela casa de axé atingem jovens e suas famílias, de maneira a melhorar
essa relação e garantir maior qualidade de vida para uma região periférica de um município do
Sertão alagoano.

Palavras-chave: Umbanda. Ação comunitária. Santana do Ipanema-AL.

GT 9 - RELIGIÃO, LITERATURA E EDUCAÇÃO

Coordenadores: Me. Andréa Caselli Gomes (UNICAP)

Resumo: Este GT visa organizar estudos e pesquisas sobre o papel da literatura e da educação
no modo de pensar a questão religiosa. A proposta abrange temas como ensino religioso,
educação em diferentes espaços confessionais, diversidade, formação inicial e continuada,
estudos do imaginário e do simbólico, sagrado e teoria literária, sagrado nas adaptações artísticas
de textos literários, entre outros. A linguagem literária cria percepções como núcleos
organizadores da educação, fomentando a vida comunitária e transformando as políticas
educacionais. Com perspectiva transdisciplinar, a intenção é discutir a função da linguagem
simbólica e narrativa, presente nas artes de modo geral e na literatura de modo específico, por
suas respectivas capacidades de sensibilização a valores educacionais e religiosos.

O EROTISMO E A DEVOÇÃO NAS ENTRELINHAS POÉTICAS: AS


PRODUÇÕES LITERÁRIAS DAS IRMÃS DE CARIDADE NO SÉCULO
XIX

Autor: Noemia Dayana de Oliveira

Resumo: As Casas de Caridade foram espaços de convivência de mulheres e órfãs religiosas


instruídas pelo Padre Ibiapina durante a segunda metade do século XIX. Nelas, as práticas
educativas combinavam o trabalho e as habilidades artísticas, afim de (re) inserir socialmente
esta minoria. Depois do aprendizado das “primeiras letras”, as internes passavam a desenvolver
trabalhos manuais para o sustento da casa, mas sem abandonar a escrita e a atuação teatral. Diante
disso, analisaremos as produções literárias – por meio das ferramentas teórico-metodológicas do
Contextualismo Linguístico – publicadas no jornal A Voz da Religião no Cariri, que transgrediu
a ordem religiosa vigente, divulgando o resultado da devoção e do meticuloso erotismo nas
escritas femininas.

Palavras-chave: Padre Ibiapina; Irmãs de Caridade; religião; literatura; transgressão.

ASPECTOS DO DIALOGISMO BAKHTINIANO NA LITERATURA

JUDAICA DO ECLESIASTES

Autor: Gilmar Vasconcelos

Resumo: O artigo propõe a leitura de passagens do livro bíblico do Eclesiastes partindo do ponto
de vista literário, desse modo abordaremos os aspectos dialógicos que permitem a essa obra ser
destaque na literatura judaica, devido seu caráter relativamente helenístico, o qual transmite
ideias que, de certa forma, confrontam o pensamento judaico-teocêntrico, então vigente.
Procuraremos as partes do livro em que os aspectos da intertextualidade ficam mais evidentes,
numa tentativa de demonstrar a aplicabilidade da teoria bakhtiniana do dialogismo, observando
como ela se encontra na obra através da intertextualidade usada por seu autor.

Palavras-chave: Eclesiastes; Dialogismo; Intertextualidade.

DA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO NA LINGUAGEM

Autor: Hubert Milanês

Resumo: Com o advento da linguagem escrita ao longo da história das civilizações, os


questionamentos sob a existência do mal como fenômeno demasiadamente humano fora tomando
contornos progressivos. Em Ricoeur, o mistério do mal surge como objeto de estudo provocativo,
numa tentativa de compreender as ações do homem nas diversas civilizações e culturas existentes
desde o surgimento da linguagem nas suas diversas formas e, também, diante da própria
manifestação do sagrado, ou seja, como esse sujeito histórico, sendo ele religioso ou não,
carregado de percepções sobre a sua própria existência, intencionalmente é motivado à prática
do mal.

Palavras-chave: Linguagem; Mal; Tempo.


COBERTURA JORNALÍSTICA DO “CASO DE PAI EDSON DE
OMULU”, CONDENADO POR PROFESSAR SUA RELIGIÃO E TOCAR
ATABAQUES

Autor: Clarissa Viana de Andrade

Resumo: Pai Edson de Omulu é sacerdote da Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro
D’Ararobá e desde 2015 tem sofrido inúmeras acusações de perturbação de sossego por parte de
um único vizinho. As queixas viraram um processo contra o Pai de santo e culminaram em sua
condenação no ano de 2017 a 15 dias de reclusão, por ser réu primário, a pena seria revertida em
prestação de serviços à comunidade. O caso de Pai Edson, se tornaria precedente para os demais
casos de queixas, tornando assim, o dispositivo perturbação de sossego um grito a favor do
racismo sofrido pelas religiões de matriz africana. A cobertura jornalística do caso foi de grande
importância para o seu desfecho. A estratégia de tornar público o caso deu força e voz a luta dos
povos de matriz africana de tal forma que o Ministério Público de Pernambuco produziu uma
recomendação para instruir seus promotores em casos como o de Pai Edson. O trabalho visa
mostrar a força que a repercussão na mídia tem sobre as decisões jurídicas observando o caso de
Pai Edson como maior exemplo da mudança de posicionamento do Ministério Público de
Pernambuco.

Palavras-chave: Mídia, Religião de matriz africana, Condenação.

A MÚSICA E O SAGRADO FEMININO

Autor: Cynthia Marilia da Costa Rodrigues

Resumo: A música desde muito tem poder influenciador ímpar nos ambientes, possui poder
expressivo de canalização de informações, propagando sensações, experiências, lembranças,
abrindo à reflexão, desta forma, observamos a música em seus diferentes aspectos como um
instrumento de grande poder, se reage com a música assim como se reage à sensações gustativas,
táteis, odoríferas. Pode-se dizer que o indivíduo se relaciona com a música intrinsecamente
interligado ao estado de humor conferido ao momento. A sonoridade por si mesma é
capacitadora, terapêutica, envolvente e desde muito nossos ancestrais e outros povos antigos a
utilizavam como expressão, preparação para guerra e intimidação do inimigo, sabemos que em
algumas tribos indígenas presentes no Brasil é uma atividades culturais mais conhecidas e
agraciadas, com poder de gerar socialização, envolvimento, conhecimento e manter viva a
enorme bagagem cultural desses povos aos seus filhos e aos visitantes que os contempla, num
entanto, os povos indígenas hoje não resumem sua música exclusivamente ao que está expressado
na cultura de seu povo, atualmente, vemos um movimento crescente de cantoras indígenas ainda
não notados pela grande mídia em alguns pontos, mas que possuem seu poder expressivo
propagado em movimentos ativistas, é o caso da cantora Katú, seu primeiro single “Aguyjevete”
fala sobre a união e força dos povos indígenas e negros, conhecida por seu trabalho ativista a
cantora fundou o Movimento VI, um movimento de resistência e luta pela visibilidade do povo
indígena. Vimos também a música e a dança como parceiras quase inseparáveis da expressão e
espontaneidade, danças riquíssimas e conhecidas como a dança do ventre transmitem o senso de
feminilidade, arte, sensualidade, poder e desenvoltura femininas desde muitos séculos, sua
origem é controversa, num entanto, diz-se que surgiu no antigo Egito e neste era realizada pelas
mulheres em rituais sagrados em reverência às deusas, seus movimentos ondulatórios,
movimentos de quadril celebravam a fertilidade e a vida.

Palavras–chave: música; feminilidade; cultura; arte; sagrado feminino.

A IMPORTÂNCIA DA POESIA NAS AULAS DE ENSINO RELIGIOSO:


UMA CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA A PARTIR DA OBRA
OLHINHOS DE GATO, DE CECÍLIA MEIRELES

Autor: Themis Andréa Lessa Machado de Mell

Resumo: Na prática docente, é necessário que o professor de Ensino Religioso aborde as


tradições religiosas respeitando sua pluralidade. O gênero literário poesia foi escolhido como
leitura em aulas de ER para desenvolver no educando um saber literário articulado à compreensão
simbólica. A leitura voltada para interpretação do fenômeno religioso objetiva interpretar os
valores contidos nos textos para a formação social do aluno. A ação escolhida é de alteração do
status dos modelos tradicionais de aula de ER, com uma proposta de leitura poética no contexto
escolar. Ao escolher a obra Olhinhos de gato, objetiva-se focalizar a diversidade religiosa,
buscando no ambiente escolar o respeito à opção religiosa do outro.

Palavras-chave: Ensino Religioso; Poesia; Diversidade Religiosa; Tolerância.

GT 10 - ADAPTAÇÃO E LITERATURA INFANTIL/JUVENIL:


PESQUISA, ENSINO E FORMAÇÃO DE LEITORES

Coordenadores: Ms. Valnikson Viana de Oliveira (UFPB)


Ms. Morgana de Medeiros Farias (UFPB)

Resumo: Tendo em vista a importância de novas abordagens de estudo para a Literatura


Infantil/Juvenil, envolvendo a sua pluralidade de gêneros, a sua “transcodificação”
(HUTCHEON, 2013) para outras esferas de criação e as suas possibilidades de mediação e
recepção, indo além de um viés meramente didático que desconsidera a experiência estética como
elemento de ruptura com a educação contraditória e tradicional (ZILBERMAN, 2003), serão
aceitos, neste GT, trabalhos que reflitam sobre sua adaptação para outros suportes e linguagens
além do livro impresso (alcançando as artes plásticas, o meio digital e audiovisual, entre outras
modalidades e combinações) em aproximação com a sala de aula e a formação de leitores,
abarcando análises críticas, propostas metodológicas e relatos de experiência prática ou de
produção cultural.

A BELA E A ADORMECIDA: UMA PROPOSTA DE LEITURA DA


ADAPTAÇÃO DE NEIL GAIMAN

Autor: Ilonita Patricia Sena de Souza


Co-autor: Márcia Tavares

Resumo: O ato de narrar está atrelado a história humana. Nessa direção, as histórias perpassam
por tempos e espaços diferentespodendo incorporar outros significados, outras interpretações e
até mesmo, novas histórias surgem a partir daquela primeira que tinha sido contada. Os contos
de fada possuem esse caráter aberto e suscetível de adaptações-novas leituras. Cada (re) contar
acrescenta algo “novo”, pois os textos são produzidos num dado tempo e espaço. As adaptações
de narrativas literárias, por vezes estão atreladas a perspectiva de comparação ou validação de
sua fidelidade com o texto original, além de pairar sobre elas a ideia de inferioridade, o que acaba
dificultando a compreensão sobre o que se trata o fenômeno adaptativo. Quando em linhas gerais,
se trata de um processo que está para além de uma transposição de um sistema de signos para
outro, pois traz em suas especificidades significações e ressignificações, existindo, portanto, uma
passagem “transcultural” (HUTCHEON, 2013) passível de investigação. Ou seja, não deve ser
percebido apenas como diálogos entre textos, mas também com contextos históricos e culturais
diferentes. Por isso, as adaptações devem ser entendidas como repetição, porém não são
replicações (HUTCHEON, 2013). Essa “homenagem”, em muitas vezes, proporciona uma
oportunidade de questionar e recontar o texto homenageado, inserindo elementos que naquele
momento são pertinentes, uma vez que, cada texto está mergulhado em uma tessitura histórica e
social diferente. Dessa maneira, entendemos as personagens assumem lugares narrativos
construídos historicamente, através de um processo para, a partir disso, abordar de forma mais
específica à interlocução, as relações dialógicas entre os textos. Com isso, obter uma melhor
compreensão das particularidades e subjetividades presentes no texto adaptado. Partindo da
premissa de que podemos visualizar a história através desses textos, é que nos debruçamos sobre
a adaptação A Bela e a Adormecida (2015), de Neil Gaiman que se trata de uma adaptação do
conto A Bela Adormecida, do Charles Perrault. Todavia, faz-se necessário pensar de que maneira
elas podem ser aplicadas em salas de aula, principalmente, porque é perceptível o interesse que
as adaptações despertam aos mais variados públicos. Muito porque ao conhecer o texto adaptado
e ao sentir as suas nuances na adaptação, acaba se tornando uma das razões que causa o prazer
no leitor, pois seria uma repetição combinada com um elemento surpresa, um “novo”
direcionamento ou perspectiva. Isto significa que o autor propõe uma reapropriação e
ressignificação de uma obra ou de um conjunto de obras que poderá ser compreendida ou não
pelo leitor, o que vai definir será suas leituras anteriores juntamente com sua capacidade de
ressignificar a obra. Nesse sentido, neste artigo temos por objetivo fomentar e nortear uma
proposta de leitura da adaptação A Bela e a Adormecida, pontuando os possíveis caminhos para
abordar o texto escolhido. Para atingir o objetivo proposto nossas observações serão
fundamentadas principalmente nos pressupostos teóricos de: Eisner (1989), Vergueiro (2004),
Hutcheon (2013) e Mendonça (2008), entre outros.
Palavras-chave: Adaptação. Leitura. Sala de aula.

ADAPTAÇÕES DE JOÃO E MARIA, DOS IRMÃOS GRIMM:


CONTRIBUIÇÕES DE FIGUEIREDO PIMENTEL, CARLOS FERREIRA
E WALTER PAX

Autor: Cristina Rothier Duarte


Co-autor: Daniela Maria Segabinazi

Resumo: Nesta comunicação, analisamos as adaptações do conto João e Maria ([1812]/2012),


recolhido da tradição popular por Jacob e Wilhelm Grimm, realizadas por Figueiredo Pimentel
([1894]/1958), considerado precursor cronológico da literatura infantil brasileira, e por Carlos
Ferreira e Walter Pax (2007), escritor e ilustrador, respectivamente, de uma versão do conto em
HQ. Metodologicamente, empregamos a pesquisa bibliográfica qualitativo-interpretativa. Como
resultado, percebemos que ambas as adaptações contribuem para apermanência do texto fonte,
ora acrescentando, ora retirando elementos que constituem a primeira narrativa, ao mesmo tempo
em que conferem novas possibilidades de leitura.

Palavras-chave: Adaptação. Contos clássicos. HQ. Letramento.

A PRINCESA E A ERVILHA: UM CONTO DE HANS CHRISTIAN


ANDERSEN ADAPTADO PARA HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Autor: Ana Paula Serafim Marques da Silva


Coautora: Uélida Dantas de Oliveira
Orientadora: Daniela Maria Segabinazi

Resumo: Neste artigo, propomos uma análise da adaptação do conto “A princesa e o grão de
ervilha”, de Hans Christian Andersen, para história em quadrinhos realizada por Stephanie True
Peters, traduzido por Fabio Teixeira, preocupando-nos em mostrar de que maneira foi realizado
o processo adaptativo do conto para o gênero HQ. A metodologia adotada foi a pesquisa
bibliográfica de cunho qualitativo-interpretativo. Para base teórica, adotamos as considerações
de Eisner (1989; 2010; 2013), Zilberman (1994), Powers (2008), Carvalho (2006). Como
resultados, verificamos que as quadrinizações de obras literárias podem ser um bom recurso de
valorização do clássico e sua permanência em outro suporte.

Palavras-chave: História em quadrinhos. Adaptação. A Princesa e a Ervilha.


O USO DA LITERATURA INFANTIL NA EDUCAÇÃO ÉTNICO-
RACIAL NAS SÉRIES INICIAIS DA EMEF LUIZA LIMA LOBO, JOÃO
PESSOA – PB: RELATO DE EXPERIÊNCIA

Autor: Iany Elizabeth da Costa

Resumo: Apresentamos a experiência educativa do uso da literatura infantil étnico-racial nas


séries iniciais da EMEF Luiza Lima Lobo, situada no bairro do Alto do Matheus, João Pessoa –
PB, enquanto professora de Ensino Religioso da PMFP nesta escola. Trabalharmos a temática a
partir de dois livros infantis: a Menina Bonita do Laço de Fita (MACHADO, 1988) e O Cabelo
de Lelê (BELÉM, 2007), apresentados em via digital, buscando com eles demostrar a diversidade
étnico-racial, visando à valorização da estética negra, presentes nos diferentes tons de pele, nos
cabelos, nos modos de vestir e sentir, demostrando que essas diferenças são positivas e devem
ser valorizadas e respeitadas, por meio de uma metodologia participante a partir da produção de
desenhos com os alunos sobre os livros vivenciados.

Palavras-chave: Literatura Infantil, Educação Étnico-Racial, Séries Iniciais e Diversidade


Étnica.

ADAPTAÇÕES CULTURAIS: O QUE TEM DE AFRO-BRASILEIRO


NAS RELEITURAS CONTEMPORÂNEAS DE “CINDERELA”

Autor: Jhennefer Alves Macêdo


Co-autores: Daniela Maria Segabinazi

Resumo: As recentes pesquisas nos mostram que interesse pelas obras literárias com temáticas
afro-brasileiras é resultante da promulgação da Lei 10.639/03. A partir desse marco legal, as
editoras passaram a investir em publicações de narrativas denominadas como afro-brasileiras.
Entre essas produções, nos chama a atenção o crescente aumento das adaptações dos contos
populares europeus, especialmente dos que possuem princesas. Todavia, essas inúmeras
adaptações despertam questionamentos quanto a sua real contribuição para a recuperação das
histórias das mulheres negras/africanas que ficaram à margem dos textos literários destinados
para o público infantil por muitos séculos. Sendo assim, usando como corpus três adaptações
do conto primário de “Cinderela”, nesta pesquisa apresentaremos os resultados de um estudo
teórico-analítico desses contos. Além disso, teceremos discussões a respeito de como os
idealizadores dessas adaptações se apropriam de textos provenientes das culturas coloniais para
adaptá-los a um novo contexto e a um novo público. Ademais, analisaremos, sobretudo, se essas
adaptações, através de seus textos verbais e visuais, apresentam respostas às ideologias presentes
nos textos europeus e promovem a emancipação de seus novos leitores. Para desenvolvimento
dessas análises, nos embasaremos nos estudos de Ceccantini (1997), Oliveira (2008), Zolim
(2009), Hunt (2010) e Hutcheon (2013).
Palavras-chave: Adaptação; Literatura infantil afro-brasileira; Contos populares.

“ONDE VIVEM OS MONSTROS”: ADAPTAÇÃO DE OBRAS DE


LITERATURA INFANTIL/JUVENIL PARA O INCENTIVO À LEITURA

Autor: Luana Pinheiro Souza

Resumo: Grande parte de nós compreende a importância da leitura para a formação dos sujeitos,
no entanto, por meio das discussões travadas sobre este tema, percebemos que há dificuldades
no ensino de literatura nas escolas com consequências imediatas na constituição do hábito da
leitura nos jovens, uma vez que a forma como o professor trabalha a leitura em sala de aula é
determinante para que a criança desenvolva o gosto pela leitura e sinta-se incentivada a efetuar
leituras diversas. Essa dificuldade é na verdade um conjunto de fatores que precisa ser levado em
consideração para que seja corrigido de acordo com as necessidades exigidas em cada ambiente
escolar. Esta pesquisa tem por objetivo propor reflexões acerca do ensino de literatura
infantil/juvenil para a formação e o desenvolvimento de jovens leitores, isto é, buscamos
investigar a importância do incentivo à leitura, bem como os métodos de abordagem de literatura
infantil/juvenil que contribuem para o desenvolvimento crítico e reflexivo de alunos do ensino
fundamental. Atualmente, muitas obras de literatura infantil/juvenil têm sido adaptadas para
diversos outros suportes, promovendo o incentivo à leitura e contribuindo para a disseminação
dessas obras, como é o caso do livro infantil ‘Onde vivem os monstros’, do escritor e ilustrador
americano Maurice Sendak, publicado em 1963 e adaptado para o cinema no ano de 2010. Diante
disto, buscamos direcionar nosso estudo para a seguinte questão: “De que forma o ensino de
literatura infantil/juvenil pode ser abordado, de modo a fomentar nos alunos o prazer pela
leitura?” Para responder à esta questão serão analisados os métodos de ensino frequentemente
utilizados, evidenciando a contribuição das adaptações das obras de literatura infantil/juvenil
para o interesse das crianças e jovens, assim como as obras comumente abordadas pelos
professores, a fim de que possamos perceber as dificuldades enfrentadas por eles para motivar
nos alunos o gosto pela leitura e, consequentemente, o desenvolvimento ético e intelectual desses
sujeitos em formação. Diante disto, a metodologia utilizada em nossa pesquisa é de caráter
bibliográfico, tendo como ponto de partida a revisão de leitura referente ao ensino da literatura
infantil/juvenil e à formação de jovens leitores. Assim, nos fundamentamos em Barbosa (1994),
Matencio (1994), Charmeux (2000), Jolibert (1994), Spodek (1998) e Cademartori (1987) para
amparar nosso estudo, uma vez que estes autores trazem contribuições importantes acerca do
tema proposto já que discutem sobre o ensino-aprendizagem da leitura para as crianças, bem
como o papel fundamental do professor no incentivo e desenvolvimento desta prática
pedagógica. Isto posto, concluímos que o papel da literatura nos primeiros anos é fundamental
para que se processe uma relação ativa entre o falante e a língua. Para além do desenvolvimento
de apropriação do sistema linguístico, a criança otimiza seu pensamento crítico e reflexivo, já
que a descoberta do prazer pela leitura é a chave para a conquista do leitor, pois abrirá as portas
da imaginação, levando o leitor iniciante a mundos jamais conhecidos, libertando-o das amarras
da ignorância e da manipulação e tornando-o um sujeito ativo e crítico do mundo que o cerca.

Palavras-chave: Literatura Infantil/Juvenil. Ensino. Formação de Leitores.

GT 11 - A LEI 11.645/08 NAS ARTES E NA EDUCAÇÃO:


MANIFESTAÇÕES CULTURAIS INDÍGENAS E AFRO-
BRASILEIRAS
Coordenadores: Ms. Clarissa Suzuki (USP)
Ms. Maria Pinheiro (FE-USP)

Resumo: Decorridos 15 anos da Lei 10.639/03 e sua revisão no ano de 2008 com a publicação
da 11.645, muitas experiências práticas e teóricas foram acumuladas em decorrência da sua
implementação, que tornou obrigatório o ensino da história e das culturas afro-brasileiras e
indígenas nas escolas da educação básica. Essa temporalidade possibilita o compartilhamento de
ações que vem sendo implementadas, assim como seus principais desdobramentos, no espaço da
escola (e fora dela), no sentido de inspirar e fortalecer outros fazeres e saberes culturais e
pedagógicos. Parte-se do pressuposto de que a abordagem das manifestações culturais indígenas
e afro-brasileiras, em uma perspectiva crítica, implica explorar outras epistemologias e, portanto,
outras pedagogias, que integram de forma dinâmica linguagens e áreas do conhecimento
diversificadas, como a dança, as visualidades, a música, a culinária, a história oral, a
religiosidade, a festa etc. O Grupo de Trabalho situa-se na área temática de ensino de artes, tendo
como principal aporte teórico e metodológico os estudos decoloniais, campo que reúne
epistemologias alternativas ao projeto civilizatório moderno/colonial emergentes no contexto
latino-americano. Serão critérios de avaliação dos trabalhos submetidos: pertinência em relação
ao tema proposto; clareza na construção formal e conceitual; contribuição teórico-prática para a
área das artes e da educação; relevância da experiência e/ou da pesquisa em uma perspectiva
transformadora.

HISTÓRIAS DE CRIANÇAS: UM ENCONTRO COM AS MEMÓRIAS DE


CAROLINA MARIA DE JESUS

Autor: Fátima Santana Santos

Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar através da história de vida e as memórias da


escritora Carolina Maria de Jesus, como sua representatividade, a partir da sua escrita contribuem
para uma educação voltada para práticas institucionais que abordem questões de ensino-
aprendizagem nas relações étnico-raciais junto às crianças. Trata-se de um estudo descritivo que
evidência experiências metodológicas com crianças em uma instituição municipal de ensino no
município de Lauro de Freitas – BA, onde o debate entretece entre as histórias contadas pelas
crianças a partir de um projeto escolar, e uma discussão inicial sobre pobreza, gênero e questões
raciais. Foi possível perceber a partir dos exemplos relatados o quanto é possível que as crianças
vivenciem suas experiências positivas e de representatividade no âmbito escolar com projetos,
que de forma provocativa, trazem proposições que fomentem novas provocações sobre o
currículo escolar em instituições de Educação Infantil.

Palavras-chave: Criança negra, Carolina Maria de Jesus, Menina, Pobreza, Relações étnico-
raciais.

OS MITOS E CONTOS AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA


FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA PRÁTICA DE COMBATE AO
RACISMO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

Autor: Giselda Pereira Rodrigues

Resumo: O percurso formativo de um (a) professor (a) pode se dar oficialmente a partir da
graduação, mas ela é composta por todas as experiências familiares, sociais e culturais. A
pesquisa pretende a partir da trajetória formativa da pesquisadora investigar as lacunas na
formação de professores (as) acerca do ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira.
A pesquisa de campo a ser realizada, busca encontrar uma prática formativa para professores que
dialogue a partir do estudo dos contos e mitos tradicionais africanos e afro-brasileiros, com o
racismo no contexto escolar. E também com a reflexão sobre a trajetória formativa individual de
professores, incluindo suas histórias de vida.

Palavras chave: Formação de professores, racismo, contos tradicionais, cultura negra.

DA COR DE ÉBANO: história, arte e estética na valorização da negritude


no ambiente escolar.
Autor: Henrique Eduardo de Oliveira
Co-autora: Kelly Cristine Cordeiro-

Resumo: O presente texto propõe reflexões acerca da instrumentalização da Lei 10.639/03 que
torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira, dentro de ações interdisciplinares
realizadas pelas disciplinas de Artes e Língua Portuguesa, voltadas à valorização da experiência
histórica e da estética afro-brasileira no contexto do espaço escolar do Centro Estadual de Ensino
Profissional Hélio Xavier de Vasconcelos na cidade de Extremoz – RN. A presente abordagem,
diz respeito ao desenvolvimento de ações conjuntas promovidas através de um projeto de
disciplina eletiva, através do qual veem sendo promovidas oficinas didáticas que buscam
envolver os/as estudantes no debate sobre a formação sócio-histórica e cultural brasileira,
diversidade étnica e cultural e racismo. De modo a promover o enfrentamento ao racismo no
ambiente escolar, além de promover a valorização da negritude, de modo a sensibilizar os/as
alunos/as a se reconhecerem de forma positiva como partícipes da identidade afro-brasileira, em
um contexto escolar marcado por uma maioria étnica afrodescendente que não se vê
representada, nem mesmo consegue vislumbrar a prática e a perpetuação do racismo, manifesto
em seu cotidiano. As ações didáticas contam com o apoio do projeto de extensão “Diálogos sobre
diversidade”, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte-UERN, cujo foco central é a
promoção e valorização da identidade afrodescendente por meio de atividades artísticas, como
arte fotográfica, no intuito de valorizar a estética negra no ambiente escolar, culminando com um
ensaio fotográfico e uma exposição.

Palavras-chave: identidade afro-brasileira, negritude, racismo, estética.

DIVERSIDADE ÉTNICA: BRINCADEIRAS, JOGOS, DANÇAS E


HISTÓRIAS
Autor Janeide S. Silva
Co-Autora: Janete S. Silva

Resumo: Diversidade Étnica: brincadeiras, jogos, danças e histórias versa sobre aspectos
estéticos culturais da infância afro-brasileira, africana e indígena. Desenvolvido com crianças de
faixa etária entre 4 e 6 anos, em parceria com profissionais da educação dos diversos seguimentos
da instituição, famílias e especialistas, que possibilitou a construção de ambientes de pesquisas,
nos quais as crianças acessaram diferentes procedimentos de criação e reflexão sobre imagens,
brincadeiras e brincantes, que propiciaram a ampliação de seu repertório cultural e artístico, numa
perspectiva multicultural e de combate ao racismo.

Palavras-chave: Brincadeira; Cultura Indígena; Infância; Negritude.

MEMÓRIAS DE UM BALAIEIRO: Educação de Jovens e Adultos e um


mergulho em suas pertenças
Autor Ladjane Alves Sousa

Resumo: O artigo objetiva relatar as experiências e práticas desenvolvidas com uma turma de
Educação de Jovens e Adultos. Considerou em seu fazer uma política de projeto voltada para a
valorização das pertenças e territorialidades dos sujeitos da EJA. A proposição metodológica
buscou conhecer a história de um balaieiro, homem com pertenças próximas aos dos estudantes
para dar maior sentido ao fazer escolar. O entendimento é que quando se parte das vivências dos
discentes as práticas escolares têm mais significado.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Memórias de um balaieiro. Pertença.

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL:


PERSPECTIVAS DE PROFESSORES DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE
ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA-
PB

Autor Verônica Brito Ferraz Gominho


Co-autora: Elzanir dos Santos
Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar concepções e práticas de professores, no campo
da diversidade étnico-racial, de uma escola pública da rede municipal de João Pessoa/PB,
delimitando como objetivos específicos: mapear a formação dos professores para atuar com a
temática e caracterizar concepções de docentes acerca do que consideram importante para a
melhoria do trabalho com a temática para as relações étnico-raciais na escola. Desenvolveu-se
por meio da abordagem qualitativa, com entrevista semiestruturada realizada com três
professores da rede municipal de João Pessoa. O resultado da análise aponta que os professores
investigados dominam alguns conceitos centrais sobre a temática, assim como procuram
trabalhar, na sua prática cotidiana, reflexões e orientações voltadas à diversidade étnico-racial;
quanto à formação, os docentes apontam dificuldades quanto à mobilidade e permanência nos
cursos de formação continuada ofertados pelo município de João Pessoa e relatam que os
conhecimentos adquiridos no campo se deram, predominantemente, em função de suas buscas
pessoais. Conclui-se, portanto, que é de extrema importância que a escola promova debates não
só com o corpo discente, mas igualmente, com o corpo docente acerca da temática com o objetivo
de promover práticas antirracistas.

Palavras-chave: Política Educacional. Diversidade Étnico-Racial. Formação Docente. Práticas


Pedagógicas.

GT 12 - FRAGMENTOS DO CONSTITUCIONALISMO SOCIAL


BRASILEIRO EM TEMPOS DE CRISE: REFORMAS E
RETROCESSO NOS DIREITOS SOCIAIS

Coordenadores: Dr. Jailton Macena de Araújo (UFPB)


Me. Ana Carolina Gondim de A. O. Ramalho (UFPB)

Resumo: A construção da ciência jurídica, como um dado social que reflete a cultura e os
valores de dada sociedade, determina a compreensão dos direitos como parte do conhecimento
metódico, cujo propósito é apreender e construir o sistema jurídico. Nessa medida, a carga
valorativa da sociedade influencia e orienta a hermenêutica e a aplicação das normas jurídicas,
indicando novos rumos para o fenômeno jurídico e para própria sociedade. A essa evidência, em
tempos de crises agudas, nas esferas mais diversas da sociedade, a carga axiológica que orientou
a produção do texto constitucional, acaba por passar por novas configurações que, no contexto
brasileiro hodierno, revela verdadeiro esfacelamento dos elementos sociais que orientaram no
passado a produção da chamada Constituição Cidadã, revelando no cenário atual verdadeiro
retrocesso nos direitos sociais. Várias foram as alterações promovidas pelo Congresso Nacional
no sentido de reorganizar o campo das estruturas sociais, sob a justificativa de tentar superar a
crise econômica que assola o país desde meados de 2014, todavia, a despeito da preocupação
econômica demonstrada, os índices sociais têm piorado sistematicamente ao longo dos últimos
anos. Nessa senda, a ideia de contrarreforma social tem se firmado a partir de retrocessos
normativos perpetrados através de ações legais, porém ilegítimas, que se apresentam como
arroubo antidemocrático. Nessa medida, pretende-se, neste grupo de trabalho, promover o debate
plural e multidisciplinar sobre os impactos e a fragmentação que as chamadas reformas dos
direitos sociais têm promovido constitucionalismo brasileiro.
“EM NOME DA NATUREZA”: DISCURSOS E MOBILIZAÇÕES
CATÓLICAS NO BRASIL CONTRA A INSERÇÃO DE DISCUSSÕES EM
TONRO DO GÊNERO NA ESCOLA

Autor: Emanuel Freitas da Silva

Resumo: Inúmeras discussões em torno das questões que envolvem a temática “gênero e
sexualidade” têm sido travadas nos últimos anos, em especial no que tange à elaboração de
políticas públicas que visem combater o histórico processo de exclusão de sujeitos que divergem
do padrão hegemônico estabelecido para o uso dos corpos. Nesse sentido, a própria utilização do
termo “gênero”, semantizado como um novo aporte “ideológico”, tem sido combatida numa
poderosa campanha engendrada por lideranças religiosas (católicas e protestantes), no Brasil e
no mundo, para a retirada do termo de documentos públicos e políticas públicas, em especial
daquelas ligadas à educação. O objetivo desse texto é apresentar os principais argumentos de
lideranças católicas, em especial ligadas ao movimento de Renovação Carismática, em textos
elaborados para o “esclarecimentos de fiéis” acerca dos “perigos da ideologia de gênero”
(destacando três autores católicos) e a mobilização feita, no Brasil, pela CNBB e por algumas
dioceses do país.

A ARTE COMO POSSÍVEL INSTRUMENTO DE VISIBILIDADE DO


TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO NO BRASIL

Autora: Rayanne Aversari Câmara

Orientador: Jailton Macena de Araújo

Resumo: O trabalho aborda a proteção jurídica conferida às crianças e aos adolescentes no


Brasil, refletindo que a ineficácia das normas em relação ao trabalho infantil doméstico decorre,
dentre outros fatores, da invisibilidade desse tipo de exploração, muitas vezes mascarada como
ajuda ou participação social. O objetivo é apresentar as práticas artísticas como uma alternativa
para dar visibilidade e consequentemente promover a vigilância, conferindo, assim, maior
efetividade aos direitos e garantias já positivados. Quanto ao método de abordagem, será o
hipotético dedutivo, os métodos de procedimento serão o histórico e o monográfico, e a técnica
de pesquisa será a documentação indireta.

A REFORMA TRABALHISTA E A “ULTRAHIPOSSUFICÊNCIA” DA


TRABALHADORA

Autora: Nayra Luíza Vilarim Pereira


Orientador: Jailton Macena de Araújo
Resumo: Pretende-se demonstrar, através de uma abordagem hipotético-dedutiva, a ultra
hipossuficiência da mulher nas relações empregatícias, tendo em vista a aprovação da Lei
13.467/2017. Será utilizada a pesquisa bibliográfica para atestar essa categoria especial na qual
a trabalhadora está inserida, que tem a maternidade como uma de suas justificativas e exige
especial proteção do Estado e da legislação trabalhista, a fim de que não somente ingressem, mas
permaneçam no mercado de trabalho em condições dignas e de igualdade com os demais. É óbvio
que não existem relações de trabalho neutras, mas a flexibilização das normas trabalhistas avivam
as forma mais estereotipadas das relações de sexo. A esta evidência, o trabalho da mulher passa
a ser alvo dos maiores retrocessos perpetrados pela Reforma Trabalhista, uma vez que a
precarização que atinge o trabalhador acaba por tornar ainda mais profunda a vulnerabilidade
feminina, ampliando, de forma clara, a chamada “hipossuficiência” para uma nova categoria de
“ultra-hipossuficiência” que fragiliza ainda mais fortemente as relações laborais assentadas no
gênero.

A MULHER NA SOCIEDADE PATRIARCAL:MUDANÇA DE


SOBRENOME APÓS O CASAMENTO

Autor: Alex Alves dos Santos

Resumo: Este artigo visa analisar através das teorias da comunicação a mudança dos sobrenomes
de mulheres enquanto solteiras por conta de seu casamento, analisando a relação e o impacto do
patriarcado machista nesse fenômeno, dentro da cultura brasileira. O objeto de análise será o
gênero certidão de casamento, de mulheres que tiveram seus sobrenomes modificados, retirando
o sobrenome recebido dos pais e adicionando o de seu cônjuge. O artigo analisa através do viés
da teoria da comunicação e dos estudos sobre feminismo essa construção social, para assim
mostrar que esse fenômeno social de supressão de sobrenomes interfere na construção de
identidade da mulher e fomenta o machismo institucional.

O LITISCONSÓRCIO À SERVIÇO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO


PROCESSO DO TRABALHO

Autora: Gabriela Brito De Souza


Coautores: Ana Tereza Soares de Maria
Edvaldo Ferreira da Silva Junior

Resumo: O trabalho em tela se propõe, através de pesquisas bibliográficas, compreender o


litisconsórcio para o processo do trabalho como instrumento para o princípio da duração
razoável. Nele, dois ou mais sujeitos figuram no polo ativo e/ou passivo da Ação, possibilitando
a resolução conjunta de lides distintas ligadas no plano subjetivo. Por exemplo, quando
necessário, exige a cumulação subjetiva, independentemente da vontade das partes, por
imposição legal ou pela natureza da relação jurídica em controvérsia, o que permite a resolução
da lide e, por conseguinte, impede rediscussões inócuas sobre o mérito que foi decidido. Por sua
vez, quando unitário obriga o juiz a proferir sentença de mérito uniforme para todos os
litisconsortes. Assim, o litisconsórcio auxilia na concreção de um processo do trabalho justo e
célere.

PRINCÍPIO DA CELERIDADE NO PROCESSO DO TRABALHO

Autor: Armando de Araújo Paiva Neto


Coautores: Edlene Caxias Meneses
Jéssica Pereira da Silva

Resumo: O princípio da duração razoável do processo tem como lastro legal a emenda
constitucional nº45/04. Conforme tal ordenamento, o Estado tem o dever de promover a sua
garantia, seja na seara judicial ou administrativa. No Processo do Trabalho, tal princípio deve ser
observado com primazia, tendo em vista que o trabalhador é a parte hipossuficiente da relação
jurídica. No plano da eficácia, deve estar em harmonia com as garantias processuais, como
contraditório, ampla defesa, devido processo legal, etc. Deste modo, a duração razoável do
processo não pode ser justificativa para se encurtar o rito processual ou para que sejam
indeferidas diligências probatórias pertinentes ao deslinde do feito.

REFORMA TRABALHISTA REDUZINDO O ACESSO À JUSTIÇA

Autora: Aislan Saraiva Tavares


Coautores: Anna Rachel Alves de Arruda
Francisco Pereira da Silva Junior

Resumo: O acesso à justiça garantido no artigo 5°, XXXV, CF/88, teve repercussão com a
vigência da lei 13.467/17, alterando dispositivos da CLT que protegiam os direitos dos
trabalhadores. Restou-se demonstrada a fragilização dos direitos com a mudança no pagamento
dos honorários advocatícios sucumbenciais. Busca-se, assim, comparar as legislações vigentes e
a revogada, correlacionando com o número de processos ingressos na Justiça do Trabalho,
demonstrando que houve uma redução substancial no número de ações trabalhistas com a
vigência da nova lei, tendo em vista que se tornou mais oneroso o processo para o sucumbente,
limitando, assim, o acesso à justiça e ferindo princípios constitucionais.

GT 13 - MITO E RELIGIOSIDADE

Coordenadores: Dra. Alcione Lucena de Albertim (UFPB)


Ms. Prisciane Pinto Fabricio Ribeiro (UFPB)

Resumo: Cada narrativa mítica traz, em seu cerne, um cunho sagrado, haja vista ser essas
narrativas a busca de elaboração do seu próprio universo pelo homem de então. Nessa
perspectiva, propõe-se, no âmbito literário, a análise de alguns mitos greco-latinos, tendo como
foco o seu aspecto estruturante e religioso.
AS FACETAS DE DIONISO N’AS BACANTES, DE EURÍPIDES
Autor: Mayana da Silva Carvalho

Resumo: Dioniso é o deus mais misterioso do panteão helênico. Sua influência se espalhou
rapidamente para além das fronteiras do mundo grego. É possível compreender essa figura
enigmática e misteriosa através das obras onde se faz presente. Em um momento ele oferece
benefícios aos seus devotos, em outro, está festejando com seu séquito nas festas dedicadas a si.
Ele também deixa sua ira transparecer, executando os infiéis, ou se transformando em leão, ou
até transformando pessoas em animais. Não importa como se tente explicar, o deus que trouxe o
cultivo do vinho para os homens sempre será um mistério o qual não se pode entender
completamente. Assim, propõe-se neste trabalho, analisar na peça As Bacantes, de Eurípedes, a
atuação deste deus, e o seu aspecto sagrado na religiosidade grega.

Palavras-Chave: Eurípedes; As Bacantes; Dioniso; Baco; Tragédia grega;

A FEIÇÃO ERÓTICA DE AFRODITE: MITO E RELIGIOSIDADE


Autor: Anna Carolina Soares e Marques

Resumo: O presente trabalho propõe apresentar a feição erótica de Afrodite a partir da atuação
de Eros, força geradora da vida, essência mítica da deusa. Nesse sentido, Afrodite pode ser
percebida como entidade abstrata, força primordial de cunho religioso, coadunando em si
também a personificação do amor, tendo a persuasão e a sedução como instrumentos do seu agir.
Assim, através da análise literária de obras como Ilíada, Hinos Homéricos, e o Rapto de Helena,
trataremos da personagem Afrodite, conforme a proposta apresentada.

Palavras-chave: Afrodite; mito; religiosidade; erotismo; sedução.

A CRIAÇÃO DO MUNDO: O MITO, NAS METAMORFOSES, DE


OVÍDIO
Autora: Priscila Pinto Fabricio Ribeiro
Coautor: Leandro dos Santos Souza

Resumo: O mito cosmogônico retrata as origens do universo. Presente na obra Metamorfoses,


de Ovídio, o autor discorre sobre esse mito nos primeiros versos do Livro I da sua obra. Neles, o
poeta mostra a diferenciação cósmica impulsionada por uma força que jaz por trás da separação
dos elementos e consequente formação das partes que comporão o mundo, sendo essa força a
causa dessa diferenciação e identificada como um deus. Assim, diante do quadro apresentado,
propõe-se, neste trabalho, analisar o mito cosmogônico presente na obra citada, buscando
identificar a força sagrada geradora do cosmos, apresentada no mito.

Palavras-chave: mito; cosmogonia; Ovídio; sacralidade.


EXPRESSÃO DA RELIGIOSIDADE NO MITO DO RAPTO DE
PROSÉRPINA
Autora: Letícia Mª Quintella Viana

Resumo: O presente trabalho propõe analisar o mito do rapto de Prosérpina presente no Livro V
das Metamorfoses, de Ovídio, identificando na narrativa mítica o arcabouço de cunho religioso,
como representação explicativa do surgimento das estações do ano. Filha de Júpiter e Ceres, a
deusa é assimilada a Perséfone da tradição grega, sendo, neste caso, filha de Zeus e Demeter,
que, deusa das terras cultivadas, representa a fecundidade da lavoura. Tendo em vista que o rapto
de Prosérpina por Plutão, senhor do mundo ínfero, acarreta a desordem cósmica, Júpiter
intervém, estabelecendo um pacto com Ceres, o qual promove o nascimento das estações,
imprescindíveis para o funcionamento do ciclo produtivo da terra. Desta maneira, nossa
metodologia está pautada em pesquisas bibliográficas que discutem a importância do mito para
a religiosidade na civilização greco-latina arcaica, para isto utilizaremos o aporte teórico de
Brandão (2015), Grimal (2000), Guimarães (1982), entre outros.

Palavras-chave: mito; religiosidade; estações; Prosérpina.

O MITO DE NARCISO: TRANSCENDÊNCIA E SACRALIDADE, UM


OLHAR PSICANALÍTICO
Alcione Lucena de Albertim

Resumo: Narciso, filho do rio Cesifo e da náiade Liríope, foi metamorfoseado na flor que leva
o seu nome. Ele era muito belo e estava em sua plena juventude, mas desdenhava o amor, havia
tão áspera soberba em tão aprazível beleza. Como castigo por tal hýbris, apaixona-se pela própria
imagem nunca vista por ele anteriormente, com a qual se depara ao ver-se nas águas cristalinas
e puras de um riacho em que nenhum animal ou humano havia bebido antes. Tão avassaladora é
a paixão, que não consegue afastar-se da imagem refletida na água, e acaba fenecendo,
transformando-se, por fim, no narciso. Nesse sentido, a proposta do trabalho é analisar o mito de
Narciso, presente nas Metamorfoses, de Ovídio, voltando-se o olhar para o aspecto transcendente
do mito, expressão da sacralidade e da psique humana.

Palavras-chave: mito; Narciso; sacralidade; psicanálise, Ovídio.

O MITO DA CRIAÇÃO DO HOMEM: AS RAÇAS EM HESÍODO E EM


OVÍDIO

Autor: Leandro dos Santos Souza


Coautor: Priscila Pinto Fabrício Ribeiro
Resumo: Em Trabalhos e dias, Hesíodo apresenta o cotidiano dos mortais mostrando diretrizes
de como proceder na vida. Dentre as narrativas, o poeta descreve o surgimento dos homens
passando por cinco raças: ouro, prata, bronze, heróis e ferro. Por outro lado, o poeta latino Ovídio
traz esse mito de maneira diferenciada nas Metamorfoses, em que são apresentadas para o leitor
apenas quatro raças, deixando de descrever a raça dos heróis. O nosso trabalho propõe analisar o
paralelo estrutural entre as eras dos homens presentes no mito das raças hesiódicas e aquelas
apresentadas em Ovídio.

Palavras-chave: Mito. Hesíodo. Ovídio. Raças

UM ESTUDO DA HYBRIS NO MITO DE DÉDALO E ÍCARO EM AS


METAMOROSES, DE OVÍDIO

Autor: Saulo Santana de Aguiar


Co-autores: Sayonara Souza da Costa
Letícia Maria Quintella Viana

Resumo: Este trabalho objetiva fazer um estudo sobre o mito de Dédalo e Ícaro, presente no
livro VIII das Metamorfoses, de Ovídio, v. 183-235, com base na categoria analítica da Hybris,
a desmedida que acomete este último personagem, responsável por levá-lo a um destino funesto.
Para tanto, utilizar-nos-emos, como referencial teórico, dos seguintes autores: Jean Pierre
Vernant, Junito de Souza Brandão, Pierre Grimal e Pierre Chantraine. Com efeito, o percurso
traçado pela nossa pesquisa centrar-se-á no exame do texto latino original, buscando, por meio
de uma análise do vocabulário empregado pelo autor, conferir que elementos estruturais
caracterizam, no contexto religioso da mitologia greco-latina, a prática da Hybris.

Palavras-chave: Mitologia; Hybris; religiosidade; literatura latina.

PROFANAÇÃO E PUNIÇÃO NO MITO DE PENTEU


Autor: Uadi Nóbrega

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o mito de Penteu, usando como corpus
os versos (colocar versos) do Livro III das Metamorfoses, de Ovídio, a fim de averiguar de que
forma o episódio apresenta a problemática da transgressão da medida estabelecida pelos deuses
aos homens, bem como a punição como paga necessária para recobrar a superioridade divina
sobre os mortais. O mito ilustra a figura de Penteu, rei de Tebas, como mentor da ação desmedida
ao infringir o culto mistérico a Dioniso, agredindo impiedosamente as práticas das bacantes, fato
que culmina no desfecho trágico do rei tebano. A partir disso, a pesquisa trará como mola
propulsora os termos profanis e poenae, como elementos estruturais e determinantes para a
compreensão do paralelismo entre sagrado e profano, tomando Mircea Eliade como principal
base teórica para a discussão.
Palavras-chave: Penteu; Metamorfoses; Ovídio; Baco.

UMA ANÁLISE DO TRÍPLICE CONCEITO DE MITO


Autor: Prisciane Pinto Fabricio Ribeiro

Resumo: A proposta deste trabalho centra-se em analisar uma perspectiva triangular do conceito
de mito, apresentada sob três formas de exposição do termo, a saber, mythos, μύθος e mito. A
grafia latina mythos designará, em linhas gerais, o constructo do pensamento primitivo imbuído
de sacralidade, compreendido na pesquisa a partir de excertos das obras homéricas e hesiódicas.
Depois será observada, na Arte Poética de Aristóteles, como essa noção desenvolveu-se dando
margem para o surgimento do conceito aristotélico de μύθος (grafia grega), elemento constitutivo
da composição literária, a fabulação, e, por fim, o termo mito (grafia portuguesa) será percebido
como a unidade entre os dois conceitos anteriores, definido como uma narrativa ficcional cuja
base foi desencadeada nos primórdios.

Palavras-chave: Mythos; Μύθος; Mito; sacralidade; fabulação.

PROÊMIO DAS METAMORFOSES, DE OVÍDIO: O CARÁTER


RITUALÍSTICO DA INVOCAÇÃO NA POÉTICA DE OVÍDIO
Autor: André Marques Sousa

Resumo: Este trabalho tem o objetivo de tratar da invocação no proêmio das Metamorfoses, de
Ovídio. Presente no modelo poético da épica Greco-latina, a invocação é um recurso da poesia
de cunho mítico e ritualístico em sua função. Embora, no período vigente, séc. I d.C., a invocação
tenha perdido sua função primordial ritualística em detrimento de se tornar um locus comum na
poesia épica, é notável perceber a utilização da invocação no proêmio por Ovídio não
essencialmente como um recurso poético, mas como uma evocação do caráter ritualístico dessa.
Tendo em vista esse aspecto ritualístico e de recursividade poética nas Metamorfoses, a partir
dos trabalhos de Fonseca, Veiga e Carvalho, o trabalho observa a partir da análise linguística e
contextual mítica como se configura esse caráter ritualístico na invocação dos deuses no proêmio
da obra.

Palavras-chave: Invocação divina; Mito; Metamorfoses; Ovídio.

GT 14 - RELIGIÕES ORIENTAIS

Coordenadores: Ms. Derley Menezes Alves (UFPR)


Dra. Klara Schenkel (UFPB)

Resumo: O objetivo principal deste GT é discutir pesquisas que versem sobre as religiões de
matriz oriental (sejam elas tradicionais ou modernas), a partir de pressupostos teóricos e
metodológicos das Ciências das Religiões, isto é, desde o viés histórico e antropológico, até
abordagens hermenêuticas, filosóficas, literárias ou cognitivas. Vinculados a este grande objetivo
pretendemos também: discutir os vários legados artísticos e educacionais que as tradições
orientais trouxeram para a humanidade bem como desenvolvimentos contemporâneos destas
tradições e as possibilidades de diálogo entre elas e o ocidente.

GT 15 - ARTE E FILOSOFIA: SABERES LÍQUIDOS

Coordenadores: Dr. Robson Xavier da Costa (UFRN/UMinho)


Ms. Márcio Soares dos Santos (ITESP)

Resumo: Segundo Bauman (1999) vivemos na modernidade líquida. Termos como pós-
modernidade, hipermodernidade, modernidade tardia, apropriação, hibridismo e transculturação
definem paradigmas contemporâneos. Desde 1960 as Artes Visuais dialogam com outras
linguagens expressivas utilizando a Bricoláge e a apropriação, que possibilitam a heterogenia dos
saberes apresentados no campo expandido (performances, site specifics, instalações,
videoinstalações, intervenções urbanas, etc.). Neste GT questionamos: como se estabelecem as
relações entre as artes, a educação e as religiões no mundo contemporâneo? Como o estudo das
imagens pode aproximar as artes da educação? Pretendemos estimular o debate sobre as reflexões
em torno das Artes e dos saberes humanos transdisciplinares.

DAS AURAS DO PROFESSAR: POSSIBILIDADES DE INSTAURAÇÃO


DA PRESENÇA E DA AUTORIDADE NA SALA DE AULA

Autor: Pedro Luis Braga Silva

Resumo: Pressupondo a atuação do professor como performance, e a partir de referenciais


estéticos fenomenológicos (presença, gesto, olhar), proponho analogia com a ideia benjaminiana
de decadência da Aura da obra de arte. Investigo raízes religiosas do conceito de Aura para, com
Gusdorf, sugerir que, apesar dos inúmeros ganhos do processo de laicização do ensino na
História, ele também significou a “desaurização” (desautorização) do professor, visto que a
autoridade do seu Saber provinha de Deus. Ao final, sugiro caminhos para a restauração da
autoridade do Saber a partir de um deslocamento do conceito de Aura e do retorno à humanização
dos saberes em sua religação (laica) com o mistério, com o sagrado e com a própria vida.

Palavras-chave: Aura. Performance. Ensino. Autoridade. Presença.

EXPERIÊNCIAS A/R/TOGRÁFICAS COM O GRUPO REFLEXIVO


PARA HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A
MULHER
Autor: Leandro Alves Garcia

Resumo: Neste artigo, analisamos a prática docente no ensino de artes visuais aplicada ao grupo
reflexivo para homens autores de violência doméstica contra a mulher em cumprimento de penas
restritivas de direito no Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) em
São Gonçalo do Amarante (RN). Buscamos pensar sobre os trajetos registrados nesta
experiência, que teve duração de um ano e três meses em três diferentes grupos semestrais. Como
recorte desta pesquisa de natureza qualitativa, traçamos o perfil socioeconômico por meio de
relatórios do primeiro grupo de homens e comparamos a abordagem artística nas três primeiras
turmas. Como eixo teórico recorremos aos escritos sobre experiência docente (Dewey, 2010);
educação não formal (Gohn, 2010 e 2011); a/r/tografia (Irwin e Dias, 2013) e a lei Maria da
Penha (nº 11.340).

Palavras-chave: Artes visuais; A/r/tografia; CREAS; Grupo reflexivo; Violência.

IMAGEM E SIGNIFICAÇÃO: A RELAÇÃO ENTRE SUBJETIVIDADES


E OBJETOS EM UM CONTEXTO ESCOLAR
Autor: Vinicius Felipe Gomes de Oliveira
Coautor: Clécio de Lacerda

Resumo: A imagem enquanto categoria é debatida por estudiosos e pesquisadores em diferentes


períodos, métodos e teorias. Este trabalhovislumbra uma análise comparativa entre as obras
Sociologia da imagem: ensaios críticos (KOURY, 2004) e Sociologia da fotografia e da imagem
(MARTINS, 2008), visando a ampliação do cabedal docente, de maneira que possa auxiliar essa
categoria em uma interseção de imagens e subjetividades projetadas, sobretudo, no processo de
conhecimento em sala de aula com concorrência entre mídias. Logo, consideramos que a
conceituação, presente no bojo de qualquer processo de conhecimento, é o gargalo que estreita
as relações e intensifica os atritos no tempo da cultura imagética.

Palavras-chave: imagem. Sociologia. Inter-relações.

A RELAÇÃO ENTRE CORES E SENTIMENTOS: A ARTE COMO


TRANSMISSOR VISUAL
Autor: Jacqueline Alves Carolino

Resumo: A importância da atividade artística para a pessoa idosa está relacionada não só fazer
uso do seu tempo livre, deixando de lado a tristeza, a solidão, o vazio e a ansiedade que alguns
apresentam, bem como, fundamental para desenvolver a criatividade. A cor é um elemento
fundamental nas artes e no cotidiano humano. Sua presença no universo visual, exerce tamanha
influência na mente das pessoas. Possuem uma capacidade de expressar sentimentos e tornar-se
transmissor de ideias numa ação tríplice: de impressionar, de expressar e de construir (FARINA,
2006). O presente trabalho é parte do projeto de pesquisa/extensão “Artes Visuais & Inclusão”,
coordenado pelo Prof. Dr. Robson Xavier e pela equipe do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus
e Inclusão (GPAMI) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), desenvolvido por um dos
Grupos de Trabalho do projeto na Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) na Vila
Vicentina Júlia Freire (VVJF), na cidade de João Pessoa – PB. O total de participantes desta
pesquisa é de seis (06) idosas, com idade variando de 64 a 85 anos. Nesse procedimento,
objetivamos mostrar como a relação das cores e sentimentos podem ser o transmissor de um
leque de ideias criativas com pessoas idosas de uma ILPI. Diversos autores, nomeadamente como
Eva Heller (2013), Ostrower (1996), Golding (1977) e Farina (2006), influenciaram o
pensamento sobre esta temática, tendo surgido a seguinte questão: “As cores e os sentimentos
podem serem o viés de ações criativas?” Trata-se de um estudo de natureza descritiva que utiliza
a metodologia do tipo qualitativo (RICHARDSON, 1999), pesquisa participante (DEMO, 1982)
e o caderno de campo como instrumento de pesquisa. Os dados foram coletado a cada 15 dias
nas terças-feiras, durante o primeiro semestre de 2018, por meio de expressões artística (pintura
em papel canson A4 com tintas), associados em particular, aos sentimentos. Os dados coletados
revelam que, as atividades artísticas com esses dois elementos (cor e sentimento) foi
extremamente valiosa no contexto do autoconhecer. Trabalhar com as cores nesse processo do
universo da mente é expedir valores simbólicos de experiências vividas. Nas relatos obtidos
como a de uma idosa de 83 anos (AL) que diz: “Hoje a minha alegria tem a cor vermelha, porque
vermelho é amor é paixão”, e nas atividades executadas, fica bem claro o quão foi significante a
partilha de vida e a construção de ideias (símbolos). Então, dentro desta perspectiva é notório
que existe sintonia entre as cores e os sentimentos, podendo ser considerado essa relação um viés
de ações criativas.

Palavras-chave: Idosas. Cores. Sentimentos. Artes Visuais.

MODA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS SUAS INFLUÊNCIAS


NA MULHER CONTEMPORÂNEA
Autor: Atena Pontes

Resumo: Durante a Segunda Guerra, a imprensa fez um novo perfil físico-social da mulher,
personagem que desenvolveu papel ativo em tal período. Assim, o estudo foi realizado a partir
de pesquisas realizadas na França, com análises de revistas Marie Claire, arquivos do Museu de
Lyon, objetos da época, fotografias, e entrevistas de pessoas que viveram durante a época, em
que se descreveu a imagem sócio-econômica da mulher desse período por meio do seu vestuário.
Até hoje são observados os resultados dessa época no inconsciente coletivo, em que serão
analisadas as influências exercidas, concluindo-se que a visão da imprensa do passado moldou a
imagem da mulher atual.

Palavras chaves: Imprensa. Mulher. Moda. Segunda-Guerra.

BURUBURU: A SIMBÓLICA DOS ORIXÁS NOS PROCESSOS


CRIATIVOS DO PERFORMER AYRSON HERÁCLITO E DO ARTISTA
PLÁSTICO PARAHYBANO ELIOENAI GOMES

Autor: Milton Silva dos Santos

Resumo: Nomeada de múltiplas formas, a religião constitui um dos principais domínios da vida
coletiva ou social. Remetendo à crença em alguma divindade distante e onipresente ou à relação
do sagrado com o profano, dos mortos com os vivos e deste com o outro mundo, ela é, quase
sempre, descrita enquanto i) fenômeno extraordinário, atemporal e presente em todas as
sociedades sobre as quais temos alguma notícia, ii) condição imanente a qualquer indivíduo,
mesmo daqueles que não atribuem nenhuma relevância à experiência religiosa ou iii) patrimônio
cultural formado pelo conjunto de signos, símbolos, objetos, etc., que permitem às religiões se
expressarem mediante liturgias diversas (SANTOS, 2016). Na maioria das religiões afro-
brasileiras, este patrimônio é constituído por uma ritualística complexa que abarca, inclusive,
práticas de cura nas quais não podem faltar a folha, o alimento, a reza e outras fórmulas litúrgicas
que rememoram os feitos e os atributos dos orixás. Este universo conectado com certas
cosmovisões de matrizes africanas tem mobilizado o processo de criação de alguns artistas
contemporâneos, que empregam não somente as técnicas tradicionais das artes plásticas, como
também a linguagem da performance, da instalação ou das intervenções de rua. O presente texto
baseia-se na videoinstalação “Buruburu” – pipoca ou“flor” de Omolu ou Obaluaiê, orixá
associado à varíola, à cura desta e de outros males do corpo e também os espirituais –, do artista
visual, performer e curador Ayrson Heráclito, e procura estabelecer um ponto de contato com os
elementos visuais presentes na tela “Omulu: caminho de renascimento”, do artista plástico
Elioenai Gomes. O pressuposto desta reflexão é que para apreender a carga simbólica latente ou
explícita nessas produções, assim como nas recriações plásticas de Mestre Didi e de outros
artistas afro-brasileiros, é recomendável (re)conhecer o referente – a cosmogonia e as hierofanias
do mundo nagô-ioruba – expressado por elas; do contrário, tal recepção corre o risco de se tornar
refém do discurso imediato da “arte pela arte”, livre e desinteressada, assentada estritamente na
percepção formalista ou na decodificação dos itens aparentes (técnica, cor, suporte etc.).

Palavras-chave: Religião. Religiões afro-brasileiras (aspectos mítico-simbólicos). Arte visual


afro-brasileira.

GT 16 - EDUCAÇÃO E RELIGIÃO NO CENÁRIO ATUAL:


PROPOSTAS CURRICULARES, FORMAÇÃO DE PROFESSORES
E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Coordenadores: Dra. Danielle Ventura de Lima Pinheiro (PUC-GOIAS)


Dr. Marinilson Barbosa da Silva (UFRGS)

Resumo: O presente Grupo de Trabalho tem como objetivo agregar pesquisas que apresentem
propostas curriculares e práticas pedagógicas do Ensino Religioso no cenário atual. O interesse
pela temática se deu a partir das pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa
FIDELID (CNPQ/UFPB) que refletem sobre as práticas pedagógicas, a formação de professores
e as propostas curriculares para este componente curricular. Conhecendo a realidade desta
disciplina que vem sendo comprometida pela ideia de confessionalidade que paira no cenário
atual, este espaço permitirá que reflitamos sobre possibilidades de atuação diferenciadas
pensando na diversidade cultural e religiosa do cenário brasileiro. Serão aceitos trabalhos que
apresentem um viés metodológico, a partir de propostas pedagógicas para o Ensino Religioso,
que reflitam sobre a formação dos professores, as propostas curriculares e pedagógicas para a
sala de aula ou ainda que discutam sobre o cenário atual do Ensino Religioso na Base Nacional
Comum Curricular e no cotidiano escolar.
GT 17 - INTERFACES ENTRE MÚSICA, EDUCAÇÃO E
TECNOLOGIA

Coordenadores: Dra. Juciane Araldi Beltrame (UNIRIO)


Esp. Gutenberg de Lima Marques (ESTÁCIO FIR, PE)

Resumo: O século XXI é marcado pelos avanços das tecnologias digitais. Por conseguinte, os
modos de ensinar e aprender passam por transformações. Nesse sentido, este GT pretende reunir
professores e estudantes de diferentes áreas, cujos temas de trabalhos articulem música e
educação; música e tecnologia; educação e tecnologia, educação e música, ou a ligação entre os
três eixos: música, educação e tecnologia. Compreendemos que um elo interdisciplinar entre a
Música, a Comunicação Social, as Mídias Digitais e a Pedagogia podem contribuir no avanço
nos debates e práticas conectadas com os desafios pedagógicos atuais. O embasamento teórico
está em conceitos como cibercultura, cultura participativa, metodologias ativas, juntamente com
os conceitos pedagógicos que envolvem o processo ensino-aprendizagem.

O ENSINO DE MÚSICA EAD POR MEIO DE TUTORIAIS


ONLINE: FORMAÇÃO DE INSTRUMENTISTAS
Autor: Roger Cristiano Lourenço da Silva

Resumo: O presente artigo visa apresentar um projeto de pesquisa desenvolvido para o Programa
de Pós-Graduação em Música (PPGM) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde
efetuaremos um estudo aprofundado sobre o ensino de instrumentos musicais na modalidade
EaD mediados pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Buscamos conhecer
sobre os tutoriais de ensino de instrumentos musicais online, além de compreender a influência
deles no mercado de trabalho de escolas especializadas em música e na formação de
instrumentistas. A pesquisa se caracteriza como documental, nossa principal fonte de dados será
a internet, nossos documentos serão os sites, os blogs e os canais do YouTube. Nosso aporte
teórico é constituído na maior parte por Westermann (2010), Beltrame (2014), Monteiro (2011),
Mendes e Braga (2007), Cernev (2017), Duarte e Marins (2015), Júnior e Figueirôa (2015),
Requião (2015), Cota (2015) e Gohn (2010). Espera-se que ao final dessa pesquisa possamos
ampliar as discussões sobre o ensino de instrumentos musicais na modalidade EaD intermediado
pelas TIC, além de sistematizar procedimentos que facilitem a produção de futuros tutoriais nesta
modalidade, contribuindo significamente para o mercado local.

Palavras-chave: EaD; Tutoriais online; Formação de instrumentistas


UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE O ENSINO DE
CONTRABAIXO ELÉTRICO E TEORIA MUSICAL NO GRUPO BXPE
NO WHATSAPP

Autor: Lêdo Ivo Benevides de Souza Júnior

Resumo: Este trabalho refere-se à reflexão sobre algumas práticas utilizadas para o ensino de
contrabaixo elétrico e teoria musical através do aplicativo “Whatsapp”. Trata-se do grupo BxPE
que tem como participantes contrabaixistas de Pernambuco que compartilham entre si, através
do grupo, vários arquivos de áudios, vídeos gravados com diversas técnicas, experiências vividas
por cada músico, preferências musicais, possibilidades de repertórios baseados no citado
instrumento. Este artigo pretende discutir sobre as diversas metodologias referentes ao ensino
educativo/musical e o entendimento sobre o grupo e seus objetivos para a valorização dos
músicos integrantes, interelacionando, assim, as mesmas possibilidades metodológicas que
podem ser utilizadas no terceiro setor e/ou em contextos não formais de ensino, tais como ongs,
igrejas, escolas de música não-governamentais entre outras instituições que também possam estar
inseridas em grupos no aplicativo Whatsapp com a finalidade de ensinar e aprender música em
diferentes contextos.

Palavras-chave: ensino-aprendizagem; música; tecnologias; educação musical.

TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO MUSICAL: um relato de experiência


sobre uma oficina de criação de jogos musicais digitais.

Autor: Thiago da Silva Sales

Resumo: O presente trabalho trata-se de um relato de experiência com alunos de graduação e


pós-graduação durante uma oficina de criação de jogos musicais digitais na UFPB. O projeto
Tecnologias e Educação Musical - TEDUM, é um projeto que envolve ensino, pesquisa e
extensão. A oficina de criação de jogos musicais digitais foi a primeira de uma série de oficinas,
ministradas por alunos bolsistas do curso de licenciatura em música da UFPB. O formato da
oficina foi o semi-presencial. O objetivo era que ao final do curso, era que os alunos estivessem
aptos a criar jogos utilizando o PowerPoint, que foi a plataforma escolhida para a criação dos
jogos educativos. Os pré-requisitos para a realização do curso eram saber utilizar o PowerPoint,
o Whatsapp e o Facebook. Além disso, o aluno deveria aprender a fazer edição online de imagem,
áudio e vídeo. Quanto à metodologia empregada, os alunos tiveram 2h de aula presencial, onde
foram apresentados às ferramentas básicas de criação de jogos no PowerPoint e 6h de
atendimento online, onde os alunos deveriam acessar o nossoAmbiente Virtual de Aprendizagem
- AVA (google sala de aula), assistir aos tutoriais e resolver as atividades propostas pelo professor
tutor, totalizando 8h de curso. Os resultados foram satisfatórios e apontam para a direção da
inovação nas ferramentas utilizadas pelo professor de música nos espaços educativos. A Oficina
de Criação de Jogos Musicais Digitais me proporcionou vivenciar uma experiência
enriquecedora do ponto de vista pedagógico. Ao longo do curso, tivemos a oportunidade de
aprender e adquirir as habilidades necessárias para que tivéssemos um bom encaminhamento do
curso. Sobre os aspectos que foram avaliados, escolhi como parâmetros a criatividade e a
participação. A respeito dos instrumentos de avaliação, optei por realizar uma avaliação prática.
Além disso, criei uma avaliação no google formulários para que os alunos pudessem avaliar o
curso. Nessa avaliação online, haviam questões sobre os pontos fortes e fracos do curso. Além
disso, perguntamos se o aluno teria interesse em participar de uma segunda edição do curso. Um
dos alunos avaliou o curso de forma positiva. Os jogos criados a partir do Powerpoint mostraram-
se uma ótima ferramenta de ensino-aprendizagem, que despertam o interesse dos alunos em
aprender. Pensando na educação básica, surgem algumas indagações que mais cedo ou mais tarde
teremos que enfrentar e buscar soluções viáveis. Como adaptar as tecnologias aos espaços
educativos? Como renovar os métodos de ensino-aprendizagem em tempos de revolução digital?
A educação e mais especificamente a educação musical, passam por uma constante
transformação. Como educadores, podemos ser autores dessa mudança e fazer a diferença mesmo
em tempos difíceis. Mas, o que não podemos, é fazer de conta que as tecnologias digitais não
existem. Pretendo continuar as minhas pesquisas em Tecnologias e Educação Musical e continuar
contribuindo para o avanço da área.

Palavras-chave: Tecnologias e educação musical, educação musical online, criação de jogos


musicais digitais

GT 18 - BRUXARIA NA LITERATURA E NAS ARTES VISUAIS

Coordenadores: Ms. Andressa Furlan Ferreira (UFPB)


Ms Angela Albuquerque de Oliveira (UFPB)

Resumo: O tema da bruxaria abunda em fontes visuais e literárias da história europeia,


exercendo funções na estética e no desenvolvimento dos enredos. Detrás desses motivos
artísticos subjazem crenças religiosas, bem como imaginário e ideologia. Analisar essas questões
a partir da perspectiva histórica contribui na compreensão da visão de mundo e de relações sociais
passadas. Este GT contempla estudos e ensaios que compreendam produções culturais (séculos
VII a.C. a XIX d.C.) relacionadas a adivinhos(as), bruxos(as) e feiticeiros(as) no domínio das
artes mágicas. O aporte teórico-metodológico é proveniente das áreas de Letras, Artes Visuais e
História, sendo preponderante a interdisciplinaridade. Os trabalhos serão avaliados em termos de
delimitação de objeto de estudo, objetivo e metodologia.

BRUXARIA EM O CORCUNDA DE NOTRE-DAME DE PARIS


Autor: Leandro Vilar Oliveira

Resumo: O Corcunda de Notre-Dame de Paris (1831) é um dos mais renomados trabalhos do


escritor francês Victor Hugo, celebrado como um dos grandes expoentes do Romantismo francês.
A proposta desse artigo foi pensar os elementos associados a bruxaria contidos nesse romance
gótico. Embora não tenha sido a intenção do autor privilegiar tais temas, ele os representa
sutilmente envolvidos entre dois personagens, a cigana Esmeralda e o arquidiácono Claude
Frollo. Assim, partindo de um estudo de análise de conteúdo, procuramos perceber como os
elementos de bruxaria, magia negra, cigana, inquisição, foram adaptados pelo autor a sua obra, e
como eles realmente eram empregados durante o século XV. Dessa forma, visamos realizar um
estudo comparativo entre história e literatura, percebendo que apesar dos floreios românticos e
dramáticos concedidos por Hugo, ele soube manter proximidade com o contexto histórico da sua
época.

Palavras-chave: Corcunda de Notre-Dame, bruxaria, ciganos, literatura.

“CHI VA DI NOTTE IN TREGENDA COLLE STREGHE”.


CONCEPÇÃO DA BRUXARIA EM JACOPO PASSAVANTI NAS
PREGAÇÕES QUARESMAIS EM 1354

Autor: Lorenzo Sterza

Resumo: Muitos estudos acadêmicos ainda são dedicados à análise dos vários conceitos do
fenômeno definido como bruxaria. Assim, considerava-se como condição para individuar uma
mulher como bruxa, o deslocar-se à noite a cavalo de vassouras, bestas ou demônios. Dessa
forma, analisaremos, utilizando o método comparativo da história cultural, como o frei
dominicano Jacopo Passavanti, no seu texto “Lo specchio dela vera penitenzia”, relatou sobre
essas temáticas nas suas pregações quaresmais em 1354. Isto posto, com a nossa pesquisa
pretendemos levar ao conhecimento acadêmico um assunto que influiu marcadamente nas futuras
indagações nas quais a inquisição emitia suas penas pelos reatos de bruxaria.

Palavras-Chave: Bruxaria. Mulher. Inquisição.

ENTRE MADRÁGORAS E BELADONAS: ocultismo e esoterismo em


Lucila Nogueira

Autor: André Cervinskis

Resumo: Lucila Nogueira, poeta carioca e recifense, falecida em 2016, uma das grandes
representantes da geração 1965, detinha uma poética de toda original, forte, mítica e intercultural,
reverberando lendas e conhecimentos ancestrais da humanidade. Assim, Lucila Nogueira,
especialmente nas obras Imilce (2003), Ilaiana (1997), Amaya (2001), Ainadamar (1996) e A
Quarta Forma do Delírio (2003), incorporando sua herança ibérica e o tempero da cultura
brasileira, vai enxertando, em sua obra, a miscigenação poética de elementos de culturas
européias, ciganas, celtas, cristãs e, evidentemente, brasileiras. Ela incorpora a força da
identidade ao desejo, traduzindo-os em versos de pura magia e revelação, verdadeira fruição
literária que resvala num prazer estético. Além d eum livro sobre ocultismo em Fernando Pessoa
(A Lenda de Fernando Pessoa, Recife: Bagaço, 2003), em que trabalha a influência do esoterismo
no escritor português, em vários de seus livros, há referências a sibilas, wikas, bruxas e profetisas,
direta ou indiretamente: Tua imagem me traz elarividência/ vontade de curar e ser curada bela
dama e sibila que consola/beladona e absinto hóstia da Ásia (Zinganares, Lisboa, 1998); eu te
direi quem és e a que vieste/ escuta meus presságios de vidente (Ilaiana, Recife, 1997); Era
sagrada a praia, era sagrada/ o mar com seus pesqueiros coloridos/ era sagrada a lua sobre as
águas/ onde lavei meu sexo infinito (Livro do Desencanto, Recife, 1991); Trago a flor da
mandrágora no ventre/ e os vapores de opio me circundam/ no olha ruma saudade irisdescente/ e
uma melancolia de outros mundos. [...] o transe a possessão o mor perdido/ entre o fundo do
abismo e a luz dos astros/ estava escrito em todos os livros/ o triunfo imortal dos insensatos (A
Dama de Alicante, Rio de Janeiro, 1990). Essa comunicação procurará analisar a influência do
ocultismo e esoterismo em Lucila Nogueira, contextualizando-a no panorama de revalorização
das ciências Ocultas do final do século XX e início do século XXI.

Palavras-chave: Idade Média. Novela de cavalaria arturiana. Magia. Morgana; Dama do Lago.

AS BRUXAS DO CICLO ARTURIANO MEDIEVAL E AS FACETAS DO


MAGICUS: DE MORGANA À DAMA DO LAG

Autor: Letícia Raiane dos Santos

Resumo: Na literatura cortês de aventuras, de acordo com Erich Auerbach (2011, p. 114),
observa-se “o secreto, o que brota do chão, ocultando as suas raízes, inacessível a qualquer
explicação racional” (2011, p. 114). Na diegese das novelas de cavalaria arturianas medievais, a
designação “fada” surge para fazer referência às magas ou feiticeiras. Dentre elas, as mais
conhecidas são Morgana e Viviane – A Dama do Lago –, que se configuram como personagens
emblemáticas e, por vezes, díspares em sua natureza e ações. A segunda, com freqüência, possui
uma imagem, na maioria das vezes, positiva e ingênua, ao passo que a primeira, quase sempre,
revela uma índole ardilosa. As práticas de magia presentes no Ciclo Arturiano pertencem ao
maravilhoso, que, conforme Irlemar Chiampi (2015, p. 48), na obra O Realismo Maravilhoso:
forma e ideologia no romance hispano-americano, compreende o extraordinário e o insólito, “[...]
o que escapa da ordem natural das coisas e do humano”. Além disso, para ela, esta categoria do
sobrenatural comporta coisas admiráveis, independentemente de serem belas ou horríveis. O
maravilhoso na Idade Média, de acordo com Jacques Le Goff (1985), em O maravilhoso e o
quotidiano no Ocidente medieval, pode ser de três ordens distintas: miracula, mirabilia e
magicus. As práticas de feitiçaria atrelavam-se somente à terceira, que possuía uma conotação,
muitas vezes, ambígua. A princípio relacionou-se apenas a eventos que desafiavam as leis
naturais do mundo a partir da manipulação humana de elementos presentes na natureza, a magia.
Contudo, com o passar dos anos, também recebeu uma conotação mais negativa que a interligava
a intervenções mágicas de caráter demoníaco e maligno. Dessa forma, levando em consideração
teorias referentes ao maravilhoso medieval, como as de Le Goff (1985) e Jean-Claude Smith
(1999), bem como obras literárias da Idade Média pertencentes ao CicloArturiano, que trazem as
personagens Morgana e Viviane, este trabalho propõe abordar, a partir de uma metodologia
comparativa, como são apresentadas as feiticeiras e as práticas de feitiçarias em novelas de
cavalaria do período medieval. Ademais, após traçar as nuances do perfil d’A Dama do Lago e
da irmã do Rei Artur em novelas como Lancelote, o cavaleiro da charrete; Erec e Enid; A
Demanda do Santo Graal; e A Morte de Artur, realizar-se-á um estudo acerca das diferentes
maneiras que a magia (magicus) de ordem feminina apresenta-se de uma obra para outra, no
decorrer do tempo.

Palavras-chave: Idade Média. Novela de cavalaria arturiana. Magia. Morgana; Dama do Lago.
AS BRUXAS DE MACBETH: UM OLHAR À LUZ DA
REPRESENTATIVIDADE ARTÍSTICA E LITERÁRIA
Autor: Alessandra Galvão

Resumo: A crença em bruxas faz parte da história da humanidade desde tempos imemoriais. A
princípio, as feiticeiras celtas eram consideradas deusas. Na cultura helenística as pitonisas
compunham o oráculo de Delfos e vários visitantes percorriam a região para saber seu destino.
Na Idade Média, a crença em demônios, a visão apocalíptica de uma sociedade na qual a
imaginação exacerbada foi um dos principais elementos constitutivos, condenou a prática de
feitiços e a bruxaria foi associada ao culto ao demônio. Iniciou-se uma construção imagética
macabra, endossada pela moral cristã. As pessoas passaram a atribuir a ocorrência de catástrofes
naturais e problemas do cotidiano à presença de bruxas. Várias convicções permeiam o
imaginário popular, entre as quais, a realização do Sabá, reunião noturna na qual as feiticeiras se
uniam a Satã para a prática de magia negra, participavam de orgias e sacrificavam crianças. Nesse
cenário, a Igreja católica exerceu seu poderio, e foi instaurado o Tribunal da Santa Inquisição,
responsável pelo alto índice de execuções de pessoas, em sua maioria mulheres. Nesse contexto,
há uma relação dialógica entre Arte, Literatura e realidade social, e a bruxaria tem intensa
representatividade nas artes. Na tragédia Macbeth, de William Shakspeare, encenada e publicada
no início do séc. XVII, as bruxas são seres malignos grotescos, dotados de poder e agregam
elementos das crendices do medievo. A obra foi a fonte de inspiração para muitos artistas, e a
imagem das bruxas de Macbeth se cristaliza na pintura de Théodore Chassériau e Johann
Heinrich Füssli. Esses seres agregam uma ressignificação imagística na obra de Daniel Gardner,
que atribuiu às bruxas um caráter humanizado. A sensibilidade do olhar do artista transpõe para
a tela mito, realidade e personagens da literatura. A estética das obras inclui uma visão paradoxal
entre a assimetria de uma mulher má de caracteres disformes e a mulher de feições harmoniosas,
em consonância com a beleza de uma época. Com o redimensionamento do belo na arte do séc.
XVIII, ocasionado pela mudança conceitual estética, o assimétrico é visto por um novo prisma.

Palavras-chave: Bruxaria; História; Literatura; Artes visuais; História da Arte.

HIERONYMUS BOSCH E O DEMONÍACO COMO INSTRUMENTO


EDUCACIONAL DA IGREJA CATÓLICA NO SÉCULO XV

Autor: Alessandra Sislayne Cariri Gomes

Resumo: O cenário medieval europeu correspondeu a uma sociedade marcada pelo binarismo
do bem e do mal e a forte doutrinação que a Igreja católica exercia sobre a população da época.
Atuando com o poder de controle de suas mentes e corpos, a igreja construiu assim uma
sociedade manipulada e coberta de temores, tornando o medo como um dos principais
mecanismos de controle da sociedade européia. Durante o período popularmente conhecido com
Idade Média tardia ou Baixa Idade Média, o corpo eclesiástico, comandou o seu rebanho de fiéis
durante séculos, impondo a eles a dualidade de Deus e Satã, céu e inferno e bom e mau enquanto,
agente construtor do homem medieval. Portanto, a Igreja tornava-se responsável pela educação
e consequentemente salvação das almassalientando que essa educação aqui citada é uma
educação tanto religiosa, quanto social. Dentro dessa sociedade onde o analfabetismo era
majoritário dentre a população, as artes visuais atuavam como um dos principais mecanismos do
cristianismo europeu para construir com sucesso seu sistema educacional religioso. Trazendo
assim, a figura do demoníaco, da bruxaria e dos pecados capitais muitas vezes como peça motriz.
Diante dessa perspectiva fomentamos a apropriação da pintura, como instrumento educacional
da Igreja, observando uma educação imposta pelo medo, onde o profano e os desejos mundanos
muitas vezes assumiram o papel principal para conduzir a narrativa de que o bem deveria
prevalecer. Observamos neste trabalho, dois trípticos do pintor holandês Hieronymus Bosch:
tríptico jardim das delícias (1480-1490) e o tríptico da carroça de feno (cerca de 1516);
visualizamos assim, dentro da pintura de Bosch todos os personagens que são apresentados
dentro da esfera religiosa medieval no processo de doutrinação dos indivíduos, relacionando-os
dentro de uma narrativa visual. As obras de Bosch deixa claro ao espectador o poder da igreja
enquanto condutora das leis morais e sociais daquela época. Porém, em contrapartida, mostrava
também a ilustração da ação do pecado dentro de um cenário divertido, colorido, festivo, e ao
mesmo tempo caótico e aterrorizante, em suma, suas obras conseguem unir os seres de natureza
hedionda e celeste. Assim, suscitamos o demoníaco diante da incumbência na religião, tendo um
valor de igual importância, ou ainda, em alguns caso até maior, com relação às figuras do sagrado.
Dialogamos neste debate com Jean Delumeau e sua obra A história do medo no Ocidente(2009);
Ernst Gombrich com A história da arte (2012) e Jérôme Baschet A civilização do homem feudal
- Do ano mil à colonização da América (2006). Buscamos entender a construção do homem
medieval e da história lapidada na pauta do amedrontamento, através dos feitos de Bosch em
apresentar esses fatores de forma explícita, nos levando a inúmeros questionamentos sobre a
condução do processo educacional católico e a influência da pintura na ilustração dos dizeres da
Igreja.

Palavras chave: Artes visuais. Bosch. Demoníaco. Educação. Igreja.

AS POÇÕES DE AMOR E VENENO DE LA VOISIN

Autor: Tiago Mota Ferreira

Resumo: Este trabalho tem como objetivo tratar de relatos sobre uma mulher “chamada de
bruxa” devido às poções mágicas de amor e veneno por ela produzidas, na França do século
XVII. Pretendemos retratar uma feiticeira francesa Catherine Deshayes, conhecida por La Voisin
que tinha por hábito criar poções e venenos. Procurada por mulheres abastadas de Paris que
buscavam as suas poções de amor a qualquer custo, deixando-a assim muito rica. Julgada e
condenada pelo tribunal de Paris (1680) por envenenamento e feitiçaria foi levada a fogueira
como pena de morte.

Palavras-chave: Bruxaria. La Voisin. Feitiaria.

A MÍSTICA EM TORNO DO SER ERICTO E SUA INFLUÊNCIA NA


FARSÁLIA DE LUCANO

Autor: Anderson Brasil da Silva

Resumo: Este trabalho se propõe a uma análise do ser Ericto a partir da obra da Farsália, de
Lucano. Essa narrativa que transcorre ao período das guerras civis entre Cesar e Pompeu que
resultaram na queda da República Romana, segunda metade do século I a.C., além de conferir
uma nova roupagem para o gênero épico clássico, também nos apresenta – de uma forma nada
convencional – a figura de uma bruxa como um ser dotado da predição do futuro, peça chave
para o desenrolar da trama. Em um mundo onde as batalhas e guerras eram partes integrantes da
sobrevivência daqueles povos, fazer uso dos oráculos era uma questão de vida ou de morte.

Palavras-chave: Ericto. Farsália. Bruxa. Necromancia.

BABA YAGA: A “BRUXA” DOS CONTOS ESLAVOS


Autor: Susan Sanae Tsugami

Resumo: Baba Yaga é um ser sobrenatural e folclórico que desperta interesse, tanto pelas suas
narrativas, quanto como entidade celebrada no Paganismo Contemporâneo. Histórias sobre ela
aparecem em diversos lugares da Rússia, Ucrânia e Bielorrúsia desde antes do século XVIII. Os
contos populares sobre Baba Yaga foram transmitidos de forma oral no período pré-cristão da Rússia,
fazendo com que traçar a história da evolução dessa figura e seus contos populares seja uma tarefa
difícil. Durante a transmissão dos contos russos e eslavos, a imagem desse ser curioso ficou confusa
e insoldável, sendo compreendida como um ser ambíguo, tornando difícil o entendimento do que
seria uma “Baba Yaga”. Sendo assim, o presente trabalho propõe, realizar um estudo teórico em
relação as diversas interpretações sobre a Baba Yaga. Em grande parte das histórias, a Baba Yaga
vive em uma casa de madeira que é sustentada por pernas de galinha, porém em algumas destas, sua
casa pode ser descrita com pernas de bezerro ou calcanhares. Os estudiosos enfatizam a conexão com
pássaros, sendo que as pernas de frango (as quais sustentam a casa de Baba Yaga) sugerem uma
morada móvel, mas que não se movimenta nem muito rápido e nem percorre longas distâncias. Em
russo a casa da Baba Yaga é chamada de izba, sendo associada a um tipo específico de construção,
muito comum em todo o norte da Rússia. Esta seria uma casa feita de troncos cortados, como uma
cabana de madeira. O material da estrutura de sua casa indica que se trata de uma moradia popular,
em geral, esse tipo de construção era feito próximo às florestas. Nas narrativas, ao sair de casa, ela
voa em um pilão, varrendo a trilha do caminho por onde passa com uma vassoura. Os objetos da
Baba Yaga (pilão, tapetes de fadas e morcegos invisíveis) podem ser considerados mágicos e
permanecem sempre consigo. Um fato curioso em relação aos objetos que ela carrega é que o pilão,
em séculos passados, por muitas vezes, fez parte de um conjunto de ferramentas para mulheres, já
que era através desse objeto poderiam triturar e preparar ervas e grãos para cozinhar e fabricar
remédios. Em sua faceta mais assustadora, a Baba Yaga é canibalesca e prospera com sangue russo.
Dentre suas principais presas estão crianças, mulheres jovens e de vez em quando ameaça devorar
um homem. Vez ou outra, pode ser generosa dando conselhos que não saem baratos. Está sempre
testando as pessoas que vieram a ela por acaso ou por escolha. Os animais a veneram, ela os protege
e também protege a floresta como figura da mãe. Obtém o segredo para a água da vida e pode ser
compreendida como a Mãe Terra. Esse último aspecto se popularizou não só na Rússia, mas no
mundo inteiro e fez com que ela seja venerada até os dias atuais. Baba Yaga pode ser interpretada
como guardiã da fronteira entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Nos contos folclóricos,
ela dá comida ao herói permitindo a este entrar no mundo dos mortos. Durante sua jornada o
personagem é perseguido por ela até o limite dos mundos, como se fosse para garantir que ele não
permaneça com os mortos. Sua conexão e poder sobre os animais pode ser compreendida como
vestígios de uma religião primitiva relacionada a uma cultura de caçadores. Baba Yaga é um ser
paradoxal e abrange muitos opostos: vida e morte; juventude e velhice; humano e animal; masculino
e feminino; características boas e ruins. Acredita-se que a Baba Yaga perdeu suas funções maternas,
isso pode ter acontecido por todo um processo de cristianização e demonização do feminino e antigos
cultos pagãos, ainda assim, é importante ressaltar que algumas características, como seu poder sobre
os animais e os mortos tenham sido mantidas nos contos. Como uma deidade ou ser extremamente
conectada com a passagem da vida para morte, Baba Yaga está relacionada à ancestralidade.

Palavras-chave: Baba Yaga, Bruxa. Folclore. Paganismo. Eslavo.


O XAMANISMO E AS PRÁTICAS MÁGICAS DOS SÁMI NOS
ESCRITOS DE JOHANNES SCHEFFERUS
Autor: Victor Hugo Sampaio Alves
Resumo: Johannes Schefferus foi um erudito de origem alemã que passou grande parte de sua vida
na Suécia. Dedicou-se ao estudo das antiguidades, da filologia clássica, da história da ciência e,
também, aos povos sámi. Intrigado, Schefferus realizou uma densa e complexa pesquisa sobre esses
povos, baseando-se em autores clássicos como Saxo Grammaticus e Tácito. Também fez intenso uso
dos escritos tardios de Olaus Magnus, que em 1555 publicou seu Historia de Gentibus
Septentrionalibus, fruto de uma série de viagens para as terras dos sámi (na época, chamados de
lapões). Ao contrário de Olaus Magnus, Schefferus nunca chegou a pisar em solo lapão, tendo sido
exclusivamente um teórico de gabinete. Contudo, o erudito realizou uma extensa e detalhada revisão
bibliográfica desses outros autores que haviam abordado a questão sámi; além disso, acabou
consultando também, vários relatos diretos de padres luteranos residentes na Lapônia. Por volta de
1673, Schefferus publica sua obra Lapponia, que compila diversas informações sobre os povos sámi,
indo desde vestuário e aparência até práticas religiosas que o autor julgou peculiares. Em seu livro
constam dois capítulos que abarcam as particularidades da religião sámi pré-cristã (ou, ao menos,
características dela que ainda se faziam presentes): nomes de deuses, descrições de diferentes cultos
e rituais e, por fim, alguns esboços das práticas xamânicas e de transe. Schefferus não entra em
grandes detalhes, mas elenca uma quantidade pertinente de informações que elucidam ao menos
alguns traços gerais e definidores do xamanismo entre os sámi. Numa época em que constantes
afirmações gerais e essencialistas têm sido feitas sobre o que é o “xamanismo”, fomentando a
possibilidade de encaixar diversas experiências religiosas de êxtase, muito distintas entre si, dentro
de uma mesma categoria, é imprescindível buscarmos traços particulares e idiossincráticos dentro de
cada uma dessas práticas, evitando generalizações que escapem à realidade. Nosso objetivo é
vislumbrar quais seriam os traços elementares do xamanismo sámi segundo a obra de Schefferus.
Visando isso, elegemos seus escritos como fonte primária para analisarmos as práticas xamânicas
dos sámi, por mais que tanto autor quanto obra mereçam as devidas ressalvas. Não o tomaremos
como fonte completamente fidedigna do que era, de fato, o xamanismo sámi, muito menos o
consideraremos um autor imparcial. Ainda assim, o trabalho de Schefferus foi fruto de um denso
mergulho do autor em vários estudos e relatos que, na época, já circulavam havia muito tempo.
Realizamos uma pesquisa qualitativa, de cunho analítico, que se propôs explorar e investigar a
ilustração que o xamanismo dos sámi recebeu na obra do autor. Para isso, selecionamos como
relevantes os trechos que tratem direta e especificamente de tais práticas religiosas. Para destacarmos
e evidenciarmos as propriedades que, para o autor, seriam elementos característicos do xamanismo
sámi, utilizamos a metodologia dos centros semânticos, conforme proposto por Schjødt. Os centros
semânticos são categorias de identificação dentro do discurso mítico ou religioso para onde
convergem os significados e totalidades relacionados a uma figura mítica ou ritual. São os
significados que, em sua totalidade semântica, servem como caracterizadores e qualificadores de uma
prática, que passa, então, a ser reconhecida graças a eles. Os centros semânticos são o núcleo desses
significados caracterizadores, que se tornam, então, resistentes à mudança e constituem os elementos
vigorosamente representativos de uma entidade ou prática mágica. Aplicaremos este método para
fazer a leitura da obra proposta, visando identificar quais são, na obra de Schefferus, os elementos
caracterizadores do xamanismo e das práticas mágicas entre os povos sámi.

Palavras-chave: Xamanismo. Sámi. Schefferus. Lapônia. Magia.


GT 19 - AS CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO ESTÉTICA NO
ENSINO RELIGIOSO

Coordenadores: Dr. Miguel Pereira da Silva (UFS)


Ms. Maria Elizabeth Melo Da Fonseca (UFPB)

Resumo: O grupo de trabalho se propõe a discutir a educação estética como uma prática
pedagógica relevante para o ensino religioso por possibilitar a ampliação da sensibilidade, da
imaginação e da criação, campos cognitivos, indispensáveis no processo ensino aprendizagem.
Tornando-se, assim, pertinente a discussão sobre o porquê de a educação estética ser menos
focalizada na educação formalista na construção do conhecimento. Nosso aporte teórico-
metodológico baseou-se nas reflexões de Friedrich Schiller; Jean Piaget e na Hermenêutica de
Hans-Georg Gadamer. Pretendemos congregar pesquisas quantitativas e qualitativas que
abordem a função narrativa, descritiva e persuasiva que a arte enquanto linguagem visual exerce
não só na educação e nas religiões, mas também nos espaços sociais da vida cotidiana e na
sociedade

GT 20 - ARTE, LITERATURA E SAGRADO

Coordenadores: Dr. Romero Venâncio (UFS)


Dra. Leyla Brito (UFPB)

Resumo: O Grupo de Trabalho tem por objetivo acolher trabalhos de pesquisadores, estudiosos
e interessados nas relações entre arte e sagrado em diversos momentos da história da humanidade.
A arte tem sido um lugar privilegiado para a compreensão do sagrado em diversas épocas... Desde
as primeiras representações pictóricas em muros ou cavernas passando pela tragédia grega ou
pela a dramaticidade corpórea africana ou ainda as miniaturas dos versos em Hakai ou pelo
cântico dos cânticos hebreu ou até as formas estéticas contemporâneas pós-século XX, a arte
sempre apareceu próxima de formas místicas... O nosso GT tem o interesse de trabalhar nessas
fronteiras e abrir algumas reflexões que nos orientem nesse caminho em ciências das religiões
com o eixo as Letras.

A REPRESENTATIVIDADE SACRA DE DIADORIM NO GSV: UMA


LEITURA HERMENÊUTICA

Autor: Mes. Michelle Bianca Santos Dantas (UFPB)

Resumo: Este trabalho pretende compreender as nuances da representatividade de Diadorim,


em Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, tendo em vista as mimesis de beleza e da
sacralidade em torno dessa personagem. Desse modo, discutiremos sobre questões importantes
que envolvem uma leitura hermenêutica do texto literário, por meio de um panorama e de
reflexões de sua importância e peculiaridades na análise de obras literárias. Buscaremos
investigar os conceitos e as simbologias do sagrado, com fundamento nas obras de Otto (1985)
e Eliade (2013). Além destes, ser-nos-ão válidos os escritos de Platão (2009), Braile (2006),
Ricouer (1989), Nunes (2010), e Compagnon (2006), Werner (2003).

Palavras-chave: Grande Sertão Veredas. Diadorim. Sagrado. Hermenêutica.

CONTINGÊNCIA RITUAL – RITO E ARTE NA MANUALIDADE


FEMININA
Autor: Sílvia Cordeiro (IFRJ)

Resumo: Este trabalho versa sobre a construção coletiva e artesanal de uma obra através de um
ritual artístico de fetichização, onde moldes de útero serviram de base material para o processo
ilusório de expiação dos sofrimentos de cada mulher participante. Para produzir a obra, utilizei a
ideia de agência e intencionalidade (Gell, 2005) como forma de reescrever a realidade vigente
através dos atos impugnados aos úteros mágicos. Desta maneira, as mulheres afirmam-se através
da arte na criação destes amuletos poéticos. O útero carrega a iconografia dolosa da resistência
feminina em meio ao caos do patriarcado, onde o direito sobre o nosso próprio corpo tem sido
negado.

Palavras-chave: fetiche; arte; útero; ritual; manualidade.

A BRUXA, O FILME: UMA CRÍTICA AO CRISTIANISMO PELA VIA


DA OBSCURIDADE

Autor: Katarine Laroche (UFPB)


Coautoria: Dra. Leyla Brito (UFPB)

Resumo: Este trabalho objetiva analisar o filme A Bruxa (2016), dirigido por Robert Eggers, a
partir da conceituação de “estética das sombras” de Dani Cavallaro, em seu The Ghotic Vision.
O filme traz uma atmosfera dúbia, de luz e sombras, em que o paradoxo da narrativa fílmica é
elaborado. Por um lado a figura da bruxa e de forças diabólicas agenciam o terror e o mal, por
outro, a fé cristã também é fonte de terror e medo. Assim, a estética obscura do filme norteará a
análise de sua crítica ao Cristianismo.

Palavras-chave: Bruxa. Cristianismo. Obscuridade.

EROTISMO E CONVERSÃO RELIGIOSA NO LIVRO APÓCRIFO JOSÉ


E ASENATH

Autoria: Kefren Kelsen Dantas Pereira (UFPB)


Orientadora: Dra. Leyla Thays Brito da Silva (UFPB)
Resumo: O presente trabalho objetiva analisar o texto apócrifo José e Asenath, pertencente à
tradição do Antigo Testamento. A paixão erótica entre os personagens Asenath e José do Egito
provoca, na heroína, uma mudança de sua religiosidade politeísta para o monoteísmo do amado.
A partir do conceito de Erotismo do filósofo Georges Bataille, pretende-se analisar o percurso
erótico-espiritual da personagem Asenath.

Palavras-chave: Apócrifos. Erotismo. Religiosidade. Bataille.

POETA INDO-EUROPEU: da sagração divina à funções sociais

Autor: Ms. Valmir Nascimento de Moura (UFPB)

Resumo: Mais do que servir-se de jogos de palavras para entretenimento de outrem, o poeta das
sociedades ditas indo-europeias utilizava-se dessa arte para realizar diversas funções sociais; ele
era jurista, médico, sacerdote etc. Entretanto, de onde emanava seu poder e autoridade? Temos
por objetivo demonstrar, por meio da análise de testemunhos literários sobreviventes em várias
culturas descendentes de matriz linguística indo-europeia, como a Grécia a Índia, por exemplo,
que autoridade do poeta nessas sociedades não emana do próprio indivíduo, mas é proveniente
do mundo sobrenatural e por isso, carregada de poder, habilita o poeta a desempenhar funções
sociais de importância vital para a sociedade.

Palavras-chave: Poeta. Cultura indo-europeia. Mito. Rito. Literatura.

GT 21 - EDUCAÇÃO AMBIENTAL, ECONOMIA, DIREITO E


SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL: UM DIÁLOGO
NECESSÁRIO

Coordenadores: Ms. Maria do Socorro da Silva Menezes (UFPB)


Ms. Luciana Vilar de Assis (UFPB)

Resumo: Tratar a educação ambiental como promotora de transformações com vistas ao


entendimento das implicações das mudanças necessárias nas plataformas básicas da exploração
econômica, do meio ambiente e dos direitos sociais é desafio, o problema a considerar no âmbito
das questões jurídicas envolvendo a livre inciativa e o paradigma do desenvolvimento
sustentável. O quadro teórico-metodológico de referência dos trabalhos propostos deve
considerar a educação ambiental como o “lócus” para a reflexão e ação sobre os conflitos
ambientais e os interesses antagônicos do sistema de exploração econômica e da mudança
necessária para ceder espaço ao conceito de desenvolvimento sustentável, mediante a adoção de
práticas econômicas alternativas e preservação da cultura das comunidades tradicionais, por
exemplo.

A ARTE DA VIDA RETRATADA ATRAVÉS DO DESAFIO DOS


CATADORES DE CARANGUEJO DE BAYEUX-PB EM PROVER O SEU
SUSTENTO EM FACE DA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL
Autor: Fábio Roberto Nóbrega da Cruz

Resumo: Objetivando demonstrar a arte da vida retratada através da forma como os catadores
de caranguejo do município de Bayeux estão enfrentando o desafio da exploração econômica,
em face da sustentabilidade socioambiental do produto que lhes garante o sustento, diante das
restrições impostas pelo direito pátrio a essa atividade, o estudo proposto contempla a descrição
a importância econômica da atividade bem como os principais problemas enfrentados pelos
catadores, em razão da proibição do exercício de sua atividade laboral no período de defeso,
mediante realização de pesquisa empírica de natureza exploratória. Os resultados demonstram
que esses trabalhadores se submetem a essas condições por questão de subsistência, pois é do
mangue que extraem os recursos que serão vendidos como matéria prima para a cadeia produtiva
de alimentação.

Palavras-chave: Catadores de caranguejo; Sustentabilidade socioambiental; Cadeia produtiva


de alimentação; Arte da vida.

A MÚSICA PESADA NO CENÁRIO DO CENTRO HISTÓRICO DE


JOÃO PESSOA: O ESSENCIAL NEM SEMPRE É VISÍVEL

Autor: Vladimir Sérgio Negromonte Duarte

Resumo: Esse estudo empírico com pesquisa exploratória resulta da vivência do autor como
músico banda Necropolis, observando que o Centro Histórico de João Pessoa tem sido palco de
realização de eventos em que a música pesada é apresentada de forma tímida, sem apoio do poder
público ou da inciativa privada e que as bandas locais são alijadas desse processo. O seu objetivo
é de delinear uma proposta de revitalização desse espaço no cenário musical, com a realização
de shows em que as bandas do gênero musical Rock e heavy metal da Paraíba possam ser
contratadas para realizar shows, superando as dificuldades da falta de apoio para essa finalidade,
tendo o condão de contribuir para fomentar o turismo e o comércio local, bem como a realização
de campanhas voltadas para a educação ambiental do seu público, viabilizando a perspectiva de
trabalho contínuo para os músicos locais.

Palavras-chave: Música Pesada; Educação Ambiental; Gênero Musical Rock e Heavy Metal da
Paraíba; Centro Histórico de João Pessoa.

NEUROECONOMIA E CONSUMO SUSTENTÁVEL: APONTAMENTOS


NA ÁREA URBANA DO MUNICÍPIO DE SANTANA DO IPANEMA –
ALAGOAS

Autora: Hiara Teixeira Ferreira Silva


Coautor: Manoel Valquer Oliveira Melo
Resumo: O presente artigo trata sobre o termo neuroeconomia como instrumento de análise
aplicado à tomada de decisões para o consumo sustentável. A investigação visou analisar uma
experiência comportamental na região do Sertão alagoano. Teoricamente a neuroeconomia se
apresenta como um paradigma emergente e interdisciplinar que está intrinsicamente ligado às
áreas da economia comportamental3, psicologia, neurociência4 e dados computacionais.
Etimologicamente, de acordo com Menegat (2016), o termo neuro advém da neurociência, área
que estuda como a nossa mente funciona, e da economia que se origina no estudo de como
administrar e alocar recursos escassos, em consonância com nossos sentidos e comportamentos
mentais. Pontuamos que a naturalização do consumo é uma estratégia ligada ao motor das
economias das sociedades hodiernas. Por outro lado, tomando como referência a sustentabilidade
socioambiental, existem impertinências que são desconsideradas quando aplicadas à tomada de
decisões dos sujeitos no ato de consumir produtos de forma sustentável. Tendo em vista que: “A
sociedade de consumidores desvaloriza a durabilidade, igualando ‘velho’ a ‘defasado’, impróprio
para continuar sendo utilizado e destinado à lata de lixo” (BAUMAN, 2008, p. 31). Tomar
decisões é tarefa que fazemos cotidianamente, em se tratando de consumo, a decisão de fato nem
sempre se dar de maneira consistente e consciente, considerando as finalidades de consumo para
suprir as satisfações das necessidades básicas ou equivocadamente do prazer do supérfluo, como
aponta Baudrillard (2008). Buscamos propor com base nesse trajeto teórico-metodológico a
necessidade de rever criticamente os recursos epistêmicos associados à obtenção de modelos que
melhor retratem acerca da tomada de decisões na economia de consumo entre indivíduos
economicamente ativos e consumistas. Deste modo, a pesquisa teve um viés qualitativo,
recorreu-se a aplicação de questionários e entrevistas semiestruturadas, obtendo-se uma
amostragem de 120 respondentes, dos quais formados por 67,2% do gênero feminino, 31,9 % do
gênero masculino e 0,9 % gênero outro. O objetivo inicial do estudo diagnosticou fatores
decisivos entre os consumidores respondentes, que ao utilizar a tomada de decisões de forma
impulsiva, consequentemente a tendência é afetar diretamente a economia local, considerando
que 76,6% dos respondentes já compraram por impulso. Foi possível caracterizar entre os sujeitos
da pesquisa, um comportamento reprovável quando relacionamos à capacidade de decidir sobre
as suas próprias escolhas de consumo, e a maneira vulnerável e suscetível às decisões mediadas
ao apelo do Marketing Digital, desconsiderando a falta de observação e de aprofundamento
teórico sobre a aquisição de produtos. Ao tratarmos do comportamento de um grupo de
consumidores a partir da neuroeconomia, detectamos que existem relações díspares no consumo
local que precisam ser superadas, com vistas à tomada de decisões de forma pensada e
responsável. Neste sentido, o desenvolvimento econômico tem operado, a priori, dentro da
incapacidade dos agentes econômicos que resistem em tomar decisões racionais em termos da
alocação dos recursos socioambientais disponíveis.

Palavras-chave: Neuroeconomia. Consumo sustentável. Tomada de decisões. Semiárido.

COSMOVISÃO CRISTÃ E ECOLOGIA: um diálogo necessário para a


promoção da sustentabilidade ambiental
Autor: Joel Silva dos Santos

Resumo: A compreensão da crise ambiental requer um olhar crítico, holístico e integral sobre a
sociedade humana e a Criação. A implementação de uma educação pautada no paradigma
ecológico é urgente e requer profundas reflexões e mudanças de valores na sociedade em geral.
É diante deste cenário que este trabalho se insere, com o objetivo principal de verificar a
contribuição de uma cosmovisão bíblica reformada e da ciência ecológica profunda na
compreensão dos problemas ambientais e na promoção da sustentabilidade ambiental. Para a
realização da pesquisa, inicialmente foi feito um levantamento bibliográfico a respeito da
temática em questão, e posteriormente, foram desvelados alguns pressupostos do humanismo
confessional que possibilitaram a revolução técno-científica e o surgimento de uma ciência
experimental\cartesiana. Em seguida, foram verificadas as categorias teológicas: Criação, Queda
e Redenção, basilares no pensamento cristão reformado Neocalvinista e os pressupostos da
Ecologia Profunda. A pesquisa revela que uma visão distorcida\dualista do pensamento cristão
ao longo da Idade Média fundamentada em Platão e Aristóteles comprometeu o envolvimento
dos cristãos pela causa ambiental e o seu real entendimento. A ciência moderna experimental
com seus pressupostos racionais e desenvolvimentista contribui diretamente para degradação
natural e a separação homem e natureza. A ecologia profunda e a cosmovisão cristã reformada
contribuem para a promoção da sustentabilidade ambiental e mudanças de valores na sociedade.

Palavras-chave: Cosmovisão Cristã Reformada; Ecologia Profunda; Crise Ambiental.

GT 22 - TEATRO E CULTURA(S)

Coordenadores: Dra. Márcia Chiamulera (UNIBO - Itália)


Ms. Lucia Serpa (UFPB)

Resumo: Este GT visa discutir as relações entre Teatro e Cultura(s), abordando os diferentes
aspectos culturais que permeiam o fazer teatral, assim como as reverberações de manifestações
teatrais em diferentes culturas. Neste sentido, indicamos as possibilidades de compreensão da
Arte como expressão de uma cultura, mas também compreendemos os diferentes elementos
culturais que interferem nos processos de criação artística, de ensino-aprendizagem e de
construção de conhecimentos. Assumindo uma concepção interpretativa, mas não única, a
cultura, compreendida como “teia de significados” também pode ser compreendida como um
“texto” e, complementarmente, uma dramaturgia construída por seus personagens e igualmente
criadora de personagens. Nos interessa, nesse sentido, indagar como aspectos culturais
influenciam as formas e conteúdos teatrais e vice-versa. Aspectos históricos, sociais,
antropológicos, filosóficos, religiosos, ideológicos, assim como todas as expressões do campo
das artes e as subjetividades que fazem parte da dimensão humana, são compreendidas como
elementos da cultura. Norteiam esta discussão a compreensão da arte como sistema cultural
(Geertz, 1988), o teatro como “duplo da cultura” (Artaud, 1968) e o teatro como “a inteira
cultura” (Grotowski, 1986).
ENTRE CHOROS, SUSSURROS E MÁSCARAS: A antropologia de Turner
e o teatro contemporâneo

Autor: Macário Velozo Hartnett

Resumo: O teatro detém um lugar especial na cultura humana, e mais especificamente nas
ciências sociais, pois alguns de seus teóricos mais importantes usam terminologia teatral para
descrever o mundo a seu redor. Nesse contexto, pensadores como Victor Turner e Irving
Goffman utilizam o teatro como base de suas teorias. Nesse artigo, faremos um estudo de caso
do espetáculo “Retomada”, mantendo o foco do nosso exame na liminaridade descrita por Turner
ao observar rituais religiosos. Veremos como esse e outros conceitos antropológicos podem ser
utilizados para análise de performances do teatro contemporâneo e para compreensão de
diferentes tipos de religiosidade humana.

Palavras-chave: Victor Turner. Teatro. Cultura. Religiosidade.

ENCRUZILHADA POÉTICA: pistas para uma abordagem do


acontecimento nas artes cênicas
Autor: Stênio José Paulino Soares

Resumo: O presente trabalho busca compreender o acontecimento nas artes cênicas sob a
perspectiva relacional de um lugar para as relações humanas. A partir do termo “encruzilhada
poética”, buscamos nos aproximar de um pensamento epistemológico que observa a importância
social e política das religiões afro-brasileiras, e como ele afeta a investigação em estado de
poesia. Nesse sentido, situamos os fenômenos da intersubjetividade e da interação a partir da
noção de encontro, reunião de pessoas e coisas que se movem em vários sentidos ou se dirigem
para o mesmo ponto. Eles também podem ser compreendidos como uma questão que nos é
colocada, e cuja resposta define ou cerca as características da essência dos sujeitos.

Palavras-chave: Encruzilhada poética. Cena. Acontecimento. Intersubjetividade. Interação.

DRAMATURGIAS DE UM CORPO ETNOGRÁFICO: Uma experiência


entre o labirinto e a encruzilhada da feira

Autor: Miguel Eugenio Barbosa Segundo


Coautor: Victor Hugo Neves de Oliveira

Resumo: O corpo se (re)constrói de acordo com o lugar que ocupa, o espaço é uma estrutura de
representação cultural que modifica e é modificado pelos corpos que o habitam. Nessa
perspectiva desenvolvemos uma pesquisa vinculada ao PIBIC e ao Grupo de Pesquisa
Antropologia-Dança da UFPB, para pensar num estudo etnográfico dos corpos e espacialidades
circunscritos na Feira de Oitizeiro. Entre o labirinto e a encruzilhada reconhecemos através de
diários de bordo, fotos e gravações de áudio uma forte e potente condição dramatúrgica para uma
construção performativa.

Palavras-chave: Dramaturgia. Feira. Etnografia. Espaço.

‘AGRESTE (MALVA-ROSA)’: A ética em questão e a questão da ética na


sala de ensaio
Autor: Deborah Christina da Cruz Menezes

Resumo: O Estágio Supervisionado do Bacharelado em Teatro abrange áreas tais como a ética,
a criação de um espetáculo, dentre outras. No que se refere à ética, surge à necessidade de
compreender como suas questões são trabalhadas e desenvolvidas na sala de ensaio. A
montagem ‘Agreste’ (2017) serviu de campo de estudo. Durante o processo foram realizadas
entrevistas, acompanhamento de ensaios/apresentações e revisão bibliográfica para uma busca
das relações de aproximação e apropriação entre a ética e o teatro. Esse processo de medição
pode ser uma forma de abrir o foco da reflexão para compreender como essas relações
interferem no trabalho do ator e suas consequências na sala de ensaio.

Palavras-chave: Ética. Teatro. Sala de Ensaio.

ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU: A IMAGEM FEMININA DE DEUS


NO TEATRO CONTEMPORÂNEO
Autor: Eduardo Ailson da Cruz

Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir a relação entre corpo, religião e teatro, se
apropriando da análise dos espetáculos “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha dos Céus”,
interpretado pela atriz Renata Carvalho e dirigido por Natalia Mallo, uma obra humanista que
promove a tolerância e a solidariedade; e a obra intitulada: “Via Crucis”, realizada pela performer
Roberta Nascimento, na qual expõe seu corpo à exaustão para questionar o sufocamento que o
universo feminino sofre com as imposições sociais. Ambas as artistas utilizam a arte como
ferramenta de combate às opressões sociais vividas na sociedade contemporânea. Analisaremos
a relação do corpo que é apresentado como sujeito, sua relação com o sagrado, com a religião e
com o meio social que reproduz um “corpo” como imagem e semelhança de um ser sagrado de
“formas masculinas”.

Palavras-chave: Religião. Arte. Corpo. Sagrado.


GT 23 - DANCING WITH ROBOTS: UM ESTUDO SOBRE O USO
DE ROBÔS COMO AGENTES ESTÉTICOS EM PERFORMANCE
DE DANÇA

Coordenadores: Ms. Edvanilson Santos de Oliveira (UEPB)


Dra. Ivani Lúcia Oliveira de Santana (PUC/SP)

Resumo: Este trabalho apresenta os resultados de um mapeamento realizado a partir de artigos


científicos que versam sobre o uso de robôs como agentes estéticos em performance de dança no
banco de dados do Portal de Periódico/CAPES/MEC. O objetivo é investigar as pesquisas que
abordam a respectiva temática, destacando os tipos de tecnologias utilizadas no processo de
interação homem-máquina, caraterísticas do ambiente e performance. Espera-se que o resultado
desse estudo possibilite a produção de fundamentação teórica, de modo a conduzir a criação de
novas corporeidades em trabalhos performativos cuja essência flua do uso de tecnologias
robóticas interativas.

GT 24 - ARTE, EDUCAÇÃO E VISUALIDADES: CIRANDANDO


PELOS CURRÍCULOS E PRÁTICAS EDUCATIVAS

Coordenadores: Dra. Norma Maria Anjo (UFPB)


Dra. Fernanda Mendes Cabral A. Coelho (UFPB)

Resumo: O ensino da Arte desempenha importante papel para o desenvolvimento e formação


integral do sujeito, nesta perspectiva, torna-se um componente indispensável para se pensar o
currículo e as práticas educativas na contemporaneidade. Neste diapasão, este grupo de trabalho
contempla as propostas transdisciplinares do ensino e das linguagens da Arte no contexto de uma
educação estética que favorece o conhecimento artístico, a expressividade e a comunicação.
Pauta-se nas políticas educacionais para o ensino de arte, na perspectiva crítica da cultura visual
e nos pressupostos de uma educação humanizadora e cidadã. Portanto, prioriza-se como
discussão, as práticas de ensino que dialogam com a Arte nos diversos contextos de
aprendizagem e valorizam a criatividade e a sensibilidade humana no ensinar-aprender.

A ESTÉTICA DA MONSTRUOSIDADE

Autora: Marleide Viana de Figueiredo Gomes Lira


Coautores: Janeide S. Silva
Resumo. O projeto está sendo desenvolvido com dois grupos de crianças de faixa etária entre 3
a 6 anos, na Creche/Pré-escola Central da USP, e versa sobre medo, identidade e artes visuais.
As brincadeiras de assustar são recorrentes nos jogos infantis o que confere uma rica
possibilidade às crianças de conhecer, experimentar e criar diversas formas para dar concretude
aos sentimentos relacionados as emoções e curiosidades decorrentes das brincadeiras de assustar.
Assim seguem descobrindo formas de ressignificar, registrar e compartilhar o percurso
investigativo sobre Monstros e monstruosidades.

Palavras-chave: Medo; Brincadeiras; Artes Visuais.

BRINCAR, EXPERIMENTAR, IMAGINAR E CRIAR


Autora: Cristiane Domingos de Souza
CoAutores: Marlede Viana de Figueiredo Gomes Lira

Resumo. Brincar, Experimentar, imaginar e criar é um projeto que norteia as ações da


organização Oficina Brincanto, cujo foco é propiciar as crianças, de faixa etária entre 0 e 10 anos,
vivencias nos diversos campos de experiência como um direito intrínseco da infância e por
compreender que a experimentação é um importante provedor de aprendizagens. Conversas,
encontros literários, acampamentos, cenários temáticos, culinária, jogos, artes visuais, encontros
musicais são algumas temáticas que em agrupamentos multietários, possibilitam aos
protagonistas da infância, um rico e potente tempo de ser criança.

Palavras-chave: Infância; Brincadeiras; Vivencias.

DANCE COMIGO: ELETIVA DE DANÇA NO ENSINO INTEGRAL

Autor: Carolina Angélica Dantas Naturesa

Resumo. Este trabalho é resultado da disciplina eletiva Dance Comigo, da parte diversificada do
Ensino Médio Integral do Centro de Excelência Santos Dumont. A disciplina foi realizada
articulando teoria e prática a partir de diferentes tipos de danças, como as Urbanas, de Salão,
Moderna e Árabes. Foram realizados, também, estudos do corpo sob o olhar da Arte, Filosofia,
Sociologia e Educação Física - essa interdisciplinaridade proporcionou um conhecimento acerca
do corpo, da dança e do movimento. Faz-se necessário ir além dos entendimentos de dança como
junção de passos, repetições de coreografias, e que a área da Dança não constrói conhecimento.

Palavras-chave: Dança. Disciplina eletiva. Ensino Integral.

EM BUSCA DE NOVAS JANELAS: O ESTUDO DA PRODUÇÃO


CINEMATOGRÁFICA NAS DISCIPLINAS DA ÁREA DE CIÊNCIAS
HUMANAS
Autora: Andreza Lima

Resumo. O projeto CEHAS se insere na procura por métodos pedagógicos que auxiliem no
ensino-aprendizagem e na interdisciplinaridade entre História, Sociologia e Artes, facilitando a
compreensão da realidade experienciada pelo/a aprendente com os conteúdos e as temáticas
programáticas, por meio da reflexão sobre a produção artística e sob uma perspectiva da História
Social da Arte, além da própria produção de arte pelos envolvidos no Ciclo. O objetivo do
presente projeto é usar a cinematografia, entendendo o cinema suscetível às indexalidades
presentes na produção artística, como categoria de análise, e a oferecer como nova janela de
observação das realidades.

Palavras-chaves: CEHAS; Arte-cinema; Práticas pedagógicas.

A ARTE CEMITERIAL E A HISTÓRIA DA CIDADE: O CEMITÉRIO


COMO ESPAÇO EDUCACIONAL E ARTÍSTICO
Autora: Olindina Ticiane Sousa de Araújo

Resumo. Este texto pretende compreender o cemitério e as expressões artísticas contidas em suas
extensões como recursos significativos no processo ensino-aprendizagem nas aulas de história,
por nos dar condições reais e visuais de acesso à história da arte, as manifestações de mentalidade
característica de uma época, às questões referentes à mobilidade social e aos ápices ou declínios
políticos e econômicos de famílias tradicionais da cidade, analisando suas estruturas físicas,
estatuarias, símbolos, desenho e escritos epitáficos. Todavia, a arte se apresenta enquanto recurso
multifacetado, cumprindo o papel de serve ao ensino por despertar nos estudantes a capacidade
de imaginar, analisar e aflorar a sensibilidade estética ao desenvolver um espírito crítico,
reflexivo e interpretativo.

Palavras-chaves: Artes. Cemitério. Ensino. História.

TIÊ: O PRIMEIRO SAMBA DE UMA MENINA-PASSARINHO


Autora: Ana Lucia Bezerra Nunes Cruz
Co-autores: KamilaRumiToyofuki
Paulo Chagas Dalcheco

Resumo. O projeto Tiê: O Primeiro Samba de uma Menina-Passarinho foi desenvolvido nos
anos de 2013 e 2014, com dois grupos de crianças, de faixa etária entre 7 e 8 anos e versa sobre
a vida e produção literária de Ivone Lara como uma importante expoente da cultura afro-
brasileira. Organizados em oficinas, nas quais a estética da negritude foi vivencia por meio da
musicalidade, da dança, da dramatização e da arte visual. Durante as atividades as crianças
puderam conhecer, experimentar, reconhecer e recriar elementos da cultura popular negra como
elo identitário do povo brasileiro.

Palavras-chave: Cultura afro-brasileira; Interdisciplinaridade; Identidade.

GASTRONOMIA E ARTE: VIVÊNCIA E PRÁTICAS EDUCATIVAS


DESDE A EDUCAÇÃO INFANTIL

Autor: Michelle Santos de Oliveira


Coautores: Dr. Jailton Macena de Araújo
Esp. Saionara Soares

Resumo: A gastronomia é arte e compõe o patrimônio cultural de um povo, representando seus


hábitos e comportamentos. O ato de preparar os alimentos é o momento de promover o
aprendizado e a interação entre as crianças e o mundo ao seu redor. Assim, a gastronomia se
apresenta como uma arte a ser ensinada desde a educação infantil, promovida pela participação
na preparação dos pratos e, principalmente, na prova de novos sabores. Para isso, o professor
deve conhecer e considerar as singularidades das crianças, respeitando suas diferenças e
ampliando suas pautas de socialização, proporcionando uma interação que abre novas
compreensões do mundo. Saber que o leite não vem da lata ou da caixinha, que os legumes e as
verduras crescem na terra, sob sol e chuva, fazem despertar a consciência ambiental, bem como
a valorização e a preferência por alimentos naturais.

Palavras-chave: Alimentos. Arte. Gastronomia. Práticas educativas.

GT 25 - PSICOPEDAGOGIA NO CONTEXTO DA ESCOLA


INCLUSIVA

Coordenadores: Ms. Márcia Paiva de Oliveira (UFPB)


Ms. Sandra Cristina Moraes de Souza (UFPB)

Resumo: A psicopedagogia e o contexto educacional e suas implicações social e política


contemporânea: inserção e desafios da mediação psicopedagógica no âmbito da escola inclusiva.
A profissionalização do psicopedagogo e seu papel na escola inclusiva. Assessoria
psicopedagógica junto à professores e demais educadores da escola. Esse Grupo de Trabalho
propõe discussões teórico práticas acerca da ação psicopedagógica e pedagógica no contexto da
escola inclusiva. Sabemos que os profissionais da escola inclusiva reorganizaram seus saberes e
fazeres no chão da escola. O psicopedagogo também se une a esses educadores na tarefa de fazer
real essa escola. Para tanto, aprofundamentos teóricos e busca de pressupostos práticos que
respaldem a ação educativa se faz necessário.
DEFICIÊNCIA AUDITIVA E SEUS REFLEXOS NOS PROCESSOS DE
APRENDIZAGEM: UM ESTUDO DE CASO

Autora: Linalva Marinho de Sousa


Orientadora: Adriana de Andrade Gaião e Barbosa

Resumo: O presente trabalho busca conhecer os reflexos da deficiência auditiva leve nos
processos de aprendizagem da leitura e escrita na criança; especificamente, identificar as
consequências com leitura e escrita diante da deficiência auditiva leve, apresentar possíveis
orientações pedagógicas para sala de aula e contribuir com possíveis estratégias
psicopedagógicas acerca do referido déficit. O estudo de caso foi desenvolvido na Clínica-Escola
de Psicopedagogia da Universidade Federal da Paraíba, de natureza qualitativa, com
características descritivas, com base em avaliação e intervenção psicopedagógica. A deficiência
auditiva leve causa danos no desenvolvimento da aprendizagem do indivíduo, quando não
diagnosticado e trabalhado precocemente, ocasiona danos nas mais diversas áreas de
desenvolvimento como social, acadêmica e afetiva do aprendente.

Palavras-chave: Perda Auditiva Leve. Aprendizagem. Leitura e Escrita.

A ATUAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NO LETRAMENTO DE


APRENDENTES COM SÍNDROME DE DOWN E A REALIDADE
ESCOLAR
Autora: Marília Cláudia Rodrigues de Oliveira
Coautora: Kalina de França Oliveira
Orientadora: Márcia Paiva de Oliveira

Resumo: Esse estudo tem como objetivo relatar os achados de um estudo que analisa o
letramento de um aprendente com Síndrome de Down que é atendido pelo Projeto de Extensão:
LETRAMENTO E ESTIMULAÇÃO COGNITIVA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
COM SÍNDROME DE DOWN NUMA PERSPECTIVA PSICOPEDAGÓGICA, vinculado ao
Departamento de Psicopedagogia da UFPB, bem como a sua realidade escolar, através do
trabalho multidisciplinar realizado pela psicopedagoga doprojeto e a docente da sala de
Atendimento Educacional Especializado (AEE) da instituição escolar do aprendente. O
letramento decorre das práticas sociais em que leituras e escritas exigem nos diferentes contextos
que envolvem a compreensão e expressão lógica e verbal. É a função social da escrita. A leitura
é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto
lido; não se trata de extrair informações decodificando letra por letra, palavra por palavra, trata-
se de uma atividade que implica estratégia de seleção, antecipação, inferência e verificação sem
as quais não é possível proficiência no ato de ler. O referido sujeito do estudo de caso vem
participando de intervenções psicopedagógicas com o foco no letramento. E, para otimizar os
resultados, é realizada a assessoria psicopedagógica junto as docentes que trabalham com o
aprendente no contexto escolar, no sentido da aprendizagem da língua escrita e as estratégias de
ensino adotadas pelas docentes. Portanto, esse trabalho traz influências para a inclusão escolar e
social da pessoa com Síndrome de Down. A base teórica utilizada para fundamentar o trabalho
foram os estudos de BAKHTIN (1999); BARBOSA (1994); BOSSA (2000) BRONCKART
(1999); KLEIMAN (2001, 2006); SOARES (2016). A metodologia utilizada se caracteriza como
um Estudo de Caso, de caráter qualitativo, exploratória e descritiva, ocorrido na Clínica Escola
de Psicopedagogia da UFPB e com ramificações em uma instituição escolar da rede pública,
situada na cidade de João Pessoa, Paraíba. Para coleta de dados, foram utilizados recursos
tecnológicos, jogos pedagógicos e diário de bordo para o registro dos achados. O estudo conclui
que a intervenção psicopedagógica é de suma importância no processo de letramento da pessoa
com Síndrome de Down, pois o psicopedagogo é o profissional capacitado para traçar estratégias
e diversas possibilidades para uma atuação pedagógica significativa, desse modo, as dificuldades
de aprendizagens são sanadas e/ou minimizadas, por ser feito umtrabalho focado, pontual e
terapêutico.

Palavras-chave: Letramento. Intervenção Psicopedagógica. Trabalho Muldisciplinar. Síndrome


de Down.

REEDUCAÇÃO E REABILITAÇÃO DE IDOSOS COM ALZAIMER: A


PSICOPEDAGOGIA NA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR

Autor: Adriano Lourenço de Sousa


Coautor: Geovanni Ferreira do Nascimento

Resumo: Esse trabalho se dedica a analisar a influência da ação do psicopedagogo na equipe


multidisciplinar que trabalha com idosos acometidos de Alzaimer. Todos os indivíduos idosos
necessitam de cuidados profissionais específicos, pois essa faixa etária deve ser encarada com
responsabilidade e cuidados intensos, inclusive com o desenvolvimento de hábitos de estudos e
contribuições da educação. No caso de idosos com Alzaimer, é necessário um trabalho de
reabilitação cognitiva, com exercícios adequados a estimulação das funções mentais superiores.
O que ameaça a qualidade de vida dos idosos com Alzaimer é a limitação em sua capacidade de
realizar atividades do cotidiano, colocando em risco a sua saúde física e emocional. Nesse
processo, é fundamental a participação e acompanhamento dos profissionais da saúde e
educação, junto a esses idosos, que cotidianamente se mantêm distante do convívio social. Vendo
esse tipo de exclusão, não apenas dentro do campo de trabalho, mais também nas famílias e na
sociedade, buscamos realizar esse estudo para entender os melhores percursos da Psicopedagogia
para minimizar os efeitos do Alzaimer. O Alzheimer é um tipo demência que, embora ainda não
tenha cura, o uso de remédios como Rivastigmina, Galantamina ou Donepezila, junto
com terapias estimulantes, como terapia ocupacional, e terapias psicopedagógicas podem ajudar
a controlar os sintomas e a retardar a sua progressão, evitando o agravamento das complicações
cerebrais e melhorando a qualidade de vida da pessoa idosa. Nesse sentido, tivemos como
objetivo geral: analisar os impactos da ação psicopedagógica junto a idosos com Alzaimer, no
sentido da reabilitação voltada para a estimulação das unções mentais superiores. Como objetivos
específicos: analisar os fatores de risco que contribuem para os sintomas incapacitantes e
evolução do Alzaimer, uma vez que não afeta somente os idosos. O estudo s deu em uma
instituição pública de saúde, que atende idosos, entre outras faixas etárias. A metodologia é
focada nos preceitos da pesquisa-ação, com base na ação x reflexão x ação. Esse método é
definido como toda tentativa continuada, sistemática e empiricamente fundamentada de
aprimorar a prática. Sendo a prática psicopedagógica ainda incipiente no tratamento do Alzaimer,
cabe uma constante reflexão da ação e registro de todo desenvolvimento do idoso com a referida
doença, para cada intervenção específica. Todos os registros sistematizados configuram os
achados da pesquisa, que no caso do estudo que relatamos aqui, pode se considerado que a ação
psicopedagógica é imprescindível no tratamento e reabilitação do idoso com Alzaimer.

Palavras-chave: Reeducação. Reabilitação. Alzaimer. Idoso. Psicopedagogia.

ESTIMULAÇÃOCOGNITIVA E LETRAMENTO DE ADOLESCENTES


COM SÍNDROME DE DOWN NO CONTEXTO DA PSICOPEDAGOGIA
Autora: Rayane da Silva Almeida
Coautoras: Raquel Viterbino Dias
Mônica Cristina Silva de Arruda Magalhães
Orientadora: Márcia Paiva de Oliveira

Resumo: Esse estudo tem por objetivo investigar a contribuição da Psicopedagogia no


desenvolvimento cognitivo de crianças com Síndrome de Down, desenvolvido através de um
estudo de caso, de natureza exploratória e descritiva, a partir de sessões feitas com uma
adolescente de 15 anos de idade, cursando o Ensino Fundamental I, de uma escola da rede pública
da cidade de João Pessoa - PB. A metodologia foi direcionada aos preceitos da pesquisa-ação,
com base na ação x reflexão x ação. Por isso escolhemos esse percurso metodológico, pois esse
método é definido como tentativa continuada, sistemática e empiricamente fundamentada de
aprimorar a prática. Os resultados obtidos dão evidências de que a ação psicopedagógica, quando
realizada com estimulações cognitivas, colabora com o desenvolvimento cognitivo da criança
com Síndrome de Down, visando a evolução global do aprendente, desenvolvendo suas
habilidades e funções mentais superiores, atendendo às suas limitações específicas, provocadas
pela Síndrome. Para resultados mais significativos, esclarecemos à instituição escolar e a família
acerca dessas habilidades afetadas no educando com Síndrome de Down. Só então demos início
as intervenções psicopedagógicas, com registro de todos os achados em diário de bordo. Nesse
sentido, foram propostas atividades psicopedagógicas para estimular a cognição que, por
conseguinte favoreceu outras áreas, como a aquisição da linguagem e letramento, por exemplo.

Palavras-chave: Estimulação Cognitiva. Psicopedagogia. Síndrome de Down.

INTERVENÇÃO PSICOPEDAGOGICA COM CRIANÇAS E


ADOLESCENTE COM SÍNDOME DE DOWN

Autora: Raquel Viterbino Dias


Coautora: Rayane da Silva Almeida
Orientadora: MárciaPaiva de Oliveira

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar os dados da pesquisa desenvolvida
no âmbito do projeto “LETRAMENTO E ESTIMULAÇÃO COGNITIVA DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES COM SÍNDROME DE DOWN NUMA PERSPECTIVA
PSICOPEDAGÓGICA”, que objetiva desenvolver ações psicopedagógica de mediação da
aprendizagem nos contextos familiar, escolar e social. O psicopedagogo é um elo de informação
e união entres estes contextos, em que busca criar espaços de reflexão conjunta a fim de produzir
a qualidade de tais contextos. A proposta do referido projeto é desenvolver ações de promoções
de letramento na perspectiva psicopedagógica de crianças e adolescente com Síndrome de Down
(SD), a partir de atividades lúdicas e instrumentos psicopedagogos, considerando sempre a
individualidade de cada um. Portanto, para mapear as ações desenvolvidas na pesquisa, optamos
por um estudo de caso com uma criança e uma adolescente com SD, tendo como características
ser exploratória e descritiva. A intervenção psicopedagógica, como mediação da aprendizagem
junto ao processo de aprendizagem da pessoa com SD, demonstrou que, as aprendizagens são
possíveis, desde que aconteça um processo planejado, que busque o alcance de metas objetivas.
Podemos afirmar como achado da pesquisa, que a intervenção psicpedagogica alcançou o
objetivo a que se propôs,que é o letramento e a estimulação cognitiva. Sabemos que leitura ea
escrita tem um fator fundamental no processo de socialização, na inclusão escolar e no mercado
de trabalho. O estudo proporcionou conhecer e compreender os diferentes e complexos aspectos
envolvidos, o qual procuramos entender, respeitar e acolher a diversidade de cada um.

Palavras-chave: Síndrome de Down. Letramento. Inclusão

A INFLUÊNCIA DO LÚDICO NO LETRAMENTO DE CRIANÇAS E


ADOLESCENTES COM SÍNDROME DE DOWN
Autora: Laíssa Karla Coelho Silva
Coautoras: Débora Pimental Maia
Maysa Fonseca de Melo
Orientadora: Márcia Paiva de Oliveira

Resumo: Esta pesquisa originou-se a partir da experiência vivenciada pelas autoras, alunas do
curso de psicopedagogia da UFPB, vinculadas ao projeto de PROLICEN “Letramento de
crianças e adolescentes com Síndrome de Down e a ação psicopedagógica”, que ocorre na
Clínica-escola de Psicopedagogia da Universidade Federal da Paraíba em João Pessoa. As
crianças e adolescentes com síndrome de Down, apesar do déficit cognitivo, possuem potenciais
a serem desenvolvidos. Elas carecem de um tempo maior para realizar determinadas atividades,
bem como, de estímulos da família e de especialistas envolvidos neste processo, a fim de
adquirirem e aprimorarem suas habilidades. Uma boa estimulação realizada nos anos iniciais da
escolarização pode ser determinante para aquisição de capacidades em diversos aspectos
importantes para a aquisição da habilidade de leitura escrita, como o desenvolvimento motor, a
linguagem e cognição. Alguns autores apontam o lúdico como um ferramenta facilitadora no
processo de desenvolvimento cognitivo e motor, propiciando uma aprendizagem significativa e
dinâmica. Portanto, esta pesquisa tem por objetivo analisar as repercussões cognitivas quanto à
aplicação do lúdico no letramento em crianças de 6 a 11 anos com SD, bem como, identificar a
influência do lúdico no desenvolvimento dessas crianças. A dinâmica empregada consistiu no
uso de jogos, brinquedos e brincadeiras que estimulassem os aspectos cognitivos e psicomotores
com finalidade lúdica. Como resultados, foi constatado que o uso do lúdico propiciou uma
melhora significativa nos aspectos cognitivos e psicomotores destas, apresentando avanços na
motricidade fina, noções espaço- temporais, associação de cores, letras, números, raciocínio
lógico e matemático, além do letramento.

Palavras-chave: Síndrome de Down. Lúdico. Letramento.


IMPACTOS DE FATORES SOCIAIS NA ESCOLARIZAÇÃO:
REINCERÇÃO E INCLUSÃO ESCOLAR DOS APRENDENTES DA EJA
Autora: Kalina de França Oliveira
Coautoras: Marília Cláudia Rodrigues de Oliveira
Vera Célia Alves da Silva Cavalcanti
Orientadora: Márcia Paiva de Oliveira

Resumo: O presente artigo tem por objetivos geral investigar a reinserção e inclusão de alunos
de EJA no contexto escolar; de modo específico, analisar qual a possível correlação na saída da
escola na infância com as questões sociais, baixa escolaridade da família, assim como as relações
entre fatores econômicos, contextos familiares e culturais, que podem ter influenciado no atraso
escolar e nas questões de aprendizagem. Parte dos aprendentes da EJA (Educação de Jovens e
Adultos) foram vítimas de interrupções na trajetória escolar e o contexto social interferiu
diretamente na construção desta problemática. Desta feita, é possível inferir, com um olhar
psicopedagógico, que as questões sociais e a interrupção escolar andam atreladas, e que uma
influencia diretamente a outra. Para tal investigação, o procedimento metodológico adotado na
pesquisa qualitativa foi a aplicação de questionários semiestruturados a aprendentes da EJA de
uma escola pública localizada na cidade de Bayeux – PB e a análise dos mesmos com o intuito
de entender os fatores que interferiram na trajetória escolar dos referidos aprendentes. Nesta
pesquisa específica foi possíve ampliar o olhar psicopedagógico e compreender outros contextos
(estruturas inadequadas, falta de motivação e de estratégias para a permanência dos mesmos na
instituição de ensino) que afetam as questões de aprendizagem e o percurso escolar. Os achados
da pesquisa servirão de base para repensar o processo educativo desse público, inclusive na
perspectiva da inclusão a partir de tais pilares.

Palavras-chave: Psicopedagogia. EJA. Interrupção Escolar. Inclusão.

O USO DA ARTE COMO INSTRUMENTO NA INTERVENÇÃO


PSICOPEDAGÓGICA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM
SÍNDROME DE DOWN

Autora: Débora Pimental Maia


Coautoras: Laíssa Karla Coelho Silva
Maysa Fonseca de Melo
Orientadora: Márcia Paiva de Oliveira

Resumo: Este trabalho retrata uma experiência vivenciada e desenvolvida por alunas e
professores do curso de Psicopedagogia, no projeto de extensão que se dedica a estimulação e
letramento em crianças e adolescentes com Síndrome de Down (SD), na Clínica Escola de
Psicopedagogia da UFPB. A SD tem como característica uma alteração provocada através de
uma não-junção de um cromossomo ao seu determinado par, ocorrendo uma ligação extra no
cromossomo 21. Devido a tal condição cromossômica, ocorrem dificuldades no desenvolvimento
corporal e cognitivo, ocasionando características físicas esteriotipadas e deficiência intelectual
em diferentes graus. Estudos já constatam que o processo de aprendizagem de crianças com SD
se dá de forma mais gradativa, em comparação com outras crianças com desenvolvimento típico.
De face às limitações cognitivas e motoras característica da referida síndrome, vê-se a
necessidade em trabalhar a estimulação cognitiva e letramento lançando mão de ferramentas e
saberes alternativos, como as artes, por exemplo. Sempre considerando o sujeito singular,
retratando os aspectos dos indivíduos, promovendo auxílios no desenvolvimento significativo
afim de minimizar as barreiras de aprendizagem apresentadas por estes. A arte vem sendo
utilizada como recurso terapêutico, através da prevenção e promoção d saúde, mas também é
atualmente muito aplicada nos contextos educativos, independente do componente curricular.
Portanto, o objetivo deste trabalho é analisar a influência na aprendizagem de aprendentes com
SD, a partir da aplicação da arte como instrumento na intervenção psicopedagógica. Para esta
pesquisa, foram analisadas duas crianças e um adolescente. As atividades realizadas foram
pintura, recorte/colagem, modelagem com argila, caixa de areia e teatro de fantoches. Como
resultado, foi observado que o uso da arte como recurso terapêutico tornou o aprendizado
acessível e dinâmico, estimulando a criatividade, coordenação motora fina, reconhecimento de
cores, proporcionando uma aprendizagemsignificativa e uma melhora na autoestima, essencial à
aprendizagem.

Palavras-chave: Síndrome de Down. Artes. Letramento. Psicopedagogia.

GT 26 - DIREITO, SAÚDE E RELIGIÃO

Coordenadores: Ms. Igor de Lucena Mascarenhas (UFPB)


Ms. Maria Cristina Paiva Santiago (UFPB)

Resumo: O Grupo de Trabalho se propõe a discutir a relação entre o Direito, Saúde e Religião.
Sobre o tema, há diversas hipóteses de conflito e convergência como aborto, eutanásia,
ortotanásia, suicídio assistido, autonomia do paciente, transfusão de tecidos/órgãos,
terminalidade da vida, divergência religiosa e escusa de consciência.

RELIGIÃO E ADOECIMENTO: UMA ANÁLISE SISTEMÁTICA


Autora: Bruna Tavares Pimentel

Resumo: Este trabalho trata-se de uma análise sistemática de busca criteriosa da literatura, tem
como objetivo identificar as possíveis influências da religiosidade no processo de adoecimento
na sociedade brasileira, realizado através de diálogos entre textos e autores que tratam sobre a
temática dentro da perspectiva da Antropologia. Dessa forma, o trabalho aborda diversas
religiões e religiosidades, concluindo que existe uma influência em vários aspectos da
religiosidade diante ao adoecimento, que se dá epistemologicamente e também subjetivamente
através de crenças, fator que auxilia no pensar e no agir dentro das sociedades.
Palavras-chave: Antropologia da Saúde 1; Religiosidade 2; adoecimento 3.
SAÚDE DE PACIENTES PEDIÁTRICOS, QUESTÕES RELIGIOSAS E
TRANSFUSÕES DE SANGUE

Autora: Daiana Soares de Souza


Coautora: Josimery Amaro

Resumo: Como é conhecida, a religião Testemunhas de Jeová, consiste em ser um grupo religioso
que não autoriza transfusões de sangue, seja em seus adeptos adultos ou menores de idade, por
motivações de compreensão religiosas sobre determinados textos encontrados na Bíblia. Apesar
de ser uma questão polemica, a discursão entre o direito a livre escolha de religião e o direito a
saúde nesse contexto, este trabalho tem por objeto analisar ate que ponto as crenças dos pais
Testemunhas de Jeová, podem incidir sobre as crenças dos filhos, não se tratando de afirmar ser
certo ou errado, mas, de entender melhor a questão e discutir como os profissionais de saúde
podem atuar ferindo o menos possível a consciência dos pais e comumente, a de seus filhos, que
geralmente desde cedo foram estimulados a ter as mesmas crenças. Cabe salientar, que cada
situação clinica de saúde requer encaminhamentos diferenciados, não necessariamente pacientes
Testemunhas de Jeová necessitarão do uso de sangue, é importante que se tenha isso considerado,
pois diversas vezes, desnecessariamente, é posto o assunto em cheque sem que a situação
realmente necessite. Entretanto, em caso de real necessidade, geralmente tem se colocado o
direito a vida sobre a decisão dos pais em não autorizar transfusões, segundo os médicos e as
decisões judiciais, as crianças e adolescentes não tem maturidade para decidir tal coisa. Mas,
cabe observar que nestes casos, diversas vezes, inclusive com transfusões de sangue, pacientes
pediátricos tem chegado a óbito, pois a questão emocional interfere fortemente no quadro clinico
dos pacientes. Com esse trabalho, temos a intenção de incentivar os trabalhadores da área de
saúde a tentarem lidar melhor com as situações, pois como consideramos hoje a base da
constituição de 1988 e do estatuto da criança e do adolescente de 1993, o direito a saúde é bem
mais que apenas o fator da doença, mais envolve diversas outros pontos. Diante de situações
polemicas dessa forma, os profissões de saúde devem agir de forma a tentar dialogar com os pais,
visando entender qual é a visão dos pais sobre as transfusões de sangue, frações de sangue do
próprio usuário, medicamentos de expansão de sangue, dentre outras. Havendo dialogo entre as
partes e debatido as possibilidades, é possível encontrar estratégias que não firam tão fortemente
a consciência, seja, dos pais, das crianças ou adolescentes e dos profissionais de saúde, os quais
se formam para tentar ao máximo salvar vidas. Desse modo, esperamos colaborar com o
entendimento de que o dialogo e direito a informação sempre deve ser mantida, a vida é a
prioridade, mas, como seres humanos complexos e diferentes, devemos considerar as formas
existentes de soluções para os problemas de saúde e a compreensão dos pais e dos envolvidos
diretos, crianças e adolescentes.

DIREITO, SAÚDE E RELIGIÃO: O QUE DIZEM AS “CATÓLICAS


PELO DIREITO DE DECIDIR” SOBRE O ABORTO
Autora: Thaís Chianca Bessa Ribeiro do Valle
Resumo: No ano de 1970, o Estado de Nova Iorque aprovou uma lei que permitia a prática do
aborto mediante uma simples solicitação da gestante, a qual foi denominada “abortion on
demand”, até o quinto mês de gravidez, constituindo-se a referida lei como marco inicial e
decisivo para que, no ano de 1973, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América viesse a
entender pela legalidade do aborto em todo o território estadunidense. Conforme a Igreja Católica
se opusesse à lei abortista de Nova Iorque, três integrantes do grupo pró-aborto NOW (“National
Organization for Womem”), como o nome relata, uma organização nacional para as mulheres,
fundaram, ainda em 1970, a CFFC (“Catholics For a Free Choice”), ou “Católicas Pelo Direito
de Decidir”. A ONG “Católicas pelo Direito de Decidir”, fundada no Brasil em 1993,
simbolicamente, no Dia Internacional da Mulher, e, atualmente, com atuação em diversos
territórios, como a América Latina, os Estados Unidos da América e a Europa, apoia práticas e
teorias feministas como fatores de mudança dos padrões culturais e religiosos da sociedade, os
quais influenciam na condução das políticas públicas no país, e trabalha, entre outras pautas, pela
implantação de leis, políticas públicas e serviços que sejam fundamentados na igualdade das
relações de gênero e no direito a uma vida sem violência, bem como na promoção da cidadania
e dos direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos, os quais devem ser exercidos
plenamente, de maneira livre e autônoma, também entre os membros da religião católica, e de
outras expressões religiosas. Ocorre que, conforme se poderia prever, o que dizem essas mulheres
sobre o aborto provocou, e ainda tem provocado, intenso conflito entre a ONG e a instituição
religiosa católica à qual suas integrantes se dizem pertencer. Em verdade, a ONG faz oposição
ao que prega, ainda, a Igreja Católica como instituição oficial, em sua cúpula decisória, a qual se
mantém contrária à legalização do aborto e que, portanto, alega, também através da CNBB –
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a distorção, por parte dessa ONG, dos preceitos
católicos sobre o respeito e proteção à vida do nascituro, enquadrando a mesma como uma
organização não católica, e que não falaria pela Igreja. A referida ONG chegou a ser apontada,
por outras organizações e movimentos católicos, a exemplo da Associação Cultural Montfort,
como organização anticatólica com objetivo de infiltrar-se em áreas de atuação católicas, para
defender o direito à legalidade do aborto, e, ainda, de assumirem rituais e práticas de religiões
outras, como a Nova Era ou mesmo o Satanismo. O objetivo do presente estudo é analisar os
argumentos expostos pela ONG “Católicas pelo Direito de Decidir”, em favor da legalização da
prática abortiva no Brasil, e a adequação desses, ou não, aos fundamentos católicos. Através de
uma exposição bibliográfica, analisar-se-á a viabilidade e a pertinência, bem como a necessidade,
ou não, em se assumir a luta em defesa da legalização da prática do aborto, tal qual assumida
pela ONG em questão, dentro da sociedade brasileira.

Palavras-chave: CDD. Religião. Política. Aborto.

GT 27 - CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES, DISCURSO,


INTERDISCIPLINARIDADE E ENSINO

Coordenadores: Dr. Henrique Miguel de Lima Silva (UFPB)


Ms. Sayonara Abrantes de Oliveira Uchoa (UFPB)
Resumo: O presente grupo de trabalho visa discutir sobre o ensino de ciências das religiões sob
o enfoque interdisciplinar, sobretudo, a partir do viés sociodiscursivo proposto por Bakhtin
(2008) bem como por Bazermam (2009). Além disso, ressaltamos que todo e qualquer processo
de ensino deve contemplar a perspectiva do letramento proposto por Kleiman (2008,2012,2015)
e em um viés transformador (FREIRE, 1996,1998) e que, para isto, tais práticas devem
preconizar uma abordagem dialética pautada na sequência didática (DOLZ, 2012). Neste sentido,
procuramos reunir trabalhos teóricos, teórico-práticos, relatos de experiência, propostas de
ensino, análises de materiais didáticos, análises de documentos oficinais, visando, sobretudo,
refletir sobre as dinâmicas e urgências do ensino religioso na contemporaneidade.

AVALIAÇÃO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DESAFIO DO


ENSINO: EM BUSCA DA EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA NA EJA

Autor: Jailton Ferreira da Silva


Orientador: Henrique Miguel De Lima Silva

Resumo: O presente artigo objetiva investigar a avaliação, formação do professor e o desafio do


ensino na busca da educação transformadora na EJA para o século XXI onde existem falhas
desde o núcleo familiar, a comunidade escolar e o sistema educacional. A educação só passará
por uma transformação quando todos os entes envolvidos na educação voltassem para
transformação da educação. A avaliação depende do processo formativo do professor para
construir e mudar a vida dos alunos em seu cotidiano como descreve Paulo Freire (1996) toda
ação deve vir acompanhada de uma reflexão e depois voltar à ação assim deve ser o processo
avaliativo. Partindo deste pressuposto pode perceber o que devemos nos posicionar no que se
refere à avaliação e o que esta pode trazer de beneficio para o alunado, o professor com esta visão
transformadora pode fazer toda diferença na vida dos que depende de seu trabalho pedagógico.
Acredita-se que esta compreensão crítica destes processos contribui diretamente na
ressignificação do sujeito enquanto autor da sua história. Fundamentamos nossa pesquisa em
bibliográficas e observação. Dessa forma, espera-se que os docentes compreendam os desafios
do ensino a partir da necessidade de transformar o paradigma atual do ensino, sobretudo, com
base na formação crítica e na avaliação enquanto prática de promoção crítica ao saber.

Palavras-chave: avaliação, formação, transformação na EJA.

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ENQUANTO FERRAMENTA DE


EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA

Autora: Valdenize Santos de Souza


Orientador: Henrique Miguel De Lima Silva

Resumo: Avaliar significa entender o educando de maneira que envolva suas competências e
habilidades. O professor deve estar apto a aplicar as três (03) modalidades de avaliação:
(Diagnóstica, Somativa e Formativa). Desta forma o docente estará contribuindo para o
desenvolvimento intelectual do discente. Um dos grandes desafios dos professores é reconhecer
seus alunos como sujeito da sua própria história haja vista, o educando já traz consigo um
conhecimento prévio que poderá lhe impulsionar uma transformação na sua vivência cotidiana.
Os objetivos da presente pesquisa são analisar as experiências dos professores e sua relação com
a avaliação como ferramenta transformadora. Contudo o educador deve ser o mediador do
conhecimento, transformando o aluno em pesquisador e produtor autônomo de sua história de
vida. O processo avaliativo deve, dessa maneira, ser visto sempre como um meio, nunca como
fim, pois é ele que permite entender o aprendizado dos estudantes. Para esta optamos por uma
pesquisa bibliográfica, qualitativa de caráter documental. Fundamentamos nossa pesquisa em:
Regina Cazaux Haydt, Philippe Perrenoud, Jussara Hoffmann, Cipriano Carlos Luckesi. Diante
disso nosso objetivo consiste em refletir sobre as contribuições da avaliação crítica para o
professor, preparando o sujeito para a vida em sociedade.

Palavras-chave: Avaliação, Transformação, Educação Crítica.

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO UMA PROPOSTA


INTERDISCIPLINAR

Autor: Luiz Antônio Alves


Orientador: Henrique Miguel de Lima Silva

Resumo: A presente pesquisa propõe-se a discutir sobre a importância da educação ambiental


que leva a repensar sobre as condições ambientais em geral e no futuro do nosso planeta. A
mesma pretende investigar, além de outras coisas, os motivos pelos quais se encontra o Rio Tauá
e sua capacidade de fornecer os recursos hídricos necessários para abastecer as populações de
Alagoinha, Canafístula de Alagoa Grande, Cuitegi e zona Sul da cidade de Guarabira para, a
partir daí propor esclarecimentos de ecologia e sustentabilidade para a população ribeirinha. Para
isto, fundamentamos nossa pesquisa em entrevistas realizadas com um funcionário da
Companhia de água da Cidade de Alagoinha; Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) e
moradores do entorno do Rio, onde relataram que a vegetação próxima ao Rio está devastada
pela ação do homem, que utiliza as margens desse Rio para a prática da agricultura de
subsistência e criação de gados. Relataram, também que em períodos de grandes estiagens, a
vazão do Rio se reduz a uma média de 11% do total, o que leva as populações abastecidas pelo
Rio, sofrerem pelo desabastecimento de água potável. A referida pesquisa procurou investigar,
além das causas naturais, os motivos pelos quais as águas do referido Rio diminuem de forma
assustadora no período de estiagem. Pretende-se com esse trabalho, propor a Educação
Ambiental nas escolas em um contexto interdisciplinar que conduzirá a sociedade a uma
consciência ambiental que preservará, não somente os rios, mas também o planeta como um todo.

Palavras chaves: Rio, água potável, Vegetação, Sustentabilidade.

HISTORIA, EXCLUSÃO E ANÁLISE: Isaura e a Anã, da obra "O filho de


mil homens", do autor português Valter Hugo Mãe

Autora: Graciely Fonceca


Orientador: Henrique Miguel De Lima Silva
Resumo: Este trabalho tem como objetivo geral analisar duas personagens Isaura e a Anã, da
obra "O filho de mil homens", do autor português Valter Hugo Mãe. Como objetivo específico,
pretendemos analisar as personagens sobre o víeis das minorias e das relações sociais de gênero.
Salientemos, de início, que não se trata de ver as personagens somente sobre a perspectiva do
excluído socialmente. Antes, nosso principal interesse é contrapor o que os outros esperam da
Anã e de Isaura, e o que elas realmente são, em relação aos estigmas sociais. Tomando o conceito
de minoria como ponto de partida, buscaremos as principais concepções existentes sobre o tema.
Foi utilizada, a obra de Chaves (1971), para a compreensão de minorias, como também a obra
Morena (2009) que aborda a questão de discriminação e minoria. Além de discutimos as questões
referentes às relações de gênero, segundo Scott (1990). Há um ponto convergente entre a
repressão que as personagens sofrem, que é a questão da liberdade sexual. Ambas são julgadas
pelas suas decisões sexuais.

Palavras-chave: Educação, interdisciplinaridade, minorias.

ALUNOS E OS CAMINHOS DE LA MANCHA: DAS LEITURAS À


DRAMATIZAÇÃO DO EL QUIJOTE PARA NIÑOS

Maria José Da Silva Leandro


Henrique Miguel De Lima Silva
(UFPB/PROLING/UFRA/ICIBE)

Resumo: Esta pesquisa tem como principal objetivo observar as possíveis transformações que a
Literatura fomenta a partir do momento em que passa a ser privilegiada e valorizada em sala de
aula de línguas estrangeiras. Acreditamos que o texto ficcional se concretiza no exercício da
leitura, além de trabalhar as produções oral e escrita; estimular e motivar o aluno, impulsionar a
criatividade, a liberdade de expressão, a reflexão, a criticidade e promover sua participação como
um cidadão, membro de uma sociedade a partir da leitura, levando ele a ser um indivíduo crítico,
que possa opinar sobre os acontecimentos ao seu redor. Este trabalho será desenvolvido em uma
turma de 5° ano do Ensino Fundamental I, utilizando El Quijote para niños, livro infantil
adaptado do El Quijote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. A forma lúdica e cênica de
interpretação do livro auxilia na compreensão da narrativa, permitindo que os alunos tenham
acesso ao conteúdo lido não só por meio da linguagem verbal, mas também através de sua
representação visual e performática. A dramatização se justifica, pois, segundo Christiane Souza
Menezes, Marília Santos Silva e Márcia Helena Venâncio (2012, p. 11), “o foco de atenção das
crianças é curto, sendo assim, elas precisam se sentir motivadas por meio de atividades que
prendam a atenção”. Além de envolver o aluno, levando-o a uma viagem ao fascinante mundo
da literatura, além de despertar nele o amor e o prazer pela leitura, culminando na dramatização
livre inspirada no enredo do livro. Segundo Carolina Cuesta(2006), a leitura deve ser divertida e
instigante, uma leitura que proporcione ao aluno encontrar os vários sentidos do texto.

Palavras chaves: Literatura Espanhola, Leitura e dramatização, El Quijote para niños.


UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE OS DESAFIOS DE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Autora: Fátima Maria da Rocha Lima


Orientador: Henrique Miguel De Lima Silva

Resumo: Avaliar é sempre um grande desafio no intuito de preparar o sujeito para a vida em
sociedade. Sabe-se ainda que para fazer uma verificação de como o aluno aprende e como o
professor socializa saberes e práticas é preciso, inicialmente, compreender os processos de
formação dos docentes para, em seguida, repensar sobre a realidade da educação brasileira.
Diante do exposto, a presente pesquisa configura-se como um relato de experiência (GIL, 2008)
em que os referidos pesquisadores discutem com base na prática as necessidades de adaptações
curriculares para sujeitos surdos em uma escola pública do estado da Paraíba. Acreditamos que
pensar tanto na formação inicial, como as práticas continuadas que preparem os docentes para os
desafios diários da docência. Sabe-se ainda que a revolução tecnológica modificou diretamente
o comportamento humano e que deve-se incentivar os sujeitos envolvidos neste processo para
uma efetiva formação para a vida em sociedade (BRASIL, 1996, 1998, 2005). Neste sentido,
nosso objetivo consiste em refletir sobre as relações entre a educação e a vida, fazendo com que
os educandos sejam protagonistas de sua própria história (FREIRE, 1996). Acreditamos, por fim,
que a promoção do diálogo e da prática reflexiva mudará de forma significativa os rumos da
sociedade atual.

Palavras-chave: Relato de experiência, educação, transformação, formação de professores.

ESTADO LAICO: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA; E ENSINO


RELIGIOSO

Autora: Caroline Justino de Vasconcelos

Resumo: O atual quadro brasileiro em relação à diversidade religiosa começou a ser formado
com a “descoberta” do País, na qual o instrumento propagador do Catolicismo tornou-se a cultura
Lusa. A Igreja Católica possuía um espírito de superioridade por ser a religião oficial do Brasil,
o que fez com que ela tenha exercido um papel fundamental na formação do preconceito religioso
em relação às religiões de matrizes africanas e indígenas. Dessa forma, o povo brasileiro tornou-
se católico por imposição.Nesse contexto, o texto foi desenvolvido de acordo com os objetivos:
de analisar as principais religiões no Brasil e as políticas públicas de promoção aos Direitos
Humanos; e de colaborar para junção de dados (com caracterização das principais crenças)
alusivo às principais religiões no Brasil; levantar historicamente a evolução legal em relação a
liberdade religiosa; contextualizar a questão da intolerância religiosa na atualidade. A pesquisa
realizada se utiliza da abordagem qualitativa do problema em análise por meio do estudo de
caráter descritivo, sendo a pesquisa bibliográfica o procedimento utilizado. Dessa forma, é
relatado nos resultados as principais características da Igreja Católica, das maiores Igrejas
Evangêlicas, do Espiritismo, da Umbanda, do Candomblé. Desde a Primeira República o Brasil
é oficialmente laico, ainda assim, há uma grande desproporção entre cristãos e seguidores das
demais religiões. A fim de uma interpretação conforme a Constituição é indispensável relatar
alguns compromissos assumidos pela República Federativa: Declaração Universal de Direitos
Humanos, Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, entre outros. Por conseguinte,
a Constituição Federal de 1988 a fim de que tais Direitos Humanos recebessem a garantia de
Direito Fundamental, ratificou-os através do Artigo 5°. O Brasil no seu processo de formação
efetuou lentamente alterações no Ensino religioso em consequência do desenvolvimento do
Estado. No brasil Colônia e no Brasil Império, o ensino era promovido pelos jesuítas através da
Catequese. Ainda na Monarquia são criadas Universidades, e o Ensino Religioso sofre
modificações. No Brasil República em 1891, é disposto que o Ensino nas escolas públicas deve
ser de caráter leigo. Em 1988, a Lei de Diretrizes e Bases em relação à educação sofreu
modificações com o intuito do fim da associação com o ensino catequético. Ainda assim, há
muitas controvérsias quando se trata da questão da Diversidade Religiosa no Brasil. A formação
religiosa numa determinada confissão não é função da escola nas sociedades plurais e
democráticas. Nesse contexto, de alterações do Ensino Religioso em vista das modificações do
Estado e da sociedade, que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439 foi impetrada, em
2017, com o intuito de que o Supremo Tribunal Federal(STF) assentasse que o Ensino Religioso
nas Escolas Públicas não fosse de caráter confessional, e com proibição de admissão de
professores na qualidade de representantes das confissões religiosas. Todavia, o STF julgou
improcedente a ADI, sendo majoritária a ideia de que a laicidade do Estado brasileiro não
impediu o reconhecimento de que a liberdade religiosa impôs deveres ao Estado, um dos quais a
oferta de Ensino Religioso coma facultatividade de opção por ele. Assim sendo, a revisão da
história da laicidade brasileira aqui esboçada tem o intuito de contribuir para a discussão atual
sobre a laicidade do País, principalmente em relação ao Ensino Religioso nas Escolas Públicas.
Por fim, é notório a permanência expressivamente viva da intolerância religiosa, o que evidencia
como difícil é a mudança de mentalidade em uma sociedade.

Palavras-chave: Ensino Religioso; Estado Laico; Diversidade Religiosa no Brasil.

A INTERGENERICIDADE NOS CORDÉIS DE CONTEÚDOS


ESCOLARES
Autor: Manoel Messias Belisario Neto
Coautor: Henrique Miguel de Lima Silva

Resumo: O presente trabalho discorre, sob a luz teórica de MARCUSCHI (2008), KOCH,
BENTES e CAVALCANTE (2017), KOCH e ELIAS (2017) e outros autores, sobre a
intergenericidade nos cordéis de conteúdos escolares, buscando compreender suas contribuições
para o ensino de forma interdisciplinar, contextualizada e aplicada dos contextos específicos de
atuação profissional. Discutimos até que ponto essa teoria pode ser aplicada a esse tipo de
produção, expomos a concepção de “cordel intergenérico” e analisamos sua aplicabilidade em
relação ao corpus referido. Acreditamos que esta perspectiva seja de suma relevância para
compreensão de como ampliar qualitativamente os índices de aprendizagem considerando-se os
aspectos religiosos e linguísticos presentes nos cordéis utilizados para a presente proposta.

Palavras-chave: intergenericidade; cordel; cordel intergenér


CORDEL BRASILEIRO VERSUS CORDEL PORTUGUÊS: PROCESSOS
DE APROPRIAÇÃO
Autor: Manoel Messias Belisario Neto
Coautor: Roksyvan de Paiva Silva
Orientador: Henrique Miguel de Lima Silva

Resumo: Realizamos no presente trabalho uma análise acerca dos processos de apropriação
ocorridos entre o cordel brasileiro e o português. A proposta toma como referência teórica para
os processos de apropriação CHARTIER (1999; 2001); em relação ao corpus cordel, ABREU
(2007) e chega à conclusão de que o cordel brasileiro se origina no próprio Brasil e não em
Portugal, como é tradicionalmente propagado. Acreditamos que este lócus possibilita uma
melhor compreensão entre os aspectos linguísticos do cordel, do contexto histórico e dos aspectos
religiosos circunscritos nos mesmos. Além disso ressaltamos que este tripé adotado é de suma
relevância para que a formação crítica e interdisciplinar seja realizada no contexto da educação
básica.

Palavras-chave: cordel brasileiro; cordel português; apropriações

VOZES D’ÁFRICA: O PLURALISMO ESPECÍFICO E AS


CLASSIFICAÇÕES
Autor: Jackson Cícero França Barbosa

Resumo: A partir de pesquisa descritivo-exploratória, objetivamos traçar um percurso


translinguístico à compreensão da voz, como produto do imaginário associado a questões de
semiotização da língua. Sob ventilações estruturalistas, nas prerrogativas de Saussure
(2012[1975]); Durand (1969, 1979, 1983); Zumthor (1997, 2005, 2007); Benveniste (2014);
entre outros, buscamos compreender como o imaginário se constitui, através de prerrogativas
que condizem às concepções de mito e arquétipo (JUNG, 2002; ELIADE, 2002), no
emolduramento do sistema linguístico de sociedades originadas da África, trazidas ao Brasil e
fixadas através de práticas religiosas que nos servem, nesse ínterim, como objeto de reflexão.

Palavras-chave: Voz. Imaginário. Semiotização. África. Religião.

O VALOR DA GELADEIRA NOVA: velhos problemas conservados na


charge
Autor: Manoel Messias Belisario Neto
Coautor: Roksyvan de Paiva Silva
Resumo: Numa charge, buscamos sublinhar uma abstrata categoria econômica. Procedemos a
uma análise imanente da obra. Recorremos a Hegel (2006) e Gouveia (2011), para analisar
aspectos estéticos, e a Epicuro (2002), Smith (1979), Ricardo (1979) e Marx (1996), para
explorar o contexto sócio-histórico das necessidades humanas. O modo como o valor foi
retratado leva-nos a concluir que a mitologia tornou-se real.

Palavras-chave: charge, texto, contexto, mercadoria, ideologia.

O USO DE METODOLOGIAS ATIVAS NO ENSINO DE FRAÇÕES


PARA O FUNDAMENTAL II

Autor: Aldair Martins do Nascimento


Orientador: Henrique Miguel de Lima Silva
Resumo: Visto as sucessivas dificuldades enfrentadas pelos professores de matemática no ensino
de frações, se faz necessário o uso de novas metodologias e formas de abordagem que possam
potencializar e otimizar o processo de ensino deste conteúdo no ensino fundamental II. O
presente artigo faz uma breve análise das metodologias usadas no ensino de frações, neste nível,
e mostra como a utilização das metodologias ativas podem contribuir neste processo. Por meio
de pesquisa bibliográfica fizemos um levantamento dos principais teóricos e descrevemos as
metodologias ativas que podem ser postas em prática no fundamental II para facilitar a apreensão
dos conceitos matemáticos relativos a fração. Dentre outros autores, partimos das perspectivas
apresentadas no livro “Metodologias Ativas Para Uma Educação Inovadora” (Porto Alegre:
Penso, 2018). Além disso, levamos em consideração o que preconiza os documentos oficiais
como PCNs.

Palavras Chaves: Novas metodologias: Frações; Metodologias Ativas.

SISTEMAS DE GERENCIAMENTO DE PESSOAS: Um Novo Olhar para a


Gestão Escolar
Autora: Maria Bibiana Costa de França
Resumo: Atualmente, há preocupações em criar clima organizacional pautado no respeito,
valorização, comunicação e motivação, nesse mesmo sentido apresentam-se também as
organizações públicas, com as adequações necessárias à natureza do setor público, mas já
configurando-se como uma área de conhecimento voltada ao interesse coletivo e que demanda
um planejamento cada vez mais eficiente e com maior proatividade de seus gestores. Não
obstante, observa-se que a gestão é uma expressão que também ganhou corpo no contexto
educacional acompanhando uma mudança de paradigma e caracterizada pelo reconhecimento da
importância da participação consciente e esclarecida das pessoas na gestão escolar. Com isso,
esta pesquisa objetivou apresentar os sistemas de gerenciamento de pessoas, com um olhar
voltado para a gestão escolar. Para tanto, utilizou-se da pesquisa de caráter exploratório,
descritivo e bibliográfico. De modo que, diante do exposto conclui-se que há demanda de mais
ações efetivas e eficazes na estratégia de gestão de pessoas, para adequação ao sistema
participativo, pois a escola e sua gestão precisam ser concebidas, não mais como organização
burocrática, mas como instância de articulação de projetos pedagógicos partilhados por todos.

Palavras-chave: Gestão Pública. Gestão Escolar. Sistema de Gerenciamento de Pessoa

ENSINO APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA A PARTIR DA


HORTA EDUCATIVA: UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
Autor: Ezequias Junior Borges Lopes de Oliveira
Coautor: Cleverlando Matias dos Santos
Orientador: Henrique Miguel De Lima Silva

Resumo: A educação valoriza conseguintes conhecimentos e saberes, priorizando diversas


ferramentas pedagógicas, buscando correlacionar teoria e prática junto à realidade local. O
objetivo deste trabalho consiste em avaliar as contribuições da horta educativa no processo ensino
aprendizagem, enquanto uma prática verificada no componente curricular Português. As
atividades foram realizadas na Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental
Antônio Soares da Cruz, localizada no município de Logradouro, semiárido Paraibano.
Participaram destas práticas, alunos do 2º ano, professor e demais integrantes da escola. A
comunidade escolar vivenciou processos que envolveram a construção da horta educativa e a
importância desta na aprendizagem na disciplina Português. Este aspecto integrado é
imprescindível no desempenho do componente curricular Português, estimulando o
conhecimento das letras e palavras descritas, bem como, melhorando o relacionamento dos
integrantes da escola com o meio ambiente, fortalecendo consequentemente o espírito coletivo.
Buscou-se ao longo da realização deste trabalho, a construção da horta educativa e a integração
de conhecimentos da disciplina de Língua Portuguesa. Atualmente muitas são as dificuldades
enfrentadas no âmbito escolar e, em virtude disso, muitos discentes acabam desmotivados no
ambiente educacional. Diante do exposto, cabe ao profissional da educação transformar essa
realidade que tanto dificulta o processo de ensino e aprendizagem por meio de alternativas, ou
seja, estratégias didáticas atraentes para o alunado (Sousa et al, 2016). Também nessa perspectiva
(XAVIER, 2013, p.74) afirma que uma avaliação democrática, planejada para acompanhar a
aprendizagem, não pode deixar de observar a diversidade de instrumentos avaliativos, uma vez
que a utilização de variados avaliativos permite ao aluno demostrar as várias habilidades
(expressão oral, escrita e corporal, capacidade de análise e de síntese, de investigação, de
observação, de realizar tarefa individual e em grupo, etc.). Uma horta educativa inserida no
âmbito do ensino-aprendizagem é uma ferramenta eficaz no ensino fundamental, contribuindo
nitidamente para um aprendizado cognitivo na disciplina Português e a interação/relação dos
estudantes para com o ambiente escolar. Dessa maneira, os resultados obtidos nesta pesquisa,
espera-se que esta perspectiva interdisciplinar seja inserida também em outras unidades
acadêmicas, facilitando a compreensão dos assuntos abordados em teor pelos professores dentro
da sala de aula, bem como, pesquisas no âmbito acadêmico, proporcionando o avolulamento dos
resultados alcançados.
Palavras-chave: Ensino aprendizagem, horta educativa, educação do campo.

GT 28 - O TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO E SUAS


INTERFACES COM A EDUCAÇÃO E A SAÚDE

Coordenadores: Dra. Mônica Dias Palitot (UFPB)


Dra. Thereza Sophia Jácome Pires (UFPB)

Resumo: O presente Gt tem por proposta trabalhar a temática do Transtorno do Espectro do


Autismo (TEA) à partir de múltiplos olhares e áreas de conhecimento, tendo em vista ser este um
transtorno que perpassa por várias e complexas situações não só no que diz respeito à saúde, mas
também ao social, à linguagem e à educação. Assim sendo, a proposta é poder debater sobre o
TEA de forma ampla e que o compartilhamento dos conhecimentos venha a auxiliar a todos na
compreensão da temática.

GT 29 - A FOLKCOMUNICAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM AS


ARTES A CULTURA E RELIGIÕES: O EMPONDERAMENTO DO
POPULAR

Coordenadores: Ms. Maurício de Siqueira Silva (UFRPE)


Dr. Severino Alves de Lucena Filho (PUC-RS)

Resumo: A comunicação popular: folkcomunicação, tem um papel importante no


desenvolvimento local e no emponderamento da cultura e do desenvolvimento das comunidades
de povos tradicionais. Nesse sentido, a proposta é desenvolver um estudo que relacione estas
vertentes científicas e cotidianas para o desenvolvimento do local.

VOZES DE TERREIROS: NARRATIVAS SOBRE EDUCAÇÃO E AS


DANÇAS DA QUIMBANDA EM TERREIROS DE RIO GRANDE/ RS

Autor: Rodrigo Lemos Soares

Resumo: Este texto é um recorte do projeto de Tese, que visa discutir os rituais de sangue na
Quimbanda, enquanto pedagogias culturais, que incidem na produção de corporeidades. A
pesquisa está sendo orientada pelo campo dos Estudos Culturais, recorrendo ao fazer
metodológico da Etnografia Surrealista. O recorte, em específico, está alicerçado na ideia de que
os corpos são produzidos em meio às danças da Quimbanda e objetiva expor e discutir sobre
visões acerca do que vem a ser a Quimbanda. Assumo que os terreiros são compreendidos como
espaços educacionais que possuem, dentre seus propósitos, manter memórias, sinalizar a
existência de culturas específicas, por meio da demarcação de identidades.

Palavras-chave: Memórias. Narrativas. Educação. Dança. Identidades.


A CONTRIBUIÇÃO DA FOLKCOMUNICAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO DE MICROEMPREENDEDORES DA
ECONOMIA CRIATIVA: UM ESTUDO DE CASO NO SERTÃO
ALAGOANO

Autor: Anita Grazielly Gomes Moraes


Coautores: Beatriz Soares da Silva
Janicleide Alves Ferreira

Resumo: Os microempreendedores, desde 2008, vem recebendo uma atenção especial do


governo federal para que suas atividades se desenvolvam de forma mais rápida. No entanto, o
apoio para estas pessoas está aquém de suas necessidades, principalmente em regiões como o
Sertão de Alagoas. A Folkcomunicação tem ajudado a suprir estas necessidades dos
microempreendedores na melhoria de seus negócios, principalmente aqueles ligados à Economia
Criativa. Neste sentido, foi realizado um estudo de caso sobre o 'Papai Arteiro', micro
empreendimento de Dyego localizado no município de Santana do Ipanema, com o objetivo de
verificar a influência da Folkcomunicação no desenvolvimento de sua atividade empreendedora.

Palavras-chave: Folkcomunicação. Microempreendedores. Economia Criativa.

A CONSTRUÇÃO DE UM MITO POPULAR: UMA ANÁLISE DAS


RELAÇÕES DE PODER E LUTAS NO NORDESTE BRASILEIRO
Autor: Kelyson Henrique de Oliveira Defensor
Orientador: Maurício de Siqueira Silva

Resumo: O trabalho intitulado “A Construção de um mito popular: Uma análise das relações de
poder e lutas no nordeste brasileiro” apresenta um estudo teórico de caráter bibliográfico sobre
como se dava as relações de poder e o habitus que construiu a figura de lampião bem como o uso
folkcomunicacional nessa construção. O Lampião, no banditismo e no cangaço, no período da
Primeira República na região do Nordeste. O objetivo primordial se pautou em analisar os
motivos que fizeram comque Virgulino entrou para o cangaço, tornando-o “Lampião” do
Nordeste. Para tanto, questionou-se: Como eram as relações de poder no período da Primeira
República? Quais fatores explicam a entrada de Lampião no Cangaço no Nordeste? Como foi
sendo construído esse mito? Considerou-se, ao final da pesquisa, que Lampião entrou para o
banditismo e o cangaço, não apenas por questões particulares ou familiares; mas sim, através das
diversas questões de relações de poder e questões sociais do período da Primeira República no
Nordeste do Brasil. A escolha da temática partiu do interesse em conhecer como as relações de
poder no período da Primeira República no Brasil e o cangaço contribuíram para a construção
mitológica do lampião que continuam presentes até os dias atuais, não só forma de cangaço, mas
de diversas formas em todo o território brasileiro, buscando investigar as relações de poder
predominante dos sertões, em sua forma mais arcaica, fizeram com que aos poucos a população
pobre, sofrida, discriminada; formada por negros, brancos e mestiços, aos poucos fossem se
unindo, formando grupos, tentando a produção de subsistência, não tinham incentivo e assim faz
com que surgissem rebeliões, revoltas, movimentos que tentavam melhores condições de vida.
Para o apanhado contextual, utilizou-se de fontes primárias e secundárias de obras científicas,
revistas, artigos e monografias que tratam sobre a temática como: Ribeiro (1995), Maciel (1985)
e Lessa (2000); para justificar a hipótese que Lampião entrou para o banditismo e o cangaço, não
apenas por questões particulares ou familiares; mas sim, através das diversas questões de relações
de poder e questões sociais do período da Primeira República no Nordeste do Brasil. Diante
disso, esperasse que este artigo venha auxiliar para o aprofundamento de futuros estudos e
reflexões sobre as relações de poder, mas também, discutir acerca da construção do nome
lampião, de como sua ação e seu nome se constituiu e o que isso gerou para o Brasil e gera até
hoje no contexto de economia da cultura e economia do turismo. Assim, esse trabalho trará
diretrizes de como direcionar novos questionamentos na área da história, no tocante às pesquisas
sobre a vida e história do cangaço de lampião e preservação da cultura nordestina.

Palavras-chave: Cangaço. Lampião. Mito popular. Nordeste.

O USO DA CULTURA E DOS COSTUMES PARA O


EMPODERAMENTO POPULAR: O CASO DA FOLKCOMUNICAÇÃO
DO RAIZEIRO CICINHO EM SANTANA DO IPANEMA
Autor: Beatriz Soares da Silva
Coautor: Iara Cristina Pinheiro da Silva
Maurício de Siqueira Silva

Resumo: Embora atualmente venha havendo muitas mudanças com relação ao consumo,
sobretudo consumo de medicamentos, ainda há uma certa resistência na utilização de plantas
medicinais. O principal objetivo deste trabalho é refletir sobre a cultura popular, com o caso do
raizeiro Cicinho com uma cultura que passou de pais para filhos no município de Santana do
Ipanema - AL. Para alcançar esse objetivo foi utilizada uma metodologia baseada em analise
fotográfica, analise de vídeo, obtida através de visitas feita em seu estabelecimento. Concluímos
que a diversidades de raízes e benefícios são inúmeras e o conhecimento que Cicinho possui
sobre cada raiz beneficia a sociedade.

Palavras-chave: Raízes. Plantas medicinais. Cultura. Benefícios

O EMPODERAMENTO DAS MULHERES NA ECONOMIA SOLIDÁRIA


NO SEMIÁRIDO ALAGOANO: UMA EXPERIÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO
AROEIRA – PIAÇABUÇU ALAGOAS.
Autor: Angélica Freitas de Oliveira
Coautor: Alan Lucas de M. Nunes
Bianca Amaral Santos

Resumo: Este artigo constitui-se num estudo de caso referente ao empoderamento e ao


desenvolvimento das mulheres no município alagoano de Piaçabuçu, considerada uma das
cidades mais tranquila do litoral alagoano. Neste cenário está inserido o público-alvo desta
pesquisa, constituindo predominantemente por mulheres, que integram a Associação Aroeira e
exercem atividades agrícolas e não agrícolas. Este artigo detém como objetivo analisar o
desenvolvimento e o empoderamento da participação da mulher através da economia solidária
na Associação Aroeira, ao tempo que se busca caracterizar a Associação Aroeira e sua relação
com o desenvolvimento local. Para a realização deste estudo de caso optou-se pela abordagem
qualitativa, onde a coleta de dados se deu por meio de observações diretas e através da realização
de entrevistas semiestruturadas com as associadas. Assim, a partir desse estudo, percebe-se que
a economia solidária aparece como solução e alternativa para a exclusão do mercado formal de
trabalho e conciliação da vida doméstica das mulheres como necessidade de sustentar seus lares.

Palavras-chave: Economia Solidária. Empoderamento. Mulheres. Associativismo.

A FOLKCOMUNICAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE


DESENVOLVIMENTO PARA O MUNICÍPIO DE MARAVILHA – AL.

Autor: Frank Barreiros de Souza


Coautor: Ana Patrícia Reis da Silva

Resumo: Este trabalho busca mostrar a importância da folkcomunicação como estratégia de


desenvolvimento para o município de Maravilha, Estado de Alagoas, trazendo à tona suas
descobertas arqueológicas que representam uma riqueza turística a ser explorada. Uma estratégia
para uma melhor apresentação dessa riqueza é a folkcomunicação, que a partir da perspectiva de
que a evolução das ferramentas de comunicação como é o caso da folkcomunicação, que vai
além de simplesmente empenhar-se para cumprir os objetivos de marketing é de fundamental
importância para a promoção de produtos ou serviços, utilizando-se de estratégias de apropriação
de suas riquezas folclóricas e culturais atrelada a comunicação.
Palavras-chave: Folkcomunicação; Folkmarketing; Desenvolvimento; Apropriação;
Paleontologia.

A CULTURA INDÍGENA E SUA MANUTENÇÃO: A INFLUÊNCIA


DA GLOBALIZAÇÃO NAS TRANSFORMAÇÕES SOCIOCULTURAIS
DOS FULNI-Ô, DA CIDADE DE ÁGUAS BELAS – PE.

Autor: Ana Patrícia Reis Da Silva


Coautor: Rafael de Oliveira Rodrigues

Resumo: O principal objetivo deste trabalho é analisar o modo como elementos culturais dos
povos indígenas da etnia Fulni-ô residentes na cidade de Águas Belas, Pernambuco, são
produzidos como objetos de consumo para turistas e visitantes, seguindo a lógica do mundo
globalizado. Para o alcance do objetivo proposto, foi realizada pesquisa bibliográfica, com
enfoque na história da etnia, além de uma visita in loco, para realização de entrevistas
semiestruturadas. Os resultados preliminares nos permitiu observar que os índios Fulni-ô são um
ótimo exemplo para refletir a produção de elementos culturais e identitários em objetos de
consumo, articulando categorias como local e global, para divulgar elementos da sua cultura, ao
mesmo tempo em que promovem desenvolvimento socioeconômico da etnia.

Palavras-chave: Povos indígenas Fulni-ô; Águas Belas/PE; Cultura; Globalização


O EMPONDERAMENTO POPULAR: PERFIL SOCIOECONÔMICO DA
FEIRA LIVRE EM SANTANA DO IPANEMA – AL

Autor: Hiara Teixeira Ferreira Silva,


Coautores: Martha Lohane Silva Lima,
Alcides José de Omena Neto

Resumo: O presente trabalho apresenta um estudo sobre o perfil socioeconômico da feira livre
de Santana do Ipanema – AL, localizada no Sertão de Alagoas, onde a feira livre é abordada
como uma manifestação da cultura urbana brasileira que apesar do crescente avanço do
desenvolvimento do comércio se mantem ativa, como um lugar privilegiado para práticas de
folkcomunicação. Etimologicamente de acordo com Miriam C.S Dolzani (2008) A feira livre no
Brasil constitui modalidade de mercado varejista ao ar livre, de periodicidade semanal,
organizada como serviço de utilidade pública pela municipalidade e voltada para a distribuição
local de gêneros alimentícios e produtos básicos. Dessa forma percebe-se que no atual cenário
cada vez mais o consumidor tem acesso a hipermercados e outras opções de consumo, mas
mesmo assim, se mantém ativa, tanto nas pequenas quanto nas grandes cidades. Tendo em vista
que a pesquisa de campo de caráter exploratório, com metodologia qualitativa e quantitativa, por
meio de aplicação de questionário, onde o objetivo central foi identificar o perfil socioeconômico
da feira livre através da visão do desenvolvimento local. Pontuamos que a feira livre de Santana
do Ipanema tem uma característica diversificada, onde buscou compreender as possibilidades de
geração de emprego e renda. O comercio de mercadorias é bastante variado possuindo não apenas
barracas alimentícias, mas também ambulantes, transportadores e ainda outros tipos de
mercadorias como roupas e calçados, que atendem a diversas demandas. A maioria dos produtos
é oriundo de outros municípios ou até mesmo de outros estados, com exceção de alguns
agricultores que produzem na própria roça. A feira possuem 253 barracas, que são armadas
semanalmente nos dias da feira, o fator social é visível na feira livre santanense, promovendo a
interação das pessoas, os encontros entre conhecidos e até mesmo as novas relações que podem
se formar, os feirantes possuem mecanismos que facilitam a comunicação com seus clientes, o
valor acessível é levado em consideração pelo consumidor, já que os produtos possuem preços
menores, qualidade e variedade, elucidando o poder de negociação, conseguir pechinchar,
negociando diretamente com o feirante o preço. Além disso, incentiva a existência desse tipo de
comércio, já que a maioria dos fregueses utilizam dinheiro em espécie, onde dessa forma há a
circulação imediata de capital, o que beneficia o feirante, o qual fornece outros meios de
pagamento, mas a tradição ainda se mantém predominante no que se refere a esse tipo de
transação comercial. Ainda existe a grande queixa dos feirantes é o baixo movimento do
mercado, o que acaba enfraquecendo a feira santanense. Dessa forma conclui-se que apesar das
dificuldades presentes no baixo movimento do mercado a feira santanense possui compradores
fieis e pode adequar-se aos novos tempos, podendo continuar com sua tradição popular urbana e
sua diversidade, que deve ser preservada.

Palavras – Chave: Emponderamento. Feira livre. Santana do Ipanema.


EMPONDERAMENTO FEMININO: UMA ANALISE DA
AUTONOMIA DAS MULHERES EM FEIRA LIVRE DE SANTANA DO
IPANEMA – AL

Autor: Andresa Ferreira dos Santos Silva


Coautor: Silvania Monteiro da Silva

Resumo: A pesquisa teve como objetivo compreender as dinâmicas existentes, dentro do


cotidiano de mulheres que são vendedoras na feira livre de Santana do Ipanema-AL. Além disso,
o estudo buscou entender, dentre outros fatores, como se deu a inserção dessas pessoas no
mercado de trabalho, e quais são suas contribuições para com a renda familiar. O método
utilizado foi a pesquisa de campo de caráter exploratório, com metodologia qualitativa e
quantitativa, para além disso foi aplicado questionários com 30 feirantes, tendo como objetivo
identificar fatores que contribuíram para a autonomia das mulheres na feira. A busca de
independência pelas mulheres vem se destacando ao longo dos anos, nesse contexto, quando
trata-se do emponderamento feminino é importante realizar algumas ponderações. Assim como
trata Cecília Sardenberg (2006, p.02), para nós, feministas, o emponderamento de mulheres, é o
processo da conquista da autonomia, da autodeterminação [...] O emponderamento das mulheres
implica, para nós, na libertação das mulheres das amarras da opressão de gênero, da opressão
patriarcal. Dessa forma, nesse processo as mesmas acabam se auto promovendo, sabendo suas
capacidades investem na busca pela estabilidade socioeconômica. Contudo, no cenário exposto
pela pesquisa deve-se ponderar se o ambiente em que elas estão inseridas não dispõem de muitas
possibilidades para o mercado de trabalho. É possível que com isso haja uma alta probabilidade
que as mulheres que entraram na feira, é por falta de melhores oportunidades, porém, o trabalho
se tornou uma alternativa significativa para melhorar de padrão de vida, nesse meio também
houve algumas exceções como incentivos familiares e iniciativas próprias. Nessa perspectiva, a
renda recebida das feiras serve muita das vezes como parte de uma fonte de renda familiar, ou o
único complemento, se não a única renda familiar. Pode-se melhorar esta fonte de renda, com
políticas públicas direcionadas para educa-las no sentido de possibilidades de inclusão na
produção dos produtos que comercializam, já que os produtos comercializados na feira em sua
maioria são oriundos de terceiros, recebidos de outros municípios e de outros estados, de forma
que se constatou que apenas uma mulher produz produtos orgânicos. Para tanto, é importante
enfatizar que as vendedoras se apoderaram das oportunidades e estão demostrando com
determinação, o quanto desejam dias melhores e uma vida mais digna a partir do trabalho nas
feiras. Com isso, conclui-se que o emponderamento das mulheres na feira livre promove a
autonomia e a superação da desigualdade, apesar das dificuldades é possível perceber que a feira
proporcionou uma maior independência para as mesmas no mercado de trabalho.

Palavras – Chaves: Emponderamento. Feira livre. Mulheres. Santana do Ipanema.


GT 30 - ENSINO DE CIÊNCIAS

Coordenadores: Dra. Ivoneide Mendes da Silva (UFRPE)

Resumo: Visando distanciar-se do aspecto mais tradicional de ensinar ciências, este GT


pretende: problematizar e debater as possibilidades do ensino e aprendizagem relacionados à
difusão e à popularização da ciência e seus aspectos multi e interdisciplinares. As propostas de
trabalhos deverão ser pautadas em referenciais teórico-metodológicos que conduzam a uma
aprendizagem significativa, e/ou problematizadora. Os critérios de avaliação serão: Relevância
e fundamentação do estudo ou intervenção; relação clara com o tema e eixo temático do evento;
adequação do método aos objetivos propostos; clareza na apresentação e discussão dos resultados
e contribuição teórica ou prática. Este GT enquadra-se na Área Temática: Pedagogia, pois não
há como negar a importância dos conteúdos científicos na formação escolar/cidadã.

GT 31 - DIREITO, EDUCAÇÃO E ARTE

Coordenadores: Dra. Nevita Maria Pessoa de Aquino Franca Luna (UFPE)


Dr. Gustavo Guimarães Lima (UMSA)

Resumo: A presente proposta justifica-se pela relevância do tema, pois visa refletir sobre a
relação entre Direito e Arte. Atualmente, o Brasil conta com mais de 1200 curso de graduação
em Direito, porém a qualidade deste ensino tem se mostrado precária, o que repercute na prática
forense e no formato das instâncias decisórias. Assim, torna-se imperioso pensar novas formas
de ensino e aprendizagem do Direito, papel que caberia, primordialmente, à Arte (obras de arte,
o “fazer artístico” e a própria sensibilidade por ela instigada). Em especial, pretendemos explorar
os seguintes temas: Conhecimento jurídico e interdisciplinaridade. Narrativas literárias,
narrativas artísticas e o Direito. Representações da justiça nas artes e na literatura. Direito e
cinema. Direito e literatura. Direito e artes plásticas. Discussões e potencialização de
investigações que tenham conexões com os sentimentos, ou, com o pensamento de Luís Alberto
Warat. Direito e linguagem. Direito, desejo e subjetividade. Carnavalização e Ciência do Direito.
Razão Jurídica e Sensibilidade. Surrealismo jurídico. Direito, Amor e Arte. A crítica ao projeto
epistemológico do positivismo jurídico de Hans Kelsen. Filosofia analítica. Mitos e teorias na
interpretação da lei. Teoria e Filosofia do Direito.

GT 32 - RELIGIÃO E MÍDIA: DO TELEEVANGELISMO AO


CIBERFIEL

Coordenadores: Ms. Emilson Ferreira Garcia Junior (UFPB)


Dr. Edvaldo Carvalho Alves (UFSCAR)
Resumo: Tendo em vista as redes digitais possuem uma estrutura que possibilita a disseminação
de conteúdos a uma velocidade nunca antes vista (CASTELLS, 1999), interessa-nos perscrutar
o cruzamento entre mídia e religião na atual dinâmica contemporânea, marcada pelo discurso
pós-moderno, pluralismo de pertenças e reafirmação da fé. Nessa perspectiva, as Tecnologias de
Informação e Comunicação são vitrines para a participação colaborativa e o efetivo
compartilhamento virtual. Assim, a reflexão dos púlpitos é ecoada e exposta com maior
ressonância em veículos radiofônicos, audiovisuais e com maior preponderância no ciberespaço,
arregimentando espectadores e interventores no atual cenário de convergência tecnológica.

ARQUITETURA DA EVANGELIZAÇÃO’: OS SISTEMAS DE


NAVEGAÇÃO, AS FERRAMENTAS MULTIMIDIÁTICAS E O
GERENCIAMENTO INFORMACIONAL DO PORTAL CATÓLICO ‘PIO
X’ DE CAMPINA GRANDE – PARAÍBA
Autor: Emilson Ferreira Garcia Junior
Coautor: Edvaldo Carvalho Alves

A nossa proposta investigativa realiza uma análise da arquitetura da informação adotada pelo
portal católico da Comunidade ‘Pio X’, à luz do campo da CI e da atual convergência
multimidiática, sintoma de uma sociedade permeada por ciberconexões. Nosso interesse é
entender como se processa o gerenciamento dos conteúdos do site, bem como os estímulos
virtuais que são feitos com o intuito de suscitar uma participação do usuário. Na nova dinâmica
interativa, característica da web 2.0, é natural que se crie uma extensa rede colaborativa, porém
com as devidas restrições que determinado sistema exige. Assim, nossa discussão busca
perscrutar os sentidos hipertextuais, imagéticos e estruturais do ambiente digital dessa
agremiação oriunda do movimento carismático católico, delimitado nesse artigo.

JOGOS DIGITAIS E A QUESTÃO DO SAGRADO

Autor: Luis Carlos de Lima Pacheco

Resumo: A presente comunicação tem por objetivo problematizar a questão do sagrado nos jogos
digitais sob um prisma transdisciplinar. Este texto pretende abordar a relação entre sujeito e
objeto transdisciplinar: a consideração da relação entre jogador e game nos conflitos oferecidos
pelo jogo, caracterizados pela questão religiosa ou espiritual num ambiente relativamente novo
e cheio de possibilidades para o estudo do fenômeno religioso, para além do âmbito institucional
das religiões. Apresentamos, sem a pretensão de esgotar o tema, elementos importantes para
investigações sobre esse fascinante campo de estudo: a relação entre o sagrado e os jogos digitais.

RELIGIÃO, CULTURA E MÍDIA: A CONSOLIDAÇÃO DO ESPAÇO


POLÍTICO DOS EVANGÉLICOS NEOPENTECOSTAIS , ATRAVÉS DA
MARCHA RESGATE NO MUNICÍPIO DO CABO DE SANTO
AGOSTINHO-PE
Autor: Ricardo Jorge

Resumo: Esse artigo tem objetivo analisar os fatores dos eventos culturais que marcaram a
institucionalização da igreja evangélica (neopentecostais), como ato político, no município do
Cabo de Santo Agostinho-PE, levando em consideração a construção de uma identidade cultural
através desse evento denominado “Marcha Resgate”. Diante disso, faz-se necessário entender,
como são construídos, os elementos culturais dos evangélicos neopentecostais. Outro fator é a
aparente estratégia de utilização da cultura (Música e dança) para a ocupação do espaço político.
Nesse sentindo, procura-se trazer um panorama das motivações políticas e religiosas subjacentes
ao discurso e ás práticas das igrejas evangélicas no contexto cultural.

RESUMOS SIMPLES POSTERS


ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU: A IMAGEM FEMININA DE
DEUS NA ARTE CONTEMPORÂNEA.
Autor: Eduardo Ailson da Cruz.

Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir a relação entre corpo, religião e arte, se
apropriando de releituras de obras de arte idealizadas por artistas brasileiros, dentre eles, o
coletivo de artistas “As Travestidas”, criadores do projeto fotográfico intitulado Translendário,
em que os atores reproduzem grandes obras de artes como: A Santa Ceia de Leonardo Da Vinci,
Pietá de Michelangelo e a obra Jesus Crucificado de Salvador Dali, a partir da perspectiva do
corpo travestido. E a Performer Roberta Nascimento, com sua obra intitulada: Via Crucis, em
que a mesma expõe seu corpo a exaustão para questionar o sufocamento que o universo feminino
sofre com as imposições sociais. Ambos os artistas utilizam a arte como ferramenta de combate
as opressões sociais vivida na sociedade contemporânea. No entanto, analisaremos a relação
desse corpo que é apresentado como sujeito dentro dos trabalhos relacionados as artes visuais
contemporâneas, sua relação com o sagrado e com a religião, uma vez que este corpo nos é
apresentado como a imagem e semelhança de um ser intocável.

Palavras-chave: Religião; Arte; Corpo e Sagrado.

AVALIAÇÃO DO NÍVEL DE COMPREENSÃO POR PARTE DOS


DISCENTES EM PEDAGOGIA SOBRE O TRANSTORNO DE DÉFICIT
DE ATENÇÃO COM HIPERATIVIDADE – TDAH

Autora: Jessica Karolyne de Sousa Macêdo


Coautora: Inara da silva Vilar
Orientadora: Mônica Dias Palitot

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo fazer um levantamento a respeito do


conhecimento que os graduandos em licenciatura de Pedagogia detêm sobre o Transtorno de
Déficit de Atenção com Hiperatividade - TDAH. A metodologia utilizada foi a aplicação de
questionários aos discentes pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB, além de pesquisa
bibliográfica. Desse modo, com os resultados coletados podemos perceber que grande parte
destes tem um conhecimento prévio sobre o assunto, porém, não sabe lidar com esse público. O
trabalho ressalta a necessidade da compreensão deste assunto e como esses futuros docentes
podem aplicar as práticas pedagógicas.

O CONHECIMENTO DOS PROFESSORES DO ENSINO


FUNDAMENTAL SOBRE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Autora: Caline Cristiny Cavalcante da Cruz


Coautora: Victória Beatriz Costa Pinto
Orientadora: Mônica Dias Palitot

Resumo: Este trabalho possui o objetivo de analisar a compreensão dos professores sobre
dificuldades de aprendizagem. A metodologia consiste em uma entrevista semiestruturada,
realizada em uma escola de João Pessoa, com docentes do Ensino Fundamental, e pesquisa
bibliográfica. A partir dos resultados coletados, grande parte relatou que conhece e que possui
alunos com tais dificuldades, sendo as mais pertinentes relacionadas à leitura, escrita e
compreensão, logo proporcionam uma atenção individual e aplicam novas práticas pedagógicas.
Portanto, o trabalho aponta a importância dos educadores compreenderem tal conceito e
aplicarem novas metodologias, pois são fundamentais no processo de aprendizagem.

A ANTIDEMOCRACIA E O FEMININO: UMA REFLEXÃO


PROVOCATIVA SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E SUAS
COMPREENSÕES EM TEMPOS DE RETROCESSOS NORMATIVOS

Autora: Melissa Páulissen C. Fernandes

Resumo: Diante de inúmeros discursos misóginos proferidos veementemente no atual panorama


político e social brasileiro, evidencia-se que a pauta sobre o feminino ainda precisa ser debatida
em profundidade para que possamos avançar. No país que ostenta a quinta maior taxa de
feminicídio do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde, faz-se mister analisar qual a
atual conjuntura social e jurídica que enseja a implementação de políticas públicas no combate à
violência contra a mulher. Com isso, busca-se discutir e debater questões críticas da realidade da
mulher no Brasil, fazendo um levantamento histórico e estatístico para ilustrar as problemáticas;
em seguida, propõe-se realizar debate sobre questões levantadas, objetivando discutir as
complexidades da crise sistêmica que afeta severamente os direitos sociais promovidos pela
Constituição Federal, tendo em vista o contexto brasileiro.

Palavras-chave: Violência contra a mulher. Feminicídio. Direitos sociais. Constituição Federal.

PRESERVAÇÃO DE ACERVO RAROS EM JUAZEIRO DO NORTE-CE


Autora: Nara Balbina F. Bezerra
Coautoras: Deise Santos do. Nascimento
Elianara Kelly S. Bezerra
Resumo: A relevância histórica do fenômeno religioso Padre Cícero, ultrapassou desde o seu
surgimento na região do cariri cearense, às fronteiras da regionalidade. É um marco religioso
que, apesar de ser uma das características da cidade e dos seus moradores, há muito tempo, não
está mais nas linhas de fronteiras da região do cariri cearense. Desde que a história d “milagre de
Juazeiro”, ocorrido no ano de 1889 se espalhou a cidade passou a ser o destino de muitos
peregrinos, que sozinho ou em caravanas, chegam para vivenciar sua experiência de fé. Os
romeiros em sua maioria visitam a cidade no período de maior expressividade, quando acontecem
as grandes romarias- em fevereiro, a romaria de Nossa Senhora das Candeias, em setembro,
romaria de Nossa Senhora das Dores e, Novembro quando acontece a romaria de finados, por
ocasião do dia de finados – (GUIMARÃES, 2011). O Resumo apresenta a pesquisa em
andamento que vem sendo desenvolvida por alunos da Universidade Federal do Cariri, no curso
de Biblioteconomia. Tem como objetivo, a digitalização de documentos manuscritos do acervo
do CPR. Do Ponto de vista metodológico, trata-se de uma pesquisa prática, utilizando a técnica
de analise documental. Estão sendo digitalizados, textos documentos manuscritos, que integram
o acervo da biblioteca do Centro de Psicologia d Religião, em Juazeiro do Norte. A pesquisa tem
a preocupação de preservação da memória documental, que de acordo com Valle Junior (2003,
p.20), “a preservação da memória documental é uma atividade chave para a análise da história
do ser humano e para a construção da identidade cultural dos povos”. É importante que as
instituições criem políticas de preservação para seus acervos, garantindo desta forma que as ações
de conservação possa se efetivar no cotidiano da instituição, com um processo periódico e
constante, de higienização do acervo. Nesse sentido, Yamashita; Paletta (2006, p.176)
consideram que se emprega em conservação o termo higienização, “para descrever a ação de
eliminação de sujidades generalizadas sobre as obras, como poeira, partículas sólidas e elementos
espúrios à estrutura física do papel, objetivando, entre outros fatores, a permanência estética e
estrutural da mesma”. Em verdade, o processo de conservação de um acervo, requer cuidados de
diferentes ordens, sendo necessário um olhar mais amplo que vai contemplar ações de
infraestrutura do local onde o acervo está localizado como, por exemplo, controle de iluminação
(tanto natural quanto artificial), umidade e temperatura dos ambientes, higienização do espaço
físico e do acervo, dentre outras. A preservação desses acervos e de outros, que vão surgindo em
suportes mais contemporâneos, proporcionados pelas tecnologias, assim como, da cultura
material, deve ser sempre buscada para que a história permaneça. As instituições públicas ou
privadas, com acervos raros, podem ser compreendidas como sendo “lugares da memória”
(NORA, 1987). Nesse sentido, a biblioteca do CPR, é um lugar da memória cultural e religiosa
que, como os museus, ajudam a manter viva a história de um povo e de uma cidade. Nesse
sentido, a digitalização de documentos se configura como uma ação necessária para a
preservação da memória dos documentos do acervo. Consiste numa ação de transferência de
informação de um suporte físico para um suporte digital, (RUA, 2017). Mais que preservar o
documento busca-se preservar a memória religiosa e cultural, registrada nos documentos. A
digitalização dos documentos permite que a história passada possa ser acessada pela geração do
presente e do futuro, sem que informação se perca ao longo do tempo. É nesse sentido que a
pesquisa caminha.

DIANTE DAS BRUMAS DE AVALON: espaços sagrados em Glastonbury


Autora: Susan Sanae Tsugami

Resumo: A cidade de Glastonbury ficou famosa por inúmeros fenômenos relacionados ao


movimento New Age e por todo seu turismo espiritual. Locais como Chalice Well, White Well
e Tor despertam curiosidade em turistas que estão buscando lugares sagrados e curativos para
visitarem. O poço conhecido por Chalice Well possui água de cor avermelhada, devido ao alto
índice de ferro e minerais presentes em sua composição. Segundo alguns estudos, sua existência
pode anteceder a era cristã, existindo há mais de 2000 anos. Acredita-se que tenha sido construído
por druidas que teriam chegado na região há aproximadamente 600 a.C. Eles teriam considerado
essas águas de propriedades mágicas e, com isso, poderiam permitir a entrada para o outro
mundo.

Palavras-chave: Avalon. Paganismo Contemporâneo. Glastonbury. Espiritualidade.

ALGUNS PARALELOS ENTRE THOR E PERUN, DIVINDADES DO


TROVÃO

Autor: Victor Hugo Sampaio Alves

Resumo: Thor era o deus nórdico do trovão da Era Viking. É mencionado de forma tardia nas
fontes literárias e na poesia escáldica. Perun, deus eslavo do trovão, encontra-se nas obras de
João Malalas e Tietmar de Merseburgo. Nosso objetivo foi analisar as principais fontes primárias
sobre cada deus e averiguar se haveriam semelhanças no modo como foram descritos. O trabalho
foi de natureza qualitativa e analítica, utilizando a metodologia dos centros semânticos proposta
por Schjødt. Pudemos identificar que Thor e Perun são retratados de maneira extremamente
análoga nas fontes. A conclusão alcançada por este trabalho abre terreno para uma gama de novas
discussões que tentem explicar historicamente tamanha similitude.

Palavras-chave: Tho. Perun. Escandinavos. Eslavos. Era Viking. Trovão.

MATERIAIS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE


GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Autora: Selmara Lima de Carvalho

Resumo: O presente artigo busca trazer os principais resultados de uma pesquisa comparativa
realizada em duas escolas pré-selecionadas no município do Recife, como as relações de gênero
são trabalhadas pelos materiais didáticos de uma instituição de caráter religioso (católica) e outra
laica. A pesquisa foi de abordagem qualitativa a qual teve como objetivo analisar como os
materiais didáticos abordam as questões de gênero, através de imagem, desenhos e atividades.
Os resultados alcançados através dessas analises foram semelhantes em ambas às escolas, as
diferenças foram encontradas mais na prática docente que até então não era o foco inicial da
pesquisa, mas se faz necessário abordar nesse artigo devido as situaçõe apresentadas durante as
observações.

Palavras-chave: Gênero. Educação Infantil. Materiais didáticos. Católica. Laica.

GRUPO DE DANÇA FLOR DO CAMPO: Identidade de um Povo.

Autora: Ilza Carla Souza Soares


Orientador: Cristiano Amarante da Silva

Resumo: O presente trabalho baseia - se na experiência vivida no contexto cultural da escola de


campo, Dr° Abelardo Alves de Azevedo, situada na cidade de Conde-PB. No qual vem destacar
o grupo de dança Flor do Campo, semente do programa Novo Mais Educação, tendo como
mediadores o professor de dança Fernando Severo e a articuladora do projeto no seio escolar a
professora Ilza Carla Souza Soares no ano de 2017/2018. O Objetivo deste projeto foi remota os
significados da cultura popular com as crianças d comunidade escolar. A educação caminhou de
mãos dadas com a arte corporal. Os ritmos nordestinos e africanos contribuíram de maneira
significativa neste processo. A dança do coco de roda e as vestes usadas no momento de
apresentação comtemplam as memorias de um povo que semeou com sua vida e esforço, toda
uma história vivida através dos contos orais e danças. Tecidos estampados cores vibrantes
simbolizavam as cores africanas. O projeto fortaleceu e gerou laços, contribuindo para formação
dos educandos e educandas visando colaborar com fortalecimento de sua identidade cultural.

Palavra- chaves: Educação. Escola. Crianças. Dança. Cultura.

A ARTE NA REVOLUÇÃO: COMO OS AUTORES VANGUARDISTAS


CONTRIBUÍRAM PARA A REVOLUÇÃO RUSSA

Autora: Bruna Lis Tavares Moura


Coautora: Anna Karla da Silva Brisola

Resumo: Este trabalho tem por tema a análise de como autores vanguardistas endossaram a
guerra civil russa por meio das suas obras, que se dirigiam principalmente a classe operária, para
captar apoio para a revolução. Têm por objetivos demonstrar a influência da arte nesse contexto,
bem como apresentar alguns dos estilos da vanguarda. No tocante à vertente metodológica, usou-
se da abordagem qualitativa. No método de abordagem, da forma sistémica. Já em relação ao
procedimento, adotou-se o método tipológico. Conclui-se que na Revolução Russa a arte também
esteve no cenário e os artistas, especialmente os construtivistas, a exploraram com o fim de
angariar forças para os movimentos socialistas.

Palavras-chave: Revolução Russa. Vanguarda Russa. Arte.

LÚ SPINELLI E O ENSINO DE DANÇA MODERNA


Autora: Carolina Angélica Dantas Naturesa

Resumo: O objetivo deste trabalho foi identificar como os procedimentos pedagógicos de Lú


Spinelli, no início de sua carreira em Aracaju, em 1971, propiciaram uma nova formação para
corpos em dança na cidade. Em sua chegada, introduziu várias técnicas em suas aulas, como a
dança moderna, contemporânea, dança afro, danças populares, jazz e balé. Lu nasceu em
Salvador e teve parte de sua formação no curso livre d extensão em Dança da Universidade
Federal da Bahia. Também estudou outras técnicas de dança em outros estados, trazendo essa
bagagem para Aracaju. Metodologicamente, além de leitura bibliográfica, foram realizadas
entrevistas com ex-alunas/os.

Palavras-chave: Lú Spinelli. Ensino de dança moderna. Ensino de técnicas.

TRATAMENTO E ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO: AÇÕES


PRÁTICAS DA BIBLIOTECONOMIA NO CENTRO DE PSICOLOGIA
DA RELIGIÃO EM JUAZEIRO DO NORTE-CE.

Autora: Deise Santos do Nascimento


Coautores: Maria Daniele Alves Daniel
Lázaro Almeida Galvão

Resumo: O trabalho apresenta as ações em andamento, do projeto de extensão intitulado; Tratar


e organizar, para disseminar: ações práticas da Biblioteconomia no Centro de Psicologia da
Religião em Juazeiro do Norte-CE, desenvolvido por alunos do curso de Biblioteconomia, da
Universidade Federal do Cariri (UFCA), e tem os seguintes objetivos: promover aos alunos uma
vivência das práticas biblioteconômicas; facilitar aos usuários a recuperação e o acesso à
informação por meio de um acervo adequadamente organizado e, fortalecer a responsabilidade
social da universidade com a sociedade, através de parcerias que possibilite a permanência do
debate social crítico e a reflexão em relação ao contexto social e acadêmico. Trata-se de uma
pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, que utiliza como método, a aplicação de
técnicas e instrumentos específicos da Biblioteconomia (tabelas, de classificação, códigos de
catalogação, bem como, técnicas de higienização e organização de acervos), buscando
aperfeiçoar os resultados. O uso desses instrumentos e dessas técnicas vão contribuir para um
manuseio adequado de cada documento e, a manutenção e preservação das obras, sobretudo,
aquelas com valor histórico. Tem como campo de ação prática, o Centro de Psicologia da
Religião (CPR) na cidade de Juazeiro do Norte- CE, que foi fundado no ano de 1977, com a
chegada à cidade, das Pesquisadoras e também, religiosas da Congregação de Nossa Senhora
(CSA), Therezinha Stella Guimarães (Irmã Ana Teresa)1 , doutora e Psicologia da Religião e
Anne Dumoulin (Irmã Annette, como é popularmente conhecida), doutora em Ciências da
Educação. Com o trabalho já realizado, uma conclusão parcial apresenta como primeiros
resultados, a identificação de um acervo de relevância histórica e cultural com valor e dimensão,
não apenas religiosa. Os registros revelam informações d formação social, política e econômica
da cidade de Juazeiro do Norte, e as características do crescimento urbano da região do cariri
cearense, e também da religiosidade local. Podemos concluir que se trata de um acervo de grande
valor informacional. O CPR possui um acervo de aproximadamente mil obras, composto por
livros, periódicos, manuscritos, cordéis, jornais, dicionários, teses, dissertações, obras
consideradas raras, conforme os critérios de classificação, além de boletins, folders e folhetos
informativos. Apesar da relevânci documental, do acervo, o mesmo não se apresenta em
condições ideais de uso, no que se refere à classificação dos assuntos, como ocorre com os
acervos nas bibliotecas. Falta a este, organização e tratamento, em conformidade com as técnicas
que facilitam o acesso dos usuários aos documentos e, que ajudam na disseminação da
informação. Mesmo assim, oCPR vem cumprindo sua função social, e o propósito que motivou
sua criação e, se constitui como um campo de pesquisa para estudiosos e pesquisadores de várias
partes do mundo, que veem em busca de conhecer e estudar a religiosidade popular naquela
região. Um trabalho de pesquisa que na maioria das vezes resulta numa produção acadêmica ou
literária, contribuindo desta forma, com o aumento de publicações a cerca da temática religiosa
e consequentemente, com o volume documental do acervo do CPR. A história em torno do
fenômeno que ficou conhecido como o “o milagre do Juazeiro”, alimenta um fluxo Constant de
pessoas – seja na condição de ”romeiro”, seja como pesquisador - e dita o ritmo e a dinâmica de
funcionamento na cidade, chegado a ficar impraticável a circulação em determinadas localidades,
especialmente quando se aproxima as datas comemorativas, quando ocorrem as grandes
romarias. Desde que foi criado, o CPR acompanha de perto esse movimento migratório, através
do trabalho de acolhida aos romeiros, realizado pela religiosa Anne Dumoullin, com apoio da
igreja católica, que como pesquisadora tem contribuído com os estudos da religiosidade popular
através de suas publicações na área e com a pesquisa, uma vez que mantém aberta à comunidade
científica, as portas do CPR. Nesse sentido, este se mostrou um campo fértil para uma atuação
da Biblioteconomia.

REMINISCÊNCIAS DE LEITURA: NARRATIVAS DA MEMÓRIA


LITERÁRIA.
Autora: Joyce Marie Silva Gomes
Coautoras: Deise Santos do Nascimento
Nayonara da Silva Rodrigues

Resumo: O resumo apresenta os direcionamentos de uma pesquisa que teve como pano de fundo,
a disciplina curricular obrigatória, Teoria e Prática de Leitura, desenvolvida com alunos de
segundo período, no curso de Biblioteconomia, na Universidade Federal do Cariri. O objetivo
era identificar as referências de leituras, quanto ao gênero literário e a influência familiar, que os
alunos trazem ao chegar à universidade. Os Procedimentos metodológicos empregados
qualificam como uma pesquisa qualitativa, uma vez que os alunos foram estimulados a narrar
suas experiências de leituras, nos oportunizando com a possibilidade de interpretação dos fatos.
A conclusão final mostrou que na maioria dos casos, a família foi a grande incentivadora. As
primeiras influências e estímulos foram dados pelo pai ou pela mãe, um tio ou uma tia, o que
contribuiu para que eles já chegassem à escola, sabendo ler e escrever as primeiras vogais. No
entanto, essa não é a realidade de todas as crianças, os fatores culturais e socioeconômicos que
norteiam as famílias é em muitos casos, a causa maior da falta de influencia por parte da famílias
(RODRIGUES, 2016). Quanto ao gênero literário, a literatura infantil prevaleceu para todos na
infância, porém o romance foi indicado por um percentual de alunos, como o gênero preferido
na fase adolescente e adulta. Foram citadas também, algumas preferências por alguns autores
brasileiros e estrangeiros. A leitura é de fundamental importância na vida de uma pessoa, não
apenas em relação a sua vida escolar e a educação, mas, sobretudo, na formação cidadã, uma vez
que ela pode conduzir cada um, nas suas escolhas e suas práticas de cidadania, podendo vir a
mudar a realidade, Demo (1994). É um instrumento que fortalece a ampliação no nível de
conhecimento e consequentemente, a formação de sujeitos críticos, e mais atuante no contexto
social. Ao chegarem à universidade os alunos deixam transparecer a falta de intimidade com uma
leitura mais acadêmica, percebe-se a dificuldade e resistência aos textos com esse perfil e, a
ausência dessa prática, é sentida nos momentos de debates e discussões, quando o aluno é
chamado a se posicionar sobre o texto. Outra coisa que chama nossa atenção em sala, é que os
alunos que tem o habito de ler, se relacionam mais e melhor com comunidade acadêmica, se
expressam com mais facilidade e com um vocabulário mais amplo. Contudo, não são todos e,
lamentavelmente, cada vez mais identificamos alunos com esse comportamento dentre aqueles
que chegam à universidade em cada semestre. É precis investir, ainda que tardiamente, em
dinâmicas pedagógicas que estimule o aluno a entender que a leitura pode ajuda-lo em sua vida
pessoal e profissional e no seu desenvolvimento como ser social, em constante interação.
Conforme Rodrigues (2016, p.24), “a leitura está intimamente relacionada com uma prática
social capaz de resgatar a cidadania e a dignidade, levando para melhores condições de vida na
sociedade”. Não podemos, contudo, responsabilizar apenas o aluno por esse déficit. Muitos deles
não são estimulados a ler de forma prazerosa e atrativa, isso na maioria das vezes é feito de
maneira impositiva e obrigatória, num processo mecanizado de aprendizagem, onde o aluno não
aprende a refletir e se expressar criticamente e, muitas vezes, não tem o direito de escolha sobre
o que ler e, nesse sentido, “as ações escolares devem considerar a sociedade como um ambiente
de práticas de leitura e de escrita”, Alves (2012 27). As escolas precisam rever suas metodologias
ampliando as possibilidades do aluno em diferentes sentidos não apenas em relação à leitura.
Afinal, a escola deve também assim como a família, prepará-los para a vida em sociedade.

LIVROS PROFETICOS DO ANTIGO TESTAMENTO NO CINEMA


Autor: George José Rodrigues de Melo

Resumo: Os Livros Proféticos do Antigo Testamento subdividem em dois grupos na Bíblia


cristã, o dos primeiros profetas (maiores) e o dos profetas menores. Os profetas maiores são
quatro: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel. Os menores são doze: Baruc, Oséias, Joel, Amós,
Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias Ageu, Zacarias e Malaquias. O Cinema
é um sistema de reprodução de imagens registradas em filme ou digitalmente e projetadas sobre
uma tela. Através deste trabalho, procuramos demonstrar a inserção do cinema no religioso
(especificamente na Bíblia) como um documento passível das intervenções da sociedade que o
produz.

Palavras-chaves: Livros Proféticos. Antigo Testamento. Cinema.

EDUCAÇÃO E PREVENÇÃO DA SAÚDE NA TERCEIRA IDADE


Autor: Adriano Lourenço de Sousa.
Coautor: Geovanni Ferreira do Nascimento.

Resumo: A terceira idade deve ser encarada com responsabilidade e cuidados intensos,
desfrutando de saúde e qualidade de vida, inclusive desenvolvendo hábitos de estudos e
contribuições na educação, se entregando a atividades que lhes proporcione condições de
enfrentar a vida sem medo, detectando necessidades, carências, problemas, resolvendo ou
suprindo convenientemente. Não podemos deixar de enfatizar que é sempre hora de começar e
que na maioria dos casos, para mudar o estilo de vida, basta apenas querer mudá-lo. A questão
social do idoso, face sua dimensão exige uma política ampla e expressiva que suprima, ou pelo
menos amenize a cruel realidade que espera aqueles que conseguem viver até idades mais
avançadas. Após tantos esforços realizados para prolongar a vida humana, seria lamentável não
oferecer as condições adequadas para vivê-la, e é sob a égide da descriminação que se encontra
hoje população idosa brasileira, que se faz necessário de forma urgente, mostrar modelos que
contribuam para o combate aos preconceitos que afetam os mais velhos. Devemos CAD vez mais
exigir e cobrar dos familiares que se envolvam de forma mais concentrad quanto aos
atendimentos e tratamentos desses idosos, a tomada de consciência e sensibilização da família
na promoção de qualidade de vida, dispensando a eles não apenas a atenção, mais ainda a fazer
sentir amada. O que ameaça a qualidade de vida dos idosos, é a limitação em sua capacidade de
realizar atividades do quotidiano colocando em risco a sua saúde, com o envelhecimento e a
perda progressiva das aptidões funcionais do organismo, aumenta-se o risco do sedentarismo,
dando oportunidade assim as doenças não transmissíveis. Exercícios como atividade física
proporciona inúmeros benefícios para a saúde como: proteção as doenças não transmissíveis,
inclusão, socialização, bem-estar e saúde mental, recomendado ao tratamento de várias doenças.
Nesse processo é fundamental a participação e acompanhamento dos profissionais da saúde e
educação, junto a esses idosos que cotidianamente se mantêm distante do convívio social e
familiar, por acharem ser incapazes de ser um ser sociável. Vendo esse tipo de exclusão não
apenas dentro do meu campo de trabalho mais também fora dele nas ruas e nas famílias,
observando também uma sociedade que nos últimos anos vem tendo um crescente aumento no
quesito estimativa de vida evidenciado pelas pesquisas, prestando atenção na qualidade de vida
de nossas crianças e adolescentes que a cada dia convive com as coisas que mundo a oferece,
acompanhando através da mídia o “interesse” do poder público em desenvolver mais políticas
voltado para o idoso, vejo que nossos idosos e porque na dizer nossa população está desprovida
de políticas preventivas de saúde, digo isso pelo fato de como profissional da área, o problema
tende a se alastrar desde muito tempo. Colocando esse problema em olhos nem tão profundo,
podemos sim desenvolver e ao mesmo tempo porque não incluir em nossas escolas de ensino
fundamental, temas do tipo: educação e saúde, qualidade de vida e prevenção às doenças
crônicas. Ao nascer somos educados para buscar sucesso e riquezas, deixando de lado alguns
fatores que sã essenciais para nossa sobrevivência, ao ponto que só nos preocupamos com nossa
saúde quando somos pegos de surpresa com um resultado nada tentador, se tivermos a
consciência que durante nossa formação escolar o multiplicador vivido por nossos jovens tendo
a clareza e consciência que devemos ter cuidados com nossa saúde, mente e corpo, com certeza
não teríamos inúmeros idosos largados nos hospitais, clínicas psiquiátricas e em um quarto
isolado nas residências, mas sim teríamos idosos e uma futura população com disponibilidade,
qualidade de vida e ao mesmo tempo certeza de que prevenir, é sem duvida o melhor caminho
para ter saúde.

Palavras-chave: Educação. Saúde. Terceira idade.

COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E /OU SUPLEMENTAR COMO


AUXILIO PARA O AUTISTA
Autora: Janaina de Fátima Soares Santa Rosa
Coautora: Amanda Trajano Batista

Resumo: A Comunicação Alternativa e/ou Suplementar (CAS) é uma área da prática clínica que
tem como objetivo compensar temporariamente ou permanentemente a incapacidade ou
deficiência do indivíduo com desordem severa de comunicação expressiva oral. Proporciona
compreensão da comunicação, encorajamento para a fala, redução da frustração e melhora da
condição na qualidade de vida. Os problemas da linguagem no autismo envolvem déficits de
comunicação não verbal, simbólicos e de fala. Desta forma, o autista pode apresentar dificuldade
na responsividade a comandos não verbais, tais como: gestos, expressões faciais, entonação e o
apontar, o que pode contribuir para o atraso da fala. O uso da CAS pode ser um suporte para que
o autista desenvolva uma estrutura linguística, uma vez que na maioria dos casos, a comunicação
é vista como um aspecto expressivamente afetado. Visando esses benefícios, este trabalho trata-
se de uma pesquisa bibliográfica que tem como objetivo apresentar a CAS como meio de garantir
uma forma alternativa para a melhora da comunicação em autistas. Foi observado que o uso desse
sistema promove o desenvolvimento de gestos que propiciam intencionalidade comunicativa e
desenvolve estratégias compensatórias que facilitam uma melhor habilidade comunicativa para
o autista. Tais aspectos auxiliam na sua expressão linguística e na capacidade de compreensão
pelos outros de suas necessidades.

Palavras-Chave: Transtorno do espectro autista; Comunicação Alternativa; Suplementar;


Neuropsicologia.

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