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Contribuicoes Das Literaturas Fantastica
Contribuicoes Das Literaturas Fantastica
ISBN:978-85-237-1472-7
2019
CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO RELIGIÃO E ARTES
ARTIGOS COMPLETOS
Resumo
Segundo Bauman (2001) vivemos na modernidade líquida. Termos como pós-
modernidade, hipermodernidade, modernidade tardia, hibridismo e transculturação
definem paradigmas contemporâneos. Desde 1960 as Artes Visuais dialogam com outras
linguagens expressivas utilizando a “bricolagem” e a “apropriação”, que possibilitam a
heterogenia dos saberes apresentados no campo expandido (performances, site specifics,
instalações, videoinstalações, intervenções urbanas, etc.). Neste GT questionamos: como
se estabelecem as relações entre as artes, a educação e as religiões no mundo
contemporâneo? Como o estudo das imagens pode aproximar as artes da educação?
Pretendemos estimular o debate sobre as reflexões em torno das Artes e dos saberes
humanos transdisciplinares.
Palavras Chave: Arte. Filosofia. Educação. Imagens.
Abstract
According to Bauman (2001) we live in liquid modernity. Terms such as postmodernity,
hypermodernity, late modernity, hybridism, and transculturation define contemporary
paradigms. Since 1960 the Visual Arts have been in dialogue with other expressive
languages using "bricolage" and "appropriation", which allow the heterogeneity of the
knowledge presented in the expanded field (performances, site specifics, installations,
video installations, urban interventions, etc.). In this GT we asked: how are the relations
1
Professor/Pesquisador do Departamento de Artes Visuais e do Programa Associado de Pós-Graduação em
Artes Visuais da UFPB; Pós-Doutor em Estética e História da Arte (PGEHA/MAC/USP); Doutor em
Arquitetura e Urbanismo (PPGAU UFRN e UMinho/Portugal); Mestre em História (PPGH UFPB);
Especialista em Sociologia e Educação Especial (UFPB) e Licenciado em Artes Plásticas (UFPB). Email:
robsonxavierufpb@gmail.com.
2
Professor da Rede Privada de Ensino de João Pessoa. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus
e Inclusão (GPAMI UFPB); Mestre em Filosofia (PPGF PUC) e Linguística (PPGL UFPE); Graduado em
Ciências Atuariais (UFPB); Filosofia (PUC SP) e Linguística (UFPE). Email:
professormarcio28@gmail.com.
between the arts, education and religions established in the contemporary world? How
can the study of images bring the arts closer to education? We intend to stimulate the
debate on the reflections on the arts and transdisciplinary human knowledge.
Key words: Art. Philosophy. Education. Images.
Introdução
O pesquisador Dr. Milton dos Santos (Pós Doutorando pelo PPGAV UFPB)
apresentou o artigo “Buruburu: a simbólica dos orixás nos processos criativos do
performer Ayrson Heráclito e do artista plástico paraibano Elioenai Gomes”, discutindo
comparativamente a videoinstalação “Buruburu” de Ayrson Heráclito com a pintura
“Omuru: caminho do renascimento” de Elioenai Gomes.
São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar que
podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais
podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não
quer dizer que nossos contemporâneos sejam livres para construir seu modo de
vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais
dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de construção.
Mas quer dizer que estamos passando de uma era de 'grupos de referência'
predeterminados a outra de 'comparação universal', em que o destino dos
trabalhos de autoconstrução individual (…) não está dado de antemão, e tende
a sofrer numerosas e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem
seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo (BAUMAN, 2001, p.15).
Figura 01 – Esquema Monstro de Modernidade Líquida – canal super sociologia. Disponível em:
https://colunastortas.com.br/modernidade-liquida-o-que-e/.
Milton dos Santos no artigo “Buruburu: a simbólica dos orixás nos processos
criativos do performer Ayrson Heráclito e do artista plástico paraibano Elioenai Gomes”,
analisou comparativamente a videoinstalação Buruburu e a pintura Omulu, chegou as
seguintes considerações:
a) As mulheres dos anos 1940 tinha uma vida ativa, trabalhavam em usinas,
cuidavam da casa, da família, andavam a pé ou de bicicleta;
b) Adaptaram não apenas sua rotina, mas também sua apresentação social.
c) O aspecto social das mulheres múltiplas do século XXI é identificável nas
capas das edições do ano 2018 da Marie Claire France e Brasil. Mas o
estereotipo corporal representado continua sendo o da mulher do século
XX;
d) A partir da comparação entre os dois períodos, 1939-1945 e 2018,
observamos semelhanças de práticas de moda demonstradas nas revistas.
Considerações Finais
Referências
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
[...] como o conjunto de direitos que são próprios apenas aos cidadãos
imaturos; estes direitos, diferentemente daqueles fundamentais reconhecidos
a todos os cidadãos, concretizam-se em pretensões nem tanto em relação a
um comportamento negativo (abster-se da violação daqueles direitos) quanto
a um comportamento positivo por parte da autoridade pública e dos outros
cidadãos, de regra adultos encarregados de assegurar esta proteção especial.
Por força da proteção integral, crianças e adolescentes têm o direito de que os
adultos façam coisas em favor deles (CURY, 2005).
3
PRIORIDADE ABSOLUTA. Prioridade Absoluta, direitos das crianças em primeiro lugar. Disponível
em: http://v1.prioridadeabsoluta.org.br/prioridade-absoluta-direitos-das-criancas/. Acesso em: 23/12/2014.
acompanharam essa evolução, havendo ainda negligência, abusividade e ameaça à
direitos tutelados.
4. O TRABALHO INFANTIL
Trabalho infantil é aquele exercido por pessoas abaixo da idade mínima legal
permitida.No Brasil, a Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XXXIII e a Lei
8.069/90, em seu artigo 60, proíbemexpressamente o trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de dezoito anos e qualquer trabalho a menores de dezesseis anos,
salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
No mesmo sentido, a CLT dedica todo o Capítulo IV do Título III à Proteção do
trabalho infantil, dispondo sobre diversos itens relacionados à proteção do trabalho
infantil: a idade mínima, descanso, intervalos e duração da jornada de trabalho, proibição
do trabalho perigoso, insalubre, penoso, noturno ou trabalhos realizados em locais
prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em
horários e locais que não permitam a frequência à escola.
O país ratifica, ainda, através do Decreto nº 4.134/2002, a Convenção 138 e a
Recomendação 146 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Idade Mínima
de Admissão ao Emprego e foi o primeiro a elaborar, através do Decreto nº 6.481/2008,
a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), que inclui, entre outros, o
trabalho infantil doméstico.
O trabalho diminui o tempo disponível da criança para seu lazer, sua vida em
família e educação; diminui, também, a oportunidade de estabelecer relações
de convivência com seus pares e outras pessoas da comunidade em geral. Além
disso, os menores experimentam um papel conflitante na família, no local de
trabalho e na comunidade, pois, como trabalhadores, são forçados a agir como
adultos, no entanto, não podem escapar de sua natural condição infantil. Esses
fatores são fonte de estresse emocional que afetam o desenvolvimento mental
e físico em um estágio crítico da vida. Crianças e adolescentes vivem um
processo dinâmico e complexo de diferenciação e maturação. Precisam de
tempo, espaço e condições favoráveis para realizar sua transição nas várias
etapas em direção à vida adulta. Essas transformações os tornam mais
vulneráveis às situações de risco do ambiente de trabalho e, portanto, mais
susceptíveis a adquirir doenças ocupacionais (MARTINS, 2013).
CONCLUSÃO
O trabalho infantil, definido como aquele exercido por pessoas abaixo da idade
mínima legal permitida, gera consequências nocivas aos valores éticos e à sociedade, pois
diminui o tempo disponível da criança para seu adequado desenvolvimento (educação,
família, lazer); provoca o estresse ao gerar uma situação de conflito onde a condição
natural de crianças e adolescentes é ignorada em prol de atitudes adultas; aumenta o risco
de doenças ocupacionais, e prejudica de forma geral a formação crianças e adolescentes.
Há um amplo reconhecimento jurídico da necessidade de proteger crianças e
adolescentes em relação ao trabalho. Ocorre que a vasta e específica proibição legislativa
e ética do trabalho infantil pelo Estado e a priorização absoluta nos procedimentos de
fiscalização não foram suficientes para a erradicação do trabalho infantil, cujas
estatísticas apontam números elevados. A situação é ainda mais grave relação ao trabalho
infantil doméstico, pois a exploração oculta não tem ainda uma metodologia adequada
para aferição.
Esse cenário evidencia que o problema está na falta visibilidade social, ou seja, na
falta de reconhecimento da exploração de mão de obra infantil no meio doméstico como
um problema social e não percepção do trabalho infantil enquanto tal.
É essencial, portanto, como forma de conferir efetividade aos direitos e garantias
já positivados, promover a visibilidade, mão somente através de métodos jurídicos
especializados, fragmentados e monodisciplinares, mas também por meio de outros
saberes, como a arte.
REFERÊNCIAS
FOSTER, Hal (org.). Vision and visuality. Seattle: Bay Press, 1988.
KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer história com imagens: arte e cultura visual.
ArtCultura, Uberlândia, v. 8, n. 12, p. 97-115, jan.-jun. 2006.
RESUMO
Este trabalho analisa como autores vanguardistas endossaram a guerra civil russa por
meio das suas obras, que se dirigiam principalmente a classe operária, para captar apoio
para a revolução. Assim sendo, têm por objetivos demonstrar a influência da arte nesse
contexto, bem como apresentar alguns dos estilos da vanguarda. No tocante à vertente
metodológica, usou-se da abordagem qualitativa. No método de abordagem, da forma
sistémica. Já em relação ao procedimento, adotou-se o método tipológico. Conclui que na
Revolução Russa a arte também esteve no cenário e os artistas, especialmente os
construtivistas, a exploraram com o fim de angariar forças para os movimentos
socialistas.
1 INTRODUÇÃO
A insatisfação com o regime czarista de Nicolau II, a fome que afetava o país, a
concentração de terras nas mãos da burguesia e da Igreja Ortodoxa, bem como a
participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial, foram alguns dos motivos
responsáveis pela eclosão da Revolução Russa de 1917. Gerando, portanto, “uma
extraordinária atmosfera de inquietude e renovação nos campos social, político e cultural,
cujos desdobramentos se fizeram sentir durante todo o século XX” (CAVALIERE, 2017,
p. 19).
Contudo, não se tratou apenas de uma insurreição política, mas também artística,
que durou vinte anos, de 1910 a 1930 (MIGUEL, 2006, p. 28). Essa conjuntura de guerra
civil fora “endossada pelos artistas. Imbuídos dos ideais de vanguarda, eles próprios
queriam uma revolução na arte que pudesse transformar a vida” (ANDRADE, 2007, p.1).
Desta forma, a arte começou a anunciar e desenvolve-se conforme os anseios
sociais, passando esse movimento a ser denominado por alguns estudiosos como
vanguarda russa, entretanto, há críticas a respeito dessa nomenclatura.
Marcelo Albuquerque (2017) afirma que “as vanguardas russas têm como
características principais dois pontos: o uso de elementos geométricos puros
(consequentemente a redução dos matizes de cores) e a mentalidade revolucionária”.
Diante desse contexto social e político, se destacaram movimentos vanguardistas
importantes, como o cubo-futurismo, o suprematismo e construtivismo.
O cubo-futurismo traz como característica a preocupação com a realidade e
concretude daquilo que buscavam expressar, seja através da palavra ou de imagens,
rompendo com simbolismos, onde “o que está em pauta é uma orientação estética voltada
para a concreção, o que significa uma referência direta ao objeto, ao invés de alusões
indiretas” (CAVALIERE, 2017, p. 27). Um dos grandes nomes cubofuturistas é o de
Vladimir Maiakóvski, conhecido como o “poeta da Revolução”.
Maiakóvski era apoiador dos bolcheviques e desenvolveu diversos trabalhos no
período da revolução russa. Seja através de propagandas afetas ao movimento
revolucionário, seja através das suas obras, ele denunciava as mazelas sociais e clamava
por liberdade. Em seus poemas, remetia-se a população, para instigá-la à revolução,
movimentando as classes operárias, que viviam a realidade da opressão czarista.
O suprematismo, por sua vez, “representado pelo pintor Kazimir Malevitch, foi
um dos mais importantes movimentos artísticos da história da Rússia e deixou notáveis
contribuições para a arte moderna” (FERRARI; et al, 2013). Sua expressão era de arte
abstrata, sem compromisso com a existência de objetos, havendo uma liberdade na sua
exteriorização, que pode ser vista, por exemplo, no Quadro Vermelho: Realismo
Pictórico de uma Camponesa em Duas Dimensões, que data de 1915, sendo de autoria
malevitchiana.
Figura 1 - Quadro Vermelho: Realismo Pictórico de uma Camponesa em Duas Dimensões
Essa obra dá alusão para um início de uma nova fase, “que rompia com toda a
rigidez das imposições do passado e prenunciava a sua libertação; era a irregularidade da
forma banhada pelo sangue da revolução; revolução na arte e na política que alentavam
aquela população” (GRECO, 2007). Outra pintura famosa deste autor é a Cavalaria
Vermelha, onde o vermelho representa a cor da revolução, associada ao movimento
socialista. Desta maneira, a atuação de Malevitch durante a guerra civil russa foi de
acolhê-la, levando-o consigo todos aqueles que o admiravam.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para a elaboração desse estudo, utilizou-se como fundamentação teórica artigos
científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado, que analisaram a influência
histórica das vanguardas no contexto da Revolução Russa, embasando o objetivo
principal deste trabalho, qual seja, demonstrar como o as manifestações vanguardistas
geraram adesão à guerra civil russa.
3 METODOLOGIA
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Este trabalho analisa como autores vanguardistas endossaram a guerra civil russa
por meio das suas obras, que se dirigiam principalmente a classe operária, para captar
apoio para a revolução, o que demonstra a influência da arte nesse contexto. Dessa forma,
foi sendo observado que na Revolução Russa a arte também esteve no cenário e os
artistas, especialmente os construtivistas, a exploraram com o fim de angariar forças para
os movimentos socialistas.
5 CONCLUSÃO
Por conseguinte, percebe-se que ao longo de toda Revolução Russa a arte também
representou esse cenário político e social de mudanças, articulando-se entre si, retratando
a insatisfação social e voltando-se para as classes menos favorecidas, que não tinha acesso
a elas, passando a retratar a suas vidas cotidianas, de opressão e anseios, contribuindo
primordialmente para a instauração e manutenção do movimento socialista.
Desses movimentos artísticos percebe-se que a vanguarda que mais se destacou
com o objetivo de angariar forças para a revolução socialista, foi os construtivistas, pois
se aliaram aos ideais revolucionários e teve ampla participação popular, porque descrevia
a vida cotidiana das camadas menos favorecidas, que antes não tinham acesso à arte.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Pedro Duarte de. Política e arte na Rússia da Revolução. O Globo - Prosa
& Verso. Rio de Janeiro, p. 3 - 3, 20 out. 2007.
GRECO, Patrícia Danza. Kazimir Malievitch: novos conceitos, outras revoluções. 2007.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Departamento de História,
2007. 219 f.
MIGUEL, Jair Diniz. Arte, ensino, utopia e revolução os ateliês artísticos Vkhutemas/
Vkhutein (Rússia/URSS, 1920-1930). 2006. Tese (Doutorado em História) –
Universidade de São Paulo, São Paulo.
RESUMO
O I CNERA congregou estudiosos de diversas áreas do saber como a Antropologia, a
História, as Ciências Sociais, a Filologia e a Psicologia. Nesse sentido, fazendo um liame
entre as áreas do conhecimento supramencionadas e nosso objeto de pesquisa no pós-
doutorado, apresentamos um estudo sobre as rezadeiras brasileiras e suas ancestrais ibéricas,
cujas raízes se mesclam com as das bruxas do Medievo perseguidas pela Inquisição e pela
Caça às Bruxas. Objetivamos mostrar a relação entre nossas rezadeiras e as rezadeiras
ibéricas, cujo ofício ultrapassou os limites do Além-Mar, instalou-se em terras brasileiras e
continuou tanto aqui como lá. Para tanto, ancoramos nossas considerações nesse
levantamento bibliográfico em teóricos basilares para a temática como Hoffmann-
Horochovski (2015), Mainka (2002), Morais (2007), Nogueira (2012), Santos (2007, 2009),
Silva (2009), Stancik (2009), Theotonio (2011) e Zordan (2005), dentre outros. Concluímos
que nossas rezadeiras têm uma longínqua ligação com suas ancestrais ibéricas, que para aqui
rumaram quando ainda éramos uma incipiente colônia portuguesa e que consigo trouxeram
um conhecimento vetusto que remete ao Medievo e às mulheres que proviam a cura naqueles
tempos sombrios.
A tradição da busca da cura por meio da intercessão feminina é uma prática que
se perde na noite dos tempos. O ser humano sempre buscou a solução para os seus
problemas físicos, mentais e espirituais a partir da utilização da fitoterapia, das orações e
das práticas ritualísticas de mulheres que detinham e detêm o conhecimento oculto da
manipulação energética. Seguindo o curso natural do tempo, este conhecimento empírico
inerente às mulheres da Antiguidade foi-se aprofundando na Idade Média. De acordo com
Barstow (1991), naquele momento histórico, as chamadas “bruxas” pela Igreja eram as
parteiras e benzedeiras pertencentes a uma sociedade que as necessitava. Considerava-se
natural o fato de se recorrer às conhecedoras dos mistérios fitoterápicos para livrar-se de
problemas físicos, emocionais, mentais e espirituais, como supra citamos; para afugentar
o azar e atrair a prosperidade; para abençoar a semeadura objetivando uma farta colheita,
assim como para revolver a energia nos casos de amor dos consulentes.
Contudo, essas mesmas mulheres tornaram-se uma ameaça social ao formarem
confrarias e colocarem em risco o incipiente saber médico masculino, sexista e patriarcal,
que estava sendo gestado em paralelo com a ascensão do cristianismo, que naquele
momento legitimava-se como a religião oficial do mundo civilizado. Dessa forma, os
saberes pagãos faziam com que a bruxa expressasse, conforme Zordan (2005, p. 339-
340), “o poder das Grandes Deusas, a divinização da Natureza e a terra-corpo como
sagrados”. Acreditava-se que o poder de curar poderia levar também ao de matar. Para
Barstow (1991), esse poder inexplicável e sobrenatural somente poderia haver sido
concedido a tais mulheres pelo próprio Satanás, com quem elas supostamente haveriam
feito um pacto de sangue e/ou copulado anteriormente.
O que não encontrasse eco nos ditames cristãos deveria ser expurgado. Se as
mulheres eram vistas com desconfiança pelo cristianismo, as mulheres fálicas,
inteligentes, carismáticas e resistentes ao discurso hegemônico dessa religião, que
depreciassem a instituição matrimonial focada na monogamia e valorizassem o sexo e o
prazer estéreis, tornaram-se uma ameaça que deveria ser eliminada. Paradiso (2011)
resume que essas mulheres foram, então, declaradas inimigas dotadas de malícia, lascívia
e corrupção, posteriormente perseguidas com o apoio do clero e da nobreza e, finalmente,
emudecidas à custa de sangue. A desculpa encontrada para silenciar-lhes o discurso e a
postura empoderadas foi a de taxá-las de endemoniadas. E calhou bem: a partir de então,
o silêncio passou a ser o destino das mulheres, cabendo o discurso aos homens, que o
construíram com base em um arcabouço autoritário e focado no masculino.
Osório (2004) defende que a típica imagem da bruxa que habita a imaginação do
ocidental comum está intrinsecamente vinculada ao repúdio. Caracterizamos-lhe, o mais
das vezes, como uma mulher velha, feia e pobre; enrugada e com uma grande verruga
pendendo da ponta do nariz aquilino; o cabelo maltratado, longo e grisalho; a voz rouca;
totalmente vestida de negro e curvada sobre seu imenso caldeiro, onde um menino cristão
está sendo cozido a fogo lento para servir de base para o preparo de poções mágicas. Ao
seu redor, além do caldeiro, símbolo ancestral que representa o grande útero da Deusa
Mãe, onde vida e morte estão conectadas pela reencarnação, repousam também outros
objetos igualmente mágicos como a varinha e a vassoura, além da companhia inevitável
de corvos e de gatos pretos. Na maioria dos contos de fadas, cristianizados e
ressignificados pelo filtro moral puritano da Era Vitoriana, as bruxas são as vilãs por
excelência e devem morrer no fim da história para que o bem possa, por fim, triunfar.
Mas, afinal, quem eram/são as bruxas? E por que têm que necessariamente desaparecer
no final da trama para que esse suposto bem possa prevalecer?
À luz de Paradiso (2011) e Zordan (2005), a imagem da bruxa foi sendo construída
a partir de discursos que apresentavam as mulheres metaforicamente como seres
autônomos e sexualmente emancipados, em oposição direta ao sistema de controle
patriarcal hegemônico; a personificação da rebeldia, da autossuficiência, dos instintos
mais primitivos e de uma sexualidade selvagem. Em vista dessas características, fez-se
necessário moldá-las ao discurso falocêntrico: emudecê-las e ceifá-las. Ellis (1995)
afirma que essa mudança começou de forma gradual e aparentemente bem-intencionada.
Aos poucos, a medicina tradicional dos antepassados passou a ser considerada bruxaria
pelos que professavam a fé em Cristo, subestimando, sobrepujando e rebatizando antigos
saberes. As pessoas que faziam uso dos vetustos conhecimentos pré-cristãos, como filtros
e poções, passaram a ser implacavelmente perseguidas. Com o cristianismo cada vez mais
preponderante, intolerante e imponente, tornava-se inviável que a mulheres continuassem
a agir como sempre haviam agido; não se aceitava mais que seguissem remediando a vida.
Bastava com gestá-la. As bruxas, antes respeitadas por sua cultura milenar e hereditária,
com a Caça às Bruxas e a Inquisição, passaram a simbolizar a ligação feminina com o
oculto e com o diabólico (BECHTEL, 2001).
A violência misógina legitimada que se produziu contra elas chegou às raias do
delírio e da insanidade por duas marcadas e dolorosas vezes na História: na Inquisição e
na Caça às Bruxas. Determinadas localidades assistiram a um verdadeiro extermínio de
pessoas acusadas de bruxaria (diga-se de passagem, que entre 75% e 90% dos casos,
tratava-se de mulheres). E por que mulheres e não homens? Provavelmente porque as
mulheres sempre estiveram mais próximas das crianças, dos velhos e dos doentes – dos
mais débeis, portanto; sempre trabalharam mais devotadamente na elaboração do
alimento; sempre foram profundas conhecedoras das dores, dos partos, das doenças e da
morte em si e, consequentemente, passaram a ser vistas com maior desconfiança devido
a tal proximidade, como defendem Menon (2008) e Mainka (2002). Casanova e Larumbe
(2005) esclarecem que a grande maioria dessas “malfeitoras” eram habitualmente
diagnosticadas como mentalmente desequilibradas.
A economia foi, segundo Barstow (1991), um dos maiores detonantes das
perseguições. Normalmente, as acusadas ou eram mulheres paupérrimas e que dependiam
de seus vizinhos para sobreviver ou eram abastadas e atraíam a ganância de seus algozes.
Ademais, ainda conforme Barstow (1991, p. 184): “Todas las mujeres solas eran
consideradas especialmente vulnerables al diablo. Las parejas de madre e hija eran muy
sospechosas, y muchas fueron quemadas o colgadas juntas”. Corroborando esta assertiva,
Casanova e Larumbe (2005) explicam que o crescente número de mulheres que viviam
sozinhas naquele momento da História se devia à dissolução de conventos em áreas
protestantes e/ou à viuvez imperante em razão das guerras contínuas. Sozinhas e
vulneráveis, sem a proteção de uma figura masculina, aquelas mulheres desamparadas,
mentalmente afetadas e materialmente pobres ou demasiadamente ricas tornaram-se
presas fáceis para os inquisidores.
Apesar da perseguição empedernida que sofreram, as bruxas, reduzidas em
número, resistiram, ressignificaram sua missão, redimensionaram sua atuação e seguem
entre nós sob a configuração das curandeiras nos mais diversos sítios do planeta,
conforme Stancik (2009). A bruxa não morreu. E por que deveria? Sobre essa
continuidade tratamos a seguir.
[...] está diretamente relacionada com a cura da “dor de barriga”. A “água fria”
poderia ser de um rio cuja “correntia” levaria a dor que estaria fazendo sofrer
aquela pessoa. Em outras palavras, da mesma forma que o curso de água do rio
se processa, também a “dor de barriga” a água levaria. O simbolismo da água
poderia se fazer presente em rios, fontes, lagoas, principalmente na água do
mar. Muitas rezadeiras, ao benzer as pessoas de “arduvento”, de “mau-
olhado”, “erisipela” dentre outros males e após pronunciarem as palavras
sagradas, concluem o ritual pedindo ao “todo poderoso” que jogue o mal que
o doente “estava sentindo nas águas do mar sagrado.”. Com esse tipo de
procedimento delega-se ao mar que leve definitivamente o mal, a doença, o
azar, a inveja, o olho gordo, “vento bravo”, dentre outros males para nunca
mais retornar ao corpo ou ao espírito da pessoa. Aliás, para muitos curandeiros
não importa se a água é do mar ou de um rio. Para eles, tais lugares, além de
serem misteriosos, são sagrados. São nas águas que alguns rituais religiosos ou
curativos eram praticados. Batizados (iniciação), lavagem de correntes
(contas), limpeza de corpo poderiam ser efetuados nas águas. (SANTOS, 2005,
p. 188).
Para que entendamos o valor dessas mulheres em nosso meio, o que significaram
e significam para a saúde pública no pretérito e no presente, faz-se necessário
retrocedermos um pouco no tempo e explanarmos sobre suas origens, atreladas às suas
antecessoras portuguesas e galegas, cujo legado segue sendo fomentado por atuais
rezadeiras tanto na Península Ibérica quanto no Brasil.
A seguir, apresentamos um panorama da benzeção no Norte de Portugal e na
Galiza e sua chegada ao nosso país por meio dos colonizadores e imigrantes.
Para compor este ritual de cura, as rezadeiras podem utilizar vários elementos
acessórios, dentre eles: ramos verdes, gestos em cruz feitos com a mão direita,
agulha, linha e pano, além do conjunto de rezas. Estas podem ser executadas
na presença do cliente, ou à distância. Em seu ofício, de amplo
reconhecimento, essas mulheres “rezam” os males de pessoas, animais ou
objetos, bastando apenas que alguém diga os seus nomes e onde moram.
(SANTOS, 2009, p. 12-13).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BECHTEL, Guy. Las cuatro mujeres de Dios: la puta, la bruja, la santa y la tonta.
Barcelona: Ediciones B, S.A, 2001.
CÂMARA, Yls Rabelo; SANZ-MINGO, Carlos; CÂMARA, Yzy Maria Rabelo. Das
bruxas medievais às benzedeiras atuais: a oralidade como manutenção da memória na arte
de curar - uma pesquisa exploratória. Boitatá, v. 11, n. 22, p. 221-236, 2016.
ELLIS, Peter Berresford. Celtic Women. Women in Celtic Society and Literature.
London: Constable and CompanyLtd., 1995.
FERNÁNDEZ-GARCÍA, Maria Isabel. Os científicos lucenses do século XVIII.
Lvcensia, p. 85-102, 2015.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais
LTDA, 1990.
ROSÁRIO, Maria do; SÁ, Lenilde Duarte de; KLÜPPEL, Berta Lúcia Pinheiro. Reza e
Tecnologia Leve no Diálogo entre os Saberes Científicos e Populares. Cadernos de
Pesquisa em Ciência da Religião, n. 23, p. 96-112, 2014.
SANTOS, Denilson Lessa dos. Nas Encruzilhadas da Cura: crenças, saberes e diferentes
práticas curativas. Dissertação. Mestrado, UFBA, Santo Antônio de Jesus, 230f. 2005.
SANTOS, Francimário Vitor dos. O ofício das rezadeiras como patrimônio cultural:
religiosidade e saberes de cura em Cruzeta, na região do Seridó Potiguar. Revista CPC,
São Paulo, n. 8, p. 6-35, 2009.
SANTOS, Thiago Lima dos. Pajelança: religião e sociedade no século XIX e XX. 29ª
Reunião Brasileira de Antropologia, Natal, p. 1-19, 2014.
ZORDAN, Paola Basso Menna Barreto. Bruxas: figuras de poder. Revista Estudos
Feministas, v.13, n. 2, p. 331-341, 2005.
A CRIAÇÃO DO MUNDO: O MITO NAS METAMORFOSES DE
OVÍDIO
RESUMO
INTRODUÇÃO
A história humana sempre foi e permanece sendo um mundo de pura reflexão
acerca do meio. A necessidade de explicar aquilo que aos olhos e entendimento humano
se torna ininteligível é inerente ao homem e a sua capacidade de criação. Esse desejo tão
arraigado no ser humano gerou a noção de mito.
Segundo alguns estudos científicos a ciência já tem apontado que o homem nasce
com a necessidade de crer em alguém ou em alguma coisa. Isso parece fazer sentido visto
que o homem sempre buscou nomear e crer em tudo o que era incrível ao seu
entendimento. A comunidade científica está tentando ratificar o que a fé e a criatividade
humana, há muito tempo, havia consumado. Os homens observavam as forças da natureza
e sua incrível capacidade de geração e passaram a nomear tais forças como sendo
divindades capazes de realizar maravilhas e de governar entre aqueles. A partir de então
tais figuras sacralizadas passaram a ser estabelecidas entre as sociedades de geração em
geração, cantadas por suas grandes realizações, tanto boas quanto más.
Assim também se deu com os homens mais influentes. Louvados, seus nomes
foram erigidos no decorrer das posteridades, tornando-se bravos heróis, dotados de
poderes provenientes das divindades há muito tempo reverenciadas através de ritos e
cânticos.
Podemos dizer que tais reverências, executadas pelas gerações, tornaram estas
divindades e heróis em mitos, pois o mito nasce da necessidade do homem de explicar
tudo ao seu redor.
Este trabalho tem por objetivo tentar explicar o que é o mito e qual é a sua
influencia dentro das sociedades antigas. Embora a noção de mito seja muito abrangente,
tentaremos pontuá-lo e, mostra-lo através da literatura. Escolhemos a obra de Ovídio, As
Metamorfoses, para explicar o mito da criação do mundo, revelando como o mito é visto
na cultura romana, através do autor, Ovídio.
O mito da criação do mundo sempre foi observado através de várias perspectivas
por diferentes culturas. Tendo em vista isso, para corroborar com o objetivo do nosso
trabalho que é comparar este mito cosmogônico, visto na cultura romana, com as demais
culturas, pontuaremos o mesmo na perspectiva de outras culturas de forma breve e direta.
A análise acerca do mito da criação do mundo na obra de Ovídio, As
Metamorfoses, será feita através do texto original latino e de uma tradução operacional
na língua portuguesa. 4
A noção de mito e o ser humano sempre caminharam lado a lado. Esse, desejoso
de encontrar explicações para o mundo em que vive, passou a nomear e a reverenciar tudo
aquilo que era misterioso à sua compreensão. O Sol e seus raios, a Lua iluminando a
escuridão da noite, as estrelas, as plantas nascendo sem a intervenção do homem, os raios
e seus danos, o fogo, os sentimentos humanos, tudo era fantástico à compreensão humana.
Desta forma, o homem os personificou e os reverenciou, mitificando estas forças maiores,
admiráveis e incontroláveis.
4
A tradução operacional é de nossa inteira responsabilidade.
O estudioso, Junito Brandão, em sua obra, Mitologia grega, Vol. I, conceitua o
mito como sendo “o relato de um acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante
a intervenção de entes sobrenaturais” (1986, p. 35). Ao analisarmos tal conceituação,
podemos nos certificar de que o mito, nada mais é do que uma narrativa ilógica e
irracional, construída sobre a presença de entes sobrenaturais, com a finalidade de
explicar fatos verídicos, ocorridos nas origens. Essa construção foi gerada através da
criatividade e vivência coletiva, do inconsciente de um povo. Junito Brandão ainda
afirma:
De outro lado, o mito é sempre uma representação coletiva, transmitida
através de várias gerações e que relata uma explicação do mundo. Mito
é, por conseguinte, a parole, a palavra "revelada", o dito. E, desse modo,
se o mito pode se exprimir ao nível da linguagem, "ele é, antes de tudo,
uma palavra que circunscreve e fixa um acontecimento".18 Maurice
Leenhardt precisa ainda mais o conceito: "O mito é sentido e vivido
antes de ser inteligido e formulado. Mito é a palavra, a imagem, o gesto,
que circunscreve o acontecimento no coração do homem, emotivo
como uma criança, antes de fixar-se como narrativa". (BRANDÃO,
1986, P.36)
O início de tudo sempre foi um grande fascínio para o homem. Explicar as origens
é algo inerente à curiosidade humana. O homem passa, então, a memorar e a sacralizar os
primórdios, inserindo-os na sua cultura, celebrando-os em sua religiosidade.
Cada cultura possui sua particularidade, sua visão em relação à origem do mundo.
A partir desta visão mítica, repousada em uma verdade, como já havíamos pontuado
acima, nasce o mito. O mito acerca da origem do mundo denomina-se cosmogônico.
Os mitos romanos se deram, tanto por meio da própria tradição latina, quanto pela
assimilação da cultura romana com as mais diversas culturas dos povos subjugados por
ela no decorrer das conquistas territoriais. Todavia, a cultura grega se estabeleceu de
forma vigorosa na religiosidade do povo romano. Como consequência desse
estabelecimento, podemos ver a presença constante dos deuses romanos, cujas
semelhanças são, inegavelmente, iguais ou parecidas as dos deuses gregos. O mito
cosmogônico, por exemplo, se assemelha muito ao àquele levantado pela cultura grega.
7 Os dados que tratam acerca das culturas chinesa, mesopotâmica e hindu foram extraídos do
artigo, Mitos - suas origens e sua importância para o homem contemporâneo.
O mito passou a ter espaço na literatura romana e o presenciamos, de forma mais
ativa, no período áureo ou clássico de Roma (século I a.C ao início do século I d. C.)
através das literatura e arte.
Neste período de ouro de Roma muitos poetas romanos passaram a revelar os
mitos em seus poemas e, dentre estes poetas destacaremos Ovídio e sua obra,
Metamorfoses (ano 8 d. C.)
As Metamorfoses de Ovídio traz inúmeros mitos e, dentre eles, podemos pontuar
o mito da criação do mundo, questão do nosso trabalho.
Em ambos os mitos cosmogônicos, grego e romano, há a presença de uma força
primordial denominada, Caos, força incomensurável geradora de outras forças que deram
início a tudo e, Ovídio, em sua obra, Metamorfoses, exibe tais acontecimentos.
3.1. Caos: a desordem
No início do Livro I das Metarmorfoses, Ovídio evoca os deuses para que esses
tragam ao seu espírito a realidade obscurecida da origem do mundo.
In nova fert animus mutatas dicere formas
corpora; di, coeptis (nam vos mutastis et illas)
adspirate meis primaque ab origine mundi
ad mea perpetuum deducite tempora carmen! (vs. 1 ao 4).
O espírito (me) leva dizer formas mudadas em novos
corpos.
Deuses, soprai as primeiras coisas para meus planos (se de
fato vós mudastes também aquelas (coisas)) e guiai (vós)
(para mim) o canto perpetuo da origem do mundo para os
meus tempos. (Tradução operacional).
No verso 5, começa a narrativa da cosmogonia. Ovídio pontua que, antes que
existisse qualquer outra forma de vida, havia uma força chamada Caos.
Ante mare et terras et quod tegit omnia caelum 5
unus erat toto naturae vultus in orbe,
quem dixere chaos: rudis indigestaque moles
nec quicquam nisi pondus iners congestaque eodem
non bene iunctarum discordia semina rerum. (vs. 5 ao 9).
Antes do mar, das terras e do céu, que cobre todas as coisas,
o aspecto da natureza era um só em todo o mundo, que
chamavam Caos: massa rude e confusa, nenhuma coisa
(existia) senão o peso inerte e sementes ajuntadas de coisas
não bem unidas pela discórdia. (Tradução operacional)
Todavia, Ovídio, logo após os versos acima, destaca o “deus” ( v. 32), agora
sozinho, trabalhando em favor da ordem cósmica. Esta força se opõe a vontade de Caos.
Denominado, “quisquis fuit ille deorum”, (quem quer que fosse dos deuses) e, como já
mencionado, “ fabricator mundi”, ( criador do mundo), o “deus” tece a criação nos versos
32 ao 75. Aglomera a terra, formando, assim, o globo terrestre. Estendeu os mares,
formou, por meio dos ventos, os rios, os pântanos e todos os olhos d’água. Fez surgir as
montanhas e os vales, florestou a paisagem e dividiu o clima. Nomeou os ventos e lhes
deu liberdade para evolarem sobre a terra sem impedimento. Os astros celestes passaram
a ferver e iluminar a terra e o céu, saindo da escuridão eterna, ocupando, juntamente com
os deuses, as regiões infindas do céu. Os animais obtiveram suas moradas nos mares e na
terra. Tudo floresce e têm suas forças impulsionadas para a vida através deste “frabricator
mundi”.
Podemos presenciar algo bastante relevante quanto à influência de Caos, do
“deus” e da “melior Natura”(esta sendo instrumento facilitador para a ação do “deus”).
Ovídio mostra que a desordem e a inércia que rodeava o reinado de Caos, foi algo que
existiu, contudo, não poderia retornar e isso é pontuado através dos verbos de ação que
se encontram sempre no passado. (praebebat, reparabat, pendebat, porrexerat, erat,
manebat, obstabat, pugnabant – estendia, restabelecia, pendurava, estendia, era,
permanecia, incomodava, lutavam). Já, quando a ordem passa a ser estabelecida pelo
“deus”, com ajuda da “ melior natura”, Ovídio levanta ações no perfectum (ações
acabadas), revelando ao leitor e estudioso da obra que a ordem veio e se estabeleceu,
reinante, sem a possibilidade de um retorno à desordem. O “deus” cria e tudo o que fora
criado por ele é eterno e perfeito. Os verbos de ação tanto do “deus” quanto do movimento
dos elementos criados por ele, com ajuda da “melior natura” são: diremit, absidit, secrevit,
evoluit, exemit, ligavit, emicuit, fecit, traxit, possedit, coercuit, fuit, secuit, coegit,
glomerauit, iussit, addidit, cinxit, distinxit, locauit, dedit, permisit, recessit, invasit
imposuit, dissaepserat, coeperunt, cesserunt, cepit. (dividiu, separou, distinguiu,
desdobrou, tirou, ligou, explodiu, fez, puxou, ocupou, conteu, foi, recordou, juntou,
aglomerou, ordenou, acrescentou, cingiu, distinguiu, estabeleceu, deu, permitiu, retirou
avançou, colocou, dividira, começaram, cederam, recebeu).
4. CONCLUSÃO
Embora cada cultura possua sua própria identidade religiosa, existem pontos que
se assemelham entre elas, e, um desses, é, sem dúvida, a figuração da cosmogonia. Uma
força primordial, geradora de duas outras forças, uma ativa, (masculina) e outra passiva
(feminina), essenciais ao desenvolvimento da vida humana, dá início ao que muitas
culturas entendem por criação do mundo e, a cultura romana, não ficou fora deste mesmo
pensamento religioso.
De acordo com As Metamorfoses de Ovídio, grande obra do século I d. C., que
detalha a transformação ou, podemos assim dizer, a evolução de diversos mitos, a religião
romana acreditava neste percurso de forças que, unidas, geraram a harmonia do cosmos.
Tinha como força primeva, Caos, que, por sua própria natureza, é a discórdia entre os
elementos e a manifestação da desordem. Como força geradora do equilíbrio do cosmos,
se contrapondo ao Caos, existia o “deus” (força masculina) e sua adjutora, a “melior
natura” (força feminina) que, unidas, estabeleciam o equilíbrio da criação e o nascimento
de toda natureza existente.
Desta forma, concluímos que Ovídio trás, em sua obra, As Metarmofoses, pontos
inerentes à essência da criação vistos em diversas culturas do mundo ao levantar forças
sacras geradoras do cosmos em sua obra, através do mito cosmogônico. Percebemos tal
fato, logo após um estudo apurado do texto original da obra ovidiana, ao fazermos um
levantamento dos verbos que estabelecem as ações dos principais personagens da
cosmogonia, ou melhor, daqueles que geraram o início de todas as coisas, o Caos, o
“deus” e a “melior natura”. Durante nosso estudo observamos que muitos dos verbos,
pontuados por Ovídio, possuíam ações criadoras. Estas, quando direcionadas a Caos,
encontravam-se no passado do infectum, mostrando, assim, ações que, de fato, ocorreram,
mas que não poderiam tornar a serem exercidas. Logo após, presenciamos as ações
pontuadas pelo “deus” e a “melior natura”, que evidenciam o perfectum (ação acabada),
revelando que as ações desses últimos são perfeitas, em relação àquelas outras, e
imutáveis.
REFERÊNCIAS
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____________________________________Mitologia grega, Vol I. Diagramação Daniel
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Simões Loureiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
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Universidade de Coimbra. Ed. 2°/ 2008
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Jaa Torrano – 7. ed. – Iluminuras, 2007.
SOUSA, Eudoro de, 1911 – História e mito. Cadernos da UnB. Asa Norte Brasília- DF:
Editora Universidade de Brasília, 1981.
A CULTURA INDÍGENA E SUA MANUTENÇÃO: A INFLUÊNCIA
DA GLOBALIZAÇÃO NAS TRANSFORMAÇÕES
SOCIOCULTURAIS DOS FULNI-Ô, DA CIDADE DE ÁGUAS
BELAS – PE
O principal objetivo deste trabalho é analisar o modo como elementos culturais dos povos indígenas da
etnia Fulni-ô, residentes na cidade de Águas Belas, Pernambuco, são produzidos como objetos de
consumo para turistas e visitantes, seguindo a lógica do mundo globalizado. Para o alcance do objetivo
proposto, foi realizada pesquisa bibliográfica, com enfoque na história da etnia, além de uma visita in
loco, para realização de entrevistas semiestruturadas. Os resultados preliminares permitiram observar
que os índios Fulni-ô são um ótimo exemplo para refletir a produção de elementos culturais e identitários
em objetos de consumo, articulando categorias como local e global, para divulgar elementos da sua
cultura, ao mesmo tempo em que promovem desenvolvimento socioeconômico da etnia.
Introdução
Nesse sentido, é importante considerar as questões simbólicas que compõem seus traços culturais,
por serem parte de fatos que afirmam sua identidade quanto indígenas, esses elementos ajudam na
relação de portabilidade de uma identidade específica.
De acordo com Barth (1998) ainda, a forma de organização social de um grupo étnico depende
das fronteiras que se estabelecem com a manutenção provinda dos índios e não índios.
Seguindo essa linha de pensamento, se percebe que em meio às mudanças decorrentes do mundo
capitalista e globalizado, é impossível um grupo étnico manter sua cultura e costumes de forma original,
pois o processo cultural vive em evolução e modernização. A cultura está sempre se dinamizando e se
transformando.
Sendo assim, os grupos étnicos devem aparecer como organização social que se adapta as
mudanças, assim como afirma Cunha:
É desta forma que a Economia da Cultura entra como agente, dando suporte conceitual para as
formas que os índios Fulni-ô encontraram de inovar seus métodos em relação às atividades econômicas
adaptando para práticas comerciais semelhantes as da cidade, mas com sua particularidade de indígena,
que se manifesta através de seus costumes culturais.
Nesse sentido, assim como os demais grupos que experienciam o mundo capitalista e globalizado,
têm adotado estratégias de sobrevivência para adquirir recursos que viabilizem sua sustentabilidade
financeira.
Os índios Fulni-ô, nesse cenário, se tornam um referente empírico ideal para refletir o modo como
os povos indígenas tem se apropriado das categorias capitalistas e produzido elementos de sua cultura
como bens de consumo para potenciais consumidores.
Fundamentação Teórica
Ao longo dos anos os povos indígenas do Brasil têm passado por um contínuo
processo de dizimação de sua cultural. Como marco deste processo, Pacheco de Oliveira
(1994) observa que temos as reformas pombalinas, em que instituição políticas e práticas
sistemáticas de assimilação foram implementadas pelo estado com o intuído de agregar
os povos indígenas à lógica de mercado europeia de finais do século XVIII.
No século XIX, com o final da escravidão, este processo foi intensificado através
das políticas eugenistas, as quais tinham como principal objetivo, além de promover uma
maior assimilação da população indígena e afrodescendente, purificar o povo brasileiro.
Como marco deste período, foram implementadas uma série de estratégias de e incentivos
à vinda de trabalhadores europeus, brancos, com a finalidade de dirimir a mestiçagem e
formar uma raça pura. Nesse momento histórico acreditava-se que a mistura de raça era
o principal entrave ao desenvolvimento social e econômico do país (LARAIA, 2001).
Cabe destacar que este processo foi mais forte no Nordeste do país, uma vez que
geograficamente ele foi colonizado primeiro, o que não quer dizer que ele não tenha sido tão
violento quanto para com os povos indígenas do Norte do País.
No que se refere mais especificamente aos Fulni-ô, eles foram durante muito tempo considerado
pelos estudiosos como os últimos remanescentes dos históricos índios Karirí, cujo hábitat abarcava todo
o Nordeste do Brasil (BOUDIN, 1949).
No entanto, depois de análises linguísticas, concluiu-se que não havia uma relação direta entre os
dois grupos. O que se sabe é que, de acordo com registros da Informação Geral da Capitania de
Pernambuco (1906), eles eram cerca de 323 pessoas que pertenciam a grupo indígena em meados de
1749. E que já nos anos de 1937 o grupo havia crescido consideravelmente.
Atualmente os povos indígenas da etnia Fulni-ô estão localizados na cidade de Águas Belas,
agreste de Pernambuco, com 40.235 mil habitantes, sendo aproximadamente 4.689 indígenas (IBGE,
2018), e são o único povo indígena do Nordeste a falar sua língua matriz. Não se tem uma data exata de
quando a tribo foi aldeada8, como também existe a possibilidade de que os mesmos tenham obtidos
elementos de outras tribos anteriores que possivelmente deram origem ao seu povo.
8
Se organizar sob forma de aldeia.
A religião é para eles um assunto bem delicado, pois apesar da presença de igreja católica na praça
central da aldeia, muitos dos indígenas Fulni-ô se consideram apenas índios quando lhes perguntam
sobre suas religiões. Esse é um aspecto bem nítido de como esse grupo se adaptou diante do que lhe foi
imposto pelas culturas distintas as deles.
É apenas a partir da Constituição de 1988 que este cenário começa a mudar e os povos indígenas
começam a ganhar direito à voz, tendo como base uma série de direitos garantidos, como direito a terra,
a educação e saúde (PACHECO DE OLIVEIRA, 1994). Todavia, a grande violência simbólica sofrida
ao longo da colonização ainda trazia uma vergonha para que eles buscassem o reconhecimento como
índio, especialmente os povos indígenas do Nordeste.
Diante disso os índios Fulni-ô, de Águas Belas, são um grupo interessante para refletir
as transformações culturais e as estratégias de reafirmação identitária no mundo globalizado,
marcado como observa Hall (2014) pelo estreitamento das fronteiras geográficas e culturais,
aliados em novos processos de comunicação, e mais ainda: de assimilação da lógica capitalista
do mundo globalizado.
Atualmente os Fulni-ô se dividem entre a cidade de Águas Belas e a aldeia onde eles
praticam seu principal ritual, o Ouricuri. Ao longo dos anos eles sobreviveram a sua série de
tentativas de apagar sua cultura, mas conseguiram se manter como único grupo indígena do
Nordeste a falar sua língua materna, além dos seus principais rituais, os quais envolvem
isolamento da cidade na aldeia vizinha ao município.
Ao longo dos anos eles têm enfrentado um violento processo de assimilação, e mesmo
tendo o seus direitos e identidade reconhecidos pela constituição, ainda não tem suas terras
demarcadas. O principal entrave é a deslegitimação de alguns segmentos sociais em reconhecê-
los como índios, utilizando a justificativa de que eles já estão há muito tempo convivendo com
os povos ditos brancos, o que faz com que eles não sejam reconhecidos de um todo como povos
indígenas.
Numa estratégia para se reafirmar como povo indígena, mesmo tendo assimilado uma
série de elementos culturais no mundo globalizado, eles têm divulgado uma série de elementos
da sua cultura, utilizado a mesma lógica de produção cultural na atualidade. Em outras palavras,
uma vez que a cultura no mundo globalizado se torna uma mercadoria, a qual passa por um
processo de produção, distribuição, circulação e consumo (HALL, 2014), eles têm utilizado
alguns elementos de sua cultura, como artesanato, rituais, como forma de divulgar sua cultura
e reafirmar sua identidade indígena.
Dessa forma, se percebe que ao longo de sua trajetória em busca da legitimação de sua
identidade étnica, os Fulni-ô tentam “superar as pressões mantendo sua língua própria e seus
segredos e assiduidade em sua prática religiosa, economicamente praticam uma gama de
atividades que os integram às economias locais, regionais e até mesmo nacionais” (Campos,
2006, p. 62).
Com a dificuldade climática enfrentada para práticas agrícolas na região e mesmo sem
dados que comprovem qual o tipo de economia era praticada pelos Fulni-ô, Campos destaca
que ela, provavelmente, era baseada na agricultura que permanece hoje ainda ativa entre alguns
indígenas.
Com isso, as atividades econômicas que são praticadas se diversificam tanto no âmbito
cultural, como em outras atividades, as quais, por sua vez, são consequentemente resultado do
contato com não índios. Estas discussões se inserem na temática da Economia da Cultura, a
qual trata o simbolismo cultural de uma determinada sociedade, como a ampliação das relações
sociais de maneira a utilizar de ferramentas da economia que ajudam a analisar a importância
que tem a cultura como geradora de emprego e renda.
A participação da vida dos índios com eventos exteriores aos da tribo é significante, uma vez
que a aldeia é considerada um bairro da cidade. Existem membros da tribo que trabalham na cidade com
funcionalismo público e privado, assim como existem comerciantes indígenas, jovens que estudam nas
escolas municipais e estaduais fora do aldeamento, políticos como vereadores, além do futebol
atividades em que os índios são bastantes presentes em relação à interação entre índios e não índios.
As atividades econômicas em uma ordem decrescente, sendo a agricultura a primeira e em
seguida vem o artesanato que é bastante predominante na tribo e, por sua vez, é importado para vários
lugares do Brasil. Além disso, há também os empregos e trabalhos que são exercidos pelos índios na
cidade de Águas Belas e em outras cidades da região. Outra forma de renda é o arrendamento de terra
que são recolhidos anualmente e, por fim, existem as apresentações de danças que têm crescido muito
nos últimos anos (FERREIRA, 1996).
De acordo com as observações obtidas por Campos (2006, p. 64), “no caso dos Fulni-ô, as únicas
atividades exclusivamente indígenas são a produção de artesanato e a apresentação indígena, enquanto
todas as outras também são exercidas pela população regional não indígena”.
Periodicamente muitos índios viajam para cidades grandes para a venda de artesanato e para fazer
apresentações de dança, passando aproximadamente um mês viajando fazendo esse tipo de atividades.
Essa é uma das formas mais comuns de renda dos Fulni-ô, assim como a maneira que buscaram de
divulgar sua cultura e se manterem dentro do que o mundo globalizado exige.
Essas atividades são bastante discutidas na cidade. As discussões giram em torno de elas são uma
prova de que os Fulni-ô estão perdendo sua cultura em meio a tantas tecnologias, e apropriações de
atividades tidas no senso comum como maciçamente executadas por povos “brancos”. Sobre este ponto,
é importante destacar que
Como os demais grupos étnicos no mundo globalizado, esta etnia reformulou sua maneira de
fazer comércio sem deixar de lado seus costumes, isso mantem a ideia de que existem pontos tanto
positivos quanto negativos, no entanto, nenhum deve ser tomado como total verdade absoluta do que
realmente gerou esse processo agregação de lógicas nas suas trocas com os demais grupos sociais.
Estes autores somados aos estudiosos da economia cultural (VALIATI, 2015; SCOTT,
1999) conceitua a analise de como os elementos culturais dos Fulni-ô são transformados em
mercadorias, tendo como principais agentes deste processo eles próprios, contribuindo para
divulgar a cultura indígena, ao mesmo tempo em que garantem renda para a população indígena.
Metodologia
I. Pesquisa bibliográfica da trajetória dos índios do nordeste com enfoque na história dos Fulni-ô.
II. Observação participante na aldeia Fulni-ô, na cidade de Águas Belas/PE, com o objetivo de
analisar e discutir quais elementos da cultura da tribo são utilizados como forma de divulgação
de sua identidade.
III. Verificação da relação da tribo com o conceito de Economia da Cultura.
Conclusão
Diante de tudo que foi levantado, foi possível perceber que os Fulni-ô de Águas belas
adotam a estratégia de transformar sua cultura em um bem de consumo através de elementos como
o artesanato, ou exibição pública de seus rituais em forma de dança, para reafirmar sua identidade
cultural frente ao Estado, e também para conseguir se manter nestes contextos, em que as
fronteiras locais e globais se inter-relacionam na busca da compreensão do grau de importância
de se ter como estratégica a adaptação quando ocorre interação social entre culturas diferentes.
Com a estratégia de sobrevivência e manutenção de sua cultura, os Fulni-ô criaram o
mecanismo de venda de sua arte e sua produção cultural para se afirmarem como índios, mesmo
sendo híbridos.
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Nacional/UFRJ. 1994, pp. V-VIII
A EDUCAÇÃO E SEUS DEBATES ATUAIS: O QUE QUEREMOS
NO ENSINO RELIGIOSO?
RESUMO: No contexto atual que estamos inseridos discutir e promover a reflexão acerca
de questões de diversidade cultural religiosa se faz necessária ao combate de preconceitos
e discriminações dentro do âmbito escolar no que se refere às religiões, inclusive as
consideradas religiões “minoritárias”, ou seja, as que não são cristãs. É nessa perspectiva,
que esse artigo tem como objetivo refletir e perceber Ensino Religioso como componente
curricular que possa contribuir para o combate a intolerância religiosa nas escolas, bem
como promover nos educandos o respeito, a valorização, o reconhecimento de si e com o
outro e a cultura de paz. Metodologicamente esse estudo é bibliográfico com
delineamento explicativo de concepções que fazem refletir sobre as questões da
importância do diálogo inter-religioso nas propostas pedagógicas para potencializar o
processo de ensino e aprendizagem. Concluímos, portanto, que é de responsabilidade do
Ensino Religioso enquanto componente curricular reconhecido atualmente na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) na área das Ciências Humanas, superar cada vez
mais as lacunas enfrentadas nas escolas em uma perspectiva não confessional e não
prosélita, em que suas práticas metodológicas e pedagógicas possam incluir temas
emergentes que precisam ser debatidas de acordo com as mudanças e diversidades
religiosas que encontramos no contexto escolar.
INTRODUÇÃO
9
Doutoranda e Mestra em Ciências das Religiões na linha de pesquisa: Educação e Religião pela
Universidade Federal da Paraíba/ UFPB. Graduada em Pedagogia pela mesma instituição. Email:
<mirirodrigues2@gmail.com>
É nesse sentido que esse estudo se robora, por dar esse olhar de significância para
o currículo em prol ao combate de atos de proselitismo, negação do outro e intolerância
quando tratamos de questões de religiões presentes no campo educacional. esse estudo
faz abordagens bibliográficas com interlocuções com autores que dialogam com as
questões de currículo como, Silva (1999 - 2007); Sacristán (1995) entre outros
referenciais. Para as discussões do Ensino Religioso em que partimos das concepções de
Passos (2007); Soares (2015), entre outros autores.
As reflexões desse trabalho estão divididas em dois seguimentos nas quais
faremos primeiramente uma abordagem acerca da formação dos professores que lecionam
a disciplina Ensino Religioso, apontando questões relevantes que podem contribuir para
pensar na formação inicial e continuada dos mesmos. Em seguida entraremos nos debates
acerca do currículo escolar em uma perspectiva de buscar meios - caminhos em aspectos
metodológicos e pedagógicos que possam contribuir para um Ensino Religioso não
confessional, não prosélito e que promova o respeito à diversidade cultural religiosa.
Contudo, podemos afirmar que os sujeitos são efeitos dos discursos, que produz
identidades e diferenças. Desse modo, “[...] o currículo pode ser visto como um discurso
que, ao corporificar as narrativas particulares sobre o indivíduo e a sociedade, nos
constitui como sujeitos – e sujeitos também muito particulares” (SILVA, 2007, p.195).
Assim, historicamente, a escola por meio de seu currículo legitima as identidades
hegemônicas (ocidentais, religiões cristãs, brancas, etc.) que contribuem para posicionar
as não hegemônicas como inferiores: “as culturas ou vozes dos grupos sociais
minoritários e/ou marginalizados que não dispõem de estruturas importantes de poder
costumam ser silenciadas, quando não estereotipadas e deformadas, para anular suas
possibilidades de reação” (SANTOMÉ, 1998, p.161).
Nessa perspectiva, entendemos que o Ensino Religioso é um grande contribuidor
para a formação plena do educando, que visa a sua forma de observar e compreender o
mundo que o cerca. Essa é uma característica importante do Ensino Religioso que é o de
valorizar experiências e saberes dos/as educandos/as, potencializando a formação integral
do ser, para isso requer práticas pedagógicas e postura ética de profissionais que
direcionem suas metodologias, voltadas para a inclusão de componentes curriculares que
contemple as diversidades religiosas sem proselitismo. Conforme Junqueira e Oliveira
(2006, p. 46):
10
Usando a nomenclatura Ciências das Religiões devido ao curso de graduação na Universidade Federal
da Paraíba (UFPB) e esse estudo diz respeito ao contexto paraibano. Lembrando que a nomenclatura do
curso varia em outros Estados. Ver MIELE, Neide; Possebon, Fabricio. Ciências das religiões: proposta
pluralista na UFPB. Numem. Juiz de Fora, v. 15, p. 403-431.
Por falta da formação adequada, atualmente, nas escolas que temos, ainda sente-
se essa dificuldade em separar a convicção religiosa dos conteúdos a serem abordados no
Ensino Religioso. Difícil pensar nessa separação em nosso contexto social, uma vez que
se apresenta laico na constituição, porém ainda está em processo de transição, pois temos
ainda influências religiosas regendo nosso país. O objetivo do Ensino Religioso é quebrar
esses paradigmas, como podemos observar:
Diante disso, vimos que o Ensino Religioso, na teoria, não tem o seu modelo
curricular influenciado por nenhuma religião, mas infelizmente não é o que acontece nas
escolas. Para que haja uma transformação, é necessária uma formação inicial que seja
sólida e contínua para os professores, para que estejam sempre atualizados diante das
mudanças sociais. O Ensino religioso, nessa perspectiva, é importante e contribui para a
formação plena do aluno com o intuito de capacitar os professores, para que possam atuar
de forma que contemplem todas as manifestações religiosas por meio do conteúdo,
legitimando a autonomia do ensino religioso que abandonou seu caráter confessional.
Nesse sentido, é preciso considerar os saberes e construção de concepção de
religião que os profissionais dessa área devem ter, esse cerne de vivência ao longo da sua
história de vida, provocando uma reflexão sobre o contexto das relações sociais. E
possibilitar uma educação que abarque as dimensões e necessidades de uma sociedade,
no qual a laicidade faz parte do nosso cotidiano, entretendo a questão de um estado laico
para o Ensino Religioso é um grande desafio, devido às várias contradições encontradas
em um Brasil que se diz ser laico, mas tem resquícios de uma nação confessionalista.
Diante do exposto, a pesquisa a qual apresentamos aqui apesar de estar em
andamento podemos concluir a respeito os impactos desse nosso estudo, podemos elencar
que, devido às novas políticas educacionais como Plano Nacional de Educação, as
Diretrizes Curriculares Nacionais, e, contudo devido a retirada do Ensino Religioso
enquanto componente curricular na última versão da Base Nacional Comum Curricular
os cursos de graduações e os programas de pós–graduação devem voltar seu olhar para a
educação básica quando nos referimos ao Ensino Religioso.
Tal problemática justifica-se diante das escolas públicas aparentam não terem sido
configuradas para levar em consideração a diversidade cultural e religiosa, acreditamos
que podemos provocar uma discussão que leve os sujeitos da escola a compreender que
os processos de exclusão e desigualdades passam pelas modificações dos padrões gerais
de funcionamento do espaço educacional.
Nossa pretensão é, portanto, não se limitar e nem finalizar nesse estudo as
discussões do Ensino Religioso e o currículo escolar, apontamos alguns sinais de como
poderemos pensar melhor esse ensino em uma perspectiva de respeito à diversidade
cultural religiosa por meio do currículo escolar. Acreditamos, portanto, que é importante
esse ensino estar em constantes discussões no cenário político nacional e regional, pois
muito se tem a avançar tanto nas legislações e principalmente nas práticas teóricas,
metodológicas e pedagógicas que o envolve.
REFERÊNCIAS
PASSOS, João Décio. Ensino Religioso: construção de uma proposta. 1 ed. São Paulo:
Paulinas. 2007.
YOUNG, Michael. Para que servem as escolas?IN PEREIRA, Maria Zuleide da Costa.
Carvalho, Maria Eulina Pessoa de. PORTO, Rita de Cássia Calvalcante. (org)
Globalização, Interculturalidade e Currículo na cena escolar. São Paulo, Alínea,
2009, p.37-54.
A FORMAÇÃO DE DOCENTES AO ENSINO RELIGIOSO E A
INSEGURANÇA PEDAGÓGICA NO ENSINO CONFESSIONAL
RESUMO:
Um dos maiores desafios da educação é ensinar o aluno a conviver, ou viver com o outro,
aprender a ser tolerante, conhecer e respeitar as diferenças. Diante da insegurança pedagógica
provocada pela aprovação do ensino confessional no plenário do Supremo Tribunal Federal,
analisaremos criticamente a formação de professores para o ensino religioso nas escolas;
apresentando uma proposta de educação que promova e assegure o pleno exercício da
cidadania, que lhes proporcione uma convivência solidária e respeitosa com toda comunidade
escolar, onde a diversidade cultural se manifeste na pluralidade de identidades que
caracterizam os grupos e as sociedades. A metodologia aplicada será uma investigação
exploratória de caráter analítico qualitativo, por meio da pesquisa bibliográfica em livros e
sites.
ABSTRACT: One of the greatest challenges of education is to teach the student to live with,
or to live with the other, learn to be tolerant, know and respect the differences. In view of the
pedagogical insecurity caused by the adoption of denominational teaching in the plenary of
the Federal Supreme Court, we will critically analyze the teachers training for religious
teaching in schools; presenting a proposal of education that promotes and ensures the full
exercise of citizenship, which provides them with a solidary and respectful coexistence with
the entire school community, where cultural diversity manifests itself in the plurality of
identities that characterize groups and societies. The applied methodology will be an
exploratory investigation of qualitative analytical character though the bibliographical
research in books and websites.
Keys words: religious education; confessional teaching; cultural diversity
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se propõe a uma reflexão sobre uma educação que gere
desenvolvimento de habilidades que assegurem a produtividade do cidadão para atuar
com valores que lhe proporcione uma convivência solidária na sociedade e como as
11
Graduada em Pedagogia (FAFI), pós-graduada em Psicopedagogia Institucional (URCAMP), pós-
graduada em Supervisão e Orientação Educacional (CINTEP), cursando especialização em Ciências das
Religiões, Diversidade e Ensino Religioso (IESP). andreiarsnunes@gmail.com
políticas educacionais podem contribuir para a solidariedade e a tolerância em toda a
comunidade escolar e grupos sociais, culturais, religiosos e étnicos, onde a diversidade
cultural se manifeste na pluralidade de identidades que caracterizem os grupos e as
sociedades que compõem a humanidade. Para tanto, como metodologia aplicada fazemos
uso da pesquisa bibliográfica, com consulta em livros, sites e resenhas; por tratar-se de
uma investigação exploratória e de caráter analítico qualitativo.
O ensino religioso exige que o professor dialogue com as diferenças, que saiba
conviver com as diferenças e que esteja aberto ao diálogo, respeitando a pluralidade
cultural presente nas escolas. É essencial que ocorra diálogo entre os sujeitos envolvidos
no processo educacional, escola, família, alunos, professores e outros profissionais da
educação.
Nas escolas brasileiras, espera-se um ensino religioso laico na diversidade cultural
religiosa. A escola procura ser lugar de promoção de diálogo e respeito, desenvolvendo
aprendizagens críticas dos conhecimentos espirituais da humanidade. Não ensinando
religião ou religiões, mas levando o aluno a comparar criticamente e interpretar os fatos,
também religiosos e seus contextos históricos. Religião não se ensina na escola, ensina-
se a refletir o fenômeno humano. Todos têm direito ao esclarecimento das crenças.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Em 1549, chegam ao Brasil seis jesuítas liderados por Manoel da Nóbrega trazidos
pelo governador geral Tomé de Souza. Funda-se, em Salvador, a primeira escola pública
brasileira, o colégio Companhia de Jesus. Inicialmente, a instituição era destinada aos
indígenas, mas os colonos reivindicaram a escola para seus filhos, passando a ser a escola
exclusiva para eles.
Os jesuítas são expulsos de Portugal em 1759, e a escola pública passa a ser
conduzida por outros setores da Igreja Católica. Com a primeira Constituição Federal em
1824 (Constituição Política do Império do Brazil), a religião do império continua sendo
a Católica Apostólica Romana.
A segunda fase da história do Brasil é marcada pela separação do Estado e
Religião. Em 1890, o presidente Manoel Deodoro da Fonseca consagra a plena liberdade
de cultos. E em 1891, fica estabelecido que todas as religiões podem praticar seus cultos
e suas crenças livremente, e que o ensino ministrado nas escolas públicas seria laico. De
acordo com Holmes (2015, p. 37),
A primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB 4024/61) propõe em seu artigo 97:
"O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de
matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de
acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz,
ou pelo seu representante legal ou responsável. § 1º A formação de classe para
o ensino religioso independe de número mínimo de alunos. § 2º O registro dos
professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa
respectiva."
Sabe-se que cada escola tem identidade própria. Essa identidade é constituída
por uma trama de circunstancias em que se cruzam diferentes fatores. Cada
escola tem uma cultura própria permeada por valores, expectativas, costumes,
tradições, condições, historicamente construídos, a partir de contribuições
individuais e coletivas. No interior de cada escola, realidades econômicas,
sociais e características culturais estão presentes e lhe conferem uma
identidade absolutamente peculiar.
METODOLOGIA
Podemos respeitar a posição de cada religião, porém isso não quer dizer que
devamos concordar com os seus dogmas, mas tratá-las de maneira coerente
para que possamos compreendê-la e reconhecê-la dentro de suas diferenças e
daí a compreensão do outro a partir da tolerância, respeito e diálogo. A paz no
mundo só se construirá quando houver esse entendimento entre as pessoas e as
tradições religiosas, sendo essa uma busca do próprio ER.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
FILORAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo. As Ciências das Religiões. São Paulo: Paulus,
1999.
RESUMO
Este trabalho se propõe a apresentar as experiências religiosas popular do Grupo dos
Bacamarteiros, situado na zona rural da cidade de Cachoeirinha, Agreste de Pernambuco.
O Batalhão 16, assim denominado o grupo, é uma expressão cultural que participa
animando os festejos juninos, as procissões religiosas e as celebrações dos padroeiros na
zona rural. Com base nos traços da religiosidade popular, analisaremos a questão do
processo formativo do grupo, isto é, sua origem, seus membros, suas tradições, que
englobam os traços característicos culturais e religiosos, tais como: as danças típicas, as
rezas, os cantos e as roupas, numa performance ritualística que expressa a sensibilidade
religiosa e a resistência cultural destes Bacamarteiros. Através dessas manifestações,
investigaremos como constroem uma identidade social organizada, que se reflete nos
próprios festejos, inserindo crianças, jovens, adultos e idosos de ambos os sexos. Suas
celebrações realizadas num estilo local e identitário, utilizando-se de cantos e rezas,
reverências e tiros ajudam na manutenção da experiência coletiva.
Esse movimento cultural está situado nos sítios Jucazinho e Jupi na zona rural de
Cachoeirinha – PE, a 06 km de distância da cidade. Acontecia nessas localidades,
12
Licenciado em Filosofia pelo INSAF – Instituto Salesiano de Filosofia em Recife; graduação em Teologia
pelo Instituto de Teologia de Caruaru – PE; mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião pela Universidade Católica de Pernambuco.
13
Graduado em Ciências com Habilitação em Matemática – FAMASUL – Faculdade de Formação de
Professores da Mata Sul; Pós-Graduação em Matemática Comercial e Financeira – UFRPE – Universidade
Federal Rural de Pernambuco; mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião pela
Universidade Católica de Pernambuco.
principalmente, nas festas juninas de São João e São Pedro, os moradores se reuniam para
contar causos e comer iguarias de milhos colhidos nesses períodos, e por meio desses
fatos agradeciam as farturas dos celeiros e as bênçãos das chuvas que Deus lhes dava.
Havia poucas casas e situavam-se relativamente distantes da realidade atual desses
sítios. As chuvas eram mais intensas nesse período do ano. O acesso à vila de
Cachoeirinha requeria dificuldades de transportes. O contato com os meios de
comunicação era quase inexistente, restava-lhes a criatividade de produzirem alguns
artefatos capazes de suprir essas carências. A distração tornou-se uma necessidade
primária, devido às fadigas dos trabalhos exigidos pelas plantações e árduos serviços
braçais. Uma das principais iniciativas dos moradores foi incrementar nos festejos juninos
os tiros de pólvoras e as danças nos terreiros de algumas casas.
Os principais festejos, comumente, ocorriam na casa do casal André Avelino da
Rocha e Serafina Padilha Freitas, no sítio Jucazinho próximo ao açude municipal 14. A
casa era um ponto de referência social, visto não ter na localidade outro espaço para os
encontros comunitários. Na falta de um templo religioso, a residência do casal substituía
e assumia a importância do espaço sagrado, todavia, essa realidade era assumida apenas
nos meses de maio e junho por ocasião das noites dedicadas à Virgem Maria e aos santos,
Senhor São João e Senhor São Pedro.
Também havia celebrações juninas na comunidade rural de Jupi, sobretudo, na casa
de José Severino da Cruz (Seu Bader) e sua esposa Terezinha. Ambos residiam onde hoje
funciona o grupo escolar Baronesa do Amaraji – nessa escola, atualmente, estuda parte
dos filhos dos Bacamarteiros. Foram as relações entre esses dois casais que fortaleceram
e produziram o desenvolvimento dessa cultura nas duas comunidades. Favorecendo a
participação de muitas pessoas e criando um compromisso de continuidade, visto que, em
Cachoeirinha, fora uma produção originada pela população local, embora, depois venha
a ganhar novos aperfeiçoamentos e padronizando-se de forma mais organizacional.
14
Por ser uma construção feita por esse senhor acabou ficando conhecido com “Açude dos Andrés”. Hoje,
pertence ao município e abastece a população do sítio Jucazinho e outras localidades próximas. André
Avelino e seus filhos, José Quirino, João André, Damião Quirino, Manoel André, Delfim Quirino, Antônio
Quirino, Josefa Avelina, Felícia Avelina e Francisca Avelina, cuidaram do açude por duas gerações. Mas
em 1969, aos 84 anos de idade falece Joaquim Quirino da Rocha, neto de André Avelino, dando fim ao
ciclo de gerações que preservaram familiarmente o reservatório de água. Dado esse fato, na década de 1980,
os moradores solicitaram à Prefeitura de Municipal uma ampliação e reforma para um maior
aproveitamento das águas. As reivindicações foram atendidas, sobretudo, tendo em vista as necessidades
causadas pelas secas no agreste-meridional de Pernambuco.
Em meados do século XIX os vizinhos das redondezas se reuniam nas casas desses
casais para festejarem os santos juninos com alegria, devoção e fé. Alegre porque tinha
os inícios das primeiras colheitas feitas a partir do dia 19 de março, dia de São José,
esposo da Virgem Maria15. Fé porque acreditavam que essa fartura era graça de Deus em
suas vidas. Devotos aos santos festejados pela aproximação humana e afetiva com que os
santos católicos se revelavam na cotidianidade de suas realidades existenciais:
Diante desse contexto, a comunidade tem uma especial devoção a São José 16,
dando início ao ciclo das plantações das lavouras e protetor das famílias do campo,
sobretudo, porque cria a expectativa da proximidade das grandes festas juninas que os
Bacamarteiros mais celebram. Planta-se a esperança de um ano farto para as famílias
nordestinas. Esperam colher seus frutos da terra justamente no mês junino, período das
grandes festas preparadas com comidas típicas, danças, fogueiras, fogos e balões,
sobretudo, pelas reuniões familiares em torno das mesas cheias de iguarias de milho e
mandioca. Essa experiência de preparação das festas e da devoção dos santos fica clara
na fala da porta-bandeira do grupo:
15
Essas informações foram ditas pelo Jairo Calado membro responsável pela nova formação do grupo dos
Bacamarteiros.
16
Ressaltamos que a principal devoção aos santos católicos do grupo está direcionada a São João. No
estandarte dos Bacamarteiros é a figura desse que prevalece com maior vigor. A festa normalmente é
celebrada por grande parte dos nordestinos na véspera do dia 24 de junho, contudo, os atiradores optam
pelo dia da natividade de São João Batista. O grupo se reconhece como o santo, portador e anunciador de
Cristo nos dias atuais. Levam aos moradores à alegria da vinda do Cordeiro e anuncia a remissão dos
pecados e a alegria por serem perdoados e abençoados pelas farturas do campo.
chegavam a casa, madrinha e tio iam recebê-los na porteira. Eles entravam
cantando, atiravam, dançavam ao som da viola, do bumbo e do reco-reco,
almoçavam e à tardinha iam embora. Nós ficávamos com muita saudade, mas
à noite íamos todos para o cruzeiro onde era rezado o terço de São José (Maria
Carlinda da Silva).
2 – Os festejos
17
Segundo o testemunho de Damião Quirino da Rocha, os três primeiros bacamarteiros a aderirem a
brincadeira foram: José Pedro, João Ferreira Calado (João André) e Manoel Batista (Mané Ligeiro).
acesso com uma brasa que era tirada das fogueiras juninas18 com o intuito de provocar
um grande tiro, dizem ser tão forte, que chegava a apagar os candeeiros da casa e do
alpendre.
André Avelino possuía uma dessas armas de tiro artesanal, mas também, uma de
cano grosso e curto, a qual ele nomeou de “nossa menina”. Afirma-se que esse artefato
bélico de cano grosso e curto foi utilizado na Guerra do Paraguai (1864-1870) em meados
do século XIX19. Com efeito, de maneira desconhecida por seus parentes, esta arma veio
para nas mãos dele. Tal posse da arma gerou o resultado do que hoje se denomina
Bacamarteiros do Batalhão XVI. A partir desse único objeto e das experiências praticadas
com as ronqueiras e com as de cano solto começou um processo de aquisição de armas
mais sofisticadas, possibilitando mais adesão e visibilidade das brincadeiras por parte dos
indivíduos.
Entre os relatos dos Bacamarteiros destacam-se as condições sociais e econômicas
das pessoas que compunham as comunidades de Jupi e Salgadinho. Dizem serem todos
cidadãos pacatos, trabalhadores agricultores, pecuaristas e artesãos. Produziam, em
especial, botas, gibão e outros utensílios de montarias, como selas e arreios. As mulheres
se ocupavam do trabalho doméstico e da produção de rendas. Desse modo, contribuíram
de forma direta para a manutenção da economia e do desenvolvimento cultural da cidade
de Cachoeirinha. Esse jeito de ser possibilitou o auto-sustento da comunidade como ainda
na preservação futura do conhecimento comunitário e a salvaguardar o artesanato local
do coro e do aço.
Esses festejos por volta do ano de 1942 foram organizando o primeiro grupo de
Bacamarteiros. Até então o modo com participavam eram muito aleatório, visto que se
reuniam apenas nas festas juninas ou no mês de maio. Por volta da década de 40 tentam
sistematizar a maneira como deveria manter a unidade e a continuidade dos atiradores ao
18
O fogo para acender essas armas só podia ser tirado das fogueiras juninas porque as mesmas eram
dedicadas ao santo do dia. Proibia-se usar fósforos ou outros utensílios que produzissem calor para a
combustão. Pois na compreensão desses indivíduos o fogo era santificado pelo santo devocional, o qual
exigia que todas as oferendas a ele apresentadas deviam ser purificadas. Mais ainda, os tiros não eram para
matar ou assustar as pessoas, mas para celebrarem – semelhantes a gritos humanos que querem despertar
as divindades, chamando a atenção para as necessidades humanas – a presença do divino no meio do povo.
19
Existem inúmeras especulações em torno da origem da existência dos Bacamarteiros. Impõem-se com
mais relevância, a versão de que a brincadeira teve início com as comemorações dos que voltaram da Guerra
do Paraguai. Com relação à arma a hipótese mais comum é a versão original que vem do Clavinote holandês
do séc. XVII ou na Granadeira do Sistema Mineé francês, do meado do século XIX. A arma é citada na
obra Os Sertões, por Euclides da Cunha, como parte do arsenal bélico dos “fanáticos” na histórica e altiva
Canudos do beato Antônio Conselheiro. Pesquisa realizada no dia 12/04/2011.
www.bacamarteirosdepernambuco.blogspot.com.
longo de todo o ano, afim de, permanecer a tradição nas próximas gerações. Este
movimento individual e familiar poder ser compreendido como sujeitos sociais que se
situam numa:
Dado esses fatos, as observações apontadas nesses trabalhos servem para nos
ajudar a perceber que há uma identidade cultural resiliente nas camadas sociais
desfavorecidas na sociedade contemporânea. Esse fato vem historicamente desde a
colonização do Brasil. Os negros, índios foram obrigados a silenciar suas crenças e
culturas a mando de uma compreensão eurocêntrica da realidade humana. A qual se serviu
do abuso do poder para impor seu modelo de sociedade, com efeito, tal imposição
desembocou-se numa multiculturalidade, porque teve suas bases sustentadas pelas
expressões de outros povos, possibilitando uma pluralidade cultural na formação da
sociedade brasileira.
A partir das histórias dos Bacamarteiros de Cachoeirinha, descobrimos que no
grupo existe uma estrutura organizacional construída internamente que favorece a
identidade social de cada membro. No contexto em que se encontram os componentes,
eles não fazem parte de uma massa social, pelo contrário, em suas expressões culturais e
religiosas tornam-se reconhecidas pelo nome e pela tradição familiar que pertencem.
BIBLIOGRAFIA
ELIADE, Micea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
FREITAS, Sônia Maria de. História Oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo:
Humanitas, 2002.
GONZÁLES, Ramiro. Piedade Popular e Liturgia. Trad. G. Figueiredo de Moraes. São
Paulo: Loyola, 2007.
LADARIA, Luis F. O Deus Vivo e Verdadeiro. Trad. Paulo Gaspar de Mendes, SJ. São
Paulo: Vozes, 2005.
MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa História: 500 anos de presença da Igreja
Católica no Brasil, Tomo I: Período Colonial. São Paulo, Paulinas, 2006.
QUEIRUGA, André Torres. O Diálogo das Religiões. São Paulo: Paulus, 1997.
VI, Paulo. Evangelii Nuntiandi. Edição 19. São Paulo: Paulinas, 2006.
www.bacamarteirosdepernambuco.blogspot.com (acessado em 12/04/2011).
A LEI 11.645/08 NAS ARTES E NA EDUCAÇÃO:
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS INDÍGENAS E AFRO-
BRASILEIRAS
Clarissa Suzuki
(ECA/USP - clarissasuzuki@usp.br)20
Maria Pinheiro
(ECA/USP - maria.pinheiro@usp.br)21
RESUMO
INTRODUÇÃO
Decorridos 15 anos da Lei 10.639/03, e sua revisão legal após 10 anos com a
publicação da 11.645/08, acumulamos muitas experiências práticas e teóricas em
decorrência da sua implementação que visam o ensino da história e das culturas afro-
brasileiras e indígenas em todos os níveis de ensino da Educação Básica. Mesmo sabendo
O GRUPO DE TRABALHO
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÁ, A. H. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (org.). História Geral da África – vol.
1. São Paulo: Ática/UNESCO, 1982.
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______. Lei Federal 11.645 de 10 de março de 2008. Brasília, DF, 2008.
______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília: junho,
2005.
FUSCALDO, A. I. A. Ro’wapari’nho’re: sonhar e pegar cantos no xamanismo
a’uwe_xavante. São Paulo: Porto de Ideias, 2016.
A INVISIBILIDADE COMO ELEMENTO FANTÁSTICO NA
LITERATURA E NO ICNEMA JUVENIL BRASILEIRO
Introdução
23
Mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atualmente, é doutorando em Letras
pela mesma instituição, seguindo a linha Leituras Literárias.
24
Mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atualmente, é doutoranda em Letras
pela mesma instituição, seguindo a linha Leituras Literárias.
suporte escrito, de seu modo de contar uma história, contribuindo, por outro lado, para o
redimensionamento da narrativa impressa contemporânea. É o que podemos observar nos
desdobramentos da teoria da adaptação, que hoje consegue romper com a noção de
hierarquização entre as artes. Antes, ao se adaptar grandes clássicos literários para a
linguagem cinematográfica, o resultado era visto como “arte secundária”, com a produção
sendo acusada de se apropriar veementemente dos meandres da linguagem escrita. O
trabalho com a palavra foi, por muito tempo, considerado vítima daquela ainda então nova
forma de expressão imagética, dotada de inúmeros elementos não existentes no texto
impresso. A adaptação, assim, constitui-se como forma que aproxima cada vez mais as
artes literária e cinematográfica. Tanto que, no contexto atual, filmes e livros são
pensados e lançados quase que ao mesmo tempo, com o movimento entre as artes se
dando de modo recíproco, em uma espécie de colaboração mútua na elaboração, na
expansão e na pluralidade de sentidos. Isso mostra que o cinema, ao se voltar para a
literatura, também a modifica, seja em relação à própria especificidade narrativa ou até
mesmo no campo da indústria, a exemplo da publicação de edições trazendo nas capas os
cartazes ou clara indicação dos filmes cujo roteiro se baseou em suas páginas, o que incide
também no processo de recepção das obras.
Buscando aprofundar tais relações, o presente artigo pretende tecer uma análise
da construção metafórica da invisibilidade no conto “Frontal com fanta” (2005), de Jorge
Furtado, e em sua adaptação cinematográfica Boa sorte (2014), de Carolina Jabor,
levando em consideração a focalização narrativa. O estudo centra-se no personagem
principal e em sua relação com a “invisibilidade”, trazendo questões acerca do joven
enquanto “ser invisível” perante o convívio social. Ressaltando as diferenças e
semelhanças, objetiva-se, portanto, analisar os modos de construção das narrativas
(literária e fílmica), refletindo acerca do modo como o elemento imaginário se constitui
enquanto fundamental na representação da invisibilidade e em como reverbera na
produção de sentidos.
Para Bakhtin (2003, pp. 4-5), “[...] a luta do artista por uma imagem definida da
personagem é, em um grau considerável, uma luta dele consigo mesmo”. Sendo assim,
por trás do discurso do personagem-narrador estaria as escolhas promovidas pelo autor,
o legítimo inventor de todas as perspectivas presentes nas narrativas. Podemos dizer que
o narrador em primeira pessoa que também é protagonista corresponde a um modo
peculiar de manifestação da história a ser desenvolvida pelo autor.
Norman Friedman (2002) tentou responder, em sua tipologia de narradores, as
indagações a respeito de quem narra a história, de que perspectiva esta ação é realizada,
que canais seriam utilizados para tal comunicação com o leitor e a que distancia este seria
colocado da história. Assim, a teoria formulada pelo estudioso traça rotas que definem o
narrador em voz, posição espacial e modo de transmissão de informações: “Autor”
onisciente intruso, Narrador onisciente neutro, “Eu” como testemunha, Narrador-
protagonista, Onisciência seletiva múltipla, Onisciência seletiva, Modo dramático e
Câmera. Para o estudioso, o Narrador-protagonista seria aquele que “[...] encontra-se
quase que inteiramente limitado a seus próprios pensamentos, sentimentos e percepções”,
cujo ângulo de visão corresponderia à de um “centro fixo” (FRIEDMAN, 2002, p. 177).
A peculiaridade do narrador do tipo protagonista está ligada diretamente à
aproximação ou distanciamento que ele faz entre o leitor e a história, revelando certo
interesse na apresentação dos eventos narrados que, apesar de não poderem ser
modificados, podem ser resinificados, mostrados em parte representativa para aquele e
não em sua totalidade. Por estar no cerne da ação, ele teria menos mobilidade que o “Eu”
como testemunha (personagem mais ou menos envolvido nos acontecimentos da narrativa
que fala em primeira pessoa ao leitor), bem como menos amplitude, pontos de vantagem
e variedade de fontes/canais de informação. Ele não teria acesso ao estado mental dos
demais personagens e condicionaria o que é contado quase que inteiramente à sua
perspectiva.
Segundo Dal Farra (1978), para um narrador que também é protagonista, a
narração passa a ser uma fala, portanto, torna-se um elemento central para a construção
da sua psicologia, de seus valores e de suas falhas. A sua fala reconstituiria seu ponto de
vista e também seus pontos de cegueira. A autora contesta a noção de subjetividade
atrelada ao foco narrativo em primeira pessoa, apontando que todas as narrativas seriam,
de certa forma, objetivas, “[...] pois o narrador nunca estará encerrado na visão estreita de
uma determinada personagem” (DAL FARRA, 1978, p. 19), visto que as
estratégias/recursos narrativos empreendidas por determinado autor excederiam a figura
do narrador.
Na verdade, aquilo que tem-se considerado ser o ponto de vista do
narrador e que, segundo se afirma, filtra o mundo e dá forma e nome às
coisas, nada mais é que uma postura visual regulada por uma ogiva
maior: aquela que enxerga no defeito ou na amplitude de visão
conferida ao narrador a certeza do sucesso dos valores que quer
manipular (DAL FARRA, 1978, p. 23).
Genette (1995 apud REIS & LOPES, 2000), por sua vez, postulou três modelos
de narrador: o autodiegético, o heterodiegético e o homodiegético. O primeiro tipo, dentro
da diegese (ou história), é definido por Reis & Lopes (2000, p. 251) como responsável
por relatar “[...] as suas próprias experiências como personagem central”. Tal narrador
abarcaria importantes consequências semânticas e pragmáticas, decorrentes do modo
como estrutura a perspectiva, organiza o tempo, manipula a distância.
Brito (2007), entretanto, difere o ponto de vista em uma narrativa literária do
conceito de plano subjetivo de uma narrativa cinematográfica. A “câmera subjetiva”
aparentemente coincidiria, fisicamente, com a ideia de focalização em primeira pessoa,
pois o que veríamos na tela coincidiria com a visão de um (ou de mais de um) dos
personagens. Todavia, no que diz respeito à dimensão, tal plano seria “micro-estrutural,
setorizado, fragmentário”, enquanto “o ponto de vista narrativo, ao contrário, é macro-
estrutural, ou seja, se refere ao filme por inteiro” (BRITO, 2007, p. 10). Isso quer dizer
que, ao contrário de uma narrativa literária inteiramente narrada em primeira pessoa, a
câmera subjetiva corresponderia a um pequeno trecho, a um dos muitos recursos da
narrativa cinematográfica que, não necessariamente, tomaria toda a elaboração estética
de um filme.
A citação em questão foi retirada do escrito “Do sentimento de não estar todo”,
que compõe o famoso volume A volta ao dia em 80 mundos (1967), do autor argentino
Julio Cortázar (1914-1984). O trecho selecionado, por sua vez, remete ao romance O
segredo de Wilhelm Storitz (1985), do escritor francês Jules Verne (1828-1905), uma
narrativa que manifesta o incomum ao focar-se na figura enigmática de Wilhelm Storitz,
que teria encontrado o segredo da invisibilidade através de experiências científicas. Na
trama, o personagem jura vingar-se da afronta da família Roderich por recusar-lhe a mão
da herdeira Myra. Tendo como cenário a Hungria Medieval, o livro revela-se uma
aventura sobre as fronteiras da própria condição humana. A escolha referencial de Jorge
Furtado parece ter sido completamente calculada, já que o excerto trata da reação ao
absurdo, ao extraordinário incorporado à literatura, ao mesmo tempo em que faz alusão a
uma narrativa que também traz o elemento da invisibilidade como chave para a
interpretação do universo interior do personagem principal. Tal componente
caracterizaria a narrativa como de ordem fantástica, inserindo-a em uma vertente literária
amplamente explorada pelo próprio Julio Cortázar.
O escritor argentino citado em “Frontal com fanta”, inclusive, foi além do
universo ficcional, apresentando diversos ensaios com alguns princípios considerados por
muitos como regentes do gênero conto e da inserção do maravilhoso no fazer literário,
em uma rica produção crítica advinda de sua bagagem enquanto escritor e pesquisador.
Nesta perspectiva, o estudioso compara a realização contística à arte de fotografar,
trazendo a ideia de que um texto do gênero deve apontar sentidos para além de suas
próprias fronteiras, escolhendo e limitando uma imagem ou acontecimento que seja
significativo, capaz de “atuar no espectador ou no leitor como uma espécie de abertura,
de fermento que projete a inteligência e a sensibilidade em direção a algo que vai muito
além do argumento visual ou literário” (CORTÁZAR, 2006. pp. 151-153).
Para melhor exemplificar sua teoria, ele também estabelece uma comparação entre
o conto e o romance, apontando que, enquanto o primeiro gênero corresponderia a uma
arte sintética, trabalhando com a seleção de elementos significativos, o segundo se
relacionaria a uma arte mais analítica, trabalhando com a acumulação de material.
Cortázar chega a postular que o conto é um “resumo implacável de certa condição
humana” ou mesmo um “símbolo candente de uma ordem social ou histórica” (2006, p.
153). A partir disso, também traça um paralelo entre a gênese de um conto e a de um
poema, apontando para a ação de exceder o que seria “normal” através da escrita.
Indo de encontro ao excerto, Bosi (1975, p. 31) indica que o conto funcionaria
como uma espécie de “poliedro capaz de refletir as situações mais diversas de nossa vida
real ou imaginária” e que, devido às variadas possibilidades temáticas e da pequena
extensão que geralmente possui, apresentaria uma maior circulação, compreendendo
consequentemente um público leitor mais amplo e diversificado.
O conto fantástico seria aquele que contém um elemento estranho, rompendo com
o que é natural ou habitual. Ademais, Cortázar (2006, p. 235) indica que seria necessário
que o fator excepcional passasse a “ser também regra sem deslocar as estruturas ordinárias
entre as quais se inseriu”. Sendo assim, entende-se que o componente fantástico deveria
logo se integrar à ordem comum do cotidiano narrado. Ainda segundo o teórico, o insólito
não deveria aparecer o tempo todo (full-time) no conto, nem ser do tipo deus ex-machina,
surgindo ao seu desfecho para solucionar algum impasse (CORTÁZAR, 2006, p. 236).
Ainda em consonância a Julio Cortázar, qualquer narrativa não necessariamente deve se
ater à realidade, com a escrita podendo servir como meio de expressão e reprodução de
formas de representação alegórica, defendendo que “a linguagem íntegra é metafórica”
(CORTÁZAR, 2006, p. 86).
O elemento mágico não se desassociaria da realidade dentro do texto,
estabelecendo, através dela, um pacto de verossimilhança com o leitor. As grandes
surpresas nos esperariam ali “onde tivermos aprendido por fim a não nos surpreender com
nada, entendendo por isto não nos escandalizarmos diante das rupturas da ordem”
(CORTÁZAR, 2006, p. 179). A proposta aqui seria desenvolver a história despertando
ainda mais a imaginação de quem lê, oferecendo-o novas sensações que em nada o
excluem da experiência do real. Nesta perspectiva, podemos verificar que a narrativa
escrita por Jorge Furtado é um exemplo acabado do conto fantástico. Ele recorre ao
insólito para tratar dos conflitos internos do jovem protagonista, fazendo com que embarquemos
na “realidade irreal” do personagem, passando a acreditar, depois do estranhamento, que este fica
mesmo invisível ao ingerir comprimidos de Frontal com fanta sabor laranja.
A construção da invisibilidade
O caráter dinâmico presente no conto “Frontal com fanta” (2005) denota muito da
estética contemporânea da literatura voltada ao público juvenil, de modo que converge
com a narrativa cinematográfica. Tal fato, portanto, rendeu ao roteiro de Boa sorte (2014)
grande parte do que está na narrativa escrita, inclusive considerável número de conversas
entre o protagonista e a personagem soropositiva.
O filme, para aproximar-se da narração em primeira pessoa empreendida no conto,
apresenta algumas cenas gravadas em câmera subjetiva, na perspectiva do protagonista,
e em discurso com voz over. O interessante é que tais recursos narrativos são quase
exclusivamente utilizados em momentos de construção da característica invisível do
personagem principal. Além disso, podemos verificar que, de certo modo, o filme alarga
o caráter da invisibilidade, potencializando tal efeito através das inúmeras cenas em que
vemos o jovem João, mas as pessoas que estão com ele não o notam, o que confere ao
elemento fantástico o tom de real e verossímil a partir da ingestão do remédio com o
refrigerante. Podemos observar tal aspecto também nos diálogos narrados, que são
construídos de modo a tornar concreto o absurdo universo dos personagens:
O jovem demonstra em seu relato que descobriu o poder da mistura de Fanta com
Frontal bem ao acaso. O estado de “felicidade” e a sensação de encontrar-se efetivamente
invisível sob o efeito da droga traz certo conforto ao garoto, denotando uma válvula de
escape da sua existência ignorada. A alegoria deste elemento mágico da narrativa põe em
questão a posição do sujeito na sociedade contemporânea, demonstrando as relações
familiares e pessoais fragilizadas, fruto de indivíduos que se sentem invisíveis perante o
coletivo (por diversos motivos), ao mesmo tempo em que também tornam o outro
invisível, aspecto comum em uma atualidade em que tudo é voltado para o “eu”. Esta
questão do sentimento real de invisibilidade é situada na adaptação fílmica dentro da fala
do protagonista, de forma a melhor concretizar o elemento fantástico. Trata-se de uma
escolha bastante significativa, que potencializa, através das imagens, a metáfora proposta
no texto literário.
[V.O.] No começo eu não sabia direito como funcionava. Vai ver que
eu nem ficava invisível mesmo porque todo mundo parecia invisível e
na rua quase nunca tem ninguém. E se tiver também, todo mundo só
olha pra frente. Se você olha pra alguém e essa pessoa também te olha
é um contato, e ninguém quer isso. A minha mãe vê tudo, mas não
presta atenção em nada, e o meu pai... Ah, esquece. O meu irmão e a
namorada só olhavam um pro outro. Eles não iam me ver nem que eu
tivesse visível. Ser invisível não é só ruim: você pode ouvir a conversa
das meninas, pode chegar bem perto, só não pode tocar (mas isso eu só
descobri depois, tarde demais). Depois eu descobri que dava pra ficar
invisível pra umas pessoas e pra outras, não. Pro meu irmão, eu ainda
tinha algum tipo de contato; pra minha mãe, eu nem precisava do
frontal, bastava a Fanta. (BOA SORTE, 2014, 18 min.)
O trecho narrado em voz over acima é ilustrado no filme com diversas cenas de
João próximo a pessoas que não o notam, inclusive seus familiares, mostrando-o
realmente invisível aos olhos dos outros, que agem como se não estivessem em sua
companhia.
Um fator importante presente no conto que não foi colocado no roteiro do filme
corresponde à circunstância em que o garoto se encontrava no instante em que ocorre o
episódio da lambida: ele não tinha bebido o comprimido de Frontal com fanta, mas
tomado vários copos de vinho. Este pormenor abrange a conjuntura psicológica criada
por Jorge Furtado para o protagonista do texto impresso, em que o jovem acredita que a
utilização da droga com a bebida sabor laranja na verdade solidifica ou faz perdurar sua
condição de invisibilidade ante os outros.
Em ambas as narrativas, percebemos que o garoto se sente desconfortável em seu
meio, enxergando a fragmentação das relações com os parentes, que não o compreendem,
como no seguinte trecho do conto: “Olhei para o meu pai, sofrendo, triste, tentando não
aparentar toda a tristeza que realmente sentia, com vergonha de imaginar uma parte dele
em mim, e tive certeza de que ele estava falando a verdade, eu era doente mesmo”
(FURTADO, 2005, p. 14). Nota-se que a convivência conturbada com os pais contribui
para que ele desenvolva seus problemas psicológicos, utilizando-se da invisibilidade para
sentir-se melhor. É interessante observar também a própria relação dos demais
personagens com as drogas, sejam lícitas ou ilícitas, de modo que ambas as narrativas
ilustram a dependência das pessoas que carregam a necessidade de consumir os mais
variados tipos de substâncias para se sentirem melhor, ou seja, para fugir de suas
respectivas realidades.
Outro aspecto que se destaca é a maior inserção da personagem Judite na narrativa
cinematográfica, com a história de amor entre ela e João se tornando o coração do enredo.
Ao contrário do conto, narrado em primeira pessoa pelo jovem protagonista, o filme
focaliza de modo bem melhor a construção da personalidade da personagem feminina, de
modo que ela ganha maior espaço e voz, principalmente a partir de seu caderno de
anotações, que traz comentários escritos sobre seus dias na clinica de reabilitação e, por
conseguinte, a sua história com o jovem protagonista. Através do caderno, em
determinado momento do filme, Judite também vira narradora dos acontecimentos e
situações do hospital. Sua escrita é feita com suco de limão, que se transforma em uma
espécie de “tinta invisível”, elemento que alarga a produção de sentidos em relação à
invisibilidade. Tal figura ainda motiva um dos momentos mais marcantes da narrativa
fílmica, em que o casal toma Frontal com fanta e foge da clínica de reabilitação.
Invisíveis, João e Judite caminham nas ruas imitando os gestos dos transeuntes, “visitam”
a casa dos pais do protagonista, roubam cordas de violão de uma loja de instrumentos
musicais e, finalmente, ficam completamente pelados em uma praia lotada.
Figura 8: Representação da invisibilidade no filme Boa sorte (2014) - Cena 8.
Algumas considerações
Referências
BAZIN, A. O que é o cinema?. Trad. de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naif,
2014.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BOA SORTE. Dir. Carolina Jabor. Rio de Janeiro: Globo Filmes, 2014 [produção]. 1
filme (90 min).
BRITO, J. B. Literatura, cinema, adaptação. In: Revista Graphos. v. 1, n. 2. João Pessoa:
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mai. 2018.
______. O ponto de vista em cinema. In: Revista Graphos. v. 9, n. 1. João Pessoa: Jan./Jul.
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BOSI, A. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Ed. Cultrix, 1975.
CORTÁZAR, J. Valise de cronópio. Trad. de Davi Arriguci Jr. e João Alexandre Barbosa.
São Paulo: Ed. Perspectiva, 2006.
DAL FARRA, M. L. O narrador ensimesmado (o foco narrativo em Vergílio Ferreira).
São Paulo: Ática, 1978.
FRIEDMAN, N. O ponto de vista ficção: O desenvolvimento de um conceito crítico. In:
Revista USP. São Paulo, n. 53, março/maio, 2002. pp. 166-182.
FURTADO, J. Frontal com fanta. In: FURTADO, J. [et al]. Tarja preta. Rio de Janeiro:
Ed. Objetiva, 2005.
HUTCHEON, L. Adaptação. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2011.
REIS, C. & LOPES, A. C. M. Dicionário de teoria narrativa. São Paulo: Ática, 2000.
A PRINCESA E A ERVILHA: UM CONTO DE HANS CHRISTIAN
ANDERSEN ADAPTADO PARA HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
1. INTRODUÇÃO
A Literatura é composta por textos dos mais variados gêneros, nos diferentes
suportes midiáticos – desde a oralidade aos meios escritos e digitais. É visível a
consagração da imagem nesses espaços pelo menos desde a década de 1960, período em
que muitos escritores começaram a se dedicar a arte das ilustrações, sobretudo na
literatura endereçada às crianças e aos jovens. Ainda, na década de 60, alguns autores
brasileiros, como Ziraldo e Mauricio de Sousa, iniciaram um trabalho com uma arte que
integra as linguagens verbal e visual necessariamente: a História em Quadrinhos (HQ),
de modo que seus textos compuseram parte do repertório literário dos leitores
infantis/juvenis de várias gerações, seja pelo envolvimento com as personagens com as
quais os leitores se identifica(va)m, seja pela natureza da HQ que, ao integrar a linguagem
visual à verbal, constitui uma linguagem atraente.
Essa riqueza de linguagem foi notada por algumas editoras que investiram em
adaptações de textos canônicos da Literatura universal para o suporte das HQs, visando a
atrair o leitor jovem e também o público escolar. Um marco nessas produções foi a
Editora Brasil-América (EBAL), fundada por Adolfo Aizen, que publicou a série Edição
Maravilhosa na década de 40, adaptando clássicos universais. Com o mesmo intuito, a
Editora Rio Gráfica, de Roberto Marinho, criou a série Romance em quadrinhos em 1956.
Nota-se que essas publicações buscavam, entre outras coisas, aproximar os
leitores do legado cultural deixado pelas grandes obras literárias, por meio de um texto
verbo-visual atraente e rico em possibilidades de leitura. Mais recentemente, interesse
semelhante apresentaram instituições governamentais, como o Programa Nacional
Biblioteca na Escola (PNBE), ao seguir os pressupostos de documentos oficiais da
educação, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que orientam a
inserção das HQS como recurso de incentivo à leitura e à escrita nas salas de aulas.
Diante desses fatos, interessa-nos, pois, neste artigo, compreender como se dá a
inserção das HQs no contexto das adaptações literárias, além de realizar uma analise do
processo adaptativo do conto do conto “A princesa e o grão de ervilha”, de Hans Christian
Andersen (1805-1875), para história em quadrinhos realizada por Stephanie True Peters,
traduzido por Fabio Teixeira.
A adaptação dos contos de fadas para histórias em quadrinhos permite que o leitor
se depare com um texto com mais humor, com a presença de críticas irônicas, que têm o
objetivo de despertar no leitor a sua atitude apreciativa, fazendo com que ele possa
levantar questionamentos diante do texto original do conto de fada e do texto adaptado
para os quadrinhos. Conforme Linda Hutcheon (2012, p. 10): “A adaptação é (e sempre
foi) central para a imaginação humana em todas as culturas. Nós não apenas contamos,
como também recontamos nossas histórias”.
No Brasil, os contos de fadas mais famosos foram adaptados por Maurício de
Sousa nas histórias em quadrinhos da turma da Mônica. Contos como: Chapeuzinho
Vermelho, Branca de Neve, O patinho feio, A bela adormecida entre outros. Mauricio de
Sousa utiliza os personagens que já conhecemos da Turma da Mônica, mantendo neles as
características da personalidade de cada um, para atribuir humor à paródia realizada do
conto de fada adaptado. No entanto, acrescenta aos personagens Mônica, Magali, Cascão
e Cebolinha características dos personagens dos contos, como as vestes das princesas e
dos príncipes, além de alguns objetos relevantes do texto original. Essas características
estão explicadas na fala de Amarilha (2009):
Figura 9 – Reprodução fotográfica da chegada da princesa ao palácio. Fonte: PETERS (2014, p. 15)
É importante ressaltar que essas informações - das falhas das jovens candidatas a
princesa e da justificativa da nobre verdadeira – não alteram o teor do conto “A princesa e o
grão de ervilha” (1978), mas a inserção delas na narrativa pode ser percebida como uma
estratégia da autora para enriquecer o suporte, como também para dar mais verdade à ação,
assim, adequando ao leitor que se encontra em processo de amadurecimento.
A HQ é repleta de recursos inerentes ao gênero, como por exemplo, a utilização de close
e superclose, de elementos que dão ideia de movimento e amplificação da informação. Aqui
destacamos, principalmente, o plano dos colchões em que, diferente da capa, o anglo de visão
é a partir do chão (Figura 10), e a técnica utilizada nas cores que mostram a princesa sem dormir,
incomodada pela ervilha (Figura 11), permite que o leitor compartilhe experiência, pois mexe
com os sentidos do leitor. A incrédula Rainha, para testar a realeza da jovem, elabora um plano
infalível, em que através de uma ervilha, considerada por Bajgielman (2005) um o objeto
mágico, descobre-se a princesa de verdade.
Figura 10 – Reprodução fotográfica do plano dos colchões com anglo de visão a partir do chão. Fonte: PETERS
(2014, p. 24)
Figura 11 – Reprodução fotográfica da princesa sem conseguir dormir. Fonte: PETERS (2014, p. 26)
Além do mais, o livro possui informações sobre a vida do autor do conto, Hans Christian
Andersen, a vida da adaptadora, da ilustradora, a história da Princesa e a Ervilha, trazendo uma
versão italiana intitulada “A mulher mais sensível”. Também informa ao leitor que o conto foi
adaptado para peças teatrais, danças clássicas, como o balé, e programas de TV e Rádios. Além
disso, o livro traz como alguns de seus paratextos um tópico chamado “Perguntas para
Discussão”, o “Projetos de Redação” e o “Glossário”, o que sugere sua configuração com fins
também pedagógicos.
4. CONCLUSÃO
Conhecer as diferentes perspectivas sobre as HQs, assim como as fases pelas quais esse
gênero textual passou até se configurar como hoje o conhecemos, faz-nos perceber seu estatuto
de arte que se adapta aos diferentes contextos e épocas em que é desenvolvido, articulando sua
linguagem híbrida para conquistar cada vez mais leitores. Vimos que, com o domínio dos
elementos que compõem essa arte sequencial, muitas obras foram consagradas em solo
brasileiro, dando ênfase às adaptações dos clássicos universais. O amplo mercado de quadrinhos
visa a funções diferentes, destinando-se desde à criança ao público adulto, mas é visível o
interesse pedagógico ao retomar obras canônicas – de domínio público, normalmente – para
destinação às escolas. Trata-se, assim, do interesse em utilizar a adaptação para aproximar os
jovens leitores da herança cultural imortalizada nas grandes obras, o que pode ser pensado sobre
a obra discutida neste texto.
A análise do conto quadrinizado A Princesa e a Ervilha nos possibilitou perceber que
essa adaptação mantém elementos importantes da narrativa da qual se originou, como os
protagonistas, o conflito e o desfecho. No entanto, por se tratar de um novo suporte, houve a
necessidade de inclusão de novos elementos, como a inserção de personagens inéditos com
personalidades realçadas, a fim de atender a um novo público e a um novo tempo. É importante
reconhecer, contudo, que a HQ analisada tem elementos suficientes para ser lida como uma
obra autônoma ou como uma ponte para a leitura do texto de Andersen.
Portanto, acredita-se que as quadrinizações de obras literárias podem ser um bom
recurso de aproximação dos jovens leitores com os textos originais ou configurar-se como uma
agradável leitura de HQ, estimulando suas possibilidades leitoras de uma linguagem híbrida,
assim como desenvolvendo neles a criticidade na leitura do texto adaptado, caso já conheça o
texto-fonte.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Diógenes Buenos Aires de. A adaptação literária para crianças e jovens:
Robinson Crusoé no Brasil. Porto Alegre, 2006.
EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial: princípios e práticas do lendário cartunista. São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. 2. Ed. Tradução André Cechinel.
Florianópolis: Ed. UFSC, 2013.
POWERS, Alan. Era uma vez uma capa. Tradução de Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac
Naify, 2008.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 9.ed. São Paulo: Global, 1994.
ADAPTAÇÕES DE JOÃO E MARIA, DOS IRMÃOS GRIMM:
CONTRIBUIÇÕES DE FIGUEIREDO PIMENTEL E CARLOS
FERREIRA E WALTER PAX
RESUMO
Neste artigo, analisamos as adaptações do conto João e Maria ([1812]/2012), recolhido da
tradição popular por Jacob e Wilhelm Grimm, realizadas por Figueiredo Pimentel
([1894]/1958), considerado precursor cronológico da literatura infantil brasileira, e por Carlos
Ferreira e Walter Pax (2007), escritor e ilustrador, respectivamente, de uma versão do conto em
HQ. Metodologicamente, empregamos a pesquisa bibliográfica qualitativo-interpretativa.
Como resultado, percebemos que ambas as adaptações contribuem para a permanência do texto
fonte, ora acrescentando, ora retirando elementos que constituem a primeira narrativa, ao
mesmo tempo em que conferem novas possibilidades de leitura.
1. INTRODUÇÃO
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Na Alemanha do século XIX, quando ainda não era uma nação unificada, devido à
ocupação Napoleônica, pairava um espírito nacionalista popular que inspirou Jacob Ludwig
Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) a estudarem elementos comuns a todos os
germânicos e imprescindíveis para a identidade desse povo, a língua e a cultura alemãs. Era o
Romantismo – sua segunda fase, mais especificamente – a força motriz inicial que fez com que
os irmãos investigassem as origens folclóricas do povo alemão, tendo como fruto um dos
clássicos infantis que foram eternizados permanecendo vivo até a atualidade, Kinder und
Hausmärchen (Contos de crianças e do lar).
Os contos dos irmãos Grimm, publicados entre 1812 e 1822, e posteriormente reunidos
em Kinder und Hausmärchen, somaram 03 (três) volumes: 02 (dois) contendo a compilação de
contos, e 01 (um) – o último – apresentando notas dos folcloristas, em que tratam do processo
de coletas das narrativas populares e do trabalho de elaboração da obra, e também informações
sobre suas fontes de coleta, sobre as variações dos contos, além de dados referentes a como,
onde e quando se deram as recolhas. “O objetivo dos Grimm com todo esse conteúdo cultural
germânico era registrá-lo e preservá-lo, de modo que a escrita não permitisse que a ‘essência’
dos povos germânicos, presente até então apenas na oralidade, se perdesse em algum momento
futuro.” (MENDES, 2017, p. 49). Portanto, a intenção inicial não era escrever para a infância.
Malgrado a obra não ter sido direcionada para esse público, como o próprio prólogo
apresenta, grande sucesso fez entre as crianças, de maneira que, logo, os contos foram editados
para elas. No entanto, a violência e a crueldade faziam parte das narrativas dos irmãos alemães.
Em “Rotkäppchen” (“Chapeuzinho vermelho”), exemplificando, o lobo tem sua barriga aberta
pelo caçador ainda em vida e, em seguida, é enchida de pedras e costurada, terminando o
antagonista morto ao cair em um poço, onde se debruçou para beber água. Esse novo estilo, em
que a crueldade convive com o espírito de esperança que o happy end faz nascer, é fruto da
concepção humanista da Era Romântica.
Mesmo violentos e cruéis, os contos tornaram-se populares entre as crianças, mas ainda
assim sofrem severas críticas, quanto à presença de elementos já considerados não adequados
para aquele público. Diante disso, os Grimm operaram modificações, reduzindo a preocupação
com o rigor acerca da fidelidade, adequando ao público burguês e, consequentemente, à
mentalidade das crianças.
Efetivamente, o humanismo romântico que se fez prevalecer para o final feliz das
narrativas, somado ao estilo poético dos Grimm e à moderação acerca da fidelidade em relação
ao original popular adotada após as apreciações severas de seus pares na literatura fez resultar
em uma fórmula de sucesso, eternizando contos que, ao longo da história, poderiam ter-se
apagado da memória humana.
Diante de tantas alterações que os contos sofreram para atender aos apelos da crítica e
se enquadrar ao que, naquele momento, compreendia-se como adequado para as crianças, os
contos que, inicialmente, eram objeto de interesse para resgate nacional mediante estudos das
raízes populares germânicas passaram a ser objeto de um projeto de criação com preocupação
literária e estética. Apesar das modificações, a obra somente alcançou realmente o sucesso após
a sua tradução, em 1825, para a língua inglesa, em uma edição que se limitou à publicação de
50 (cinquenta) contos – “[...] aqueles elencados por Wilhelm Grimm como os melhores –,
justamente aqueles que acabaram por se tornar canônicos depois. Também foi esta edição
britânica a primeira a trazer as ilustrações feitas pelo outro irmão, Ludwig Grimm.” (MENDES,
2017, p. 53).
2.2. Contribuições de Figueiredo Pimentel para a literatura infantil brasileira
O público leitor infantil brasileiro, até o final do século XIX, não dispunha uma literatura
que fosse nacional. Tínhamos os contos europeus universais reunidos em obras estrangeiras ou
mesmo aqui impressas, predominantemente, em francês ou em português lusitano, o que
dificultava a sua recepção face o obstáculo linguístico e cultural. Diante disso, Pedro Quaresma
(18---19--?) idealizou um projeto direcionado às crianças, a Biblioteca Infantil, da Livraria
Quaresma. Para tanto, convidou Figueiredo Pimentel para ser o organizador da coleção. Assim,
em 1894, era lançada a primeira obra infantil de autoria do escritor macaense Contos da
Carochinha, reunindo “40 contos populares, moraes e proveitosos de varios paízes [...]”,
escritos em “[...] linguagem facil como convém ás crianças [...]” (GAZETA DE NOTICIAS,
ANO XX, n. 157, 07 de jun. 1894, p. 3)25.
De acordo com Leão (2007, p. 19), “[p]ara falar com os leitores, o romancista assumiu
a responsabilidade de entrar na pele das contadoras de histórias: as baratinhas. Essas foram as
condições para que o novo gênero criasse a própria recepção [...].” Essa foi a estética adotada
pelo autor: apresentar a narrativa bem próxima da oralidade. Nesse sentido, constitui marca do
seu processo de reescrita a inserção de muitos detalhes à narrativa, entre eles, a nomeação dos
personagens. Figueiredo Pimentel, por exemplo, dá nome à Chapeuzinho Vermelho, que em
sua adaptação chama-se Albertina, e também o faz em relação a outros muitos personagens
inominados nos clássicos europeus: o Gato de botas de Malhado, a mãe da Branca de Neve de
Laurinda, apenas citando algumas ocorrências.
É importante notar que apesar de as obras da Biblioteca Infantil terem como preceito o
deleite, elas não se afastaram das lições morais e edificantes que caracterizavam a literatura
infantil desde suas fontes primárias, visto que a presença um fundo moralizante e pedagógico
era, podemos chamar assim, uma regra para a aceitação por parte do público. No entanto, não
podemos duvidar da inovação que realiza ao abrasileirar os contos, trazendo elementos e
costumes nacionais, facilitando a linguagem com vocábulos nossos.
A obra foi um sucesso, logo após seu lançamento, a primeira tiragem de 5.000 (cinco
mil) exemplares esgotou-se em menos de um mês. Apesar disso, a obra apresentava um sério
problema quanto aos desvios ortográfico, como expõe o prefácio da segunda edição. Assim,
nessa edição ampliada, com 60 (sessenta) contos, esses problemas foram objeto de revisão. O
25
A citação retirada do site da Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional
(http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/) guarda a grafia original.
êxito de vendas se repetiu também na segunda edição, esgotando-se mais 5.000 (cinco mil)
exemplares novamente, em pouquíssimo tempo. Esse sucesso de vendagem demonstra que a
fórmula de Figueiredo Pimentel foi bem recebida pelo público infantil, de modo que outras
obras da mesma coleção, de autoria desse escritor e de outros, foram lançadas pela Livraria
Quaresma, após Contos da Carochinha: Teatrinho Infantil, Histórias da Avozinha, O reino das
Maravilhas, Histórias do Arco da Velha, Os Meus Brinquedos, A Árvore de Natal, Histórias
do País de Ali-Babá, Contos do País das Fadas, Histórias da Baratinha, Histórias Brasileiras
e Álbum das Crianças.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ouvindo aquela voz áspera e dura, tiveram grande medo, mas como continuavam
famintos, tornaram a comer.
Então surgiu uma velha hedionda, muito baixinha, com uma boca enorme, nariz de
papagaio, toda preta e olhos verdes. (PIMENTEL, 1958, p. 36).
Embora nessas duas versões, a personagem tenha assim sido apresentada, ou seja, sem
disfarce de seu aspecto horroroso, posteriormente, ela mostra um “lado bom”, oferendo mais
comida, cama e proteção, para a posterior execução da sua intenção de devorá-las. Na versão
dos Grimm, a personagem não é logo apresentada sob o viés negativo:
[...] João já tinha se servido de um bom pedaço do telhado e Maria, depois de ter
comido algumas vidraças redondas, estavam justamente quebrando mais um pedaço
quando ouviram uma voz fina vinda de dentro: “Crec crec, isca isca! Quem minha
casinha petisca?”
João e Maria levaram tamanho susto que deixaram cair o que tinham nas mãos e logo
em seguida viram uma velhinha bem franzina saindo pela porta. Ela balançou a cabeça
e disse: “Oi, crianças, como vieram parar aqui? Entrem comigo que irão passar bem.”
(GRIMM; GRIMM, 2014, p. 88).
Outro ponto de afastamento é o elemento mágico. No conto dos Grimm, não há qualquer
elemento caracterizador do conto maravilhoso, as crianças encontram a casa da bruxa e
retornam para casa sozinhas, sem o auxílio de qualquer elemento exterior às próprias ações. Já
em Figueiredo Pimentel, um passarinho branco os conduz à casa da bruxa, para salvá-los da
fome; depois também um passarinho branco alerta a menina da má intenção da bruxa, ao
ordená-la a entrar no forno; os passarinhos que comeram os farelos de pão que João deixou pelo
caminho presentearam as crianças com pérolas e joias preciosas antes do regressarem para casa;
um cisne atendeu o pedido dos meninos para ajudá-los a atravessar um lago; e, por fim,
novamente o passarinho branco os leva para casa. Na versão de Ferreira e Pax, o pássaro branco
também aparece, mas a sua interferência só se dá para levá-los até a casa da bruxa. Na HQ, sua
intervenção não parece benéfica como em Figueiredo Pimentel, tendo em vista que seu canto
os acorda para conduzi-los até a velha malvada como se fosse um aliado desta, assim, sua
intervenção não vem ao auxílio dos pequenos como no conto do escritor oitocentista.
Os desfechos das narrativas também são construídos com aspectos distintos nas três
narrativas. Na versão dos irmãos, as crianças voltam para casa sozinhas com as pedras preciosas
e pérolas que estavam pela casa da bruxa, e ao, chegarem, são recebidas com felicidade pelo
pai: “O pai ficou muito feliz ao revê-las, não tinha tido nenhum dia de alegria desde que as
crianças partiram e agora era um homem rico. A mãe, porém, havia morrido.” (GRIMM;
GRIMM, 2014, p. 88). Em Figueiredo Pimentel, a mãe não tem um final marcado pela perda e
pela indiferença como punição dos atos como nos Grimm. Além disso, a narrativa mostra que
mãe se arrepende de sua decisão de ter abandonado os filhos:
Com os presentes que os passarinhos fizeram, estavam ricos, e não tinham mais a
recear a miséria, a fome e o frio. (PIMENTEL, 1958, p. 40).
Ferreira e Pax, por sua vez, como nos Grimm, supre a presença da mulher adulta – a
madrasta no caso da HQ. As ilustrações juntamente com as falas dos personagens e a voz do
narrador, apresentam cenas que representam nesta sequência: o retorno das crianças, a recepção
pelo pai que está prestes a matar um coelho – provavelmente para saciar sua fome – o abraço
dos três personagens, a exibição das joias que as crianças carregavam consigo, e por fim, o final
feliz. Tudo, portanto, sem qualquer sinal na madrasta.
Figura 7 - Ilustração representativa do desfecho da narrativa na adaptação de Ferreira e Pax
[o] verbal ganha a dimensão gráfico-visual [... pois], nos quadrinhos, a linguagem
verbal, bem como a não-verbal, assume um caráter altamente visual. As palavras se
inserem no cenário como as figuras e, se bem explorado, tal recurso amplia as
possibilidades comunicativas do meio. (OLIVEIRA, 2014, p. 39).
O que significa dizer que, enquanto, na literatura, o leitor se apropria da história por
meio da narração e da descrição – ou seja, pelo uso da palavra –, na HQ, há passagem do contar
para o mostrar predominantemente, assim, o espaço ficcional, as expressões faciais e gestuais
dos personagens podem ser representadas graficamente, não dependendo da linguagem verbal.
Quanto ao processo de abrasileiramento de Figueiredo Pimentel apontado por
estudiosos como Leão (2007), o corpus deste estudo não nos permitiu tal verificação uma vez
que a versão dos irmãos Grimm também é brasileira. No entanto, a nomeação de personagens,
característica de sua estética bem próxima da oralidade, é comprovada tendo em vista que o
lenhador pai das crianças é chamado de Manuel, e sua esposa, a mãe de João e Maria é
Margarida: “Manuel era um pobre lenhador que vivia com sua mulher margarida e dois filhos
[...].” (PIMENTEL, 1958, p. 34).
Ainda quando a linguagem verbal, na versão de Ferreira e Pax, há a atualização
linguística com a inserção de termos que demarcam a oralidade atual, quando a o pai diz no
meio da floresta: “Vamos parar aqui, gente!” (2007, p. 62); quando o pai adverte João: “Deixa
disso, moleque.” (2007, p. 63); nos diálogos dos irmãos: “Mano, tô com medo.” (2007, p. 63),
e no desfecho quando a frase paradigma dos contos de fadas “E viveram felizes para sempre.”
é substituída por: “E eles viveram juntos na maior felicidade.” (2007, p. 73).
4. CONCLUSÃO
A partir da análise que empreendemos, pudemos perceber que embora o conto “João e
Maria” na versão dos Grimm tenha mais de 200 anos, seu enredo não se afasta totalmente na
primeira reescritura brasileira, a realizada por Figueiredo Pimentel, nem na HQ, versão dotada
de uma linguagem contemporânea de Ferreira e Pax, confirmando a assertiva de Oliveira (2014,
p. 14), no sentido de que os contos de fundamentais, no decorrer das adaptações que sofrem no
transcurso do tempo, “[...] permite o reconhecimento quase que imediato do leitor/receptor,
tornando assim o diálogo entre obras mais efetivo, aspecto este, [...] altamente relevante quando
do estabelecimento de uma relação intertextual entre obras e artes.”
As diferenças apontadas não impedem que o leitor possa perceber que a raiz das
narrativas é a mesma, e suas semelhanças não objetam leituras conjugadas, pelo contrário, a
leitura de variadas versões permite o letramento do leitor e refina o seu gosto estético,
possibilitando-lhe a construção de um olhar crítico sobre o texto literário, bem como sobre
outras expressões artísticas como a HQ ou mesmo o cinema e as artes plásticas.
REFERÊNCIAS
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil – teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna,
2000.
FERREIRA, Carlos; PAX, Walter Pax. Hansel e Gretel. In (Diversos autores) Irmãos Grimm
em quadrinhos. Rio de Janeiro: Editora Desiderata, 2007.
LEÃO, Andréa Borges. Publicar contos de fadas na Velha República: um compromisso com a
nação. Comunicação & Educação, v. 12, n. 3, 2007.
MENDES, Franciele Lima de Oliveira. “A mais bela dama”: As ressignificações do feminino
em adaptações (2012-2013) do conto “Branca de Neve”. Dissertação (Mestrado em Letras).
Pelotas: UFPEL, 2017.
OLIVEIRA, Cristina de. Quadrinhos, literatura e o jogo intertextual. In: RAMOS, Paulo;
VERGUEIRO, Waldomiro; FIGUEIRA, Diego. Quadrinhos e Literatura diálogos possíveis.
1ª ed. São Paulo: Criativo, 2014, p. 37-54.
PIMENTEL, Figueiredo Pimentel. Contos da Carochinha. 25ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Quaresma, 1958.
A REFORMA TRABALHISTA E A HIPERVULNERABILIDADE DA
TRABALHADORA
Jailton Macena de Araújo26
Nayra Luíza Vilarim Pereira27
Resumo
1 INTRODUÇÃO
Uma das alterações realizadas pela Reforma Trabalhista teve como objeto a redação do
art. 394-A da Consolidação das Leis Trabalhistas. Inserido na CLT pela Lei 13.287, de 11 de
maio de 2016, o mencionado dispositivo determinava o afastamento imediato da empregada
gestante e da lactante, que laborassem em ambientes insalubres, assim que o seu estado fosse
do conhecimento do empregador. A trabalhadora deveria assumir outro posto de trabalho, na
mesma empresa, que não fosse caracterizado pela insalubridade
Desse modo, o art. 394-A tinha como cerne não apenas a saúde das empregadas, mas
sobretudo os cuidados especiais necessários ao início da vida humana, representando uma
conquista não só em termos de direito do trabalho, mas de saúde pública também. Buscava-se
conferir máxima efetividade a valores constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a
vedação da discriminação no ambiente de trabalho, em virtude do gênero.
No entanto, a Lei 13.467/2017 muda este cenário e torna regra o trabalho, em condições
mórbidas, da mulher gestante ou lactante, de maneira a condicionar a sua realocação à
26 Professor Doutor em Direito pela UFPB. Docente Permanente do PPGCJ da UFPB. E-mail:
jailtonma@gmail.com
27 Graduanda do curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba, atualmente cursando o décimo período. E-
mail: nayravilarim@outlook.com
apresentação de atestado médico, bem como, ao grau de insalubridade ao qual encontra-se
sujeita, colocando abaixo todo o apoio e segurança que haviam sido concedidos a essas
trabalhadoras. O novo art. 394-A da CLT, de modo abusivo, obriga a empregada a continuar o
seu trabalho em ambientes que, por si só, são considerados nocivos a uma pessoa em estado
biológico normal, isto é, na ausência de gravidez e de aleitamento.
É quase impossível que uma trabalhadora, que já se encontra na mira do empregador
por ter engravidado (ou seja, hipervulnerável), se insurja contra a regra e arrisque a sua fonte
de renda, apresentando voluntariamente um atestado médico que lhe impeça de exercer a
atividade ou função que lhe foi atribuída pelo patrão. Daí porque o dispositivo em questão
também configura como cláusula abusiva. Assim, buscar-se-á apontar a hipervulnerabilidade
das trabalhadoras gestantes e lactantes, além de um meio de enfrentamento a toda esta situação.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Lei 13.467/2017 foi aprovada praticamente na surdina, não havendo sido realizada
qualquer espécie de consulta aos principais interessados e destinatários das normas alteradas, o
que coloca sob suspeita as modificações. Seus defensores, em sua grande maioria empresários,
justificaram a necessidade de uma mudança na legislação trabalhista, nos ditames da Lei
13.467/2017, com base na Teoria da Flexibilização, segundo a qual os direitos trabalhistas e,
em consequência, o gasto elevado que se tem com os empregados é que são a causa do
desemprego e do não desenvolvimento da economia. Sobre esse aspecto, afirma Jorge Luis
Souto Maior:
O empresariado, com o apoio dos governantes, utiliza falácias como essa para justificar
a supressão de direitos e garantias. Na verdade, o que realmente se apresenta como um gasto
oneroso às empresas é a altíssima carga tributária do Brasil, dinheiro que vai direto para os
cofres públicos e que nem os cidadãos nem os empresários vêm retorno para a vida comunitária.
Conseguir uma vaga numa creche da prefeitura, por exemplo, para deixar o filho enquanto se
trabalha é um feito quase impossível. As vagas paras as poucas creches existentes são escassas.
Os custos com mão-de-obra, no Brasil, estão entre os mais baixos do mundo
(SANT’ANNA, 2012). O desemprego, desse modo, é gerado por um conjunto de fatores alheios
ao direito do trabalho. Assim, se os direitos trabalhistas não são o motivo do desemprego, sua
desregulamentação nada irá contribuir para o aumento da contratação de mão-de-obra. Não
obstante, essa falsa premissa tem avançado sem ressalvas, destruindo a legislação trabalhista, a
exemplo da permissão para as trabalhadoras em estado gestacional ou de lactação
desempenharem atividades nocivas à saúde e segurança.
O trabalho das empregadas gestantes e lactantes em locais insalubres é regulado pelo
artigo 394-A, inserido na Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei. n. 13.287 de 11 de maio
de 2016, e originalmente vedava, o trabalho tanto de empregadas gestantes, quanto de lactantes
em atividades, operações e locais insalubres. A partir do momento que o empregador tivesse
ciência da condição da trabalhadora deveria afastá-la da tarefa ou do ambiente nocivo, devendo
recolocá-la em outra função na empresa, que não possuísse tal característica.
Na hipótese de a empresa não ter uma unidade ou outra atividade isenta de
insalubridade, a empregada gestante ou lactante deveria ser afastada na modalidade licença
remunerada, paga pelo empregador.
Porém, a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, modificou a redação do referido
dispositivo. Agora, o legislador faz uma distinção entre a trabalhadora gestante e a lactante.
Antes, ambas não podiam, de forma alguma, trabalhar em local deletério, devendo ser
imediatamente retiradas ou realocadas, independente de atestado médico. Com a mudança, só
a gestante pode ser automaticamente afastada da atividade mórbida, contudo, somente se esta
tiver grau máximo de insalubridade.
No caso de a função desempenhada pela grávida ser de grau médio ou mínimo de
insalubridade, esta apenas será afastada do local de trabalho mediante apresentação de atestado
médico, a fim de que este faça prova do real potencial de dano que a exposição ao agente nocivo
possa causar à trabalhadora e ao bebê. A lactante, por sua vez, ainda mais prejudicada, só terá
o direito de ser apartada do seu ambiente de trabalho através de atestado médico, em qualquer
grau de insalubridade. Desse modo, são fortes as implicações sociais trazidas pela Reforma
Trabalhista, tornando-se evidente a redução da condição de mulher às circunstancias biológicas
e socioeconômicas.
3 METODOLOGIA
A pesquisa foi desenvolvida através de uma abordagem hipotético-dedutiva a partir da
análise do conflito social decorrente da alteração do art. 394-A da CLT pela Reforma
Trabalhista, para deduzir as consequências e apresentar possíveis propostas de solução para as
adversidades que as empregadas em estado gestacional e de lactação terão que enfrentar para
manter seus postos de trabalho e como esse enfrentamento pode ser feito, observando-se os
princípios da dignidade da pessoa humana e a vedação da discriminação em razão do
sexo/gênero.
Os métodos de procedimentos foram o monográfico e o funcionalista. O método
monográfico fora empregado uma vez que partindo do estudo da alteração normativa, no que
diz respeito ao trabalho de grávidas e lactantes em locais insalubres, foram examinados os seus
possíveis resultados a fim de se obter o impacto causado na vida das trabalhadoras em geral,
enquanto mulheres e mães. Já por meio do método funcionalista, estudou-se a trabalhadora do
mencionado art. 394-A como parte de um todo social organizado por atividades.
Relativamente às técnicas de pesquisas, a pesquisa documental indireta foi aqui adotada,
tendo em vista que o levantamento de dados será realizado mediante pesquisa documental e
bibliográfica.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Embora seja sabido que os primeiros momentos da vida do bebê são determinantes para
a sua saúde e o seu desenvolvimento, a legislação obriga a sua presença em locais de trabalho
insalubres, ainda quando se encontra no ventre materno, bem como, ao sair dele, durante os
seus primeiros e vitais suspiros, quando estabelece, como regra, que a sua mãe lactante - e,
portanto, que funciona como uma espécie de órgão externo essencial à sua sobrevivência, posto
que sua alimentação depende totalmente dela – labore em lugar morbífico, de condições
sanitárias precárias, duvidosas ou de risco.
Faz-se pertinente o uso do termo obrigar, no início do parágrafo anterior, porque
determinar que a parte mais frágil, logo vulnerável, da relação empregatícia que já se encontra
em um momento bastante delicado, repleto de tensão, produza uma prova acerca daquilo que é
óbvio, uma vez que os locais de trabalho deletérios são intrinsicamente fornecedores de risco à
saúde e à vida delas e das suas crias, implica em não lhe fornecer outra alternativa, senão o
próprio trabalho insalubre.
Na legislação consumerista, a vulnerabilidade é requisito imprescindível para que o
indivíduo seja considerado consumidor e, por conseguinte, suscetível ao fornecedor. No que
diz respeito à hipervulnerabilidade, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor prevê, no
art. 37, §2°28 e no art. 39, inciso IV29, alguns grupos de consumidores que são mais facilmente
desarmáveis que os demais, em razão de alguma condição que lhe diz respeito. Como é o caso
de pessoas pobres, idosos, crianças, bebês, portadores de necessidades especiais e aqueles
contaminados com o vírus HIV, por exemplo.
Assim, percebe-se que o grau de vulnerabilidade do ser humano varia conforme a sua
idade, sua saúde, seu desenvolvimento psicossocial e sua capacidade de determinação perante
às situações, por exemplo. Em algumas circunstâncias, apresenta-se tão vulnerável, quando
comparado aos demais, que passa, então, a ser portador de uma hipervulnerabilidade, mesmo
que, em diferente oportunidade, não possa ser assim considerado.
Analogamente, a trabalhadora gestante e lactante do art. 394-A da CLT encontra-se ao
bel prazer do empregador, posto que no estado em que se encontram não reúnem condições de
emitir um posicionamento contrário ao do patrão, já que a circunstância na qual se encontram,
por si só, é capaz e provocar um rompimento futuro do vínculo empregatício. Essa situação,
por seu turno, torna clara a hipervulnerabilidade dessa trabalhadora mãe.
Dessa maneira, as empregadas grávidas, bem como, aquelas que amamentam
constituem uma categoria específica de trabalhadores que, exclusivamente em razão do estado
em que se encontram, necessitam de uma proteção especial do Estado, assim como os
consumidores idosos, crianças e portadores de necessidades especiais, por exemplo.
É preciso, então, que se tome consciência dessa singular categoria de direito material –
a hipervulnerabilidade - a que pertencem as trabalhadoras grávidas ou que amamentam, para
que essas mulheres recebam um tratamento capaz de amenizar tudo o que as coloca em
desvantagem numa relação de emprego, até porque o estado em que estão equivale à prestação
de um serviço, por assim dizer, à sociedade e à espécie humana, contribuindo, em maior escala,
29 Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada
pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
IV - Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde,
conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
para a perpetuação da nação e conferindo a possibilidade de um futuro para o país, o que deveria
ser valorizado, acolhido e protegido.
Por conseguinte, por ocasião das transformações físicas, hormonais e emocionais,
acarretadas pela gravidez ou pela lactação e das suas implicações no âmbito do trabalho, a
Consolidação das Leis Trabalhistas (Decreto-Lei 5.452/43), a exemplo da Lei n. 8.078/90,
deveria trazer, expressamente, em algum de seus dispositivos a imposição da vedação ao
empregador de favorecer-se das trabalhadoras gestantes e lactantes, que exercem funções ou
realizam atividades em ambientes insalubres, mantendo-as em seus postos de trabalho a
depender da apresentação ou não de atestado médico.
Nesse sentido, o art. 394-A da CLT, do ponto de vista contratual, deve ser entendido
como uma cláusula abusiva, nos moldes do art. 51, inciso IV 30 do CDC, e, dessa maneira,
considerado nulo de pleno direito. É um direito básico do consumidor a proteção contra práticas
e cláusulas abusivas, impostas quando do fornecimento do produto ou serviço, nos termos do
art. 6°, inciso IV do CDC. Logo, também deve ser um direito básico da empregada grávida ou
que amamenta não ter contato com fatores que podem vim a prejudicar a sua saúde e a do seu
bebê.
Ao considerar a possibilidade de trabalho da gestante e da lactante em locais insalubres
como cláusula abusiva, o Estado estaria reconhecendo a hipervulnerabilidade da trabalhadora e
assumindo que tal disposição parte exclusivamente do querer do empregador, contra o qual a
empregada não reúne condições de enfrentamento, em virtude da maternidade não ser vista com
bons olhos no mundo do trabalho.
A abusividade, na legislação consumerista, é analisada sob a perspectiva da boa-fé
objetiva, não sendo exigida para a sua configuração dolo ou culpa da parte do fornecedor. Assim
também deve funcionar na seara trabalhista, não sendo necessária a análise da intenção do
empregador ao permitir a empregada continuar desempenhando atividade insalubre; se
realmente quis gerar qualquer tipo de ônus para ela.
Basta a simples aplicação do art. 394-A, para que a disposição, através do controle
difuso de constitucionalidade31, seja considerada nula de pleno direito e, consequentemente, ser
30 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos
e serviços que:
IV - Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade
31 São vários os dispositivos constitucionais por violados pelo referido dispositivo, dentre os quais
encontram-se: a proteção ao trabalho da mulher; redução de riscos inerentes ao trabalho; o primado
a trabalhadora realocada na empresa, de maneira que passe a laborar em condições desprovidas
de agentes mórbidos e nocivos.
Ainda, com a Reforma Trabalhista, o enquadramento do grau de insalubridade também
pode ser objeto de negociação coletiva. No entanto, como visto, a trabalhadora gestante e
lactante tem o seu grau de autonomia da vontade bastante reduzido, não conseguindo se opor
aos anseios do patrão, de modo que deve ser considerada nula toda e qualquer negociação com
ele realizada, da qual resulte consequências onerosas para a empregada, haja vista que serão
resultantes privativamente da vontade do empregador.
Dessa forma, o Poder Judiciário, também em sede de controle difuso de
constitucionalidade, visando a harmonia e coordenação das normas do ordenamento jurídico
brasileiro e a efetiva observância dos preceitos constitucionais, além de decretar o caráter
abusivo da redação do art. 394-A da CLT precisa fazer o mesmo com o art. 611-A, inciso XII,
também da Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de que, analogamente ao que acontece na
legislação consumerista, sejam consideradas nulas de pleno direito não só as cláusulas que
resultarem no trabalho da mulher gestante ou lactantes em situações marcadas pela
insalubridade, mas também, quando o grau de insalubridade for negociado entre o empregador
e as trabalhadoras, com vistas a permitir a referida situação.
Observa-se, então, que os dispositivos em questão são, de fato, um retrocesso para o
direito do trabalho, enquanto um dos pilares dos direitos sociais e extremamente importante
para o desenvolvimento de um país, uma vez que este envolve não somente o crescimento
econômico, mas o avanço social, político e cultural.
5 CONCLUSÃO
pelo trabalho tanto na ordem social, quanto na ordem econômica; o direito à saúde; proteção à
maternidade, especialmente à gestante; a proteção à família e à infância e a sadia qualidade de vida.
Assim, inserir essa trabalhadora na categoria de hipervulnerável (ou seja, considerá-la
totalmente indefesa junto ao empregador), propiciando o seu afastamento do ambiente de
trabalho insalubre a partir da presunção absoluta da existência do dano causado pela exposição
ao agente nocivo, sem a necessidade da posterior comprovação da ocorrência do dano por via
de atestado médico, significa que, além da saúde e da segurança da empregada e do seu bebê,
também se estará protegendo o seu vínculo empregatício e, numa visão mais abrangente, o
próprio trabalho feminino e o desenvolvimento do país.
Para tanto, até que o referido artigo seja efetivamente revogado. O Estado, através do
Poder Judiciário, na atividade dos magistrados, quando da análise do caso concreto, devem
realizar um controle difuso de constitucionalidade, haja vista que as mudanças perpetradas pela
Reforma Trabalhista e aqui trabalhadas representam uma afronta à inúmeros preceitos
constitucionais, de modo a considerar como cláusula abusiva do contrato de trabalho as normas
que permitem o labor da trabalhadora em estado gestacional ou de lactação em atividades,
funções ou ambientes deletérios, bem como, os acordos estabelecidos em sede de negociação
coletiva que versem sobre o enquadramento do grau de insalubridade, com o intuito de
assegurar o trabalho da gestante ou da lactante em condições insalubres.
6 REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo Luís Coltro. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia
do trabalho. São Paulo. Boitempo. 2006
ARAÚJO, Jailton Macena de. Função emancipadora das políticas sociais do estado
brasileiro: conformação das ações assistenciais do programa bolsa família ao valor social do
trabalho, tese (doutorado em direito), 2016, 399f. Programa de Pós-graduação em Direito.
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2016.
BENJAMIM, Antônio Herman V., MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de Direito do Consumidor. 5. Ed. rev. e atual. São Paulo. Revista dos Tribunais,
2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 03 de
agosto de 2018.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009.
DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª Ed. São Paulo: LTR,
2017.
SOUZA, Maria Carolina Rosa de. Cláusulas contratuais abusivas nos contratos de
consumo. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11277&revista_caderno=10#_
edn31> Acesso em: 16 de outubro de 2018.
ALGUNS PARALELOS ENTRE THOR E PERUN, DIVINDADES
ESCANDINAVA E ESLAVA DO TROVÃO
Resumo
Thor e Perun eram, respectivamente, as divindades escandinava e eslava do trovão, presentes
nos pantões das religiões pré-cristãs desses povos. Nosso objetivo é analisar três fontes literárias
medievais e nelas identificar se há alguma semelhança no modo como os dois deuses foram
descritos ou, então, se possuíam atributos e áreas de regência similares. Nos propusemos a
investigar a Crônica Primária Russa, o Landnámabók e a Eyrbyggja Saga. Enquadramos nosso
trabalho metodologicamente nos conformes estipulados por Schjødt, caracterizando-o enquanto
proposta de um comparativismo genético, ou seja, na realização de uma comparação entre os
sistemas mitológicos e religiosos de dois povos que estiveram em contato durante sua história.
Terminamos evidenciando aspectos entre os dois deuses que de fato se mostraram semelhantes,
como suas ligações com os trovões, fenômenos atmosféricos e a fertilidade, suas características
bélicas e suas funções de protetores dos homens e da comunidade.
Objetivos e Metodologia
Propusemos realizar um trabalho de cunho qualitativo, que investigaria exclusivamente
fontes literárias para elucidar possíveis comparações e analogias. Assim sendo, nosso objetivo
era investigar de que maneira Thor e Perun foram retratados em algumas fontes medievais
específicas que tenham proposto, em alguma medida, oferecer descrições desses deuses e seus
atributos.
Nosso estudo se encontra inserido na proposta comparativa de Schjødt (2017),
categorizado no que ele classificou como comparativismo genético. Este consiste em eleger
alguma unidade de comparação dentro de um sistema mítico-religioso (um deus, um ritual, uma
entidade, etc.) e, então, compará-la a outra unidade possivelmente análoga dentro de outro
sistema mítico-religioso. Contudo, para que a comparação se caracterize como genética, os dois
povos e religiões a ser comparados devem necessariamente ter estabelecido contatos e
intercâmbios um com o outro dentro de seu devir histórico (SCHJØDT, 2017). Conforme
sabemos, os vikings Rus, originários da região da atual Suécia, adentraram o leste Europeu e
fundaram o principado de Kiev, mantendo o controle dessa região e de seus povos nativos –
eslavos –. Posteriormente, esses escandinavos assimilaram outras tribos eslavas e assumiram o
controle e a regência também de Novgorod (DUCZKO, 2004; LOGAN, 1991).
Elegemos, para nossa análise da figura de Thor, trechos de dois materiais literários. A
primeira delas é a Eyrbyggja Saga, obra de autoria anônima e pertencente ao subgrupo de sagas
chamado Íslendingasögur – ou, “Sagas de Distrito”-. Ela versa sobre as peripécias de diversos
personagens quando do período de colonização da Islândia. Para nós, o mais interessante está
nas descrições que a narrativa oferece dos primeiros colonos islandeses e de suas respectivas
crenças pagãs. Dentre eles, o mais interessante é Þórólfr, o “Barbudo de Mostur”, que é descrito
seguindo pela costa do mar enquanto procurava um local ideal para seu assentamento. Em seu
barco ele carregava um mastro com a efígie de Thor, retirada de um templo dedicado ao deus e
localizado originalmente na Noruega (ANTÓN, 2018). O outro material a ser analisado, o
Landnámabók, é uma obra em que encontramos narrativas detalhadas acerca da colonização da
Islândia por parte dos noruegueses quando nos séculos IX e X (OLIVEIRA, 2018).
Já as informações sobre Perun foram retiradas da Crônica Primária Russa, conhecida
também como Crônica dos Anos Passados ou Crônica de Nestor. Ela foi escrita em Kiev, no
início do século XII e, do ponto de vista histórico e religioso, consiste na obra de maior extensão
e importância sobre os Rus – escandinavos suecos – que chegaram a Kiev. A Crônica
proporciona informações indispensáveis a respeito de fatos históricos, dos cultos religiosos e
panteão de deuses de várias tribos eslavas (LA PUENTE, 2017).
Gostaríamos de ressaltar que certamente existem inúmeras outras fontes descrevendo as
atribuições mitológicas a as áreas de regência desses deuses. Contudo, selecionamos essas obras
devido ao seu caráter cronístico ou, no caso das obras islandesas, que (supostamente) pretendem
narrar acontecimentos históricos quando do período de colonização, ao contrário de materiais
como as Eddas, por exemplo, cujo viés é essencialmente mitológico.
“Então Vladimir começou a reinar sozinho em Kiev e mandou erguer, em colinas fora
do castelo, estátuas de ídolos: uma de Perun, feita de madeira com a cabeça em prata
e um bigode de ouro, e outras de Khors, Dazh’bog, Stribog, Simar’gl e Mokosh. As
pessoas faziam sacrifícios a eles, chamando-os de deuses, e traziam seus filhos e filhas
para sacrificá-los a esses demônios. Eles profanavam a terra com essas oferendas, e
toda a terra dos Rus e essas colinas eram manchadas com sangue” (Russian Primary
Chronicle, 1953; p. 93).
Mesmo não tendo sido nosso objeto de análise, a obra Heimskringla de Snorri Sturluson,
escrita por volta de 1230, curiosamente descreve uma estátua de Thor adornada com os mesmos
metais preciosos (Heimskringla; 2011, cap. 69). O adorno em metais preciosos pode ser um
forte indicativo de que, tanto para os eslavos quanto para os escandinavos, suas respectivas
divindades do trovão eram altamente estimadas. De volta à Crônica Primária, a obra também
narra que, quando acordos comerciais ou militares eram feitos, os eslavos desembainhavam
suas espadas e faziam o juramento de manter sua palavra em nome de Perun. Quando o príncipe
Oleg e seus homens firmaram um tratado de paz com os bizantinos, “[os homens de Oleg]
juraram por suas espadas e por seu deus Perun, e por Volos, o deus do gado, confirmando,
assim, o acordo” (Russian Primary Chronicle, 1953; p. 38). A Crônica também nos descreve as
consequências que cairiam sobre aquele que quebrasse seu juramento, pois “se qualquer
príncipe ou russo, cristão ou não, violar os termos deste contrato, ele encontrará sua morte,
trazida por suas próprias armas, e será amaldiçoado, tanto por Deus quanto por Perun, por ter
violado seu juramento” (Russian Primary Chronicle, 1953, p. 77).
Portanto, conforme a Crônica, era em nome de Perun que os príncipes e guerreiros de
elite faziam seus juramentos, sendo também pelas mãos dele que sofreriam as consequências –
a morte - caso faltassem com sua palavra. O ato de jurar em nome de um deus revela ser ele de
extrema importância e, no caso de Perun, talvez o delegue o status de uma divindade suprema.
É de relevância ressaltar que o culto a Perun transitava entre duas camadas distintas da
sociedade, atendendo às necessidades dos guerreiros de elite, príncipes e aristorcratas, fosse
para atuar em seu favor durante as guerras, fosse para sacralizar seus juramentos; e igualmente
entre os camponeses, que podiam visitar sua estátua fora dos muros dos grandes castelos, nas
colinas, para realizarem sacrifícios e pedir pelo que necessitavam. Essa maleabilidade de Perun
é semelhante à de Thor, que era parte integrante dos gloriosos feitos heróicos contados em sagas
e poemas escáldicos para entreter a aristocracia nórdica dos grandes salões, mas a quem os
camponeses rezavam para pedir ajuda em questões pragmáticas e aumento da fertilidade dos
campos (SALO, 2014).
Outro paralelo existente, que não foi aqui explorado por questão de recorte, é fruto de
uma evidência linguística. É possível que haja alguma conexão entre a arma de Thor, o martelo
mjöllnir, e a palavra russa para designar justamente os raios, que é molnija – молния -
(KRAPPE, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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AS FACETAS DE DIONISO N’AS BACANTES, DE EURÍPIDES
RESUMO
Dioniso é o deus mais misterioso do panteão helênico, mas sua influência atravessou as
fronteiras do mundo helênico, tornando-o um mentor de outras vertentes religiosas. É
perceptível a composição ambígua dessa figura enigmática e misteriosa através das obras em
que se faz presente. Em um momento ele oferece benefícios aos seus devotos, em outro, está
festejando com seu séquito nas festas dedicadas a si. Ele também deixa sua ira transparecer,
executando os infiéis, ou se transformando em leão, ou até transformando pessoas em animais.
Tendo em vista essa caracterização dada ao deus na tradição literária da antiguidade, propõe-se
neste trabalho, analisar na peça As Bacantes, de Eurípides, a atuação deste deus, e o seu aspecto
sagrado na religiosidade grega.
INTRODUÇÃO
A obra As Bacantes de Eurípides é a única tragédia que nos chegou, dedicada a Dioniso.
A peça narra a vingança de Dioniso contra Penteu e sua família após este juntamente a sua mãe
e tias, ter negado a ascendência divina do deus, filho de Sêmele, filha de Cadmo.
Este artigo então consiste em uma análise de duas facetas de Dioniso que podemos
identificar na obra através da ação e dos discursos proferidos pelo próprio deus e por alguns
personagens que compõe a peça: o Dioniso consolador, que traz alegria aos homens e o Dioniso
vingador, aquele que pune os mortais que cometem hýbris. A importância do tema centra-se
basicamente nessa dualidade percebida em Dioniso, que, muitas vezes, é reconhecido de forma
superficial como detentor do vinho e da euforia. A partir desse pretenso estudo sobre a imagem
do deus na tragédia, novas possibilidades e olhares sobre o tema em questão poderão surgir,
enriquecendo ainda mais o leque de interpretações sobre essa deidade considerada polêmica na
mitologia greco-latina.
Para fundamentar o percurso de análise, utilizou-se Junito de Souza Brandão cujo
compêndio apresenta generalidades sobre o tema e Jaqueline de Romilly que fixa sua
abordagem no gênero trágico. Além desses, a Poética de Aristóteles dá-nos base sobre a
essência da tragédia e As duas máscaras de Paul de Saint-Victor nos auxilia no entendimento
de algumas tragédias individualmente, situando-nos em uma visão geral e também esmiuçada
do corpus da nossa pesquisa. Usamos a edição Le Baccanti editado por Vincenzo Di Benedetto
para a referenciação dos versos e a edição das tragédias de Eurípides, publicado pela editora
Verbo, para a leitura e análise.
O trabalho foi dividido em três seções. A primeira está assentada em uma
contextualização do autor e obra, enfatizando os aspectos mais relevantes sobre Eurípides e As
Bacantes, a fim de introduzir o leitor no universo do tragediógrafo e da sua criação literária. A
segunda parte centra-se em uma perspectiva sobre Dioniso e seu mito, direcionando o olhar
para a assimilação do deus na tragédia em questão. A análise do corpus localiza-se na última
seção, em que é traçado um prisma ambivalente que norteia a figura de Dioniso.
Nascido apenas quinze anos após Sófocles, Eurípides vivia em uma época intelectual
completamente diferente de seu antecessor. Não viveu a gloriosa Era de Atenas, pelo contrário,
presenciou a ascensão da filosofia, período em que o movimento se enraíza e se solidifica,
levantando questionamentos acerca da existência dos deuses, e a guerra do Peloponeso, que
após 27 anos de batalhas, causou a ruína do império ateniense. “A desordem em que se debatem
seus personagens deve-se, provavelmente e em grande parte, a essa atmosfera de desencanto”
(ROMILLY, 1998, p. 101), sua carreira literária causou grande impacto, como é
frequentemente referenciado por Aristófanes32, porém nunca alcançou uma aprovação
expressiva, pois só foi vencedor de concursos por quatro vezes. Não participou da vida política
de Atenas e, no fim de sua vida, deixou a cidade para viver na corte do rei da Macedônia, onde
morreu em 406 a.C.
Eurípides bebeu na calamidade da guerra do Peloponeso para a criação de suas tragédias.
Isso pode ser notado em pelo menos três de suas obras dedicadas às prisioneiras troianas e à
ruína de Tróia, sendo elas Andrômaca, Hécuba e As troianas.
O tragediógrafo trouxe, em seu teatro, ideias novas e conceitos contemporâneos.
Brandão, em Teatro Grego, descreve as tragédias de Eurípides como ‘colcha de retalhos’ por
este autor estar mais aberto às mudanças e influências da sociedade que seus predecessores,
absorvendo isso, com fluidez, em sua escrita. Pode-se afirmar que Eurípides renovou o gênero
32
Em Acarnenses.
trágico, com suas obras, trazendo reviravoltas, sentimentos, heróis mais humanos e menos
divinos, personagens vívidos em suas tragédias que se movem pelo impulso de suas paixões
como em Medéia, deuses vingativos e implacáveis em toda sua crueza conforme podemos ver
em As Bacantes, composição literária, anunciada por Saint-Victor como “o mais belo
monumento dionisíaco que a antiguidade nos transmitiu”(2003, p. 556).
A obra narra o terrível fim de Penteu, rei de Tebas. No prólogo, temos um extenso
diálogo do próprio deus Dioniso que faz uma prolepse do que irá acontecer ao longo da peça.
O deus personifica-se em um sacerdote de si mesmo e deixa prodígios seus no túmulo de sua
mãe fulminada. Em seguida, Dioniso descreve as cidades pelas quais já passou e instituiu seu
culto: na Lídia, na Frígia e na Pérsia que são regiões vistas como bárbaras pelos gregos. Em
seguida, destaca Tebas:
Tebas é a primeira cidade helênica (grega) em que esse novo deus (Dioniso) instituirá
seu culto. Podemos apontar aqui um valor pessoal e significativo dessa cidade para o deus, o
que leva-o a instaurar seu culto nestas terras primeiramente. Tebas é a cidade de sua mãe
Sêmele, onde foi fulminada e onde Dioniso teve seu primeiro nascimento (EURÍPIDES, As
Bacantes, vv. 91-99). Ao chegar nas terras maternas, Dioniso encontra Agave, Autonoe e Ino,
irmãs de sua mãe, a proferirem equivocadamente pela cidade que Sêmele havia sido castigada
por Zeus por tê-lo ultrajado, alegando que ele seria o pai de seu filho quando na verdade era
filho de um mortal qualquer. Dioniso então lançou sobre elas o delírio, fazendo-as caminharem
errantes em direção às montanhas.
A dúvida acerca da paternidade divina de Dioniso é o eixo central que sustenta toda a
tensão da obra. Penteu, assim como sua mãe, Agave, não crê na descendência divina de Dioniso
e opõe-se a seus cultos e ritos. É a partir desta posição que o deus tece sua vingança contra a
família real tebana, estabelecendo sua descendência e instituindo em Tebas seus ritos.
Para alcançar seus objetivos, o deus enlouquece todas as mulheres tebanas, incluindo
Agave e suas irmãs, fazendo com que larguem seus afazeres e errem pelos montes. Após tal
ato, Penteu ordena que os guardas aprisionem os seguidores de Dioniso e tragam até ele o
responsável. É neste ponto da tragédia que vemos o desenrolar da ação trágica, pois ao entrar
A tradução d’As Bacantes utilizada em todo artigo pertence à edição da Editora Verbo de 1973, sem tradutor
33
mencionado.
em conflito com o deus, Penteu faz com que caia, sobre si e sobre os seus, a punição divina que
culminará em sua morte pelas mãos de sua própria mãe e das outras bacantes.
2. DIONISO, O ZAGREU
Dioniso, também chamado Baco, é reconhecido, pela tradição, como o último deus a
entrar no panteão olimpiano. Otto (2006, pág.160) afirma que esse deus pôde ser comprovado
em Creta em meados do segundo milênio antes de Cristo e, esteve em Delfos antes mesmo da
chegada de Apolo e seus oráculos. Sua história e os ritos de seu culto são, no mínimo, singulares
em comparação aos outros deuses gregos pois, mesmo sendo imortal e identificado deus, é
gerado por uma mortal, a princesa tebana Sêmele.
Segundo reconta Hamilton (1998, pág.65), Zeus apaixonou-se por Sêmele e com ela
teve encontros. Hera, irada, desceu a terra e se transmutou em ama de Sêmele, iludindo a
princesa tebana com palavras. Mais tarde, quando a jovem estava em seu quarto com o
simulacro34 humano do senhor dos céus, ela exigiu que Zeus lhe cumprisse um desejo. Preso
pelo juramento,35 o pai dos homens e dos deuses escutou o lamentável pedido de Sêmele, que,
aproveitando-se do fato, pediu ao deus que se apresentasse em sua forma divina. Zeus tentou
adverti-la sobre os riscos de seu desejo para a criança que ainda estava em seu ventre, contudo
foi em vão. Zeus então revelou sua verdadeira forma e Sêmele não, aguentando a imagem
gloriosa do deus, desvaneceu e morreu. Sêmele queimou junto com todo o palácio, e, antes que
a criança queimasse juntamente com a mãe, Zeus retirou Dioniso do fogo e abriu uma fenda em
sua própria coxa, onde abrigou o feto em crescimento, longe de Hera. Percebe-se então Dioniso
é um deus atípico, mesmo tendo nascido da união entre uma deidade e uma mortal, uma situação
curiosa para os moldes gregos, dado que da união de um deus e um mortal só poderão nascer
heróis com a mortalidade da natureza humana. Brandão (2010) menciona que, ao ser inserido
na coxa de Zeus para complementar da gestação, Dioniso transforma-se em uma emanação
direta da divindade do seu gerador, no caso, Zeus. Gerado por um deus, ele adquire a
imortalidade e o status de divindade que Sêmele não podia lhe outorgar como humana.
Dioniso é um deus que preside os cultos mistéricos, aquele que representa a face caótica
do nascimento dos deuses, ele traz em si aspectos do caos primordial, originário de todas as
coisas. É esse aspecto que encanta aos homens, a capacidade de dissolver a ordem existencial
criada pelos deuses, retornando o mundo ao caos onde não há hierarquia ou distinção. A
34
Forma humana do deus. O deus não pode aparecer em sua real forma pois é mortal para humanos.
35
Zeus havia jurado pelo rio Estige, um juramento feito em nome desse rio inferior não podia ser quebrado.
dualidade de Dioniso se deve à dupla natureza do vinho, “por um lado, a liberdade e a alegria
arrebatadora, e, por outro, a brutalidade selvagem” (Hamilton,1999, p. 69).
Estes aspectos estão condicionados à sua dor. Ele é a própria vinha, e, esta, ao contrário
das outras plantas frutíferas, precisa ser podada para que seus frutos cresçam e amadureçam, no
inverno a vinha é destituída de suas folhas, sobrando apenas ramos e o tronco retorcido. Parece
morta e de fato o deus também morre junto com a árvore, porém, ele ressurge e ganha forma,
assim como as videiras após o inverno, trazendo desta forma, para seus seguidores a esperança
na ressurreição, o renascer da alma.
Quando falamos de ressurreição não podemos deixar de mencionar Zagreu, segundo
Nonnos de Panopolis em sua Obra Dionisíacas (V EC), livro VI. O mito conta Zeus, ter
decidido que precisava de um herdeiro sensato para que ocupasse seu lugar, quando fosse
preciso. Ao observar as deusas, decidiu que Perséfone seria a companheira ideal, por sua
capacidade de decidir pela razão e não pelo coração, então o rei dos deuses transmutou-se em
dragão e deitou-se com sua sobrinha e também filha. Zagreu nascido alguns meses depois, subiu
ao trono de Zeus espontaneamente, tomando os raios em suas pequenas mãos. Hera ressentida
e irada ordenou que os titãs matassem a criança que estava sob os cuidados de Apolo e dos
Curetes. Os titãs, dessa forma, montaram um estratagema, cobriram seus rostos com pó de giz
a fim de não serem reconhecidos e tentaram enganar Zagreu com brinquedos. O deus,
percebendo o perigo, fugiu e foi perseguido por aqueles que viriam a ser seus executores,
metamorfoseou-se diversas vezes para escapar de seus algozes, porém nada adiantou. Vencido
pelo cansaço, Zagreu foi capturado pelos titãs que o despedaçaram e o devoraram. Zeus ao ver
tal cena, fulminou os titãs até que só sobraram cinzas e inundou a terra para lavar seus vestígios.
Depois que o primeiro Dioniso foi massacrado, Zeus aprendeu o truque do espelho
com a imagem. (NONNOS, Book VI, 206. Trad. W. H. D. ROUSE)36
Nonnos (V EC) menciona Zagreu como “o primeiro Dioniso”. De acordo com Brandão
(2010), Zagreu é um deus Trácio, incorporado à Hélade grega por sua similaridade com
Dioniso, os seguidores do orfismo o consideram uma imagem anterior à Dioniso, aquele que
era o deus sob outro nome.
Dito isto, Hermes levantou-se rapidamente em direção aos céus, contornando as asas
sob a brisa impetuosa. Lá ele deixou a forma superior de Phanes e voltou a si mesmo,
deixando que Baco crescesse uma segunda vez na mãe natureza. (NONNOS, book
IX, 155. Trad. W. H. D. ROUSE)
36
Traduzido a partir da tradução inglesa.
Nesta passagem, temos o nome de Baco, nome latino dado a Dioniso, associado a uma
segunda vida, ou formação, elemento que reforça a ideia da assimilação do deus com Zagreu,
o primeiro, o que foi morto. Após a sua morte, surge Baco, o segundo, aquele que simboliza a
vida e a sua continuidade. Vê-se, portanto, Zagreu, assim como Baco/Dioniso, ultrapassando
os limiares da morte e renascendo como uma nova divindade.
Esta é a ideia inicial do livro Teatro grego de Junito de Souza Brandão,que entre os
estudiosos da área virou uma convenção dada a veracidade da afirmação. O envolvimento de
Dioniso com a tragédia ocorre por meio das festas dionisíacas em honra ao deus. De acordo
com Romilly (1998, pág.14), as representações eram imersas sempre em um contexto religioso
e eram frequentemente acompanhadas por procissões e sacrifícios. Segundo Aristóteles em sua
Poética, a tragédia (assim como a comédia) teria nascido de improvisos, dos solistas do
ditirambo (esta dos solistas dos cantos fálicos), evoluindo pouco a pouco até que se configurou,
adquirindo sua forma como conhecemos.
Brandão (2010, pág.10) nos traz a informação de que, historicamente, por ocasião da
vindima, todo ano se celebrava, em Atenas e por toda a Ática, a festa do vinho novo em que os
participantes, assim como os integrantes do séquito de Baco, embriagavam-se, cantavam e
dançavam freneticamente à luz dos fachos e ao som dos címbalos. Estes seguidores
disfarçavam-se de sátiros, ou como são popularmente concebidos “homens-bode”. Teria vindo
daí então o vocábulo tragédia: τράγος = “tragos”, bode + ῳδή = “oidé”, canto, tragédia.
Também sacrificavam um bode em honra ao deus pois acreditava-se que o bode tenha sido uma
das transformações de Zagreu antes deste ser devorado pelos Titãs.
Já Romilly (1998) nos traz outro ponto de vista, alegando que os sátiros se ligariam mais
ao gênero satírico, ao qual remete o nome, e o bode teria sido a recompensa oferecida ao melhor
participante ou uma vítima oferecida em sacrifício.
A tragédia, como gênero literário, surgiu somente porque aquelas festas em honra a
Dioniso passaram deliberadamente a procurar a substância das suas representações
num espaço estranho ao domínio dessa divindade. (ROMILLY, 1998, p. 19)
Mesmo havendo peças que falam sobre o mito de Dioniso (As Bacantes de Eurípides
foi a única que nos chegou como exemplo), a maioria das tragédias está ligada aos mitos das
epopeias, encontrando aí matéria-prima para sua confecção e enfatizando aquilo que a epopéia
apenas narrava, tornando-a assim tanto tangível quanto terrível
3. DIONISO CONSOLADOR
Vem depois o seu émulo, o filho de Sêmele,
que da uva o fluido líquido achou e trouxe
aos mortais; aquieta aos homens míseros
suas penas, quando do suco da vinha estão saciados,
o sono e o olvido dos male quotidianos
lhes concede; para as dores outro lenitivo não há.
(EURÍPIDES, As bacantes, vv. 278-283)
Dioniso ensinou aos mortais a arte de espremer as uvas e transformá-las em vinho. “Essa
bebida tem forte associação com a vida e a fertilidade desde a Mesopotâmia” LURKER, 2003,
pág.754. A videira e o vinho carregam um significado de ressurreição que é intimamente ligado
a Dioniso, seja pelo seu duplo nascimento, seja pelo mito de Zagreu que, muitas vezes, se
identifica com o seu. Na própria obra, há passagens que deixam cada vez mais evidente a
importância do vinho no culto a Dioniso e os efeitos que ele traz para o povo. Esta bebida,
consumida com moderação, tem como efeito o oblívio dos males e das dores dos homens além
de também lhes ofertar o sono. Seria essa então uma recompensa, principalmente para os
trabalhadores fatigados da labuta diária, trazendo felicidade, ao menos que temporária, para os
que estão esgotados e coragem para aqueles temerosos. Tomando uma concepção geral do
elemento, a ordem é essa: “dai vinho aos que estão cansados do trabalho e cerveja aos que
padecem amarguras na alma. Os príncipes, porém, não devem beber nem cerveja nem vinho,
que ficarão reservados para os que labutam e sofrem...” (Saint-Victor, 2003, apud, Provérbios,
31, 6-7). O trecho de provérbios apresenta uma diferenciação explícita, o vinho não é uma
bebida destinada aos nobres, aos líderes, mas ao povo, aqueles que sofrem a fadiga de suas
obrigações e afazeres diários
Ao ser consumido, o vinho permite que a pessoa esteja mais próxima, ou se torne um
com o deus. A manía, ou a loucura sagrada, trazida pela embriaguez, é descrita e apresentada
n’As Bacantes como um êxtase promovido pela possessão divina, é através dela que o homem
rompe as amarras dos modelos e do status, todos tornam-se iguais e sede da dominação e da
profusão de Dioniso.
É isto que representa Dioniso e que o faz um deus tão grandioso e disseminado. Ele não
concentra seus domínios na aristocracia, sua linguagem e medidas são dialogadas com a
população, ao contrário dos outros deuses do panteão. Além disso, Dioniso não se encontrará
preso às terras gregas, mas se expande como o vinho, a vida, institui seu culto em diversas
cidades, entre diferentes povos, adota a máscara que lhe é oferecida, acolhe a todos aqueles que
o procuram, dispensando a seus servos alívio e alegria.
Como preces e libações são feitas apenas para os deuses, Penteu ao negar a execução
dessa prática à Dioniso, também nega a ele a sua natureza divina. Por Penteu não o reconhecer
como ser divino ofende a essência e as origens do novo deus, cometendo então uma hýbris, a
desmedida, o excesso, que será motivo de seu fim trágico na peça. Várias vezes Penteu é
alertado por Tirésias e Cadmo para que ele honrasse o novo deus, ou males poderiam cair sobre
ele. Contudo, o rei já cego pelo véu da ignorância, manda que tragam o sacerdote que tanta
comoção causa na cidade. Penteu desdenha da aparência e ameaça tanto o deus transmutado,
quanto suas seguidoras, de morte, afirmando os dizeres anteriores de sua mãe Agave,
desacreditando que o filho de Sêmele, seu primo, seja filho de Zeus. Dioniso como deus, deve
impor sua origem, segundo Saint-Victor (2003, p. 558) “O deus o esmagará e sua família
terrena, castigada e aterrada pelas calamidades, servirá de exemplo a quem ousar combater a
nova divindade”. A figura trágica de Penteu não consegue perceber os prodígios de Dioniso em
frente aos seus olhos.
A decadência de Penteu não se configura apenas em sua morte funesta. Penteu parece
cego ante os fatos que estão à sua frente e não percebe seu fim até que seja tarde demais. Os
elementos que sucedem a sua imposição sobre a figura divina apenas realçam o pathos na obra.
Primeiro o rei é humilhado, vestido como uma bacante ao caminhar pela cidade, já tomado pelo
delírio, em direção ao monte onde anseia ver os rituais que lhes são proibidos. No meio do
caminho Penteu acredita que pode carregar o monte em suas costas, nos dando a certeza de que
ele não está mais em sua própria consciência.
Penteu:
Não poderia levar as encostas do Citéron,
junto com as Bacantes, em meus ombros?
Dioniso:
Podias, se desejasses. Dantes, a mente
sã não tinhas, agora está como deve ser.
(EURÍPIDES, As Bacantes, vv. 945-948)
No chão, com o rosto ao pó, olhando para sua mãe, implorando pela sua vida, Penteu
enxerga seu erro e reconhece a divindade de Dioniso, porém é tarde demais, sendo esquartejado
pela mãe e suas companheiras. O castigo de Penteu termina com sua morte, mas o castigo de
sua mãe e das irmãs dela garantem o efeito trágico da peça. Agave após matar o filho pensando
ser um animal selvagem, festeja com a cabeça dele em seu tirso por toda a cidade, mostrando
com orgulho seu troféu até que, dialogando com Cadmo, seu pai, recupera os sentidos e percebe
o que fizera. Agave e suas irmãs são, assim, condenadas ao exílio.
Dioniso:
Injúria terrível de vós me veio;
Privado de honra foi meu nome em Tebas!
(EURÍPIDES, As Bacantes, vv. 1377-1378)
Em sua fala final Dioniso lamenta por não ter sido reconhecido na cidade de sua mãe e
de seu primeiro nascimento, mostrando novamente o motivo por trás de toda a peça, o não
reconhecimento da divindade que ocasiona a perturbação da punição. A forma que é narrada dá
a entender a falta de tranquilidade do afetado. Quando acontece a vida torna a si e a punição
está em execução permitindo assim o patético da tragédia.
CONCLUSÃO
A única tragédia em modelo dionisíaco que chegou até nós, da antiguidade, foi composta
por Eurípides para concursos de tragédias que aconteciam nas festas em honra ao deus. Tendo
em vista os argumentos apresentados no corpo da pesquisa, podemos vislumbrar uma ideia mais
abrangente sobre o deus Dioniso baseando-nos em duas características fundamentais do deus.
Os pontos estabelecidos na análise nos permitem observar o paralelismo na obra
concernente à dualidade de Dioniso que se configura em seu aspecto de deus consolador e, por
outro lado, deus vingativo. Examinamos o papel do deus com base nessas duas perspectivas,
elencando aspectos textuais que demonstram a existência de uma ambiguidade, mas ao mesmo
tempo, uma harmonia entre os dois aspectos de modo que o deus é posto em total correlação
com sua própria forma de atuação. A análise tende a um aprofundamento que evoca um Dioniso
além de sua imagem mais difundida na atualidade, como apenas o detentor do vinho e da
euforia. Dito isto, esperamos que este artigo tenha auxiliado numa compreensão mais ampla de
Dioniso e de sua importância para o mundo antigo.
REFERÊNCIAS
RESUMO
O artigo propõe a leitura de passagens do livro bíblico do Eclesiastes partindo do ponto de vista
literário, desse modo, abordaremos os aspectos dialógicos que permitem essa obra ser destaque
na literatura judaica, devido seu caráter relativamente helenístico, o qual transmite ideias que,
de certa forma, confrontam o pensamento judaico-teocêntrico, então vigente. Procuraremos as
partes do livro em que os aspectos da intertextualidade ficam mais evidentes, numa tentativa de
demonstrar a aplicabilidade da teoria bakhtiniana do dialogismo, observando como ela se
encontra na obra através da intertextualidade usada por seu autor.
INTRODUÇÃO
Para que desenvolvamos a proposta deste artigo é preciso atentar para o conceito de
dialogismo posto por Mikhail Bakhtin, pois o mesmo é um princípio fundamental em sua obra
e, portanto temos que nos remeter a ele para melhor compreendermos a relação existente entre
o livro judaico de Eclesiastes e textos de outros povos.
Em Introdução ao pensamento de Bakhtin, segundo declara, Fiorin (2006, p. 18) “O
teórico russo enuncia esse princípio e, em sua obra, examina-o em seus diferentes ângulos e
estuda detidamente suas diferentes manifestações.” Ele continua a análise onde podemos
encontrar as estruturas que formam o conceito que Bakhtin chamou de “dialogismo”, dentre
estas, podemos destacar, entre outras, a linguagem, pois:
Segundo Bakhtin, a língua, em sua totalidade concreta, viva, em seu uso real, tem a
propriedade de ser dialógica, [...], todos os enunciados no processo de comunicação,
independentemente de sua dimensão, são dialógicos. Neles, existe uma dialogização
interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é sempre
inevitavelmente também a palavra do outro. Isso que dizer que o enunciador, para
constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu.
Por isso, todo discurso é inevitavelmente ocupado, atravessado, pelo discurso alheio.
(Ibid., p. 18,19).
Não é a dimensão que distingue uma unidade da língua de um enunciado, [...]. O que
os diferencia é que o enunciado é a réplica de um diálogo, pois cada vez que se produz
um enunciado o que se está fazendo é participar de um diálogo com outros discursos.
O que delimita, pois suas dimensões é a alternância dos falantes. Um enunciado está
acabado quando permite uma resposta de outro. Portanto, o que é constitutivo do
enunciado é que ele não existe fora das relações dialógicas. Nele estão sempre
presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele refuta,
confirma, completa, pressupõe e assim por diante. (FIORIN, 2006, p. 21).
Para concluirmos esse ponto, precisamos notar ainda o terceiro conceito de dialogismo
em Bakhtin, apresentado por Fiorin (2006), que juntamente com o dialogismo constitutivo e o
composicional, formará uma tríade que possibilitará a compreensão desse conceito. Trata-se do
sujeito que se constitui discursivamente, pois:
O livro de Eclesiastes tradicionalmente atribuído ao rei Salomão, que o teria escrito por
volta de 935 A.C., é um dos mais intrigantes e curiosos na Bíblia, pois em seu bojo retrata ideias
que parecem refutar algumas doutrinas rabínicas de sua época, como por exemplo, a dúvidas
levantadas na obra quanto a imortalidade da alma, a retribuição do bem e do mal, a
impossibilidade de uma vida feliz, etc., aparecem no texto como contraditórias a um autor que
teria vivido nesse período da história do povo de Israel, onde toda a sociedade tinha uma visão
de mundo totalmente teocêntrica e a autoridade divina (apesar da vida leviana que Salomão
adotou nos seus últimos dias) era inquestionável.
Temos assim, uma abertura para a crítica literária que se propôs estudar a possibilidade
da autoria do livro ser atribuída à outra pessoa e não a Salomão, pois os estudos propostos
encontraram evidências suficientes para mostrar que: a forma narrativa, os conceitos, e as ideias
apresentadas na obra, não correspondiam com a sociedade da Palestina dos dias de Salomão,
mas sim, com a do período do século III A.C., segundo a Bíblia de Jerusalém (2010), momento
histórico em que essa região estava sobre o domínio dos Ptolomeus, pois, possivelmente, o
autor desse livro teria tido conhecimento de algumas obras literárias da antiguidade clássica de
outros povos.
A autoria atribuída a Salomão seria, portanto, uma forma de homenagem, feita por
algum autor, devido à admiração que o magnífico rei de Israel despertara. Qohélet (o
personagem do livro) se investe do nome de Salomão apenas de forma fictícia, segundo nos
conta Haroldo de Campos, em seu livro Eclesiastes (1991).
Qohélet é alguém que vive de angustias e perturbações diante do próprio fato de existir,
pois a vida, segundo ele pensa, é enfadonha, não existe esperança de algo diferente, as coisas
sempre acontecem de forma cíclica e determinada. Diferentemente do que pregava a fé judaica,
ou seja, a certeza de uma existência eterna com Deus; Qohélet não tem certeza alguma além da
inevitabilidade da morte, apesar de demonstrar a fé em Deus, ele parece ter sido afetado pelos
ensinamentos filosóficos de sua época, que descredenciavam a maioria das doutrinas judaicas.
Esse conflito estará presente em toda a obra, é inevitável a observação de um personagem
atormentado pelos traços “semítico, que coexiste, indelével, com o quase-ceticismo helenizado
e nada ascético do Qohélet” (CAMPOS, 1991, p. 19).
De fato, na Epopéia (sic) de Gilgamesh (EG) lê-se esta fala do herói a seu amigo
Enkidu: ‘Um só não pode vencer / mas dois juntos o podem / a amizade multiplica as
forças, / uma corda tripla não pode ser cortada / e dois leões jovens são mais fortes
que seu pai’. (CAMPOS, 1991, p. 135).
Vai, come teu pão com alegria e bebe o teu vinho com satisfação, porque Deus já
aceitou tuas obras. Que tuas vestes sejam brancas em todo tempo e nunca falte
perfume na tua cabeça. Desfruta a vida com a mulher amada em todos os dias da tua
vaidade que Deus te concede debaixo do sol, todos os dias de vaidade, porque esta é
a tua porção na vida. (Ec 9. 7-9).
REFERÊNCIAS
___________. Os gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
ECLESIASTES. Português. In: BÍBLIA DE JERUSALÉM. Revista e ampliada. 6. ed. São Paulo:
Paulus, 2010.
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
BABA YAGA: A “BRUXA” DOS CONTOS ESLAVOS
Resumo
A Baba Yaga é uma personagem ambígua e sobrenatural dos contos folclóricos russos. Histórias
sobre ela datam desde antes do século XVIII, na Europa Oriental, e inúmeras hipóteses são
debatidas para compreender os aspectos simbólicos das narrativas folclóricas nas quais ela
aparece. No entanto, a referida personagem é um ser paradoxal, apresentando características
ambíguas e opostas que transformam as interpretações acerca do que seria uma “Baba Yaga”
algo difícil de ser conclusivo. Dentre as diversas intepretações, as inúmeras compreensões e a
diversidade de características que Baba Yaga apresenta, sua relação com a feitiçaria pode
sugerir uma possível conexão com aspectos remanescentes de entidades pagãs eslavas.
1.Introdução
Baba Yaga é uma figura do folclore eslavo comumente interpretada como “bruxa” ou
como um ser sobrenatural. Segundo Forrester (2013), a maioria dos russos estão em consenso
ao considerarem a Baba Yaga enquanto “bruxa”. Ao tentar traçar uma linha etimológica, a
autora argumenta que, em russo, a palavra usada para definir “bruxa” é ved’ma. Neste sentido,
o significado de sua origem poderia ser compreendido enquanto “saber”, pois, no russo
moderno, ved’ma ganha o significado de “notícias”. Esse próprio fator etimológico já ilustra
algumas dificuldades de investigação. A palavra “yaga” demonstra ainda maiores
complexidades nas tentativas de definições. Forrester (2013) argumenta que os estudos não
chegaram a um consenso sobre seu significado, apesar de inúmeras possibilidades de
interpretações, os pesquisadores a consideram obscura. No entanto, a autora sugere sua origem
da palavra russa ekhat – cavalgar, ou do alemão Jaeger – caçador. Outras correntes etimológicas
defendem que a palavra “yaga”37 possui seu significado original nas línguas eslavas do sul
37
As interpretações etimológicas da palavra Yaga podem ser direcionadas para outros sentidos como horror,
doença, fúria, dentre outros. Para uma discussão mais aprofundada sobre o assunto e suas inúmeras possibilidades
interpretativas da palavra “Yaga” ver: Baba Yaga: The Ambiguous Mother and Witch of the Russian Folktale,
Andreas Johns, 2004.
(bósnio, croata, sérvio), conectada às palavras jeza ou jezivo, no sentido de “horrível” e
“horripilante”.
Johns (2004) enfatiza que a Baba Yaga pode ser considerada a figura mais memorável
do folclore da Europa Oriental. As histórias sobre ela aparecem em diversos lugares da Rússia,
Ucrânia e Bielorrúsia desde antes do século XVIII. O autor ressalta que, apesar da Baba Yaga
estar associada a figura da “bruxa”, a referida nomenclatura não consegue abranger toda a
complexidade e riqueza que retoma os possíveis significados do que seria uma “Baba Yaga”.
Para Forrester (2013), apensar da correlação que se faz da Baba Yaga enquanto “bruxa”, sua
imagem e popularidade não fazem referência apenas à ideia da “bruxa má" e perigosa, mas
também estão relacionadas a aspectos maternais e benfeitores. Essas características ambíguas
da Baba Yaga contribuem não apenas para que surja todo um mistério entorno de sua origem e
significado, como acabam por transformar essa figura do folclore eslavo em um ser cada vez
mais intrigante.
Por outro lado, esses argumentos são alguns dos possíveis fatores que possibilitam que
a Baba Yaga se torne uma figura popularmente conhecida até os dias atuais. Forrester (2013)
especula que a imagem ambígua da Baba Yaga pode ter ocorrido por estar provavelmente
relacionada a uma deusa pagã eslava, cuja imagem é uma mistura de entidade com feiticeira.
Esse último aspecto desperta grande interesse em inúmeras pessoas implicadas em correntes
espirituais alternativas na contemporaneidade, a exemplo de movimentos alternativos como o
Sagrado Feminino e o movimento (neo) Pagão. Para estes, a Baba Yaga é uma figura altamente
apreciada enquanto entidade. Portanto, essa concepção da Baba Yaga enquanto entidade pagã
eslava acaba por ensejar outra interpretação dessa entidade nos movimentos espirituais
alternativos na contemporaneidade e, com isso, seus aspectos maternais e poderosos se
sobressaem aos aspectos “malignos” retratados nas narrativas. Para as correntes espirituais
contemporâneas, esses aspectos malignos são interpretados como características inseridas na
figura da Baba Yaga posteriormente, diante do processo de demonização do feminino.
Segundo Forrester (2013), outro fator importante de ser ressaltado, e que também dá
margem às inúmeras complexidades nas compreensões e interpretações dos pesquisadores em
relação a Baba Yaga, é que os contos populares que a mencionam foram transmitidos de forma
oral no período pré-cristão da Rússia. Consequentemente, traçar a história e evolução dessa
figura nos contos populares torna-se uma tarefa ainda mais difícil. Por meio da transmissão oral
das narrativas eslavas, a imagem desse ser curioso possivelmente ficou confusa com o passar
dos tempos, transformando-a em um ser cada vez mais enigmático. Suas inúmeras
características transitam entre as funções de doadora e vilã e, sendo assim, a Baba Yaga pode
ser compreendida como uma personagem permeada por ambiguidade, ambiguidade essa que
dificulta uma definição assertiva do que seria uma “Baba Yaga”. Forrester (2013) explica que
existem três tipos de “Baba Yagas”, mas que em algumas histórias essas três facetas aparecem
como irmãs. Já em algumas outras histórias ela morre para em seguida reviver e, conforme se
percebe, em cada narrativa a Baba Yaga surge de um jeito diferente.
Nesse sentido, o “conceito” de “Baba Yaga” transcende o entendimento de meros
opostos, em relação ao que é compreendido enquanto demoníaco ou divino. A Baba Yaga
também é descrita e interpretada como uma mulher que opõe-se a todas as deidades e crenças,
especificamente às judaico-cristãs e mulçumanas. Por serem complexas as interpretações sobre
a Baba Yaga, devido às suas características ambíguas, os pesquisadores sentem-se instigados a
realizar comparações de seus aspectos mitológicos e simbólicos com os de outros seres
mitológicos e folclóricos das culturas próximas às regiões eslavas. Apesar de existirem diversas
semelhanças entre a figura da Baba Yaga e essas outras entidades, Johns (2004) enfatiza que
seus aspectos ambíguos não podem ser ignorados. Segundo o autor, as representações sobre a
Baba Yaga são intrigantes, já que nas narrativas ela é mencionada ora com comportamentos de
doadora, ora com comportamentos de vilã. O fato dessa figura apresentar tantos opostos denota
a riqueza simbólica dos elementos presentes em suas histórias.
A Baba Yaga38 é uma personagem dos contos folclóricos eslavos que apresenta
considerável complexidade para ser analisada se forem levados em conta os inúmeros detalhes
que compõem suas narrativas. Por isso, inúmeras vezes as características da referida
personagem são descritas de formas divergentes. Forrester (2013) explica que, em grande parte
das narrativas em que a Baba Yaga aparece, ela vive em uma casa de madeira sustentada por
pernas de galinha. A descrição de sua casa pode sofrer alterações, variando de conto para conto.
Em alguns destes, a casa da Baba Yaga é descrita com pernas de bezerro ou calcanhares, já em
outros, sua moradia é descrita com pernas de galinha. Os estudiosos enfatizam uma correlação
com pássaros, enquanto que as pernas de galinha (as quais sustentam a casa de Baba Yaga),
38
Segundo Propp (2002), é possível encontrar com frequência inúmeros personagens que são
denominados enquanto Baba Yaga, porém, os mesmos pertencem a outras categorias diferentes do
que se compreende enquanto Baba Yaga: a madrasta; a velha ou velho; animais.
podem sugerir se tratar de uma morada com características de mobilidade e vida (animista),
apesar de não se movimentar muito rápido e nem percorrer longas distâncias. Forrester (2013)
argumenta que essa característica móvel da casa ou cabana da Baba Yaga, em alguns contos, é
passível de ser identificada em relação com a rotatividade da Terra e a contagem do tempo: é
por esse motivo, cogita-se, que a casa da Baba Yaga manifesta essas características móveis e
giratórias. Segundo a autora, essa hipótese está relacionada também à importância dos
movimentos de rotação e aos giros no artesanato tradicional das mulheres, indicando uma
correlação cultural.
Johns (2004) explica que, no que diz respeito à Baba Yaga, suas narrativas e
popularidade são amplamente difundidas. Conforme é de se esperar, a maioria da população da
Rússia, Ucrânia e Bielorrússia conhecem suas histórias, o que indica uma profunda relação
cultural desses povos com a sua figura. Inclusive, inúmeros pesquisadores argumentam que as
narrativas da Baba Yaga podem ter sido relacionadas, no passado, a ritos de iniciação. Este
entendimento é formulado por meio dos atributos e características da Baba Yaga, de sua casa e
dos objetos pertencentes a ela, que são amplamente encontrados em suas narrativas.
Identificam-se como sendo as mais elementares características da Baba Yaga, constantemente
representadas no folclore: a sua moradia; as suas características físicas; e o seu meio de
locomoção. Forrester (2013) explana que a casa ou cabana onde a personagem mora é chama-
se izba ou izbushka, sugerindo um tipo específico de construção. A izba é um tipo de casa feita
com toras de madeira e é um tipo de construção comum nas regiões do norte da Rússia e da
Escandinávia. Segundo a autora, a casa da Baba Yaga está situada em lugares como densas
florestas; em campos vazios ou à beira-mar. Esses locais sugerem uma distância considerável
dos locais onde os heróis residem, indicando uma espécie de fronteira com o outro mundo. A
esse respeito, Warner (2002) explica que a iza ou izbushka, além de ser descrita em lugares
distantes, também requer o ato de atravessar rios, fogos ou florestas. Além disso, em algumas
variações das narrativas, a izbushka aparece descrita como uma cabana sem janelas ou portas.
Para Warner (2002), uma característica relevante em relação a izbushka é que ela pode
estar relacionada a uma concepção de cabana tribal, manifestando traços iniciáticos e
zoomórficos. Essa compreensão foi sugerida por Vladmir Propp, que relaciona as histórias da
Baba Yaga enquanto narrativas simbólicas que retratam ritos de passagem. Por isso, elas podem
ser compreendidas como reveladoras de rituais de iniciações em que os neófitos são engolidos
simbolicamente por um monstro, para posteriormente serem regurgitados na forma de adultos.
Warner (2002) acrescenta que, além da compreensão de Vladmir Propp, outros pesquisadores
apontam também haver uma conexão entre as pernas de galinha da Baba Yaga com os ritos de
passagem, uma vez que, para os eslavos, era um costume tradicional sacrificar galinhas em
locais onde seriam feitas certas construções.
Outra característica importante da cabana da Baba Yaga, enfatizada tanto por Elizabeth
Warner quanto por Andreas Johns, está em algumas peculiaridades retratadas nas narrativas, a
exemplo de quando o herói recita o comando: “Izbushka, izbushka, volte suas costas para a
floresta e fique de frente para mim”39. A casa da Baba Yaga gira e, então, posiciona sua porta
de entrada de frente para o herói. Nos contos sobre a Baba Yaga, sua cabana é descrita de forma
a sugerir uma capacidade de girar em torno de si mesma, como exemplificado há pouco. No
entanto, Propp (2002) observa que esse “girar” ocorre somente por meio do comando do herói.
Sob a perspectiva do autor, essa seria uma possível fronteira entre o “visível” e o “invisível”,
não sendo permitido aos heróis transgredir esses limites. Por isso, eles não poderiam
simplesmente caminhar em volta da casa para adentrar nela. O autor ressalta que, para
possibilitar que o herói chegue no limite entre o “visível” e o “invisível”, torna-se necessário
fazer com que a cabana da Baba Yaga gire; apenas dessa forma ele poderia entrar nela, para,
enfim, sair. A característica giratória da Baba Yaga, para Ivanova (2013), é interpretada
enquanto abertura simbólica das portas para o submundo. Para a autora, portanto, a própria casa
da Baba Yaga pode ser considerada um símbolo. Ivanova (2013) ainda argumenta que a
localização da porta pode sugerir uma entrada para o outro mundo e, dessa forma, o herói só
conseguiria sair da cabana voando ou se locomovendo por outros meios incomuns.
Propp (2009) compreende a Baba Yaga como guardiã da fronteira entre o mundo dos
vivos e o dos mortos. Nos contos folclóricos a Baba Yaga oferece comida ao herói, permitindo
que ele/ela entre no mundo dos mortos. Durante essa jornada, os personagens são perseguidos
por ela até o limite dos mundos como forma de garantir que não permaneçam no mundo dos
mortos. O autor argumenta que tais características não só indicam uma ligação da Baba Yaga
com outro mundo, como também sugerem um processo iniciático pelo qual o herói ou heroína
precisarão passar. Esse momento das narrativas geralmente é seguido por um interrogatório,
realizado pela própria Baba Yaga. Outro aspecto importante é a conexão e o poder que a Baba
Yaga possui sobre os animais, o que pode ser compreendido enquanto vestígio de uma religião
“primitiva” relacionada a uma cultura de caçadores.
3. Características e atributos
39
Tradução livre do Inglês: “Izbushka, izbushka, turn your back to the forest and your front toward me”.
(WARNER, 2002, pg. 75).
Segundo Warner (2002), a Baba Yaga é comumente descrita como uma mulher velha,
de cabelos grisalhos, com dentes de ferro, de mamas “flácidas” e de aparência repugnante.
Outra descrição interessante é a de suas pernas, feitas de “ossos”, o que sugere uma silhueta
demasiadamente magra, semelhante a um esqueleto. A autora acrescenta que a Baba Yaga
também é descrita como sendo cega, mas possuindo aguçado farejamento e, por isso, sempre
consegue sentir e perceber a presença de estranhos. Ela não possui um marido ou consorte,
porém, tem suas filhas. Raramente ela é descrita enquanto mãe de filhos do gênero masculino,
demonstrando uma relação forte com o feminino. Nas narrativas, quando a Baba Yaga sai de
casa, geralmente voa em um pilão, varrendo com uma vassoura a trilha que deixa no caminho
por onde passa. Forrester (2013) compreende esse último aspecto enquanto um paralelo das
crenças em “bruxas” na Europa, que voavam em vassouras. Ademais, os objetos da Baba Yaga
podem ser considerados como artefatos mágicos, comparados com os tapetes voadores, fadas e
morcegos invisíveis de outros contos folclóricos. Porém, ao contrário do que acontece em outras
narrativas, nas histórias da Baba Yaga seus objetos nunca são emprestados ou doados para
outros personagens, permanecendo sempre consigo.
Em relação aos objetos que carrega, o pilão desperta curiosidade, uma vez que, em
séculos passados, este objeto fazia parte de um conjunto de ferramentas comuns para mulheres
em seu cotidiano. Era pelo uso do pilão que elas conseguiam triturar e preparar ervas e
diferentes grãos para cozinhar e fabricar remédios. Segundo Forrester (2013), o almofariz, ou
pilão, são instrumentos relacionados a comida, apontando ser a casa da Baba Yaga um local de
riquezas, comidas e farturas. Warner (2002) afirma que o pilão da Baba Yaga possui
características mitológicas. Conforme lembra a autora, nas narrativas, quando a personagem se
locomove em seu pilão, sua chegada é sempre anunciada com barulhos de trovão ou vento; o
vento, para os eslavos, possuía características demoníacas, mas também estava relacionado a
aspectos importantes da vida ordinária em regiões rurais, sobretudo no sentido climático e
meteorológico. Além disso, para os povos eslavos orientais, o vento era detentor de um papel
mitológico relevante, graças ao qual, explica Warner (2002), esses povos pensavam-se ser
possível tanto ouvir, quanto responder a pedidos humanos. No entanto, os elementos da
natureza também eram compreendidos em aspectos de malevolência, já que são imprevisíveis
e, por isso, relacionam-se também a forças negativas e destruidoras.
Dessa forma, a Baba Yaga é um ser difícil de ser compreendido, e muito ainda se
especula sobre sua identidade original. Warner (2002) argumenta que personagens parecidos
podem ser encontrados entre os germânicos, gregos, bálticos e finlandeses. As teorias sobre
essas origens relacionam a Baba Yaga a uma entidade celestial, já que apresenta aspectos
relacionados à meteorologia. A autora explica que existem paralelos entre a Baba Yaga, as
tempestades de trovões e o tempo nublado, ressaltando que, na Bielorrússia, a chegada dela é
descrita de forma enfática com trovões e relâmpagos. Outra interpretação delega à Baba Yaga
a função de senhora da floresta e dos seres selvagens. No entanto, há uma terceira abordagem
muito debatida e aceita entre os pesquisadores, associando-a a entidades do submundo, viés
sobre o qual a Baba Yaga é compreendida como guardiã da entrada do mundo dos mortos.
Warner (2002) enfatiza que pouca evidência foi encontrada para a defesa da Baba Yaga
enquanto reminiscência de uma deusa eslava dos mortos. Entretanto, Propp (2002) argumenta
que as possíveis conjecturas da Baba Yaga enquanto entidade são possíveis de ser sustentadas
ao analisar as suas características físicas. Afinal, ela é descrita nas narrativas como semelhante
a um cadáver; sua casa pode estar relacionada a uma espécie de caixão, já que a izbushka é
descrita enquanto um lugar pequeno, apertado e feito de madeira.
Os pesquisadores parecem estar em consenso ao compreenderem a Baba Yaga enquanto
relacionada ao mundo dos mortos. Ivanova (2013) elucida que a Baba Yaga pode ser
interpretada como uma espécie de guia entre os dois mundos (o dos vivos e o dos mortos); nesse
sentido, ela pode ser considerada como uma guardiã das fronteiras. Essa compreensão se dá a
partir de duas características importantes nas narrativas da Baba Yaga. Primeiramente, ela
reside na floresta e, portanto, essa seria uma indicação de relação com a entrada para o
submundo. A autora está de acordo com as compreensões de Vladmir Propp e Koshnoe
Tsarstvo, argumentando que o submundo da mitologia eslava era entendido como constituinte
de duas camadas: a primeira refere-se ao solo, local onde os ancestrais permaneciam; a segunda
situava-se abaixo do solo, sendo este o lugar dos espíritos considerados demoníacos.
Para Ivanova (2013), o segundo indicativo que sustenta essa compreensão da Baba Yaga
enquanto guardiã das fronteiras do mundo está no fato de que, nas narrativas, é possível
observar conteúdos referentes a certos rituais. A autora discorre sobre um conto em que a Baba
Yaga ajuda o herói a esgueirar-se especificamente para a camada inferior, pois este desejava
salvar a princesa que havia sido roubada por forças maliciosas. Sendo assim, poderia-se
entender que a Baba Yaga guardava a entrada para o mundo dos ancestrais. A autora argumenta
que a Baba Yaga é uma figura simbólica tida como um tipo de administradora dos “ritos de
passagem”, já que os personagens que se encontram com ela são invariavelmente testados. Ao
cruzarem seu caminho, esses personagens “perdem suas vidas”, no sentido de se transformarem,
sugerindo um processo de busca pelo conhecimento e de ascensão que acontece justamente por
meio dessas ritualísticas.
4. Considerações Finais
A Baba Yaga é um ser paradoxal que abrange muitos opostos, transitando entre vida e
morte, juventude e velhice, o humano e o animal, o masculino e o feminino. Ela se porta como
doadora e também como vilã. Segundo Oleszkiewicz-Peralba (2015), a Baba Yaga também
pode ser considerada como um ser que está conectado aos céus, à terra e ao submundo, além de
estar relacionada ao passado, presente e futuro. Ela se conecta ao feminino tecendo, cozinhando
e alimentando, porém, acredita-se que a Baba Yaga tenha perdido suas funções maternas. Tal
característica pode ter sido apagada por meio do processo de cristianização e sua demonização
do feminino em antigos cultos pagãos. Ainda assim, é importante ressaltar que algumas
características se mantiveram vivas nos contos, como seu poder sobre os animais e sobre os
mortos. Enquanto divindade ou entidade extremamente conectada à passagem da vida para
morte, Baba Yaga está relacionada à ancestralidade. Em sua faceta mais assustadora, ela é
canibalística e prospera com o sangue russo. Dentre suas principais presas estão crianças,
mulheres jovens e, de vez em quando, ameaça devorar um homem. Vez ou outra, pode ser
generosa dando conselhos cujo preço não é barato. A Baba Yaga está sempre testando aqueles
que vieram até ela, seja por acaso, seja por escolha. Os animais a veneram, ela os protege e
também protege a floresta como figura da mãe. Ela obteve o segredo para a água da vida e pode
ser compreendida como a Mãe Terra: esse último aspecto se popularizou não só na Rússia, mas
no mundo inteiro, fazendo com que ela seja venerada até os dias atuais.
Todas as características observadas nas narrativas em que a Baba Yaga está presente
apresentam infindável riqueza em seus significados e simbolismos. Dentre eles, encontramos
sua casa móvel com pés de animais, sua forma de locomoção, sua própria aparência, sua relação
com os outros personagens folclóricos e sua função nas narrativas, apresentando-se como
doadora e, outras vezes, como vilã. É possível identificar aspectos animistas e xamânicos da
Baba Yaga nas narrativas folclóricas, uma vez que ela não só protege os animais que habitam
a floresta, como, em alguns contos, ela própria assume a forma de animal. Além disso, ela
também pode atuar como administradora de rituais iniciáticos, algo ainda muito debatido e
discutido entre os pesquisadores. Contudo, estes estão de acordo no que diz respeito a uma
relação da Baba Yaga com o mundo dos mortos.
É importante ressaltar que é possível identificar inúmeros personagens e seres
mitológicos que possuem semelhanças e analogias com a Baba Yaga. Algumas semelhanças
entre ela e seres míticos de outras culturas foram postuladas alegando, por exemplo, paralelos
com entidades relacionadas aos mortos, como Hel (da mitologia nórdica)ou então com seres
como os dragões. Por fim, conclui-se que a Baba Yaga pode ser entendida enquanto um ser que
abrange uma gama abrangente de aspectos, estando relacionada ao conhecimento/sabedoria,
aos ritos de passagem e à ancestralidade. Portanto, seus muitos mistérios e ambiguidades podem
estar relacionados a distintas compreensões culturais de diferentes aspectos da vida.
5. Referências
FORRESTER, S. Baba Yaga: The Wild Witch of the East in Russian Fairy Tales. Jackson:
University Press of Mississippi, 2013.
JOHNS, Andreas. Baba Yaga: The Ambiguous Mother and Witch of the Russian Folktale.
New York: Peter Lang, 2004.
PROPP, Vladimir. As raízes históricas do conto maravilhoso. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
PROPP, Vladimir. Morphology of the Folk Tale. Austin: University of Texas Press, 2ª Edição,
2009.
RESUMO
Este texto baseia-se na videoinstalação Buruburu, do artista visual Ayrson Heráclito, que se
aproxima do tema desenvolvido na pintura Omulu: caminho de renascimento, do artista plástico
Elioenai Gomes. O pressuposto defendido é que para apreender o conteúdo simbólico presente
nessas produções é preciso (re)conhecer o referente ao qual elas se reportam, isto é, a
cosmogonia e as hierofanias dos orixás da religião nagô-ioruba. Do contrário, tal recepção corre
o risco de se tornar refém do discurso rígido da “arte pela arte”, assentado estritamente na
percepção formalista ou na decodificação dos elementos visuais aparentes.
INTRODUÇÃO
O presente texto corresponde a uma pesquisa de pós-doutorado sobre a arte visual afro-
brasileira, também designada como arte negra ou arte afrodescendente. O interesse principal
recai sobre a produção plástico-visual referenciada a partir da simbólica dos orixás
(identificados por meio de emblemas que informam suas personalidades e domínios naturais),
cuja fruição pode transitar entre o ambiente propriamente religioso e o universo secular
representado pelos segmentos das artes visuais (museus, galerias, exposições nacionais e
internacionais e coleções de arte públicas ou particulares).41
As religiões de matrizes africanas no Brasil são caracterizadas por uma ritualística
complexa que abarca, inclusive, práticas de cura onde não faltam a folha, o alimento, a reza, o
cântico e outras fórmulas litúrgicas que intencionam rememorar os feitos e louvar os atributos
dos orixás (SANTOS, 2012). Esta ritualística, conectada com certas cosmovisões africanas
40
Milton dos Santos é Doutor em Antropologia Social (UNICAMP). PNPD Capes no PPGAV UFPB.
Graduado/Licenciado/Mestre em Sociologia/Antropologia (PUC SP). Email: miltonrpc@gmail.com.
41
Pesquisa de pós-doutorado intitulada África como referência e a cor como metáfora: a arte afro-brasileira no
currículo escolar, vinculada ao Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV-UFPB/UFPE),
com auxílio da Capes e supervisionada pela profa. Dra. Maria Emilia Sardelich (CE-UFPB; PPGAV-
UFPB/UFPE).
reelaboradas no Brasil, vem mobilizando, há décadas, a produção de vários artistas visuais.
Artistas que empregam as técnicas da pintura, da escultura, do desenho, etc., bem como a
linguagem contemporânea da performance, do audiovisual, da instalação, das intervenções
urbanas etc.
A fim de prosseguir nessa temática – que, em sentido amplo, articula arte e antropologia
e arte e religião –, as linhas que seguem terão como norte a videoinstalação Buruburu (2010),
do artista visual Ayrson Heráclito, e sugere algumas conexões com as referências presentes na
tela Omulu: caminhos de renascimentos (2015), do artista plástico Elioenai Gomes.
O ARTISTA TRADUTOR
42
Orixá também conhecido como Obaluayê (obá, rei, dono, senhor; ayê, terra = Obaluayê, rei ou senhor da terra).
Segundo discurso religioso, Omolu/Omulu corresponde à sua aparência jovem.
uma ranhura na imagem. À espera do banho curativo, a cicatriz poderia até mesmo
sugerir a ferida histórica da escravidão, de forma que a dinâmica das formas negras e
brancas em tela não deixa nunca de ser sugestiva (MELCHIOR; PIMENTEL, 2015,
p. 150).
Durante a ação Buruburu realizada por Ayrson Heráclito em algumas mostras
individuais, ele possibilita ao público participar do mito de Omolu. Ao realizar essas ações em
espaços seculares – como galerias de arte43, por exemplo –, ele se posiciona como um “tradutor”
do sagrado afro-brasileiro. Ele “limpa” os corpos daqueles que se deixam banhar com a pipoca,
alimento e fonte de purificação na simbologia do candomblé. Nestas situações carregadas de
expectativas e silêncios, ele termina por aproximar o público leigo das práticas rituais quase
sempre circunscritas ao cotidiano das casas de culto.
43
Ver a ação realizada durante a exposição Pérola Negra (São Paulo, Blau Projects Art Galery, agosto
de 2016). Disponível em: <https://vimeo.com/232290059>. Acessos em: nov./dez.2018.
44
Dados reunidos no catálogo da exposição coletiva I Arte Atual Paraibana (Funesc, 1988). Acervo do
artista.
Em 2015, ele expôs um conjunto de dezessete pinturas na mostra Kolofé - um caminho
de expansão afro cultural.45 Trata-se de um projeto inovador, pois todo o processo criativo
desenvolveu-se ao ar livre, nas ruas do Centro Histórico de João Pessoa, formando um circuito
de intervenções urbanas, com cobertura audiovisual.46
Kolofé, termo que nomeia a exposição, significa benção na língua ritual do candomblé
nagô. É a partir deste “sentimento de reverenciar a herança cultural negra, que Nai Gomes
retrata a memória dos anônimos da história” (MAITÊ, 2015, p. 5), que construíram casarões,
praças, igrejas e monumentos da cidade de João Pessoa.
As pinturas de Kolofé relacionam aspectos da ancestralidade africana, da história da
escravidão e da religiosidade afro-brasileira. Feitas em “acrílica sobre tela negra” (nanquim),
delas surgem os orixás, nomeados e acompanhados por suas saudações litúrgicas: Exu –
“Levando a mensagem ao alto” – Laroiê; Lebara – “A carne mais barata do mercado é a carne
negra” – Omô Jubara; Ogum – “Com ele e só vitória” – Ogunhê; Oxóssi – “Somos todos uma
só vida” – Oke Arô; Ossain – “Sem folha não há vida” – Ewê Ewê; Irôko – “Ele é o agora
para todos” – Auê Tempo; Omulu “Caminhos de renascimentos” – Atotô; Oxumarê “É o
princípio e o fim” – " Aô Mobôi; Xangô – “A justiça que a tudo vê” – Kaô Kabyecilé; Iansã –
“Condutora das almas” – Eparrei; Obá – “Buscando o amor” – Obá Xirê; Oxum – “Mãe que
embala sonhos na vida que segue” – Orayeyê Ô; Logun-Edé – “Filho de natureza” – Lossi
Lossi; Iemanjá – “Doce mãe de todos”, Odoya; Nanã – “A mãe de todas as mães” – Saluba;
Oxaguiã – “A força que realiza” – Êpa Babá; Oxalufã – “Pai criador, senhor da vida e dos
mortos” – Êpa Babá.
Ao escolher certos logradouros do Centro Histórico, Nai Gomes associa os elementos
da natureza aos espaços habitados ou presididos pelos orixás. Os trilhos ferroviários abaixo do
Hotel Globo são de Ogum, orixá do ferro, da metalurgia e da guerra; a fonte da Ladeira da
Borborema, Oxum, orixá das águas doces; a Casa da Pólvora, Iansã, deusa da cor vermelha que
cospe fogo pela boca; e assim sucessivamente para os demais orixás cujos mitos são relidos
pelo artista.
45
Exposição contemplada pela 3ª Edição do Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras,
patrocinado pela Petrobrás, com realização do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Osvaldo dos
Santos Neves (Cadon), em parceria com a Fundação Cultural Palmares e o Ministério da Cultura.
46
Ver: <https://www.youtube.com/watch?v=yqVKUbB3Wds>. Acessos em: nov./dez.2018.
Figura 9 - Nai Gomes finalizando a tela Omulu, Mosteiro de São Bento, Centro Histórico, João Pessoa-PB,
2015.
Na pintura é possível visualizar o desenho de uma figura humana, cujo corpo encontra-
se pontilhado de branco, simbolizando as feridas/pipocas de Omulu. Não por acaso, ela foi
concebida em frente ao Mosteiro de São Bento, santo sincretizado com Omolu, cujos devotos
lhe imploram a cura para todas as enfermidades, especialmente o cancro e outras doenças de
pele.
A obra revela o emblema de Omolu, isto é, o feixe de nervuras de palma, vassoura
mágica, com o qual ele varre as doenças do mundo. As fibras de palha que ocupam a tela
recordam o mito no qual Iansã, ao comparecer a uma festa real, quisera dançar com o reticente
orixá da cura/doença (PRANDI, 2001). Tenaz, ela o conduz ao centro do salão, gira em torno
de si mesma, sopra com intensidade, provocando uma forte ventania, que descobre o corpo de
Omolu. Enquanto todos olhavam assombrados, suas feridas se transformavam em pequeninas
flores e depois em pipocas que deixaram o chão recoberto de branco. O que ocorre, nesta
narrativa, é a transmutação das chagas em pipocas que pulam do seu corpo, aliviando-lhe o
estigma ocultado por baixo do capuz de palha ou azê.
Nada no candomblé é aleatório; portanto, os títulos que identificam a videoinstalação
Buruburu e as pinturas da mostra Kolofé sinalizam passagens míticas. A despeito da linguagem
artística que difere os trabalhos de Heráclito e Gomes, suas obras se encontram através da
evocação do arquétipo do orixá da varíola.
Com vistas à articulação entre os campos da arte e da antropologia, da arte e da religião,
concluo esta reflexão introdutória reiterando o seguinte pressuposto: Para apreender os
conteúdos míticos e simbólicos expressos nas produções aqui examinadas, bem como nas
recriações plásticas de outros artistas afro-brasileiros, é preciso (re)conhecer o referente cultural
veiculado por ela – ou seja, os motivos, as composições, as narrativas visuais e as ações que
revelam aspectos da cosmogonia, mitologia e hierofania do mundo nagô-ioruba.
Na ausência desse repertório – hoje acessível através de exposições, catálogos,
bibliografias, revistas de arte etc. –, a recepção de muitas obras ditas afro-brasileiras poderá
resultar numa leitura imediata da “arte pela arte”, livre e desinteressada, limitada ao vocabulário
formalista ou à decodificação do itens visuais aparentes (técnicas, cores, suportes etc.).
Referências
MAITÊ, V. Kolofé: um caminho de expansão afro cultural. In: Kolofé: um caminho de expansão
afro cultural. João Pessoa-PB: Ateliê Multicultural Elioenai Gomes, 2015. (Catálogo)
Site Consultado
TESSITORE, M. Ayrson Heráclito: um artista exorcista. Arte!Brasileiros, 27 de junho de
2018. Disponível em: <https://artebrasileiros.com.br/sub-home2/ayrson-heraclito-um-artista-
exorcista/>. Acessos em: nov./dez.2018.
CANDOMBLÉ RESISTÊNCIA CULTURAL: SURGIMENTO E
CONSOLIDAÇÃO NO SÉCULO XIX
Resumo
1 Introdução
47
Mestranda no Programa de Pós-graduação em História, na linha de pesquisa História Cultural das Práticas
Educativas, da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. E-mail: dulceloss@hotmail.com.
oficialmente na Bahia nas primeiras décadas do século XIX com a chegada dos negros de
origem nagô. Antes disso, a religiosidade afro-brasileira estava presente em diversas regiões,
mas com muita repressão e pouca visibilidade. Nesse contexto, o nosso objetivo é o surgimento
do candomblé ocorrido com o tráfico dos escravos para o Brasil e às histórias conectadas entre
os povos que contribuíram para a formação dessa religião tipicamente brasileira.
Desenhando um panorama histórico do tráfico de escravos e sua cronologia, temos três
grandes ciclos: o ciclo da Guiné, durante a segunda metade do século XVI o ciclo de Angola e
Congo, no século XVII, e o ciclo da Costa da Mina, durante os três primeiros quartos do século
XVIII (PARÉS, 2006). Pierre Verger, em seus estudos, acrescenta o ciclo da baia de Benim,
entre 1770 e 1850, incluindo o período do tráfico clandestino. Para este trabalho deter-nos-
emos, sobretudo, no terceiro e no quarto ciclo, que estão compreendidos ao longo do século
XVIII e durante a metade do século XIX, período em que um maciço contingente de escravos
da Costa da Mina, a partir de 1820, aportou na Bahia sobrepujando tanto os povos jejes (Guiné)
como os povos de Angola.
Referindo-se à diáspora forçada da população africana no Brasil, encontramos uma
situação deveras singular nas quais diversos grupos humanos foram deslocados de suas
sociedades e instituições religiosas, e que ao serem transladados para um novo espaço social
trouxeram uma pluralidade de culturas na forma de memória e de experiências individualizadas,
porém sem aportes de instituições sociais que lhes dessem expressão. Fora do campo religioso,
nenhuma das instituições culturais africanas logrou, entretanto sobreviver com suas estruturas
próprias. Os calundus, os batuques e as irmandades católicas de homens negros, foram
importantes espaços de sociabilidade, uma forma institucionalizada de organização dos pretos,
aceita e até encorajadas pelas classes dominantes.
Tracejar um estudo bibliográfico de cunho histórico documental em um panorama que
marca a formação do candomblé, uma religiosidade afro brasileira, é o nosso intento, pois surge
quando as imposições econômicas da colonização transplantaram da África várias etnias de
origem territorial diferentes, com suas respectivas culturas diferenciadas.
2 Fundamentação Teórica
3 Metodologia
Com uma abordagem qualitativa a pesquisa tem como base um conjunto de dados
produzidos que devem ser interpretados, compreendidos e contextualizados e não quantificados
ou mensurados (MINAYO, 1995). Antônio Chizzotti (2003, p 221) enfatiza que a pesquisa
qualitativa implica em uma “partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos
de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são
perceptíveis, a uma atenção sensível” o que implica dizer que, após esta experiência, o
pesquisador em uma hermenêutica traduz em texto os significados patentes ou ocultos de seu
objeto de pesquisa.
A metodologia utilizada será bibliográfica, narrativa, de conhecimento cientifico no
intuito de coletar e analisar dados referentes à diáspora africana e à formação do candomblé no
território brasileiro. Nossas fontes serão alicerçadas nas obras dos referidos historiadores acima
citados e nos jornais digitalizados na Biblioteca Nacional.
4 DESENVOLVIMENTO
As primeiras notícias dos cultos africanos datam do século XVII segundo Renato
Silveira (2006). De forma muito diversa, a religiosidade africana se mostrava nos folguedos,
batuques (ajuntamento de negros que envolvem dança e toques de palmas, tambores ou outros
instrumentos) e calundus, o único alivio do seu cativeiro (SOUZA, 1986) no período colonial
através de cantos, danças, cerimônias públicas, atendimentos e ritos de cura a prática sistemática
dos rituais (calundus) trazidos da Costa dos Escravos em África. Os calundus se desenvolveram
paralelamente aos batuques e às folias das irmandades católicas. Desenvolvendo-se
principalmente no contexto urbano ou nas plantações de açúcar, os calundus e os batuques
ocorreram como uma forma de resistência cultural e como fator de integração e coesão social,
que se tornaram elementos determinantes para a perpetuação das organizações coletivas negras.
As primeiras menções aos calundus no Brasil são de 1680, por ocasião do Santo Oficio
da Inquisição, mas somente por volta de 1780, nos documentos relativos a esse mesmo Santo
Ofício, há menções sobre pretas da Costa da Mina, fazer bailes às escondidas, tendo uma preta
velha como mestra e “com altar de ídolos, adorando bodes vivos, untando seus corpos com
diversos óleos, sangue de gado e dando a comer bolos de milho depois de diversas bênçãos
supersticiosas” (VERGER, 1981, p. 21). O processo de surgimento do Candomblé, portanto foi
marcado por uma gradual progressão do sistema religioso afrobrasileiro, indo dos batuques e
calundus, passando pelas redes de irmandades religiosas, até às primeiras comunidades
estruturadas com liturgias e teologias sistematizadas como uma complexa organização eclesial.
Referindo-se às irmandades católicas, especialmente na segunda metade do século
XVIII, veremos serem elas as instituições sociais que mais contribuíram para o processo
dialógico que aos poucos foram criando e definindo os contornos estruturais e sociais das
diversas nações africanas no Brasil, reagrupando negros oriundos de África (Guiné, Angola,
Costa da Mina e Golfo do Benin), com suas especificidades étnicas em que estes se
desenvolveram: Bantos, Angolas, Jejes e Yorubás.
Veremos assim (Cf. Parés 2006) a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
às Portas do Carmo (Baixa do Sapateiros – BA), cuja existência data de 1685, sendo em 1700
erigida às Portas do Carmo, como sendo um reduto dos negros angolas e que a partir do século
XVIII foi obrigada a admitir irmãos jejes e crioulos, assim como mulatos e mesmo brancos; a
Irmandade do Senhor Bom Jesus das Necessidades, Redenção e Redenção dos Homens Negros
erigida na Capela de São Frei Pedro Gonçalves, vulgarmente denominada de Corpo Santo, na
Cidade Baixa – BA, onde em 1752 foi fundada pelos escravos jejes a devoção do Senhor Bom
Jesus das Necessidades e Redenção. A maioria dos pesquisadores contemporâneos identifica
esta Irmandade como sendo exclusivamente jeje, ou de negros daomeanos gege, devido a um
compromisso dessa irmandade redigido em 1913.
Já em meados do século XVIII “um grupo de crioulos, provavelmente descendentes de
africanos da Costa Mina, fundou a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios” (SILVEIRA
2006 p.151), na velha capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos das Portas do Carmo. Em
1764 esta irmandade transferiu-se para a Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha, instalando
seu culto no altar de Nossa Senhora da Piedade, convivendo com uma confraria de homens
brancos com grande prestigio social e negros malês.
Diante deste quadro, organizações tradicionais, se formaram na clandestinidade
escravocrata, geradas com estruturas similares às africanas, e foram capazes de criar, em torno
daquelas Irmandades, uma instituição religiosa com “progressivo nível de complexidade social
e ritual” (PARÈS, 2006, p. 118) que funcionou como eixo de articulação e reinterpretação de
uma unidade daquela diversidade migratória. Segundo João José Reis:
A irmandade representava um espaço de relativa autonomia negra, no qual seus
membros - em torno de festas, assembleias, eleições, funerais e missas e da assistência
mutua – construíram identidades significativas, no interior de um mundo às vezes
sufocante e sempre incerto. A irmandade era uma espécie de família ritual, em que
africanos desenraizados de suas terras viviam e morriam solidariamente. Idealizadas
pelos brancos como um mecanismo de domesticação do espirito africano, através da
africanização da religião dos senhores elas vieram a construir um instrumento de
identidade e solidariedade coletiva. (REIS, p.4)
Desse modo, o candomblé que surgi no século XIX tem a influência das Irmandades em
relação à organização e carrega consigo uma reconstituição não apenas da religião africana,
mas de aspectos culturais da África original, “numa espécie de reposição da memória que ficou
para trás” (PRANDI, 2005, p.166). O candomblé, a partir daí, transformar-se-ia em seu corpus
num exemplo de “resistência cultural” se constituindo “um verdadeiro pedaço da África
transplantada”, um universo que unia “homens e crianças num todo coerente e funcional”, no
qual se expressava “o triunfo das normas coletivas” (BASTIDE, 1971 p. 312, 313).
O termo candomblé segundo pesquisas realizadas em periódicos na Hemeroteca Digital
da Biblioteca Nacional apresentam: no diário de Pernambuco em14/05/1829 candomblé como
nigromancia (feitiçaria de negro). No Correio Mercantil da Bahia em 12/09/1839 intitulando
candomblé como sendo de preto velho, já o Argos Cachoeirano (1850) do Espirito Santo e o
Diário da Bahia (1858) relatam perseguições de policiais a casas com agrupamentos de negros
praticando feitiçarias, denominando-as candomblé. Sobre a cronologia no processo de
institucionalização do candomblé, Luís Parés explica que:
Mesmo estando presente no Brasil desde os primeiros negros que aqui desembarcaram,
foi somente no século XIX, com a presença de negros libertos e seus descendentes nas grandes
cidades que a população negra conheceu a possibilidade de maior integração entre si, com
liberdade de movimento, podendo agregar-se em residências coletivas criando e reconstituindo
uma África simbólica que foi, durante pelo menos um século, a mais completa referência
cultural para o negro brasileiro, o candomblé. (BASTIDE 1971). O primeiro candomblé a se
oficializar foi o da Barroquinha, entretanto salientamos que não podemos deixar de reconhecer
a matriz jeje como constitutiva e determinante da gênese do candomblé, sobre este assunto Luís
Nicolau Parés (2006) realiza um amplo estudo em sua obra A Formação do Candomblé:
História e ritual da nação jeje na Bahia.
É célebre a frase de Pierre Verger que aponta para o Candomblé da Barroquinha como
sendo o primeiro terreiro de candomblé da Bahia, “várias mulheres enérgicas e voluntariosas,
originárias de Keto, antigas escravas libertas, pertencentes Irmandade de Nossa Senhora da Boa
Morte da Igreja da Barroquinha, teriam tomado a iniciativa de criar um terreiro de candomblé
chamado Iyá Omi Asé Aura Intilé” (VERGER, 2002, p.28).
Renato Silveira (2006) apresenta, variadas e controversas versões sobre esta fundação,
revelando algumas possibilidades de interpretações, apoiadas em estudos elaborados por
diversos autores. Em um primeiro momento, os autores argumentam terem sido três as
fundadoras do candomblé da Barroquinha:
Desta forma a data da fundação do Candomblé da Barroquinha, nação Keto, deu-se nos
últimos anos do século XVIII, veremos a cronologia de fundação bem apresentada e
documentada em Silveira (2006, p. 374), gerando a partir deste núcleo inicial, vários outros
terreiros a partir dele, a exemplo de: O Terreiro do Gantois, “Iyá Omi Àsé Iyamase” e o “Centro
Cruz Santa do Axé Opô Afonjá”, que foi instalado em 1910 e estes originaram muitos outros,
que originaram mais outros “pelo jogo complicado das filiações” (VERGER, 2002). A partir
de 1960, extravasa progressivamente suas fronteiras geográficas, abandonando os limites
originais de raça e etnia dos fieis e ampliando seu território se fazendo visível através da
imagem capturada pelas artes e costumes marcando presença em esferas culturais não
religiosas: literatura, cinema, teatro, música, carnaval, televisão, culinária etc.
Vale ressaltar que as religiões de matriz africana, foram proibidas, não toleradas e
perseguidas por órgãos oficiais nos primeiros séculos de sua existência, ainda hoje os adeptos
dessas religiões continuam a sofrer agressões, menos da polícia e mais de seus rivais
pentecostais, e seguem sob forte preconceito, num país que se denomina laico.
Conclusões preliminares
ALENCASTRO, Luís Felipe. O Trato dos Viventes: formação do Brasil Atlântico Sul. Editora
Civilização Brasileira. 2000
BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia: rito nagô. Companhia das Letras. 2001.
REIS, João José. A morte é uma festa. São Paulo: Cia. das Letras, 1991
VERGER Pierre. Deuses Iorubas na África e no Novo Mundo. Editora Corrupio. 1981.
Fluxo e Refluxo Do Tráfico Escravos Entre o Golfo Do Benin e A Bahia de Todos os Santos
dos séculos XVII a XIX. Salvador Corrupio, 2002.
Como elas sabem? Corpo, aprendizagem, educação e religião na infância
RESUMO: O objetivo deste trabalho é discutir o religioso como ação educacional direcionado
a criança no espaço da escola pública, procurando traçar uma análise de como a criança
compartilha seus conhecimentos religiosos e como percebe a religiosidade no contexto escolar.
Reflito o que media estas percepções, como entendem a diversidade e como o corpo é agente
ativo e informado socialmente. A observação participante buscou entender com as crianças suas
compreensões. Por fim, em relação a religiosidade que até então as crianças compreendem e
(re) conhecem nos contextos educacionais que participam, aponto brotar entre empatias e
estranhamentos através/com/a partir do corpo nas relações intra e intergeracionais.
PALAVRAS-CHAVES: Criança. Religiosidade. Corpo. Educação.
INTRODUÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
48
Caracteriza-se por intergeracional quando falamos nas relações entre gerações que se entendem como diferentes
(adultos e crianças por exemplo) e intrageracional como sujeitos pertencentes à mesma geração. (MENDONÇA,
2018, p. 22).
contexto. Apesar da escola ser reconhecida como reprodutora de dogmas e disciplinadora
através de diferentes concepções de educação, podemos analisar como a prática do sagrado se
afirma em muitos contextos escolares nas ações dos corpos que participam desta, inclusive
perceptível a partir das crianças de seu corpo (físico e mental) expressado verbalmente ou de
atos físicos, das performances.
METODOLOGIA
Portanto, aproveitando a própria rotina da sala da aula em que estava atuando como
professora, os corredores e outros momentos no contexto escolar, esta pesquisa emergiu diante
dos olhares, vozes e ações das crianças com e no ambiente em suas vivências religiosas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Era muito comum ouvir as crianças cantarolarem músicas gospel durante a aula ou em
brincadeiras na quadra mesmo me relatando que não iam na igreja, mas mostraram que as ações
de rezar e músicas religiosas fazem parte de seu cotidiano, o que sugere que são práticas e
rituais que viram rotinas até mesmo em momentos de convívio familiar e situações
descontraídas como em suas brincadeiras. Elas aprendem que através destas práticas e
sensações que emergem nestas vivências seu corpo é protegido e aprende a se relacionar de
maneira harmoniosa, mesmo que por vezes analisam não fazer sentido para elas.
CONCLUSÃO
Neste trabalho foi destacado que as práticas e os rituais da escola que envolvem os
adultos e crianças há uma relação de adaptação, conflito e questionamento por parte das
crianças em relação ao contexto religioso que se reforça na escola pública. Porém o que se
pretendeu refletir é que as crianças na diversidade de suas historicidades e entendimentos não
estão passivas a estas ações, mas sim participantes, afinal “elas também, não sendo uma "coisa
dada", são produto e produtoras de sentidos e de novas experiências sociais. (MALUF,2001, p.
99, ).
Ao se perceberem integradas e instigadas comunicativamente no contexto social onde o
religioso se (re) apresenta como modelo de se viver bem no presente e no futuro, as crianças se
posicionam criticamente em relação ao que até então compreendem e vivenciam socialmente,
mesmo diante da orientação do adulto (professor ou funcionário) que geralmente impulsiona
suas convicções.
Considero que o contexto informa o comportamento do corpo na criança, mas nem
sempre esta vai interagir significativamente como ele procura direcionar, talvez porque a
própria criança esteja separando os rituais de acordo com o contexto em que frequenta, ao
contrário do adulto que apresenta o simbólico de sua religiosidade nos espaços que participa,
como no caso desta instituição escolar.
Ao visibilizar este assunto na infância procurando entender que o grupo é heterogêneo
e aqueles pertencentes a esta categoria em trajetória de vida (PROUT, 2010) tem conhecimento
e historicidade, podendo em uma relação cuidadosa de adultos e crianças, colaborar com o (re)
conhecimento da participação da criança no contexto de modo que ela (re) crie habilidades,
pense no outro e não apenas em si própria durante seu crescimento, aliás como comumente é
vinculada a ideia de egoísta nata, digo que há controvérsias. São ações a serem incorporadas no
e através do corpo que possa dar ação aos pensamentos, aos valores, as morais através do fazer
que media a aprendizagem demonstrando respeito a partir da ação dos educadores no ambiente
educacional.
Este fazer remete-nos não só a força do gesto coletivamente aprendido, mas pela força
da mente e da palavra que também se aprende coletivamente, não apenas se copia, mas se (re)
cria.
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
(Primeira parte. Capítulo I. O corpo dos condenados. Terceira Parte. Capítulo I – Os corpos
dóceis.)
LATOUR, B. Como falar do corpo? A dimensão normativa dos estudos sobre a ciência.
In: NUNES, J. A.; ROQUE, R. (Org.). Objetos impuros: experiências em estudos sociais da
ciência. Porto: Afrontamento, 2008. p. 40-61.
LE BRETON, David. Antropologia Del Corpo e Modernidad. 1ª ed. Buenos Aires : Nueva
Vision, 2002.
LOYOLA, M. A. Médicos e Curandeiros: conflito social e saúde. São Paulo, Dífel, 1984
PIRES, Flávia. Quem tem medo do mal assombro? Religião e infância no semiárido
nordestino. Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007.
____________. Pesquisando crianças e infância: abordagens teóricas para o estudo das (e com
as) crianças. Cadernos de campo, São Paulo, n. 17, p. 1-348, 2008.
Andréa Caselli49
Resumo: Este texto apresenta ideias e definições sobre religião, espiritualidade e literatura na
contemporaneidade. Sob os paradigmas da pluralidade religiosa e da individualidade
cosmopolita, a literatura contemporânea tem contemplado os gêneros fantástico e maravilhoso
de forma exaustiva e mercadológica. Diante disso, é possível traçar uma profunda relação entre
religiao e tais gêneros, consolidando a presença do sagrado e de outros elementos religiosos na
literatura e no cotidiano cultural das pessoas. Como referencial teórico, foi utilizado um acervo
transdisciplinar de linguistas, críticos literários, teólogos e historiadores.
Palavras-chave: Religião e literatura. Literatura e sagrado. Literatura fantástica. Literatura
maravilhosa. Religião e contos de fadas.
Abstract: This text presents ideas and definitions about religion, spirituality and literature in
the contemporary world. Under the paradigms of religious plurality and cosmopolitan
individuality, contemporary literature has contemplated the fantastical and marvelous genres in
an exhaustive and marketing way. Given this, it is possible to draw a deep relation between
religion and such genres, consolidating the presence of the sacred and other religious elements
in the literature and in the cultural daily life of people. As a theoretical reference, a
transdisciplinary collection of linguists, literary critics, theologians and historians was used.
Key-words: Religion and literature. Literature and sacred. Fantastic literature. Marvelous
literature. Religion and fairy tales.
Muito já foi discutido em meio acadêmico sobre teologia e debates literários, não
somente em torno dos textos bíbicos, mas também abrangendo vários gêneros textuais. Bastante
recorrentes também são os estudos entre literatura considerada clássica e religião. Obras
iterárias que envolvem política, ascenção e queda social e historiografia como os textos de
Dostoiévsky, José Saramago e Miguel de Cervantes já foram incansavelmente analisadas à luz
da teologia e das Ciências da Religião.
Contudo, há a literatura de ficção fantástica – inluindo-se neste conjunto a literatura
maravilhosa - que surge em fins do séc. XVIII e apresenta inumeráveis referências ao
sobrenatural e às mitologias mais diversas e antigas, mas adquirindo maior atenção dos teólogos
e dos cientistas da religião apenas no começo do século XXI. Sendo assim, tentaremos, no
.
49
Doutoranda em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba. Email: sirenithada@gmail.com
decorrer das páginas seguintes, discutir sobre as influências e contribuições da mística contida
nas literaturas populares e fantásticas nos estudos em Ciênicas da Religião.
A aplicação de ideias e linhas de pesquisa entre teorias literárias e estudos teológicos já
constitui matéria consolidada em ciências das humanidades. Da mesma forma, pesquisas entre
literatura e religião na perspectiva dos textos sagrados ou da poesia épica também apresentam
o mesmo sucesso. No entanto, há um nicho ainda em expansão no que diz respeito a tal temática:
Outra perspectiva de estudos procura notar como a literatura pode permitir uma maior
compreensão do fenômeno religioso, ou de como ela expressa este fenômeno. Em outras
palavras, procura-se fazer uma interpretação das narrativas ficcionais fantásticas e
maravilhosas, populares e contemporâneas, a partir de uma perspectiva religiosa.
Uma das principais características desse panorama de análise é sua
transdisciplinaridade, uma vez que lança mão de um instrumental transdisciplinar em função
de suas leituras, e também procura notar como a produção literária é aberta a uma leitura
religiosa e de como este tipo de leitura também se apresenta como uma alternativa na análise
do fenômeno religioso. Um fato primordial a ser desenvolvido sobre tal questão é que a
literatura busca, no mundo real, apreender o sentido deste para exprimi-lo de acordo com uma
especificidade sua na ficcionalidade.
Apesar de o universo literário não ser o mundo real, é inspirado neste e então o
transcende. Há um comprometimento da literatura com a verdade. Não que haja a possibilidade
de uma literatura verdadeira ou falsa, mas a verdade da literatura está no fato de esta falar
sempre do essencial, do que ultrapassa a comunicação direta da linguagem. Para Ezra Pound, a
literatura é linguagem carregada de significado e pode-se acrescentar a isso que a literatura não
faz questão de demonstrar seus significados, sua verdade (Pound, 1995, p. 32).
É relevante lembrar o quanto a linguagem da mística, em qualquer tradição religiosa, é
uma expressão poética pura; e como, curiosamente, a linguagem apofática é tão cara aos
místicos, uma vez que estes procuram nomear o que não pode ser nomeado, dizer o indizível,
muitas vezes se aproximando do silêncio. A mística está presente no maravilhoso e no fantástico
através da metáfora, da presença do sorenatural e do seu modo literário. A mística contida na
narrativa metafórica que comunica por imagens e elementos folclóricos, sutilmente comporta
em si os vestígios de uma religião popular e primária. O conto de fadas, por exemplo, apenas
porta rastros do sagrado, mas não é o sagrado, portanto este dificilmente se esgotará na
narrativa, por mais que permita que esta fale nele. O sagrado desloca-se no texto, mas, enquanto
apenas rastro, permanece indizível.
Tratando mais diretamente da tarefa de interpretar textos, o linguista Umberto Eco, em
Interpretação e Superinterpretação (1997), expõe algumas idéias, principalmente sobre o caráter
apofático da linguagem quando procura falar do divino. Eco reconhece a existência de um
segredo em tudo no universo, e que a tentativa de se revelar um segredo sempre conduz a um
outro e assim progressivamente, até se perceber que o segredo último é impossível. Pois tudo é
segredo, ou talvez um segredo vazio.
O leitor/autor então “transforma o teatro do mundo inteiro num fenômeno lingüístico e,
ao mesmo tempo, nega à linguagem qualquer poder de comunicação” (Ibid. p. 45).
Corroborando a idéia que reconhece que a linguagem humana é inadequada para falar sobre
sacralidade, Eco atesta estar exatamente na possibilidade de ambigüidade e polivalência da
língua, ou seja, em sua falta de precisão, sua maior adequação para falar sobre o mistério, visto
não ter este uma forma final definida, ou um significado tangível.
Se reconhecemos que atingir o mistério é conhecer a verdade e que o falar da narrativa
maravilhosa popular sobre o mistério e no mistério é uma forma de participarmos deste, é
possível concordar com Eco quando este diz: “A verdade é secreta e nenhum questionamento
dos símbolos e enigmas jamais revelará a verdade última, só deslocando o segredo para outro
lugar”. (Ibid. p.46). A literatura, o maravilhoso mais especificamente, permite um deslocar-se
no mistério, pois não quer dizer algo unívoco, não quer ser a palavra última, e nisso encontra,
certamente, sua verdade.
Na atuaidade na qual tudo é ligeiro, líquido, cibernético; a literatura acompanha tal
necessidade e produz cada vez mais narrativas curtas e precisas. O estilo de escrita que exprime
textos curtos e diálogos acertivos e tornou bastante popular e mercadológico.E para falar sobre
religião ou incluir o sentimento religioso nos leitores, as narrativas recorrem à proximidade com
o sobrenatural. Sobre esse ponto, ainda podemos usar a opinião de Eco (1994, p. 9):
Sendo assim, conclui-se que não é necessária sequer uma trama para o desenrolar do
texto, pois simples narrativas já são o suficiente para que se trabalhe o sagrado e a
espiritualidade, o que ceracteriza as ficções fantásticas e maravilhosas populares que também
estão muito presentes nas atuais culturas. Contudo, o processo educativo se constitui como
agente principal da valorização desses gêneros literários como influenciadores do pensamento
religioso, visto que estão presentes em histórias em quadrinhos, em obras cinematográficas e
demais produtos consumidos por jovens e utilizados constantemente por educadores. O
fantástico e o maravilhoso, no contexto cosmopolita atual, abrangem a cultura popular
globalizante e estão presentes nos ambientes de lazer, nas escolas, nas universidades e nas
demais instituições humanas. Super-heróis, fantasmas, guerreiros intergalácticos e e seres
mágicos permeiam diverss culturas e se relacionam entre elas através dos textos literários e seus
derivados.
Não é intenção deste texto exaurir o assunto ou dar a palavra final sobre o tema, mas o
objetivo aqui é trazer à tona algumas possibilidades de relacionamento entre religião e literatura
fantástico-maravilhosa. Este artigo tem o fim didático de promover ideias para o estudo da
literatura também como conteúdo revelador da experiência religiosa humana. A literatura
constitui foco de interesse enquanto área do saber que que expressa modos de vida, estruturação
social e cosmovisão cultural. Isto posto, a solidariedade intelectual do texto se expressa em
sua modéstia, na argumentação das possíveis intersecções entre religião e literatura. No que diz
respeito à narrativa maravilhosa popular, por exemplo, evoca grande sabedoria em pequenas
narrativas.
Apresenta-se aqui uma ilustração em perspectiva de mapeamento, sinalizando o que há
e o que se tem discutido sobre religião e literatura fantástico-maravilhosa, ensejando os leitores
a irem além. Para tanto, é importante também delimitar terminologicamente o que se quer
dizer quando se fala sobre religião. Neste texto, optou-se simplesmente por utilizar o termo
religião, reconhecendo que - sob esta matriz nominativa - é possível aludir tanto à religião
enquanto fenômeno religioso, num sentido epistemológico, às religiosidades, isto é, às
expressões religiosas cotidianas eróticas e heréticas, sincréticas pragmáticas e híbridas; quanto
à religião institucionalizada e à instituição religiosa, aos preceitos e às normas convencionais,
aos argumentos legitimados e legitimadores de crenças e ritos. Para os propósitos deste texto,
portanto, utiliza-se simplesmente o termo religião, alertando pontualmente para essa gama
diversa de perspectivas, ênfases, conceitos, ou, indo além, apresentando definições quando
necessário.
O sociólogo José Pereira Coutinho (2012, p. 172), faz uma reflexão sobre as
transformações do sentimento religioso no devir histórico. Segundo ele, as expressões religiosas
evoluem como outros conhecimentos humanos:
De acordo com Coutinho - e sua opinião é uma das mais atuais e concisas sobre o tema,
além de estar em concordância com a de outros pesquisadores contemporâneos no Ocidente -
as múltiplas definições de religião podem caracterizar-se como substantivas, descritoras de sua
essência e de suas crenças. Se mostram como o acolhimento da experiência do outro ou do
sagrado. São também funcionais e refletem o papel social da religião. Sendo assim, e
observando todas essas qualidade, mesmo marcada pelo contexto temporal, social, académico
e ideológico de cada autor, tais conceitos colaboram para a compreensão da religião.
Etimologicamente a palavra religião deriva do latim, podendo significar religar, reler ou
reeleger. Nas três hipóteses está presente a ligação da humanidade com o sagrado. Então, fica
perceptível uma das principais características da religião, que é a ligação humana com algo
superior ou transcendente, que o leve a um nível do desconhecido/miraculoso. O contexto
cultural influencia sobremaneira a definição de religião. O folclore e as manifestações religiosas
populares dão o tom da sacralidade por meio de objetos, festas, celebrações coletivas, narrativas
compartilhadas e expressões artísticas. Assim, a religião é a relação com algo superior e
transcedente, mas é de forma concomitante a integração com a própria natureza com seus seres
vivos e orgânicos.
Em termos pragmáticos, a religião é um sistema composto por descrições do sagrado,
crenças que respondem ao sentido do mundo e da vida, práticas para expêciências de integração,
orientações normativas do comportamento e valores e atores coletivos com regras e recursos
próprios. Em termos funcionais, a religião permite normatizar a conduta individual,
providenciar coesão social, consolar, aliviar, redimir, fortificar a vontade, dar sentido à vida,
possibilitar a crescer e amadurecer e proporcionar consciência identitária.
A religião também pode parecer um sistema que comporta instituições estruturadas, mas
na contemporaneidade, na qual a questão da espiritualidade individual está muito presente, não
mais o sujeito necessita estar filiado a uma instituição para expressar crenças, regras e recursos
ritualísticos, símbolos, visões de mundo e experiências catárticas. A espiritualidade e a
liberdade de expressão, mutuamente intensificados, encontram-se no propósito da religião
cosmopolita, reforçando-se reciprocamente. As coletividades não deixam de existir, porque a
humanidade é também conjunto e as experiências são o modo pelo qual o coletivo se mantém.
Embora cada elemento possa agir separadamente, as visões do mundo podem juntar-se às
crenças, pela sua essência análoga, os símbolos e as experiências podem fazê-lo em relação às
práticas pela mesma razão. Os autores utilizam variadas formas para definir religião,
construindo as suas enunciações com os elementos acima referidos.
Esta presença de relação comunitária ou individual com o sagrado, o cerne das religiões,
leva-nos ao questionamento imprescindível sobre a espiritualidade. Esta partiu do interior das
religiões tradicionais para a construção criativa do indivíduo, auxiliada de elementos daquelas
e/ou de elementos animistas, pagãos, esotéricos, ocultistas, seculares. Relacionando religião
com espiritualidade - pois uma comparação não seria coerente, já que são ocorrências distintas
- a primeira associa-se a vivências sob autoridades externas/superiores e a instituições, a
segunda a experiências sob a própria autoridade individual. Para Giordan (2009), a religião
consiste na dimensão institucional da relação com o sagrado, baseando-se em verdades, ritos e
normas que sujeitam o indivíduo. Já a espiritualidade parte da liberdade de escolha do sujeito,
da sua experiência, dos seus sentimentos, do seu bem-estar e da sua realização.
A espiritualidade consiste numa relação pessoal, individual com o sagrado em si ou fora
de si - imanente ou transcendente - enquanto na religião a ligação ao sagrado realiza-se por
práticas institucionalizadas. Na espiritualidade subjetiva, tendo o sujeito como centro da busca
e da experiência, tenta aprofundar-se a relação do indivíduo consigo mesmo, para se conhecer
melhor, se aperfeiçoar ou desenvolver as suas capacidades. Na espiritualidade contemporânea
e cada vez mais digital/cibernética,o sujeito ruma a algo considerado por si superior, tendo em
vista relacionar-se e colher benefícios desta fonte. A espiritualidade, reflexo do atual
individualismo e da autosuficiência, centra o indivíduo como sujeito e como objeto. Como
objeto, o indivíduo precisa do próximo para avançar; como sujeito, basta-se a si próprio para se
desenvolver.
O historiador Lucien Febvre afirmou que a história é filha de seu tempo e tal premissa
pode ser aplicada também à religião. Quando o historiador reúne fontes primárias, ou seja,
sinais, vestígios sobre um fato ou sociedade que deseja estudar, ele não poderá recuperá
exatamente aquilo que aconteceu. Além disso, a forma como os historiadores analisam os fatos
é bem influenciado por suas experiências e estilos de vida, pelos seus valores, pela sua cultura
e pela forma de pensar de seu próprio tempo. Assim também é a realidade de qualquer outro
profissional que lida com presenças humanas.
A religião também é filha de seu tempo por ser profundamente influenciada pelas
manifestações humanas que a compoem. Não somente a literatura contemporânea é repleta de
elementos fantásticos e maravilhosos, mas esse fato também se estende para as artes, a mídia,
o mercado cultural como um todo. Muitos foram os contributos para que tal fenômeno tenha
sido possível e o sociólogo Peter Berger o explica, no devir de seu peóprio tempo, as influências
que levaram ao estado atual das religiões no Ocidente.
Em seu livro “O dossel sagrado”, publicado em 1969, Berger se baseia em teorias
socialistas de cunho marxista e gramsciano para defender o processo de secularização. Ou seja,
na perda de poder e de prestígio social da religião está também o desfavorecimento político das
instituições religiosas, acarretando em um processo através do qual a religião perde a sua
influência sobre as variadas esferas da vida social. Tal declínio religioso acarretaria a
diminuição do número de membros das religiões e de suas práticas, na perda do prestígio das
organizações religiosas e na desvalorização das crenças e dos valores a elas associados.
Muito posteriormente, no livro “Os múltiplos altares da modernidade”, publicado em
2014, o autor humildemente reconhece ter se equivocado em suas conclusões e discursa sobre
o paradigma contemporâneo da pluralidade religiosa. Não só Berger, mas vários outros autores
que se debruçaram sobre o tema no começo do século XXi, percebem que a religião não
declinou, mas se transformou em algo mais presente na vida das pessoas, porém de forma
diversificada, com conceitos amplos. Contudo, é importante notar que tal percepção deve ser
lida como a proposta de um novo modo de vida no qual os novos tempos deixam de ser
sinônimo de secularização e passam a representar pluralismo cultural e axiológico.
E esta parece ser a principal herança intelectual das literaturas fantástica e maravilhosa.
Pois neste tempo em que grupos tão distintos como neonazistas, socialistas americanos,
conservadores, teólogos da inchada, teólogos da prosperidade e grupos de ideologia de gênero
subdivididos arrastam multidões e disputam lugares na esfera pública internacional; as referidas
literaturas oferecem um ponto em comum entre todos eles, pois todos imaginam, sonham e
mantêm relações com o sagrado e com o sobrenatural. Parqdoxalmente, tais escritos são uma
aposta de fé nas virtudes de uma reserva de secularidade em cada um dos múltiplos altares da
modernidade.
A literatura não só é um agente ativo do acontecimento religioso, mas também uma
unidade passiva, já que refletem, em suas narrativas, a fé individual, as sociedades
interreligiosas e os tratos políticos. Contudo e muito importante, a magia nunca deixou de
acompanhar a humanidade devido à incapacidade da religião ou da ciência; sendo que a
literatura sempre se apresentou como um meio para o reflexo desse fato, enaltecendo a magia,
o sonho e a imaginação. Se a ciência não derruba toda a ignorância, sendo incapaz de solucionar
estes e outros assuntos, a magia poderá solvê-los, sobretudo havendo tendências pouco
religiosas. A magia perdura nas ações humanas – principalmente na literatura e nas artes - por
proporcionar soluções para as necessidades materiais e espirituais insatisfeitas de outras formas.
Finalmente, sobre o conceito de religião na contemporaneidade, podemos admirar a
opinião do teólogo Klaus Hock (2010, p. 18):
Conceituar a religião é um debate que não será concluído num futuro próximo e
provavelmente nem conhecerá conclusão. Um dos principais problemas na
conceituação do termo religião reside no fato de que o termo nasceu num contexto
cultural e histórico específico, o ocidental; alimentendo dúvidas e controvérsias
quando é utilizado em outros contextos.
Isto posto, podemos refletir sobre os imbricamentos e relações possíveis entre religiões
e espiritualidades contemporâneas com a literatura; sendo a educação um forte agente para tal
percepção. Vale ressaltar que a literarua fantástico-maravilhosa, enquanto narrativas, sempre
têm a intenção de dizer algo acerca do ser humano e de seu mundo para o próprio ser
humano. O fazer literário faz parte de um exercício comunicacional bem mais complexo que
está relacionado, em seu íntimo, à preservação das memórias. Mesmo que construída sobre
fatos ficcionais e mesmo que concebida para entretenimento, uma narrativa ficcional é
sempre um retrato de algo.
É possivel considerar que o ser humano carrega e expressa uma justaposição
transitiva de histórias herdadas e recebidas que, em algum momento e a todo tempo, lhe dizem
algo sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre sua forma de compreender e compreender-se
no meio em que vive. São histórias reais e ficcionais. “Já que a ficção parece mais confortável
que a vida, tentamos ler a vida como se fosse uma obra de ficção” (1994, p. 124). Seja qual for
a narrativa, uma vai somando à outra, se justapõem e não são completas por si só. Elas
continuam incessantemente agregando-se a outras, sendo transformadas, incorporadas.
É nesse sentido agregador que as narrativas religiosas – os mitos e lentas – se filiam
aos contos e romances contemporâneos, são absorvidos por estes. Como novas leituras e
esquemas interpretativos. Assim, a nova literatura, transformando e agregando valor aos antigos
mitos e relatos cosmogônicos, se assemelha a um palimpsesto, ou seja, é como antigos
pergaminhos que eram apagados para que um novo texto fosse escrito, mas nos quais ainda
eram legíveis os restos das escritas anteriores. A constituição de uma narrativa está vinculada
à capacidade criativa humana, ao poder e à necessidade de compilar realizações, crenças e
esperanças e cocriar a partir delas.
Desta maneira, a construção de uma narrativa está vinculada à necessidade do ser
humano de estruturar um universo simbólico em queele possa se sentir em casa, um
universo simbólico que esteja aí quando as novas gerações nascerem; é o seu legado, a sua
memória, a sua história. Narrar histórias é a forma com que o sujeito diz para si mesmo quais
são os seus medos, as suas esperanças, como o mundo se apresenta para ele e como interpretá-
lo.
A narrativa, como também os elementos mitológicos e religiosos presentes nelas,
sobretudo aqueles ligados ao sentido do heroísmo (como o sacrifício, o altruísmo, os valores,
as angústias, as esperanças, os medos, a busca por um sentido, a formulação de questões
existenciais à vida humana) podem discursivamente, na montagem do texto, na sequência da
ação, indicar não só anseios religiosos de uma comunidade, como expor as crenças e os anseios
individuais de seus autores ou coletores (Reblin, 2010, p. 20-21).
O religioso ou o sagrado numa narrativa não é apenas a representação descritiva no
sentido de contextualizar ou criar o cenário no qual o enredo se desenvolve, mas o conjunto
de elementos que constituem a experiência literária: o cenário, o enredo, os diálogos, as ações,
os símbolos e os valores e a interatividade que se imiscuem nestes. (Reblin, 2010, p. 14).
No exercício de criar, narrar e realizar uma leitura do mundo, os literatura
apresenta componentes religiosos, sendo a religião parte indelével da cultura, criação do ser
humano em sua busca por sentido, sistema cultural e universo simbólico de contextos e
sociedades. Além disso, sabe-se que a religião abrange temas de grande potencial narrativo,
recursos ilustrativos envolventes, sobretudo, a partir de reinterpretações e mistérios, por
lidar com conspirações entre tradições e com o sobrenatural. À parte de sua potencialidade
enquanto recurso narrativo, os elementos religiosos remetem a valores, concepções de mundo
e expressões de sentido que são caros à vida humana e que necessitam ser periodicamente
reafirmados num exercício mítico e anamnético, isto é, de reiterar a origem do intuito de
manter o bem viver e o convívio social saudável.
Portanto, as narrativas literárias - principalmente no que tage ao fantástico e ao
maravilhoso, ficções de maior alcande de público na atualidade - são um caldeirão de
possibilidades para a apresentação e a representação da religião, da experiência religiosa ou de
componentes e temas frenquentes ao âmbito religioso. Na verdade, tal correlação está sujeita
ao modo como a história é contada e o propósito de fazê-lo.
Por fim, concui-se que é possível privilegiar uma concepção ampla de poética, mais
ligada aos antigos, e no entanto também esclarecer melhor o fenômeno contemporâneo no
mundo da pesquisa em teologia, ciências da religião e outros saberes que tratam da questão que
envolve o mistério da vida. A diferença entre os antigos, os modernos e os contemporâneos
pode ser verificada no fato de que a especialização das áreas talvez tenha sua origem em tempos
medievos com a proposta disciplinar organizacional do trivium e do quadrivium, estando ali já,
entre outros elementos, as origens do pensamento lógico sobre o texto e sua influência na
experiência transcendente (Joseph, 2008). Ao passo que para os modernos a classifcação da arte
se dava en-ter mimética e poética, sem se aterem tanto a uma epistemologia própria para cada
forma de arte.
Enquanto elementos miméticos, as artes garantem a relação da artística com a realidade,
a poesia provoca a admiração, espanto que faz pensar. Uma vez provocada a imaginação
humana a ser explorada diante da obra, é o momento oportuno para o lógica, enquanto proposta
de um pensamento que desperta novas correlações na elaboração de uma consciência maior de
si e do mundo em que habita. Tudo isso alarga a percepção da prática. Essa capacidade de
despertar a mente para uma vivência transcedente, talvez possa ser um dos elementos que
permitem integrar as várias formas de, não somente expressar artisticamente a realidade, mas
de recriar a relação que se tem com ela.
Na modernidade e no tempo hodierno as pessoas procuraram pensar suas
especificidades, elaboramram suas epistemologias próprias, na tentativa de definir o que é
literatura, o que é arte, o que é teologia, o que é ciências da religião. São dois momentos
importantes, mas que somente uma das posturas não atende de modo sufciente todas as infinitas
possibilidades. Sobretudo, no que diz respeito ao sagrado enquanto parte de tal realidade não
mensurável, e de difícil conceituação, cabendo quase que de modo apofático nos conceitos de
mistério, de milagre e de maravilhoso.
Sendo assim, apresentar múltiplas interfaces do sagrado e do humano propicia a
compreensão de muitos olhares sobre a dinâmica de relação com a literatura em que a religião
se faz presente, formas criativas de elaboração da percepção da realidade e o que isso ajuda a
pensar, e a pensar o modo de agir na vida; formando assim a relação entre mimética, poética,
lógica e prática, da qual fala Miriam Joseph, no Trivium.
Nesse sentido essas interfaces todas exercem uma função icônica de percepção da do
sagrado e da realidade nele contida, oferecendo imagens nas quais as transformações vão dando
pistas à percepção como chaves de leitura, abandonando formas limitantes de pensar sobre
sagrado, deus e alcançando a percepção mais ampla. Há nessa proposta de reunir as interfaces
do sagrado e da luteratura, um aspecto mais amplo que é uma reeducação estética, enquanto
formas de despertar e ampliar a sensibilidade, por vezes nos espaços tradicionais da religião e
da espiritualidade, por vezes em âmbitos inusitados. Em ambos os casos há que se ter uma
reeducação do olhar, quer seja para que o aparente não perca sua função de processo pedagógico
à contemplação de algo que se esconde, quer seja para que os inusitados espaços possam ser
vistos com uma saudável desconfiança de que podem abrigar algo que per-manece como
misterioso e maior do que se poderia pensar até então.
Referências:
BERGER, Peter. The Many Altars of Modernity: Toward a Paradigm for Religion in a Pluralist
Age. 2014.
______. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo:
Paulinas, 1985.
______. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Cia. das Letras, 1994.
GIORDAN, Giuseppe (2009), The body between religion and spirituality, in Social Compass,
56, 2, 2009, p. 226-236.
JOSEPH, Miriam. O trivium: as artes liberais da lógica, gramática e retórica. São Paulo: É
Realizações, 2008.
REBLIN, Iuri Andréas. A teologia e a saga dos super-heróis: valores e crenças apresentados e
representados no gibi. Protestantismo em Revista, São Leopoldo, RS, v. 22, p.13-21, maio/ago.
2010. Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp/article/view/54/63>.
Acesso em 23 de janeiro de 2019.
DA COR DE ÉBANO: HISTÓRIA, ARTE E ESTÉTICA NA
VALORIZAÇÃO DA NEGRITUDE NO AMBIENTE ESCOLAR
RESUMO
O presente texto traz reflexões em torno da Lei 10.639/03, as quais tem alicerçado relações de
pesquisa e atividades de cunho didático-pedagógicas por meio das disciplinas de Arte e Língua
Portuguesa no Centro Estadual de Ensino Profissional Hélio Xavier de Vasconcelos, com
objetivo de promover o enfrentamento ao racismo no ambiente escolar. Em um contexto escolar
marcado por uma maioria étnica afrodescendente que não costuma encarar positivamente esta
identidade, nem mesmo consegue vislumbrar a prática e a perpetuação do racismo manifesto
em seu cotidiano, promovemos oficinas didáticas focando na promoção e valorização da
identidade afrodescendente, por meio de atividades artísticas, sobretudo com a fotografia, no
intuito de valorizar a estética negra no ambiente escolar.
INTRODUÇÃO
Quem sou eu? Quem é o outro? Esse é o princípio discursivo escamoteado nas nossas
práticas culturais, sobretudo naquelas inscritas no âmbito da educação. Os currículos e as
práticas educacionais das quais eles tratam são instrumentos de políticas identitárias (SILVA,
2004) e, de uma forma ou de outra, nosso trabalho como educadoras/es orbita em torno da
(re)afirmação de identidades culturais. Isto implica assumirmos o fato de que, os lugares de
sujeito que ocupamos socialmente e a forma como subjetivamos nossa importância dentro dos
contextos sociais são construídas por elementos culturais diversos.
Saber, poder e identidade. É disso que se ocupa a educação; da institucionalização de
saberes e sua instrumentalização em função de projetos sociais específicos, tangenciados pelos
discursos identitários, cujo poder se espalha sobre a malha social e influencia na forma que
encaramos o mundo, os outros e a nós mesmos/as.
Nesse sentido, chamamos a atenção para os mecanismos discursivos que são acionados
para a adjetivação dos sujeitos no reconhecimento de sua identidade negra, ou simplesmente da
negritude, que é uma questão de identidade inscrita para além dos elementos fisiológicos que
marcam o tom da pele das pessoas, está no reconhecimento da africanidade como um elemento
plural que fundamenta as práticas culturais afrodescendentes que são marcantes na formação
do povo brasileiro. Falamos na necessidade do reconhecimento de uma identidade porque temos
que lidar e superar os discursos pejorativos que orbitam em torno dela.
Então, quando falamos na afirmação da negritude, o fazemos em função da
desconstrução de inúmeras narrativas históricas que ao serem apropriadas socialmente
adjetivam de forma negativa o povo negro no contexto de nossa sociedade. Associando-os,
dentre outras coisas, ao caráter quase que exclusivo da identidade escrava, de sujeitos,
secundários e sobre cuja participação na construção do nosso país é fundamental.
Nessa cena, inteligência, beleza, sensibilidade, bondade, honestidade, etc, não são
elementos marcantes na identidade negra. O outro lado dessa moeda é a tendência a associá-la
com a malandragem, com o aspecto de desonestidade e fragilidade de caráter; a distorção
estética de seus traços de beleza não acolhidos pelos padrões sociais dominantes; a baixa
escolaridade da população negra é associada a pouca inteligência e assim por diante. A
consequência disso é que uma parcela muito grande da população negra no Brasil tem grande
dificuldade em se reconhecer nesse lugar, justamente por não conseguir valorizar os traços
culturais e estéticos que tocam essa identidade.
O processo de agenciamento dessas políticas identitárias abriga a concorrência entre
inúmeras identidades, em função das quais os grupos sociais alijados dos modelos sociais
centrais, como a população negra, tendem a se organizar na busca pelo estabelecimento de
políticas afirmativas que levem à superação da marginalização identitária. E aqui não tratamos
apenas de uma questão subjetiva ou simbólica, mas também da exclusão social e do lugar de
opressão dentro do contexto da luta de classes, o que reflete objetivamente nas condições de
vida das pessoas. É esta a marca visceral das questões em torno do debate étnico-racial na
sociedade brasileira, fortemente atravessada por discursos e práticas racistas, muitas vezes não
assumidas e que se ocultam por trás do discurso falacioso da democracia racial.
É em função dessas afirmativas mais gerais, que o presente texto propõe uma reflexão
acerca de questões que tocam a construção das identidades étnicas, sobretudo a que diz respeito
ao reconhecimento e valorização da negritude. Em função disso, nos cabe refletir qual o lugar
da questão racial na escola? Como nossas práticas educativas mobilizam os discursos
identitários para lidar com esse debate? Quais as representações construídas em função da
identidade negra explicitados pelos saberes e práticas educativas?
Quem é o sujeito negro na escola? O que significa ser negra/o? Quais os signos estéticos
que tocam e atravessam esse lugar de sujeito? Quais os tons, as cores e os sentidos estéticos que
marcam essa identidade e que são propagados na escola e, consequentemente, se refletem nas
aulas de arte? Esses elementos têm norteado nossa reflexão e pesquisa a nível de mestrado, ao
mesmo tempo em que toca nossa prática educativa na inquietude da necessidade de
instrumentalizar, dentro do ensino das diversas linguagens artísticas, aquilo que é prescrito na
Lei 10.639/03, que enquanto elemento de política afirmativa deveria tornar o ensino de história
e cultura afro-brasileira obrigatório na educação básica.
Contudo, a obrigatoriedade não encerra as demandas que reivindicam uma nova postura
educativa no tocante aos elementos sobre os quais se fundamentam o discurso identitário da
negritude e na forma como os saberes escolares os constituem e os legitimam. São questões
perpassadas pela memória histórica do povo negro no Brasil e como esta acaba sendo
apropriada pelas demais disciplinas, como Arte, Língua Portuguesa e História, que lançam mão
desta memória para constituir suas próprias representações do real que acabam por fornecer,
por exemplo, os traços das formas e tons estéticos que marcam nossa cultura e que ao serem
traduzidos no universo escolar se constituem como elementos marcantes das identidades de
modo geral.
Nesse sentido, enquanto instrumento de política educacional, a Lei 10.639/03 é de um
marco relevante, sobretudo pela sua capacidade de incidir sobre um amplo sistema educacional
e pelo seu potencial de transformação cultural, muito mais pelos desafios que estabelece do que
o que efetivamente tem se conseguido fazer com ela até agora. Por isso, é preciso reconhecer a
importância daquilo que propõe no tocante a alterar visões de mundo, ressignificar a memória
coletiva, criticar mitos e enfrentar preconceitos. São inúmeros os discursos que consagraram
aos povos negros e indígenas um lugar de subalternidade e relevância mínima na formação da
nação brasileira, cuja centralidade é dada às narrativas eurocêntricas de cunho civilizatório.
A partir da legislação em questão, se propõe uma narrativa histórico-social na qual
negros e indígenas (com o complemento da Lei 11645/08) se colocam em cena na montagem
do drama brasileiro, sob uma perspectiva que ressignifica seu papel e dá-lhes o devido estatuto
enquanto agentes históricos, a começar pelo reconhecimento de sua história num mesmo
patamar daquele dado aos povos europeus.
Isso passa primeiro pela luta histórica do povo negro no Brasil que nos provoca ao
reconhecimento de que a materialidade da definição de raça/etnia/classe toca as relações sociais
e as pedagógicas, estruturando e intermediando o cotidiano de nossa sociedade, tanto de forma
coletiva, quanto na forma como individualmente subjetivamos nosso lugar no mundo a partir
desses elementos sociais.
Depois, pela busca de fazer da educação uma lente que possa transformar visões de
mundo em função da desconstrução e do abandono de preconceitos, por meio da promoção de
conhecimentos que possam abolir a ignorância que compromete a dinâmica social e o
desenvolvimento individual dos sujeitos, sobretudo daqueles identificados por outrem, como
negros. Isso só é possível a partir do estabelecimento de uma rede ampla de comprometimento
na qual nós, profissionais da educação, nos munimos das competências epistemológicas e
pedagógicas e do comprometimento social com a superação do racismo por meio do nosso
ofício, de modo que possamos fazer dele uma prática que promove experiências
transformadoras dentro e fora da sala de aula, na promoção de uma educação cidadã, em uma
escola na qual a cidadania seja tomada como um conceito amplo.
A escola, enquanto espaço privilegiado para desenvolvimento de práticas educativas, é
também um espaço pensado em função do disciplinamento de corpos e subjetividades, em torno
do qual se elegem os saberes e a forma de conhecer, visando um modelo social específico. Por
isso, uma educação e uma escola alinhadas com um projeto de sociedade democrática precisam
ser, antes de tudo, multiculturais; abertas a multiplicidade de vozes que emergem de lugares
sociais e experiências culturais específicas, pelos quais precisam passar a legitimação de
saberes, a representação de mundo e o estabelecimento de identidades e valores sociais.
Já que o saber é uma questão de poder e identidade, precisamos multiplicar nossa forma
de saber, de modo que um número cada vez maior de pessoas se veja representado, sobretudo
na forma como o saber é produzido no âmbito das nossas escolas. Sem desconsiderar o poder
que ela tem para orientar nossas formas de vida e nossas visões de mundo, é preciso também
perceber a escola não apenas como o espaço onde o conhecimento é produzido e transmitido
de forma isenta e imparcial, mas que ela o faz a partir de padrões socioculturais específicos;
legitimando e reproduzindo concepções, valores e clivagens sociais, construindo sujeitos, seus
corpos e identidades, legitimando relações de poder, hierarquias e processos de acumulação de
capital simbólico e cultural (FOUCAULT, 1997).
Apesar disso e da diversidade étnica e cultural que marca a formação da população
brasileira, não somos educados/as devidamente preparados para lidar com a multiplicidade da
existência e cultivamos ainda uma educação fincada em retrógrados princípios iluministas de
verdades únicas e modelos de sujeitos polarizados, os quais servem de balizas para práticas
educativas limitadas, no que se refere ao postulado de uma política de identidades desenvolvida
por meio de nossas práticas educativas balizadas na tríade: saber, poder e identidade.
Essa é uma questão que toca diretamente à forma como é desenvolvida a relação de
ensino-aprendizagem no âmbito da escola e o papel que tem o currículo escolar como um
importante mecanismo de políticas culturais, como já dito anteriormente, cujo valor no processo
de escolarização está para além da seletividade de seus conteúdos. Por isso não podemos perder
de vista que o processo que elege os conteúdos e a forma de conhecer é marcado não apenas
pelos discursos que verbaliza, mas também e fundamentalmente pelas questões que silencia. A
teoria pós-crítica do currículo chama a atenção sobre “os processos pelos quais, através das
relações de poder e controle, nos tornamos aquilo que somos”, demonstrando que “o currículo
é uma questão de saber, identidade e poder” (SILVA, 2004, p. 147).
A construção de uma nova prática curricular, alinhada às demandas da igualdade racial
passam pelo que podemos chamar de enegrecimento da educação brasileira, que nada mais é
do que o acionamento de práticas discursivas voltadas ao fortalecimento da educação da
população negra, de maneira que ela se sinta acolhida e apoiada na medida em que o coletivo
reconhece a importância da história e da cultura dos povos africanos e de seus descendentes,
como forma de construírem livremente seu pertencimento étnico-racial e promover o exercício
da ampla cidadania.
Em outras palavras, o ocultamento ou mesmo a distorção da importância histórica do
povo negro em nossa sociedade é um dos principais fomentadores de uma cultura alinhada ao
racismo fruto de um processo colonizador que de forma persistente incute na cultura do
colonizado a imagem de sua inferioridade. Ensinando-lhes que não possuem história antes do
encontro com o colonizador europeu, cujo papel histórico seria o de civilizar-lhes.
Com o propósito nem sempre atingido, de convencer os negros de que possuem uma
inteligência estranha, contrária à razão, o colonizador arquitetou males físicos,
infelicidades, sofrimentos que geraram (...) uma espécie de dificuldade de ser, um
sistema de frustrações culturais que tornaram mais complexas as lutas por libertação
(SILVA, 2010, p. 43).
Não é demais dizer que a sociedade brasileira ainda cultiva perspectivas a partir das
quais a identidade negra sofre o impacto da desqualificação intelectual, o que na prática, gera
sentimentos, posicionamentos e ações racistas, discriminatórias e indubitavelmente, muito
sofrimento. Nas nossas escolas, este ainda é um traço muito marcante em torno da negritude. O
que ao seu modo produz muita insegurança, motivada pela baixa estima pessoal associada ao
pertencimento a um grupo social marcado pela desqualificação e estereotipação das pessoas e
de seu modo de vida.
Essa educação não produz apenas corpos dóceis, mas corpos dóceis e inseguros, que se
projetam no mundo a partir de imagens retalhadas e feias de si mesmos. Disso advém inúmeros
problemas educacionais que passam pelo insucesso escolar da população negra, ao alto nível
de evasão escolar, que por sua vez se reflete no baixo nível de escolaridade dessa parcela da
população. Sabemos que este não é um problema gerado apenas pela educação e pela escola
em si, mas que estas o reverberam e reproduzem no contexto de suas políticas identitárias. É
preciso ressaltar que dentro dessa circularidade há pontos discordantes em termos de práticas
educacionais promovidas por uma parcela dos profissionais da educação que sempre
demonstram sensibilidade quanto a estas demandas, promovendo uma prática curricular
alinhada com a promoção da igualdade racial.
Partindo dessa perspectiva destoante e frente aos problemas causados pelo racismo no
âmbito das escolas através de graves atentados aos direitos humanos e à cidadania, buscamos
desenvolver ações, a partir das atividades de arte-educação, no âmbito do Centro Estadual de
Ensino Profissional Hélio Xavier de Vasconcelos, na cidade de Extremoz – RN. Seguindo os
caminhos apontados pela problematização acerca das vozes e das formas narrativas a partir das
quais vão sendo construídas as representações sobre nossa sociedade e seus valores culturais de
modo amplo, ao mesmo tempo em que passamos a problematizar as narrativas que representam
as experiências históricas do povo negro no Brasil e a importância da herança cultural afro-
brasileira e como isso reverbera na vida de nossos/as alunos/as negros/as em termos da
autoidentificação e de valorização de seu próprio lugar social.
Isso nos fez questionar: em que medida a educação e a escola estão abertas ao
acolhimento da diversidade, de valores culturais e de identidades que figuram como direitos
humanos fundamentais?
Para estabelecer uma relação entre reflexão e prática de ensino, fizemos da pauta do
multiculturalismo e do debate sobre negritude o esteio para alicerçar o cotidiano de nossas
atividades didático-pedagógicas na referida escola.
Considerando o saber uma questão de experiência, nos coube problematizar os termos
nos quais tem se dado a aprendizagem da população negra no nosso país. Em que medida
nossos/as alunos/as se veem representados na dinâmica de uma educação e de um currículo
centrado em valores culturais que permitem o abrigo de práticas e discursos racistas no âmbito
da escola?
Quanto a isso, cabe considerar que há vários estudos que apontam para o fato de que
alunos/as negros/as enfrentam inúmeras dificuldades para se manterem nas escolas. Não por
acaso, estes/as também detém o maior índice de evasão escolar (GOMES, 2007). Esta é uma
questão que precisa ser encarada de frente por nós educadoras e educadores, pois o
enfrentamento ao racismo passa por nossa capacidade de reconhecer o silenciamento da cultura
negra na nossa sociedade como um todo e na escola de modo específico. Em função disso, os
valores transmitidos pela educação se alinham com uma tendência de espelhar uma imagem de
sociedade na qual a população negra não se enxerga, ou se enxerga sob a ótica da desvalorização
cultural e da desigualdade social.
Essa invisibilidade quando atua dentro da escola produz efeitos danosos. Se
considerarmos, como dito acima, que a aprendizagem é uma questão de experiência nos cabe
questionar que experiência educativa têm alunos/as que não se vêm representados/as nos
discursos e nas imagens que nossa escola e sociedade produzem deles/as.
Quais são os termos a partir dos quais se produz a identidade negra em nossa sociedade?
Como a escola lida com a construção dessas identidades? Quais as vozes que ecoam a partir de
nossa prática docente?
Tomando a escola onde atuamos como referência para o desenvolvimento dessas
reflexões como objeto de pesquisa do mestrado, e da prática de sala de aula, temos procurado
lançar mão desse exercício não apenas para constituir respostas frente aos questionamentos que
apresentamos, mas transformar nossa prática de ensino de modo a contemplar as demandas de
inclusão no âmbito da escola.
Nesse sentido, procuramos alinhar a promoção de conhecimentos ao próprio exercício
do saber enquanto experiência, temos desenvolvido um trabalho através dos componentes
curriculares de Artes Visuais e Língua Portuguesa através do quais têm sido propostas
atividades com objetivo de levar os/as alunos/as a desenvolverem novas experiências quanto às
suas identidades étnicas, de modo a se reconhecerem como sujeitos sociais ativos e
transformadores.
Compreendendo que as práticas culturais são indissociáveis do modo de vida das
comunidades e em um contexto escolar marcado por uma maioria étnica afrodescendente, que
não vê de forma positiva esta identidade, nem mesmo consegue vislumbrar a prática e a
perpetuação do racismo evidente em seu cotidiano, buscamos promover a valorização da
negritude, de modo a sensibilizar os/as alunos/as a se reconhecerem de forma positiva como
partícipes da identidade afro-brasileira. Para tanto, procuramos acionar instrumentos didáticos
por meio de oficinas pedagógicas de arte-educação e cultura que buscaram envolver os/as
estudantes no debate sobre a formação sócio-histórica e cultural brasileira, africanidade,
diversidade étnica, cultural e racismo, por meio de atividades de artes visuais, notadamente a
fotografia, utilizada como instrumento de valorização da estética negra no ambiente escolar.
Dentre as atividades planejadas e discutidas com o alunado foi realizada a montagem de
uma exposição fotográfica inteiramente construída por eles/elas. A exposição que tem por título
As Cores de Ébano foi montada como culminância de uma primeira etapa de atividades voltadas
à valorização da identidade afrodescendente através da discussão de elementos históricos e
culturais da identidade negra de forma a demonstrar para os/as alunos/as que reconhecer-se
nesta dimensão identitária é algo extremamente positivo para suas vidas e um aspecto que
precisa ser valorizado.
O trabalho teve um alcance amplo, pois, além das atividades com o grupo específico
ligado à disciplina eletiva ofertada dentro do currículo escolar, que abrigava um universo de 40
alunos/as, foram promovidas pelo projeto, palestras e oficinas de enfrentamento ao racismo em
todas as turmas da escola. Isso fez com que o público da escola, como um todo, tivesse acesso
às oficinas pedagógicas voltadas ao enfrentamento do racismo. Contudo, vale destacar que a
exposição fotográfica é um trabalho artístico desenvolvido pelo grupo de 40 alunos/as da
referida disciplina eletiva. E, nela, eles/elas foram os/as grandes protagonistas: foram
fotógrafos/as, modelos, produtores/as, diretores/as e curadores/as da obra.
Peças da exposição fotográfica resultante do trabalho desenvolvido com e pelos/as alunos/as d CEEP Hélio
Xavier de Vasconcelos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda que o resultado plástico e estético da obra seja de fato admirável, consideramos
que o trabalho valeu muito mais pelos elementos subjetivos que não poderiam ser quantificados,
pois se inscrevem numa dimensão da valorização da autoidentidade e do reconhecimento do
valor da cultura negra e da própria negritude por parte dos/as alunos/as envolvidos no projeto,
que foi também selecionado por um edital cultural da Secretaria Estadual de Educação do Rio
Grande Norte, financiando, assim, a montagem da obra.
Os resultados do projeto são notáveis, sobretudo pelo envolvimento e dedicação dos/as
alunos/as de modo dinâmico e construtivo. O trabalho não se encerrou com a exposição
fotográfica, mesmo porque é objeto de nossa pesquisa de mestrado, mas a partir dele, pudemos
perceber uma considerável mudança de postura de alguns alunos e alunas frente aos debates
propostos e a valorização de sua negritude. Muitos se descobriram negros/as dando um novo
sentido ao termo, resguarda-lhe um caráter de positividade e assumindo uma nova dimensão da
estética pessoal e cultural, na qual os aspectos das culturas afrodescendentes se mostram
presentes e valorizados.
Muitos/as já asseveram acerca da própria identidade: Negr@ sim, Negr@ sou, de modo
mais espontâneo. Não se trata apenas da narrativa de outrem sobre seu lugar social, mas a
construção de um discurso de autoidentificação frente à ancestralidade africana. Contudo, não
perdemos de vista o horizonte que aponta para a necessidade de seguir com os enfrentamentos
contra o racismo e contra toda forma de preconceito e descriminação na escola e em nossa
sociedade, pois democracia e justiça social são objetivos que requerem de nós ações que
promovam a ampliação de direitos sociais e a diminuição do foço social que nos divide em uma
luta de classes que fornece direitos e privilégios a uns, ao preço de segregação e da opressão de
muitos mais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo.
2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
Introdução
50
Ser completo - não necessita de “nada” para preencher-se.
51
Ser incompleto - necessita de “algo” para sanar suas lacunas.
é incompleto. O individuo, a todo o momento, procura formas para preencher e se dispor da
sensação de completude, uma vez que a solidão e o vazio são sentidos como algo terrífico de
ser experienciados pelo humano. Desse modo, contemplamos que a falta, presente no âmago
do ser, leva-o para um ciclo de repetições que, no intento de ser “inteiro”, busca, continuamente,
subterfúgios para vivenciar seus anseios mais profundos.
Segundo Bataille (1987, p.21), o erotismo é “um aspecto da vida interior”. Ele faz parte
da alma humana, é nele que o desejo se concebe. O erotismo permite ao sujeito encontrar-se
consigo mesmo, provocando, neste, uma experiência interior, uma vez que o erótico é uma
“elaboração” do mais intrínseco no homem: a subjetividade. Por isso pode ser considerado uma
prática intimista. Neste ditame, podemos considerar o erótico enquanto uma força que
impulsiona o ser humano a realizar seus desejos mais íntimos. Surge do querer algo e se regozija
quando concretiza o almejado. Ou seja, o erotismo é, também, realização da fantasia. É o desejo
que, mesmo em meio à sensação de descontinuidade, leva-nos adiante na vida. O erotismo é
movimento, que põe a vida humana em foco:
O erotismo, eu o disse, é aos meus olhos o desequilíbrio em que o próprio ser se põe
consciente em questão. Em certo sentido, o ser se perde objetivamente, mas nesse
momento o individuo identifica-se com o objeto que se perde. Se for preciso, posso
dizer que, no erotismo, EU me perco. (BATAILLE, 1987, p. 21)
Observamos que esse “Eu”, no qual o autor diz se perder, pode ser considerado enquanto
o Eu que se constrói a partir das normas sociais, que ditam o que é certo e errado na sociedade.
Ele é errante, porém habita os recônditos mais íntimos do ser: o Eu da subjetividade, que traz à
tona e realiza as vontades mais escusas. O erótico é uma escápula do universo convencional,
no intuito de envolver-se na incumbência mais singular: sexual do ser humano. É construído
através das criações simbólicas que perpassam o psiquismo humano, portanto, o erótico, a partir
do processo criativo, traz os desejos particulares dos seres, pois cada sujeito possui fantasias
singulares. Daí a impossibilidade de definir o erotismo de maneira unificada. Bataille explicita
as mais variadas formas de desejo existentes, isto é, põe em xeque o fantasiar que cada sujeito
é capaz de produzir. O erotismo apresenta plurissignificados, parte da singularidade e torna-se
uma experenciação interior ímpar:
Os seres que se reproduzem são distintos uns dos outros, e os seres reproduzidos são
distintos entre si como são distintos daqueles que os geraram. Cada ser é distinto de
todos os outros. Seu nascimento, sua morte e os acontecimentos da sua vida podem
ter para os outros certo interesse, mas ele é o único diretamente interessado. Só ele
nasce. Só ele morre. Entre um ser e outro há um abismo, uma descontinuidade.
(BATAILLE, 1987, p. 11)
Na obra em questão, Caim, após ter matado seu irmão, recebe como castigo de Deus
andar pelo mundo perdido, ou seja, sua condenação é viver sem a certeza do amanhã. Após a
sentença, Caim segue sem rumo por vários lugares, conhecendo inúmeras cidades e povos, cada
um com características distintas. Até que, num certo dia, encontra o caminho para a terra de
nod, e pergunta a um habitante o significado deste nome. Este responde que a terra não tem um
nome certo, mas é conhecida como a terra das fugas ou terra dos errantes. Logo, Caim pergunta
quem seria o senhor da terra:
E o senhor daqui, é quem, O senhor é senhora e o seu nome é lilith, Não tem marido,
perguntou caim, Creio ter ouvido dizer que se chama noah, mas ela é quem governa
o rebanho, disse o olheiro, e imediatamente anunciou, Aqui está a pisa do barro.
(SARAMAGO, 2009, p. 49)
[Caim] se encontrava ali e ao cuidado das escravas. Conduzido por elas a um quarto
separado, caim foi despido e logo lavado dos pés à cabeça com água tépida. O contacto
insistente e minucioso das mãos das mulheres provocou-lhe uma ereção que não pôde
reprimir, supondo que tal proeza seria possível. Elas riram e, em resposta, redobraram
atenções para com o órgão erecto, a que, entre novas risadas, chamavam flauta muda,
o qual de repente havia saltado nas suas mãos com a elasticidade de uma cobra. O
resultado, vistas circunstâncias, era mais do que previsível, o homem ejaculou de
repente, em jorros sucessivos que, ajoelhadas como estavam, as escravas receberam
na cara e na boca. [...] as escravas pareciam não ter pressa, concentradas agora em
extrair as últimas gotas do pénis de caim que levavam à boca na ponta de um dedo,
uma após outra, com delícia. (SARAMAGO, 2009, p. 54 – 55)
Notemos que as escravas de Lilith vivenciam seus anseios sexuais. Elas, efetivamente,
são as condutoras da relação sexual, de maneira autônoma, o que justifica a presença delas na
cidade de nod, pois estas apenas elucidaram as regras pelos signos da transgressão. E nod é,
justamente, esse espaço onde dão vasão a sua sexualidade. Observamos que elas riem ao
manipular o pênis de Caim. Aqui, o gesto serve com artifício denotador da masturbação que
elas praticam. Com efeito, as servas brincam e objetificam o personagem, como se a situação,
embora, infame e deplorável, fosse corriqueira e sem importância para elas, pois estavam
acostumadas a escarnecerem de seus “hóspedes”. Riem dele por considerarem-no ingênuo ante
o sexo e as “doçuras” do corpo feminino. Outro aspecto interessante é que são várias mulheres
a participarem do ritual orgiástico, estando totalmente desprendidas das normas de cerceamento
e exclusão, na medida em que buscam, tão somente, o prazer. Destarte, percebemos que o
erótico comparece enquanto impulso que leva as mulheres a quererem “extrair a última gota do
pénis”, como uma forma de se preencher deste outro, de saciarem as suas vontades, aqui,
explicitamente sexuais. Outro ponto é que as escravas não se indagam sobre o determinado
estranho, apenas buscam satisfazer seus mais íntimos desejos. Após este primeiro contato, Caim
é levado até Lilith:
Lilith estava sentada num escabelo de madeira trabalhada. [...] Levantou-se, ajustou
as pregas do vestido fazendo escorregar lentamente as mãos pelo corpo, como se
estivesse a acariciar-se a si mesma, primeiro os seios, logo o ventre, depois o princípio
das coxas onde se demorou, e tudo isso o fez enquanto olhava o homem fixamente,
sem expressão, como uma estátua. (SARAMAGO, 2009, p. 56 – 57)
Nesta cena, podemos considerar que Lilith se masturba diante de Caim, de maneira
extremamente livre. Ela o objetifica para concretizar suas fantasias. Novamente, observamos o
erotismo comparecendo no enredo. No momento em que a rainha de nod ambiciona ter Caim
para aplacar seus anseios, retomamos ao erotismo do corpo, que Bataille (1987) descreve. A
personagem busca o errante, estritamente, para gozar. Ela não possui nenhum vínculo afetivo
com o protagonista, mas o busca sem restrições e deixa claro que o deseja para suprir suas
vontades sexuais. Lilith, após o momento de sentir o seu corpo, confessa para Caim que é
casada, mas que isso não a impede de usufruir dos homens que desejar: “Vejo que és ágil de
cabeça, se estás a pensar no meu marido, sim, também esse não está autorizado a entrar, mas
ele já o sabe, não tens que lho dizer” (SARAMAGO, 2009, p. 56 – 57). Observamos que Lilith
não teme em dizer que é casada e que possui outros homens. Deixa bastante claro para todos o
que faz e, principalmente, para o seu cônjuge, ou seja, a rainha de nod é extremamente
transgressora, por utilizar-se da convenção social do matrimônio para burlar os mandamentos
e a lei que, à época do antigo testamento, vislumbrava a mulher como pertencente a um só
homem, pois aquela que fugisse a regra deveria ser punida. Desse modo, subverte os
paradigmas que subalternizavam a mulher na sociedade patriarcal, construindo sua própria
identidade, a de mulher libertária. Além do mais, a personagem conta ao seu marido e não se
preocupa com a opinião dele. É como se ela, de fato, gozasse em saber que o esposo tem ciência
do que ela faz, mas que ele nada pode fazer ou reclamar, pois Lilith se vê enquanto independente
e livre. Vemos o quanto Lilith é voraz e orgástica. Ela “impunha” que o personagem a fizesse
gozar. A rainha dos errantes é quem conduz o coito, tudo tem que acontecer da forma como ela
deseja, e Caim somente obedece. Nessa relação, o homem não tem autonomia sexual, é o
feminino que guia os procedimentos. Reside, aí, uma crítica ao que, comumente, nas sociedades
patriarcais, acontecia: a mulher servia, somente, como um receptáculo de esperma. A figura
feminina era totalmente apagada da relação sexual. Ela não podia exprimir suas vontades, tendo
que estar disponível para tudo aquilo que o homem quisesse. Assim, Lilith insurge como
representação de uma mulher que se coloca como agente na relação e que busca externar o que
deseja. Lilith nos faz questionar o porquê da mulher ser repelida por vivenciar seus anseios
sexuais, já que o homem pode expor seus desejos, e a mulher, que ocupa o mesmo espaço, não
pode. Isso nos levar a pensar o quanto o ser feminino é repleto de enigmas e tabus, mas que,
mesmo diante disso, surge a imagem de Lilith, que estimula as mulheres a passarem pelo
processo de reconhecer o seu Eu mais subjetivo, no intento de serem livres e autônomas em sua
sexualidade.
Nessa cartografia, a rainha dos errantes vai à busca do homem que deseja para dar vasão
a sua vontade, tornando-se senhora dos seus desejos mais eróticos. Lilith tudo vivencia, como
forma de sentir suas vontades preeminentes. A voz do seu corpo grita pela concretude dos seus
desejos, ela é “insaciável” (SARAMAGO, 2009, p. 60), por estar sempre em busca de conciliar
os anseios mais subjetivos, no que tange a sua sexualidade. Nas suas falas, nomeadamente no
momento em que está tendo uma relação sexual com Caim, é nítido que a personagem possui
um apetite sexual devorador e livre de interdições:
entreguei-te o meu corpo para que o gozasses sem conta, nem peso, nem medida, para
que desfrutasses dele sem regras nem proibições, abri-te as portas do meu espírito
antes trancadas. [...] não sou mulher para remorsos, isso é coisa para fracos, para
débeis, eu sou Lilith (SARAMAGO, 2009, p. 69).
Considerações finais
Nossa pesquisa buscou, à luz de uma análise sócio-histórica e filosófica, compreender
a essência da transgressão que move a personagem Lilith, na obra Caim (2009). O movimento
que impulsiona esta mulher ampara-se no erotismo que a constitui enquanto sujeito desejante.
Lilith é a representação do erótico feminino, que busca gozar libertariamente, especialmente na
sociedade que, ainda, é movida pelos protocolos machistas.
Neste cenário, observamos que o erotismo faz parte do ser humano, e que, de alguma
forma, buscará saídas para ser vivenciado e experenciado, pois sempre haverá desejo e vontade
em cada indivíduo. Desse modo, o olhar do preconceito poderá ser desmistificado a partir disto,
na medida em que verificamos que todos são pertencentes do erótico e, assim, a mulher poderá,
também, buscar a plenitude do gozo que, na sociedade machista, ainda é algo rechaçado.
Referências
BRANCO, Lucia Castello. O que é erotismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 1994.
PIRES, Valéria Fabrizi. Lilith e Eva: imagens arquetípicas da mulher na atualidade. São Paulo:
Summus, 2008.
ROBLES, Martha. Mulheres, mitos e deusas: o feminino através dos tempos. São Paulo: Aleph,
2006.
SICUTERI, Roberto. Lilith: A Lua Negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
DIANTE DAS BRUMAS DE AVALON: ESPAÇOS SAGRADOS EM
GLASTONBURY
Resumo
A cidade de Glastonbury tornou-se famosa por seus inúmeros fenômenos relacionados ao
movimento New Age e por todo seu turismo espiritual. Locais como Chalice Well e Tor
despertam curiosidade em turistas buscando lugares sagrados e curativos para visitarem. A
comunidade (neo) Pagã reivindica essa cidade como um dos seus lugares para peregrinação.
Diante de inúmeros mistérios que permeiam a cidade, acredita-se que esta seria a antiga Avalon
das lendas Arturianas. Dentre diversas histórias que influenciam o imagético sobre o lugar,
Glastonbury também é famosa pelas águas avermelhadas do Chalice Well, recebendo visitantes
do mundo inteiro para conhecerem as águas “curativas” do poço. Sendo assim, a presente
pesquisa possui o objetivo de realizar uma discussão teórica a respeito de como a referida cidade
é compreendida pelos Pagãos Contemporâneos e como se dão seus processos de
ressignificação.
1. Introdução
52
O Rei Arthur teria sido levado até Avalon para ser curado dos ferimentos que sofreu na batalha.
53
Festival do calendário celta, referente ao início da primavera.
monumentos arqueológicos, como Avebury e o Stonehange54, que atraem turistas e (neo) Pagãos
do mundo inteiro.
O Paganismo Contemporâneo, para Blain e Wallis (2007), é compreendido enquanto
categoria religiosa em que estão incluídas as seguintes vertentes: Wicca, Heathen55, Druidismo
Contemporâneo, Ásatrú e Religião da Deusa, dentre algumas outras. Diante das compreensões
religiosas do (neo) Paganismo, há o entendimento de compromisso com a natureza, que é
concebida, por eles, em aspectos sagrados. Considera-se, portanto, como entendimento comum
entre essas vertentes, a relação animista contemporânea em relação ao mundo natural, já que é
comum se deparar com discursos (neo) Pagãos que consideram o planeta como um “organismo
vivo”. O termo Paganismo Contemporâneo refere-se às crenças religiosas que buscam resgatar
e/ou reconstruir as religiões europeias pré-cristãs. Seus adeptos sentem-se profundamente
conectados com um passado não-cristão e obtém, assim, algumas visões romantizadas dessas
sociedades, o que possibilita considerar o (neo) Paganismo enquanto ressignificação desses
aspectos religiosos pré-cristãos, que em seguida sofrem adaptações para o mundo
contemporâneo. Strimska (2005) compreende essa vertente religiosa como produto da
contemporaneidade, argumentando, no entanto, que a religião Pagã Contemporânea transita
entre duas épocas, sendo compreendida em aspectos tanto antigos, quanto novos.
Para o universo do (neo) Paganismo, a cidade de Glastonbury apresenta-se de forma
convidativa, pois possui, nesse contexto, forte viés espiritual/religioso. A região de Somerset e
Glastonbury, segundo Bowman (2008), é utilizada tanto para peregrinação, quanto para o
turismo espiritual da comunidade. Ressalta-se que são realizadas, na cidade, inúmeras
atividades voltadas para o público alternativo, a exemplo de: celebrações de datas festivas do
calendário anual (neo) Pagão Celta; realizações de hand-fasting56; e realizações de rituais
funerários. Compreende-se, portanto, que a cidade oferece diversas atividades turísticas e
espirituais e, devido a esse fator, os (neo) Pagãos sentem-se acolhidos em suas crenças.
Considerados esses aspectos, o presente trabalho se propõe a discorrer sobre os lugares que a
comunidade (neo) Pagã considera enquanto “espaços sagrados”, averiguando as apropriações e
ressignificações feitas em torno desses locais. O objetivo é realizar uma breve discussão teórica
sobre a utilização desses espaços enquanto lugares que promovem a experiência religiosa.
Compreende-se o Paganismo Contemporâneo ou o (neo) Paganismo enquanto categoria que se
54
Monumentos Megalíticos que datam o período Neolítico.
55
Nomenclatura que se refere ao Paganismo Nórdico Contemporâneo, incluem-se: Ásatrú e o Forn
Seid.
56
Hand-fasting é a cerimônia do casamento (neo) Pagão, sendo realizada com a ritualização de
“amarrar” ou entrelaçar com uma fita ou corda as mãos dos noivos.
refere a inúmeras vertentes religiosas, as quais buscam recriar e ressignificar crenças, tradições
e folclores das religiões europeias pré-cristãs.
A cidade de Glastonbury é considerada como o lugar mítico que teria sido ocupado por
Druidas em tempos passados. É, assim, um lugar interpretado pela comunidade enquanto
possibilidade e “sonho alternativo” de uma comunidade pequena e bonita que pode alcançar a
realização. Ivakhiv (2001) explica que a cidade possuí seu pluralismo espiritual e religioso, pois
divide espaço tanto entre comunidades cristãs, quanto entre comunidades alternativas e (neo)
Pagãs. Portanto, dentre diversas histórias sobre santos e Igrejas, há uma coexistência dessas
comunidades com interesses de peregrinação na região. Ainda assim, alguns espaços são
reivindicados pelos (neo) Pagãos enquanto seus “templos” e, com isso, algumas tensões são
geradas entre a comunidade cristã e a espiritualidade alternativa de (neo) pagãos e demais
crenças que a cidade acolhe. Esse foi o caso do Chalice Well57, famoso por sua água que é de
cor avermelhada devido ao alto índice de ferro e minerais presentes em sua composição. Por
conta de sua cor, os habitantes locais e visitantes acreditam que as águas do poço possuem
propriedades curativas. Em releituras (neo) Pagãs, Bowman (2008), explica que a comunidade
interpreta a água de cor avermelhada do Chalice Well como um símbolo do sangue menstrual
da Deusa, sendo a água, portanto, representação do sagrado feminino. As inúmeras hipóteses
se misturam com dados históricos, arqueológicos e releituras contemporâneas de cunho
espiritual sobre antigos Druidas e as lendas do Rei Arthur.
Em meio aos processos de ressignificações, especulou-se que o Chalice Well poderia ter
sido o poço da mítica Avalon, o que consequentemente faria dele uma antiga ocupação druídica.
Inúmeras pesquisas foram realizadas no local e em suas proximidades. Estas argumentavam
que o famoso poço poderia ter antecedido a era cristã, existindo há mais de 2000 anos e,
portanto, talvez apresentasse alguma relação com os druidas. No entanto, as escavações
realizadas por Philip Rahtz na década de 1960 descartaram a hipótese de antigas origens
druídicas, já que o pesquisador encontrou poucas evidências de ocupação que remontassem à
57
O Chalice Well é um local em Glastonbury, considerado como um dos mais antigos poços da
Inglaterra. O local conta com um jardim e permite a entrada de visitantes em horários comerciais, é
permitido beber água direto de uma bica que se encontra dentro do jardim. As águas do Chalice Well
podem ser acessadas fora do jardim, possibilitando que, tanto residentes da cidade, quanto visitantes
possam beber da água sem precisarem acessar o jardim. Para maiores informações:
http://www.chalicewell.org.uk/
época pré-romana. Na época concluiu-se, sobre a construção do poço, que ela provavelmente
tenha se dado por volta do ano de 1200. No entanto, na região onde o poço se localiza existem
dois teixos que são considerados sagrados para a comunidade. Mathivet (2006) explica que os
teixos encontrados no jardim do Chalice Well poderiam ter tido alguma relação druídica, já que
sua datação remonta ao ano de 300. a.C. A autora explica que os teixos estariam associados à
uma compreensão celta da morte e do renascimento, fato que iria de encontro ao mito de Anwyn,
a antiga terra celta dos mortos regida por Gwyn ap Nudd.
Outro lugar de visitação na cidade é a Tor58, uma torre que se tornou o símbolo de
Glastonbury. Ela foi construída em uma colina e, por isso, pode ser vista e localizada à uma
distância considerada próxima aos arredores da cidade. Conhecida também por St Michaels
Tower, acredita-se que a torre poderia ser uma espécie de residência das fadas, o que a tornou
um lugar para peregrinação. Ao se aproximar do caminho que leva à torre, encontra-se uma
pedra com o símbolo “Awen”, símbolo esse comumente utilizado entre os Druidas
Contemporâneos. Muito se especula sobre a construção e a função da Tor. Rahtz (1970)
argumenta que o monumento teve sua primeira ocupação no século VI, mas grande parte das
hipóteses mais aceitas entre os pesquisadores a datam enquanto uma Igreja já Medieval, ou
parte de um monastério anglo-saxão cujo primeiro relato pode ser encontrado na Carte de St.
Patrick. Contudo, o autor conclui que a arquitetura da torre poderia ser um produto do século
XIV, argumentando que sua construção e ocupação possivelmente se deram em momentos
históricos distintos.
Em meio as diversas lendas que permeiam o mistério sobre a cidade de Glastonbury,
também se destacam as As Sacerdotisas de Avalon. Bowman (2008) enfatiza que o movimento
da Deusa, referente ao sagrado feminino, é uma das maiores contribuições em termos de
peregrinações contemporâneas na cidade de Glastonbury. As Sacerdotisas de Avalon do
Glastonbury Goddess Temple59 oferecem cursos de formações para homens e mulheres que
possuam interesse em se formarem sacerdotes e sacerdotisas. Lá também são realizadas práticas
de cura, leituras de oráculos e Handfasting60, dentro das configurações: casamentos oficiais
(legalizados) e não oficiais (apenas a cerimônia ritualística). Por estar envolvida em tantos
contos, mitos e fatos históricos, os meios de divulgação turísticos referem-se à cidade como um
antigo lugar de peregrinação, enxergando-a enquanto local onde “mistérios” e passados míticos
se desenrolaram.
58
https://www.nationaltrust.org.uk/glastonbury-tor
59
http://goddesstemple.co.uk/
60
Ritual de casamento (neo) Pagão.
Segundo Blain e Wallis (2007), os Pagãos Contemporâneos compreendem que as
manifestações sagradas acontecem de forma imanente, pois, para muitos deles, a sacralidade
não está fora de si próprios, dos objetos e dos lugares, mas o oposto; há, então, uma
compreensão animista contemporânea do mundo circundante. Além disso, há uma identificação
e grande empatia por parte desses adeptos em relação às religiões pré-cristãs, que buscam
manter em seus discursos a importância desses locais, sendo eles historicamente ligados ou não
às sociedades antigas. Gera-se, assim, o entendimento de que esses lugares possuem alguma
relação com as sociedades pré-cristãs, o que os torna fonte direta de contato espiritual e religioso
com tais sociedades.
Sob o viés da compreensão de Rountree (2006), argumenta-se que a comunidade (neo)
Pagã direciona parte de seus interesses para a visitação de lugares que são considerados espaços
de devoção. Compreende-se, com isso, que o turismo espiritual possuí, também, propósito de
peregrinação. Lugares como Glastonbury e seus espaços, que são tanto turísticos quanto
“espirituais” para a comunidade Pagã Contemporânea (incluindo as visitações ao Chalice Well
e a Tor) são, muitas vezes, considerados templos para a referida comunidade. Certamente que
soma-se a isso o fato da cidade oferecer outras atividades de celebrações sazonais do calendário
(neo) Pagão Celta, como é o caso do Beltane. Esta festividade conta com visitantes de diversos
lugares da Inglaterra e do mundo em uma grande festa e procissão. Segundo a autora, estes são
espaços que propiciam aproximação da comunidade e sua relação com a ancestralidade, ainda
que compreendida por meio de um olhar romantizado desses adeptos , tornando-os lugares de
importantes jornadas espirituais. Para Rountree (2012), no entendimento do (neo) Paganismo,
a relação dos espaços sagrados é compreendida sob o viés da concepção animista
contemporânea, segundo a qual a manifestação do sagrado pode ocorrer de diversas maneiras:
por meio da própria natureza, como em rios, montanhas, árvores, trovões e fogueiras; ou então
graças aos seus elementos, como a terra, o ar, o fogo e a água. Portanto, lugares como espaços
naturais, históricos e os referidos espaços de Glastonbury passam a ser compreendidos pela
comunidade Pagã Contemporânea enquanto seus “espaços sagrados”.
3. Considerações finais
Glastonbury é uma cidade consideravelmente ativa no que diz respeito às crenças (neo)
Pagãs. Inúmeras atividades são realizadas no local, como celebrações do calendário (neo) Pagão
Celta e outras celebrações formais que propiciarão para a comunidade alternativa uma
possibilidade de realização espiritual e religiosa da vida cotidiana, como casamentos e ritos de
passagem. Além de possibilitar o turismo espiritual alternativo, a cidade conta com inúmeras
lojas esotéricas e a presença de artistas conhecidos no contexto (neo) Pagão, como Linda
Ravenscroft, artista plástica cuja residência e ateliê localizam-se na cidade, além de inúmeros
outros artistas. A cidade que foi envolvida e cativada pelos adeptos da Nova Era e pessoas
alternativas acabou tornando-se um lugar de expressão subjetiva, produzindo discursos
contemporâneos acerca de tradições folclóricas pagãs, identidades etnoculturais pré-modernas
e recriações de cultos antigos de adoração às Deusas. Compreende-se, visto isso, que
Glastonbury pode ser considerada enquanto lugar espiritual para a comunidade (neo) Pagã, uma
vez que atua promovendo contato religioso e conferindo autenticidade às suas crenças. Por meio
desses lugares, os praticantes se sentem possibilitados a dialogarem com as diversas formas de
existências do mundo natural que está “além-do-mundo-humano”.
Lugares de visitação turística ou de peregrinação, como muitas vezes Glastonbury é
compreendia pela comunidade em questão, são considerados templos vivos onde é
proporcionada uma conexão direta com as divindades e, portanto, onde se concretizam as
sensações dos adeptos de estarem de alguma forma conectados com as “raízes” (neo) Pagãs e
ancestrais de sua religião. Ainda que os estudos históricos e arqueológicos encontrem
dificuldades para afirmar uma relação concreta desses lugares enquanto verdadeiros locais de
cultos pré-cristãos, o fato é que há inúmeros “mitos” envolvendo a cidade. Destaca-se, então,
a geografia religiosa como aspecto relevante a ser considerado nos estudos sobre a referida
categoria religiosa. Afinal, as inúmeras maneiras como os (neo) Pagãos construíram a
compreensão de suas crenças religiosas acabaram por criar discursos de autenticidade e
etnicidade, num espaço em que eles sentem-se legitimados naquilo que acreditam. Ademais,
ressalta-se a importância do fato de que a cidade oferece ritualizações de ritos de passagem,
como casamento e funerais, pois a comunidade (neo) Pagã nem sempre se sente assistida no
que se refere às ritualizações das fases da vida. Com isso, muitos adeptos acabam por buscar
formas alternativas, livres ou solitárias de concretizarem seus ritos de passagem. Por isso,
lugares como Glastonbury tornam-se possibilidades de legitimação e relevância do sentimento
de pertencimento à comunidade (neo) Pagã como um todo.
Referências
BOWMAN, Marion. Going with the flow: contemporary pilgrimage in Glastonbury. In:
MARGRY, Peter. Shrines and pilgrimage in the modern world: New itineraries into the
sacred. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2008, p. 241-280.
IVAKHIV, Adrian J. Claiming sacred ground: Pilgrims and politics at Glastonbury and
Sedona. Indiana University Press, 2001.
RESUMO
INTRODUÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
METODOLOGIA
2. Amorim, José Carlos A.: Geheime Figuren der Rosenkreuzer. Esoterismo no Imaginário
do Movimento Rosacruz do Século XVIII. 2016.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
FAIVRE, Antoine. Access to Western Esotericism. Albany, NY: SUNY Press, 1994.
_____________. Western Esotericism. A Concise History. Translated by Christine Rhode. New
York: SUNY Press, 2010.
RESUMO
Este artigo teve como interesse estudar a Loucura. Buscou realizar diálogo, não apenas entre
diferentes autores e seus respectivos entendimentos a respeito deste tema, mas também, entre
diversos referenciais, como histórico, antropológico, cultural, jurídico, psicológico, psiquiátrico
e religioso. Os objetivos foram apontar algumas possíveis compreensões sobre a loucura,
proporcionar interdisciplinaridade entre aqueles paradigmas, e auxiliar na construção de novas
formas do olhar para o fenômeno religioso e suas diversas maneiras de expressividades. O
desenvolvimento desse artigo ocorreu através do método de pesquisa bibliográfica. A escolha
deste método se deu por este auxiliar pesquisas, que se interessam em analisar vários autores e
seus entendimentos diante de determinado assunto, proporcionando a possibilidade de englobar
grande quantidade de informação, corroborando assim para a obtenção de uma pesquisa de boa
qualidade. A Cultura foi utilizada neste estudo como referencial por ser compreendida como
um dos responsáveis por dar valor e reconhecimento à loucura como doença. É na Cultura em
que o indivíduo está inserido, que há a possibilidade de recebimento de apoio, ou não, para a
construção de uma organização psicológica, de seu crescimento e manutenção. É preciso, desta
forma, ser observado que em cada época da humanidade há diferentes modos de descrever o
que vem a ser enquadrado como doença, para isso os conhecimentos acadêmicos e as
representações sociais e culturais de forma concomitante, entre outros paradigmas, são
utilizados. Outros referenciais de estudo são a antropologia cultural e a etnopsicologia, as quais
aproximam-se, ao dirigirem seus estudos para o que há de diferente entre os membros de uma
mesma cultura, considerando esta uma totalidade irredutível em relação a outras. A
etnopsiquiatria se fez presente por contribuir com sua diferente forma de entender a loucura, ou
seja, esta busca embasar o desenvolvimento da área de saúde mental, a partir do trabalho de
etnólogos e de psiquiatras tradicionais, os quais proporcionam transformação de fatos
etnográficos em objetos etnológicos e de fatos nosográficos em objetos nosológicos. A junção
destes resultados, realizada por um etnopsiquiatra, é capaz de gerar como resultado um olhar
diferenciado e contextualizado para a prática clínica e para o estabelecimento de diagnóstico,
prognóstico e tratamento. Houve momentos na História em que o louco foi considerado um
possuído, relacionado à possessão demoníaca, em diversas estruturas religiosas e mágicas.
Durante o período Renascentista, por volta da segunda metade do século XV, a loucura e o
louco eram retratados, não apenas em peças teatrais, mas em danças e na literatura. Alguns
escritos dos chamados loucos eram admirados e lidos pela classe culta francesa. Este status veio
a modificar-se por volta do século XVII, quando ser louco tornou-se referência para exclusão
social. Se anteriormente, haviam sido criados estabelecimentos para os loucos, nos quais a
medicina árabe era utilizada como meio de cuidado, neste momento, estes mesmos espaços
foram usados para enclausurarem os mendigos, os portadores de doenças mentais, os
61
Aluna bolsista da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
desempregados, os idosos miseráveis, entre outros. Não mais com uma visão social de
admiração, mas buscou-se com essa atitude uma reestruturação burguesa do espaço social. A
decisão de internar adquirida não se direciona para um estabelecimento médico, mas para uma
estrutura semijurídica que, além dos tribunais, decide, julga e executa. Portanto, fica claro que
na estrutura das casas de internamento, não esteve presente nenhuma ideia ou liderança médica,
mas a intenção de naturalização do internamento desta população.
INTRODUÇÃO
Durkheim (1977 apud FOUCAULT, 1978), como sociólogo, utilizou-se das concepções
evolucionista e estatística para referir-se à loucura, ou seja, um fenômeno seria considerado
patológico quando se distanciasse de uma média pré-estabelecida, sendo esta composta de
características determinadas, assim como seria levada em consideração a frequência da
ocorrência daquele na espécie observada. Essa comparação só faz sentido quando realizada em
uma mesma época e contexto.
A patologia era vista pelos psicólogos americanos e por aquele sociólogo, como
portadora de um aspecto negativo, o qual refletia uma marginalidade por natureza,
impossibilitando uma integralidade na cultura onde ocorria.
Antropologicamente é possível observar-se que características próprias de determinada
cultura poderão ser compreendidas de modo diverso, quando também são levadas em
consideração suas crenças, tradições e comportamentos em relação a um mesmo fenômeno.
Cada doença tem sua imagem formada por virtualidades antropológicas que ela
negligencia ou reprime, e cada Cultura se posicionará considerando sua peculiar construção.
A partir destes entendimentos, Foucault (1978) se coloca: ...”nossa sociedade não quer
reconhecer-se no doente que ela persegue ou que encerra; no instante mesmo em que ela
diagnostica a doença, exclui o doente”.
O que ocorreria de modo diverso nas culturas primitivas, as quais, de modo positivo,
colocam seus membros, que manifestam doenças mentais, no centro da vida religiosa.
Historicamente, até o início de uma medicina positiva, o louco era considerado um
possuído, sempre relacionado a significações religiosas e mágicas. Em dois momentos
registrados na história, houve a interferência da medicina no fenômeno da possessão, antes do
século XIX. Uma referiu-se à responsabilidade dos médicos em demonstrar que os rituais
religiosos seriam “imaginação desregrada”. Em uma segunda situação, deveriam comprovar,
sob a convocação das autoridades eclesiásticas que os fenômenos de êxtase ou de profetismo
eram “movimentos violentos dos humores ou dos espíritos” (FOUCAULT, 1978).
Ainda sobre o fenômeno religioso relacionado à loucura, observa-se, segundo
Dalgalarrondo (2008):
Foi visto de modo positivo, até certo ponto, quando a loucura e o louco eram descritos,
representados na literatura, no teatro e na dança, principalmente na segunda metade do século
XV, durante o Renascimento. Nessa época, têm-se notícias da criação dos primeiros
estabelecimentos reservados aos loucos. Seu tratamento tinha como referência a medicina
árabe. Havia loucos considerados célebres, os quais seus escritos eram lidos pela classe culta
francesa.
Porém, em meados do século XVII, a loucura se tornará motivo de exclusão social. E a
partir daí, os estabelecimentos terão a função de internamento, onde cidadãos foram
enclausurados, levando-se em consideração critérios diversos do que se entendia como loucura.
Foram os mendigos, os portadores de doenças mentais, os desempregados, os idosos
miseráveis, entre outros. Todos aqueles que davam mostras de “alteração” em relação à razão,
à moral ou à sociedade. Buscava-se com essa atitude uma reestruturação burguesa do espaço
social.
Percebe-se que uma mesma Cultura, em momentos diferentes age diferentemente diante
de um mesmo fenômeno. Assim como em uma mesma época Culturas diversas se posicionam
também diferentemente. Como o exemplo citado acima, entre a cultura europeia e árabe, onde
a primeira se deixou influenciar pela segunda com sua visão de doença mental e seu tratamento
(FOUCAULT, 1978).
As exclusões podem se dar geograficamente (como nas sociedades indonésias, onde
aquele que é considerado diferente da grande maioria, vive em algum local distante e isolado);
materialmente (o internamento, realizado em nossas sociedades) ou virtualmente (visão apenas
do exterior).
Laplantine (1998) descreve que a sociedade Ocidental, através da medicina, entende a
doença mental como algo maléfico e que deve ser esmagada, assim como seus sintomas devem
ser estrangulados, fazendo com que sejam reprimidas.
Essa sociedade também descreveu como ‘algo maléfico’ a cultura e os rituais religiosos
de um povo. Fato este observado na deportação de negros para a América do século XVI ao
século XIX. Realizando a separação de mulheres, homens e crianças de uma mesma família;
desfazendo os laços afetivo e cultural que os unia, procurou conduzir esses indivíduos ao
desinvestimento total de sua própria cultura. Resultando em grande sofrimento psíquico.
Para corroborar com este pensamento, Roger Bastide (1972, apud QUEIROZ, 1983)
contribui ao descrever como pode ser entendida a loucura ou aquele que a vivencia:
Para referenciar alguns avanços e novas formas de olhar a loucura e o louco, no dia
10 de Outubro é comemorado em todo o mundo o Dia Internacional da Saúde Mental. A data
foi instituída em 1992 pela Federação Mundial de Saúde Mental.
Refletindo sobre este tema, o qual envolve muitos seres humanos, no início do ano de
2001, o Governo Federal editou a Lei nº 10.216/2001, a qual tem como objetivo proteger e
garantir o direito das pessoas portadoras de transtornos mentais, através do acesso ao sistema
de saúde com tratamento humanizado e respeitoso, buscando desenvolver esse trabalho de
modo a proporcionar a inserção do portador deste transtorno na família e nos espaços em que
transita
A partir desta Lei também foi criada a Política Nacional de Saúde Mental, que através
do programa “Conte com a gente”, fornece serviços como: Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS), estes subdividido em l, ll, lll, CAPSad e CAPSi, responsáveis por oferecerem
atendimentos de acordo com quantidade da população de cada município e serviços
especializados. Além dos Serviços Residenciais Terapêuticos e Programa de Volta pra Casa.
Todos de forma integral e gratuita.
METODOLOGIA
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro,
1975.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2010.
KOHUT, Heinz. A Psicologia do Self e a Cultura Humana. Porto Alegre: Editora Artmed.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. Roger Bastide: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
EMPONDERAMENTO FEMININO: UMA ANÁLISE DA AUTONOMIA
DAS MULHERES EM FEIRA LIVRE DE SANTANA DO IPANEMA -AL
RTES INTEGRADAS DXTO
Silvania Monteiro da Silva
Universidade Federal de Alagoas – UFAL.
Email: silvania.eco@gmail.com
Resumo:
A pesquisa teve como objetivo compreender as dinâmicas existentes, dentro do cotidiano de
mulheres que são vendedoras na feira livre de Santana do Ipanema-AL. Além disso, o estudo
buscou entender, dentre outros fatores, como se deu a inserção dessas pessoas no mercado de
trabalho, e quais são suas contribuições para com a renda familiar. O método utilizado foi a
pesquisa de campo de caráter exploratório, com metodologia qualitativa, para além disso foi
aplicado questionários com 30 feirantes, tendo como objetivo identificar fatores que
contribuíram para a autonomia das mulheres na feira. Para tanto, é importante enfatizar que as
vendedoras se apoderaram das oportunidades e estão demostrando com determinação, o quanto
desejam dias melhores e uma vida mais digna a partir do trabalho nas feiras.
Introdução:
Fundamentação Teórica:
Ao longo dos anos apesar das dificuldades impostas pela sociedade, as mulheres
conquistam destaque em diversos segmentos, na questão do trabalho, elas estão se promovendo
ganhando rumos anteriormente não considerados. Desse modo, é notória a presença e a
autonomia das mulheres tanto no mercado de trabalho quanto na promoção de renda familiar.
Segundo afirma D‟Alonso (2008):
Nessa perspectiva, ramos diversos são atuados por mulheres, desde os mais preparados
aos mais simples, porém, não menos digno. Ao longo da história da humanidade as mulheres
fizeram transformações importantes nos mais variados campos, mas sem dúvidas as principais
ocorreram em sua posição na sociedade, […] buscando o direito trabalhar e ter sua
independência financeira (BAYLÃO E SCHETTINO, 2014).
Dessa forma, o empoderamento feminino é oriundo das transformações que ocorreram
no âmbito das conquistas promovidas pelas mulheres. Sendo, um movimento presente no
cenário econômico, onde estas estão se apoderando das oportunidades, indicando o quanto
desejam dias melhores. O que as mulheres buscam com o emponderamento é o seu caráter
emancipatório e igualitário para com os homens, de modo a reconfigurar a sociedade patriarcal
em que vivem, com seus processos e estruturas que ainda subalternizam a mulher (DEERE &
LEÓN, 2002, p. 52).
A mulher emponderada se constitui através de vários aspectos, buscando alcançar metas
sociais e econômicas, ou seja, está bem consigo como também financeiramente. Desse modo,
mulheres criativas chegam no mercado desenvolvendo e planejando suas atuações.
Nesse aspecto, uma atividade do setor de serviços que recebe muitas adeptas é a feira
livre, ainda presente em muitas regiões e com ênfase nas cidades interioranas. A feira é
articulada devido muita das vezes a cultura local. Assim sendo, as mulheres estão cada vez
mais presentes, atuando no trabalho da feira.
A feira livre é um espaço onde se comercializa e existe a troca de informações,
conhecimentos, pontos de interação, além da troca de moedas existe a presença da
Folkcomunicação, ou seja, a interação do conhecimento popular, dos locais de conversa, da
comunicação em se, por fim das trocas de saberes. De acordo com Gushiken (2011, p. 03-04).
Em outras palavras, a folkcomunicação aponta para a troca de informações entre
membros do mesmo grupo social, num primeiro momento, e entre grupos sociais
distintos, num segundo momento. Portanto, consideram-se as práticas populares de
produção de linguagem – no artesanato, nos jogos, nas diversões, nos eventos festivos
e outras tantas formas de manifestações populares – como um modo de produzir
sentido e reinventar as vinculações sociais, em nível comunitário e entre as
comunidades e a sociedade em geral. Na perspectiva da folkcomunicação, a cultura é
considerada como ambiente de produção, circulação e consumo de informações .
A feira livre deve ser compreendida, então, como um contínuo organizar, baseado em
acordos e negociações, em cooperação e competição e na execução de regras tácitas.
Isso garante a agilidade, a extrema adaptabilidade e a criatividade de formas de se fazer
a feira livre.
Para tanto, podemos compreender que o ambiente aonde as mulheres podem esta
inseridas é diversificado conforme seus anseios e pontos de vista. No entanto, é importante
ponderar que ambos os lados são dignos e proporciona na medida do possível uma qualidade
de vida, ainda mais, não podemos esquecer que as mulheres ao longo dos anos alcançaram
espaço e atualmente conquistam.
Metodologia:
Resultados e discussão:
Assim sendo, é evidente um gasto mais elevado para vender o produto internamente,
tendo em vista, o custo para importação. Caso fosse produzido dentro do próprio município os
custos seriam reduzidos tanto para os vendedores quanto os clientes. Logo, pode-se melhorar
esta fonte de renda, com políticas públicas direcionadas para educa-las no sentido de
possibilidades de inclusão na produção dos produtos que comercializam.
Além disso, os principais desafios relatados durante a pesquisa foi o baixo consumo dos
clientes que no ano de 2017 e ao longo do primeiro semestre de 2018 teve uma redução
considerável o que influencia na renda familiar das mulheres. Desse modo, é fundamental que
exista incentivos locais que estimulem as feirantes a produzirem na sua localidade, investindo
na produção local de verduras e derivados, sendo essas mais simples de serem produzidas.
Assim, as produtoras reduziriam seus custos e o desperdício oriundo das importações de locais.
como: Caruaru-PE, Arapiraca-AL e Sergipe.
Nessa perspectiva, em relação ao desperdício de legumes e frutas encontradas na feira,
uma iniciativa promovida pelas vendedoras foi oferecer ou disponibilizar os produtos para a
alimentação de animais. Uma questão que é benéfica evitando que os resíduos sejam jogados
totalmente no lixo, porém, o desperdício revela uma má gestão do negócio pois isso indica que
o planejamento está sendo inadequado, tendo em vista, que existe mais oferta do que demanda
sendo que o mercado funciona ao contrário.
Para tanto, é importante enfatizar que as vendedoras se apoderaram das oportunidades
e estão demostrando com determinação, o quanto desejam dias melhores e uma vida mais digna
a partir do trabalho nas feiras. Com isso, conclui-se que o emponderamento das mulheres na
feira livre promove a autonomia e a superação da desigualdade, apesar das dificuldades é
possível perceber que a feira proporcionou uma maior independência, para as mesmas no
mercado de trabalho.
Conclusão:
Referências:
INTRODUÇÃO
1 REVISÃO DA LITERATURA
A feira livre representa uma das formas mais antigas de comercialização de variados
produtos, desenvolvendo até hoje um importante papel econômico, social e cultural. Além
disso, quando se refere como um negócio, este cenário de comercialização se torna um forte
instrumento de políticas públicas e um grande gerador de emprego e renda para o município.
Muitas cidades operam o tempo todo quase que em função da feira, dela recebendo todas as
influências possíveis. O intercâmbio com pessoas de outras procedências é algo inevitável o
que acaba sempre acrescentando elementos novos à vida local.
O espaço urbano advém de diferentes do passado e continuam existindo no presente, sendo
este espaço humano, porque o homem o constrói e o reproduz através de diferentes classes sociais.
Este espaço estando ligado à produção, pois é nesta que o processo produtivo social acontece, sendo
fragmentado em virtude de cada um manter relações espaciais entre si e com o todo, o que gera uma
movimentação de fluxos de pessoas, veículos e produtos.
A feira de Santana do Ipanema surgiu como a maioria das outras feiras livres, através de
trocas e vendas de produtos de necessidade básica. Porém, com a diversidade dos produtos, o espaço
ocupado pela feira foi aumentando, e com isso a variedade de frequentadores também, modificando a
paisagem local e diversificando o conjunto de produção de trocas e sentimentos. Com a feira livre em
estudo, visto que ela representa para o município um evento de grande importância comercial, que
altera a rotina do meio, tendo como exemplo o grande caos que se torna a malha viária local nos dias
em que a feira acontece.
Como resultado das pesquisas de campo com fregueses, podemos observar no Gráfico 1, as
principais vantagens de comprar na feira livre, e 38% dos entrevistados concordam que é uma grande
vantagem a oferta de produtos frescos, seguido pelos 29% da vantagem dos preços mais baixos.
MATERIAIS E MÉTODOS
A presente pesquisa traz metodologia qualitativa onde na primeira etapa do trabalho, foi
realizada uma pesquisa bibliográfica, que é aquela que acontece através de registros disponíveis
ao público, por meio de publicações como livros, artigos, teses entre outros. Através de
interpretações de textos, documentos, artigos acadêmicos, buscar opiniões de autores diversos
em relação ao objeto de pesquisa para melhor entendimento do perfil socioeconômico
relacionando com feira livre local.
Na segunda etapa foi realizado uma pesquisa em campo no local onde a feira livre
acontece para conhecer os produtos ofertados pela mesmas, onde proporciona diversas bancas
com produtos produzidas que está situado no município de Santana do Ipanema, tendo como
objetivo de apurar os dados, fazendo observações diretas e estudo de caso. Para que fosse
possível o alcance dos objetivos propostos, foi usada a técnica de entrevista semi-estruturadas,
com temas ligados ao perfil socioeconômico, tendo a finalidade de identificar as características
e dificuldades dentro da perspectiva da feira livre. Após a coleta dos dados foi possível analisar
e interpretar as informações coletadas em campo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir dos resultados referente a análise dos dados é possível identificar que a feira
santanense, proporciona um lugar alternativo para aquelas pessoas que precisam de renda sem
que se exija experiência ou capacitação, além de ser opção de renda extra para muitos, foi
possível identificar que os feirantes em sua maioria, tiram seu sustento apenas na feira, mas
também uma parcela pequena dos feirantes possuem formação acadêmica e atuam em outras
áreas no mercado.
A feira livre oferta produtos naturais e com qualidade, que em sua maioria é oriundo de
outras localidades, apenas uma pequena parcela do produtos são cultivados pelos agricultores
locais. Ao ser questionado sobre os desafios e dificuldades de se atuar nesse mercado os
feirantes afirmaram que é o baixo movimento do mercado o que acaba afetando na renda dos
mesmos, isso acontece por conta da abertura do novo hipermercado na cidade e outros
estabelecimentos que são concorrentes diretos da mesma. Apesar disso a feira se mostra ter
compradores fies que não trocam os produtos ofertados na feira por ser de qualidade e natural,
além de oferecer produtos diversificados alimentícios, de vestuário, eletrônicos e artesanal por
um preço menor.
Tendo em vista os objetivos que foram propostos, a finalidade da pesquisa foi
compreender melhor e dar uma maior visibilidade ao perfil socioeconômico da feira livre
santanense e mostrado que é um dos importantes meios para a geração de novos negócios e um
espaço cultural. Foi possível também compreender as dificuldades e não visibilidade
encontradas por os feirantes em Santana do Ipanema.
Para Ribeiro (2007) os feirantes amanhecem na cidade transportando os produtos
para vender, comprar, barganhar, trocar e participar do grande acontecimento da sociedade
que é a feira. Sendo as feiras sonoras, sendo dissolvidas na paisagem local, realizam um
movimento considerado pequeno, e como atendem uma parcela restrita e geram um
movimento que dilui na economia informal, raramente são incluídas em programas de
geração de renda e desenvolvimento. As feiras livres têm uma atenção pequena se
comparada ao movimento econômico que promovem, visto que as feiras geram ocupação de
renda e identidade regional.
Geralmente se expandem ao invés de se reduzirem, pois alimentam essa cultura
territorializada que passa a se tornar um espaço de manifestação de identidade. Os
lavradores-feirantes são favorecidos, pois comercializam produtos de difícil inserção em
outros mercados, sendo sua prioridade de produção baseada na cultura alimentar local,
associada a um abastecimento dos alimentos com maior qualidade.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
SÁ, M. G. Feirantes: Quem São? Como Administram seus Negócios?. In: ENCONTRO
NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ADMINISTRAÇÃO, 34, 2010, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2010.
ENTRE CHOROS, SUSSUROS E MÁSCARAS: A ANTROPOLOGIA DE
TURNER E O TEATRO CONTEMPORÂNEO
RESUMO
O teatro detém um lugar especial nas ciências sociais, pois alguns de seus teóricos mais
importantes usam terminologia teatral para descrever o mundo a seu redor. Nesse contexto,
pensadores como Victor Turner e Irving Goffman utilizam o teatro como base de suas teorias.
Nesse artigo, faremos um estudo de caso do espetáculo “Retomada”, mantendo o foco do nosso
exame na liminaridade descrita por Turner, e veremos como esse e outros conceitos
antropológicos podem ser utilizados para análise de performances do teatro contemporâneo.
INTRODUÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Irving Goffman entendia que os seres humanos estão constantemente atuando. Cada
papel exige que o ator demonstre uma faceta diferente de sua personalidade. Para desempenhar
65
Bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Pernambuco.
E-mail: macariohartnett@yahoo.com
66
No Original: “Life imitates art”.
67
No original: “What is interesting about people in good society [...] is the mask that each one of them
wears, not the reality that lies behind the mask”.
um papel, os atores frequentemente se unem em equipes e utilizam um lugar específico para a
performance denominado pelo autor de “front stage” (palco). O palco é um local
especificamente escolhido para dar credibilidade à equipe. Assim, o jaleco do médico e toda a
parafernália tecnológica presente em seu consultório servem para ajudá-lo a desempenhar seu
trabalho com precisão e segurança, mas também são apetrechos que fazem o paciente
reconhecê-lo como médico e tratá-lo como tal (GOFFMAN, 1959).
Intimamente relacionada ao palco está uma outra região denominada “back stage”
(bastidores), nesse local a equipe pode relaxar, longe da vista da plateia. A cozinha de um
restaurante é um bom exemplo de bastidores. Distantes dos fregueses, os garçons podem
reclamar deles e fazer uso de linguagem chula, bastante diversa do linguajar polido que são
obrigados a usar em sua presença. Os bastidores não são um lugar livre de performances, onde
qualquer coisa pode ser dita ou feita. Muito pelo contrário. Para Goffman (1959), nos bastidores
ocorre um outro tipo de performance, onde os atores expressam suas frustrações e se apoiam
mutuamente nos intervalos, revigorando a performance que deve continuar no palco.
Um terceiro lugar relacionado a esses dois seria “outside” (lado de fora), onde ocorrem
outras performances (GOFFMAN, 1959). Assim, para um vendedor de sapatos “front stage”
seria a loja com a presença dos clientes, “back stage” seria o momento em que os clientes não
estivessem no local, e “outside” seriam diversos lugares, dentre eles a casa do vendedor, onde
ele já não desempenha mais esse papel e sim o de marido e pai de família, por exemplo.
O renomado antropólogo escocês Victor Turner também se inspirou no teatro para
desenvolver suas teorias, talvez por ser filho de uma atriz. Ele entendia que essa arte era
descendente direta dos rituais de passagem, que se fragmentaram em diversas artes na sociedade
contemporânea. Assim, Turner cunhou termos como “drama social” para explicar momentos
de conflito e crise na sociedade (TURNER, 2005).
O conceito de estrutura é importante para entender as teorias de Turner. De acordo com
Radcliffe-Brown, os fenômenos sociais dizem respeito a estruturas sociais, pois “uma relação
social entre duas pessoas […] só existe como parte de uma rede ampla de relações sociais, que
envolve muitas outras pessoas68” (1940, p. 3, tradução nossa). As relações de parentesco são
uma parte fundamental da estrutura, pois relações sociais entre membros de uma família “têm
atreladas a elas certos direitos e deveres, ou modos de comportamento distintos69”
68
No original: “a particular social relation between two persons […] exists only as part of a wide
network of social relations, involving many other persons”.
69
No original: “have attached to them certain rights and duties, or certain distinctive modes of
behavior”.
(RADCLIFFE-BROWN, 1969, p. 52, tradução nossa). Status – as diferentes posições sociais
de chefes tribais e pessoas comuns, de homens e mulheres – também detém um papel importante
na determinação das relações sociais (RADCLIFFE-BROWN, 1940, p. 4).
Arnold Van Gennep entendia que rituais de passagem são “ritos que acompanham
qualquer mudança de lugar, estado, posição social ou idade” (TURNER, 2005, p 140). Esses
rituais consistem de três fases: separação, margem e agregação. A separação é o afastamento
simbólico do indivíduo da posição que ele ocupava na estrutura social; a fase de agregação
ocorre no fim do ritual de passagem, quando o indivíduo será reintegrado à sociedade em uma
nova posição na estrutura. É o que acontece entre esses dois momentos, o período marginal (ou
liminar) que interessa particularmente a Turner (2005 p. 137): “se o nosso modelo básico de
sociedade é o de uma ‘estrutura de posições’, devemos encarar o período de margem ou
‘liminaridade’ como uma situação interestrutural”.
Durante o estado de liminaridade, o neófito de um rito de puberdade é aquilo que Turner
chamou de “nem-menino-nem-homem”. Esse caráter ambíguo torna difícil definir
precisamente o que ele é, por isso ele não pode absolutamente se encaixar na estrutura bem
definida da sociedade, encontrando-se à margem dela. Turner (2005) esclarece que: “a
liminaridade pode, talvez, ser encarada como o Não a todas as asserções estruturais positivas,
mas sendo, de certa forma a fonte de todas elas”.
Contrapondo-se à estrutura, que se constitui em uma rede complexa de relações
hierárquicas, a liminaridade se caracteriza pelo que Turner denominou “communitas”, onde
todos os neófitos são iguais: tanto o filho do chefe, que herdará o trono futuramente, quanto o
filho do homem mais humilde da tribo. Os neófitos não podem ser distinguidos uns dos outros,
pois durante a liminaridade, eles não têm nada: “não têm status, propriedade, insígnia,
vestimenta secular, graduação, posição de parentesco, nada que possa distingui-los,
estruturalmente, de seus companheiros [...] não têm nem mesmo nome” (TURNER, 2005, p.
143).
Turner cita como exemplo o ritual de investidura do kanongesha - chefe supremo, o
mais alto cargo político entre os Ndembu (tribo da Zâmbia – África). Nesse ritual, o futuro
chefe é humilhado e qualquer pessoa que esteja ressentida com ele pode expressar sua mágoa
abertamente, devendo ele suportar tudo isso com paciência e humildade. O propósito dessa
humilhação é despertar no futuro chefe a consciência de sua própria mesquinhez, para que ele
não venha a utilizar seu novo cargo em benefício próprio, devendo governar pensando no bem
de toda a tribo (TURNER, 2005). Fica evidente o propósito do ritual de passagem de exercer
forte influência sobre os neófitos.
O GRUPO TOTEM
A partir de Antonin Artaud, o teatro desenvolveu sua própria “linguagem concreta”.
Cansados da imposição de um texto dramático, diretores teatrais começaram a desenvolver
espetáculos que faziam uso de pouca ou nenhuma linguagem oral inteligível. Os atores
passaram a balbuciar palavras incompreensíveis em idiomas artificialmente inventados, e o
teatro apropriou-se de outras linguagens artísticas, fazendo uso extensivo da música, da dança
e das artes visuais (ARTAUD, 1970). É interessante notar que, ao se libertar do texto dramático
e buscar outras fontes de inspiração, o teatro pode se aproximar mais de suas raízes nos rituais
de passagem.
O grupo de performance teatral “Totem” surgiu na década de 1980, criado por membros
do grupo Trem Fantasma e por alunos do Colégio Estadual de Olinda. Durante uma pesquisa
de campo, os membros do grupo Totem visitaram povos indígenas Xucurú, Capinauá e
Pancararú, e participaram de seus rituais, criando assim um ritual sincrético próprio: o
espetáculo “Retomada”. Em uma entrevista concedida a mim, o diretor do grupo, Fred
Nascimento, citou os escritos de Victor Turner como uma influência na elaboração da
performance.
METODOLOGIA
O diretor teatral do grupo Totem não é o único artista que se embasa nos escritos do
antropólogo escocês: um dos mais notórios admiradores de Turner é Richard Schechner,
professor de estudos da performance na Tisch School of the Arts, da Universidade de Nova
Iorque. Schechner foi diretor teatral do Performance Group por mais de uma década. Expondo
o conceito de “drama social” turneriano, Schechner comenta que “rituais de passagem são
inerentemente dramáticos70”, pois seus participantes “tentam mostrar aos outros o que eles estão
fazendo, [...] [assim], as ações adquirem o aspecto de algo performado para uma plateia71”.
(SCHECHNER, apud QUANTZ 2011, p. 36). Afirmações como essa, proferidas por alguém
que não só é um acadêmico, como também um diretor teatral, demonstram a validade das teorias
de Victor Turner dentro do campo das artes.
70
No original: “rites of passage are inherently dramatic”.
71
No original: “try to show others what they are doing, […] actions take on a performed-for-an-audience aspect”.
Farei a seguir uma análise do espetáculo “Retomada”, que tive a oportunidade de
assistir. A análise se embasará na liminaridade Turneriana, e será suplementada por
informações que coletei em uma entrevista que realizei com Fred Nascimento, o diretor teatral
do grupo. Buscarei demonstrar como conceitos antropológicos podem ser utilizados para
análise de performances do teatro contemporâneo.
ANÁLISE DE RETOMADA
A plateia entra no teatro. O palco está bastante escuro. Oito mulheres choram a um canto
do palco, muito alto. Uma guitarra toca notas esparsas, distorcidas, dissonantes. Uma névoa de
gelo seco complementa o ar sobrenatural da cena. O choro intenso das mulheres dura pelo
menos cinco minutos, se estendendo bem além do tempo necessário para os espectadores se
acomodarem em seus assentos. O efeito é horripilante. A intenção parece ser causar desconforto
na plateia.
No início do espetáculo, as semelhanças com um ritual de passagem já são evidentes.
No escuro do teatro, os espectadores são todos iguais, como os neófitos em um ritual de
iniciação, não são ninguém. A simbologia de Retomada é oriunda da liminaridade: um local
isolado do mundo cotidiano e com características e símbolos peculiares e semelhantes à
simbologia da morte. O choro desesperado das atrizes no palco é certamente um choro de luto;
na dança ritual que ocorre em seguida, as atrizes jogam punhados de terra umas nas outras,
trazendo a ideia de um enterro, essas semelhanças não são mera coincidência. De acordo com
Nascimento: “Sempre foi uma coisa que acompanhou o grupo. Foi a partir de Van Gennep. E
depois o Victor Turner. A gente devorou muita coisa deles”.
Após esse momento inicial de crise, o palco fica mais claro e a plateia percebe que as
atrizes trajam vestimentas e pintura ritualística indígena. As mulheres fazem uma dança
ritualística, que se assemelha um pouco a uma haka dos maoris neozelandeses. Aqui a linha que
separa os papéis tradicionalmente atribuídos a homens e mulheres é borrada. Nessa dança as
atrizes se movem de maneira bastante amasculinada, como homens guerreiros que se preparam
para a guerra. Mais à frente, colocarão vestidos e dançarão de maneira bastante feminina.
Turner entende que “nas sociedades predominantemente estruturadas pelas instituições de
parentesco, as distinções sexuais têm grande importância estrutural” (TURNER 2005, p. 143).
Entretanto, é comum que nos rituais de passagem os neófitos sejam tratados como seres
assexuados ou bissexuais. Eles “podem ser considerados como uma prima materia humana -
como matéria bruta indiferenciada.” (TURNER 2005, p. 143). Sendo essenciais para a estrutura,
as distinções sexuais não existem na liminaridade, que é interestrutural.
Em Retomada, após a dança de guerreiros, vestidos descem do alto pendurados em uma
estrutura de metal. As atrizes cobrem seus rostos com eles, os utilizando como máscaras. Em
Betwixt and Between, Turner escreve a respeito dos sacra, mistérios que constituem o cerne da
questão liminar. Esse conhecimento místico frequentemente é exibido através de objetos
sagrados, também denominados sacra. Esses incluem instrumentos musicais, pinturas, ossos,
espelhos, estatuetas e máscaras. As máscaras costumam ter caráter desproporcional e
monstruoso. Um dos mistérios que os neófitos aprendem na liminaridade é os nomes dos
espíritos que, acredita-se, presidem a cerimônia. (TURNER 2005). A respeito desse momento
do espetáculo, o diretor teatral menciona praiás – entidades de rituais indígenas que dominariam
o corpo de pessoas com poderes mediúnicos, de maneira semelhante aos orixás no candomblé.
Como vimos acima, uma das características fundamentais dos neófitos em um ritual de
passagem é o fato deles não serem ninguém e não terem nada (propriedade, status, roupas
seculares, etc). É o que se verifica em retomada. Até esse ponto da peça, as mulheres não eram
ninguém. Não estavam aqui nem ali. Estavam nuas (metaforicamente; as atrizes estavam
seminuas). Ao receberem as máscaras – os sacra, os mistérios – as mulheres receberam o cerne
da questão liminar. Já não são mais ninguém. Já não estão mais nuas. Após utilizarem os
vestidos como máscaras e dançarem como praiás, removem as máscaras e as utilizam como
roupas, cobrindo seu corpo seminu. Colocando os vestidos que receberam, têm direito a uma
identidade. Turner explica: “O termo ‘arquétipo’, em grego, denota um cunho ou tipo mestre,
e esses sacra, apresentados com numinosa simplicidade, imprimem nos neófitos os pressupostos
básicos de sua cultura.” (TURNER 2005).
Os sacra fornecem o padrão de referência ao iniciado. Mas nessas sociedades, acredita-
se que o conhecimento dos sacra não é mera transmissão de informação. Eles efetivam uma
mudança ontológica no indivíduo. É através deles que a matéria humana bruta e indiferenciada,
que é o neófito do ritual de passagem, se torna um indivíduo apto a desempenhar as funções de
seu novo cargo, seja ele um caçador, um chefe de tribo ou uma esposa. O conhecimento dos
sacra “une, intimamente, o homem e o cargo.” (TURNER, 2005, p. 154)
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ARTAUD, Antonin. The Theater and Its Double. London: John Calder, 1970.
GOFFMAN, Ervin. The Presentation of Self in Everyday Life. Chicago: Anchor Books,
1959.
QUANTZ, Richard. Rituals and student identity in education: Ritual critique for a new
pedagogy. Springer, 2011.
WILDE, Oscar. The Decay of Lying – An Observation. Arquivo disponível online em:
http://www.online-literature.com/wilde/1307/. 1891.
EXPRESSÃO DA RELIGIOSIDADE NO MITO DO RAPTO DE
PROSÉRPINA
RESUMO
O presente trabalho propõe analisar o mito do rapto de Prosérpina, presente no livro V das
Metamorfoses, de Ovídio, identificando na narrativa mítica o arcabouço de cunho religioso,
como representação explicativa do surgimento das estações do ano. Filha de Júpiter e Ceres, a
deusa é assimilada a Perséfone da tradição grega, sendo, neste caso, filha de Zeus e Deméter,
que, deusa das terras cultivadas, representa a fecundidade da lavoura. Tendo em vista que o
rapto de Prosérpina por Plutão, senhor do mundo ínfero, acarreta a desordem cósmica, Júpiter
intervém, estabelecendo um pacto com Ceres, o qual promove o nascimento das estações,
imprescindíveis para o funcionamento do ciclo produtivo da terra. Desta maneira, nossa
metodologia está pautada em pesquisas bibliográficas que discutem a importância do mito para
a religiosidade na civilização greco-latina arcaica, para isso utilizaremos o aporte teórico de
Brandão (2015), Grimal (2000), Guimarães (1982), entre outros.
INTRODUÇÃO
O mito, celebrado pelo rito, faz parte da construção do homem arcaico desde que sua
racionalidade pode ser atestada. Buscando explicar os mistérios da organização da natureza e
do pensamento humano, o mito era abordado de diferentes formas dentro do mundo greco-
latino arcaico, estando presente nas religiões familiares e nas mais abrangentes, como as da
cidade. Em meio a enorme diversificação de dúvidas suscitadas a partir da observação da
natureza e do próprio comportamento, os mitos elencavam o papel de prover explicações que
suprissem as necessidades humanas independente do âmbito no qual estas se encontrassem. Os
mitos cosmogônicos, por exemplo, buscavam explicar a origem do mundo, partindo da
formação do cosmos e do estabelecimento da natureza.
No mito cosmogônico narrado pelo poeta latino Públio Ovídio Naso (43 a.C –17 d.C),
Metamorfoses (8 d.C), encontramos a narração da separação dos elementos primigênios, de
como se deu a imposição da gravidade, e ainda o retrato da explosão primeira que proporcionou
o desenvolvimento inicial do universo. Após a narração destas e das demais transformações
cosmogônicas, como a divisão das águas, Ovídio tratará das transformações etiológicas, que
podem ou não afetar o cosmos e ocorrem, por vezes, de uma hora para outra. Dispensam
explicações aprofundadas acerca de sua natureza.
Durante a descrição de tais modificações etiológicas, Ovídio traz, no livro V da obra, o
retrato do rapto de Prosérpina, deusa da germinação das terras que pode ser assimilada a
Perséfone grega, por Plutão, o senhor dos Infernos, que pode ser assimilado a Hades da tradição
grega. No momento do rapto, Prosérpina grita escandalizada e todos os seres a ouvem, inclusive
sua mãe, Ceres, deusa da terra cultivada, que pode ser assimilada a Deméter grega. Ao ouvir os
gritos da filha, Ceres procura-a por todos os cantos da terra durante nove dias. A deusa fica tão
horrorizada que passa a maior parte do período sem alimentar-se e sem consumir tanto o néctar
quanto a ambrosia, alimentos vigorantes que são importantíssimos para que os deuses
mantenham-se nutridos, encontrando-se, assim, num estado de desnutrição total.
Os recursos imagéticos que exprimem a autodepreciação de Ceres servem como
paradigma para o estado em que a terra se encontrara, denotam a queda das folhas e o solo
ressequido. Quando descobre que a filha está nos Infernos, Ceres pede a Júpiter, que é pai de
Prosérpina, para trazer a filha de volta, mas, como esta rompera o jejum, jamais poderia sair
definitivamente do submundo, pois iria de encontro à lei das moiras. Júpiter, então, durante o
desenrolar da exegese, estabelece um acordo entre Plutão e Ceres, no qual Prosérpina fica
impelida a passar metade do ano com a mãe, quando o tempo seria florido e ocorreriam o verão
e a primavera, e a outra metade com o marido, Plutão, quando ocorreriam o inverno e o outono,
reflexos da tristeza de Ceres, estabelecendo as estações do ano que são observadas desta forma
desde então. (Massi, 2010, p. 228)
À vista disso, dispusemo-nos, no seguinte trabalho, a analisar as características do mito
etiológico do rapto de Prosérpina, como este se desenvolveu, e como a cosmogonia influenciou
a possibilidade da suscitação e afirmação desse mito. Articulando-as ao aporte teórico de Junito
Brandão em Mitologia Grega, exploraremos as vicissitudes do mito, celebrado pelo rito, que
tornam possíveis a criação do pensamento religioso através da rememoração e do
estabelecimento dos mitos etiológicos, a exemplo do nosso objeto de estudo.
72
Entre os versos 21 e 75 do livro I
73
Que se encerra, de fato, ao final do livro I
74
Neste trabalho utilizaremos a tradução de Domingos Lucas Dias, respeitando suas escolhas de tradução.
75
Um dos casos em que a língua latina se declina
76
Outro caso em que a língua latina se declina
Tais mudanças são menores do que as que participam do processo cosmogônico e,
chamadas de etiológicas, têm como propósito explicar determinado acontecimento ou objeto a
partir do momento em que ele ocorre e passa a existir, dispensando maiores considerações a
respeito do que houvera anteriormente. Apenas o episódio de transformação que tal coisa sofre
para tornar-se outra, ou simplesmente surge na natureza, é necessário. Por exemplo: o mito de
Narciso77 tem por objetivo apontar como a flor de Narciso passou a existir e porque foi nomeada
desta forma, narrando então que ocorreu a partir do momento em que Narciso metamorfoseou-
se, em momento algum é dito como a flor se chamava antes, na verdade, a explicação etiológica
exclui a importância do que a antecede, descartando a forma que as coisas possuíam antes da
nova realidade estabelecida por ela.
Embora a etiologia não necessite de uma explicação aprofundada a respeito de suas
causas, Ovídio a utilizará, por vezes, para explicar o que fora narrado no livro I da obra, que
trata da cosmogonia, por este não permitir maior profundidade acerca de determinadas
minuciosidades.
Durante o mito das quatro idades Ovídio vai narrar, entre os versos 113 e 116, que,
durante a transição da raça de ouro para a de prata, Júpiter reduziu a duração da antiga
primavera, mas não explicará o motivo para que o deus tenha tomado tal atitude. No livro V,
porém, no excerto compreendido entre os versos 341 e 571, enquanto narra o rapto de
Prosérpina e suas consequências, o poeta traz o motivo para que Júpiter tenha tomado a ação
naquele momento, criando uma ponte entre o início do livro e o mito etiológico.
Júpiter, executando a função de mantenedor da ordem, que lhe é atribuída desde o mito
das quatro idades, envolve-se na trama do rapto de Prosérpina para estabelecer um pacto entre
Plutão e Ceres, a fim de apaziguar a irmã e não ferir a lei das Parcas: divindades assimiladas às
Moiras que impediam que alguém deixasse os Infernos após quebrar o jejum. O resultado do
pacto78 faz com que se explique o motivo para que Júpiter tenha tornado a primavera findável
e o rapto de Prosérpina seja um forte exemplo de como a etiologia é utilizada pelo poeta para
explicar acontecimentos que ocorrem no livro I.
Além desta característica que torna o mito do rapto de Prosérpina importante, há, a partir
dele, a divisão do mundo em estações, e conhecer as fases pelas quais o mundo passaria durante
o ciclo do ano fazia com que o homem soubesse o momento de plantio e colheita e assim
pudesse se adaptar ao ambiente, entendendo quando trabalhar para estocar alimento e quando
77
Narrado entre os versos 339 e 510 do livro III das Metamorfoses.
78
Narrado entre os versos 564 e 571
descansar, esperando a ida dos tempos inférteis. Organizando-se, inclusive, para comercializar
e navegar nos momentos em que a natureza se mostrasse favorável.
Por ter a capacidade de subjugar a subsistência humana a si, a forte presença de Ceres é
fundamental para que o mito tome essa relevância, pois os recursos imagéticos que exprimem
sua sacralidade serão pontuados constantemente no enredo, demonstrando como seu estado de
depreciação afeta negativamente a natureza, e seu contentamento, positivamente.
A narração do mito do rapto de Prosérpina tem início no verso 341 do Livro V das
Metamorfoses, e é narrado por Calíope79 à Minerva80, que pede para que as musas o narrem,
pois, no excerto compreendido entre os versos 250 e 340, estas explicam à deusa que estiveram
num embate com as Piérides81.
Segundo estas, a primeira Piéride canta a respeito da Titanomaquia 82 de maneira
deturpada, entre os versos 319 e 320 indignam-se pelo fato de que a Piéride: atribui aos
Gigantes/ uma falsa honra e esvazia os feitos dos deuses maiores. Porquanto, as musas indicam
Calíope, por excelência, para declamar o canto que entoou; e é assim, ao som da lira, que esta
inicia a exegese enaltecendo a Ceres de modo que percebamos desde o princípio a importância
da deusa para os romanos e para a transformação etiológica que ocorrerá ao final da narrativa.
O louvor à Ceres tem início no verso 341 e encerra-se no verso 345. No verso 341,
Calíope conta que a deusa foi a primeira que rasgou a terra com o curvo arado, apontando ao
fato de que fora por conta das terras férteis e dos rijos grãos, pertencentes à deusa, que o homem
precisou produzir ferramentas capazes de rasgar e arar o solo, a fim de cultivar e preparar
alimentos que fossem capazes de saciar a fome.
Nos versos 342 e 343 do encômio, Calíope diz que Ceres foi a primeira que ao mundo
deu cereais e o doce sustento,/ foi a primeira que criou as leis. Tudo é dádiva de Ceres;
indicando-a como a primeira a possibilitar que o homem fosse capaz de prover seu próprio
sustento, mostra que tanto a vida laboriosa quanto a subsistência humana estavam diretamente
vinculados a ela.
79
Musa responsável pelo canto
80
Deusa da sabedoria
81
Nove irmãs, filhas de Piério e Evipe, as quais desafiam as musas a um concurso de canto.
82
Guerra entre deuses e Titãs. A última travada antes que Júpiter estabelecesse a organização do cosmos. É narrada
por Hesíodo, entre os versos 617 e 720 da Teogonia.
As leis que menciona em foi a primeira que criou as leis (v.343) estão ligadas às
adaptações necessárias para a sobrevivência: ela quem decidia quando as terras estariam férteis
ou não; ensinou ao homem o momento de plantio, colheita e estocagem, possibilitando que se
adaptasse aos ciclos de fertilidade do solo e aprendesse a identificar o tipo de terreno necessário
para plantar cada tipo de grão. Logo, todas as regras e leis que deveriam seguir para produzir
de maneira adequada e não passar fome ou ter de migrar para terras longínquas, eram atribuídas
à Ceres – que regia todas as dádivas pertencentes a esse domínio.
Nos versos 344 e 345 que finalizam a obsecração, Calíope, ainda que seja a mais apta
ao canto, se declara incapaz de entoar um digno da deusa – atitude que exalta novamente a
sacralidade que esta detém. Vale ressaltar que o discurso ainda pode ser visto como um reflexo
da prática de invocação às musas que os aedos cultivavam, pois Calíope está a celebrar uma
deidade superior a si, de maneira análoga a qual os poetas as invocavam por serem superiores
a eles.
A Musa prossegue o detalhamento da narrativa fazendo menção à Titanomaquia, a fim
de superar a narrativa das Piérides, visto que se tratava de uma disputa, e explicar
minuciosamente as causas que motivaram o rapto de Prosérpina por Plutão, explanando,
destarte, todos os fatores envolvidos na trama. A musa desconstrói a subversão instituída pelas
adversárias e atribui as devidas glórias a Júpiter, o qual derrotou Tifeu83 e reestabeleceu a ordem
cósmica.
No ápice da derrota, porém, a criatura cai provocando um estrondo que abala todo o
plano terrestre; tamanha é a vibração que amedronta até mesmo Plutão, fazendo com que ele
emerja à superfície para averiguar o que houvera 84. A passagem em que o deus ouviu o barulho;
deixou seus domínios; e emergiu ao território superior, tem início neste verso e encerra-se ao
fim do verso 361.
Dando continuidade à narrativa Calíope deixará claro, entre os versos 363 e 379, o que
de fato motivou o deus a raptar Prosérpina: Vênus, movida pelo desejo ígneo de ser reconhecida
e sentir que não recebe a consideração devida das demais divindades, que, segundo sua
concepção, subjugam o poder do amor que ela e seu filho Cupido detêm, ordena a este que
lance suas setas contra o tio para fazer florescer em seu peito uma paixão voluptuosa pela filha
de Ceres.
83
Último Titã a ser suplantando por Júpiter.
84
O deus é mencionado pela primeira vez no verso 356 através do epíteto rex silentum, que alude ao fato deste ser
o rei dos mortos.
A deusa do amor explicita toda a confiança que tem em Cupido no verso 365, pois
atribui tudo o que tem de mais poderoso ao filho: Filho, minha arma, meu braço e meu poder;
conferindo ainda uma enorme certeza de que seu poderio supera as demais divindades
existentes, entre os versos 368 e 370, quando diz: Tu subjugas os habitantes do céu,/ e até o
próprio Júpiter, tu subjugas as divindades vencidas do mar/ e aquele que governa as divindades
marinhas; para convencê-lo mais facilmente, se utiliza de figuras retóricas a fim de persuadi-
lo; destacaremos, portanto, alguns momentos em que tais caricaturas de seu discurso atribuem-
lhe um caráter mais incisivo: Por que não dilatas o poder de tua mãe,/ que também é teu? (v.
371-372); Mas tu, pela defesa/ do poder que partilhamos, se isso representa algum benefício,/
une essa deusa a seu tio (v. 377-379), a fim de exortá-lo a cometer o que deseja, a deusa pontua
constantemente que partilha de seu próprio poder com ele, coagindo-o com primazia, pois, após
o longo discurso, Cupido alça voo e acerta a flecha poderosíssima no Senhor dos Infernos.
Sob os efeitos da flecha de Cupido, Plutão apaixona-se funestamente por Prosérpina
assim que a encontra. A deusa está em meio às flores, sorrindo, e assim que é raptada de maneira
ignominiosa, pelo deus, sente-se aterrorizada, pondo-se a gritar incessantemente por socorro,
pedindo, sobretudo, pelo amparo da mãe. No verso 390, Ovídio, através da narração de Calíope,
atribui à Ceres o florescimento, deixando bem claro que a úmida terra produz flores; no verso
seguinte podemos observar que o poeta admite uma transversalidade imprescindível para o
entendimento do mito e suas consequências, relacionando este e o mito das quatro idades,
contado no livro I, ao dizer que a primavera é perpétua, assim como era até que Júpiter a
findasse durante a transição da idade de ouro para a idade de prata, permitindo que enxerguemos
a simultaneidade entre as narrativas e que entendamos a finalidade do mito do rapto de
Prosérpina como sendo a explicação do motivo que levou Júpiter a dividir o ano em estações.
Tal característica nos apresenta uma nova funcionalidade do mito etiológico: explicar
causas e motivações que não têm espaço para serem citadas na narrativa cosmogônica, onde
interessa-nos apenas entender como funcionava a desordem e como a ordem se estabeleceu,
dispensando os pormenores que a etiologia explora ao propor explicações para a existência de
objetos e seres e a tomada de atitudes que afetam a organização da natureza e a vida em
sociedade.
A narrativa prossegue e podemos encontrar, entre os versos 398 e 399, características
que indicam a queda da primavera que virá a ocorrer: E, porque rasgara a veste de alto a baixo,/
as flores colhidas caíram da túnica que as segurava; pelo fato de Prosérpina ser a deusa da
germinação das terras, o florescimento também está estritamente vinculado a sua significação.
A imagem das flores caindo por causa do seu sofrimento simboliza a infertilidade pela qual a
natureza passará no momento em que esta não estiver presente; o movimento de cima para
baixo que o rompimento de sua vestimenta perfaz retrata o mesmo processo pelo qual as folhas
passam quando o outono se aproxima, e esta estação simboliza justamente um período de falta
de fertilidade da natureza, uma queda, a mesma queda que Prosérpina sofre sendo levada do
mundo superior ao inferior, privando as terras de germinar.
Entre os versos 400 e 424 o rapto é concluído. Ao tentar retornar para o submundo com
a deusa, porém, Plutão depara-se com Cíane – uma ninfa do rio que se mostrará útil para as
conclusões que Ceres tomará mais adiante –, que tenta impedir o deus de concluir a fuga,
proferindo, entre os versos 415 e 419, que este não poderia ser genro de Ceres sem que esta
permitisse, deveria: pedi-la e não raptá-la; põe o deus como inferior às deusas e inflige sua
moral ao dizer que, ao relacioná-los, estaria comparando ninharias com grandezas. Insultado e
tomado pela ira, o deus, que é referenciado no verso 420 como o filho de Saturno, ultraja as
águas da ninfa utilizando seu cetro real e conclui o rapto. Do verso 425 ao 437, Cíane sofre uma
transformação, reflexo do poder de Plutão, transformando-se em riacho. Tal metamorfose é
concluída com os dizeres: Por fim, em lugar do sangue que dá vida, em suas alteradas veias/
corre água, e nada resta que possa ser agarrado.
Do verso 438 em diante a narração de Calíope se detém a explicar as ações de Ceres
durante o período em que procura Prosérpina, destacando suas características físicas e como
agia quando impulsionada pelos sentimentos de dor e vingança. Exprime também como tais
expressões refletiam sobre a terra e os seres vivos, a fim de pontuar constantemente a fragilidade
da vida mortal perante a divindade. A tessitura de seus comportamentos pode ser secionada em
etapas as quais sucedem umas às outras conforme Ceres capta maiores informações acerca dos
acontecimentos envolvidos no desaparecimento da filha.
Na primeira etapa, localizada entre os versos 438 e 461, Ceres ainda não sabia o que
estava acontecendo, apenas ouviu seus gritos e pôs-se a procurá-la incessantemente, dia e noite.
No primeiro dia requestou a ajuda de Aurora – Titânide conhecida por ser quem abre as portas
dos céus para o carro do sol – e Héspero – filho de Aurora –, que, assim como ela, falharam em
encontrar a deusa raptada. Ceres, desesperada, continuou a caçá-la por todos os lados, parando
sequer para dormir, conforme evidenciado no verso 445: começou de novo a procurar a filha,
do pôr ao nascer do sol. Em seguida, por não estar hidratando-se da maneira adequada ou
repousando em momento algum, avistou uma casa e pediu água para a anfitriã, porém, ao invés
da bebida, esta a serviu uma espécie de mulsum: mistura de vinho, farinha de cevada e mel que
nutriria a deusa.
Enquanto está ingerindo desesperadamente a mistura, um rapaz a desagrada por tornar
risível a situação degradante em que se encontra. Sentindo-se ofendida, rega-o com uma parte
de sua bebida que é composta por líquido e farinha de cevada, o que provoca a metamorfose
dele em estelião: pequeno lagarto símil ao camaleão. Este excerto demonstra a magnitude de
seu poder e a maneira como age quando à flor da pele, representando, sobretudo, a importância
da filha para que Ceres esteja em harmonia.
A segunda etapa é compreendida entre os versos 462 e 484, quando Ceres descobre que
a filha fora raptada e torna todas as terras inférteis como reflexo de sua ira. Logo no verso 463
é evidenciado que a deusa havia procurado a filha por toda a parte, pois: faltou mundo à sua
busca; no verso 464, quando retorna ao local em que primeiro procurou, chega ao riacho em
que Cíane havia sido metamorfoseada. A ninfa tenta ajudar Ceres da única maneira que
encontra, visto que não podia falar: deixou ver/ à superfície das águas o cinto de Perséfone,
bem conhecido da mãe,/ que por acaso tinha caído ao poço sacro naquele lugar (v. 468 a 470).
No momento em que Ceres se depara com o cinto da filha, entende que esta havia sido
raptada, deste modo, haja vista que ainda não conhecia a origem do raptor, pune todos os seres
existentes e amaldiçoa todos os lugares da terra, pois considera a todos ingratos e indignos do
dom das colheitas,/ e, mais que todos, Tinácria, onde encontrou sinais do rapto. (v. 475 a 476).
As consequências da maldição que roga nas lavouras, em reflexo da cólera que a
acomete, são descritas entre os versos 477 e 484, quando a deusa destrói os arados, enfraquece
as sementes, e ordena que os campos não germinem. Nos versos 478 e 479, onde se diz que a
deusa: deu morte igual a lavradores/ e a bois de trabalho, podemos observar que Ceres subjuga
homens e animais de maneira análoga, não se diferencia o animal do homem, ambos necessitam
do alimento fornecido pelos seus grãos na mesma proporção: o homem não tem poder de
produção sem que ela permita.
Do verso 481 ao 484 é explicitado como o culto à deidade é importante para a sociedade,
mostrando, sobretudo, como estes estão vinculados à necessidade do homem de que a terra
esteja fértil para que ele produza, pois se torna claro que a fertilidade é o motivo do louvor, e
sua falta que ocasionará o definhamento da vida terrestre: a fertilidade desta terra, por todo o
mundo louvada,/ está desmentida (v. 481-482). A desordem cósmica também é vista como
resultante de seu abalo, pois uma vez que esta fertilidade fora desmentida: as messes morrem
ainda em erva,/ e ora destrói o sol em excesso, ora a muita chuva, e afetam-nas as inclemências
e os ventos (v. 482-484), esta passagem delimita, acima de tudo, a perturbação inicial que a
primavera sofre, pois, o vento ameno, o sol baixo e a falta de pluviosidade, são substituídas por
toda a desordenação narrada.
A terceira etapa está compreendida entre os versos 485 e 508 e representa basicamente
o momento em que Ceres descobriu a natureza do raptor de Prosérpina. Os versos 485 e 486
mostram apenas que a desarmonia da natureza continuava: as vorazes aves roubam as sementes
lançadas à terra./ O joio, os abrolhos e a invencível grama dão cabo do trigo.
Entre os versos 486 e 508, Aretusa – ninfa do rio – entra em contato com Ceres a fim
de fazer com que a deusa pare de culpar toda a terra por causa de um único culpado; utiliza
argumentos para apaziguá-la e explica que fala como uma forasteira, que sua pátria não é
aquela, mas que Ceres é tanto mãe da deusa quanto das lavouras: Ó mãe de uma donzela
procurada pelo mundo inteiro/ e mãe das searas (v. 489-490) e deveria zelar por ambas.
Explica ainda que a terra foi ultrajada, não infiel, e foi contrariada que se abriu ao rapto (v.
492), por isso não merecia o ataque sofrido.
Enquanto detalha o caminho que percorreu, privando Ceres de maiores explicações, a
ninfa a brinda com a resolução que tanto buscava, relatando, entre os versos 504 e 508, que,
enquanto caminhava às margens do Estige – rio dos Infernos –, avistou Prosérpina triste e
amedrontada, apesar de ser rainha e soberana do mundo das trevas (v. 507). Aretusa explica à
Ceres que sua filha havia se tornado esposa de Plutão, o que nos faz entender que Prosérpina
agora representava para o submundo tudo aquilo que Juno representava para o mundo superior
na posição de esposa de Júpiter.
A quarta etapa está compreendida entre os versos 509 e 532 e figura a reação de Ceres
ao descobrir o destino da filha e sua ida até Júpiter na tentativa de que ele a resgate. Quando
descobre o que aconteceu, infla-se de ódio como se estivesse fulminada por um raio, porém, ao
invés de desgastar ainda mais as lavouras, decidiu subir ao Olimpo e pedir para que Júpiter
resolvesse a situação, visto que este era pai da deusa que fora raptada.
No verso 514, Ceres inicia uma súplica a Júpiter que se encerra no verso 522, introduz
o discurso dizendo que suplica também pelo sangue do próprio deus, pedindo ainda que a
situação de Prosérpina não seja vista por ele como objeto menor de preocupação por ser filha
dela, e que não acha que a filha do próprio Júpiter mereça um ladrão como marido.
Do verso 523 ao 532, Júpiter replica as preces da deusa deixando claro que tem ciência
das responsabilidades de ambos com Prosérpina, mas que, antes de ser um ultraje, a ação do
irmão, o qual ele não se ofenderia por ter como genro, configurou um ato de amor. Explicita
ainda que Plutão não é inferior a ele senão por ação do destino (v. 529), porém, visto que a
deusa deseja tanto a separação, sua filha voltará ao céu com uma condição: se seus lábios não
tocaram lá/ em qualquer alimento. Pois assim se cumprirá a disposição das Parcas.
É válido que observemos dois pontos significativos do discurso de Júpiter: primeiro
podemos perceber que ele não se coloca acima de Plutão, o que exemplifica de maneira objetiva
que um dominar os Céus e outro os Infernos, não determina que um seja mais importante que
o outro, do contrário, todo o poder que Júpiter detém em seu domínio, Plutão porta
analogamente no seu, e ele faz questão de deixar isso muito claro quando Ceres supõe que ele
sobreponha o irmão.
O segundo ponto a analisar é a maneira como ele lida em relação à lei das Parcas –
entidades semelhantes às moiras que regiam o destino do homem e estipulavam leis que nem
mesmo os deuses poderiam transgredir. Júpiter explica que elas impedem que alguém deixe os
Infernos após alimentar-se e por isso só poderia agir se Prosérpina não houvesse quebrado o
jejum. Ainda que indique a grandiosidade do poder do seu irmão, são as Parcas que ele põe
como as únicas que poderiam impedir sua decisão de retirar a filha dos Infernos, o que
conjectura o poder que estas tinham sobre os deuses, pois suas imposições estariam acima de
qualquer decisão que os deuses envolvidos na trama desejassem tomar.
A última etapa que constitui o enredo estende-se do verso 533 ao 571. Ceres descobre,
para sua tristeza, que Prosérpina havia quebrado o jejum ao alimentar-se de sete grãos de Romã
colhido nos jardins dos Infernos e, entre os versos 543 e 550, transforma, aos prantos, o delator
de sua filha, Ascálafo, que é responsável por sua vinculação perpétua aos Infernos, em coruja.
Entre os versos 564 e 567, por fim, Júpiter estabelece um acordo entre Ceres e Plutão de modo
que a lei das Parcas não seja ferida, Plutão não seja ultrajado e Ceres sinta-se acalentada: institui
que o ano será dividido em duas partes de tempo iguais e Prosérpina ficará uma delas com a
mãe e outra com o marido, pertencendo assim aos dois reinos, estando tantos meses num como
no outro. Apesar de Ceres não se contentar completamente, ambos aceitam o acordo e a ordem
reestabelece-se, mais uma vez, por meio das ações de Júpiter.
Destarte, as quatro estações ocorriam porque os períodos de transição de Prosérpina
entre os mundos eram sempre difíceis para Ceres, sobretudo quando a filha deveria descer aos
Infernos, logo, o outono ocorria quando estava perto do dia em que a filha desceria ao
submundo, a queda das folhas dessa estação simbolizama privação de germinação das terras
pela seca que a falta da atuação de Prosérpina causará. Esse período era suscedido pelo inverno,
que representava a tristeza e o desespero de Ceres por estar longe de sua filha, marcando o ápice
da infertilidade do solo, já o verão e a primavera ocorriam quando Prosérpina estava nos céus,
germinando as terras e trazendo harmonia para a mãe.
Esse mito, então, explicita, além de todas as importâncias de Ceres para a sociedade e
para a subsistência humana, que foram citadas do decorrer do texto, as características
primordiais de Júpiter, pois ele é visto novamente como o mantenedor da ordem. As ações que
Plutão cometeu sob os efeitos do Cupido e tudo o que Ceres causou à natureza trouxeram de
volta a desordem cósmica que Júpiter contivera após a Titanomaquia, e por isso sua menção
por Calíope no primeiro momento se faz imprescindível, para figurar que desde os primórdios
a característica fundamental de Júpiter é estabelecer e manter a ordem, fazendo com que
percebamos que toda a resolução deste mito nada mais é do que ele, mais uma vez, exercendo
este papel crucial para a existência da vida.
Se os cultos a Ceres são vitais por sua capacidade de privar o homem e os animais de
alimentos através da infertilidade das lavouras, os cultos a Júpiter se tornam essenciais por
causa da necessidade de que ele esteja sempre cuidando da conservação da ordem da natureza.
O fato de Ceres ir até ele após ter destruído todo o cosmos em seu momento de raiva, pedindo
que ele intervenha para solucionar o ocorrido, demonstra, sobretudo, como ele era necessário
nos momentos de perturbação da ordem natural das coisas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Junito. Mitologia Grega, vol. 1, 21ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Vozes – 2015;
HESÍODO. Teogonia; tradução: Jaa Torrano. 4ª edição. São Paulo: Ed. Iluminuras – 2003;
HOMERO. Ilíada; tradução: Carlos Alberto Nunes. 2ª edição. São Paulo: Ediouro – 2009;
OVÍDIO. Metamorphoses; edição bilíngue; tradução: Domingos Lucas Dias. 1ª edição. São
Paulo: Ed. 34 – 2017;
RUTHVEN, K. K. O Mito; tradução: Esther Eva Horivitz. 1ª edição. São Paulo: Ed. Perspectiva
– 2010;
VIRGÍLIO. Eneida; edição bilíngue; tradução: Carlos Alberto Nunes. 2ª edição. São Paulo: Ed.
34 – 2016;
HISTÓRIAS DE CRIANÇAS: UM ENCONTRO COM AS MEMÓRIAS
DE CAROLINA MARIA DE JESUS
RESUMO
O objetivo deste trabalho é apresentar através da história de vida e obras da escritora Carolina
Maria de Jesus, como tais perspectivas contribuem para uma educação antirracista. Trata-se de
um estudo descritivo que coloca em evidência experiências em uma instituição escolar de
ensino do município de Lauro de Freitas/BA, onde o debate entretece a partir das histórias
contadas pelas crianças, em um projeto escolar. Foi possível perceber, a partir dos exemplos
relatados, o quanto é possível que as crianças vivenciem suas experiências positivas e de
representatividade no âmbito escolar com projetos, que, de forma provocativa, trazem
proposições que fomentem o ensino das relações étnicos raciais na educação infantil
INTRODUÇÃO
Não há como negar que a proposta desse escrito tem relação com a minha própria
história de vida e com tantas outras histórias que tenho ouvido ao longo do meu processo de
formação. Cresci no Curuzu, um bairro soteropolitano que por muito tempo foi considerado o
mais negro de Salvador. Minhas experiências de vida estiveram estreitamente imbricadas com
as questões raciais. Esse meu percurso formativo trouxe como marcas várias violências
simbólicas, e muitas vezes silenciadas. É importante lembrar que a “covardia para
sobrevivência” nesse meu percurso deu-se desde muito pequena e hoje, refletindo de forma
85
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ensino em Relações Étnico-Raciais na Universidade
Federal do Sul da Bahia.
mais madura, acredito que essa atitude foi, sem dúvida, uma tentativa de minimizar o
enfrentamento, já que, desde muito, cedo fui marcada por situações de racismo e preconceito.
Assim, diria que o processo de construção identitária nesse sentido - abro parêntese para
a questão de gênero, ser menina, negra e pobre no Brasil - é uma “tarefa” muito complexa.
Depois da família, a escola torna-se um espaço decisivo para que construções identitárias
positivas se solidifiquem e se amalgamem nos corpos das crianças.
Portanto, trazer para o diálogo textos da escritora e artista Carolina Maria de Jesus para
as crianças do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Dr. Djalma Ramos 86 é a
oportunidade de trazer para o centro do debate questões sobre como o processo de ensino-
aprendizagem em um currículo aparentemente “desconhecido” pode dialogar com questões
como identidade, gênero e dignidade.
O CMEI Dr. Djalma Ramos, como a maioria das instituições escolares públicas
brasileiras, encontra-se imerso em questões como pobreza e miséria. Assim, fatores como
violência, fome, e tantas outras mazelas sociais, infelizmente, também estão presente dentro do
nosso contexto. Portanto, a escolha por Carolina como projeto anual da instituição foi,
sobretudo, pela história de vida da escritora, e também como uma oportunidade de trazer
problematizações sobre identidade, representatividade, desigualdade, gênero e dignidade. Mas
quem foi Carolina Maria de Jesus?
Uma mulher negra que nasceu no Triângulo Mineiro, no dia 14 de março de 1914, na
cidade de Sacramento, onde é forte a tradição das Congadas e Moçambiques e a devoção à
Nossa Senhora do Rosário. Carolina estudou, em média, de dois anos, toda sua educação formal
na leitura e escrita é com base neste pouco tempo de estudo.
Mesmo diante de todas as mazelas, perdas e discriminações que sofreu em Sacramento,
por ser negra e pobre, Carolina revelou através de sua escrita a importância do testemunho,
como meio de denúncia, da desigualdade social e do preconceito racial.
Um dos seus livros mais famosos é Quarto de despejo (1960) onde ela descreve o dia-
a-dia de uma favela. Carolina deixou poesias, provérbios, contos, romances, diários, peças
teatrais, mas grande parte dessa obra permanece inédita.
Neste sentido, trazer Carolina tornou-se uma alternativa possível para repensarmos a
menina e a mulher negra dentro de um contexto de pobreza. É também um modo de
86
O Centro Municipal de Educação Infantil Dr. Djalma Ramos atende 145 (cento e quarenta e cinco) crianças, em
idade de 0 (zero) a 06 (seis) anos, no município de Lauro de Freitas, no bairro de Vida Nova, Lauro de Freitas/BA.
repensarmos a sua história como possibilidade no processo de leitura e escrita dentro do nosso
ambiente escolar.
As memórias da escritora nos instigam a entender melhor a complexa pobreza que nos
atinge diariamente. A pobreza, na atualidade, é definida como uma questão social produzida
por um sistema capitalista, onde a exploração tem impacto direto na formação de uma sociedade
injusta e desigual, conforme cita Yarbez (2012, p. 289).
Assim, abordo a pobreza como uma das manifestações da questão social, dessa forma
como expressão direta das relações vigentes na sociedade localizando a questão no
âmbito de relações constitutivas de um padrão de desenvolvimento capitalista,
extremamente desigual em que convivem acumulação e miséria. Os “pobres” são
produtos dessas relações que produzem e reproduzem a desigualdade no plano social,
político, econômico e cultural, definindo um lugar para eles na sociedade.
Pois, as reflexões atuais sobre um currículo educativo e formativo (Macedo, 2013) têm
provocado nesses espaços prospectiva de repensarem sobre como se dão os processos
formativos e, quando se trata de crianças, é irrefutável a reflexão sobre quais itinerâncias
formativas estamos propondo para elas.
REESCREVENDO A HISTÓRIA DE CAROLINA A PARTIR DOS ATORES
IMPLICADOS
Ao fazermos uma conexão com o seu livro Diário de Bitita87 (1982), onde a autora nos
conta sobre as suas memórias de infância e adolescência, as nossas reflexões se dão no capítulo
onde ela narra suas experiências com a escola, o que nos dá clareza sobre o que significa ser
menina pobre e negra no Brasil.
[...] Amanhã eu não volto aqui. Eu não preciso aprender ler. É que eu estava revoltada
com os colegas de classe por terem dito que eu entrei:
- Que negrinha feia!
Ninguém quer ser feio
- Que olhos grandes, parece de sapo [...]
(Jesus, 1986, p.122)
87
Apelido de infância da escritora.
A criança negra que passa por constrangimentos normalmente não é “acolhida”... As
crianças me xingam de preta que não toma banho. Só porque eu sou preta elas falam
que eu não tomo banho. Ficam me xingando de preta cor de carvão. Eles me xingam
de preta fedida. Eu contei para a professora e ela não fez nada. (Cavalleiro, 2001,
p.146)
[...] Depois percebi que sabia ler. Que bom! Senti um grande contentamento interior.
Lia os nomes das lojas! “Casa Brasileira, de Armond Goulart.” Não é só essa loja que
é uma casa brasileira. Mas as casas, as árvores, os homens que aqui nascem, tudo
pertence ao Brasil. Percebi que os que sabem ler têm mais possibilidades de
compreensão. Se desajustarem-se na vida, poderão reajustar-se. Li “Fármacia
Modelo.” [...] (Jesus, 1986, p.126)
Neste sentido, entendemos também que as crianças negras fazem parte de um território
e de um mundo letrado, onde as formas por meio das quais elas se expressam, cantam, dançam
e se relacionam são determinantes para repensarmos os processos de ensino-aprendizagem.
O projeto Carolina Maria de Jesus uma rainha entre nós que ocorreu no ano letivo de
2016, ganhou forma com muitos encontros entre o corpo docente do CMEI Dr. Djalma Ramos,
com as famílias, por meio de um processo de muita escuta e observação das crianças, a forma
como elas sentem e pensam o mundo. Depois subdividimos os projetos onde cada turma, a
partir das observações realizadas por cada professor com o apoio dos auxiliares de classe, pôde
dar corpo ao projeto a partir das singularidades daquela turma.
Assim, um dos grandes desafios foi fazer com que toda a comunidade escolar refletisse
sobre o projeto, incialmente a coordenação pedagógica apresentou o projeto à comunidade
escolar, e depois cada professora convidou os funcionários de apoio para dialogar e reelaborar
a proposta metodológica de cada turma. Também foram realizadas reuniões especificas com as
famílias das crianças onde elas conheceram um pouco sobre Carolina Maria de Jesus, e sobre
as atividades que seriam realizadas em cada turma.
Nossa expectativa é que as nossas crianças vivenciassem a experiência da felicidade a
partir de uma imagem positiva sobre si, construindo aprendizagens, reelaborando conceitos de
identidade, gênero, alteridade, e matriz civilizatória afro-brasileira.
À luz de novas concepções foi utilizado no projeto como pressuposto teórico para
pensarmos na alteridade civilizatória africano-brasileira Narcimária Luz (2013), consideramos
também a possibilidade de como as nossas crianças nos impõe a repensarmos o nosso currículo,
neste caso utilizamos Roberto Sidnei Macedo (2013).
O cerne principal de nosso projeto foi a história de vida e algumas obras da escritora,
poetisa e cantora Carolina Maria de Jesus. Como bibliografia complementar trouxemos autores
que problematizassem as relações étnico-raciais na educação infantil, a exemplo, Eliane
Cavalleiro e Fúlvia Rosemberg.
Ser aceito, ser amado, receber carinho, receber atenção, ser escutado, ser respeitado
pelo que é, principalmente pelos vínculos comunais que seus ancestrais
estabeleceram, ser respeitado por fazer parte da dinâmica da civilização africano
brasileira, enfim, ter orgulho de ser. Nossas crianças e jovens precisam, e a todo tempo
reivindicam, o direito a existência. (Luz, 2013, p. 11)
Outro momento de relevância do projeto foi quando uma das mães procurou a professora
da turma do pré II e perguntou: “pró, quem é essa tal Carolina?” A professora explicou para a
mãe da criança sobre o projeto e sobre o que estava trabalhando com as crianças.
É importante ressaltar que o projeto foi apresentado em reunião às famílias antes de ser
iniciado com as crianças, no entanto, por motivos diversos algumas mães não estiveram
presente. Isso nos fez avaliar o quanto representatividade é importante, pois a mãe de José nos
trouxe percepções de como as crianças estavam vivenciando a história de Carolina e como a
escritora estava chegando às famílias através delas.
A mãe relatou que José (criança da turma) havia chegado em casa dizendo: “Mãe a
senhora precisava conhecer Carolina, pois Carolina era uma mulher muito especial”. A
partir dessa frase a mãe começou a pesquisar e a se encantar também com a história de Carolina,
o que a fez com que ela levasse a história da escritora para sua classe de jovens e adultos. Essa
mãe era alfabetizadora de um programa do governo do estado denominado TOPA. 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] A prática pedagógica, que por vezes encharca-se de lágrimas em face das
consequências da dureza e da perversidade das condições de vida, do desespero diante
da miséria, no limite, constrói estratégias e alternativas; faz a festa, mergulha nos
88
Programa do Governo do Estado da Bahia – “Todos pela alfabetização” - cuja intenção é construir políticas
públicas para a educação de jovens, adultos e idosos, especialmente voltadas para a alfabetização. Disponível em:
http://www.sec.ba.gov.br/topa/topa.html. Acesso em: 20.06.2018.
movimentos e sons dos ritmos e cânticos afro-brasileiros cultivados na comunidade.
[...] (Macedo, 2013, p.126.)
Logo, é importante salientar que as crianças levaram para as suas famílias a história de
uma mulher pobre e negra, mas que ganhou o mundo a partir de seus escritos.
Não há como negar que a história de Carolina remonta às histórias de muitas Carolinas
e nos apontam para o que representa nascer menina pobre e negra no Brasil. O projeto sobre
Carolina Maria de Jesus uma rainha entre nós nos lembra que as desigualdades étnico-raciais
estão presentes no nosso cotidiano, mas que é possível construir junto as nossas crianças
experiências pedagógicas felizes e emancipatórias, que é possível resistir, reinventar e
transgredir de forma potente e com dignidade.
Assim, compreendemos que o direito de ser está imbricado com tantos outros direitos e
a garantia de novas aprendizagens, a partir das suas tantas e inúmeras experiências construídas
nos espaços de aprendizagem, e as nossas crianças negras, mesmo quando ainda estão
balbuciando as primeiras palavras, já trazem implícitas e amalgamadas em seus corpos a
necessidade desses direitos, dessa escola pujante, que através da memória e ancestralidade
negra, imbricadas com a leitura e escrita podem propor novas formas de ver, sentir e tocar o
mundo.
Desejamos que a experiência com a felicidade traduzidas em história de muitas
Carolinas promovam de forma potente novas reflexões sobre as relações étnico-raciais no
Brasil. E que as nossas crianças negras, a partir de suas experiências com os seus coletivos e
com os seus mundos, possam escrever, criar, dançar, brincar construir novas e tantas outras
histórias.
Alguns pesquisadores dizem que Carolina escrevia para resistir, o nosso desejo é que
essas experiências sejam construídas pelos coletivos através de novas insurgências, que os
espaços educativos possam promover e ressignificar o seu currículo, trazendo novas
problematizações a partir da lei 10.639/0389, e de novas concepções que todos os dias nascem
nos bairros, favelas, comunidades, terreiros e territórios.
Carolina Maria de Jesus nos inspira a seguirmos resistindo, porque para quem nasce
menina negra e pobre no Brasil construir novos caminhos a partir da escola se constitui como
forma de luta, emancipação e resistência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
89
A Lei 10.639/03, que versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, ressalta a importância
da cultura negra na formação da sociedade brasileira.
BENTO, Maria Aparecida Silva. A identidade racial em crianças pequenas. In: BENTO, Maria
Aparecida Silva. Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos,
jurídicos e conceituais. São Paulo: Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades
– CEERT, 2011, p.98-117.
BRASIL, Referencial curricular nacional para educação infantil. Formação pessoal e
social. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria da Educação Fundamental. Brasília:
1998.
JESUS, Carolina Maria de. Diário de Bitita. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
_______. Antologia Pessoal. Organização de José Carlos Sebe Bom Meihy; [revisão de]
Armando Freitas Filho. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996a.
MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo, diversidade e eqüidade: luzes para uma educação
intercrítica. Salvador: EDUFBA, 2007.
Vinicius de Oliveira
(CVC/Recife - PE)90
RESUMO
A imagem enquanto categoria é debatida por estudiosos e pesquisadores em diferentes períodos,
métodos e teorias. Este trabalho vislumbra uma análise comparativa entre as obras Sociologia
da imagem: ensaios críticos (KOURY, 2004) e Sociologia da fotografia e da imagem
(MARTINS, 2008), visando a ampliação do cabedal docente, de maneira que possa auxiliar
essa categoria em uma interseção de imagens e subjetividades projetadas, sobretudo, no
processo de conhecimento em sala de aula com concorrência entre mídias. Logo, consideramos
que a conceituação, presente no bojo de qualquer processo de conhecimento, é o gargalo que
estreita as relações e intensifica os atritos no tempo da cultura imagética.
INTRODUÇÃO
Diante dos incontáveis relatos de colegas, amigos e amigas de profissão, bem como
pela própria experiência docente que indica realidade contrária a expressa por parte daqueles
no que diz respeito à interseção de imagens no micro contexto da sala de aula de nível médio
de ensino, vivenciado em concomitância ao macro contexto da Sociedade da imagem
(MARTINS, 2008) e o da Cibercultura (LÉVY, 1999), percebemos a pertinência de uma
investigação que nos auxilie no entendimento sistemático, crítico e teórico a respeito dos
problemas gerados pelos encontros e desencontros das subjetividades dos indivíduos presentes
naquele micro contexto.
Os interesses e os esforços de tais indivíduos, sejam os presentes no micro contexto da
sala ou em qualquer outro, têm orientações, muitas vezes, divergentes, seja pela diferença do
papel exercido (docente e discente), seja pelas peculiaridades das histórias de vida, e/ou pelas
diferenças socioculturais e econômicas; como também pelas características comuns a cada fase
do desenvolvimento biopsicossocial (adulta e adolescente) e, por que não dizer, da síntese de
todos esses vieses. Entretanto, os campos imagéticos e representações abundam, seja através
Vinícius de Oliveira – Professor do Colégio Vera Cruz/Recife – PE (CVC-Recife). Bacharel em Sociologia pela
90
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Partindo de um excelente trabalho, posto aqui como eixo central, de José de Souza
Martins, publicado pela Editora Contexto em 2008, com o título Sociologia da Fotografia e
da Imagem, no qual o autor enfatiza a teoria sociológica sobre a fotografia, pinçamos algumas
noções que podem auxiliar não apenas na construção do entendimento da problemática
apresentada, como também na configuração de um contraste em relação a obra Sociologia da
imagem: ensaios críticos (KOURY, 2004), que indica a imagem e a fotografia, sobretudo,
como recurso metodológico.
Martins, como pesquisador e professor de corrente microssociológica, dialoga com
grandes expoentes do Interacionismo Simbólico (Goffman, Garfinkel e Blumer), bem como
com outras boas referências no estudo sociológico da vida cotidiana (Berger e Luckmann) e da
Fenomenologia (Alfred Schutz). Assim sendo, conduz o leitor e/ou a leitora para uma
compreensão hermenêutica daquilo que podemos chamar de significação dos objetos da
linguagem, especialmente a imagem fotográfica, ocorridos em contextos nos quais,
invariavelmente, as subjetividades inerentes aos objetos animados e inanimados
desencadeiam processos de imaginação e representação; sem, contudo, garantir alta
compatibilidade nas sínteses produzidas nos pontos de interseção (MARTINS, 2008).
Percebemos que o autor entende o ato fotográfico como uma prática com suas
particularidades, comuns ao envolvidos na mesma, muito embora as técnicas possam ser
diferentes. Mesmo que o fotógrafo utilize técnicas de iluminação ou de velocidade de captura
da imagem fotográfica, inéditas e inovadoras, ele estará utilizando instrumentos/objetos que
estarão presentes quase que nas totalidades dos atos fotográficos. Da mesma forma acontece
com o fotografado, que é uma das partes constituintes, concomitantemente, de dois campos: o
imagético e o social, e que tanto auxilia com gestos, expressões, e posições, como é auxiliado
pelo fotógrafo na composição do ato. Contudo, e apesar dessa repetição caraterística do ato em
questão, há também as rupturas, os desencontros, íntima e profundamente conectados ao
punctum, ou seja, à seara subjetiva das experiências humanas que, para além de qualquer tipo
de juízo, realizam a imersão da vida cotidiana nas profundezas da diversidade e pluralidade
dos signos e símbolos que constituem as representações e atos imaginários.
Diante disso é pertinente afirmar que os desencontros são também orientados pelo
desejo humano por ilusões (BAZIN, 1962 apud MARTINS, 2008) que permitam rupturas da
inércia cotidiana, livrando momentaneamente os indivíduos da imaginação infértil às pulsões
imediatas que demandam dinamismo.
METODOLOGIA
A partir desse ponto realizaremos uma comparação entre a obra organizada por Koury
(2004) com a análise teórica de Martins (2008). Vejamos os seguintes trechos de cada obra,
que tornam evidentes ambos os autores que ainda há muito a ser feito no tocante a apropriação
da imagem, seja ela fotográfica ou não, por parte das ciências sociais.
Koury (2004), pouco antes de expressar a ideia que acabamos de citar desenvolve outra
que aponta a tendência humana ao isolamento, tendência essa desencadeada pelo estilo de vida
capitalista, que dentre os seus inúmeros processos torna o espaço público num espaço de
relações impessoais e superficiais devido as particularidades objetivas e subjetivas desse
espaço. O mesmo ainda cita a marcha crescente do individualismo, que pode levar ao
isolamento, como consequência tanto da progressiva tendência da predileção pelo espaço
privado, local do “eu genuíno”, e opositor do espaço dos objetos mercantis, como pela
consequente espetacularização do privado, do íntimo, que revela não apenas a posição cada
vez mais central do “eu genuíno” em privacidade, mas também o desejo pela exposição deste
eu que se autoafirma na publicidade, na mercantilização da sua privacidade (KOURY, 2004).
Ampliavam-se assim as margens do recato e da solidão individual, ou seja, a
dificuldade de relacionar- se em público pelo exclusivismo do eu mantido em
segredo, ou pelo escancaramento deste mesmo eu como espetáculo em uma sociedade
de eus genuínos. O segredo e o escancaramento como objetos nebulosos de uma
sociabilidade impossível, a não ser na esfera íntima onde o não ser compreendido
(pelo social) tornava-se a chave mestra junto à outra, a manipulação, possível ou real,
numa sociabilidade de objetos mercantis (KOURY, 2004, p. 11).
Não é regra, mas não é raro, que o fotógrafo amador que fotografa pessoas, parentes,
amigos, conhecidos, escolha um cenário que enobreça os fotografados ou que sugira
uma classe social que não é a deles. Ou então valorize um detalhe mais digno dos
cenários costumeiros. Deixar-se fotografar diante de monumentos, de um palácio, de
casas de pessoas ricas reforça a encenação visual. Tenta contextualizar falsamente, o
fotografado. O fotografado fora de seu lugar transporta esse lugar consigo para dentro
do imaginário alienado de sua classe e de sua categoria social (MARTINS, 2008, p.
47 e 48).
Essa dialética contextual se assemelha à que já foi exposta neste trabalho, quando
indicamos a relação docente-discente/discente-docente em sala de aula, porém a atual enfatiza
a composição fotográfica num contexto visual que rompe com a realidade cotidiana dos
personagens, enquanto a anterior sugere hipoteticamente, e esse retorno reforça a validade e
legitimidade da hipótese, que aquela ruptura da inércia é ilusória ao passo que lança os
personagens numa nova rotina que é a dialética da centralidade contextual. Essa semelhança
identificada no quesito ruptura, quando orientada de maneira meticulosa contribui na
verificação de uma convergência para aquilo que expressou Koury (2004): “a publicidade do
‘eu’”. E justamente aí fechamos um ciclo que torna evidente a pertinência das obras escolhidas
e como elas se complementam mediante esforço teórico-metodológico, embora suas
respectivas abordagens sejam efetivadas em vias sociológicas diferentes.
Considerações Finais
No início da era moderna os filósofos empiristas buscaram sistematizar uma teoria para
entender a produção do conhecimento assentado na experiência sensível (MARCONDES,
1986). Séculos depois Karl Marx desenvolve o Materialismo Histórico, que trata o assunto de
maneira semelhante, partindo da materialidade natural condensada enquanto corpo humano
capaz de perceber a materialidade natural e artificial através dos cinco (as vezes menos)
sentidos (BARBOSA, 1986).
Ferreira (2010) recorre ao trabalho de Greuel (1994) e lá verifica que este retoma o
pensamento fenomenológico de Steiner para expressar com rigor o caráter dialético do
processo de conhecimento humano. Após a percepção da realidade material, primeira etapa
de três no processo de produção do conhecimento, seguindo a linha de pensamento
desenvolvida pelos autores mencionados, está o conceito, que assume nesse processo dialético
a função da antítese, à medida que após a percepção torna- se indispensável a decodificação
simbólica do que foi captado pelos sentidos e, ainda em nível orgânico, processados pelo
cérebro. Conceituar é destrinchar o que se mostra de forma objetiva, é reconhecer que existe
mais a ser percebido, é subjetivar o objetivo, é confrontar o metafísico com o físico.
Essa parte do processo em questão, que só ocorre após o confronto dos sentidos com a
realidade concreta, abre a porta para a síntese do referido processo, seja essa a representação.
Representar um objeto de conhecimento é produzir uma imagem, é codificar o que foi
decodificado na conceituação, é objetivar o que foi subjetivado na conceituação, visando
simplificar o que se tornou ligeiramente complexo (GREUEL, 1994 apud FERREIRA, 2010).
Já no século XX o físico austríaco Fritjof Capra (1987 apud FERREIRA, 2010) ratifica
essa noção a respeito da produção do conhecimento humano mediante a publicação da seguinte
ideia:
O papel crucial do ritmo não está limitado à auto-organização e à auto- expressão,
mas estende-se à percepção sensorial e à comunicação. Quando enxergamos, nosso
cérebro transforma as pulsações da luz em pulsações rítmicas dos seus neurônios.
Transformações semelhantes de modelos rítmicos ocorrem no processo auditivo, e
até a percepção do odor parece estar baseada em ‘frequências ósmicas’. A noção
cartesiana de objetos separados e nossa experiência com máquinas fotográficas
levaram-nos a supor que nossos sentidos criam alguma espécie de imagem interna
que é uma reprodução fiel da realidade. Mas não é assim que a percepção sensorial
funciona. As imagens de objetos separados só existem em nosso mundo de símbolos,
conceitos e ideias. A realidade à nossa volta é uma contínua dança rítmica, e nossos
sentidos traduzem algumas de suas vibrações para modelos de frequência que podem
ser processados pelo cérebro (CAPRA apud FERREIRA, 2010, p. 23 e 24).
Diante dessas ideias e das que já foram exploradas em etapas anteriores deste trabalho,
sobretudo as que indicam a persistência de uma tendência comportamental humana em relação
às rupturas, podemos inferir que o ser humano é um ser de desejos, e um desses desejos é pela
ilusão. Este desejo se conecta em meio aos trâmites cognitivos à noção de ruptura, questão
identificada na constância dessa prática em situações de iminente desgaste biopsicossocial
gerador de promessas e expectativas de desarranjos afetivos que demandam algum tipo de
esforço cognitivo racional, exigindo assim dele uma atenção maior na já mencionada segunda
etapa do processo de conhecimento, a conceituação.
Entretanto, não são todos os indivíduos humanos que seguem, mesmo intuitivamente,
a ordem das etapas apresentadas. Eles rompem, recorrem ao desejo por ilusões exatamente no
segundo ato do processo de conhecimento, aquele que possibilita ou possibilitaria uma
construção mais consistente do conhecimento, mediante ato decodificador, de atribuir e
construir os símbolos, os signos que dão firmeza às codificações representativas. Em alguns
momentos (sejam de inércia ou de dinamismo) as categorias de entendimento de parte dos
indivíduos não dão conta daquilo que se impõe ao entendimento deles, daí tendem a suprimir
a etapa da conceituação e se alimentar da ilusão que sacia o desejo de não sofrer com desgastes
que promovem desafetos.
Esses desejos estão presentes também no bojo da espetacularização das identidades em
disputa pela centralidade contextual mediante usos de representações que não dependem
necessariamente de imagens (paradas ou em movimento) ou de conceituações, mas,
principalmente, de representações de negação e autoafirmação (embora não tenhamos, ainda,
testado essa hipótese).
Portanto, as imagens e as significações presentes no contexto da escola não são
elementos que garantem e promovem intersubjetividades simplesmente por falta de
competência cognitivo-racional de uma ou mais partes. É preciso considerar alguns outros
objetos, e aqui realizamos o esforço para encontrar e entender, com fundamentação teórico-
metodológica, alguns; bem como as interações entre eles. Assim chegamos a considerar de
maneira consistente que em meio as questões que envolvem a pluralidade e diversidade dos
objetos culturais e naturais em suas respectivas plenitudes subjetivas, há também poderosos
desejos que tornam o(s) contexto(s) em espaço públicos-privados de disputas potencialmente
políticas, mas que se rendem ao espetáculo das ilusões desejosas e das rupturas.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Wilmar do Valle. O Materialismo Histórico. In: REZENDE, Antonio (Org.).
Curso de Filosofia: para professores e alunos dos cursos de ensino médio e graduação. Rio
de Janeiro: Zahar, 1986. Cap. 10. p. 173-195.
LEVY, Pierre. Dilúvios. In: LEVY, Pierre. Cibercultura. 1. ed. São Paulo: 34, 1999. Cap. 1. p.
11-20. Tradução de Carlos Irineu da Costa.
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo geral investigar a reinserção e inclusão de alunos de EJA no
contexto escolar; de modo específico, analisar qual a possível correlação na saída da escola na
infância com as questões sociais, baixa escolaridade da família, assim como as relações entre
fatores econômicos, contextos familiares e culturais, que podem ter influenciado no atraso
escolar e nas questões de aprendizagem. Parte dos aprendentes da EJA (Educação de Jovens e
Adultos) foram vítimas de interrupções na trajetória escolar e o contexto social interferiu
diretamente na construção desta problemática. Desta feita, é possível inferir, com um olhar
psicopedagógico, que as questões sociais e a interrupção escolar andam atreladas, e que uma
influencia diretamente a outra. Para tal investigação, o procedimento metodológico adotado na
pesquisa qualitativa foi a aplicação de questionários semiestruturados a aprendentes da EJA de
uma escola pública localizada na cidade de Bayeux – PB e a análise dos mesmos com o intuito
de entender os fatores que interferiram na trajetória escolar dos referidos aprendentes. Nesta
pesquisa específica foi possível ampliar o olhar psicopedagógico e compreender outros
contextos (estruturas inadequadas, falta de motivação e de estratégias para a permanência dos
mesmos na instituição de ensino) que afetam as questões de aprendizagem e o percurso escolar.
Os achados da pesquisa servirão de base para repensar o processo educativo desse público,
inclusive na perspectiva da inclusão a partir de tais pilares.
INTRODUÇÃO
A política educacional, baseada na LBD 9394/96, mais precisamente em seu artigo 37º
§ 1º que diz que “a educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso
ou oportunidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”; diante disso,
faz-se necessário entender que, a priori, a EJA é uma política pública educacional e social, que
visa permitir que os alunos melhorem suas condições de vida, tendo em vista que a maioria das
pessoas entrevistadas é comprometida com a aprendizagem e entendem a importância da
educação, afirmando que estão lá por que desejam ou precisam.
Essas evidências que superam a vontade e a necessidade de aprender, em meios às
dificuldades e percalços da vida, é que levam estes jovens a decidirem retomar os estudos,
convictos de uma perspectiva promissora e diferente da atual, despertando um desejo e espaço
pessoal que lhe foi privado, mas dignamente é aguçado pela maturidade, Fernandez (1991) nos
remete a pensar que o aprender transcorre no seio de um vínculo humano cuja matriz toma
forma nos primeiros vínculos mãe-pai-filho-irmão, pois a prematuridade humana impõe a outro
semelhante adulto para que a criança, aprendendo e crescendo, possa viver.
A pesquisa teve por objetivo investigar reinserção e inclusão de alunos de EJA no
contexto escolar; assim como analisar qual a possível correlação entre a saída da escola na
infância com as questões sociais, baixa escolaridade da família, assim como as relações entre
fatores econômicos, contextos familiares e culturais, que podem ter influenciado no atraso
escolar e nas questões de aprendizagem. Para isto foi realizada uma pesquisa qualitativa por
meio da aplicação de questionários (misto ou semiestruturado) a aprendentes da EJA –
Educação de Jovens e Adultos – de uma escola pública localizada na cidade de Bayeux – PB.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
[...] a família imprime suas marcas no sujeito, moldando-o conforme acredita serem
corretos os seus juízos de valor. Estas marcas, no momento, poderão vir carregadas
de frustações, atribuindo ao filho a responsabilidade de ser o que estes pais não
conseguiram, ou de continuar uma tradição familiar.
METODOLOGIA
Quando questionados acerca do nível de escolaridade dos seus pais, é possível perceber
que, dentre os aprendentes que responderam ao questionário, a escolaridade máxima foi ‘ensino
médio completo’, ou seja, a mesma escolaridade que os filhos atingirão ao término do ano
letivo, mostrando que eles não têm um referencial em casa a ser seguido neste quesito, uma
base familiar que os inspire a prosseguir e fazer diferente.
É perceptível que a pesquisa demonstra a influência dos pais com baixa escolaridade no
mau desempenho educacional de seus filhos. Trazendo, então, uma nova reflexão, de que a
desigualdade social tira o direito à educação, quando força a busca de uma atividade
remunerada, e isto atinge não só a si, mas também as gerações seguintes. Portanto informações
acima confirma que tais oportunidades de entrar na escola ou abandonar no meio do caminho
foram negligenciadas, conforme Fernandez (1991), o problema de aprendizagem que apresenta,
sofre, estrutura um sujeito, se situa, entrelaça, sintomatiza e surge na trama vincular de seu
grupo familiar sendo às vezes mantido pela instituição educativa.
Em seguida foi perguntado se os pais valorizavam a prática escolar dos filhos e, de forma
unânime, todos responderam que sim. Ou seja, mesmo não tendo, na maioria dos casos, os pais
dado prosseguimento aos estudos, no ponto de vista dos filhos, eles valorizam a sua prática
escolar, mostrando assim que desejam um futuro diferente e uma história também diferente.
Visto que depositarão suas respectivas esperanças nos filhos, almejando o sucesso dos mesmos.
Abaixo, é possível perceber as justificativas dadas pelos aprendentes, corroborando com
a ideia de que os pais valorizam o seu percurso/ trajeto escolar. Vejamos:
Quadro 2: Justificativas
Aprendente 1 “Sim, parei porque engravidei e tive que parar de estudar por um ano.”
Aprendente 2 “Desisti dois anos seguidos, um porque quis mesmo, e outro porque engravidei.”
Aprendente 3 “Sim, porque muito trabalho para poder ajudar nas despesas da casa.”
Aprendente 4 “Não, apenas estou aqui porque sou fruto de muitas reprovações e várias decepções
familiares.”
Aprendente 5 “Não, eu só pensava em sair, não pensava no meu futuro, mas vejo que não valeu a
pena fazer isso.”
Aprendente 6 “Sim, por conta que tive que trabalhar cedo e quando chegava era tarde para eu vim
à escola.”
Aprendente 7 “Sim, porque fiquei grávida e tive que desistir para cuidar do bebê.”
Aprendente 8 “Sim, porque precisei parar um ano letivo para trabalhar e ajudar nas contas de
casa.”
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
SMITH, Corinne; STRICK, Lisa. Dificuldades de aprendizagem de a-z: guia completo para
educadores e pais. Porto Alegre: Penso, 2012.
LAMPIÃO E A CONSTRUÇÃO DE UM MITO POPULAR: UMA
ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE PODER E LUTAS NO NORDESTE
BRASILEIRO
RESUMO
O trabalho intitulado “Lampião e a Construção de um mito popular: Uma análise das relações
de poder e lutas no nordeste brasileiro” apresenta um estudo teórico de caráter bibliográfico
sobre como se dava as relações de poder e o habitus que construiu a figura de lampião bem
como o uso folkcomunicacional nessa construção. O Lampião, no banditismo e no cangaço, no
período da Primeira República na região do Nordeste. O objetivo primordial se pautou em
analisar os motivos que fizeram com que Virgulino entrou para o cangaço, tornando-o
“Lampião” do Nordeste. Para tanto, questionou-se: Como eram as relações de poder no período
da Primeira República? Quais fatores explicam a entrada de Lampião no Cangaço no Nordeste?
Como foi sendo construído esse mito? Considerou-se, ao final da pesquisa, que Lampião entrou
para o banditismo e o cangaço, não apenas por questões particulares ou familiares; mas sim,
através das diversas questões de relações de poder e questões sociais do período da Primeira
República no Nordeste do Brasil. A escolha da temática partiu do interesse em conhecer como
as relações de poder no período da Primeira República no Brasil e o cangaço contribuiu para a
construção mitológica do lampião que continuam presentes até os dias atuais, não só forma de
cangaço, mas de diversas formas em todo o território brasileiro, buscando investigar as relações
de poder predominante dos sertões, em sua forma mais arcaica, fizeram com que aos poucos a
população pobre, sofrida, discriminada; formada por negros, brancos e mestiços, aos poucos
fossem se unindo, formando grupos, tentando a produção de subsistência, não tinham incentivo
e assim faz com que surgissem rebeliões, revoltas, movimentos que tentavam melhores
condições de vida. Para o apanhado contextual, partindo de fontes primárias e secundárias de
obras científicas, revistas, artigos e monografias que tratam sobre a temática como: Ribeiro
(1995), Maciel (1985) e Lessa (2000); para justificar a hipótese que Lampião entrou para o
banditismo e o cangaço, não apenas por questões particulares ou familiares; mas sim, através
das diversas questões de relações de poder e questões sociais do período da Primeira República
no Nordeste do Brasil. Diante disso, esperasse que este artigo venha auxiliar para o
aprofundamento de futuros estudos e reflexões sobre as relações de poder, mas também, discutir
acerca da construção do nome lampião, de como sua ação e seu nome se constituiu e o que isso
gerou para o Brasil e gera até hoje no contexto de economia da cultura e economia do turismo.
Assim, esse trabalho trará diretrizes de como direcionar novos questionamentos na área da
história, no tocante às pesquisas sobre a vida e história do cangaço de lampião e preservação da
cultura nordestina.
1 INTRODUÇÃO
91
Pós-Graduado em Geo-História pela Faculdade de Ensino Regional Alternativa-FERA; Graduado em História
pela Faculdade Internacional do Delta-FID.
92 Mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local pela Universidade Federal Rural de Pernambuco –
UFRPE; Professor de Economia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Este estudo trata-se de uma revisão bibliográfica, objetivando analisar os motivos que
fizeram com que Virgulino entrasse para o cangaço, tornando-o “Lampião” no Nordeste, bem
como suas relações de poder, enfatizando questões que poderão justificar a entrada de Virgulino
Ferreira no banditismo e no cangaço no período da Primeira República na região do Nordeste,
a fim de responder as seguintes indagações: Como eram as relações de poder no período da
Primeira República? Quais fatores explicam a entrada de Lampião no Cangaço no Nordeste?
Como foi sendo construído esse mito? Assim, a escolha da temática partiu do interesse em
conhecer como as relações de poder no período da Primeira República no Brasil e o cangaço
contribuíram para a construção mitológica do lampião que continuam presentes até os dias
atuais, não só forma de cangaço, mas de diversas formas em todo o território brasileiro
Para o apanhado contextual, foi pautado de fontes primárias e secundárias de obras
científicas, revistas, artigos e monografias que tratam sobre a temática como: Ribeiro (1995),
Maciel (1985) e Lessa (2000); para justificar a hipótese que Lampião entrou para o banditismo
e o cangaço, não apenas por questões particulares ou familiares; mas sim, através das diversas
questões de relações de poder e questões sociais do período da Primeira República no Nordeste
do Brasil.
Diante disso, esperasse que este artigo possa auxiliar para o aprofundamento de futuros
estudos e reflexões sobre as relações de poder, mas também, discutir acerca da construção do
nome lampião, de como sua ação e seu nome se constituiu e o que isso gerou para o Brasil e
gera até hoje no contexto de economia da cultura e economia do turismo, assim como direcionar
novos questionamentos na área de História, no tocante às pesquisas sobre a vida e história do
cangaço de Lampião e preservação da cultura nordestina.
É inegável que, desde o século XVII, em pleno litoral nordestino, há relatos históricos
das ações de grupos de bandoleiros causando, já naquela época, medo e insegurança
na população. Contudo, é só no século XIX, com seu florescimento no sertão, que tal
forma de banditismo ganha relevo e singularidade, nascendo, também nesse período,
a denominação que carregaria até os dias atuais, qual seja, cangaço. Justamente a partir
de meados desse século, há o surgimento dos maiores expoentes do cangaceirismo,
dentre eles: Sinhô Pereira, Antônio Silvino, Lampião e Corisco. (LOPES, 2017, p.
14).
Assim, nasce a via interpretativa do cangaço que maior ressonância teve entre os
estudiosos de esquerda. Sob a perspectiva do banditismo social, vislumbrou-se no
cangaceiro a figura de vingador dos oprimidos, representante inconsciente da revolta
camponesa. Ainda que, para Hobsbawm, Lampião não se enquadrasse no perfil de um
Robin Hood, isso não lhe retirava o título de bandido social. A crueldade e o terror,
de fato, representavam seu modo de agir, contudo, esse se dava num contexto e por
uma causa justificáveis (HOBSBAWM, 2010, p. 85 apud LOPES, 2017, p. 19).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FACÓ, Rui. Cangaceiros e fanáticos: gêneses e lutas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Prefácios de José Murilo de Carvalho,
Alberto Venâncio Filho e Barbosa Lima Sobrinho 7ª ed. São Paulo: Companhia das Letras.
2012. 363p. ISBN 978-85-359-2130-4. Disponível
em:<https//edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id238690>. Acesso em 24 de jul.
2017.
LESSA, Renato. A invenção republicana. Cad. Esc. Legisl. Belo Horizonte, V.5, n.10, p. 9-
38. Jan/jul. 2000. Disponível
em:<https://www.almg.gov.br/export/sites/defalt/consulte/.../cadernos/.../10/invencao.pdf>.
Acesso em 25 de jul. 2017.
MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião, seu tempo e seu reinado. Petrópolis:Vozes, 1985.
RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo propor uma ação pedagógica dos temas lugares
turísticos e sagrados e lideranças religiosas. Para tal intento, realiza-se uma pesquisa
bibliográfica com ênfase na análise descritiva e exploratória. Destaca-se, nesse trabalho,
atividades realizadas em sala de aula com o tema dos lugares turísticos e sagrados das religiões
pouco conhecida no contexto dos alunos, tais como: mesquitas, terreiros, igrejas e sinagogas;
como também lideranças religiosas: Mãe de Santo, Padre, indígena, judeu e outras
representações e lideranças. As atividades aplicadas nas aulas de Ensino Religioso (ER) foram
bingo dos lugares sagrados, Jogo da memória dos lugares sagrados, dominó dos lugares
sagrados, oficina de desenhos dos lugares sagrados e apresentação teatral dos dedoches das
representações e lideranças religiosas.
PALAVRAS-CHAVE: Prática pedagógica. Diversidade Religiosa. Formação docente. Jogos.
1. Introdução
O valor afetivo, religioso e simbólico dos lugares sagrados permeia nossas gerações.
Desde a pré-história até o nosso tempo moderno, o homem preserva a memória e valoriza os
lugares sagrados como patrimônio cultural da humanidade.
Partindo dessa linha, a escola de hoje tem a tarefa de difundir a temática lugares
turísticos e sagrados e lideranças religiosas através de várias atividades que possam mostrar aos
nossos alunos a diversidade cultural e religiosa existente em nosso país.
Nesse artigo, estudaremos a importância de os temas lugares turísticos e sagrados e
lideranças religiosas se tornarem proposta pedagógica do ER em sala de aula. Para isso,
fundamentamos o tema estudado pelo viés curricular nacional e municipal: Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) e Referencias Curriculares do Ensino Religioso da rede
educacional do município de Natal.
A BNCC apresenta na parte do Componente Curricular ER uma proposta que é relativa
ao tema dissertado nesse artigo, que é o conteúdo a respeito de lugares sagrados das religiões.
Além dos lugares sagrados, o tema lideranças religiosas também se apresenta na BNCC, tais
como Mãe de Santo, Padre, Pajé e outras que são reiteradas do 1º ao 9º ano do Ensino
Fundamental.
Dividimos o artigo em quatro partes: a primeira, trata-se da discussão da diversidade
religiosa, mais precisamente do Pacto Internacional da Diversidade Cultural e Religiosa. A
segunda parte, trata-se de um panorama do histórico do Ensino Religioso no Estado Rio Grande
do Norte (RN) e Natal. A terceira parte, frisa a discussão conceitual do presente tema dissertado
lugares turísticos ou sagrados e lideranças religiosas à luz da teoria. A quarta e última parte,
apresenta-se o resultado e as discussões relativas à reflexão das atividades executadas em sala
como proposta pedagógica do ER (bingos dos lugares sagrados; oficina do dominó dos lugares
sagrados e jogo da memória dos lugares sagrados; oficina desenho dos lugares sagrados: Meca,
Igreja e Mesquita; teatro de dedoches das representações e das lideranças religiosas: Padre,
Judeu, indígena e Mãe de santo).
Segundo definição do artigo 18, o pacto internacional é feito através de uma profunda
discussão dos direitos civis e políticos. O pacto não é importante apenas ao Brasil, mas a todos
os país que deram as garantias necessárias de fortalecer os direitos civis e políticos, entre eles
os exercícios de diversas práticas religiosas.
A Declaração Universal sobre a Diversidade Religiosa, publicada pela UNESCO, em
2002, foi elaborada em consonância com a declaração dos direitos humanos e do pacto
internacional promulgado em 1966. A declaração da Unesco sobre a diversidade religiosa trata
dos aspectos também de ordem universal: liberdade de expressão, dignidade humana, bem
como das relativas à diversidade cultural e religiosa.
Segundo declara a UNESCO, cultura é patrimônio da humanidade, e deva ser
preservada para futuras gerações (Artigo 1, 2002). A mesma afirma que:
[...] a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais
e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social
e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver
juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças (UNESCO, 2002).
4. Discussão conceitual
Líder é aquele que pode exercer influência nas pessoas, é ele que tem a função de
representar um grupo social, orientar e coordenar. A pessoa que se torna líder, é responsável
por uma função. O professor, o gestor escolar, são considerados líderes, pois exercem uma
função na escola, o professor lidera a sala de aula, enquanto o gestor lidera toda a escola. O
religioso tem a função de liderar uma organização religiosa. De acordo com Passos (2006, p.
54) o líder tem como função preservar os ensinamentos religiosos, ele é considerado o guardião,
aquele que é responsável de transmitir a palavra sagrada [...].
5. Metodologia
O bingo93 é um jogo bastante educativo. Além de ser lúdico, o bingo tem a função
pedagógica de trabalhar a concentração, a leitura e a escrita. O bingo pode ser utilizado para
todas as disciplinas. Nós adaptamos o bingo ao tema lugares sagrados, na turma do 4º ano B
(Sinagoga, Terreiro, Templo, Igreja, Mesquita, Natureza, Rio Ganges, Meca etc.). Sugerimos
ao aluno a construção de um quadro no caderno com 4 nomes de lugares sagrados estudados na
sala, bem como sugerido pelo professor, conforme exemplo abaixo:
93
Está atividade foi extraída e adaptada do blog< http://ensinoreligiosoemsala.blogspot.com/2017/05/contacao-
de-historias-3-ano-lugares.html>. Acesso em 14 de outubro de 2018.
Figura 1 Figura 2
Figura 1 Quadro do Bingo, proposta do professor. Figura 2 Caderno do aluno demonstrando como deveria
ser feito a cartela do bingo dos lugares sagrados.
Está referida atividade do bingo dos lugares sagrados foi realizada em uma aula que
durou 1 hora. Os alunos participaram efetivamente da referida atividade, e souberam que cada
lugar sagrado possui um significado. De acordo com Oliveira e Koch, práticas formadoras, de
relacionamentos com estas com o “diferente”, contribuem nos encaminhamentos para uma
percepção e compreensão da humanidade que se perceve heterogênea (2012. p.461). Por essa
razão, a proposta de estudar o ER sem o do viés catequético facilita o processo de inclusão das
diferenças em sala de aula.
6.2 Oficina do dominó dos lugares sagrados e jogo da memória dos lugares sagrados
Figura 5
Figura 3: grupo confecionando o jogo da memória dos lugares sagrados. Figura 4 e 5: grupo
confecionando o jogo do dominó dos lugares sagrados.
A oficina de desenhos dos lugares sagrados foi realizada na Escola Municipal Antônio
Campos, na turma do 5º ano C. Realizamos essa oficina em 2 aulas. A primeira aula a turma
foi dividida em três grupos, o grupo 1, desenhou a igreja, lugar sagrado para muitos cristãos, o
grupo 2, retratou a cidade de Meca e a Caaba dos muçulmanos, e o grupo 3, desenhou a
mesquista, lugar sagrado dos muçulmanos. Na mesma aula, já iniciou a confecção dos
desenhos. A segunda aula concluímos o trabalho com a exposição do mural.
Figura 10 – Mural dos desenhos dos lugares sagrados
6.4 – Teatro de dedoches das representações e das lideranças religiosas: Padre, Judeu,
indígena e Mãe de santo
6. CONCLUSÃO
7. REFERÊNCIAS
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PASSOS, João Décio. Ensino Religioso: construção de uma proposta. São Paulo: Paulinas,
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João Pessoa, Editora da UFPB, 2008.
RESUMO
O presente artigo busca trazer os principais resultados de uma pesquisa comparativa realizada
em duas escolas pré-selecionadas no município do Recife, como as relações de gênero são
trabalhadas pelos materiais didáticos de uma instituição de caráter religioso (católica) e outra
laica. A pesquisa foi de abordagem qualitativa a qual teve como objetivo analisar como os
materiais didáticos abordam as questões de gênero, através de imagem, desenhos e atividades.
Os resultados alcançados através dessas analises foram semelhantes em ambas às escolas, as
diferenças foram encontradas mais na prática docente que até então não era o foco inicial da
pesquisa, mas se faz necessário abordar nesse artigo devido as situações apresentadas durante
as observações.
INTRODUÇÃO
O interesse por este estudo surgiu mediante a observações na rotina de diversas turmas
na educação infantil por meio do estágio curricular obrigatório durante a graduação em
pedagogia. Visto que questões como gênero muitas vezes não são abordados em sala de aula e
quando vem ser trabalhado pelo professor ou estão presentes nos materiais didáticos acabam
reforçando questões culturais de segregação.
Atividades em geral que estão presentes na rotina das crianças da educação infantil são
muitas vezes separadas com base no gênero biológico com a justificativa que aquilo não é coisa
de menino/menina ainda mais quando a instituição é de seguimento religioso, baseando suas
práticas pedagógicas na doutrina da igreja e ao Projeto Político Pedagógico da instituição que
já prever seguir as mesmas linhas ideológicas que a religião
Diante disso, o que se vê atualmente no campo escolar da educação infantil é uma grande
necessidade de abordar temas como gênero sem titular as atividades realizadas pelas crianças.
Entendemos que houveram grandes evoluções com relação a essa temática, mas é preciso mais,
pois compreendemos que as crianças são sujeitos que estão inseridos nos meios sociais, e a
forma como trabalhamos com eles influencia diretamente em nosso futuro.
Sendo assim o objetivo desse trabalho é apresentar ao leitor como questões de gênero
são abordadas através dos materiais didáticos em duas escolas de educação infantil pré-
selecionadas localizadas no município do Recife uma instituição de caráter religioso (católica)
e outra laica.
Conforme a citação esta é uma realidade bem presente em nossa sociedade por questões
sócio históricas. O documento ainda afirma que, a “separação de gênero acontece de forma
espontânea entre meninos e meninas, e que as crianças começam a se preocupar nas
características associadas ao ser homem ou mulher” (BRASIL, 1998, p. 20).
Os conceitos de gênero são amplos, mas, acima de tudo são construções sociais. Os
mesmos são plurais, estando assim sob constantes transformações. Para Guacira Louro (1997),
a identidade de gênero está ligada à identificação social e histórica dos sujeitos, que se
reconhecem como femininos ou masculinos.
Sendo assim é necessário examinar os materiais didáticos destinados às nossas crianças.
No campo da educação infantil existem materiais didáticos que ainda buscam um controle sobre
o que é ser menino e ser menina, reforçando essa separação por meio de brincadeiras, jogos,
cores, tarefas, emoções entre tantos outros meios. Souza (1995) diz, que para perceber se
concepções de gênero, sexualidade, raça e etnia são pautadas pela desigualdade, é necessário
examinar os materiais didáticos destinados às nossas crianças.
É preciso pensar em materiais didáticos que não reforcem a naturalização do gênero
biológico, ampliar as discussões em torno deste assunto sem repressão ou separação,
respeitando assim as pluralidades de cada sujeito.
METODOLOGIA
A metodologia de pesquisa utilizada para construção desse artigo foi à análise dos
materiais didáticos em duas escolas pré-selecionada no município do Recife, no total foram
realizadas oito visitas, todas na educação infantil. A faixa etária das crianças era entre cinco e
seis anos de idade em ambas as escolas, Por motivos éticos os nomes das instituições e das
coleções onde foram realizadas as visitas não serão divulga nesse artigo.
Para investigar se os materiais utilizados reforçam os padrões de gênero, realizamos
uma análise dos materiais didáticos, onde seu principal objetivo foram verificar sua adequação
para o ensino-aprendizagem da situação em que se insere. Dessa forma, observaremos se esses
materiais abordam a temática de gênero, e caso tragam tais questões, se as mesmas se encontram
adequadas à educação infantil e/ou reforçam a perpetuação das dicotomias, que muitas vezes
segregam e excluem.
Foi realizada uma análise tanto das atividades quanto das imagens apresentadas nos
livros didáticos. A coleção usada pela escola religiosa é dividida em cinco disciplinas língua
portuguesa, matemática, natureza e sociedade, movimentos e artes. Os materiais trabalham mais
com execução de atividade práticas, brincadeiras e depois da realização da mesma os alunos
relatarem através de colagem, desenhos entre outras formas, apresentando assim suas
experiências após a realização da atividade proposta pelo livro.
Na escola laica o material didático dos alunos fica dentro de uma caixa grande onde dois
livros didáticos um de matemática e um de português, um livro de colagem e um para realizar
ativadas com a família, assim como na escola religiosa os livros da escola laica trabalham mais
com atividades de colagem e brincadeiras através de execução das ativadas propostas.
A Escola religiosa está localizada na cidade do Recife. É uma instituição de ensino de
caráter religioso (católico), tendo como visão valores e princípios cristãos, atuando assim no
campo da educação. Considerada como uma das mais tradicionais do nordeste, possuindo mais
de cem anos de funcionamento, tendo como oferta de ensino desde a educação básica até ensino
superior.
A Escola laica fica localizada no bairro da Torre, também no município de Recife. É uma
instituição laica que surgiu no período da ditadura militar, com mais de sessenta anos desde sua
fundação. A escola identifica-se com a teoria sócia interacionista construtivista de ensino. No
início a Escola trabalhava somente com educação infantil, mas já incluindo em sua instituição
crianças com deficiências, se expandiu e atualmente oferece o ensino fundamental e médio.
Durante a folhagem dos materiais presente nas duas escolas, foi encontrado apenas uma
imagem presente no livro de matemática da escola religiosa que chamou atenção, em que possui
uma atividade em que tem como objetivo o preparo de uma receita para as crianças realizarem,
a figura é ilustrada por uma mulher e uma menina preparando algo na cozinha, de início
acabamos acreditando que aquela imagem é algo sem tanta importância, mas esquecemos da
mensagem que ela acaba passando, ela traz consigo uma carga cultural em que o ambiente
doméstico, mais especificamente a cozinha é um espaço usado/frequentado “exclusivamente”
por mulheres, e então nos questionamos. Por que não um homem e um menino?
Bortolini fala que (2011, p. 29):
(...) falar sobre gênero não significa falar "de mulher", mas questionar as maneiras
como socialmente construímos as categorias "mulher" e "homem". Pensar sobre
gênero é pensar necessariamente sobre essas relações, marcadamente culturais e
históricas, não negando a materialidade dos corpos, mas entendendo que esses corpos
só são inteligíveis (compreensíveis) a partir de processos de significação
culturalmente, historicamente e politicamente construídos.
Questões como essas apresentadas por Bortolini são constantemente vista no cotidiano
em nossa sociedade e como visto estão presentes também nos livros didáticos, mesmo que em
quantidade pequena, pois estão diretamente ligadas a questões culturais. Encontramos menos
situações do que esperávamos, e isso foi visto de forma positiva, pois quando foi organizado o
processo de confecção desses materiais didáticos que estão presentes nas instituições a quais
foram realizada à pesquisa, foi trabalhado com cuidado e sensibilidade pensando assim da
formação social de seu público alvo.
Em ambas as escolas não foi autorizado que os livros e muito menos os alunos fossem
fotografados, somente permitido que olhássemos os materiais e anotássemos quaisquer
informação relevante.
Durante as observações, mesmo que o nosso foco na pesquisa não tenha sido a pratica
docente e o comportamento dos alunos. Foi possível observar várias situações em que a
segregação de gênero ocorreu, tanto de forma esponte quanto através de orientações pelos
docentes ou ADIs.
Na escola religiosa na espera para hora do intervalo as crianças fazem uma fila para
esperando o sinal tocar, sem intervenção de nenhum adulto as próprias crianças se separaram,
todas as meninas ficaram de um lado e os meninos de outro. Foi possível perceber que mesmo
sem a orientação do professor para que as crianças se separassem daquela forma, isso já teria
sido ensinado anteriormente.
Em outra situação durante uma atividade realizada pela ADI enquanto a professora ainda
não tinha chegado em sala, pois desse dia ela tinha se ausentado para ir ao médico. Foi realizada
uma atividade presente no livro didático movimentos de copo-bol, a orientação presente no
livro didático era para que dividisse a turma em duplas independente de seu gênero, porem a
adi separou as duplas de meninas com meninas e meninos com meninos. Pensando nisso
devemos lembrar que:
(...) transformar as relações de gênero é algo que vai muito além do que juntar
meninos e meninas nos trabalhos escolares ou dar o mesmo presente a meninos
e meninas no dia das crianças. Não é uma mudança apenas racional, pois mexe
com as emoções, com relações investidas de afeto, além de incidir nas
estruturas institucionais. (ALBERNAZ e LONGHI, 2009 p.89)
Considerações Finais
Precisamos, assim, pensar numa discussão sobre sexualidade e gênero na escola que vá
para além de uma postura justificada, lgbtista, mas num debate que problematize todo
o processo de heterossexualização compulsória e adequação às normas de gênero que a
escola cultiva cotidianamente. Não significa novamente invisibilizar gays e lésbicas,
mas, pelo contrário, visibilizar a todos e todas, inclusive os heterossexuais que
aparentemente estão confortáveis na sua sexualidade e gênero encaixados na norma.
Isso significaria romper com a perspectiva da heteronormatividade como única
possibilidade de hegemonia e repensar o gênero e a sexualidade na escola, não só pelo
reconhecimento de determinados grupos, mas pelo quanto essas questões dizem respeito
a toda a comunidade escolar, a toda a prática pedagógica, aos processos de constituição
de cada sujeito ali dentro, estudantes ou profissionais da educação. Significaria nos
propormos a nós mesmos um desafio de repensarmos os nossos próprios paradigmas e
tentar construir uma prática que não simplesmente inclua, mas que se repense, se
reestruture a partir dos questionamentos que tem diante de si.
Referências
ALBERNAZ, Lady Selma; LONGHI, Márcia. “Para compreender gênero: uma ponte para
relações igualitárias entre homens e mulheres”. In: SCOTT, Parry; LEWIS, Liana; QUADROS,
Marion Teodósio de. Gênero, diversidade e desigualdades na Educação: interpretações e
reflexões para a formação docente. Recife: Editora Universitária UFPE, 2009, p. 75-95.
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Infantil. In: 22º Reunião Anual da ANPEd, 1999, Caxambu – MG. Anais da 22º Reunião
Anual da ANPEd, 1999. p. 235.
APRESENTAÇÃO
A educação de Jovens e Adultos - EJA é uma modalidade de ensino que vêm sendo
ofertada, em sua grande maioria, para aqueles que carregam marcas de um processo
civilizatório de negligência dos anônimos da história, estes que erguem, diariamente, com sua
força de trabalho, e com suas próprias vidas, nossa sociedade.
Alfabetizar na EJA precisa a todo instante está associada à compreensão de quem são
esses sujeitos, pois ao entendermos suas vivências, territorialidades, suas dinâmicas no mundo
tornam-se urgentes construções de práticas que respeitam e valorizam as narrativas históricas
que compõem cada estudante.
Ninguém se alfabetiza sem dignidade, e não se tem dignidade sem reconhecer seus
direitos e todas as marcas identitárias que nos compõem, desta maneira construir memórias
sobre um balaieiro, e especificamente, através da arte, é resgatar a integralidade destas pessoas,
a memória coletiva95 dos anônimos, desta maneira, a arte vem em nosso projeto como um
reencontro com a inteireza humana, que muitas vezes, por conta da vida que levamos, fica
adormecida dentro de cada um de nós.
94
Mestre em Educação e Contemporaneidade do Programa de Pós-graduação Educação e Contemporaneidade
(PPGEduC). Pedagoga pela UNEB. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Educação e Currículo (GPEC).
Professora no Município de Lauro de Freitas.
95
Compreendemos memória coletiva a partir das reflexões de Le Goff (1990) e especificamente suas contribuições
para pensar memória coletiva contribuindo com a construção de identidade coletiva.
E são de entendimentos como este que torna significativo usarmos as memórias sobre
Seu Balaieiro, homem comum e de grande relevância histórica, cultural e artística, e que ao
mesmo tempo, partilha dos mesmos coletivos que pertencem os nossos estudantes, são os
mesmos pobres, negros, trabalhadores autônomos, nordestinos, os mesmos anônimos.
Revisitar essas memórias em um projeto escolar, que visa ao desenvolvimento das
experiências de um mundo, também letrado é reescreviver as vidas dos próprios discentes, pois
suas trajetórias têm muitas aproximações, como citamos anteriormente, com a de seu Balaieiro.
Desta maneira, atrelar memórias com as experiências de desenvolvimento autônomo e
crítico dos estudantes ampliando as práticas de leitura e escrita através das vivências com seus
pertencimentos, seus territórios, e, a própria arte de confeccionar cestos e balaios é reconhecer
que “Os textos são a memória do homem na qualidade de ser-no-mundo e se constituem na
herança que possibilita dar continuidade à obra humana na história” (FURLAN, p.119, 1994).
O projeto foi desenvolvido dentro da proposta escolar onde a temática tratava dos direitos
humanos. Ampliamos o projeto ao levantarmos memórias sobre um sujeito importante para a
cultura e história local e exemplo de cidadão que lutou para garantir seus direitos à vida,
profissão e família através da sua arte de trançar balaios.
Discutir direitos humanos e memória de anônimos históricos, por sua vez, articulou-se
com a proposição da Secretaria Municipal de Educação – SEMED que trouxe como reflexão
para o ano letivo o seguinte tema: Cidade educadora.
JUSTIFICATIVA
96
O Município de Lauro de Freitas faz parte da Região Metropolitana de Salvador.
Com a arte de trançar balaios teceu toda sua história, esta que tem muito a nos dizer sobre
dignidade, luta e felicidade. A tentativa era apresentar uma vida comum, simples, mas
amalgamadas de pertenças e de saberes de um povo tradicional. Vi em suas vivências a
oportunidade de construir uma experiência de valorização dos anônimos da história.
Domingo Ferreira da Cruz, mais conhecido como seu Balaieiro, ou seu Balaio, aos
seus 78 anos de idade é o mais antigo artesão e repentista do Município de Lauro de Freitas.
Nasceu em 10 de agosto de 1938, natural de Ilha de Maré, chegou nesta cidade em 1951, há 66
anos, quando ainda era distrito chamado de Santo Amaro do Ipitanga, 11 anos antes da
emancipação da cidade que ocorreu em 31 de julho de 1962.
Ainda menino aprendeu com seu pai a arte de confeccionar balaios, e, desde então,
trabalha como balaieiro. Casou-se em 1960 com a senhora Antônia Santiago da Cruz, com quem
teve 19 filhos, 30 netos e 11 bisnetos até o momento.
Em 2012, recebeu o título de Cidadão Laurofreitense da Câmara dos Vereadores devido
à importância histórica, cultural e artística que Seu Balaieiro tem para este município.
Sua história já foi divulgada em jornais, revistas e ainda um vídeo institucional produzido
pela Secretaria de Cultura onde Seu Balaieiro relata algumas de suas experiências, mais a frente
serão indicadas as referências de tais documentos.
Homem simples, acolhedor e cheio de vida, que faz questão de falar que sem produzir
seus balaios adoece. Filho de uma pequena ilha localizada no subúrbio de Salvador, chamada
de Ilha de Maré, Seu Balaieiro mantém, até hoje, em Lauro a tradição familiar de trançar
balaios, e desta maneira preservando a memória de um povo tradicional.
O objetivo de trabalhar no projeto com a biografia de seu balaieiro era para conhecer as
memórias sobre a vida de Seu Balaieiro, uma vez que reconhecer sua história de luta e sucesso
é resgatarmos a nossa própria história, pois sua vida suscita dignidade e cidadania.
Desta forma, contribuímos para ampliar aprendizagens referentes aos conteúdos
escolares a partir de experiências com a arte. As nossas expectativas eram através do projeto
trabalhar com memórias, vivências e produções artísticas que dessem conta de fortalecer as
marcas identitárias e a autoestima dos nossos estudantes, pessoas com faixa etária entre 15 a 76
anos. São trabalhadores no serviço doméstico, pedreiros, recicladores de lixo, e, sobretudo, os
que vivem do mercado informal em várias áreas, inclusive, na produção de artesanatos.
METODOLOGIA
Pensar uma proposição metodológica de valorização do discente é relevante e
possibilita-nos recontarmos as histórias silenciadas de diversos anônimos da história, e, desta
maneira, contribuirmos com a autopercepção de sujeitos pertencentes a este coletivo, no qual
nossos estudantes da EJA fazem parte.
É comum e tradicional, mesmo na contemporaneidade, a propagação da história das
elites, entretanto é urgente rever tais narrativas para incluir sujeitos que são constantemente
negligenciados. Desta maneira, cada vez mais são insistentes as recomendações sobre uma
educação da ética da coexistência (LUZ, 2007), que seria, entre outras coisas, relações que
tivesse como princípio não apagar e nem negar as diversas existências individuais e coletivas
que compõem a humanidade.
Entendemos que a escola necessita constantemente buscar novos caminhos teóricos e
metodológicos que deem conta de proporcionar aprendizagens significativas e relevantes para
a formação cidadã dos estudantes da EJA. Desta maneira as memórias sobre Seu Balaieiro se
constituem como apropriação da narrativa de um anônimo histórico, de extrema relevância para
o contexto local e que se constitui como uma grande referência para a valorização dos discentes
da EJA, estes que pertencem aos mesmos coletivos do artesão mencionado.
Desenvolvemos o projeto desde o quarto bimestre do ano letivo de 2015, em turmas de
alfabetização da EJA, e estamos em fase de formatação de um livro, produzido por professoras,
estudantes, pai de uma professora e uma das netas de seu Balaieiro.
À medida que conheciam a história, levantaram hipóteses e curiosidades sobre o artesão
e a fabricação de balaios, e ao mesmo tempo repensavam suas próprias trajetórias de vida.
O projeto desenvolveu-se em cinco etapas. Na primeira, pesquisamos e produzimos
conhecimentos sobre Seu Balaieiro. Na segunda, realizamos pintura em tela sobre
representações de um balaieiro. A terceira, foi a preparação e a vista à casa de Seu Balaieiro.
Na quarta, culminância do projeto referente à socialização das aprendizagens dos estudantes e
a última, em curso, a sistematização de um livro fruto de todo o conhecimento construído.
Fotos 02 – Pintura em tela sobre como os estudantes imaginavam ser Seu Balaieiro
Com esta proposição os estudantes vivenciaram, pela primeira vez, a produção de suas
expressões artísticas em pintura em tela. E por conta disto é importante ressaltar que devido não
terem tido contato anterior com pintura em tela, muitos ficaram tensos quando da produção,
alguns inclusive precisaram de mediações para relaxar, e desta maneira conversas individuais
e até massagens foram feitas.
A imagem a direita das fotografia apresentada, além de conter imagens de práticas para
tranquilizar um dos estudantes que ficou tenso quando do início da pintura, refere-se também
ao momento em que os discentes antes de irem para as telas esboçaram seus desenhos
livremente no caderno.
Embora os materiais disponíveis pela escola fossem escassos, mesmo contando com
doações, e tendo que no momento da pintura em tela trocarem materiais entre si, aguardando
um ao outro terminar de usar, e ainda, como já citado, não terem tido, anteriormente, nenhuma
experiência artística igual a esta, conseguiram expressar suas pinturas com muita criatividade,
leveza e vida. Tivemos senhoras com mais de 60 anos que pegaram em um pincel e pintaram
em tela pela primeira vez na vida, na etapa do projeto. E estas tinham tanta delicadeza e leveza.
Fotos 03 – Senhora com mais de 60 anos pintando pela primeira vez em tela
Trazer para a escola as artes visuais, na perspectiva da produção realizada pelo discente
é de grande relevância, pois os estudantes além de atribuírem significado ao se expressarem
através do ato de desenhar, eles constroem uma representação de mundo, ou seja, acionam suas
memórias das aprendizagens já construídas e ao mesmo tempo as ampliam para seus mundos
abstratos.
Na visita, os estudantes apresentaram as telas criadas em sala logo que nos acomodamos
e fizemos uma pequena apresentação à porta da casa de Seu Balaieiro.
Foto 07 – Apresentação pelos estudantes das telas a Seu Balaieiro e bate-papo em sua casa
Na quarta etapa, houve a culminância do projeto. Partilhamos com outras turmas da EJA
as atividades realizadas. Os educandos socializaram as aprendizagens construídas com os
colegas de outras turmas. Demonstraram-se orgulhosos e confiantes.
Foi feita uma homenagem a Seu Balaieiro através da entrega de um artesanato que o
retratava enquanto balaieiro por um dos estudantes. Devido a problemas de saúde Seu Balaieiro
foi representado por sua neta.
Fotos 10 – Seu Balaieiro e seu artesanato dado para homenageá-lo vendendo balaios
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O presente artigo propõe a leitura analítica do conto “Flor de cerrado” da escritora Maria Amélia
Mello. A partir dos pressupostos da teoria psicanalítica será discutido como o erótico vai se
constituindo através da metalinguagem. As reverberações do gozo ganha roteiros nos corpos
cênicos dos personagens inomináveis. “E avançava a avenida do meu corpo, acelerando entre
um vão e outro.” As palavras se revestem de sentidos pulsionais, construindo a tessitura desse
conto erótico. Dessa forma associa-se a essa leitura a própria interface do erotismo como
imagem, signo e palavra.
Introdução
A flor de cerrado, conto inserido no livro Às oito, em ponto (1984), de Maria Amélia
de Mello, apresenta, na tecelagem das metáforas, a violência urbana e os seus desdobramentos
sociais e psicológicos, construindo pela focalização interna um embate entre o assaltante e uma
transeunte, que narra, no cronotopo do encontro, a desmedida falta que desfaz o lugar comum
do homem e da mulher, tornando-os agentes de sua própria fome. “E ali boiávamos, lado a lado,
náufragos de uma solidão ao contrário. A fome dele não parecia ter destino. A minha esperava,
estava aprisionada e gritava no cerrado.” (MELLO,2009 p.460).
O conflito estabelecido entre a mulher surpreendida pelo menino/assaltante, é evocado
pela ambiguidade da situação, em que uma relação sexual conduzida pelo desejo da vítima, a
transforma na agente da ação, invertendo os papeis de poder. Assim, no eixo da ação a trama
do poder revela a condição humana da fragilidade e do inusitado, ou seja, o naufrágio da
existência, precipitada pelo cotidiano violento das cidades. No conto, apreende-se a violência
de duas situações contrárias, mas convergentes: a do homem pobre e marginal e da mulher, pela
sua própria condição de mulher, ofendida pela macha do falocentrismo. Logo, duas realidades
cotidianas naufragadas pela desordem social. Nesse sentido, Coelho (2002, p.407) fala do
projeto literário de Maria Amélia Mello, destacando que: “a matéria-prima de sua poesia e
ficção é sempre o ser humano comum, irrealizado, perdido no cotidiano corrosivo das
megalópoles, prisioneiro da incomunicabilidade que fecha cada um em seu próprio e oculto
drama”. (COELHO, 2002, p. 407).
No projeto estético da autora, a incomunicabilidade surge como tessitura da própria
ambiguidade, da qual emerge toda a força poética da sua comunicação, mostrando que toda voz
silenciada se constrói em Flor de Cerrado pela sugestão cênica da palavra, metáfora sensual
dos próprios desejos. Aparecida Fontes (2017) chama atenção para a travessia entre o erótico e
a palavra poética, nos diz que: “enquanto o erotismo é metáfora da sexualidade, a poesia é
erotização da linguagem, a língua miserável e eterna. Uma linguagem em tensão: em extremo
de ser e em ser até o extremo.”
O caráter erótico da palavra em Flor de Cerrado é partícipe da própria ação erótica do
desejo, revelada, desse modo, pela metalinguagem, que urge em cada teia de significante, ao
falar de si, pela entonação das metáforas no texto narrativo, o significado. O desenrolar
metalinguístico do conto é percebido, sobretudo, pela natureza ambígua das conotações
poéticas reveladoras do conflito dramático entre os personagens. De acordo com Cañizal
(1996), é próprio da poesia a natureza ambígua da palavra, como também é próprio da
ambiguidade o traço poético. A trama poética percebida no enredo é parte da subversão dos
sentidos gerados na ambiguidade da violência cotidiana. Tal subversão aponta para a
consciência crítica da linguagem, que procura no seu processo a consciência crítica do mundo,
forjada por metáforas que traduzem um corpo (no nível da ação e da emoção) em coreografia
erótica, em um ato de resistência.
A encenação erótica do corpo na travessia figurativa da linguagem no conto, lembra o
que Deleuze (2008) nomeou de corpo cerimonial, construído por um disfarce que une o grotesco
ao gracioso, numa perspectiva do sublime, pelo qual o horror, neste caso, a violência, promove
a catarse.
O carro apoiava a perna dele na minha. E me batia uma vontade sem freios de beijar
ele todinho, lamber aquela fome toda, saquear todos aqueles assaltos em nome de
nada. Ele balançava o corpo contra o meu, metendo pela minha coxa. E avançava a
avenida do meu corpo, acelerando entre um vão e outro. (MELLO, 2009, p. 461)
Os signos escolhidos para falar do momento que se inicia a suposta relação de estupro,
a escritora Maria Amélia Mello, emprega palavras e construções frasais que lembram a
representação do movimento: carro, freio, velocidade, rua, avenida, assalto. Ela desloca o
sentido original utilizando, de modo metafórico para dar ritmo, forma e impacto ao leitor sobre
a relação sexual que se desenvolve em meio à rua escura, a abordagem de um assaltante. Para
a psicanalista Françoise Dolto, ela nos indaga sobre a possibilidade da linguagem dos corpos
ser um encontro entre duas pessoas ou esse encontro é regido pelo ímpeto da genética.
Esse fragmento dialoga com o conto tendo em vista que a personagem sem nome está
na condição de vulnerabilidade por ser uma mulher sozinha, em uma rua escura, esquisita, além
de está sendo assaltada. A partir desses eventos, inicia-se todo o desenlace para o sexo. No
enredo, o processo da metalinguagem é corroborado pela ambigüidade das ações, o assaltante
começa a relação em tom de ameaça: “num se move não, moça, esse bicho aqui num gosta de
conversa. Ele chove bala e fura seu corpinho todo” (MELLO, 2009, P. 460). No entanto, a
personagem feminina conduz toda a ação, como a narrativa mostra: “ganhava vantagem” sobre
o assaltante orientando, guiando para as veredas do seu desejo, sem que ele percebesse o real
interesse dela. A cada um estava acontecendo um rito diferente. Para ele se concretizava a
fantasia de estar com uma Grã-fina e para ela “a ameaça era mais uma tentação” (MELLO,
2009, P. 460). Segundo Alberoni (1988), questões como essa é um jogo da troca de papéis,
onde um mergulha na fantasia do outro. Eles entram em cena performando não com o outro,
mas com as fantasias que sustenta desse outro.
Diante do exposto retomamos o pensamento de Bataille (2014, p.40), no qual ele aponta
que “o domínio do erotismo é o domínio da violência, da violação”. O conto deixa bastante
visível o cenário da violência, bem como esses dois corpos violados nas suas interioridades. A
morte nos coloca diante dos seres descontínuos que somos, enquanto o erotismo reanima a
nossa continuidade, daí o embate entre personagens violentados na tessitura da vida, e
devolvidos a ela pelo processo da fantasia criadora do sexo.
Tendo em vista a análise do conto Flor de Cerrado, da escritora Maria Amélia Mello,
podemos perceber que a trama do erótico é a trama da própria linguagem, desvelando outras
faces das relações de poder entre gêneros e classes sociais diferentes. Por isso, tivemos o
interesse de recuperar os pressupostos psicanalíticos para analisar a construção da subjetividade
dos personagens, bem como, a composição da trama sexual. E entendermos o percurso da
metalinguagem na construção do erotismo no conto, além de explicar que a metalinguagem é
utilizada como recurso estético da literatura para provocar o estado lírico do texto erótico.
Referências Bibliográficas
BERNARDO, G. O livro da metaficção. Rio de Janeiro: Tinta Negra Bazar Editorial, 2010.
CAÑIZAL, Eduardo Peñuela. “Cinema e poesia”. In: O cinema do século. Rio de Janeiro:
Imago, 1996.
DURIGAN, j. A. Erotismo e literatura. São Paulo, editora: Ática. Série princípios, 1985.
FONTES, Maria Aparecida. Adélia Prado e a beleza dos corpos. Revista Graphos. João
Pessoa: UFPB/PPGL, 2017, v.19.
SANTOS, Enedir Silva & Grácia-Rodrigues, Kelcilene. Maria Amélia de Mello: a narrativa
feminina como resistência à ditadura militar. Revista Interdisciplinar. Universidade Federal
de Sergipe – UFS, jul./dez. 2015, Ano X, v.23
MODA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS SUAS INFLUÊNCIAS
NA MULHER CONTEMPORÂNEA
Resumo: Durante a Segunda Guerra, a imprensa fez um novo perfil físico-social da mulher,
personagem que desenvolveu papel ativo em tal período. Assim, o estudo foi realizado a partir
de pesquisas realizadas na França, com análises de revistas Marie Claire, arquivos do Museu
de Lyon, objetos da época, fotografias, e entrevistas de pessoas que viveram durante a época,
em que se descreveu a imagem socioeconômica da mulher desse período por meio do seu
vestuário. Até hoje são observados os resultados dessa época no inconsciente coletivo, em que
serão analisadas as influências exercidas, concluindo-se que a visão da imprensa do passado
moldou a imagem da mulher atual.
INTRODUÇÃO
Cada novo sistema visa mudar as configurações sociais a burguesia trouxe também uma
nova forma de moda. Uma moda além do seu conceito restrito de vestuário e este, em seu
conceito mais estrito de proteger. A moda como um padrão de conduta e consumo social,
derivado de modo ou maneira, um referencial para a diferenciação entre grupos sociais através
de uma estética característica de uma época. Apesar do artigo focar-se intensamente no
vestuário, não há como negar que a própria indumentária vai corresponder a padrões e
exigências socais da época.
Ao analisar o Díptico de Wilton98 (1395-99), pode-se observar a moda como fator de
distinção social. Existem quatro personagens na obra, os personagens podem ser distinguidos
através do vestuário. Além do tecido, muito bem detalhado pelo artista, destaca-se a figura de
um pé calçado (esquerda) e um pé descalço (esquerda). Esses detalhes demonstram com clareza,
na Idade Média, o papel da moda enquanto distinção social.
97
Atena Miranda é professora de arte da rede privada da cidade de João Pessoa. Master em Moda pela Université
de La Mode, Lyon, França e Bacharel em Comunicação Social pela UFPB. Membro do Grupo de Pesquisa em
Arte, Museus e Inclusão (GPAMI) e Mestranda do PPGAV da UFPB. Email: atenamiranda@gmail.com.
98
O quadro consiste em um pequeno retábulo com dois painéis que se abrem para a observação da imagem. Foi
pintado em têmpera sobre uma tela de 45,7 x 29,2cm, tendo sido produzido em 1395 ou mais tarde. Está hoje
na National Gallery em Londres.
Figura 1 – Díptico de Wilton
Fonte: https://www.nationalgallery.org.uk/paintings/english-or-french-the-wilton-diptych
Na França dos anos 1940 um acessório também foi um elemento de marcante distinção
social. Os chapéus e turbantes, foram muito utilizados pelas mulheres na França. Esse elemento
respondia a uma exigência social da época: aparentar higiene num momento em que, devido às
restrições, lavar os cabelos era algo difícil. As restrições impostas neste período já são bastante
intrigantes como objeto de estudo. Como a moda da época, que já seguia o conceito mais estrito
de objeto de luxo criado por Charles Worth, poderia se apresentar na escassez? A imprensa e
as revistas femininas empregam diversas soluções para ajudar suas leituras. De um jornal a
outro, em função da clientela, os conselhos variam (VEILLON, 2001, p. 96-98).
Para exemplificar esse questionamento e relacionar a mulher dos anos 1940 com a
mulher contemporânea, fora utilizado pesquisa documental, mais precisamente com a análise
das edições da revista Marie Claire publicadas na França entre 1939 a 1944 e das primeiras
edições de 2018. Além da base documental, fora realizada pesquisa bibliográfica.
A IMPRENSA DE MODA
A difusão da moda ao longo da história foi feita de diferentes modos. Através de figuras
marcantes da história, a exemplo de Éléonore de Habsbourg , esposa do rei da França François
I99, das pandoras100e das revistas de moda.
O Mercure Galant no século XVII, já registrava os estilos vestimentares da época, tanto
para o público feminino quanto para o público masculino. Posterioremente o Cabinet des Modes
99
O jovem rei lança na corte uma forte ideia de moda. Além do luxo dos tecidos e acessórios, dois elementos
mudam a silhueta feminina: crinolina (saia de armação) e o espartilho. GRAU, 1999, P.41
100
Bonecas vestidas com a última tendência de moda de Versailles e que circulam em toda a Europa. GRAU,
1999, P.55
por meio do contrato de assinatura, continua a ideia de moda para homens e para mulheres, traz
a descrição dos tecidos e uma publicidade sutil. A Revolução Francesa (1789-1799), muda o
cenário francês e atinge a moda censurando de forma implícita os exageros, pois estes estavam
relacionados as extravagancias dos monarcas com o dinheiro público.
Nesse sentindo, o jornal Journal des Dames et Modes, propõe uma revista ilustrada de
moda, no contexto pós-revolução, onde aparentar luxo e riqueza são provocações101. Apesar das
restrições sociais, a moda ainda continua a ser um elemento de distinção social a exemplo de
Joséphine de Bauharnais102. Na sequência surgem outras publicações que buscam se destacar
pela relação da Moda com outros domínios a exemplo da filosofia e literatura.
O Le Petit Echo de la Mode (1880-1983), um jornal semanal que abordava diversos
temas entre eles a Moda, foi de grande ajuda as donas de casa num período de crise econômica.
Em virtude das indenizações que a França pagava à Alemanha, por causa da Guerra da Prússia,
a situação econômica impôs medidas criativas que eram expostas neste jornal.
Em 1937, trazendo uma proposta de conteúdo semelhante ao Petit Echo de la Mode, a
revista Marie-Claire se destaca pelo seu conceito editorialista, uma mensagem direta e
espontânea, como uma grande amiga. Ao mesmo tempo estampa o luxo em sua capa com fotos
coloridas de modelos, algo inovador na impressa feminina. Com “rubricas” regulares sobre
moda: beleza e higiene, conselhos de família e viver bem, cartas de leitores, casa (decoração e
culinária), moda (vestuário e acessórios), leitura e publicidade, essa revista traduz de forma
ampla a Moda (maneira de viver) dos anos 1939 a 1944.
A guerra chega na França e traz uma nova organização econômica fazendo com que o
país “saia da abundância e entre na escassez organizada”. (VEILLON, 2001, p. 8) Além de
dinheiro é necessário possuir cartelas especificas de tickets para poder realizar qualquer
compra, desde alimentos até vestuário, sem esquecer o ticket para ração de animais. Essas novas
regras econômicas fizeram com que Paris, Capital da Moda e da Alta Costura, sofresse grave
impacto, consecutivamente, a moda mundial. Estilistas, costureiras, donas de casas, todos
tiverem o mesmo problema de escassez e cada um respondeu à sua maneira, dentro das suas
limitações. Essas respostas foram disseminadas e articuladas dentro do universo da Marie
101
SULLEROT, 1963, P.16
102
Primeira esposa de Napoleão Iº
Claire. Uma moda preocupada com aspectos estéticos, se adequada a nova silhueta da mulher,
reinventando e reutilizando materiais diversos.
Essa reinvenção, durante a Segunda Guerra Mundial, foi impulsionada pela imprensa
escrita. Esta, além de atualizar a população sobres os fatos que estavam ocorrendo, fora a
responsável pela construção e validação simbólica dos aspectos físicos e sociais da mulher,
personagem que desenvolveu papel importante no período de beligerância mundial. Através da
moda (vestuário/vestimentas), a imprensa (especialmente a francesa com a Revista Marie
Claire), que já tinha alcance internacional traçava um novo modo de vida que as mulheres
deveriam adotar em virtude do período de escassez vivenciado, validando e instruindo novas
formas de utilização e fabricação do vestuário de toda a família. A princípio, com um discurso
direcionando para a classe social mais alta, os consumidores de moda (vestuário) e não as
fabricantes (mulheres que costuram as suas roupas e da família), pouco a pouco, como os anos
de guerra, a moda e os discursos das revistas se tornaram mais uniforme. Afinal, a economia
estava em crise para todos.
Por meio das roupas, pode-se observar as modificações econômicas e sociais impostas
as mulheres. A calça, uma peça de vestuário ainda de uso restrito as mulheres, se impõe à
medida que aumentam o número de mulheres trabalhando nas fabricas. Sobre a utilização dessa
peça do vestuário, a revista Marie Claire registra nos seus 10 mandamentos da Parisiense 103: A
culotte104 só poderá ser usada para andar de bicicleta. Juntamente com as calças, os turbantes105,
se tornam um acessório importante a ser utilizado nas fabricas.
As calcas, além de proporcionar maior conforto e mobilidade, evitam acidentes de
trabalho como por exemplo uma saia presa em uma máquina. Os turbantes, evitam igualmente
acidentes e mantém os cabelos mais limpos, já que estes não estão em contato direto com a
poluição das fabricas. No entanto, a moda voltada para as mulheres que trabalham não vai ser
exibida de forma direta nas revistas Marie Claire. Será documentada por outros meios, ainda
assim, podemos observar um diálogo entre esses dois estilos de moda: moda para o trabalho e
moda do cotidiano, a exemplo do turbante e das restrições.
103
Marie-Claire, nº 246, junho 1942
104
Culotte uma peça de roupa feminina que se assemelha a uma saia longa mais que é uma calça.
105
O turbante, elemento que chegou na moda no começo do século XX, promove a praticidade para
as mulheres dos anos 1940. No contexto da guerra as mulheres utilizam o turbante nas usinas, para
proteger seus cabelos da sujeira e para esconder os cabelos mal arrumados. Podem utilizar para andar
de bicicleta sem correr o risco de voar da cabeça. E como o shampoo estava em racionamento, ele
servia para esconder os cabelos mal lavados e malcuidados.
Devido à falta de matéria prima, a França instituiu um sistema de tíquete 106 de
racionamento. Desde setembro de 1940, o pão e o macarrão são colocados em racionamento,
no outono de 1941quase todas commodity107 estão em cotas. Os franceses dividiam as categorias
em E (menos de 3 anos) e V (mais de 70 anos), passando pelo J (crianças, adolescentes) e A (21
à 70 anos) (VEILLON, 1995, p. 34). Esses tíquetes eram classificados por cores em função do
produto, por exemplo vermelho para o açúcar, marrom para carne, verde para o chá ou café.
Sua distribuição era feita de acordo com a necessidade estipulada para cada categoria, como
algumas citadas acima. Esse sistema que começou em 1940 continuou até a regularização da
produção, se estendendo pelos anos 1940 mesmo após o fim da guerra.
A restrição se estendeu até a moda. No começo do ano 1941 foram estabelecidos cartões
para compra de produtos têxteis e de sapatos. As causas dessa escassez vestimentaria são
variadas, sobretudo as requisições alemãs. (VEILLON, 2001, p.72). Enquanto cada pessoa tenta
organizar seu vestuário de acordo com o cenário apresentado, a imprensa e as revistas femininas
empregam soluções a fim de ajudar seus leitores. De um jornal a outro, em função da clientela,
os conselhos variam (VEILLON, 2001, p. 96-97).
A escassez modificou a moda e trouxe novos padrões exemplificados nas páginas da
Marie Claire. Para a costura, visando diminuir a utilização de material houve uma diminuição
106
Tíquetes categoria A, disponível em: https://www.nithart.com/images/rationne/guerre%2039-44/ration2.jpg
107
Produtos de base
no número de bolsos, pregas de roupas e botões. Novos materiais, tecidos sintéticos ou
semissintéticos são inseridos a exemplo do Nylon, Viscose, Raiom. Outras fibras, a exemplo de
pelos de cachorros, passam a ser utilizadas108.
Como conselho para contornar o frio nos pés, a Marie Claire nº 155 de fevereiro de 1940
explica como fazer uma chausette russe (meia russa), uma meia feita de enrolando um pedaço
de pano de uma forma específica no pé, que foi adaptada pelas pessoas e feita com jornal.
108
Marie Claire, nº 280, maio 1943
109
Sapato comum.
As soluções milagrosas mostram quanto a roupa, estreitamente ligada ao contexto, é um
fenômeno social. Elas traduzem um fato da sociedade: o grau de precariedade que chegou a
população francesa no espaço de alguns anos. (VEILLON, 2001, p. 101). Assim, novos hábitos
vão surgindo em função dessa adaptação. A imprensa de moda tem papel fundamental nesse
sentido: ajudam através de dicas a população a se adaptar, apresentam os novos tecidos,
difundem as melhores realizações dos costureiros.
A mulher comum e seu corpo atravessam as diversas mudanças impostas pelos novos
modelos sociais, mas a mulher que a moda usa como referencial, representa o padrão social.
Assim, as revistas femininas atuais ainda mantêm a estrutura de capa com foto colorida,
normalmente individual, com cenas elegantes, mulheres magras, esbeltas e em sua maioria,
brancas. Apesar da indústria cinematográfica dos Estados Unidos, nos anos seguintes a Segunda
Guerra Mundial, tentar quebrar esse estereótipo do corpo feminino francês no universo da moda
promovendo através de atrizes como Marilyn Monroe um corpo curvilíneo, a mulher slin ainda
é padrão seguido no universo da moda, ambição de várias mulheres, o que move dietas e um
mercado milionário por ano. Buscando exemplificar este padrão e elencar pontos de intersecção
e diferenciação, serão analisadas as capas das revistas Marie Claire edição francesa dos anos de
1939 a 1944 e as capas da Marie Claire edição francesa e edição brasileira dos meses janeiro,
fevereiro, março, abril, maio, junho, julho e agosto 2018.
Uma questão se impõe, quem é a mulher contemporânea? Traçar o perfil dela é
importante pois é ela quem vai consumir o mesmo discurso de 70 anos atrás. Uma análise dos
textos que circulam atualmente na mídia (em reportagens de revistas, por exemplo) mostra que
o estereótipo da mulher submissa foi substituído, em grande medida, pelo da mulher múltipla:
que trabalha fora, cuida da casa, dos filhos e do marido e, ainda assim, deve encontrar tempo
para cuidar de si, fazer cursos de aperfeiçoamento, manter cabelos e unhas impecáveis, praticar
exercícios físicos, balancear a dieta, etc. Pode-se mesmo dizer que o grau de exigência em
relação à mulher tornou-se maior no conjunto de discursos dominantes de nossa sociedade: se
antes a “mulher perfeita” era a que cuidava bem do lar e da família, hoje ela precisa se destacar
profissionalmente sem descuidar das questões anteriores e, ainda, ter um corpo de modelo
(MORAES, 2012, p.260).
Essa mulher múltipla, apesar de conseguir lidar à sua maneira com alto número de
tarefas e cobranças sociais, nem sempre ira conseguir atingir esse padrão de beleza universal, a
sensação de incompletude a tornará uma excelente consumidora de imagens (revistas). A revista
cumprindo um papel de materialização do sonho e deixando sua função inicial, que seria a
informação e diversão, para o último dos últimos planos. Podemos observar essa questão
comparando as publicidades dentro dessas revistas. Nos anos 1940 a foto servia como atração
para o discurso do produto. Hoje, a imagem já é o discurso. (Cabendo aqui um outro estudo
nesse aspecto.) Então como a mulher da Segunda Guerra Mundial influencia a mulher atual?
Essa mulher múltipla, intensificou sua atividade social durante os anos 1940. Com os
soldados na guerra, as mulheres assumiram os postes de trabalho antes destinados aos homens,
cabendo a elas também uma atividade econômica. Com isso, adaptaram seu vestuário. As saias
perderam o volume e foram encurtadas, cabendo perfeitamente no cenário de escassez e se
adequando ao novo ambiente das usinas. A calça, indumentária que causava estranheza vestida
por uma mulher, era aceitável com a justificava do novo modelo social.
As adaptações do vestuário trouxeram conforto e segurança no trabalho e na locomoção,
através de bicicletas. Essas modificações não vão ser destaque na capa das revistas dos anos
1940, tendo em vista o discurso patriarcal110 do editorial da revista. Enquanto esses detalhes
eram abordados de forma discreta no interior da Marie Claire dos anos 1940, a Marie Claire
contemporânea (2018) não apenas valida esses trajes tornando-os elegantes e expondo-os em
suas capas como também trocou seu de discurso. A situação social conduziu a mulher dos anos
1940 para uma vestimenta até então restrita aos homens, a calça (WALFORD, 2008, p.162).
Figura 5 - Marie-Claire Brasil, agosto 2018 Figura 6 - Marie-Claire França, janeiro 2018
110
As primeiras edições da revista Marie-Claire destacavam em sua capa que eram feitas por homens.
Enquanto a moda desse período se torna utilitária, ao adaptar-se a nova condição
socioeconômica, essa mesma situação vai reger os novos símbolos para a mesma. A moda
enquanto manifestação social representa, através de símbolos, o poder. Assim, em períodos de
crise econômicas e para aqueles de categoria social menos favorizada, a distinção social se dá
pela utilização de acessórios. (LAPORTE e WARQUET, 2010, p. 67). Esta prática, que parece
ser evidente desde a Segunda Guerra Mundial não possui uma representação significante na
amostra estudada de 2018. Ao contrário, parece haver um processo de “desacessorização” para
buscar uma imagem de elegância. Nas amostras Marie Claire do ano 2018 os acessórios se
apresentam mais como complemento de um todo do que um elemento de diferenciação.
Figura 7 - Marie-Claire Brasil, janeiro 2018 Figura 8 - Marie-Claire França, agosto 2018
Essa carência de acessórios não seria bem vista nos anos 1940. Nessa época, manter-se
elegante significava também manter um bom penteado para destacar o chapéu. O que nem
sempre era possível para todas, devido as novas condições da mulher na sociedade e a escassez
de toda sorte de produtos. Manter os cabelos limpos e arrumados era um grande esforço até
mesmo para as classes sociais mais abonadas. Enquanto os chapéus e seus diversos modelos
eram febre nas classes altas, a mulher comum se apropriava do modelo turbante (WALFORD,
2008, p.91). Esse modelo, raramente era posto em evidência, mais comumente encontrado nas
páginas internas das revistas. O turbante poderia ser modelo chapéu para as mais sofisticadas
ou feito com uma echarpe. Era indispensável para a mulher da época devido a sua praticidade,
ele não tinha facilidade de voar, utilizado pelas mulheres que trabalhavam em usinas e podia
disfarçar um cabelo malcuidado devido à falta de shampoo.
Figura 9 – Marie-Claire, setembro, 1943
Quanto aos chapéus, pequenos ou grandes, de mês em mês, eles impressionam pela
ousadia, decorado com flores, penas ou laços, continuam como complemento indispensável da
mulher elegante, bem como os acessórios: luvas, sombrinhas e bolsas. (VEILLON, 2001,
p.189). Nas amostras de Marie Claire (1939-1944) existem duas edições que a capa se difere
das demais não apenas pela edição, mas também pela ausência do chapéu. Na edição nº227 de
29 de novembro de 1941 a ausência do chapéu é preenchia por um elegante penteado, um brinco
e uma moldura. Na edição nº316 de 15 de julho 1944, a ausência de acessórios transcreve uma
mulher simples, o penteado trivial, mas arrumado denota certa elegância, o fundo verde e o galo
trazem um ar campestre. Esta edição nº316 foi a penúltima edição da Marie Claire France, ela
só retornará dez anos depois, em 1954.
O avanço da guerra e o racionamento se fez cada vez mais intenso forçando a todos a
utilizarem ou melhor, reutilizarem o que já tinham. Essa moda, guiada pela adaptação, permitiu
a afloração de ideias criativas e engenhosas por parte de mulheres comuns. Coube as revistas
de moda o papel de selecionar e difundir os melhores conselhos. Esse contexto de restrição
muda as expectativas sobre uma peça de roupa. Agora é o lado prático que supera todos os
outro. Enquanto a Marie Claire dos anos de guerra guarda no interior de suas páginas modelos
de roupas práticas e simples, conselhos para adaptar, costurar e reutilizar roupas, a Marie Claire
atual abre mão do luxo sem perder a elegância aposta numa capa que traduz o cotidiano da
mulher contemporânea e sua luta evidenciando esse novo posicionamento através de títulos
marcantes. Afinal, esta é uma grande diferença entre as capas da revista. Atualmente eles atraem
através das imagens e dos títulos111. Diferentemente das edições francesas dos anos 1939 a
1944, as edições francesas dos anos 1950 já começam a inserir títulos a exemplo da revista
concorrente da época, ELLE.
Quanto ao corpo, bem, esse corpo da mulher francesa não apareceu nesse período. Ele
é resultado da cultura europeia do século XIX. Mas então porque dizer que padrão corporal
feminino está relacionado a moda da Segunda Guerra Mundial? Uma série de fatores, entre
eles, a guerra promoveu uma globalização cultural intensa, o que nos vivenciamos hoje de
forma cotidiana através das novas comunicações. O século XIX através de pontos importantes
como a popularização da música, a invenção do telefone e do cinema, os automóveis, a
utilização da bicicleta pelas mulheres, enfim, uma serie de consequências da revolução
industrial, fez com que o esse século fosse marcado por uma aceleração dos fenômenos de moda
e uma multiplicação do padrão de silhuetas femininas.
A primeira parte do século XIX valoriza um corpo feminino de ancas largas e busto
volumoso através de uma cintura marcada abaixo dos seios. Por volta dos anos 1830, essa
cintura passa a ser marcada no seu lugar natural, no fim das costelas. Dez anos após, a cintura
é marcada e estendida até a região do púbis, modelando ainda mais o corpo feminino. Com o
estreitamente da crinolina, a cintura volta a subir nos anos 1860. Dez anos depois, a cintura,
marcada no seu lugar natural serve de apoio para destacar o volume no posterior. Esse jogo de
variação na altura das cinturas femininas segue variando nas décadas. No entanto, essa cintura
marcada exige cada vez mais da mulher. Essa exigência entra em vigência no cuidado com seu
corpo (Vigoureux-Loridon, 2006).
A moda agora impõe um corpo esguio que deve ser trabalhado conforme as exigências
da época. Assim, se a moda exigir volume, a roupas darão volume ao corpo, se exigir cintura,
a roupa delimitara. No novo século, a primeira guerra mundial registra o novo perfil da mulher
francesa, Garçonne. Essa moça rebelde era sensualizada pelos seus cabelos curtos, o cigarro na
boca, roupas leves e pelo abandono do espartilho deixando o corpo livre a roupa libertando esse
corpo não mais o marcava. Essa mulher não poderia ser qualquer uma. Ela precisaria de um
111
As revistas Marie-Claire desde sua primeira edição não utilizavam o título/letras em suas capas como recurso
para atrair o leitor. Esse posicionamento começará após o fim da guerra com a revista ELLE.
corpo magro para que o cabelo curto destacasse seu pescoço fino e as roupas retas escondessem
suas curvas. Algumas largam o espartilho mais comprimem os seios buscando uma silhueta
reta. Aos poucos, os anos 1930 reformulam as lingeries e abrem caminho para os anos de guerra.
Diferentemente do que se estava buscando, uma simplificação do vestuário feminino, esse
período tentar fantasiar através da ludicidade do vestuário e incrementar a carência vestimentar
por meio de acessórios.
CONCLUSÃO
A mulher dos anos 1940 tinha uma vida ativa, trabalhava em usinas, cuidava da casa, da
família, andava muito, a pé ou de bicicleta. Se alimenta de forma restrita. Tinha um ritmo forte
de vida, mas não vivia em um tempo tão acelerado como o século XXI, ganhou atribuições de
forma inesperadas e precisou se adaptar a este novo cenário. Com maestria adaptou não apenas
sua rotina, mas também sua apresentação social. O aspecto social dessa mulher múltipla do
século XXI é claramente identificável nas capas das edições do ano 2018 nas Marie Claire
France e Brasil. Mas o estereotipo corporal representado continua sendo o da mulher do século
XX.
Assim como na propaganda atual, a mensagem é transmitida pela imagem. O consumo
de imagens é uma pratica social respaldada pela mídia e tecnologia. Podemos observar que a
busca de padrões sociais é uma prática antiga, mas fortemente utilizada pela mulher
contemporânea. Não necessariamente pela representação dos valores que levam a uma distinção
social, mas pela busca de uma individualização, problemática da mulher contemporânea, sem
fugir dos padrões. A industrialização, a colonização, o desenvolvimento dos transportes, as
trocas comerciais e a mídia, o marketing de multinacionais do vestuário impõe interações
culturais que aumentam as semelhanças entre o vestuário de todo o planeta. (LAPORTE e
WAQUET,2010, p.71). Deixando evidente através da representação do corpo feminino nas
capas das revistas a existência de uma influência e uma interação da moda desse período
(1939/1944) de forma uniforme na contemporaneidade.
A partir da comparação entre os dois períodos, 1939-1945 e 2018, observa-se uma
semelhança de práticas de moda demonstradas nas revistas. A reutilização e a customização de
peças continuam a existir. O responsável pelo estilo de vestimenta da família ainda continua em
sua maior parte, a mulher. Antigamente como costureira e atualmente como compradora. Cabe
ainda a mulher a busca de tendências de moda, atualmente com o auxílio dos novos meios de
comunicação. A silhueta proposta na revista Marie Claire dos anos da Segunda Guerra, seguem
até a atualidade, demonstrando uma padronização estética continua. A relação da moda com os
acessórios se mantém, a bolsa sempre em destaque. A calça comprida, elemento do vestuário
que não era mencionado nas revistas de moda durante os anos 1939 a 1945, hoje evidente nas
capas da Marie Claire, demonstra uma igualdade no traje.
Com os novos espaços midiáticos, podemos nos questionar se a revista impressa ainda
se adequaria como fonte de pesquisa. Dessa forma, é pertinente observar os blogs de moda,
dadas proporções, uma revista eletrônica pessoal, se tornam uma fonte mais dinâmica e atraente.
No entanto, para observarmos a relação entre a mulher dos anos 1940 e a mulher atual, a
utilização da revista impressa como fonte é indispensável pois a mesma estamos lidando com
a mesma revista e anos de diferença, o que torna essa pesquisa ainda mais rica.
REFERÊNCIAS
WALFORD, Jonathan. Forties Fashion. New York: Thames & Hudson, 2008.
O ENSINO DE MÚSICA EAD POR MEIO DE TUTORIAIS ONLINE:
FORMAÇÃO DE INSTRUMENTISTAS
INTRODUÇÃO
Dentre os inúmeros avanços tecnológicos, testemunhamos nos últimos anos a criação
do iPhone e dos smartphones em geral; a evolução da tecnologia streaming que permitiu a
popularização de provedores online como a Netflix; a multiplicação de softwares e aplicativos
de comunicação como o Skype e o WhatsApp. Assim, é possível perceber que conforme
acessamos novas tecnologias, podemos alterar nossa forma de realizar algumas atividades. Por
exemplo, com um smartphone podemos ter acesso a calendários, agendas, relógios, mapas etc.
Tudo isso com apenas um toque de tela proporcionado pela tecnologia touch screen, fazendo
com que não tenhamos a necessidade direta de possuir esses utilitários isoladamente. Além
disso, temos notado a diminuição do número das locadoras de filme (MARAFON, 2015)
ocasionada pelo crescente número de assinantes da Netflix. Outro hábito quase extinto é o envio
de mensagens SMS (BENTES, 2014), com o Skype e WhatsApp oferecendo o serviço
gratuitamente, dificilmente recorremos ao envio de mensagens através das operadoras de
telefonia móvel.
Se as tecnologias contribuem para alterar a forma com que consumimos diversos
serviços, também entendemos que elas podem alterar a forma de nos relacionarmos com a
educação. Sobre isso, Westermman (2010) aponta mudanças ocorridas na EaD do século XX
aos dias de hoje devido aos avanços tecnológicos. Neste trabalho vamos nos deter ao ensino de
música na modalidade EaD contribuindo para a formação de instrumentistas.
O ensino de instrumentos musicais na modalidade EaD não é algo novo no Brasil
(WESTERMANN, 2010, p.149), todavia, devemos considerar que os avanços tecnológicos, os
avanços em inclusão digital, a portabilidade dos aparelhos eletrônicos (BELTRAME, 2014)
são fatores que têm alterado a forma de estruturar e de divulgar os cursos (WESTERMANN,
2010). Existe um número considerável de produções acadêmicas sobre esse assunto, vide:
Westermann (2010); Beltrame (2014); Monteiro (2011) Mendes e Braga (2007); Cernev
(2017); Duarte e Marins (2015); Júnior e Figueirôa (2015); Requião (2015); Cota (2015); Gohn
(2010) entre outros. No entanto, ainda precisamos nos aprofundar bastante nessa área de ensino
de instrumentos musicais por meio das TIC (COTA, 2015).
As mudanças causadas pelo acesso às tecnologias fazem com que os consumidores
atuais sejam diferentes dos consumidores de décadas passadas, e isto exige um posicionamento
diferente de quem pretende ter sucesso no mercado de trabalho112 (ROSA; CASAGRANDA;
SPINELLI, 2017), tanto em termos de estratégias de divulgação, quanto em preocupação
pedagógica com o aluno que aprende de forma cada vez mais autônoma e independente do
contato direto com o professor (JÚNIOR e FIGUEIRÔA, 2015).
Em relação a países desenvolvidos, o Brasil é muito carente no que diz respeito a
modalidade EaD (MENDES e BRAGA, 2007). Além disso, os profissionais em educação de
forma geral ainda não são capazes de aproveitar ao máximo as TIC, portanto, se os educadores
não a desfrutam de forma plena, dificulta para os educandos explorarem esses recursos de forma
efetiva. Com base nisso, como podemos configurar aulas na modalidade EaD aproveitando ao
máximo os recursos disponíveis? Como os recém-formados em música podem disseminar o
conteúdo a um maior número de pessoas e ter o retorno esperado pelo serviço prestado? Como
podemos atender as necessidades de alunos cada vez mais autônomos sem que eles
desenvolvam uma prática instrumental fragmentada?
Quanto aos objetivos deste trabalho, podemos dizer de forma geral que pretendemos
identificar a composição do cenário nacional do ensino de instrumentos musicais por meio de
tutoriais online. De forma específica pretendemos: analisar e catalogar os principais produtores
de tutoriais online dos respectivos instrumentos: teclado; bateria; contrabaixo; guitarra; violão
e saxofone; investigar a estruturação pedagógica e comercial dos principais produtores de
tutoriais online na área de instrumentos musicais; refletir sobre as interações sociais na
112
Falamos especificamente sobre o mercado de trabalho voltado para o ensino de música.
plataforma do YouTube entre produtores de tutoriais e seus seguidores; avaliar o impacto dos
tutoriais online no mercado de trabalho de ensino de música em escolas especializadas nas
cidades de Campina Grande e João Pessoa. Entretanto, o presente projeto de pesquisa foi muito
recentemente aceito no PPGM da UFPB, sendo assim, é possível que ajustes ocorram no
decorrer da pesquisa.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nos últimos anos a temática apresentada neste trabalho tem ganhado notoriedade no
meio acadêmico: Westermann (2010) traça um breve panorama histórico sobre o ensino de
música através da educação a distância; Beltrame (2014) busca conscientizar os alunos
licenciandos dos atuais comportamentos dos educandos influenciados pelas novas tecnologias;
Monteiro (2011) explana sobre a construção de conhecimento cultural através da plataforma do
YouTube; Mendes e Braga (2007) buscam problematizar questões referentes ao uso de
tecnologias para melhorar a estruturação de um curso EaD de violão; Cernev (2017) busca
discutir como licenciandos em música têm usado as mídias sociais para construir conhecimento;
Duarte e Marins (2015) discutem possibilidades de utilização dos aplicativos para tablets e
smartphones no ensino da música; Júnior e Figueirôa (2015) fazem uma adaptação de um curso
presencial de clarineta para a modalidade EaD; Requião (2015) trata do ensino de música EaD
como alternativa para capacitação de professores não especialistas em música; Cota (2015) faz
uma revisão bibliográfica parcial sobre artigos relacionados ao uso de tecnologia na Educação
Musical brasileira; Gohn (2010) aponta tendências na EaD relacionadas ao uso de sofwares
online.
As aulas de música na modalidade presencial apresentam um preocupante nível de
evasão, o que causa perdas de investimentos e prejuízos de forma geral (CAPUZZO, 2016,
p.58). Em contraponto a isso, nas tabelas que apresentaremos nos resultados deste trabalho,
percebemos um interesse significante pelo estudo de instrumentos musicais na modalidade
EaD, onde apenas na plataforma do YouTube, em nível nacional, é possível encontrar
22.221.500 resultados sobre o ensino de instrumentos musicais, especificamente, dos
instrumentos: violão, teclado, bateria, contrabaixo, guitarra, saxofone (ver as tabelas:
1;2;3;4;5;6). Um número bastante expressivo, principalmente se levarmos em consideração
que ainda não investigamos os conteúdos propagados pelos diversos sites e blogs.
Além do alto índice de evasão no ensino tradicional (CAPUZZO, 2016), do aumento
do interesse e da utilização do YouTube como ferramenta de estudo (MONTEIRO, 2011), das
limitações para os professores e instrumentistas do mercado local (COELHO, 2016;
COUTINHO, 2014), há uma ampla tendência à digitalização no mercado da música (SEBRAE,
2015). O que por si só já indica a necessidade de atualização tecnológicas dos profissionais em
música.
O YouTube, enquanto uma das nossas principais fontes de dados, possui mais de um
bilhão de usuários e é acessado por pelo menos um terço dos internautas de todo o mundo
(YOUTUBE, 2018). É uma plataforma que permite aos seus usuários fazer o upload de vídeos,
para isso eles precisam realizar uma inscrição no site e criar um canal próprio. No entanto, não
é possível estimar exatamente quantos canais existem no YouTube, muito menos saber quantos
canais estão produzindo vídeos frequentemente, pois muitos dados oficiais não são divulgados
(LEMOS, 2018). O que sabemos ao certo é que pelo menos 25% dos usuários do YouTube
postaram pelo menos um vídeo, mesmo sem a intenção de manter um canal. Como afirma,
Monteiro (2011), Westermann (2010), Gohn (2010), Duarte e Marins (2015), é possível
encontrar aulas de música no YouTube, pois muitos usuários tem postado livremente tutoriais
de diversos instrumentos na plataforma. Posteriormente, concentraremos nossas buscas à
informações relativas aos canais brasileiros que produzem conteúdo pedagógico voltado para a
formação de instrumentistas. Explicações complementares serão detalhadas na metodologia.
Com base no que foi exposto, entendemos a relevância de abordar o tema pelos
benefícios que a EaD pode proporcionar. Júnior e Figueirôa (2015, p.1) afirmam que a EaD “é
uma modalidade de ensino que democratiza o aprendizado, baseada no compartilhamento do
conhecimento e experiências ligadas aos temas propostos de forma colaborativa”. Desta forma,
o conhecimento não fica restrito exclusivamente ao ambiente da sala de aula, o que pode
proporcionar um maior acesso ao saber. Sendo assim:
Em nossas buscas por informações, sentimos falta de apoio estatístico que nos
auxiliassem a compreender melhor o fenômeno das aulas de instrumentos musicais na
modalidade EaD. Até mesmo no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE,
não encontramos dados suficientemente expressivos para expor neste trabalho. Monteiro (2011,
p.15) cita três universidades que possuem cursos de música na modalidade EaD, são elas a
Universidade Federal de São Carlos, a Universidade Nacional de Brasília e a Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Barros (2016, p. 51) aponta para uma tendência de produções
sobre o ensino de música EaD na formação docente, onde ele aponta vinte e sete produções
nessa temática, do ano de 2009 até o ano de 2014. Ainda é necessário ampliar essas discussões
sobre o ensino de música na modalidade EaD (COTA, 2015), principalmente em contextos não-
formais.
Num levantamento prévio no site do YouTube pudemos constatar que a guitarra é o
instrumento que apresenta o maior número de resultados em pesquisas relacionadas ao estudo.
Também observamos que o saxofone, apesar de ser apenas o terceiro maior em número de
resultados encontrados, é o instrumento com maior número de conteúdo elaborado por
professores, conforme destacado na tabela 3. Observe os dados a seguir:
METODOLOGIA
[...] cria condições concretas para que se possa captar os significados dos fenômenos
investigados. Assim como o pesquisador é um elemento importante no processo de
pesquisa, também o campo se destaca como determinante do conhecimento a ser
produzido (Tozoni-Reis, 2009, p.25).
113
Estamos pensando sobre a possibilidade do quali-quanti.
1.1 Levantamento bibliográfico - partindo das ideias dos respectivos autores: Westermann
(2010) e (2015); Beltrame (2014); Monteiro (2011); Mendes e Braga (2007); Cernev
(2017); Duarte e Martins (2015); Júnior e Figueirôa (2015); Requião (2015); Cota
(2015) e Gohn (2010). No decorrer da pesquisa será necessário ler mais obras dos
autores citados, além de buscar outras fontes. É importante para nós que a pesquisa
possa “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vista a torná-lo mais
explícito ou a construir hipóteses” (GERHADT e SILVEIRA, 2009, p.35).
1.2 Coleta de dados – entendemos esta etapa em nosso trabalho como “a busca por
informações ou elucidação do fenômeno ou fato que o pesquisador que desvendar”
(GERHADT e SILVEIRA, 2009, p.68). Para catalogar os principais produtores
brasileiros de EaD na área de instrumentos musicais, sobretudo aqueles que publicam
suas aulas na plataforma do YouTube, iremos utilizar a estratégia de pesquisar através
de palavras-chave, pois o sistema de postagem do site exige que todo usuário produtor
de vídeo escolha palavras-chave que o definam em categorias (SERRANO e PAIVA,
2008, p.6), além disso, a busca por palavras-chave é uma estratégia muito utilizada por
pesquisadores em “softwares especializados ou pela internet [...]” (OLIVEIRA, 2011,
p.66). Considerando essas informações, pesquisaremos termos como “aulas de sax”,
“tutorial de sax”, “professor de sax”, e “curso de sax online”. Vale esclarecer que os
instrumentos musicais foco da nossa pesquisa são os que mais se aproximam da
realidade das escolas especializadas locais, são eles: teclado; contrabaixo; bateria;
violão; guitarra; saxofone. Como não podemos estimar com clareza o número de canais
do YouTube voltados para o ensino de instrumentos musicais, selecionaremos os
canais mais relevantes, isto é, os canais com o maior número de inscritos e de
visualizações.
Se por um lado nossa pesquisa busca contribuir para uma ampliação do conhecimento
sobre o ensino de música na modalidade EaD tendo como objetivo a formação de
instrumentistas, por outro, buscamos também ampliar o conhecimento sobre o mercado
potencial do ensino de música nesta modalidade. Principalmente quando levamos em conta a
realidade do mercado de trabalho local das escolas especializadas no ensino de música.
Coutinho (2014, p.43) aponta que o mercado local é um tanto limitado para instrumentistas,
principalmente os de formação erudita. Coelho (2016) pondera que, apesar do objetivo da
Licenciatura em Música seja preparar o licenciado para a atuação em escolas na educação
básica, as práticas educacionais acontecem em ambientes múltiplos, não apenas nas escolas,
além do mais, muitos licenciados optam por outros nichos do mercado de trabalho, sem ser as
tradicionais salas de aula.
Com tudo que apresentamos, esperamos que ao final dessa pesquisa possamos
apresentar dados que auxilie a esquematização de diversos procedimentos metodológicos,
podendo ajudar os profissionais produtores de aulas de música EaD a conseguirem um retorno
positivo no mercado. Também temos a intenção de que este trabalho não beneficie apenas os
profissionais, mas também, estimule a comunidade acadêmica a olhar para as possibilidades de
ensino cada vez mais direcionadas para esse novo tipo de aluno.
REFERÊNCIAS
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como fonte primária para pesquisas históricas. Revista AEDOS, v. 3, n. 8. jun. 2011, 22p.
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COTA, Denis Martino. O uso das tecnologias instrumentais na educação musical: revisão
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EDUCAÇÃO MUSICAL. Anais... Disponível em:
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LEMOS, Marcos. Seu Canal no YouTube é minúsculo (ou: Qual o tamanho do YouTube?).
Disponível em: <http://www.ferramentasblog. com/canal-youtube-tamanho-do-youtube-
inscritos-no-canal/> Acesso em: 19 abr. 2018.
JÚNIOR, Josué Berto dos Santos; FIGUEIRÔA, Arthur de Souza. Instrumento de sopro na
modalidade a distância. In: XXII CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL. Anais...Disponível em:
<http://abemeducacaomusical.com.br/conferencias
/index.php/xxiicongresso/xxiicongresso/paper/viewFile/1275/487> Acesso em: 14 abr. 2018
MOYSÉS, Gerson Luís Russo; MOORI, Roberto Giro. Coleta de dados para a pesquisa
acadêmica: um estudo sobre a elaboração, a validação e a aplicação eletrônica de
questionário. In: XXVII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DA PRODUÇÃO.
A energia que move a produção: um diálogo sobre integração, projeto e sustentabilidade.
Anais... Disponível em: <abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2007_TR660483_9457.pdf>
Acesso em: 19 abr. 2018.
OLIVEIRA, Maxwell Ferreira de. Metodologia científica: uma manual para a realização de
pesquisas em Administração. Catalão: UFCG, 2011. 72 p.
SCHRAMM, Rodrigo. Ensino de Música a Distância e sua Premissa Tecnológica. In: NUNES,
Helena de Souza(Org.); OLIVEIRA, Adriano de Almeida [et al.]. EAD na formação de
professores de música: fundamentos e prospecções. v., Tubarão: Copiart, 2012.
TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Metodologia da Pesquisa.2. ed., Curitiba: IESDE
Brasil S.A., 2009. 136 p.
RESUMO: O presente trabalho trata do tema “O Ensino Religioso e suas contribuições para a
Educação Brasileira”. O objetivo central é apresentar a trajetória do ensino religioso e quais
contribuições este trouxe à Educação, sobretudo no Brasil, onde mesmo respaldado pela
legislação tem defensores e críticos das mais variadas ordens. A história da educação tem sua
origem voltada para atender às necessidades religiosas e políticas, logo, Política e Religião são
os dois pilares que erguem-na ao longo de sua jornada. É impossível dissociar uma coisa da
outra, ambas estão intrinsicamente ligadas desde seus primórdios e a Educação vem trazendo o
equilíbrio necessário entre elas para que de forma coerente, respeitando as diferenças existente
entre elas, possamos aprender com ambas e produzirmos uma sociedade mais justa.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino Religioso; Pedagogia; Escola.
INTRODUÇÃO
O trabalho aqui apresentado tem como objetivo geral propor reflexões sobre o Ensino
Religioso atentando para as contribuições que este tem trazido à Educação Brasileira,
analisando sua repercussão no contexto social.
O interesse pelo tema se deu por buscar entender melhor a relevância do Ensino
Religioso na Educação; uma vez que em nossa nação, especificamente, a igreja foi a
responsável pelo seu pontapé inicial, embora saibamos perfeitamente que esta atendia não aos
seus próprios interesses, e sim aos da Coroa Real Portuguesa. Por ter atuado também cerca de
duas décadas ininterruptas na área religiosa pude acompanhar o trabalho de homens e mulheres
que abnegados conseguiram educar e formar cidadãos conscientes com a contribuição do ensino
religioso, muitos deles não possuíam a formação de professores, no entanto eram excelentes
educadores. Para melhor compreendermos a atuação do Ensino Religioso faz-se necessário
entender a história da Pedagogia, o que abordaremos de forma bastante simplória dada a riqueza
de conteúdo que poderíamos aqui abordar e não o faremos pelo simples fato de não se tratar de
um trabalho extenso, mais de uma monografia.
Cambi (1999), esclarece que a Educação para se tornar a ciência que se tornou, precisou
passar gradativamente ao longo dos séculos por várias fases, construindo a tão nobre ciência
que podemos perceber hoje, e nesta mesma perspectiva estuda-la, analisá-la e minuciosamente
aprimorar não só a prática educativa como a didática e o currículo.
A pesquisa é de abordagem qualitativa, pois tratará entre outros assuntos, da qualidade
do Ensino Religioso proposto por igrejas, conventos e seminários de origem católica e
protestante e suas contribuições direta e/ou indireta à Educação Brasileira.
O tema é relevante pois, nos leva a uma análise aprofundada do ensino desde a
concepção de Paideia conforme aponta Cambi (1999), onde surgiram as primeiras práticas
educativas, passando pelo período veterotestamentário com a contribuição dos profetas e
sacerdotes responsáveis por “trabalhar” para Deus, sobretudo na educação, pois ensinavam as
leis de Deus e os códigos regimentares que norteavam o modus vivendi das congregações,
aldeias e impérios, chegando aos dias atuais onde já temos uma concepção de educação muito
bem elaborada e planejada dada as circunstâncias que norteiam o contexto educativo social
atual.
Os profetas ao denunciarem o pecado, segundo a Bíblia, denunciavam também as
injustiças sociais, muitas vezes ocasionada por ricos poderosos que cresciam oprimindo os
pobres, analisando a história cerca de oito séculos a.C., podemos ver profetas como Jeremias,
Isaias, Miquéias, Oseias e outros que aproveitavam toda oportunidade possível para ensinar ao
povo conceitos e valores que serviriam para norteá-los em sua trajetória histórica, para que a
partir daí pudessem viver de forma justa e irrepreensível, semelhantemente os sacerdotes,
homens vocacionados por Deus para fazer discípulos, encarregavam-se de ensinar e lembrar o
povo de seus valores não só espirituais, mais também civis e morais. É incrível perceber que a
palavra “discípulos” assim como “disciplina” possuem o mesmo radical “dis” de “discere” que
significa “aprender”. “A palavra disciplina vem do latim, disciplina “instrução”, “treinamento”.
A palavra discípulos, “aprendiz” está relacionada a ela. A forma verbal discere significa
aprender. Nossa palavra portuguesa “discípulo” que quer dizer “aprendiz” ou “seguidor”,
deriva-se dessa raiz latina”. (CHAMPLIN, 2014, p 178)
Com isso entendemos que o ensino religioso tem contribuído muito significativamente
para que a história das civilizações transponha as barreiras que lhes foram impostas pela
ignorância, tudo isso se dar com o papel do bom mestre que tem compromisso com a educação,
os verdadeiros educadores, aqueles que independente das dificuldades que enfrentam no seu
cotidiano, se comprometem com a arte de formar e transformar vidas. “Educadores, onde
estarão? Em que covas terão se escondido? Professores, há aos milhares. Mas o professor é
profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão;
é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança” (ALVES, 2015,
p 16).
O Ensino Religioso tem sido importante na construção histórica da educação Brasileira?
Quais os benefícios deixados pela escola para a sociedade, mediante o Ensino Religioso?
Como o professor de Ensino Religioso pode contribuir com a sociedade inserindo em seu
contexto, discussões afins em sua pratica educativa?
O trabalho tem como objetivo geral, analisar o Ensino Religioso na educação brasileira e suas
respectivas contribuições, e especificamente compreender como o Ensino Religioso pode
auxiliar na formação do cidadão, desenvolvendo não só seu conhecimento acerca do assunto,
como também aperfeiçoando o seu caráter, avaliando a predisposição de cada aluno ao lidar
com outros que tenham religiões diferente da sua e assim desenvolver a tolerância e o respeito
com o próximo e identificando as dificuldades de aceitação e possíveis intolerância quando
tratamos de assuntos religiosos em nossas escolas.
Partindo da perspectiva de que o Ensino Religioso não só foi importante na construção do
Brasil colônia, servindo-lhe de estrutura para a aculturação por parte da Coroa Real Portuguesa,
a escola hoje deve inseri-lo em seu currículo pedagógico afim de repassar a história e fazê-los
refletir sobre a importância do mesmo para desenvolver nos alunos, um pensamento crítico
quanto a tolerância, o respeito e a aceitação do outro, e assim nos ajudarmos como pessoas que
aprendem a conviver em sociedade, lembrando também que isso não pode ser feito de qualquer
maneira, é preciso pensar num currículo que contemple o aluno participante das aulas de Ensino
Religioso mais que também contemple, com outras atividades educativas, aqueles que não
participarão, já que segundo a LDB 9.394/96 em seu artigo trinta e três apresenta o Ensino
Religioso como matrícula facultativa, o que nos leva a pensar que muitos alunos não optarão
por participar deste, logo faz-se necessário pensar numa atividade que preencha essa lacuna no
período em que as aulas de Ensino Religioso estiverem sendo lecionadas.
O Ensino Religioso da época citada acima, tinha seus objetivos pautado pelo pensamento
católico europeu, religião imperial do momento, e visava fortalecer a coroa e não levar em conta
necessariamente as necessidades das pessoas. Ao contrário disso propomos um Ensino
Religioso voltado para as pessoas, pois é isso que apresenta-nos o sentido da palavra religião,
empatia pelo outro independentemente da fé que este apresente.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para esta pesquisa recorremos aos seguintes procedimentos metodológicos: pesquisa
bibliográficas a partir dos autores Franco Cambi (1999) com a obra “História da Pedagogia”;
Claudia Regina Benedetti; Hélcio de Paula Lanzoni e Viviane da Costa Lopes (2013) com a
obra “Fundamentos Sociológicos e Filosóficos da Educação” Módulo 2.2; Antonio Gilberto
(2014) com a obra “Manual da Escola Dominical” Edição histórica; Marcos Tuler (2010) com
a obra “Manual do Professor de Escola Dominical” Didática Aplicada à realidade do Ensino
cristão e Maria Judith Sucupira da Costa Lins (2004) com o artigo “Direito ao Ensino
Religioso”.
A obra de Cambi (1999), traça uma linha do tempo na história da Pedagogia, desde a
concepção de Paideia, passando pelo período veterotestamentário, a.C, ganhando forças
proporcionais no período neotestamentário, d.C até o seu estabelecimento como Ciência. Cambi
deixa claro que o Ensino Religioso foi primordial na construção da historiografia pedagógica.
A obra de Benedetti, Lanzone e Lopes (2013) elencam que a Sociologia e a Filosofia da
educação com sua fundamentação teórica e sua prática pedagógica ao longo da história trouxe
contribuições ímpares além de grande influência à grandes estudiosos como Psicólogos e
Filósofos de todas as épocas.
A obra de Gilberto (2014), esclarece de forma bem detalhada como surgiu a escola
Dominical sobretudo na instituição religiosa Assembleias de Deus no Brasil e como esta trouxe
para os templos boa parte do Ensino Religioso e como foi criado o CAPED (Curso de
Aperfeiçoamento de Professores da Escola Dominical), em 1974 preparando estes professores
para atuarem com responsabilidade nestas instituições.
A obra de Tuler (2010), apresenta o papel da Escola Dominical com seu currículo e método,
como uma escola como todas as outras, capaz de tornar conhecidos não só assuntos Bíblico-
Teológicos, como também conhecimento geral, visto que seus alunos encontram-se inseridos
no mesmo contexto social, assim a escola Dominical não só trabalha a fé das pessoas mais
também o seu conhecimento pessoal e cultural dada sua abrangência.
O artigo de Lins (2004), vem para assegurar que o Ensino Religioso é antes de tudo um
direito do aluno que pensa, que vive as diferenças da religião, Lins defende que é importante
que crianças e jovens recebam o Ensino Religioso nas escolas já que este tem se tornado um
tópico de relevante interesse à educadores de vários países.
METODOLOGIA
ENSINO E APRENDIZAGEM; UMA RESULTANTE DO PROCESSO EDUCATIVO
PROVENIENTE DA PAIDEIA
O termo Paidéia, associado a filosofia Platônica, traz a ideia de formação geral, ou seja,
contempla o homem como um todo, fala porém da educação que prepara o ser humano em todas
as áreas para a vida abrangendo o contexto ético, político, econômico, social e até espiritual.
Apoiado em Cambi (1999), no período neotestamentário temos a contribuição ímpar de Cristo
e do colégio apostólico que usaram uma pedagogia aplicada onde propunha-se um aprendizado
eficaz, o qual foi capaz de reunir multidões para aprender e apreender princípios e valores,
espirituais e sociais, como Pedro em Jerusalém, Paulo no aerópago de Atenas e João na igreja
de Éfeso, a maior da Ásia proconsular. Os assuntos ensinados por Cristo e seus apóstolos
inspiraram homens como Agostinho de Hipona que se destacou na história da pedagogia como
um ícone do ensino religioso. Ao longo dos séculos a teologia e a filosofia buscaram em santo
Agostinho uma forma de explicar o conhecimento metafísico fazendo com que o mesmo ficasse
conhecido como pai da teologia e um grande teórico da filosofia cristã.
Conforme Cambi (1999), no mundo antigo a vida educativa começa com os Sumérios e
os Semitas que por volta do terceiro século organizaram-se social e culturalmente na
Mesopotâmia, onde a educação já tinha objetivos bem elaborados, dentre eles podemos
destacar: O hábito de fundar cidades, cultivar grãos e o estabelecimento do poder político para
a formação da nobreza (Reis, Príncipes e Governadores), e religioso (sacerdotes e profetas). A
Educação acompanha os seguintes impérios: Egípcio, Assírio, Babilônico, Persa, Grego e
Romano. Seu apogeu, portanto se dar no império Grego onde a filosofia ganha destaque com
as escolas: Jônica, Eleia, Sofista, Atomista, Socrática, Platônica, Estoica, Neoplatônica,
Agostiniana, Tomista, Empirista e Racionalística114.
A influência das escolas gregas perduram até mesmo quando o Império Grego foi
definitivamente substituído pelo Romano (séc. VIII). Já no período medieval (do século V ao
século XV), a Educação junta-se a teologia com objetivos bem óbvios: colonizar e catequizar
as regiões “descobertas”, o império Romano expandia-se veementemente conquistando as
nações e dominando-as poderosamente e conta com o apoio dos jesuítas, companhia formada
pelo padre Inácio de Loyola que ao chegar no Brasil em 1549 já trazia um pensamento bem
definido sobre as nova terras, logo a Companhia de Jesus foi de particular importância para a
114
As escolas têm suas especificidades; porém, não é do escopo deste trabalho detalhar suas características.
Coroa, na preparação espiritual dos nativos para que pudessem receber, como uma terra fértil,
a nova cultura que lhes seriam imposta. Por isso, vale ressaltar que no Brasil a Educação foi
usada a serviço do império, deve ser por isso que em 1827, documentos complementares do
império mencionavam que o ensino da doutrina religiosa era um dos propósitos da escola,
juntamente com o ensino da leitura, da escrita, e das quatro operações (JUNQUEIRA, 2015).
A partir de 1890 com a forte influência do positivismo, o ensino religioso assumiu novas
perspectivas voltadas para os ideias positivistas e só na proclamação da República com a
formação de um estado laico, levando em consideração que a população nacional é constituída
por uma cultura heterogênea, começa-se a olhar e a compreender a diversidade com base no
pluralismo cultural religioso, levando-o a ser considerado, um país laico, essa ideia passa a ser
fortemente defendida com a Proclamação da República em 1989. Vale ressaltar que para os
pensadores que se preocupavam com a educação entre o século XIV e o advento da Revolução
Francesa em 1789, não seria possível pensar a educação sem a religião. A Igreja Católica era
responsável pela educação. Além disso, em todas as dimensões sociais era perceptível
elementos religiosos o que demonstrava ter a Igreja grande poder na imposição de
comportamentos e regulamentações da sociedade. Não acabaram-se por aí as influências da
Revolução Francesa no Brasil, a Constituição Republicana de 1891 instituiu, a separação
Estado-Igreja, definindo que não haveria uma religião oficial no Brasil e a responsabilidade
115
Plano e organização de estudos da companhia de Jesus.
sobre o ensino ficou a cargo do estado, até então a religião oficial do Brasil era o catolicismo
Romano. A presença da religião na escola nunca foi problema até aquele momento, antes da
revolução Francesa a escola era uma instituição religiosa, a Igreja administrava a educação e
ninguém questionava isso, entende-se que as mudanças que ocorreram neste cenário, inspirou-
se na revolução Francesa. “...à influência da Igreja sobre o espírito das crianças era preciso opor
a da escola pública, laica, gratuita e obrigatória. (...) ... esta escola da República não era
antirreligiosa, sua mora era a da Igreja revisitada pelo Kantianismo filosófico. (...)... essa escola
pretendia ser tão ‘sagrada’ quanto a Igreja; ela visava também fundar uma moral comum e uma
liberdade pessoal, ela situava-se, portanto, no mesmo plano universal que a igreja ao tentar
transformar fiéis em cidadãos” (DUBET, 2011, p.290).
Como resultados dos acordos entre a Igreja e o Estado, surgem decretos e artigos como
o decreto Independência da República de 30 de abril de 1931 o qual diz ser o ensino da religião
“facultativo de acordo com a confissão do aluno e dos interesses da família, sendo que a
organização dos programas e as escolhas dos livros ficam a cargo dos ministros dos respectivos
cultos” (OLIVEIRA et al., 2007, p.51-52).
Constantes artigos e decretos vão sendo criados para discutir de forma relevante o
Ensino Religioso e desta forma este vem se desenvolvendo junto a Educação como parte
fundamental desta, na elaboração de um currículo multidisciplinar, contemplando todas as áreas
da formação do cidadão como ser que pensa e se desenvolve de forma que não só sua fé, mas
também seu caráter é alcançado. “Visto que sua inserção em contexto global educacional tinha
como objetivo tornar as relações mais solidárias e participativas além de ajudar nas descobertas
de instrumentos eficazes para a compreensão e para as ações transformadoras da realidade
social, através dos valores fundamentais da vida” (JUNQUEIRA, 2015).
LDBEN 9.394/96
O Ensino Religioso está resguardado por Lei, e é a Lei de Diretrizes e Bases (LDB
9.394/96), que garante o Ensino Religioso aos alunos nas escolas públicas como direito
constitucional, no entanto esta lei trata a questão de forma sucinta nos deixando sem muita
opção na hora de elaborarmos um trabalho como este, todavia uma gama de autores, até maior
do que se imagina, já se debruçam sobre esta temática, permitindo-nos conhecer o que se pensa
sobre o assunto e como este está sendo discutido. Todavia vale ressaltar que a LDB em questão
poderia nos trazer maiores informações visto que é um documento legal e que rege sobre a
educação como um todo, um documentos dessa envergadura com dados atualizados, legislando
sobre a educação, vem como um divisor de águas, mostrando um novo rumo para a Educação
brasileira e consequentemente para o Ensino Religioso que sem dúvida, é um assunto de grande
relevância na educação, com isso asseguro minha crítica quanto a falta de conteúdo sobre o
Ensino Religioso que este documento apresenta.
O artigo 33º, parágrafo II, reza que o Ensino Religioso é interconfessional, resultante de
acordos entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do
respectivo programa. Podemos observar que assim sendo, teremos um problema de ordem
religiosa, pelo fato de que uma das coisas mais difíceis já vista, é acordos entre religiões. Isso
nos leva também as seguintes indagações: Quais professores seriam incumbidos desta
responsabilidade? Qual a religião destes professores? Pois assim como na educação, na religião
também não há neutralidade.
“Em 22 de julho de 1997, foi promulgada a Lei 9.475 (MEC,1997), que alterou o artigo
33 da LDBEN 9.394/96, retirando o enunciado “sendo oferecido, sem ônus para os cofres
públicos” e dando outros direcionamentos ao texto sobre o Ensino Religioso: foi mantida a
menção à matricula facultativa e acrescida a referência ao fato de o Ensino Religioso ser
horários normais das escolas públicas de Educação Básica e assegurando o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Foi
explicitado que caberia aos sistemas de ensino regulamentar os procedimentos para a definição
dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecer as normas para a habilitação e a admissão dos
professores.
Competiria também aos sistemas de ensino ouvirem entidades civil, constituídas pelas
diferentes denominações religiosas, para definição dos conteúdos do Ensino Religioso (MEC.
Lei 9.475 [22 de julho de 1997, que dá nova redação do artigo 33 da Lei (9.9394/96) de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional], 1997).
A Procuradoria Geral da República (PGR), propôs que o Supremo Tribunal Federal (STF,
2017), declarasse a neutralidade do Ensino Religioso, para a PGR, este deveria ser abordado
como história, abrangendo todas as religiões, e a partir daí, decidir que o Ensino Religioso
entrasse no currículo como disciplina obrigatória, logo todos os alunos deveriam participar das
aulas e conhecer todas as religiões, suas histórias e suas influências, todavia o STF não acatou
tal proposta, dez ministros votaram e teve um empate ficando para a presidente do Supremo, a
Ministra Carmem Lúcia, dar seu voto de minerva, com o voto da presidente o Ensino Religioso
passou a ser confessional com aplicabilidade nas escolas públicas, sem contudo esta modalidade
de ensino entrar para o currículo como obrigatório, apenas quem manifestar o desejo de
participar das aulas já que a constituição garante ser este facultativo. Sobre tais decisões resta-
nos a seguinte indagação: Não seria o Ensino Religioso, uma disciplina de cunho histórico onde
suas nuances deveriam ser estudadas como as demais disciplinas? A decisão do Supremo parece
não entender dessa forma, o que para os professores fica cada vez mais difícil debater sobre
estes assuntos, mesmo que de forma histórica, já que este debate poderia soar como irrelevante
e desnecessário, levando os alunos inclusive a não querer participar da discussão.
Não vejo com isso um descaso ou omissão sobre o assunto, mais a falta de uma discussão
mais apurada levando em conta o conhecimento histórico e a experiência dos educadores
brasileiros. Talvez medidas mais enérgicas deveriam ser tomadas quanto a esse assunto onde,
ou todos receberiam esta disciplina, ou a mesma não seria aplicada a ninguém, ficando este
assunto exclusivamente na responsabilidade das famílias. Quando a mesma apresenta-se como
facultativa podendo ou não o aluno optar por participar das aulas, outra interrogação surge: Que
tipo de atividade será desenvolvida com os alunos que optarem por não participar das aulas
naqueles momentos de horário letivo normal? Parece-nos que até o momento não houve
respostas a estas questões.
De acordo com Gilberto (2013), o Ensino Religioso, numa perspectiva Cristã evangélica
vem atender ás demandas missionárias, onde visa preparar pessoas para o domínio das
Escrituras e assim transmitir ensinamentos que servem para nortear o estilo de vidas de seus
fiéis. Durante muitos anos vários percalços surgiram para que este não tivesse sucesso, porém
no ano de 1974 na Assembleia de Deus em São Cristóvão no Rio de Janeiro, um grande evento
pedagógico é realizado com o objetivo de formar professores para atuar nas EBDs, Escolas
Bíblicas Dominicais, este evento ficou conhecido como: CAPED, Curso de Aperfeiçoamento
para Professores de Escola Dominical.
Todos os domingos fiéis de várias denominações se juntam nos templos para aprender
estes ensinos que tem como base a Bíblia Sagrada, que é tida como regra de fé e prática para a
maioria dos evangélicos, porém não só questões bíblicas são abordadas mais também questões
sociais de todos os níveis, até porque de acordo com o cristianismo o homem não é só um ser
espiritual e por isso deve ser contemplado em todas as áreas de sua “triconomia” ou
“tricotonomia”, corpo, alma e espírito.
Antonio Gilberto tem uma vasta experiência em educação dentro e fora das fronteiras
brasileiras, com mais de oitenta anos continua atuante no ensino sobretudo na formação do
formador. Embora a Escola Dominical recebesse a contribuição de 1974, a Escola Dominical
já estava presente no Brasil desde 19 de agosto de 1855 quando na ocasião um casal de médicos
escoceses, Robert e Sarah Kalley introduziram este ensino na cidade de Petrópolis no Rio de
Janeiro com o objetivo de ensinar as crianças a ler e escrever e a partir daí, facilitar o
aprendizado das Escrituras Sagradas, função esta que com o passar do tempo foi abandonada
pela igreja já que as escolas públicas se encarregaram da alfabetização. Várias mudanças
ocorreram no decorrer dos anos até que em 1974 acontece o grande bum do ensino cristão
evangélico no Brasil pelos organizadores do CAPED.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O trabalho aqui apresentado foi complementado com uma pesquisa de campo, através de
questionários. Nossa intenção com o questionário era avaliar e concluir a discussão sobre o
Ensino Religioso neste trabalho, por meio da opinião de professores que são também alunos do
curso de Pedagogia de uma universidade privada da Baixada Fluminense. As perguntas foram
elaboradas considerando as experiências destes professores ao longo de sua atuação na
educação.
Foram respondidos 20 questionários, todos por pessoas do sexo feminino, com idades entre
20 e 40 anos, com um tempo de atuação no magistério entre 3 e 10 anos.
Aqui cabe uma discussão sobre a importância desta modalidade de ensino, inclusive no
preparo destes professores para possivelmente atuarem com respaldo em suas salas de aula.
Na segunda questão quando perguntamos se esses professores quando alunos tiveram aulas
de Ensino Religioso e se estas aulas contribuíram para sua formação, dos 20 respondentes 12
responderam que não tiveram, 8 delas disseram que sim sendo que das 8, 4 alegaram não ter
estas aulas contribuído significativamente para sua formação e 4 disseram que as aulas de
Ensino Religioso fizeram delas pessoas melhores.
Na quarta questão perguntamos se como professor elas percebiam diferença nos alunos que
professavam algum tipo de fé e dos 20 respondentes, 10 disseram que não e 10 disseram que
sim e estas diferenças, segundo elas são percebidas no respeito que eles tem pelo próximo e na
facilidade de perdoar quando são ofendidos de alguma forma. Esta resposta complementa a
preocupação apresentada na terceira questão sobre o respeito à pessoa do outro.
Na quinta questão, quando perguntado se elas se achavam aptas para trabalhar Religião com
seus alunos, das 20, 19 disseram que não por falta de conhecimento do assunto, visto que
durante a formação pouco ou quase nada se falou sobre, deixando-as inaptas para esta função.
Aqui voltamos a discussão da primeira questão sobre o preparo destes professores, todas as
entrevistadas foram professoras em exercício e também alunas do curso de Pedagogia
demonstrando que não se acham preparadas para tal. Será que não seria esta uma razão para
agregar ao currículo do curso de Pedagogia este assunto de forma a contribuir com a formação
destes futuros pedagogos e por sua vez deixando-os aptos para trabalharem com seus alunos?
Na sexta questão, quando perguntado se elas achavam importante o Ensino Religioso está
previsto na Lei, dos 20 respondentes, 12 disseram que não por acharem que a religiosidade é
algo pessoal e que deve ser trabalhado pela família e 8 disseram que sim pois para elas seria
uma oportunidade de torna-los cidadãos melhores sem preconceito e tolerantes. Esta questão
corrobora com a terceira e a quarta questão onde a religião é vista como uma possibilidade de
conscientizá-los ao respeito e a tolerância religiosa.
Na sétima questão perguntamos: Se você lecionasse o Ensino Religioso que conteúdo você
trabalharia? Dos 20 respondentes, 7 disseram que trabalhariam a história das religiões levando
seus alunos ao conhecimento das religiões que fazem parte da nossa história e formação
cultural, 6 falaram que trabalhariam a questão do respeito ao próximo, ou seja, o Ensino
Religioso agregado aos valores, 4 disseram que falariam da Bíblia e da fé, o que nos leva a
acreditar que ocorreria um ensino tendencioso, o Ensino a serviço da religião e 2 não
responderam. Podemos observar pelas respostas ao questionário que o grupo de respondentes
aliam as suas opiniões com a necessidade de desenvolver melhor essa temática durante a sua
formação no Curso de Pedagogia. Isso nos faz entender que, um dos fatores primordiais para
que possamos trabalhar o Ensino Religioso com os alunos na sala de aula, é trabalharmos isso
antes na nossa formação com debates, seminários entre outros. Para que assim o pedagogo se
sinta no mínimo seguro para trabalhar com seus alunos.
CONCLUSÃO
Ao longo do referencial teórico, pude perceber que o Ensino Religioso é um dos meios
pelo qual os docentes com seus alunos podem construir e solidificar o conhecimento,
promovendo a necessidade de interagir entre si.
Conhecer a história da religião e o quanto sua contribuição é importante para a formação pessoal
do ser humano, é muito bom, saber que esta contribui significativamente com a educação, é
melhor ainda.
Durante esta pesquisa foi discutida e questionada a importância do papel do Ensino
Religioso na Educação. Pude perceber durante a pesquisa que o conhecimento sobre o assunto
ainda é algo muito distante da nossa realidade, pois quando se trata de religião no Brasil parece
estarmos transitando por caminhos perigosos e desnecessário.
Vale ressaltar que muitos professores quando surpreendidos com a responsabilidade de
ter que lecionar a disciplina de Ensino Religioso e sobre como trabalhar com elementos da
religião na escola, acabem criando suas próprias referências e concepções de acordo com o que
lhes parece convenientes, uma conveniência muitas vezes um tanto quanto perigosa, o que nos
indica que devemos o quanto antes trabalhar com nossos futuros professores esta questão tão
relevante e por meio da formação continuada trazer a discussão àqueles que já são professores
a fim de prepara-los para esta realidade. Caso contrário continuaremos com as dificuldades que
temos encontrado brasil a fora quanto a este assunto, dificuldades estas que faze alunos e
professores continuarem tão distantes desta temática, completamente avessos ao Ensino
Religioso, talvez seja pelo fato da religião no Brasil ser algo tão “político partidário” que faz as
pessoas acreditarem que ela não seja necessária. Desde o período em que o Ensino Religioso
estava a cargo da Companhia de Jesus, Societas Iesu116, a qual tinha compromissos com a Coroa
Real Portuguesa e não com o ser humano como de fato deveria ser, pois a verdadeira religião é
aquela que cuida das pessoas, que desenvolveu-se nos brasileiros esse sentimento avesso a
religião.
Um verso de Guerra Junqueiro (1885), que era um Realista, e que falava em nome da
camada popular, nos faz entender este sentimento. Talvez a muita corrupção, além dos
escândalos por parte de religiosos de vários seguimentos, tenha deixado as pessoas
desacreditadas do religioso como um todo, e por isso julgam-na desnecessária.
“Ó Jesuítas, vos sois dum faro tão astuto, Tendes tal corrupção e tal velhacaria, Que é
incrível até que o filho de Maria, Não seja inda velhaco e não seja corrupto, Andando há tanto
tempo em tão má companhia”.
Com tudo isso o Ensino Religioso passou a sofrer este descrédito com o “declínio” das
religiões ocasionadas por religiosos que de forma irresponsável conduziram esta parte tão rica
e tão sublime da nossa história. Sabemos que isso não justifica tal equívoco, mais com certeza
116
Companhia de Jesus
A ordem católica romana do clero regular, fundada por Santo Inácio de Loyola, em 1534, que está fortemente
comprometida com a educação, a bolsa de estudos teológicos, e trabalho missionário.
nos ajuda a entender um pouco o motivo que leva o Ensino Religioso a ser tão discutido nos
dias atuais e ao final de cada discussão observarmos que seu desfecho não chega a lugar
nenhum.
REFERÊNCIAS
CHAMPLIN, R.N., Ph. D. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Ed. Hagnos. São
Paulo. 2014.
RANQUETAT, César Jr. Religião em sala de aula: o ensino religioso nas escolas públicas
brasileiras. Revista Eletrônica de Ciências Sociais, São Paulo. N.1, p. 163 – 180. 2007.
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar um breve itinerário da formação religiosa do povo
brasileiro e a atual diversidade religiosa, tal formação passou por modelos catequéticos e
teológicos até chegar à atualidade, na qual vive uma celeuma. Por conseguinte, é apresentado a
relação entre a religião e o Brasil (país laico), com o propósito de entender como se dá o
contexto brasileiro de transformações do Ensino Religioso, o que é possibilitado através da
recuperação da história dessa disciplina.
Introdução
O Ensino Religioso (ER) é uma realidade no currículo das escolas públicas de ensino
fundamental no Brasil em conformidade com a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional em vigor. Alvo de muitos estudos e debates ao longo do tempo,
essa disciplina ainda hoje, se apresenta como um problema nas escolas, que envolve entre tantos
aspectos, a relação entre religião e educação e o caráter laico do Estado.
Nesse sentido, “o ensino religioso é mais do que aparenta ser, isto é, um componente
curricular em escolas. Por trás dele se oculta uma dialética entre secularização e laicidade no
interior de contextos históricos e culturais precisos” (CURY, 2004, p. 183). Assim, discutir o
ER que se apresenta nas escolas
públicas brasileiras em nossos dias e sua relação com o Estado laico, é antes de tudo, refletir
sobre o processo histórico que envolve esse ensino, a educação e a própria história do Brasil
que sinaliza essa relação intricada e polêmica.
O atual quadro brasileiro em relação à diversidade religiosa começou a ser formado com
a “descoberta” do país, na qual o “primeiro” ato cívico registrado foi a cerimônia religiosa euro-
cristã: a Missa, realizada para os indígenas na Bahia (KOURY, 2017). Dessa forma, o
117
Aluna do Programa de Iniciação Científica do Bacharelado em Direito na Universidade Católica de
Pernambuco. <caroljustino@icloud.com>
instrumento propagador do catolicismo torna-se a cultura lusa, ainda que, os indígenas e, em
seguida, os negros fossem maiorias no Brasil, esses só podiam expressar seus valores religiosos
através da fé Católica. Em última análise, cristianizá-los (índios e negros) significava
aportuguesá-los (AZZI, 1981).
Nesse contexto, a Igreja Católica desempenhou um papel fundamental na formação do
preconceito religioso em relação às religiões de matrizes africanas e indígenas. Isso porque a
Igreja era revestida de um espírito de superioridade por ser a religião oficial do território
brasileiro (1500-1889), o que influenciava, principalmente, em questões econômicas e políticas.
Assim, o projeto de aportuguesamento foi efetuado através da Catequese Católica, pois ela
serviu de apoio e justificativa para o projeto colonizador. Em geral, a Igreja esteve em serviço
da Coroa estando subserviente ao Estado Português (BITTENCOURT FILHO, 2003).
Por conseguinte, a maior convivência e o contato com outras crenças entre o índio, o
negro e o branco resultaram no choque/ divergências de crenças e no medo pelo desconhecido.
Nessa perspectiva, com os índios, nos aldeamentos e reduções, as primeiras alianças dos
religiosos foram com os pajés, até absorver deles toda a sabedoria do manuseio das ervas nativas
(desconhecidas para o mundo europeu). Mas, após os padres terem recebido os conhecimentos
dos nativos, iniciou-se o processo de: demonização e desmoralização de quem representava
para tribo a sabedoria local; e associação à bruxaria. Com os negros, não foi diferente, pois a
Catequese se resumia ao Batismo obrigatório e ao castigo exemplar; e suas religiões nem sequer
eram consideradas como tal, mas sim, como diversão, sendo depois rapidamente associadas ao
mal, à feitiçaria. Tamanhas atrocidades deixaram heranças como o preconceito, o racismo e a
desigualdade social (KOURY, 2017).
Assim, brevemente, foi explicitada a formação religiosa primária do povo brasileiro, o
qual se tornou católico por imposição. Foram esses cristãos que colocaram na formação do povo
brasileiro esse sentimento de ninguendade, esse desconhecimento do outro, essa negação de
qualquer relação com o transcendente que não fosse aquela mediada pela Igreja Católica
(LEITE, 2011).
Tal contexto histórico foi decisivo na formação do quadro atual do Brasil, pois segundo
o Censo feito pelo IBGE (2010), observou-se que: Católica Apostólica Romana (64,6%),
Evangélicas (22,2%), Espírita (2%), Umbanda e Candomblé (0,3%), sem religião (8%), outras
religiosidades (2,7%), de acordo com o Censo levantado pelo IBGE no ano de 2010. Na prática,
há um grande sincretismo e a vivência de múltiplas pertenças religiosas, mas, oficialmente, esse
é o relato a respeito das religiões mais praticadas no Brasil.
A religião no Brasil-Estado laico
A Lei n° 7.716 de 1989, conhecida como Lei de Caó, elevou atos de intolerância
religiosa à categoria de crime, passível de punição de um a três anos de reclusão e multa. Foi
revogada pela Lei 9.459 de 1997, determinando:
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça,
cor, etnia, religião ou procedência nacional (BRASIL, 1997).
Tal aparato de Declarações, Pactos, Convenções, Estatuto e Leis ratificam que o Estado
brasileiro é, em tese, neutro e imparcial. É importante ressaltar, que imparcial e neutro não
significa dizer que o Estado seja ateu ou ateísta, isso porque lhe é proibido firmar posição ou
tomar partido em relação a qualquer orientação religiosa. Tampouco laicidade se confunde com
laicismo, isto é, o Estado não é contra o pensamento religioso, dessa forma, o mesmo não almeja
diminuir ou erradicar a vida religiosa na esfera social (LEITE, 2011).
Contudo, a intolerância religiosa permanece viva em todos os ambientes, fundamentada,
em geral, pelo eurocentrismo cristão. Dessa forma, a formalização jurídico-constitucional do
Estado laico e da liberdade religiosa não tem assegurado, na prática, igual garantia a todas as
religiões. Tal prática consiste na não aceitação e reconhecimento étnico de um povo por um
grupo ou sociedade que não respeita a cresça, a cultura, os traços étnicos e as religiosidades
daqueles que são diferentes (SILVA, 2007).
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República recebe, no Disque
Direitos Humanos (100), muitas denúncias de intolerância e violência religiosa de diversas
partes do Brasil, e registrou-se que a maior parte dos crimes de intolerância são cometidos por
pessoas que se dizem religiosas e não por ateus (AMORIM, 2016). Tais denúncias se
caracterizam desde ofensas pessoais e contra a religiosidade, discriminação, agressão física,
ataques e destruição a locais sagrados. E há também o preconceito e a intolerância religiosa
contra as pessoas sem religião, agnósticas ou ateias.
Com efeito, no quadro atual, o Brasil tem experimentado graves ofensas ao Estado laico:
decretos municipais que tornam obrigatórias orações e leitura da Bíblia nas escolas públicas;
prefeitos que decretam a entrega das chaves da
cidade a Deus; parlamentares que instalam símbolos religiosos nas casas legislativas. Tais ações
demonstram que os agentes públicos possuem mais compromisso com sua crença pessoal do
que com valores republicanos e os direitos fundamentais dos cidadãos, o que, a rigor, vem
permitindo a institucionalização do racismo religioso e encorajando segregações e perseguições
praticadas “em nome de Deus” (LOREA, 2008).
As religiões afro-brasileiras são as principais vítimas dessa intolerância. Terreiros de
Umbanda e de Candomblé são os locais de culto das religiões de matriz africana. São, portanto,
tão sagrados quanto qualquer outro templo, de qualquer religião. E, no entanto, esses terreiros
têm sofrido constantes ataques em diversos pontos do Brasil. Objetos de cultos são destruídos,
seguidores de Umbanda e Candomblé chamados de “adoradores do diabo” e suas celebrações
e festas religiosas interrompidas, de forma desrespeitosa, por pessoas de outras religiões
(SILVA, 2007). Tais acontecimentos, além de outros, são frutos do mesmo processo de
tensionamento da laicidade do Estado.
É essencial ressaltar que intolerância religiosa reside também sob a Justiça, isso porque
há intolerância religiosa na Jurisprudência brasileira. Tal fato é evidenciado com as divergências
do Tribunal a respeito do tratamento da mesma questão: assédio moral no trabalho por
motivação de cunho religioso.
Em muitos casos, considera-se a questão como apenas um mero aborrecimento e não algo que
viola a integridade e a liberdade do indivíduo. Essa discrepância nas decisões faz com que fique
evidente a dificuldade do Judiciário no tratamento da questão e a urgente necessidade de
construção de padrões decisórios, com uso de técnica jurídica coerente para conferir a melhor
solução para o conflito religioso.
Desse modo, a liberdade religiosa como uma liberdade específica deve ser devidamente
reconhecida quando posta em risco em um conflito normativo, devendo ser avaliada a sua
dimensão jusfundamental pelo magistrado. O direito à liberdade de crença, culto e consciência
é uma das reivindicações mais antigas dos indivíduos, principalmente, diante do histórico
mundial de perseguições e atrocidades cometidas em nome de religião (GUIMARÃES, 2017).
Tal dispositivo legal garantiu o Ensino Religioso nas escolas, mas, de fato, houve a continuidade
do tratamento que viabiliza o crescimento da descriminação de caráter religiosa. É nesse contexto que
se construiu o arcabouço do cenário de crise de 1965: “o ensino religioso perdeu sua função catequética,
pois a escola descobre-se como instituição autônoma que se rege por seus próprios princípios e objetivos,
na área da cultura, do saber e da educação” (JUNQUEIRA, 2011).
Em 1988, foi promulgada uma nova Constituição, na qual houve grande cautela no processo de
redação da Lei de Diretrizes e Bases em relação ao Ensino Religioso a fim da construção da nova
concepção de ensino religioso, e termino da associação com a catequese. A LDB, em 1996, foi
sancionada pela Lei n°9.394, dispondo:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para
os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por
seus responsáveis, em caráter: I - confessional, de acordo com a opção religiosa do
aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos
preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou II -
interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se
responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa (LDB, 1934).
A expressão “sem ônus para os cofres públicos” suscitou bastantes discussões, todas embasadas
no argumento da “separação Estado e Igreja” (JAMIL CURY, 2004). Nesse contexto, foi aprovada no
Senado Federal a Lei n°9.475/1997 que diz respeito sobre Ensino Religioso, a qual dispõe:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os
sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso
e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas,
para a definição dos conteúdos do ensino religioso (BRASIL, 1997).
Considerações Finais:
Inicialmente, foi tratado sobre a formação religiosa primária do povo brasileiro, o qual se tornou
católico por imposição. Imposição que implicou na disposição dos dados quantitativos a respeito das
religiões mais praticadas no Brasil. Isso porque houve uma nítida discrepância entre cristãos e os adeptos
das demais religiões.
Por conseguinte, foi citado, brevemente, a evolução histórica dos dispositivos legais em defesa
dos Direitos Humanos em relação à liberdade religiosa. É necessário ressaltar que as melhoras já
alcançadas por meio da conquista da promulgação de textos legais ainda não é o suficiente, isso porque
ainda há um cenário vivo em relação a intolerância religiosa.
Por fim, tratou-se do cerne deste estudo: Ensino Religioso no Brasil. Para além da polêmica
dicotômica existente, no campo acadêmico, entre ser a favor ou contra a disciplina Ensino Religioso nas
escolas públicas, este texto viabiliza a compreensão da complexidade da questão e sinaliza que essa luta,
muitas vezes, deixa de perceber as relações interpessoais entre professores e alunos. Como portadores
de uma religiosidade, os professores levam esse elemento para sua relação profissional, para a troca com
alunos e para interpretação dos conteúdos abordados na disciplina por eles ministrada.
Ademais, é aconselhável que a problemática da questão religiosa seja tratada nos cursos de
formação de professores, mesmo daqueles que não trabalharão diretamente com a disciplina de Ensino
Religioso. A fim de que a reflexão sociológica sobre a interface entre religião/ religiosidade e educação
possa lhes promover uma liberdade reflexiva para uma prática docente mais responsável e mais
consciente. Além disso, essa formação diversifica os recursos pedagógicos para promover a tolerância
e o respeito à crença dos outros em momentos em que há conflitos em sala de aula, e nos mais diversos
ambientes de convivência social.
Referências Bibliográficas:
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/ abr. 2008.
INTRODUÇÃO
O presente artigo é fruto das pesquisas acerca do cotidiano das mulheres internas das Casas
de Caridade, mais especificamente a produção literária das Irmãs de Caridade, as quais viviam em
instituições educacionais organizadas pelo padre José Antônio de Maria Ibiapina, que instruía as
órfãs ao matrimônio, o que geralmente não acontecia nas instituições católicas do século XIX que
eram majoritariamente direcionadas à vida conventual. Destacamos as atividades realizadas pelas
educandas, diretamente influenciadas pelas instruções e ideologias de Ibiapina, a exemplo do
incentivo a escrita de poemas, peças teatrais e textos narrativos, divulgados pelo jornal A Voz da
Religião no Cariri, editado pelo próprio padre-mestre. Ao contrário disso, essas mulheres seriam
limitadas pelos seus superiores, uma vez que a viabilidade de publicação era dificultada pelas
questões da época (gênero e financeiro).
Com o avanço das pesquisas, verificamos a extensão de informações que existem sobre as
Casas de Caridade, sobre o padre Ibiapina e sobre todos os que estiveram direta ou indiretamente
ligados a ele durante sua jornada. Contudo, as pesquisas realizadas apontavam na direção de um
personagem mitificado, ilhado na sua experiência missionária, como se ela tivesse sido a única de
sua vida profissional e pessoal. Diante disso, nos desafiamos a buscar pelas influências intelectuais
de Ibiapina, como elas se processaram e qual era a sua rede de sociabilidade no Ceará, na Paraíba,
no Pernambuco e nos diversos lugares por onde transitou na sua juventude, período em que se
formou bacharel em Direito, advogou, foi político, professor e juiz. A partir disso, nos indagamos
até onde se estendeu sua ação missionária e como ela poderia ter ligações com o seu passado secular.
Resolvemos então observar as produções literárias produzidas pelas Irmãs de Caridade, com o
intuito de reconhecer nelas a interferência ideológica de Ibiapina.
Para tanto, iniciamos a investigação nas vinte e duas casas presente em cinco principais
províncias do Nordeste – Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí –, todas
mantidas pela arrecadação de esmolas feita pelos beatos ou a doação de homens e mulheres
influentes nas regiões onde funcionavam essas instituições. Inclusive, a terra e os imóveis onde se
localizava esse projeto foram frutos de concessões feitas ao padre Ibiapina, um homem que possuía
considerável rede de sociabilidades influentes, bem como projeção política e jurídica num período
que antecede a década de 1860.
Por sua vez, as mulheres que estavam ligadas as Casas de Caridade eram de origem pobre
e não vislumbravam oportunidades educacionais e/ou profissionais nas localidades em que viviam.
O interior nordestino no século XIX era carente de incentivo econômico e, de acordo com as
condições miseráveis em que estavam condenados os seus habitantes, a instrução intelectual não
aparecia como uma ferramenta necessária para sobrevivência. Além disso, a realidade apontava
para o patriarcalismo, onde massivamente os homens ocupavam os cargos dos afazeres públicos,
portanto, precisavam ter maior instrução, e as mulheres eram relegadas as tarefas privadas, que
preliminarmente não exigia a alfabetização ou qualquer outro conhecimento letrado.
Com o incentivo dessas casas parte das meninas órfãs que antes eram direcionadas aos
conventos, aos prostíbulos e até mesmo atingidas pela morte, puderam contar com oportunidade de
se alfabetizar, de se especializar em trabalhos manuais e a partir daí decidir entre o matrimônio
realizado e financiado por essas instituições ou permanecer na organização desses espaços, o qual
oferecia as atividades de professora, cozinheira, porteira, superiora, vice-superiora, inspetora,
zeladora, secretária, roupeira, enfermeira e corista. Além das meninas, as casas também recebiam
mulheres mais velhas para compor o quadro interno de atividades, que se renovava e passava a
comportar as próprias aprendizes.
O impulso e a expansão das obras do padre Ibiapina não obedeceu aos limites fronteiriços
das províncias do Nordeste, o que ocasionou impacto na vida de muitos pobres relegados pelos
projetos sociopolíticos do Império brasileiro. A chegada da educação – ferramenta encarada pelo
projeto das casas não somente pela dimensão escolar, mas principalmente pela formação e
emancipação humana – nessa região marginalizada, viabilizou a inserção social e econômica, ainda
que de forma tímida, de muitos sujeitos através dos conhecimentos adquiridos e das oportunidades
viabilizadas por intermédio do padre Ibiapina.
Em fins do século XIX, a consolidação das Casas de Caridade se dava, sobretudo, pelo
empenho de um conjunto amplo de mulheres que administravam essas instituições, limitando
significativamente o poder dos beatos em qualquer dimensão do projeto, seja interna ou
externamente. Por isso, os cargos institucionais eram ocupados em totalidade pelas irmãs da
caridade, as quais possuíam formação para cumprir os cargos a que estavam destinadas, assim como
emancipadas para fazer valer as suas autoridades diante da ameaça do modelo vigente da sociedade
e das regras oficiais da Igreja Católica.
Portanto, o perfil intelectual das Irmãs de Caridade pode ser analisado, entre outras coisas,
através das produções literárias que não só proporcionam reflexões estéticas acerca do texto, mas
amplia-se a observação em direção ao contexto, a linguagem, ao público e as influências que as
fizeram desenvolver essas obras (POCOCK, 2003). Nesse sentido, esses poemas-documento,
priorizados nas presentes análises, nos viabilizaram uma concepção diferenciada das beatas, as
quais ultrapassaram a esfera do sagrado, elemento próprio do ambiente em que estavam inseridas,
para a vivência literária corporificada do divino, ganhando publicidade por meio do já mencionado
jornal A Voz da Religião no Cariri.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A perspectiva geral que serve para as teorizações da tematização proposta está no
reconhecido protagonismo da religião como objeto de investigação histórica. A história das
religiões analisa as religiões quanto ao seu desenvolvimento histórico e variações, notadamente os
fatos religiosos, originalmente interessada pela origem e desenvolvimento das crenças e ideias
religiosas, buscando no estudo dos povos antigos a possibilidade de caracterizar a religião, no
singular.
Atualmente se tem evidenciado a necessidade de repensar o método, com a implicação
indissociável de uma clara problematização do objeto, que inclui a questão dos apriorismos e
reducionismos, as possibilidades/impossibilidades de descrições e compreensões valorativas, a
compreensão do significado das autonomias e singularidades da religião, e o significado social e
cultural da religião.
Definir religião é impossível fora das formas concretas de existência histórica nas quais se
manifestou, porque toda definição é aproximativa, exigindo uma descrição do homem em relação a
uma alteridade, permanecendo no debate a pergunta acerca do que seria esta alteridade, traduzindo
a relevância do saber histórico sobre as religiões.
Desde as iniciativas da Escola de Chicago, com os estudos de Joachim Walch (1929
passim), emergiu a compreensão de que a religião não estava cativa de formas culturais particulares,
mas afeitas a um substrato profundo de uma antropologia que busca um pretendido homus
religiosus, adotando uma tipologia das formas religiosas de caráter descritivo e paradigmático,
ainda operativa, depois acrescida de novas abordagens multidisciplinares que evidenciam a
totalidade do homem, na direção de uma leitura intra-religiosa, e, com a antropologia, propondo a
compreensão da religião em função da cultura (Geertz), subsumindo aportes filosóficos ou
teológicos, que buscam um entendimento da religião relacionado ao social.
Na contemporaneidade o estabelecimento de um estatuto epistemológico para religião
permanece em construção, em torno de fenômenos como a secularização, a esfera do privado, a
relativização, que não deixa de operar no binômio dessecularização/pública,
absolutização/fundamentalismo, sendo para muitos a religião, uma seção da história social ou
cultural.
A ampliação das exigências de não mais ignorar o fenômeno religioso em função de uma
manifesto e crescente significado existencial, social, cultural e político, expresso nas práticas sociais
e seus conflitos, onde a dimensão religiosa emerge constituindo-se em instrumento de ordenação
da realidade, enquanto, lugar, produto e fator ativo desta. Segundo Gomes,
A novidade da história cultural a partir dos anos 80 “está na onipresença, nos novos objetos,
nas novas problemáticas, nas novas abordagens para as antigas questões” (Ibid., p. 18). Todavia, as
especificidades do estudo da história das religiões ainda requerem que apontemos sua emergência.
METODOLOGIA
A pesquisa constituiu-se de análise documental, a qual aportou nos métodos consagrados
pela bibliografia para o seu devido tratamento. Para tanto, os procedimentos dividiram-se em
revisão bibliográfica, constituição de um corpus documental, classificação das fontes e, por fim, a
análise estética dos poemas, sem perder de vista o contexto histórico de sua autoria.
O primeiro momento constituiu-se da revisão bibliográfica, cujo objetivo era o de analisar
o perfil diferenciado do padre Ibiapina, a partir do seu trabalho missionário desenvolvido na
segunda metade do século XIX. Nesse sentido, estudamos inicialmente as biografias existentes
sobre esse personagem, que reafirmavam o lugar de líder religioso, desconsiderando as outras
inserções sociais, igualmente necessárias para a compreensão da sua militância, das suas ideias e
da sua projeção social. Em seguida, ampliamos o universo de leituras para o contexto em que esteve
inserido Ibiapina, isto é, o Nordeste oitocentista, lugar carente de iniciativas políticas para a
educação, a miséria, as mulheres, os órfãos, etc. Ao final dessa etapa iniciamos as leituras acerca
da História das Religiões, que conduziu as reflexões para o entendimento da Religião como uma
função da cultura, excluindo definitivamente a possibilidade de estudar o missionário apenas como
um fenômeno unicamente caridoso, construção identitária limitada, que adveio dos escritos
biográficos.
Além disso, investigamos a biografia das Irmãs da Caridade através dos escritos contidos
no jornal A Voz da Religião no Cariri, o qual publicou os poemas e as histórias de vida dessas
mulheres, e d’As Crônicas das Casas de Caridade, documento produzido pelas beatas
acompanhantes do padre Ibiapina durante as missões religiosas. Nesse relato foi possível destacar
as vivências com o padre-mestre, o itinerário nas diversas Casas de Caridade, bem como as
características presentes na escrita das irmãs-autora.
O segundo momento, a constituição de um corpus documental, correspondeu ao
recolhimento das fontes que apresentassem particularidades acerca do perfil intelectual, político e
religioso das beatas das Casas de Caridade. Isso fez com que nos debruçássemos principalmente
sobre os poemas das irmãs presentes no jornal A Voz da Religião no Cariri, o que originou uma
antologia poética de mais de 60 poemas entre os anos de 1869 e 1870.
O terceiro momento se compôs da classificação tipológica desses poemas, o que
corresponde a especificação da origem e da natureza dos documentos. A origem dos documentos
se deu pelo caráter público e a natureza em religiosa. Analisamos ainda as intenções das autoras
das fontes procurando identificar qual era o aparato simbólico em que estavam se apoiando, tendo
em vista que o contexto político era alicerçado na religião, mais especificamente o catolicismo. Isso
abriu para a necessidade de fixar paradigmas presentes interna e externamente aos documentos, ou
seja, buscar o entendimento desses produtos do tempo a partir da sua coerência, inclusividade e
plausabilidade, este último pensado a partir dos estudos de Berger (1985).
A última parte corresponde a análise estética dos poemas, sendo priorizados aspectos
temáticos relativos a devoção, redenção do eu lírico pelo Cristo-homem e a consumação do encontro
com o divino. Essas feições atribuem aos escritos características da literatura romântica, vivenciada
por elas no contexto educacional e histórico, além das influências do barroco, próprias da cultura
religiosa em que estavam inseridas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
As Irmãs de Caridade publicaram no jornal A Voz da Religião no Cariri entre os anos de
1868 a 1870, o que corresponde ao período em que esteve ativo e que ostentou uma coluna chamada
“Literatura”, um espaço disponível para a publicação literária de diversos colaboradores do jornal,
especificamente as mulheres. Com essa observação, foi possível coletar mais de 60 produções
literárias, as quais se dividem entre poesia e prosa, de estilo marcadamente barroco, embora com
fortes traços do romantismo em voga na época. Tendo em vista a dimensão desse artigo, optamos
por três poemas que sugerem de forma sintética e panorâmica as características que prevalecem na
antologia recolhida.
Assim como nos ensina Bourdieu (1996), não é possível compreender uma trajetória sem
que tenhamos antes esboçado antes os espaços e as relações dos indivíduos. Contudo, longe de
alinhar categoricamente as trajetórias das autoras desses poemas, encontramos informações sobre
Victoria Maria do Coração de Jesus e Seraphina, que domiciliaram nas Casas de Caridade das
cidades cearenses de Missão Velha e Crato, respectivamente. Elas dominaram as letras ao entrarem
em contato com as instruções do padre Ibiapina, o que as atribuiu um diferencial a mais: a
possibilidade de se inserirem na história dessas instituições por meio das próprias produções.
Victoria Maria do Coração de Jesus, embora tenha o mesmo nome da irmã que redigiu
páginas n’As Crônicas das Casas de Caridade, esta não acompanhou o padre Ibiapina nas suas
missões, uma vez que era irmã das letras na instituição em que morava. A sua contribuição deu-se
especificamente na educação, instruindo as meninas, ao mesmo tempo em que produziu poemas e
cânticos para as órfãs internas. Destacou-se por ter diversos poemas publicados no jornal A Voz da
Religião no Cariri.
Seraphina, irmã da casa do Crato, pôde ser reconhecida pelo perfil melancólico dos seus
poemas, fruto da educação recebida na instituição, isto é, instrução construída nas bases da caridade,
penitência e da cristandade (NASCIMENTO, 2009). Assinou alguns poemas com o pseudônimo de
Elias Sisnando da Cunha, sustentado justamente concomitante aos de própria autoria, mas que só
fora revelado nos últimos números do periódico.
O primeiro poema é datado de 13 de dezembro 1868, da autoria de Victoria, a qual
influenciada pelos preparativos natalinos, compunha juntamente com outros colaboradores, poemas
que frisassem o mês do nascimento o deus católico: Jesus Cristo. Na coluna “Literatura” dessa
edição, ela foi a única mulher a publicar, bem como a primeira, já que o jornal contava com poucos
meses de circulação. Segue abaixo o poema:
Estes três quartetos mantêm profundas relações com o tom da enunciação adotado pelo eu
lírico do poema analisado anteriormente. Assim como no poema passado, em Antes da santa
comunhão há uma constante divisão dos lugares ocupados tanto pelo eu que enuncia quanto pelo
eu ao qual o poema é destinado.
De um lado, as pobres criaturas, categoria na qual o próprio eu lírico se enquadra. De outro,
por sua vez, o Jesus, visto como um “doce Bem” e um “Doce amor” “muito desejado”. Esse
contraste bastante demarcado entre “criador” e “criatura” há tempos já vinha sendo elaborado na
historiografia literária brasileira.
Principalmente a escola barroca, estética marcada pelos contrastes entre o sagrado e o
profano, tão bem poetizados por Gregório de Matos, o Boca do Inferno, mantém relações com a
estética dos poemas não só de Victoria Maria do Coração de Jesus, mas também de diversas outras
mulheres que formavam as Casas de Caridade.
O auto rebaixamento do eu lírico, reflexo da auto flagelação, do auto silenciamento e da
demonização dos desejos e das potencialidades dos corpos femininos, se choca com a elevação
suprema do Cristo, que, só de aproximar-se de seus fiéis na forma de um rito sagrado, torna-se um
ser com o poder grandioso de transformação dos sujeitos crentes, retratados como pobres criaturas
famintas pelo amor divinal.
O terceiro poema é de autoria de Seraphina, com data de 24 de outubro de 1869.
Aparentemente sem temática previamente estabelecida pelos editores do jornal, essa produção se
diferencia tanto em questões estéticas como em termos contextuais, uma vez que a data não
corresponde a nenhuma celebração católica. Reconhecida historiograficamente pela publicação de
temas piedosos (NASCIMENTO, 2003), esse poema se apresenta como diferencial em relação aos
outros aqui apresentados. Segue abaixo:
DESEJOS 6º
Quando o sol se despede das aves,
1º Pois vão todas repouso tomar,
Oh! Guiai-me, meu DEUS, ao deserto! Solitária me veja nos bosques,
Quero lá minha vida findar! Escutando os grilinhos cantar!
Sofra embora o meu corpo inimigo
Vá minha alma convosco habitar. 7º
Quando a luz vem tão majestosa,
2º Com seus raios tão puros brilhar,
Oh! Meu DEUS, não permitas que eu morra Sinto na alma a mais doce ventura,
Sem que vá no deserto habitar! Só com Vós, ó meu DEUS, quero estar.
Quero lá nas sombrias montanhas,
Doce cântico a vós entoar! 8º
Que sim, que meu bendito
3º Como a Virgem, me queiram guardar;
Oh! Meu DEUS, quem não ama esta vida? Na montanha deserta que habite,
Doce vida no mundo sem par! Não me venha o demônio tentar.
Quem não ama esta vida tão bela,
Só com DEUS, nos desertos, passar? 9º
Assim quero, ó meu DEUS, no deserto
4º Minha pobre existência findar!
Quando a aurora bem doce raiando, Vá minha alma com doce esperança
Vem o sol com mais vivo esplendor Na Celeste morada habitar.
Ver as aves dos bosques, dos campos,
A louvar a seu DEUS criador! (Seraphina)
5º
Se é de Maio este tempo ditoso,
Eis o orvalho, com mais lindas cores,
Cobre a verde relvinha dos prados,
E a campina adornada de flores!
Diferentemente dos dois poemas analisados anteriormente, Desejos, de autoria da beata
também cearense, mais precisamente da cidade do Crato, Seraphina, é o que mais traz consigo uma
visão pessimista da vida no mundo. Diferentemente de Victoria, Seraphina não acredita ser possível
a redenção divina ainda em vida.
É justamente no encaminhar-se para a morte que o eu lírico de Desejos vê sua possível
redenção e seu descanso eterno. Somente com a morte de sua “pobre existência”, o eu lírico de
Desejos se vê capaz de consumar com seu “DEUS” a possibilidade de sua alma ocupar uma vaga na
“Celeste morada”. Ainda que já esteja perto da morte, o eu lírico ainda pede ao divino a possibilidade
de ir para um deserto.
Na narrativa bíblica, o deserto pode ser compreendido como um local de peregrinação,
através da história de Moisés e seus quarenta anos em busca da terra prometida, e de tentação, visto
que o próprio Cristo foi tentado por Satanás no deserto. Assim, o eu lírico ainda guarda o resto de
sua vitalidade para seus últimos dias no deserto, onde poderá estar a sós com seu “DEUS”, vencendo
tentações e o louvando sem cessar.
No poema, percebe-se a distinção bastante demarcada entre o corpo e a alma. O corpo porta
as mazelas do pecado, não é à toa que é adjetivado de “inimigo”. Por sua vez, a alma ocupará um
lugar na companhia do divino, ao conseguir, finalmente, após sua temporada no deserto, na
companhia e no fortalecimento de “DEUS”, usufruir da eternidade e poder descansar do fardo de sua
pobre humanidade.
CONCLUSÃO
As produções poéticas aqui analisadas correspondem ao produto da educação recebida pelas
irmãs nas Casas de Caridade, das quais resultou o contato com outros saberes, a exemplo das artes
cênicas, das literaturas e da música, componentes que as diferenciaram em relação a aprendizes de
outras instituições educacionais. Estas mulheres por entrarem em contato com as artes, em especial
a literatura, vide a inserção no jornal de texto de poetas consagrados como Bocage e a própria
influência estética nos escritos das beatas, oriundas de escolas literárias como o Barroco, fizeram
com que elas atuassem no contexto em que viviam, disseminando expressões apreendidas na devoção
ao sagrado que foram por aproximadas a realidade, de modo a corporificar as divindades masculinas
católicas.
Percebe-se que esses poemas podem ser lidos como textos porta-vozes das ideologias e
discursos disseminados nessas instituições. Sendo assim, os sujeitos-autores dos poemas em grande
parte reproduzem preceitos e valores cristãos, de modo a apropriarem-se das formas literárias para
difundir os ensinamentos referendados institucionalmente: de auto anulação do corpo, dos desejos e
da própria feminilidade.
Entretanto, nas entrelinhas dos textos recolhidos observam-se vozes que enunciam que aquele
contexto de reprodução de discursos fundamentados na narrativa cristã também demarcavam as
consequências da interdição sexual, corporal e ideológica naqueles sujeitos-autores. Tanto é que as
beatas escritoras se auto definiam como um “corpo inimigo”, “pobres criaturas”, “aflitas”, “corações
em chamas ardentes”, entre outros.
REFERÊNCIAS
Fontes
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O ESTRESSE EM ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO: A
IMPORTÂNCIA DE COMPREENDER PARA PREVENIR
1 INTRODUÇÃO
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Problemas escolares e familiares são comuns nessa etapa da vida. Segundo Aysan
(2001), a ansiedade diante de situações de avaliação acadêmica como testes e provas pode tornar-
se uma importante fonte de estresse para os adolescentes, principalmente quando o desempenho
influencia oportunidades futuras relacionadas à vida profissional. Durante a adolescência, o
indivíduo pode se deparar com situações para as quais ainda não apresenta um repertório de
estratégias consolidado.
À medida que o sujeito vai se desenvolvendo, novas tarefas vão surgindo, exigindo
diferentes habilidades e estratégias de enfrentamento para que consiga dar conta dessa demanda.
Portanto, durante a adolescência, quando o indivíduo não consegue flexibilizar as estratégias para
enfrentar tais situações, pode envolver-se em comportamentos de risco na tentativa de conseguir
lidar com esses acontecimentos (Scandrolio e cols., 2002).
O desrespeito às diferenças individuais dos alunos, a desconsideração de suas
expectativas, seus anseios e medos, a falta de estimulação, as regras oscilantes que não são
colocadas de forma clara e uniforme, bem como posturas muito divergentes e cobranças
desnecessárias também contribuem para o aparecimento do estresse no aluno.
O espaço físico é outro ponto importante a ser avaliado, pois este pode não ser adequado
em decorrência de salas pequenas, pouco aconchegantes, mal iluminadas, pouco ventiladas e com
acústica ruim. A falta de espaço suficiente para esportes, para o contato com a natureza, bem
como o material pedagógico também podem não estar adequados e causar estresse aos jovens.
Outro fator a ser considerado é o professor, pois o comportamento e as atitudes destes
na sua relação com o aluno são fundamentais, pois, segundo Patto (2000), o professor pode
projetar nos alunos seus próprios complexos, dificuldades emocionais, conjugais, sociais,
repetindo com seus alunos suas próprias experiências de uma educação equivocada ou sofrida.
Isto pode causar confusão no aluno no processo de aprendizagem e a escola pode passar a ser
uma fonte geradora de estresse. Witter (2002) ratifica esta influência afirmando que o estresse
do professor contribui em grande parte para o estresse do aluno.
Segundo Witter (2002), professores estressados podem gerar ou intensificar o estresse
do aluno, levá-lo a ansiedade, reduzir a motivação, prejudicar a qualidade e o resultado do ensino,
ampliar as ocorrências de agressão na escola, entre outros aspectos negativos. Isso gera um
ambiente desagradável, que por sua vez, intensifica o estresse do professor, formando um círculo
vicioso.
Lipp, Arantes, Buriti e Witzig (2002), a partir de levantamento realizado demonstram
que as queixas mais freqüentes com relação aos professores são: professores nervosos, grito de
professor, impaciência e falta de conversa com os alunos, instruções confusas, nunca dizer que o
trabalho está bom, não conhecer os alunos direito, não deixar os alunos contarem os problemas
de casa, tarefas em excesso, criar competição demais entre os colegas e ser desorganizado.
Diversas outras situações são consideradas por Tricoli (2004) como eventos comuns na
instituição escolar que podem contribuir para o aparecimento do estresse, são elas: situação de
prova e de falar em público, medo de ser rejeitado ou não ter bom desempenho nos esportes, as
críticas, preconceitos e possíveis rejeições de colegas e professoras, além da falta de
intercâmbio entre a família e a escola. Por outro lado, fontes internas de estresse também
podem estar relacionadas a esse ambiente, como as interpretações que o adolescente dá aos
acontecimentos e experiências que ela vivência com relação as suas notas, bem como a forma de
tratamento recebida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo o que foi abordado faz-se necessário compreender o quanto as mudanças
ocorridas na adolescência, seja orgânica ou emocional, afetam no comportamento e na maneira
de percepção do mundo pelos adolescentes. Faz-se imprescindível que, sobretudo a escola
conheça e trabalhe com os fatores de estresse que poderão vir a afetar o estudante. A prevenção
neste caso é essencial para o alívio do estresse e como forma de evitar uma futura depressão.
Assim sendo, o contexto escolar merece atenção especial quando se considera o estresse
na adolescência, tanto como agente estressor, quanto como um local onde se manifestam as
consequências deste estresse.
REFERÊNCIAS
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Dissertação de Mestrado. João Pessoa, Paraíba, 2003.
RESUMO: Neste trabalho analisamos as ações realizadas por Padre Ibiapina na região Nordeste
durante o século XIX. José Antônio de Maria Ibiapina nasceu em Sobral (CE). Atuou na política
e advocacia e aos 47 anos de idade tornou-se sacerdote, peregrinando pelos sertões do Nordeste
e empreendendo ações que visavam melhorar a qualidade de vida nos lugares por onde passava,
construindo açudes, cemitérios, capelas e casas de caridade. Padre Ibiapina destaca-se como
símbolo de um catolicismo voltado para as necessidades do povo, minimizando as dificuldades
e sofrimentos da população carente do sertão nordestino.
INTRODUÇÃO
José Antônio de Maria Ibiapina, o Padre Ibiapina (1806-1883), nasceu em Sobral (CE),
foi deputado, advogado e juiz de direito. Aos 47 anos abandona a vida civil e se torna padre
peregrino nos sertões do Nordeste evangelizando, promovendo ações socioeducativas e
colaborando e construindo açudes, cemitérios, capelas, cacimbas, igrejas e casas de caridade.
As missões mobilizavam as populações por meio de rituais religiosos e mutirões de
trabalho organizados para a execução das construções. Essas ações, permeadas pela caridade
cristã, socorriam os sertanejos minimizando as dificuldades emergentes ao mesmo tempo em que
executava ideais de civismo e produtividade. O período de atuação missionária de Ibiapina é
marcado pela miserabilidade e flagelo social ocasionados por sucessivas secas.
As casas de caridade figuram como suas principais obras e congregavam um ideal de vida
à ser seguido pelas acolhidas pautado na orientação para a moralização, trabalho, noções de
civilidade, disciplina e educação doméstica. Durante seu itinerário de peregrinação foram
construídas vinte e duas casas de caridade no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
Neste trabalho analisamos a importância do catolicismo popular de Padre Ibiapina que se
manifestou nas missões empreendidas na região Nordeste, destacando como principal símbolo a
construção das casas de caridade.
121
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001
122
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN. E-mail: gillopes2000@hotmail.com
Como referencial teórico trabalhamos com a História Cultural, que apresenta
contribuições nas pesquisas que dão ênfase à socialização da cultura e destacam uma abrangência
de temas relacionados à linguagem, às representações e às práticas culturais, entre elas as
educacionais, realizadas pelos seres humanos em relação uns com os outros e em sua relação
com o mundo.
Nos apropriamos da compreensão de História Sociocultural que, segundo Burke (2008),
apresenta contribuições para a História Cultural e Social, e sofre influencias da junção dessas
duas vertentes historiográficas, como é o caso de nosso trabalho onde investigamos o processo
histórico e cultural empreendido por Padre Ibiapina e suas contribuições no campo social e
educativo no sertão nordestino.
Como procedimento metodológico realizamos levantamento bibliográfico e de fontes. Os
textos fundantes são trabalhos de pesquisadores da vida e obras do Padre Ibiapina, como
Carvalho (2008), Comblin (2011), Hoornaert (1981) e Mariz (1980), e material acadêmico. As
fontes e documentos que utilizamos, a exemplo do Estatuto das Casas de Caridade, são
provenientes do Santuário de Santa Fé, espaço localizado em Solânea (PB), construído por Padre
Ibiapina no final do século XIX.
Padre Ibiapina: uma vida marcada por ações públicas e pelas missões itinerantes
José Antônio Pereira Ibiapina nasceu em Sobral (Ceará) no dia 06 de agosto de 1806. Foi
o terceiro filho de Francisco Miguel Pereira e Thereza Maria de Jesus. Teve sete irmãos. Segundo
biógrafos, seu pai teria passado um período na Serra de Ibiapaba dedicando-se à agricultura e à
educação de crianças. Da temporada nessa região é que teria se derivado o diminutivo Ibiapina
ao nome da família. Em 1816 o pai de Ibiapina foi nomeado escrivão da vila de Icó, importante
entreposto comercial no interior do Ceará. Nessa vila, Ibiapina e seus irmão mais velhos são
matriculados na escola primária do professor José Felipe. O menino destacava-se como uma
criança inteligente e também recebia acompanhamento vocacional do vigário da Vila, Padre
Domingos da Mota Teixeira, que acreditava na sua vocação sacerdotal.
No ano de 1819 o pai foi nomeado tabelião vitalício da comarca do Crato (CE) e com a
mudança os estudos de Ibiapina foram interrompidos, dando continuidade apenas à catequese e
aulas de latim na Vila de Jardim. Depois que seu pai perdeu o protetor político na Vila, em 1823,
a família se muda para Fortaleza. Nesse mesmo ano o menino segue para o seminário de Olinda
(PE) e ocorre o falecimento de sua mãe. Depois desse fato ele retorna para o Ceará.
O pai de Ibiapina enfrenta problemas por estar envolvido politicamente na Confederação
do Equador, tendo seus bens confiscados. Seu irmão mais velho, Alexandre Raimundo pereira
Ibiapina, também envolvido no levante político, é preso. O pai é condenado a fuzilamento, que
ocorre no dia 07 de maio de 1825, e o irmão enviado para a Ilha de Fernando de Noronha, onde
faleceu. (NASCIMENTO, 2009).
Diante da situação da família, Ibiapina, que havia retomado os estudos em Olinda,
interrompe-os e retorna ao Ceará para amparar os irmãos órfãos. Devido à precariedade da
família, recebem auxílios de amigos paternos. Em 1828 ele retorna para o seminário e leva as
irmãs mais novas, Ana e Maria José, abrigando-as no Recolhimento Nossa Senhora da Glória.
Ibiapina se matricula no curso de Direito e por uma incompatibilidade de horários entre o
seminário e o curso opta pelo segundo, formando-se bacharel em 9 de outubro de 1832, aos 26
anos de idade. Dada a dedicação na defesa da tese “a Comissão Avaliadora solicita sua nomeação
para o cargo de lente substituto de uma das cadeiras para assumir já no semestre seguinte”.
(BEZERRA, 2010, p. 106).
Com o título de bacharel, Ibiapina retorna ao Ceará e se programa para lecionar em
Pernambuco no ano seguinte. Na sua terra, concorre às eleições para deputado federal e na mesma
época fica noivo de Carolina Clarense. O casamento é marcado para o ano seguinte. Em 1833 ele
está em Olinda lecionando Direito Natural e fica sabendo que foi eleito como deputado mais
votado para representar o Ceará na Assembleia Legislativa Nacional no período de 1834-1837.
Ao final do ano letivo retorna ao Ceará para casar com Carolina. Chegando em Fortaleza
descobre que a noiva fugiu para casar com um primo. Segundo alguns de seus biógrafos, esse
fato teria causado grande frustração e desilusão em Ibiapina e a partir daí nunca mais ele voltaria
a falar em casamento.
Depois da desilusão amorosa, viaja ao Rio para assumir o cargo de deputado. Durante os
trabalhos, fica sabendo da nomeação para o cargo de juiz de Direito e chefe de polícia da Comarca
de Campo Maior (atual Quixeramobim/CE), cargos que assumiu entre 1834 e 1835. Contudo,
Ibiapina não permaneceu muito tempo como político e nem como juiz ou chefe de polícia pois
deparou-se com dificuldades no desempenho de suas funções “dadas as práticas retrógradas de
resolução dos problemas da justiça onde trabalhou, decorrente dos desmandos das oligarquias
locais, dos donos de engenhos”. (BEZERRA, 2010, p. 108).
Atua no Recife como advogado, mas também abandona o cargo, desfazendo-se de seus
bens e passando a morar num sítio nos arredores da cidade vivendo numa espécie de retiro que
durou três anos, dedicando-se à vida espiritual e ao tratamento da asma. Vende o sítio e vai morar
no centro do Recife, época em que passa a frequentar o Convento da Penha, dos frades
Capuchinhos. Depois do período de reclusão e meditação, Ibiapina, contando com quase 47 anos
de idade, decide ordenar-se padre e recebe o presbiterato no dia 03 de julho de 1853, num
processo ocorrido em menos de um mês, sendo dispensado do processo protocolar vigente.
Ficou na sede da Diocese atuando como professor do Seminário de Olinda e Vigário
Geral. Em 1855 se consagra a Nossa Senhora e substitui o sobrenome Pereira por Maria,
assinando como José Antônio de Maria Ibiapina. Três anos depois inicia missões itinerantes
percorrendo o interior das províncias do Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco e
Paraíba. Padre Ibiapina depara-se com o sertão nordestino marcado por sucessivas secas, pelas
dificuldades de comunicação com outras regiões e com a pouca importância econômica que lhe
era atribuída pela Corte.
Esses e outros fatores determinaram o isolamento da região, dificultaram o processo de
ocupação e acabaram fundando uma sociedade com características distintas em relação ao litoral.
De acordo com Bezerra (2010, p. 93), no contexto político e econômico fraco e sem fortes reações
“o Nordeste passou a ser identificado como região problema, símbolo de atraso, e as próprias
elites da região restringiram-se a apoiar grupos do Sul que estavam em franca luta pelo poder
nacional”.
As missões de Ibiapina ocorreram entre os anos de 1856 e 1875, mobilizando a população
dos lugares por onde passava para a construção de igrejas, capelas, hospitais, açudes, cacimbas,
cisternas, barragens, cemitérios, cruzeiros e casas de caridade. A ação do missionário era marcada
pela organização de mutirões contando com a participação das próprias comunidades, levando
conforto com suas palavras e atenção. As missões mostravam-se como um alento e diminuíam o
sofrimento da população por meio da fé, da caridade e do trabalho.
Em lugares insalubres e com poucas perspectivas de melhorias de qualidade de vida,
Padre Ibiapina voltou-se para o atendimento aos pobres, movido pela caridade cristã, mas ao
mesmo tempo preocupado com o atendimento moral, econômico e social dos miseráveis. Suas
missões eram marcadas por princípios e rituais da ética religiosa cristã, embasadas na civilidade
e moralidade pública, mas também congregavam as pessoas para colaborarem nas construções
desempenhando aspectos importantes de produtividade. (NASCIMENTO, 2009).
As missões empreendidas por Ibiapina na região Nordeste não eram inéditas. Outros
sacerdotes ligados à congregações religiosas europeias, como os capuchinhos, desenvolviam
trabalhos religiosos em espaços distantes das capitais. Contudo, o diferencial presente na obra
missionária de Ibiapina pode ser destacado pelo alcance e a dimensão das ações que desenvolveu,
percorrendo sozinho cinco províncias nordestinas, e pela prática evangélica do seu trabalho que
agregava os fatores religiosos de conversão aos aspectos de produtividade.
As incursões de Ibiapina pelos sertões tinham a finalidade de construir “uma obra de
assistência e educação, a fim de curar o operário e preparar para fins domésticos a mulher pobre
dos sertões”, mostrando-se “profundamente preocupado em combater a ociosidade, a
negligencia, os vícios e os crimes” (MARIZ, 1980).
Nas regiões distantes da Corte, a realidade socioeconômica da população constituiu um
motivo para a criação de um vínculo forte com o catolicismo popular nas celebrações místicas e
no apego aos santos. Nesse contexto, destacavam-se figuras como Padre Ibiapina, Antônio
Conselheiro e Padre Cícero, que congregavam grande aglomerado de pessoas em nome da fé
salvacionista, marcada pela prática de romarias e construções pelo interior do país, como afirma
Andrade (2002, p. 153):
Foi nas regiões mais interioranas ou nos sertões para onde era mais difícil atrair
os clérigos que mais se disseminou o catolicismo popular ou rural. De fato, a
situação de penúria de padres em certas regiões do país favoreceu o
desenvolvimento de um catolicismo menos ortodoxo com a participação ativa
dos leigos e beatos que investiam principalmente na criação de santuários
domésticos e na organização de romarias para esses santuários.
De modo geral, as propostas de assistência empreendidas pelo Padre são evidenciadas nas
diversas construções que transformavam a vida das comunidades por onde ele passava, porém,
as ações socioeducativas, que também faziam parte de suas missões, encontram sentido no
funcionamento das casas de caridade.
Padre Ibiapina construiu vinte e duas casas de caridade nas províncias de Pernambuco,
Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. As primeiras no ano de 1860, em Gravatá do Jaburú (PE),
e Santa Luzia do Mossoró (RN). As instituições destinavam-se ao acolhimento de meninas
enjeitadas, órfãs e moças pobres.
Bezerra (2010, p. 153), destaca que a preocupação em educar moças pobres e órfãs vinha
desde o século XVIII “com a criação de instituições voltadas para educação e proteção das
mulheres a fim de evitar que estas buscassem meios de sobrevivência nas ruas”. Na Bahia havia
sido criada a Ordem das Reformadas de Nossa Senhora da Conceição, que educava moralmente
as chamadas mulheres equivocadas. No Rio de Janeiro a Irmandade da Misericórdia acolhia e
educava meninas e no Recife havia a Casa dos Expostos e Colégio das Órfãs.
Enquanto essas comunidades aceitavam meninas e moças brancas, educadas para se
tornarem mestras de colégios, as casas de caridade de Ibiapina não apresentam relatos de
educação diferenciada considerando a cor ou situação social das acolhidas. Pesquisadores da obra
de Ibiapina afirmam que ele preconizou uma ordem formativa igualitária na medida em que teria
optado “pelo pobre”. (SILVA, 1986, p. 75). Além disso, as casas de caridade ibiapinianas foram
construídas distante dos grandes centros urbanos, atendendo as carências imediatas das mulheres
sertanejas.
As irmãs da caridade davam instrução às moças e acompanhavam os momentos de
oração. Quando as acolhidas atingiam a idade de casar, um procurador escolhia um rapaz
honesto, bom, cristão e trabalhador. Feita a escolha, os jovens eram apresentados e se os dois se
agradassem o casamento era realizado por conta da casa. No período em que estavam na
instituição as jovens recebiam ensinamentos de primeiras letras, flores, labirintos e bordados.
Esse modelo de educação tinha a preocupação de prepara-las para desempenhar funções próprias
do lar, adquirindo habilidades características ao modelo de mulher, esposa e mãe. (PINHEIRO,
1997).
O estatuto e o regimento interno que regulavam o funcionamento das instituições foi
redigido pelo próprio Padre Ibiapina. O trabalho, a educação, oração e o lazer, seguiam o controle
e a vigilância do regimento previsto pelo Padre que acompanhava as outras instituições a partir
da Casa de Caridade de Santa Fé, em Solânea (PB), comunicando-se com as irmãs Superioras de
outras casas por cartas. As instituições também poderiam receber pensionistas, moças de elite
das regiões onde as casas funcionavam, que muitas vezes eram colocadas pelos pais para receber
a mesma educação das órfãs e meninas pobres, sem regalias ou privilégios.
O estatuto expressa uma organização clara da divisão do trabalho e do controle do que se
produzia na instituição. Estava pautado pelos momentos de fé, oração e a prática da caridade e
de um rígido cumprimento à estrutura hierárquica presente nas casas, principalmente, na figura
da superiora que mantinha grande controle sobre as internas, sabendo quem se negava ao trabalho
e quem cumpria bem o seu dever. Ela contava com o auxílio de um conselho das mulheres mais
prudentes e discretas para deliberar sobre os meios de corrigir os maus costumes e ajudar no
controle do trabalho e cumprimento das tarefas, corrigindo possíveis problemas. (SILVA, 2015).
O regulamento interno definia o cotidiano das casas, marcando o horário de acordar e se
recolher, os rituais de comportamento, o asseio matinal, os horários das refeições e o
direcionamento das orações e das tarefas de trabalho e de estudos. Numa das partes das casas
funcionava a escola de letras, espaço onde as internas aprendiam a ler, escrever, contar, costurar,
bordar, fazer labirinto e outras tarefas que se julgavam necessárias para a educação completa de
uma mulher.
O processo de decadência das Casas de Caridade começou poucos anos depois do
falecimento de Padre Ibiapina, que ocorreu em 19 de fevereiro de 1883 na pequena casa onde
morava, construída vizinho à Casa de Caridade de Santa Fé, em Solânea/PB. O missionário
passou sete anos sofrendo de asma e outras complicações. Nos dois últimos anos de vida, período
em que seu estado de saúde se tornou crítico, ele já estava preso a uma rústica cadeira de rodas
ou no próprio leito. Almeida (2014, p. 42), aponta alguns fatores que contribuíram para o
desaparecimento das casas de caridade:
Podemos citar três elementos decisivos para a comunidade das beatas do Padre
Ibiapina paulatinamente ir desaparecendo: a circunstância dele não ter conferido
à sua comunidade um estatuto “jurídico” que lhe garantisse a sobrevivência após
a morte do fundador; a falta de interesse por parte de muitos vigários; e a
ausência de simpatia por parte dos bispos posteriores pela forma de vida religiosa
das beatas. Pois apesar da Igreja respeitar o sacerdote e seus colaboradores
jamais concordou em ver à frente de suas missões após a sua morte, as mulheres
leigas da região.
Freyre (2000, p. 769), acredita que a continuidade das casas de caridade teria dado ao
catolicismo social brasileiro “um vigor como que telúrico; uma base francamente brasileira à sua
ação sem prejuízo nenhum da ortodoxia romana dos dogmas e dos ritos”.
CONSIDERAÇÕES
A vida e a obra de Padre Ibiapina, marcadas pela atuação na vida pública e posteriormente
nas missões evangelizadoras, estão permeadas por fatos importantes que contribuíram com o
desenvolvimento dos sertões da região Nordeste, diminuindo o sofrimento de um povo que
enfrentava mazelas socioeconômicas, provocadas por constantes secas, pelo abandono e o
descaso do poder público e o flagelo da miséria. Suas práticas e ações eram marcadas por
finalidades pautadas na evangelização e no fortalecimento do espírito dos sertanejos e levava
esperanças por meio da fé e da caridade. Colaborava com hábitos de civilidade e auxílio mútuo
encontrando ocupações para o povo nos mutirões para a construção de açudes, cacimbas,
estradas, cemitérios e casas de caridade, entre outras obras que melhoravam a qualidade de vida
e amenizavam o sofrimento da população.
As casas de caridade construídas por Ibiapina abrigavam meninas e moças pobres e órfãs,
funcionando a partir de um ideário socioeducativo baseado num estatuto e regimento interno
elaborados pelo Padre, marcados por regras que visavam incutir nas internas hábitos de
civilidade, amor, fé e caridade, além do gosto pelo trabalho e uma educação com foco nas
primeiras letras e prendas domésticas.
As obras destacadas neste trabalho denotam a importância do catolicismo popular
vivenciado por Padre Ibiapina no Nordeste imperial. Nessa região marcada por adversidades e
dificuldades à época, é inegável que as missões evangelizadores e ações socioeducativas
empreendidas por Ibiapina mostraram-se como um alento e uma prova de amor evangélico no
sentido cristão mais pleno e que colaboraram, mesmo que por pouco tempo, com a qualidade de
vida da população carente, levando não só auxílio espiritual e material, mas também
demonstrando preocupação e respeito pelo povo. Talvez por isso, a presença do Padre Ibiapina
ainda seja tão forte na memória de muitos dos lugares por onde ele passou.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BURKE, P. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
HOORNAERT, E. Crônica das Casas de Caridade fundadas pelo Padre Ibiapina. São Paulo:
Ed. Loyola, 1981.
SILVA, S. V. (Org.). A Igreja e a questão agrária no Nordeste: subsídios históricos. São Paulo:
Edições Paulinas, 1986.
O MITO DA CRIAÇÃO DO HOMEM: AS RAÇAS EM HESÍODO E
OVÍDIO
RESUMO
Em Trabalhos e dias, Hesíodo apresenta o cotidiano dos mortais mostrando diretrizes de como proceder
na vida. Dentre as narrativas, o poeta descreve o surgimento dos homens passando por cinco raças: ouro,
prata, bronze, heróis e ferro. Por outro lado, o poeta latino Ovídio traz esse mito de maneira diferenciada
nas Metamorfoses, em que são apresentadas para o leitor apenas quatro raças, deixando de descrever a raça
dos heróis. O nosso trabalho propõe analisar o paralelo estrutural entre as eras dos homens presentes no
mito das raças hesiódicas e aquelas apresentadas em Ovídio.
Palavras-chave: Mito. Hesíodo. Ovídio. Raças.
INTRODUÇÃO
Hesíodo, em Trabalhos e dias, nos mostra cinco raças de homens que foram criadas por Zeus (ouro,
prata, bronze, Heróis e ferro), porém em Ovídio, podemos perceber a presença apenas de quatro sendo
excluída a dos heróis.
Raça criada pelo cronida, com a finalidade de combater toda a hýbris (descomedimento) praticada
pela raça de bronze que veio anteriormente, os heróis tem destaque em nosso trabalho, pois é o ponto de
divergência mais claro entre o poema grego e o latino.
Vernant (2008), em sua obra mito e pensamento entre os gregos, propõe que as raças em Hesíodo
seguem uma estrutura de contraposição dicotômica que é dividida em dike e hýbris. Dentro dessa dualidade
estrutural, temos também uma estrutura triádica que determina as três funções indoeuropeias relacionadas
a heróis e reis: a função jurídico-religiosa, a função guerreira e a função empreendedora.
O poeta Ovídio segue uma proposta diferente em sue poema. O mito das eras dos homens é
retomado por ele de maneira artística e estilística, sendo trazido novamente não mais com a mesma carga
que percebemos em Hesíodo. Na sua descrição, o poeta se refere às eras dos homens de uma forma que
percebemos uma degradação entre as raças, partindo da mais civilizada para a mais selvagem.
Os séculos XVI, XVII e XVIII criaram um tipo de “selvagem bom” à medida de suas angústias
morais, políticas e sociais. Os ideólogos e os utopistas [...] invejaram sua liberdade, [...] sua
existência bem-aventurada no seio da Natureza. Mas essa “ invenção do selvagem” [...] era tão
somente a revalorização, radicalmente secularizada, de um mito muito mais antigo : o mito do
Paraíso terrestre [...] (ELIADE, 1957, p. 40).
Acrescenta:
[...]é que o Renascimento, como a Idade Média e como a Antigüidade têm a lembrança de um
tempo mítico em que o homem era bom, perfeito e feliz. E acreditou-se reencontrar nos
selvagens, que se acabava de descobrir, os contemporâneos dessa época mítica primordial
(1957, p. 44,).
Assim, a busca pelo paraíso terrestre, a volta à idade de ouro da humanidade, representa pois, em
Ovídio uma vontade de retorno às origens, deixando claro que o mito das raças é retomado pelo poeta para
fazer referência a um tempo melhor do que sua época. Segundo Junito Brandão, a narrativa mítica é um
relato de uma história verdadeira, ocorrida nos tempos dos princípios illo tempore, quando com a
interferência de entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir. Essa nova realidade pode ser total ou
parcial tomando a conotação de cosmoantropofania. Logo, mito é uma narrativa de criação, traz a existência
algo que não era e passou a ser. Assim, com o mito das raças em Ovídio não seria diferente, nele está
presente uma conotação de degradação entre as eras dos mortais. Isso é apresentado no poema com a
finalidade de reforçar a ideia de que o poeta quer a volta da raça de ouro.
Tendo deixado claro essa distinção entre o mito no poema grego e no latino, partamos agora para a
análise de Vernant, referida anteriormente, sobre as raças dos homens em Hesíodo e comparar com a mesma
narrativa apresentado em Ovídio.
Primeiramente, temos a descrição da raça de ouro que vivia junto com os deuses e em nada tinham
falta, pois a terra dava tudo de bom grado. Depois, temos a raça de prata (muito pior que a de ouro V.126
– Hesíodo), passavam muito tempo como crianças e envelheciam rapidamente e logo morriam. Seu erro foi
não sacrificar aos deuses.
Em terceiro lugar nós temos a raça de bronze. Os homens dessa era se utilizavam do bronze para
fabricar todos seus utensílios, inclusive suas casas. O seu erro foi importar-se apenas com a guerra,
sucumbiram por suas próprias mãos, matando-os uns aos outros, pois não sabiam o que fazer com
instituição da guerra.
Em quarto lugar temos a raça dos heróis, Ovídio não nos mostra essa raça em seu poema, mas em
Hesíodo nos é mostrado que essa raça é mais excelente que a anterior. Os heróis realizaram feitos
magníficos e seu fim afortunado foi nas ilhas dos bem aventurados onde vivem junto com Cronos.
A quinta raça é a de ferro. Aqui nós temos a presença de uma dualidade de conceitos, até a divindade
Justiça se retirou do meio dos mortais, aqui não há virtude, apenas perversidade. Essa raça é caracterizada
pelo trabalho árduo. Hesíodo lamenta não ter nascido na raça anterior ou na seguinte (v.175), pois
acreditava-se que depois da raça de ferro um ciclo de fecharia e a raça de ouro retornaria.
Como já referido anteriormente Vernant (2008) propõe que as raças seguem uma estrutura de
diálogo entre si. Primeiramente relacionada a soberania nós temos a raça de ouro e a de prata. Em seguida
no âmbito da guerra nós temos a raça de bronze e a dos heróis e por fim no âmbito do trabalho nós temos a
raça de ferro que dialoga com ela mesma.
Partindo dessa estrutura nós temos as raças relacionadas a diké (justiça)e Hybris(descomedimento).
Na soberania nós temos a raça de ouro relacionada a diké e a de prata relacionada a Hybris, por não ter
sacrificado aos deuses. Na guerra nós temos a raça de bronze relacionada a Hybris , pois não soube
comandar bem a instituição da guerra, diferentemente da raça dos heróis que são caracterizados pela diké
por serem virtuosos. No âmbito do trabalho a raça de ferro tem como marca a dualidade de não ter um
conceito claro de diké e hybris, visto que a própria justiça se retira do meio dos mortais.
Em Ovídio o mito das raças se apresenta de maneira diferente, a presença de adjetivos como deterior
v.115 e peioris v.128, denota de que as raças eram realmente piores do que as anteriores. Para corroborar
esse fato, temos ainda a ausência da descrição da raça dos heróis, os quais estão presentes em Hesíodo. Por
fim, nós percebemos ainda na descrição de Ovídio a ausência de um lamento, diferentemente de Hesíodo
que lamenta não ter nascido anteriormente ou posteriormente a sua raça que é a de ferro. Essa ausência de
lamento em Ovídio nos mostra que ele apenas aguardava o retorno da raça de ouro, deixando claro uma
estrutura de decadência linear em seu texto, diferente do poema de Hesíodo que segundo Vernant nos
propõe um diálogo entre as raças. Portanto, devemos ter em mente esse dialogismo entre diké e hybris,
assim sendo, verifiquemos as características das raças em Hesíodo e como elas se posicionam na análise de
Vernant.
2. A RAÇA DE OURO
A raça de ouro é caracterizada pela sua fartura e ausência de trabalho. Todos os homens mortais da
idade de ouro foram criados pelos próprios deuses do Olimpo, concomitante ao reinado de Cronos. Essa
raça não se preocupava com o plantio ou colheita, pois a terra gerava-lhe tudo espontaneamente. Além
disso, viviam como deuses e como reis em tranquilidade e em pacificidade.
A primeira raça descrita por Hesíodo denomina-se de ouro, porque o ouro é o símbolo da realeza e
do poder. Dentro desse âmbito, característico da raça de ouro, pois, viviam com os deuses, nós temos
semelhanças desses homens com os deuses imortais, pois, jamais envelheciam. Porém ainda eram mortais,
mas sua morte assemelhava-se a um sono profundo, dormiam e não acordavam mais.
O seu fim também era marcado pela realeza e pelo poder. Logo que deixavam esta vida, recebiam
o basiléion géras (privilégio real) que é um símbolo de poder. Desta maneira, passavam a ser daímones
epikhthónioi, intermediários, posicionando-se entre os homens mortais e os deuses.
O basiléion géras, como representa poder, tem uma conotação toda especial, quando se leva em
consideração que os daímones epikhthónioi, esses intermediários excepcionais passam a assumir outra
responsabilidade quando finda suas vidas mortais. Há duas funções, segundo a concepção místico-religiosa
da realeza, que definem a excelência benéfica de um bom rei. A primeira é a de phýlakes (guardiões dos
homens) que zelam pela observância da justiça e, a segunda é a de plutodótai (dispensadores de riquezas)
que favorecem a fecundidade do solo e a dos rebanhos trazendo assim a prosperidade para todos os mortais.
Um fato interessante apresentado por Claude Mossé é que Hesíodo emprega as mesmas expressões,
para descrever os reis da raça de ouro(Claude Mossé, 1993), para qualificar também os reis justos do seu
século e dessa forma trazer um pouco do poder da raça ancestral para eles simbolicamente .
Os homens da raça de ouro viviam hòs theoí, como deuses, logo quando os reis mais excelentes e
justos do tempo do poeta optam por utilizar debates e discursos para resolver questões por meio da
assembleia e, com auxílio de suas palavras mansas e sabias, fazem cessar a hýbris, o descomedimento, são
saudados como theòs bós, como um deus.
Assim, como a terra na época da raça de ouro era fecunda e generosa, igualmente a cidade, sob o
governo de um rei que respeita os deuses e age de maneira justa, floresce em prosperidade sem limites. Já
como oposição, o rei que não respeita o que simboliza seu sképtron, o seu cetro, quando se deixa levar pela
hýbris se desvia do caminho que conduz à diké, leva a cidade a ruína tornando-a infértil e com isso trazendo
calamidade e fome.
Dessa maneira temos a descrição de Hesíodo que nos mostra que por ordem de Zeus, trinta mil
imortais invisíveis (que são os próprios daímones epikhthónioi) vigiam a piedade e a justiça dos reis. Assim
fica claro que nenhum deles, caso se desvie da diké, não deixará de ser castigado mais cedo ou mais tarde
pela própria diké.
3. A RAÇA DE PRATA
Assim como os homens da raça de ouro, os deuses também criaram os homens da raça de prata.
Apesar de ser um metal precioso, mesmo com um valor diferente do ouro, a prata também tem seu valor.
Entre a raça de ouro e a de prata nós temos uma dualidade em forma de contraposição, de um lado,
nós temos a soberania piedosa da Era de Ouro fundamentada na diké, do outro, temos a hýbris louca da raça
de prata. Essa desmedida, porém, não está relacionada à guerreira, pois os homens da raça de prata mantêm-
se afastados, abstendo-se tanto das batalhas, quanto dos labores campestres.
A afronta cometida por essa raça está associada a um descomedimento em si, é uma asébeia, uma
impiedade e uma adikía, uma injustiça de caráter puramente religioso. Dessa maneira, os homens da raça
de prata se negaram a oferecer sacrifícios aos deuses e não reconheceram a soberania de Zeus, senhor da
diké.
O fim dessa raça foi determinado por sua tamanha desmedida, de modo que foram exterminados
por Zeus, porém os homens da raça de prata recebem, após o castigo de serem destruídos, honras, certo que
menores, mas análogas às tributadas aos homens da raça de ouro. Similares aos homens da primeira era que
se tornaram daímones epikhthónioi, os mortais da raça de prata tornam-se daímones hypokhthónioi, também
intermediários entre os deuses e os homens, porém sua ação é de baixo para cima, partindo dos homens
para os deuses enquanto os da raça de oura agem dos deuses para os homens.
Outra analogia que nós percebemos ao longo da descrição na era de prata é que os mortais dessa
raça estão relacionados de maneira simbólica com as características que os titãs possuem. Ambos possuem
o mesmo caráter, a mesma função, o mesmo destino.
Os titãs, diferente dos deuses olimpianos, são destrutivos e trazem consigo a característica de
representarem a natureza quando se diz respeito às forças mais destrutivas. Eram orgulhosos e prepotentes,
tanto que mutilam o seu pai Urano e depois ainda passam a disputar com Zeus o poder sobre o universo.
Mesmo sendo descomedidos os titãs ainda são reis, tanto é que titán em grego, em etimologia
popular, aproxima-se de titaks, rei, e titéne, rainha, assim os Titãs têm por vocação o poder. (M.A. Bailly,
1901)
Em oposição a Zeus, porém, que representa para Hesíodo a soberania da ordem e da diké, os titãs
são aqueles que simbolizam tudo o que há de descomedido trazendo consigo a força destrutiva da natureza,
ficando relacionados então a arrogância da desordem que são característicos da hýbris. Assim, de um lado
nós temos Zeus e os homens da raça de ouro como projeções do rei justo e de outro, temos os titãs e os
homens da raça de prata, símbolos de reis descomedidos. Estabelece-se então, através da raça de ouro e de
prata a estrutura, que como observamos, está relacionada aos mitos hesiódicos da soberania.
4. A RAÇA DE BRONZE
A raça de bronze também foi criada por Zeus, porém há uma diferença entre ela e as demais quando
se diz respeito a sua criação. Quando foi criar os mortais da dessa era, Zeus usou como sua matriz freixos
de bronze que são símbolos da guerra.
Essa raça, diferente da anterior, que cometeu uma hýbris no âmbito religioso, aqui a hýbris será
militar, no âmbito da guerra, da violência bélica, caracterizada pelo comportamento do homem durante a
batalha.
Desse modo nós temos agora uma passagem do plano religioso para as manifestações da força bruta
e do terror. Aqui nessa raça já não é mais a ideia de justiça que a permeia, não há distinção do justo ou do
injusto, ou de culto aos deuses.
Durante a era de bronze ainda nos fica claro que os homens pertencem a uma raça que não come
pão, isso nos mostra que se tratava de uma raça que não se ocupava com o arado da terra ou colheita.
Diferentemente dos demais mortais das outras eras descritas em Trabalhos e dias de Hesíodo, o
montante de guerreiros violentos da raça de bronze não são destruídos por Zeus, porém visto que não fazem
distinção de justiça ou injustiça acabam por não fazer distinção também entre seus semelhantes sucumbindo
à guerra, se destroem deferindo golpes uns contra os outros, domados por seus próprios braços, por sua
própria força física.
Ainda nessa raça, percebemos que o próprio epíteto que identifica esses homens violentos tem um
sentido simbólico. A exemplo do próprio Ares, o deus da guerra no âmbito da violência, ele é chamado por
Homero na Ilíada de khálkeos (de bronze). No pensamento grego, o bronze, pelas qualidades que lhe são
atribuídas (liga de extrema relevância na guerra), sobretudo por sua eficácia distinta, está relacionado ao
poder vinculado à batalha, que, por sua vez, se oculta nas armas defensivas e dentre elas nós temos: couraça,
escudo e capacete. Dessa maneira relacionado às armas de bronze nós temos o seu brilho e sua voz, então,
se o brilho metálico do bronze reluzente impõe de maneira ferrenha o terror ao inimigo, o som do bronze
estridente, sua phoné (voz), também revela a natureza de um metal animado e vivente que afugenta os
malefícios dos adversários.
Destacamos que a raça de bronze está intrinsecamente ligada às armas defensivas, contudo, existe
uma arma ofensiva também estreitamente ligada à índole e à origem dos guerreiros dessa era. Trata-se da
lança ou dardo confeccionado de madeira especial, a melia, o freixo. Logo, como vimos no início da
descrição, a raça de bronze nasceu de freixos, dessa maneira observamos o quanto essa raça está ligada a
batalha. As ninfas mélias ou melíades, nascidas do sangue de Urano, estão intimamente unidas a essas
árvores de guerra que se erguem até o céu como lanças, além de se associarem no mito a seres sobrenaturais
que encarnam a figura do guerreiro.
Jean-Pierre Vernant (1990) faz um comparativo bastante singular do gigante Talos com os homens
da raça de bronze. Talos, guardião incansável da ilha de Creta, nasceu de um freixo (melia) e tinha o corpo
todo de bronze. Da mesma maneira que Aquiles, o gigante cretense possuía uma determinante
invulnerabilidade condicional, que apenas a magia de Medeia foi capaz de destruir. Esses gigantes, cuja
família Talos pertence, representam uma confraria militar, dotada de uma invulnerabilidade condicional
como também possuem uma estreita relação com as ninfas mélias ou melíades.
Na Teogonia, o poeta apresenta esses fantásticos gigantes de armas faiscantes porque eram de
bronze, como seres que têm em suas mãos lanças enormes de freixo, e as ninfas que se chamam mélias.
Assim nós temos uma distinção dessa raça com as anteriores, pois os mortais dessa era possuem a
lança de atributo militar, porém em contraposição a isso temos a raça de ouro que traz consigo o cetro de
atributo real da justiça e da paz, havendo então uma diferença grande de valor e de nível. Fica claro que a
lança deve se que submeter-se ao cetro. Quando essa hierarquia é quebrada, há uma ruptura de princípios
reais e sacerdotais, o que torna a lança algo nocivo daí, ela passa a ser confundida com a própria hýbris.
De maneira geral, quando o guerreiro é tributário da violência, a hýbris se apodera dele, pelo motivo
de ele estar voltado totalmente para a lança. Como exemplo disso nós temos, dentre outros, o caso de Ceneu,
o lápita da lança, que sendo qualificado da mesma maneira que Talos, Aquiles e os Gigantes de uma
invulnerabilidade condicional como todos os que passaram pela iniciação guerreira, Ceneu fincava sua
lança sobre a praça pública, prestava-lhe um culto e, ainda mais descomedido, obrigava a todos que por ali
passassem a tributar-lhe honras divinas (Pierre Grimal, 2005).
Deste modo, fica claro que os homens da raça de bronze são filhos da lança, indiferentes à diké e
aos deuses, que como os gigantes, após a morte, sucumbindo na guerra uns contra os outros, foram lançados
no Hades por Zeus, onde se dissiparam no anonimato da morte.
Os heróis são caracterizados principalmente pela sua ascendência divina. Sendo a quarta raça criada
por Zeus, os heróis representam a raça primeira (protére gene), pois é mais justa.
Os homens dessa raça carregam em si o sentido de serem melhores (dikaióteron ou áreon), porque
sendo mais justos não cometerão as hýbris das demais raças. No entanto a despeito de serem caracterizados
assim, Hesíodo aponta dois grupos de heróis, aqueles que simplesmente pereceram( v. 116), em contraponto
àqueles que mereceram os campos elísios, e ilha dos venturosos (v.171). Assim, é possível inferir que o
segundo grupo acima referido diz respeito aos heróis que conquistaram a glória imperecível, dentre os quais
se encontra Aquiles. Os primeiros homens do grupo, a despeito de serem heróis, ao morrer, tornaram-se
sombras sem nome ou lembrança (anonmós), certamente por não haver realizado grandes feitos, ou mesmo
por haver cometido algum descomedimento, alguma hýbris.
Como exemplo bem claro desses dois tipos de heróis opostos nós temos os heróis que estão
presentes na Ilíada de Homero. De um lado, por exemplo, nós temos Ájax Oileu (Pierre Grimal, 2005), um
herói que se ergue mordido pela hýbris, chefe do contingente na Guerra de Troia, destacou-se não só por
sua habilidade e rapidez, mas também pela crueldade e desrespeito para com os deuses. Suas hýbris
provocaram a morte de muitos soldados gregos. Dentre elas podemos citar o que seria a sua maior falha, o
fato de ter cometido sacrilégio no templo de Atena, deusa da sabedoria. Ele violentou Cassandra, filha do
rei de Troia, junto ao altar da deusa. Esta, em represália, destruiu a sua frota com uma tempestade e fê-lo
morrer afogado. Por vários anos, seu sacrilégio pesou sobre o seu povo, que para apaziguar a cólera
de Atena, remetiam a Troia, anualmente, duas donzelas para serem sacrificadas em honra da deusa. Em
oposição a Ajax Oileu nós temos Aquiles, sendo este um herói, mais justo e bravo, trazendo consigo a sua
areté incomparável, marcado pela prudência e respeito a tudo quanto representa um valor sagrado.
Tendo entendido as características da raça dos heróis e como eles se sobressaem em relação às
demais, partamos agora para ultima raça que é descrita por um metal.
6. A RAÇA DE FERRO
A raça de ferro dos mortais é caracterizada principalmente por seu trabalho. Sendo a ultima das eras
descritas por Hesíodo, os homens dessa época também eram marcados pelos males que os cercavam. No
mito de Prometeu e Pandora (Pierre Grimal, 2005), Hesíodo nos dá um panorama dessa raça. Dentre os
males soltos por Pandora apresentados no mito nós temos: doenças, a velhice e a morte. Além dos
malefícios nós temos mais características específicas da raça de ferro: a ignorância do amanhã e as
incertezas do futuro, a existência de Pandora, a mulher fatal, e a necessidade premente do trabalho com já
referido.
Essa junção de elementos tão cheios de infortúnios nos é mostrada, mas o poeta de Ascra por sua
vez distribui num quadro único. As duas Érides, as duas lutas, se constituem na essência dessa era dos
homens.
A causa primordial de todos esses infortúnios foi o desafio a Zeus por parte de Prometeu e o envio
de Pandora. Partindo dessa causa, o mito de Prometeu e Pandora nos mostra dois pontos de vista, mas que
culminam num único fim: a miséria humana na raça de ferro. A necessidade de sofrer, de realizar o trabalho
de arar terra para obter o alimento é igualmente para o homem a necessidade de gerar filhos através da
mulher. Nascendo e morrendo geração após geração, o homem tem que suportar diariamente a angústia e a
esperança de um amanhã incerto.
Nessa raça nós percebemos uma existência ambivalente e ambígua. Nessa realidade não temos
distinção entre o bem e o mal, ambos os conceitos não estão separados, mas amalgamados, porém ainda
são solidários e indissolúveis. Partindo dessa premissa, temos o motivo por que o homem, rico de misérias
nesta vida, não obstante se aproximam da mulher, a Pandora, o mal amável, que os deuses ironicamente lhe
enviaram.
Ela é esse mal belo, foi quem retirou a tampa da jarra em que estavam encerrados todos os males.
Caso não tivesse realizado tal feito, os homens continuariam a viver como antes, livres de sofrimento, do
trabalho árduo e das enfermidades dolorosas que trazem a morte. Todos esses malefícios, porém, foram
espalhados, despejados pelo mundo, contudo ainda restando Esperança, de modo que a vida não fica
marcada apenas pelo infortúnio, cabendo ao homem realizar a escolha entre o bem e o mal. Assim, Pandora,
como podemos perceber, é o símbolo dessa ambiguidade em que vivemos.
Esse duplo aspecto trazido figurativamente pela menção à mulher e a terra através da figura de
Pandora, expressa a função da fecundidade, tal qual se manifesta na raça de ferro na produção de alimentos
e na reprodução da vida. Nessa era já não existe mais a abundância espontânea característica da primeira
raça, há então, de agora em diante, um diferente comportamento entre os mortais, no qual o homem deposita
a sua semente (spérma) no seio da mulher, assim como o agricultor a introduz de maneira árdua a semente
nas entranhas da terra. Em contrapartida, toda a riqueza adquirida que o homem obtiver tem, portanto o seu
preço determinado pelo trabalho do homem. Para a raça de ferro entre a terra e a mulher se estabelece uma
relação de ambiguidade onde o que a figura feminina traz são simultaneamente princípios de fecundidade
e potências de destruição, consumindo diariamente a energia do homem, destruindo-lhe, em consequência,
os esforços. Fica então decidido que a mulher finda por marcar esse trabalho árduo do homem esgotando-
o, por mais vigoroso que seja, entregando-o à velhice e à morte, ao depositar no ventre de ambas o fruto de
sua fadiga.
A narrativa mitológica de Hesíodo é retomada por Ovídio em seu poema Metamorfoses de maneira
diferenciada. A sua descrição das raças é feita de modo que a sucessão delas se posiciona numa estrutura
de decadência, da melhor (ouro) para a pior (ferro), a ausência da raça dos heróis nos mostra isso. Portanto,
o mito para Ovídio se posiciona de maneira estratégica, pois está inserido numa crítica a sociedade de sua
época, que está tão degradada que apenas um retorno a uma nova era de ouro pode salvá-la. Vemos o mito
presente para demonstrar algo real, já que segundo Junito Brandão (1986) mito é o relato de um
acontecimento ocorrido no tempo primordial, uma realidade que passou a existir, que não era e passou a
ser. Nessa perspectiva, Ovídio retoma o mito de Hesíodo de maneira artística, num tempo posterior, mas
para referir-se e coloca-lo num contexto com uma carga cultural e social diferente. Para entender a narrativa
recontada por Ovídio, portanto, precisamos recorrer a Hesíodo e entender como as raças se posicionavam
em sua época. Partindo desse ponto, temos, portanto, como a eras dos homens de posicionam também em
Ovídio. Desta maneira, não há esperança, pois não há heróis para que os homens se baseiem, apenas a total
depravação, que apenas findará com uma nova e sacra raça. Assim, podemos afirmar que, diferente de
Hesíodo, Ovídio se posiciona num patamar mais pessimista, enquanto o poeta grego nos traz a figura dos
heróis com o intuito de tentar instruir os homens de como se portar em relação às coisas sacras.
REFERÊNCIAS
BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral. São Paulo: Ed. Nacional, Ed. da USP, 1976.
BENVENISTE, Emile. O Vocabulário das Instituições Indo-européias. São Paulo: Unicamp, 1995.
ELIADE, Mircea. Mythes, rêves et mystères. Paris : Gallimard, 1957. (Idées, 271).
ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Tradução de Manuela Torres. Rio de Janeiro: Edições 70,
1989. (Perspectivas do homem, 19).
HESÍODO. Teogonia (A origem dos deuses). Trad. Jaa Torrano. 3ª Ed. São Paulo : Iluminuras, 1995.
HESÍODO. Os Trabalhos e os Dias. Trad. Alessandro Rolim de Moura. 22ª Ed. Curitiba: Segesta, 2012.
HESÍODO. Os Trabalhos e os Dias. Trad. Mary de Camargo Neves Lafer. 6ª Ed. São Paulo: Iluminuras,
2006.
MOSSÉ, Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Trad. Rosa Carreira. Lisboa – Portugal: Edições 70, 1993.
OVÍDIO. Metamorfoses. Trad. Domingos Lucas Dias. 1ª Ed. São Paulo: Editora 34, 2017.
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos: Estudos de Psicologia Histórica. 2. Ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2008.
RESUMO: Narciso, filho do rio Cesifo e da náiade Liríope, foi metamorfoseado na flor que leva o
seu nome. Ele era muito belo e estava em sua plena juventude, mas desdenhava o amor, havia tão
áspera soberba em tão aprazível beleza. Como castigo por tal hýbris, apaixona-se pela própria
imagem nunca vista por ele anteriormente, com a qual se depara ao ver-se nas águas cristalinas e
puras de um riacho em que nenhum animal ou humano havia bebido antes. Tão avassaladora é a
paixão, que não consegue afastar-se da imagem refletida na água, e acaba fenecendo, transformando-
se, por fim, no narciso. Nesse sentido, a proposta do trabalho é analisar o mito de Narciso, presente
nas Metamorfoses, de Ovídio, voltando-se o olhar para o aspecto transcendente do mito, expressão
da sacralidade e da psique humana.
Nesse sentido, a perda objetal se dá no âmbito interno do sujeito, de modo abstrato, não
palpável, pois ocorre na esfera subjetiva. A despeito da perda de algo concreto, a perda verdadeira
não fora nesse domínio, mas naquilo em que o sujeito se identifica com esse algo. Confundindo-se
com o ego, haja vista que o investimento libidinal se dá sobre este, a perda do objeto significa a perda
do próprio ego, por isso que ocorre de maneira inconsciente. Nesse sentido,
[...] a identificação é uma etapa preliminar da escolha objetal, que é a primeira forma –
e uma forma expressa de maneira ambivalente – pelo qual o ego escolhe um objeto. O
ego deseja incorporar a si esse objeto, e em conformidade com a fase oral ou canibalista
do desenvolvimento libidinal em que se acha, deseja fazer isso devorando-o. (FREUD,
1996, p. 255)
O mito de Narciso antecipa esse estado antes do desfecho da narrativa. A mesma ilusão que
engana seus olhos, excita-os. Engana porque se trata de uma pseudo alteridade, excita porque
corresponde ao que emana dele mesmo. Ilude-se, pois crer haver encontrado a plenitude com alguém
que o completa. Tais são as palavras de Narciso: “Tanto o vejo, quanto é para mim prazeroso, mas o
que vejo e me agrada, no entanto, não encontro” (OVÍDIO, 2017, III, v. 446-447). A frustação diante
do objeto, haja vista o princípio da realidade mostrar que, de fato, trata-se de um outro que não condiz
com o almejado, acarreta o sofrimento. A inviabilidade da completude e consequente malogro fazem-
no desesperar-se, pois é como perdesse parte de si mesmo, o que lhe traz uma sensação de morte, de
esvaziamento existencial, de queda no vazio. Continua Narciso: Tão grande engano aprisiona aquele
que deseja, que ama (OVÍDIO, 2017, III, v. 447).
Depois do primeiro instante, quando encontra o objeto amado, ocasião de enlevo e esperança,
vem o segundo momento, em que a ambivalência se impõe, e a esperança de ainda realizar seu desejo
se confunde com o despeito, com o desgosto pela decepção. Diz Narciso:
“Quem quer que tu sejas, vem até aqui! Por que me enganas, jovem sem par? Buscando-
te, para onde vais? Certamente, nem meu aspecto nem minha idade são razão para que
fujas, e até as ninfas me amaram! ” (OVÍDIO, 2017, III, versos 454-456).
Este sou eu! Apercebi-me, e nem a minha imagem me engana. Sou abrasado pelo amor
de mim mesmo. Carrego e provoco as chamas! Que farei? Seja rogado ou rogue? Que
rogarei, então? O que cobiço está comigo. A abundância fez-me pobre. Oh! Pudesse eu
separar-me de meu corpo! Estranho voto em quem ama, querer eu que o objeto do meu
amor esteja longe!
(OVÍDIO, 2017, III, V. 463-468)
A aporia suscitada pela apercepção de Narciso o leva à sua derrocada. O fato de reconhecer-
se em uma condição sem saída não o faz deixar de desejar o objeto. Considerava-se afortunado, mas
sua fortuna na realidade é sua miséria. Ele sucumbe pela ardência do desejo que não pode realizar, e
ao mesmo tempo pela impossibilidade de possuir o objeto, pois o que cobiça encontra-se nele.
Contraditoriamente, anseia separar-se de si mesmo, a fim de viabilizar o desejo, mas isso significaria
a perda do objeto, logo, de todas as maneiras, está condenado.
Sempre que tenta abraçar a imagem, ela se desvanece, e em seu delírio de paixão, pede que
fique, a aquele que é ele mesmo.
Para onde foges? Fica, cruel, não me abandones, aquele que ama ‘Clamou’; seja
permitido olhar aquilo que não é para tocar e oferecer alimento à mísera loucura”.
(OVÍDIO, 2017, III, V. 477-479)
A percepção do outro pela imagem especular leva à sensação de destruição, caso esse outro
se afaste. Nesse sentido, Narciso, a despeito de já saber a natureza do seu objeto, não pode se afastar
dele, uma vez que o sentimento de que o outro é sua extensão, não o liberta dessa relação simbiótica.
Eu sou você, e você sou eu, não há a mínima possibilidade de dissociação, a não ser pelo
aniquilamento.
Conforme Freud:
Se o amor pelo objeto – um amor que não pode ser renunciado, embora o próprio objeto
o seja – se refugiar na identificação narcísica, então o ódio entra em ação nesse objeto
substitutivo, dele abusando, degradando-o, fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica
de seu sofrimento. (FREUD, 1996, p. 257)
E é exatamente isto que irá acontecer. Narciso, tomado de desespero, começa a bater no
próprio peito, a ferir-se, e a pele alva fica rubra. Contempla mais uma vez a imagem na água, e não
suporta mais:
Tal como a cera amarela pelo fogo brando e o orvalho matutino pelo sol tépido
costumam derreter, assim se liquefaz, corroído pelo amor, e pouco a pouco é consumido
por fogo oculto (OVÍDIO, 2107, III, v. 487-490)
REFERÊNCIAS:
OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução de Paulo Farmhouse Alberto. Lisboa: Livros Cotovia, 2010
HESÍODO. Teogonia. Tradução de JAA Torrano. 7ed. São Paulo: Iluminuras, 2007.
RUTHVEN, K. K. O Mito. Tradução de Esther Eva Horivitz. São Paulo: Perspectiva, 2010.
FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. In: A história do movimento psicanalítico, artigos sobre a
metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916). Rio de Janeiro: Editora Imago, 1996.
O PORTEIRO DO INFERNO: REFLEXÕES ACERCA DA RECEPÇÃO
DE UMA OBRA DE ARTE PÚBLICA
Resumo: O Porteiro do Inferno é uma obra pública de Jackson Ribeiro, instalada em 1967 no
centro da capital paraibana. Até 2007 ela migrou para diferentes lugares da cidade, quando
afixaram-na em uma rotatória em frente à UPFB. Refletiremos acerca das relações estéticas entre
esse objeto artístico, a arquitetura e a cidade, bem como os discursos religiosos que atravessaram
sua recepção. À luz das contribuições de Walter Benjamin (1994), entendemos que, ao situá-la
dentro de um debate político-religioso ao longo de anos, revelou-se como a forma de percepção
das coletividades humanas da cidade se configuraram contemporaneamente ao modo de
existência da obra.
Palavras-chave: Arte contemporânea. Jackson Ribeiro. Recepção. Discurso religioso. Cidade.
INTRODUÇÃO
Antes de mudar para a Europa, em 1965, Jackson Ribeiro elaborou uma obra pública para
ser instalada na cidade de João Pessoa. A obra era esperada por artistas e crítico locais como um
exemplar do renomado artista plástico conterrâneo (O NORTE, 1966). Nesse contexto, Jackson
Ribeiro era considerado uma das referências da escultura brasileira, conhecido pela crítica de arte
e com obras adquiridas por importantes museus e colecionados (SOUZA, 1978). O projeto de
uma obra pública de Jackson Ribeiro foi adquirido pelo governo do Estado da Paraíba, durante a
gestão de Pedro Gondim. A obra foi elaborada em um galpão, improvisado como ateliê do artista,
e ficou pronta em 1965, mas permaneceu guardada, e somente dois anos mais tarde, foi instalada
na Av. Getúlio Vargas (O NORTE, 1966)124.
O lugar escolhido para instalação é fundamental para compreender a importância que
tinha a obra de Jackson Ribeiro para o cenário artístico paraibano. A obra pública foi alocada em
uma praça, localizada dentro de um contexto arquitetônico e urbanístico com influência
modernista. O prédio com detalhes de uma arte décor, projetado pelo arquiteto Clodoaldo
123
Stênio Soares é Performer. Professor do Departamento de Técnicas do Espetáculo da Escola de Teatro da
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor colaborador do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Estudos Étnicos e Africanos (Pós-Afro/CEAO/UFBA). Doutor em Artes e Mestre em Estética e História da Arte
pela USP> Especialista em Museologia com ênfase em curadoria pelo MAC USP. Bacharel em Ciências Sociais
pela UFPB. Email: steniosoares@gmail.com.
124
Os relatos mais recorrentes indicam que o artista plástico Breno Mattos e o crítico Vigínius da Gama e Mello
promoveram a exposição pública e instalação da obra, até então desconhecida da sociedade.
Gouveia, funcionava a antiga Faculdade de Filosofia (FAFI) e o Liceu Paraibano. O prédio,
localizado na Av. Getúlio Vargas, está integrado e dialoga com o projeto urbanístico do Parque
Sólon de Lucena, cuja implantação foi coordenada por Roberto Burle Marx (PINACOTECA DO
ESTADO, 2014, p. 183).
Percebemos, nesse contexto, como a (re)construção do espaço urbanístico da cidade de
João Pessoa expunha determinadas escolhas de tendências artísticas. A obra foi nomeada
popularmente como “Porteiro do Inferno”, porém não existe um consenso sobre como surgiu o
nome; algumas narrativas atribuem ao crítico Vigínius da Gama e Mello. Segundo Raul
Córdula125, na época quando a obra foi instalada nesse logradouro, algumas pessoas deixaram
flores, plantas com valores místicos e velas criando uma atmosfera religiosa para a obra pública;
a mesma informação foi encontrada em um texto escrito por Hélio Oiticica (1968).
Entretanto, o nome da obra pública e as relações afetivas estabelecidas por alguns
observadores não agradaram aos membros da Primeira Igreja Batista, igreja cristã protestante,
localizada também na Av. Getúlio Vargas. É interessante pontuar como a obra de arte, em um
contexto de fetichização, ganha determinadas atribuições quando associada a um discurso
religioso. Helio Oiticica (1968) já havia apontado sobre o caráter fisionômico da obra de Jackson
Ribeiro, e os motivos os quais motivariam a nomeação das suas obras pelos observadores.
A questão era inquietante para Jackson Ribeiro, pois o artista se orientava por questões
estéticas e buscava uma abstração da forma (SOARES, 2010). Por outro lado, a estrutura totêmica
dos objetos revelava aspectos fisionômicos, o que também aproximava seus trabalhos às
expressões da nova figuração. Em relação à questão das características fisionômicas dos objetos
de Jackson Ribeiro, Oiticica (1968) afirmou: “a possibilidade de uma obra que não tem um
significado x, mas que possua uma estrutura que nos interessa enquanto que aberta aos
significados” (OITICICA, 1968). Nesse contexto histórico, a partir da atribuição de significados
imbricados em discursos construídos na cultura, surgiu um impasse quanto à permanência da
obra pública nessa praça e que culminou, posteriormente, na sua retirada.
A saga da obra “O Porteiro do Inferno” durou 40 anos, desde sua instalação em 1967,
posteriormente migrando para diferentes lugares da cidade, até em 2007 quando afixaram-na em
uma rotatória em frente à Universidade Federal da Paraíba (UPFB). A obra também foi objeto
de debates no cenário político da cidade, quando parlamentares da câmara municipal acataram
125
Durante a mesa-redonda “Helio Oiticica e Jackson Ribeiro: do neoconcreto à arte pública”, com a participação
de Raul Córdulo (ABCA/AICA), Walter Galvão (UFPB) e Stênio Soares (USP), realizada no dia 19 de março de
2010 na Usina Cultural Energisa/Fundação Ormeo Junqueira Botelho. Atividade da programação da exposição
“Helio Oiticica e Jackson Ribeiro: do neoconcreto à arte pública”, sob curadoria de Dyógenes Chaves.
as cobranças de líderes religiosos católicos e protestantes sobre a retirada da obra em frente à
UFPB. Na ocasião, os artistas locais se organizaram em um movimento de reconhecimento e
valoração da obra de Jackson Ribeiro. Passeatas, encontros universitários e a presença na mídia
local estavam mais preocupados em falar sobre a importância da obra e do artista para a história
local, ao invés de se debruçar sobre a linguagem do artista. Nesse mesmo ano, duas diferentes
ações foram executadas pela Prefeitura de João Pessoa e pelo Governo do Estado da Paraíba.
A Fundação Cultural de João Pessoa (FUNJOPE), órgão de administração indireta da
Prefeitura, criou um edital público que levava o nome de Jackson Ribeiro, o qual objetivava a
seleção de obras públicas para instalação na cidade de João Pessoa; o edital foi uma das
ferramentas criadas para endossar o reconhecimento da obra de Jackson Ribeiro e para incentivar
os artistas locais a criarem obras públicas para a cidade. Já o governo do Estado, por meio da
Curadoria de Artesanato da Subsecretaria de Cultura do Estado da Paraíba emitiu um parecer
alegando que a obra originalmente recebeu o nome de “astronauta”, em referência à chegada do
homem a lua.
Ao conversar com alguns conselheiros que assinaram esse parecer, o argumento era que
precisavam criar alguma ferramenta que pudesse desmistificar a nomeação desse trabalho de
Jackson Ribeiro. No entanto, entendemos que essa intervenção do Estado reafirmou o discurso
fetichista que cerca essa obra, além de negligenciar a afirmação do próprio Jackson Ribeiro,
quando se referia a obra pelo nome Porteiro do inferno na reportagem de Maria Eduarda Souza
(1978). Além disso, os escritos de 1968 de Helio Oiticica já se referiam a essa obra pelo nome
Porteiro do Inferno anterior ao ano de 1969, quando se noticiava a chegada do homem à lua.
Jackson Ribeiro costumava nomear suas obras de elementares e construções, uma nomenclatura
usual entre artistas que pensavam seus trabalhos de maneira abstrata, todavia o dialogo que os
objetos construíam com o público observador sempre abriu margem para nomeação popular das
obras, o que destaca também a afirmação de Oiticica a respeito do potencial figurativo da obra
de Ribeiro estar “aberta aos significados” atribuídos por seus observadores.
Entretanto, seja nomeada pelo artista seja alcunhada pelo diálogo poético com público,
esse trabalho está longe de se filiar a uma ideologia de divulgação de uma “conquista do espaço”
realizada pelos estadunidenses, especialmente porque Jackson Ribeiro se declarava comunista e
com críticas às políticas dos Estados Unidos da América. Passados três anos da instalação da
escultura na rotatória em frente à UFBA, a polêmica sobre o nome da obra se reacendeu e foi
estendida à campanha eleitoral de 2010, quando o então prefeito da cidade de João Pessoa
candidatou-se à Governador do Estado da Paraíba. Durante a campanha eleitoral, panfletos
jogados de helicóptero, “demonizavam” a campanha deste candidato, atribuindo-lhe um
julgamento inquisidor.
Depois de décadas, a obra de Ribeiro ainda carregava o estigma do fetiche, servia de
especulação na disputa pelo poder político local e, em débito com a poética do artista e sua
importância para história da arte, era pouco reconhecida entre seus conterrâneos.
Mesmo com a mudança da obra para diferentes lugares na cidade, um elemento se
encontra constante e presente: a relação entre o lugar e o tempo da obra de arte, ou seja, sua
existência e a significação dela em cada lugar onde esteve. É a própria existência da obra Porteiro
do Inferno que inicia a narrativa sobre sua própria história. Sua existência não compreende
somente as transformações que ocorreram durante os mais de quarenta anos, mas como essa obra
de arte ingressou em um sistema de relações sociais. Através da sua história podemos identificar
os vestígios de alguns discursos religiosos, políticos e artísticos, que cercam o fenômeno de
fetichização da obra de arte. Como foi sugerido por Hélio Oiticica, realizam com a obra de
Ribeiro uma “transposição definitiva da condição de ‘obra de arte’ isolada como tal para a de
objeto mágico de fruição coletiva” (OITICICA, 1968).
A mudança de contexto, ou sua ampliação, segue questões sobre a existência e a natureza
da própria obra: ao transformar a obra de arte em um objeto atravessado por valores religiosos,
os observadores apontavam que a obra de arte é algo aberto para criação além do trabalho do
artista.
Em seu ensaio sobre a reprodutibilidade técnica, Walter Benjamin (1994) afirma que “no
interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se
transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência” (1994, p.169). Nesse estudo sobre a
obra de Jackson Ribeiro entendemos que a percepção e o envolvimento dos observadores estão
ligados, entre outros aspectos, ao caráter fisionômico da obra. No caso da obra em questão, a
nomeação pode ter se dado por diferentes motivos que, necessariamente, não interessam ao nosso
estudo. Mas entendemos que existe uma realidade, integrada por discursos divergentes, que
constrói uma aura para a obra Porteiro do Inferno. Não bastava que a obra estivesse fixada em
frente a uma igreja de orientação cristã, mas tão somente seu nome marca um significado para
sua existência nessa realidade cultural.
O caminho percorrido pela obra errante e as manifestações públicas mostram o caráter de
unidade e durabilidade que definem sua aura. Criaram um “invólucro”, marcando etiquetas com
características e adjetivos de um determinado discurso religioso, estabelecendo uma relação
aurática com a obra de arte.
Para além do debate entre os discursos religiosos e políticos, entendemos que essa obra
pública, quando era localizada no seu primeiro logradouro, motivava uma outra percepção a
respeito de questões estéticas formais. Enquanto uma obra pública, o trabalho de Jackson Ribeiro
foi construindo de maneira racional, sustentado pela poética do artista que envolvia a apropriação
crítica da sucata, e pretendia ser também crítica na sua exposição pública em diálogo com a
arquitetura e o urbanismo. Onde foi originalmente instalada, e seguindo as orientações poéticas
do artista, essa obra pública debate, entre outros aspectos, com o conceito de simetria e o discurso
de industrialização da modernidade, ideais que atravessam um determinado discurso estético
modernista.
Nesse contexto expositivo, a obra de Jackson Ribeiro demonstrava um vanguardismo
contemporâneo, algo que também chamou a atenção do crítico neorelista Pierre Restany.
Porteiro do Inferno foi instalada em um contexto urbanístico que dialogava com dois exemplares
da educação espacial modernista – o prédio de Clodoaldo Gouveia e o paisagismo de Roberto
Burle Marx.
Quando observamos a obra, entendemos a preocupação de Jackson Ribeiro em construir
um objeto que consiga dialogar sua linguagem artística com o espaço público, sem o referencial
do espaço fechado da galeria. Porteiro do inferno não foi construído para um lugar específico,
embora o artista tenha declarado que sabia que este trabalho seria instalado entre instituições, e
certamente estivesse sujeito aos discursos e outros fenômenos sociais.
A obra foi pensada para o espaço aberto, onde houvesse diálogo com arquitetura,
plasticidades e visualidades, e por isso o artista não teria criado essa trabalho com a ambição de
lhe “blindar” da cidade e a cultura: pelo contrário, sua linguagem do artista sempre motivou a
participação do observador. Em uma leitura da obra é perceptível sua forma e seu material
construtivo. Para além da materialidade e estética do objeto novas questões se deflagravam a
partir do olhar atento e que não cabe mais a uma observação descomprometida. Porteiro do
inferno é uma escultura que mede mais de 2m de altura e seu material é uma construção de sucata.
O volume sugere algumas formas que nos faz perceber e dialogar de outra maneira com
o espaço; o desenho que o objeto sugere assemelhava-se a um figurativismo. E, nesse sentido, é
importante ponderar que há uma estreita relação entre a figuração e o imaginário, e isso está
enraizado como um fenômeno da cultura no indivíduo, sujeito à tessitura de determinados
discursos, justamente por que a cultura também guarda seu caráter ideológico e pode influenciar
na criação de outros sentidos. Nessa relação com a obra, o observador é interrogado e suas
perguntas são orientadas também para si: o que é ou o que foi esse ou aquele fragmento de ferro
usado na construção? Embora, suspeitamos da origem de alguns fragmentos do objeto, resta-nos
duas questões que precisariam ser respondidas para além do visível: porque o autor usou a sucata?
E como ele desenvolveu uma técnica para compor um objeto totêmico, expressivo, cujas figuras
saltam aos olhos e despertam sentidos?
Essas são questões colocadas a partir de uma primeira leitura da obra, de uma abstração
inicial, e transformam-se em uma indagação, cujas possíveis considerações estariam na nossa
experiência com a arte, com o conhecimento que cultivamos e, para tanto, está em constante
aprofundamento. Seria desconexo pensar que essa obra de arte se coloca somente exterior à
minha experiência, colocando nossa relação como produto de relações de causalidade: ora, se
essa relação com um objeto expressivo é capaz de nos despertar sentidos e, portanto, trata-se de
uma interioridade que se exterioriza a partir da obra. Se não houvesse a criação do artista não
poderíamos experimentar aquela indagação. Negar essa indagação seria recusar conhecer a obra,
que encontra uma comunicação, também, através dos sentidos.
Finalmente, podemos encontrar pistas para compreender o que cerca o problema da
fetichização da obra de Jackson Ribeiro: é uma determinada postura que pretende explicar a obra
de arte a partir da síntese, permite que o observador da obra seja participante e criador dela, e
realize sua própria experiência de pensamento. Se pensar é circunscrever um campo para pensar
(CHAUI, 2005, p.148), quando nos ocupamos em compreender a obra de Jackson Ribeiro,
revisitando seus caminhos para a construção da linguagem, estamos realizando nossa experiência
de pensamento. Entretanto, pensamento e juízo são faculdades humanas que estão em relação
íntima com nossa subjetividade. A maneira como cada observador participa de uma obra de arte,
ainda que seja uma participação como forma diálogo ou pensamento, está relacionada à maneira
como esse sujeito está no mundo e se relaciona com outros fenômenos da cultura.
Essa postura que alia pensamento e juízo passa, necessariamente, pela escolha entre a
explicação de uma obra de arte e o arbítrio de tão somente experimentá-la sem julgamentos.
Quando pensamos um impensado motivado pela obra do artista, realizamos uma relação de
interioridade-exterioridade, fundamos uma relação reflexiva que não deseja dizer o que é, mas
indagar o que somos. Porteiro do inferno desperta as sensibilidade a partir da sua origem no
observador, embora a própria obra seja o “originário da linguagem como sensível” (CHAUI,
2005, p.149). Isso implica afirmar que cada diferente olhar de um novo observador encontrará
na experiência sensível suas próprias questões e respostas. A obra de arte como forma de
conhecimento nos permite compreender que as sensibilidades e emoções, suas razões particulares
e pessoais da existência, são elementos fundamentais do fenômeno da recepção.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. In. Magia e técnica,
arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 165
– 196.
OITICICA, Hélio. Jackson. Rio de Janeiro, 1968. Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=document
os&cod=2&tipo=2>. Acesso em: 02 jun. 2008.
PINACOTECA DO ESTADO (São Paulo, SP). Roberto Burle Marx: uma vontade de beleza.
Curadoria Giancarlo Hannud, textos de Bruno Schiavo e Giancarlo Hannud. Catálogo: São Paulo,
2014. 194p.
PORTEIRO do Inferno continua abandonado. João Pessoa – PB: Jornal o Norte, 13 out. 1966.
SOARES, Stênio. Arcaísmo expressivo: a poética escultórica de Jackson Ribeiro. João Pessoa:
Funarte/Fundação Ormeo Junqueira, 2010. (comunicação oral).
SOUZA, Maria Eduarda Alves de. O escultor de ferro. Jornal do Brasil. Rio de janeiro, 30 out.
1978.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo central analisar concepções e práticas de professores,
no campo da diversidade étnico-racial, de uma escola pública da rede municipal de João Pessoa/PB,
delimitando como objetivos específicos: mapear a formação dos professores para atuar com a
temática e caracterizar concepções de docentes acerca do que consideram importante para a melhoria
do trabalho com a temática para as relações étnico-raciais na escola. Desenvolveu-se por meio da
abordagem qualitativa, com entrevista semiestruturada realizada com três professores da rede
municipal de João Pessoa/PB.
INTRODUÇÃO
126
Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça - UFPB/CE. veronicagominho@hotmail.com
Trabalho apresentado à Universidade Federal da Paraíba, como requisito institucional para obtenção do título de
Licenciada em Pedagogia, sob orientação da Profa. Dra. Elzanir
Santos.https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/11958.
professores do Ensino Fundamental II, levando em consideração as dificuldades existentes na
profissão docente.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Lei 10.639/03 faz parte das políticas de ação afirmativa. Estas têm como objetivo
central a correção de desigualdades, a construção de oportunidades iguais para os
grupos sociais e étnico-raciais com um comprovado histórico de exclusão e primam
pelo reconhecimento e valorização da história, da cultura e da identidade desses
segmentos.
127
A lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003 passou a incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" a qual altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional”.
128
Art. 2° As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas constituem-se de orientações, princípios e fundamentos para o
planejamento, execução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover a educação de cidadãos atuantes
Além disso, a escola deve estar envolvida com a inclusão da temática da diversidade étnico-
racial na perspectiva de que o trabalho seja desenvolvido durante o ano letivo. Portanto, “é importante
destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico, marcadamente, de raiz europeia por um
africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e
econômica brasileira” (BRASIL, 2004, p. 17).
O grande entrave do trabalho para a diversidade étnico-racial nas escolas são as concepções
que alguns docentes têm acerca da temática, existe uma abordagem estereotipada. Tem-se a visão do
negro escravo e pouco se discute o protagonismo negro, a sua luta e a sua resistência ao longo da
história. Essa concepção de inferioridade prevalece, diante disso, passam a naturalizar as
desigualdades raciais na escola abordando a temática apenas no Dia da Consciência Negra. Para
Gomes (2001, p. 05),
Dessa maneira, um povo cuja história faz parte da nossa formação cultural, social e
histórica passa a ser visto através dos mais variados estereótipos. Ser negro torna-se um
estigma. Se passarmos em revista vários currículos do ensino fundamental e médio,
veremos que o negro, na maioria das vezes, é apresentado aos alunos e às alunas
unicamente como escravo – sem passado, sem história – exercendo somente algumas
influências na formação da sociedade brasileira. Numa outra face desse mesmo
procedimento, o negro, quando liberto, é apresentado como marginal, desdobrando-se
na figura do “malandro”.
Pelo exposto, entende-se que o Dia da Consciência Negra não é um dia para comemorações,
é um dia de reflexão, de debate, é o momento de culminância dos projetos desenvolvidos durante o
ano letivo.
Outro fator a ser observado é a abordagem que a escola desenvolve acerca dos aspectos que
envolvem as religiões de matriz africana, ainda existe resistência por parte de professores em
trabalhar com a religiosidade africana.
Partindo desse entendimento o Estatuto da Igualdade Racial assegura,
e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas,
rumo à construção de nação democrática.
Apesar das dificuldades, existem educadores comprometidos com o ensino da história e
cultura afro-brasileira. As exceções mostram que é possível realizar um trabalho de inserção da
temática no cotidiano escolar. Alguns fatores favorecem o trabalho docente com a temática, fatores
como: pertencimento racial, trajetória de vida, formação acadêmica, formação continuada, entre
outros fatores.
METODOLOGIA
Diante dos objetivos apresentados, definimos a pesquisa qualitativa para uma melhor análise
dos resultados.
Para Minayo (2002, p.21-22),
Nessa perspectiva, os sujeitos participantes desta pesquisa são: uma professora de Educação
Física, um professor de História e uma professora de Língua Portuguesa, que atuam no ensino
fundamental de uma escola municipal129 situada no bairro de Mangabeira IV em João Pessoa/PB. A
escolha da professora de Educação Física ocorreu por se tratar de uma mulher que se autodeclara
negra, com dezesseis anos de experiência na área de educação da rede privada e como prestadora de
serviço, e nove anos concursada da rede municipal de João Pessoa, a qual observei e entrevistei
durante a realização do Estágio Curricular, coletando dados acerca da temática-objeto deste estudo.
O professor de História, que se autodeclara mestiço, lecionou por quatro anos na rede privada e está
há quatorze anos como professor da rede pública, a professora de Língua Portuguesa, que se
autodeclara branca, tem dezoito anos de docência, atuou por quatro anos na rede privada, trabalhou
dez anos e seis meses na rede municipal de Cabedelo, e na rede municipal de João Pessoa atua há
nove anos. O professor de História e a professora de Língua Portuguesa, foram indicados pela
professora de Educação Física, por trabalharem de forma interdisciplinar com projetos que abordam
o tema da diversidade das relações étnico-raciais. Ressalta-se, aqui, que as identidades dos
129
De acordo com o censo escolar do ano de 2017, a escola é composta por 83 funcionários, 214 alunos
nos anos iniciais (1ª ao 4º ano), 496 alunos nos anos finais (5º ao 9º ano), 303 alunos na Educação de
Jovens e Adultos, e com 53 alunos da Educação Especial. Disponível em: http://www.qedu.org.br/ Acesso
em: 20 de jun. de 2018.
participantes foram mantidas em sigilo por questões de natureza ética, por esse motivo, foram
chamados de “Maria”, “Pedro” e “Rita130”.
Maria: Eu participei de um curso o ano retrasado, que era uma formação continuada,
na escola Antônia... Não lembro. Que tivemos várias formações, tivemos a questão do
quilombo, tivemos as visitas aos indígenas, que às vezes também se apega muito a
questão do negro e não vê a questão do indígena. Então eram 100 horas, não era 70, era
dia de sábado, era lá em Paratibe, longe pra dedeu, e foi o que não me fez continuar nele
porque ele continua sendo oferecido, mas foi um curso maravilhoso.
130
Conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), as identidades dos sujeitos
participantes da pesquisa foram mantidas em sigilo, aos quais foram atribuídos os seguintes nomes fictícios: Maria
para a professora de Educação Física, Pedro para o professor de História e Rita para a professora de Língua
Portuguesa.
em Paratibe, pelo município, mas não terminei porque eu tive problemas de saúde com
o meu pai e não deu para prosseguir.
Rita: Curso mesmo, nenhum, né. A prefeitura que já ofertou especialização com essa
temática, mas eu já tava fazendo mestrado e depois que eu voltei eu dei um tempo, né!
Até porque no ano que eu tive interesse de fazer não contou como formação continuada
da prefeitura, então mesmo quem fez precisou fazer a outra formação continuada. Então,
assim, não achei muito proveitoso nesse sentido prático de tempo, né, claro que a
formação ela é válida sempre, mas assim como a gente trabalha tem uma carga horária
grande a gente tem que realmente escolher o que fazer, não dá pra fazer muito, e eu
acabo fazendo realmente na minha área. Só esse ano que teve um seminário de uma
tarde, que foi no início do ano, que os professores foram chamados a participar, foi 3
horas só.
Diante do exposto, fica evidente que dois professores iniciaram a formação continuada
com a temática diversidade étnico-racial ofertado pela Secretaria de Educação do município de
João Pessoa, e não concluíram. Nesse caso, um professor queixa-se da localização e o outro alega
ter desistido por problemas pessoais. A terceira professora entrevistada ressalta a questão da
disponibilidade de tempo, enfatiza que prioriza os cursos da sua área e que pontua para a carreira.
A grande problemática percebida é que o professor acaba limitando suas práticas, pelo fato de
escolher a formação continuada na sua área de formação, nesse sentido, encontra dificuldade em
desenvolver o trabalho com a temática. Para que o trabalho seja desenvolvido, os professores têm
realizado pesquisas individuais, o que caracteriza sua autoformação. Para que seja possível
atender a demanda dos cursos de formação continuada, Gomes (2005, p.153) sugere que,
Uma outra proposta de trabalho com a diversidade étnico-racial e que pode ser
considerada como uma estratégia de combate ao racismo no interior da escola refere-se
à organização de trabalhos conjuntos entre diferentes instituições escolares. Para isso, é
necessário realizar um mapeamento das escolas que estejam realizando trabalhos
interessantes com a questão racial. Esse mapeamento pode ser desenvolvido pela
universidade (um projeto de extensão), pelos centros de formação de professores ou por
equipes técnicas da secretaria de educação e divulgado para as escolas. Após esse
mapeamento, pode-se promover encontros e trocas de experiências entre os docentes.
Para tal, é preciso flexibilizar os tempos escolares (que já está proposto na LDB) e
pensar em momentos de participação da comunidade junto com os professores e alunos.
Essa mesma estratégia pode ser realizada, numa escala menor, no interior da própria
escola.
Por esses aspectos, entende-se que, para garantir a formação continuada para a diversidade
étnico-racial dos professores da rede municipal de João Pessoa, é preciso atentar para a oferta dos
cursos observando a localização geográfica, mas igualmente, para uma política de formação que
priorize tempo de formação na carga horária de trabalho dos professores para que seja possível
atender a todos, com materiais pedagógicos adequados.
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES PARA A DIVERSIDADE ÉTNICO-
RACIAL
Pedro: Um eu trabalhei na EJA, que foi aí que eu trabalhei muito mais a questão do
preconceito, trabalhei a parte de uma música de Chico César, que o título da música é:
“respeite os meus cabelos, brancos”, e com a turma do fundamental II eu trabalhei mais
um conceito mesmo da violência, da escravidão, dos escravizados. E trabalhei muito a
questão do poema Navio Negreiros, certo, e desenvolvi com eles um teatro a partir do
poema Navio Negreiro. Como professor de história a gente não pode deixar de falar da
escravidão, mas é claro que eu não me prendo a isso, certo. Eu não fico preso para que
o aluno tenha essa visão de que o negro só foi escravo e ponto final, né! Mas aí eu tenho
que ressaltar toda a importância dessa população que veio para cá, que não veio porque
quis, mas ao chegar aqui contribuíram gigantemente para que o país fosse o que é hoje,
né, aí eu trabalho tanto a questão dos heróis, mas eu trabalho também a questão da
influência na culinária, a influência na dança, na música, na literatura.
Por estes relatos fica evidente que, os professores desenvolvem estratégias para realizar suas
práticas de ensino mesmo com a escassez de material didático, citado por uma das entrevistadas.
De acordo com Chagas (2017, p. 84):
É importante salientar que, parcerias com o movimento negro e com especialistas na área são
fundamentais nesse processo de reconhecimento da história e cultura do povo negro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico - Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro - Brasileiro e Africano. Brasília: MEC -
SECADI/SEPPIR /INEP, 2004. Disponível em: http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-
content/uploads/2012/10/DCN-s-Educacao-das-Relacoes-Etnico-Raciais.pdf Acesso em: 13 abr.
2018.
______, Senado Federal. Estatuto da Igualdade Racial. Brasília, 2010. Disponível
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jul. 2018.
______, (1996). Lei 9.394, de 24/12/1996: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Brasília: Ministério da Educação.
______, Presidência da República. Lei n. 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Brasília, 2003. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/200 3/L10.639.htm>. Acesso em: 22 mar. set. 2017.
GOMES, Nilma Lino. A Questão Racial na Escola: Desafios Colocados Pela Implementação da
Lei 10.639/03. In: Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas / Antônio Flavio
Moreira, Vera Maria Candau (orgs.). 7. ed. -Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
______, Nilma Lino. Educação e Relações Raciais: Refletindo Sobre Algumas Estratégias de
Atuação. In: MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o Racismo na Escola . 2ª. ed. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p.
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______, Nilma Lino. Educação e Identidade Negra. Aletria: Revista de Estudos de Literatura,
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2018. doi:http://dx.doi.org/10.17851/2317-2096.9.0.38-47.
MINAYO, M.C.S. (Org.). Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. 21. Ed. Petrópolis:
Vozes, 2002.
MUNANGA, Kabengele. Uma Abordagem Conceitual das Noções de Raça, Racismo, Identidade
e Etnia. Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação- PENESB-RJ, 5
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de-raca-racismo. Acesso em: 19 set. 2017.
REFORMA TRABALHISTA REDUZINDO O ACESSO À JUSTIÇA
RESUMO: O acesso à justiça garantido no artigo 5°, XXXV, da Carta Magna de 1988 teve
repercussão com a vigência da lei 13.467/17, alterando dispositivos da Consolidação das Leis do
Trabalho que protegia os direitos dos trabalhadores. Restando demonstrada a fragilização dos direitos
com a mudança no pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais. Busca-se assim comparar
as legislações vigente e a revogada, correlacionando com o número de processos ingressos na Justiça
do Trabalho, demonstrando que houve uma redução substancial no número de ações trabalhistas com
a vigência da nova lei, tendo em vista que se tornou mais oneroso o processo para o sucumbente,
limitando assim o acesso à justiça, ferindo princípios relacionados a sociedade livre e solidária, a
gratuidade da justiça, o da cidadania e o da dignidade humana.
PALAVRAS-CHAVE: Sucumbência. Acesso à justiça. Direito fundamental.
INTRODUÇÃO
O princípio do direito de ação está previsto na CF/88, sendo esse um direito público
subjetivo do cidadão, conforme previsão do artigo 5º, XXXV, vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito; (grifado)
Tal dispositivo legal garante ao cidadão o acesso ao Poder Judiciário para apreciação de
lesão ou ameaça de direito, de modo que cabe ao Poder Judiciário tal jurisdição, podendo assim
ser capaz de dizer o direito e fazer a coisa julgada.
“Trata-se de uma das garantias mais importantes do cidadão, uma vez que,
modernamente, a acessibilidade ao Judiciário é um direito fundamental de qualquer
pessoa para efetivação de seus direitos. De outro lado, não basta apenas a ampla
acessibilidade ao Judiciário, mas também que o procedimento seja justo e que produza
resultados (efetividade). ” (SCHIAVI, 2017)
Os Honorários de Sucumbência
A súmula 219 do TST é merecedora de revisão, visto que a mesma se encontra com
enunciado contrário a legislação vigente, devendo tal súmula se adequar aos preceitos legais
vigentes.
A reforma trabalhista introduzida por meio da lei 13.467/17 trouxe inovações no campo
do processo trabalhista, visto que até a vigência da referida legislação não havia no âmbito da
CLT qualquer menção ao pagamento dos honorários sucumbenciais, porém com a inclusão do
artigo 791-A na CLT, houve a expressa previsão do pagamento de tais honorários, bem como a
regulamentação quanto aos percentuais e critérios que o juízo deve adotar para determinação da
quantia a ser paga pela parte vencida, trazendo a seguinte previsão legal, in verbis:
Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários
de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15%
(quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito
econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
§ 1º Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações
em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria.
§ 2º Ao fixar os honorários, o juízo observará:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência
recíproca, vedada a compensação entre os honorários.
Assim a inclusão do referido dispositivo legal trouxe a expressa previsão de fixação dos
honorários sucumbenciais entre a faixa de 5% (cinco por cento) e 15% (quinze por cento) sobre
o valor que resultar a sentença, do proveito econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre
o valor atualizado da causa, devendo o juízo para arbitrar o percentual observar os critérios
elencados no §2º do referido dispositivo.
Tal inovação traz grande repercussão ao processo trabalhista, ao que se observa o
legislador trouxe para a esfera judicial trabalhista a prática que era comum em outras esferas
processuais, a exemplo das ações que tramitam na esfera cível.
Havendo ainda procedência parcial, a possibilidade de reciprocidade entre os referidos
honorários sucumbenciais teve sua previsão trazida no §3º, porém, vedada a compensação entre
estes.
A inclusão do artigo 791-A na CLT não trouxe ainda a previsão de pagamento dos
honorários de sucumbência aos beneficiários da justiça gratuita, conforme a previsão legal
abaixo:
METODOLOGIA
A presente pesquisa buscou correlacionar através de inferência entre os dados de ingresso
de novos processos nas Varas do Trabalho da Paraíba e a Reforma Trabalhista, em particular
quanto ao pagamento de honorários de sucumbência.
A Justiça do Trabalho no Estado da Paraíba é formada por 27 (vinte e sete) Varas do
Trabalho (VT), localizadas nos municípios de Cajazeiras, Campina Grande, Catolé do Rocha,
Guarabira, Itabaiana, Itaporanga, João Pessoa, Mamanguape, Patos, Picuí, Santa Rita e Sousa.
Objetivando correlacionar os dados foram obtidos no sítio eletrônico do 13º Tribunal
Regional do Trabalho (TRT), o quantitativo de novos processos na fase de conhecimento, de
modo a verificar as implicações da reforma trabalhista em relação ao ingresso de novos processos
na esfera judicial trabalhista.
A figura 1 apresenta o quantitativo de novos processos nos anos de 2017 e 2018, este último
apenas até o mês de outubro, visto que os dados referentes aos períodos subsequentes ainda não
foram disponibilizados por aquela corte trabalhista.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir dos dados apresentados na Figura 1, demonstra-se que houve uma “corrida” para
que fossem ingressadas ações trabalhistas antes da vigência da reforma trabalhista, visto que o
mês de novembro houve um aumento de quase o dobro da média do ano de 2017, ficando
evidente a “fuga” da nova legislação, que naquele momento dentre as principais novidades era a
possibilidade de pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais.
Infere-se ainda que a redução ocorrida no ano de 2018 no ingresso de novas ações podem
ter sido motivadas também devido aos aspectos processuais, visto que os advogados em seu dever
laboral devem ter alertado seus clientes sobre a produção de provas concisas, além de elaborar
suas peças apenas com bases jurídicas consistentes, fato muitas vezes que não são comprovados
pelos relatos dos clientes, inviabilizando assim a materialização da peça processual a ser
analisada pelo juízo.
A principal implicação ao cidadão é a perda de direitos constitucionais garantidos no
artigo 5º, XXXV, visto que o cidadão por já ser a parte vulnerável nas relações trabalhistas, por
vezes diante de tamanha incerteza que poderá implicar em maiores prejuízos materiais, em razão
de um possível pagamento dos honorários sucumbenciais, acaba por não ingressar com a devida
ação trabalhista, tendo assim seus diretos tolhidos tanto no aspecto constitucional quanto no
aspecto trabalhista, resultando em perdas de verbas indenizatórias a que fazia jus.
Mesmo ingressando com a referida ação e a mesma for sentenciada desfavorável em
relação ao autor, com o arbitramento de honorários sucumbenciais, caso haja a pretensão de
impetrar recurso da decisão proferida em juízo na ação originária, poderá ainda ser novamente
condenado em pagamento de honorários sucumbenciais recursais, dessa forma causando ainda
mais temor por parte do autor da ação e consequentemente afastando o trabalhador cada vez mais
dos seus direitos.
CONCLUSÃO
Ao longo desse estudo ficou demonstrada que a concessão automática dos honorários de
sucumbência em favor dos advogados atuantes na Justiça do Trabalho, trazida pela Lei nº
13.467/17, é uma das mudanças processuais mais significativas na seara processual trabalhista.
Concluísse que as modificações legislativas trazidas com as reformas trabalhistas afetam
diretamente três indivíduos citados no presente trabalho artigo, quais sejam: a) o Trabalhador
que ver padecer seu direito constitucional de acesso à justiça e garantia a proteção de sua
condição de hipossuficiente limitada; b) O Advogado que ver na legislação como um
reconhecimento a dignidade de sua profissão; c) O Estado por meio do órgão da Justiça do
Trabalho, que observa um fenômeno da mitigação de sua função social de proteger a relação de
trabalho e de assegurar o direito do Trabalhador, além da perda de receitas orçamentárias com a
diminuição do número de casos ajuizados.
No caso do Estado da Paraíba fica notoriamente demonstrado que houve uma redução
significativa de metade do ingresso de novas ações trabalhistas na fase de conhecimento, com
uma evidência de que as vésperas da vigência da reforma trabalhista houve um incremento
anormal de ações trabalhistas, evidenciando que se buscava ali que as mesmas sejam tratadas
com base na legislação vigente anterior a Lei 13.467/17.
Apesar do presente artigo estar baseado apenas na inferência estatística entre o número
de novas ações e os honorários de sucumbências trazidas com a reforma trabalhista, estudos mais
detalhados são necessários a fim de verificar junto a todos os agentes envolvidos, ou seja,
pesquisa em escritórios de advocacia, trabalhadores, magistrados, entre outros, de modo que seja
possível caracterizar de forma pormenorizada a motivação da redução de novas ações judiciais
trabalhistas, ficando como sugestão para pesquisas futuras.
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Adriano Alves de. O que são honorários de sucumbência? 2016. Disponível em:
<https://alvesaraujoadv.jusbrasil.com.br/artigos/396873636/o-que-sao-honorarios-de-
sucumbencia>. Acesso em: 01 out. 2018.
INTRODUÇÃO
131
Bacharel e licenciada em Ciências Sociais, mestranda no programa de pós-graduação em Sociologia
(PPGS), todos pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
REFERÊNCIAL TEÓRICO
Estudar a religiosidade é reconhecer sua complexidade diante das sociedades nos mais
variados ângulos, e reconhecer suas influências na vida cotidiana, inclusive quando se refere ao
cuidado com a saúde e todas as percepções em volta do adoecimento. Os estudos antropológicos
na área da saúde foram iniciados nos anos 60, Canesqui (1994 apud MELLO, 2013), inicialmente
apresentando oposição ao padrão médico, a Antropologia abriu um leque para reflexão de
recursos terapêuticos e questões também além do meio médico oficial.
A relação entre antropologia, saúde e religiosidade é um forte diálogo interdisciplinar que
tem colaborado com ambas as áreas diante dessa ciência que surge enviesada em arcabouços
teóricos abrangentes com métodos e conceitos trabalhados na Antropologia como também
literaturas sobre saúde. Esse campo da Antropologia da saúde procura entender como os
indivíduos expõem e interpretam o adoecimento que se expressam como formas de sofrimento e
dor, levando em consideração as mais diversas formas de interpretação desses fenômenos.
De acordo com Costa e Cardoso (2014) a doença não se limita a fatores ou desequilíbrios
biológicos, mas também deve ser vista como uma construção social, fenômeno cultural e
religioso. Podendo ser comprovada a partir do seguinte raciocínio: a doença é um fenômeno
mundial e a medicina também, consequentemente as doenças são conhecidas pelas suas causas e
sintomas, a causa parte do mesmo agente etiológico em todo o mundo. Já os sintomas se
apresentam normalmente da mesma forma em todos os indivíduos.
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Isso faz refletir sobre a diversidade religiosa brasileira, levando em consideração que o
brasileiro pode seguir mais de uma religião e ter crenças em várias outras. Para Mello (2013) as
religiões afro-brasileiras como a Umbanda e o Candomblé estão ligadas a crenças em espíritos,
este processo se dá pelo ato da incorporação, transe e possessões advindas de espírito estes muitas
vezes atuam na cura e tratamento de doenças, assim como também, na manutenção da saúde
física e espiritual. (SARAIVA, 2010 apud MELLO, 2013). No Candomblé especificamente, onde
estão presentes os cultos aos orixás africanos ligados a força da natureza, acredita-se que cada
pessoa possui seu próprio orixá e este tem uma relação direta com o indivíduo.
Na pesquisa realizada por Mello (2013) no contexto afro-religioso no Rio de Janeiro, um
entrevistado do Candomblé aborda essas questões em seus discursos, quando afirma:
“dependendo do Orixá, a pessoa está mais propícia a sofrer mais em determinada parte do corpo.
Então, por exemplo, uma filha de Oxum, ela já tem tendências a ter problemas na barriga e nos
pés também. Cada Orixá tem a sua parte frágil.” (Sr. Miguel) (Mello 2013, p 89). Porém, essa
busca alternativa de cura está associada ao sistema da medicina popular paralelo ao tratamento
espiritual. Não é dispensável a medicina científica, elas simplesmente se complementam quando
se fala no contexto da Umbanda.
Rodrigues et al (2016) tratam da religiosidade dos pajés na pajelança indígena. Esse
processo mediúnico Xamânico sofreu alterações consideráveis com a presença de grupos
africanos e matrizes cristãs com ideologias ocidentais, nas comunidades indígenas. O ritual da
pajelança marca a religiosidade e espiritualidade indígena e cabocla instrumentalizada por
estruturas simbólicas e imateriais.
Bourdieu (1989 apud RODRIGUES et al 2016) o ritual da pajelança marca a
complexidade, a interiorização da cultura de um povo e suas construções sociais. Isto faz com
que através de mesma se interpretem fatores como adoecimento e cura, com simbolismos e
sentidos espirituais e religiosos. Nas comunidades caboclas a prática desse ritual tem influência
da cultura mágica indígenas, da cultura do negro, do branco, de elementos da afrodescendência,
do marco judaico-cristão e de atividades xamãs indígenas, que segundo os autores “dão vida
também à pajelança cabocla” (RODRIGUES et al 2016, p. 4).
Os pajés indígenas e pajés caboclos são possuidores dos mais diversos saberes como o da
cura, por exemplo, que eram adquiridos como herança dos antigos Caraíba Tupinambá. O que
lhes dão certa importância, devido à confiança que ganham por suas práticas e pelo poder de seus
trabalhos. “A crença no pajé se assemelha em muitos aspectos à fé cabocla no terapeuta popular,
num sincretismo que intermedeia confiança imanente aos que procuram o trabalho de
curandeirismo” (RODRIGUES et al 2016, p. 6).
Verifica-se esse processo de práticas médicas primitivas na pajelança indígena, em que a
religiosidade se faz presente principalmente nos rituais de cura que se dá inicialmente pela cura
da alma que vai enfrentar as doenças, que acreditam ser causadas por espíritos. Ou seja, essas
práticas de curas se estendem a outras culturas, Costa (2008) trabalha dentro da Antropologia da
Saúde, questões religiosas voltadas ao Candomblé e as benzedeiras como formas alternativas de
manutenção da saúde, na busca de cura e suas implicações diante o adoecimento. Esses vão
ressaltar que nas tradições religiosas afro-brasileiras e indígenas há um intermédio entre o plano
terreno e o plano espiritual que denominam como curador.
Costa (2008) faz uma pirâmide para trabalhar as distinções entre as benzedeiras
curandeiros e ervateiros. Na base ficam os ervateiros, aplicam técnicas de rezas e ervas para o
tratamento de doenças. No meio os curandeiros, esses têm um poder superior ao médico atribuído
e reconhecido pelo seu grupo social. E no topo, as benzedeiras que merecem esse poste por já ter
passado pelas outras experiências, detêm o saber sobre as ervas, rezas e entidades sobrenaturais.
Cada religiosidade trabalha a questão da saúde de formas diferenciadas, que se dá de
acordo com as tradições culturais e no que se acredita ou no sagrado o qual se crer. As entidades
que normalmente atuam na área da saúde são os caboclos e pretos velhos no caso da Umbanda.
Já no Candomblé são os orixás Omulu (o médico dos pobres) e Ossáin (orixá das folhas) que
fazem esse papel.
Neste caso pode-se observar que o meio religioso e a medicina popular têm pontos em
comuns, como o uso de plantas como forma de medicamentos. Porém outros elementos estão
presentes neste processo quase de trata de religiões como o Candomblé e a Umbanda, como o
uso do álcool, cigarro, cachimbos, entre outros. Principalmente quando antecede os rituais para
a incorporação, aonde toda a ciência e sabedoria diante do adoecimento vem da entidade, o
médium não precisa necessariamente saber ou estudar para que a cura aconteça.
Ribeiro (2014) colabora teoricamente sobre o “trabalho de cura” na umbanda pelos pretos
velhos e especialmente pelos caboclos. A mesma divide esse ritual em dois momentos,
salientando que esse rito acontece em público por ter o objetivo de reestabelecer de maneira
explícita à harmonia entre o homem e o mundo natural. O primeiro momento é o “diagnóstico”
que se dá quando o indivíduo chega até a entidade, que está incorporada no médium e conversa
sobre seu estado de saúde. O outro momento é quando é feito o tratamento da doença. O
adoecimento é visto nesse campo religioso como um infortúnio. Como ficou claro, o “trabalho
de cura” feito pelos caboclos (as) acontece depois do ritual do infortúnio na vida do indivíduo.
Para Martin e Andrade (2010) a cura pelo benzimento vem de ritos mágicos e se sustenta
por um sistema de crenças, presentes comumente no meio rural, que é intensamente ligado à
religião e à natureza. Na pesquisa realizada pelas autoras em Ligeiro, interior da Paraíba, fica
claro como essa crença se dá na prática observando o relato: Uma vez uma mulher veio de noite
com uma menina; estava vomitando, chega estava descombucada. Eu rezei, no outro dia ela
disse que não tinha dado remédio e estava boa (A. R, p. 7). No relato a rezadeira não só
diagnostica o sintoma de "mau-olhado" garante a cura através da reza feita por ela. Neste a visão
de Martin e Andrade (2010, p. 126) “Neste cenário tudo parece misturado; fé, magia, milagre,
castigo” onde existe uma obrigação de afastar a força do mal.
Paes (2014) trabalha com ex-votos no contexto cristão, católico, no Círio de Nossa
Senhora de Nazaré em Belém do Grão Pará analisa o este espaço urbano e faz refletir sobre as
questões do adoecimento e a religiosidade neste campo religioso. O ex-voto “são levados por
devotos como pagamento de “promessas”” (PAES, 2014, p.2). Durante essa procissão, assim
como muitas que acontecem anualmente no Brasil inteiro, os devotos pagam suas promessas que
neste caso é almejando a superação de um adoecimento, agradecimento e pedindo proteção.
Esses levados, são normalmente objetos que representam a graça alcançada, está
normalmente é tida para o fiel como impossível, então, sua conquista se torna um milagre.
Quando o caso está vinculado à saúde estes ex-votos, segundo Cascudo (2004, p. 450) se dá
através de “representação do órgão ou parte do corpo humano curado pela intervenção divina e
oferecido ao santuário em testemunho material de gratidão”.
Esse ritual é marcado pela característica testemunhal, que se refere à entrega do exvoto,
a quem se foi feito a promessa, de forma pública para que não haja dúvida que a dívida foi paga
e que a graça foi alcançada. Engrandecendo assim, o agente do milagre dando-lhe prestígio. Esse
ritual de crença dentro do catolicismo, que se efetua através da religiosidade dos seus seguidores,
justifica o acúmulo de objetos nos quartos/sala de milagres no mais diversos centros de
peregrinação.
Araújo (2015) faz um estudo de caso onde analisa os devotos do Santo Daime e suas
práticas relacionado a saúde e doença. É interessante colocar que em religiões, como o
catolicismo, por exemplo, tratavam dos adoecimentos através de um processo onde a busca por
cura ou manutenção da saúde eram abstratas, a religiosidade agia sem o uso de qualquer
substância ingerida.
Esta pesquisa, além de surgir com esse diferencial, já traz consigo uma problemática. Este
grupo religioso faz uso durante o seu cerimonial de substâncias psicoativas em um chá que tem
o mesmo nome da religião (Santo Daime) que é essencial para o rito de cura dos seus devotos. O
Santo Daime está inserido nas formas de terapias alternativas, por causa da herança
xamânicaameríndia que carrega, sendo assim o uso dos psicoativos que se fazem presente na
Ayahuasca é comum entre os fiéis na busca de curas físicas e espirituais.
Neste campo religioso a cura não é limitada a “remissão dos sintomas”, mas fornece aos
seus fiéis uma possibilidade de repensar os valores e hábitos que cercam seus cotidianos tornando
a cura significativa “de tal forma que a cura e a doença são compreendidas a partir de uma
perspectiva relacional que fornece um significado singular para o indivíduo em interação com o
cosmos e o mundo espiritual” (ARAÚJO, 2015, p.6). Acreditam e têm como doutrina manter
uma boa relação com o espiritual.
Costa e Cardoso (2014) abordam percepções de cura e adoecimento dentro das igrejas
pentecostais e neopentecostais a partir de um estudo literário em que a Igreja Universal do Reino
de Deus realiza a “Cura Divina”, por compreender a libertação de enfermidades que assolam a
vida das pessoas que buscam ajuda nesse campo religioso para desfazer-se dos malefícios que as
acompanham. Nas últimas décadas, mas especificamente com o advento da modernidade, essa
busca tem aumentado significantemente. Sendo assim, a Igreja Universal tem inaugurado
templos em todo o Brasil, se propondo a atender as pessoas que se sentem doente e se veem
precisando de ajuda religiosa para a cura da mesma. De acordo com Lima (2006 apud COSTA E
CARDOSO 2014):
O conceito de doença na Igreja Universal possui um sentido mais abrangente:
problemas físicos, desemprego, problemas familiares, problemas familiares, problemas
mentais ou emocionais, pobreza. A chamada “Renovação Carismática” da Universal
promete, desde a cura da dor de cabeça, do nervosismo, da depressão e outros
infortúnios que afetam o cotidiano de uma pessoa, até mesmo a AIDS. Para tal, são
usados recursos como “óleos ungidos”, “sal abençoado”, “roupa ungida”, sendo que a
cura é prometida a todos que tenham fé (p. 121).
Vale ressaltar que essa percepção da doença, que se destaca por se diferenciar
drasticamente das concepções tidas normalmente na sociedade brasileira, parte a crença em que
as doenças são causadas por presença de demônios e para expulsá-los para trazer a cura é preciso
manifestá-lo o que distancia esse campo religioso das igrejas consideradas pentecostais. E se
assemelha as incorporações presentes na Umbanda e no Candomblé, porém nessas religiões a
manifestação é vista de forma positiva e nas igrejas Universais de forma negativa e demoníaca.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Francisco Savoi de. O uso de psicoativos e perspectivas de cura para além da
biomedicina: um estudo de caso no Santo Daime. In: REUNIÃO DE ANTROPÓLOGOS
NORTER E NORDESTE, 5., 2015, Maceió. Anais... . Maceió: Edufal, 2015. p. 01 - 10.
Disponível em: <http://eventos.livera.com.br/trabalho/98-1020556_30_06_2015_17-02-
57_2170.PDF>. Acesso em: 15 out. 2017.
GOMES, Isabelle Sena; CAMINHA, Iraquitan de Oliveira. Guia para estudos de revisão
sistemática: uma opção metodológica para as Ciências do Movimento Humano. Revistas
Científicas de América Latina y El Caribe, España y Portugal, Rio Grande do Sul, v. 20,
n. 1, p.395-411, 11 mar. 2014.
RIBEIRO, Maria do Amparo Lopes. “Ôh, que caminho tão longe, quase que eu não
vinha!”: práticas terapêutico religiosas nos trabalhos de cura com Caboclos na Umbanda de
Teresina-Piauí. 2014. 144 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Antropologia e
Arqueologia, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2014. Disponível em:
<http://repositorio.ufpi.br/xmlui/handle/123456789/145>. Acesso em: 30 out. 2017.
SOUZA, Marcela Tavares de; SILVA, Michelly Dias da; CARVALHO, Rachel de. Revisão
integrativa: o que é e como fazer. Einstein, São Paulo, v. 8, n. 1, p.102-106, jan. 2010. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/eins/v8n1/pt_1679-4508-eins-8-1-0102.pdf>. Acesso em: 20 nov.
2017.
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. 3. ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 2003.
Resumo: A proposta do presente artigo é discutir um pouco das religiões brasileiras, mais
precisamente no que diz respeito as religiões que contém traços híbridos e que são de matriz
africana e indígena no Brasil. Entendemos que essa discussão se faz necessária, visto que essas
religiões ainda são discriminadas e marginalizadas, sendo alvo de preconceito, mesmo em uma
sociedade ampla e plural que é a sociedade brasileira. Aqui trata-se de um estudo bibliográfico,
elaborado a partir das concepções sobre essas religiões que já foram trabalhadas por outros
autores, bem como um estudo comparativo, apontando as similaridades e as dissemelhanças entre
essas religiões.
Palavras-chaves: Religiões; Hibridismo; Afro-ameríndias.
132
Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. E-mail: kalinejessica@hotmail.com
Contudo, os portugueses ao chegarem ao território recém “descoberto” se depararam com
uma população não cristã de aproximadamente 5 milhões de nativos que por vez tinham sua
forma especifica de acreditar nos deuses da natureza.
Somando-se aos traços culturais e religiosos trazidos pelos portugueses, e a dos nativos
que já se encontravam aqui, está a cultura e religiosidade africana. Negros, vindos de várias partes
do continente africano, que no território foram mantidos em regime de escravidão trouxeram com
eles as características culturais e religiosas de seu povo, sua etnia. Características diversas entre
si, que ao chegar aqui, pela proximidade em que as etnias se encontravam no território, acabam
por se hibridizar e construir uma nova forma de crer do povo africano.
Os cultos afro-brasileiros são assim chamados por causa da origem de seus principais
portadores, os escravos traficados da África para o Brasil, mas também porque até
meados do século XX funcionavam exclusivamente como ritos de preservação do
estoque cultural dos diferentes grupos étnicos negros que compunham a população dos
antigos escravos e seus descendentes. (PIERUCCI P.202, 2005)
Os criadores dessas religiões foram negros das nações Nagô ou Iorubá, especialmente
os de tradição Oyó, Lagos, Ketu, Ijexá, Egba, e as nações Jeje, sobretudo os mahis e os
daomeanos.(PRANDI 2010,P.29)
O Candomblé nos primeiros anos republicanos e pós abolição, também foi fundamental
para fortalecer os vínculos de sociabilidade entre os negros recém libertos. Não se tratava apenas
de culto, o terreiro tornou-se espaço de sociabilidade e de solidariedade com a camada da
população negra. O que de certa forma não se perdeu até os dias atuais, um exemplo claro é o
respeito que os praticantes tem não somente ao seu orixá, mas também a sua família de santo (as
famílias de santo são organizações familiares sem relação sanguínea, que emergem com a
escravidão e pós abolição como forma mutua de ajuda entre os negros).
A Umbanda por sua vez é uma religião genuinamente brasileira, nasce no Rio de Janeiro
em 1908 sob forte influência do Candomblé, do espiritismo, do kardercismo, e da religião
católica e dos cultos de matrizes indígenas. É uma religião hibrida, que combina traços das
demais, como também apropria e dá nova significação para seus elementos. Na sua essência a
Umbanda não tinha o objetivo de representar a cultura negra, o seu objetivo era na verdade, se
constituir como uma religião que pudesse representar os brasileiros e não apenas uma parcela
deles, mesmo que nos dias atuais ela esteja associada os negros.
Seu panteão compartilha dos orixás africanos assim como o Candomblé, mas como no
seu caso, a Umbanda mistura elementos de outras religiões é característico dela que não se
cultuem apenas os Orixás. Se no caso do Candomblé os orixás foram agrupados respeitando as
referências de seus grupos étnicos, no caso da Umbanda tentou classificar e organizar a grande
variedade de entidades cultuadas. (SILVA 2005)
Além dos orixás, temos os guias, que são inferiores aos orixás, e normalmente são os que
incorporam no corpo dos médiuns, e que se agrupam de acordo com uma serie de aspectos, como
origens étnicas, elementos da natureza, ou afinidades psicológicas por exemplo. As falanges133
são agrupadas a partir de Orixás principais, e abaixo dele encontram se os Pretos Velhos e
Caboclos, médicos espirituais, e por fim na hierarquia, estão os espíritos não evoluídos,
considerados das trevas que na maioria das vezes são incorporados com o intuito de evoluírem
espiritualmente. ( Silva 2005)
Além das diferenças e semelhanças citadas acima, ainda podemos observar que o transe
no Candomblé se faz com o indivíduo inconsciente de forma total, enquanto na Umbanda esse
transe é feito em semiconsciência do indivíduo. As músicas na Umbanda são em sua maioria
cantadas em português, enquanto no Candomblé são feitas em idioma africano, como o Iorubá
por exemplo. No Candomblé a comunicação dos deuses se faz a partir do jogo de búzios e ebós134
e oferendas, no caso da Umbanda existe a comunicação e o diálogo entre o deus e os integrantes
da religião.
Além da Umbanda e do Candomblé ainda identificamos a presença de outras religiões ou
movimentos religiosos que sofrem influência indígena e afro-brasileira com é o caso da Jurema
e do Vale do Amanhecer.
A Jurema também conhecida como catimbó é uma religião iniciatica de origem indígena
com maior incidência no nordeste do Brasil, onde se ingere uma bebida feita da casca da árvore
de Jurema, “a denominação jurema se refere a planta, a beberagem e ao ritual”(PINTO 1995
p.27) Se caracteriza pela incorporação dos mestres e caboclos a partir do transe, pelo uso de fumo
e principalmente pela ingestão da Jurema. Além de mestres e caboclos, o panteão da jurema
também é composto por reis e rainhas e príncipes e princesas, que integram nos planos espirituais
a terra dos “encantados”. Existe a pratica da oferenda, principalmente de frutas e mel, e de
animais em alguns casos. Nesse sentido, observamos também a aproximação da jurema com as
religiões de matriz africana, principalmente por se tratar de uma religião que utiliza a
incorporação, e o uso de oferendas, por exemplo.
133
Na definição atribuída pelo dicionário, a palavra Falange pode ser identificada como tropa ou legião, no caso das
religiões que integram essa nomenclatura, falanges são agrupamentos de espíritos, na maioria dos casos de forma
hierárquica e que tem o mesmo tipo de trabalho que exercem ou aos orixás que estão ligadas.
134
A palavra ebó significa sacrifício ou oferenda feita geralmente a um orixá, que pode ter vários significados, ele
pode ser em agradecimento, pedindo proteção para uma adversidade ou obstáculo da vida ou até mesmo abrir
oportunidades para quem o fez. https://www.juntosnocandomble.com.br/2011/06/ebo-significado-completo.html
O Vale do Amanhecer, movimento doutrinário concebido no Brasil no fim da década de
1960, é uma expressão religiosa bem mais recente que a Umbanda, Candomblé e a Jurema e
assim como as demais também contém traços culturais e religiosos de matriz afro-ameríndia,
contudo bem mais que apenas esses traços, o Vale mistura esses elementos ao cristianismo, com
também traços culturais orientais, andinos, dentre outros. É cristão em sua essência, mas em seu
panteão de espíritos estão presentes os orixás, os pretos velhos e caboclos, médicos, faraós. As
cores e insígnias, juntamente com essa mistura de elementos de outras religiões é o que
caracteriza o movimento. As diferenças do Vale do Amanhecer, com relação as demais é o fato
de terem Jesus Cristo como figura central, outra característica que os diferencia é o fato de não
haver sacrifícios animais, e nem a utilização de tambores e atabaques, e a recomendação de seus
integrantes não utilizarem bebidas alcoólicas no seu cotidiano. Ainda observamos que desde a
sua instituição o Movimento vêm crescendo em número de templos e adeptos, entretanto não se
observa a autodenominação do movimento nos índices do senso por exemplo. É uma doutrina
relativamente desconhecida.
Considerações finais
Buscamos assim como o próprio título informa ao nosso leitor, fazer uma breve abordagem
de religiões que sofreram influencias em sua formação dos povos africanos e ameríndios, o nosso
principal objetivo é tentar informar ao leitor desse artigo que as religiões de matriz afro-ameríndia
são bastante ricas no que diz respeito a sua formação enquanto religião mas também em sua formação
cultural, e nesse sentido, a partir das informações aqui contidas lançar a discussão de forma acessível,
para desmistificação do preconceito, desrespeito e da intolerância religiosa que as religiões de matriz
afro e indígena ainda são alvo mesmo com a instituição do debate e de leis que possibilitaram a
liberdade de culto no Brasil.
Identificamos que a repressão feita a essas religiões bem como a liberdade de culto tardias,
favoreceram em grande medida a marginalização, discriminação, desrespeito e intolerância que as
religiões afro-ameríndias sofreram em grande medida no passar dos anos e também nos dias atuais.
Além do fator social de visibilidade a essas religiões também foi o nosso objetivo identificar
minimamente as semelhanças e diferenças que se estabelecem entre essas religiões para facilitar o
entendimento de que elas são distintas e ricas em seus detalhes, sem as colocar num cesto comum de
particularidades.
Para indicar essas semelhanças e diferenças utilizamos o método comparativo, que nos
permitiu fazer a breve analise das mesmas. Porém entendemos que mesmo com a explanação do que
em síntese constitui cada religião aqui mencionada, a experiência vivida em loco em cada espaço de
sociabilidade delas consegue ser muito mais rico e cheio de detalhes. E é nesse sentido de que apesar
de entendermos que objeto do nosso trabalho a princípio foi cumprido, a pesquisa ainda é bastante
lacunar, principalmente se comparada a experiência pessoal e cada indivíduo que se propuser a visitar
cada espaço socioreligioso que aqui foi mencionado.
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Geralmente, a leitura não aparece entre os jovens como suas preferências, sobretudo nesse
momento de total inserção de tecnologias. Os livros não figuram nas mãos, ao invés dele,
podemos ver os celulares. Isso não implica dizer que temos uma geração de jovens não leitores,
mas de certo, com menos leitores do que podemos considerar, como “leitura relevante”.
Chamamos de leitura relevante, aquela leitura que tem uma qualidade literária, e que pode ajudar
o leitor a refletir sua vida em sociedade.
Na disciplina Teoria e Prática de Leitura, desenvolvida no curso de Biblioteconomia da
Universidade Federal do Cariri – UFCA, procuramos despertar nos alunos o interesse por esse
tipo de leitura, contudo, foi necessária conhecer o que eles traziam sobre leitura, na bagagem.
Assim, a atividade “reminiscência de memória” vem sendo desenvolvida, sempre no inicio da
disciplina, com o objetivo de, através da narrativa, conhecer suas experiências com o livro e a
leitura, bem como, suas escolhas quanto ao gênero literário e, suas influências na prática leitora.
A aceitação foi positiva e os resultados nos surpreendeu, pois, os alunos geralmente
trazem outras narrativas que vão além do que foi requisitado, mas que nos permite conhecer um
pouco mais da história de vida de cada um.
Esse trabalho apresenta os resultados, da última experiência realizada com 42(quarenta e
dois) alunos do período 2018.2, uma turma mista com idade variando entre dezesseis e cinquenta
e dois anos. Revisitar a memória, foi a expressão usada para explicar a dinâmica da atividade
uma vez que é na memória que as lembranças ficam guardadas e, que recorremos quando
queremos recuperar essas lembranças.
O resultado desse exercício revelou diferentes tipos de leitores de práticas leitoras com
escolhas variadas de gênero literário. A partir desses resultados, tivemos a possibilidade e
planejar as discussões em sala usando como base, as informações trazidas pelos alunos, por suas
próprias vivencias. Essa tem se mostrado uma atividade construtiva não apenas para a disciplina,
mas pelo próprio processo de interação entre os alunos, no decorrer da disciplina, trazem para a
discussão em sala, suas experiencias.
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA
Na atual sociedade, explicar as pessoas que ler é importante é uma tarefa difícil. Elas
estão cada vez mais seduzidas, e porque não dizer, abduzidas, pelas ferramentas tecnológicas que
lhes abre um mundo novo, com infinitas possibilidades de ação. Contudo o que muitos custam a
entender é que pra viver nesse mundo novo, é necessário saber ler para poder interpretar, e assim,
compreender a sociedade tecnológica na qual estamos imersos e, todo contexto social em nossa
volta. A leitura é o caminho para a ascensão social de uma pessoa, pois ela possibilita o acesso
a informação e ao conhecimento que são necessários nesse processo. Para Padilha e Souza (2010,
p.4) “a leitura contribui para o prazer pessoal e amplia os interesses do indivíduo, ajuda no
desenvolvimento e na personalidade, além de ser meio para aquisição de conhecimento e de
socialização”.
É pela leitura que o sujeito começa a entender o mundo e superar as barreiras que limitam
suas ações. Sem leitura, a pessoa não vai muito longe e sabemos que isso é um problema que traz
consequências, sobretudo, profissionalmente, e também, abre portas para a manipulação das
pessoas. Para Bamberger (1991, p.99) “a leitura talvez é o melhor meio de impedir o perigoso
raciocínio ‘preto no branco’ (o bem contra o mal) e de contrabalancear os instrumentos de
persuasão e manipulação subconscientes”.
A leitura é o caminho para o exercício da cidadania, pois possibilita que os sujeitos
tenham uma maior participação nos processos sociais, interações e construções na sociedade com
autonomia e podendo se posicionar criticamente. A sociedade da informação oferece muitos
canais de acessos a informação e ao conhecimento, contudo, nem todos utilizam os conteúdos
que são disseminados, por não saber ler, nem compreender as mensagens veiculadas e, desta
forma, acabam sendo manipuladas por outras pessoas. Se apropriar do conhecimento e da
informação é o que vai transformar a vida das pessoas, mas isso requer habilidades, sobretudo de
leitura.
A complexidade que envolve o ato de ler, talvez justifique a dificuldade encontrada por
muitas pessoas que, acabam desistindo dessa atividade, por acreditar que isso não fará diferença
em sua vida. Nesse sentido, o processo de aprendizagem e desenvolvimento cognitivo fica
comprometido e a pessoa não consegue ser um sujeito capaz de agir criticamente. Como afirma
Coltheart (2013, p. 24), “ler é processar informações: transformar escrita em fala, ou escrita em
significado. Qualquer pessoa que tenha aprendido a ler terá adquirido um sistema mental de
processamento de informações capaz de realizar essas transformações.”
A leitura inspira a escrita, e a criatividade no leitor, e os participantes da pesquisa,
descreveram em sua maioria, que também desenvolveram o hábito de escrever, após a leitura de
um livro ou um texto. É preciso saber também que ainda que os livros sejam de fundamental
importância, a leitura não está ligada somente a eles, pois ler é bem mais complexo do que
imaginamos, ainda que não muito mencionado, há várias formas de ler um material, seja com o
toque ou só observando uma imagem.
Na leitura do artigo “Na memória das professoras: uma história de leitura e escrita”, a
autora mostra em vários momentos do texto, através da narrativa de suas fontes, a importância
da leitura na vida de uma pessoa e seu poder transformador. Um trabalho que se identifica com
a pesquisa feita com os alunos, sobretudo quando há um reconhecimento de que, ainda que por
mais básico que seja, tudo aquilo que se leu, um dia contribuirá para o engrandecimento
intelectual e a formação do sujeito leitor. É a leitura, que impulsiona as mudanças acontecem.
Ainda tomando como base o artigo de Freitas (1998), é importante ressaltar o papel que
o ambiente familiar tem nesse processo, pois os primeiros impulsos no despertar da leitura,
geralmente vem da família, quando se começa a construir o gosto pelo livro e a leitura. As falas
abaixo, comprovam essa afirmação.
“A minha mãe sempre lia pra mim e meu irmão. Todo dia, nem que fosse um pouquinho,
mas ela sempre lia”.
“Meu tio era professor e sempre incentivava a gente a ler, ele só dava livro de presente
e eu gostava muito”.
“Na minha casa todo mundo gosta de ler, meu pai sempre tinha livros e as vezes ele lia
em voz alta, pra gente ficar escutando. Foi assim que eu comecei a gostar de ler e de
ganhar livros”.
Como podemos perceber, algumas estratégias são usadas pelas famílias para despertar o
interesse dos filhos ainda criança, pela leitura. Ler em voz alta, ou presentear com livros, pode
ser iniciativas com bons resultados. Esse processo que se inicia com a participação mais ativa da
família, continua com a escola que em geral, é onde se efetiva de fato a aprendizagem, com a
orientação dos professores. As atividades desenvolvidas na sala de aula, utilizando a leitura são
motivadoras e muitos alunos se encantam e acabam descobrindo o prazer de ler um livro.
A partir dessa descoberta, eles começam a identificar o tipo de leitura que mais lhe agrada
e a definir suas escolhas pelo gênero literário. Acreditamos que esse processo de escolhas é
determinante na formação do sujeito leitor. Nesse sentido, consideramos que é importante que o
aluno tenha liberdade de escolha na escola, quanto as leituras que deve fazer. Isso não deve ser
uma imposição, pois dessa forma, pode acarretar na repulsa e aversão aos livros e a leitura. A
escola deve estar aberta a ouvir os alunos e considerar suas escolhas como algo possível e
aceitável, dentro de um planejamento escolar, pois não é eficiente que a escola tenha alunos que
não leiam os livros que ela oferece. As falas abaixo exemplificam isso:
“Eu não gostava de ler na escola, porque os livros que tinha lá eram chatos”.
“Na escola nunca tinha o que eu gostava de ler e eu só lia mesmo porque se num lesse
ficava sem ponto de participação”.
“Muito ruim a pessoa ler o que não gosta e ainda mais quando é obrigado”.
Essas experiências de leituras também ficaram na memória dos alunos e suas falas, nos
mostra que na construção de um sujeito leitor, ele é a parte mais importante, portanto, não deve
ser desconsiderada. A leitura deve ser incentivada partindo de principio de respeito as escolhas
de quem vai ler. Com imposição nada se constrói, isso é fato. A presença maciça das tecnologias
em nossas vidas, tem tirado de muitos sujeitos, especialmente os mais jovens, o gosto pelo livro
físico, e acreditamos que é também, papel da escola saber unir essas duas ferramentas no sentido
de fazer com quem uma, não obscureça a outra.
É perfeitamente possível, no nosso entendimento construir uma sociedade com mais
leitores e mais cidadãos conscientes, se soubermos trabalhar usando todo potencial tecnológico
que temos, sem que isso, deixe o livro fora desse processo. A escola precisa estar preparada para
lidar com esse momento, acompanhando seus alunos nesse processo de descobertas e subsidiando
e incentivando a leitura e a formação cidadã, alinhada ao momento que traz novas práticas de
escrita e leitura.
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise das narrativas forneceu elementos para que pudéssemos entender como se
constituiu a formação do sujeito leitor nos alunos. Foi um processo que envolveu alguns atores
sociais que necessariamente, não estavam inseridos na família. Foram amigos, professores,
vizinhos, um bibliotecário, ou os próprios colegas em sala de aula, participantes desse processo.
A influência familiar no processo de leitura foi o ponto mais ressaltado nas falas, foi através de
um pai, mãe, tia, tio, primos e avós, muitos alunos tiveram seu primeiro contato com o livro e a
leitura.
Sobre essa influência famíliar, as narrativas citam algumas das dificuldades que existiam
nas famílias, que de certo modo, interferiu na normalidade desse processo, contudo não se
configurou como um empecilho ao aprendizado da leitura nem da escrita. Muitos pais, na
impossibilidade de atender seus filhos em suas necessidades de leitura, recorriam a outros
membros da família, para que dessem esse suporte, passando essa pessoa, a ser referência para o
aluno, como citado em muitos dos textos.
O papel desenvolvido pelas escolas também foi outro ponto de destaque. Os relatos
ecoam as dificuldades dos alunos, em ler uma obra de acordo com suas preferencias de gêneros
textuais, sobretudo na época do ensino médio, quando tinham que se preparar para a entrada na
universidade, com uma carga de livros de literatura, que segundo alguns relatos, nada tinha a ver
com o que queriam ler. Essa fala vai na perspectiva do que já havíamos falado, quanto a
importância de a escola considerar as escolhas de leitura feita pelos alunos, no planejamento das
ações a serem fomentadas.
Apesar de muito jovens, os alunos se mostram leitores com escolhas e preferencias de
gênero literário, bem determinadas que, acreditamos nós, pode ser bem aproveitada pela escola
pra discutir problemáticas do contexto social e ajudá-los em suas questões práticas, na vida em
sociedade. Cabe à escola, aos professores e demais sujeitos envolvidos nesse processo, saber
capitanear esse potencial que eles têm em mãos, e tornar essa atividade positiva e proveitosa para
ambos os lados.
Se tratando do gênero literário, pôde-se perceber que a grande maioria durante a infância
tinha um maior convívio com a literatura infantil, com contos de fadas, sendo o Monteiro Lobato,
o autor mais citado. Na fase da adolescência isso foi mudando e, além da literatura brasileira,
(que era uma obrigatoriedade da escola), outros autores foram sendo incorporados as leituras,
alguns de literatura estrangeira, sendo o romance a ficção, os dois gêneros mais citados.
As narrativas refletiram o real interesse dos mesmos pela leitura e isso nos possibilitou
trabalhar essa questão de acordo com as preferencias dos alunos e nos ajudou a construir a agenda
de debates que seriam feitos no decorrer da disciplina. Essa estratégia nós consideramos positiva
uma vez que houve participação plena de todos. Percebemos que os alunos também ficaram
satisfeitos com a dinâmica adotada, sobretudo porque, tiveram voz e puderam construir
coletivamente as ações futuras. Acreditamos que esse é o caminho para a construção do
conhecimento, e para a formação de sujeito pensantes e atuantes na sociedade e, uma vez dando
certo é importante que se torne uma prática cada vez mais comum, ouvir os alunos em suas
necessidades e seus desejos.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BAMBERGER, Richard. Como incentivar o habito de leitura. São Paulo: Ática, 1991.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Edição e
revisão atualizada. Lisboa: Edições 70, LDA, 2009.
COLTHEART, Max. Modelando a leitura: a abordagem da dupla rota. In: SNOWLING, M.J.;
HULME, C. A. Ciência da Leitura. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 24-41.
FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Na memória de professoras: uma história de leitura e
escrita. Veredas: revista de estudos linguísticos, Juiz de Fora, v. 1, n. 2, p. 9-29, jan. 1998.
QUEIROZ, Luís Ricardo Silva. Pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa: Perspectivas para o
campo da etnomusicologia. Claves n. 2, nov. 2006. Disponível em:
http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/claves/search. Acesso em: 14/11/2018.
TEATRO COMO FERRAMENTA DE SENSIBILIZAÇÃO: DIÁLOGOS
ENTRE O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES DE MATRIZES
AFRICANAS EM SALA DE AULA
INTRODUÇÃO
135
Graduada no curso de licenciatura plena em Letras – Língua Portuguesa – pela Universidade Federal da Paraíba.
136
Graduada no curso de História – Licenciatura Plena – pela Universidade Federal da Paraíba.
assuntos que tem um olhar voltado para uma história com configurações exteriores, e com isso tem-
se o esquecimento dos sujeitos que realmente foram importantes para o desenvolvimento do país: os
índios e os negros.
Nesse sentido, a história e a cultura desses povos por muito tempo foi renegada e excluída do
âmbito escolar e social, e por isso que essas duas leis: a 10.639 de 2003 e a 11.645 de 2008 foram de
grande importância para uma educação multirracial, preocupada com o conhecimento e valorização
da diversidade cultural, que são de grande valor, pois:
Assim, o roteiro da peça foi criado pela docente, com falas pensadas pelos alunos, baseando-
se nas invasões em África e no processo de catequização dos negros trazidos para o Brasil. O tema
principal estudado e “desmistificado” – haja vista os preconceitos observados no decorrer das aulas
– foi a vida dos Orixás. Como respaldo para os resultados desta pesquisa, tem-se a análise de
questionário respondido pelos educandos após a peça.
A conscientização tem o objetivo de desenvolver um olhar mais crítico da realidade, e a partir
disso tem-se o desvelamento desta e dos mitos que a rodeiam. O homem, a princípio, tem uma visão
ingênua da realidade que o rodeia, e ao adotar um olhar crítico sobre o seu meio chega-se à
conscientização (FREIRE, 1979).
Destarte, quanto mais conscientização houver, mais há a aproximação com a realidade. A
partir disso, pode-se dizer que o compromisso histórico faz parte da conscientização, pois o homem
é capaz de construir a história por meio desse processo. Assim, Paulo Freire (1979) reafirma o
compromisso histórico que a conscientização implica.
Com base nisso, utilizou-se o teatro como estratégia pedagógica para dinamizar a reflexão e
o debate sobre a temática proposta, pelo caráter provocativo e criativo no seu processo de elaboração
e apresentação. O teatro não só pode trabalhar os conteúdos específicos como também o
desenvolvimento pessoal, pois é entendido como um meio importante para a expressão do indivíduo.
Trata-se de uma relevante estratégia para discussão sobre a diversidade, que neste caso centrou-se
nas questões étnico-raciais e religiões afro-brasileiras.
METODOLOGIA
Na Escola de Ensino Médio Liceu Paraibano, entre os meses de agosto e setembro de 2017,
foi desenvolvido o projeto “Diálogos entre o cristianismo e as religiões de matrizes africanas” com
uma turma do primeiro ano. A professora de língua portuguesa desta turma ficou responsável para
preparar os alunos, a fim de se apresentarem durante a Semana Cultural da escola. Esta ocorre todos
os anos na instituição e é feita como espaço para culminância dos projetos desenvolvidos pelos
professores ao longo do(s) bimestre(s).
Antes de a apresentação da peça ser discutida, a turma teve aulas com vivências
cognoscitivas-emocionais, que envolvem tanto o cognitivo quanto o afetivo (DEL PRETTE; DEL
PRETTE, 2008). A primeira vivência desenvolveu-se da seguinte maneira: pediu-se que os alunos
fechassem os olhos e se imaginassem em casa com a família. Logo em seguida que imaginassem sua
morada ser invadida por pessoas ruivas que falam alemão e já entram espancando seus familiares.
Depois que os levam para um país desconhecido e os obrigam a trabalhar de graça.
Dito isto, os alunos começaram a se alterar, dizendo que não permitiriam essas agressões,
então pediu-se que eles abrissem os olhos, dizendo “o que vocês acharam de imaginar isso?”. Eles
disseram que não se sentiram bem, portanto, fez-se a afirmação: “pois foi isso que ocorreu com os
negros”.
A partir daí começou-se a dissertar sobre a história da negritude, do sofrimento e também das
religiões africanas, discutindo pontos como o preconceito, o que seria a macumba etc. Seguidamente,
durante as outras aulas teóricas, foi dito que a proposta para a Semana Cultural era a de se fazer uma
peça de teatro Quem é o seu Orixá?, que contou a vida de cada um desses seres.
O roteiro ocorreu como se segue: de início dois alunos de vestidos recitaram trechos da
música Carta de Amor, composição de Maria Bethânia 137. Em seguida, seis alunos vestidos com
roupas de etnias africanas entraram para representar os negros em África. Após, apareceram em cena
portugueses que sequestraram dois deles, seguindo para o Brasil. Um ainda era jovem, portanto ficou
sendo catequizado por um padre, que ensinava sobre o cristianismo. Ao longo das aulas, o negro fazia
referências dos personagens cristãos aos orixás. A cada associação, ele chamava um Orixá,
respectivamente: Oxalá, Exú, Iemanjá e Ogum.
137
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tjZgiXwDxwQ>. Acesso em: 10 nov. 2018.
Figura 1 - Alguns atores da peça – Foto: autoria própria
Na saída da peça os alunos entregaram uma lembrancinha com o dia da semana de cada orixá
e também frases que pediam respeito às religiões.
No início da aplicação do projeto, alguns alunos ficaram ainda receosos, mas quando foi
pedido para que pesquisassem a história dos orixás, muitos achismos foram quebrados. Assim, os
ensaios da peça ocorreram durante as aulas de Língua Portuguesa e História, com a direção da
professora de Língua Portuguesa.
A peça foi apresentada no dia 27 de setembro do ano de 2017. Após esta, os alunos
responderam a um questionário, sem se identificar. Seguem as perguntas que o compuseram:
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Durante o desenvolvimento do projeto, percebeu-se que muitos alunos, ao longo das aulas,
quebraram achismos que a cultura brasileira respaldada de preconceitos ainda carrega, a exemplo de
achar que as religiões de matrizes africanas são do “demônio” (conceito do cristianismo), que
macumba era algo ruim e não um instrumento, que os orixás são seres maldosos etc. Isto se confirmou
por meio das respostas presentes no questionário solicitado. De acordo com Antônio Olímpio de
Sant’Ana (2013, p. 64):
Preconceito é uma opinião preestabelecida que é imposta pelo meio, época e educação.
Ele regula as relações de uma pessoa com a sociedade. Ao regular ele permeia toda a
sociedade tornando-se uma espécie de mediador de todas as relações humanas. Ele pode
ser definido também, como uma indisposição, um julgamento prévio negativo, que se
faz de pessoas estigmatizadas por estereótipos.
Esse preconceito foi sendo, aos poucos, quebrado ao longo das aulas, principalmente por
conta das vivências cognoscitivas-emocionais, que tinham como base o objetivo de gerar empatia,
Habilidade Social (PAVARINO; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2005) necessária no ambiente
escolar para haver respeito e para que docentes e discentes possam conviver em um ambiente
harmônico (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2011).
Isto porque segundo Paulo Freire, a educação tem o dever de conscientizar o aluno e é
importante pelo fato de proporcionar significativas mudanças, pois:
Como se pode ver no trecho acima, o(a) discente admite que possuía preconceito, mas que ao
longo do processo ensino-aprendizagem, esta que não foi apenas conteudista, passou a olhar as
religiões afro-brasileiras não mais com “indiferença”, como menciona, tendo em vista ter se
conscientizado.
Por isso, a educação para as relações étnico-raciais e acerca da diversidade cultural religiosa
devem vir a ser uma oportunidade para trazer novas perspectivas para questões como esta (de
preconceitos), que estão intrínsecas em nossa sociedade e que tendem a ser naturalizadas.
Portanto, essas práticas docentes são “um dos elementos para a formação integral do ser
humano que podem encaminhar vivências fundamentais no conhecer, respeitar e conviver com os
diferentes e as diferenças” (FLEURI, 2013, p.20). Tal fato se comprova quando se lê uma das
respostas de E2:
E2: Depois da peça comecei a me interessar mais sobre orixás, comecei a ver outras
peças. Antes da peça não tinha nenhum conhecimento e foi uma experiência muito boa.
Confesso que sentia um enorme preconceito com as religiões, e nunca tive ou quis me
aprofundar mais nesse assunto até que a professora propôs a peça. Sinto que deveria ter
conhecido antes essa religião, antes de julgá-las [sic], hoje entendo que é uma religião
como todas as outras.
O relato de E2 mostra uma realidade comum com relação às pessoas preconceituosas: a falta
de informação, como a própria palavra “pré-conceito” sugere. Por essa razão, é imprescindível que a
escola como espaço educativo englobe no seu Projeto de Intervenção Pedagógica práticas que
possibilitem o educando a conhecer e dialogar com as religiões diferentes da dele, principalmente as
de matrizes africanas, não por serem melhores mas sim por trazerem em sua essência a cultura de um
povo que foi escravizado e sofre até o presente a herança escravocrata dessa falta de empatia social.
Os docentes têm o espaço democrático da escola como um importante meio para a harmonia
destes conhecimentos étnicos e culturais, e as religiões, haja vista relacionarem-se à cultura de um
povo, são elementos imprescindíveis nesse processo. Destarte, é dever da educação escolar ligar o
sujeito ao espaço que o cerca, seja ele inserido ou não em tal contexto para assim gerar o que prevê
a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação: o pleno desenvolvimento do educando e seu exercício
para a cidadania (BRASIL, 1988; 1996).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, percebe-se que a inclusão de iniciativas de cunho cultural, neste caso o
teatro, são um importante meio para o desenvolvimento e solidificação da educação étnico-racial no
âmbito escolar. Mostrar os problemas e a luta dos negros na nossa sociedade é primordial para o
conhecimento e reconhecimento do negro como sujeito histórico e personagem principal de todas as
épocas e acontecimentos que permearam a nossa história.
A partir da construção e contato dos alunos com a peça Quem é seu Orixá? obteve-se um
caminho para a compreensão da verdade por trás da religiosidade afro-brasileira e superação dos
preconceitos arraigados em nosso imaginário social, que tendem a tratar a cultura negra e africana
como exóticas e/ou fadadas ao sofrimento e à miséria.
Com o desenvolvimento de uma educação moldada a partir destes objetivos teremos a
constituição de um espaço de divulgação de conhecimentos que visam a igualdade de raças e culturas.
Portanto, considera-se que a inclusão da história e da cultura afro-brasileira e indígena nos currículos
da Educação básica brasileira, através da promulgação das Leis 10.639 de 2003 e 11.645 de 2008,
por meio das Habilidades Sociais Educativas e da linguagem teatral, é um momento histórico ímpar,
de crucial importância para o ensino da diversidade cultural no país. Isto porque, como mostram os
resultados, os estudantes se sensibilizaram e se conscientizaram no que diz respeito à tolerância
religiosa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
______. Lei 10. 639, de 9 de janeiro de 2003. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”, e dá outras providências. 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /LEIS/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 10 nov. 2018.
______. Lei 11.645, de 10 de março de 2018. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Lei/L11645.htm>. Acesso em: 10 nov. 2018.
DEL PRETTE, Almir. DEL PRETTE, Zilda Aparecida. P. Psicologia das relações interpessoais:
Vivências para o trabalho em grupo. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
DEL PRETTE, Zilda Aparecida; DEL PRETTE, Almir. Psicologia das habilidades sociais na
infância: teoria e prática. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
FLEURI, Reinaldo Matias (Org.) Diversidade religiosa e direitos humanos: conhecer, respeitar e
conviver. Blumenau: Edifurb, 2013.
PAVARINO, Michelle Girade; PRETTE, Almir del; PRETTE, Zilda A. P. del. O desenvolvimento
da empatia como prevenção da agressividade na infância. Psico., Porto Alegre, Ufrs, v. 2, n. 36,
p.127134, maio/ago. 2005. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/v iewFile/1382/1082>. Acesso
em: 10 nov. 2018.
TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO MUSICAL: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA SOBRE UMA OFICINA DE CRIAÇÃO DE JOGOS
MUSICAIS DIGITAIS
RESUMO: O presente trabalho trata-se de um relato de experiência com alunos de graduação e pós-
graduação durante uma oficina de criação de jogos musicais digitais na UFPB. O objetivo era que ao
final do curso, os alunos deveriam saber criar jogos utilizando o PowerPoint. Quanto à metodologia
empregada, os alunos tiveram 2h de aula presencial, onde foram apresentados às ferramentas básicas
de criação de jogos no PowerPoint e 6h de atendimento online, onde os alunos deveriam acessar o
nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA (google sala de aula), assistir aos tutoriais e resolver
as atividades propostas pelo professor tutor, totalizando 8h de curso. Os resultados foram satisfatórios
e apontam para a direção da inovação nas ferramentas utilizadas pelo professor de música nos espaços
educativos.
1. INTRODUÇÃO
Existem várias Game Engines (motores de criação de jogos) que são softwares disponíveis
no mercado de forma gratuita ou parcialmente gratuita. Dentre elas, estão a Unity 3d, Unreal,
CryEngine, dentre outras. Com essas plataformas, é possível criar jogos em 2D e 3D, abrindo todo
um leque de possibilidades. Entretanto, são necessários conhecimentos básicos em programação,
design gráfico, conhecimento intermediário em inglês, entre outras coisas. Assim, a criação de jogos
utilizando o PowerPoint parece ser mais viável. Primeiro, é um programa bastante acessível e
podemos encontrá-lo em quase todos os computadores. Segundo, é muito utilizado por professores
em aulas com apresentações de slides, ou seja, o professor já conhece essa ferramenta.
A oficina de criação de jogos musicais digitais é parte integrante de uma série de oficinas
sobre o ensino de música e tecnologia, que por sua vez, fazem parte do Projeto de extensão “Educação
musical online e semipresencial” vinculado ao grupo de estudos Tecnologias Digitais e Educação
Musical - TEDUM, da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. O projeto de extensão tem parceria
com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - IFRN.
Em 2017, tive contato com esse conhecimento durante a disciplina de Metodologia do Ensino
da Música V, onde a ideia era desenvolver jogos voltados para a educação básica. Nesse mesmo ano,
participei como aluno do curso principal do TEDUM: Diálogos e Conexões, onde tive a oportunidade
de criar um jogo voltado para deficientes visuais. Ao concluir o curso, fui convidado para fazer parte
da equipe do TEDUM.
Em 2018, entrei na equipe com a intenção de ajudar com o que fosse necessário. Em uma das
reuniões semanais da equipe, surgiu a ideia de criar mini-oficinas sobre tecnologias e educação
musical. Num processo bastante democrático, foi perguntado quem gostaria de fazer a primeira
oficina, assim como qual seria o tema da primeira oficina. Surgiram ideias como oficina de violão-
IFRN, oficina de criação de jogos-UFPB, Ferramentas de Comunicação para Músicos-UFPB, dentre
outras. Decidi por voluntariar-me para realizar a primeira oficina na UFPB. O tema que escolhi foi
Criação de Jogos Musicais Digitais. A equipe decidiu que todas as oficinas teriam a mesma estrutura,
2h aula presencial e 6h de aula online, totalizando 8h.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Pensar é excelente, pensar muito é péssimo. Quem pensa muito rouba energia vital do
córtex cerebral e sente uma fadiga excessiva, mesmo sem ter feito exercício físico. Este
é um dos sintomas da Síndrome do Pensamento Acelerado - SPA. Os demais sintomas
são sono insuficiente, irritabilidade, sofrimento por antecipação, esquecimento, déficit
de concentração, aversão à rotina e, às vezes, sintomas psicossomáticos, como dor de
cabeça, dores musculares, taquicardia, gastrite. Por que um dos sintomas é o
esquecimento? Porque o cérebro tem mais juízo do que nós e bloqueia a memória para
pensarmos menos e gastar menos energia (CURY, 2003, p. 59-60).
Desse modo, estamos diante de uma síndrome silenciosa, que está cada vez mais evidente
nos espaços educativos de educação básica, mas que podemos diagnosticar através dos sintomas
como a irritabilidade, déficit de atenção e o esquecimento. Sobre a relação entre emoção e acesso à
memória, o autor complementa:
O acesso à memória nos computadores é livre. Na inteligência humana este acesso tem
que passar pela barreira da emoção. Se uma pessoa está tranquila ou ansiosa, o grau de
abertura da memória e, consequentemente, sua capacidade de pensar estarão afetados
por essas emoções. Um executivo pode preparar bem uma palestra para os diretores da
sua empresa, mas no momento da apresentação pode truncar sua exposição por causa
da ansiedade. [...] A memória humana não está disponível quando queremos. Quem
determina a abertura dos arquivos da memória é a energia emocional que vivemos a
cada momento. O medo, a ansiedade e o estresse travam os arquivos e bloqueiam os
pensamentos. [...] A ansiedade pode comprometer o desempenho intelectual. Alunos
bem-preparados podem ir pessimamente numa prova se estiverem nervosos. [...] Se
quisermos ajudar ou corrigir uma pessoa tensa, devemos primeiro conquistar sua
emoção para depois conquistar sua razão (CURY, 2003, p. 111-112).
De acordo com o autor, para termos acesso à memória, precisamos estar bem
emocionalmente, pois, se considerarmos hipoteticamente que um aluno de música está com medo,
ansioso ou estressado antes de uma apresentação, e durante a mesma ele tem um desempenho muito
abaixo do que o professor tem presenciado em sala de aula, eis aí um sintoma da Síndrome do
Pensamento Acelerado - SPA. Cabe ao professor observar, buscar perceber esses sintomas e oferecer
ajuda ao aluno.
O uso de jogos musicais digitais, seja para dispositivos móveis seja para computador, deve
ser utilizado com moderação, de forma inteligente e sustentável. Apesar de ser uma poderosa
ferramenta de ensino-aprendizagem, o excesso de estímulos visual e sonoro que esses dispositivos
proporcionam, podem ser prejudiciais à saúde dos alunos e acabar por tornar-se uma ferramenta
ineficiente.
3. METODOLOGIA
a) Apresentação.
b) Ferramentas do Powerpoint.
c) Baixar assets do jogo.
d) Ferramentas online (edição de imagem, áudio e vídeo).
e) Sobre o jogo show do milhão.
f) Criando um jogo de perguntas e respostas (Quiz).
g) Conclusão (Avaliação).
A primeira parte do curso foi expositiva onde mostrei alguns jogos prontos no intuito de
despertar a curiosidade e a criatividade dos alunos. Na sequência, tivemos uma parte prática, na qual
os alunos aprenderam os recursos básicos para fazer os jogos. Em seguida, iniciamos a parte online,
que foi baseada a partir de tutoriais e atividades enviadas no google classroom (google sala de aula).
Começamos uma divulgação massiva da oficina nas redes sociais (Facebook, grupos de
Whatsapp e Instagram), nos órgãos oficiais de comunicação da UFPB (site do CCTA e site da UFPB),
divulgação por email para as coordenações dos Departamentos de Música-Demús, Departamento de
Educação Musical - DEM, além de realizar divulgação através de cartazes fixados nos murais do
CCTA.
No dia da oficina, chegamos com 1h de antecedência para ajustes de som e datashow. Embora
eu fosse ministrar a oficina, toda a equipe do TEDUM estava envolvida de algum modo, fosse
auxiliando com as inscrições ou na parte de criação de contas de email do domínio EMO, que
significa Educação Musical Online. As contas exemplo@gmail.emo.ufpb.br, são contas do tipo
empresarial, ou, em nosso caso, institucional. Existem algumas restrições de comunicação, onde só
é possível a comunicação de conta “emo para emo”. Apesar disso, posso listar algumas vantagens de
ter uma conta de email institucional, entre elas, o armazenamento em nuvem ilimitado no google
drive e o desbloqueio de aplicativos exclusivos do google. Fez-se necessário utilizarmos esse tipo de
conta uma vez que só poderia acessar o nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA (google
sala de aula), quem tivesse uma conta com o domínio EMO.
Começamos a oficina às 17h15min. Haviam 15 alunos inscritos, todos compareceram na parte
presencial da oficina. Após uma breve apresentação, falei do projeto TEDUM, sobre as oficinas que
seriam oferecidas durante o semestre, da estrutura da oficina de criação de jogos musicais e do nosso
AVA. Em seguida, mostrei algumas possibilidades de jogos criados no Powerpoint, como por
exemplo, o Jogo da Memória, com o tema da copa do mundo, o jogo Show do Milhão, o jogo Qual
é a Nota, o jogo da Família dos Instrumentos, o Jogo do Coco de Roda, o Jogo dos Intervalos, o jogo
No Ritmo do Frevo, dentre outros.
A maioria desses jogos foram criados por alunos do curso de licenciatura em música durante a
disciplina de Metodologia do Ensino da Música V, que tem por enfoque o eixo temático Música e
Tecnologia. Feito isso, mostrei de forma prática, como podemos criar um jogo de perguntas e
respostas (Quiz) utilizando o Powerpoint. A cada passo que eu realizava no meu notebook era
apresentado nos slides e os alunos repetiam em seus computadores. Durante a oficina de criação de
jogos musicais digitais, foi feito um passo a passo de como criar um quiz, que posteriormente foi
disponibilizado também como um tutorial no google sala de aula.
Em 2017, criei um jogo que consiste em simular o conhecido “Show do Milhão”, jogo de
perguntas e respostas apresentado pelo Sistema Brasileiro de Televisão – SBT entre 1999 e 2009. O
projeto é um jogo que pode ser editável, ou seja, o educador musical pode editar as perguntas a
qualquer momento, com o tema que mais lhe for conveniente138. Por exemplo, teoria musical, história
da música, conhecimentos gerais em música, percepção, etc. O jogo durou mais ou menos 2 meses
para ser criado, desde a concepção até a “Versão Beta”. Apesar de não estar 100% concluído, o jogo
encontra-se num estado que pode ser executado tranquilamente nos mais diversos espaços educativos.
Criar um jogo educacional foi uma experiência incrível. A parte mais difícil, para não dizer
trabalhosa, foi a criação de vários hiperlinks em cada slide.
O nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA (google sala de aula) foi preparado com
bastante antecedência em relação ao início da oficina. Nele foram postados 2 conteúdos: uma
mensagem de boas vindas e a primeira atividade do nosso curso. Atividade 1: Acessar e testar pelo
menos 3 jogos deste link139. Depois, comentar aqui a sua experiência com no mínimo 5 linhas. Os
jogos estavam disponíveis para download no site Mentes Musicais indicado através do link.
Foi então que apareceu o primeiro problema técnico do curso, os alunos estavam com dificuldade
de acessar o nosso AVA. A partir disso, sentimos a necessidade de criar um tutorial explicando o
passo a passo para acessar o AVA. Este primeiro tutorial teve o link disponibilizado no grupo do
Whatsapp. Dos 15 alunos, 12 conseguiram acessar o AVA e continuar no curso. A atividade foi
realizada pelos alunos sem mais dificuldades. Quanto ao prazo de entrega, tive que ser mais flexível.
Este que deveria ser entregue no dia seguinte 05/06, teve o prazo estendido para o dia 08/06.
Quanto ao atendimento online, foi aberta uma webconferência no google meet (similar ao Skype)
e se deu em 3 momentos. O primeiro, no dia 09/06 das 20h às 22h. O segundo, no dia 10/06 das 20h
às 22h. O terceiro no dia 11/06 das 20h às 23h59min. Além desses 3 momentos, havia o atendimento
assíncrono pela equipe do TEDUM via grupo do Whatsapp.
138
Quem quiser saber mais pode olhar o site Mentes Musicais, onde podemos encontrar o trabalho completo que
mostra o passo a passo bem detalhado.
139
http://mentesmusicais2017.blogspot.com/p/jogos-musicais.html
A segunda e última atividade do curso, a Atividade 2 - Final, foi dividida em duas etapas: A)
Criar um jogo no Powerpoint; e B) Enviar o jogo para o Google Drive. A maioria dos alunos não teve
dificuldade em criar o jogo, mas sim em enviar o mesmo para o Google Drive. Durante a oficina,
foram criados tutoriais para auxiliar os alunos. Estes tutoriais foram postados em nosso AVA. O
tutorial 1, tratava da criação de jogos no Powerpoint. O tutorial 2, ensinava como criar o Jogo X. No
tutorial 3, foi feito um vídeo com um resumo da parte presencial da oficina, mostrando como criar
um jogo básico no Powerpoint. O tutorial 4, mostra como baixar vídeos do Youtube, converter para
mp3, editar o áudio e salvar em WAV. No tutorial 5, mostrou como enviar o jogo para o Google
Drive. Para tal, foi criada uma pasta compartilhada no meu Google Drive e postei o link no AVA.
Assim, os alunos poderiam acessar o link dentro do AVA e enviar o jogo para o Google Drive.
Alguns alunos tiveram dificuldade, hora por causa da conexão com a internet, hora por não
entenderem o que deveria ser feito na Atividade 2 - Final. Vale a pena comentar o caso do Aluno X,
que apesar de ter muitas dúvidas, não desistiu do curso, assistiu aos tutoriais, utilizou do atendimento
online via Meet e/ou Whatsapp, quando percebi, já era 1h da manhã do dia 12/06. Apesar de tudo, o
Aluno X conseguiu concluir o curso com sucesso. A segunda atividade teve seu prazo estendido até
o dia 14/06, quando eu declarei encerrada a oficina de criação de jogos musicais digitais. Dos 12
alunos, 10 conseguiram concluir o curso.
4. RESULTADOS
Como produto final surgiram jogos interessantes. Podemos citar alguns jogos tais como o
jogo Música Eletrônica, que apresentou um alto nível de qualidade e comprometimento com a
proposta do curso. O jogo Tema de Minisséries, que trouxe o conteúdo da percepção musical através
das trilhas sonoras de séries de TV. O Quiz Cantar, que explorou questões como quais partes do
corpo estão entre as que produzem o som da voz. O Testando Nossos Ouvidos, esse jogo teve por
objetivo testar o ouvido, trouxe questões como: que instrumento está tocando? Já o Organogame,
aborda o tema da família dos instrumentos e o Minha Primeira Atividade, teve como eixo temático o
ensino do violão, dentre outros. Desse modo, cumprimos o objetivo geral que era criar um jogo
musical no Powerpoint.
Sobre os aspectos que foram avaliados, escolhi como parâmetros a criatividade e a
participação. A respeito dos instrumentos de avaliação, optei por realizar uma avaliação prática.
Além disso, criei uma avaliação no google formulários para que os alunos pudessem avaliar o curso.
Ao perguntar quais foram os pontos positivos e negativos do curso (parte presencial), um dos alunos
respondeu que houve falha de comunicação na solicitação de levar notebook para a oficina. Quanto
ao ponto positivo, ele destacou que a oficina foi bem elaborada. A mesma pergunta foi feita só que
referente a parte online. Ele respondeu que achou tudo tranquilo e de fácil operação. Perguntamos
quais foram os desafios enfrentados? Ele comentou que criar o jogo foi bastante desafiador porque
havia esquecido de algumas instruções e não teve tempo de assistir aos tutoriais com antecedência.
Ao ser questionado se gostaria de fazer um segundo módulo mais avançado, ele respondeu
positivamente.
5. CONCLUSÃO
A Oficina de Criação de Jogos Musicais Digitais me proporcionou vivenciar uma experiência
enriquecedora do ponto de vista pedagógico. Ao longo do curso, tivemos a oportunidade de aprender
e adquirir as habilidades necessárias para que tivéssemos um bom encaminhamento do curso. Os
jogos criados a partir do Powerpoint mostraram-se uma ótima ferramenta de ensino-aprendizagem,
que despertam o interesse dos alunos em aprender.
Pensando na educação básica, surgem algumas indagações que mais cedo ou mais tarde
teremos que enfrentar e buscar soluções viáveis. Como adaptar as tecnologias aos espaços
educativos? Como renovar os métodos de ensino-aprendizagem em tempos de revolução digital? A
educação e mais especificamente a educação musical, passam por uma constante transformação.
Como educadores, podemos ser autores dessa mudança e fazer a diferença mesmo em tempos
difíceis. Mas, o que não podemos, é fazer de conta que as tecnologias digitais não existem. Pretendo
continuar as minhas pesquisas em Tecnologias e Educação Musical e continuar contribuindo para o
avanço da área.
6. REFERÊNCIAS:
BARBOSA, Priscilla Alves et al. Perspectivas em Ciências Tecnológicas, v. 2, p. n. 2, Mar.
2013, 39-48.
CURY, Augusto. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante. 2003.
BLOG MENTES MUSICAIS DA UFPB. Jogos Musicais. Disponível em:
<http://mentesmusicais2017.blogspot.com/p/jogos-musicais.html> Acesso. em: 29 de junho de
2018
CONVERSOR DE ÁUDIO. Online Audio Converter. Disponível em: <https://online-audio-
converter.com/pt/> Acesso em: 29 de junho de 2018.
TANAKA-SORRENTINO, Harue. Jogos Musicais Interativos: uma experiência com alunos
de Licenciatura e Mestrado em Educação Musical. XX Congresso Nacional da Associação
Brasileira de Educação Musical. Educação Musical para o Brasil do Século XXI. Vitória, 07 a
10 de novembro de 2011. Anais da Abem, pág. 1301.
VISUAL HUNT. Free high quality photos. Disponível em: <https://visualhunt.com/> Acesso
em: 29 de junho de 2018.
SAVEFROM.NET. Baixar vídeos do Youtube. Disponível em: <https://pt.savefrom.net/>
Acesso em: 29 de junho de 2018.
TRAJETÓRIAS FORMATIVAS, A ARTE E A CULTURA NEGRA NA
FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES
RESUMO: O percurso formativo de um (a) professor (a) pode se dar oficialmente a partir da
graduação, mas ela é composta por todas as experiências familiares, sociais e culturais. A pesquisa
pretende a partir da trajetória formativa da pesquisadora investigar as lacunas na formação de
professores (as) acerca do ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira. A pesquisa de
campo a ser realizada, busca encontrar uma prática formativa para professores que dialogue, a partir
do estudo dos contos e mitos tradicionais africanos e afro-brasileiros, com o racismo no contexto
escolar. E também com a reflexão sobre a trajetória formativa individual de professores, incluindo
suas histórias de vida.
1. Introdução
Este artigo pretende discutir como a formação inicial e continuada de professores os qualifica
para trabalhar com a cultura africana e afro-brasileira como fonte de conhecimento, incluindo em
suas práticas propostas decoloniais. E como, mesmo após a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) nº 9.394 (BRASIL, 1996), com a inclusão da obrigatoriedade do ensino
de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, o racismo estrutural e a intolerância religiosa
impedem sua aplicação.
A Lei nº 10.639/03 (BRASIL, 2003) acresce à LDB os artigos 26-A, 79-A e 79-B, tornando
assim obrigatório o ensino de Cultura Negra no ensino fundamental e médio das redes pública e
privada de ensino, e define que o ensino de História e Cultura Negra no Brasil se dará por todo o
currículo, mas “em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”
(BRASIL, 2003, art. 26-A, § 2º). Mesmo indicando todo o currículo para a aplicação da lei, é
designada para o ensino das Artes uma grande responsabilidade, e o professor de Arte é um dos
responsáveis pela sua efetivação.
Essa determinação aconteceu durante minha graduação, quando tomei conhecimento dessa
especificidade que atravessou diretamente meus anseios e me fez refletir sobre que tipo de professora
de Artes gostaria de ser, e o principal, como faria para dar conta dessa responsabilidade, pois durante
todo o curso houve somente uma palestra que abordou a existência da lei, sua importância e contexto
histórico.
De modo geral, o ensino no Brasil foi pautado pela cultura ocidental cristã europeia; por isso,
o conhecimento sobre a cultura negra africana e brasileira ficou fora da formação básica do ensino
formal de milhares de brasileiros, geração após geração. Mesmo aqueles nascidos negros no Brasil,
se não pertencem a uma família consciente de sua negritude e que preserva aspectos culturais, ou às
comunidades culturais negras, não têm garantido em sua formação o conhecimento sobre a História
e a Cultura negra. As instituições de ensino, por sua vez, pelo fato de serem projetos de preservação
da cultura hegemônica, não formam professores de Artes qualificados para trabalhar com outras
culturas e cosmovisões.
Pautando-se na lei, muitas gestões escolares subentendem que o professor de Artes está
habilitado a propor projetos com cultura negra. Mas, como isso seria possível? As graduações têm
em sua centralidade a visão ocidental europeia, conteúdos e regras de moralidade e relações
estabelecidas no fim do século XIX e começo do XX, período em que o Brasil se pensava
intelectualmente como nação e em que o pensamento racista predominava em grande parte da
intelectualidade brasileira.
O racismo foi estruturante na formulação da identidade nacional, o que influenciou direta e
indiretamente a elaboração do currículo de ensino. “Toda a preocupação da elite, apoiada nas teorias
racistas da época, diz respeito à influência negativa que poderia resultar da herança inferior do negro
nesse processo de formação da identidade étnica brasileira.” (MUNANGA, 2004, p. 54)
Neste artigo, farei uso da metodologia “história de vida” a fim de apresentar minha trajetória
formativa como artista e educadora, e narrarei como, a partir dela, questionei o racismo institucional
e percebi a invisibilidade da arte e da cultura negras em todos os níveis da formação de um professor.
Para ilustrar o caminho percorrido até o momento na pesquisa, serão relatadas experiências
formativas para professores em dois projetos artísticos e educativos, as quais colaboraram para a
definição da pesquisa de campo, que será um novo projeto de formação para professores (as) em arte
e cultura negra, com maior aprofundamento em conceitos que se apresentaram nas experiências
anteriores.
No inicio dos anos 2000, o Movimento Negro brasileiro teve uma importante conquista: a
alteração da LDB nº 9.394/96, uma mudança histórica que refletiu a luta de muitas gerações de
militantes negros, artistas, pesquisadores, professores e políticos.
Com isso, a instituição privada onde cursei a graduação ofereceu palestras gratuitas,
contextualizando a necessidade e importância história dessa mudança na LDB. Tomei conhecimento
de sua existência e de que, de alguma forma, essa alteração provocaria também a mudança da prática
educativa de muitos arte-educadores.
Mas, fora essas poucas horas, não houve durante os anos de curso mais nenhuma proposta
formativa que fizesse com que aquela geração de futuros artistas e professores de Artes se sentissem
capazes de atuar na perspectiva dessa mudança.
A educação sistêmica ainda é herdeira do modelo implantado pelos jesuítas, que pensa a arte
como um meio para catequizar e modernizar outras áreas, e que exclui a arte negra e a indígena. Ana
Mae Barbosa (2002, p. 21) fala sobre a presença invisível dos jesuítas:
Embora ausentes das atividades educativas, eram os ecos de suas concepções que
orientavam nossa cultura quando aqui chegou D. João VI, e oito anos depois quando
chegou a Missão Francesa, havendo mesmo quem afirme que suas influências ainda
ressoam entre nós!
Sendo a escola historicamente um aparelho ideológico do Estado, ela se estrutura com base
nessa concepção. Simas e Rufino (2018, p. 20) afirmam: “A experiência de escolarização no Brasil
é fundamentada pelo colonialismo europeu-ocidental e pelas políticas de expansão e conversão da fé
cristã”.
Meu trabalho como artista levou-me para grupos de culturas negras tradicionais, onde iniciei
minha real formação em cultura negra. Mas, apesar do processo formativo em cultura negra iniciado
na atuação artística, como arte-educadora não havia conseguido modificar as abordagens de temas e
artistas.
Na trajetória percorrida na arte-educação, as tentativas de inclusão de práticas centradas na
cultura negra foram poucas e tímidas, mas mesmo assim sofri impedimentos por parte da gestão das
escolas, nas particulares e também nas escolas públicas. Deixei a sala de aula, pois reviver o racismo
na instituição escolar reabriu as feridas decorrentes de todo o racismo e intolerância religiosa vividos
como aluna da educação fundamental, nos anos 1980 e 1990.
Afastada da sala de aula, parti em busca de caminhos em que pudesse ir ao encontro da criança
e do professor (a), uma experiência independente da escola que proporcionasse reflexões sobre o
racismo e a intolerância. Encontrei no estudo de contos e mitos tradicionais africanos e afro-
brasileiros uma perspectiva de formação em cultura negra, um caminho a percorrer pela densa e
profunda floresta das culturas e histórias negras, e um caminho pra refletir e combater o racismo e a
intolerância religiosa.
São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num
grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se
estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a
faculdade de intercambiar experiências. Uma das causas desse fenômeno é óbvia: as
ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu
valor desapareça de todo. (BENJAMIN, 1994, p. 202)
Após as descobertas na experiência formativa com o projeto Literatura Negra e Oral, percebi
a necessidade de uma proposta formativa que dialogasse com a Abordagem Triangular de Ana Mae
Barbosa, abrangendo contexto histórico, estudo/pesquisa para reflexão e produção artística.
A produção cultural e artística negra é, por natureza, multifacetada, com muitas linguagens
em diálogo: Música, Dança, Artes Visuais, Performance, Narração e Artes Cênicas estão quase
sempre interligadas. A partir dessa perspectiva foi criado ÌRÈTÍ, que em iorubá quer dizer
“esperança”. Esperança de mudanças de paradigmas e de giros epistemológicos.
O projeto foi criado em parceria com uma educadora do MAB das Ciências Sociais, formado
inicialmente por sete módulos, que se propunham a apresentar diferentes perspectivas históricas,
artísticas e culturais da arte negra. Realizamos na região noroeste em 2014 e na região leste de São
Paulo, em 2015. No módulo “A tradição oral, os contos e mitos e a educação”, pude aprofundar os
temas abordados na formação anterior e discutir mais criticamente o determinismo do racismo em
nossas relações com a cultura tradicional e negra.
Estudamos o conceito de tradição viva, apresentado por Hampaté Bâ no texto A tradição viva
(História Geral da África, pág. 167), e fizemos relações com a função do tradicionalista da palavra
no contexto africano e a função de professores no contexto ocidental.
Mergulhamos no conceito de arte e cultura negra tradicional, africana e afro-brasileira com o
foco na arte da narrativa, no reencontro do professor com a palavra, inspirado na qualidade da palavra
proferida no contexto tradicional, que preserva e fomenta conhecimentos milenares. Para ir ao
encontro da qualidade da palavra proferida no contexto educativo, buscamos a figura do narrador
tradicional, conhecido ocidentalmente como griot, no contexto das famílias das professoras e de seus
alunos. Valorizar a tradição oral familiar, os conhecimentos transmitidos por avós e avôs, era o
primeiro passo na direção da valorização do que se conta em sala de aula, da importância da sabedoria
que está além dos livros.
Após um período de estudo do contexto histórico e da técnica de narrar histórias, apresentei
um repertório de histórias tradicionais registradas na literatura infanto-juvenil contemporânea. Havia
livros de autores brasileiros, norte-americanos e africanos, que pesquisam histórias tradicionais
africanas e a mitologia afro-brasileira. Os livros foram dispostos em mesas e as professoras, após um
tempo de apreciação, deveriam escolher uma história, que seria compartilhada na roda de histórias
que finalizaria nosso módulo de estudo.
As discussões sobre racismo institucional apareceram ao longo dos encontros. A gestão
escolar e a família sempre apareciam como os agentes impeditivos de práticas com a cultura negra;
não havia, até então, reconhecimento dos racismos individuais, da dificuldade pessoal das
professoras. Mas as escolhas das histórias contaram muito sobre suas limitações, principalmente
quando se tratava das mitologias afro-brasileiras, das mitologias dos orixás.
O debate sobre como o contexto cultural do professor não deveria definir quais culturas ele
apresenta para seus alunos foi profundo e doloroso. Principalmente ao abordar o campo da
religiosidade, ficou claro que a laicidade do Estado, garantida na Constituição, é subvertida no
contexto brasileiro. Ela muitas vezes apareceu como justificativa para a ausência da mitologia afro-
brasileira nas rodas de histórias.
A laicidade nasce na França para garantir a separação entre Estado e religião e respeitar o
direito individual à diversidade religiosa. Mas no Brasil ela foi usada para excluir tudo o que se
relaciona à cultura negra, que é esvaziada e reduzida às religiões de matriz africana. A intolerância
religiosa faz com que uma mitologia seja vista unicamente como expressão de uma religião e não
como parte de um arcabouço cultural milenar, onde o culto às divindades é um dos aspectos, e não
sua totalidade. Racismo e intolerância religiosa andam juntos e se fundem quando o assunto é
mitologia afro-brasileira.
Nos últimos encontros, quando preparávamos a roda final de histórias, percebi que poucas
haviam escolhido a mitologia dos orixás e, mesmo depois dos estudos sobre como o sincretismo
contribuiu para a demonização dessas divindades, professoras com orientação religiosa
neopentecostal diziam abertamente que “os demônios” não entrariam em sua sala de aula.
Mas, apesar da resistência à inserção da mitologia afro-brasileira, pudemos ter uma roda de
histórias diversa, que representou a riqueza cultural de nossa herança cultural africana. Muitas
professoras relataram que já estavam experimentando novas propostas com a cultura negra e que se
sentiam mais seguras e fundamentadas para argumentar junto às gestões e às famílias. Além do
processo de aprendizagem sobre a cultura africana e afro-brasileira, algumas puderam rever a própria
história e seu pertencimento à história da população negra, reconstruindo sua autoestima como
mulher negra.
5. Conclusão
A arte negra pode ser campo de pesquisa para o entendimento da cosmovisão africana, da
qual a cultura afro-brasileira descende diretamente. E os mitos e contos tradicionais são portas de
entrada para a compreensão de que a cultura negra está longe de ser exclusivamente uma expressão
religiosa, folclórica e exótica.
A formação em Arte e Cultura Negra é, portanto, fundamental e urgente para que o racismo
institucional existente na escola e na prática educativa seja combatido. Aos professores (as) que
reproduzem racismo por falta de conhecimento, o conhecimento; e aos professores (as) que
perpetuam o racismo por ideologia, o conhecimento das leis.
Ao se pensar uma formação de professores que traga a reflexão sobre nossa formação inicial
e sobre a percepção de nós mesmos, como profissionais e cidadãos, a formação continuada em Arte
e Cultura Negra é uma grande potência. Revisitar a própria trajetória em relação ao racismo e à
intolerância religiosa, com o apoio da metodologia de histórias de vida, pode ser fundamental para
uma verdadeira mudança de paradigmas; rever-se e reconhecer seu papel como sujeito histórico
potencializa as propostas com arte e cultura negra.
Os pilares que fundamentarão a futura pesquisa de campo com formação continuada de
professores são:
contextualizar historicamente: conhecer a história oficial e as histórias invisíveis sobre o
percurso da população negra na diáspora brasileira;
pesquisar/ler a obra: perceber a oralidade como campo de conhecimento por meio dos mitos
e contos africanos e afro-brasileiros, com o apoio da recente produção de literatura infanto-
juvenil;
produzir arte: retomar a capacidade de um professor de narrar, permitir que a arte de narrar
histórias conduza processos de aprendizagem significativa em sua formação continuada e que
isso reflita em sua prática educativa.
Ao revisitar sua obra, a professora Ana Mae Barbosa (1998) reafirma que Abordagem
Triangular não é um método, pois método quem cria é o professor, nesse caso, a formadora. A
Abordagem Triangular aponta caminhos formativos que garantem a compreensão do campo de
estudo de forma profunda e multifacetada, sem limitar a capacidade criadora durante um processo
formativo.
Referências Bibliográficas:
ARAÚJO, Emanuel. O Museu Afro Brasil. São Paulo: Banco Safra, 2010.
BÂ, Amadou Hampaté. A tradição viva. In História geral da África I: Metodologia e pré-história
da África / editado por Joseph Ki‑Zerbo. Brasília: Unesco, 2010.
BARBOSA, Ana Mae. Arte – Educação no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.
BENJAMIN, Walter. O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e
técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BERNAT, Isaac. Encontros com o griot Sotigui Kouyaté. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
BRASIL. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
Brasília, DF, 2003a. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 19 jun. 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações
étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF, 2004.
Disponível em: <http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/10/DCN-s-
Educacao-das-Relacoes-Etnico-Raciais.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2018.
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
1 INTRODUÇÃO
Esse trabalho apresenta um resultado parcial das ações desenvolvidas no projeto de extensão
“Tratar e organizar para disseminar: ações práticas da Biblioteconomia no Centro de Psicologia da
Religião em Juazeiro do Norte-CE” e, reflete a preocupação dos futuros profissionais da informação,
em relação ao tratamento dado aos documentos que registram a memória da religiosidade popular na
região do cariri cearense, especialmente na cidade de Juazeiro do Norte, na região sul do Estado do
Ceará. Os alunos do curso de graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri-
UFCA, através do projeto, vivenciam a realidade de um acervo, que não dispõe de um tratamento
adequado, nem de uma política de desenvolvimento que venha a garantir a proteção dos documentos,
do ponto de vista da preservação e conservação, evitando assim, a deterioração e os possíveis danos
ao patrimônio material.
Essa experiência, só é possível, porque a universidade, através da pró- reitoria de extensão,
viabiliza a execução de projetos que agregam valor e qualidade ao ensino mediado em sala de aula.
A parceria entre a UFCA e o Centro de Psicologia da Religião – (CPR), permite ao aluno
desempenhar, também, um papel social, uma vez que ele leva para além das fronteiras da
universidade, o conhecimento que é produzido lá. A discussão sobre a responsabilidade social das
universidades, sobretudo aquelas de caráter público, assim como, do papel da extensão universitária,
não é de agora. Ela ultrapassou diferentes momentos da história do país e dos movimentos sociais
que, liderados por estudantes na época, (SOUSA, 2002), faziam valer o direito, e o acesso à educação
e a cultura para o povo.
Passados diferentes momentos, a extensão universitária continua sendo uma das portas de
escoamento do conhecimento que as universidades produzem para serem aplicados na vida em
sociedade. Assim, a idealização desse projeto foi guiada por essa história e pela necessidade latente,
dos alunos colocarem em prática, seus conhecimentos. Nossa intenção se associou ao desejo
expressado pelo CPR, no sentido de receber o conhecimento que a ação de extensão podia lhe
proporcionar.
O CPR, é uma instituição sem fins lucrativos e, foi fundado no ano de 1977, com a chegada
à cidade de Juazeiro no Norte – CE, das pesquisadoras e religiosas da Congregação de Nossa Senhora
(CSA), Therezinha Stella Guimarães, doutora em Psicologia da Religião e, Anne Dumoulin, doutora
em Ciências da Educação. Desde então, vem cumprindo com o propósito que motivou sua criação,
exercendo a responsabilidade social, uma vez que, traz à luz, a pesquisa e o estudo da religiosidade
popular na região do cariri cearense, que tem na figura do Padre Cícero, seu maior representante.
Localizado no bairro Aeroporto, o CPR possui um acervo de grande relevância histórica,
formado por vários documentos de tipologias diversificadas como; manuscritos, livros, cordéis,
jornais, dicionários, teses, dissertações, obras consideradas raras, conforme os critérios de
classificação para esse tipo de documentos. O início da atuação religiosa das pesquisadoras na
localidade, é também o marco inicial para um trabalho de campo da pesquisa desenvolvidas por elas,
a longo prazo, que já resultou em muitas publicações sobre a história da religiosidade popular no
Brasil, especialmente, na região sul do Ceará.
Com a crescente atuação, as pesquisadoras foram formando, a partir das diversas doações
recebidas, o acervo que se encontra na biblioteca do CPR e que, recebe a ação de extensão. Além da
religião e da religiosidade popular, o acevo traz também outras temáticas dentro das ciências humanas
e da educação, razão que aumenta ainda mais, a procura por esse acervo. Nesse sentido, é que se
buscou levar o projeto ao CPR, colaborando com a aplicação das técnicas de tratamento e organização
de documentos, para que a biblioteca possa oferecer a seus usuários um acervo em condições ideais
de uso, bem como, garantir que os documentos possam tem uma vida longa no acervo.
Assim, o projeto teve como objetivo geral, facilitar aos usuários a recuperação e o acesso à
informação por meio de um acervo adequadamente organizado. A biblioteca é um espaço importante
na sociedade e muitas vezes é esquecido, ou mal aproveitado, contudo, quando existe uma gestão que
está atenta a essas questões, pode vir a ser um lugar agradável e bem frequentado pelos usuários.
Desta forma, a pesquisa justifica-se pela importância social do fenômeno religioso na região do cariri
cearense, para a história da religião no Brasil e pela atuação da biblioteca junto à sociedade, prestando
um serviço de grande relevância a pessoas de diferentes partes do mundo.
As bibliotecas que ainda não disponibilizam seus acervos através das diversas formas de
acesso online são consideradas tradicionais, sobretudo em relação ao uso das práticas aplicadas no
tratamento e na organização da informação. Podemos afirmar que a biblioteca do CPR é uma
biblioteca tradicional em todos os sentidos. Ela não entrou na era tecnológica e o acervo, é tratado e
organizado, nos moldes da biblioteconomia tradicional.
O seu acervo é formado por uma variedade tipológica de documentos, incluindo, obras
especiais, consideradas raras, que necessitam de um cuidado mais especifico, no sentido de combater
as ações do tempo que provocam a depreciação do documento, dentre outros, que estavam sendo
disponibilizados para consulta local, sem um tratamento e uma devida organização, o que dificulta o
acesso a informação, impedindo que a biblioteca cumpra seu papel mais relevante que é, o de tornar
a informação acessível e possível de ser recuperada Souza e Hillesheim (2010).
Foi nesse sentido que as intervenções foram sendo pautadas e, por entendermos que o
tratamento e a organização da informação são etapas essenciais que, quando deixa de ser feita,
acarreta danos muitas vezes irreparáveis ao acervo, como também, para o usuário. Para Guimarães
(2009, p.106), a organização da informação deve ser entendida como,
Os procedimentos aos qual o autor se refere, são as etapas de catalogação, que consiste na
representação do documento do acervo que será disponibilizada aos usuários por meio dos catálogos.
Segundo Mey (1995, p. 5),
3 METODOLOGIA
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Com o trabalho já realizado, uma conclusão parcial apresenta como primeiros resultados, a
identificação de um acervo de relevância histórica e cultural com valor e dimensão, não apenas
religiosa. Os registros revelam informações da formação social, política e econômica da cidade de
Juazeiro do Norte, e as características do crescimento urbano da região do cariri cearense, e também
da religiosidade local. Podemos concluir que se trata de um acervo de grande valor informacional.
O CPR possui um acervo de aproximadamente mil obras, apesar da relevância documental,
do acervo, o mesmo não se apresenta em condições ideais de uso, no que se refere à classificação dos
assuntos, como ocorre com os acervos nas bibliotecas.
Falta a este, organização e tratamento, em conformidade com as técnicas que facilitam o
acesso dos usuários aos documentos e, que ajudam na disseminação da informação. Mesmo assim, o
CPR vem cumprindo sua função social, e o propósito que motivou sua criação e, se constitui como
um campo de pesquisa para estudiosos e pesquisadores de várias partes do mundo, que veem em
busca de conhecer e estudar a religiosidade popular naquela região. Um trabalho de pesquisa que na
maioria das vezes resulta numa produção acadêmica ou literária, contribuindo desta forma, com o
aumento de publicações acerca da temática religiosa e, consequentemente, com o volume documental
do acervo do CPR.
A história em torno do fenômeno que ficou conhecido como o “o milagre do Juazeiro”,
alimenta um fluxo constante de pessoas – seja na condição de ”romeiro”, seja como pesquisador - e
dita o ritmo e a dinâmica de funcionamento na cidade, chegado a ficar impraticável a circulação em
determinadas localidades, especialmente quando se aproxima as datas comemorativas, quando
ocorrem as grandes romarias.
Desde que foi criado, o CPR acompanha de perto esse movimento migratório, através do
trabalho de acolhida aos romeiros, realizado pela religiosa Anne Dumoullin, com apoio da igreja
católica, que como pesquisadora tem contribuído com os estudos da religiosidade popular através de
suas publicações na área e com a pesquisa, uma vez que mantém aberta à comunidade científica, as
portas do CPR. Nesse sentido, este se mostrou um campo fértil para uma atuação da Biblioteconomia.
5 CONCLUSÃO
A partir do que foi descrito neste trabalho, observa-se o vasto número de informações
guardadas no CPR em Juazeiro do Norte, que devem ser expandidas como fonte de pesquisa nos
meios educacionais. É preciso definir e aplicar uma política de organização e tratamento destes
materiais tendo em vista a sua recuperação pelos pesquisadores e estudantes em busca da memória
tanto da cidade, como também, da religiosidade popular, levando em consideração a riqueza do que
está armazenado neste local. As atividades que foram desenvolvidas no projeto proporcionaram aos
integrantes a oportunidade de obter novos conhecimentos e desenvolver experiências referentes à
organização, tratamento e preservação de acervo, integrando teoria e prática.
Destaca-se que o CPR é tradicional, e preserva a história local da cidade e de pessoas
importantes em épocas passadas, que construíram a identidade da região. A chance de participar da
organização e tratamento do acervo foi de importância fundamental para nosso desenvolvimento.
Na prática, os métodos abordados nas disciplinas da graduação e o contato com outras, que
serão vistas posteriormente, bem como, uma maior compreensão da interação entre acervo e usuário,
visto que é de suma importância no desenvolvimento do projeto, que o material tratado vise atender
a demanda de usuários, além de atender aos desejos da Irmã Annette que disponibilizou o local e o
acervo ao público, registrando a existência de um centro de pesquisa, que possui um acervo rico e
histórico, sobre uma das histórias mais antigas e marcantes da cidade, de valor não apenas religioso,
mas para toda a sociedade na qual faz parte, é o que o torna um ambiente tradicional e único.
Nesse sentido é vista a importância de se ter uma biblioteca única, organizada de acordo com
a cultura organizacional, e que a presença de profissionais adequados trabalhando de forma
interdisciplinar faz toda a diferença, evitando, assim, o mau manuseio dos documentos e construindo
um centro informacional adequado e eficiente.
6 REFERÊNCIAS
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 7ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1978, 262p.
LIMA, Bruno. Pesquisa Exploratória Simples, 2012. Disponível
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SOUZA, Fernanda Possenti de; HILLESHEIM, Araci Isaltina de Andrade. Tratamento da
informação e o uso das tecnologias da informação e comunicação. Biblionline, João Pessoa, v. 10,
n. 2, p. 81-96, 2014. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/biblio/articl
e/view/16748/12483>. Acesso em: 16/11/2018.
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE O ENSINO DE
CONTRABAIXO ELÉTRICO E TEORIA MUSICAL NO GRUPO BXPE
NO WHATSAPP
RESUMO: Este trabalho refere-se à reflexão sobre práticas utilizadas para o ensino de contrabaixo
elétrico e teoria musical através do aplicativo Whatsapp. Trata-se do grupo BxPE onde participam
contrabaixistas de Pernambuco que compartilham entre si, áudios, vídeos sobre técnicas, experiências
vividas, possibilidades de repertórios baseados no citado instrumento. Este artigo pretende discutir
sobre as metodologias referentes ao ensino educativo/musical, o entendimento sobre o grupo e seus
objetivos para a valorização dos músicos integrantes, assim como as possibilidades metodológicas
que podem ser utilizadas no terceiro setor e/ou em contextos não formais de ensino que também
possam estar inseridas em grupos no aplicativo Whatsapp com a finalidade de ensinar e aprender
música em diferentes contextos.
INTRODUÇÃO
O grupo de nome BxPE, foi fundado em Março de 2014 através do aplicativo “Whatsapp”
destinado para telefonia móvel. Este grupo foi criado com o objetivo de aproximar os vários
contrabaixistas do estado de Pernambuco, tanto os profissionais quanto os amadores, na tentativa
de igualar e perpetuar o respeito mútuo entre os integrantes, sobretudo na intenção suprir a
necessidade de músicos substitutos para as bandas e orquestras de baile.
O referido grupo contém uma média de mais de 78 participantes 140 que se reúnem em
encontros mensais marcados sempre nas 2as segundas-feira, para debater questões musicais e
sociais, tendo como objetivo solucionar os problemas existentes na classe musical e os projetos
que visam beneficiar a todos do grupo, tais como: melhorias de cachês, workshops, masterclass,
encontros musicais, campanhas de doação à instituições e membros, na tentativa de sanar a
desigualdade entre músicos.
O BxPE é organizado por núcleos141 da seguinte forma:
Financeiro;
140
Nem todos os participantes podem comparecer aos encontros presenciais, pois os horários não convêm para
alguns, geralmente por motivos de trabalho.
141
Vale salientar que para cada núcleo, existe um diretor e seus assistentes.
Gerência da sala virtual;
Gerência do facebook;
Marketing e mídia;
Social.
Este trabalho vem demonstrar e discutir as diversas formas de aprendizagem que são
utilizadas dentro da sala de conversa, por se tratar de um processo pedagógico a distância, serão
citados os trabalhos de Moore (2007), Keasley (2007), Suzuki (1994), Oliveira (2015), Queiroz
(2013) e Almeida (2003), trabalhos esses que reforçarão esta discussão.
142
Foi cobrado uma taxa para custear as despesas do estúdio.
143
Alain Caron é um baixista canadense que possui técnicas peculiares de slaps avançados no contrabaixo elétrico
e ovacionado por músicos do mundo inteiro.
144
Trecho musical gravado em que se repetiu por várias vezes.
145
Música “Beira do Mar” de Ricardo Silveira, banda “High life”.
146
O professor de bateria da própria escola foi quem estava acompanhando os baixistas na masterclass, em que
músicos do BxPE foram convidados por ele, pelo fato de ter achado muito interessante a iniciativa do grupo.
Fonte: Grupo do BxPE, no Whatsapp.
Nesse sentido, se faz necessário trazer conceitos sobre a abordagem PONTES, também como
reflexão do professor sobre suas próprias práticas, em que pode melhorar, facilitando a transmissão
do conhecimento. Para corroborar com essa abordagem, Oliveira (2015) menciona que:
O termo PONTES é usado uma metáfora para transmitir e explicar a postura pedagógica
mediadora, inclusiva, articulada, desenvolvida pelo professor ou outros indivíduos que
ensinam e desenvolvem pessoas usando a música como meio de educar, como finalidade
artística, recreativa e como apoio ao indivíduo com necessidades ou aptidões especiais.
A palavra ‘pontes’ remete os indivíduos para conexões entre espaços e depois entre
pessoas, objetos, músicas, ações. A abordagem PONTES não se trata de um método de
ensino, mas de uma visão pedagógica de trabalho docente articulado aos participantes do
processo músico-educativo, visando dar significado ao ensino e à aprendizagem através
de escolhas didáticas pertinentes e adequadas. Importante observar que “estamos
mostrando um caminho e não um destino” (OLIVEIRA, 2015, p. 183).
Em outro exemplo, um dos integrantes, o membro (X) viu a dificuldade de outro membro (Y)
que estava precisando de um instrumento e não tinha a mínima condição financeira para obtê-lo, pois
foi analisado o caso pelo integrante (X) que chegou a doar um de seus instrumentos ao membro (Y),
havendo um gesto de solidariedade para com o próximo, foi visto como uma espécie de ponte ou
facilitação do caminho para o aprendizado musical do outrem e a possibilidade de inseri-lo no
mercado de trabalho.
Qualquer pessoa pode aprender música e se expressar por meio dela, desde que sejam
oferecidas condições necessárias para a sua prática. Quando afirmamos que qualquer
pessoa pode desenvolver-se musicalmente, consideramos a necessidade de tornar
acessível, às crianças e aos jovens, a atividade musical de forma ampla e democrática.
(LOUREIRO, 2003, p. 163).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho foi possível ressaltar e compreender, um pouco, sobre o processo de ensino-
aprendizagem de contrabaixo elétrico e teoria musical no grupo de baixistas de Pernambuco, através
do aplicativo Whatsapp, tratando-se de um processo educativo a distância onde são compartilhados
diversos arquivos relacionados as técnicas do referido instrumento, teórico-musicais, repertório
diversificados, a vivência dos contrabaixistas veteranos que enriquecem e aconselham os baixistas
iniciantes.
Sendo assim, o aplicativo pode ser utilizado como uma ferramenta de compartilhamento de
saberes musicais e que passa a ser um dos itens das novas tecnologias de informação e comunicação
que, no contexto educativo-musical pode ser trabalhada em quaisquer contextos formais e não
formais. Segundo Almeida (2003):
Nesse sentido, de acordo com Queiroz (2013), a Educação Musical é compreendida como um
campo diversificado em que estão envolvidos estudos e práticas diversas, sujeitos e locais distintos,
e que a transmissão musical pode se dá por várias vias, como: as vias intencionais de ensino – escolas,
conservatórios, universidades - e as vias não intencionais – através das etnometodologias e suas
relações com o mundo social e os espaços locais. Portanto o compartilhamento de saberes musicais
pode ocorrer de várias formas e o aplicativo Whatsapp também tem contribuído para esse fim, não
apenas para o grupo BXPE, mas existem diversos grupos musicais contendo integrantes que ensinam
e aprendem constantemente, a distância ou não.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria Elizabeth B. de. et al. Relatório de pesquisa não publicado: mestrado a distância.
São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Mestrado/Doutorado em
Educação/Currículo, 2004.
MACHADO, Éverton da Silva. Músicos que leem partitura e músicos que tocam de ouvido. 2013.
Monografia (Curso de Licenciatura Plena em Educação Artística/Música) Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.domain.adm.br/dem/licen ciatura/monografia/evertonmachado.pdf> Acesso em:
25/06/2018.
OLIVEIRA, Alda. A Abordagem PONTES para a Educação Musical. Aprendendo a Articular. São
Paulo: Paco Editorial, 2015.
QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. “Escola, cultura, diversidade e educação musical: diálogos da
contemporaneidade”. Intermeio (UFMS), v. 19, 2013, p. 95-124. Disponível em:
<http://www.seer.ufms.br/index.php/intm/article/vi ew/2363/1463> Acessado em: 02/04/2018.
SUZUKI, Shinichi. Educação é amor. Tradução: Anne Corinna Gottber. 2 ed Santa Maria: Pallotti,
1994.
UMA ANÁLISE DO TRÍPLICE CONCEITO DE MITO
RESUMO: A proposta deste trabalho centra-se em analisar uma perspectiva triangular do conceito
de mito, apresentada sob três formas de exposição do termo, a saber, mythos, μύθος e mito. A grafia
latina mythos designará, em linhas gerais, o constructo do pensamento primitivo imbuído de
sacralidade, compreendido na pesquisa a partir de excertos das obras homéricas e hesiódicas. Depois
será observada, na Arte Poética de Aristóteles, como essa noção desenvolveu-se dando margem para
o surgimento do conceito aristotélico de μύθος (grafia grega), elemento constitutivo da composição
literária, a fabulação, e, por fim, o termo mito (grafia portuguesa) será percebido como a unidade
entre os dois conceitos anteriores, definido como uma narrativa ficcional cuja base foi desencadeada
nos primórdios.
INTRODUÇÃO
O mito faz parte das bases da humanidade, pois é, desde sempre, a narrativa mais eficiente
no sentido de ordenar e compreender a natureza e o homem, bem como os aspectos imanentes a si
que não podem ser explicados racionalmente. No mito, existe uma ἀρχή147 em pleno movimento na
voz do poeta, que não foi partícipe da origem das coisas, mas através de uma relação sagrada, revive
e reconta fatos primordiais por meio de cantos. Em nenhuma outra parte da terra, como diz Otto
(2006, p. 50), e em nenhum outro momento da história, foi atribuída tamanha importância ao canto e
à linguagem elevada como no mito grego. “A essência do mundo se consuma no cantar e no
dizer”(OTTO, 2006, p.51).
Então, por sua influência e por sua origem, as noções de mito, que temos dos gregos como
herança viva, habitam em uma tradição intrínseca ao pensamento ocidental e tem sido alvo de grandes
especulações no âmbito científico.
A busca por métodos de interpretação, para decifrar as conhecidas “narrativas absurdas”,
deliberou uma série de perspectivas do seu conceito. O mito então passa a ser visto como um modo
de expressão do pensamento humano com sua linguagem e com suas particularidades. Um primeiro
elemento, como postula Vernant (2003, 171), que deve ser levado em consideração, é o passo dado
a partir da tradição oral para diversos tipos de literatura escrita. Mas os estudos acerca de seu conceito
ganharam largas dimensões, indo desde o âmbito histórico e religioso, como apresentam os estudos
147
O termo αρχή, de acordo com Chantraine (1968, p.119) tem como sentido mais antigo a ideia de “ter iniciativa
de”, configura o sentido de “algo primeiro que foi fixado”, e por isso, “origem”, “princípio”.
do antropólogo Eliade, até os influxos do mito sobre as competências psicológicas do homem,
consoante Jung, Campbell, Mardones, que trarão bases para nossa discussão.
Tendo em vista a pluralidade de olhares sobre o mito, serão tratadas neste capítulo do
trabalho, três compreensões desse conceito que estão intimamente relacionadas, a partir de uma
leitura dos teóricos e do aparato literário greco-latino (maior fonte da essência do mito), para a
obtenção da percepção desse elemento tão importante no mundo antigo que não se perdeu no tempo.
Para um maior esclarecimento das ideias e para melhor sistematização da reflexão que será
desenvolvida aqui, estabelecemos uma grafia específica designada a cada definição elucubrada no
corpo do texto. Em primeiro lugar, usaremos da grafia latina mythos para indicar as narrativas que
refletiam os primórdios das concepções humanas do mundo e de si e, por isso, carregada de
sacralidade. Essa compreensão será percebida nos textos homéricos e hesiódicos por se assentarem
como os textos literários mais remotos do mundo ocidental. Em segundo plano, através da grafia
grega μῦθος, será exposta a ideia de enredo ou fabulação, desenvolvida no âmbito do pensamento
aristotélico como parte integrante da construção literária. Por fim, atribuiremos à escrita portuguesa,
mito, a relação das duas perspectivas traçadas anteriormente, a definição que parte desde sua natureza
ontológica até a sua estrutura ficcional, deduzindo que o mito, em linhas gerais, corresponde à busca
de uma sistematização do universo caótico do pensamento e da própria condição humana a partir da
criação literária.
O mythos foi gerado com o homem, não há como determinar sua cronologia, tampouco
apontar os elementos que o trouxeram à existência. Seus ditames perpetuaram-se de geração em
geração solidificando-se como a pedra bruta sendo substância constitutiva do imaginário humano. A
concepção primeira de mythos está amalgamada na “sancta simplictas del genero humano”148, na
visão de Cassirer (1968, p.09), e, por ser parte integrante do homem, é um elemento inerente a sua
essência, que se mantém em completa harmonia com sua realidade, pois é praticado e vivenciado.
Conforme Malinowsky (1948, p.36), o mythos cumpre, dentro da cultura primitiva, uma
função indispensável. Ele expressa, dá vigor e codifica o credo, salvaguarda e reforça as morais de
um povo, é a voz eficiente do rito e contém regras práticas para a orientação humana. Basta
observarmos o temor e respeito com que o indivíduo primitivo cinge a natureza e seus fenômenos de
modo geral, com os quais interage, e os retoma diariamente, dando a cada elemento um caráter
sobrenatural e divino. Um exemplo disso é a figura de Zeus, na religiosidade grega, que representa a
148
Cassirer considera o mythos em seu valor ontológico como sendo mais uma expressão da emoção do que um
pensamento racional. O filósofo traduz sancta simplicitas como Urdummheit, que evoca a ideia de uma ingenuidade
primitiva.
ordenação do cosmo, de onde parte o bom funcionamento da vida, reconhecido senhor das
manifestações do relâmpago e do trovão, ou Apolo, mestre da clarividência, personificação das
potências iniciadoras na profecia. Quando o assunto é a agricultura, a deusa Deméter representa a
produção e a fertilidade da terra, é ela a responsável pelas boas colheitas. Isso porque a sociedade
primitiva está profundamente ligada às estruturas orgânicas da natureza, como bem aponta Cassirer:
A própria organização social do indivíduo dos primórdios ocorre mediante sua percepção de
uma ordenação de “leis” cósmicas e nas atividades divinas 150 e é esse funcionamento de caráter
superior que o espírito primitivo visava repetir. Suas ações quotidianas eram embasadas em ações
arquetípicas ab origine realizadas pelos deuses e heróis in illo tempore151 (ELIADE, 1969, p. 47)152.
Os ritos, portanto, configuravam-se como a manutenção e preservação dessa verdade transcendental
vivenciada pelo espírito primitivo153.
149
“Quando estudamos certas formas muito primitivas de pensamento religioso e mítico - por exemplo, a religião
das sociedades totémicas -, nos surpreendemos em descobrir até que ponto a mente primitiva sente o desejo e a
necessidade de discernir e dividir, ordenar e classificar os elementos de sua Esboço. Não há quase nada para
escapar dessa constante restrição de classificação. Não só divide a sociedade humana em diferentes classes, tribos,
clãs, que tem diferentes funções, costumes e deveres sociais. A mesma divisão aparece em toda a natureza. O mundo
físico é, a este respeito, a duplicação exata e a contrapartida do mundo social. Plantas, animais, seres orgânicos e
objetos de natureza inorgânica, substâncias e qualidades são igualmente afetados por esta classificação” (Todas
as traduções dos textos usados no corpo do trabalho e em notas de rodapé é de nossa inteira responsabilidade.)
150
O mundo dos Seres primordiais é o universo onde todas as ações aconteceram pela primeira vez, por isso, é a
partir dessa dimensão, reflexo da profunda harmonia de fenômenos cósmicos, que o homem primitivo é constituído.
O mundo dos deuses e dos heróis, a partir de seus símbolos, torna-se o modelo exemplar da sociedade. A título de
exemplo, temos a Teogonia de Hesíodo que narra como aconteceu a origem de todas as coisas e a ordem cósmica a
partir de Zeus.
151
As expressões ab origine e in illo tempore, usadas por Eliade, podem ser traduzidas respectivamente, como
“desde a origem” e “naquele tempo primordial”.
152
Expressões e termos gregos e latinos no interior de citações diretas de teóricos apresentados na discussão serão
traduzidos em nota. Já aqueles retirados do corpus literário greco-latino poderão vir no interior do trabalho entre
parênteses.
153
O rito é um solene proceder e um elevado atuar que coloca o homem em uma esfera superior. Sobre essas práticas,
diz Eliade: “La repetición de un ritual por los Seres divinos trae consigo la reatualización del Tiempo original,
cuando el rito se celebró por primeira vez. He ahí la razón por la que el rito es eficaz: participa de la plenitud del
Tiempo sagrado, primordial. El rito actualiza el mito. Todo o que el mito narra acerca del illud tempus, los “tiempos
bugari”, el rito lo reactualiza, lo propone como realizándose ahora, hic et nunc.”(ELIADE, 2008, p. 21) Tradução:
“A repetição de um ritual pelos Seres divinos traz cvonsigo a reatualização do Tempo original, quando o rito foi
celebrado pela primeira vez. Épor essa razão que o rito é eficaz: participa da plenitude do Tempo sagrado,
Diante dessas breves considerações, é possível perceber o abismo que distancia a nossa
percepção de mundo e do ser, da sensibilidade e harmonia de pensamento do homem primitivo, fato
que permite o empobrecimento e o distanciamento desse sentido primeiro do mythos, fundindo-o com
o folclore, ritos populares, contos, dentre uma sumidade de conceitos atuais em que esse encarna o
papel de simples ficção e, até mesmo, de mentira.
É bem verdade que o desmembramento de sentido teve seus primeiros suspiros nos séculos
VI e V a.C., como nos lembra Vernant (1992, p.115), com o desarrolho da história e do pensamento
filosófico. Contudo, toda a herança grega, afirma ainda o estudioso (1992, p.170), manteve, na senda
do tempo, a permanência da essência do mythos da cultura ocidental a que ainda se tem acesso, o que
nos leva a inferir a participação crucial e relevante da literatura na efetivação dessa transmissão. Além
de nos informar seu valor como narrativa elevada, a tradição literária nos dá acesso a toda uma
construção social, histórica e cultural de momentos do pensamento humano. É o meio mais cabível
da presentificação dessa mentalidade antiga.
Essa expressão do indivíduo, materializada em narrativas tradicionais, serviu também de
fonte para o advento da composição literária. Como resultado disso, temas, imagens e significados
desses relatos absurdos, ambíguos e vivos, adquirem forma e ordenação, fundamentam-se como a
estrutura basilar da ποίησις154. Nesse sentido, o mythos como arte e literatura reflete para nós um
caráter simbólico e alegórico, não possuindo necessariamente qualidades místicas, mas promovendo
tramas e ações que sugerem valores e padrões de moral e conduta na sociedade grega.
O termo μῦθος155, como bem conceitua Chantraine (1968, p.718), corresponde à uma
sequência de palavras que constrói um discurso, sinônimo de ἔπος que significa palavra, discurso,
forma, (cujo radical designa o termo epopeia) distinguido pelo conteúdo, opinião, intenção e
pensamento. Essas últimas noções são sentidos mais arcaicos herdados, provavelmente, da raiz
*meudh/mudh do indo-europeu, segundo Stahlin (1942, p. 772). Essa raiz, posteriormente, é
associada ao verbo muttire, no latim, cujo significado literal de -mu-, segundo Ernout et Meillet
(2001, 426), corresponde ao ato de insuflar palavras. Vernant aborda, em linhas gerais, a ideia de
palavra formulada referindo-se ao sentido de mythos:
primordial. O rito atualiza o mito. Tudo o que o mito diz sobre illud tempus, os "tempos de bugari", o rito o reage,
o propõe como sendo realizado agora, hic et nunc.”
154
O termo ποίησις, manifestado diversas vezes no corpus aristotelicum, em linhas gerais, pode ser traduzida por
produção tendo em vista o sufixo -σις, responsável pela carga de uma ação em processo impressa no verbo. Mas, na
Poética do referido autor, capturamos na ideia do termo o sentido de composição artística, pois, segundo Chantraine
(1968, p. 923) o termo ποιϝέω é geralmente considerado como um denominativo da parte de *ποιϝός , mas esse
*ποιϝός não é atestado e não figura senão nos compostos dos tipos κλινοποιός , λογοποιός , dentre outros” Ο que
nos leva a inferir no valor do termo uma ideia de qualificativo. Em linhas gerais, o processo de atividade no verbo
ποιέω aspira uma qualidade no produto.
155
Uso da forma μῦθος, nesse momento, surge na nossa discussão como forma de abordar os valores etimológicos
do termo. Nas páginas precedentes a forma será usada como meio de nominar a perspectiva aristotélica, como bem
pontuamos no tópico introdutório de nossa pesquisa.
Em grego, mýthos designa uma palavra formulada, quer se trate de uma narrativa, de
um diálogo ou da enunciação de um projeto. Mýthos é então da ordem do legein, como
o indicam os compostos mythologein, mythologia, e não contrasta inicialmente com os
logoi, termo cujos valores semânticos são vizinhos e que se relacionam às diversas
formas do que é dito. Mesmo quando as palavras possuem uma forte carga religiosa,
quando elas transmitem a um grupo de iniciados, sob forma de narrativas concernentes
aos deuses ou aos heróis, um saber secreto interdito ao vulgo, os mythoi podem ser
também qualificados de hieroi logoi, discursos sagrados. Para que o domínio do mito
se delimite em relação a outros, para que através da oposição de mýthos e lógos, dali
em diante separados e confrontados, se desenhe a figura do mito da própria
Antigüidade Clássica, foi preciso toda uma série de condições, cujo jogo, entre o oitavo
e o quarto séculos antes de nossa era, fez cavar, no seio do universo mental dos gregos,
uma multiplicidade de distâncias, cortes e tensões internas.
(VERNANT, 1992, p. 172)
Portanto, de acordo com essa colocação do helenista, é possível afirmar que o mythos possui
íntima relação com a linguagem dadora de instruções cívicas e lições de religiosidade, e possui a sua
retoricidade, não deixando de ter seu valor racional (apesar do caráter irracional vívido em suas
narrativas) e garantindo um constructo social. A maior marca dessa organicidade do mythos é a
própria transmissão oral, aspecto forte e determinante nos fundamentos da tradição literária.
A noção de mythos como narrativa formulada, percebida nas entranhas do texto literário,
com o passar do tempo e através da intervenção do pensamento filosófico, é concebida com uma
nova face na literatura, ab-rogando do termo seu forte sentido religioso e enfatizando o valor de
composição de discurso, que será abordada com severidade e eficiência por Platão e Aristóteles.
Diante disso, buscaremos então observar como o mythos assumiu uma posição de conceito principal
na composição do texto literário.
A grande ruptura existente entre mythos e logos, tão preconizada pelos estudiosos, está
claramente assentada na supremacia do pensamento filosófico sobre o pensamento mítico. Essa
assertiva deixa claro que o universo e a realidade do homem, a partir dos pensadores pré-socráticos,
não são mais vistos como uma sucessão de eventos aleatórios, de caráter superior aos domínios
humanos constatado no mythos, pois, através do intelecto, o indivíduo pode investigar e compreender
a regularidade e o sistema que rege o mundo. Isso significa que não há mais a procura de uma
explicação para as coisas em elementos externos ao mundo inteligível, como é o caso da figura das
divindades. Gaia e Hefestos, como exemplifica Morgan (2000, p. 32), passam a ser racionalizados e
designados apenas como “terra” e “fogo”, perdendo o sentido simbólico, a dualidade de significados,
e convertem-se em apenas signos. O mythos, dessa forma, deixa de ser o solo onde se fundamentam
historicamente, religiosamente e institucionalmente todas as explicações das verdades do homem.
Não que a filosofia estaria prestes a banir o mythos da sociedade grega, mas, como pontua Vernant
(2003, p. 186), tenta reintegrá-lo, desmitificando-o e dessacralizando-o, com o intento de reformular
a mesma verdade que o mythos apresentava, expressando-a, no entanto, debaixo dos contornos de um
relato alegórico
Vernant afirma que o mythos, com o advento da filosofia, passa a ser uma forma análoga de
dizer o que o lógos afirma. Por ser constituído de modo diferente, assume uma nova participação na
sociedade:
De hecho, éstos no rechazaron sin más el mito, en nombre del logos, arrojándolo a las
tinieblas del error y a las quimeras de la ficción. No dejaron de utilizarlo
literariamente, como ·el tesoro común del que debía alimentarse su cultura para
permanecer viva y perpetuarse. Más aún, desde la 'edad arcaica reconocieron al mito
un valor de enseñanza, aunque de enseñanza oscura y secreta; le atribuyeron un valor
de verdad, aunque de una verdad no formulada directamente, de una verdad que, para
ser entendida, necesitaba ser traducida a otra lengua de la que el texto narrativo no
era más que la expresión alegórica.156
(VERNANT, 2003, p.185)
Platão possui uma relação ambígua com o mito. Na República (VII, 514a-517c), por
exemplo, o mito assume uma persona alegórica157, dirigida de acordo com a expressividade do
pensamento dialético e ético evidenciados nos diálogos platônicos, conforme Cassirer (2004, p.60).
Vernant (2003, p.187) ainda diz que o filósofo utiliza o mito para expressar o que está além de uma
linguagem filosófica, como uma espécie de metalinguagem para comunicar o incognoscível158. O Ser
e o Devir, por exemplo, não podem ser objetos de um saber verdadeiro a não ser por meio de uma
crença, pistis, de uma opinião, doxa.
Contudo, Platão segue a concepção dos pré-socráticos, cuja depreciação do mito não está na
sua potencialidade transcendental, mas na percepção dos deuses e heróis contida nas obras dos poetas.
O diálogo Eutifron demonstra que Sócrates, quando trata a respeito de sua condenação, esclarece que
não nega a existência dos deuses, mas repugna as atitudes negativas que os poetas atribuem a eles
(06α-ξ). Dessa forma, em linhas gerais, o discípulo de Sócrates rechaça e descaracteriza o pensamento
mítico do seu sentido essencial à luz de sua filosofia.
156
“De fato, eles não rechaçaram, sem mais, o mito, em nome do logos, arrojando as lâminas do erro e as quimeras
da ficção. Não deixaram de utilizá-lo literariamente, como o tesouro comum do que devia alimentar sua cultura
para permanecer viva e perpétua. Mais ainda, desde a época arcaica reconheceram o mito un valor de ensino,
embora de ensino e segurança; O nome de uma verdade, apesar de uma verdade sem formulação direta, de uma
verdade, para ser entendida, precisa ser traduzida outra língua do que o texto narrativo não era mais que a
expressão alegórica.”
157
“A alegoria é um procedimento retórico que pode eliminar-se, logo que realizou o seu trabalho. Depois de termos
subido a escada, podemos, em seguida, descer. A alegoria é um procedimento dialético. Facilita a aprendizagem,
mas pode ignorar-se em qualquer abordagem directamente conceptual.” (RICOEUR, 1976, p.67)
158
Temos essa percepção de Vernant contemplada em algumas obras Platônicas como: Protágoras, com a versão
platômica do mito de Prometeu(320ξ a 324δ), A República e o mito de Er (lX, 614β- 621β), e Crítias e a Atlântida
de Platão (113α-121ξ)
Em sua obra, a República, através do diálogo de Sócrates e Adimantos, o filósofo levanta
questões sobre a forma ideal da pólis. No livro II, passa a analisar qual o modelo mais apropriado de
educação dos guardiães da cidade, levando em consideração a formação já proposta na educação
tradicional grega, a saber, ginástica para o corpo e música para a alma (República, 376δ - 376ε). No
percurso do diálogo fica claro que, para Platão, o mito, muitas das vezes, em sua função poética, é
negativo para a estrutura social da cidade (República- II, 377δ- 382ε), tanto no ponto de vista estético,
quanto do ponto de vista ético, pois as obras, segundo Jaeger (2001 p.781)159, quanto “mais poéticas,
menos as devem escutar as crianças e os homens que pretendem ser livres, para que temam mais a
servidão que a morte”.
A importância ao mito dada pelo pensamento platônico está na sua funcionalidade, pois o
produto de sua enunciação deve promover benefícios para o ouvinte. É aqui que se fixa a aletheia do
mito, na condição de formador de realidades concretas na alma do homem, que, consoante Platão,
deve plantar boas sementes morais no caráter pueril. Por esse fator, na condição de fundador de cidade
com Adimantos, Sócrates critica calorosamente o mito criado e contado na poesia, sobretudo nas
homéricas e nas hesiódicas.
Enquanto Platão levanta indagações a respeito do valor temático do mito, percebe-se que por
baixo dessa construção jaz, majoritariamente, a necessidade de uma esquematização que elabore esse
mito da melhor maneira possível. Quem trará, de fato, essa abordagem é Aristóteles em sua obra Arte
Poética, onde encontra-se as bases da nossa segunda conceituação da subdivisão do mythos que nos
cabe aqui.
É válido acrescer que nosso intuito não cerca uma pesquisa que exponha a noção metafísica
do mito trazida por Aristóteles para o universo grego. Contudo, sua perspectiva de μῦθος será
observada como conceito técnico da composição poética, marca e marco da sua obra, Arte Poética.
O mito compartilha com os domínios poéticos uma característica que equivale a um tópos de
discurso. Tal como o mito, segundo o que já está exposto aqui, o μῦθος, definido como fabulação, é
uma μίμησις160, cuja principal função está focada na representação de ações.
No primeiro capítulo da Poética, quando o filósofo estagirita apresenta a μίμησις como a
mola propulsora e ponto de interseção de todas as artes, concretiza seu pensamento afirmando que
159
O confronto entre as duas grandes funções da poesia, o prazer estético e a modelação ética da alma, é, pelo nosso
espectro, um dos grandes motivos da crítica platônica, pois, precisamos no seu discurso que o poeta não deve centrar-
se na construção estética em detrimento dos valores éticos, mas, de forma equilibrada articular ambos os elementos,
a fim de promover uma formação pura e delimitada pelos quatro pontos cardeais defendidos pela teoria platônica: a
piedade, a valentia, o domínio de si e a justiça, como dita Jaeger (2001, p.778).
160
Aristóteles não apresenta uma definição concreta de μίμησις, apenas expõe esse conceito como a essência de
todas as artes. É um processo em que se desenvolvem diversos tipos de expressões artísticas com meios diferentes,
objetos diferentes e de modos diferentes. Algumas artes utilizam cores e figuras, por conseguinte, outras representam
com a palavra, o ritmo e a harmonia, aliados ou dissociados. Nesse primeiro momento da sua poética, onde ele
discrimina os meios, obtemos as primeiras tipologias de gênero que servirão de paradigma e nomenclatura na divisão
das criações poéticas.
estas vão diferir em três aspectos: nos meios de representação, nos objetos representados, e no modo
de representar (1447α, 13-16).
Em suma, por meios, podem ser classificados os componentes materiais e técnicos através
dos quais a composição é articulada. Por objetos, entende-se a representação dos agentes, e por modo,
aponta-se aquilo que Platão discerne entre narrativa simples e μίμησις no livro III da República
(392δ- 394δ) e, Aristóteles denomina como, narrativa, drama ou composição mista.
A par do poético, o μῦθος é uma das categorias quantitativas da composição artística que está
diretamente ligado ao objeto, pois este elemento está embasado na ideia de μιμοῦνται οἱ μιμούμενοι
πράττοντας (os personagens representam os que agem – 1448α):
ἔστιν δὲ τῆς μὲν πράξεως ὁ ,μῦθος ἡ μίμησις, λέγω γὰρ μῦθον τοῦτον τὲν σύνθεσιν τῶν
πραγμάτων. (Poética, 1448α)
O μῦθος161 é a representação das ações, digo, pois, ser o próprio μῦθον a composição
dos atos.
Detendo-nos neste excerto do corpus aristotelicum aqui assentado, observamos que ao μῦθος,
Aristóteles dá duas perspectivas de definições que se correspondem, compreendamos como elas se
entrelaçam.
Há, na língua grega, dois importantes sufixos, que se contrastam em suas nuances semânticas
aplicadas a substantivos provenientes de verbos. São eles o -σις - que designa o processo de ação,
dinamismo como elucida Soares (2006, p. 76) e o -μα- como o resultado da ação, objeto estático.
Observa-se que Aristóteles atribui a cada um desses sufixos a raiz πραγj-. No primeiro caso, μίμησις
πράξεως corresponde à representação das ações dos homens, o processo de representação de acordo
com a atuação humana viva, por natureza, em seu dinamismo e interação e corresponde a uma
assertiva de caráter universal. Antes de refletir uma conjunção de atos, o μῦθος sugere a reprodução
artística de uma disposição natural do homem de pôr movimento e gerar resultados no percurso da
vida. Isto é passível a qualquer tipo de composição literária. A μίμησις πράξεως é o ponto fulcral de
toda a produção da arte expressa pelo μῦθος através de um encadeamento discursivo-narrativo. Após
essa afirmativa, Aristóteles afunila seu conceito, apontando para o outro viés da sua abordagem, o
μῦθος é uma composição de ações, σύνθεσιν τῶν πραγμάτων. Embora o termo πραγμάτων,
carregando o sufixo -μα-, retrate as ações como objetos estáticos, produto da ação (vale salientar que
entra em contraponto ao πράξεως), encontramos em σύνθεσιν o sufixo –σις- de modo a nos impelir
à compreensão de que, o μῦθος não é só um sistema de representação de ações. Dentro desse sistema
161
Optamos por não traduzir o termo μῦθος a fim de manter a linearidade de nossa proposta onde na forma da
palavra μῦθος temos um sentido distinto daquela, anteriormente vista, mythos e de mito.
há uma articulação através de que interagem os atos sempre de forma que promova uma unidade no
μῦθος. É nesse sentido que Aristoteles diz: μῦθος δ᾽ ἐστὶν εἷς, Uno é o μῦθος (1451α).
Essa unicidade é exequível no μῦθος no momento em que o ποιήτα representa o que é possível
e passível de acontecer através da verossimilhança ou da necessidade (τὸ εἰκός ἢ τὸ ἀναγκαῖον –
1451α). São esses dois elementos os elos que conectam as ações de modo que sendo um deles
deslocado mude toda a estrutura da σύνθεσιν τῶν πραγμάτων (1451α). A boa escolha de ações
propícias bem interligadas de sorte que crie um μῦθος uno e completo é ajustada pela “ordenação das
ações” (σύστασις τῶν πραγμάτων- Poética, 1450β).
O corolário dessa análise nos dá o cabedal para dizer que a σύστασις é o processo pelo qual
o poeta recorta as ações em um determinado mito tradicional para formalizar a σύνθεσιν como um
μῦθος uno e completo, tendo princípio, meio e fim (Ὅλον δ` ἐστὶ τὸ ἔχον ἀρχὴ καὶ μέσον καὶ
τελευτήν – 1450β) segundo o objetivo da sua criação. A πράξις, portanto, para Aristóteles é um objeto
bifacetado que cabe em dois movimentos, como objeto de representação e ao mesmo tempo o
instrumento que deriva no processo de representação através da πόιησις. É a πράξις o elemento
primordial do μῦθος. O mito, por isso, é o palco onde os homens vislumbram suas πράξεις
representadas pelas imagens divinas.
CONCLUSÃO
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RESUMO
A Lei 11.645 tornou obrigatório o ensino da Cultura Indígena no ensino de arte. O Projeto
Ofídias, realizado em 2016, em Belo Horizonte, Minas Gerais, traz diálogos com a arte
contemporânea através da imagem mitológica da cobra. O objetivo geral deste artigo é
compreender as relações entre a imagem da cobra e o ensino das artes visuais no Projeto Ofídias.
Como específicos, pretende-se contextualizar as referências da mitologia indígena relacionadas
à imagem da cobra no Projeto Ofídias e traçar seu percurso metodológico visando uma mediação
com a cultura indígena. Utilizamos abordagem qualitativa de cunho exploratório e, quanto aos
procedimentos técnicos, pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Concluímos, no atual
cenário politico nacional, importante iniciativas metodológicas de cunho decolonial.
PALAVRAS-CHAVE: Artes Visuais; Imagem; Mito; Cobra; Educação.
INTRODUÇÃO
O texto que aqui se inicia, carrega a poesia de uma imagem e se encarrega de levá-la a
quem lê. Quando pensamos em arte de forma bem generalista e superficial, os referenciais
estéticos e imagéticos nos encaminham para estruturas ocidentais europeias. Mesmo quando
falamos de Brasil, que foi constituído como nação com a mescla das culturas: indígena, africana
e europeia. A invisibilidade das matrizes africanas e indígenas como parte da cultura brasileira é
expressiva no material disposto nas salas de aula brasileiras. Ao iniciarmos um discurso sobre
um ensino de arte que contemple o cumprimento da Lei 11. 645/08, que torna obrigatório o
ensino da Cultura Afro-Brasileira e Indígena na escola brasileira, nos deparamos com um
panorama um tanto quanto distante do que o escopo da lei prevê quando adentramos os ambientes
de ensino. Sendo a arte uma das facetas que compõe a cultura, partimos do pressuposto de que a
construção cultural brasileira surge da mescla das matrizes europeias, indígenas e africanas. O
professor de Arte, por sua vez, não possui subsídios necessários para uma mediação cultural entre
os alunos e as raízes que alicerçam a própria cultura, uma vez que o material de apoio distribuído
pelo Ministério da Educação, atribui às referências europeias lugar de destaque, pensamento que
reverbera nas salas de aula. Delimitando este diálogo à vertente da cultura indígena, cabe ao arte-
educador intervenções junto aos discentes que promovam religações com elementos culturais,
ainda que em regiões onde o distanciamento é maior devido ao afastamento geográfico onde não
há relações de familiaridade sobre as vivências dos povos tradicionais. Contudo, tais regiões
distanciadas geograficamente, são interligadas por um imaginário ancestral. Então a questão que
surge é: Como seria a aplicação de uma metodologia de ensino de arte com referenciais estéticos
da cultura indígena em uma região como o sudeste do Brasil?
Dessa forma, nas aulas de artes, abordagens que permeiem o campo afetivo permitem
uma imersão cultural. Ou seja, o acesso à uma experiência que aproxime culturas permite colocar
a própria identidade cultural em ordem.
Dentro do vasto universo visual indígena, nos deparamos com a imagem da cobra como
um elemento cultural de grande recorrência nas narrativas míticas dos povos indígenas em todo
o território brasileiro e também presente em diversas culturas ameríndias. Para os ocidentais, é
vista como a representação de Satanás nos escritos bíblicos, em contrapartida ocupa lugar de
destaque e respeito em narrativas cosmogônicas dos povos tradicionais, onde sua presença é, na
mesma medida, respeitada e temida ao ponto de determinar rotas de embarcações e demarcar o
local de fundação das cidades, como uma relação territorial nas cidades no entorno dos rios
destaca seu rastro no imaginário amazonense, no norte do Brasil. Seguindo estas inquietações,
apontamos para reflexões sobre a necessidade de ações de confronto com o panorama colonial
ainda vigente na escola brasileira.
Esta pesquisa assumiu caráter descritivo, uma vez que buscou gerar maior familiaridade
com as referências culturais indígenas e a arte-educação, estabelecendo a relação entre cultura e
arte. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, ao abordar um assunto ligado à subjetividade do
sujeito em relação ao mundo real, não podendo ser traduzido em números, principalmente por
concernir à cultura. Para Minayo (2002), a pesquisa qualitativa se refere a questões de âmbito
particular e se preocupa com um tipo de realidade que não pode ser quantificada, passando pelas
seguintes etapas: fase exploratória, de trabalho de campo, da análise e tratamento do material
empírico e documental. Sobre os aspectos metodológicos, a pesquisa utilizou o método científico
dedutivo, caracterizando-se pela coleta da pesquisa bibliográfica e documental, aliada à pesquisa
de campo, a partir da coleta de imagens de arquivos do catálogo produzido ao fim do projeto.
Tratando-se de um estudo de caso no que se refere a esta análise, a imagem da cobra surge como
elemento visual no qual todo o projeto é desenvolvido, apontando para uma ponte possível entre
o ensino da arte e o imaginário ancestral indígena.
Fundamentos conceituais
Ilustração de Cleo Jurino, indígena pueblo, com anotações de Aby Warbur, 1896.
Para quem nasce no estado do Amazonas, a relação entre a vida e o rio se mistura com
a própria razão de existência. Uma região cercada por águas recebe intensa influência deste
elemento natural e de tudo que vem dele. Encontramos então a cobra, ser mítico presente nas
relações de todas as cidades do norte do país. Temida e também respeitada por sua associação
com os perigos dos rios. Uma relação também retratada nas mitologias das nações indígenas do
noroeste do Amazonas como a genitora da humanidade. Sua imagem é também encontrada em
representações de povos ameríndios registrados por Aby Warburg em 1896, no livro: “El ritual
de la serpiente”. Essa imagem, que assim como muitas outras foi demonizada pelo cristianismo,
carrega consigo uma força ancestral. A cobra, é tida como um ser que encanta aos que adentram
à floresta. Esse encantamento está registrado em sua imagem presente em diversas culturas em
todo o mundo, sua força não passa despercebida. E quando pensamos em arte-educação e cultura
brasileira essa imagem ganha maior força ao relacionarmos sua presença também nas mitologias
africanas.
Cabe pensarmos a necessidade de uma quebra no padrão de ensino pautado apenas em
elementos culturais europeus, que desconsideram as culturas africanas e indígenas como capazes
de portar saberes e dar importância a registros desta memória coletiva. Como aponta Walsh
(2013, p. 298), “todo aquele que assume esse papel de guardião da memória, de ser um desafiador
da memória, torna-se um semeador [...]”. Os povos africanos e indígenas, tem na história oral o
alicerce de suas sociedades. A cobra, um ser tão significativo em suas narrativas, ganha então
lugar de destaque ao se pensar em uma metodologia de ensino de arte firmada em referenciais
culturais que contemplem as duas matrizes culturais.
O nome “Ofídias”, eleito para nomear o projeto, surge como forma de homenagem à
Cobra, que segue a partir de agora com letra maiúscula no texto, uma vez que ocupa lugar de
honra em nortear essa pesquisa. Este ser especial em tantas culturas indígenas, em particular nos
grupos presentes na Amazônia.
[...] A serpente é um dos símbolos mais importantes da imaginação humana; nos climas
em que esse réptil não existe, é difícil para o inconsciente encontrar um substituto tão
cheio de variadas direções simbólicas. O monstro é, com efeito, símbolo da totalização
e do recenseamento completo das possibilidades (PINTO, 2012, p.116).
Nesta narrativa, uma Cobra gigante é a responsável por gerar toda a humanidade em seu
ventre e em uma viagem por um rio de leite aporta no local onde cada cidade foi fundada às
margens do Rio Negro, no Amazonas. Dessa forma, as atividades do projeto seguem um percurso
metodológico que parte de uma visão de mundo indígena, tomando essa relação da Cobra com o
meio onde habita. Mário Geraldo da Fonseca, o educador coordenador do Projeto Ofídias: Artes
e Culturas Indígenas, é Pós-doutor em Literatura comparada pela Faculdade de Letras da UFMG
com a tese: A Cobra e os poetas: uma mirada selvagem na literatura brasileira. Nascido na
cidade de Maués, no interior do Amazonas, cresceu imerso nos referenciais culturais indígenas
que permeiam o imaginário das cidades ribeirinhas no norte do Brasil. Artista, atua também no
campo da produção artística e essas vivências contribuíram grandemente para a concepção deste
projeto. Podemos delinear as atividades desenvolvidas em três pilares: I- A imagem: Mostra
Linha èh Gente; II- A palavra: Os Livros da Floresta; III- O fazer: Oficinas de arte contemporânea
e suas semelhanças com a arte indígena.
Mostra Linha èh Gente, Museu da Amazônia, Manaus (AM), setembro de 2016. Fonte: Catálogo Projeto Ofídias
(Foto: Mário Geraldo da Fonseca).
Linha èh Gente, é uma mostra que tem por objetivo iniciar um circuito de atividades
que ocorrem durante o projeto. A mostra é apresentada como ponto de partida que causa um
impacto visual. Conta com 30 cartazes com representações de desenhos apanhados por Theodor
Koch-Grünberg, em suas viagens ao Rio Negro, no Amazonas, no início do século XX, contidos
no livro Petróglifos Sul - Americanos (2010). Os desenhos são acompanhados de palavras
originadas do poema de Carlos Drummond de Andrade, “ Divagações em torno da palavra
homem”. A dupla formada: imagem + palavra, são dispostas como seres em uma concepção de
mundo que parte da visão indígena sobre a vida, onde tudo no mundo é ser vivente. O desenho
ganha vida! É gente! Logo a imagem possui espírito. Não há como vivenciar de forma genuína
essa relação entre a imagem e a vida em uma sociedade indígena, uma vez que não se nasce
indígena, contudo a imagem nos permite um caminho em nosso imaginário que nos permite uma
experimentação subjetiva, pois precisaremos imaginar para saber (Didi-Huberman 2012). Os
cartazes são apresentados em um painel que faz alusão a um pari, um trançado de talas de miriti
amarrados com fio de ticum, artefato indígena utilizado para capturar peixes pelos povos
advindos do Rio Negro, no Amazonas, no norte do Brasil.
É importante pontuar que além dos diálogos que alicerçam o projeto terem como fonte
autores não-indígenas, os livros produzidos por indígenas são os grandes porta-vozes de saberes.
Ainda que a proposição consista em conversas sobre a produção destes livros, reforçando o uso
de narrações performáticas que têm por objetivo inserir os participantes em seus conteúdos, essa
linha literária, nomeada por estudiosos da cultura indígena como Livros da Floresta, teve origem
com a implantação de escolas nas aldeias, determinadas pela LDB (Leis de Diretrizes e Base da
Educação) de 1988. Os formatos destes escritos seguem uma proposta de coletânea de vários
autores indígenas e comumente estão em língua nativa acompanhada da tradução para o
português. São vários títulos, inclusive alguns disponíveis pelo Ministério da Educação.
Elegemos os cinco de maior destaque nessa organização bibliográfica pelo Ofídias: ANTES O
MUNDO NÃO EXISTIA, escrito por Umúsin Panlõn Kumu e Tolomãn Kehhíri, foi
considerado o primeiro Livro da Floresta, foi lançado em 1980, com colaboração da antropóloga
Berta Ribeiro; O LIVRO DAS ÁRVORES, teve a organização conduzida pelos professores
ticuna bilíngues e possui muitas ilustrações que associam o valor das árvores e seu valor como
ser “gente”; SHENIPABU MIYUI, história dos antigos, dos índios Huni Kuin do Acre; TE
MANDEI UM PASSARINHO: prosas e versos de índios do Brasil, trata-se de um
agrupamento de poemas e histórias de vários grupos indígenas do Brasil; UMA HIWEA ou O
LIVRO VIVO, organizado por Agostinho Manduca Mateus Ika Mura, trata de uma
farmacologia ancestral advinda de plantas que curam, tido como referência para a medicina atual.
Assim como está previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte, “Tal ação
contempla a fruição da produção dos alunos e da produção histórico-social em sua diversidade”
(1997, p.41). Esse é o ponto onde cabe analisar os processos e seus significados. Momento
oportuno para que os participantes expressem a própria experiência neste contato com práticas
pautadas na arte indígena. A Mostra de Processo Tipiti foi composta de produções como:
Mito do Dilúvio, Sesc Palladium, Belo Horizonte, Para que todas as sementes voltem a nascer.
novembro 2016. Fonte: Catálogo Projeto Ofídias Performance final da primeira parte do Projeto
(Foto: Luiz Rodriguez) Ofídias, Sesc Palladium, Belo Horizonte,
novembro 2016. Fonte: Catálogo Projeto
Curso: O Método da Cobra no Ensino e Ofídias (Foto: das
Aprendizagem LuizCulturas
Rodriguez) Indígenas
A espinha dorsal desta metodologia, pode ser encontrada nas escamas de uma grande
serpente mitológica, a Cobra-Canoa, descritas por indígenas de várias etnias do norte do Brasil
como o ser responsável por criar toda a humanidade em seu ventre e durante uma viagem que
percorreu um rio de leite onde desembarcava seres mágicos que, ali, fundaram suas cidades.
Segundo Eliade (2010, p.74), a representação mitológica serve para explicar todas as “criações”,
independente do plano em que se aplica: biológico, psicológico, espiritual. Segundo o autor, “[..]
segue-se daí que aquele para quem se recita o mito é projetado magicamente in illo tempore, ao
“começo do Mundo”, tornando-se contemporâneo da cosmogonia [...]”. Este método se apresenta
em três perspectivas: os mitos, as artes e os saberes. Parte na proposta de narrativas mitológicas
que conduzam à uma viagem, como a da barriga da Cobra, que permite a imersão em aspectos
da cultura indígena para não-indígenas, público este que muitas vezes não possui qualquer
proximidade com esses elementos culturais e encontra na arte, em específico na arte
contemporânea, um elo de ligação para diálogos com as artes indígenas. Este harmonioso
diálogo entre a arte contemporânea e a arte indígena se dá, segundo Fonseca, (2017, p. 18) da
seguinte forma: “as artes contemporâneas traduzem em signos (imagens, sons, gestos etc.)
algumas ideias presentes desde sempre nas culturas indígenas”.
Entender que a produção indígena tem estética, forma e conceito capazes de diálogos
valiosos para nossas salas de aula nos faz vislumbrar inúmeros caminhos que recriam caminhos
e reverberam saberes milenares. Como afirma Duarte (1991, p. 25) “o significado dado pelo
homem à sua existência provém de um jogo entre o sentir (vivenciar) e o simbolizar (transformar
as vivências em símbolos) [...] produto não de um indivíduo isolado, mas de comunidades
humanas”. Ou seja, ensinar arte transcende visões de um mundo apenas visual e palpável, mas
torna-se um leque de caminhos dentro de um rastro imaginário com vestígios de nossa
ancestralidade, assim como os deixados por onde passa a Cobra.
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INTRODUÇÃO
162
Bacharel e licenciada em Ciências Sociais, mestranda no programa de pós-graduação em Sociologia (PPGS),
todos pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
REFERÊNCIAL TEÓRICO
Estudar a religiosidade é reconhecer sua complexidade diante das sociedades nos mais
variados ângulos, e reconhecer suas influências na vida cotidiana, inclusive quando se refere ao
cuidado com a saúde e todas as percepções em volta do adoecimento. Os estudos antropológicos
na área da saúde foram iniciados nos anos 60, Canesqui (1994 apud MELLO, 2013), inicialmente
apresentando oposição ao padrão médico, a Antropologia abriu um leque para reflexão de
recursos terapêuticos e questões também além do meio médico oficial.
A relação entre antropologia, saúde e religiosidade é um forte diálogo interdisciplinar que
tem colaborado com ambas as áreas diante dessa ciência que surge enviesada em arcabouços
teóricos abrangentes com métodos e conceitos trabalhados na Antropologia como também
literaturas sobre saúde. Esse campo da Antropologia da saúde procura entender como os
indivíduos expõem e interpretam o adoecimento que se expressam como formas de sofrimento e
dor, levando em consideração as mais diversas formas de interpretação desses fenômenos.
De acordo com Costa e Cardoso (2014) a doença não se limita a fatores ou desequilíbrios
biológicos, mas também deve ser vista como uma construção social, fenômeno cultural e
religioso. Podendo ser comprovada a partir do seguinte raciocínio: a doença é um fenômeno
mundial e a medicina também, consequentemente as doenças são conhecidas pelas suas causas e
sintomas, a causa parte do mesmo agente etiológico em todo o mundo. Já os sintomas se
apresentam normalmente da mesma forma em todos os indivíduos.
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Isso faz refletir sobre a diversidade religiosa brasileira, levando em consideração que o
brasileiro pode seguir mais de uma religião e ter crenças em várias outras. Para Mello (2013) as
religiões afro-brasileiras como a Umbanda e o Candomblé estão ligadas a crenças em espíritos,
este processo se dá pelo ato da incorporação, transe e possessões advindas de espírito estes muitas
vezes atuam na cura e tratamento de doenças, assim como também, na manutenção da saúde
física e espiritual. (SARAIVA, 2010 apud MELLO, 2013). No Candomblé especificamente, onde
estão presentes os cultos aos orixás africanos ligados a força da natureza, acredita-se que cada
pessoa possui seu próprio orixá e este tem uma relação direta com o indivíduo.
Na pesquisa realizada por Mello (2013) no contexto afro-religioso no Rio de Janeiro, um
entrevistado do Candomblé aborda essas questões em seus discursos, quando afirma:
“dependendo do Orixá, a pessoa está mais propícia a sofrer mais em determinada parte do corpo.
Então, por exemplo, uma filha de Oxum, ela já tem tendências a ter problemas na barriga e nos
pés também. Cada Orixá tem a sua parte frágil.” (Sr. Miguel) (Mello 2013, p 89). Porém, essa
busca alternativa de cura está associada ao sistema da medicina popular paralelo ao tratamento
espiritual. Não é dispensável a medicina científica, elas simplesmente se complementam quando
se fala no contexto da Umbanda.
Rodrigues et al (2016) tratam da religiosidade dos pajés na pajelança indígena. Esse
processo mediúnico Xamânico sofreu alterações consideráveis com a presença de grupos
africanos e matrizes cristãs com ideologias ocidentais, nas comunidades indígenas. O ritual da
pajelança marca a religiosidade e espiritualidade indígena e cabocla instrumentalizada por
estruturas simbólicas e imateriais.
Bourdieu (1989 apud RODRIGUES et al 2016) o ritual da pajelança marca a
complexidade, a interiorização da cultura de um povo e suas construções sociais. Isto faz com
que através de mesma se interpretem fatores como adoecimento e cura, com simbolismos e
sentidos espirituais e religiosos. Nas comunidades caboclas a prática desse ritual tem influência
da cultura mágica indígenas, da cultura do negro, do branco, de elementos da afrodescendência,
do marco judaico-cristão e de atividades xamãs indígenas, que segundo os autores “dão vida
também à pajelança cabocla” (RODRIGUES et al 2016, p. 4).
Os pajés indígenas e pajés caboclos são possuidores dos mais diversos saberes como o da
cura, por exemplo, que eram adquiridos como herança dos antigos Caraíba Tupinambá. O que
lhes dão certa importância, devido à confiança que ganham por suas práticas e pelo poder de seus
trabalhos. “A crença no pajé se assemelha em muitos aspectos à fé cabocla no terapeuta popular,
num sincretismo que intermedeia confiança imanente aos que procuram o trabalho de
curandeirismo” (RODRIGUES et al 2016, p. 6).
Verifica-se esse processo de práticas médicas primitivas na pajelança indígena, em que a
religiosidade se faz presente principalmente nos rituais de cura que se dá inicialmente pela cura
da alma que vai enfrentar as doenças, que acreditam ser causadas por espíritos. Ou seja, essas
práticas de curas se estendem a outras culturas, Costa (2008) trabalha dentro da Antropologia da
Saúde, questões religiosas voltadas ao Candomblé e as benzedeiras como formas alternativas de
manutenção da saúde, na busca de cura e suas implicações diante o adoecimento. Esses vão
ressaltar que nas tradições religiosas afro-brasileiras e indígenas há um intermédio entre o plano
terreno e o plano espiritual que denominam como curador.
Costa (2008) faz uma pirâmide para trabalhar as distinções entre as benzedeiras
curandeiros e ervateiros. Na base ficam os ervateiros, aplicam técnicas de rezas e ervas para o
tratamento de doenças. No meio os curandeiros, esses têm um poder superior ao médico atribuído
e reconhecido pelo seu grupo social. E no topo, as benzedeiras que merecem esse poste por já ter
passado pelas outras experiências, detêm o saber sobre as ervas, rezas e entidades sobrenaturais.
Cada religiosidade trabalha a questão da saúde de formas diferenciadas, que se dá de
acordo com as tradições culturais e no que se acredita ou no sagrado o qual se crer. As entidades
que normalmente atuam na área da saúde são os caboclos e pretos velhos no caso da Umbanda.
Já no Candomblé são os orixás Omulu (o médico dos pobres) e Ossáin (orixá das folhas) que
fazem esse papel.
Neste caso pode-se observar que o meio religioso e a medicina popular têm pontos em
comuns, como o uso de plantas como forma de medicamentos. Porém outros elementos estão
presentes neste processo quase de trata de religiões como o Candomblé e a Umbanda, como o
uso do álcool, cigarro, cachimbos, entre outros. Principalmente quando antecede os rituais para
a incorporação, aonde toda a ciência e sabedoria diante do adoecimento vem da entidade, o
médium não precisa necessariamente saber ou estudar para que a cura aconteça.
Ribeiro (2014) colabora teoricamente sobre o “trabalho de cura” na umbanda pelos pretos
velhos e especialmente pelos caboclos. A mesma divide esse ritual em dois momentos,
salientando que esse rito acontece em público por ter o objetivo de reestabelecer de maneira
explícita à harmonia entre o homem e o mundo natural. O primeiro momento é o “diagnóstico”
que se dá quando o indivíduo chega até a entidade, que está incorporada no médium e conversa
sobre seu estado de saúde. O outro momento é quando é feito o tratamento da doença. O
adoecimento é visto nesse campo religioso como um infortúnio. Como ficou claro, o “trabalho
de cura” feito pelos caboclos (as) acontece depois do ritual do infortúnio na vida do indivíduo.
Para Martin e Andrade (2010) a cura pelo benzimento vem de ritos mágicos e se sustenta
por um sistema de crenças, presentes comumente no meio rural, que é intensamente ligado à
religião e à natureza. Na pesquisa realizada pelas autoras em Ligeiro, interior da Paraíba, fica
claro como essa crença se dá na prática observando o relato: Uma vez uma mulher veio de noite
com uma menina; estava vomitando, chega estava descombucada. Eu rezei, no outro dia ela
disse que não tinha dado remédio e estava boa (A. R, p. 7). No relato a rezadeira não só
diagnostica o sintoma de "mau-olhado" garante a cura através da reza feita por ela. Neste a visão
de Martin e Andrade (2010, p. 126) “Neste cenário tudo parece misturado; fé, magia, milagre,
castigo” onde existe uma obrigação de afastar a força do mal.
Paes (2014) trabalha com ex-votos no contexto cristão, católico, no Círio de Nossa
Senhora de Nazaré em Belém do Grão Pará analisa o este espaço urbano e faz refletir sobre as
questões do adoecimento e a religiosidade neste campo religioso. O ex-voto “são levados por
devotos como pagamento de “promessas”” (PAES, 2014, p.2). Durante essa procissão, assim
como muitas que acontecem anualmente no Brasil inteiro, os devotos pagam suas promessas que
neste caso é almejando a superação de um adoecimento, agradecimento e pedindo proteção.
Esses levados, são normalmente objetos que representam a graça alcançada, está
normalmente é tida para o fiel como impossível, então, sua conquista se torna um milagre.
Quando o caso está vinculado à saúde estes ex-votos, segundo Cascudo (2004, p. 450) se dá
através de “representação do órgão ou parte do corpo humano curado pela intervenção divina e
oferecido ao santuário em testemunho material de gratidão”.
Esse ritual é marcado pela característica testemunhal, que se refere à entrega do exvoto,
a quem se foi feito a promessa, de forma pública para que não haja dúvida que a dívida foi paga
e que a graça foi alcançada. Engrandecendo assim, o agente do milagre dando-lhe prestígio. Esse
ritual de crença dentro do catolicismo, que se efetua através da religiosidade dos seus seguidores,
justifica o acúmulo de objetos nos quartos/sala de milagres no mais diversos centros de
peregrinação.
Araújo (2015) faz um estudo de caso onde analisa os devotos do Santo Daime e suas
práticas relacionado a saúde e doença. É interessante colocar que em religiões, como o
catolicismo, por exemplo, tratavam dos adoecimentos através de um processo onde a busca por
cura ou manutenção da saúde eram abstratas, a religiosidade agia sem o uso de qualquer
substância ingerida.
Esta pesquisa, além de surgir com esse diferencial, já traz consigo uma problemática. Este
grupo religioso faz uso durante o seu cerimonial de substâncias psicoativas em um chá que tem
o mesmo nome da religião (Santo Daime) que é essencial para o rito de cura dos seus devotos. O
Santo Daime está inserido nas formas de terapias alternativas, por causa da herança
xamânicaameríndia que carrega, sendo assim o uso dos psicoativos que se fazem presente na
Ayahuasca é comum entre os fiéis na busca de curas físicas e espirituais.
Neste campo religioso a cura não é limitada a “remissão dos sintomas”, mas fornece aos
seus fiéis uma possibilidade de repensar os valores e hábitos que cercam seus cotidianos tornando
a cura significativa “de tal forma que a cura e a doença são compreendidas a partir de uma
perspectiva relacional que fornece um significado singular para o indivíduo em interação com o
cosmos e o mundo espiritual” (ARAÚJO, 2015, p.6). Acreditam e têm como doutrina manter
uma boa relação com o espiritual.
Costa e Cardoso (2014) abordam percepções de cura e adoecimento dentro das igrejas
pentecostais e neopentecostais a partir de um estudo literário em que a Igreja Universal do Reino
de Deus realiza a “Cura Divina”, por compreender a libertação de enfermidades que assolam a
vida das pessoas que buscam ajuda nesse campo religioso para desfazer-se dos malefícios que as
acompanham. Nas últimas décadas, mas especificamente com o advento da modernidade, essa
busca tem aumentado significantemente. Sendo assim, a Igreja Universal tem inaugurado
templos em todo o Brasil, se propondo a atender as pessoas que se sentem doente e se veem
precisando de ajuda religiosa para a cura da mesma. De acordo com Lima (2006 apud COSTA E
CARDOSO 2014):
O conceito de doença na Igreja Universal possui um sentido mais abrangente:
problemas físicos, desemprego, problemas familiares, problemas familiares, problemas
mentais ou emocionais, pobreza. A chamada “Renovação Carismática” da Universal
promete, desde a cura da dor de cabeça, do nervosismo, da depressão e outros
infortúnios que afetam o cotidiano de uma pessoa, até mesmo a AIDS. Para tal, são
usados recursos como “óleos ungidos”, “sal abençoado”, “roupa ungida”, sendo que a
cura é prometida a todos que tenham fé (p. 121).
Vale ressaltar que essa percepção da doença, que se destaca por se diferenciar
drasticamente das concepções tidas normalmente na sociedade brasileira, parte a crença em que
as doenças são causadas por presença de demônios e para expulsá-los para trazer a cura é preciso
manifestá-lo o que distancia esse campo religioso das igrejas consideradas pentecostais. E se
assemelha as incorporações presentes na Umbanda e no Candomblé, porém nessas religiões a
manifestação é vista de forma positiva e nas igrejas Universais de forma negativa e demoníaca.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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biomedicina: um estudo de caso no Santo Daime. In: REUNIÃO DE ANTROPÓLOGOS
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COSTA, Denise Azevedo. Concepções de doença e sistemas de cura no bairro do Sá Viana em São Luís
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VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. 3. ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 2003.
i
Discente curso de economia – Campus Sertão – UFAL. E-mail: p.patriciareis1@gmail.com
CNERA
SEGUNDA PARTE
RESUMOS SIMPLES
GT 1 - A SACRALIZAÇÃO DA CARNE: A LITURGIA DO SEXO
NA LITERATURA ERÓTICA/PORNOGRÁFICA
Resumo: Se o sexo conduz o mundo, segundo ColetteChiland (1999), então, há algo nele que
pertence à dimensão do sagrado, haja vista a necessidade humana de ritualizar os prazeres da
carne, quiçá com a pretensão de torná-los suportáveis. No encontro de corpos, é a morte que
dirige o espetáculo, transformando vítimas em algozes e carrascos em mártires. Nosso Gt
acolhe pesquisas, concluídas ou em andamento, que se voltem para a natureza hierática do
sexo, em sua perambulação pela literatura erótica/pornográfica.
Resumo: O livro O fio das missangas (2009), do escritor moçambicano Mia Couto, é uma
coletânea de contos conhecida por retratar elementos do universo feminino. Os textos são
permeados por narrativas que trazem questões acerca da mulher e do seu espaço dentro do cerne
social. Assim, este escrito versa em analisar o conto “Os olhos dos mortos” por meio do evento
da gravidez e do desgaste emocional pela imposição do terror causado por seu marido. Esta
narrativa torna-se uma espécie de metáfora para os problemas enfrentados por nações
colonizadas, neste caso, colônia de Portugal e, portanto, os reflexos do período pós-colonial
vivenciados. Desta maneira, nossa metodologia é pautada em pesquisa bibliográfica e, para isto,
faremos a utilização dos postulados desenvolvidos por Fernanda Cavacas (2010), Rita Chaves
(2005), Jane Tutikan (2006), Ana Mafalda Leite (2010), Hall (2003), entre outros.
Resumo: Este artigo tem como finalidade apresentar uma reflexão acerca do artesanato poético
de Alda Lara. O objetivo dessa análise qualitativa é cogitar sobre alguns traços de sua obra, como
o sujeito poético feminino, a lembrança da infância e principalmente o amor à pátria. Tratando
de uma pesquisa bibliográfica, o corpus deste trabalho é o poema “Presença Africana” (1953).
Como embasamento teórico foram utilizados Carla Ferreira (2008), Érica Pereira (2009), Maria
Eliane Pontes (2010), dentre outros estudiosos. Os resultados obtidos evidenciam que a Mãe-
África é uma das temáticas essenciais de sua poesia. Lara dedicou-se a sua vida pela sua terra,
exercendo uma atitude de amor ao próximo.
GT 3 – ESOTERISMO E RELIGIÃO
Resumo: Segundo Antoine Faivre, a partir do fim do século XVI, no Ocidente latino, observa-
se um movimento de reunir um conjunto de ideias formando um campo de saberes separado da
égide da Igreja. Neste sentido, conhecimentos exteriores ao teológico começam a se delinear
graças ao esforço dos humanistas que profissionalizam algumas ciências esotéricas (hermetismo,
kabala). O Iluminismo e o período Romântico vão conformar estes temas como o panorama do
esoterismo ocidental. O século XX traz o fenômeno da visibilidade crescente dos movimentos
de Nova Era, reatualizando a questão do esoterismo na contemporaneidade. Neste sentido, o
trabalho aqui apresentado retoma a etnografia realizada em Paris (EHESS, 2002) junto ao Grupo
Eckankar como um exemplo da atualização da teosofia de Helena Blavatski, bem como do antigo
escritor de ficção científica e fundador do grupo Eckankar Paul Twichel, em 1965 nos Estados
Unidos.
Trabalhos Aprovados:
Resumo: O trabalho aqui apresentado tem como objetivo propor reflexões sobre o Ensino
Religioso atentando para as contribuições que este tem trazido à Educação Brasileira, analisando
sua repercussão no contexto social. O interesse pelo tema se deu por buscar entender melhor a
relevância do Ensino Religioso na Educação. Por ter atuado também cerca de duas décadas
ininterruptas na área religiosa pude acompanhar o trabalho de homens e mulheres que
conseguiram educar e formar cidadãos conscientes com a contribuição do ensino religioso,
muitos deles não possuíam a formação de professores, no entanto eram excelentes educadores.
A pesquisa é de abordagem qualitativa e trata da qualidade do Ensino Religioso proposto por
igrejas, conventos e seminários de origem católica e protestante e suas contribuições direta e/ou
indireta à Educação Brasileira. Para esta pesquisa recorremos aos seguintes procedimentos
metodológicos: pesquisa bibliográfica a partir dos autores Franco Cambi (1999) com História da
Pedagogia; Claudia Regina Benedetti; Hélcio de Paula Lanzoni e Viviane da Costa Lopes (2013)
com Fundamentos Sociológicos e Filosóficos da Educação; Antonio Gilberto (2014) com
Manual da Escola Dominical; Marcos Tuler (2010) com Manual do Professor de Escola
Dominical Didática Aplicada à realidade do Ensino cristão e Maria Judith Sucupira da Costa
Lins (2004) com o artigo Direito ao Ensino Religioso. Durante esta pesquisa foi discutida e
questionada a importância do papel do Ensino Religioso na Educação. Pude perceber durante a
pesquisa que o conhecimento sobre o assunto ainda é algo muito distante da nossa realidade, pois
quando se trata de religião no Brasil parece estarmos transitando por caminhos perigosos e
desnecessários.
Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir o religioso como ação educacional direcionado a
criança no espaço da escola pública, procurando traçar uma análise de como a criança
compartilha seus conhecimentos religiosos e como percebe a religiosidade no contexto escolar.
Reflito o que media estas percepções, como entendem a diversidade e como o corpo é agente
ativo e informado socialmente. A observação participante buscou entender com as crianças suas
compreensões. Por fim, em relação a religiosidade que até então as crianças compreendem e (re)
conhecem nos contextos educacionais que participam brota entre empatias e estranhamentos
através/com/a partir do corpo nas relações intra e intergeracionais.
Resumo: No contexto atual que estamos inseridos discutir e promover a reflexão acerca de
questões de diversidade cultural religiosa se faz necessária ao combate de preconceitos e
discriminações dentro do âmbito escolar no que se refere às religiões, inclusive as consideradas
religiões “minoritárias”, ou seja, as que não são cristãs. É nessa perspectiva, que esse artigo tem
como objetivo refletir e perceber Ensino Religioso como componente curricular que possa
contribuir para o combate a intolerância religiosa nas escolas, bem como promover nos
educandos o respeito, a valorização, o reconhecimento de si e com o outro e a cultura de paz.
Metodologicamente esse estudo é bibliográfico com delineamento explicativo de concepções que
fazem refletir sobre as questões da importância do diálogo inter-religioso nas propostas
pedagógicas para potencializar o processo de ensino e aprendizagem. Concluímos, portanto, que
é de responsabilidade do Ensino Religioso enquanto componente curricular reconhecido
atualmente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na área das Ciências Humanas, superar
cada vez mais as lacunas enfrentadas nas escolas em uma perspectiva não confessional e não
prosélita, em que suas práticas metodológicas e pedagógicas possam incluir temas emergentes
que precisam ser debatidas de acordo com as mudanças e diversidades religiosas que
encontramos no contexto escolar.
Palavras-chave: Diversidade cultural. Religião. Educação.
Resumo: Esta pesquisa foi realizada na Escola Municipal Professor Antônio Campos, localizada
em Mãe Luiza, no município do Natal, nas turmas do 1º ano 5º ano, no ano de 2018, tem o
objetivo de propor sugestões de conteúdos e de como aplicados nas aulas de Ensino Religioso.
Destaca-se a parte artística dos lugares turísticos e sagrados das religiões pouco conhecida no
contexto dos alunos: mesquitas, terreiros, igrejas e sinagogas, como também lideranças
religiosas: Mãe de Santo, Padre e outras. Realizamos Bingos dos lugares sagrados, Jogo da
memória dos lugares sagrados, o dominó dos lugares sagrados, oficina de desenhos de os lugares
sagrados e apresentação teatral dos dedoches das representações e lideranças religiosas. Portanto,
a grande maioria dos alunos reconhecia apenas o Cristianismo, e no que diz respeito as outras
religiões já mencionadas, trataram como “terrorismo” e “macumba”. Após esse trabalho
pedagógico realizado nas aulas de Ensino Religioso a diversidade religiosa é redescoberta para
os alunos por um ângulo não-confessional.
Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas
confessionais, a partir da minha vivencia como docente nesses espaços educativos, em que a
liberdade de criação e estudo sobre os aspectos culturais, artísticos e religiosos do universo afro,
em específico, o candomblé e suas contribuições para a arte, são visualizados pelos pais dos
discentes como assuntos desnecessários na prática educativa de seus filhos, uma vez que, além
de serem de outra religião, estão tendo sua formação educativa em uma escola que prega a
evangelização dos seus alunos. Dentro dessa perspectiva, visualizamos a necessidade de trabalhar
essa temática, visando discutir esses tipos de argumentos e práticas preconceituosas por parte dos
pais dos alunos de escolas confessionais
Resumo: Este Grupo de Trabalho, na área das Ciências Sociais, busca contemplar pesquisas e
estudos históricos, teóricos, bibliográficos e literários, concluídos ou em andamento, cuja
temática seja ateísmo. Diante do recrudescimento do conservadorismo político que ocorre em
consonância com o fundamentalismo religioso na história recente do Brasil, impõe-se a
necessidade da abertura de espaços de problematização e discussão das configurações da
descrença religiosa, como contraponto do referido contexto social. Uma vez o ateísmo estando
inscrito no campo religioso como negação, entendemos que o conhecimento de abordagens
ateístas pode proporcionar a ampliação dos horizontes de depreensão da intolerância religiosa e
favorecer o alargamento do grau de convivência enquanto coexistência de diferentes modos de
vida.
GT 6 - MÚSICA E RELIGIOSIDADE
Resumo: O presente trabalho refere-se a uma pesquisa de mestrado em andamento, cujo tema
central é a relação entre a música, representada pelo canto participativo chamado bendito, e a
construção das romarias ao Santuário de São Severino do Ramos, na cidade de Paudalho/PE. O
objetivo geral é compreender de que forma e em que medida a entoação dos benditos contribui
no processo de construção da romaria. A metodologia adotada é a abordagem etnográfica,
alicerçada na Pesquisa de Campo. As primeiras percepções demonstram que a música exerce
múltiplas funções dentro dos rituais romeiros, sendo, desta forma, um elemento de grande
importância na realização desses rituais.
Resumo: Esta pesquisa tem como foco as práticas musicais realizadas na associação os
Gideões Internacionais no Brasil (GIB). O objetivo é investigar como se dá a aprendizagem
musical na associação os GIB. Os objetivos específicos são: definir do que se trata a associação
os GIB; investigar de que forma a associação os GIB vivencia a prática musical; analisar a
aprendizagem musical a partir do canto coletivo; e compreender de que forma as relações de
sociabilidade interferem no processo de aprendizagem musical. Trata-se de uma pesquisa de
abordagem qualitativa através de um estudo de caso. A relevância se deu no sentido de propor
um espaço que integre alunos com diferentes níveis de aprendizagem.
Resumo: O objetivo desse GT é discutir o modo pelo qual as alterações na LDB (Lei 9394/96)
promovidas pelas leis 10639/03 e 11645/08, que estabeleceram a obrigatoriedade do ensino de
história e cultura africana, afro-brasileira e indígena na educação básica, tem impactado as
práticas pedagógicas. Interessa-nos refletir sobre as formas como as apropriações e conflitos em
torno da presença de elementos culturais e religiosos de matrizes africanas têm mobilizado
educadores e pesquisadores na produção de consensos ou dissensos sobre o que e como dever
ser abordado esse conteúdo em sala de aula. Terão preferências as contribuições que
interseccionam saberes da Antropologia, História e Pedagogia, numa perspectiva das teorias
de(s)coloniais, em que a revisão bibliográfica seja articulada com dados empíricos quantitativos
e/ou qualitativos coletados em diferentes contextos e de forma privilegiada nos espaços escolares.
Resumo: Artefato das religiões afro-brasileiras, o igbá possui múltiplas formas e adquire
diferentes sentidos nessas religiões. Diferenciando-se de acordo com as divindades às quais estão
relacionados e assumindo a ligação direta entre as divindades, o sujeito e a comunidade, o igbá
pode, então, ser pensado como um texto a ser lido e interpretado. As vivências rituais que se dão
em torno do igbá fazem dele um ponto de convergência da comunidade religiosa e agrega, no
mesmo tempo e espaço, sujeitos de variadas idades, níveis hierárquicos, etc. Da mesma forma,
os rituais relacionados com a sacralização e renovação constante da energia do igbá fazem deste
artefato um lugar privilegiado para os momentos de transmissão dos saberes religiosos que são
transmitidos de geração em geração. O igbá, nessa perspectiva, assume as vezes de aluno e
professor, fazendo-se protagonista do ensino e da aprendizagem no interior do terreiro. Por isso,
como diria Claude Levi-Strauss, o igbá também é bom para pensar. O objetivo deste artigo é
propor formas de pensar o igbá e explorar sua potencialidade pedagógica para a população de
terreiro e para quem quiser compreender melhor essas religiões e seus seguidores.
Resumo: O objetivo desse texto é, por um lado, refletir sobre o processo de constituição dos
movimentos negros de origem religiosa no Brasil, na segunda metade do século XX, e, por outro,
o impacto das ações desses grupos no estabelecimento de políticas públicas de salvaguarda
patrimonial de origem africana por parte do governo federal. Defendemos a hipótese de que o
modo pelo qual o Estado brasileiro produziu um entendimento sobre as categorias de
classificação e definição do patrimônio cultural negro foi mediado pela agência de lideranças
religiosas que disputam, na esfera pública, a autoridade em legitimar tal patrimônio.
Palavras chaves: identidade negra; patrimônio cultural negro, religiões afro-brasileiras, políticas
públicas, catolicismo, evangélicos.
Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar o decreto no 36.445 de 07 de dezembro de 2015,
que prevê o tombamento do Sítio do Acais em Alhandra-PB, por sua importância na História e
na Memória local dos Juremeiros e Juremeiras da cidade de Alhandra, na Paraíba.
Compreendendo os percalços para a efetivação do seu tombamento, percebemos que este
patrimônio – o único do Estado da Paraíba tombado que representa os povos tradicionais de
matriz Afro-Brasileira e Indígena − ainda continua sem projeto que o integre à dinâmica cultural
e religiosa da população e espaço de formação de identidade. O trabalho também visa uma
reflexão sobre os modos de pensar o patrimônio, as intolerâncias e a memória local dos povos
considerados “marginalizados” da História Oficial. Na verdade, estes apenas buscam o direito de
manterem sua tradição ainda viva, lutando com resistência contra a intolerância religiosa
existente, a especulação imobiliária do processo modernizador e as demoras nas nuanças
burocráticas das ações públicas que deveriam garantir a igualdade de direitos. Estes, “Os
guardiões” da tradição Juremeira aparecem para a história e para a memória como protagonistas
de seu próprio patrimônio.
Resumo: Este estudo objetivou analisar a devoção à Maria na religiosidade popular, fruto da
confiança de seus devotos, os quais acreditam na sua intercessão diante da misericórdia divina.
A multiplicidade de devoções mariais deu origem a vários lugares de peregrinação religiosa, nos
quais as tradições da Igreja católica partem da condição simbólica desses locais. A metodologia
utilizada foi a revisão bibliográfica. Constatou-se que as aparições ou o encontro de imagens
tornaram diversos lugares dignos de milagres e romarias. Os resultados da pesquisa evidenciaram
que a devoção marial revela a importância de Maria de Nazaré no florescimento religioso,
ocorrendo à construção de vários santuários e a sua homenagem como padroeira através de
diferentes títulos que lhe são concedidos na devoção popular.
Resumo: Uma grande parte das práticas religiosas de matriz africana está ligada ao ato de comer.
A arte de cozinhar para os orixás é constante nos terreiros e exige conhecimento dos mitos dos
orixás, os quais estão ligados aos fenômenos ou elementos da natureza, à dimensão sagrada de
cada alimento e ao que cada Santo pode ou não comer. No Candomblé uma das principais
ligações entre homens e deuses são as oferendas de alimentos e sacrifícios, a comida oferecida
se torna uma das fontes de poder, por meio do qual o homem adquire a força espiritual para entrar
em contato com o mundo dos orixás. A comida mantém a aliança entre deuses e homens, devendo
ser preparada com cantos e danças através de rituais que preparam o Santo para receber a
oferenda. Os rituais e sabores dos alimentos demonstram a riqueza de detalhes da cozinha das
religiões de matriz africana e, atualmente, as preparações, sem a dimensão sagrada, são levadas
também a restaurantes, ganhando força e reconhecimento.
Resumo: Um dos maiores desafios da educação é ensinar o aluno a conviver, ou viver com o
outro, aprender a ser tolerante, conhecer e respeitar as diferenças. Diante da insegurança
pedagógica provocada pela aprovação do ensino confessional no plenário do Supremo Tribunal
Federal, analisaremos criticamente a formação de professores para o ensino religioso nas escolas;
apresentando uma proposta de educação que promova e assegure o pleno exercício da cidadania,
que lhes proporcione uma convivência solidária e respeitosa com toda comunidade escolar, onde
a diversidade cultural se manifeste na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as
sociedades. A metodologia aplicada será uma investigação exploratória de caráter analítico
qualitativo, por meio da pesquisa bibliográfica em livros e sites.
Resumo: Por séculos a discussão em torno dos evangelhos apócrifos foi muito restrita, porém,
nos últimos tempos tornou-se alvo de debate. Ainda assim, tais textos são importantes para a
história do cristianismo, principalmente para o catolicismo. Tendo em vista isso, o presente artigo
tem como objetivo analisar os motivos pelos quais a Igreja Católica não colocou esses escritos
como oficiais, sobretudo a problemática em torno de sua veracidade; como consta tal veracidade
foi bastante contestada. Uma das razões, alega-se, é que os tex não foram escritos sob inspiração
divina. A escrita dos evangelhos e suas escolhas como canônicos e apócrifos giram em torno do
século I ao IV. Tal fato motivou a realização de conselhos para definição dos mesmos. Este
trabalho terá uma abordagem teórica e, para tanto, envolverá tanto os aspetos históricos quanto
hermenêuticos dos textos. Pretende-se desenvolver uma reflexão crítica sobre a questão,
utilizando os escritos oficiais, tais como a bíblia e os próprios apócrifos, além de autores que
debatem o tema.
Resumo: A proposta do presente artigo é discutir um pouco das religiões brasileiras, mais
precisamente no que diz respeito as religiões que contém traços híbridos e que são de matriz
africana e indígena no Brasil. Entendemos que essa discussão se faz necessária, visto que essas
religiões ainda são discriminadas e marginalizadas, sendo alvo de preconceito, mesmo em uma
sociedade ampla e plural que é a sociedade brasileira. Aqui trata-se de um estudo bibliográfico,
elaborado a partir das concepções sobre essas religiões que já foram trabalhadas por outros
autores, bem como um estudo comparativo, apontando as similaridades e as dissemelhanças entre
essas religiões.
Resumo: Neste trabalho, que se insere na História Cultural, analisamos as ações realizadas por
Padre Ibiapina na região Nordeste durante o século XIX. José Antônio de Maria Ibiapina nasceu
em Sobral (CE). Atuou na política e advocacia e aos 47 anos de idade tornou-se sacerdote,
peregrinando pelos sertões do Nordeste e empreendendo ações que visavam melhorar a qualidade
de vida nas cidades e vilas por onde passava, construindo açudes, cemitérios, capelas e casas de
caridade. Padre Ibiapina destaca-se como símbolo de um catolicismo voltado para as
necessidades do povo, minimizando as dificuldades e sofrimentos da população carente do sertão
nordestino.
Palavras-chave: Memória; Religião; Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos; Natal/RN.
A ATUAÇÃO DO CENTRO ESPÍRITA SANTA BÁRBARA COM A
COMUNIDADE JOVEM DE SANTANA DO IPAMEMA-AL
Resumo: O objetivo desse trabalho é descrever as ações realizadas pelo Centro Espírita Santa
Bárbara (CESB), primeira e única casa umbandista institucionalizada no município de Santana
do Ipanema-AL. A pesquisa aqui apresentada se classifica como qualitativa descritiva e utiliza
como procedimentos metodológicos de coleta de dados, revisão bibliográfica, estudo de campo
e entrevista com questionário semiestruturado com a responsável, Cristovia Vieira Vasconcelos.
As atividades realizadas pela casa de axé atingem jovens e suas famílias, de maneira a melhorar
essa relação e garantir maior qualidade de vida para uma região periférica de um município do
Sertão alagoano.
Resumo: Este GT visa organizar estudos e pesquisas sobre o papel da literatura e da educação
no modo de pensar a questão religiosa. A proposta abrange temas como ensino religioso,
educação em diferentes espaços confessionais, diversidade, formação inicial e continuada,
estudos do imaginário e do simbólico, sagrado e teoria literária, sagrado nas adaptações artísticas
de textos literários, entre outros. A linguagem literária cria percepções como núcleos
organizadores da educação, fomentando a vida comunitária e transformando as políticas
educacionais. Com perspectiva transdisciplinar, a intenção é discutir a função da linguagem
simbólica e narrativa, presente nas artes de modo geral e na literatura de modo específico, por
suas respectivas capacidades de sensibilização a valores educacionais e religiosos.
JUDAICA DO ECLESIASTES
Resumo: O artigo propõe a leitura de passagens do livro bíblico do Eclesiastes partindo do ponto
de vista literário, desse modo abordaremos os aspectos dialógicos que permitem a essa obra ser
destaque na literatura judaica, devido seu caráter relativamente helenístico, o qual transmite
ideias que, de certa forma, confrontam o pensamento judaico-teocêntrico, então vigente.
Procuraremos as partes do livro em que os aspectos da intertextualidade ficam mais evidentes,
numa tentativa de demonstrar a aplicabilidade da teoria bakhtiniana do dialogismo, observando
como ela se encontra na obra através da intertextualidade usada por seu autor.
Resumo: Pai Edson de Omulu é sacerdote da Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro
D’Ararobá e desde 2015 tem sofrido inúmeras acusações de perturbação de sossego por parte de
um único vizinho. As queixas viraram um processo contra o Pai de santo e culminaram em sua
condenação no ano de 2017 a 15 dias de reclusão, por ser réu primário, a pena seria revertida em
prestação de serviços à comunidade. O caso de Pai Edson, se tornaria precedente para os demais
casos de queixas, tornando assim, o dispositivo perturbação de sossego um grito a favor do
racismo sofrido pelas religiões de matriz africana. A cobertura jornalística do caso foi de grande
importância para o seu desfecho. A estratégia de tornar público o caso deu força e voz a luta dos
povos de matriz africana de tal forma que o Ministério Público de Pernambuco produziu uma
recomendação para instruir seus promotores em casos como o de Pai Edson. O trabalho visa
mostrar a força que a repercussão na mídia tem sobre as decisões jurídicas observando o caso de
Pai Edson como maior exemplo da mudança de posicionamento do Ministério Público de
Pernambuco.
Resumo: A música desde muito tem poder influenciador ímpar nos ambientes, possui poder
expressivo de canalização de informações, propagando sensações, experiências, lembranças,
abrindo à reflexão, desta forma, observamos a música em seus diferentes aspectos como um
instrumento de grande poder, se reage com a música assim como se reage à sensações gustativas,
táteis, odoríferas. Pode-se dizer que o indivíduo se relaciona com a música intrinsecamente
interligado ao estado de humor conferido ao momento. A sonoridade por si mesma é
capacitadora, terapêutica, envolvente e desde muito nossos ancestrais e outros povos antigos a
utilizavam como expressão, preparação para guerra e intimidação do inimigo, sabemos que em
algumas tribos indígenas presentes no Brasil é uma atividades culturais mais conhecidas e
agraciadas, com poder de gerar socialização, envolvimento, conhecimento e manter viva a
enorme bagagem cultural desses povos aos seus filhos e aos visitantes que os contempla, num
entanto, os povos indígenas hoje não resumem sua música exclusivamente ao que está expressado
na cultura de seu povo, atualmente, vemos um movimento crescente de cantoras indígenas ainda
não notados pela grande mídia em alguns pontos, mas que possuem seu poder expressivo
propagado em movimentos ativistas, é o caso da cantora Katú, seu primeiro single “Aguyjevete”
fala sobre a união e força dos povos indígenas e negros, conhecida por seu trabalho ativista a
cantora fundou o Movimento VI, um movimento de resistência e luta pela visibilidade do povo
indígena. Vimos também a música e a dança como parceiras quase inseparáveis da expressão e
espontaneidade, danças riquíssimas e conhecidas como a dança do ventre transmitem o senso de
feminilidade, arte, sensualidade, poder e desenvoltura femininas desde muitos séculos, sua
origem é controversa, num entanto, diz-se que surgiu no antigo Egito e neste era realizada pelas
mulheres em rituais sagrados em reverência às deusas, seus movimentos ondulatórios,
movimentos de quadril celebravam a fertilidade e a vida.
Resumo: O ato de narrar está atrelado a história humana. Nessa direção, as histórias perpassam
por tempos e espaços diferentespodendo incorporar outros significados, outras interpretações e
até mesmo, novas histórias surgem a partir daquela primeira que tinha sido contada. Os contos
de fada possuem esse caráter aberto e suscetível de adaptações-novas leituras. Cada (re) contar
acrescenta algo “novo”, pois os textos são produzidos num dado tempo e espaço. As adaptações
de narrativas literárias, por vezes estão atreladas a perspectiva de comparação ou validação de
sua fidelidade com o texto original, além de pairar sobre elas a ideia de inferioridade, o que acaba
dificultando a compreensão sobre o que se trata o fenômeno adaptativo. Quando em linhas gerais,
se trata de um processo que está para além de uma transposição de um sistema de signos para
outro, pois traz em suas especificidades significações e ressignificações, existindo, portanto, uma
passagem “transcultural” (HUTCHEON, 2013) passível de investigação. Ou seja, não deve ser
percebido apenas como diálogos entre textos, mas também com contextos históricos e culturais
diferentes. Por isso, as adaptações devem ser entendidas como repetição, porém não são
replicações (HUTCHEON, 2013). Essa “homenagem”, em muitas vezes, proporciona uma
oportunidade de questionar e recontar o texto homenageado, inserindo elementos que naquele
momento são pertinentes, uma vez que, cada texto está mergulhado em uma tessitura histórica e
social diferente. Dessa maneira, entendemos as personagens assumem lugares narrativos
construídos historicamente, através de um processo para, a partir disso, abordar de forma mais
específica à interlocução, as relações dialógicas entre os textos. Com isso, obter uma melhor
compreensão das particularidades e subjetividades presentes no texto adaptado. Partindo da
premissa de que podemos visualizar a história através desses textos, é que nos debruçamos sobre
a adaptação A Bela e a Adormecida (2015), de Neil Gaiman que se trata de uma adaptação do
conto A Bela Adormecida, do Charles Perrault. Todavia, faz-se necessário pensar de que maneira
elas podem ser aplicadas em salas de aula, principalmente, porque é perceptível o interesse que
as adaptações despertam aos mais variados públicos. Muito porque ao conhecer o texto adaptado
e ao sentir as suas nuances na adaptação, acaba se tornando uma das razões que causa o prazer
no leitor, pois seria uma repetição combinada com um elemento surpresa, um “novo”
direcionamento ou perspectiva. Isto significa que o autor propõe uma reapropriação e
ressignificação de uma obra ou de um conjunto de obras que poderá ser compreendida ou não
pelo leitor, o que vai definir será suas leituras anteriores juntamente com sua capacidade de
ressignificar a obra. Nesse sentido, neste artigo temos por objetivo fomentar e nortear uma
proposta de leitura da adaptação A Bela e a Adormecida, pontuando os possíveis caminhos para
abordar o texto escolhido. Para atingir o objetivo proposto nossas observações serão
fundamentadas principalmente nos pressupostos teóricos de: Eisner (1989), Vergueiro (2004),
Hutcheon (2013) e Mendonça (2008), entre outros.
Palavras-chave: Adaptação. Leitura. Sala de aula.
Resumo: Neste artigo, propomos uma análise da adaptação do conto “A princesa e o grão de
ervilha”, de Hans Christian Andersen, para história em quadrinhos realizada por Stephanie True
Peters, traduzido por Fabio Teixeira, preocupando-nos em mostrar de que maneira foi realizado
o processo adaptativo do conto para o gênero HQ. A metodologia adotada foi a pesquisa
bibliográfica de cunho qualitativo-interpretativo. Para base teórica, adotamos as considerações
de Eisner (1989; 2010; 2013), Zilberman (1994), Powers (2008), Carvalho (2006). Como
resultados, verificamos que as quadrinizações de obras literárias podem ser um bom recurso de
valorização do clássico e sua permanência em outro suporte.
Resumo: As recentes pesquisas nos mostram que interesse pelas obras literárias com temáticas
afro-brasileiras é resultante da promulgação da Lei 10.639/03. A partir desse marco legal, as
editoras passaram a investir em publicações de narrativas denominadas como afro-brasileiras.
Entre essas produções, nos chama a atenção o crescente aumento das adaptações dos contos
populares europeus, especialmente dos que possuem princesas. Todavia, essas inúmeras
adaptações despertam questionamentos quanto a sua real contribuição para a recuperação das
histórias das mulheres negras/africanas que ficaram à margem dos textos literários destinados
para o público infantil por muitos séculos. Sendo assim, usando como corpus três adaptações
do conto primário de “Cinderela”, nesta pesquisa apresentaremos os resultados de um estudo
teórico-analítico desses contos. Além disso, teceremos discussões a respeito de como os
idealizadores dessas adaptações se apropriam de textos provenientes das culturas coloniais para
adaptá-los a um novo contexto e a um novo público. Ademais, analisaremos, sobretudo, se essas
adaptações, através de seus textos verbais e visuais, apresentam respostas às ideologias presentes
nos textos europeus e promovem a emancipação de seus novos leitores. Para desenvolvimento
dessas análises, nos embasaremos nos estudos de Ceccantini (1997), Oliveira (2008), Zolim
(2009), Hunt (2010) e Hutcheon (2013).
Palavras-chave: Adaptação; Literatura infantil afro-brasileira; Contos populares.
Resumo: Grande parte de nós compreende a importância da leitura para a formação dos sujeitos,
no entanto, por meio das discussões travadas sobre este tema, percebemos que há dificuldades
no ensino de literatura nas escolas com consequências imediatas na constituição do hábito da
leitura nos jovens, uma vez que a forma como o professor trabalha a leitura em sala de aula é
determinante para que a criança desenvolva o gosto pela leitura e sinta-se incentivada a efetuar
leituras diversas. Essa dificuldade é na verdade um conjunto de fatores que precisa ser levado em
consideração para que seja corrigido de acordo com as necessidades exigidas em cada ambiente
escolar. Esta pesquisa tem por objetivo propor reflexões acerca do ensino de literatura
infantil/juvenil para a formação e o desenvolvimento de jovens leitores, isto é, buscamos
investigar a importância do incentivo à leitura, bem como os métodos de abordagem de literatura
infantil/juvenil que contribuem para o desenvolvimento crítico e reflexivo de alunos do ensino
fundamental. Atualmente, muitas obras de literatura infantil/juvenil têm sido adaptadas para
diversos outros suportes, promovendo o incentivo à leitura e contribuindo para a disseminação
dessas obras, como é o caso do livro infantil ‘Onde vivem os monstros’, do escritor e ilustrador
americano Maurice Sendak, publicado em 1963 e adaptado para o cinema no ano de 2010. Diante
disto, buscamos direcionar nosso estudo para a seguinte questão: “De que forma o ensino de
literatura infantil/juvenil pode ser abordado, de modo a fomentar nos alunos o prazer pela
leitura?” Para responder à esta questão serão analisados os métodos de ensino frequentemente
utilizados, evidenciando a contribuição das adaptações das obras de literatura infantil/juvenil
para o interesse das crianças e jovens, assim como as obras comumente abordadas pelos
professores, a fim de que possamos perceber as dificuldades enfrentadas por eles para motivar
nos alunos o gosto pela leitura e, consequentemente, o desenvolvimento ético e intelectual desses
sujeitos em formação. Diante disto, a metodologia utilizada em nossa pesquisa é de caráter
bibliográfico, tendo como ponto de partida a revisão de leitura referente ao ensino da literatura
infantil/juvenil e à formação de jovens leitores. Assim, nos fundamentamos em Barbosa (1994),
Matencio (1994), Charmeux (2000), Jolibert (1994), Spodek (1998) e Cademartori (1987) para
amparar nosso estudo, uma vez que estes autores trazem contribuições importantes acerca do
tema proposto já que discutem sobre o ensino-aprendizagem da leitura para as crianças, bem
como o papel fundamental do professor no incentivo e desenvolvimento desta prática
pedagógica. Isto posto, concluímos que o papel da literatura nos primeiros anos é fundamental
para que se processe uma relação ativa entre o falante e a língua. Para além do desenvolvimento
de apropriação do sistema linguístico, a criança otimiza seu pensamento crítico e reflexivo, já
que a descoberta do prazer pela leitura é a chave para a conquista do leitor, pois abrirá as portas
da imaginação, levando o leitor iniciante a mundos jamais conhecidos, libertando-o das amarras
da ignorância e da manipulação e tornando-o um sujeito ativo e crítico do mundo que o cerca.
Resumo: Decorridos 15 anos da Lei 10.639/03 e sua revisão no ano de 2008 com a publicação
da 11.645, muitas experiências práticas e teóricas foram acumuladas em decorrência da sua
implementação, que tornou obrigatório o ensino da história e das culturas afro-brasileiras e
indígenas nas escolas da educação básica. Essa temporalidade possibilita o compartilhamento de
ações que vem sendo implementadas, assim como seus principais desdobramentos, no espaço da
escola (e fora dela), no sentido de inspirar e fortalecer outros fazeres e saberes culturais e
pedagógicos. Parte-se do pressuposto de que a abordagem das manifestações culturais indígenas
e afro-brasileiras, em uma perspectiva crítica, implica explorar outras epistemologias e, portanto,
outras pedagogias, que integram de forma dinâmica linguagens e áreas do conhecimento
diversificadas, como a dança, as visualidades, a música, a culinária, a história oral, a
religiosidade, a festa etc. O Grupo de Trabalho situa-se na área temática de ensino de artes, tendo
como principal aporte teórico e metodológico os estudos decoloniais, campo que reúne
epistemologias alternativas ao projeto civilizatório moderno/colonial emergentes no contexto
latino-americano. Serão critérios de avaliação dos trabalhos submetidos: pertinência em relação
ao tema proposto; clareza na construção formal e conceitual; contribuição teórico-prática para a
área das artes e da educação; relevância da experiência e/ou da pesquisa em uma perspectiva
transformadora.
Palavras-chave: Criança negra, Carolina Maria de Jesus, Menina, Pobreza, Relações étnico-
raciais.
Resumo: O percurso formativo de um (a) professor (a) pode se dar oficialmente a partir da
graduação, mas ela é composta por todas as experiências familiares, sociais e culturais. A
pesquisa pretende a partir da trajetória formativa da pesquisadora investigar as lacunas na
formação de professores (as) acerca do ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira.
A pesquisa de campo a ser realizada, busca encontrar uma prática formativa para professores que
dialogue a partir do estudo dos contos e mitos tradicionais africanos e afro-brasileiros, com o
racismo no contexto escolar. E também com a reflexão sobre a trajetória formativa individual de
professores, incluindo suas histórias de vida.
Resumo: O presente texto propõe reflexões acerca da instrumentalização da Lei 10.639/03 que
torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira, dentro de ações interdisciplinares
realizadas pelas disciplinas de Artes e Língua Portuguesa, voltadas à valorização da experiência
histórica e da estética afro-brasileira no contexto do espaço escolar do Centro Estadual de Ensino
Profissional Hélio Xavier de Vasconcelos na cidade de Extremoz – RN. A presente abordagem,
diz respeito ao desenvolvimento de ações conjuntas promovidas através de um projeto de
disciplina eletiva, através do qual veem sendo promovidas oficinas didáticas que buscam
envolver os/as estudantes no debate sobre a formação sócio-histórica e cultural brasileira,
diversidade étnica e cultural e racismo. De modo a promover o enfrentamento ao racismo no
ambiente escolar, além de promover a valorização da negritude, de modo a sensibilizar os/as
alunos/as a se reconhecerem de forma positiva como partícipes da identidade afro-brasileira, em
um contexto escolar marcado por uma maioria étnica afrodescendente que não se vê
representada, nem mesmo consegue vislumbrar a prática e a perpetuação do racismo, manifesto
em seu cotidiano. As ações didáticas contam com o apoio do projeto de extensão “Diálogos sobre
diversidade”, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte-UERN, cujo foco central é a
promoção e valorização da identidade afrodescendente por meio de atividades artísticas, como
arte fotográfica, no intuito de valorizar a estética negra no ambiente escolar, culminando com um
ensaio fotográfico e uma exposição.
Resumo: Diversidade Étnica: brincadeiras, jogos, danças e histórias versa sobre aspectos
estéticos culturais da infância afro-brasileira, africana e indígena. Desenvolvido com crianças de
faixa etária entre 4 e 6 anos, em parceria com profissionais da educação dos diversos seguimentos
da instituição, famílias e especialistas, que possibilitou a construção de ambientes de pesquisas,
nos quais as crianças acessaram diferentes procedimentos de criação e reflexão sobre imagens,
brincadeiras e brincantes, que propiciaram a ampliação de seu repertório cultural e artístico, numa
perspectiva multicultural e de combate ao racismo.
Resumo: O artigo objetiva relatar as experiências e práticas desenvolvidas com uma turma de
Educação de Jovens e Adultos. Considerou em seu fazer uma política de projeto voltada para a
valorização das pertenças e territorialidades dos sujeitos da EJA. A proposição metodológica
buscou conhecer a história de um balaieiro, homem com pertenças próximas aos dos estudantes
para dar maior sentido ao fazer escolar. O entendimento é que quando se parte das vivências dos
discentes as práticas escolares têm mais significado.
Resumo: A construção da ciência jurídica, como um dado social que reflete a cultura e os
valores de dada sociedade, determina a compreensão dos direitos como parte do conhecimento
metódico, cujo propósito é apreender e construir o sistema jurídico. Nessa medida, a carga
valorativa da sociedade influencia e orienta a hermenêutica e a aplicação das normas jurídicas,
indicando novos rumos para o fenômeno jurídico e para própria sociedade. A essa evidência, em
tempos de crises agudas, nas esferas mais diversas da sociedade, a carga axiológica que orientou
a produção do texto constitucional, acaba por passar por novas configurações que, no contexto
brasileiro hodierno, revela verdadeiro esfacelamento dos elementos sociais que orientaram no
passado a produção da chamada Constituição Cidadã, revelando no cenário atual verdadeiro
retrocesso nos direitos sociais. Várias foram as alterações promovidas pelo Congresso Nacional
no sentido de reorganizar o campo das estruturas sociais, sob a justificativa de tentar superar a
crise econômica que assola o país desde meados de 2014, todavia, a despeito da preocupação
econômica demonstrada, os índices sociais têm piorado sistematicamente ao longo dos últimos
anos. Nessa senda, a ideia de contrarreforma social tem se firmado a partir de retrocessos
normativos perpetrados através de ações legais, porém ilegítimas, que se apresentam como
arroubo antidemocrático. Nessa medida, pretende-se, neste grupo de trabalho, promover o debate
plural e multidisciplinar sobre os impactos e a fragmentação que as chamadas reformas dos
direitos sociais têm promovido constitucionalismo brasileiro.
“EM NOME DA NATUREZA”: DISCURSOS E MOBILIZAÇÕES
CATÓLICAS NO BRASIL CONTRA A INSERÇÃO DE DISCUSSÕES EM
TONRO DO GÊNERO NA ESCOLA
Resumo: Inúmeras discussões em torno das questões que envolvem a temática “gênero e
sexualidade” têm sido travadas nos últimos anos, em especial no que tange à elaboração de
políticas públicas que visem combater o histórico processo de exclusão de sujeitos que divergem
do padrão hegemônico estabelecido para o uso dos corpos. Nesse sentido, a própria utilização do
termo “gênero”, semantizado como um novo aporte “ideológico”, tem sido combatida numa
poderosa campanha engendrada por lideranças religiosas (católicas e protestantes), no Brasil e
no mundo, para a retirada do termo de documentos públicos e políticas públicas, em especial
daquelas ligadas à educação. O objetivo desse texto é apresentar os principais argumentos de
lideranças católicas, em especial ligadas ao movimento de Renovação Carismática, em textos
elaborados para o “esclarecimentos de fiéis” acerca dos “perigos da ideologia de gênero”
(destacando três autores católicos) e a mobilização feita, no Brasil, pela CNBB e por algumas
dioceses do país.
Resumo: Este artigo visa analisar através das teorias da comunicação a mudança dos sobrenomes
de mulheres enquanto solteiras por conta de seu casamento, analisando a relação e o impacto do
patriarcado machista nesse fenômeno, dentro da cultura brasileira. O objeto de análise será o
gênero certidão de casamento, de mulheres que tiveram seus sobrenomes modificados, retirando
o sobrenome recebido dos pais e adicionando o de seu cônjuge. O artigo analisa através do viés
da teoria da comunicação e dos estudos sobre feminismo essa construção social, para assim
mostrar que esse fenômeno social de supressão de sobrenomes interfere na construção de
identidade da mulher e fomenta o machismo institucional.
Resumo: O princípio da duração razoável do processo tem como lastro legal a emenda
constitucional nº45/04. Conforme tal ordenamento, o Estado tem o dever de promover a sua
garantia, seja na seara judicial ou administrativa. No Processo do Trabalho, tal princípio deve ser
observado com primazia, tendo em vista que o trabalhador é a parte hipossuficiente da relação
jurídica. No plano da eficácia, deve estar em harmonia com as garantias processuais, como
contraditório, ampla defesa, devido processo legal, etc. Deste modo, a duração razoável do
processo não pode ser justificativa para se encurtar o rito processual ou para que sejam
indeferidas diligências probatórias pertinentes ao deslinde do feito.
Resumo: O acesso à justiça garantido no artigo 5°, XXXV, CF/88, teve repercussão com a
vigência da lei 13.467/17, alterando dispositivos da CLT que protegiam os direitos dos
trabalhadores. Restou-se demonstrada a fragilização dos direitos com a mudança no pagamento
dos honorários advocatícios sucumbenciais. Busca-se, assim, comparar as legislações vigentes e
a revogada, correlacionando com o número de processos ingressos na Justiça do Trabalho,
demonstrando que houve uma redução substancial no número de ações trabalhistas com a
vigência da nova lei, tendo em vista que se tornou mais oneroso o processo para o sucumbente,
limitando, assim, o acesso à justiça e ferindo princípios constitucionais.
GT 13 - MITO E RELIGIOSIDADE
Resumo: Cada narrativa mítica traz, em seu cerne, um cunho sagrado, haja vista ser essas
narrativas a busca de elaboração do seu próprio universo pelo homem de então. Nessa
perspectiva, propõe-se, no âmbito literário, a análise de alguns mitos greco-latinos, tendo como
foco o seu aspecto estruturante e religioso.
AS FACETAS DE DIONISO N’AS BACANTES, DE EURÍPIDES
Autor: Mayana da Silva Carvalho
Resumo: Dioniso é o deus mais misterioso do panteão helênico. Sua influência se espalhou
rapidamente para além das fronteiras do mundo grego. É possível compreender essa figura
enigmática e misteriosa através das obras onde se faz presente. Em um momento ele oferece
benefícios aos seus devotos, em outro, está festejando com seu séquito nas festas dedicadas a si.
Ele também deixa sua ira transparecer, executando os infiéis, ou se transformando em leão, ou
até transformando pessoas em animais. Não importa como se tente explicar, o deus que trouxe o
cultivo do vinho para os homens sempre será um mistério o qual não se pode entender
completamente. Assim, propõe-se neste trabalho, analisar na peça As Bacantes, de Eurípedes, a
atuação deste deus, e o seu aspecto sagrado na religiosidade grega.
Resumo: O presente trabalho propõe apresentar a feição erótica de Afrodite a partir da atuação
de Eros, força geradora da vida, essência mítica da deusa. Nesse sentido, Afrodite pode ser
percebida como entidade abstrata, força primordial de cunho religioso, coadunando em si
também a personificação do amor, tendo a persuasão e a sedução como instrumentos do seu agir.
Assim, através da análise literária de obras como Ilíada, Hinos Homéricos, e o Rapto de Helena,
trataremos da personagem Afrodite, conforme a proposta apresentada.
Resumo: O presente trabalho propõe analisar o mito do rapto de Prosérpina presente no Livro V
das Metamorfoses, de Ovídio, identificando na narrativa mítica o arcabouço de cunho religioso,
como representação explicativa do surgimento das estações do ano. Filha de Júpiter e Ceres, a
deusa é assimilada a Perséfone da tradição grega, sendo, neste caso, filha de Zeus e Demeter,
que, deusa das terras cultivadas, representa a fecundidade da lavoura. Tendo em vista que o rapto
de Prosérpina por Plutão, senhor do mundo ínfero, acarreta a desordem cósmica, Júpiter
intervém, estabelecendo um pacto com Ceres, o qual promove o nascimento das estações,
imprescindíveis para o funcionamento do ciclo produtivo da terra. Desta maneira, nossa
metodologia está pautada em pesquisas bibliográficas que discutem a importância do mito para
a religiosidade na civilização greco-latina arcaica, para isto utilizaremos o aporte teórico de
Brandão (2015), Grimal (2000), Guimarães (1982), entre outros.
Resumo: Narciso, filho do rio Cesifo e da náiade Liríope, foi metamorfoseado na flor que leva
o seu nome. Ele era muito belo e estava em sua plena juventude, mas desdenhava o amor, havia
tão áspera soberba em tão aprazível beleza. Como castigo por tal hýbris, apaixona-se pela própria
imagem nunca vista por ele anteriormente, com a qual se depara ao ver-se nas águas cristalinas
e puras de um riacho em que nenhum animal ou humano havia bebido antes. Tão avassaladora é
a paixão, que não consegue afastar-se da imagem refletida na água, e acaba fenecendo,
transformando-se, por fim, no narciso. Nesse sentido, a proposta do trabalho é analisar o mito de
Narciso, presente nas Metamorfoses, de Ovídio, voltando-se o olhar para o aspecto transcendente
do mito, expressão da sacralidade e da psique humana.
Resumo: Este trabalho objetiva fazer um estudo sobre o mito de Dédalo e Ícaro, presente no
livro VIII das Metamorfoses, de Ovídio, v. 183-235, com base na categoria analítica da Hybris,
a desmedida que acomete este último personagem, responsável por levá-lo a um destino funesto.
Para tanto, utilizar-nos-emos, como referencial teórico, dos seguintes autores: Jean Pierre
Vernant, Junito de Souza Brandão, Pierre Grimal e Pierre Chantraine. Com efeito, o percurso
traçado pela nossa pesquisa centrar-se-á no exame do texto latino original, buscando, por meio
de uma análise do vocabulário empregado pelo autor, conferir que elementos estruturais
caracterizam, no contexto religioso da mitologia greco-latina, a prática da Hybris.
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o mito de Penteu, usando como corpus
os versos (colocar versos) do Livro III das Metamorfoses, de Ovídio, a fim de averiguar de que
forma o episódio apresenta a problemática da transgressão da medida estabelecida pelos deuses
aos homens, bem como a punição como paga necessária para recobrar a superioridade divina
sobre os mortais. O mito ilustra a figura de Penteu, rei de Tebas, como mentor da ação desmedida
ao infringir o culto mistérico a Dioniso, agredindo impiedosamente as práticas das bacantes, fato
que culmina no desfecho trágico do rei tebano. A partir disso, a pesquisa trará como mola
propulsora os termos profanis e poenae, como elementos estruturais e determinantes para a
compreensão do paralelismo entre sagrado e profano, tomando Mircea Eliade como principal
base teórica para a discussão.
Palavras-chave: Penteu; Metamorfoses; Ovídio; Baco.
Resumo: A proposta deste trabalho centra-se em analisar uma perspectiva triangular do conceito
de mito, apresentada sob três formas de exposição do termo, a saber, mythos, μύθος e mito. A
grafia latina mythos designará, em linhas gerais, o constructo do pensamento primitivo imbuído
de sacralidade, compreendido na pesquisa a partir de excertos das obras homéricas e hesiódicas.
Depois será observada, na Arte Poética de Aristóteles, como essa noção desenvolveu-se dando
margem para o surgimento do conceito aristotélico de μύθος (grafia grega), elemento constitutivo
da composição literária, a fabulação, e, por fim, o termo mito (grafia portuguesa) será percebido
como a unidade entre os dois conceitos anteriores, definido como uma narrativa ficcional cuja
base foi desencadeada nos primórdios.
Resumo: Este trabalho tem o objetivo de tratar da invocação no proêmio das Metamorfoses, de
Ovídio. Presente no modelo poético da épica Greco-latina, a invocação é um recurso da poesia
de cunho mítico e ritualístico em sua função. Embora, no período vigente, séc. I d.C., a invocação
tenha perdido sua função primordial ritualística em detrimento de se tornar um locus comum na
poesia épica, é notável perceber a utilização da invocação no proêmio por Ovídio não
essencialmente como um recurso poético, mas como uma evocação do caráter ritualístico dessa.
Tendo em vista esse aspecto ritualístico e de recursividade poética nas Metamorfoses, a partir
dos trabalhos de Fonseca, Veiga e Carvalho, o trabalho observa a partir da análise linguística e
contextual mítica como se configura esse caráter ritualístico na invocação dos deuses no proêmio
da obra.
GT 14 - RELIGIÕES ORIENTAIS
Resumo: O objetivo principal deste GT é discutir pesquisas que versem sobre as religiões de
matriz oriental (sejam elas tradicionais ou modernas), a partir de pressupostos teóricos e
metodológicos das Ciências das Religiões, isto é, desde o viés histórico e antropológico, até
abordagens hermenêuticas, filosóficas, literárias ou cognitivas. Vinculados a este grande objetivo
pretendemos também: discutir os vários legados artísticos e educacionais que as tradições
orientais trouxeram para a humanidade bem como desenvolvimentos contemporâneos destas
tradições e as possibilidades de diálogo entre elas e o ocidente.
Resumo: Segundo Bauman (1999) vivemos na modernidade líquida. Termos como pós-
modernidade, hipermodernidade, modernidade tardia, apropriação, hibridismo e transculturação
definem paradigmas contemporâneos. Desde 1960 as Artes Visuais dialogam com outras
linguagens expressivas utilizando a Bricoláge e a apropriação, que possibilitam a heterogenia dos
saberes apresentados no campo expandido (performances, site specifics, instalações,
videoinstalações, intervenções urbanas, etc.). Neste GT questionamos: como se estabelecem as
relações entre as artes, a educação e as religiões no mundo contemporâneo? Como o estudo das
imagens pode aproximar as artes da educação? Pretendemos estimular o debate sobre as reflexões
em torno das Artes e dos saberes humanos transdisciplinares.
Resumo: Neste artigo, analisamos a prática docente no ensino de artes visuais aplicada ao grupo
reflexivo para homens autores de violência doméstica contra a mulher em cumprimento de penas
restritivas de direito no Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) em
São Gonçalo do Amarante (RN). Buscamos pensar sobre os trajetos registrados nesta
experiência, que teve duração de um ano e três meses em três diferentes grupos semestrais. Como
recorte desta pesquisa de natureza qualitativa, traçamos o perfil socioeconômico por meio de
relatórios do primeiro grupo de homens e comparamos a abordagem artística nas três primeiras
turmas. Como eixo teórico recorremos aos escritos sobre experiência docente (Dewey, 2010);
educação não formal (Gohn, 2010 e 2011); a/r/tografia (Irwin e Dias, 2013) e a lei Maria da
Penha (nº 11.340).
Resumo: A importância da atividade artística para a pessoa idosa está relacionada não só fazer
uso do seu tempo livre, deixando de lado a tristeza, a solidão, o vazio e a ansiedade que alguns
apresentam, bem como, fundamental para desenvolver a criatividade. A cor é um elemento
fundamental nas artes e no cotidiano humano. Sua presença no universo visual, exerce tamanha
influência na mente das pessoas. Possuem uma capacidade de expressar sentimentos e tornar-se
transmissor de ideias numa ação tríplice: de impressionar, de expressar e de construir (FARINA,
2006). O presente trabalho é parte do projeto de pesquisa/extensão “Artes Visuais & Inclusão”,
coordenado pelo Prof. Dr. Robson Xavier e pela equipe do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus
e Inclusão (GPAMI) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), desenvolvido por um dos
Grupos de Trabalho do projeto na Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) na Vila
Vicentina Júlia Freire (VVJF), na cidade de João Pessoa – PB. O total de participantes desta
pesquisa é de seis (06) idosas, com idade variando de 64 a 85 anos. Nesse procedimento,
objetivamos mostrar como a relação das cores e sentimentos podem ser o transmissor de um
leque de ideias criativas com pessoas idosas de uma ILPI. Diversos autores, nomeadamente como
Eva Heller (2013), Ostrower (1996), Golding (1977) e Farina (2006), influenciaram o
pensamento sobre esta temática, tendo surgido a seguinte questão: “As cores e os sentimentos
podem serem o viés de ações criativas?” Trata-se de um estudo de natureza descritiva que utiliza
a metodologia do tipo qualitativo (RICHARDSON, 1999), pesquisa participante (DEMO, 1982)
e o caderno de campo como instrumento de pesquisa. Os dados foram coletado a cada 15 dias
nas terças-feiras, durante o primeiro semestre de 2018, por meio de expressões artística (pintura
em papel canson A4 com tintas), associados em particular, aos sentimentos. Os dados coletados
revelam que, as atividades artísticas com esses dois elementos (cor e sentimento) foi
extremamente valiosa no contexto do autoconhecer. Trabalhar com as cores nesse processo do
universo da mente é expedir valores simbólicos de experiências vividas. Nas relatos obtidos
como a de uma idosa de 83 anos (AL) que diz: “Hoje a minha alegria tem a cor vermelha, porque
vermelho é amor é paixão”, e nas atividades executadas, fica bem claro o quão foi significante a
partilha de vida e a construção de ideias (símbolos). Então, dentro desta perspectiva é notório
que existe sintonia entre as cores e os sentimentos, podendo ser considerado essa relação um viés
de ações criativas.
Resumo: Durante a Segunda Guerra, a imprensa fez um novo perfil físico-social da mulher,
personagem que desenvolveu papel ativo em tal período. Assim, o estudo foi realizado a partir
de pesquisas realizadas na França, com análises de revistas Marie Claire, arquivos do Museu de
Lyon, objetos da época, fotografias, e entrevistas de pessoas que viveram durante a época, em
que se descreveu a imagem sócio-econômica da mulher desse período por meio do seu vestuário.
Até hoje são observados os resultados dessa época no inconsciente coletivo, em que serão
analisadas as influências exercidas, concluindo-se que a visão da imprensa do passado moldou a
imagem da mulher atual.
Resumo: Nomeada de múltiplas formas, a religião constitui um dos principais domínios da vida
coletiva ou social. Remetendo à crença em alguma divindade distante e onipresente ou à relação
do sagrado com o profano, dos mortos com os vivos e deste com o outro mundo, ela é, quase
sempre, descrita enquanto i) fenômeno extraordinário, atemporal e presente em todas as
sociedades sobre as quais temos alguma notícia, ii) condição imanente a qualquer indivíduo,
mesmo daqueles que não atribuem nenhuma relevância à experiência religiosa ou iii) patrimônio
cultural formado pelo conjunto de signos, símbolos, objetos, etc., que permitem às religiões se
expressarem mediante liturgias diversas (SANTOS, 2016). Na maioria das religiões afro-
brasileiras, este patrimônio é constituído por uma ritualística complexa que abarca, inclusive,
práticas de cura nas quais não podem faltar a folha, o alimento, a reza e outras fórmulas litúrgicas
que rememoram os feitos e os atributos dos orixás. Este universo conectado com certas
cosmovisões de matrizes africanas tem mobilizado o processo de criação de alguns artistas
contemporâneos, que empregam não somente as técnicas tradicionais das artes plásticas, como
também a linguagem da performance, da instalação ou das intervenções de rua. O presente texto
baseia-se na videoinstalação “Buruburu” – pipoca ou“flor” de Omolu ou Obaluaiê, orixá
associado à varíola, à cura desta e de outros males do corpo e também os espirituais –, do artista
visual, performer e curador Ayrson Heráclito, e procura estabelecer um ponto de contato com os
elementos visuais presentes na tela “Omulu: caminho de renascimento”, do artista plástico
Elioenai Gomes. O pressuposto desta reflexão é que para apreender a carga simbólica latente ou
explícita nessas produções, assim como nas recriações plásticas de Mestre Didi e de outros
artistas afro-brasileiros, é recomendável (re)conhecer o referente – a cosmogonia e as hierofanias
do mundo nagô-ioruba – expressado por elas; do contrário, tal recepção corre o risco de se tornar
refém do discurso imediato da “arte pela arte”, livre e desinteressada, assentada estritamente na
percepção formalista ou na decodificação dos itens aparentes (técnica, cor, suporte etc.).
Resumo: O presente Grupo de Trabalho tem como objetivo agregar pesquisas que apresentem
propostas curriculares e práticas pedagógicas do Ensino Religioso no cenário atual. O interesse
pela temática se deu a partir das pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa
FIDELID (CNPQ/UFPB) que refletem sobre as práticas pedagógicas, a formação de professores
e as propostas curriculares para este componente curricular. Conhecendo a realidade desta
disciplina que vem sendo comprometida pela ideia de confessionalidade que paira no cenário
atual, este espaço permitirá que reflitamos sobre possibilidades de atuação diferenciadas
pensando na diversidade cultural e religiosa do cenário brasileiro. Serão aceitos trabalhos que
apresentem um viés metodológico, a partir de propostas pedagógicas para o Ensino Religioso,
que reflitam sobre a formação dos professores, as propostas curriculares e pedagógicas para a
sala de aula ou ainda que discutam sobre o cenário atual do Ensino Religioso na Base Nacional
Comum Curricular e no cotidiano escolar.
GT 17 - INTERFACES ENTRE MÚSICA, EDUCAÇÃO E
TECNOLOGIA
Resumo: O século XXI é marcado pelos avanços das tecnologias digitais. Por conseguinte, os
modos de ensinar e aprender passam por transformações. Nesse sentido, este GT pretende reunir
professores e estudantes de diferentes áreas, cujos temas de trabalhos articulem música e
educação; música e tecnologia; educação e tecnologia, educação e música, ou a ligação entre os
três eixos: música, educação e tecnologia. Compreendemos que um elo interdisciplinar entre a
Música, a Comunicação Social, as Mídias Digitais e a Pedagogia podem contribuir no avanço
nos debates e práticas conectadas com os desafios pedagógicos atuais. O embasamento teórico
está em conceitos como cibercultura, cultura participativa, metodologias ativas, juntamente com
os conceitos pedagógicos que envolvem o processo ensino-aprendizagem.
Resumo: O presente artigo visa apresentar um projeto de pesquisa desenvolvido para o Programa
de Pós-Graduação em Música (PPGM) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde
efetuaremos um estudo aprofundado sobre o ensino de instrumentos musicais na modalidade
EaD mediados pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Buscamos conhecer
sobre os tutoriais de ensino de instrumentos musicais online, além de compreender a influência
deles no mercado de trabalho de escolas especializadas em música e na formação de
instrumentistas. A pesquisa se caracteriza como documental, nossa principal fonte de dados será
a internet, nossos documentos serão os sites, os blogs e os canais do YouTube. Nosso aporte
teórico é constituído na maior parte por Westermann (2010), Beltrame (2014), Monteiro (2011),
Mendes e Braga (2007), Cernev (2017), Duarte e Marins (2015), Júnior e Figueirôa (2015),
Requião (2015), Cota (2015) e Gohn (2010). Espera-se que ao final dessa pesquisa possamos
ampliar as discussões sobre o ensino de instrumentos musicais na modalidade EaD intermediado
pelas TIC, além de sistematizar procedimentos que facilitem a produção de futuros tutoriais nesta
modalidade, contribuindo significamente para o mercado local.
Resumo: Este trabalho refere-se à reflexão sobre algumas práticas utilizadas para o ensino de
contrabaixo elétrico e teoria musical através do aplicativo “Whatsapp”. Trata-se do grupo BxPE
que tem como participantes contrabaixistas de Pernambuco que compartilham entre si, através
do grupo, vários arquivos de áudios, vídeos gravados com diversas técnicas, experiências vividas
por cada músico, preferências musicais, possibilidades de repertórios baseados no citado
instrumento. Este artigo pretende discutir sobre as diversas metodologias referentes ao ensino
educativo/musical e o entendimento sobre o grupo e seus objetivos para a valorização dos
músicos integrantes, interelacionando, assim, as mesmas possibilidades metodológicas que
podem ser utilizadas no terceiro setor e/ou em contextos não formais de ensino, tais como ongs,
igrejas, escolas de música não-governamentais entre outras instituições que também possam estar
inseridas em grupos no aplicativo Whatsapp com a finalidade de ensinar e aprender música em
diferentes contextos.
Resumo: Muitos estudos acadêmicos ainda são dedicados à análise dos vários conceitos do
fenômeno definido como bruxaria. Assim, considerava-se como condição para individuar uma
mulher como bruxa, o deslocar-se à noite a cavalo de vassouras, bestas ou demônios. Dessa
forma, analisaremos, utilizando o método comparativo da história cultural, como o frei
dominicano Jacopo Passavanti, no seu texto “Lo specchio dela vera penitenzia”, relatou sobre
essas temáticas nas suas pregações quaresmais em 1354. Isto posto, com a nossa pesquisa
pretendemos levar ao conhecimento acadêmico um assunto que influiu marcadamente nas futuras
indagações nas quais a inquisição emitia suas penas pelos reatos de bruxaria.
Resumo: Lucila Nogueira, poeta carioca e recifense, falecida em 2016, uma das grandes
representantes da geração 1965, detinha uma poética de toda original, forte, mítica e intercultural,
reverberando lendas e conhecimentos ancestrais da humanidade. Assim, Lucila Nogueira,
especialmente nas obras Imilce (2003), Ilaiana (1997), Amaya (2001), Ainadamar (1996) e A
Quarta Forma do Delírio (2003), incorporando sua herança ibérica e o tempero da cultura
brasileira, vai enxertando, em sua obra, a miscigenação poética de elementos de culturas
européias, ciganas, celtas, cristãs e, evidentemente, brasileiras. Ela incorpora a força da
identidade ao desejo, traduzindo-os em versos de pura magia e revelação, verdadeira fruição
literária que resvala num prazer estético. Além d eum livro sobre ocultismo em Fernando Pessoa
(A Lenda de Fernando Pessoa, Recife: Bagaço, 2003), em que trabalha a influência do esoterismo
no escritor português, em vários de seus livros, há referências a sibilas, wikas, bruxas e profetisas,
direta ou indiretamente: Tua imagem me traz elarividência/ vontade de curar e ser curada bela
dama e sibila que consola/beladona e absinto hóstia da Ásia (Zinganares, Lisboa, 1998); eu te
direi quem és e a que vieste/ escuta meus presságios de vidente (Ilaiana, Recife, 1997); Era
sagrada a praia, era sagrada/ o mar com seus pesqueiros coloridos/ era sagrada a lua sobre as
águas/ onde lavei meu sexo infinito (Livro do Desencanto, Recife, 1991); Trago a flor da
mandrágora no ventre/ e os vapores de opio me circundam/ no olha ruma saudade irisdescente/ e
uma melancolia de outros mundos. [...] o transe a possessão o mor perdido/ entre o fundo do
abismo e a luz dos astros/ estava escrito em todos os livros/ o triunfo imortal dos insensatos (A
Dama de Alicante, Rio de Janeiro, 1990). Essa comunicação procurará analisar a influência do
ocultismo e esoterismo em Lucila Nogueira, contextualizando-a no panorama de revalorização
das ciências Ocultas do final do século XX e início do século XXI.
Palavras-chave: Idade Média. Novela de cavalaria arturiana. Magia. Morgana; Dama do Lago.
Resumo: Na literatura cortês de aventuras, de acordo com Erich Auerbach (2011, p. 114),
observa-se “o secreto, o que brota do chão, ocultando as suas raízes, inacessível a qualquer
explicação racional” (2011, p. 114). Na diegese das novelas de cavalaria arturianas medievais, a
designação “fada” surge para fazer referência às magas ou feiticeiras. Dentre elas, as mais
conhecidas são Morgana e Viviane – A Dama do Lago –, que se configuram como personagens
emblemáticas e, por vezes, díspares em sua natureza e ações. A segunda, com freqüência, possui
uma imagem, na maioria das vezes, positiva e ingênua, ao passo que a primeira, quase sempre,
revela uma índole ardilosa. As práticas de magia presentes no Ciclo Arturiano pertencem ao
maravilhoso, que, conforme Irlemar Chiampi (2015, p. 48), na obra O Realismo Maravilhoso:
forma e ideologia no romance hispano-americano, compreende o extraordinário e o insólito, “[...]
o que escapa da ordem natural das coisas e do humano”. Além disso, para ela, esta categoria do
sobrenatural comporta coisas admiráveis, independentemente de serem belas ou horríveis. O
maravilhoso na Idade Média, de acordo com Jacques Le Goff (1985), em O maravilhoso e o
quotidiano no Ocidente medieval, pode ser de três ordens distintas: miracula, mirabilia e
magicus. As práticas de feitiçaria atrelavam-se somente à terceira, que possuía uma conotação,
muitas vezes, ambígua. A princípio relacionou-se apenas a eventos que desafiavam as leis
naturais do mundo a partir da manipulação humana de elementos presentes na natureza, a magia.
Contudo, com o passar dos anos, também recebeu uma conotação mais negativa que a interligava
a intervenções mágicas de caráter demoníaco e maligno. Dessa forma, levando em consideração
teorias referentes ao maravilhoso medieval, como as de Le Goff (1985) e Jean-Claude Smith
(1999), bem como obras literárias da Idade Média pertencentes ao CicloArturiano, que trazem as
personagens Morgana e Viviane, este trabalho propõe abordar, a partir de uma metodologia
comparativa, como são apresentadas as feiticeiras e as práticas de feitiçarias em novelas de
cavalaria do período medieval. Ademais, após traçar as nuances do perfil d’A Dama do Lago e
da irmã do Rei Artur em novelas como Lancelote, o cavaleiro da charrete; Erec e Enid; A
Demanda do Santo Graal; e A Morte de Artur, realizar-se-á um estudo acerca das diferentes
maneiras que a magia (magicus) de ordem feminina apresenta-se de uma obra para outra, no
decorrer do tempo.
Palavras-chave: Idade Média. Novela de cavalaria arturiana. Magia. Morgana; Dama do Lago.
AS BRUXAS DE MACBETH: UM OLHAR À LUZ DA
REPRESENTATIVIDADE ARTÍSTICA E LITERÁRIA
Autor: Alessandra Galvão
Resumo: A crença em bruxas faz parte da história da humanidade desde tempos imemoriais. A
princípio, as feiticeiras celtas eram consideradas deusas. Na cultura helenística as pitonisas
compunham o oráculo de Delfos e vários visitantes percorriam a região para saber seu destino.
Na Idade Média, a crença em demônios, a visão apocalíptica de uma sociedade na qual a
imaginação exacerbada foi um dos principais elementos constitutivos, condenou a prática de
feitiços e a bruxaria foi associada ao culto ao demônio. Iniciou-se uma construção imagética
macabra, endossada pela moral cristã. As pessoas passaram a atribuir a ocorrência de catástrofes
naturais e problemas do cotidiano à presença de bruxas. Várias convicções permeiam o
imaginário popular, entre as quais, a realização do Sabá, reunião noturna na qual as feiticeiras se
uniam a Satã para a prática de magia negra, participavam de orgias e sacrificavam crianças. Nesse
cenário, a Igreja católica exerceu seu poderio, e foi instaurado o Tribunal da Santa Inquisição,
responsável pelo alto índice de execuções de pessoas, em sua maioria mulheres. Nesse contexto,
há uma relação dialógica entre Arte, Literatura e realidade social, e a bruxaria tem intensa
representatividade nas artes. Na tragédia Macbeth, de William Shakspeare, encenada e publicada
no início do séc. XVII, as bruxas são seres malignos grotescos, dotados de poder e agregam
elementos das crendices do medievo. A obra foi a fonte de inspiração para muitos artistas, e a
imagem das bruxas de Macbeth se cristaliza na pintura de Théodore Chassériau e Johann
Heinrich Füssli. Esses seres agregam uma ressignificação imagística na obra de Daniel Gardner,
que atribuiu às bruxas um caráter humanizado. A sensibilidade do olhar do artista transpõe para
a tela mito, realidade e personagens da literatura. A estética das obras inclui uma visão paradoxal
entre a assimetria de uma mulher má de caracteres disformes e a mulher de feições harmoniosas,
em consonância com a beleza de uma época. Com o redimensionamento do belo na arte do séc.
XVIII, ocasionado pela mudança conceitual estética, o assimétrico é visto por um novo prisma.
Resumo: O cenário medieval europeu correspondeu a uma sociedade marcada pelo binarismo
do bem e do mal e a forte doutrinação que a Igreja católica exercia sobre a população da época.
Atuando com o poder de controle de suas mentes e corpos, a igreja construiu assim uma
sociedade manipulada e coberta de temores, tornando o medo como um dos principais
mecanismos de controle da sociedade européia. Durante o período popularmente conhecido com
Idade Média tardia ou Baixa Idade Média, o corpo eclesiástico, comandou o seu rebanho de fiéis
durante séculos, impondo a eles a dualidade de Deus e Satã, céu e inferno e bom e mau enquanto,
agente construtor do homem medieval. Portanto, a Igreja tornava-se responsável pela educação
e consequentemente salvação das almassalientando que essa educação aqui citada é uma
educação tanto religiosa, quanto social. Dentro dessa sociedade onde o analfabetismo era
majoritário dentre a população, as artes visuais atuavam como um dos principais mecanismos do
cristianismo europeu para construir com sucesso seu sistema educacional religioso. Trazendo
assim, a figura do demoníaco, da bruxaria e dos pecados capitais muitas vezes como peça motriz.
Diante dessa perspectiva fomentamos a apropriação da pintura, como instrumento educacional
da Igreja, observando uma educação imposta pelo medo, onde o profano e os desejos mundanos
muitas vezes assumiram o papel principal para conduzir a narrativa de que o bem deveria
prevalecer. Observamos neste trabalho, dois trípticos do pintor holandês Hieronymus Bosch:
tríptico jardim das delícias (1480-1490) e o tríptico da carroça de feno (cerca de 1516);
visualizamos assim, dentro da pintura de Bosch todos os personagens que são apresentados
dentro da esfera religiosa medieval no processo de doutrinação dos indivíduos, relacionando-os
dentro de uma narrativa visual. As obras de Bosch deixa claro ao espectador o poder da igreja
enquanto condutora das leis morais e sociais daquela época. Porém, em contrapartida, mostrava
também a ilustração da ação do pecado dentro de um cenário divertido, colorido, festivo, e ao
mesmo tempo caótico e aterrorizante, em suma, suas obras conseguem unir os seres de natureza
hedionda e celeste. Assim, suscitamos o demoníaco diante da incumbência na religião, tendo um
valor de igual importância, ou ainda, em alguns caso até maior, com relação às figuras do sagrado.
Dialogamos neste debate com Jean Delumeau e sua obra A história do medo no Ocidente(2009);
Ernst Gombrich com A história da arte (2012) e Jérôme Baschet A civilização do homem feudal
- Do ano mil à colonização da América (2006). Buscamos entender a construção do homem
medieval e da história lapidada na pauta do amedrontamento, através dos feitos de Bosch em
apresentar esses fatores de forma explícita, nos levando a inúmeros questionamentos sobre a
condução do processo educacional católico e a influência da pintura na ilustração dos dizeres da
Igreja.
Resumo: Este trabalho tem como objetivo tratar de relatos sobre uma mulher “chamada de
bruxa” devido às poções mágicas de amor e veneno por ela produzidas, na França do século
XVII. Pretendemos retratar uma feiticeira francesa Catherine Deshayes, conhecida por La Voisin
que tinha por hábito criar poções e venenos. Procurada por mulheres abastadas de Paris que
buscavam as suas poções de amor a qualquer custo, deixando-a assim muito rica. Julgada e
condenada pelo tribunal de Paris (1680) por envenenamento e feitiçaria foi levada a fogueira
como pena de morte.
Resumo: Este trabalho se propõe a uma análise do ser Ericto a partir da obra da Farsália, de
Lucano. Essa narrativa que transcorre ao período das guerras civis entre Cesar e Pompeu que
resultaram na queda da República Romana, segunda metade do século I a.C., além de conferir
uma nova roupagem para o gênero épico clássico, também nos apresenta – de uma forma nada
convencional – a figura de uma bruxa como um ser dotado da predição do futuro, peça chave
para o desenrolar da trama. Em um mundo onde as batalhas e guerras eram partes integrantes da
sobrevivência daqueles povos, fazer uso dos oráculos era uma questão de vida ou de morte.
Resumo: Baba Yaga é um ser sobrenatural e folclórico que desperta interesse, tanto pelas suas
narrativas, quanto como entidade celebrada no Paganismo Contemporâneo. Histórias sobre ela
aparecem em diversos lugares da Rússia, Ucrânia e Bielorrúsia desde antes do século XVIII. Os
contos populares sobre Baba Yaga foram transmitidos de forma oral no período pré-cristão da Rússia,
fazendo com que traçar a história da evolução dessa figura e seus contos populares seja uma tarefa
difícil. Durante a transmissão dos contos russos e eslavos, a imagem desse ser curioso ficou confusa
e insoldável, sendo compreendida como um ser ambíguo, tornando difícil o entendimento do que
seria uma “Baba Yaga”. Sendo assim, o presente trabalho propõe, realizar um estudo teórico em
relação as diversas interpretações sobre a Baba Yaga. Em grande parte das histórias, a Baba Yaga
vive em uma casa de madeira que é sustentada por pernas de galinha, porém em algumas destas, sua
casa pode ser descrita com pernas de bezerro ou calcanhares. Os estudiosos enfatizam a conexão com
pássaros, sendo que as pernas de frango (as quais sustentam a casa de Baba Yaga) sugerem uma
morada móvel, mas que não se movimenta nem muito rápido e nem percorre longas distâncias. Em
russo a casa da Baba Yaga é chamada de izba, sendo associada a um tipo específico de construção,
muito comum em todo o norte da Rússia. Esta seria uma casa feita de troncos cortados, como uma
cabana de madeira. O material da estrutura de sua casa indica que se trata de uma moradia popular,
em geral, esse tipo de construção era feito próximo às florestas. Nas narrativas, ao sair de casa, ela
voa em um pilão, varrendo a trilha do caminho por onde passa com uma vassoura. Os objetos da
Baba Yaga (pilão, tapetes de fadas e morcegos invisíveis) podem ser considerados mágicos e
permanecem sempre consigo. Um fato curioso em relação aos objetos que ela carrega é que o pilão,
em séculos passados, por muitas vezes, fez parte de um conjunto de ferramentas para mulheres, já
que era através desse objeto poderiam triturar e preparar ervas e grãos para cozinhar e fabricar
remédios. Em sua faceta mais assustadora, a Baba Yaga é canibalesca e prospera com sangue russo.
Dentre suas principais presas estão crianças, mulheres jovens e de vez em quando ameaça devorar
um homem. Vez ou outra, pode ser generosa dando conselhos que não saem baratos. Está sempre
testando as pessoas que vieram a ela por acaso ou por escolha. Os animais a veneram, ela os protege
e também protege a floresta como figura da mãe. Obtém o segredo para a água da vida e pode ser
compreendida como a Mãe Terra. Esse último aspecto se popularizou não só na Rússia, mas no
mundo inteiro e fez com que ela seja venerada até os dias atuais. Baba Yaga pode ser interpretada
como guardiã da fronteira entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Nos contos folclóricos,
ela dá comida ao herói permitindo a este entrar no mundo dos mortos. Durante sua jornada o
personagem é perseguido por ela até o limite dos mundos, como se fosse para garantir que ele não
permaneça com os mortos. Sua conexão e poder sobre os animais pode ser compreendida como
vestígios de uma religião primitiva relacionada a uma cultura de caçadores. Baba Yaga é um ser
paradoxal e abrange muitos opostos: vida e morte; juventude e velhice; humano e animal; masculino
e feminino; características boas e ruins. Acredita-se que a Baba Yaga perdeu suas funções maternas,
isso pode ter acontecido por todo um processo de cristianização e demonização do feminino e antigos
cultos pagãos, ainda assim, é importante ressaltar que algumas características, como seu poder sobre
os animais e os mortos tenham sido mantidas nos contos. Como uma deidade ou ser extremamente
conectada com a passagem da vida para morte, Baba Yaga está relacionada à ancestralidade.
Resumo: O grupo de trabalho se propõe a discutir a educação estética como uma prática
pedagógica relevante para o ensino religioso por possibilitar a ampliação da sensibilidade, da
imaginação e da criação, campos cognitivos, indispensáveis no processo ensino aprendizagem.
Tornando-se, assim, pertinente a discussão sobre o porquê de a educação estética ser menos
focalizada na educação formalista na construção do conhecimento. Nosso aporte teórico-
metodológico baseou-se nas reflexões de Friedrich Schiller; Jean Piaget e na Hermenêutica de
Hans-Georg Gadamer. Pretendemos congregar pesquisas quantitativas e qualitativas que
abordem a função narrativa, descritiva e persuasiva que a arte enquanto linguagem visual exerce
não só na educação e nas religiões, mas também nos espaços sociais da vida cotidiana e na
sociedade
Resumo: O Grupo de Trabalho tem por objetivo acolher trabalhos de pesquisadores, estudiosos
e interessados nas relações entre arte e sagrado em diversos momentos da história da humanidade.
A arte tem sido um lugar privilegiado para a compreensão do sagrado em diversas épocas... Desde
as primeiras representações pictóricas em muros ou cavernas passando pela tragédia grega ou
pela a dramaticidade corpórea africana ou ainda as miniaturas dos versos em Hakai ou pelo
cântico dos cânticos hebreu ou até as formas estéticas contemporâneas pós-século XX, a arte
sempre apareceu próxima de formas místicas... O nosso GT tem o interesse de trabalhar nessas
fronteiras e abrir algumas reflexões que nos orientem nesse caminho em ciências das religiões
com o eixo as Letras.
Resumo: Este trabalho versa sobre a construção coletiva e artesanal de uma obra através de um
ritual artístico de fetichização, onde moldes de útero serviram de base material para o processo
ilusório de expiação dos sofrimentos de cada mulher participante. Para produzir a obra, utilizei a
ideia de agência e intencionalidade (Gell, 2005) como forma de reescrever a realidade vigente
através dos atos impugnados aos úteros mágicos. Desta maneira, as mulheres afirmam-se através
da arte na criação destes amuletos poéticos. O útero carrega a iconografia dolosa da resistência
feminina em meio ao caos do patriarcado, onde o direito sobre o nosso próprio corpo tem sido
negado.
Resumo: Este trabalho objetiva analisar o filme A Bruxa (2016), dirigido por Robert Eggers, a
partir da conceituação de “estética das sombras” de Dani Cavallaro, em seu The Ghotic Vision.
O filme traz uma atmosfera dúbia, de luz e sombras, em que o paradoxo da narrativa fílmica é
elaborado. Por um lado a figura da bruxa e de forças diabólicas agenciam o terror e o mal, por
outro, a fé cristã também é fonte de terror e medo. Assim, a estética obscura do filme norteará a
análise de sua crítica ao Cristianismo.
Resumo: Mais do que servir-se de jogos de palavras para entretenimento de outrem, o poeta das
sociedades ditas indo-europeias utilizava-se dessa arte para realizar diversas funções sociais; ele
era jurista, médico, sacerdote etc. Entretanto, de onde emanava seu poder e autoridade? Temos
por objetivo demonstrar, por meio da análise de testemunhos literários sobreviventes em várias
culturas descendentes de matriz linguística indo-europeia, como a Grécia a Índia, por exemplo,
que autoridade do poeta nessas sociedades não emana do próprio indivíduo, mas é proveniente
do mundo sobrenatural e por isso, carregada de poder, habilita o poeta a desempenhar funções
sociais de importância vital para a sociedade.
Resumo: Objetivando demonstrar a arte da vida retratada através da forma como os catadores
de caranguejo do município de Bayeux estão enfrentando o desafio da exploração econômica,
em face da sustentabilidade socioambiental do produto que lhes garante o sustento, diante das
restrições impostas pelo direito pátrio a essa atividade, o estudo proposto contempla a descrição
a importância econômica da atividade bem como os principais problemas enfrentados pelos
catadores, em razão da proibição do exercício de sua atividade laboral no período de defeso,
mediante realização de pesquisa empírica de natureza exploratória. Os resultados demonstram
que esses trabalhadores se submetem a essas condições por questão de subsistência, pois é do
mangue que extraem os recursos que serão vendidos como matéria prima para a cadeia produtiva
de alimentação.
Resumo: Esse estudo empírico com pesquisa exploratória resulta da vivência do autor como
músico banda Necropolis, observando que o Centro Histórico de João Pessoa tem sido palco de
realização de eventos em que a música pesada é apresentada de forma tímida, sem apoio do poder
público ou da inciativa privada e que as bandas locais são alijadas desse processo. O seu objetivo
é de delinear uma proposta de revitalização desse espaço no cenário musical, com a realização
de shows em que as bandas do gênero musical Rock e heavy metal da Paraíba possam ser
contratadas para realizar shows, superando as dificuldades da falta de apoio para essa finalidade,
tendo o condão de contribuir para fomentar o turismo e o comércio local, bem como a realização
de campanhas voltadas para a educação ambiental do seu público, viabilizando a perspectiva de
trabalho contínuo para os músicos locais.
Palavras-chave: Música Pesada; Educação Ambiental; Gênero Musical Rock e Heavy Metal da
Paraíba; Centro Histórico de João Pessoa.
Resumo: A compreensão da crise ambiental requer um olhar crítico, holístico e integral sobre a
sociedade humana e a Criação. A implementação de uma educação pautada no paradigma
ecológico é urgente e requer profundas reflexões e mudanças de valores na sociedade em geral.
É diante deste cenário que este trabalho se insere, com o objetivo principal de verificar a
contribuição de uma cosmovisão bíblica reformada e da ciência ecológica profunda na
compreensão dos problemas ambientais e na promoção da sustentabilidade ambiental. Para a
realização da pesquisa, inicialmente foi feito um levantamento bibliográfico a respeito da
temática em questão, e posteriormente, foram desvelados alguns pressupostos do humanismo
confessional que possibilitaram a revolução técno-científica e o surgimento de uma ciência
experimental\cartesiana. Em seguida, foram verificadas as categorias teológicas: Criação, Queda
e Redenção, basilares no pensamento cristão reformado Neocalvinista e os pressupostos da
Ecologia Profunda. A pesquisa revela que uma visão distorcida\dualista do pensamento cristão
ao longo da Idade Média fundamentada em Platão e Aristóteles comprometeu o envolvimento
dos cristãos pela causa ambiental e o seu real entendimento. A ciência moderna experimental
com seus pressupostos racionais e desenvolvimentista contribui diretamente para degradação
natural e a separação homem e natureza. A ecologia profunda e a cosmovisão cristã reformada
contribuem para a promoção da sustentabilidade ambiental e mudanças de valores na sociedade.
GT 22 - TEATRO E CULTURA(S)
Resumo: Este GT visa discutir as relações entre Teatro e Cultura(s), abordando os diferentes
aspectos culturais que permeiam o fazer teatral, assim como as reverberações de manifestações
teatrais em diferentes culturas. Neste sentido, indicamos as possibilidades de compreensão da
Arte como expressão de uma cultura, mas também compreendemos os diferentes elementos
culturais que interferem nos processos de criação artística, de ensino-aprendizagem e de
construção de conhecimentos. Assumindo uma concepção interpretativa, mas não única, a
cultura, compreendida como “teia de significados” também pode ser compreendida como um
“texto” e, complementarmente, uma dramaturgia construída por seus personagens e igualmente
criadora de personagens. Nos interessa, nesse sentido, indagar como aspectos culturais
influenciam as formas e conteúdos teatrais e vice-versa. Aspectos históricos, sociais,
antropológicos, filosóficos, religiosos, ideológicos, assim como todas as expressões do campo
das artes e as subjetividades que fazem parte da dimensão humana, são compreendidas como
elementos da cultura. Norteiam esta discussão a compreensão da arte como sistema cultural
(Geertz, 1988), o teatro como “duplo da cultura” (Artaud, 1968) e o teatro como “a inteira
cultura” (Grotowski, 1986).
ENTRE CHOROS, SUSSURROS E MÁSCARAS: A antropologia de Turner
e o teatro contemporâneo
Resumo: O teatro detém um lugar especial na cultura humana, e mais especificamente nas
ciências sociais, pois alguns de seus teóricos mais importantes usam terminologia teatral para
descrever o mundo a seu redor. Nesse contexto, pensadores como Victor Turner e Irving
Goffman utilizam o teatro como base de suas teorias. Nesse artigo, faremos um estudo de caso
do espetáculo “Retomada”, mantendo o foco do nosso exame na liminaridade descrita por Turner
ao observar rituais religiosos. Veremos como esse e outros conceitos antropológicos podem ser
utilizados para análise de performances do teatro contemporâneo e para compreensão de
diferentes tipos de religiosidade humana.
Resumo: O presente trabalho busca compreender o acontecimento nas artes cênicas sob a
perspectiva relacional de um lugar para as relações humanas. A partir do termo “encruzilhada
poética”, buscamos nos aproximar de um pensamento epistemológico que observa a importância
social e política das religiões afro-brasileiras, e como ele afeta a investigação em estado de
poesia. Nesse sentido, situamos os fenômenos da intersubjetividade e da interação a partir da
noção de encontro, reunião de pessoas e coisas que se movem em vários sentidos ou se dirigem
para o mesmo ponto. Eles também podem ser compreendidos como uma questão que nos é
colocada, e cuja resposta define ou cerca as características da essência dos sujeitos.
Resumo: O corpo se (re)constrói de acordo com o lugar que ocupa, o espaço é uma estrutura de
representação cultural que modifica e é modificado pelos corpos que o habitam. Nessa
perspectiva desenvolvemos uma pesquisa vinculada ao PIBIC e ao Grupo de Pesquisa
Antropologia-Dança da UFPB, para pensar num estudo etnográfico dos corpos e espacialidades
circunscritos na Feira de Oitizeiro. Entre o labirinto e a encruzilhada reconhecemos através de
diários de bordo, fotos e gravações de áudio uma forte e potente condição dramatúrgica para uma
construção performativa.
Resumo: O Estágio Supervisionado do Bacharelado em Teatro abrange áreas tais como a ética,
a criação de um espetáculo, dentre outras. No que se refere à ética, surge à necessidade de
compreender como suas questões são trabalhadas e desenvolvidas na sala de ensaio. A
montagem ‘Agreste’ (2017) serviu de campo de estudo. Durante o processo foram realizadas
entrevistas, acompanhamento de ensaios/apresentações e revisão bibliográfica para uma busca
das relações de aproximação e apropriação entre a ética e o teatro. Esse processo de medição
pode ser uma forma de abrir o foco da reflexão para compreender como essas relações
interferem no trabalho do ator e suas consequências na sala de ensaio.
Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir a relação entre corpo, religião e teatro, se
apropriando da análise dos espetáculos “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha dos Céus”,
interpretado pela atriz Renata Carvalho e dirigido por Natalia Mallo, uma obra humanista que
promove a tolerância e a solidariedade; e a obra intitulada: “Via Crucis”, realizada pela performer
Roberta Nascimento, na qual expõe seu corpo à exaustão para questionar o sufocamento que o
universo feminino sofre com as imposições sociais. Ambas as artistas utilizam a arte como
ferramenta de combate às opressões sociais vividas na sociedade contemporânea. Analisaremos
a relação do corpo que é apresentado como sujeito, sua relação com o sagrado, com a religião e
com o meio social que reproduz um “corpo” como imagem e semelhança de um ser sagrado de
“formas masculinas”.
A ESTÉTICA DA MONSTRUOSIDADE
Resumo. Este trabalho é resultado da disciplina eletiva Dance Comigo, da parte diversificada do
Ensino Médio Integral do Centro de Excelência Santos Dumont. A disciplina foi realizada
articulando teoria e prática a partir de diferentes tipos de danças, como as Urbanas, de Salão,
Moderna e Árabes. Foram realizados, também, estudos do corpo sob o olhar da Arte, Filosofia,
Sociologia e Educação Física - essa interdisciplinaridade proporcionou um conhecimento acerca
do corpo, da dança e do movimento. Faz-se necessário ir além dos entendimentos de dança como
junção de passos, repetições de coreografias, e que a área da Dança não constrói conhecimento.
Resumo. O projeto CEHAS se insere na procura por métodos pedagógicos que auxiliem no
ensino-aprendizagem e na interdisciplinaridade entre História, Sociologia e Artes, facilitando a
compreensão da realidade experienciada pelo/a aprendente com os conteúdos e as temáticas
programáticas, por meio da reflexão sobre a produção artística e sob uma perspectiva da História
Social da Arte, além da própria produção de arte pelos envolvidos no Ciclo. O objetivo do
presente projeto é usar a cinematografia, entendendo o cinema suscetível às indexalidades
presentes na produção artística, como categoria de análise, e a oferecer como nova janela de
observação das realidades.
Resumo. Este texto pretende compreender o cemitério e as expressões artísticas contidas em suas
extensões como recursos significativos no processo ensino-aprendizagem nas aulas de história,
por nos dar condições reais e visuais de acesso à história da arte, as manifestações de mentalidade
característica de uma época, às questões referentes à mobilidade social e aos ápices ou declínios
políticos e econômicos de famílias tradicionais da cidade, analisando suas estruturas físicas,
estatuarias, símbolos, desenho e escritos epitáficos. Todavia, a arte se apresenta enquanto recurso
multifacetado, cumprindo o papel de serve ao ensino por despertar nos estudantes a capacidade
de imaginar, analisar e aflorar a sensibilidade estética ao desenvolver um espírito crítico,
reflexivo e interpretativo.
Resumo. O projeto Tiê: O Primeiro Samba de uma Menina-Passarinho foi desenvolvido nos
anos de 2013 e 2014, com dois grupos de crianças, de faixa etária entre 7 e 8 anos e versa sobre
a vida e produção literária de Ivone Lara como uma importante expoente da cultura afro-
brasileira. Organizados em oficinas, nas quais a estética da negritude foi vivencia por meio da
musicalidade, da dança, da dramatização e da arte visual. Durante as atividades as crianças
puderam conhecer, experimentar, reconhecer e recriar elementos da cultura popular negra como
elo identitário do povo brasileiro.
Resumo: O presente trabalho busca conhecer os reflexos da deficiência auditiva leve nos
processos de aprendizagem da leitura e escrita na criança; especificamente, identificar as
consequências com leitura e escrita diante da deficiência auditiva leve, apresentar possíveis
orientações pedagógicas para sala de aula e contribuir com possíveis estratégias
psicopedagógicas acerca do referido déficit. O estudo de caso foi desenvolvido na Clínica-Escola
de Psicopedagogia da Universidade Federal da Paraíba, de natureza qualitativa, com
características descritivas, com base em avaliação e intervenção psicopedagógica. A deficiência
auditiva leve causa danos no desenvolvimento da aprendizagem do indivíduo, quando não
diagnosticado e trabalhado precocemente, ocasiona danos nas mais diversas áreas de
desenvolvimento como social, acadêmica e afetiva do aprendente.
Resumo: Esse estudo tem como objetivo relatar os achados de um estudo que analisa o
letramento de um aprendente com Síndrome de Down que é atendido pelo Projeto de Extensão:
LETRAMENTO E ESTIMULAÇÃO COGNITIVA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
COM SÍNDROME DE DOWN NUMA PERSPECTIVA PSICOPEDAGÓGICA, vinculado ao
Departamento de Psicopedagogia da UFPB, bem como a sua realidade escolar, através do
trabalho multidisciplinar realizado pela psicopedagoga doprojeto e a docente da sala de
Atendimento Educacional Especializado (AEE) da instituição escolar do aprendente. O
letramento decorre das práticas sociais em que leituras e escritas exigem nos diferentes contextos
que envolvem a compreensão e expressão lógica e verbal. É a função social da escrita. A leitura
é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto
lido; não se trata de extrair informações decodificando letra por letra, palavra por palavra, trata-
se de uma atividade que implica estratégia de seleção, antecipação, inferência e verificação sem
as quais não é possível proficiência no ato de ler. O referido sujeito do estudo de caso vem
participando de intervenções psicopedagógicas com o foco no letramento. E, para otimizar os
resultados, é realizada a assessoria psicopedagógica junto as docentes que trabalham com o
aprendente no contexto escolar, no sentido da aprendizagem da língua escrita e as estratégias de
ensino adotadas pelas docentes. Portanto, esse trabalho traz influências para a inclusão escolar e
social da pessoa com Síndrome de Down. A base teórica utilizada para fundamentar o trabalho
foram os estudos de BAKHTIN (1999); BARBOSA (1994); BOSSA (2000) BRONCKART
(1999); KLEIMAN (2001, 2006); SOARES (2016). A metodologia utilizada se caracteriza como
um Estudo de Caso, de caráter qualitativo, exploratória e descritiva, ocorrido na Clínica Escola
de Psicopedagogia da UFPB e com ramificações em uma instituição escolar da rede pública,
situada na cidade de João Pessoa, Paraíba. Para coleta de dados, foram utilizados recursos
tecnológicos, jogos pedagógicos e diário de bordo para o registro dos achados. O estudo conclui
que a intervenção psicopedagógica é de suma importância no processo de letramento da pessoa
com Síndrome de Down, pois o psicopedagogo é o profissional capacitado para traçar estratégias
e diversas possibilidades para uma atuação pedagógica significativa, desse modo, as dificuldades
de aprendizagens são sanadas e/ou minimizadas, por ser feito umtrabalho focado, pontual e
terapêutico.
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar os dados da pesquisa desenvolvida
no âmbito do projeto “LETRAMENTO E ESTIMULAÇÃO COGNITIVA DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES COM SÍNDROME DE DOWN NUMA PERSPECTIVA
PSICOPEDAGÓGICA”, que objetiva desenvolver ações psicopedagógica de mediação da
aprendizagem nos contextos familiar, escolar e social. O psicopedagogo é um elo de informação
e união entres estes contextos, em que busca criar espaços de reflexão conjunta a fim de produzir
a qualidade de tais contextos. A proposta do referido projeto é desenvolver ações de promoções
de letramento na perspectiva psicopedagógica de crianças e adolescente com Síndrome de Down
(SD), a partir de atividades lúdicas e instrumentos psicopedagogos, considerando sempre a
individualidade de cada um. Portanto, para mapear as ações desenvolvidas na pesquisa, optamos
por um estudo de caso com uma criança e uma adolescente com SD, tendo como características
ser exploratória e descritiva. A intervenção psicopedagógica, como mediação da aprendizagem
junto ao processo de aprendizagem da pessoa com SD, demonstrou que, as aprendizagens são
possíveis, desde que aconteça um processo planejado, que busque o alcance de metas objetivas.
Podemos afirmar como achado da pesquisa, que a intervenção psicpedagogica alcançou o
objetivo a que se propôs,que é o letramento e a estimulação cognitiva. Sabemos que leitura ea
escrita tem um fator fundamental no processo de socialização, na inclusão escolar e no mercado
de trabalho. O estudo proporcionou conhecer e compreender os diferentes e complexos aspectos
envolvidos, o qual procuramos entender, respeitar e acolher a diversidade de cada um.
Resumo: Esta pesquisa originou-se a partir da experiência vivenciada pelas autoras, alunas do
curso de psicopedagogia da UFPB, vinculadas ao projeto de PROLICEN “Letramento de
crianças e adolescentes com Síndrome de Down e a ação psicopedagógica”, que ocorre na
Clínica-escola de Psicopedagogia da Universidade Federal da Paraíba em João Pessoa. As
crianças e adolescentes com síndrome de Down, apesar do déficit cognitivo, possuem potenciais
a serem desenvolvidos. Elas carecem de um tempo maior para realizar determinadas atividades,
bem como, de estímulos da família e de especialistas envolvidos neste processo, a fim de
adquirirem e aprimorarem suas habilidades. Uma boa estimulação realizada nos anos iniciais da
escolarização pode ser determinante para aquisição de capacidades em diversos aspectos
importantes para a aquisição da habilidade de leitura escrita, como o desenvolvimento motor, a
linguagem e cognição. Alguns autores apontam o lúdico como um ferramenta facilitadora no
processo de desenvolvimento cognitivo e motor, propiciando uma aprendizagem significativa e
dinâmica. Portanto, esta pesquisa tem por objetivo analisar as repercussões cognitivas quanto à
aplicação do lúdico no letramento em crianças de 6 a 11 anos com SD, bem como, identificar a
influência do lúdico no desenvolvimento dessas crianças. A dinâmica empregada consistiu no
uso de jogos, brinquedos e brincadeiras que estimulassem os aspectos cognitivos e psicomotores
com finalidade lúdica. Como resultados, foi constatado que o uso do lúdico propiciou uma
melhora significativa nos aspectos cognitivos e psicomotores destas, apresentando avanços na
motricidade fina, noções espaço- temporais, associação de cores, letras, números, raciocínio
lógico e matemático, além do letramento.
Resumo: O presente artigo tem por objetivos geral investigar a reinserção e inclusão de alunos
de EJA no contexto escolar; de modo específico, analisar qual a possível correlação na saída da
escola na infância com as questões sociais, baixa escolaridade da família, assim como as relações
entre fatores econômicos, contextos familiares e culturais, que podem ter influenciado no atraso
escolar e nas questões de aprendizagem. Parte dos aprendentes da EJA (Educação de Jovens e
Adultos) foram vítimas de interrupções na trajetória escolar e o contexto social interferiu
diretamente na construção desta problemática. Desta feita, é possível inferir, com um olhar
psicopedagógico, que as questões sociais e a interrupção escolar andam atreladas, e que uma
influencia diretamente a outra. Para tal investigação, o procedimento metodológico adotado na
pesquisa qualitativa foi a aplicação de questionários semiestruturados a aprendentes da EJA de
uma escola pública localizada na cidade de Bayeux – PB e a análise dos mesmos com o intuito
de entender os fatores que interferiram na trajetória escolar dos referidos aprendentes. Nesta
pesquisa específica foi possíve ampliar o olhar psicopedagógico e compreender outros contextos
(estruturas inadequadas, falta de motivação e de estratégias para a permanência dos mesmos na
instituição de ensino) que afetam as questões de aprendizagem e o percurso escolar. Os achados
da pesquisa servirão de base para repensar o processo educativo desse público, inclusive na
perspectiva da inclusão a partir de tais pilares.
Resumo: Este trabalho retrata uma experiência vivenciada e desenvolvida por alunas e
professores do curso de Psicopedagogia, no projeto de extensão que se dedica a estimulação e
letramento em crianças e adolescentes com Síndrome de Down (SD), na Clínica Escola de
Psicopedagogia da UFPB. A SD tem como característica uma alteração provocada através de
uma não-junção de um cromossomo ao seu determinado par, ocorrendo uma ligação extra no
cromossomo 21. Devido a tal condição cromossômica, ocorrem dificuldades no desenvolvimento
corporal e cognitivo, ocasionando características físicas esteriotipadas e deficiência intelectual
em diferentes graus. Estudos já constatam que o processo de aprendizagem de crianças com SD
se dá de forma mais gradativa, em comparação com outras crianças com desenvolvimento típico.
De face às limitações cognitivas e motoras característica da referida síndrome, vê-se a
necessidade em trabalhar a estimulação cognitiva e letramento lançando mão de ferramentas e
saberes alternativos, como as artes, por exemplo. Sempre considerando o sujeito singular,
retratando os aspectos dos indivíduos, promovendo auxílios no desenvolvimento significativo
afim de minimizar as barreiras de aprendizagem apresentadas por estes. A arte vem sendo
utilizada como recurso terapêutico, através da prevenção e promoção d saúde, mas também é
atualmente muito aplicada nos contextos educativos, independente do componente curricular.
Portanto, o objetivo deste trabalho é analisar a influência na aprendizagem de aprendentes com
SD, a partir da aplicação da arte como instrumento na intervenção psicopedagógica. Para esta
pesquisa, foram analisadas duas crianças e um adolescente. As atividades realizadas foram
pintura, recorte/colagem, modelagem com argila, caixa de areia e teatro de fantoches. Como
resultado, foi observado que o uso da arte como recurso terapêutico tornou o aprendizado
acessível e dinâmico, estimulando a criatividade, coordenação motora fina, reconhecimento de
cores, proporcionando uma aprendizagemsignificativa e uma melhora na autoestima, essencial à
aprendizagem.
Resumo: O Grupo de Trabalho se propõe a discutir a relação entre o Direito, Saúde e Religião.
Sobre o tema, há diversas hipóteses de conflito e convergência como aborto, eutanásia,
ortotanásia, suicídio assistido, autonomia do paciente, transfusão de tecidos/órgãos,
terminalidade da vida, divergência religiosa e escusa de consciência.
Resumo: Este trabalho trata-se de uma análise sistemática de busca criteriosa da literatura, tem
como objetivo identificar as possíveis influências da religiosidade no processo de adoecimento
na sociedade brasileira, realizado através de diálogos entre textos e autores que tratam sobre a
temática dentro da perspectiva da Antropologia. Dessa forma, o trabalho aborda diversas
religiões e religiosidades, concluindo que existe uma influência em vários aspectos da
religiosidade diante ao adoecimento, que se dá epistemologicamente e também subjetivamente
através de crenças, fator que auxilia no pensar e no agir dentro das sociedades.
Palavras-chave: Antropologia da Saúde 1; Religiosidade 2; adoecimento 3.
SAÚDE DE PACIENTES PEDIÁTRICOS, QUESTÕES RELIGIOSAS E
TRANSFUSÕES DE SANGUE
Resumo: Como é conhecida, a religião Testemunhas de Jeová, consiste em ser um grupo religioso
que não autoriza transfusões de sangue, seja em seus adeptos adultos ou menores de idade, por
motivações de compreensão religiosas sobre determinados textos encontrados na Bíblia. Apesar
de ser uma questão polemica, a discursão entre o direito a livre escolha de religião e o direito a
saúde nesse contexto, este trabalho tem por objeto analisar ate que ponto as crenças dos pais
Testemunhas de Jeová, podem incidir sobre as crenças dos filhos, não se tratando de afirmar ser
certo ou errado, mas, de entender melhor a questão e discutir como os profissionais de saúde
podem atuar ferindo o menos possível a consciência dos pais e comumente, a de seus filhos, que
geralmente desde cedo foram estimulados a ter as mesmas crenças. Cabe salientar, que cada
situação clinica de saúde requer encaminhamentos diferenciados, não necessariamente pacientes
Testemunhas de Jeová necessitarão do uso de sangue, é importante que se tenha isso considerado,
pois diversas vezes, desnecessariamente, é posto o assunto em cheque sem que a situação
realmente necessite. Entretanto, em caso de real necessidade, geralmente tem se colocado o
direito a vida sobre a decisão dos pais em não autorizar transfusões, segundo os médicos e as
decisões judiciais, as crianças e adolescentes não tem maturidade para decidir tal coisa. Mas,
cabe observar que nestes casos, diversas vezes, inclusive com transfusões de sangue, pacientes
pediátricos tem chegado a óbito, pois a questão emocional interfere fortemente no quadro clinico
dos pacientes. Com esse trabalho, temos a intenção de incentivar os trabalhadores da área de
saúde a tentarem lidar melhor com as situações, pois como consideramos hoje a base da
constituição de 1988 e do estatuto da criança e do adolescente de 1993, o direito a saúde é bem
mais que apenas o fator da doença, mais envolve diversas outros pontos. Diante de situações
polemicas dessa forma, os profissões de saúde devem agir de forma a tentar dialogar com os pais,
visando entender qual é a visão dos pais sobre as transfusões de sangue, frações de sangue do
próprio usuário, medicamentos de expansão de sangue, dentre outras. Havendo dialogo entre as
partes e debatido as possibilidades, é possível encontrar estratégias que não firam tão fortemente
a consciência, seja, dos pais, das crianças ou adolescentes e dos profissionais de saúde, os quais
se formam para tentar ao máximo salvar vidas. Desse modo, esperamos colaborar com o
entendimento de que o dialogo e direito a informação sempre deve ser mantida, a vida é a
prioridade, mas, como seres humanos complexos e diferentes, devemos considerar as formas
existentes de soluções para os problemas de saúde e a compreensão dos pais e dos envolvidos
diretos, crianças e adolescentes.
Resumo: Avaliar significa entender o educando de maneira que envolva suas competências e
habilidades. O professor deve estar apto a aplicar as três (03) modalidades de avaliação:
(Diagnóstica, Somativa e Formativa). Desta forma o docente estará contribuindo para o
desenvolvimento intelectual do discente. Um dos grandes desafios dos professores é reconhecer
seus alunos como sujeito da sua própria história haja vista, o educando já traz consigo um
conhecimento prévio que poderá lhe impulsionar uma transformação na sua vivência cotidiana.
Os objetivos da presente pesquisa são analisar as experiências dos professores e sua relação com
a avaliação como ferramenta transformadora. Contudo o educador deve ser o mediador do
conhecimento, transformando o aluno em pesquisador e produtor autônomo de sua história de
vida. O processo avaliativo deve, dessa maneira, ser visto sempre como um meio, nunca como
fim, pois é ele que permite entender o aprendizado dos estudantes. Para esta optamos por uma
pesquisa bibliográfica, qualitativa de caráter documental. Fundamentamos nossa pesquisa em:
Regina Cazaux Haydt, Philippe Perrenoud, Jussara Hoffmann, Cipriano Carlos Luckesi. Diante
disso nosso objetivo consiste em refletir sobre as contribuições da avaliação crítica para o
professor, preparando o sujeito para a vida em sociedade.
Resumo: Esta pesquisa tem como principal objetivo observar as possíveis transformações que a
Literatura fomenta a partir do momento em que passa a ser privilegiada e valorizada em sala de
aula de línguas estrangeiras. Acreditamos que o texto ficcional se concretiza no exercício da
leitura, além de trabalhar as produções oral e escrita; estimular e motivar o aluno, impulsionar a
criatividade, a liberdade de expressão, a reflexão, a criticidade e promover sua participação como
um cidadão, membro de uma sociedade a partir da leitura, levando ele a ser um indivíduo crítico,
que possa opinar sobre os acontecimentos ao seu redor. Este trabalho será desenvolvido em uma
turma de 5° ano do Ensino Fundamental I, utilizando El Quijote para niños, livro infantil
adaptado do El Quijote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. A forma lúdica e cênica de
interpretação do livro auxilia na compreensão da narrativa, permitindo que os alunos tenham
acesso ao conteúdo lido não só por meio da linguagem verbal, mas também através de sua
representação visual e performática. A dramatização se justifica, pois, segundo Christiane Souza
Menezes, Marília Santos Silva e Márcia Helena Venâncio (2012, p. 11), “o foco de atenção das
crianças é curto, sendo assim, elas precisam se sentir motivadas por meio de atividades que
prendam a atenção”. Além de envolver o aluno, levando-o a uma viagem ao fascinante mundo
da literatura, além de despertar nele o amor e o prazer pela leitura, culminando na dramatização
livre inspirada no enredo do livro. Segundo Carolina Cuesta(2006), a leitura deve ser divertida e
instigante, uma leitura que proporcione ao aluno encontrar os vários sentidos do texto.
Resumo: Avaliar é sempre um grande desafio no intuito de preparar o sujeito para a vida em
sociedade. Sabe-se ainda que para fazer uma verificação de como o aluno aprende e como o
professor socializa saberes e práticas é preciso, inicialmente, compreender os processos de
formação dos docentes para, em seguida, repensar sobre a realidade da educação brasileira.
Diante do exposto, a presente pesquisa configura-se como um relato de experiência (GIL, 2008)
em que os referidos pesquisadores discutem com base na prática as necessidades de adaptações
curriculares para sujeitos surdos em uma escola pública do estado da Paraíba. Acreditamos que
pensar tanto na formação inicial, como as práticas continuadas que preparem os docentes para os
desafios diários da docência. Sabe-se ainda que a revolução tecnológica modificou diretamente
o comportamento humano e que deve-se incentivar os sujeitos envolvidos neste processo para
uma efetiva formação para a vida em sociedade (BRASIL, 1996, 1998, 2005). Neste sentido,
nosso objetivo consiste em refletir sobre as relações entre a educação e a vida, fazendo com que
os educandos sejam protagonistas de sua própria história (FREIRE, 1996). Acreditamos, por fim,
que a promoção do diálogo e da prática reflexiva mudará de forma significativa os rumos da
sociedade atual.
Resumo: O atual quadro brasileiro em relação à diversidade religiosa começou a ser formado
com a “descoberta” do País, na qual o instrumento propagador do Catolicismo tornou-se a cultura
Lusa. A Igreja Católica possuía um espírito de superioridade por ser a religião oficial do Brasil,
o que fez com que ela tenha exercido um papel fundamental na formação do preconceito religioso
em relação às religiões de matrizes africanas e indígenas. Dessa forma, o povo brasileiro tornou-
se católico por imposição.Nesse contexto, o texto foi desenvolvido de acordo com os objetivos:
de analisar as principais religiões no Brasil e as políticas públicas de promoção aos Direitos
Humanos; e de colaborar para junção de dados (com caracterização das principais crenças)
alusivo às principais religiões no Brasil; levantar historicamente a evolução legal em relação a
liberdade religiosa; contextualizar a questão da intolerância religiosa na atualidade. A pesquisa
realizada se utiliza da abordagem qualitativa do problema em análise por meio do estudo de
caráter descritivo, sendo a pesquisa bibliográfica o procedimento utilizado. Dessa forma, é
relatado nos resultados as principais características da Igreja Católica, das maiores Igrejas
Evangêlicas, do Espiritismo, da Umbanda, do Candomblé. Desde a Primeira República o Brasil
é oficialmente laico, ainda assim, há uma grande desproporção entre cristãos e seguidores das
demais religiões. A fim de uma interpretação conforme a Constituição é indispensável relatar
alguns compromissos assumidos pela República Federativa: Declaração Universal de Direitos
Humanos, Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, entre outros. Por conseguinte,
a Constituição Federal de 1988 a fim de que tais Direitos Humanos recebessem a garantia de
Direito Fundamental, ratificou-os através do Artigo 5°. O Brasil no seu processo de formação
efetuou lentamente alterações no Ensino religioso em consequência do desenvolvimento do
Estado. No brasil Colônia e no Brasil Império, o ensino era promovido pelos jesuítas através da
Catequese. Ainda na Monarquia são criadas Universidades, e o Ensino Religioso sofre
modificações. No Brasil República em 1891, é disposto que o Ensino nas escolas públicas deve
ser de caráter leigo. Em 1988, a Lei de Diretrizes e Bases em relação à educação sofreu
modificações com o intuito do fim da associação com o ensino catequético. Ainda assim, há
muitas controvérsias quando se trata da questão da Diversidade Religiosa no Brasil. A formação
religiosa numa determinada confissão não é função da escola nas sociedades plurais e
democráticas. Nesse contexto, de alterações do Ensino Religioso em vista das modificações do
Estado e da sociedade, que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439 foi impetrada, em
2017, com o intuito de que o Supremo Tribunal Federal(STF) assentasse que o Ensino Religioso
nas Escolas Públicas não fosse de caráter confessional, e com proibição de admissão de
professores na qualidade de representantes das confissões religiosas. Todavia, o STF julgou
improcedente a ADI, sendo majoritária a ideia de que a laicidade do Estado brasileiro não
impediu o reconhecimento de que a liberdade religiosa impôs deveres ao Estado, um dos quais a
oferta de Ensino Religioso coma facultatividade de opção por ele. Assim sendo, a revisão da
história da laicidade brasileira aqui esboçada tem o intuito de contribuir para a discussão atual
sobre a laicidade do País, principalmente em relação ao Ensino Religioso nas Escolas Públicas.
Por fim, é notório a permanência expressivamente viva da intolerância religiosa, o que evidencia
como difícil é a mudança de mentalidade em uma sociedade.
Resumo: O presente trabalho discorre, sob a luz teórica de MARCUSCHI (2008), KOCH,
BENTES e CAVALCANTE (2017), KOCH e ELIAS (2017) e outros autores, sobre a
intergenericidade nos cordéis de conteúdos escolares, buscando compreender suas contribuições
para o ensino de forma interdisciplinar, contextualizada e aplicada dos contextos específicos de
atuação profissional. Discutimos até que ponto essa teoria pode ser aplicada a esse tipo de
produção, expomos a concepção de “cordel intergenérico” e analisamos sua aplicabilidade em
relação ao corpus referido. Acreditamos que esta perspectiva seja de suma relevância para
compreensão de como ampliar qualitativamente os índices de aprendizagem considerando-se os
aspectos religiosos e linguísticos presentes nos cordéis utilizados para a presente proposta.
Resumo: Realizamos no presente trabalho uma análise acerca dos processos de apropriação
ocorridos entre o cordel brasileiro e o português. A proposta toma como referência teórica para
os processos de apropriação CHARTIER (1999; 2001); em relação ao corpus cordel, ABREU
(2007) e chega à conclusão de que o cordel brasileiro se origina no próprio Brasil e não em
Portugal, como é tradicionalmente propagado. Acreditamos que este lócus possibilita uma
melhor compreensão entre os aspectos linguísticos do cordel, do contexto histórico e dos aspectos
religiosos circunscritos nos mesmos. Além disso ressaltamos que este tripé adotado é de suma
relevância para que a formação crítica e interdisciplinar seja realizada no contexto da educação
básica.
Resumo: Este texto é um recorte do projeto de Tese, que visa discutir os rituais de sangue na
Quimbanda, enquanto pedagogias culturais, que incidem na produção de corporeidades. A
pesquisa está sendo orientada pelo campo dos Estudos Culturais, recorrendo ao fazer
metodológico da Etnografia Surrealista. O recorte, em específico, está alicerçado na ideia de que
os corpos são produzidos em meio às danças da Quimbanda e objetiva expor e discutir sobre
visões acerca do que vem a ser a Quimbanda. Assumo que os terreiros são compreendidos como
espaços educacionais que possuem, dentre seus propósitos, manter memórias, sinalizar a
existência de culturas específicas, por meio da demarcação de identidades.
Resumo: O trabalho intitulado “A Construção de um mito popular: Uma análise das relações de
poder e lutas no nordeste brasileiro” apresenta um estudo teórico de caráter bibliográfico sobre
como se dava as relações de poder e o habitus que construiu a figura de lampião bem como o uso
folkcomunicacional nessa construção. O Lampião, no banditismo e no cangaço, no período da
Primeira República na região do Nordeste. O objetivo primordial se pautou em analisar os
motivos que fizeram comque Virgulino entrou para o cangaço, tornando-o “Lampião” do
Nordeste. Para tanto, questionou-se: Como eram as relações de poder no período da Primeira
República? Quais fatores explicam a entrada de Lampião no Cangaço no Nordeste? Como foi
sendo construído esse mito? Considerou-se, ao final da pesquisa, que Lampião entrou para o
banditismo e o cangaço, não apenas por questões particulares ou familiares; mas sim, através das
diversas questões de relações de poder e questões sociais do período da Primeira República no
Nordeste do Brasil. A escolha da temática partiu do interesse em conhecer como as relações de
poder no período da Primeira República no Brasil e o cangaço contribuíram para a construção
mitológica do lampião que continuam presentes até os dias atuais, não só forma de cangaço, mas
de diversas formas em todo o território brasileiro, buscando investigar as relações de poder
predominante dos sertões, em sua forma mais arcaica, fizeram com que aos poucos a população
pobre, sofrida, discriminada; formada por negros, brancos e mestiços, aos poucos fossem se
unindo, formando grupos, tentando a produção de subsistência, não tinham incentivo e assim faz
com que surgissem rebeliões, revoltas, movimentos que tentavam melhores condições de vida.
Para o apanhado contextual, utilizou-se de fontes primárias e secundárias de obras científicas,
revistas, artigos e monografias que tratam sobre a temática como: Ribeiro (1995), Maciel (1985)
e Lessa (2000); para justificar a hipótese que Lampião entrou para o banditismo e o cangaço, não
apenas por questões particulares ou familiares; mas sim, através das diversas questões de relações
de poder e questões sociais do período da Primeira República no Nordeste do Brasil. Diante
disso, esperasse que este artigo venha auxiliar para o aprofundamento de futuros estudos e
reflexões sobre as relações de poder, mas também, discutir acerca da construção do nome
lampião, de como sua ação e seu nome se constituiu e o que isso gerou para o Brasil e gera até
hoje no contexto de economia da cultura e economia do turismo. Assim, esse trabalho trará
diretrizes de como direcionar novos questionamentos na área da história, no tocante às pesquisas
sobre a vida e história do cangaço de lampião e preservação da cultura nordestina.
Resumo: Embora atualmente venha havendo muitas mudanças com relação ao consumo,
sobretudo consumo de medicamentos, ainda há uma certa resistência na utilização de plantas
medicinais. O principal objetivo deste trabalho é refletir sobre a cultura popular, com o caso do
raizeiro Cicinho com uma cultura que passou de pais para filhos no município de Santana do
Ipanema - AL. Para alcançar esse objetivo foi utilizada uma metodologia baseada em analise
fotográfica, analise de vídeo, obtida através de visitas feita em seu estabelecimento. Concluímos
que a diversidades de raízes e benefícios são inúmeras e o conhecimento que Cicinho possui
sobre cada raiz beneficia a sociedade.
Resumo: O principal objetivo deste trabalho é analisar o modo como elementos culturais dos
povos indígenas da etnia Fulni-ô residentes na cidade de Águas Belas, Pernambuco, são
produzidos como objetos de consumo para turistas e visitantes, seguindo a lógica do mundo
globalizado. Para o alcance do objetivo proposto, foi realizada pesquisa bibliográfica, com
enfoque na história da etnia, além de uma visita in loco, para realização de entrevistas
semiestruturadas. Os resultados preliminares nos permitiu observar que os índios Fulni-ô são um
ótimo exemplo para refletir a produção de elementos culturais e identitários em objetos de
consumo, articulando categorias como local e global, para divulgar elementos da sua cultura, ao
mesmo tempo em que promovem desenvolvimento socioeconômico da etnia.
Resumo: O presente trabalho apresenta um estudo sobre o perfil socioeconômico da feira livre
de Santana do Ipanema – AL, localizada no Sertão de Alagoas, onde a feira livre é abordada
como uma manifestação da cultura urbana brasileira que apesar do crescente avanço do
desenvolvimento do comércio se mantem ativa, como um lugar privilegiado para práticas de
folkcomunicação. Etimologicamente de acordo com Miriam C.S Dolzani (2008) A feira livre no
Brasil constitui modalidade de mercado varejista ao ar livre, de periodicidade semanal,
organizada como serviço de utilidade pública pela municipalidade e voltada para a distribuição
local de gêneros alimentícios e produtos básicos. Dessa forma percebe-se que no atual cenário
cada vez mais o consumidor tem acesso a hipermercados e outras opções de consumo, mas
mesmo assim, se mantém ativa, tanto nas pequenas quanto nas grandes cidades. Tendo em vista
que a pesquisa de campo de caráter exploratório, com metodologia qualitativa e quantitativa, por
meio de aplicação de questionário, onde o objetivo central foi identificar o perfil socioeconômico
da feira livre através da visão do desenvolvimento local. Pontuamos que a feira livre de Santana
do Ipanema tem uma característica diversificada, onde buscou compreender as possibilidades de
geração de emprego e renda. O comercio de mercadorias é bastante variado possuindo não apenas
barracas alimentícias, mas também ambulantes, transportadores e ainda outros tipos de
mercadorias como roupas e calçados, que atendem a diversas demandas. A maioria dos produtos
é oriundo de outros municípios ou até mesmo de outros estados, com exceção de alguns
agricultores que produzem na própria roça. A feira possuem 253 barracas, que são armadas
semanalmente nos dias da feira, o fator social é visível na feira livre santanense, promovendo a
interação das pessoas, os encontros entre conhecidos e até mesmo as novas relações que podem
se formar, os feirantes possuem mecanismos que facilitam a comunicação com seus clientes, o
valor acessível é levado em consideração pelo consumidor, já que os produtos possuem preços
menores, qualidade e variedade, elucidando o poder de negociação, conseguir pechinchar,
negociando diretamente com o feirante o preço. Além disso, incentiva a existência desse tipo de
comércio, já que a maioria dos fregueses utilizam dinheiro em espécie, onde dessa forma há a
circulação imediata de capital, o que beneficia o feirante, o qual fornece outros meios de
pagamento, mas a tradição ainda se mantém predominante no que se refere a esse tipo de
transação comercial. Ainda existe a grande queixa dos feirantes é o baixo movimento do
mercado, o que acaba enfraquecendo a feira santanense. Dessa forma conclui-se que apesar das
dificuldades presentes no baixo movimento do mercado a feira santanense possui compradores
fieis e pode adequar-se aos novos tempos, podendo continuar com sua tradição popular urbana e
sua diversidade, que deve ser preservada.
Resumo: A presente proposta justifica-se pela relevância do tema, pois visa refletir sobre a
relação entre Direito e Arte. Atualmente, o Brasil conta com mais de 1200 curso de graduação
em Direito, porém a qualidade deste ensino tem se mostrado precária, o que repercute na prática
forense e no formato das instâncias decisórias. Assim, torna-se imperioso pensar novas formas
de ensino e aprendizagem do Direito, papel que caberia, primordialmente, à Arte (obras de arte,
o “fazer artístico” e a própria sensibilidade por ela instigada). Em especial, pretendemos explorar
os seguintes temas: Conhecimento jurídico e interdisciplinaridade. Narrativas literárias,
narrativas artísticas e o Direito. Representações da justiça nas artes e na literatura. Direito e
cinema. Direito e literatura. Direito e artes plásticas. Discussões e potencialização de
investigações que tenham conexões com os sentimentos, ou, com o pensamento de Luís Alberto
Warat. Direito e linguagem. Direito, desejo e subjetividade. Carnavalização e Ciência do Direito.
Razão Jurídica e Sensibilidade. Surrealismo jurídico. Direito, Amor e Arte. A crítica ao projeto
epistemológico do positivismo jurídico de Hans Kelsen. Filosofia analítica. Mitos e teorias na
interpretação da lei. Teoria e Filosofia do Direito.
A nossa proposta investigativa realiza uma análise da arquitetura da informação adotada pelo
portal católico da Comunidade ‘Pio X’, à luz do campo da CI e da atual convergência
multimidiática, sintoma de uma sociedade permeada por ciberconexões. Nosso interesse é
entender como se processa o gerenciamento dos conteúdos do site, bem como os estímulos
virtuais que são feitos com o intuito de suscitar uma participação do usuário. Na nova dinâmica
interativa, característica da web 2.0, é natural que se crie uma extensa rede colaborativa, porém
com as devidas restrições que determinado sistema exige. Assim, nossa discussão busca
perscrutar os sentidos hipertextuais, imagéticos e estruturais do ambiente digital dessa
agremiação oriunda do movimento carismático católico, delimitado nesse artigo.
Resumo: A presente comunicação tem por objetivo problematizar a questão do sagrado nos jogos
digitais sob um prisma transdisciplinar. Este texto pretende abordar a relação entre sujeito e
objeto transdisciplinar: a consideração da relação entre jogador e game nos conflitos oferecidos
pelo jogo, caracterizados pela questão religiosa ou espiritual num ambiente relativamente novo
e cheio de possibilidades para o estudo do fenômeno religioso, para além do âmbito institucional
das religiões. Apresentamos, sem a pretensão de esgotar o tema, elementos importantes para
investigações sobre esse fascinante campo de estudo: a relação entre o sagrado e os jogos digitais.
Resumo: Esse artigo tem objetivo analisar os fatores dos eventos culturais que marcaram a
institucionalização da igreja evangélica (neopentecostais), como ato político, no município do
Cabo de Santo Agostinho-PE, levando em consideração a construção de uma identidade cultural
através desse evento denominado “Marcha Resgate”. Diante disso, faz-se necessário entender,
como são construídos, os elementos culturais dos evangélicos neopentecostais. Outro fator é a
aparente estratégia de utilização da cultura (Música e dança) para a ocupação do espaço político.
Nesse sentindo, procura-se trazer um panorama das motivações políticas e religiosas subjacentes
ao discurso e ás práticas das igrejas evangélicas no contexto cultural.
Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir a relação entre corpo, religião e arte, se
apropriando de releituras de obras de arte idealizadas por artistas brasileiros, dentre eles, o
coletivo de artistas “As Travestidas”, criadores do projeto fotográfico intitulado Translendário,
em que os atores reproduzem grandes obras de artes como: A Santa Ceia de Leonardo Da Vinci,
Pietá de Michelangelo e a obra Jesus Crucificado de Salvador Dali, a partir da perspectiva do
corpo travestido. E a Performer Roberta Nascimento, com sua obra intitulada: Via Crucis, em
que a mesma expõe seu corpo a exaustão para questionar o sufocamento que o universo feminino
sofre com as imposições sociais. Ambos os artistas utilizam a arte como ferramenta de combate
as opressões sociais vivida na sociedade contemporânea. No entanto, analisaremos a relação
desse corpo que é apresentado como sujeito dentro dos trabalhos relacionados as artes visuais
contemporâneas, sua relação com o sagrado e com a religião, uma vez que este corpo nos é
apresentado como a imagem e semelhança de um ser intocável.
Resumo: Este trabalho possui o objetivo de analisar a compreensão dos professores sobre
dificuldades de aprendizagem. A metodologia consiste em uma entrevista semiestruturada,
realizada em uma escola de João Pessoa, com docentes do Ensino Fundamental, e pesquisa
bibliográfica. A partir dos resultados coletados, grande parte relatou que conhece e que possui
alunos com tais dificuldades, sendo as mais pertinentes relacionadas à leitura, escrita e
compreensão, logo proporcionam uma atenção individual e aplicam novas práticas pedagógicas.
Portanto, o trabalho aponta a importância dos educadores compreenderem tal conceito e
aplicarem novas metodologias, pois são fundamentais no processo de aprendizagem.
Resumo: Thor era o deus nórdico do trovão da Era Viking. É mencionado de forma tardia nas
fontes literárias e na poesia escáldica. Perun, deus eslavo do trovão, encontra-se nas obras de
João Malalas e Tietmar de Merseburgo. Nosso objetivo foi analisar as principais fontes primárias
sobre cada deus e averiguar se haveriam semelhanças no modo como foram descritos. O trabalho
foi de natureza qualitativa e analítica, utilizando a metodologia dos centros semânticos proposta
por Schjødt. Pudemos identificar que Thor e Perun são retratados de maneira extremamente
análoga nas fontes. A conclusão alcançada por este trabalho abre terreno para uma gama de novas
discussões que tentem explicar historicamente tamanha similitude.
Resumo: O presente artigo busca trazer os principais resultados de uma pesquisa comparativa
realizada em duas escolas pré-selecionadas no município do Recife, como as relações de gênero
são trabalhadas pelos materiais didáticos de uma instituição de caráter religioso (católica) e outra
laica. A pesquisa foi de abordagem qualitativa a qual teve como objetivo analisar como os
materiais didáticos abordam as questões de gênero, através de imagem, desenhos e atividades.
Os resultados alcançados através dessas analises foram semelhantes em ambas às escolas, as
diferenças foram encontradas mais na prática docente que até então não era o foco inicial da
pesquisa, mas se faz necessário abordar nesse artigo devido as situaçõe apresentadas durante as
observações.
Resumo: Este trabalho tem por tema a análise de como autores vanguardistas endossaram a
guerra civil russa por meio das suas obras, que se dirigiam principalmente a classe operária, para
captar apoio para a revolução. Têm por objetivos demonstrar a influência da arte nesse contexto,
bem como apresentar alguns dos estilos da vanguarda. No tocante à vertente metodológica, usou-
se da abordagem qualitativa. No método de abordagem, da forma sistémica. Já em relação ao
procedimento, adotou-se o método tipológico. Conclui-se que na Revolução Russa a arte também
esteve no cenário e os artistas, especialmente os construtivistas, a exploraram com o fim de
angariar forças para os movimentos socialistas.
Resumo: O resumo apresenta os direcionamentos de uma pesquisa que teve como pano de fundo,
a disciplina curricular obrigatória, Teoria e Prática de Leitura, desenvolvida com alunos de
segundo período, no curso de Biblioteconomia, na Universidade Federal do Cariri. O objetivo
era identificar as referências de leituras, quanto ao gênero literário e a influência familiar, que os
alunos trazem ao chegar à universidade. Os Procedimentos metodológicos empregados
qualificam como uma pesquisa qualitativa, uma vez que os alunos foram estimulados a narrar
suas experiências de leituras, nos oportunizando com a possibilidade de interpretação dos fatos.
A conclusão final mostrou que na maioria dos casos, a família foi a grande incentivadora. As
primeiras influências e estímulos foram dados pelo pai ou pela mãe, um tio ou uma tia, o que
contribuiu para que eles já chegassem à escola, sabendo ler e escrever as primeiras vogais. No
entanto, essa não é a realidade de todas as crianças, os fatores culturais e socioeconômicos que
norteiam as famílias é em muitos casos, a causa maior da falta de influencia por parte da famílias
(RODRIGUES, 2016). Quanto ao gênero literário, a literatura infantil prevaleceu para todos na
infância, porém o romance foi indicado por um percentual de alunos, como o gênero preferido
na fase adolescente e adulta. Foram citadas também, algumas preferências por alguns autores
brasileiros e estrangeiros. A leitura é de fundamental importância na vida de uma pessoa, não
apenas em relação a sua vida escolar e a educação, mas, sobretudo, na formação cidadã, uma vez
que ela pode conduzir cada um, nas suas escolhas e suas práticas de cidadania, podendo vir a
mudar a realidade, Demo (1994). É um instrumento que fortalece a ampliação no nível de
conhecimento e consequentemente, a formação de sujeitos críticos, e mais atuante no contexto
social. Ao chegarem à universidade os alunos deixam transparecer a falta de intimidade com uma
leitura mais acadêmica, percebe-se a dificuldade e resistência aos textos com esse perfil e, a
ausência dessa prática, é sentida nos momentos de debates e discussões, quando o aluno é
chamado a se posicionar sobre o texto. Outra coisa que chama nossa atenção em sala, é que os
alunos que tem o habito de ler, se relacionam mais e melhor com comunidade acadêmica, se
expressam com mais facilidade e com um vocabulário mais amplo. Contudo, não são todos e,
lamentavelmente, cada vez mais identificamos alunos com esse comportamento dentre aqueles
que chegam à universidade em cada semestre. É precis investir, ainda que tardiamente, em
dinâmicas pedagógicas que estimule o aluno a entender que a leitura pode ajuda-lo em sua vida
pessoal e profissional e no seu desenvolvimento como ser social, em constante interação.
Conforme Rodrigues (2016, p.24), “a leitura está intimamente relacionada com uma prática
social capaz de resgatar a cidadania e a dignidade, levando para melhores condições de vida na
sociedade”. Não podemos, contudo, responsabilizar apenas o aluno por esse déficit. Muitos deles
não são estimulados a ler de forma prazerosa e atrativa, isso na maioria das vezes é feito de
maneira impositiva e obrigatória, num processo mecanizado de aprendizagem, onde o aluno não
aprende a refletir e se expressar criticamente e, muitas vezes, não tem o direito de escolha sobre
o que ler e, nesse sentido, “as ações escolares devem considerar a sociedade como um ambiente
de práticas de leitura e de escrita”, Alves (2012 27). As escolas precisam rever suas metodologias
ampliando as possibilidades do aluno em diferentes sentidos não apenas em relação à leitura.
Afinal, a escola deve também assim como a família, prepará-los para a vida em sociedade.
Resumo: A terceira idade deve ser encarada com responsabilidade e cuidados intensos,
desfrutando de saúde e qualidade de vida, inclusive desenvolvendo hábitos de estudos e
contribuições na educação, se entregando a atividades que lhes proporcione condições de
enfrentar a vida sem medo, detectando necessidades, carências, problemas, resolvendo ou
suprindo convenientemente. Não podemos deixar de enfatizar que é sempre hora de começar e
que na maioria dos casos, para mudar o estilo de vida, basta apenas querer mudá-lo. A questão
social do idoso, face sua dimensão exige uma política ampla e expressiva que suprima, ou pelo
menos amenize a cruel realidade que espera aqueles que conseguem viver até idades mais
avançadas. Após tantos esforços realizados para prolongar a vida humana, seria lamentável não
oferecer as condições adequadas para vivê-la, e é sob a égide da descriminação que se encontra
hoje população idosa brasileira, que se faz necessário de forma urgente, mostrar modelos que
contribuam para o combate aos preconceitos que afetam os mais velhos. Devemos CAD vez mais
exigir e cobrar dos familiares que se envolvam de forma mais concentrad quanto aos
atendimentos e tratamentos desses idosos, a tomada de consciência e sensibilização da família
na promoção de qualidade de vida, dispensando a eles não apenas a atenção, mais ainda a fazer
sentir amada. O que ameaça a qualidade de vida dos idosos, é a limitação em sua capacidade de
realizar atividades do quotidiano colocando em risco a sua saúde, com o envelhecimento e a
perda progressiva das aptidões funcionais do organismo, aumenta-se o risco do sedentarismo,
dando oportunidade assim as doenças não transmissíveis. Exercícios como atividade física
proporciona inúmeros benefícios para a saúde como: proteção as doenças não transmissíveis,
inclusão, socialização, bem-estar e saúde mental, recomendado ao tratamento de várias doenças.
Nesse processo é fundamental a participação e acompanhamento dos profissionais da saúde e
educação, junto a esses idosos que cotidianamente se mantêm distante do convívio social e
familiar, por acharem ser incapazes de ser um ser sociável. Vendo esse tipo de exclusão não
apenas dentro do meu campo de trabalho mais também fora dele nas ruas e nas famílias,
observando também uma sociedade que nos últimos anos vem tendo um crescente aumento no
quesito estimativa de vida evidenciado pelas pesquisas, prestando atenção na qualidade de vida
de nossas crianças e adolescentes que a cada dia convive com as coisas que mundo a oferece,
acompanhando através da mídia o “interesse” do poder público em desenvolver mais políticas
voltado para o idoso, vejo que nossos idosos e porque na dizer nossa população está desprovida
de políticas preventivas de saúde, digo isso pelo fato de como profissional da área, o problema
tende a se alastrar desde muito tempo. Colocando esse problema em olhos nem tão profundo,
podemos sim desenvolver e ao mesmo tempo porque não incluir em nossas escolas de ensino
fundamental, temas do tipo: educação e saúde, qualidade de vida e prevenção às doenças
crônicas. Ao nascer somos educados para buscar sucesso e riquezas, deixando de lado alguns
fatores que sã essenciais para nossa sobrevivência, ao ponto que só nos preocupamos com nossa
saúde quando somos pegos de surpresa com um resultado nada tentador, se tivermos a
consciência que durante nossa formação escolar o multiplicador vivido por nossos jovens tendo
a clareza e consciência que devemos ter cuidados com nossa saúde, mente e corpo, com certeza
não teríamos inúmeros idosos largados nos hospitais, clínicas psiquiátricas e em um quarto
isolado nas residências, mas sim teríamos idosos e uma futura população com disponibilidade,
qualidade de vida e ao mesmo tempo certeza de que prevenir, é sem duvida o melhor caminho
para ter saúde.
Resumo: A Comunicação Alternativa e/ou Suplementar (CAS) é uma área da prática clínica que
tem como objetivo compensar temporariamente ou permanentemente a incapacidade ou
deficiência do indivíduo com desordem severa de comunicação expressiva oral. Proporciona
compreensão da comunicação, encorajamento para a fala, redução da frustração e melhora da
condição na qualidade de vida. Os problemas da linguagem no autismo envolvem déficits de
comunicação não verbal, simbólicos e de fala. Desta forma, o autista pode apresentar dificuldade
na responsividade a comandos não verbais, tais como: gestos, expressões faciais, entonação e o
apontar, o que pode contribuir para o atraso da fala. O uso da CAS pode ser um suporte para que
o autista desenvolva uma estrutura linguística, uma vez que na maioria dos casos, a comunicação
é vista como um aspecto expressivamente afetado. Visando esses benefícios, este trabalho trata-
se de uma pesquisa bibliográfica que tem como objetivo apresentar a CAS como meio de garantir
uma forma alternativa para a melhora da comunicação em autistas. Foi observado que o uso desse
sistema promove o desenvolvimento de gestos que propiciam intencionalidade comunicativa e
desenvolve estratégias compensatórias que facilitam uma melhor habilidade comunicativa para
o autista. Tais aspectos auxiliam na sua expressão linguística e na capacidade de compreensão
pelos outros de suas necessidades.