Você está na página 1de 505

• •

The Marriage Game (#1)

The Dating Plan (#2)

The Singles Table (#3)


• •
Uma aposta de alto risco coloca uma aspirante a
empresária contra um implacável CEO nesta sexy
comédia romântica.

Depois que sua vida desmorona, a consultora de recrutamento


Layla Patel volta para sua família em São Francisco. Mas aos
olhos de seu pai, que dirige um restaurante com estrela
Michelin, ela não pode errar. Ele faria qualquer coisa para vê-la
sorrir novamente. Com as melhores intenções em mente, ele
oferece a ela o escritório no andar de cima para começar seu
novo negócio e cria um perfil em um site de namoro online
para encontrar um homem para ela. Ela não sabe que ele
arranjou uma série de encontros às cegas até que o primeiro
bate à sua porta...

Como CEO de uma empresa de consultoria corporativa, Sam


Mehta está mais acostumado ao conflito do que à calma. Em
busca de um novo escritório tranquilo, ele encontra o espaço
perfeito acima de um aconchegante restaurante indiano que
cheira a casa. Mas quando a comunicação dá errado, ele é
forçado a dividir seu espaço com a linda e irritante filha do
proprietário, Layla, sua família maluca e um desfile de
pretendentes esperançosos, todos os quais ameaçam atrapalhar
sua vida cuidadosamente organizada.
Enquanto eles se enfrentam de perto, o sarcasmo e as faíscas
voam. Mas quando a batalha pelo escritório se torna uma
batalha do coração, Sam e Layla precisam decidir se isso é amor
ou apenas um jogo.
• •

Para papai,
por tudo
• •
Sem o apoio de tantas pessoas gentis e generosas, este livro não
existiria. Agradeço à minha fantástica editora, Kristine Swartz,
por seu entusiasmo e apoio e por me incluir em sua incrível lista
de diversos autores. Você realizou um sonho.
À minha adorável agente literária, Laura Bradford, que está
comigo nesta jornada desde o início, através de suas muitas
formas e iterações. Sem o seu encorajamento, eu nunca teria
dado aquele passo para sair das sombras.
Sou muito grata a toda a equipe da Berkley. Obrigado pela
bela capa, seu trabalho árduo e energia, e sua atenção aos
detalhes, e por enviar minha história ao mundo da melhor
forma possível.
Mindy Kaling, Jameela Jamil e Lilly Singh: obrigada por
abrir o caminho. E obrigada a Sahrish Nadim.
A Christa Desir, que uma vez me deu uma chance e que
trabalhou incansavelmente para promover a inclusão na
indústria editorial. Você continua me inspirando todos os dias.
Obrigada à minha família por rir de mim. Eu nunca teria
encontrado minha voz de comédia sem seus sorrisos.
E, finalmente, para John e minhas meninas. Por seu amor e
apoio, sua paciência e compreensão, seus abraços e beijos.
Vocês são o meu tudo.
• •
Marriage Game
Sinopse
Dedicatória
Agradecimentos
Tabela de Conteúdos
Aviso — bwc & thb
Caro senhor
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Perguntas para discussão
• — •
Essa presente tradução é de autoria pelos grupos Bookworm’s
Café e Tea & Honey Books. Nossos grupos não possuem fins
lucrativos, sendo este um trabalho voluntário e não
remunerado. Traduzimos livros com o objetivo de acessibilizar
a leitura para aqueles que não sabem ler em inglês.
Para preservar a nossa identidade e manter o funcionamento
dos grupos de tradução, pedimos que:
• Não publique abertamente sobre essa tradução em
quaisquer redes sociais (por exemplo: não responda a
um tweet dizendo que tem esse livro traduzido);
• Não comente com o autor que leu este livro
traduzido;
• Não distribua este livro como se fosse autoria sua;
• Não faça montagens do livro com trechos em
português;
• Se necessário, finja que leu em inglês;
• Não poste – em nenhuma rede social – capturas de
tela ou trechos dessa tradução.
Em caso de descumprimento dessas regras, você será banido.
Caso esse livro tenha seus direitos adquiridos por uma
editora brasileira, iremos exclui-lo dos nossos acervos.
Em caso de denúncias, fecharemos o canal
permanentemente.
Aceitamos críticas e sugestões, contanto que estas sejam
feitas de forma construtiva e sem desrespeitar o trabalho da
nossa equipe.
Caro senhor:

Em anexo a este e-mail, encontra-se o currículo de


casamento de minha amada filha, Layla Patel, de 26 anos,
que precisa urgentemente de um marido.
Ela é bonita, inteligente e bem-educada, com um
delicioso traço de independência e raciocínio rápido. Ela é
uma menina saudável que gosta muito de comer. Minha
filha também adora música como a famosa banda
Nickelback. Ela é uma boa menina – obediente, educada e
recatada – com um profundo senso de responsabilidade
para com sua família e respeito pelos mais velhos. Ela é
devota de suas tradições culturais, mas não usa sári.
Seu par ideal seria um profissional confiável e bem-
sucedido que acredita no dever e na tradição. Ele estará em
forma, saudável e bem preparado, com boas qualificações
educacionais e uma carreira de sucesso. Acima de tudo, ele
fará minha filha feliz e a tratará com gentileza e respeito. Ele
também deve tolerar a companhia de uma família muito
grande, barulhenta e amorosa.
Se você acha que seria compatível, responda por e-mail
ou envie seu currículo para Nasir Patel c/o The Spice Mill
Restaurant, San Francisco, Califórnia.

P.S. A discrição é essencial. Minha filha não sabe que postei


o perfil dela online.
• •
Quando Layla entrou no Spice Mill Restaurant depois de mais
um relacionamento desastroso, ela esperava abraços e beijos,
talvez um murmúrio de simpatia, ou mesmo um alegre Bem-
vinda à casa.
Em vez disso, ela recebeu um prato de samosas e uma jarra
de água para a mesa doze.
— Tem poppadums1 frescos na cozinha — disse sua mãe. —
Não se esqueça de oferecê-los a todos os clientes. — Nem
mesmo um vislumbre de emoção apareceu no rosto
delicadamente enrugado de sua mãe. Layla poderia ser
qualquer uma das meia dúzia de garçonetes que trabalham no
restaurante de seus pais, em vez da filha pródiga que havia
retornado a São Francisco, ainda que com o coração partido.
Ela deveria ter pensado melhor antes de aparecer no horário
de funcionamento esperando abrir seu coração. Filha do meio
em uma família rigorosa, acadêmica e reservada, sua mãe não
era dada a demonstrações de afeto em público. Mas depois da
devastação emocional de encontrar seu namorado famoso nas
redes sociais, Jonas Jameson, enquanto ele cheirava suas
últimas economias em duas modelos nuas, Layla esperava algo
mais do que ser colocada para trabalhar.

1
Poppaddum: Pão indiano achatado como disco que pode ser assado ou frito.
Era sua infância toda de novo.
— Sim, mãe. — Obedientemente, ela carregou o prato e a
jarra para a mesa e conversou brevemente com os clientes sobre
a decoração única do restaurante. Decorado em tons exóticos
de açafrão, ouro, rubi e canela, com paredes acentuadas que
representam o movimento natural do vento e do fogo, e uma
cascata em camadas com belas pedras artificiais paisagísticas e
pequenos animais de plástico, o restaurante era a
personificação do sonho de seu falecido irmão em recriar a
“Índia” no coração de São Francisco.
Os aromas familiares – canela, cúrcuma picante e cominho
defumado – trouxeram de volta memórias de noites passadas
mexendo dal2, cortando cebolas e abrindo a massa de roti3 na
cozinha movimentada do primeiro restaurante de seus pais em
Sunnyvale sob o vigilante exército de chefs que seguiam as
receitas desenvolvidas por seus pais. O que parecia divertido
quando criança e uma imposição quando adolescente, agora a
enchia de uma calorosa sensação de nostalgia, embora ela
gostaria de ter apenas um momento do tempo da mãe.
No caminho até a cozinha para pegar os poppadums, ela
avistou suas sobrinhas colorindo em uma cabine e foi

2
Dal: O termo dal faz referência a um tipo de prato da culinária indiana, feito à base de
cereais, geralmente lentilha. Tem como origem etimológica o nome dos cestos feitos de bambu
que são utilizados para medir e transportar esses cereais, geralmente levados sobre as cabeças.
3
Roti: Pão redondo achatado frito, parece a massa de um pastel.
cumprimentá-las. Seus pais cuidavam delas à noite, quando sua
mãe, Rhea, estava ocupada no trabalho.
— Tia Layla! — Anika, de cinco anos, e Zaina, de seis, com
seus longos cabelos escuros em duas tranças, correram para
abraçá-la.
— Você nos trouxe alguma coisa de Nova Iorque? —
Perguntou Zaina.
Layla caiu de joelhos e colocou os braços em volta das
sobrinhas.
— Posso ter trazido alguns presentes, mas os deixei em casa.
Achei que não veria vocês aqui.
— Podemos ir com você e pegá-los? — Elas depositaram
beijos pegajosos em suas bochechas, fazendo-a rir.
— Vou trazê-los amanhã. O que vocês estão comendo?
— Jalebis. — Anika ergueu um doce em formato de pretzel
laranja parecido com um funnel cake.
— Ontem ajudamos Dadi a fazer peda4 de chocolate —
Zaina a informou, usando o termo em Urdu para “avó
paterna”.
— E anteontem nós fizemos burfi5, e antes disso nós
fizemos...
— Pé-de-moleque. — Anika sorriu.

4
Peda: Doce muito popular na Índia com o modo de preparo similar ao nosso brigadeiro.
5
Burfi: Doce feito à base de leite e açúcar.
Layla reprimiu uma risada. Sua mãe gostava de doces, então
não era de se estranhar que fizesse guloseimas com as netas na
cozinha.
O sorriso de Zaina se desvaneceu.
— Ela disse que pé-de-moleque era o preferido do papai.
O coração de Layla apertou em seu peito. Seu irmão, Dev,
tinha morrido em um acidente de carro cinco anos atrás e a dor
de perdê-lo nunca havia diminuído. Ele era sete anos mais velho
e o símbolo da força social e econômica da família; as
expectativas pesavam sobre os ombros de Dev e ele não
decepcionou. Formado em engenharia, com um casamento
arranjado de sucesso e um portfólio de imóveis que
administrava com um grupo de amigos, era o sonho de todo pai
indiano.
Layla... nem tanto.
— É o meu preferido também — disse ela. — Espero que
você tenha deixado um pouco para mim.
— Você pode ficar com o de Anika — Zaina ofereceu. —
Vou pegar para você.
— Não! Você não pode pegar o meu! — Anika perseguiu
Zaina até a cozinha, gritando por cima da remixagem das
músicas de Quem quer ser um Milionário? tocando ao fundo.
— Elas me lembram você e Dev. — Sua mãe se juntou a ela
ao lado da mesa e ergueu uma mecha do cabelo de Layla,
estudando as mechas brilhantes. — O que é isso azul?
Claro que sua mãe ficou surpresa. Ela desistiu de tentar
transformar sua filha em uma mulher fatal anos atrás. Layla
nunca se interessou por estilos de cabelo da moda, e a única vez
em que pintou as unhas ou usou maquiagem foi quando seus
amigos a arrastaram para sair. Vestir-se bem era reservado para
o trabalho ou para as saídas à noite. Jeans, rabos de cavalo e tênis
eram mais seu estilo.
— Esta é uma cortesia da tinta de cabelo especial do Jonas.
Seu estilista deixou algumas para retoques. Cabelo azul é sua
marca registrada. Aparentemente, fica bem na tela. Eu não
queria que fosse desperdiçado depois que terminamos, então
usei tudo no meu cabelo. Eu tinha a verdadeira aparência do
Jonas.
Ao contrário da maioria de suas amigas que namoram
escondidas dos pais, Layla sempre foi honesta sobre seu desejo
de encontrar o amor verdadeiro. Ela apresentou seus
namorados aos pais e lhes contou sobre suas separações e
problemas de relacionamento. Claro, havia limites para o que
poderia compartilhar. Seus pais não sabiam que ela estava
morando com Jonas, e eles certamente nunca descobririam que
ela perdeu seu emprego, seu apartamento e seu orgulho depois
que um vídeo dela jogando coisas do Jonas de sua varanda em
um acesso de raiva se tornou o viral “Fúria Azul” no YouTube.
— Você é muito parecida com seu pai - apaixonada e
impulsiva. — Sua mãe sorriu. — Quando recebemos nossa
primeira crítica negativa, ele rasgou a revista, cozinhou-a em
uma panela de dal e a entregou ao revisor pessoalmente. Tive
que impedi-lo de voar para Nova Iorque quando você ligou
para nos dizer que você e Jonas se separaram. Depois de ouvir a
dor em sua voz, ele quis ir lá e dar uma lição naquele menino.
Se a versão censurada e apropriada para os pais sobre seu
rompimento tinha aborrecido seu pai, ela não conseguia
imaginar como ele reagiria se lhe contasse a história completa.
— Estou feliz que você o impediu. Jonas é uma grande
celebridade das redes sociais. As pessoas começariam a fazer
perguntas se ele postasse vídeos com o rosto coberto de
hematomas.
— Celebridade das redes sociais. — Sua mãe acenou com a
mão desdenhosa. — Que trabalho é esse? Programas de
entrevista na Internet? Como ele poderia sustentar uma
família?
Tirando o desdém de sua família por carreiras nas artes, era
uma boa pergunta. Jonas nem mesmo foi capaz de se sustentar.
Quando os cobradores ligaram, ele mudou-se para o
apartamento pré-guerra que Layla compartilhava com três
estudantes universitários no East Village e vivia de sua
generosidade enquanto buscava fama e fortuna como um
influencer de lifestyle nas redes sociais.
— Aquele menino não era bom — disse a mãe com firmeza.
— Ele não foi bem criado. Você está melhor sem ele.
Era o mais próximo da simpatia que Layla iria conseguir. Às
vezes era mais fácil discutir questões dolorosas com sua mãe
porque Layla precisava ter suas emoções sob controle.
— Eu sempre escolho os ruins. Acho que devo ter algum
tipo de dedo podre para os homens. — A emoção brotou em
sua garganta e ela se virou. Sua mãe dava os sermões. Seu pai
controlava as lágrimas.
— É por isso que, em nossa tradição, o casamento não é
sobre amor. — Sua mãe nunca perdia a oportunidade de exaltar
os benefícios de um casamento arranjado, especialmente
quando Layla sofria mais uma vez de coração partido. — É
sobre devoção a outra pessoa; cuidado, dever e sacrifício. Um
casamento arranjado é baseado na permanência. É um contrato
entre duas pessoas que compartilham os mesmos valores e
desejo por companheirismo e família. Não há dor de cabeça,
sem traição, sem garotos fingindo que se importam, ou usando
você e jogando fora, sem promessas não cumpridas...
— Sem amor.
O rosto de sua mãe se suavizou.
— Se você tiver sorte, como seu pai e eu, o amor aparece ao
longo do caminho.
— Onde está meu pai? — Layla não estava interessada em
ouvir sobre casamento, arranjado ou não, quando estava claro
que ela não tinha o necessário para manter um relacionamento.
Não admira que os caras sempre pensassem nela como uma
amiga. Ela era o cupido de todos e o prêmio de ninguém.
Ela procurou por seu pai. Ele era sua rocha, seu ombro para
chorar quando tudo dava errado. Normalmente, ele estava na
porta da frente cumprimentando os clientes ou abrindo
caminho entre as mesas forradas de linho e as poltronas cor de
açafrão, conversando com os clientes sobre as obras de arte e
estátuas exibidas nas alcovas espelhadas ao longo das paredes,
falando sobre o cardápio ou compartilhando histórias com
apreciadores de comidas sobre suas últimas descobertas
culinárias. Ele era um artista nato e não havia nada que ela
amasse mais do que vê-lo interagir com o público.
— Seu pai tem se trancado no escritório a cada minuto vago
desde que você ligou para falar sobre aquele garoto. Ele não
come; quase não dorme... não sei se é trabalho ou outra coisa.
Ele nunca descansa. — A mãe de Layla agarrou seu avental
vermelho, sua marca registrada de ansiedade. A Tia Pari lhe
dera o avental para comemorar a inauguração do Spice Mill
Restaurant, e ela ainda o usava todos os dias, embora os
elefantes bordados na parte inferior estivessem desbotados e
puídos.
— Isso não é incomum. — O pai de Layla nunca
descansava. A partir do momento em que seus pés tocavam o
chão pela manhã, ele abraçava o dia com uma energia
entusiasmada e alegre que Layla simplesmente não conseguia
reunir antes das nove da manhã e duas xícaras de café. Seu pai
realizava mais em um dia do que a maioria das pessoas em uma
semana. Vivia de modo desmedido e persistente e não tinha
vergonha de deixar suas emoções transbordarem, fosse
felicidade ou tristeza, ou mesmo compaixão pelas muitas
mágoas de sua única filha.
— Ele ficará muito feliz que você esteja em casa para uma
visita. — Sua mãe deu-lhe um abraço, o gesto caloroso tão
inesperado quanto a breve conversa. Normalmente ela ficava
ocupada quando o restaurante estava aberto, focada e intensa.
— Nós dois ficamos.
Layla engoliu o nó em sua garganta. Eram momentos como
esses, o amor em dois beijos pegajosos de suas sobrinhas e
algumas palavras poderosas de sua mãe, que a asseguravam que
ela estava tomando a decisão certa de se mudar para casa. Ela
havia chegado ao fundo do poço em Nova Iorque. Se houvesse
alguma chance de colocar sua vida de volta nos trilhos, seria
com o apoio de sua família.
— Beta6! — A voz alta de seu pai ecoou pelo restaurante,
chamando a atenção dos clientes.
— Papai! — Ela se virou e se jogou em seus braços, sem se
importar com o espetáculo. Exceto por suas visões tradicionais
sobre as mulheres (ele não tinha as mesmas expectativas
acadêmicas ou profissionais para ela como tinha para Dev), seu
pai era o melhor homem que conhecia - leal, íntegro, confiável,
gentil e engraçado. Engenheiro antes de imigrar para a América,
ele era experiente o suficiente para lidar com a maioria dos

6
Beta: Filho, em hindi.
problemas elétricos ou mecânicos em um restaurante e
inteligente o suficiente para saber como administrar um
negócio, falar sobre política e iniciar uma conversa com
qualquer pessoa. Seu amor era ilimitado. Sua bondade
também. Quando contratava um funcionário, nunca o
dispensava.
Toda a emoção que Layla estava contendo desde que
testemunhou a traição de Jonas veio à tona nos braços de seu
pai enquanto ele murmurava todas as coisas que queria fazer a
Jonas se o encontrasse.
— Acabei de comprar um conjunto de facas Kamikoto
Senshi. Elas atravessam a carne como manteiga. O bastardo
hippie nem saberia que foi esfaqueado até morrer. Ou melhor
ainda, eu o convidaria para uma refeição e o colocaria na mesa
dezessete perto da porta dos fundos, onde ninguém poderia vê-
lo. Eu serviria para ele uma masala7 de cogumelos, feito com
cogumelos venenosos. Ele sofreria primeiro. Náuseas, dores de
estômago, vômitos e diarreia. Depois, falência hepática e morte.
A risada borbulhou em seu peito. Ninguém poderia animá-
la como seu pai.
— Minha mãe fez você assistir a muitos programas policiais.
Que tal só balançar o punho ou dizer algumas palavras com
raiva?
Ele deu um beijo em sua testa.

7
Masala: Mistura de especiarias.
— Se tenho que defender a sua honra, quero fazer de um
jeito que seja falado durante anos, algo digno de uma versão
criminosa de uma estrela Michelin. Você acha que existe tal
coisa?
— Não seja ridículo, Nasir. — A mãe de Layla suspirou. —
Não vai ter nenhum assassinato de celebridades itinerantes da
Internet enquanto tivermos um restaurante para administrar.
As coisas estão difíceis o suficiente com a queda do mercado.
Eu não posso fazer isso sozinha.
Franzindo a testa, Layla se afastou de seu pai.
— É por isso que o restaurante está quase vazio? Está tudo
bem?
O olhar de seu pai se voltou para sua mãe e depois de volta
para Layla.
— Está tudo bem, beta.
O coração de Layla apertou com o termo carinhoso. Ela
sempre seria sua garotinha, mesmo quando tivesse cinquenta
anos.
— Não muito bem. — Sua mãe gesticulou para a brigada de
tias que passavam pela porta, algumas usando sáris, algumas em
trajes de negócios e outras em salwar kameez8, suas túnicas
coloridas e calças compridas elegantemente bordadas. Tios e
primos assumiram a retaguarda. — Parece que você esbarrou

8
Salwar kameez: Vestimenta tradicional da Ásia Central e Sul. Consiste numa camisa
longa, túnica e uma calça por baixo.
com o sobrinho da Tia Lakshmi no aeroporto de Newark e
disse a ele que tinha terminado com seu namorado.
Em instantes, Layla estava envolvida em braços quentes,
seios macios e o cheiro forte de perfume de jasmim. As notícias
se espalham mais rápido do que um incêndio no submundo das
tias ou, neste caso, mais rápido do que um Boeing 767.
— Olha quem está em casa!
Enquanto Layla era sufocada com abraços e beijos, seu pai
conduziu todos até o bar e rapidamente realocou os clientes
mais próximos antes de isolar a área com uma placa de FESTA
PARTICULAR. A única coisa que sua família amava mais do
que uma volta ao lar era um casamento.
— Quem era aquele menino? Nenhum respeito em seus
ossos. Nenhuma vergonha em seu corpo. Quem ele pensa que
é? — A tia Pari apertou Layla com tanta força que ela não
conseguia respirar.
— Solte ela, Pari. Ela está ficando azul. — A Tia Charu
afastou a irmã mais velha do caminho e deu um abraço em
Layla. A irmã mais nova socialmente desajeitada de sua mãe
tinha um doutorado em neurociência e sempre tentou
contribuir para as conversas dispensando conselhos
psicológicos não solicitados.
— Como você veio para cá? Onde está ficando? Vai voltar a
estudar? Já tem um emprego? — Tia Deepa, prima de sua mãe
e uma designer de interiores fracassada, jogou a ponta de seu
dupatta9 por cima do ombro, o lenço longo, transparente e rosa
choque enfeitado com pequenas miçangas de cristal,
inadvertidamente batendo na bochecha da irmã mais nova de
seu pai, Lakshmi.
— Algo ruim vai acontecer — gemeu a supersticiosa Tia
Lakshmi. — Eu posso sentir em meu rosto.
Tia Mehar bufou enquanto ajustava seu sári10, as longas
dobras de tecido verde brilhante caindo sobre seus generosos
quadris.
— Você pensou que algo ruim ia acontecer quando o leite
ferveu na semana passada.
— Não tire sarro, Mehar. — Tia Lakshmi disse com uma
carranca. — Eu disse a você que o relacionamento de Layla não
iria dar certo quando descobri que ela foi embora em uma noite
de lua cheia.
— Ninguém pensou que fosse dar certo — zombou Tia
Mehar. — O menino nem foi para a universidade. Layla precisa
de um profissional, alguém agradável aos olhos como Salman
Khan. Lembra da cena em Dabangg11? Eu fui à loucura no
cinema quando ele arrancou a camisa.
As tias de Layla gemeram. A Tia Mehar conhecia os
movimentos de cada dança de Bollywood e a letra de cada
música. Ela era a tia favorita de Layla, não apenas porque não

9
Dupatta: Véu ou lenço usado por mulheres em volta do pescoço, cabeça e ombros.
10
Sári: Traje tradicional das mulheres indianas.
11
Dabangg: Filme indiano de 2010
era tímida em usar seus passos em todos os casamentos, mas
também porque compartilhava o amor de Layla por filmes de
Hollywood a Bollywood, passando pelo cinema indie.
— Tia Mehar! — Layla ofegou zombeteiramente. — E
quanto a Hrithik Roshan? Ele é o ator número um em
Bollywood. Ninguém consegue dançar como ele. Ele é tão
perfeito que dificilmente parece humano.
— Muito magro. — Tia Mehar acenou com a mão
desdenhosa. — Ele parece que foi embrulhado em plástico. Eu
gosto de um homem com carne nos ossos.
— Mehar. Sério. — Tia Nira balançou um dedo em
desaprovação, as pulseiras de vidro bindi12 em seu braço
tilintando suavemente. Ela possuía uma loja de roupas de
sucesso em Sunnyvale e seu salwar kameez, primorosamente
bordado em amarelo mostarda e verde oliva, tinha as costas
abertas. — Meus filhos estão aqui.
— Seus filhos são homens na casa dos vinte. Eles
dificilmente ficarão chocados com o meu gosto por um
homem musculoso.
— Se você passasse menos tempo sonhando e dançando,
poderia ter um para si.
Layla estremeceu com a alfinetada. A tia Mehar já tinha
passado da idade considerada para se casar, mas parecia

12
Bindi: Ponto vermelho na testa que representa o terceiro olho.
contente com sua vida de solteira e seu trabalho como
professora de dança em Cupertino.
— Layla precisa de estabilidade em sua vida, não de um ator,
cantor e dançarino sem cérebro na cabeça. — A tia Salena
beliscou as bochechas de Layla. Ela estava tentando casar Layla
desde seu terceiro aniversário. — O que você vai fazer agora?
Quais são as suas intenções?
— Eu estou cheia dos homens, Tia Ji13 — ela disse
afetuosamente.
— Não me chame de tia. — Ela enfiou o cabelo grisalho sob
o lenço bordado. — Eu não estou tão velha.
— Você está velha. — Tia Taara empurrou-a de lado e
entregou a Layla um recipiente Tupperware. — E você está
muito magra. Coma. Eu fiz só para você.
— O que é isso?
Tia Taara sorriu e deu um tapinha na mão de Layla.
— Tenho feito aulas de culinária no YMCA. Estou
aprendendo a fazer comida ocidental, mas adicionei um toque
indiano. Essa lasanha é uma fusão entre América e Índia. Usei
roti em vez de macarrão, acrescentei um pouco de queijo
halloumi e temperei o molho de tomate com chutney14 de
manga e um pouco de pimenta caiena. Prove. — Ela observou
ansiosamente enquanto Layla levantava a tampa.

13
Ji: Modo respeitoso de se chamar alguém mais velho.
14
Chutney: Espécie de molho feito com frutos, açúcar, vinagre e especiarias.
— Parece... Delicioso. — Seu estômago embrulhou quando
ela olhou para a massa congelada de pão ensopado, queijo
derretido e um chutney laranja brilhante.
— Você vai me tirar do mercado. — O pai de Layla arrancou
o recipiente de sua mão e estudou o conteúdo. — Que
combinação de sabores interessante. Vamos provar juntos esta
noite, quando tivermos tempo para apreciar as nuances de sua
criação.
Layla lançou-lhe um olhar de gratidão e ele colocou um
braço em volta dos ombros dela.
— Não coma — ele sussurrou. — Sua cunhada
experimentou o nugget de frango vindaloo15 surpresa dela na
semana passada e ficou doente por dois dias. Se você está
planejando viajar na próxima semana...
— Não estou. Vou ficar aqui. Estou de volta para casa.
Minhas coisas chegarão nos próximos dias.
— Jana, você ouviu isso? — Seu rosto se iluminou de alegria.
— Ela não vai voltar para Nova Iorque.
— E quanto ao seu trabalho? — Sua mãe perguntou, seus
olhos escuros se estreitando.
— Achei que era hora de mudar e queria estar aqui para
poder ajudá-lo... — Sua voz sumiu quando sua mãe franziu a
testa.

15
Vindaloo: Curry extremamente picante
— Ela quer ficar com a gente, Jana — seu pai disse. — Por
que você está olhando para ela assim?
— Não somos velhos. Não precisamos de ajuda. Ela tinha
um bom trabalho. Toda semana eu faço videochamada com ela
pelo zap e ela nunca disse que estava ruim no trabalho.
— Se chama WhatsApp, mãe, e não é tão bom quanto estar
com as pessoas que ama.
— Ela ama sua família. Uma garota tão boa. — O pai de
Layla a envolveu em um abraço, enquanto sua mãe balançava
um dedo de advertência em sua direção. A manipulação
emocional não funcionava com sua mãe. Nem mentiras.
— Me fale a verdade — alertou a mãe. — Quando eu
morrer, você vai sentir a culpa e perceber que...
— Mãe...
— Não. Eu vou morrer.
— Bem. — Layla se afastou do calor dos braços de seu pai.
Era quase impossível mentir para sua mãe quando ela começava
a falar sobre sua própria morte. — Eu fui demitida.
Silêncio.
Layla se preparou para a tempestade. Mesmo que sua mãe
fosse emocionalmente reservada, havia momentos em que se
soltava e, pelo aperto de sua mandíbula, estava claro que aquele
seria um desses momentos.
— Por causa do garoto?
— Indiretamente, sim.
— Ah, beta. — Seu pai estendeu os braços, sua voz calorosa
com simpatia, mas quando Layla se moveu em direção a ele, sua
mãe a bloqueou com a mão.
— Sem abraços para ela. — Ela olhou para Layla. — Eu te
disse. Eu te disse para não ir embora. Nova Iorque é um lugar
ruim. Muito grande. Muitas pessoas. Sem senso de família. Sem
valores. Você estava com namorado após namorado e todos
eram ruins, todos te machucaram. E esse fez você perder o
emprego... — Ela continuou seu discurso,
misericordiosamente mantendo a voz baixa para que as tias não
ouvissem.
Durante toda a sua vida, Layla quis deixar seus pais tão
orgulhosos quanto eles tinham estado com Dev, mas as estradas
tradicionais de sucesso não estavam abertas para ela. Com notas
apenas medianas e nenhum interesse nas carreiras “aceitáveis”
– medicina, engenharia, administração e direito até que vai –
ela trilhou seu próprio caminho. Sim, eles a apoiaram na
faculdade de administração, embora não tenham realmente
entendido sua decisão de se especializar em gestão de recursos
humanos. Seu pai até chorou de orgulho em sua formatura.
Mas por baixo de tudo ela podia sentir sua decepção. E agora
ela desgraçou a si mesma e à família. Não é de se admirar que
sua mãe estivesse tão chateada.
— Volte para Nova Iorque. — Sua mãe acenou para ela em
direção à porta. — Diga que você sente muito. Diga a eles que
foi um erro.
— Não posso. — Sua mãe não conseguia entender o
Facebook. Não tinha como ela explicar o YouTube ou o
conceito de algo viralizando. E a explosão de raiva que deu
início a tudo – a decepção absoluta por ter outro
relacionamento fracassado? De novo? Sua mãe nunca a
perdoaria por ser tão precipitada.
— Eu realmente estraguei tudo desta vez.
Não foi esse o eufemismo do ano. Embora a polícia a tenha
liberado apenas com um aviso, ela passou algumas horas
humilhantes na delegacia algemada e o proprietário a expulsou
de seu apartamento. Mas essas eram coisas que seus pais não
precisavam saber.
Seu pai balançou a cabeça.
— Beta, o que você fez de tão ruim?
Layla encolheu os ombros.
— Não importa. Eu não estava feliz com meu trabalho e eles
sabiam disso. Não gostava de como tratavam as pessoas que
buscavam trabalho como se fossem um estoque. Eles não se
importavam com suas necessidades ou desejos. O objetivo era
manter as empresas clientes satisfeitas. Até falei para minha
chefe que achava que poderíamos ter mais sucesso se
prestássemos mais atenção às pessoas que alocávamos como
prestamos atenção às empresas que nos contratavam, mas ela
não concordou. As coisas começaram a piorar depois disso.
Tenho a sensação de que estava de saída de qualquer maneira,
e o que aconteceu apenas deu a eles uma desculpa.
— Então você não tem emprego, nenhuma perspectiva de
casamento, nenhum lugar para morar... — Sua mãe balançou a
cabeça. — O que fizemos de errado?
— Não se preocupe, beta. Vou consertar tudo. — Seu pai
sorriu. — Seu velho pai está no caso. Enquanto eu estiver vivo,
você nunca terá que se preocupar.
— Ela é uma mulher adulta, Nasir. Ela não é uma garotinha
que quebrou um brinquedo. Ela precisa consertar isso sozinha.
— A mãe de Layla cruzou os braços. — Então? Qual é o seu
plano?
Layla fez uma careta.
— Bem, pensei em morar em casa e ajudar um pouco no
restaurante, e posso cuidar das meninas quando Rhea estiver
ocupada...
— Você precisa de um emprego — afirmou a mãe. — Ou
vai voltar a estudar e obter um diploma diferente? Talvez
medicina, engenharia ou até mesmo odontologia? Seu pai está
com dor de dente.
— Este. — Seu pai apontou para um de seus molares. — Doí
quando mastigo.
Esforçando-se para bolar um plano para apaziguar a mãe, ela
repassou mentalmente as últimas vinte e quatro horas em busca
de inspiração, até que se lembrou de ter tido uma ideia no
caminho para casa.
— Eu vi um dos meus filmes favoritos, Jerry Maguire, no
avião. O herói é um agente esportivo que é demitido por ter
consciência. Ele abre sua própria empresa e só tem Dorothy
para ajudá-lo.
— Quem é esta Dorothy? — Sua mãe perguntou.
— Ela é seu par romântico, mas esse não é o ponto. Eu sou
Jerry. — Ela gesticulou para si mesma, seu entusiasmo
crescendo conforme a ideia se formava em sua mente. — Eu
poderia abrir minha própria agência de recrutamento, mas seria
diferente de outras agências porque o foco estaria nas pessoas
que procuram trabalho e não nos empregadores. Você sempre
me disse que, na história de nossa família, os Patel sempre
foram seus próprios patrões. Bem, eu também quero ser meu
próprio patrão. Eu tenho um diploma em administração.
Tenho quatro anos de experiência em recrutamento. Quão
difícil isso pode ser?
— Muito difícil. — Sua mãe suspirou. — Você acha que
pode simplesmente aparecer um dia e ter um negócio de
sucesso? Seu pai e eu começamos do nada. Preparávamos as
refeições em um fogão elétrico de duas bocas em um
apartamento minúsculo. Nós vendíamos para amigos em
recipientes de plástico. Demorou anos para economizar
dinheiro para comprar nosso primeiro restaurante e mais anos
e muitas dificuldades antes que fosse um sucesso.
— Mas nós podemos ajudá-la, Jana — seu pai disse. — Qual
é a função de aprender todos os truques de administrar seu
próprio negócio se você não pode compartilhá-los com sua
própria filha? Temos até um escritório vazio no andar de cima.
Ela pode trabalhar de lá para que eu possa estar por perto...
— Nasir, você sublocou o escritório para um jovem algumas
semanas atrás. Ele está se mudando na próxima semana.
O coração de Layla afundou e ela engoliu sua decepção.
Claro. Estava perfeito demais. Como ela pôde pensar por um
minuto que seria tão fácil mudar sua vida?
— Está tudo bem, pai. — Ela forçou um sorriso. — Minha
mãe está certa. Você sempre resolve meus problemas. Eu
deveria fazer isso sozinha.
— Não. — A voz de seu pai estava estranhamente firme. —
Não está bem. Vou ligar para o inquilino e dizer que as
circunstâncias mudaram. Ele nem mesmo se mudou, então
tenho certeza de que não será um problema. — Ele sorriu. —
Está tudo resolvido. Você está em casa. Você terá um novo
negócio e trabalhará lá em cima. Agora, só precisa de um
marido e eu posso morrer em paz.
— Não comece a falar sobre morrer também.
Mas ele não estava ouvindo. Em vez disso, estava batendo
palmas para acalmar a conversa.
— Eu tenho uma declaração. Nossa Layla está voltando para
casa. Ela administrará seu próprio negócio de recrutamento em
nosso escritório no andar de cima, então, se vocês souberem de
empregadores que procuram trabalhadores ou pessoas que
precisam de um emprego, envie-os para ela.
Todos aplaudiram. As tias avançaram gritando os nomes de
primos, amigos e familiares que sabiam que estavam
procurando trabalho. O coração de Layla aqueceu. Isso é o que
ela mais sentia falta em Nova Iorque. Família. Eles eram todo o
apoio que precisava.
Seu pai bateu com o punho contra o peito.
— Nossa família está unida de novo. Meu coração está
cheio... — Ele engasgou e se dobrou, seu braço escorregando do
ombro de Layla.
— Pai? Você está bem? — Ela estendeu a mão para segurá-
lo e ele cambaleou.
— Meu coração...
Ela agarrou o braço dele.
— Pai? Qual o problema?
Com um gemido, ele caiu no chão.
— Eu sabia — gritou a tia Lakshmi enquanto Layla caía de
joelhos ao lado do pai. — Eu senti isso vindo.
• •
— Tyler, o motivo pelo qual o chamamos aqui hoje é porque
decidimos demiti-lo. Hoje será o seu último dia.
Conciso. Curto e direto ao ponto. Sam não acreditava em
rodeios quando se tratava de demissões corporativas em massa.
Não havia maneira legal de despedir alguém. Sem palavras
mágicas, metáforas ou banalidades que suavizariam o golpe. Ele
dizia diretamente e lhes dava um momento para absorver a
notícia. Era a maior gentileza que poderia oferecer.
Eu sinto muito, a empresa está reduzindo e temos que demitir
você.
Eu sinto muito, mas seu departamento foi eliminado na
reestruturação.
Eu sinto muito...
Mas não sentia. Seus clientes não o contrataram para ser
legal. Eles o contrataram para ser o vilão, e vilões voavam pelo
país despedindo centenas de pessoas e tornando a vida dos
sobreviventes sortudos um inferno, reduzindo seus benefícios
e salários ao mínimo.
Operações simplificadas para empresas mais eficientes, e
empresas mais eficientes geravam bônus para os acionistas. A
redução de funcionários no meio corporativo não era um
trabalho para os fracos de coração. Ele tinha que bloquear suas
emoções e se tornar o que pagavam para ser: um desgraçado que
arrecadava dinheiro.
Ele olhou para Karen Davies, chefe do departamento de RH
da Kimsell Medical, as pontas de seu cabelo loiro intenso se
curvando sob o queixo. Depois que o conselho de
administração aprovou a recomendação de Sam para uma
grande demissão de 15% para salvar a empresa da falência
iminente, ela solicitou recomendações dos gerentes de
departamento sobre quem deveria ficar e quem deveria sair. No
final das contas, o CEO era o responsável pelas demissões, mas
Karen era o rosto público e era função de Sam ajudá-la.
Com 40 anos e quase 20 de experiência em RH, Karen não
perdia o ritmo. Ela sorriu largamente, cegando o pobre Tyler
com seus dentes recém-clareados.
— Obrigada pelo trabalho que fez aqui. Vou falar um
pouco sobre a logística e depois responder a todas as perguntas
que você possa ter.
— Você tem o direito de consultar um advogado. — Sam
deslizou os documentos legais pela mesa. Por enquanto, tudo
bem. Tyler estava em choque. Se ele se recuperasse rápido
demais, minutos vitais seriam perdidos enquanto eles ouviam
histórias sobre despesas médicas e hipotecas, prestações de
carros e empréstimos estudantis.
Karen ergueu um envelope como se estivesse em um
programa de prêmios, tentando o pobre e confuso Tyler com
um prêmio secreto. Ela estava gostando muito disso. Sam
suspeitava que ela tinha uma tendência sádica que só agora
tinha saído para brincar.
— Se você assinar hoje, podemos lhe dar seu cheque de
rescisão agora ou você pode levar até cinco dias para revisar o
contrato legal com um advogado e esperar. — Seu sorriso frio
alargou-se para revelar os caninos que ela havia reduzido a
pontas afiadas.
Muito poucos esperavam. Atordoados e apavorados, a
maioria deles optava pelo dinheiro fácil. Tyler não
decepcionou. Ele pegou a caneta que Karen havia colocado na
frente dele e assinou na linha pontilhada.
Depois que Karen passou pela logística de rescisão, Sam
acompanhou Tyler para fora da porta.
— Eu sei que tudo isso é um choque, mas pode ser a melhor
coisa que já aconteceu com você. Agora você está livre para
fazer qualquer coisa, ser qualquer pessoa, começar um novo
capítulo em sua vida. Depois de deixar o passado para trás, o
céu é o limite.
— Eu gosto desse discurso — disse Karen quando Sam
voltou.
— Isso não significa nada. — Ele se sentiu compelido a fazer
mais do que apenas dar aos empregados falsos acenos de
despedida depois de sua primeira semana no trabalho, quando
a culpa quase o dominou. Embora ele não pudesse parar o
processo, poderia, pelo menos, dar esperança às pessoas.
— Adoro todo o processo de rescisão. — Karen mexeu no
nó da gravata dele, pressionando a mão livre contra o peito dele.
— Isso me dá uma excitação. Você devia ser roubado no final
de cada dia.
Sam reprimiu um suspiro. Alguma coisa nessas situações de
rescisão fazia com que Karen, Julie, Claire, Alison, Sue e os
ocasionais Paul ou Andrew quisessem arrastá-lo para a cama.
Os gerentes de recursos humanos sempre estavam com tesão.
— Talvez depois de terminarmos, possamos tomar uma
bebida. — Ela lambeu os lábios como um predador prestes a se
banquetear. As Karen eram as piores. Ele raramente ia embora
de um encontro com Karen com todos os botões de sua camisa.
— Achei que você tivesse a custódia dos seus filhos no
divórcio. — Ele tentou não parecer muito esperançoso. — Eles
não precisam de você em casa?
Ela correu um dedo sobre a fivela de seu cinto, a voz dela
caindo para o que ele presumiu ser um ronronar sugestivo.
— Eles têm uma festa do pijama.
Solteiro e com trinta e dois, Sam não achava a palavra festa
do pijama tão excitante quanto Karen claramente achava.
— Ouvi dizer que você era médico. — Ela se inclinou para
acariciar sua mandíbula. — James ganhou um kit médico em
seu décimo aniversário. Eu poderia ser sua enfermeira safada.
Qual é a sua especialidade?
Sam agradeceu a Deus por não ter começado uma residência
em obstetrícia e ginecologia, mas, dada a situação, a cirurgia
cardíaca não era muito melhor. Ele também não pôde deixar de
sentir pena do pobre James, que claramente não tinha sido
perguntado se ele se importava em compartilhar seus
brinquedos com sua mãe.
— Não terminei a minha residência. Eu estava planejando
ser um cirurgião cardiotorácico quando decidi mudar de
carreira.
Ela agarrou a mão dele e a colocou no peito.
— Meu coração está doendo agora. Talvez você possa
consertar.
— Karen... — Sua voz falhou quando as unhas compridas e
vermelhas dela roçaram seu zíper.
— A sala de reuniões está livre e eu tenho a única chave. —
Suas garras travaram em seu cinto e ela tentou puxá-lo para
frente, mas com quase dois metros de altura e 82kg de músculos
malhados, ele não era tão fácil de empurrar ou puxar.
— Por mais tentador que seja, tenho planos para a noite. —
Ele soltou sua mão, garra por garra bem cuidada.
Normalmente, ele não tinha escrúpulos em saciar a sede de uma
gerente de RH bem-disposta com um sexo casual. Com uma
irmã para cuidar e um negócio de redução de pessoal para
administrar, ele não precisava das complicações de um
relacionamento em sua vida cuidadosamente organizada.
Esta noite, entretanto, ele tinha que buscar sua irmã, Nisha,
na reabilitação e então tomar posse de seu novo escritório. Seu
parceiro de negócios, Royce Bentley, havia incitado um
pequeno motim em uma empresa que ele ajudara a reduzir com
seu tratamento cruel do processo de demissão. Os funcionários
descontentes retaliaram vandalizando a sede da Bentley Mehta
World Corporation a ponto de o proprietário rescindir o
contrato de aluguel para fazer uma reforma completa.
— Amanhã então. Vou trazer o kit médico e você pode... —
Ela agarrou a gravata dele e o puxou para perto. — ...Fazer um
exame físico em mim. — Uma declaração, não uma pergunta.
Sam fez uma anotação mental para trazer uma camisa extra.
Ele não tinha coragem de contar que ela não estaria transando
com estranhos na mesa da diretoria por muito tempo. Assim
que terminasse com as demissões em massa, Karen se reuniria
com o CEO para uma versão pessoal de Obrigado e vá embora.
A recomendação de Sam para um corte de 15% em todas as
áreas que incluía o RH.
— Lembre-se daquele discurso — disse ele ao sair.
— Por quê?
— Você pode precisar dele um dia.

•••

Sam estacionou sua BMW M2 preta em frente à Clínica de


Reabilitação Sunnyvale. Com seus vidros escuros e aros pretos
de reposição, seu veículo era mais adequado para um traficante
de drogas do que para um redutor de pessoal corporativo, mas
como ambos eram considerados profissões de má reputação, ele
achou que era uma boa opção. Embora não precisasse da
potência do motor TwinPower Turbo de seis cilindros para
fugir da polícia, ele o salvou mais de uma vez quando os
funcionários que ele demitiu vieram à procura de alguém para
culpar.
Ele verificou as atualizações de tráfego em seu telefone
depois de abrir o porta-malas da cadeira de rodas de sua irmã.
Nisha geralmente ficava exausta após sua visita de reabilitação
e gostaria de voltar para casa o mais rápido possível. Ele tinha
pego as chaves de seu novo escritório com Nasir, duas semanas
antes, e eles concordaram que ele se mudaria hoje. Se o tráfego
estivesse bom, ele deveria ser capaz de realizar as duas tarefas e
chegar à academia para um treino noturno.
— Oi, bhaiya16. — Nisha sorriu, usando a forma afetuosa de
se dirigir a um irmão mais velho. Ela rolou sua cadeira em
direção a ele, lutando por uma lacuna na calçada. Mesmo com
os exercícios que fazia para fortalecer os braços, ela
frequentemente tinha dificuldade em terrenos irregulares.
Dando a si mesmo um chute mental por não recebê-la na
porta, ele correu para ajudar.
— Precisa que eu empurre? — Antes que ela pudesse
responder, ele agarrou as alças e a ajudou a passar pela parte
mais alta.

16
Bhaiya: Irmão, em hindi.
— Eu deveria estar aprendendo a fazer as coisas sozinha. —
Ela afastou o cabelo comprido e escuro de um rosto que era
uma versão mais suave e arredondada do dele.
— Por que se esforçar quando seu irmão mais velho está
parado sem nada para fazer? — Ele abriu a porta do carro e
ajudou-a na transferência, esperando até que ela colocasse o
cinto de segurança antes de guardar a cadeira de rodas.
— Você tem muito o que fazer — ela disse quando ele
entrou no carro. — Você deveria passar suas noites relaxando
com seus amigos ou saindo em encontros com mulheres
gostosas em vez de me levar por aí. Nossos pais ainda estão
esperando por alguns netos.
— Não vai acontecer. — Nisha usava uma cadeira de rodas
por causa dele, porque ele falhou em seu dever de filho.
Relacionamentos eram para homens que podiam proteger as
pessoas que amavam. Nenhum tão focado em sua carreira que
não tivesse visto o perigo até que fosse tarde demais.
— Como foi a reabilitação? — ele perguntou para distraí-la.
— Difícil. — Ela brincou com o cinto de segurança. —
Como foi demitir pessoas?
— É um trabalho, Nisha. Paga as contas. — Ele não amava
o trabalho, mas depois de desistir de seu sonho de se tornar um
cirurgião cardiotorácico e voltar à estudar para concluir um
MBA intensivo de um ano, a oportunidade de ser parceiro de
Royce caiu em seu colo e ele não conseguiu recusar. As contas
médicas de Nisha estavam além de qualquer coisa que seus pais
pudessem suportar e, como único filho homem, era seu dever
garantir que ela recebesse os cuidados de que precisava. Não
que ele a deixasse saber. No que dizia respeito a Nisha, os
pagamentos do seguro do acidente ainda estavam chegando.
— Desculpa. — Ela deu a ele um sorriso arrependido. —
Você sempre parece tão infeliz quando chega do trabalho.
Acho que a última vez que você sorriu foi quando o Oakland
A's se classificou para as eliminatórias.
— Tenho sorrido por dentro durante sua sequência de
quatro anos de vitórias. — Ele era um fã do A's verde e dourado
desde antes que pudesse rebater uma bola, embora ninguém em
sua família compartilhasse seu amor pelo beisebol. — Se você
vier comigo para a Bay Bridge Series este ano, posso até rir
quando eles conseguirem cinco anos.
— Talvez... — Ela desviou o olhar e seu momento de prazer
desapareceu. Nisha nunca saia. Exceto por sua reabilitação e
consultas médicas ou funções familiares obrigatórias,
raramente deixava a casa da família depois de ter tido
experiências ruins com problemas de acessibilidade e passeios
estranhos com seus velhos amigos. Aos 27 anos de idade, ela
deveria estar socializando e correndo atrás de seus sonhos, não
passando todo o tempo em casa fazendo cursos online e
ajudando sua mãe a preparar materiais de ensino para sua turma
de terceiro ano.
E era tudo culpa de Sam.
Nisha concordou com um casamento arranjado tradicional
quando terminou o curso universitário. Empolgado com a
perspectiva de ter netos para pular em seus joelhos, o pai de Sam
postou seu currículo de casamento online. Certa noite, durante
os drinques, Sam mencionou casualmente a busca de sua irmã
por um marido para o Dr. Ranjeet Bedi, um cirurgião
cardiotorácico altamente respeitado no hospital onde Sam era
residente. Depois de revisar o perfil online de Nisha, Ranjeet
solicitou uma apresentação. Apesar da diferença de idade de
quinze anos, Ranjeet e Nisha se conectaram. As famílias
fizeram a devida diligência e aprovaram a união. Seis meses
depois, Nisha se casou com um monstro.
— Você pode ficar para o jantar?
— Não essa noite. Vou tomar posse do meu novo escritório
depois de deixar você. — Ele olhou para frente para que não
pudesse ver a decepção no rosto dela.
Nisha sempre perguntava e Sam sempre recusava. Ele
passava o mínimo de tempo que podia com sua família. Incapaz
de lidar com o fato de Ranjeet nunca ter sido responsabilizado
por seu crime, Sam deu as costas a todos e a tudo que pudesse
ser culpado – desde a cultura que abraçava casamentos
arranjados até o hospital que se recusou a conduzir uma
investigação no “acidente” que acontecera em sua propriedade,
e desde a comida que ele amava até a família que deveria ter
revelado a verdadeira natureza do homem que se casou com
Nisha.
— Você entende a ironia de alugar um escritório acima de
um restaurante indiano com estrela Michelin? Será um
verdadeiro teste de força de vontade para não comer a comida.
— Fica perto do Hospital St. Vincent.
— Sam... — Ela deu a ele um olhar de dor. — Por favor. Eu
disse para você deixar para lá.
Nisha tinha apenas memórias parciais do acidente. Ela se
lembrava de ter ido ao hospital encontrar Ranjeet para almoçar,
uma discussão na escada e, em seguida, acordar na sala de
emergência. Ranjeet ofereceu uma versão diferente dos
eventos. Na verdade, eles se encontraram para almoçar. Eles
discutiram no refeitório durante longas horas. Ela ficou
chateada porque ele teve que cancelar seus planos para o jantar
e fugiu. Ele voltou ao seu escritório. Meia hora depois, ele foi
chamado ao pronto-socorro.
O hospital não viu motivo para investigação. Não havia
razão para duvidar da palavra de um cirurgião altamente
respeitado que exercia um poder significativo no hospital,
especialmente porque seu colega da psiquiatria disse que não
era incomum para vítimas de trauma juntar histórias de
memórias fragmentadas. Eles entregaram o assunto às
seguradoras. No que diz respeito ao hospital, o caso foi
encerrado.
Mas Nisha continuava a insistir que sua história era
verdadeira. Depois do casamento, ela descobriu que Ranjeet
tinha um problema com a bebida e um temperamento cruel.
Embora ele nunca tivesse sido fisicamente abusivo, sua raiva e
ataques verbais a assustavam. Não era impossível imaginar que
havia perdido o controle.
Claro, Sam acreditou nela. Ele nunca tinha visto sua irmã
ter tanta certeza de nada. Ele a ajudou a se divorciar de Ranjeet
e então começou sua própria investigação, estimulado por
rumores de um encobrimento. Mas a cada passo, o hospital o
fechava. Desencantado com um sistema que protegeria alguém
cujas ações eram um anátema para os princípios fundamentais
da medicina, ele foi embora.
Ainda assim, ele não havia perdido a esperança de um dia
levar Ranjeet à justiça, e isso significava manter o controle sobre
o cirurgião mantendo contato com a equipe do hospital e os
amigos que fizera durante sua residência. Um dia Ranjeet iria
revelar sua verdadeira natureza e Sam estaria lá para pegá-lo.
— Acho que o novo escritório vai dar certo. — Nisha
apontou para um carro fúnebre que acabara de entrar na rua na
frente deles. — É um bom presságio encontrar um cadáver
quando inicia uma jornada.
— Você está passando muito tempo com a minha mãe. —
Sam parou na frente da casa da família, uma estilo fazenda
amarela de quatro quartos e um andar que eles reformaram
para acomodar a cadeira de rodas de Nisha.
— E você não passa o suficiente.
— Não se preocupe comigo, Nisha.
— Eu me preocupo. — Ela se inclinou e beijou sua
bochecha. — Você não pode viver a vida sozinho.
• •
Sam subiu rapidamente as escadas para seu novo escritório,
com uma caixa com materiais de escritório debaixo do braço.
Os aromas de curry, coentro e incenso suave permeavam o ar,
fazendo seu estômago roncar. Um acidente na I-280 significava
que a viagem de uma hora tinha atrasado mais quarenta e cinco
minutos, e ele teria que se apressar se quisesse se exercitar antes
que a academia fechasse.
Ele chegou ao segundo andar e caminhou pelo corredor,
seus passos abafados pelo tapete verde menta que combinava
com o papel de parede estampado nas paredes. A porta de vidro
fosco do escritório estava entreaberta.
Intrigado, Sam empurrou-a e entrou na pequena recepção.
O crepúsculo fluía pelas grandes janelas do outro lado do
escritório moderno de plano aberto, espalhando dedos
alaranjados relaxados sobre o piso de madeira polida. Uma
pilha de caixas cambaleava deselegantemente na mesa de bordo
da recepção, e um sofá roxo medonho tinha sido colocado
contra a parede ao lado de uma mesa de vidro com uma base de
elefante de cerâmica com lantejoulas. Sam tinha pouco
interesse em decoração de interiores, mas a combinação
ofendeu até mesmo suas sensibilidades estéticas pouco
estudadas.
Atravessando o piso, passando pela recepção, ele entrou no
escritório propriamente dito. Recentemente reformado e com
janelas do chão ao teto, piso de madeira polida e paredes de
tijolos expostos, o escritório espaçoso também tinha uma sala
de reuniões privativa e uma pequena cozinha. Nasir havia
mobiliado o escritório com uma grande mesa de cerejeira para
a diretoria e duas escrivaninhas, uma multicolorida e feita de
hastes de metal e vidro por um obscuro designer de interiores
chamado Eagerson, e a outra uma mesa tradicional de dois
pilares feita de jacarandá e latão niquelado. Sam havia
reivindicado mentalmente a mesa tradicional; o Eagerson era
mais o estilo de Royce.
E então ele a viu, mexendo em uma pilha enorme de papéis
em sua mesa de jacarandá.
Ela estava na casa dos vinte e poucos anos, seu longo cabelo
escuro com mechas azul elétrico e amarrado em um rabo de
cavalo que roçava a curva graciosa de seu pescoço fino. Cílios
longos e grossos roçaram suas bochechas de um bronze suave e
seus lábios carnudos cintilavam.
Ele tossiu.
Ela gritou.
Ele recuou alguns passos, mas não rápido o suficiente para
evitar a enxurrada de materiais de escritório lançados em sua
direção. Borrachas pequenas ricochetearam em seu peito e um
lápis afiado quase arrancou seu olho. Quando ela ergueu um
grampeador, ele ergueu a mão livre, com a palma para frente em
um gesto de rendição.
— Você realmente quer agravar seus crimes adicionando
agressão, ou mesmo assassinato, à acusação de invasão? — Ele
perguntou, incapaz de conter sua irritação.
— Quem é você? O que você está fazendo aqui? — Ela
agarrou o celular da mesa, brandindo-o como uma arma. —
Responda ou vou chamar a polícia.
— Por favor, chame. Então você pode explicar a eles o que
está fazendo no meu escritório.
— Este é o meu escritório. — Ela bateu com o grampeador
na mesa. — Meu pai aluga este espaço, bem como o restaurante
no térreo.
— E você é...? — Linda. Peituda. Assustada. Furiosa. Uma
série de adjetivos vieram à mente, não menos dos quais
descrevia seus seios generosos e curvas exuberantes. Pena que
ela tinha um péssimo gosto musical. Ela tinha comprado aquela
camiseta lamentável do Nickelback num brechó? Ou era
realmente uma fã?
— Layla Patel. Nasir Patel é meu pai.
— Vou precisar ver alguma identificação. — Ele estendeu a
mão, gesticulando com impaciência.
— Sério? — Seus olhos se arregalaram e suas narinas
dilataram. — É esta a nova forma de invasão de propriedade?
Pedem a identidade para ter certeza de que está roubando o
lugar certo? Que tal você me dar sua identidade para que eu
possa dizer à polícia quem prender?
Sam acrescentou mais alguns adjetivos à sua lista: irritável,
sarcástica, atrevida. Ele quase não conseguia acreditar que era a
filha do famoso dono de restaurante indiano que havia
transformado sua etnia em uma marca.
— Bem...
Ele tentou pensar em algo inteligente para dizer. Qualquer
coisa. Ele estava acostumado a estar no controle de todas as
situações e a lidar com dilemas de forma rápida e decisiva, mas
quanto mais olhava para ela, menos era capaz de comandar seu
poder de fala. Tudo nela era tão vívido, tão vibrante, desde o
brilho de suas botas de cano alto até o fogo que ardia em seus
olhos.
— Sam. — Por um segundo, ele esqueceu seu sobrenome.
— Sam...
Seus lábios se curvaram nos cantos.
— SamSam? Esse é o seu nome?
— Sam Mehta. — Ele se recompôs e deu um passo em
direção a ela, a mão estendida, como se estivesse conhecendo
um colega de trabalho e não uma bela intrusa com a boca mais
sensual que já vira. — CEO da Bentley Mehta World
Corporation, consultores corporativos. Estou sublocando este
escritório do Sr. Patel.
Seus olhos brilharam divertidos. — Esse é um belo título.
— Eu sou um belo cara. — Um pouco de flerte nunca
deixava de acalmar uma mulher zangada. Ele precisava
diminuir a tensão no cômodo para que pudesse descobrir a
melhor maneira de convencê-la a ir embora sem correr o risco
de outro ataque com material de escritório. Este era seu
escritório. Ele assinou um contrato de aluguel e pagou com um
depósito enorme. Talvez seu pai não tivesse compartilhado essa
informação com ela, mas ela sabia agora, e era hora dela pegar
suas coisas e ir embora.
— Bem, cara. — Seu tom afiado sugeria que seu
comportamento de flerte não teve o efeito desejado. — Sinto
muito, mas você terá que encontrar outro lugar para
administrar sua corporação mundial.
Sam não sabia por que o nome de sua empresa era objeto de
tal chacota. Muitos de seus clientes eram empresas
internacionais de alto padrão, com escritórios em dezenas de
países.
— Tenho uma cópia impressa do contrato de locação. —
Ele colocou a caixa na mesa de vidro e puxou o acordo. — Você
promete não me atacar se eu levar para você? Assassinato é um
crime condenável e vinte anos à perpétua é um preço alto a se
pagar por um lugar para guardar o sofá mais feio do planeta.
— Não é um sofá. — Ela fungou. — É um divã. E foi um
presente da minha tia.
— Que pena.
— Não para as pessoas que se sentam ali. É extremamente
confortável. — Ela estendeu sua mão. — Deixe-me ver o
contrato.
Ele se aproximou com o documento, mantendo um olho na
mão livre dela caso ela de repente pegasse uma tesoura.
— Senhor Patel...
— Meu pai.
— O senhorio. — Ele não iria deixá-la levantar um
problema com ele. — Me deu as chaves há duas semanas. Ele
me disse que tudo estava em ordem.
Ela folheou o contrato de aluguel.
— Ele mencionou brevemente que havia alugado este
espaço. Disse que ligaria para você e avisaria que não estava mais
disponível.
— Ele não ligou.
— Obviamente. Ele teve um infarto e agora está no hospital
se recuperando.
Sam se irritou com seu sarcasmo. Ele estava acostumado
com mulheres derretendo a seus pés. Karen tinha acabado de
mandar fotos provocantes dela mesma na sala de reuniões em
poses sensuais e um kit médico de plástico na mão. Como ele
iria domesticar esse gato selvagem? Aumentava o charme?
Acalmá-la com sua voz grave? Deslumbra-la com seu grande
sorriso?
— Eu entendo que é um momento difícil — ele murmurou
em tom simpático que reservava para funcionários que não
eram tão complacentes quanto Tyler e sentiam a necessidade
de compartilhar com ele os detalhes de doenças, acidentes,
hipotecas, crianças doentes, pais enfermos, férias planejadas,
financiamento de carro e compromisso com aluguel. A vida era
uma tragédia cara. Mas ele tinha um trabalho a fazer. Nada
jamais o abalou, nem mesmo as mulheres que ofereciam seus
corpos por uma chance de manter seus empregos.
— Então você sabe por que terá que aceitar minha palavra
de que meu pai pretendia rescindir o contrato.
— Receio não poder fazer isso — disse ele com firmeza. —
Eu já organizei a mudança. Placas e papelaria estão a caminho,
e um cliente vem me ver logo de manhã. Quando seu pai se
recuperar, tenho certeza de que poderá resolver o problema,
mas enquanto isso, tenho um negócio para administrar.
Ela inclinou a cabeça para o lado.
— Que tipo de negócio?
Meiga e sexy. Pena que tinha pavio curto.
— Redução corporativa. — Ele cruzou a sala e puxou uma
pilha de arquivos da caixa, jogando-os sobre a mesa Eagerson
tragicamente moderna. — As empresas nos chamam quando
precisam se reestruturar ou reduzir, quando estão com
dificuldades financeiras ou se houver uma fusão e aquisição
que envolva a reavaliação das necessidades de pessoal.
Revisamos sua posição financeira, fazemos recomendações
para cortes e reestruturações e auxiliamos no desligamento de
funcionários desnecessários. Meu parceiro lida com clientes
internacionais. Eu lido com empresas nacionais com um foco
particular em saúde. Também temos uma equipe de seis
pessoas que trabalham remotamente.
Ela deu uma fungada desdenhosa.
— Que irônico. Estou montando uma consultoria de
recrutamento. Eu encontro empregos para as pessoas e você os
manda embora. Quem iria imaginar.
— As empresas podem ser mais eficientes quando se livram
do peso morto. — Ele tirou os lápis da caixa um a um,
alinhando-os ordenadamente no lado direito da mesa. — Isso
significa produção mais rápida e melhores produtos e serviços
para os clientes. É uma situação em que todos ganham. — Ele
desejou que ela se movesse da mesa para que pudesse ver se ela
tinha uma bunda que combinava com aquelas curvas. Se ele ia
perder tempo se deixando levar nessa conversa sem sentido,
poderia muito bem apreciar a vista.
— Exceto para as pessoas que perdem seus empregos.
Ah, um coração mole. Ele devia ter adivinhado.
— É por isso que existem pessoas como você. Eu as liberto e
você as transforma no problema de outra pessoa.
Ela respirou fundo e o olhou feio. Ele definitivamente tinha
cutucado uma ferida com isso.
— Elas não são um “problema”. São pessoas que estão
desempregadas porque abutres corporativos, insensíveis e frios
como você só se preocupam com os resultados financeiros.
Ele se encolheu por dentro. Não porque tivesse vergonha de
sua escolha de carreira – ele estava orgulhoso do que havia
conquistado nos últimos dois anos e meio –, mas porque ela
tinha lhe pegado de jeito. Ele nunca tinha sido capaz de se livrar
da culpa de trabalhar com Ranjeet dia após dia e não ver quem
ele realmente era. Ele havia bajulado o homem que tinha feito
sua irmã sofrer em vez de protegê-la como um irmão deveria
fazer.
— Isso é incrivelmente ingênuo. Nenhuma empresa pode
reter sua equipe indefinidamente. Mudanças de tecnologia,
funções que podem ser automatizadas e pessoas que perdem o
incentivo para inovar ou se destacar quando sua posição está
garantida.
Suas mãos encontraram seus quadris bem generosos. Se era
um truque para chamar a atenção para suas curvas suaves e
exuberantes, funcionou porque ele não conseguia desviar os
olhos.
— Meu pai nunca demitiu um funcionário e eles são tão
trabalhadores e eficientes tanto quanto eram quando os
contratou. — Ela contornou a mesa e ele sofreu um momento
de congelamento cerebral. Droga, ela era o pacote completo.
Rosto bonito. Corpo sexy. Pernas longas. E essas botas...
— Não se preocupe em desempacotar o resto — ela disse,
rasgando o contrato pela metade. — Estou expulsando você
agora.
Ela era quase tão obstinada e teimosa quanto ele. Mas ele
tinha um gosto muito melhor para móveis.
Ele deu uma risada.
— Eu gostaria de ver você tentar.
— Tenho certeza que sim — ela retrucou. — É
provavelmente a única maneira de você conseguir uma mulher
perto de si com esse ego gigante no caminho.
— Eu, dificilmente, estou carente de companhia feminina.
Layla revirou os olhos de uma forma excessivamente
dramática.
— Não estou interessada em saber de suas visitas à
manicure. Eu só quero que você vá embora.
— Isso não vai acontecer, querida. Tenho o documento em
formato digital e a lei ao meu lado.
— Família supera a lei. — Ela cruzou os braços sob os seios
generosos. O suor escorreu por suas costas. Karen não se
comparava a esta mulher, mesmo com seu uso criativo de um
medidor de pressão arterial de brinquedo.
— Não no mundo real. Meu advogado trabalha lá em cima.
Se você precisar de mais provas, posso pedir a ele para se juntar
a nós e confirmar se o aluguel é válido. — O advogado e amigo
íntimo de Sam, John Lee, tinha conectado Sam com Nasir Patel
quando descobriu que Nasir estava procurando um inquilino.
Seu olhar se desviou para a porta parcialmente aberta, uma
expressão presunçosa se espalhando por seu rosto quando uma
mulher entrou carregando uma sacola multicolorida contendo
um cachorro branco fofo, seu pescoço adornado com um
enorme laço azul. Tudo sobre a visitante gritava problema,
desde a camiseta cortada do Slayer até a saia jeans cortada, e
desde a meia-calça roxa estrategicamente desfiada até os grossos
sapatos pretos que pareciam ter sido mordidos por ratos. Seu
cabelo escuro na altura dos ombros tinha sido tingido de rosa
na parte inferior, e ela tinha um pequeno anel de prata no nariz.
— Daisy! — Layla deu a volta na mesa para cumprimentar
sua convidada. — E você trouxe Max! Deixe-me dar um abraço
nele.
O pulso de Sam disparou e ele reajustou sua fileira de lápis,
garantindo que estivessem perfeitamente iguais.
— Ei, gata. Como está no lugar novo? — Daisy soltou o
animal para Layla, que deu um abraço rápido antes de colocá-
lo no chão para vagar sem restrições pelo escritório de Sam.
— Surpreendentemente ocupado. — Layla gesticulou para
Sam e Daisy se virou para encará-lo como se o notasse pela
primeira vez.
Naquele momento, enquanto o olhar dela vagava
descaradamente para cima e para baixo em seu corpo, Sam
percebeu três coisas: primeiro, eles nunca se dariam bem;
segundo, seu caminho para a posse silenciosa do escritório
acabara de se tornar exponencialmente mais difícil; e terceiro,
nem seu charme nem sua boa aparência iriam acalmar essa
criatura selvagem.
— Quem é? — Daisy estreitou o olhar quando o cachorro
cheirou seus sapatos de couro italiano.
— Sam Mehta. — Layla respondeu por ele. — Diz que meu
pai alugou o escritório para ele antes de ter o infarto e se recusa
a sair. — Layla gesticulou para sua amiga curiosa. — Sam, esta
é minha prima Daisy Patel. Ela é engenheira de software, mas
atualmente está fazendo bicos.
Sam nunca conheceu uma mulher mais inadequada ao
nome de uma flor normalmente associada à felicidade e alegria.
Ele deu a ela um breve aceno de cabeça e recebeu uma bufada
em troca.
— Ele parece chato para caralho. Não admira que esteja
tendo problemas para sair pela porta.
Sam deu uma fungada afrontada.
— Perdão?
— Fora. — Daisy apontou para a porta. — Fora com seu
rosto bonito, cabelo perfeito, terno caro e corpo de dar água na
boca. O pai dela acabou de ter um infarto. Você não tem senso
de decência humana?
— Absolutamente não. — Ele puxou outro arquivo de sua
caixa e o jogou na mesa, com mais força do que necessário.
— Absolutamente não, não vou sair ou absolutamente não,
não tenho decência humana?
Sam não se dignou a responder a sua pergunta ridícula.
— Tenho trabalho a fazer.
— Devo chamar alguém para dar umas porradas nele? —
Daisy perguntou, virando-se para Layla. — Que tal os gêmeos
Singh? Eles estão em casa de licença da Guarda Nacional. Ou
que tal Bobby Prakash? Ele é o segurança-chefe daquele novo
bar em Chinatown. Ele disse para ligar se eu precisasse de
alguma coisa.
Sam tentou não ouví-las quando elas começaram uma
conversa sobre o criminoso Bobby Prakash que virou
segurança, sua infância, problemas com a lei, amigos
gângsteres, namoradas, família e jibóia de estimação. Isso era
exatamente o que ele estava tentando evitar quando assinou o
contrato. Ele não estava interessado em um escritório cheio de
conversa, caos e barulho. Ele queria trabalhar num ambiente
calmo e pacífico, onde não houvesse ninguém vagando pelos
corredores, batendo portas, conversando ao lado da fonte de
água ou dando descarga quando estava tentando trabalhar.
— Sam tem um contrato de aluguel — disse Layla,
chamando a atenção de Sam com o uso de seu nome. — Bobby
não pode expulsá-lo se estiver na legalidade.
— O nome é Sr. Mehta — Sam interrompeu. — Sam é para
amigos.
— Você tem amigos? — Daisy perguntou. — Você não
parece ser esse tipo.
— Claro que tenho amigos. — Ele havia perdido contato
com muitos deles após o acidente de Nisha, mas ainda via John
regularmente na academia, junto com seu parceiro de treino
Evan.
— Eles são imaginários ou reais? — Daisy deu-lhe um
sorriso condescendente. — Estou supondo que seja imaginário
porque ninguém quer ser amigo de um idiota.
Sam fez uma careta.
— Este é um local de negócios. Se você deseja socializar,
sugiro que vá para outro lugar.
— Ele é fofo quando está irritado — disse Daisy. — Talvez
você devesse mantê-lo por perto para ser um colírio para os
olhos.
Layla deu a ele um olhar de soslaio por entre os cílios dela.
— Não o elogie. O ego dele já é muito grande, o botão de
sua camisa está prestes a estourar.
As mulheres riram e a mandíbula de Sam apertou. As
mulheres o adoravam. Os homens o admiravam. Os
funcionários o detestavam. Mas ninguém nunca, nunca o
dispensava.
— Ele está, de fato, sentado bem aqui.
— Estamos muito cientes da sua presença. — Daisy lançou-
lhe um sorriso sensual. — É difícil não perceber o vapor saindo
de seus ouvidos.
Layla suspirou.
— O que vou fazer com ele?
— Talvez se o ignorar, ele vá embora. Acho que ele está
desesperado por atenção. Max era o mesmo quando filhote.
Sempre choramingando, batendo o rabinho, urinando nos
cantos... — Ela fez uma careta e olhou ao redor da sala. — Há
quanto tempo Sam está aqui? Talvez seja melhor você fazer um
teste de cheiro.
O olhar de Layla se ergueu para Sam e depois se afastou, mas
não antes de ele captar o mais leve indício de um sorriso. Apesar
do mau gosto para roupas, parentes e móveis, ela parecia um
tanto estável. Se ele pudesse ficar sozinho com ela, não teria
dificuldade em convencê-la a mudar seu negócio. Daisy, por
outro lado, claramente seria um problema. Ele conhecia seu
tipo. Perspicaz demais. Vivida demais. E tagarela até demais.
Ele esvaziou sua caixa enquanto as mulheres continuavam a
falar sobre assuntos pessoais não destinados aos ouvidos de um
homem. Daisy, ao que parecia, tinha um gosto indiscriminado
quando se tratava de casos amorosos e um estoque infinito de
anedotas de encontros que deram errado. Layla falava
depreciativamente sobre alguém chamado Jonas e um evento
infeliz que ela chamou de “Fúria Azul”. Ele se inclinou um
pouco mais perto, embora não soubesse por quê.
— Você sabe o que Jonas fez enquanto eu estava
menstruada? — Layla perguntou, sem fazer nenhum esforço
para abaixar a voz para o que claramente seria uma discussão
sobre assuntos íntimos femininos.
Sam se levantou abruptamente, empurrando a cadeira para
trás da mesa com tanta força que bateu na parede.
Daisy sorriu.
— Algo errado?
— Eu tenho um compromisso prévio, mas tenho certeza de
que estarei de volta pela manhã para resolver isso. — Ele
colocou seus lápis de volta na caixa, um por um, antes de pegar
sua bolsa de malhação.
— Se você precisa voltar, traz café — Layla gritou.
— O dobro de creme e açúcar para mim — Daisy gritou. —
Layla gosta do dela marrom.
— Marrom? — Ele olhou para trás por cima do ombro.
— Como os homens dela. — Daisy riu tanto que caiu da
mesa, espalhando os papéis e canetas de Layla pelo chão. O
cachorro latiu em alerta e derrubou uma cesta de lixo enquanto
corria para Daisy, pulando sobre ela e lambendo seu rosto.
Sam olhou para a cena atrás dele – seu escritório perfeito
agora o caos em sua forma mais pura.
Ele não conseguia se imaginar num inferno maior.
• •
Geralmente, a rotina simples a acalmava.
Sovar a massa – apertar, enrolar, pressionar e massagear – até
suas mãos doerem e seus dedos enrijecerem. Se a cozinha
estivesse muito quente ou a massa muito macia, ela teria que
amassar por até vinte minutos para obter o ponto certo. Parar
para descansar não era uma opção. Roti, um pão redondo e
fino semelhante a uma tortilha, era uma criatura implacável.
Relaxava e não inflaria na frigideira. Então ela teria que
começar a sequência de novo.
Hoje, porém, ela queria socar a massa. Não apenas porque
festejou um pouco demais com Daisy na noite anterior, mas
porque seu plano perfeito de reinvenção estava sendo frustrado
pelo coração fraco de seu pai e uma bunda atraente.
O cheiro de tadka17, quando as especiarias atingiram o óleo
fumegante na frigideira de Tia Pari, a distraiu de seus
pensamentos sobre seu indesejado hóspede no escritório. Não
havia nenhum cheiro tão inerentemente indiano, e isso lhe
trazia de volta memórias reconfortantes de jogos com Dev na
cozinha depois de um longo dia na escola.

17
Tadka: É uma técnica de temperar que consiste em colocar os temperos em óleo quente
para dar mais sabor e cheiro à comida.
— Como está seu pai? — Daisy cortava uma cebola no
balcão ao lado de Layla. Apesar de estar de ressaca, ela tinha
vindo ajudar naquela manhã, junto com algumas tias,
enquanto Layla e sua mãe estavam no hospital.
Layla encolheu os ombros.
— Ele está em coma induzido para ajudá-lo a se curar da
cirurgia cardíaca. O médico disse que é rotina, mas é difícil vê-
lo deitado tão quieto.
— É estranho estar na cozinha apenas com sua mãe gritando
— disse Daisy. — Parece quase silencioso.
O chef assistente de longa data, Arun Shah, entregou a
Daisy outro saco de cebolas.
— Nosso novo chef assistente a chama de Sra. Gordon
Ramsay pelas costas.
Layla riu da referência ao chef britânico conhecido por
abusar verbalmente de sua equipe. Embora ela parecesse quieta
e de fala mansa em público, sua mãe tinha uma voz forte na
cozinha e era abrupta e implacável quando estava estressada.
Ela esperava muito de sua equipe, mas não mais do que
esperava de si mesma. E embora pudesse ser grossa, ela sempre
foi justa e infalivelmente gentil. Como resultado, a rotatividade
da equipe era baixa e muitos, como Arun, estavam com a
família desde que o Spice Mill abriu suas portas.
— Onde está o camarão? — A mãe de Layla gritou,
ajustando o boné dos Giants que ela sempre usava quando
estava cozinhando, sua longa trança enrolada por baixo. Ela era
uma fã de longa data dos Giants e havia passado seu amor pelo
time para Layla.
— Um minuto, Chef.
— Arun, eu vi caracóis se moverem mais rápido do que
você. Vá buscar.
— Camarão na janela. — Arun colocou um prato no
balcão, pronto para ser servido.
A mãe de Layla o espetou com um garfo.
— Cozido demais. O que há de errado com seus olhos? Você
está ficando muito velho para a cozinha?
— Não, Chef. — Arun correu até o fogão a gás. —
Desculpe, Chef. Três minutos e terei outro prato pronto.
— E você. — A mãe de Layla cutucou a massa enquanto ela
passava. — Massageie mais. Pressione menos.
— Isso é o que eu disse no fim de semana passado na cama
— Daisy sussurrou.
Layla riu enquanto seus dedos afundavam na massa macia e
quente.
— Com quem você estava?
— Meu instrutor de dança de Bollywood. Não consegui
evitar depois que ele nos ensinou “Dard-e-Disco”. Ele se parece
com Shah Rukh Khan, que é o único ator das antigas de
Bollywood por quem eu realmente tenho uma queda.
Daisy enxugou uma lágrima com as costas da mão. Havia
truques para cortar cebolas e ela tinha se esquecido de usá-las.
— Você tem que vir na próxima aula. Você é uma dançarina
incrível. Sempre pensei que seria a próxima tia Mehar quando
tivesse idade suficiente para ser tia.
— Isso era pra ser um elogio? — Layla sempre gostou de
dançar no estilo Bollywood. Ela aprendeu sua primeira dança
com a tia Mehar e teve aulas durante anos, culminando em uma
apresentação de “Nagada Nagada” em seu show de talentos do
colégio com Daisy e um punhado de amigos. — De qualquer
forma, eu não danço há anos.
— É como andar de bicicleta — disse Daisy. — Se lembra
disso? — Ela largou a faca e dançou alguns passos, as mãos
balançando de um lado para o outro enquanto cantarolava o
refrão da canção familiar. Layla parou de amassar para cantar e,
por um momento, não havia Jonas ou “Fúria Azul”, nenhum
homem sexy-porém-irritante em seu escritório, e seu pai estava
prestes a passar pela porta e abraçar seus problemas.
— Isso é Bollywood ou um restaurante? — A mãe de Layla
balançou a cabeça. — Agora você precisa começar de novo. Eu
preciso separar vocês duas como fazia quando eram pequenas?
Sozinhas, são boas meninas. Juntas, são malandras.
Daisy baixou a cabeça fingindo vergonha.
— Desculpe, Tia Jana.
— Ei, gata. — Danny Kapoor, o novo chef assistente de sua
mãe, juntou-se a elas no balcão. Com seus grandes olhos
castanhos de cachorrinho, lábios sensuais, cabelo escuro e
espesso e maçãs do rosto salientes, Danny era mais adequado
para desfilar numa passarela do que ficar atrás de um fogão – e
ele sabia disso. Mesmo no meio da preparação da refeição, sua
camisa estava aberta um botão a mais e seus quadris se moviam
de maneiras que eram respeitáveis apenas em um filme de
Bollywood. Layla se encontrou com ele algumas vezes quando
tinha vindo para casa para visitar, mas eles nunca tiveram uma
conversa de verdade.
— Ouvi dizer que você está passando por uma situação
difícil — sua voz suave fluiu sobre ela como um doce caramelo
líquido enjoativo enquanto ele se colocava entre Layla e Daisy.
— Só queria que você soubesse que eu já passei por isso, e se
precisar conversar...
— Ela tem a mim — Daisy retrucou.
— Claro que ela tem — ele disse suavemente. — Só quis
dizer que se ela quisesse a perspectiva de um cara ou precisasse
de um apoio extra, estou sempre aqui. — Ele abriu seu sorriso
encantador para Daisy, que agora estava ocupada soletrando
canalha em fatias de cebola na tábua de cortar.
Layla conheceu mais de um canalha em sua busca para
entorpecer a dor da morte de Dev. Atraentes, charmosos, mas
notoriamente egoístas e negligentes com suas ações em geral,
não se importavam como afetavam outras pessoas, contanto
que conseguissem o que queriam e se divertissem enquanto
faziam isso – e estava muito claro onde estavam os interesses de
Danny.
— É muito gentil, Danny. Agradeço, mas eu não estou...
— Você ainda está sofrendo, gata. Entendi. Amanhã,
quando você estiver pronta, estarei aqui para te ajudar.
— Como vai a sua namorada? — Daisy perguntou em voz
alta.
— Ela está bem. — Ele se encostou no balcão,
aparentemente despreocupado em ser provocado. — Ela viaja
muito por causa do trabalho. Acho que ela está em Paris agora,
então tem um espaço vazio na minha cama esperando para ser
preenchido.
— Danny! — A mãe de Layla gritou do outro lado da
cozinha. — Eu não estou te pagando para ficar de conversinha.
As batatas não vão se descascar sozinhas.
— Mais tarde, gata. — Ele mandou um beijo para Layla.
Daisy fingiu vomitar.
— Ele é inofensivo — disse Layla. — Talvez ele seja o que
eu preciso para superar Jonas. Sexo sem nenhuma conexão
emocional.
— Achei que era o que você teve nos últimos cinco anos.
— Sobre o que vocês estão sussurrando? — Tia Pari gritou,
os braços afundados no espinafre até os cotovelos. — Não
sobre homens, espero. Esses jovens de hoje...
A Tia Charu passou com uma cesta de quiabo.
— Não dê ouvidos a ela. Uma separação inesperada pode
causar um sofrimento psicológico considerável. A dor social foi
associada a um risco vinte vezes maior de desenvolver depressão
no próximo ano. É importante contar com o apoio da família e
dos amigos. Você descobrirá que a atividade cerebral nos
centros de desejo terá diminuído significativamente após cerca
de dez semanas.
— Na verdade, já se passaram quase duas semanas e eu nem
penso mais nele — declarou Layla.
— Então você não estava verdadeiramente envolvida
emocionalmente nesse relacionamento — disse Tia Charu. —
Ou é uma psicopata.
— Definitivamente uma psicopata. — Daisy fatiou
furiosamente, dizimando a cebola enquanto as lágrimas
escorriam pelo seu rosto. — Ela não sentiu nada quando
roubou as pakoras18 da minha cesta de almoço na sexta série.
Tia Charu equilibrou a cesta em um quadril e ajustou seus
óculos.
— A distração e o autocuidado são importantes para evitar
uma resposta de desejo na área tegmental ventral, no nucleus
accumbens e no córtex orbitofrontal/pré-frontal.
— Acho que ela está dizendo, com seu jeito estranhamente
complicado, que acha que você deveria ficar com o canalha do
Danny — disse Daisy. — Pena que a criatura sexy lá de cima é
um pedaço de...
— Shhh. — Ela não tinha contado a sua mãe sobre Sam,
pelo simples motivo de que sabia que sua mãe lhe diria para
deixar Sam ficar com o escritório. Mas não era certo. Seu pai

18
Pakora: Prato muito condimentado feito com vegetais, ervas e especiarias.
pretendia ligar para ele. E era apenas do senso comum se afastar
quando o pai de alguém estava no hospital e seu último desejo
tinha sido que sua filha trabalhasse no andar de cima.
Layla apertou a massa macia, imaginando que era a cabeça
de Sam. Apertou. Bateu. Socou. Acotovelou. Qualquer coisa
para limpar aquela expressão presunçosa de seu rosto. Ela
deveria apenas tê-lo expulsado e lidado com as consequências
mais tarde. Afinal, ela era a rainha das decisões precipitadas.
— Você faz o que for preciso para se tornar feliz. — Tia
Charu deu um tapinha na mão dela.
— Porém sem mais namorados até depois que você se casar
— Tia Selena gritou.
— Ela não vai se casar se abrir os roti assim. — A mãe de
Layla cutucou a massa e suspirou. — Lembre-se de abrir no
sentido horário. Círculos perfeitos. Não muito fino.
— Escute sua mãe — disse Tia Taara. — Aprenda tudo que
puder, caso contrário, sua sogra irá amaldiçoar sua mãe se você
servir a ela chapattis19 queimados.
— Você deve ser amaldiçoada todos os dias — Tia Salena
murmurou.
Tia Taara bufou.
— Meus meninos adoram minha culinária de fusão. Ontem
à noite combinei roti e pizza. Meu filho mais novo chamava de

19
Chapattis: Outro termo para roti.
rotzza. Ou era rotten20? Muitas palavras em inglês têm o mesmo
som.
— Eles são adolescentes — disse Tia Salena. — Eles vão
comer qualquer coisa que colocar na frente deles, desde que
não esteja se movendo. E talvez até assim.
Layla olhou por cima do ombro. Sua mãe estava misturando
massa para o bolo de chai de gengibre que ela levava para o
centro de idosos local todos os dias. Era apenas um dos muitos
atos de caridade de seus pais, retribuindo à comunidade que
ajudou dois imigrantes pobres a se tornarem chefs com estrelas
Michelin.
— Mãe, você ficaria desapontada se eu não me casasse?
Sua mãe parou de se mexer e abaixou a voz para que apenas
Layla pudesse ouvir, embora com o som das tias tagarelando e
pakoras fritando e o barulho geral das panelas ao redor delas,
houvesse pouca chance de alguém espionar.
— Eu quero que você seja feliz, mas é bom ter alguém com
quem compartilhar sua vida. Se você não consegue encontrar
um bom homem, seu pai e eu podemos ajudá-la como
ajudamos Dev.
— Eu não quero um casamento arranjado.
— Não é como era na minha época — disse sua mãe. — Eu
não tive escolha. Achei que meu mundo tivesse acabado
quando meus pais arranjaram meu casamento com um homem

20
Rotten: podre em inglês
na América que eu nunca tinha conhecido, mas agora não
consigo imaginar a vida sem ele. — Sua voz falhou. — Agora as
coisas são diferentes. É uma apresentação arranjada. Nós
fazemos um currículo de casamento e mostramos às pessoas
que você tem interesse em encontrar um marido. Se
encontrarmos alguém que seja um bom par para você, nós o
apresentaremos e você poderá falar pelo telefone ou Internet e
decidir se deseja conhecê-lo. Sem perca de tempo com homens
que não estão interessados em compromisso. Sem corações
partidos. Podemos ser o Tinderbox de que todos falam, e se
você não gosta dele, você o dispensa.
Layla riu.
— É o Tinder, mãe. E agora estou tentando descobrir como
recuperar minha vida. A última coisa que preciso é de um
homem para bagunçar as coisas.

•••

Algumas vezes Sam se perguntava por que havia seguido na


carreira dos negócios com Royce.
Depois de duas horas ouvindo seu parceiro falar com
entusiasmo no Skype sobre os méritos da rescisão em grupo
versus reuniões individuais, a perspectiva empolgante de
demitir funcionários de forma online e as maravilhas de
substituir trabalhadores humanos por automação, Sam já tinha
tido o suficiente do desrespeito de seu parceiro por qualquer
coisa que não seja o resultado financeiro da empresa. Em vez de
criar empregos, Royce os destruía. Em vez de construir firmas,
ele as invadia. Não tinha nada que Royce amava mais do que
entrar numa empresa, demitir todos os funcionários e
transformá-la no lance mais alto. Era preciso ser um homem
firme e implacável para fazer o trabalho, e ninguém era tão bom
nisso quanto Royce.
Sam forçou um sorriso para o rosto na tela. Embora fosse
três da manhã em Hong Kong, Royce ainda estava de camisa e
gravata, o cabelo castanho penteado em seu topete de cinco
centímetros de gel com as costeletas enrolando próximo das
orelhas.
— Algo mais? Tenho uma reunião.
Não era mentira. A qualquer momento Layla ia entrar por
aquela porta e ele não podia negar uma curiosa sensação de
antecipação. Ele já havia transferido seus poucos pertences para
a mesa Eagerson e estava trabalhando nas últimas cinco horas,
esperando o confronto que ela iria perder.
— Vou partir para Pequim amanhã — disse Royce. — Se
soubesse que a Gilder Steel queria que eu visitasse todos os
locais, teria cobrado a mais.
— Você adora viajar — Sam o lembrou. — Você estava
enlouquecendo preso atrás de uma mesa. É por isso que
precisava de mim.
— Tem alguns benefícios em ficar preso por doze horas
num avião. — Royce se inclinou para frente até que seu rosto
ocupasse a tela inteira. — Sentei-me ao lado de Peter Richards,
CEO da Alpha Health Care na viagem para Hong Kong. Eles
acabaram de assumir cinco hospitais da Bay Area no falido
Sistema de Saúde Sons of Hope e estão procurando uma
reestruturação. Um deles é o Hospital St. Vincent. Quando eu
disse a ele que você fez sua residência lá, e que acabamos de nos
mudar para um prédio a apenas alguns quarteirões de sua sede,
ele nos pediu uma apresentação do nosso trabalho.
O coração de Sam deu um pulo. Esta era a oportunidade
que ele esperava – uma chance de justiça de verdade. Se
conseguissem o contrato, ele teria acesso total ao registro de
trabalho do Ranjeet. Era um pouco antiético – ele tinha um
claro conflito de interesses –, mas se um criminoso estava livre,
se ele pudesse salvar pelo menos uma única mulher do mesmo
destino de sua irmã e corrigir a injustiça feita a ela, então valeria
a pena o risco. E talvez então ele encontraria sua própria
redenção.
— Presumo que você queira que eu prepare a apresentação.
— Envolve estar sentado atrás de uma mesa, então sim. Te
enviei os detalhes por e-mail.
Sam tentou tirar a tensão em sua testa depois que Royce
encerrou a ligação. Apesar da oportunidade pessoal, a
reestruturação significava que muitas das pessoas com quem ele
havia trabalhado no hospital perderiam seus empregos. Esta
não era a vida que havia imaginado para si mesmo. Ele sempre
quis ser um curador, não o homem responsável por destruir
vidas.
— Você voltou.
Sua dor de cabeça desapareceu ao som da voz de Layla, e um
arrepio de antecipação desceu por sua espinha.
— Claro que voltei. Este é meu escritório. Estou aqui desde
às sete da manhã trabalhando, como fazem os empresários
sérios, não chegando no trabalho ao meio-dia com uma caixa
de donuts em uma das mãos e uma panela na outra.
Layla se repreendeu com uma fungada ridícula.
— Tem dal da minha mãe nessa panela, que é a comida mais
deliciosa e reconfortante do universo. Eu estava pensando em
dividir, mas agora vou comer tudo sozinha. Os donuts são para
a sobremesa, que você não é bem-vindo para comer. E não que
seja da sua conta, mas eu estava no hospital às sete da manhã
visitando meu pai, e depois estava lá embaixo na cozinha
ajudando minha mãe. Ela está tentando manter o restaurante
funcionando sozinha com a ajuda de algumas tias
inexperientes, mas bem-intencionadas, e isso não é fácil de
fazer.
Sam abriu a boca e fechou novamente. Ela estava sendo
gentil, atenciosa e prestativa com sua família. Que irritante.
Não havia como ele compelir essa linha de argumento e manter
o auto-respeito.
— Você está sentado na minha mesa. — Ela colocou a
panela na mesa da recepção e cruzou os braços.
Sam mexeu em seus papéis, espalhando-os pela superfície de
madeira polida por nenhuma outra razão a não ser manter o
olhar longe de seus seios perfeitos.
— Eu não vi seu nome nela.
— Basta olhar para o seu contrato. Você vai ver escrito na
parte superior ou não consegue ler palavras grandes como
Patel?
— Não me lembro de ter visto nenhum documento —
rebateu. — Pelo que sei, você poderia simplesmente ter entrado
da rua. Você certamente não está vestida como se estivesse
dirigindo uma empresa.
Com os olhos flamejante, ela olhou feio.
— O que há de errado com a forma como estou vestida?
— Um avental e um moletom rosa com Juicy escrito na
bunda dificilmente são trajes de uma empresa séria e
certamente não gritam deslize para direita no Tinder desi21.
Sam não sabia se existia algo como o Tinder para pessoas de
ascendência do sul da Ásia que viviam no exterior, mas se
existisse, ele e Layla definitivamente não seriam uma boa
combinação.
Layla deu um grunhido de frustração.
— Você pode se surpreender ao saber que não vivo minha
vida buscando a aprovação masculina. Estou superando uma
separação, então estou um pouco frágil. Ontem à noite saí com

21
Desi: Indianos que moram fora da Índia.
a Daisy e bebi muito, fumei algo que pensei ser um cigarro,
dancei numa caixa de som e me deparei com um idiota
chamado Jimbo, cuja namorada por acaso era lutadora de
MMA e não gostou de ver me estirada em cima de seu homem.
Tivemos um pequeno atrito físico e fui expulsa do bar. Então
fui largada na rua pelo meu motorista do Uber porque vomitei
em seu carro. E aí, hoje, eu simplesmente não conseguia
coordenar roupas de trabalho. É chamado de autocuidado, e
todos nós precisamos às vezes. Danny certamente não se
importava.
— Quem é Danny? — A pergunta saiu antes que ele
pudesse detê-la.
— Alguém que aprecia tudo isso aqui — ela passou a mão
em suas curvas generosas — e não é paranóico com coisas
triviais como roupas. — Ela tirou o avental e o deixou cair na
mesa da recepção.
— Eu também não sou paranóico por roupas — Sam
brincou. — Quando estou com uma mulher, prefiro que ela
não tenha roupa nenhuma.
Seu nariz enrugou.
— Você é nojento.
— Vá para casa, querida. — Sam acenou com a mão
desdenhosa. — Coloca as pernas pra cima. Assista a algumas
comédias românticas. Coma alguns potes de sorvete. Tenha
um bom choro. Alguns de nós têm muito trabalho a fazer.
Layla pegou sua panela e a caixa de donuts e marchou para
a pequena cozinha nos fundos do escritório. Sam ouviu o
barulho dos armários. Barulho de talheres. Murmúrios
zangados e um bufo. Poucos minutos depois, Layla marchou
de volta com uma tigela de dal em uma mão e dois donuts
circulando seu dedo como anéis.
Só quando ela se sentou e começou a comer um dos donuts
de seu dedo, ele percebeu que não tinha feito nenhum trabalho
desde que ela entrou.
— Donuts e dal não são dois alimentos que naturalmente
andam juntos — ressaltou.
Layla deu uma mordida gigante e lambeu os lábios.
— Você não tem trabalho a fazer? Ou vai apenas se sentar aí
e ficar se exibindo?
Ele foi salvo de uma gargalhada quando percebeu um
homem parado ao lado da mesa de recepção vazia, um maço de
papéis na mão.
— Posso ajudar? — Sam olhou para o intruso que ousou
interromper quando ele estava prestes a desfigurar a pequena
víbora à sua frente com algumas palavras bem escolhidas.
O visitante era mais baixo do que Sam por alguns
centímetros, seu rosto bronzeado de bebê barbeado, cabelos
escuros e lisos, precisando de um corte. Ele usava uma jaqueta
esportiva ridiculamente grande sobre uma camisa de colarinho
azul e uma calça de poliéster cinco centímetros mais curta e
apertada sob sua grande barriga com um cinto de couro gasto.
— Estou procurando Layla Patel.
— Sou eu. — Layla removeu seus anéis de donut e lançou a
Sam um olhar presunçoso. — Eu tenho um cliente!
Ela não poderia estar mais entusiasmada caso este fosse o
primeiro cliente que ela tivesse tido. Sam não poderia imaginar
manter esse nível de entusiasmo ao longo de um dia.
Certamente, seria um trunfo em seu campo. Talvez ele a tivesse
julgado mal e ela tivesse tido mais sucesso do que aparentava.
— Por favor, entre. — Ela gesticulou para que ele fosse
adiante. — O que posso fazer para você?
— Hassan Khan. — Seus lábios se contraíram em um
sorriso, todos gengivas e dentinhos. — Eu serei seu novo
marido.
• •
— Como é que é?
Hassan passou por Layla e estendeu a mão para Sam.
— Falei com o Sr. Nasir Patel na semana passada. Ele disse
que sua filha precisava de um marido imediatamente e
tínhamos marcado um encontro para hoje. Quando cheguei ao
restaurante, um dos funcionários da cozinha me disse que o Sr.
Nasir estava no hospital, mas que Layla estava lá em cima e
ansiosa para me conhecer.
— Eu vou matar Danny — Layla murmurou baixinho.
— Ela definitivamente precisa de alguém para mantê-la sob
controle — Sam meditou, acariciando seu lábio superior. —
Ela entrou numa briga de bar na noite passada, se puder
acreditar. — Inclinando-se para a frente, ele apertou a mão de
Hassan. Ele não tinha ideia do que estava acontecendo, mas
pelo jeito que Layla estava olhando feio para seu visitante, valia
a pena entrar no jogo, apenas para vê-la irritada.
— Meus pais deram a aprovação para conhecer a garota —
Hassan continuou. — Eles estão animados em ter uma nora
que teve um treinamento culinário tão excelente.
— Por que você está falando com ele? — Layla explodiu.
— Ele é o homem.
Sam não pôde deixar de sorrir quando Layla apertou os
lábios, a testa franzida em uma carranca furiosa. Este dia estava
ficando cada vez melhor.
— Qualquer coisa que diz respeito a mim, você discute
comigo — disse ela com firmeza.
Intrigado, Hassan perguntou a Sam: — O Sr. Nasir
aprovaria?
— Pelo que conheço dela, suspeito que o Sr. Nasir não teria
muito a dizer sobre o assunto. — Ele soltou um suspiro pesado.
— Ela é obstinada, não convencional e definitivamente não é o
que eu chamaria de uma mulher tradicional.
— Isso não tem nada a ver com você, Sam. Fica fora disso.
— A voz de Layla aumentou de tom. — Claramente, eu não
sabia que meu pai estava tentando encontrar um marido para
mim. É um pouco chocante.
— Mas é absolutamente encantador — disse Sam. — Todos
os nossos problemas podem ser resolvidos de uma vez. Você
foge e se casa com Hassan. Eu fico no escritório e começo a
trabalhar. — Ele estava forçando, sabia, mas não conseguia se
conter. A resposta apaixonada dela a sua provocação fez seu
sangue pegar fogo.
Layla pegou um de seus donuts e lançou-o contra Sam com
o tipo de velocidade e precisão que ele só havia visto dos Três
Grandes Arremessadores que haviam ajudado seu time favorito
de beisebol, o Oakland Athletics, a conquistar três títulos da
Divisão Oeste da AL durante seus cinco anos juntos.
Sam pegou um donut no meio do ar, no estilo apanhador.
Que dia emocionante! Talvez ele devesse considerar outra
mudança de carreira. Ele ficaria bem de verde e amarelo no
Oakland A's.
— Vamos para a sala de reunião para que possamos
conversar com privacidade. — Layla acenou para Hassan
ligeiramente confuso.
— Tenha uma ótima conversa. — Sam mordeu o donut,
embora normalmente não se deliciasse com doces assados. Um
sabor extremamente doce explodiu em sua língua. Delicioso.
Ele estava em outro mundo. Talvez amanhã ele comprasse uma
caixa de donuts também. — Vou trabalhar nos convites de
casamento — gritou. — Você prefere rosa ou coral?
— Estaremos sozinhos? — Hassan perguntou.
— Sim, estaremos sozinhos — disse Layla. — Precisamos
conversar sobre o que está acontecendo, sem interrupções. —
Ela levou Hassan para a sala de reuniões e bateu a porta.
Sam olhou, distraído, para sua tela. Hassan parecia ser um
cara bem tradicional, com certas expectativas e noções
preconcebidas sobre como uma mulher deveria se comportar.
Ele poderia até ter uma ideia errada sobre o convite de Layla
para se encontrar com ele a portas fechadas. Mas e daí se tinha?
Layla claramente sabia como se comportar – como as marcas
em sua camisa por causa do material de escritório atirados
podiam atestar. E ele estava bem ali fora.
É claro que ele também estava de fora quando Nisha estava
sofrendo com o abuso de bebida de Ranjeet. De fora e longe.
Diferente de agora.
Droga.
Sam pegou o donut extra da mesa da recepção e abriu a
porta da sala de reuniões. O vapor sibilava da chaleira no
aparador que havia sido preparado para lanches rápidos. Layla
se abaixou para pegar uma caixa de leite no frigobar. O olhar de
Hassan se fixou em sua bunda.
Os instintos protetores de Sam começaram a funcionar. Ele
se moveu na frente de Hassan, bloqueando sua visão.
— Por quê você está aqui? — Layla fechou o frigobar com
um leve estrondo.
— Achei que você pudesse precisar de um lanche para o seu
convidado.
— A sala de reuniões está totalmente equipada com... —
Suas palavras desapareceram quando seu olhar pousou no
donut na mão dele e, por um breve segundo, seu rosto se
suavizou. — Você trouxe donut?
— Sim. — Ele ficou perversamente satisfeito por ela
entender seu gesto. — Acredito que pode ser usado como arma
em caso de emergência.
Layla se virou e derramou o leite numa xícara, mas não antes
que ele visse um sorriso em seus lábios.
— Como você passa de cafetão capitalista cruel
casamenteiro num momento para um cavalheiro atencioso no
outro?
— Sou um homem complicado. — Ele se juntou a ela no
aparador. — Pensei em ficar, caso você precise de mais lanches.
— Vou permitir — ela disse magnanimamente. — Mas eu
que vou falar. Você pode apenas franzir a testa e parecer
assustador e intenso. Não deve ser difícil, pois parece ser o seu
estado normal de ser.
Sam bufou.
— E eu aqui pensando que estava lhe fazendo um favor...
— Você gostaria de um pouco de chá?
— Se não for chai.
— Ninguém odeia chai. Que tipo de desi é você? — Ela
encheu uma xícara com água fervida e gesticulou para que ele
escolhesse um saquinho de chá.
— Do tipo ruim. — Seus lábios se curvaram nos cantos. Ele
sorria mais desde que conheceu Layla do que nos últimos dois
anos.
— Eu deveria ter adivinhado. — Ela ergueu uma
sobrancelha em advertência. — Tem bad boy escrito em você.
— O que você vai fazer com Hassan? — Ele escolheu o chá
Dragão Preto simplesmente porque o nome apelou aos seus
sentidos. Qualquer coisa que tivesse a ver com criaturas
altamente inteligentes, poderosas e cuspidoras de fogo não
poderia ser ruim.
— Mandá-lo embora, é claro. Não estou procurando um
marido.
— Então por que está fazendo chá para ele? — Ele
acrescentou leite e três cubos de açúcar à xícara enquanto ela
entregava o chá de Hassan e voltava para tomar o dela.
— Me sinto mal por ele. — Ela manteve a voz baixa. — Meu
pai estava apenas tentando ajudar e ele claramente deu
esperanças a Hassan. Achei que seria educado passar algum
tempinho para conhecê-lo, para que não sinta que eu o rejeitei.
— Mas você pretende dispensá-lo imediatamente, então por
que prolongar a agonia?
— Porque... — Ela tomou um gole de chá, deixando um
leve toque de batom rosa na borda da xícara. — Não posso
deixar de me perguntar. E se for ele? Às vezes acho que meu pai
me conhece melhor do que eu mesma. E se ele encontrou o cara
certo para mim e eu o chutei porta afora?
Sam soltou uma risada.
— Você acha que Hassan Khan é o cara certo?
Como se fosse uma deixa, Hassan sorveu seu chá tão alto
que o som ecoou pela sala.
— Acho improvável, mas preciso ter certeza.
Eles se juntaram a Hassan na mesa com o chá e um prato de
biscoitos. Layla discretamente colocou o donut em um
guardanapo ao seu lado.
— Me conte um pouco sobre você, Hassan — disse ela.
— Minhas informações pessoais estão aqui. — Hassan
entregou a Sam uma cópia de seu currículo de casamento. Com
um bufo alto de aborrecimento, Layla arrancou o documento
das mãos de Sam antes que ele tivesse a oportunidade de ler a
primeira página.
— Por que você não fala um pouco? — Ela colocou o
documento na mesa à sua frente, mas não deu uma olhada nele.
— Eu tenho... Hã... Trinta e cinco anos. — Hassan franziu
a testa como se não tivesse certeza de sua idade. — Vim para a
América de Andhra Pradesh para continuar meus estudos. Sou
formado em engenharia e farei o meu MBA. Sendo
transparente: sou UBC.
Agora foi a vez de Sam franzir a testa.
— UBC?
— Usado em Boas Condições. — Layla baixou a cabeça para
esconder o sorriso. — Você obviamente não passa muito
tempo no Craigslist.
— Como é que você está “usado”? — Sam perguntou, sua
curiosidade aguçada.
— Já tive vários relacionamentos que não deram certo. —
Hassan balançou a cabeça. — Elas só me queriam pelo meu
corpo.
— Te entendo. — Sam acenou com a cabeça em simpatia.
— Tenho o mesmo problema.
Layla soltou uma bufada. Gotículas de chá espalharam-se
pela mesa, atingindo Hassan no olho. Imperturbável, ele
enxugou o rosto com a manga e sorriu como se nada tivesse
acontecido.
— Mais alguma coisa que devemos saber? — Sam ficou
intrigado com as desventuras de Hassan como um
brinquedinho e com a resposta pouco feminina de Layla.
— Meus hobbies incluem pogo extremo.
— Cuidado com a boca — Sam latiu. — Tem meio que uma
senhorita presente.
— Meio que uma senhorita? — Layla estreitou o olhar. —
O que isso deveria significar?
— É um esporte — Hassan interrompeu. — Inclui montar
e realizar manobras num pula-pula de mola especial que pode
saltar mais de três metros de altura.
Sam sentiu uma sensação curiosa borbulhar em seu peito.
— Você quica num pula-pula gigante que voa três metros
no ar.
— Sim, senhor. — Hassan pegou seu celular e passou até um
vídeo. — Sou eu aqui.
Algo dentro de Sam ameaçou explodir enquanto observava
Hassan desajeitado saltando pelo ar no meio de um campo. O
suor escorria de sua testa enquanto ele lutava para dominar a
emoção desconhecida. O que diabos havia de errado com ele?
— Não ria — Layla sussurrou baixinho.
Rir. Ele se lembrava agora. Há quanto tempo ele não ria?
Layla colocou a mão sob a mesa e cravou as unhas na coxa
de Sam. Quase instantaneamente, a sensação incontrolável foi
substituída por outra – esta familiar e provavelmente se
tornaria problemática se ele não tirasse a mão dela de seu colo.
— Isso é... — Layla pigarreou. — Incrível, Hassan. Tem
mais alguma coisa que devemos saber sobre você?
— Sou vegetariano.
Sam esperou que Hassan elaborasse, mas o futuro noivo
apenas sorriu.
— Na verdade, não sou vegetariana. — As palavras de Layla
tropeçaram umas nas outras como se ela tivesse se esquecido de
como usar a língua. — Gosto de carne. Amo, na verdade.
Como carne todos os dias. Praticamente cresci no restaurante
dos meus pais e eles servem carne. Que eu gosto de comer.
Cordeiro, frango, bovino...
— Acho que ela está tentando dizer que é carnívora — disse
Sam, reprimindo o riso. — Não faça nenhum movimento
repentino ou ela pode pensar que você é uma presa.
Hassan abriu seu tablet e o entregou a Layla.
— Se a parte da entrevista estiver concluída, meus pais
prepararam um teste para você. Você terá cinco minutos para
concluir cada seção. Respostas incorretas ou ausentes serão
penalizadas em um ponto, portanto, é possível ter uma
pontuação negativa, embora isso não vá ajudar sua situação.
— Que situação?
— Seu pai disse que você precisava de um homem
urgentemente.
— Ela está desesperada. — Sam balançou a cabeça fingindo
tristeza. — Se eu não estivesse aqui, sua vida estaria em perigo.
É um esforço mantê-la deste lado da mesa.
Layla apertou sua coxa novamente, sua mão precariamente
perto de sua braguilha, as unhas cravadas tão profundamente
que seus olhos lacrimejaram.
— Quer perigo, Sam? Continue falando.
— Não queremos ter progênies intelectualmente inferiores
na família — continuou Hassan. — Meus pais têm Ph.D. Meus
dois irmãos são médicos e casados com médicas. Terei dois
diplomas profissionais quando terminar meu MBA. Não
queremos uma cônjuge com menos inteligência.
— Isso exclui você — Layla murmurou para Sam baixinho.
Sam reprimiu uma risada.
— Ele não é realmente meu tipo.
— A seção acadêmica está em primeiro lugar. — Hassan
empurrou o tablet em sua direção. — Para o teste de
condicionamento físico, podemos sair e marcarei cinquenta
metros no estacionamento para a corrida...
— Condicionamento físico? — O nariz de Layla franziu em
desgosto.
— Basta colocar uma caixa de donuts na linha de chegada e
ela vai correr um quilômetro em três minutos — Sam ofereceu.
Layla voltou toda a força de sua fúria para ele.
— Você é um idiota.
Sam se recostou na cadeira e cruzou os braços.
— Diz isso como se fosse uma surpresa.
Hassan pegou o tablet de volta e marcou diversos
quadrados, enchendo-os com X pretos.
— O que você está fazendo? — Layla estudou a tela.
— Temperamento equilibrado. Amável. Boa disposição.
Submissa. Compatível. Você tem cinco pontos que te
reprovam na seção de personalidade.
— Sério? — Layla balbuciou sua indignação. — Ninguém
pode reprovar em um teste de personalidade.
— Você acabou de reprovar — Sam apontou. — E para ser
justo, dava pra ver isso.
— Você é muito diferente do seu perfil no
desilovematch.com. — Hassan ergueu um dos papéis
amassados.
— Deixe-me ver isso. — Sam pegou o documento e ficou de
pé, segurando-o fora do alcance de Layla. — Hmmm. “Layla
Patel. Idade: vinte e seis. Altura: um metro e sessenta e sete.
Peso:...”
— Me dê isso. — Layla deu um pulo e se lançou para o
papel. Sam o segurou mais alto e ela colidiu com ele, perdendo
o equilíbrio. Ele circulou um braço em volta da cintura dela
para mantê-la firme, protegendo seu corpo macio contra seu
peito. Eletricidade se formou entre eles, esquentando seu
sangue enquanto sentia as batidas do coração dela.
— Desgraçado. — Ela quebrou o feitiço, saltando para
pegar o papel. O corpo dela esfregou para cima e para baixo
contra o dele. Tarde demais, ele percebeu o perigo.
— Isso é uma técnica de vendas? — Ele sussurrou no ouvido
dela. — Uma pequena demonstração para Hassan sobre o que
ele pode esperar na cama? Ou é só para mim? Porque, querida,
se ele não se casar com você depois disso, eu vou.
Suas narinas dilataram-se e ela se afastou.
— Eu não me casaria com você, mesmo que você se
ajoelhasse e implorasse.
— Quando estou com uma mulher, não sou eu que
imploro. — Segurando-a com o braço estendido, Sam estudou
a imagem de Layla num salwar kameez rosa brilhante, seu
cabelo enfiado em um lenço rosa combinando, mãos
desenhadas de henna, rosto pintado, pescoço e pulsos
pingando de jóias.
— É difícil acreditar que é você — disse ele. — Fica bem
feminina em rosa choque e muito diferente do tipo de mulher
que xingaria e se jogaria num estranho inocente em um frenesi
de luxúria.
— Eu não estava sentindo nenhuma inocência abaixo do seu
cinto — ela disse secamente.
Com uma risada, Sam continuou a ler o currículo de
casamento em suas mãos. Ele estava gostando muito de sua
situação.
— “Religiosa, saudável, culta, obediente, educada, zelosa,
recatada, profundo senso de responsabilidade com a família,
respeita os mais velhos…” — Sam balançou a cabeça. — Não
totalmente correto, eu receio. Sou seis anos mais velho que ela
e foi muito desrespeitosa comigo. Determinada?
Definitivamente. Saudável? — Ele olhou para uma Layla
furiosa. — Me mostre os seus dentes. Meu avô tinha cavalos e
sempre avaliou sua saúde examinando seus dentes.
Layla praguejou em urdu usando palavras que nunca ouvira
de uma mulher antes.
— Bem, isso não foi educado nem recatado, e você não é
muito obediente porque os únicos dentes que vejo estão à
mostra, como se quisesse me atacar e me comer no jantar. —
Ele virou a página. — Também diz aqui que você é uma boa
menina. — Sua voz caiu para um ronronar sensual e ele se
inclinou na direção dela. — Você é uma boa menina, Layla?
Você parece muito má para mim. Se você precisa de um marido
que possa mantê-la na linha, terá que melhorar seu jogo. —
Sam quase podia sentir o olhar furioso de Layla perfurando seu
crânio. Ele não conseguia se lembrar da última vez em que se
divertiu tanto.
— Esse é o seu homem? — Um Hassan perplexo perguntou,
olhando de Sam para Layla.
— Dificilmente. — Ela olhou para Sam. — Ele não é
ninguém. É realmente triste. Ele parece totalmente incapaz de
compreender a hora de ir embora.
O corpo de Sam estremeceu com uma risada reprimida.
— Eu sou homem por completo, querida, o que tenho
certeza que você sabe depois de se esfregar em mim como uma
gata no cio.
— Então ela está disponível? — Hassan perguntou a Sam.
— Podemos terminar o teste?
— Não estou fazendo teste nenhum. — Layla deu um
sorriso tenso para Hassan. — Sinto muitíssimo pelo mal-
entendido. Meu pai planejou este encontro sem discutir isso
comigo. Não estou procurando marido.
— Mas você já está velha — disse Hassan. — E necessitando
urgentemente. Quem vai se casar com você senão eu?
— Alguém com quem posso partilhar interesses e que apoie
minha independência e minha carreira. Amizade é
fundamental, assim como uma boa comunicação, para que
tenhamos uma parceria duradoura, talvez até amorosa.
— Mas você não entende — Hassan persistiu. — Eu preciso
que sua família assine um empréstimo como dote para que eu
possa ficar no país.
Ah. A verdade veio à tona. Sam havia sido avisado sobre o
golpe quando sua família estava procurando um marido para
Nisha.
— Então, você não estava realmente procurando uma
parceira adequada ou uma companheira para toda a vida, você
só precisava de uma maneira de obter um visto. — Ele se
levantou tão rapidamente que sua cadeira tombou. — Dê o
fora do escritório antes que eu jogue você em CP.
— O que é CP? — Layla sussurrou enquanto Hassan
recolhia seus papéis.
— Em Condições Precárias. — Sam rosnou, fazendo
Hassan sair correndo porta afora.
— Obrigada por ameaçar ferir alguém em meu nome. —
Layla foi até sua mesa depois que Hassan saiu. — Você terá que
me perdoar se eu não olhar para você. Tenho medo de morrer
de vergonha. Não tinha ideia de que isso iria acontecer.
— Você pode querer remover seu perfil online — Sam
sugeriu. — Hassan pode ser o primeiro de muitos, e eu não
quero ter que lidar com homens batendo na porta para entrar
em suas calças enquanto tenho uma empresa para administrar.
— Que atencioso. — Ela abriu o site desilovematch.com.
Sam piscou quando seus olhos foram atacados por imagens
brilhantes de casais felizes em trajes de casamento tradicionais
sobrepostos em telas rosa e laranja brilhantes.
— Não consigo acreditar que as pessoas ainda fazem
casamentos arranjados. — Seus lábios se contraíram em
desaprovação.
— Meus pais e meu irmão tiveram casamentos arranjados
bem-sucedidos. — Layla folheou o site. — Meus pais se adoram
e encontraram a esposa perfeita para o meu irmão.
— Que maravilhoso. — Ele não conseguiu esconder o
sarcasmo de sua voz. O que diabos estava fazendo? Ele tinha
uma empresa para administrar. Um de seus clientes aguardava
uma análise financeira. Um gerente de RH queria definir datas
para reuniões de dispensa. Karen mandou uma mensagem
perguntando se ele tinha um estetoscópio e um par de luvas de
borracha, e Royce queria falar sobre um novo contrato. Ele
estava se deixando distrair por uma mulher que nem deveria
estar ali, e atraído para um mundo que ele rejeitou anos atrás.
Isso tinha que acabar agora.
Ele pediria a John uma opinião legal sobre o contrato.
E então Layla iria embora.

•••

Este dia poderia ficar pior?


Layla baixou a cabeça entre as mãos e suspirou. Primeiro, a
visita ao hospital onde seu pai estava tão estranhamente quieto
e parado, então quando estava rolando roti na cozinha até seus
dedos doerem. E agora ela tinha que lidar com um desgraçado
arrogante e convencido sem bússola moral, homens estranhos
com propostas de casamento, o conhecimento de que seu pai
estava secretamente tentando encontrar um marido para ela, e
um site que não a deixaria acessar sem uma senha.
— Qual é o problema? — Sam voltou para sua mesa e estava
batendo no teclado como se este tivesse feito algo errado.
— Não consigo me encontrar.
— Isso é muito profundo. Não esperava isso de você.
Layla gemeu.
— Não consigo acessar meu perfil. Suponho que poderia
abrir uma conta como homem e tentar encontrá-lo, mas
simplesmente não estou com humor criativo. — Ela hesitou.
— Você tem uma conta?
Ele deu uma fungada afrontada.
— Eu pareço um homem que tem problemas para
conseguir mulheres?
Ela mordeu a resposta na ponta da língua. Ele era lindo; se
essa fosse uma palavra que pudesse usar para descrever um
homem. Seu cabelo era espesso, escuro e bem cortado, sua pele
bronzeada fazia seus olhos castanho-claros parecerem quase
caramelo. Com aquela mandíbula marcada e lábios carnudos,
ele era o homem mais bonito, de tirar o fôlego, que ela já tinha
conhecido.
Sam sorriu para o silêncio.
— Vou tomar isso como um não. Mas já que não vou
conseguir fazer nada com todo esse suspiro, vou criar um perfil
para que você possa encontrar o seu. — Ele atravessou o chão
até a mesa dela. — Quem sabe? Talvez eu tire a sorte grande e
vai chover mulher na minha porta para entrar nas minhas
calças. Ah espere. Elas já estão.
Ela moveu sua cadeira para dar a ele mais acesso ao teclado,
seu corpo formigando quando o braço dele roçou seu ombro.
— Agradeço a ajuda, mas não pense que isso significa que
estou deixando você ficar com o escritório.
— Você pode me dever um favor em vez disso. — Ele sorriu,
e seu coração deu um salto curioso. Por que ele tem que ser tão
lindo? Toda aquela beleza alta e marrom, o corpo de dar água
na boca, a voz profunda que acariciava sua pele como veludo...
Desperdiçado num idiota arrogante e egoísta.
— Não é um jogo.
— Tudo é um jogo.
— Você tem uma visão muito cínica da vida.
— Por um bom motivo — ele disse calmamente enquanto
preenchia o formulário na tela.
Ela se perguntou o que teria acontecido em sua vida para
torná-lo tão pessimista. Externamente, ele tinha tudo –
aparência, charme, uma empresa de sucesso e o tipo de
confiança que ela admirava. Havia profundezas ocultas em
Sam Mehta. Pena que ele não ficaria por perto tempo suficiente
para ela explorá-los. Ela poderia aprender um pouco sobre ele,
no entanto, lendo seu formulário online.

Sam Mehta
Idade: 32
Escolaridade: Bacharelado, Medicina, MBA

Ela olhou para ele, incrédula.


— Você é médico?
— Não terminei a minha residência em cirurgia. Achei que
seria mais divertido despedir pessoas para viver, então deixei a
medicina, concluí um MBA intensivo de um ano e formei uma
parceria com Royce.
Havia muito o que descompactar nessa declaração, e não
menos do que a dor em seus olhos que ele tentou esconder
olhando para longe.
— Prepare-se para a boiada. — Ele clicou no botão
“CONCLUÍDO” e recostou-se na cadeira. — Estou prestes a
liberar meu formidável eu sobre as mulheres de
desilovematch.com. — Inclinando-se para mais perto, ele leu as
palavras na tela. — Estou ansioso para “encontrar a felicidade
com alguém novo”.
— Não se distraia. Você deveria encontrar a felicidade
comigo.
— Isso parece improvável — ele disse com uma risada
amarga. — Gosto de mulheres recatadas, respeitosas e
obedientes que não jogam materiais de escritório, não me
xingam e nem tentam me expulsar do meu próprio espaço de
trabalho. E como ainda não vi você sorrir, nem consegui avaliar
a saúde dos seus dentes.
— Talvez você devesse dizer algo engraçado. Então posso
sorrir.
— Demos match. — Ele apontou para a tela. — Dada a sua
violenta antipatia por mim, não tem nada mais engraçado do
que isso.
Layla leu rapidamente seu perfil online. Não havia nada
mais do que Hassan havia imprimido, exceto pelo parágrafo
introdutório que fez seu coração apertar no peito:

Filha amada
Minha Layla
Faça-a feliz
Trate-a com gentileza e respeito

— Ele te ama muito — disse Sam.


— Sim, ele ama. — Sua voz tremeu. — Ele queria consertar
minha vida inteira, mas eu só estive com ele por dez minutos
antes dele ter um enfarto. E foi minha culpa. Eu deveria ter dito
a ele antes de chegar que voltaria para casa de vez. O choque foi
muito grande.
Sam apertou a mão dela, a palma quente contra sua pele.
— Tenho certeza de que não é o caso. Se você verificar o
prontuário dele, aposto que não anotaram “Causa do infarto:
a filha aparece com cabelo azul e ameaça ficar”. Porém, se está
planejando encontrar mais pretendentes, você pode querer
repensar sua próxima escolha de cor de cabelo.
— E se houver mais?
— Você precisará acessar a conta de e-mail do seu pai para
descobrir.
— Eu sei a senha dele. — Ela se inclinou sobre ele e abriu
uma nova janela para acessar o e-mail de seu pai. — Ele está
usando o mesmo há anos.
Alguns momentos depois, ela estava na conta de e-mail de
seu pai e folheando os e-mails não lidos em sua pasta pessoal,
muitos desejando uma recuperação rápida e alguns o
lembrando de contas não pagas. Ela fez uma nota mental para
lidar com elas mais tarde e clicou em uma pasta intitulada
“Desilovematch”. Seu pai separou o arquivo em subpastas:
“Sim”, “Não”, “Talvez”. Ela abriu todos eles e engasgou
quando centenas de e-mails encheram a tela.
Sam soltou um suspiro longo e baixo.
— Você é uma garota popular.
— Minha mãe disse que ele estava trancado em seu
escritório desde que liguei para contar a ele sobre meu último
término. Ela não sabia o que ele estava fazendo. Acho que era
isso. — Ela abriu o calendário online de seu pai e o comparou
com as pastas. — Ele marcou encontros para ver os dez homens
do arquivo “Sim”. Hassan foi o primeiro.
— Dez encontros às cegas. Você é uma garota de sorte.
Sentindo-se enjoada, ela tomou um gole de água. Seu pai
deve ter vasculhado centenas de currículos de casamento para
restringir o campo a esses dez nomes. Dez homens que ele
pensou que a fariam feliz e a tratariam com gentileza e respeito,
ao contrário de Jonas e todos os homens que namorou antes
dele.
Layla sempre se considerou uma mulher desi moderna. Ela
se sentia tão confortável num sári quanto num jeans e gostava
de hambúrguer com batata frita tanto quanto dal e curry. Sua
vida girava em torno de amigos ocidentais e uma grande e
extensa família de imigrantes do norte da Índia e do Paquistão
que trouxeram sua cultura e suas crenças – uma das quais foi o
benefício do casamento arranjado em vez do conceito ocidental
de amor.
Apesar do relacionamento maravilhoso de Dev com Rhea e
do sucesso da união de seus pais, Layla nunca se interessou em
ter um casamento arranjado. Mesmo depois de uma série de
relacionamentos fracassados e decepções, ela sempre acreditou
no amor verdadeiro. Sua alma gêmea estava lá fora esperando
por ela. Tudo o que precisava fazer era abrir os olhos.
— Você está bem? — O tom gentil de Sam a tirou de seus
pensamentos.
— Só estava pensando.
— Nem tente muito. Acho que vi vapor saindo de seus
ouvidos. — Sam se levantou, ajustando cuidadosamente seu
blazer enquanto voltava para sua mesa. Pelo ajuste e corte do
material, era claramente sofisticado e provavelmente muito
caro. Pela primeira vez ela notou o relógio chique em seu pulso
esquerdo, as abotoaduras de ouro e a camisa bem passada. Sua
empresa não era uma operação insignificante se ele poderia se
vestir assim.
— Engraçado. Você é um cara engraçado, Sam.
— Posso dizer honestamente que ninguém nunca me
descreveu dessa forma. — Ele limpou sua mesa, guardando
cuidadosamente seus lápis e canetas. — Eu me sentia mais
confortável quando você estava me xingando como um
marinheiro e me chamando de nomes obscenos.
— Você está admitindo a derrota? — Ela tentou esconder o
tom esperançoso de sua voz quando ele enfiou o notebook na
pasta de couro.
— Claro que não. — Seus olhos escuros brilharam com
alegria. — Tenho uma reunião de negócios em meia hora que
esperava conduzir aqui, mas sou muito cavalheiro para me
intrometer em sua privacidade enquanto você esmaga os
corações de dez homens tristes e solitários. Estou ansioso para
brigar com você amanhã, Srta. Patel. Que vença o melhor.
Depois que a porta se fechou atrás dele, ela se recostou na
cadeira, cercada por seu calor e o cheiro inebriante de seu
perfume. Ela conhecia seu tipo. E odiava. Arrogante.
Pretensioso. Egoísta. Ultracompetitivo. Totalmente ciente de
como era devastadoramente bonito. Um jogador completo. Ela
teria deslizado para a esquerda se o perfil dele tivesse aparecido
no desi Tinder.
Então, por que ela não conseguia parar de sorrir?
• •
Espremido entre a loja de um dólar e uma casa de penhor
decadente, o Clube de Boxe do Joe Puglisi era xexelento na
melhor das hipóteses. Sam vinha treinando no Joe com seus
amigos Evan e John três vezes por semana desde que
abandonou a faculdade de medicina, viciado na brutalidade
dos treinos matinais tanto quanto nas lutas reais.
— Já se aqueceu? — Evan Archer chamou dos pesos livres.
Mais baixo que Sam por uns bons cinco centímetros, mas mais
forte e musculoso, Evan tinha o estilo de cabelo loiro
bagunçado que as mulheres sempre pareciam querer tocar.
Seus olhos eram castanhos, mudando para castanho-escuro
quando ele estava irritado ou batendo em Sam no ringue.
Consultor de marketing e lutador amador de MMA com
ambições de se tornar profissional, Evan abraçou a ideia de que
o exercício físico era tanto uma forma de punição como uma
redenção física. Apesar dos hematomas e das sessões de
drenagem brutais, Sam nunca se sentia redimido, mas a dor
física que persistia após cada sessão anulava a dor que carregava
em seu coração.
— Joe propôs uma série de variações de abdominais
desagradáveis que preciso superar. Me dê cinco minutos e te
encontro no ringue. — Sam se levantou, respirando os cheiros
familiares de vinil e serragem misturados com suor. O ginásio
era seu retiro, o único lugar onde ele poderia deixar de lado sua
dor emocional e pagar com sangue e suor pelo que tinha feito a
Nisha e sua família e às centenas de pobres almas que ele
despedia a cada mês.
— Ele é fraco — John gritou, sua corda de pular
chicoteando no ar, fazendo seu cabelo escuro e liso se arrepiar.
Corredor de maratona, o advogado John Lee nem sequer
começou a suar nos exercícios cardiovasculares de Joe, mas não
conseguia nem chegar aos pés de Sam e Evan no que se referia à
habilidade no ringue. — Acho que é a idade dele.
— Temos a mesma idade. — E na mesma situação com as
mulheres. Sam não queria se comprometer e John não podia se
comprometer. Depois de ser abandonado por seu pai, John
criou seu irmão mais novo sozinho, enquanto sua mãe
trabalhava em três empregos para sustentá-los. Ele estudou
direito e abriu sua própria firma, Lee, Lee, Lee & Hershkowitz,
com três amigos, mas foi incapaz de superar seus problemas de
abandono para manter um relacionamento por mais do que
alguns meses.
John transferiu os punhos da corda para uma das mãos e
saltou para a frente e para trás.
— Eu tenho aquela opinião jurídica que você pediu na
minha bolsa. Você pode dar a cópia impressa à filha de Nasir.
Não há dúvida de que você tem o direito legal de ocupação.
Mas tem certeza de que deseja fazer isso? Nasir é um cara bom,
e não há razão para pensar que sua filha esteja mentindo.
Legalmente, o escritório é seu, mas é certo ou justo ir contra a
vontade dele?
Sam sentiu um aperto estranho no peito. Ele se deitou,
tentando respirar para longe a curiosa sensação. Ele estava
fazendo isso por Nisha. Por justiça. A localização do escritório
era um elemento-chave da apresentação para Alpha Health
Care, e ele não podia se dar ao luxo de perdê-la.
— Eu sei o que estou fazendo. Posso lidar com ela.
— Você pode lidar comigo em cima de você com um sorriso
de vitória? — Evan largou seus pesos e se juntou a Sam no
tatame. Muito mais experiente, ele nunca havia perdido uma
luta para Sam ou John ao longo dos anos.
— Duas tentativas. Meu punho em seu rosto. Seu rosto no
tapete — Sam respondeu com uma confiança que ele não sentia
nem um pouco.
Evan deu um tapinha nas costas dele.
— Alguém está se sentindo com sorte hoje.
Não era sorte, mas ele acordou naquela manhã com uma
curiosa expectativa. Ele não se lembrava da última vez que tinha
começado seu dia com outra coisa senão uma sensação de
pavor, então essa leveza peculiar em seu peito significava que
este era o dia que Evan finalmente beijaria o chão.
— Você parece excepcionalmente otimista. — John o
ajudou a se levantar. — Você não está do seu jeito emburrado,
taciturno e pouco comunicativo de sempre. É o novo
escritório? A mudança de cenário fez bem pra alma?
A mente de Sam se recordou de uma imagem de Layla
caminhando pelo escritório, seus jeans colados às curvas, a
horrível camiseta Nickelback apertada sobre seus seios fartos.
Então ele se lembrou do material de escritório voando em seu
rosto, a teimosia expressa na sua mandíbula apertada, sua
bunda carnuda e o hediondo sofá roxo. Uma mulher tão
irritante. E ainda, quando ele pensou na maneira como ela se
esfregou contra ele quando ela pulou para pegar o currículo,
seus lábios tremeram nos cantos.
— Ou será a garota?
Às vezes era uma pena ter um amigo advogado. John era
astuto demais e, quando começava com as perguntas, não havia
como escapar da verdade.
— Que garota? — Evan puxou dois pares de luvas da caixa
de equipamentos e entregou um par para Sam.
— Aquela que ele está planejando jogar na rua, embora o pai
dela esteja doente.
O rosto de Evan iluminou-se com interesse.
— Conte.
Sam informou Evan sobre a situação do escritório, o
contrato e os planos secretos de Nasir para encontrar um
marido para Layla.
— O que Royce pensa sobre toda a situação? — Evan e
Royce eram amigos desde a faculdade. Depois que Sam deixou
a medicina e concluiu seu MBA, Evan o colocou em contato
com Royce, que estava procurando um parceiro para ingressar
em seu novo negócio de consultoria.
— Ele não sabe.
Evan riu.
— Encontre um marido para ela e ela ficará ocupada demais
planejando o casamento para se preocupar em abrir um novo
negócio.
Sam balançou a cabeça enquanto colocava uma luva.
— Ela é teimosa como o inferno, irritante, obstinada e
competitiva demais para desistir do cargo porque alguém quer
colocar um anel em seu dedo. — Ela também era a mulher mais
sexy que ele já tinha visto, mas essa não era uma informação que
ele estava disposto a compartilhar. — Ela é desorganizada,
pouco profissional e seu gosto para móveis é ainda pior do que
seu gosto para amigos.
— Parece meu tipo de garota.
O estômago de Sam apertou ao pensar em Evan com Layla.
Com sua boa aparência e charme fácil, Evan era o rei dos
encontros. Sam não conseguia lembrar de uma noite em que
eles deixaram um bar juntos.
— Ela não é o seu tipo.
— Eu não discrimino — disse Evan, entendendo errado. —
Eu gosto de todas as mulheres. Na semana passada, namorei
uma garota que fez uma cirurgia plástica para ter orelhas de
elfo. Seu nome de elfo era Buttorwyr. Ela me expulsou quando
a chamei de Butt22.
— Que surpresa. — John não fez nenhum esforço para
disfarçar o sarcasmo em sua voz.
— Ela não ficará por aqui por tempo suficiente para você
fazer sua mágica. — Sam escalou as cordas para se juntar a Evan
no ringue. — John diz que a lei está do meu lado. Vou dizer a
ela para limpar suas coisas até o final do dia. — Sem dúvidas.
Não importava que ela fosse bonita, inteligente e sarcástica o
suficiente para mantê-lo alerta. Ele não podia se dar ao luxo de
se distrair.
Evan deu um soco no rosto de Sam, fazendo-o cambalear de
volta para as cordas. O mundo começou a girar e ele caiu de
joelhos, o lado do rosto latejando com o golpe poderoso.
— Que diabos foi isso? — ele gritou, mais zangado consigo
mesmo do que com o amigo que o pegara desprevenido.
Evan estendeu a mão para puxá-lo para cima.
— Chamado de despertar. Você não estava prestando
atenção.

•••

— O que diabos aconteceu aqui? — Sam abriu caminho para


o escritório, empurrando para o lado caixas meio vazias de
pratos, cestas de sapatos, cobertores felpudos, bolsas cheias de

22
Em inglês significa bunda, ele faz o trocadilho com o nome.
roupas, porta-retratos, bichos de pelúcia, frascos de xampu e
pedaços de tecido colorido.
— Você começou tarde, vejo. — Layla ergueu os olhos da
mesa de jacarandá. Ela havia retirado todos os pertences dele e
os espalhou pelo Eagerson em uma pilha. — Estou acordada
desde às cinco da manhã. Passei duas horas na cozinha com
minha mãe, visitei meu pai no hospital e cheguei aqui assim que
os carregadores chegaram com minhas coisas de Nova York.
Sam olhou horrorizado para a bagunça. Não havia como ele
trabalhar neste caos. Como seus clientes conseguiriam passar
pela porta?
— Por que você teria seus pertences pessoais entregues em
seu escritório em vez de em seu apartamento?
— Em primeiro lugar, estou morando com meus pais
enquanto planejo minha vida. Em segundo lugar, esses não são
meus pertences pessoais. Isso é o que eu tinha em meu
escritório. — Ela se recostou na cadeira, cruzando os braços sob
o peito, chamando sua atenção para a blusa branca
transparente que estava desabotoada o suficiente para revelar os
crescentes de seus seios.
Ele forçou o olhar para cima apenas para notar que o cabelo
dela estava solto e caía sobre os ombros em ondas grossas,
escuras e brilhantes. Como diabos ele deveria se concentrar
quando tinha que olhar para ela o dia todo? Por que ela não
poderia ter usado algo solto e horrível? Talvez uma camiseta do
One Direction ou um chapéu de lã…
Sam ergueu um pedaço de tecido.
— Como isso foi usado no negócio de recrutamento?
— Eu o encontrei à venda em uma pequena loja de tecidos
em uma hora do almoço e coloquei debaixo da minha mesa e
esqueci totalmente dele até que eu estava indo embora. Não é
bonito? Vou pedir a Tia Nira para transformá-lo em um salwar
kameez para mim. Ela é dona de uma loja de roupas em East El
Camino Real.
— Este é um local de negócios. — Sam jogou o ferrolho na
caixa mais próxima. — Não é um depósito de armazenamento.
— Ele largou a pasta na mesa bagunçada, encolhendo-se com a
desordem.
— Calma, Sam. Você está totalmente tenso. Vou organizar
tudo e você nunca vai saber que está tudo aqui. — Layla pegou
uma xícara de café de sua mesa e deu-lhe uma visão de sua
bunda perfeita moldada por uma saia preta justa enquanto
caminhava para a cozinha do escritório, seus saltos pretos
batendo suavemente no chão de madeira.
Ele rosnou baixinho. Essa era uma guerra do tipo mais
insidiosa. Ele deslizou em seu assento, amaldiçoando seu novo
terno justo. Claramente o estilista não teve que lidar com
mulheres sensuais em saias justas e salto alto, ou ele teria
deixado um espaço extra de “conforto” para a inesperada
expressão de desejo.
— Se eu estivesse tenso, teria jogado você e seu sofá para fora
no primeiro dia em que entrei aqui. — Ele enfiou a mão na
bolsa e tirou o parecer jurídico.
— Eu ouvi isso — Layla chamou da cozinha. — E se você já
não odeia mais meus móveis, pode vir tomar um café e servir-se
do café da manhã. Comprei donuts e minha mãe fez algumas
dal parathas com as sobras de ontem.
— Donuts e Dal de novo? Você é o epítome da confusão
cultural.
Layla deu de ombros quando saiu da cozinha, café e
guloseimas nas mãos.
— Dal é a minha comida de conforto. Ainda estou
deprimida com a minha separação. Os donuts são apenas parte
do meu plano de passar por todas as padarias da cidade agora
que estou de volta. Você pode se juntar a mim, ou pode apenas
assistir meus quadris se expandirem.
Seus quadris eram deliciosos do jeito que eram. Não que ele
fosse compartilhar seus pensamentos. Ele já estava tendo
problemas suficientes para lidar com a situação lá embaixo.
Ele respirou o rico aroma do café e se amaldiçoou
interiormente por ter decidido renunciar ao seu café expresso
matinal em favor de tentar vencê-la no escritório. Ele não
funcionava bem sem um estímulo de cafeína, mas ele estaria
condenado se aceitasse agora depois que ela o irritou tão cedo.
— Sem café.
— Eu tenho chai, se preferir. — Seus lábios se curvaram em
um sorriso provocador, mas Sam não mordeu a isca.
— Eu te disse, eu não me aproximo dessas coisas.. — De
todos os alimentos tradicionais dos quais havia desistido, ele
sentia mais falta do chai. Sua mãe fazia o chá aromatizado com
uma mistura especial de especiarias e ervas aromáticas indianas.
Era sua bebida de conforto. Mas ele não se permitia mais esses
confortos.
— Que tal água? Eu assisto muitas palestras científicas no
TED. Seu corpo é sessenta e cinco por cento de água, então
você deve ter tomado um ou dois copos em sua vida.
Conversa demais. Muito cedo pela manhã. Dada a natureza
hostil de seu trabalho, Sam preferia começar seu dia de trabalho
em paz.
— Você está planejando me envenenar? É por isso que está
insistindo tanto nas bebidas?
— Eu estava tentando ser educada. Obviamente, meus
esforços são desperdiçados com você. — Seus seios balançavam
suavemente sob a blusa transparente enquanto voltava para a
mesa. Mesmo se ele quisesse o café, não tinha como se levantar
agora e dar a ela o parecer legal. Levaria pelo menos dez minutos
lendo relatórios de ações antes que pudesse sequer pensar em se
mover de sua mesa.
Sam tirou uma bebida esportiva de sua bolsa. Ele já havia
tomado seu café da manhã pós-treino habitual: duas claras de
ovo, duas fatias de torrada integral com manteiga de
amendoim, um copo de leite desnatado e uma banana, mas os
aromas combinados de café e dal parathas lhe deram água na
boca.
— Água açucarada. Eu deveria ter adivinhado. — Ela deu a
ele um sorriso atrevido enquanto se acomodava em sua cadeira.
— Que bom que você trouxe sua própria bebida. Pensei em
adicionar um laxante ou até mesmo uma colher de xarope de
ipecacuanha ao café, mas há apenas um banheiro e vou precisar
me retocar para meus clientes.
Mulher de coração frio. Ela nem tinha vergonha de admitir
que planejava incapacitá-lo.
— Oh Deus — ela deixou escapar, seu olhar fixo em sua tela.
— Outro cara do desilovematch.com quer um horário para ver
meu pai. O que eu vou fazer?
Ele ficou tentado a dizer a ela para escolher um e se casar,
deixando-o com a posse silenciosa do escritório, mas então ele
pensou em Nisha. Se soubesse como é fácil para um predador
se esconder atrás de diplomas, prêmios e um sorriso
encantador, ele teria rasgado todos os currículos que seus pais
receberam em seu nome quando teve a chance.
— Diga a ele para fazer uma caminhada.
Ela tomou um gole de café, com a testa franzida de
consternação.
— Eu ia entrar em contato com todos eles ontem à noite,
mas então comecei a pensar em todo o trabalho que meu pai
fez para encontrá-los. Ele escreveu aquele perfil adorável,
revisou centenas de currículos, conversou com esses caras ao
telefone e marcou as reuniões… E o tempo todo pensava em
mim e que tipo de pessoa eu era e quem me faria feliz.
— Você não conseguiu descobrir por si mesma? — Ele se
encolheu internamente com suas palavras duras. Quem era ele
para criticar? Ele desistiu da busca pela felicidade há muito
tempo.
Longe de ficar ofendida, Layla apenas deu de ombros.
— Eu passei de uma relação desastrosa para outra. Meu
último relacionamento terminou quando encontrei meu
namorado, Jonas, cheirando cocaína em duas modelos nuas em
nossa cama. A pior parte foi que ele me pediu para me juntar a
eles, como se eu fosse seu amigo ao invés de sua namorada. E
essa não foi a primeira vez...
Os olhos de Sam se arregalaram. Esta mulher era cheia de
surpresas.
— Você encontrou outros namorados na cama com
modelos?
— Não. — Ela tomou um gole de café, sua garganta delgada
apertando enquanto engolia. — Mas depois que meu irmão,
Dev, morreu, fiquei muito deprimida e fiz muitas escolhas
ruins, especialmente com os homens. Eu sentia muito a falta
dele. Ele costumava cuidar de mim quando meus pais estavam
ocupados com o restaurante. Ele era um ótimo irmão mais
velho, sempre lá para resolver meus problemas…
— Eu não sabia que você tinha perdido seu irmão. — Ele
largou o parecer jurídico sobre a mesa. — Se eu disse algo
inapropriado…
— Não. Está tudo bem. — Ela ergueu uma mão
desdenhosa. — Foi há cinco anos. Eu superei.
Sam não tinha tanta certeza. Ela estava olhando para o
teclado, a xícara de café congelada no ar. Apesar de seu
antagonismo, ele teve um desejo curioso de fazê-la sorrir
novamente.
— Seu antigo namorado parece um idiota — ele ofereceu.
— Você dificilmente é comum.
Sua cabeça se ergueu, os olhos brilhando de aborrecimento.
— Vou anotar essa e colar na minha tela. Quando estiver
tendo um dia ruim, vou ler 'você dificilmente é comum” e isso
me fará sentir muito melhor.
— Você está procurando elogios? — Ele endireitou os
papéis, organizando-os em fileiras organizadas. — Não parece
ser o seu estilo.
— Você está certo. — Ela colocou a xícara na mesa. — Meu
estilo são jeans e camisetas, e ocasionalmente fico louca com
um par de botas incríveis.
— Essas botas são boas.
— Controle-se, tigre, estamos falando de maridos, não de
botas. — Ela girou para frente e para trás em sua cadeira.
— Certo — ele resmungou. —, esqueci que você estava
tolamente pensando em jogar o jogo do casamento.
— Você não aprova?
— Os casamentos arranjados? Não. Você não pode saber
tudo o que precisa saber sobre alguém depois de ler seu
currículo e encontrá-lo uma ou duas vezes com toda a sua
família presente. É uma tradição retrógrada e antiquada que
precisa ser legislada e extinta. Um cara aparece com um monte
de diplomas e uma conta bancária considerável, conquista a
família com falsas declarações e charme falso, e a próxima coisa
que você sabe, sua irmã está nas mãos de um monstro. — Ele
não percebeu que havia levantado a voz até que suas palavras
ecoaram pela sala.
Silêncio.
— Estamos falando de alguém que você conhece ou de
pessoas em geral? — Ela o estudou tão intensamente que ele se
perguntou se poderia ver em sua alma.
— Eu vi como isso pode dar terrivelmente errado. — Não
havia nenhuma maneira que ele deixaria uma mulher tão
vibrante e vivaz como Layla sofrer o mesmo destino que Nisha.
— E eu vi como pode dar certo. — Ela caminhou até a mesa
dele, passando por cima de caixas, cabides e uma curiosa ovelha
de pelúcia para alcançá-lo. — Não estou falando sobre
casamentos forçados. Estou falando de uma introdução
arranjada. Foi assim com meu irmão e sua esposa. Dev estava
ocupado com sua carreira, então pediu aos meus pais que o
ajudassem a encontrar uma parceira. Eles postaram seu perfil.
A família de Rhea respondeu porque ela também tinha uma
carreira ocupada e sem tempo para namorar. Nossas famílias se
conheceram. Dev e Rhea responderam. Eles saíram em alguns
encontros. Três meses depois, eles se casaram. Se não tivesse
dado certo, qualquer um deles poderia ter ido embora.
— Então você quer ser igual a ele? É isso? — Sam perguntou
amargamente — Seus pais encontraram uma esposa para seu
irmão e você quer um também?
— Sam. — Ela bateu as mãos na mesa, as narinas dilatadas.
— Fala sério, se isso é possível para você. Nunca pensei em um
casamento arranjado até agora. Sempre acreditei no amor
verdadeiro, assim como em A Noiva Princesa. Sempre pensei
que meu Westley estava lá fora. Eu só tinha que encontrá-lo.
Falando sério? Ele não conseguia se lembrar de um dia,
desde o acidente, em que não estivesse falando sério. O fardo da
dor de Nisha pesava em sua alma, pintando seu mundo de
sombras. Como Layla poderia confundir seus comentários
cáusticos com humor?
— Então qual é o problema? Apenas sente-se e espere que
esse tal de Westley apareça na sua porta.
— Esse tal de Westley? — Ela deu a ele um olhar incrédulo.
— Você não viu A Noiva Princesa? É o melhor filme de todos
os tempos. Westley era o homem perfeito. Ele era um pobre
garoto de fazenda que faria qualquer coisa que a Princesa
Buttercup pedisse porque a amava.
— Parece um idiota para mim — disse Sam. — Que tipo de
homem deixa uma mulher mandar nele? Ele não tinha respeito
próprio?
— Ele tinha um amor verdadeiro. E nunca morreu, nem
quando ele teve que deixá-la, nem quando voltou anos depois
e descobriu que um príncipe malvado estava tentando forçá-la
a um casamento que ela não queria.
— Então isso é um não ao respeito próprio. — Sam alinhou
suas canetas ao lado de seus lápis. — Se ele realmente a amasse,
ele não teria partido em primeiro lugar, especialmente se
houvesse príncipes malvados farejando ao redor de sua mulher.
— Ele não tinha nada para dar a ela, então ele foi buscar sua
fortuna. Ele queria ser digno.
Sam não assistia muitos filmes, especialmente aqueles com
princesas e um amor verdadeiro, mas a busca do menino da
fazenda por merecimento ressoou nele. Ele havia perdido o
senso de autoestima no dia em que Nisha lhe contou sobre a
bebida e o temperamento violento de Ranjeet e sua suspeita de
que ele era o responsável pelo acidente.
— Esse tal de Westley encontrou o que estava procurando?
— Ele se tornou um pirata, fez fortuna, salvou-a do
casamento e viveram felizes para sempre.
— Não há felizes para sempre. — Ele teria se tornado um
pirata e salvo Nisha para que ela também pudesse ter tido uma
vida feliz.
— Eu não sei, Sam. — Ela se sentou em sua mesa, as pernas
casualmente balançando sobre a borda como se tivessem
cruzado o palco em seu relacionamento onde a intrusão em seu
espaço pessoal era de alguma forma aceitável.
Sam folheou o parecer jurídico e o segurou no colo porque
o cheiro atraente de seu perfume e as curvas suaves a apenas
alguns centímetros de distância estavam criando problemas lá
embaixo.
— E se meu pai não sobreviver? — Sua voz tremeu. — E se
esta for a última coisa que ele fez por mim? Estou cansada de
namorados ruins. Quero voltar para casa todos os dias e
compartilhar minha vida com alguém que está comprometido
com o relacionamento da mesma forma que eu. Voltei para
casa para consertar as coisas, me reinventar. Vida nova. Novo
emprego. Nova perspectiva. Então, por que não estender isso
aos relacionamentos também? Por que não conhecer os
homens que meu pai escolheu? Eles não podem ser piores do
que os caras que eu mesma escolhi. Eles postaram seus perfis
online porque querem se casar. Eles não vão me amarrar e
quebrar meu coração. O amor está fora de questão.
— Existem outras opções — ele disse bruscamente. — Você
não deixa uma decisão que pode afetar o resto de sua vida para
seus pais. Você é linda, inteligente e ambiciosa. Não precisa de
ajuda para encontrar um namor… — Sua voz sumiu quando ele
registrou o choque em seu rosto. — O que há de errado?
— Achei que você me odiasse.
— Eu odeio que você não saia do meu escritório — ele disse
rapidamente, tentando encobrir seu erro. — Eu não te conheço
bem o suficiente para te odiar, embora se você colocar um
laxante no café, posso ver as coisas piorando muito
rapidamente.
Sua risada suave aqueceu seu coração.
— Eu sei que você é contra casamentos arranjados, mas você
realmente me convenceu a tentar. Quão diferente é do Tinder,
exceto que meu pai escolheu e clicou em sim em vez de deslizar
para a direita? Não terei que lidar com fisiculturistas de um
metro e oitenta que acabam sendo nerds de um metro e sessenta
e cinco que moram no porão da mãe.
Ele percebeu sua indiferença desaparecendo com uma
velocidade desconcertante ao pensar em Layla com
fisiculturistas tonificados e estranhos do desilovematch.com.
— Como você vai administrar um negócio quando você está
constantemente se esgotando em encontros? — Ele protestou.
— Há dez nomes nessa lista. É uma loucura.
— Vou encontrá-los na sala de reuniões — disse ela. — Você
nem vai saber que estamos aqui.
Mas ele saberia. Ele olharia para eles e se perguntaria se havia
um monstro escondido sob a máscara apenas esperando para
apanhá-la sozinha e longe de sua família para que pudesse
abusar dela. E ele se preocuparia, assim como se preocupou
quando ela levou Hassan para a sala de reuniões e fechou a
porta.
Ele olhou para o sofá de brocado roxo com sua trança
dourada e moldura de jacarandá intrincadamente entalhada,
considerando outra tática.
— Se eles responderam ao perfil que seu pai postou,
provavelmente são muito tradicionais. Vão ficar com a ideia
errada se você não tiver um parente masculino presente. — Ele
quase não conseguia acreditar nas palavras que saíam de sua
boca. Desde quando ele se preocupava com tradição ou
propriedade? Ou sobre essa mulher que estava decidida a
roubar seu escritório?
— Eu não preciso de um homem para encontrar um
homem — ela respondeu. — Além disso, não posso deixar
ninguém da minha família saber. Se eles soubessem que eu
estava no mercado matrimonial, ficariam loucos.
— Hassan estava checando sua bunda quando entrei. O que
teria acontecido se eu não estivesse lá?
— Eu teria chutado ele entre as pernas e quebrado seu nariz
se tentasse qualquer coisa. — Ela socou o ar, seu punho
assobiando passando por sua orelha, enviando uma onda de
adrenalina por suas veias. — Eu fiz Krav Maga em Nova York
porque meus pais estavam convencidos de que a cidade estava
cheia de criminosos esperando para atacar.
— Então, o escritório vai se tornar um clube da luta e um
bordel. — Sua mão apertou sob a mesa em frustração. — Com
certeza direi aos meus clientes para trazerem dinheiro quando
vierem para as reuniões.
— Bem. Vou encontrá-los em outro lugar. — Ela inclinou a
cabeça para o lado, dando a ele um olhar sensual e ardente que
o fez segurar os papéis em seu colo um centímetro mais alto. —
A menos que…
— A menos que o quê? — A pele de sua nuca se arrepiou
em advertência.
— A menos que você atue como meu acompanhante.
— Não seja ridícula — ele balbuciou. — Eu não sou uma
babá. Além disso, você não poderia me pagar.
— Talvez eu pudesse te pagar de outra maneira…
Seu coração deu um salto e por um momento ele pensou
que sua fantasia dela naquelas botas em sua mesa poderia se
tornar realidade.
— Sou todo ouvidos, querida. E muitas outras coisas.
— Isso não. — Ela gemeu. — Se você agir como meu
parente masculino simbólico para as entrevistas, não vou
expulsá-lo do escritório. Nós podemos compartilhar.
— É meu escritório.
— Isso está em debate.
Não mais. Ele olhou para os papéis em seu colo. Ele
realmente queria que ela fosse embora? Especialmente agora
que sabia que ela estava planejando encontrar os possíveis
pretendentes sozinha e se lançar em um casamento arranjado
com um estranho virtual? Imagens de Nisha cintilaram em sua
mente. Sinos de alerta que não tinha ouvido. Sinais que ele
havia perdido. Como ele poderia deixar outra mulher sofrer o
destino de sua irmã? E se um dos homens da lista de Layla fosse
como Ranjeet?
Sam fungou.
— Você está me pedindo para ser seu cafetão? Como vou
conseguir meu corte de quarenta por cento?
— Estou pedindo que você use suas formidáveis habilidades
de selecionar candidatos para a redundância para eliminar os
caras da lista do meu pai enquanto protege minha honra em
troca da coabitação pacífica do escritório. — Ela agarrou uma
buzina de festa da caixa mais próxima e soprou bem alto,
fazendo seus ouvidos zumbirem.
— Que diabos?
— Festa de Natal de 2017. Tenho uma caixa inteira deles.
Não havia nada de pacífico no escritório em seu estado
atual. Nem houve paz quando Daisy e seu cachorro vieram
visitá-la. Layla atraía o caos e ele havia passado os anos desde o
acidente de Nisha tentando colocar tudo em sua vida sob
controle. A última coisa de que precisava era o fardo de ajudar
uma mulher estranha e barulhenta a encontrar um marido.
E ainda assim ele não se sentia tão vivo nos últimos quatro
anos quanto nos últimos três dias.
— Vou examinar seus bois — disse ele, pensando
rapidamente. — Mas em troca, quando os encontros às cegas
terminarem, você vai embora. O escritório será meu, livre e
limpo.
Silêncio.
Diga sim. Seu coração bateu forte no peito. Pela primeira
vez em muito tempo, ele sentiu desejo.
— Você não pode se referir a eles como bois — ela disse
finalmente.
Sam deu um suspiro de alívio.
— Eles querem sexo. Sexo seguro, regular e disponível. É por
isso que eles se inscreveram.
— Você tem uma visão muito cínica do casamento.
— Prefiro pensar que é realista. — Ele lambeu os lábios em
antecipação. — Você concorda com meus termos?
Layla mordiscou sua unha do polegar.
— Eu tenho uma condição própria. Se eu não encontrar um
marido, você terá que ir embora.
O pulso de Sam disparou. Ele tinha sentido falta disso. Uma
negociação rápida. Um oponente digno. Um prêmio que vale a
pena. E o fato de sua adversária ser uma bela mulher com quem
ele queria ir para a cama só tornava tudo mais interessante.
— Você tem todo o controle. Poderia recusar todos eles
apenas para vencer.
— Eu ganho de qualquer maneira. — Ela pegou um dos
lápis dele e o girou nos dedos, um truque de festa que ele nunca
fora capaz de dominar. — Eu consigo o escritório ou encontro
um marido. Mas estou disposta a ir embora se meu pai
encontrar um par adequado. O escritório é seu incentivo, não
meu.
Ele confiava nela? Sim, ela era tão genuína quanto parecia, e
sua integridade o deixou ainda mais ciente de suas falhas a esse
respeito. Ele ficou tão cego pelas oportunidades que Ranjeet
lançou em seu caminho que perdeu todas as pistas que
apontavam para o fato de que seu cunhado tinha um segredo
obscuro.
Essa era uma chance de compensar os erros do passado, de
ser o homem que queria ser e, ao mesmo tempo, assegurar o
cargo que o traria um passo mais perto da verdade.
— Acordado.
— E contratamos Daisy como recepcionista, gerente de
escritório — acrescentou Layla. — Vamos ter seus clientes,
meus clientes e dez pretendentes para lidar. Ela é engenheira de
software, mas está entre empregos agora. Ela é incrível com
números e organizando as coisas. Eu sei que ela parece um
pouco peculiar, mas…
— Não a Crazy Daisy. Escolha outra pessoa.
Layla torceu os lábios para o lado e olhou ao redor do
escritório, considerando.
— Você pode ficar com a mesa de jacarandá.
— Que comece o jogo do casamento!
Seu sorriso iluminou seu rosto.
— E que vença a melhor mulher.
• •
— Contratado, despedido ou desejado? — A voz de Daisy
ecoou pelo escritório, chamando a atenção de Layla para o
homem na recepção.
— Eu… — Ele passou a mão pelo cabelo escuro e espesso. —
Não tenho certeza.
Daisy suspirou.
— Você está procurando um emprego, planejando demitir
todos os seus funcionários como um bastardo capitalista frio e
implacável, ou procurando uma esposa?
— Daisy! — Layla correu para a recepção. Ela se arrependeu
de contar a Daisy sobre o jogo, especialmente porque sua prima
não a apoiava, mas se Daisy ia cuidar de seus visitantes,
precisava saber todos os fatos. — Eu te disse antes. Sem
palavrões.
O mensageiro estendeu seu tablet.
— Eu tenho um pacote para Sam Mehta. Eu preciso de uma
assinatura.
— Que decepcionante. — Daisy rabiscou seu nome no
bloco eletrônico. — Tem certeza de que não está procurando
uma esposa? Temos uma única consultora de recrutamento de
26 anos, um pouco desesperada, disponível. Ela é inteligente,
ambiciosa, agradável aos olhos, e faz um rogan josh maldoso.
— Daisy!
— Você não faz um rogan josh maldoso? — Ela fingiu um
olhar inocente enquanto o mensageiro se afastava. — Porque a
última vez que a visitei em Nova York, minhas papilas
gustativas explodiram de prazer.
— Onde está Sam? — Layla verificou seu telefone. — Ele
deveria estar aqui às 12 horas.
— Ele teve reuniões com clientes esta manhã. Não se
preocupe. Ele estará aqui a tempo de conhecer o Solteirão nº 2.
— Daisy afofou sua saia branca estilo cereja com estampa dos
anos 50 e se acomodou na cadeira.
Layla gemeu.
— Você não pode se referir a eles assim.
— Por que não? Eles são todos solteiros. Ele é o número dois
da lista. Você disse que está jogando. É uma maneira perfeita de
identificá-los. Concorrente não parecia certo porque isso
sugeriria que você é um prêmio, e embora você seja em um
sentido metafórico, eu não gostaria de objetificá-la de forma
alguma.
Layla tamborilou os dedos na mesa de Daisy.
— Que horas são? Vamos almoçar com o cara e temos que
ter tempo suficiente para chegar lá.
— Relaxe. — Daisy cobriu a mão de Layla, mantendo-a
imóvel. — Na semana em que trabalhamos juntos, Sam nunca
se atrasou para nada. Não é natural. Acho que ele pode ser um
andróide. Ele certamente não age muito como um humano.
— Ele é apenas um maníaco por controle. — Layla respirou
fundo para se acalmar. — Eu acho que é meio fofo. — Sam
tinha entrado e saído do escritório a semana toda, mas eles
tiveram algumas conversas civilizadas – e algumas não tão
civilizadas. Layla também se divertia chegando cedo para
bagunçar seus papéis e desalinhar suas canetas. Uma manhã, ela
até girou sua mesa cinco graus a mais para ver se ele notaria –
ele notou.
— Você está do lado dele? — A voz elevada de Daisy
assustou o pobre Max, que latiu no momento em que Sam
entrou pela porta.
— Perdoe-me. — A voz de Sam gotejava gelo. — Achei que
fosse um negócio, não um abrigo para animais.
— Max é um cão de apoio emocional — explicou Layla. —
Daisy precisa dele.
— Ela não precisou de nenhum apoio emocional durante
toda a semana. Porque agora?
— Você já se olhou no espelho, cara? — Daisy pegou Max e
deu-lhe um abraço. — Uma semana com você e preciso de todo
o apoio que puder conseguir.
— Ela tentou trabalhar sem ele, mas foi uma luta, então eu
disse que ela poderia trazê-lo. Ele tem se comportado muito
bem — Layla assegurou-lhe. — Ele não fez xixi em nada…
— É um padrão baixo.
— Você está muito alegre hoje — disse Daisy em uma voz
que sugeria que ela não pensava nada disso. — Você demitiu
muitas pessoas esta manhã? Está se sentindo bem? Arrasando
com aquele sentimento de destruição de vidas? Acho que você
vai sair para comemorar forrando os bolsos dos acionistas
depois do trabalho. Você pode pedir uma garrafa de Cristal e
um pouco de caviar e torrar todas as pobres almas que estão na
fila do banco de alimentos esta noite.
Sam desviou seu olhar para Daisy.
— Estou ansioso pelo dia em que sua antipatia em relação
ao meu negócio seja tão grande que você sinta que não pode,
em sã consciência, continuar a trabalhar aqui.
— Estou ansiosa para o dia em que você realmente criar
consciência e perceber que deve honrar os desejos do tio Nasir
e vazar — rebateu Daisy.
— Parabéns pelo vocabulário criativo. — Ele examinou sua
correspondência, mãos fortes separando habilmente os
envelopes. A pele de Layla formigou com a ideia de ser tocada
por aquelas mãos – segurada, acariciada, apalpada até ficar sem
fôlego.
— Você não acreditaria quantas linguagens eu tive que
aprender para obter meu diploma de engenharia de software.
— A voz de Daisy a tirou da fantasia e suas bochechas
esquentaram. O que havia de errado com ela? Este era Sam – a
pessoa menos favorita de Daisy no mundo.
O olhar de Sam desviou-se para a camiseta Riot Grrrl de
Daisy.
— Vejo que Inglês não era um deles.
Os olhos de Daisy endureceram.
— Em que nível você chegou para esmagar as almas
humanas?
— Eu lhe direi quando eu esmagar a sua — Sam disse, um
meio sorriso curvando seus lábios.
— Você fica sexy quando me ameaça — Daisy gritou
enquanto ele se dirigia para a mesa. — Na verdade, você é sexy
quando não está me ameaçando, mas eu gosto dessa pequena
sugestão extra de ameaça.
— Por que você continua provocando ele? — Layla
perguntou.
— Eu não posso evitar. — Daisy acariciou Max, que havia
acabado de mastigar o braço da cadeira e agora procurava algo
saboroso para comer. — Há algo nele... Quem não se aproveita
do fato de termos comida do The Spice Mill na cozinha todos
os dias? Quem bebe chá inglês quando temos uma panela do
chai caseiro de sua mãe? Quem não quer ouvir "Badtameez Dil"
para se animar pela manhã? Ou "Mundian To Bach Ke" no
final do dia? Ele me disse que se eu quisesse ouvir esse tipo de
música, deveria apenas colocar "Despacito".
— Nem todo mundo gosta de curry e Bollywood. — Ela
ofereceu a Max um pakora da sacola que pegara no restaurante
e ele deu uma cheirada curiosa.
— Ele é marrom. Está no sangue. — Daisy pegou o telefone
e tirou uma foto de Max com o pakora entre as patas.
O olhar de Layla se voltou para Sam. Ele era definitivamente
um enigma. Uma observação cuidadosa na última semana
revelou que ele malhava na maioria das manhãs, comia uma
comida saudável, embora chata, tinha um vício em café e era
muito focado e intenso quando estava trabalhando.
— Talvez ele tenha alergia.
— À música de Bollywood? — Daisy ergueu o telefone. —
Vamos colocar o Mr. India e ver se ele começa a ter urticária.
— Você gosta dele? É disso que se trata? — Layla sentiu uma
curiosa pontada de ciúme ao pensar em Daisy e Sam juntos.
Não fazia sentido. Ela tinha acabado com o namoro e agora
estava comprometida com um casamento de companheirismo,
sem risco de amor e da dor que vinha com ele.
— Você está brincando comigo? — Daisy bufou. — Eu e
ele? Cinco minutos juntos à sós e um de nós estaria no chão
com uma faca no coração. Eu sou um pássaro livre, minha
amiga, ainda tentando descobrir o que vou fazer da minha vida,
e um homem tão tenso é a gaiola definitiva.
Ela não estava errada. Sam limpava toda a sua mesa todas as
noites e enxugava-a com desinfetante. Todas as manhãs, pegava
seus lápis e canetas e os arrumava em uma linha organizada ao
lado dos arquivos perfeitamente empilhados que ficavam atrás
de seu laptop. Ele estava sempre impecavelmente vestido, a
gravata com um nó perfeito e o cabelo penteado suavemente.
Sua atenção aos detalhes era desconcertante para alguém que
nunca havia empilhado nada ordenadamente em sua vida.
— Você nos enviou cópias do…? — Layla odiava usar a
abreviatura de Daisy, mas os números faziam sentido. —
Currículo de casamento do Solteirão nº 2?
Daisy assentiu.
— E do Solteirão nº 3. Para ser honesta, eu acho que você
deveria considerar dar ao Solteirão nº 2 um cartão difícil
porque o Solteirão nº 3 é um bombeiro e a foto que ele enviou…
— Ela se abanou com uma das mãos e ergueu a foto dele em seu
telefone com a outra. — Eu amo um homem de uniforme. E
ele tem uma mangueira grande. Estou ficando com calor só de
olhar.
— Eu posso ouvir vocês — Sam gritou. — Isso em um
escritório. Por favor, mantenha a discussão em um nível PG.
— Que tal você manter seus pensamentos sujos de censura
para si mesmo — retrucou Daisy. — Estamos vendo a foto de
um bombeiro segurando uma mangueira na rua para refrescar
as pessoas em um dia quente de verão. Na minha inocência, não
consigo nem imaginar o que você estava pensando.
— Eu pensei que você estava usando uma metáfora — disse
Sam. — Mas claramente eu não deveria supor…
Layla olhou para a foto. O bombeiro estava sem camisa,
exceto pelos suspensórios segurando suas calças de bombeiro,
que estavam abertas de uma forma que sugeria que ele não
estava a caminho de um incêndio.
— Isso é… uma mangueira.
— Eu ainda posso ouvir você.
— Ele está com ciúmes — sussurrou Daisy. — Ele gostaria
de ter uma mangueira grande que deixasse as mulheres
molhadas.
Layla foi até a mesa de Sam, onde ele já estava ocupado em
seu laptop.
— Você está pronto para ir? Perguntei a Dilip Sandhu onde
gostaria de se encontrar e ele sugeriu um novo restaurante pop-
up no mesmo quarteirão. Ele disse que, como a família da
mulher tradicionalmente paga, ele queria ir a algum lugar que
normalmente não podia pagar.
— Que deliciosamente grosseiro.
— Chama-se Space. — Ela tentou não olhar para as mãos
dele enquanto ele terminava de digitar, mas com a fantasia
ainda fresca em sua mente, era uma batalha perdida. — É muito
exclusivo. A única razão pela qual consegui uma mesa foi
porque o chefe de cozinha conhece meu pai. Eles têm vinte e
quatro sessões de uma hora todos os dias com apenas uma mesa
por vez.
Sam gemeu ao fechar seu laptop.
— É melhor eu pegar alguns sanduíches no caminho. Parece
o tipo de lugar em que você só consegue duas ervilhas e uma
lasca de aspargo em um pedaço de alface que foi cultivada no
pico mais alto da montanha do Nepal e regada com lágrimas de
anjos.
— Não é fã de alta gastronomia? — Ela o seguiu escada
abaixo e saiu para o sol forte.
— Eu gosto de comida. Montes dela. — Ele parou no café
mais próximo e pediu três sanduíches Reuben, duas saladas
Cobb e três garrafas de água.
— Você gostaria de alguma coisa? — ele perguntou depois
de fazer seu pedido.
Layla olhou ansiosamente enquanto o atendente entregava
seu banquete.
— Não quero estragar meu apetite. — Ela apontou para o
balcão de produtos de panificação. — Você esqueceu a
sobremesa.
— Eu não como açúcar.
— Então a refeição é desperdiçada. — Ela abriu a bolsa para
revelar seu esconderijo secreto. — Sempre levo sobremesas de
emergência comigo – ursinhos de goma, chocolate com
caramelo salgado, jujubas, donuts com cobertura de chocolate
– pelo menos acho que eram isso, e esta manhã consegui pegar
um pequeno recipiente de laddu de besan e alguns gulab
jamun.
— Você está esperando uma crise? — Sam tirou um de seus
sanduíches e comeu enquanto caminhavam.
— Você nunca sabe quando vai precisar de um pouco de
estímulo. — Ela ergueu o telefone e folheou para o currículo de
casamento do homem que estavam prestes a conhecer. — Vou
informá-lo enquanto caminhamos para que você possa encher
a cara no caminho para o almoço.
— Não "encho minha cara" — disse ele com uma fungada
arrogante. — Mas eu agradeço a oferta.
— Dilip Sandhu. Trinta e cinco anos. 1,62m de altura. Sem
cicatrizes visíveis. 59 quilos. Nasceu em San Diego. Os pais
emigraram de Mumbai. O pai é contador. Mãe é costureira.
Sem irmãos. Ele trabalha em uma empresa de consultoria de
tecnologia como gerente de pesos e medidas responsável pela
entrega e implementação de serviços relacionados a testes,
calibração e certificação de dispositivos de pesagem e medição.
Gosta de dançar, mergulhar em cavernas e teatro musical.
Sam terminou seu sanduíche e sacou outro.
— Esse cara é perfeito para você, embora você precise usar
sapatos baixos quando estiver com ele. E pode ser um pequeno
palpite. Você não quer estar muito acima se estiver passando
sua lua-de-mel em uma caverna.
— Como você saberia que ele é perfeito? Você não sabe o
que procuro em um parceiro.
— O que você procura em um homem? Estou curioso. —
Ele mordeu o sanduíche e o estômago de Layla roncou.
Ela nunca tinha realmente pensado sobre seu homem ideal,
mas sabia o que não queria – alguém como Jonas ou a série de
homens que o precederam. Ela puxou um donut da bolsa e
tirou os guardanapos de papel.
— Ele precisa me respeitar e me tratar como igual. Ele tem
que apoiar meu desejo de dirigir meu próprio negócio e não
esperar que eu assuma funções tradicionais.
Sam torceu os lábios para o lado como se estivesse pensando
profundamente.
— Então, nenhum missionário.
— Você nasceu assim ou fez cursos sobre como ser um
idiota?
Um pequeno sorriso apareceu em sua boca.
— Missionário é a posição tradicional.
— Se você não vai levar isso a sério…
Seu olhar caiu para sua boca.
— Estou levando isso tão a sério quanto você está lambendo
esse donut. Não acho que tenha sobrado nem um grão de
cobertura. Devíamos deixar Dilip saber que você tem um
talento incrível com a língua.
Um desperdício tão grande de um homem de tirar o fôlego.
— Não se atreva a dizer nada sobre a minha língua. — Ela
parou na frente de uma porta azul brilhante em um prédio de
concreto na esquina da rua. — Eu adoro doces e não tenho
vergonha. É tudo o que há para dizer. Não há necessidade de
mencionar donuts.
— Que tal pãezinhos?
Ela olhou por cima do ombro e o pegou olhando para a
bunda dela. Ela estava usando uma saia preta justa por
nenhuma outra razão, exceto que teve um estranho desejo de se
sentir sexy depois que Hassan a retalhou no outro dia.
Ela se mexeu um pouco antes de entrar no restaurante e foi
recompensada com o som de sua inspiração aguda.
— Layla?
— Sim? — Ela se virou na porta e deu um sorriso atrevido.
— Eu também gosto de coisas doces.

•••

— Isto não é o que eu esperava. — Dilip cortou


cuidadosamente seu pedaço de meia polegada de pommes
dauphines23 desmontados servido com uma gota de redução de
espuma de feijão de fava do tamanho de um centavo. Seu olhar
foi de Sam para Layla e de volta para Sam do outro lado da mesa
de toras toscas.

23
Pommes dauphine são folhados de batata crocantes feitos pela mistura de purê de batata
com saborosa massa choux, formando a mistura em formas de quenelle ou bolas
O espaço consistia em uma sala gigante de concreto com
uma lâmpada nua pendurada no alto. Sem janelas, pinturas ou
decoração de qualquer tipo, e ainda menos comida do que Sam
havia previsto, era o local perfeito para um interrogatório, mas
um encontro às cegas com uma esposa em potencial, nem
tanto.
— Pensei em me encontrar com o Sr. Patel e a Srta. Layla.
— É apenas Layla — Sam interrompeu rapidamente para
evitar que o almoço chegasse ao fim prematuro. Cinco minutos
de entrevista, e ele sabia que teria que trabalhar duro para fazer
esse cara se fixar.
— Apenas a Srta. Layla. — Dilip sorriu. Um de seus dentes
da frente enormes estava lascado e torto e, com seu rosto
redondo, uma abundância de cabelos lisos e escuros e uma
estrutura corpulenta, ele lembrava Sam de um castor demente.
— Ele quer dizer que você pode apenas me chamar de Layla.
— Com um suspiro, Layla olhou para seu prato vazio. Ela havia
encomendado pepinos-do-mar selvagens do Alasca com
curadoria, polvilhados com cardo leiteiro artesanal colhido ao
anoitecer nas Fazendas Springdale e servidos em um mar de
purê de urtigas. Pelo menos Sam achava que era isso. Ela comeu
a fatia inteira de pepino com uma mordida.
— Tem certeza de que não gostaria de algo, senhor? — O
garçom, vestido com um saco de grãos com recortes para a
cabeça e os braços, pairou ao lado de Sam.
— Não, obrigado. — Sam esfregou a barriga e soltou um
pequeno arroto. — Eu não deveria ter tido aquele segundo
Rueben no meu caminho. Ou talvez fosse a salada Cobb. Estou
tão cheio que nem consigo lidar com um amuse-bouche24 de
espuma de sardinha fermentada ou consomê de hidrogênio-
monóxido.
Layla o chutou por baixo da mesa. Com força. Mas o
hematoma que ele teria da ponta do sapato dela valeu a pena.
— O Sr. Patel teria gostado de estar aqui, mas como ele está
doente, estou tomando seu lugar — explicou Sam.
Infelizmente, Dilip, gerente de pesos e medidas, não achou
que sua resposta estava à altura.
— Você é primo dela?
— Não.
— Tio?
— Não.
— Sobrinho?
— Não.
— Avô?
— Você está brincando comigo? — Sam balbuciou. — Eu
não tenho um único cabelo grisalho.
— Irmão?
— Meu irmão faleceu há cinco anos — Layla interrompeu.
— Irmã? — Dilip não desistia.

Amuse-bouche: ou amuse-gueule é um aperitivo de tamanho pequeno, para uma única


24

mordida.
Sam deu uma bufada afrontada.
— Eu pareço com a irmã de alguém?
— Estamos em tempos modernos — disse Dilip. — Você
poderia ter passado por uma mudança.
— Sou totalmente homem. — Sam se recostou na cadeira e
abriu as pernas. — Cada pedaço maldito.
— Acho que ele se sente ameaçado — Layla deu a Dilip um
sorriso de desculpas. — Ele geralmente só xinga antes das dez
da manhã.
— Quero que você saiba, estou muito seguro em minha
masculinidade. — Sam estufou o peito. — Tenho uma camisa
amarela no meu guarda-roupa, e uma vez até a vesti do lado de
fora. Embora, para ser justo, eram duas da madrugada e eu
tinha esquecido de levar o lixo para fora.
— Sam é um amigo da família — ofereceu Layla.
— Um amigo casado?
— Não — disse Sam.
— Acionado?
— Não.
— Em um relacionamento sério?
— Que tal dar a Layla a chance de perguntar suas vinte
perguntas? — Sam sugeriu. O cara era como um cachorro com
um osso.
— Como você fantasia seu relacionamento com sua
parceira? — Layla perguntou.
Dilip engasgou com sua redução de espuma de feijão de fava
e fixou em Sam um olhar em pânico.
— Acho que ela está se perguntando o que você procura em
uma esposa. — Sam se virou para Layla, sem fazer nenhum
esforço para esconder seu sorriso malicioso. — Ou eu entendi
mal?
— Não. Você entendeu corretamente.
— Que pena — ele murmurou baixinho. — Eu esperava
que você tivesse um lado pervertido secreto. Se você quiser
saber o que eu fantasio, ficarei mais do que feliz em
compartilhar.
Layla gemeu.
— Não estou interessada em ouvir sobre suas aspirações de
ser dançarino na produção da Broadway de A Chorus Line.
— Quero alguém para cozinhar e limpar, cuidar dos meus
pais e cuidar da casa — Dilip interrompeu. — Ela também deve
estar disposta a cumprir deveres de esposa e ter filhos.
— Deveres de esposa? — Layla assobiou em uma respiração.
— Há tanta coisa errada com essas palavras, que não sei por
onde começar.
Sam suspirou. Isso não estava indo bem. Se ele pretendia
casá-la e deixá-la fora do escritório, ele teria que seguir em
frente.
— Ele estava brincando. — Ele acenou com a cabeça para
Dilip jogar junto. — É coisa de homem. Gostamos de
eufemismos. Ele poderia facilmente ter dito fazendo uma
festinha, fodendo, batendo, trepando, transando, assando a
batata, desossando, boom-boom, foxtrot de quatro patas,
invernizando o donut, acertando um home run, lançando o
míssil de carne, fazendo bacon, abrindo as portas de Mordor,
pinochle pélvico, plantando a Pastinaca, soltando o Kraken,
rolando no feno, enfiando o muffin, ou duas bolas no bolso do
meio... — Ele parou quando percebeu suas expressões
chocadas. — Ou sexo — acrescentou ele. — Ele poderia
simplesmente ter dito isso.
— Não é à toa que você não tem namorada. — Layla deu a
ele um olhar fulminante. — Não consigo imaginar uma mulher
que ficasse por aqui depois que você a levou para um bom
jantar e depois disse: "Ei querida, vamos lançar o míssil de
carne”, ou meu favorito pessoal, “solte o Kraken”.
— Eu não disse que os usei. — Sam afrouxou o colarinho.
Por que o restaurante estava tão quente?
— Você os conhece. Isso é ruim o suficiente.
Dilip inclinou a cabeça para o lado.
— O que é um kraken?
— É o que vou fazer com a cabeça de Sam em cerca de três
segundos — disse Layla.
Sam sorriu.
— Um kraken é um enorme monstro marinho mítico.
— Estamos no ensino médio? — Layla olhou ao redor da
sala vazia em confusão simulada. — Porque eu poderia jurar
que você estava apenas falando sobre o tamanho do seu...
— Que tal esportes? — Sam perguntou a Dilip. É hora de
colocar as coisas de volta nos trilhos antes que Layla cumpra
sua ameaça. Pelos olhares raivosos que estava lançando em sua
direção, Sam não duvidou que ela fosse totalmente capaz de
quebrar sua cabeça. — Onde fica a caverna mais próxima, e
podemos ter uma demonstração?
— Ignore-o — disse Layla. — Ele está com ciúme porque
não faz nada emocionante. Mas minha família gosta de
esportes. Minha mãe e eu amamos beisebol. Somos grandes fãs
do Giants. Nunca perdemos um jogo em casa.
— San Francisco Giants? — Sam soltou uma risada. — Eles
não são um time de verdade. Aquele duto de crianças ricas está
secando há anos.
Layla jogou a cabeça para trás e olhou para o teto.
— Não me diga que você apoia os pobres A’s do lado errado
das pistas com o estádio que cheira a esgoto.
— É sobre o jogo, querida. É uma questão de habilidade.
Não precisamos de um estádio chique na enseada para chutar a
bunda coletiva dos Giants. Vencemos sessenta e três jogos na
Bay Bridge Series contra seus lamentáveis cinquenta e sete.
— Quem se importa com a Bay Bridge? — ela respondeu.
— Os Giants venceram a World Series em 2010 contra o Texas
Rangers, em 2012 contra o Detroit Tigers e em 2014 contra o
Kansas City Royals. Se você contar as vitórias deles quando
começaram em Nova York, eles têm um total de oito títulos da
World Series.
Impressionante. Ela realmente conhecia sua equipe.
Claramente, não era uma fã falsificada.
— Dois mil e quatorze? — Sam coçou a cabeça, incapaz de
resistir a provocá-la. — Essa foi a última grande vitória deles?
Eu sei que eles perderam noventa e oito jogos em uma
temporada. Acho que é algum tipo de recorde.
Layla rosnou tão baixinho que ele não teria ouvido se não
estivesse sentado no banco ao lado dela.
Tão bonitinho. Pena que sua equipe era um lixo.
— Foi um ano ruim. — Ela se sentou e olhou para ele. —
Não vou abandonar minha equipe por um ano ruim depois de
décadas de sucesso. Todos merecem uma chance, seja para
encontrar um emprego ou para jogar bola.
— Você parece ter uma queda pelos azarões. — Ele olhou
para Dilip, o “rei dos oprimidos” Sandhu, que questionava um
dos garçons sobre a sobremesa.
— E você não tem fé nas pessoas. — Layla desabotoou o
botão de cima da blusa e abanou a camisa como se tivesse
acabado de participar de uma atividade que a deixou com calor.
Sam olhou para Dilip para ter certeza de que não havia um
olhar inapropriado, mas o cara estava totalmente envolvido em
sua conversa.
— Eu sou realista — Sam continuou. — As aparências
enganam. Atrás de um homem de boas maneiras, pode estar
um vilão sombrio. Tornei minha missão extirpar essas pessoas
de todas as empresas que visito, para que os negócios possam
prosperar.
Os lábios de Layla tremeram nos cantos.
— Ou então os acionistas podem adquirir mais dinheiro às
custas dos trabalhadores médios que estão fazendo o melhor
que podem. Ninguém é perfeito, Sam. Peguei clipes de papel
do meu escritório e acrescentei alguns minutos extras ao meu
intervalo para o almoço. Eu sou uma pessoa má? Se você viesse
para o meu negócio, você teria me despedido?
Sim. Mas ele teve o bom senso de não compartilhar sua visão
do mundo que havia perdido a cor e agora era preto e branco.
— Quais são suas ambições na vida, Dilip? — Sam
perguntou depois que o garçom anotou o pedido de Dilip.
— Quero me tornar gerente mundial de pesos e medidas. —
Dilip falou com cuidado, como se tivesse ensaiado suas
palavras. — Vai exigir muitas viagens, mas com a esposa em casa
cuidando dos meus pais e filhos, acho que tenho uma boa
chance.
Silêncio.
Bem, exceto pelo som da esperança se esvaindo e morrendo.
— Isso é muito… admirável — disse Sam, lutando para
encontrar uma maneira de salvar a entrevista. — Ele quer
governar o mundo. Quão mais ambicioso você pode ser?
Layla estendeu a mão.
— Obrigada por ter vindo, Dilip. Foi um prazer conhecê-lo,
mas acho que não vai dar certo.
— Mas eu posso dançar. — Dilip deu um pulo antes que
Sam pudesse detê-lo. — Tenho aprendido "Khaike Paan
Banaraswala". — Ele se debateu no espaço vazio ao lado deles,
tentando repetir a dança de Shah Rukh Khan do filme de
Bollywood Don com seu famoso acabamento cuspido no chão.
— Abraços, cara. — O garçom barbudo e descalço, em seu
uniforme de saco de grãos, colocou um mirtilo na mesa antes
de envolver os braços em torno do Dilip suado em profusão.
— Ele deve pensar que você estava tendo algum tipo de
episódio — disse Sam quando Dilip olhou para ele confuso. —
Apenas vá em frente. Ele provavelmente não recebe muito
amor na cama.
Layla o chutou novamente. No mesmo lugar da última vez.
Ainda valeu a pena.
Depois que Dilip terminou sua sobremesa – torta de mirtilo
artesanal desconstruída com uma crosta de dioxigênio – e Sam
perdeu uma briga com Layla por causa da conta astronômica,
eles se despediram de Dilip afetuosamente e voltaram para o
escritório pela calçada movimentada.
— Pegue isso. — Sam entregou a Layla o saco de papel do
café. — Você deve estar com fome depois do nosso banquete.
Ela pegou a bolsa. Hesitou.
— Está envenenado?
— Não.
— Esmagado?
— Não.
— Você colocou uma aranha no saco? Se for assim, terei que
queimar até o chão.
— Sem insetos de qualquer tipo.
— Cacos de vidro? Pimentões picante?
— Você também não tem as vinte perguntas completas. —
Sam a conduziu a um banco na sombra. — Estou dando a você
de boa fé. Agora coma antes de definhar.
— Obrigada. — Layla se sentou ao lado dele e puxou o
Reuben. — Você gostaria de ursinhos de goma? — Ela ofereceu
sua bolsa.
— Prefiro comer bolas de bisão massageadas com surpresa
de chucrute fermentado.
Layla riu, uma verdadeira gargalhada que terminou em uma
bufada. Era o melhor som do mundo. Por que tinha que vir da
mulher que mais o irritava?
— Pobre Dilip. Eu lamento por ele. — Ela mordeu o
sanduíche e gemeu. — Tão bom.
Sam sentiu aquele gemido como uma pulsação em sua
virilha. Eles colocaram algo na água purificada da Antártica? Se
houvesse algo, ele gostaria menos dela depois do almoço deles.
Ela torcia para um time rival.
— Não é tarde demais para ligar de volta — disse Sam. —
Você, Dilip, os pais dele e seus seis filhos poderiam formar sua
própria trupe de dança de Bollywood.
— Desista — ela murmurou baixinho.
— Eu nunca desisto — disse Sam. — É a minha maior força.
— Como você sabe que não é a sua maior fraqueza? Talvez
haja momentos em que deva desistir e não pode. Continuei
tentando ser tão boa quanto Dev, mas nunca fui. Continuei
tentando fazer meus relacionamentos funcionarem, mas não
consegui. Então, finalmente desisti de encontrar meu Westley
e agora vou me casar com alguém que não amo, então não
tenho que lidar com todo o drama. Teimosia nem sempre é
uma qualidade positiva. — Ela enxugou a boca com um
guardanapo, e Sam teve um desejo repentino de saber o quão
macios seus lábios eram e qual seria o gosto deles com aquele
pouco de mostarda no canto.
— É, se você chamar de perseverança. — Ele tentou de todas
as formas obter justiça para Nisha, e agora que uma porta se
abriu, ele faria tudo ao seu alcance para conseguir aquele
contrato. Nada iria impedi-lo.
Ela inclinou a cabeça para o lado.
— Isso foi muito esclarecedor.
— Você parece surpresa.
— Não era o que eu esperava de um homem que conhece
vinte maneiras diferentes de dizer sexo.
Sam se exibiu.
— Isso não é nada comparado com o número de maneiras
que conheço de fazer sexo.
— Sorte que você não é fã dos Giants — ela brincou. — Eu
não seria capaz de me controlar.
— Sim — ele disse enquanto ela lambia a mostarda de seus
lábios. — Por sorte.
• •
— Beta! Trouxemos comida.
O coração de Layla deu um salto quando ela ouviu a voz da
Tia Taara no corredor. Ela saltou da mesa e correu para Daisy.
— Sam vai voltar a qualquer minuto. Não posso deixá-las
saber que estou trabalhando sozinha em um escritório com um
homem bonito e solteiro.
— Se você não tivesse recusado o Solteirão nº 3, não seria
um problema — disse Daisy. — Você ficaria noiva de Tarak, o
bombeiro, e escreveria convites de casamento para todos os seus
amigos bombeiros solteiros para que eu pudesse transar.
— Ele apareceu de moletom e uma camisa de rúgbi e era
obcecado por esportes. — A pulsação de Layla disparou
enquanto pensava em como evitar a invasão da tia. — Ele disse
que tem uma TV em todos os cômodos de sua casa, incluindo
os banheiros, então se tiver que se levantar do sofá não perde
um segundo de seu jogo. Ele queria que eu mandasse cardápios
com a comida que planejava fazer para suas festas do
campeonato esportivo: Super Bowl, Copa Stanley, Copa do
Mundo… Ele se gabou de todos os jogadores famosos que
conhece. Ele se ofereceu para me dar bolas autografadas.
— Eu gostaria de receber bolas autografadas. — Daisy deu
uma risadinha.
— Beta! — O som de chappals batendo na madeira ficou
mais alto. Os chinelos de couro indiano feitos à mão eram úteis
tanto para caminhar quanto para disciplinar, embora já fizesse
anos desde que seus pais a ameaçaram com um chappals
voador.
Seu coração disparou. Não havia nada que ela pudesse fazer.
Elas sabiam que ela estava aqui. Ela só tinha que tirá-las antes
que Sam voltasse.
Max correu para a porta, latindo em antecipação animada.
Ele sabia que quando a Tia Taara estivesse por perto, haveria
porções de comida de tamanho humano para ele.
— Aí está você. E Daisy está aqui também! — A Tia Taara
entrou carregando um recipiente de plástico gigante. — Ainda
bem que fiz o suficiente para compartilhar.
Tia Salena veio em seguida com Tia Lakshmi atrás de si.
Layla deu um abraço em cada uma delas. Em seus ternos salwar
em tons de joias, eles alegraram o escritório.
— É tão bom ver você. Receio não ter muito tempo. Eu
tenho…
— Um recipiente, espero — sussurrou a tia Salena em seu
ouvido. — Esse material é tóxico. Tomei uma colher esta
manhã e só agora pude sair do banheiro.
— Eu nunca estive aqui antes. — A Tia Taara os evitou e
entrou no escritório. — Agradável e brilhante. Muito
moderno. Qual mesa é a sua?
— Aquela. — Ela apontou para o Eagerson.
— E quem trabalha na outra mesa?
— Uhhhh…
— Eu trabalho. — Um sorriso manhoso e malicioso se
espalhou pelo rosto de Daisy. — Eu estava sentada na recepção
para o caso de um cliente entrar. — Ela pegou Max e o levou
para a mesa de Sam. — Mas aqui estou eu na minha mesa com
suas pequenas fileiras de lápis e pequenas pilhas de papel
organizadas e arquivos perfeitamente organizados.
A pele de Layla se arrepiou em advertência.
— Daisy… Talvez você não devesse…
— Mas o que eu estava pensando? — Daisy passou a mão
nos lápis, espalhando-os pela mesa. — É muito arrumado. Eu
não posso trabalhar assim. — Com outra varredura, ela
espalhou os papéis e arquivos, espalhando alguns no chão. Max
latiu de empolgação e ela o deixou brincar na bagunça.
— Como vai o negócio? — A Tia Lakshmi colocou um
aquário na mesa de Layla. Dois peixinhos dourados dispararam
para dentro e para fora de um castelo rosa e algumas plantas de
plástico.
— Não tão bem. — Layla suspirou. — Estou recebendo
muitos telefonemas de pessoas em busca de trabalho, graças à
família que está espalhando a notícia, mas sem interesse das
empresas que preciso para contratá-los. Tenho telefonado
diariamente com frieza, mas os empregadores aos quais me
dirigi estão usando serviços on-line ou estão trabalhando com
outras agências. Só se passaram duas semanas, mas pensei que
as coisas já estariam melhores.
— Você diz a eles quem você é? — Tia Taara perguntou. —
Quem não gostaria de contratar a filha de dois chefs com
estrelas Michelin?
— Menciono isso às vezes, mas não ajudou.
Tia Lakshmi deu um tapinha em seu braço.
— Não ligue às terças, quintas ou sábados. Esses são dias de
má sorte. E use uma linha preta em volta do pulso quando ligar.
— Bobagem supersticiosa. — Tia Salena balançou a cabeça.
— Como ela deve dirigir um negócio quando só pode fazer
ligações durante metade da semana?
A Tia Lakshmi encolheu os ombros.
— Não fui eu que fiz as regras, mas trouxe um par de peixes
para dar sorte.
— Obrigada, tia-ji. — Ela se inclinou para dar um beijo em
sua tia.
— Você tem que experimentar meu novo prato de fusão —
Taara disse da cozinha. — Eu chamo de ambrosia masala. Em
vez de grão de bico em um channa masala25, usei
marshmallows e acrescentei algumas tangerinas e abacaxi às
cebolas como na sobremesa americana.
Layla e suas tias foram até a cozinha, onde a Tia Taara estava
enchendo uma tigela com sua nova sobremesa. O estômago de
Layla apertou quando o cheiro atingiu seu nariz.
— Adoraria experimentar, mas tenho um cliente...
— O que diabos está acontecendo? — A voz furiosa de Sam
ecoou pelo escritório.
— Oh. E aqui está ele. — Ela correu para encontrar Sam
carrancudo para Daisy, que estava com os pés em cima da mesa.
Ele se virou para encará-la.
— Veja o que ela fez com o meu…
— Senhor. Mehta. Que bom ver você. — Layla agarrou a
mão dele e apertou com força. — Por favor, me acompanhe —
ela sussurrou. — Minhas tias estão na cozinha. Uma delas é
obcecada por fazer casamentos. Se ela te ver…
— Quem está aqui? — Tia Salena gritou.
— Apenas um cliente. — Layla empurrou Sam em direção
à sala de reuniões, mantendo-se de costas para a cozinha para
que suas tias não pudessem ver seu rosto. — Receio ter que ir a
uma reunião. Muito obrigada por ter vindo.

25
Chana masala ou chole masala é um prato vegetariano típico das culinárias da Índia e do
Paquistão. O ingrediente principal é o grão-de-bico
— Ele é solteiro?
— Ele é artista — disse Daisy. — Teatro musical. Os
empregos são escassos, então ele espera que Layla encontre um
novo emprego para si. Ele estava em Annie há alguns meses.
Talvez você o tenha visto. Ele estava de peruca encaracolada e
um lindo vestido vermelho.
— Oh. — A tia Salena deu um suspiro de decepção. —
Artes.
Layla empurrou Sam para a sala de reuniões e fechou a
porta.
— Por favor, Sam. — Ela ficou de costas para a porta e
apertou as mãos contra o peito dele, caso ele tentasse escapar.
— Fique aqui até que elas saiam. Eu sei que é errado, mas você
não entende como elas são. Estão desesperadas para me casar, e
não quero que o filho do terceiro primo do marido de alguém
entre no escritório com sua mãe, porque eles estavam… — ela
fez aspas falsas com os dedos — “Apenas na vizinhança.” Ou
ouvir como somos adequados porque ambos gostamos de uvas
e nascemos na terceira quarta-feira. Eu mesma quero fazer isto.
Ela olhou por entre os cílios para encontrar Sam estudando-
a atentamente. De repente, ela se tornou extremamente
consciente de como o peito dele estava duro sob a camisa, como
seus ombros largos bloqueavam a sala, como ela podia sentir o
batimento rápido de seu coração sob suas palmas e o calor de
sua respiração em sua testa. Ela respirou fundo e inalou o aroma
forte e rico de sua colônia. Ele era muito maior do que ela, tão
forte. Se quisesse passar por ela, não seria problema para afastá-
la. Na verdade, ele poderia facilmente ter resistido a ela o
empurrar para a sala de reuniões em primeiro lugar…
— Por favor, com uma cereja no topo — ela sussurrou.
Seus olhos escureceram, arderam. Eletricidade faiscou entre
eles. Ela teve um desejo curioso de se inclinar e beijá-lo. Não
fazia sentido. Este era Sam. O homem que ela amava odiar.
— O cachorro vai embora. — Sua voz profunda retumbou
em seu peito, quebrando o feitiço.
— O que?
— O cachorro vai embora ou eu saio por aquela porta e lhes
digo a verdade.
As chamas lamberam ambas as bochechas dela quando suas
palavras finalmente penetraram. Claro que tinha que ser uma
negociação.
— Você está falando sobre Max?
— Há algum outro cachorro correndo pelo escritório? —
Ele respirou fundo. — Sim, Max. Este é um local de negócios.
Não podemos ter animais latindo para mim toda vez que eu
passar. Não é profissional.
— Talvez se você não rosnasse para ele, vocês dois poderiam
ser amigos. — Ela estremeceu, sacudindo o inexplicável
momento de desejo.
Sam alcançou a porta e ela empurrou contra seu peito
novamente.
— Está bem. Está bem. Vou falar com a Daisy. Mas ele
realmente é um cão de apoio emocional. Tem sido apenas ela,
seu pai e irmão desde que sua mãe os deixou para seguir uma
carreira em Nova York. Max ajudou-a a passar por um período
realmente difícil.
— Você está tentando me fazer sentir pena dela?
Layla encolheu os ombros.
— Ela odiaria isso, mas ela não superou sua mãe saindo do
jeito que fez. Quando minha família descobriu que seu pai
estava lutando para sobreviver sozinho, eles intervieram para
ajudar – cuidar um do outro é o que minha família faz – mas
não era a mesma coisa que ter sua mãe por perto. Peguei Max
em um abrigo quando ela estava realmente pra baixo. Eles estão
juntos desde então.
— A maioria dos meus parentes estão na Índia — disse ele.
— E os poucos que estão aqui raramente vejo.
— Parece solitário. Não posso ir a lugar nenhum sem um
tio, tia ou primo aparecendo. E eles sempre têm comida. Daisy
e eu estávamos no cinema outra tarde e, isso não é mentira, a
Tia Pari estava lá com seus filhos e uma sacola de compras cheia
de Magic Masala e Kurkure que ela trouxera de sua última
viagem à Índia. E ela disse “Coma, coma” e eu disse “Tudo
bem, tudo bem” porque ninguém precisa me pedir duas vezes
para comer batatas fritas Magic Masala.
Sam franziu a testa.
— Você vê filmes à tarde?
— Não me julgue — disse ela. — Sou autônoma em um
negócio que não consigo tirar do papel e tenho o hábito de ir
ao cinema. E não diga serviços de streaming, porque algumas
coisas só precisam ser vistas na tela grande. — Ela respirou
fundo. Sempre que estava perto de Sam, ela não conseguia
parar de falar. Um dia ela ficaria sem ar. — Como é que você se
diverte?
— Ringue de luta.
— Eu não quis dizer chutes literalmente.
Seus lábios tremeram nos cantos como se ele estivesse
lutando contra um sorriso.
— Treino em uma academia de MMA cinco vezes por
semana. É uma boa liberação de estresse.
— Parece intenso, mas também legal. Você já usou suas
habilidades fora da academia?
— Não — disse ele após uma longa pausa. — Mas uma vez
eu estava muito, muito tentado.
Desconcertada pela dor em sua voz, ela reprimiu sua
resposta afiada.
— Pelo que parece, pelo que sei de você, o cara
provavelmente merecia.
— Sim, ele merecia. — Sua voz estava dura e fria.
O calor a engolfou. A ideia de Sam fazer justiça ao estilo do
Clube da Luta fez seu corpo virar mingau. Vê-lo vulnerável,
mesmo por um momento, a fez se perguntar que profundezas
ocultas havia sob aquela casca espinhosa.
— Tudo limpo! — Daisy gritou do lado de fora.
Layla tropeçou para trás quando a porta se abriu de repente
atrás de si. Ela perdeu o equilíbrio, agitando as mãos até que
agarrou a gravata de Sam. Seu pé bateu em algo duro. Sam
grunhiu e se inclinou para frente. Incapaz de lutar contra a
gravidade, Layla caiu, puxando Sam para cima dela. Eles caíram
em uma pilha no chão.
Daisy olhou de cima.
— Bem, isso não é aconchegante?
Max latiu e lambeu o rosto de Layla, sua pequena língua
acalmando a queimação em suas bochechas.
Layla virou a cabeça e viu dois pares de sapatos, um grande,
preto e brilhante e o outro Converse rosa decorado com
brilhos. Felizmente, nenhum chappals.
— Que diabos, Layla? — Sam balbuciou. — Era uma
gravata de 200 dólares!
— Saia de cima de mim. Não é minha culpa. Daisy deveria
ter nos avisado que ela ia abrir a porta. — Ela se mexeu embaixo
de Sam, mas seu corpo duro e pesado era impossível de mover,
e quanto mais ela se contorcia, mais dura uma certa parte dele
parecia ficar.
— Pensei que tinha dito que não queria missionário — ele
sussurrou.
— Oh meu Deus — ela se enfureceu, mantendo sua voz
baixa. — Você está gostando disso?
— Eu sou um homem. Você está se esfregando em mim. O
que pensou que fosse acontecer?
— Pensei que você estava pensando em autocontrole. —
Algo que lhe parecia faltar no momento. O fogo lambeu entre
suas coxas. E o calor… Ela sentiu como se lava derretida corresse
em suas veias.
— Não perto de você. — Ele se levantou com
aparentemente pouco esforço e estendeu a mão para ajudá-la,
como se ele não tivesse jogado fora uma pequena pepita de três
palavras que exigia mais explicações. — Deixe-me ajudá-la.
— Não, obrigada. — Ela jogou o antebraço sobre os olhos,
bloqueando o mundo. — Eu prefiro deitar aqui e morrer de
humilhação.
— Ninguém nunca morreu de humilhação — disse Sam,
sua voz divertida.
— Como você saberia? — ela cuspiu. — Você leu os
atestados de óbito de cada pessoa no planeta? Tenho certeza de
que, entre bilhões de pessoas, houve pelo menos uma morte
atribuída à completa humilhação.
— Você deve ser filha de Nasir, Layla. — O desconhecido
visitante masculino tinha uma voz profunda e um aguçado
senso de observação.
Ainda deitada no chão, Layla afastou o braço. Os sapatos
pretos do visitante estavam limpos e engraxados, as calças
elegantes com barras. Ele usava meias de tricô estampadas que
a lembravam daquelas que Dev havia usado em sua formatura
do colégio.
Sam se agachou ao lado dela e usou as duas mãos para puxá-
la para uma posição sentada.
— Você está machucada?
— Que gentileza de sua parte perguntar sobre meu bem-
estar depois de se preocupar com sua gravata de 200 dólares. —
Mesmo assim, ela aceitou sua ajuda porque não havia como se
levantar graciosamente de saia e salto alto.
— Layla Patel, conheça meu amigo John Lee — disse Sam.
— Ele é advogado no escritório de advocacia lá em cima. Foi ele
quem me contou sobre a vaga no escritório.
— Você tem meias bonitas, John Lee. — Layla apertou sua
mão.
— Obrigado. — John era um cara bonito, seu rosto
comprido e anguloso, um par de óculos de armação de metal
empoleirado no nariz. Ligeiramente amarrotado em mangas de
camisa arregaçadas, sua gravata listrada de rosa e azul torta, ele
parecia mais um professor universitário do que qualquer
advogado que ela conhecia.
— Qual Lee em Lee, Lee, Lee e Hershkowitz é você? —
Daisy perguntou.
— O segundo — John se abaixou para acariciar Max, que
absorveu o amor, esfregando a cabeça sob a palma da mão larga
de John.
— Cachorro fofinho. Lamento que ele tenha que ir — John
disse. — Eu gostaria de conhecê-lo melhor.
Daisy franziu a testa.
— Por que ele tem que ir?
Sam lançou a John um olhar de advertência não muito sutil
e traçou uma linha em sua garganta.
— Sam não o quer no escritório — disse Layla. — Ele acha
que não é profissional.
— Eu disse para você não dizer a ele que Max fez xixi na
cadeira. — Daisy pegou Max no colo e o abraçou contra o
peito. — Vou limpá-la na próxima semana.
John deu a Sam um olhar perplexo.
— Eu pensei que elas eram le…
— Elas não são.
— Você não deu a ela...
— Não.
— Nós não somos o quê? Me deu o quê? — Layla não tinha
um bom pressentimento sobre esse trabalho de machadinha de
uma conversa. Havia algo acontecendo que Sam não queria
que ela soubesse.
Sam deu um tapinha no ombro de John e o conduziu em
direção à porta.
— Tudo ótimo. O escritório está funcionando bem. Estou
trabalhando em um grande lance e Layla está colocando seu
negócio em funcionamento. Ela está tendo dificuldade em
encontrar clientes corporativos, mas acho que ela só precisa
descobrir uma estratégia de marketing.
— Eu preciso?
— Você deveria dar a ela o cartão de Evan — disse John. —
Ele é ótimo nesse tipo de coisa. E se eu tiver clientes à procura
de pessoal, mando para ela.
— Quem é Evan? — Com sua curiosidade aguçada, Layla
seguiu atrás deles.
— E Daisy está fazendo um trabalho fantástico na recepção
— Sam continuou. — Então, acho que estamos todos bem
aqui.
— Fantástico? — Os olhos de Daisy se estreitaram. — O que
vocês estavam fumando lá?
— Tchau, John — Layla gritou enquanto ele abria a porta.
— Passe por aqui a qualquer momento.. Sempre temos comida
extra do restaurante. Venha e sirva-se.
— Essa é uma boa ideia — disse Daisy. — Atraia-o de volta
com guloseimas. Sempre quis entrar na cueca de um advogado.
Layla seguiu Sam de volta à sua mesa.
— Você bateu com a cabeça quando caímos? Por que você
expulsou seu amigo do escritório? E o que quis dizer sobre
descobrir minha estratégia de marketing?
— Eu não sabia que você estava se esforçando. — Sam
pegou seu telefone e mandou uma mensagem enquanto falava.
— Você não parece ter problemas para encontrar funcionários,
mas eles não pagam as contas; as corporações fazem. E eles não
sabem que você existe.
— Obrigada por me explicar o meu trabalho. — Uma pena
que os clientes de Sam queriam deixar as pessoas irem. Com
suas conexões corporativas e seu crescente número de
funcionários, eles poderiam ter formado uma boa equipe. — O
problema não é que eu não saiba quem paga as contas, mas que
não sou boa em me vender para eles. Não precisei caçar clientes
em Nova York. Glenlyon Morrell é uma das maiores agências
de recrutamento da Costa Leste. Os clientes acabaram de
chegar até nós.
— É por isso que você precisa de uma marca. — Seu telefone
tocou e ele verificou a mensagem.
— Eles têm meu nome — ela protestou. — Meu antigo
namorado Jonas é uma estrela da mídia social e usa seu próprio
nome, Jonas Jameson.
— A mídia social é diferente. — Sam farejou sua cadeira,
levantando o ar em direção ao seu nariz. — Ele não está
tentando atrair clientes corporativos. O nome de uma empresa
dá a impressão de estabilidade e cria confiança quando você está
negociando com outras empresas. Faz você parecer polida e
legítima. Todo mundo que entra aqui menciona “filha de Nasir
Patel” ou “a filha dos donos de The Spice Mill''. Você está
negociando com a marca de seus pais. Precisa descobrir quem
você é e quais valores essenciais vai trazer para sua empresa, que
a farão se destacar em um mercado lotado. Foi uma das
primeiras coisas que Royce e eu fizemos quando abrimos o
negócio juntos e isso fez toda a diferença.
Embora ela não gostasse de ouvir como dirigir sua empresa
– ela tinha um diploma em administração, afinal – tudo o que
ele dizia fazia sentido. Ela se lembrava vagamente de ter
aprendido sobre branding em um de seus cursos, mas não
prestou muita atenção porque estava mais focada no lado dos
recursos humanos das operações de negócios. Mas por que ele
a estava ajudando? Onde estava o sarcasmo? As observações de
redução? Qual era seu interesse nisso?
Sam se abaixou para pegar seus papéis do chão. Layla se
agachou para ajudá-lo. Talvez eles nem sempre se dessem bem,
mas Daisy tinha ultrapassado os limites ao mexer com o espaço
pessoal dele, e ela se sentiu mal por ele ter que limpar tudo
depois dela.
— E se eu não souber quem sou ou o que realmente quero?
— Então não terei que acompanhar dez encontros às cegas
porque você não precisará de um escritório.
Layla piscou e percebeu que ele estava falando sério.
— Esse tipo de discurso é uma droga.
— Eu tenho um melhor, mas só uso quando alguém perde
o emprego. — Ele se moveu para ficar de pé ao mesmo tempo
que Layla e suas cabeças colidiram, deixando-a sem equilíbrio e
caindo de bunda.
— Jesus Cristo. Terei sorte se conseguir sair do escritório
com vida hoje. — Sam esfregou a cabeça. — Você é a mulher
mais perigosa que já conheci.
— Não foi totalmente minha culpa. — Atordoada, ela
balançou a cabeça, tentando tirar as estrelas que dançavam
diante de seus olhos e parar o zumbido em seus ouvidos.
Ele suspirou.
— Eu vou te ajudar a levantar.
— Estou de pé.
— Não, você está no chão. Novamente. — Ele se ajoelhou
na frente dela, emoldurando seu rosto com mãos gentis. —
Estou procurando uma concussão. Olhe nos meus olhos.
Ela olhou em seus olhos castanhos quentes, flutuando em
um mar de chocolate.
— Você está tentando me hipnotizar? Devo dizer que sou
muito suscetível a sugestões. Daisy e eu fomos ver o Amazing
Sinbad no Beacon Theatre em Nova York. Ele me convenceu
de que eu estava nua no palco, e gritei e tentei me cobrir com
um programa antes de sair correndo para a rua. Daisy teve que
me trazer de volta para que ele pudesse me tirar a hipnose, mas
eu ainda uso dois conjuntos de roupas quando vou ao teatro.
— Você realmente é algo.
— Isso é bom ou ruim?
— Eu ainda não decidi. — Seus longos cílios baixaram
quando piscou. Ela nunca tinha visto um homem com cílios
tão longos, mas ela nunca olhou nos olhos de um homem por
tanto tempo.
— Você tem cílios bonitos — disse ela. — Sexy.
Sua garganta rígida apertou quando ele engoliu.
— Posso dizer honestamente que ninguém nunca elogiou
meus cílios antes. — Suas mãos estavam quentes em suas
bochechas enquanto ele cuidadosamente inclinava sua cabeça
de um lado para o outro. — Eu acho que você vai ficar bem.
Alguma visão turva? Náusea? Tontura?
Talvez ela tenha sofrido um ferimento na cabeça. Ela não
podia ver claramente se o homem que a preocupava era o
mesmo Sam que estivera tão preocupado com a gravata.
— Não.
Ele soltou seu rosto para correr os dedos gentis sobre sua
testa.
— Eu já posso sentir um galo aqui. Precisamos colocar um
pouco de gelo nisso.
— Você tem uma cabeça dura.
— Meu pai costumava dizer que eu tinha uma cabeça dura,
mas isso era quando estava sendo teimoso.
Ela não conseguia imaginar Sam quando criança. Não havia
nada de inocente ou despreocupado nele. Mas ela gostou da
pequena espiada em seu passado.
— Acho que estou bem para me levantar. — Ela aceitou sua
ajuda e ele puxou a cadeira.
— Na verdade, eu vou sentar na minha. Daisy não estava
mentindo sobre o acidente de Max. — Ela atravessou o
escritório e se sentou atrás de sua mesa. — Ele estava marcando
seu território. Você é o único homem no escritório, e ele queria
que você soubesse quem é o chefe.
— É isso aí. Ele definitivamente se foi. Só pode haver um
alfa aqui.
Layla sorriu divertida. Sam ficava encantador quando ficava
irritado.
— A Tia Lakshmi diz que o número três não tem sorte. Se
Max for embora, teremos azar e nenhum de nossos negócios
terá sucesso.
Sam suspirou.
— Não me diga que você é supersticiosa.
— Estou guardando o peixe da sorte que minha tia acabou
de me dar e não vou fazer mais ligações às terças e quintas, se é
isso que você quer dizer.
— Lembre-se de mencionar isso ao meu amigo Evan
quando ligar para ele. — Ele deu a volta em sua mesa e entregou
a ela um cartão. — Ele é um consultor de relações públicas e
marketing. Poderá dar dicas sobre branding. — Ele hesitou. —
Vou encontrá-lo para uma bebida amanhã à noite. Você pode
se juntar a nós se quiser e pegar o cérebro dele de graça.
A náusea subiu por sua garganta, e não era do ferimento na
cabeça. Ela havia sido cruel e agora ele estava apenas tentando
ajudar.
— Agora me sinto péssima. Eu adoraria conhecê-lo. Eu
realmente sinto muito pela batida na cabeça e não ter contado
a você sobre Max.
— Eu não. — Sam sorriu e se acomodou em sua cadeira. —
Troquei nossas cadeiras.
• •
Sam jogou alguns dólares no pote de gorjetas para o barman do
Red Rock, um bar de esportes sofisticado no Design District
de San Francisco. O que diabos estava pensando ao convidar
Layla para sair esta noite? Evan estava atualmente entre
namoradas e desesperado para transar.
— Descreva-se em três palavras. — Evan afastou o cabelo de
surfista perpetuamente despenteado e deu a Layla um sorriso
sensual.
— Apaixonada. Carinhosa. Impulsiva.
Sam teria acrescentado sexy e inteligente à lista, mas ele não
estava disposto a compartilhar suas opiniões com Evan, que
estava exagerando desde que chegaram. Seu olhar foi para o
relógio acima do bar de madeira polida, quase invisível entre a
confusão de fotos de esportes e parafernálias que cobria as
paredes. Quanto tempo deveria esperar antes de dar uma
desculpa para levá-la embora? Evan estava dando algumas dicas
úteis, mas também estava pronto para agir.
— Algo mais? — Evan deu um gole em sua cerveja,
observando-a como um predador em uma caçada. Sam teve
que conter sua irritação. Ele sabia que seu amigo era um
jogador. Por que esperava que Evan agisse de outra forma
depois que Sam o apresentou à mulher mais bonita do bar?
— Competitiva. — Seu olhar deslizou para Sam. — Eu
cresci com um irmão mais velho perfeito – direto nota 10,
atleta estrela, bolsas de estudo, engenheiro – ah, e ele era um
filho homem. Bati minha cabeça contra aquela parede toda a
minha vida. — Ela encolheu os ombros. — Sam entende. É
uma coisa desi.
Sam desviou o olhar, seu intestino se contorcendo com a
lembrança de seu fracasso como irmão e filho. Não havia jogo
esta noite para distraí-lo, mas o barman estava recebendo
pedidos de vídeos do YouTube e os reproduzindo nas cinco
telas posicionadas ao redor do bar. Pena que todos os vídeos
eram sobre gatos. Sam não gostava de gatos. Se ele tivesse um
animal de estimação, seria um cachorro – grande, forte,
protetor e disposto a afugentar intrusos como Evan, que estava
em cima de Layla.
— Não gosto da ideia de que essa adorável cabeça seja
machucada. — Evan passou o dedo gentilmente pela testa dela,
desviando a atenção de Sam dos gatos e pepinos.
A cerveja de Sam desceu do jeito errado e ele engasgou. O
que diabos havia de errado com ele esta noite? Seus motivos
para convidar Layla eram inteiramente egoístas. Mesmo sem o
jogo, ela estaria mais inclinada a deixar o escritório se seu
negócio estivesse indo bem e ela pudesse pagar por seu próprio
espaço. Então, por que ele sentiu a necessidade de dar um soco
no rosto de Evan?
— Se você me der licença, eu tenho que fazer uma ligação
rápida e checar a minha mãe. — Layla escorregou da cadeira e
se afastou das mãos errantes de Evan. — Ela está com falta de
pessoal no restaurante esta noite e eu só quero ter certeza de que
está bem.
Depois que ela foi embora, Sam olhou para seu amigo.
— Eu a trouxe para você como uma cliente potencial, não
como uma ficante.
— Ela é doce, gostosa e tem uma bunda perfeita. Farei a
coisa do cliente amanhã. — Evan hesitou. — A menos que
vocês dois…
— Não. — Sam balançou a cabeça com desdém. — Ela é o
caos em sua forma mais pura. O escritório é um desastre. É
como se ela nunca tivesse ouvido falar de um espaço de trabalho
sem papel. Temos uma recepcionista maníaca e sarcástica que
parece ter passado por um brechó a caminho do trabalho, um
sofá de veludo roxo com pés de leão, hordas de tias andando
pelo escritório, e agora John e seus sócios descem todos os dias
para lanches grátis.
— Eu gosto delas um pouco loucas — disse Evan,
observando-a falar ao telefone do outro lado do bar. — Mais
diversão na cama.
Sam cerrou o punho ao lado do corpo. Ele não queria aquela
imagem em sua cabeça. Depois de anos no negócio de redução
de custos, ele tinha aprendido como manter suas emoções sob
controle. O que havia em Layla que o virava do avesso? Eles não
tinham nada em comum. Se ela estava interessada em Evan, não
havia razão para ele ficar no caminho. E, no entanto, era
exatamente o que ele estava prestes a fazer. Evan não as amava
e as deixava. Ele as fodia e fugia. Pela primeira vez, Sam se
perguntou por que ele até mesmo chamava o cara de amigo.
— Faça-me um favor e apenas ajude-a com a marca — disse
Sam. — Faça profissionalmente.
— Tudo bem. — Evan suspirou. — Para começar, ela
precisará tirar as madeixas azuis do cabelo se estiver procurando
por clientes corporativos. O que é isso tudo?
— Talvez seja uma coisa de Nova York. Ela trabalhava em
uma grande agência de recrutamento lá, Glenlyon Morell.
— Já ouvi falar deles — disse Evan. — Eles são muito
conservadores. De jeito nenhum eles aceitariam o cabelo azul.
Um cara hipster em Doc Martens, calças de ganga rasgadas
e uma camiseta de vindima falsa e pré-fabricada estava de olho
na Layla do outro lado da sala. Ele cutucou seu amigo barbudo,
e os dois bebericaram de seus jarros de alvenaria enquanto a
observavam.
— Talvez ela tenha tingido depois que teve o rompimento
com o namorado e voltou para a Costa Oeste — disse Sam
distraidamente, sua mão apertando em torno do copo
enquanto observava os dois homens observando Layla. — Ele
é uma estrela da mídia social. Jonas James… Ou algo assim.
— Jonas Jameson. — Evan bateu em seu telefone. — Já ouvi
falar dele. Ele tem um canal de estilo de vida.
Um dos caras jogou a ponta de seu lenço quadriculado sobre
seu ombro e esvaziou seu jarro. Sam ficou tenso enquanto ele
caminhava na direção de Layla.
— Jameson é uma verdadeira peça de trabalho. — Evan
percorreu o canal de Jonas. — Ela esteve em algum de seus
vídeos? Se estiver tentando fazer uma jogada para clientes
corporativos, convém que ela pense em pedir a ele que os tire.
— Não sei. Eu realmente nunca conversei com ela sobre
isso. — O cara deu uma volta repentina e colocou seu jarro de
vidro em uma mesa vazia. Sam soltou um suspiro de alívio.
— Acho que pode ser ela. — Evan estudou um vídeo em seu
telefone. — Eu realmente não posso dizer porque meu telefone
está quebrado. É a terceira vez que quebro a tela. Vou mandar
para o barman e podemos assistir na TV. Talvez ela esteja
dando dicas de maquiagem ou tintura de cabelo. Podemos
aprender alguma coisa.
— Deixe-me verificar primeiro. — Sam pegou o telefone.
Muito tarde. O vídeo brilhou na tela.
No momento em que Sam foi capaz de compreender o fato
de que a mulher no vídeo de “Fúria Azul”, cabelo e rosto
manchados de azul, gritando e jogando roupas de uma varanda
do terceiro andar e no pátio gramado abaixo era Layla, já tinha
acabado.
— Não consigo acreditar que era ela — disse Evan depois
que “Fúria Azul” foi substituído por outro vídeo de gato. —
Isso foi fodidamente incrível.
— Ela estava sofrendo. Ela não estava tentando fazer um
show. — Layla havia contado a ele sobre pegar seu namorado a
traindo. Ela era uma mulher apaixonada, ferozmente leal às
pessoas de quem gostava. Sem dúvida esperava que seu parceiro
romântico fosse o mesmo. — Só espero que ela não tenha visto.
— Tem mais de cinco milhões de visualizações no
YouTube, cara. Todo mundo viu isso.
Todos, incluindo Layla.
Sua expressão aflita quando ela se aproximou da mesa disse
a ele tudo o que ele precisava saber.
— O que você fez? — ela exigiu, seu olhar furioso em Sam.
— Nada. Não foi...
— Você não me disse que era famosa, querida. — Evan deu
uma cutucada nela. — “Fúria Azul”. Tenho que dizer, uma
mulher deixá-lo ir assim é bem excitante.
— Estou indo embora. — Layla agarrou seu casaco, seu
rosto era uma máscara inexpressiva.
— Layla. Espere. — Sam se moveu para se juntar a ela e ela
ergueu a mão, alertando-o para se afastar.
— Como você pôde fazer isso? — Ela prendeu a respiração.
— Eu pensei que você estava fazendo algo bom. Mas isso
realmente é um jogo para você. — Ela pressionou a palma da
mão nos lábios. — Você e Evan armaram isso? Você acha que
vou sair do escritório porque me humilhou?
— Não. Claro que não. Eu não sabia sobre o vídeo. Eu
mencionei que você esteve com Jonas. Evan estava checando
seu canal quando viu o vídeo…
— Bem, adivinhe? — Ela o interrompeu como se ele não
tivesse falado. — Já cheguei ao fundo do poço e não há para
onde ir além de subir. Eu não preciso de ajuda. Nem de você,
nem de Evan. Vou ter o melhor negócio de recrutamento da
cidade e farei isso sozinha.
— Jesus Cristo, Evan — Sam gritou quando ela saiu pela
porta. — O que você estava pensando?
— Vamos lá. Foi hilário. — Evan passou a mão pelo cabelo
desgrenhado. — Quem não gosta de se ver na telona? Cinco
milhões de visualizações e está preocupada com cinquenta
pessoas em um bar?
— Você é um idiota. — Sam desferiu um soco e pegou Evan
no queixo, derrubando-o de seu assento.
— Mas que merda foi essa?
— Você não estava prestando atenção.
Evan saltou, inclinou o pescoço de um lado para o outro,
fazendo-o estalar. Essa luta claramente não iria terminar com
um soco.
— Bem, agora estou prestando atenção, porra.

•••

— Layla! — Sam correu pelo distrito de SoMa, sangue


escorrendo do nariz. Ele conseguiu dar um bom primeiro soco,
mas Evan provou ser o melhor lutador mais uma vez, tirando o
primeiro sangue antes que ambos fossem expulsos do bar.
Por que ele continuou cometendo o mesmo erro repetidas
vezes? Por que não podia proteger as pessoas de quem gostava?
Ele sabia como era Evan. Depois de tomar algumas bebidas, ele
começa a pensar com sua pica.
Sam pegou seu telefone e digitou mensagem após
mensagem. Se ele pudesse ter tudo de volta sob controle. . .
Mas era muito difícil se concentrar quando ele não sabia se
Layla estava segura. Ele realmente a apresentou a Evan para
promover sua própria causa ou porque realmente queria ajudá-
la?

Onde você está?


SoMa não é seguro à noite.
Fique longe de 6 a 11.
Você está dirigindo?
Não responda a isso. Não é seguro enviar
mensagens de texto e dirigir.
Deixe-me saber que você está segura.

Ele parou em frente a uma lanchonete no estilo dos anos 50,


aberta durante toda a noite, para estancar o sangue que escorria
de seu nariz com a barra da camisa. Seu nariz não estava
quebrado, mas ficaria muito machucado.
Seu telefone tocou e ele verificou a tela.

Te odeio.
Você é um idiota.
p.s. Estou segura.
p.p.s O que aconteceu com seu rosto?

A cabeça de Sam se ergueu e ele olhou em volta. Ela podia


vê-lo. Uma batida na janela chamou sua atenção. Layla estava
lá dentro, sentada em um balcão na janela, comendo batatas
fritas e tomando um milkshake de um copo parfait gigante.
Soltando um suspiro de alívio, Sam abriu caminho pelo
restaurante movimentado. A decoração era clássica dos anos 50
com um toque xadrez vermelho e branco. Banquetas prateadas
alinhavam-se em um balcão curvo onde funcionários
patinavam para frente e para trás até a cozinha parcialmente
aberta. Cartazes de filmes antigos e fotos assinadas pelas
maiores estrelas da época pendurados nas paredes de azulejos
brancos acima das cabines de vinil vermelho e pequenas mesas.
Alguém colocou algumas moedas na jukebox e a Jailhouse Rock
de Elvis cortou o barulho.
— Já fiz o pedido. — Ela mal olhou para ele quando ele se
sentou no banquinho vazio ao lado dela. — Eu como quando
estou estressada.
— Estou feliz que você esteja segura.
— Você também? — Ela ergueu os olhos de sua bebida,
encontrando seu olhar.
— Também o quê?
— Come quando está estressado?
Sam não sabia por que eles estavam conversando sobre
comida, mas estava grato por ela estar falando com ele.
— Normalmente só como quando estou com fome.
— Mais uma coisa que não temos em comum. — Ela sugou
o canudo com força, suas bochechas se estreitando, os lábios
franzidos em um arco apertado. Todo o seu sangue correu para
sua virilha e ele tentou afastar a imagem sensual. Mas quando
ela soltou o canudo para lamber a bebida cremosa de seus
lábios, ele soltou um gemido.
— Você está realmente machucado. — Ela entregou a ele
um guardanapo, e ele o usou para limpar o suor da testa.
— Não é nada.
— Você está pingando sangue nas minhas batatas fritas. É
meio parecido com ketchup. — Ela puxou o prato para mais
perto de si. — O que aconteceu?
— Eu bati em Evan. Ele me bateu de volta. — As duas frases
simples nem sequer começaram a descrever a luta que tinham
tido no bar. A briga na vida real não era nada como a luta
controlada que tinham travado no ringue. Não tinha nenhuma
barreira, nenhum móvel destruído, nenhum pensamento sobre
nenhum espectador, apenas uma luta desesperada para
sobreviver.
Ela inclinou a cabeça para o lado.
— Por minha causa?
— Eu estava com raiva de mim mesmo por não tê-lo
impedido a tempo.
Seu rosto se suavizou um pouquinho.
— Ele está tão ruim quanto você?
Sam encolheu os ombros.
— Nem de perto. Ele é semiprofissional. Ele vem lutando há
mais de quinze anos. Eu nunca ganhei uma luta contra ele. Dei
meu primeiro soco porque ele não estava esperando por isso.
Depois disso, foi uma surra bastante humilhante.
— Você provavelmente deveria se limpar no banheiro. Vou
pegar um pouco de gelo. Tente não olhar para nenhuma
criança no caminho. Elas podem não ter visto O Monstro da
Lagoa Negra.
Sam hesitou, ainda incomodado com a aparente indiferença
dela. Ela não tinha acabado de sair correndo do bar perturbada?
Não acabou de enviar uma mensagem dizendo que o odiava?
Talvez fosse uma manobra para tirá-lo do caminho para que
pudesse desaparecer novamente.
— Você estará aqui quando eu voltar?
— Você está de brincadeira? Meu hambúrguer está a
caminho.
Quando ele voltou, sua refeição havia chegado junto com
um saco de gelo. Sam cuidou de seu rosto enquanto Layla
comia seu hambúrguer. Ele gostava que ela gostasse de sua
comida. Ele sempre quis uma namorada que não roubasse sua
sobremesa.
Exceto que ela não era namorada dele e nunca seria.
— Sinto muito por esta noite. — Ele fechou os olhos
enquanto a compressa fria acalmava sua pele. — Eu deveria ter
apenas marcado uma reunião de negócios adequada, mas para
ser honesto, não confiava nele perto de você.
Ela fez uma pausa no meio da mordida.
— Por quê? Ele é algum tipo de criminoso violento?
— Ele não consegue resistir a uma mulher bonita.
A sobrancelha de Layla franziu em uma carranca.
— Isso é parte do jogo que você está jogando? Aparecendo
aqui, fingindo que defendeu minha honra, dizendo coisas
boas…
Ele abriu a boca para responder, sem saber o que dizer.
— Eu não estou jogando. Você é linda, Layla.
Layla balançou levemente a cabeça.
— Não me senti bonita quando vi as mulheres que Jonas
trouxe para a nossa cama. Não me interprete mal. Não tenho
desejo de ser tão magra. Gosto das minhas curvas. Mas era
como se ele estivesse dizendo que havia algo errado comigo, e
isso me deixou ainda mais zangada porque ele estava certo. —
Ela atacou o hambúrguer como se fosse um Scooby Snack. Será
que ela realmente não via sua própria beleza? Evan tinha estado
caindo em cima de si para levá-la para a cama, e os caras com os
jarros de alvenaria não eram os únicos que a estavam olhando
no bar.
— O que exatamente acha que está errado com você?
— Você quer uma lista? — Ela deu outra mordida em seu
hambúrguer. — Desde que Dev morreu, não consigo me
controlar. Estava tão deprimida que dormi com praticamente
todos os caras da minha turma da faculdade e, quando me
mudei para Nova York para recomeçar, não consegui fazer
meus relacionamentos funcionarem. Jonas foi apenas a gota
d'água. Eu não o amava, mas queria amá-lo, assim como queria
amar todos os outros perdedores com quem me relacionei.
Acho que é por isso que perdi o controle quando o encontrei.
— Não consigo nem imaginar a dor de perder seu irmão.
Ela olhou pela janela por um longo momento e então
suspirou.
— Você pode ver porque um casamento arranjado é minha
melhor opção. Não tenho que lidar com amor ou
compromisso emocional. É um contrato. Duas pessoas com o
mesmo interesse em companheirismo e família, sem nenhuma
dor no coração que vem junto com isso.
Sam se encolheu por dentro.
— Não há garantia de que você acabará em uma situação
melhor.
— Isso é verdade, mas meu pai me conhece melhor do que
ninguém. Ele não me prenderia com um verme.
Sam esperava que fosse esse o caso. Seus pais haviam feito o
possível para filtrar pretendentes inadequados e, mesmo assim,
Ranjeet escapou. Talvez as coisas fossem diferentes para Layla.
Ela merecia ser feliz. Apesar de tudo o que havia acontecido, ela
permaneceu otimista e sem nenhum arrependimento ou
amargura que manchou sua vida.
— E se seu pai não te conheça tão bem quanto você pensa?
— Quem te conhece, Sam? — Ela correu o dedo
suavemente ao longo de sua mandíbula inchada. Longe da dor,
a eletricidade percorreu seu corpo, aquecendo seu coração.
— Eu sou um lobo solitário.
— Você está parecendo muito selvagem agora. — Ela deu
um beijo suave em sua bochecha ferida. — Eu vi um
documentário sobre lobos. Eles são animais de carga. Suas
chances de sobrevivência diminuem quando eles não têm
família.
— Eu tenho uma família. — Sua mão foi para sua bochecha
onde ela o beijou. Ele ainda podia sentir a pressão de seus lábios
contra sua pele. — Eu simplesmente não passo muito tempo
com eles. O trabalho me mantém ocupado.
— Isso deve ser incrivelmente difícil para eles. Meus pais me
ligavam ou mandavam mensagens de texto todos os dias
quando eu estava em Nova York e, uma vez por semana, Daisy
organizava uma chamada de vídeo para eles. Eles só queriam
manter contato.
Sam sentiu um nó na garganta, um peso no peito. Ele nunca
tinha pensado sobre o efeito que suas ações teriam sobre seus
pais ou como eles se sentiriam quando seu filho os excluísse de
sua vida. Tudo o que ele conhecia era uma culpa tão profunda
que tinha que afastar tudo e qualquer coisa que pudesse ser
culpada. Por que eles o queriam por perto? Ele falhou com eles.
Não era digno de ser filho deles.
— Você está bem?
— Sim. — Ele sacudiu o sentimento ruim. — Além das
contusões, estou perfeitamente bem.
Eles conversaram sobre beisebol, as mudanças na cidade
desde que ela foi para Nova York e o amor que compartilhavam
pela música dos anos 50 que tocava na jukebox. Não houve
comentários sarcásticos ou observações sarcásticas. Ela era
atenciosa, inteligente e bem informada sobre tudo, desde a
política indiana ao aquecimento global. Ele não conseguia se
lembrar da última vez que teve uma discussão tão animada e
interessante.
Depois que ela terminou a refeição e ameaçou quebrar seu
nariz machucado quando ele se ofereceu para pagar a conta, ele
a acompanhou até o carro, mantendo um olhar atento na rua.
Ele amava a área, mas nem sempre era segura à noite.
— Obrigada por ter vindo explicar — ela disse quando eles
alcançaram seu jipe. — Eu estava planejando todo tipo de
coisas desagradáveis para fazer com você amanhã.
— Por que não estou surpreso?
Ela deu-lhe um abraço rápido.
— Vá para casa e cuide dessas contusões.
Incapaz de se conter, ele passou os braços em volta dela, e
eles se abraçaram em silêncio na calada da noite.
— Sam? — Ela olhou para ele, olhos escuros brilhando sob
as luzes da rua.
Seu olhar caiu para a boca dela, aqueles lábios suaves e
exuberantes chamando silenciosamente seu nome.
— Sim? — A cabeça dele caiu mais para baixo, o coração
batendo forte no ritmo de sua respiração rápida.
— Eu mandei uma mensagem para Daisy antes de você me
encontrar. — Ela se afastou e deu a ele um sorriso triste. — Se
eu fosse você, não beberia o café nas próximas semanas.
• •
— Faroz Jalal. Idade trinta e oito…
— Ele é muito velho para você. — Sam abriu a porta da
movimentada cafeteria no Embarcadero e gesticulou para que
Layla entrasse.
Confusa com seu comportamento galante, Layla entrou
valsando pela porta, imaginando-se como uma versão desi de
Scarlett O'Hara com uma dose extra de bronzeado.
— Você bateu com a cabeça no caminho? — ela perguntou
por cima do ombro. — Você está rebatendo pelo time errado.
Você deveria me dizer que a idade não faz diferença. Gosto da
ideia de estar com alguém maduro e mundano. Isso significa
que posso ser divertida e boba. Posso dançar e cantar e ele vai
olhar para mim com carinho divertido antes de me tirar do chão
e me arrebatar na cama com todas as habilidades eróticas que
aprendeu nos anos extras em que está vivo.
Sam bufou.
— Vai fazer diferença quando ele estiver tomando viagra e
você ainda estiver no auge sexual.
— Essa é uma maneira muito pessimista e totalmente
deprimente de ver o casamento. — Ela olhou ao redor em busca
de uma mesa na grande cafeteria industrial chique onde Faroz
sugerira que se encontrassem. — Totalmente a sua cara. Você
está deprimido hoje por causa do seu rosto cheio de
hematomas? Eles parecem piores agora do que na noite de
sábado.
Ela ainda não conseguia acreditar que Sam tinha brigado
com seu amigo pelo vídeo de “Fúria Azul” quatro noites atrás.
Nunca em sua vida ela se imaginou como uma femme fatale,
nem poderia envolver sua cabeça em torno do conceito de Sam
como o mocinho em qualquer cenário. Com os cortes e
hematomas em seu rosto, ele parecia durão hoje, e ela odiava
admitir o quanto isso a excitava.
— Eu sou realista — disse Sam. — Não tenho ilusões
quanto aos efeitos físicos ou emocionais do envelhecimento.
— Agora, quem parece ter idade suficiente para precisar de
algumas drogas para melhorar o desempenho?
Sam deu uma fungada afrontada.
— Eu nunca…
— Estou apenas brincando, Sam. — Ela mexeu os dedos. —
Você é sempre tão sério, isso o torna um alvo fácil.
Sua mandíbula se apertou e ele limpou a garganta.
— Conte mais sobre Faroz.
Layla verificou o currículo em seu telefone novamente.
— Ele mora na casa…
— Cristo. Outro não. Ninguém tem casa própria?
— Por favor, não xingue — ela disse por cima do ombro. —
E se fizer isso, use o urdu26 para que as pessoas não entendam.
Nem todo mundo tem dinheiro para viver por conta própria.
— Ele tem trinta e oito anos, não consegue encontrar uma
mulher sozinho e não tem sua casa. Isso é igual a ser um
perdedor — disse Sam. — Por que você está perdendo seu
tempo? Quero que você se case e saia do escritório, mas não há
como esse cara ser um candidato de verdade. Por que você
concordou em conhecê-lo?
— Porque ele tem um trabalho interessante. Ele está na
CIA.
Sam praguejou em urdu usando algumas palavras que Layla
não tinha ouvido antes.
— Os agentes da CIA não contam às pessoas que estão na
CIA. Isso anula todo o propósito de ser um agente secreto.
— Não há nada que eu ame mais do que um homem
misterioso. — Ela colocou a bolsa em uma mesa vazia. —
Talvez ele tenha feito isso exatamente por esse motivo. Você
acha que ele não pode estar na CIA porque disse que está na
CIA. É a cobertura perfeita. Basta pensar, Sam. Eu poderia ser
casada com um agente secreto.

26
Urdu: É considerado por alguns dialeto do híndi, do qual difere esp. na língua escrita e
literária, pois o urdu escrito possui muita influência do persa, enquanto o modelo literário do
híndi foi o sânscrito; é escrita com caracteres árabes e persas
— Não consigo pensar. Minha cabeça dói tentando seguir
sua lógica.
— Não podemos ser todos inteligentes. — Ela agarrou seu
braço quando ele puxou uma cadeira para se sentar ao lado
dela. — Não se sente. Você precisará encontrar uma mesa
diferente.
— Por quê?
— Eu não quero ferir seus sentimentos, mas você meio que
estragou o último encontro. Você tem uma vibração um pouco
intimidante e hostil, especialmente quando você faz cara feia e
olha para as pessoas, como está fazendo agora, e não ajuda que
você pareça que estava em uma briga de bar.
— Eu estava em uma briga de bar. — Sua testa se enrugou.
— E eu não estou carrancudo.
— Bem, então, você está sorrindo de cabeça para baixo. —
Ela apontou para uma mesa próxima. — Você pode sentar ali.
Perto o suficiente para manter as coisas respeitáveis, mas longe
o suficiente para que não o assuste.
— Eu não gosto disso. — Ele tirou a jaqueta e pendurou-a
cuidadosamente nas costas da cadeira mais próxima.
Layla teve uma súbita explosão de inveja pela camisa de
algodão fino de mangas compridas que abraçava seus ombros
largos e peito musculoso. Quando ele ajustou a gravata, a
camisa apertou em torno de bíceps bem definidos, e ela soltou
um suspiro suave. Quatro dias atrás, seus lábios estavam a
apenas alguns centímetros daquele peito e seu corpo
pressionado contra o dele. Ela sentiu algo. E ele também. Em
mais de uma maneira.
— Algo errado? — Seus lábios puxaram os cantos em um
sorriso malicioso.
— Não. — Ela baixou o olhar e se forçou a estudar a pátina
ligeiramente gasta da mesa circular escura. — Eu estava
deixando escapar um pouco de ar para que pudesse respirar
fundo para acalmar meus nervos.
— Eu sou Faroz. — Um cara alto de terno escuro, óculos
escuros e uma camisa branca impecável colocou duas canecas
de café na mesa. — Você estava me esperando.
— Este é Sam. Ele estava saindo.
— Não, eu não estava. — Sam se sentou ao lado dela.
— Tomei a liberdade de pegar seu café para economizar
tempo. — Faroz se sentou em frente a ela. — Um venti triplo
shot, mocha de leite de amêndoa com chantilly extra e molho
extra. O croissant de chocolate aquecido está a caminho.
— Como você…? — Ela respirou fundo e olhou para Sam
alarmada. Ele respondeu levantando a mão aberta em um gesto
que dizia eu te avisei que não fez nada para aliviar suas
preocupações, e tudo para aumentar seu nível de estresse para
dez.
— Confidencial.
Layla riu.
— É um daqueles se eu te disser terei que te matar? Esse tipo
de coisa?
Faroz não sorriu.
— Sim.
Sam aproximou sua cadeira de Layla e quase se tocaram.
— Achei que você fosse tomar um café — disse Layla. — E
nós concordamos que você se sentaria em outro lugar.
Sua mandíbula cerrada.
— Nós não concordamos.
— Não ligue para ele — disse ela a Faroz. — Ele é inofensivo.
— Eu não sou inofensivo. Eu estava brigando. — Sam
apontou para o rosto dele. — Não gostei da maneira como o
último cara estava olhando para ela. — Ele rosnou baixinho,
como se fosse um cão de guarda em vez de um companheiro.
Ou talvez estivesse interpretando o vampiro excessivamente
protetor de Crepúsculo, Edward, para a Bella dela. Isso faz de
Faroz o Jacob? Ela nunca gostou do lobisomem de cabelo
escuro. Ela foi Team Edward o tempo todo.
— Pare com isso. — Ela olhou para Sam. — Você está sendo
irritante, por isso eu disse para você se sentar em outro lugar.
— Então eu não teria a chance de realmente conhecer Faroz.
— Sam pegou seu telefone, seu olhar fixo no homem do outro
lado da mesa. — Daisy me mandou uma cópia do seu currículo.
Você não forneceu muitos dados pessoais, embora seja bom
saber que forneceu… — Ele leu em sua tela. — “excelentes
habilidades analíticas, habilidade de pensar criativamente,
habilidades em línguas estrangeiras, conhecimento de países
estrangeiros, cultura e assuntos, a habilidade de escrever textos
claros e concisos, fortes habilidades interpessoais e a habilidade
de trabalhar sob prazos estritos.”
— É tudo um disfarce — disse Faroz.
Layla ergueu uma sobrancelha.
— Você não tem a capacidade de escrever um texto claro e
conciso, de fortes habilidades interpessoais e de trabalhar com
prazos rígidos?
— Não sou quem você pensa que sou. — Faroz tirou os
óculos escuros, e ela olhou para as pupilas tão grandes que seus
olhos eram quase pretos.
Sam se inclinou para frente, seu rosto contorcido em uma
carranca.
— Vou te dizer exatamente quem eu acho que você é.
— Sam. Não. Seja legal. — Layla deu a Faroz um sorriso de
desculpas. — Ele tem problemas de proteção.
— Não há necessidade de se preocupar — disse Faroz. —
Você está seguro comigo. Eu nunca colocaria você em risco.
Estou armado e treinado em dezessete formas de combate. —
Ele moveu sua jaqueta para o lado para revelar uma arma no
coldre em seu peito.
O pulso de Layla disparou e ela pegou a mão de Sam
embaixo da mesa.
— Ele tem uma arma escondida — ela sussurrou para Sam,
embora Faroz pudesse ouvi-los facilmente.
— Eu estou vendo. — Sam enroscou os dedos nos dela e
apertou sua mão. Sua pele era quente, seu toque era firme, mas
gentil. Era difícil se concentrar em Faroz quando correntes de
eletricidade formigavam em sua pele. Apesar de todas as
garantias de Faroz, foi Sam quem a fez se sentir segura.
Layla engoliu em seco.
— Você está esperando problemas na cafeteria?
Faroz olhou de um lado para o outro.
— Eu tenho muitos inimigos. Não posso ser muito
criterioso, especialmente quando há civis envolvidos.
— Jesus Cristo. — A mão de Sam apertou a dela. — Ele é
um maluco.
— Sam!
Sam praguejou novamente em urdu, desta vez fazendo
referências à mãe de Faroz, sua linhagem questionável, sua
semelhança com coisas que exigem descarte sanitário e vários
animais.
— Assim é melhor — disse ela — mas ainda não é legal
praguejar ou xingar as pessoas.
Faroz se recostou e deu um gole no café.
— Quando fui mantido cativo e torturado por insurgentes
inimigos estrangeiros, os nomes que eles me chamaram fariam
seus ouvidos sangrarem.
— Eu imagino que ser xingado seja a menor de suas
preocupações se você estiver sendo torturado por soldados
inimigos — Sam disse, sua voz cheia de sarcasmo. — A menos
que você tenha uma pele muito fina.
Layla se inclinou para frente, abaixando a voz para um tom
conspiratório.
— Acho que você deveria saber que sou uma grande
covarde. Não vou me sair bem se as pessoas atirarem em mim
ou me sequestrarem para chegar até você. E se houver tortura
envolvida, sou uma bebê total. Vou contar-lhes os segredos de
outras pessoas, além dos meus. Minha amiga Jenny, por
exemplo, tem a tatuagem de uma lhama em sua nádega
esquerda e Sam...
— Então, sobre toda a coisa do agente secreto… — Sam
ergueu a xícara de Layla e tomou um gole de seu café, franzindo
o nariz enquanto engolia.
— Confidencial.
Sam verificou seu telefone novamente.
— Quão confidencial pode ser quando você escreveu no
currículo de casamento que postou online: “Ocupação: CIA''?
— Também confidencial.
Layla balançou a cabeça.
— Eu acho que toda essa coisa de “confidencialidade” pode
ser um problema para mim. A comunicação é a chave para um
casamento bem-sucedido. E se eu perguntasse como foi o seu
dia, se iria querer chamuças27 no seu almoço, ou se iria querer
uma rapidinha no banho e você respondesse Confidencial?
Simplesmente não funcionaria.
Sam fez um som que era parte engasgo, parte tosse.
— Você está bem?
— Eu estou bem. — Sam pigarreou. — Eu simplesmente
não estava preparado para seu último comentário e o café
desceu do jeito errado. — Ele gesticulou para Faroz com o rosto
impassível do outro lado da mesa. — Nem todo mundo vai
compartilhar suas visões liberais, então pode querer reduzir ao
mínimo os comentários de natureza sexual.
Layla riu.
— Se você acha que fazer isso no chuveiro é liberal,
definitivamente nunca vou te dizer o que fiz quando encontrei
uma lata de chantilly de um metro de altura no Costco e pedi à
equipe masculina de pólo aquático do New York Dolphins
para ajudar-me a carregá-lo para casa.

27
Chamuças: é uma especialidade de origem indiana constituída por fritos de forma
triangular recheados com uma mistura condimentada de feijão ou grão, batata ou carne picada,
ervas aromáticas e vegetais
— Eu não queria saber disso. — A mandíbula de Sam
apertou. — E eu suspeito que Faroz também não.
— Estou brincando, Sam. Anime-se. Meu apartamento não
era grande o suficiente para abrigar todos eles de uma vez.
Faroz colocou os óculos de sol de novo, como se aquele
breve vislumbre sem filtro dela tivesse sido o suficiente.
— Eu vi coisas que fariam você vomitar um pulmão.
— Chantilly e um time de pólo aquático fazem isso por mim
— Sam murmurou baixinho.
Ainda divertida com a reação de Sam, Layla voltou sua
atenção para Faroz.
— Que tipo de coisas você viu que me faria vomitar um
pulmão? Estou perguntando pela minha mãe. Ela adora sangue
coagulado.
— Ele não vai te dizer — disse Sam. — É confidencial.
Embora isso levante uma questão interessante. Achei que os
agentes da CIA não tinham permissão para operar em solo
americano.
Faroz acenou com a cabeça.
— Estou disfarçado.
— Como o que?
— Um agente secreto, obviamente — disse Layla.
Sam soltou uma risada.
— Se ele é um agente secreto, como pode se disfarçar como
agente secreto?
— Você não viu Quântico? — Ela tomou um gole de café,
agora frio e doentiamente doce. — Priyanka Chopra
interpretou uma agente da CIA que estava disfarçada no FBI e
depois estava infiltrada e depois disfarçada em uma organização
secreta. Ou talvez eu tenha me enganado sobre uma das duas
partes disfarçadas. De qualquer forma, é uma questão.
Os lábios de Faroz moveram uma largura de cabelo de sua
linha perpetuamente reta no que Layla presumiu ser um
sorriso.
— Você é muito perceptiva.
— Ela é viciada em filmes e TV — disse Sam. — Estou
surpreso que ela tenha tempo para trabalhar.
— Eu não assisto terror. Eu fico com medo facilmente.
Sam olhou para ela, incrédulo.
— Você não viu O Iluminado?
— Não.
— Psicopata?
— Não.
— O Exorcista Pesadelo na Elm Street? O massacre da serra
elétrica no Texas?...
— Que parte de “Não vejo terror” você não entendeu?
— Mas esses são clássicos — Sam protestou. — Como você
pode se considerar um cinéfilo se ainda não viu alguns dos
melhores filmes já feitos?
— Você está seriamente comparando O massacre da serra
elétrica no Texas com Legalmente Loira?
— Eu vi horrores no exterior que fariam você gritar como
uma garota — disse Faroz.
Sam inclinou a cabeça para trás e gemeu.
— Oh, para…
— Eu sou uma garota. — Layla apontou. — Na verdade, eu
sou uma mulher. E essa mulher não quer gritar. Ela não quer
vomitar ou ter que testemunhar o pior que a humanidade tem
a oferecer. Estou alegre, otimista e animada, e quero manter as
coisas assim.
— Os personagens de filmes de terror nem sempre são
humanos. — Sam meditou enquanto acariciava seu lábio
inferior. — Você tem demônios, espíritos malignos, zumbis,
fantasmas malévolos… Raat foi o melhor filme de terror já feito
em Bollywood. Se você quiser sentir medo, medo real, do tipo
que o deixa encharcado de suor...
— Eu não suo — Layla rebateu. — Eu brilho. O que eu
quero descobrir é o que Faroz está procurando em uma esposa.
— Ela sorriu para seu par, tentando ver através de seus óculos
escuros. — Parece que você está muito ocupado levando sua
excitante e perigosa vida secreta. Não seria melhor você checar
o Spy Tinder para encontrar alguém que realmente entenda sua
linha de trabalho e possa apoiá-lo da maneira como um espião
precisa ser apoiado? Parece que você precisa de um tipo de
relacionamento com o Sr. e a Sra. Smith, onde ambos são
espiões fingindo levar uma vida normal.
— Preciso de uma cobertura — disse Faroz. — Uma boa
família normal. Mulher de aparência mediana. Duas crianças.
Casa no subúrbio. Cachorro. Minivan.
— Aparência normal? — Layla bufou. — Exceto por alguns
centímetros e alguns quilos, a única diferença entre eu e
Angelina Jolie, que estrelou aquele filme junto com Brad Pitt,
é a cor da minha pele. Na verdade, outro dia alguém veio até
mim e disse: “Ei, Ange. Você conseguiu um bronzeado?”
— Você é perfeita — disse Faroz. — A CIA pode organizar
um casamento onde você quiser. Se precisar de convidados,
podemos contratar alguns…
— Podemos ter elefantes?
— Está bem. É isso. Estamos dando o fora daqui. — Sam se
levantou abruptamente, puxando Layla de pé. — Sem
elefantes. Nenhum casamento falso. Nenhum agente falso da
CIA. Ele provavelmente é algum geek de TI do Vale do Silício
que só sai de seu cubículo uma vez por ano.
— Está bem. Compreendo. — Faroz ergueu a mão
apaziguadora. — É muito para absorver. Eu sei. Poucas pessoas
entendem os sacrifícios que devem ser feitos para proteger
nosso país.
— Vamos lá. — Sam puxou Layla atrás dele. — Este não é o
cara que você está procurando.
Layla deu uma risadinha.
— Se você está fazendo a coisa Jedi, você deve acenar com a
mão na frente do rosto e abaixar a voz um pouco antes de dizer
isso.
Sam olhou por cima do ombro.
— Existe algum filme que não seja de terror que você não
viu?
— Não consigo pensar em nenhum agora, mas você tem que
admitir que os filmes são muito úteis para navegar em
circunstâncias incomuns na vida, como quando você conhece
um agente da CIA que está disfarçado como agente da CIA e
quer se casar com você como disfarce para suas atividades de
espionagem. Se eu não tivesse visto todos os filmes de James
Bond, todos os filmes Missão Impossível e todos os filmes de
Jason Bourne, eu teria surtado e causado uma cena e atraído o
tipo de atenção que ele está tentando evitar. Talvez eles
tivessem me sequestrado porque é claro que um cara gostoso
como ele teria uma namorada sexy como eu e saberiam que ele
viria me resgatar, mesmo que isso significasse que teria que
arriscar sua vida e desistir de segredos de estado para me pegar
de volta.
Sam congelou.
— O que você quer dizer com ”cara gostoso''?
— Tenho uma bolinha de arsênico no dente — disse Faroz.
— Eu morreria antes de trair meu país.
— E… estamos dando o fora daqui.
— Espere. — Layla olhou ao redor de Sam. — Estou
interessada em saber como Faroz entrou no ramo. Não consigo
imaginar que haja muitos espiões desi.
— Ação afirmativa — disse Faroz. — Fui recrutado quando
tinha nove anos.
— Ele é um Spy Kid — Layla disse com deleite. — Esses
eram meus filmes favoritos enquanto crescia. Você encontrou
o Sr. Lisp?
— Não.
— Sebastian, o fabricante de brinquedos? O cronometrista?
— São personagens fictícios?
— Eles são tão reais quanto você. — O tom de Sam gotejava
sarcasmo.
Faroz se levantou e ajeitou a gravata.
— Tão real quanto um jogo de encontrar um marido para
Layla para que você possa ficar com o escritório dela?
Layla congelou, sua respiração presa na garganta.
— Como você sabe disso?
— Confidencial.
O rosto de Sam endureceu, seu corpo inteiro ficou imóvel.
— Vou classificar sua bunda28.
— Foi bom finalmente conhecê-la pessoalmente. — Faroz
beijou a bochecha de Layla. — Se você mudar de ideia, saberei.

28
Sam faz um trocadilho com a palavra confidencial em inglês, classified, que também
pode ser traduzida como classificar.
— Você contou a ele sobre o jogo? — Com o corpo tenso, a
mandíbula apertada, Sam observou Faroz sair pela porta. Ele
ainda estava segurando a mão dela, e ela estava com medo de se
mover caso ele a soltasse.
— Não, claro que não. A única pessoa que sabe é Daisy, e
ela não contaria a ninguém, especialmente a um estranho. E
você? Para quem você contou?
— Evan. Mas ele provavelmente já esqueceu agora. Ele não
está realmente interessado na vida de outras pessoas. E John,
mas ele é um advogado. Esse cofre está sempre trancado.
— Ninguém mais estava no escritório. — Sua voz caiu para
um sussurro baixo. — Você acha que ele grampeou os
telefones? Isso explicaria como sabia do meu pedido de bebida.
— Se eu acreditasse, significaria que acredito que ele
realmente é um agente da CIA, e eu não acredito.
— Acho que devemos sair daqui — disse Layla. — Nós
estamos parados aqui há tanto tempo que as pessoas estão
começando a olhar, e talvez alguns deles sejam seus amigos
espiões, ou pior, inimigos espiões. Estão pensando que talvez
ele e eu nos demos bem, e eu vou me casar com ele, e eles vão
me agarrar no casamento e ir embora, e minha lehenga29 estará
saindo do carro, e eu vou estar gritando Sam! Sam! Me salve!
Será tudo muito dramático e, quando acabar, farão um filme
sobre isso com Priyanka Chopra estrelando como eu. Ela terá
que ganhar nove ou dez quilos, mas vai conseguir porque é uma
ótima atriz e vai querer realmente entrar no papel.
Sam olhou para ela por tanto tempo que ela começou a se
sentir enjoada.
— Tudo certo?
— Por que você ligaria para eu te salvar? — Ele a conduziu
para fora do café. — Salvar você seria o trabalho de Faroz.
— Eu não sei. — Ela olhou para a baía, absorvendo o brilho
suave da golden hour, aquele momento mágico, romântico e
fugaz entre a luz do dia e o anoitecer quando o sol começou a
mergulhar abaixo do horizonte, envolvendo tudo em ouro
cintilante.

29
Lehenga: lehnga ou Langa é uma forma de saia até o tornozelo do subcontinente indiano
— Acho que talvez seja porque você me fez sentir segura
quando Faroz estava mostrando sua arma e nos contando
histórias sobre ser torturado. Meu subconsciente deve ter
percebido que você era minha melhor aposta para um final feliz
de Bollywood.
— Você acha que eu poderia te proteger?
Ele parecia tão confuso que Layla teve que rir.
— Claro que eu acho. É quem você é. Você pode estar
tentando me expulsar do escritório, mas tem me protegido
desde o dia em que nos conhecemos.
• •
— Então, o que as pessoas fazem depois de escapar da CIA? —
Layla perguntou quando eles saíram para a rua.
— Eu não acho que muitas pessoas escapam. —
Certamente, Sam não queria fugir agora. Incomodado com o
conhecimento de Faroz de algo que eles tinham compartilhado
apenas com seus amigos mais próximos, ele estava quase
dominado pelo desejo de protegê-la e mantê-la por perto.
— O cais fica lindo à noite. — Layla olhou para a baía em
direção à cidade, as luzes brilhando na escuridão. — Muito
romântico.
— Achei que você tivesse desistido do amor e do romance.
— Ele ficou ao lado dela, agudamente ciente de seu corpo tão
perto do dele.
— Eu ainda acredito neles. Simplesmente não são para mim.
O estômago de Sam apertou. Parecia errado que alguém tão
engraçado, caloroso e vibrante como Layla se resignasse a uma
vida sem amor.
— Talvez o amor venha mais tarde. Meus pais tiveram um
casamento arranjado e aconteceu para eles, de certa forma. —
Seus pais não eram almas gêmeas em qualquer sentido da
palavra, mas não havia nada que não fizessem um pelo outro.
— Os meus também. E para Dev e Rhea. — Ela suspirou.
— É quase como se Dev tivesse tirado isso de mim quando ele
morreu. Não consigo nem pensar em ficar perto de alguém
porque simplesmente não posso perder alguém que amo
novamente. Quase não consegui da primeira vez. Se eu não
tivesse me mudado para Nova York, poderia ter tido sexo até a
morte.
Quem foram os perdedores que se aproveitaram de uma
mulher em luto? O instinto protetor de Sam explodiu e ele teve
que conter a demanda por seus nomes. Confuso com seus
sentimentos, se afastou.
— Onde você estacionou? Vou acompanhá-la até o seu
carro.
— Estou do outro lado do Justin Herman Plaza. Estive em
um workshop de marketing e branding no Women's Business
Center esta tarde. Eles me deram ótimas ideias. — Ela falou
sobre o seminário enquanto caminhavam pela calçada,
esquivando-se de turistas e passeadores de cães, corredores e
casais para um passeio noturno.
— Qual caminho? — Ele parou no cruzamento.
— Vamos passar pela Fonte Vaillancourt. Talvez eles
tenham ligado e eu possa dançar como Anita Ekberg fez em La
Dolce Vita, em um dos momentos mais românticos da história
do cinema.
Sam não tinha interesse em filmes antigos, mas a ideia de
Layla espirrando água na fonte tinha um apelo considerável.
— Não há nada de romântico em dançar em torno de uma
pilha enferrujada de aço e concreto — ele disse enquanto
viravam na direção da praça.
— Isso é tudo que você vê quando olha para a escultura? —
ela perguntou. — Eu costumava imaginar que era um toboágua
e poderia descer pelas rampas. Mesmo com a água desligada,
ainda sinto a magia.
— Eu olho para aquela pilha de canos enferrujados e
ângulos ásperos e vejo isso como uma metáfora para a vida. —
Uma multidão de turistas avançou pesadamente em direção a
eles e ele colocou a mão na parte inferior das costas dela para
guiá-la. Sua pele estava quente sob a camisa, as costas uma curva
graciosa sob a palma da mão.
Eles caminharam em silêncio fácil pela praça, parando na
beira da fonte seca.
— É hora de abrir os olhos, Sam. Há beleza nos lugares mais
escondidos.
Sam olhou para o enorme emaranhado de concreto de 12
metros de tubos quadrados iluminados por algumas luzes de
perímetro.
— Parece ainda pior do que eu me lembrava.
— Fique aí mesmo. — Layla se esquivou de um skatista
noturno e pulou na bacia de concreto seco.
— O que você está fazendo?
— Eu vou dançar
Ele olhou rapidamente de um lado para o outro. Havia
algumas pessoas tirando fotos, um casal sentado ao longo da
beirada e os skatistas praticando seus saltos na praça.
— Não há água.
— Vou imaginar. — Ela girou na frente da boca aberta de
um tubo de concreto. — Você conhece a música “Dard-e-
Disco” do Om Shanti Om?
— Eu sou marrom? — Om Shanti Om foi um dos filmes
clássicos de Bollywood. Ele foi forçado a assistir inúmeras vezes.
Sua mãe nunca cozinhava sem um filme de Bollywood
passando na TV em sua cozinha, e as canções de cada um foram
gravadas em seu cérebro.
— Procure e toque para mim. Eu vou te ensinar a dançar.
— Ela posou para ele quando ele se juntou a ela na fonte,
procurando a música em seu telefone.
— Eu assistirei.
— Você precisa experimentar, Sam. Você não pode viver sua
vida à distância. — Ela girou os quadris e dançou alguns passos,
com as mãos esticadas no ar. — Junte os dois primeiros dedos e
coloque-os no polegar para que suas mãos pareçam pequenos
lobos, depois vire-os para cima e gire-os em floreados. É fácil.
— Ela fez o gesto. — Vamos, lobo solitário. Estou colocando
isso em termos de lobo viril para você. Se os Khans podem
dançar, você também pode.
Sam duvidava seriamente que suas habilidades fossem
comparáveis às dos Khans, dois dos protagonistas mais famosos
de Bollywood. E como ele poderia dançar se Nisha nunca
poderia dançar novamente? Como ele poderia encontrar
alegria em uma fonte que representava uma liberdade que ela
nunca poderia ter?
— As flores não são viris — ele protestou.
— Muito bem. Você apenas fica lá e chafurda em seu
orgulho masculino. Coloque a música para que eu possa
dançar. — Suas mãos fluíam dos quadris até a cintura e depois
até os ombros enquanto praticava seus movimentos. Ela era
incrivelmente linda, mas foi a luz em seu rosto que o atraiu –
uma alegria que ele desejava desesperadamente, mas nunca
poderia possuir.
— Imagine a água fluindo pelos canos. — Ela circulou um
braço e apontou com o outro para o tubo aberto mais próximo.
— Imagine ser jovem e surfar nas ondas através da escuridão e
então explodir na luz.
Sam estava imaginando muitas coisas enquanto ela
ondulava na frente dele, e nenhuma delas envolvia ser jovem.
— Você vê a beleza?
— Sim. — Hipnotizado, ele a observou dançar. — Eu te
vejo.
— Vamos. Dance comigo. — Ela estendeu os braços e ele
deu um passo à frente, ansiando pela liberdade que ela oferecia,
pela beleza e alegria que ela poderia encontrar em um
momento.
— Sam! Tenha cuidado. — Layla correu para ele, batendo
em seu corpo com tanta força que ele tropeçou para trás. Seus
braços a envolveram para evitar que os dois caíssem,
exatamente quando um skatista saiu disparado da escuridão. O
momento os levou para uma das pernas angulares da fonte, a
força de sua aterrissagem reverberando pela estrutura com um
zumbido baixo.
— Idiota! — Sam gritou com o skatista. — Veja onde você
está indo. — Seu pulso batia tão forte em seus ouvidos que ele
mal conseguia ouvir.
Layla respirou fundo, estremecendo.
— Você está bem?
Ele ajustou seu aperto, puxando-a para mais perto,
apreciando o conforto quente e macio de tê-la em seus braços.
— Sim. Você?
— Estou bem. — Um sorriso lento se espalhou por seu
rosto. — Eu salvei você. Como Katniss salvou Peeta em Jogos
Vorazes.
— Então agora eu devo minha vida a você? É isso? — ele
brincou. Layla o fazia sentir coisas que não estava pronto para
sentir. Ela o fez pensar sobre as coisas que enterrou anos atrás.
Ela era a redenção tornada real. Mas ele era digno de ser
redimido?
— Você me deve algo. — Seus braços envolveram seu
pescoço, seios macios pressionando contra seu peito. Seus
olhos se suavizaram, lábios entreabertos, cabeça inclinada para
trás…
Não havia como resistir a esse apelo. Ele a apertou contra o
peito, a cabeça caindo. Seus lábios se tocaram…
— Sam! — A voz de uma mulher soou nas sombras. — Eu
reconheceria aquela bunda sexy em qualquer lugar. Por que
você não ligou? Senti sua falta.
Os cabelos da nuca de Sam se arrepiaram. Não. Não podia
ser...
— Eu não posso fazer isso. — Layla se afastou. — De novo
não. — Antes que Sam pudesse impedi-la, ela saiu da fonte e
correu noite adentro.
Sam se moveu para segui-la, mas uma mão com garras
agarrou seu braço, segurando-o com força. Ele sentiu o cheiro
de Eau de Musk e seu estômago se contraiu.
Karen.
— Estou tão feliz por ter esbarrado em você — disse Karen.
— Preciso da sua ajuda. Fui demitida.
• •
Era um quarto de descanso somente no espaço funcional do
Hospital Redwood. O pai de Layla estava acordado, mas com
visitantes estritamente limitados a dois por vez, os Patel
alugaram o quarto para que todos pudessem fazer um lanche
enquanto aguardavam sua vez de visitar.
— Isto é o caos. — Tia Pari balançou a cabeça. — Tanta
gritaria. Tão pouco respeito. As irmãs de Nasir deveriam vê-lo
em seguida, mas eu vi Nira e Vij se esgueirando pelo corredor.
— Acho que eles iriam comprar mais pratos. — Layla olhou
ao redor, para as mesas cheias de comida, crianças correndo,
primos brincando uns com os outros, tias discutindo e tios
tentando descobrir como dar mais potência aos pratos
picantes. Não era diferente de qualquer outra reunião familiar,
exceto que seu pai não estava por perto para assumir o controle.
A cabeça de Tia Pari sacudiu para o lado, e ela gritou com
Tia Lakshmi, que estava segurando um isqueiro diante de um
pequeno pacote de incenso.
— Lakshmi! Eu te disse. Sem fogos. Não me importo se as
chamas vão dar a ele vinte anos de boa sorte. Se os sprinklers
explodirem, teremos que sair e ninguém verá Nasir.
— Pari! Seus meninos estão brigando — Tia Charu gritou.
— Eles acabaram de derrubar uma tigela de gulab jamun30.
Alguém encontre um esfregão. Precisamos de uma mesa extra
para comida. Abaixe a música. Há pessoas doentes no corredor.
O coração de Layla afundou quando viu os meninos
rolando no chão. O tio Nadal e o tio Hari estavam tentando
separá-los. Isso nunca teria acontecido se seu pai estivesse aqui.
Alguém precisava assumir o controle. Brigar com parentes
turbulentos estava muito fora de sua zona de conforto, mas
dirigir um negócio também estava, e se ela queria fazer
funcionar, precisava praticar correr alguns riscos.
— Silêncio, por favor!
Inacreditavelmente, o barulho parou.
— Acabei de sair do quarto do meu pai — disse Layla. —
Ele está melhor, embora se canse com facilidade e ainda não
consiga falar. As visitas serão limitadas a cinco minutos, com
todos indo em pares. Vou distribuir números. A Tia Charu
ficará encarregada de deixar as pessoas saírem.
— Números um e dois — gritou Tia Charu. — Taara, ele
não pode comer, então guarde esse recipiente e nem pense em
colocá-lo na intravenosa. Queremos que ele viva.
— Vou tocar suas canções favoritas de Bollywood no meu
telefone — disse Tia Mehar. — Zaina colocou para mim. Ela é
uma garota muito inteligente.

30
Gulab Jamun: é um doce feito a partir de leite em pó, muito popular nos países do sul
Asiático, em particular na Índia, Sri Lanka, Nepal, Paquistão e Bangladesh
— Meus meninos são os melhores nas turmas — gabou-se
Tia Pari. — Seus professores dizem que nunca viram crianças
tão inteligentes e bem comportadas.
Tia Nira ergueu uma sobrancelha.
— Pensei que estivessem suspensos por atearem fogo no
banheiro.
— Eles eram inocentes. — Tia Pari acenou com a mão
desdenhosa. — Mas eles andam com esses patifes…
Layla sabia tudo sobre patifes. Sam mal tinha estado no
escritório nos cinco dias que se seguiram ao seu momento no
parque e à chegada inoportuna de sua namorada. Ou talvez ela
fosse uma ex. Não que Layla se importasse. Ela estava se
divertindo tanto com Sam que quase esqueceu porque havia
decidido desistir de namorar em primeiro lugar.
Mas a lembrança brutal, junto com sua ausência e o
ressurgimento dos sentimentos angustiantes que a levaram a
jogar as coisas de Jonas fora da varanda, apenas reafirmaram sua
decisão de continuar com os encontros às cegas. Certamente,
pelo menos um homem entre dez seria um marido adequado.
— Bom trabalho. Seu pai não poderia ter feito melhor. — A
mãe de Layla se juntou a ela na mesa de sobremesa. Nada era
melhor em uma situação estressante do que um prato de
guloseimas indianas.
Layla deu uma mordida em um laddu31 de coco macio, um
doce redondo feito de coco cozido com khoya32 e leite
condensado, moldado em bolas redondas e recheado com
amêndoas e castanhas de caju.
— Você falou com o médico?
— Ele disse que a cirurgia do marcapasso correu bem, mas
temos que ter certeza de não lhe causar nenhum estresse. Eu
disse a seu pai que está tudo bem. O restaurante está bem. Layla
está indo bem em seu novo negócio. Tudo está bem.
Layla abriu a boca para contar à mãe sobre seus encontros às
cegas e fechou-a novamente. Ela tinha o suficiente em seu prato
e Layla estava lidando bem com isso sozinha.
— Sim, é isso mesmo. — Ela forçou um sorriso. — Tudo
está bem.
— E logo seu pai estará em casa, gritando que alguém
queimou o dal. — Ela beijou a aliança de ouro em seu dedo
anelar, um desejo de sorte.
O gesto tenro fez o coração de Layla apertar em seu peito. O
casamento de seus pais foi arranjado e foi um dos casamentos
mais felizes que ela conheceu. Seu pai uma vez lhe disse que o
dia em que conheceu sua mãe foi o melhor dia de sua vida.

31
Laddu: é um doce esférico originário da Índia. Laddus são feitos principalmente de
farinha, gordura e açúcar
32
Khoya: é um derivado do leite, feito de leite integral em pó ou evaporado, aquecido em
uma panela aberta. Similar à ricota, mas com menos umidade e feito com leite integral ao invés
de soro de leite.
— Quando você soube que amava o papai? — ela
perguntou.
— No começo foi difícil porque não nos conhecíamos —
disse sua mãe. — Depois nos tornamos amigos. Começamos o
restaurante juntos e, logo depois que abrimos, Dev nasceu.
Quando ele tinha apenas dois anos, entrei na cozinha um dia e
vi seu pai ensinando-o a moer temperos. Dev mal conseguia
segurar o pilão. Seu pai era tão paciente e gentil. Foi uma coisa
tão pequena. Mas quando ele olhou para cima e sorriu para
mim, tive uma sensação diferente. Uma que eu sabia que
duraria uma vida inteira. O amor nem sempre bate como um
raio. Às vezes, pode crescer silenciosamente em segundo plano
até que um dia você perceba que está lá.
— Zaina! Volte com aqueles jalebis33!

33
Jalebis: é um doce popular em países da Ásia Meridional e do norte e leste Africanos. Ele
é feito através da fritura de uma massa de farinha de trigo em formato de pretzel ou círculos,
que são em seguida embebidos em xarope de açúcar.
Layla percebeu um movimento com o canto do olho. Zaina
passou correndo, com um punhado de jalebis agarrado em seu
pequeno punho. Anika estava em plena perseguição. Layla
tentou agarrá-la e perdeu o equilíbrio. Ela tropeçou para frente,
bateu em uma mesa, derramando uma tigela de kheer 34ao cair.
O arroz-doce respingou em suas roupas antes de cair em uma
poça no chão. Implacável, ela se levantou e correu atrás da
sobrinha, deixando um rastro de arroz e pudim para trás.
Tanto para colocar as coisas sob controle. Se isso fosse o
melhor que ela poderia fazer, que chance ela teria com seu
negócio?

•••

— O que é que se passa, bhaiya? Você esteve muito preocupado


hoje.
Sam saiu de seus pensamentos e forçou um sorriso para sua
irmã. Ele a trouxe ao hospital para uma consulta com o
cirurgião que havia feito a cirurgia na coluna. Embora o
cirurgião tenha ficado feliz com o progresso dela, ele não foi
capaz de dizer a eles se Nisha voltaria a andar.
— Não é nada.
— Você não precisava vir se tinha trabalho a fazer. Eu
poderia ter feito isso sozinha.

34
Kheer: é um arroz-doce da culinária típica do Subcontinente Indiano, feito de arroz
cozido, trigo, polvilho, ou vermicelli com leite e açúcar. Geralmente o kheer é servido durante
uma refeição, ou como uma sobremesa.
— A questão é que você não precisa. — Seus pais estavam
viajando para um casamento e ele não gostou da ideia de Nisha
usar o serviço de transporte para deficientes e lidar com o
médico sozinha. Isso também lhe deu uma desculpa para ficar
longe do escritório. Layla merecia uma explicação. Ele
simplesmente não tinha ideia do que iria dizer.
Seu corpo sabia o que seu cérebro estava apenas começando
a admitir. Havia algo entre eles que ia além de uma rivalidade
amigável no escritório ou mesmo um jogo – algo real e cru que
o fazia ver cada um de seus encontros às cegas como uma
competição. Algo perigoso para um homem em quem não se
podia confiar para proteger as pessoas que amava.
— Parece que alguém está se divertindo. — Nisha sorriu
quando dobraram a esquina. — Oh, Sam! Eles estão tocando
“Choli Ke Peeche” de Khalnayak! Quem estaria dando uma
festa de Bollywood em um hospital?
— Pare! — Uma mulher gritou. — Zaina! Volte aqui.
Segundos depois, uma jovem colidiu com Sam, acertando-o
com tanta força que ele cambaleou um passo para trás. Jalebis
se espalharam pelo chão na frente da cadeira de Nisha. Sam
colocou a mão no ombro da garota para firmá-la e olhou para
cima no momento em que Layla desceu correndo o corredor
em direção a eles.
— Sam! — Ela parou, os olhos arregalados. Líquido leitoso
e grãos de arroz pingaram de sua camiseta do Smash Mouth, e
ele lançou um apelo silencioso de que ela havia desfigurado o
logotipo de propósito.
— Isto é seu? — Ele gentilmente empurrou a menina em sua
direção. Ele conseguiu evitar Layla desde seu encontro na
fonte, agendando reuniões consecutivas fora do escritório, e
ainda assim aqui estava ela, em pé na frente dele, coberta de
arroz.
— Sim. — Layla pegou a mão da menina e puxou-a para
perto. — Esta é minha sobrinha Zaina.
— Eu perdi meus jalebis. — Os olhos de Zaina se encheram
de lágrimas.
— Volte para a sala e tenho certeza que a tia Jana vai
encontrar mais alguns para você. — Layla a mandou embora
antes de se abaixar para pegar os doces derramados.
— O que está acontecendo? — Sam se agachou para ajudá-
la.
— Meu pai está acordado e alugamos a sala de eventos para
que todos pudessem comemorar e ir vê-lo. — Ela encolheu os
ombros. — Isso se transformou no caos familiar de sempre.
Sam gesticulou para suas roupas pingando.
— Parece que você acabou de tomar banho em uma tigela
de kheer.
— Isso é surpreendentemente preciso. — Ela tirou alguns
grãos de arroz da camisa. — Como está sua namorada?
Desculpe por não ter ficado para uma apresentação.
— Ela não é minha namorada. Trabalhamos juntos em uma
redução.
Layla ergueu uma sobrancelha.
— O que exatamente você reduziu que envolveu a remoção
de suas calças?
— Aham. — Nisha tossiu e ele olhou para cima para vê-la
observando-os, com os olhos arregalados de curiosidade.
— Esta é minha irmã, Nisha. — Seu estômago deu um nó
com a sensação desconfortável de ter sua vida pessoal exposta.
Ele raramente falava sobre sua família com seus colegas e
amigos. John sabia sobre Nisha, mas nunca a conheceu, e
Royce não sabia que tinha família. — Layla divide o escritório
comigo acima do The Spice Mill.
Apesar do fato de que Layla claramente precisava de um
novo conjunto de roupas, ela se sentou em um banco próximo
para conversar com Nisha, uma pequena cortesia para uma
usuária de cadeira de rodas que Sam não via com frequência.
— Sempre quis comer no The Spice Mill — disse Nisha.
— Você pode ter a próxima melhor coisa bem aqui. — Layla
apontou para o corredor. — Estamos dando uma festa para
comemorar a recuperação do meu pai. A maior parte da
comida é do restaurante dos meus pais, com alguns pequenos
extras de parentes bem-intencionados, mas posso apontar quais
pratos evitar. — Ela gesticulou para suas roupas. — E temo que
todo o kheer se foi.
Nisha riu e elas iniciaram uma discussão sobre comida que
de alguma forma se transformou em uma discussão sobre
roupas e como Nisha não tinha ido ao casamento com seus pais
naquela tarde porque ela não tinha nada para vestir – algo que
ela não compartilhou com Sam. De repente, planos estavam
sendo feitos para levar sua irmã às compras na loja da tia de
Layla em Sunnyvale, e antes que ele percebesse, Layla estava
acompanhando sua irmã pelo corredor até o salão de festas para
fazer uma apresentação.
O que estava acontecendo? Nisha não socializava. Ela foi
para a reabilitação e para as consultas médicas e depois voltou
para casa. Manteve algumas de suas antigas amizades, mas a
maioria de seus amigos pararam de ligar quando ela recusou
todos os convites.
— Espere. — Com a cabeça ainda girando com a velocidade
dos acontecimentos, ele correu atrás delas. — Sinto muito,
Nisha. Eu tenho uma reunião de negócios. Eu preciso te levar
para casa.
— Eu posso levá-la — disse Layla. — Vou pegar emprestado
o carro da minha mãe porque meu Jeep vai ser um desafio para
a transferência. Não tem problema.
Sam franziu a testa.
— Você sabe sobre transferências?
— Minha avó passou a maior parte da vida em uma cadeira
de rodas. Ela pegou poliomielite quando era jovem. Todos nós
aprendemos como ajudar. Nisha estará segura. Confie em mim.
Como ele poderia não confiar nela? Ela acabara de ver a
parte mais privada, querida e pessoal de sua vida e a abraçou.
Em vez de apenas cumprimentar Nisha educadamente e ir
embora, ela fez amizade com sua irmã e a recebeu em sua
família.
— Eu vou ficar bem, bhaiya. — Nisha sorriu. — Eu quero
ficar com Layla.
E naquele momento, ele também.
• •
— Solteirão número 5 é Harman Baboo… — Daisy leu em seu
telefone enquanto subiam correndo as escadas, atrasadas para
o escritório depois de ajudar com a multidão do almoço no
restaurante. — Idade: trinta anos. Gerente do Sports World
Fitness Club. Fisiculturista profissional. Acho que ele tem duas
latas extras de refrigerante embaladas em seu abdômen. Eu só
quero lambê-lo todo. Posso ficar com ele já que você está se
ocupando com Sam?
Layla gemeu por dentro, lamentando sua decisão de contar
a Daisy sobre o quase beijo.
— Isso foi um erro. Eu o salvei de um skatista, a adrenalina
estava bombando, as coisas saíram do controle e a Karen
apareceu…
Daisy soltou uma risada.
— Karen. Ele não pertence a uma Karen.
— Bem, ela parecia pensar que ele pertencia a ela, e ele não
veio atrás de mim. Acho que isso deixou as coisas bem claras.
Então, por que ela não conseguia parar de pensar sobre o
quão segura ela se sentia em seus braços, ou quão quente seu
hálito estava em seus lábios, ou quão carinhoso e doce ele tinha
sido com a irmã que nunca havia mencionado antes? Ela estava
ansiosa para a viagem de compras de fim de semana. Nisha
tinha sido muito divertida e a família de Layla a amava.
Sam estava esperando na recepção, todo frio e casual como
se não a tivesse evitado por cinco dias apenas para aparecer no
hospital com uma irmã secreta e desaparecer novamente pelo
resto da semana.
— Harman quer que o encontremos em sua academia.
Aparentemente, alguns recrutadores apareceram e ele tem
medo de sair caso queiram falar com ele. Ele está bem comigo…
— Está bem. Eu não preciso de você — Layla deixou
escapar, tentando não pensar sobre o quase-beijo e como ela
tinha sido estúpida em pensar que era algo mais do que um
erro. Ele nem tentou explicar sobre Karen quando ela o viu no
hospital.
Sam bufou em desaprovação.
— Prometi encontrar todos os pretendentes com você, e
não volto atrás na minha palavra, especialmente quando
estamos no meio de um jogo que pretendo vencer.
Seu coração afundou. Claro. Ainda era sobre o jogo. O
quase beijo claramente não significava nada para ele. Ela era
apenas mais uma Karen.
Ela olhou para ele, mas era difícil não notar o quão lindo ele
estava hoje. Sua camisa branca estava aberta na gola, revelando
um toque de pele ricamente tonificada, e ele tinha enrolado as
mangas, deixando à mostra os antebraços bronzeados
levemente polvilhados com pelos. Layla nunca tinha pensado
nos antebraços de um homem como sendo particularmente
sensuais, mas ela não conseguiu desviar o olhar quando Sam
puxou o telefone.
— Vamos indo — disse ela. — Meu Jeep está estacionado
na frente.
— Eu vou dirigir. — Sam estendeu a mão.
— É o meu carro. Eu vou dirigir.
Sam se irritou.
— Eu sou o homem.
— E daí?
— O homem dirige. Isso é trabalho de homem. Exatamente
como consertar coisas, construir coisas, tirar o lixo, propor
casamento, cortar a grama, fazer churrasco, carregar móveis
pesados…
Layla bufou.
— Acorde. Não estamos mais nos anos 50. Ninguém dirige
o jipe dessa mulher. Posso construir qualquer coisa da IKEA
sem ajuda, e se alguma vez encontrar alguém com quem queira
me casar, eu mesma pedirei ao cara. Entretanto, se você quiser
levar o lixo para fora ou consertar a torneira vazante no
banheiro, divirta-se.
— Que tal Layla levar seu jipe e Sam levar seu carro e eu
prometo não contar a ninguém que vocês dois destruíram o
meio ambiente sozinhos? — Daisy sugeriu.
— Isso é ridículo — Sam retrucou. — Estamos indo para o
mesmo lugar pelo mesmo motivo. Precisamos apenas de um
veículo.
— Este é o meu show — disse Layla. — Vou dirigindo meu
carro. Se você não consegue superar seu lado tradicional,
patriarcal e sexista controlando a si mesmo, então eu o
encontrarei lá.

•••

— O limite de velocidade é de cinquenta e seis quilômetros por


hora. — Sam apontou para a placa quando Layla pisou no
acelerador para ultrapassar um carro em sua pista.
— Obrigada. Estou bem ciente dos limites de velocidade
residencial nesta parte da cidade. — Layla observou o
velocímetro subir. Era infantil, mas sua atitude arrogante a fez
querer fazer o oposto do que ele lhe disse para fazer. Uma multa
valeria a satisfação de assistir o pior copiloto da história do
universo suar.
— Há uma placa de pare à frente — ele ladrou. — Comece
a desacelerar.
As mãos de Layla se apertaram ao redor do volante.
— Fique quieto ou juro que vou parar este carro e fazer você
ir andando.
Sua mão apertou a maçaneta da porta, os nós dos dedos
ficando brancos.
— Você dirige em velocidade excessiva. Entra e sai do
trânsito. Você ultrapassa pessoas que estão dirigindo abaixo do
limite de velocidade. E para apenas no último segundo. O que
eu deveria fazer?
— Você deveria ficar impressionado com o fato de eu dirigir
um jipe e ter um histórico limpo, que você está em um carro
com uma mulher que gosta de dirigir rápido e pode fazer isso
com segurança, e me dizer por que você quase me beijou na
outra noite.
Silêncio.
Ela não sabia de onde tinha vindo aquela pergunta sobre o
beijo e isso claramente o deixou desconfortável. Mas pelo
menos ele não estava mais dirigindo no banco ao lado.
Sam pigarreou.
— Foi um erro.
— Fico feliz que você concorde. — Ela não concordava de
verdade. Algo havia mudado entre eles. Ela sentiu algum tipo
de faísca que não tinha nada a ver com amizade e tudo a ver
com Sam ser inteligente, engraçado, protetor e extremamente
gentil de uma maneira que ela nunca pensou que ele pudesse
ser. Não que isso importasse. Ela não estava procurando por
outra ligação de curto prazo e já havia perdido tempo pensando
no que poderia ter acontecido se Karen não os tivesse
interrompido. Com um suspiro, pegou um facão mental para
suas fantasias de acelerar pela cidade até o apartamento de Sam,
rasgando as roupas um do outro no elevador e mal conseguindo
passar pela porta antes de serem dominados por um desejo
impotente.
— Além disso, quero que você cancele sua viagem de
compras com Nisha — disse ele. — Foi muita gentileza sua
convidá-la, mas você não precisa fingir ser amiga dela porque
usa uma cadeira de rodas. Ela já foi ferida o suficiente.
— Uau.
— Uau?
Layla lançou-lhe um olhar de soslaio.
— Você é superprotetor. Eu realmente gosto da sua irmã.
Ela é doce e divertida e adorei sua companhia. Não importa
para mim que ela use uma cadeira de rodas. Cresci com uma
família enorme e minha avó não era a única pessoa que usava
um dispositivo de mobilidade. Patels não tratam as pessoas de
maneira diferente quando elas têm necessidades especiais. Nós
apenas nos esforçamos mais para que eles saibam que são
amados.
Sam ficou rígido, os olhos fixos na estrada, a garganta
apertada quando ele engoliu.
— Você está bem? Eu bati em um pedestre ou algo assim?
— Ela diminuiu a velocidade até parar em um semáforo.
Ele puxou seu telefone.
— Eu preciso checar minhas mensagens.
— Ajuda se você ligar — ela disse suavemente quando
percebeu que ele estava olhando fixamente para a tela.
O sinal ficou verde e ela pisou fundo no acelerador, fazendo
o carro disparar para a frente e a cabeça de Sam cair para trás.
Ele se sacudiu e pigarreou.
— Você quer filhos em seu casamento arranjado?
Layla franziu a testa, tentando compreender a mudança
repentina de conversa.
— Essa é uma questão muito pessoal. Mas sim. Eu quero ter
filhos. Pelo menos três, então se o primeiro for um menino e o
segundo uma menina, ela não se sentirá em uma competição
que nunca poderá vencer porque não tem um pênis.
Sam abaixou sua janela e respirou fundo.
— Chocou você, não foi? Foi a palavra pênis ou a revelação
de que eu gostaria de ter filhos com um homem que eu não
amo?
— Estou começando a perceber que não há fim para sua
capacidade de me surpreender.
Layla apertou ainda mais o volante.
— Por que você me perguntou sobre crianças? Está
preocupado que eu possa estar grávida depois do nosso quase
beijo? Como algum tipo de concepção imaculada?
Uma risada escapou dele, uma risada curta que desapareceu
quase tão rapidamente quanto veio.
— Harman é um fisiculturista profissional. Isso significa
esteróides. O uso prolongado de esteróides anabolizantes pode
ter efeitos significativos, incluindo contagem de
espermatozóides reduzida, infertilidade, atrofia genital,
disfunção erétil e testículos encolhidos.
— Então você viu meu pênis e me deu um par de testículos
encolhidos? Eu dobro. Você venceu. Eu te chamo de Mestre do
Jogo. — Ela bateu no braço dele com dois dedos, tentando não
imaginar como seria ter aquela força ao redor dela.
Seu rosto se suavizou em uma máscara inexpressiva.
— Não é engraçado.
— Definitivamente não, se ele não for totalmente
funcional. Mas isso não o torna uma pessoa má e seu trabalho
é eliminar os personagens de má reputação, não os impotentes.
Layla estacionou no estacionamento do centro esportivo e
eles seguiram para o centro de treinamento em estilo de
depósito. Música de rock otimista martelava nos alto-falantes,
quase abafando o zumbido de grunhidos, gemidos e pesos
retinindo. Fisiculturistas e levantadores de peso os acionavam
em cada canto. O ar estava denso com testosterona e cheiros de
suor e desinfetante.
— Sam, meu amigo. — Um deus caminhou em direção a
eles, vestindo um minúsculo short de ginástica vermelho e nada
mais. Um metro e oitenta de altura, magro e rasgado, com
cabelo curto, grosso e escuro, um tanquinho desfiado, dentes
perfeitos e um sorriso matador, ele era um estudo na perfeição
da forma masculina. — Acompanhante da velha guarda. Eu
gosto disso.
Sam e Harman deram um aperto de mão viril com os
punhos, seguido de tapinhas nos ombros mútuos, como se se
conhecessem por toda a vida.
— Esta é Layla Patel. — Sam a empurrou para a frente.
Layla abriu sua boca, mas nenhuma palavra saiu. De perto,
Harman era ainda mais de tirar o fôlego do que sua foto. Ela
podia ver cada ondulação muscular enquanto ele se movia,
peitorais tão duros e suaves que ela poderia ter ressaltado um
centavo de sua pele de bronze.
— Toca aqui, baby. — Harman ergueu a mão.
— Pare de babar — Sam sussurrou em seu ouvido. — Você
está sendo ridícula. — Ele ergueu a mão dela e bateu contra a
palma de Harman em um humilhante high five que ela deveria
ter sido capaz de se controlar se não estivesse embriagada com a
beleza de Harman.
— Ela é bastante tradicional — disse Sam. — Ela não está
acostumada a ver caras de peito nu.
— Eu vi muitos homens sem camisa — ela murmurou
baixinho. — Sem shorts, também. Muitos.
Sam ergueu uma sobrancelha.
— Mesmo? Não diga.
Harman riu – pelo menos ela achou que era uma risada –
embora parecesse mais uma risadinha feminina.
— Bem, é melhor ela se acostumar com isso. Encontrar
roupas para caber nesses pítons… — ele ergueu um braço em
um ângulo de noventa graus e flexionou o bíceps, fazendo-o
inchar até o tamanho de um naan35 estufado — é muito difícil.
— Eu posso ouvir você. — Sam acenou com a cabeça como
se ele também estivesse tão bombardeado de esteróides que não
conseguia encontrar uma camisa para usar.
Layla bufou.
— Oh, por favor.

Naan: é um antigo e típico pão indiano, com receita à base de trigo, podendo servir de
35

acompanhamento a qualquer refeição


Harman os conduziu até um pequeno lounge com assentos
de couro vermelho e uma TV de tela grande mostrando os
destaques do jogo de futebol de ontem. Durante os shakes de
proteína de chocolate, eles trocaram informações sobre seu
trabalho e interesses. O mundo inteiro de Harman era seu
esporte. Ele viajava apenas para competições, não sabia nada
sobre política ou assuntos mundiais e não tinha comido açúcar
nos últimos dez anos.
— Então, o que você procura em uma esposa? — Layla
perguntou. — Companheirismo? Amizade? Dona de casa? O
amor verdadeiro?
— Eu preciso de uma garota marrom — disse Harman.
Layla engasgou com seu shake.
— Você precisa de uma garota marrom?
Ele assentiu.
— Eu quero ser o primeiro desi Sr. Olympia, então eu sou
tudo sobre a marca. Pele marrom. Cabelo castanho. Sotaque.
Alguns dias coloco um turbante. Outros dias vou usar um
thawb36. E quando há uma cerimônia acontecendo, meu
relações-públicas, Steve, e eu vamos ao centro cultural local
para algumas fotos. Diwali37. Ramadã38. Vaisakhi39. Eu celebro
todos eles.
— Essas são cerimônias de três religiões diferentes, e
vestimentas de duas — ressaltou. — Não há uma crença que
você segue?
— Eu não queria deixar ninguém de fora.
Layla balançou a cabeça em descrença.
— Então isso é tudo que você quer de um casamento?
— Não vou mentir para você — disse Harman. — O
fisiculturismo é minha vida. Não tenho tempo para
relacionamentos, mas Steve diz que há muitos caras que fazem
o que eu faço. Eu preciso me destacar. Preciso de uma marca.
Fizemos um brainstorming e chegamos ao marrom.
— Marrom é a sua marca?

36
Thawb: também escrito thobe ou tobe e conhecido por vários outros nomes em
diferentes regiões, é um manto na altura do tornozelo, geralmente com mangas compridas. É
comumente usado na Península Arábica, Oriente Médio, Norte da África e outros países
árabes vizinhos e alguns países da África Oriental e Ocidental.
37
Dilawi: é uma festa religiosa hindu, conhecida também como o festival das luzes
38
Ramadã: é o nono mês do calendário islâmico, no qual a maioria dos muçulmanos
pratica o seu jejum ritual, o quarto dos cinco pilares do Islã.
39
Vaisakhi: Marca o primeiro dia do mês de Vaisakh e é tradicionalmente comemorado
anualmente em 13 de abril e às vezes 14 de abril como uma celebração da colheita da primavera
principalmente no norte da Índia
— É isso aí, irmã. — Ele fez um gesto com a mão que era
uma mistura entre uma bomba de punho, um aceno de dedo e
um estalo. — Não existem muitos fisiculturistas desi por aí. Eu
vou ser o número um.
— Eu não sou sua irmã — ela murmurou.
— Mas você poderia ser minha esposa — ele disse
seriamente. — Eu preciso de alguém para fotos e entrevistas e
para manter os fãs afastados. Estou constantemente recebendo
propostas e, para ser sincero, estou ficando cansado de ser
objetificado. Quero que as pessoas vejam quem eu realmente
sou – um espécime perfeito da forma masculina definitiva.
Layla franziu a testa.
— Então você não quer ser objetificado.
— Só pela minha arte — admitiu. — E pela fama e pelo
dinheiro que vêm com a conquista de títulos. Mas não em
minha alma.
— Jesus Cristo — Sam murmurou baixinho.
— Pelo menos ele é honesto sobre quem ele é — ela
retrucou.
— Teremos que tonificar você para as fotos — disse
Harman. — Você pode seguir a minha dieta. Proteínas magras,
gorduras saudáveis, vegetais fibrosos e carboidratos de alta
qualidade. Isso significa sem açúcar, alimentos fritos ou farinha
branca. Quatro a seis semanas e você estará magra, elegante e
cheia de energia.
Seu rosto aqueceu e ela colocou os braços em volta de si
mesma em um abraço protetor.
— Desculpe?
— Steve! — Ele acenou para um homem loiro magro
vestindo um colete de couro sobre uma camiseta do Twenty
One Pilots e um par de calças cáqui coladas ao corpo. O cara
tinha uma câmera grande em volta do pescoço e um tripé na
mão.
— Tire algumas fotos — Harman disse a ele. — Veja como
ficamos juntos.
Ele puxou Layla para ficar na frente dele.
— Você está bem se eu colocar um braço em volta de você
para as fotos?
— Hum… certo.
Harman se posicionou atrás dela, um braço cruzado em seu
corpo, o outro flexionado por sua cabeça, seus quadris
pressionados contra seu traseiro.
— Ela vai perder esse peso extra, Steve, então nos coloque
em ângulo com seu meio nas sombras.
— Tire suas mãos dela — Sam rosnou.
— Relaxe, cara. Estamos apenas fazendo algumas fotos de
teste.
Steve tirou algumas fotos. Layla observou três coisas:
primeiro, Sam estava certo sobre o efeito dos esteróides nos
órgãos reprodutivos; segundo, ela não sentiu absolutamente
nada sendo pressionada contra um espécime perfeito da forma
masculina definitiva; e terceiro, no momento em que ele a
soltasse, ela iria acertar o nariz perfeito com o punho.
Seu olhar se voltou para Sam. Todos os músculos de seu
corpo estavam tensos e ele olhava para Harman com visível
desdém. Desde que o conheceu, Sam nunca criticou sua
aparência. Ela se sentiu confortável o suficiente com ele para
dançar em uma fonte pública, e quando ele a segurou em seus
braços para seu quase beijo, ela não sentiu nada além de sua
igual.
— Sorria — disse Harman. — Como estão os dentes dela,
Steve? Ela vai precisar de lentes ou apenas de clareamento?
Layla se virou, puxando o punho para trás, pronta para
atacar. Só que Sam antecipou seu movimento. Ele agarrou a
mão dela, empurrando-a para baixo enquanto passava o braço
forte ao redor de seu corpo.
— Não faça isso — ele avisou, mantendo a voz baixa. — Seu
rosto faz parte de sua estética. Se ele perder a carreira, você
poderá enfrentar um processo que a levará à falência. E você
perderá sua chance de ser a Sra. Harman Babu.
Seu corpo se aqueceu com a pressão de seu peito duro
contra ela, o braço forte segurando-a com força, sua respiração
quente contra seu pescoço. O fogo correu por suas veias,
queimando suas terminações nervosas e fazendo sua pele
formigar. Por que ela não sentia isso com Harman? Por que
tinha que sentir isso pelo único homem na terra que a irritava
mais – o homem que a fazia se sentir viva?
Oh Deus. Ela não queria Harman. Ela queria Sam.

•••

— Você está louca? — Sam caminhou rapidamente pelo


estacionamento depois de se despedir de Harman. Ele alcançou
Layla assim que ela alcançou seu jipe, seu coração batendo forte
de frustração. — Por que você concordou em sair com ele? Ele
disse que você precisava perder peso e tinha dentes ruins. Você
ia dar um soco na cara dele.
— Ele se desculpou. Disse que em seu mundo qualquer
pessoa com mais de 5% de gordura corporal está acima do peso
e todo mundo tem facetas. E o que há de errado em entrar em
forma? Ele é melhor do que qualquer um dos outros. Por que
não dar a ele uma segunda chance?
Sam se encostou na porta, bloqueando seu caminho.
— Então é isso que você quer? Ser o brinquedo de um cara?
— Harman parecia um golpe fácil até que, de alguma forma,
manobrou seu caminho para um encontro.
— Oh, vamos lá. Você tem que me dar um crédito. Nunca
vi um homem com um corpo assim. Era como olhar para uma
pintura rara, uma flor perfeita ou um pôr do sol glorioso. Você
não pode deixar de apreciar esse tipo de beleza.
— Você poderia ter feito isso de boca fechada — ele
retrucou. — Não consigo imaginar como você seria no Louvre.
Eles provavelmente teriam que te seguir com um balde e
esfregão. — Seu sangue bombeava quente e furioso em suas
veias, um potente coquetel de frustração, decepção e desejo.
— Eu não entendo você. — Layla olhou ferozmente. — Ele
tem seus defeitos, mas não parece um cara mau. Se eu acabar
me casando com ele, você fica com o escritório. Por que você
está tão chateado?
— Não estou chateado — ele disse, embora seu pulso tivesse
disparado e ele tivesse vontade de passar uma hora no ginásio
socando um saco e imaginando que era o rosto de Harman. —
Se você realmente quer desperdiçar sua vida com um cabeça-
dura egoísta, deve fazer as coisas da maneira correta. As famílias
devem se encontrar… — Ele quase não conseguia acreditar nas
palavras que saíam de sua boca. Ele era anti-tradição. Ele
deveria estar encantado por ela ter encontrado um par tão
rapidamente. Inferno, ele deveria estar no telefone agora,
organizando mudanças para se livrar do sofá roxo.
— Meu pai ainda está no hospital.
— Então qual é a sua pressa? Conheça os outros homens da
lista. Não se apresse em tomar uma decisão tão importante. —
Ele respirou fundo uma vez e depois outra. Quando ele deixou
suas emoções anularem seu bom senso? Todos os dias ele lidava
com funcionários irritados. Eles o xingaram, jogaram coisas
nele, questionaram a existência de sua alma. Nada o afetava. As
paredes que ele construiu para conter seu remorso e
arrependimento permitiram que fizesse seu trabalho sem
sucumbir à dor. Exceto quando se tratava de Layla.
— Você está… — Ela inclinou a cabeça para o lado e deu a
ele um olhar interrogativo. — Com ciúmes?
— Não seja ridícula. Quando ele envelhecer, toda aquela
pele esticada vai murchar, seu rosto envelhecerá
prematuramente e ele murchará como um balão estourado.
Sem mencionar a perda de cabelo e os problemas de
funcionalidade.
Seus olhos se arregalaram.
— Você está com ciúmes. Achei que você ficaria feliz.
— E eu pensei que você estava falando sério sobre encontrar
um parceiro adequado e não alguém que só quer que você seja
sua garota marrom troféu. — Ele encolheu os ombros. —
Claramente, eu estava errado. O jogo acabou. Eu ganhei.
— Você ganhou? — Ela estava gritando agora. Sam olhou
ao redor rapidamente para se certificar de que eles não estavam
incomodando ninguém, mas eles estavam muito sozinhos na
outra extremidade do estacionamento, onde ele insistiu que
estacionassem para minimizar o risco de seu veículo ser
arranhado.
— Você não ganhou, seu asno vaidoso e egoísta. Vou ter um
encontro, não me casar com ele. — Ela se aproximou, ficando
a menos de trinta centímetros de distância, aparentemente
despreocupada por ele ser 20 centímetros mais alto e pesar uns
bons vinte quilos a mais. O que havia em Layla que derrubava
suas defesas com tanta facilidade? Ele não conseguia nem
pensar direito. Não era isso que ele queria? O escritório e Layla
indo embora?
— Você só está se arrastando porque não quer perder o jogo
— ele retrucou. — Eu conheço seu tipo.
— E eu conheço seu tipo. Você passou tanto tempo
escondendo como se sente que não reconheceria uma emoção
se ela o acertasse no rosto.
Seus lábios se apertaram com força e ele tentou encontrar a
calma interior que o sustentava quando tinha que lidar com
funcionários descontentes. Mas ele estava muito tenso, muito
envolvido, muito consciente da mulher parada em sua frente –
o calor de seu corpo, o rubor em suas bochechas, o subir e
descer de seu peito enquanto respirava de forma irregular.
— Reconheço a covardia quando a vejo — retrucou ele. —
Você deixou a morte de Dev definir você. Você tem medo de
deixar as pessoas entrarem porque tem medo de perdê-las. É por
isso que você concordou com o encontro com Harman. Não
há chance de você se apaixonar por ele porque ele nunca amará
ninguém mais do que a si mesmo.
— Você não sabe de nada. — Ela soltou uma respiração
furiosa, olhando para ele através de seus cílios. Seus seios
roçaram seu peito. Seus lábios macios se separaram.
Suas paredes desmoronaram. Sem nada para conter sua
emoção, ele sucumbiu ao desejo.
— Eu sei que cometi um erro ao deixar você ir na outra
noite.
E então ele a beijou. O mundo ao redor dele se desvaneceu
com a sensação singular dos lábios dela nos dele, tão suaves e
gentis quanto suas palavras foram frias e ásperas. Tudo o que
importava era o calor de seu corpo e seu doce suspiro de
rendição quando ela se derreteu contra ele.
Por isso, foi ainda mais chocante quando ela deu um tapa
no rosto dele.
• •
— O que… — A expressão atordoada de Sam teria sido cômica
se Layla não estivesse tão fixada em sua boca macia e
exuberante.
— Você não perguntou. — Ela agarrou sua camisa com as
duas mãos e o puxou para outro beijo. — E estou zangada com
você.
Suas bocas colidiram. Línguas emaranhadas. Ele a beijou
como se quisesse consumi-la, devorá-la viva. Beijos ferozes,
beijos fortes, beijos desesperados e desejosos. Ele tinha gosto de
chocolate e cheirava a pecado.
— Sam… — Ela se afastou. — Eu não consigo respirar.
— Nem eu. — Ele passou os braços em volta dela e puxou-
a para outro beijo faminto. Quente, duro e úmido, derretendo-
a ao lado do jipe. A língua dele passou por seus lábios para
mergulhar em sua boca, cada golpe puxando as coisas baixas e
profundas em sua barriga.
Suas mãos se moveram para seu peito, deslizando sobre seu
peitoral e a ondulação do abdômen sob sua camisa. Harman era
perfeito, mas Sam era real, seu corpo duro pelo treinamento de
luta, músculos grossos pelo uso. Ele soltou um suspiro quando
os dedos dela roçaram o topo de seu cinto, seu autocontrole
infame dando lugar às mãos curiosas dela.
— O que estamos fazendo? — ele murmurou enquanto
puxava o lóbulo da orelha em sua boca, sua sombra de cinco
horas áspera contra sua pele sensível.
— Eu não sei, mas não pare.
— Sem chance. — Ele se moveu contra ela, sua excitação tão
evidente por sua respiração irregular enquanto a crescente
dureza pressionava contra seus quadris.
Quando ele empurrou uma coxa grossa entre suas pernas,
ela balançou contra ele, imprudente e devassa em sua
necessidade de liberação. Ela estava morrendo, queimando, seu
corpo em chamas. Ela nunca sentiu nada como a combinação
tóxica de raiva e luxúria que batia em suas veias. Isso fez sua
cabeça girar, afastou a lógica.
— Entra no jipe. — Ele alcançou atrás dela, abriu a porta do
passageiro.
— Você quer fazer isso aqui? Como no Titanic?
— Você está brincando comigo? — Sua voz saiu rouca e
baixa. — Estou levando você para casa, onde posso ter você só
para mim.
— Nesse caso… — Ela entregou-lhe as chaves. — Já que não
sei onde você mora, vou deixar você dirigir.
Momentos depois, Sam saiu do estacionamento como se o
fogo estivesse lambendo seus calcanhares. Ele dirigia com uma
mão no volante e a outra no colo dela, seus dedos enroscados
nos dela. Ela sempre se considerou uma motorista agressiva,
mas Sam invadiu as ruas. Quando chegaram do lado de fora de
um prédio boutique no Mission, seu coração batia tão forte
que ela pensou que quebraria uma costela.
Sam a agarrou quando chegaram ao saguão. Ela teve um
vislumbre de papel de parede estampado com menta e creme,
madeira recém-pintada e uma pintura em pastel de um bonde
antigo, antes que ele a prendesse contra a parede ao lado do
elevador e a beijasse. Ela raspou as unhas no peito dele,
rasgando um botão de sua camisa no momento em que a porta
do elevador se abriu. Sam espalmou suas curvas, beijando-a
com mais força enquanto a fazia entrar no elevador e batia a
mão no botão para fechar a porta.
— Você quer fazer isso aqui? No elevador? — Layla estava
pronta para qualquer coisa, desde que isso significasse que ela
teria que tirar a roupa dele. — Estilo de Atração Fatal ou
Cinquenta Tons Mais Escuros?
— Andar de cima. — Ele inclinou a cabeça para aprofundar
o beijo. Layla gemeu em sua boca, esfregando seus quadris
contra a protuberância em sua calça jeans. Sam respondeu com
um gemido, seus dedos deslizando sob sua camisa para acariciar
a pele nua de seu estômago, e então mais alto.
Desesperada para mudar as coisas, Layla puxou a camisa
pela cabeça.
— O que você…? —
Ela desabotoou o sutiã e ele deu um suspiro estrangulado.
— Não…
— Está bem. Eu não sou tímida. — Ela tirou o sutiã e o
jogou no chão junto com a blusa. — Venha e pegue-as. — Ela
deu uma sacudida nas meninas, caso ele não entendesse a
mensagem.
Os olhos de Sam brilharam, seu olhar persistente em seus
seios com uma intensidade que a deixou sem fôlego. Mas havia
algo mais em seus olhos.
Medo.
Ele tem medo dos meus seios.
O elevador apitou. As portas se abriram. Layla se virou. Seu
cérebro registrou uma mulher parada na porta. Seu corpo
congelou.
— Boa noite, Sra. Goldberg. — Sam empurrou Layla para
trás. — Como você está?
— Boa noite, Sam. — A voz da Sra. Goldberg estava
trêmula, rouca, mas tingida de diversão. — Vou bem, obrigada.
Sam se arrastou para o lado, mantendo Layla para trás com
um braço enquanto eles se esquivavam para fora da porta, sua
camisa esfarrapada esvoaçando ao redor deles.
— Você vai dar uma caminhada?
— Sim, está uma noite adorável.
Layla espiou por trás do ombro de Sam e encontrou o olhar
de uma mulher idosa em um terno creme, blusa cor de pêssego
macia e um colar de pérolas.
— Hum… Olá.
— E olá para você, querida. Não precisa se esconder. Fui
enfermeira por quarenta anos. Se você tem, ostente, porquê
quando tiver minha idade, precisará de um guindaste para
segurá-los. — Ela entrou no elevador e se abaixou para pegar as
roupas de Layla. — Você pode precisar disso.
— Obrigada. — Layla estendeu a mão por trás de Sam para
recuperar o sutiã e a camisa.
— Boa noite, Sra. Goldberg — Sam gritou enquanto
tentava alcançar a porta mais próxima, ainda mantendo Layla
escondida.
— Boa noite, Sam e amiga. Aproveitem a noite. Tentem não
fazer muito barulho.
— Ela parece legal — disse Layla quando o elevador fechou.
Com um rosnado, Sam destrancou a porta, e então eles
estavam rodopiando, girando. Antes que Layla pudesse se
orientar, Sam fechou a porta batendo-a contra ela.
— O que acabou de acontecer? — Ela piscou, tentando
clarear sua visão enquanto apreciava o moderno espaço de
conceito aberto com seus pisos de concreto e arquitetura
impressionante. Armários elegantes e eletrodomésticos de
prata de alta qualidade dominavam uma grande cozinha com
bancadas de quartzo e uma mesa de madeira em estilo
piquenique desgastada. A luz suave da noite fluía pelas janelas
do chão ao teto, e gravuras abstratas dominavam as paredes
brancas. Frio, urbano e austero, era totalmente desprovido das
cores vivas, tecidos ricos e sensuais e entalhes de madeira
ornamentados que ela estava acostumada a ver nas casas de sua
família e amigos desi.
Sam bateu com a mão na porta atrás dela, inclinando-se tão
perto que ela podia sentir a pressão de seu peito contra seus
seios.
— O que você estava pensando? Você quase causou um
ataque cardíaco à Sra. Goldberg, de noventa anos.
— Ela parecia muito esperta para mim. — Layla deu de
ombros. — Essa coisa toda foi uma fantasia minha – correr
pelas ruas, arrancar nossas roupas no elevador, tropeçar nua em
seu apartamento… Acho que me empolguei.
Ele segurou sua nuca, pressionou o polegar sob seu queixo e
inclinou a cabeça para trás, escaldando-a com seu olhar
aquecido.
— Eu estava nessa fantasia?
— Sim — ela sussurrou.
Ele a recompensou com um beijo alucinante que fez seus
joelhos fraquejarem. Ela estava pronta para a realidade de ficar
com o tipo de homem que poderia facilmente partir seu
coração?
— O que mais acontece nesta fantasia? — Sua mão deslizou
por baixo de sua saia e ele acariciou um dedo quente ao longo
da borda de sua calcinha. Sua pulsação latejava entre as coxas.
— Depois que estamos nus, fazemos sexo selvagem contra a
porta.
Sam puxou sua calcinha, quase amputando sua perna
quando a robusta calcinha de algodão segurou firme.
— Desculpa. — Sua garganta engoliu em seco. — Eu não
estava planejando que minha fantasia se tornasse realidade,
então não usei roupas íntimas que podem ser destruídas.
Com uma risada suave, Sam desfez o botão de sua saia e se
ajoelhou para deslizar por suas pernas. Layla fez uma careta
enquanto ele estudava sua calcinha branca lisa.
— Você é tão sexy. — Sam se inclinou para frente e deu um
beijo em seu estômago enquanto deslizava delicadamente sua
calcinha sobre seus quadris. Ele olhou para ela de uma forma
que nenhum outro homem tinha olhado para ela antes – como
se realmente a achasse sexy em uma calcinha cinza de algodão
pima de cintura alta, com bainhas na frente e desfiando ao
redor das coxas.
— O que acontece depois que fazemos sexo contra a porta?
— ele perguntou.
— Você me carrega para o balcão da cozinha e quebra todos
os pratos no chão com um movimento de seu braço para que
tenhamos espaço para fazer mais sexo.
Suas palmas cobriram seus seios, e ele a provocou, apertando
suavemente enquanto acariciava seu pescoço.
— Parece anti-higiênico. Como devo alimentá-la depois,
sem pratos?
— Não vou sentir fome.
— Você está sempre com fome. — Ele se abaixou para pegar
seu mamilo esquerdo entre os dentes. — Eu gosto disso sobre
você.
A luxúria inundou seu cérebro. Ela respirou fundo e tentou
se entregar ao prazer de sua boca, mas visões de Karen
dançavam em sua cabeça.
— Meus mamilos são escuros — ela deixou escapar.
Sam riu em torno de seu peito.
— Eu vi.
— Se Karen é o seu tipo, você provavelmente está
acostumado a ver mulheres com mamilos rosados. Eu
costumava pensar que havia algo de errado comigo, mas então
percebi que ficaria estranha com mamilos rosados. Meus seios
provavelmente pareceriam bolas de sorvete de chocolate com
cerejas por cima.
Sam mudou sua atenção para o outro seio, lambendo e
chupando seu mamilo até o pico.
— Eu não gosto de cerejas.
— Nem eu. — Ela hesitou, pensando em Karen e sua pele
pálida, cabelo dourado e corpo perfeito. — Que tal chocolate?
Minha mãe tem uma receita especial de gulab jamun de
chocolate. Ela usa khoya, maida40, cacau em pó e ingere
chocolate. Depois de rolar as bolas, ela as frita em um karahi41
e coloca um pedaço de chocolate por cima.
— Layla? — Ele puxou a camiseta pela cabeça, tirando todos
os pensamentos de comida de sua mente. Seu peito era
espetacular, firme e liso. Layla deixou suas mãos vagarem,
traçando cada curva esculpida de seu abdômen sexy de
tanquinho e os profundos cortes em V de seus oblíquos. Ela
queria lambê-lo todo.
— Sim, Sam?
— Não vamos falar sobre sua mãe ou como ela gosta de
fritar bolas.
Seu olhar caiu para a protuberância abaixo de seu cinto.
— Provavelmente é uma boa ideia.

40
Maida: é uma farinha de trigo finamente moída, refinada e branqueada, muito
semelhante à farinha de bolo.
41
Karahi: é um tipo de panela grossa, circular e funda que se originou no subcontinente
indiano
Ela deu um beijo suave em sua bochecha, lambeu a linha
forte de sua mandíbula, o queixo com uma pequena fenda no
centro. Ela gostava de sua barba por fazer, a sensação erótica de
queimação que fazia em sua pele enquanto ele lambia e
chupava o delicado ponto sensível entre seu pescoço e ombro.
Ela também gostou da maneira confiante como tocou seu
corpo, o deslizamento suave de seus dedos sobre suas curvas,
sua sedução lenta e metódica, sua atenção em cada respiração
aguda. Havia muitas coisas para gostar em Sam Mehta, e eles
pesaram a balança contra os motivos para afastá-lo.
— Você alguma vez teria imaginado que estaríamos aqui,
fazendo isso, no dia em que você entrou no escritório?
— Antes ou depois de você jogar seu material de escritório
em mim?
— Estou falando sério, Sam. Há um mês, eu estava sentada
à minha mesa com apenas um sonho de começar algo novo e
nenhuma ideia de como fazer isso, e tudo que eu conseguia
pensar era em como tirar você do escritório. E agora meu sonho
está acontecendo. Estou começando a construir algo ótimo, e
estou fazendo isso sozinha. Ter você no escritório, vendo-o
administrar seu negócio, é inspirador. E em vez de querer
persegui-lo… — Suas bochechas aqueceram. — Eu quero
deixar você entrar.
— Eu quero que você me deixe entrar também. — Ele
rosnou baixinho, seus lábios deslizando pelo pescoço para
beijar o vão na base de sua garganta.
— Eu gosto da sua conversa suja. — Sua voz estava
entrecortada, rouca, como se ela fosse a femme fatale Krishna
Verma em Ishqiya, o objeto do desejo de todo homem.
— Gosto de como você responde ao meu toque. — Sua mão
deslizou sobre seu quadril, as pontas dos dedos roçando sua
coxa.
Erguendo o olhar, ela viu o calor do desejo em seus olhos. O
suor escorria por sua têmpora, seu corpo estava tão apertado
que ela pensou que rastejaria para fora de sua pele. Ela se
inclinou e deu um beijo em sua boca.
Ele circulou um braço ao redor dela, puxando-a para perto.
— Este é o último lugar que pensei que estaríamos quando
entrou no escritório — ele murmurou, colocando o rosto dela
em sua palma grande e quente. — E depois que você largou
Daisy e Max e jogou todas as suas coisas em mim, eu não tinha
certeza se iria sobreviver. Estava acostumado a ficar calmo e
quieto. Estava acostumado a ficar sozinho.
Ela pressionou os lábios contra o peito dele.
— Seu coração ainda está batendo.
Com um impulso suave, ele separou suas pernas com uma
coxa forte e musculosa.
— Você quer ouvir batidas? Abra-as para mim.
Mais conversa suja. Ela separou as coxas, perguntando-se se
era possível gozar apenas com palavras.
Ele deslizou a mão entre as pernas dela, colocando os dedos
em seu calor. Ela estremeceu enquanto ele trabalhava em sua
magia, deixando-a tonta de desejo.
Deve ser um sonho. Ela não estava realmente nua no
apartamento de Sam Mehta, tão enlouquecida de luxúria que
queria arrancar a roupa dele com os dentes. A qualquer
momento ela iria acordar em sua cama e…
— Oh Deus. — Ela estava queimando sob a habilidade de
seus dedos fortes, sua respiração quente contra seu pescoço. —
Sam, pare. Não. Não pare. Sim. Pare. Tire suas roupas.
— Com prazer. — Um sorriso se espalhou por seu rosto e
ele a soltou para abrir o cinto e empurrar a roupa sobre os
quadris. — Eu gosto de saber que meu toque te deixa selvagem.
— O que meu toque faz com você?
— Veja por si só. — Ele envolveu a mão dela em torno de
seu comprimento duro, pressionando o seu punho em um
aperto forte. Layla deu-lhe uma carícia lenta e admirada,
liberando-o apenas para permitir que ele rolasse o preservativo
que havia tirado do bolso de trás.
— Você me quer.
— Desesperadamente. — O suave estrondo de sua voz
transformou seu líquido por dentro. — Mas se você quiser
parar ou desacelerar…
— Você está de brincadeira?
Antes que ela pudesse estender a mão e tocá-lo novamente,
ele a colocou contra a porta, uma mão embaixo dela,
segurando-a, a outra apoiada ao lado dela. Sua boca encontrou
a dela e ele a beijou lenta e profundamente. Layla agarrou seus
ombros e enrolou as pernas em volta de sua cintura,
esfregando-se contra ele enquanto calafrios percorriam sua
espinha.
— Está pronta para mim? — Ele arrastou beijos quentes e
úmidos em sua clavícula antes de abrir uma trilha em sua
garganta com a língua, parando apenas para pressionar seus
lábios no espaço macio onde seu pulso estava batendo em
antecipação.
— Mais que pronta. — Ela se arqueou contra ele, febril de
desejo, as mãos percorrendo a pele quente de suas costas,
descendo sobre os músculos firmes de seu traseiro. Ela não
conseguia se lembrar de ter desejado mais um homem.
Com um impulso forte ele estava dentro dela. Ela gemeu,
oprimida pela deliciosa plenitude dele, a força e o poder que a
rodeavam.
Os ombros de Sam se contraíram sob suas mãos.
— Você é gostosa pra caralho.
Gostoso demais. Quando foi assim? Uma conexão que ia
além do físico para algo que ela podia sentir em sua alma. Ela
balançou os quadris, puxando-o mais fundo, segurando-o mais
perto. Enquanto se perdiam em um ritmo frenético, não havia
escritório, nem lista de pretendentes, nem jogo. Em vez disso,
havia Sam, cru e real, a necessidade crescendo dentro dela, e a
dor de desejo em seu coração batendo forte.
Sam deslizou a mão entre eles, encontrando o lugar que a
levaria até o limite com um golpe firme de seus dedos. Sua
cabeça bateu contra a porta e ela gritou quando o prazer caiu
sobre si em uma onda estrondosa, seu nome um gemido
gutural em seus lábios.
— Diga isso de novo. — Ele empurrou forte e rápido,
perseguindo seu pico. — Diga meu nome.
— Sam — ela sussurrou.
Com um gemido estrangulado, ele enterrou o rosto em seu
pescoço, seu corpo rígido estremecendo enquanto ele perdia
todo o controle.
— Como a fantasia termina? — ele murmurou enquanto
caia para frente, uma mão ainda a segurando, seu antebraço
apoiado contra a porta.
— Eu não sei. — Ela passou as mãos pelos cabelos macios e
grossos dele. — Eu sempre acordo antes que acabe.

•••
— Obrigado por me encontrar. Espero que você não estivesse
dormindo.
Royce apertou a mão de Sam no estacionamento do lado de
fora do The Spice Mill. Apesar de ter acabado de desembarcar
de um voo de Cingapura, ele estava barbeado e vestido com
uma camisa xadrez azul-marinho e branca, calças apertadas de
traje da marinha, sapatos de corrida brancos brilhantes, e uma
gravata alta, vermelha e azul-marinho, estilo tartan.
— São cinco e meia da manhã. Claro que estava dormindo.
— Sam passou a mão pelo cabelo úmido. Ele conseguiu tomar
banho, se vestir e sair do apartamento sem acordar Layla depois
que recebeu a mensagem de Royce para encontrá-lo no
escritório. Uma pequena bênção, considerando que não sabia
como lidar com sua noite juntos. Ele nunca deixou uma mulher
passar a noite. Nem nunca dormiu com uma mulher que
esperava ver novamente. Ele não podia correr o risco de que elas
quisessem mais dele do que poderia dar. Mas com Layla, ele se
perguntou se poderia correr esse risco.
— Isso não vai levar muito tempo. — Royce deu um
tapinha em sua bolsa. — Eu só tenho uma parada de seis horas
antes do meu voo para Londres. Pensei em verificar o novo
escritório enquanto colocamos em dia os negócios.
Sam o conduziu até a entrada. Ele podia ouvir alguém
gritando na cozinha, portas batendo, panelas batendo no
fogão. Ele sentiu uma pequena pontada de culpa por manter
Layla acordada até tarde. Ela geralmente ajudava a mãe pela
manhã, embora pelo som de conversas ecoando nas escadas,
ficasse claro que sua mãe não estava sozinha. Ele deixou um
bilhete para Layla sobre a reunião matinal. Contanto que ele
tirasse Royce do escritório antes que ela chegasse, tudo ficaria
bem.
— Parece que o restaurante está aberto. Diga a eles para
trazerem alguns expressos e fazer um brioche, coberto de
manteiga.
— É um restaurante indiano — exclamou Sam. — Eles não
fazem café expresso ou brioche. E ainda não estão abertos.
Royce deu um aceno de desdém.
— Eles são prestativos42. Gostam de servir. E achei que
tivesse dito que o proprietário lhe disse que estavam com
dificuldades financeiras e foi por isso que estavam sub-
alugando o escritório em primeiro lugar. Eles vão ficar
contentes com o negócio extra.
— Temos uma cafeteira no andar de cima e acho que há
alguns donuts que sobraram. Nós ficaremos bem.
— Você não tem uma recepcionista para lidar com essas
coisas? — Royce seguiu Sam escada acima até o escritório.

42
No original a expressão utilizada é “service people”, pessoas que trabalham servindo.
Traduzimos desta forma para manter o sarcasmo de Royce.
— Ela não começa a trabalhar tão cedo. — Por um breve
segundo, ele considerou ligar para Daisy e pedir que ela viesse
servir o café da manhã para ele e Royce pela pura diversão de
ouvi-la xingar ao telefone. E se ela fosse ao escritório, ele
conseguiria um assento na primeira fila para os fogos de
artifício quando ela enfrentasse Royce. Não conseguia
imaginar duas pessoas que se irritariam mais.
— Demita ela. Não precisamos do peso morto.
— Ela é estranhamente competente em seu trabalho, então
vou mantê-la por enquanto. — Ele se dirigiu à cozinha para
fazer café enquanto Royce verificava o escritório. Quando
voltou com as bebidas e um prato de donuts velhos, Royce
estava sentado à mesa de Layla.
— Ótima mesa. — Royce passou a mão pela estrutura da
tubulação. — Excelente escolha. Esta é minha, presumo.
Sam soltou uma risada.
— Estou mais do que feliz por você tê-la.
— Quem está senta aqui agora? Sua secretária? — Ele
folheou os papéis de Layla, aparentemente despreocupado com
noções de privacidade ou confidencialidade.
— A filha do senhorio. Ela precisava de um lugar para
trabalhar por algumas semanas, e eu disse que ela poderia ficar.
— Ele se sentou em sua mesa e tomou um gole de café, quase
engasgando com o gosto. Apesar de todas as peculiaridades e
excentricidades de Daisy, ela sabia como preparar um bom café.
— Parece que ela está deixando uma marca. — Royce exibiu
um design de logotipo colorido para uma empresa chamada
Excellent Recruitment Solutions. — Agência de
recrutamento?
— Sim. — Sam estudou os desenhos. Eles não eram tão
profissionais quanto os logotipos que Evan projetou, mas não
eram de todo ruins.
Royce se recostou tanto que a cadeira de Layla rangeu em
protesto.
— Certifique-se de que você receba uma comissão se ela
quiser usá-lo para obter clientes.
Sam estremeceu.
— Ela não perguntou e, mesmo que perguntasse, seria
impróprio entregar seu cartão para as pessoas que acabei de
despedir e, em seguida, fazer com que entrassem no escritório
no dia seguinte e me encontrassem aqui.
— Não me preocupo com esse tipo de coisa moral ou ética.
— Royce deu um aceno de desdém. — Mas é por isso que
trabalhamos bem juntos. — Ele se inclinou sobre a mesa e
olhou para o aquário. — O que há com os peixes?
— São para trazer sorte.
— Ela vai precisar de mais do que sorte se isso for o melhor
que ela pode fazer. — Ele pegou um Sharpie preto da mesa e
distraidamente rabiscou em um dos desenhos de Layla. —
Amador. Espero que ela não tenha pagado ninguém para
inventar isso.
— Royce, abaixe a caneta.
Royce puxou outro desenho da pilha e riu enquanto
escrevia nele.
— Parece um rolo de papel higiênico. Sem noção de cor ou
estilo.
— Royce… — Sam se afastou de sua mesa.
— Chato. — Royce escreveu em outra página e passou para
a próxima. — Pouco profissional. Isto é uma empresa ou um
jardim de infância? — Vira. — Desajeitado. Esta estrela parece
aleijada, como se faltassem alguns membros. — Vira. — E que
animal é este? Seus olhos são enormes. Parece que está sob o
efeito de drogas.
— Esses são os papéis pessoais dela. — Sam saltou da
cadeira, cobrindo a distância entre eles em alguns passos
rápidos. Mas quando ele alcançou a mesa de Layla e arrancou a
caneta da mão de Royce, seu parceiro de negócios conseguiu
rabiscar comentários incisivos na maioria dos designs.
— São terríveis. — Royce zombou. — Até o nome.
Excellent Recruitment Solutions43. Monótono como água de
fossa. Não tem nenhum toque. Sem aliteração. Nada que a faça
se destacar das dezenas de outras empresas de recrutamento na
cidade.

43
Excelentes Soluções de Recrutamento.
— Ela é a filha do proprietário — Sam retrucou. — Você
quer que sejamos expulsos antes que a Alpha Health Care nos
informe sobre o lançamento?
Royce pôs os pés na mesa e mordeu um donut velho. Seus
sapatos de couro eram feitos à mão por uma pequena empresa
familiar em Nápoles e enviados a ele quatro vezes ao ano por
correio. Em contraste, Sam comprou seus sapatos de couro
italiano na prateleira da Nordstrom. Sapatos eram sapatos. Ele
não precisava deles gravados à mão. Eles só precisavam
funcionar.
— Temos um contrato de arrendamento – ou sublocação,
para ser mais preciso — disse Royce. — Tenho certeza de que
dar conselhos gratuitos sobre marcas não é uma causa declarada
para a rescisão. Relaxe, parceiro.
Sam recolocou a caneta e reuniu todos os designs de marca
de Layla.
— Abaixe os pés. Enquanto ela estiver no escritório,
precisamos mostrar a ela a mesma cortesia e respeito que
daríamos a qualquer outro colega de trabalho.
— Sério? Você está fodendo com ela? Ela é uma
aproveitadora. Somos nós que pagamos o aluguel.
— Seus comentários foram um pouco agressivos.
— Foram uma pequena misericórdia. Eu deveria deixar uma
conta para ela.
Sam juntou os papéis e os jogou na lixeira. Melhor para ela
pensar que eles haviam sido arrumados por engano pela equipe
de limpeza do que ler os comentários grosseiros de Royce.
— Eu gosto daqui. — Royce foi até a janela. — É luminoso
e espaçoso. Eu posso andar do meu condomínio e minha
mercearia favorita está logo ali na esquina. O restaurante no
andar térreo é o único lado ruim. Ele não se encaixa.
— Eles têm uma estrela Michelin. — Sam estudou a estrada,
procurando por qualquer sinal do jipe de Layla. — Blogs e
revistas de comida em todo o mundo escreveram sobre eles.
— Isso é ótimo se eles estão localizados em algum lugar
pitoresco e peculiar, onde os gourmets andam. Mas este é um
prédio de escritórios em uma rua de prédios de escritórios.
Cafeterias e lojas de conveniência se sairão bem aqui, mas não
o tipo de culinária que leva horas para comer. O senhor disse
que eles estavam com dificuldades financeiras. A localização é
provavelmente uma grande parte da razão. Eu os avisarei
quando sair.
Royce não fazia a menor ideia. Às vezes, Sam se perguntava
como ele tinha se tornado tão bem sucedido quanto era..
— Eles terão feito um investimento significativo renovando
o piso inferior. Eles não vão se mudar porque um estranho
apareceu e lhes disse que tinham uma má localização.
— Talvez tenhamos que convencê-los se conseguirmos o
contrato e precisarmos de mais espaço.
Sam franziu a testa.
— Entre nós dois e a equipe remota, podemos cuidar de um
hospital muito bem.
Royce pegou outro donut da cozinha e se virou, estudando
o escritório.
— Que tal cinco hospitais?
— O que você está dizendo?
— Ouvi um boato de que a Alpha Health Care decidiu fazer
uma reestruturação em massa de suas propriedades de saúde,
começando com a Bay Area. Se conseguirmos o contrato, não
será apenas para St. Vincent's, será para todos os cinco
hospitais, com a possibilidade de lidar com todo o trabalho da
Alpha Health Care em todo o estado, talvez até nacionalmente.
Precisaríamos contratar mais funcionários. Um andar não será
suficiente e um restaurante étnico meio vazio não projeta o tipo
de imagem corporativa que convencerá a Alpha Health Care de
que podemos competir em nível nacional.
— Você está se adiantando muito — disse Sam. — Se
precisarmos de tanto espaço, podemos nos mudar.
— Ou ficamos no prédio que tem a vantagem única de estar
a apenas um quarteirão da sede da Alpha e equidistante de três
hospitais Alpha Health Care. — Royce terminou o donut com
duas mordidas. — Vou jogar golfe com o CEO deles no Royal
St. George's depois de chegar a Londres amanhã. Vou sondá-lo
sobre os rumores. Se forem verdadeiros, nossa localização se
tornará um fator crítico para garantir o contrato.
— Tudo que me interessa é St. Vincent's. Faça o que for
preciso para que isso aconteça.
— Eu sempre faço. — Royce fungou. Virou-se. Fungou
novamente.
— Algo errado?
— Você tem um animal aqui?
— Claro que não.
— Cheira a urina de cachorro. Ou talvez seja o peixe. Eu os
jogarei fora quando sair.
— Talvez seja sua jaqueta. — Sam rapidamente se moveu
para interceptar quando Royce se dirigiu para a mesa de Layla.
— Acho que você pode ter derramado sua colônia. Você
provavelmente deve limpá-la antes do seu voo.
— Cristo. — Royce tirou o paletó. — Vou ter que comprar
uma jaqueta nova. Aquele comissário de bordo canadense
bonito está trabalhando direto para Londres e estamos
planejando aumentar a pontuação de “milhas de altura” no
caminho.
Sam o acompanhou até a porta.
— Quando você vai passar de novo?
— Só daqui a um mês, a menos que consigamos o contrato
Alpha Health Care. Se isso acontecer, voltarei para resolver os
detalhes. — Ele olhou por cima do ombro enquanto
caminhava pelo corredor. — E você precisará se livrar da garota.
Eu não vou dividir minha mesa.
• •
— Você está atrasada. O Solteirão número 6 chegará em dez
minutos. — Daisy entregou a Layla um currículo de casamento
enquanto ela entrava correndo.
Ainda nervosa por acordar sozinha com nada mais do que
uma mensagem de Sam sobre uma reunião matinal e uma tigela
de mingau de aveia fria na cozinha, Layla olhou para o
currículo em confusão.
— O que…?
— O nome dele é Baboo Kapoor — disse Daisy
rapidamente. — Idade trinta e dois. Seus pais responderam ao
anúncio. Isso deve soar os sinos de alerta.
— Eu mandei uma mensagem para você esta manhã e pedi
para cancelar a entrevista.
— Max roubou meu telefone ontem à noite e não consigo
encontrá-lo. — Daisy deu um sorriso triste. — Acho que ele
enterrou. Sabia que não deveria ter comprado aquela nova capa
de telefone coberta de ossos minúsculos.
— Sam sabe que a entrevista ainda está acontecendo?
— Eu não o vi.
Sinos de alerta tilintaram no fundo da mente de Layla.
— Ele me deixou um bilhete esta manhã dizendo que estava
entrando no escritório para uma reunião.
Daisy respirou fundo.
— O que você quer dizer com Ele deixou um bilhete para
você esta manhã ?
O rosto de Layla esquentou. Ela passou por Daisy e foi até a
mesa.
— Nada.
— Eu conheço esse olhar. Isso não é nada. É olhar de dormi
com ele e me arrependo e tenho vergonha de contar a minha
prima. — Daisy a seguiu até sua mesa. — Você estava bêbada?
Fora da casinha? Chapada? Ele forçou você? Vou ligar para
Bobby Prakash e os gêmeos Singh. Quando eles terminarem
com ele…
— Ele não me forçou — disse ela. — Foi totalmente
consensual. Na verdade, eu comecei.
Daisy engasgou.
— O que diabos você estava pensando?
— Eu não sei. — Ela encolheu os ombros. — Nós
encontramos Harman. Ele era o homem mais lindo que já vi.
Ele queria uma companheira, mas estava feliz em levarmos
nossas vidas separadas. Era perfeito. Ele era perfeito – exceto
que eu sabia que nunca me sentiria bem comigo mesma
quando estivesse com ele. Não é culpa dele, mas percebi que
nunca me sinto assim quando estou com Sam. Ele é bonito e
bem-sucedido, e pode ser engraçado e gentil, e nunca me sinto
outra coisa senão igual quando estou com ele. De qualquer
forma, concordei em sair com Harman porque, além dos meus
problemas, ele é um bom candidato. Sam não ficou feliz com
isso. Nós tivemos uma briga que não foi realmente uma briga.
Eu dei um tapa nele. Então o beijei. Então acabamos em sua
casa fazendo o melhor…
Daisy tapou as orelhas.
— Não me diga. Não quero ouvir os detalhes ou posso
vomitar em mim mesma e roubei esta saia do armário da Tia
Mehar. — Ela respirou fundo. — É de Sam que estamos
falando. Inimigo público número um. Ele está tentando roubar
o escritório. Nós o odiamos. Max o odeia. — Ela baixou as
mãos. — Não é, Max?
Max latiu debaixo da mesa e então saltou, abanando o rabo.
Layla suspirou.
— Ele pediu para você não trazer Max para o trabalho.
— Este é o seu escritório também. Você gosta do Max. Eu
gosto do Max. Os peixes gostam de Max. Max gosta de Max.
Isso dá cinco pontos a favor do Max e um contra. Então Max
fica.
— Acho que ele está certo. — Layla foi até sua mesa. —
Temos um negócio aqui. Acho que precisamos tornar as coisas
mais profissionais. Isso significa sem cachorros, sem peixes,
roupas de escritório adequadas e uma imagem empresarial
adequada. Tenho lutado para ter uma ideia para uma marca,
mas Harman realmente a fez parecer simples. Tudo o que ele é
e tudo o que deseja alcançar pode ser resumido na palavra
Marrom.
— Marrom? — Daisy olhou para ela horrorizada. — Essa
vai ser a sua marca?
— Não. Mas vou tentar criar algo igualmente simples.
Tenho brincado com algumas ideias. Vou te mostrar o que fiz
até agora.
— Ele pegou você — Daisy resmungou. — Ele te
contaminou com Sam-ness. Acorde. Sinta o cheiro do chai.
Você só está doida porque ele coçou sua coceira. Você sabe que
não significa nada para ele. Ele estava lá para te dar um carinho
de manhã?
— Não.
— Ele fez um delicioso café da manhã para você na cama?
Ele preparou um almoço para você como Harrison Ford em
Uma Secretária de Futuro? Você o vê aqui em uma reunião?
Layla engoliu em seco.
— Não, mas quero dar a ele o benefício da dúvida.
— Por quê? — Daisy exigiu. — Você vai transar com ele de
novo? Achei que esse era exatamente o tipo de coisa que você
estava tentando evitar ao encontrar um marido: conexões sem
sentido com homens emocionalmente indisponíveis que
acabarão em desastre.
— Eu sei. É apenas… — Ela se abaixou para estudar o
aquário. — O que há de errado com o peixe? Eles não estão tão
enérgicos como de costume.
— Talvez estejam cheios. Dei a eles alguns flocos extras de
comida esta manhã. O peixe grande comia como um campeão,
mas o peixe pequeno estava de mau humor no fundo da tigela.
Você realmente deveria dar nomes para eles.
— Não posso me comprometer com nomes ainda. E se eles
morrerem? Pensei em esperar alguns meses e me certificar de
que são fortes o suficiente para sobreviver antes de decidir
quem são. — Ainda procurando por seus designs, Layla foi até
a impressora, onde havia alinhado as lixeiras para a coleta de
amanhã. Os designs de seu logotipo estavam na parte superior,
mas cada um havia sido desfigurado com palavras ásperas
rabiscadas em um Sharpie preto.
Atordoada, ela cobriu a boca e engasgou.
— Algo errado?
— Acho que Sam não gostou dos meus designs. — Ela
ergueu os papéis para Daisy ver. — Eu nem pedi seus
comentários, mas ele os rabiscou mesmo assim e depois os
jogou na lixeira como se fossem lixo.
As narinas de Daisy dilataram e ela estalou os nós dos dedos.
— Você quer que eu chute a bunda dele quando ele entrar?
— Não. Eu cuido dele. — Ela engoliu em seco. — Não achei
que ele fosse tão frio ou insensível.
— Sério? — As mãos de Daisy encontraram seus quadris. —
Ele não quis sair do seu escritório mesmo depois de descobrir
que seu pai estava no hospital. Ele está tentando tirar o que é
seu. Você acordou sozinha na cama dele. Realmente achou que
ele era um cara legal?
— Sim — ela disse suavemente. — Eu achei.
Daisy mostrou o currículo de Baboo.
— Agora, este é um cara legal. Alto, bonito, não fuma,
atencioso, voltado para a família, adora animais de estimação,
psicólogo profissional, mente aberta com fortes valores
morais… — Ela parou. — Se eu não estivesse canalizando
minha gótica interior, lutaria com você por ele, mas acho que
meu estilo atrevido e arrasador pode assustá-lo.
Layla tinha a sensação de que ela estava certa. Daisy usava
um chapéu de lã, uma camiseta preta justa, um cinto de couro
preto com tachas e uma saia de chiffon preta sobre leggings e
botas pretas grossas. Com uma coleira de cachorro cravejada
em volta do pescoço e pulseiras combinando nos pulsos, batom
vermelho escuro e olhos negros esfumados, ela definitivamente
não era o que os pais ultraconservadores de Baboo estavam
procurando.
Ela pegou o currículo e deu uma olhada nos detalhes de
Baboo.
— Meus pais definitivamente aprovariam. Dev teria
gostado dele também.
— Você está de brincadeira? Dev não teria deixado você se
contentar com ninguém que não fosse o governante de um
pequeno país ou um multibilionário. Ninguém era bom o
suficiente para sua irmãzinha.
— Ele era um pouco superprotetor, mas no bom sentido. —
Um sorriso apareceu nos lábios de Layla. Ela não podia
acreditar que elas estavam realmente tendo uma conversa sobre
Dev. Era algo que evitou fazer nos últimos cinco anos. Embora
sentisse a pontada familiar de tristeza, pela primeira vez ela não
sentiu como se fosse explodir em lágrimas.
— Dev não teria gostado de Sam — disse Daisy.
— Por que não?
— Sam se aproveitou de você. Mulher solteira. Confusa.
Emocionalmente frágil. Procurando por amor. Ele finge estar
ajudando você. Te atrai para a cama com seu rosto lindo e
corpo duro como pedra. Você faz o indecente. Adormece em
seus braços. Então bum. Acorda com frio e sozinha. Estou
surpresa que ele não tenha roubado sua bolsa.
— Éramos dois naquela cama — replicou Layla. — Eu
escolhi estar lá para sexo e nada mais. Não estou procurando
por amor. — Ela enfiou os logotipos desfigurados sob o
currículo. Por um breve momento, ela realmente pensou que
as coisas estavam melhorando, mas se suas ideias para um nome
e uma marca eram tão horríveis, que chance tinha de fazer
funcionar com os negócios… ou com o homem?

•••

— Me chame de Bob.
Layla sorriu para o homem quieto e de maneiras gentis que
não se parecia em nada com um Bob e muito mais com Tio Vij,
um professor de economia em Berkeley. Ele era dois ou três
centímetros mais alto que ela, magro e elegantemente vestido
com uma camisa listrada, aberta no colarinho para revelar um
medalhão de ouro em volta do pescoço. Seu cabelo escuro era
curto e bem cortado. Seu rosto oval sem graça não tinha
manchas e havia apenas uma sugestão de uma ruga em sua testa
perfeitamente proporcional. Relaxado e à vontade, ele se
recostou, as pernas cruzadas, as mãos apoiadas nos braços da
cadeira, a cabeça ligeiramente inclinada para o lado como se
esperasse que ela começasse. Tudo nele gritava compartilhar
seus segredos mais profundos e ela podia vê-lo balançando a
cabeça em simpatia enquanto seus pacientes descarregavam
suas almas.
— O que há de errado com Baboo? — Sam não ficou nada
satisfeito ao descobrir que a reunião com o Solteirão número 6
estava acontecendo e sua conversa, desde que chegara ao
escritório, fora salpicada de comentários sarcásticos.
— As pessoas acham difícil dizer. — Bob sorriu de volta para
Layla, mostrando-lhe dentes perfeitamente brancos e
uniformes.
— O que é difícil de dizer em Baboo?
Layla lançou um olhar furioso para Sam. Além de xingá-lo
quando chegou, ela não falou com ele desde que entrou no
escritório. Ficar presa na sala de reuniões com ele, sabendo que
sob aquele belo exterior batia um coração cruel e insensível, era
quase mais do que ela podia suportar.
— Bob é um nome perfeitamente bom. Baboo também.
— E Layla é um nome adorável — disse Bob. — Você sabia
que significa “beleza sombria'' em árabe? Combina com você.
— Obrigada. — Seu sorriso desapareceu quando Sam fez
uma careta.
— É um nome trágico — disse Sam. — Muito azar. Tenho
certeza de que você conhece a lenda árabe de Qays e Layla, um
jovem casal que se apaixonou tão profundamente que não foi
capaz de conter sua devoção apaixonada.
— O que, exatamente, isso significa? — Layla perguntou,
esperando distraí-lo no caso de Bob ser supersticioso como a
Tia Lakshmi. A Índia tinha uma indústria centrada em
superstições de bilhões de dólares focada em astrologia, magia
das trevas e babas falsos. Um nome azarado havia atrapalhado
mais de um casamento em perspectiva. — Há algo sobre ser
incapaz de conter sua opinião sobre coisas que ninguém
perguntou?
— Tenho certeza de que todos podemos adivinhar o que
significa. — Sam não respondeu ao seu gracejo sarcástico. —
Layla usou o pobre Qays por seu corpo magnífico e então saiu
em busca de um novo homem apenas algumas horas depois de
deixar sua cama. Isso causou um grande escândalo em sua
comunidade conservadora. Qays teve sua mão negada em
casamento e impedido de vê-la novamente, embora por quê ele
a queria depois disso, eu não sei. Atormentado, ele fugiu para o
deserto enquanto cantava poemas de amor sobre sua querida
Layla, até que caiu na loucura e na morte.
— O que um homem vê como uma tragédia, outro vê como
um romance — disse Bob. — Sempre pensei em Romeu e
Julieta como uma história de amor.
— Eu também. — Layla mentalmente assinalou uma caixa
na coluna positiva para Bob. — Então você acha que o amor
pode crescer em um casamento arranjado? Ou está procurando
apenas uma amiga ou companheira?
— Definitivamente, amor. — Ele colocou a mão no peito.
— Eu sou um romântico de coração.
— Não há nada que pareça romântico como encontrar uma
mulher online — Sam murmurou.
— Então você é psicólogo. — Layla tentou ignorar o
homem carrancudo ao seu lado. Sério? Que direito Sam tinha
de ficar com raiva porque a entrevista estava acontecendo? Ele
mostrou suas verdadeiras cores desfigurando seus desenhos.
Pelo menos, ela sabia que ele estava no escritório e não com
outra mulher.
Bob concordou.
— Sim, eu estudo o comportamento humano por meio da
observação e interpretação para ajudar as pessoas a lidar de
forma mais eficaz com os problemas da vida.
Sam se inclinou para frente.
— Seja cuidadosa. Ele lê a linguagem corporal das pessoas e
diz a elas o que querem ouvir.
— Pelo menos ele é corajoso o suficiente para dizer às
pessoas verdades desagradáveis na cara delas, em vez de fugir de
madrugada e rabiscar em seus papéis pessoais como uma
criança — Layla retrucou. — E tenho certeza de que ele não dá
conselhos a menos que alguém peça sua opinião.
— É verdade — disse Bob. — Eu nunca presumiria.
Sam cruzou os braços sobre o peito.
— Você tiraria conclusões precipitadas ou apontaria o dedo
sem reunir todos os fatos?
— Eu levo meu tempo para considerar toda a situação
antes…
Layla bateu com a caneta na mesa.
— Não fale sobre mim como se eu não estivesse sentada
aqui, Sam.
— Você começou.
Ela acenou com a mão desdenhosa.
— Eu estava fazendo uma declaração geral.
— Sobre mim.
— Se eu puder interromper. — O olhar de Bob passou de
Layla para Sam e de volta para Layla. — Você mencionou a
leitura da linguagem corporal e isso é algo que aprendi a fazer
ao longo dos meus anos de prática. Mas não consigo ver dentro
de uma mente. Cada indivíduo é único e tenho o privilégio de
estar em uma profissão em que as pessoas confiam em mim o
suficiente para compartilhar seus pensamentos mais íntimos.
Na verdade, sou especialista em aconselhamento de casais,
ajudando as pessoas a romper as barreiras da intimidade que as
mantêm separadas. Sou um guia grato em sua jornada para a
autorrealização.
— Me desculpe. — Layla deu a ele um sorriso caloroso. —
Ao contrário de algumas pessoas arrogantes e insensíveis que
conheço, você é revigorantemente humilde.
— Você é muito gentil. — Bob se inclinou para frente, seus
olhos escuros focados, atentos. — Posso fazer uma pergunta?
— Claro.
— Você está falando sério sobre se casar? Se você tem
sentimentos por outra pessoa…
— Sim, estou falando sério. E não. Eu não tenho
sentimentos…
— Verdade? — Sam interrompeu com um bufo.
— Não tenho sentimentos românticos por ninguém em
particular — continuou Layla, enfatizando cada palavra. —
Especialmente por pessoas que agem de uma maneira na sua
cara e de outra nas suas costas.
— Estou procurando uma mulher que respeite nossas
tradições, mas não uma mulher tradicional — disse Bob. — Na
sua idade, eu esperaria que você tivesse um namorado ou dois,
mas se você teve relações íntimas..
— Eu não sou tão velha. — Layla se irritou, interrompendo-
o.
— Neste mercado você está. — Sam sorriu. — A maioria das
meninas que responderam ao meu perfil no
desilovematch.com tem menos de vinte e um anos. Você é
praticamente uma tia. Estou surpreso que seu perfil tenha
tanto interesse quanto atraiu.
Layla estreitou os olhos.
— Oh. Me desculpe. Eu pedi sua opinião? Hum. Não. Eu
não pedi. E, no entanto, você não consegue segurá-la para si
outra vez. Talvez deva pegar seu Sharpie preto e rabiscar o que
você realmente pensa sobre Bob em seu currículo e escondê-lo
no lixo.
— Devo voltar outra hora? — Bob perguntou.
— Não. Claro que não. — Ela forçou um sorriso com os
dentes cerrados. — O que você acha da sua esposa trabalhando?
Está procurando cônjuge voltado para a carreira ou alguém
para ficar em casa, limpar sua bagunça e comer mingau de aveia
frio enquanto você corre nas primeiras horas da manhã para
uma reunião falsa?
Bob deu uma risadinha.
— Gosto do meu trabalho e procuro alguém que tenha uma
carreira gratificante fora de casa, mas que também goste de
viajar. Minha família possui propriedades em Sydney, Londres,
Madrid e Delhi. Eu emprego uma cozinheira e uma empregada
doméstica, então essas habilidades não são necessárias.
— Que adorável. — Ela lançou um olhar presunçoso para
Sam. Outra marca na caixa de adição. Bob era definitivamente
um candidato. Os pais dela também gostariam dele. Ele era um
cara legal, mediano e confiável, embora um pouco chato e sem
graça. Mas se ela o colocasse na lista de características que seu
homem de fantasia possuía, ele obteria um zero. Não havia
mistério por trás daquele sorriso. Sem fogo ou fúria. Bob não a
jogaria contra um jipe e a beijaria. Não arrancaria suas roupas
ou faria sexo com ela contra uma porta. O que você via era o
que tinha. E o que você conseguiu foi uma versão marrom do
Bob comum.
— Tenho mais uma pergunta — disse Bob.
— Claro.
— Você é virgem, senhorita?
— Com licença?
Sam se afastou da mesa, sua cadeira raspando no chão de
ladrilhos.
— Eu quero que minha esposa e eu verdadeiramente
pertençamos um ao outro. — Bob entregou a ela um cartão. —
Este médico é um amigo da família. Ele pode fazer o exame pré-
marital. Se tudo estiver certo…
— Não. — Sentindo a fúria de Sam, Layla bateu o braço em
seu peito enquanto ele se levantava de seu assento com todo o
poder e ameaça de um tsunami. — Eu sabia que isso poderia
acontecer em algum momento. Tenho certeza de que ele não
quis ser ofensivo.
Sam rosnou.
— E não pretendo causar dor quando arrancar seus braços.
— Não há necessidade de violência — disse ela, pensando
rapidamente. — Tenho certeza de que Bob vai entender que
exijo o mesmo de meu parceiro. Você pode levá-lo ao banheiro
e fazer o exame pré-marital.
Os olhos de Bob se arregalaram.
— Perdão?
— Sam é um médico. Ele poderá confirmar que você está
intocado para que possamos realmente pertencer um ao outro.
Não é isso que você espera ouvir de seu amigo médico a meu
respeito?
— Isso é ridículo. Eu sou um homem.
— E eu não deveria ter o mesmo requisito? Como isso é
justo? Você tem medo de ter sua área íntima examinada e
julgada por um estranho? Ou você está dizendo que… — Ela
colocou a mão sobre a boca em falso horror. — Não é puro?
Bob pareceu chocado e depois afrontado.
— Sou um homem saudável de trinta e dois anos e precisava
de experiência para o casamento...
— Então você não é virgem? — Layla se levantou
abruptamente. — Eu sinto muito, Bob. Receio que isso seja um
crime para mim.
— Agora posso dar um soco nele? — Sam perguntou, seu
corpo tremendo de raiva.
— Não, mas você pode levá-lo para fora. — Ela se sentiu
curiosamente calma enquanto sorria para Bob. Apenas
algumas semanas atrás, teria reagido de uma maneira muito
diferente. Mas ela estava administrando seu próprio negócio
agora e fazendo escolhas maduras sobre seu futuro. A “Fúria
Azul” estava atrás dela. Exceto por ter caído do vagão sexual na
noite passada com Sam, ela era uma mulher mudada. Podia
combater fogo com fogo – não fúria – e ela não precisava de
um homem para salvá-la.
— Obrigada por ter vindo. Foi bom conhecê-lo.
Cara decente – embora tradicional – que ele era, Bob
apertou a mão dela.
— Eu deveria saber quando vi sua recepcionista e o cachorro
dela que não éramos iguais. Sua paixão e fogo seriam
desperdiçados em mim, Layla. Você precisa encontrar seu
Qays.
— Você quer que eu encontre um homem que eu possa
levar à loucura e à morte?
Bob riu, seu olhar passando rapidamente para Sam.
— Não acho que você precise procurar muito.
• •
Sam respirou fundo e depois outra vez, preparando-se para sua
atividade menos favorita de todos os tempos. Mesmo quando
menino, ele temia as idas em família às lojas no El Camino Real,
em Sunnyvale. Invariavelmente, ele era arrastado para uma loja
de roupas indianas e horas se passavam antes que sua mãe se
lembrasse de que tinha um filho que precisava de comida e
água. Foi uma tortura pior do que a morte – cores vivas, música
alta, prateleiras desorganizadas e mesas cheias de roupas,
mulheres vagando pelos corredores em matilhas, atacando-o
porque ele era do mesmo tamanho de um sobrinho ou primo
que sabiamente recusou-se a ser ajustado para um traje de
casamento. . .
Não havia como escapar.
Então, por que ele estava voluntariamente entrando em um
dos buracos do inferno agora? Estava aqui por Nisha ou para
consertar as coisas com Layla? Ele não teve a chance de falar
com ela depois da visita de Baboo porque assim que o psicólogo
saiu, ela e Daisy desapareceram durante a tarde.
Ele encontrou a loja da tia de Layla, Krishna Fashions,
escondida em um shopping suburbano no cruzamento da
Lawrence Expressway e East El Camino Real. Amplamente
conhecida como Little India, a área surgiu para atender às
necessidades da população do sul da Ásia da Baía Sul durante o
boom do Vale do Silício. Ancorada pelo mercado Bharat Bazaar,
a área ostentava uma infinidade de lojas de roupas, buffets,
restaurantes, cafés e barracas de comida.
Em todos os lugares sons e cheiros o assaltaram. As vitrines
das lojas cheias de sáris de cores vivas e salwar kameez atraíram
grupos de tias para um passeio no sábado, enquanto garotas em
lindos vestidos de festa rosa puxavam seus avós para as barracas
de chaat44 ao longo da estrada, implorando por guloseimas para
ir embora. Do outro lado da estrada, uma linha se formou do
lado de fora da porta do Palácio Rosa, famoso por seus masala
dosas45, os crepes de farinha de arroz crocantes e rendados
recheados com batatas com cúrcuma e cebolas que ele amava
quando era menino.

44
Chaat: Feitos na hora e vendidos em carrinhos ou barracões, os chaats são as famosas
comidas de rua indianas
45
Masala Dosas: é uma variação do popular dosa do sul da Índia, que tem suas origens na
culinária Tuluva Udupi de Karnataka. É feito de arroz, lentilhas, batata, feno-grego, ghee e
folhas de curry, e servido com chutneys e sambar
Sam abriu a porta apenas para ser saudado pelo brilho das
luzes, o clamor da música de Bollywood e uma vasta gama de
cores, padrões e roupas. Ele vagou pela seção masculina
enquanto procurava por Nisha e Layla na loja. Passaram-se
anos desde que ele comprou roupas tradicionais. Ele duvidava
que seu pijama kurta46 ou sherwani47 serviriam para ele agora.
Embora as calças fossem largas, a longa túnica sem dúvida
ficaria justa no peito depois de dois anos de exercícios diários
na academia.
Sua mão deslizou sobre o tecido macio de uma jaqueta
bordada enquanto se lembrava de todos os casamentos,
cerimônias de sangeet48 e festas de noivado que ele compareceu
ao longo dos anos. Ele sentia falta da dança, da música, da
comida sem fim, das tias rishta49 tentando casar todos os
homens e mulheres solteiros, dos tios bêbados e das horas que
passava com seus amigos no bar, verificando todas as garotas
em suas lindas roupas. Layla esteve em algum desses
casamentos? Se tinha, por que ele não a notou antes?

46
Pijama Kurta
47
Sherwani: é um casaco comprido usado em contexto mais formal na Ásia Meridional.
O casaco é tradicionalmente associado às classes superiores muçulmanas de tempos antigos do
subcontinente indiano
48
Sangeet
49
Rishta
— Você está procurando um sherwani? — Uma mulher
vestida com um sári bege simples, o cabelo com mechas
grisalhas puxado para trás em um coque apertado, olhou por
cima do cabide. Ela estava acompanhada por uma mulher um
pouco mais jovem usando um crachá que dizia DEEPA em seu
salwar kameez laranja e rosa brilhante. Havia uma forte
semelhança de família entre eles, embora a mulher mais velha
tivesse mais ou menos a mesma idade de sua mãe.
— Aqui temos os novos estilos. — A mulher mais velha
apontou para uma prateleira de trajes de casamento.
— Só estou procurando minha irmã. Ela está aqui com sua
amiga Layla.
— Layla é sobrinha de Nira — disse Deepa, gesticulando
para sua companheira. — Elas estão no vestiário
experimentando roupas. Vou avisar que você está aqui.
— Este acabou de chegar. — Nira puxou uma jaqueta longa
de cor creme com bordados pesados em marrom. — Moderno,
mas tradicional. Com classe e elegância. Você não é um homem
que gosta de muito alvoroço, então vai apreciar que a decoração
neste sherwani é apenas na frente e no peito.
Sam estudou a roupa. Era exatamente o que ele teria
escolhido se fosse se casar.
— É muito bom, Tia-ji, mas não vou a nenhum casamento,
muito menos aos meus.
— Nunca se sabe. Um bom menino como você que cuida
da sua irmã, bonito e alto… — Ela deslizou a fita métrica em
volta do braço dele. — Forte também. — Ela estendeu a mão
para envolver a fita métrica em volta do peito de Sam. — Em
forma.
— Eu não…
— É perfeito para você. Vou precisar fazer alguns ajustes,
mas deve estar pronto para você em uma ou duas semanas.
Sam fez uma careta.
— Obrigado, mas eu realmente não preciso de um
sherwani…
— Você não gosta de nossas roupas? — Sua boca se curvou
em um sorriso triste.
Seu intestino apertou. Ele não era bom neste jogo.
Normalmente, sua mãe fazia todas as barganhas quando se
tratava de comprar roupas tradicionais.
— Sim, eu gosto. São lindos, mas…
— Então não há problema. — Ela continuou a medi-lo,
anotando os números no pequeno bloco de notas que tirou do
avental.
— Eu não vou me casar.
— Não vai se casar? — Ela acenou com a mão desdenhosa.
— Claro que você vai se casar. Um homem como você foi feito
para se estabelecer.
— Não vou me casar agora — explicou. — Quando eu fizer
– se o fizer – vou pegar minhas roupas na hora.
— Na hora? Não há tempo na hora. — Ela estalou a fita
após a última medição. — Vou te dar um preço especial. Mil
dólares. Estará pronto na próxima semana.
— O que está acontecendo aqui? — Layla apareceu ao lado
dele, um jalebi laranja pegajoso em uma mão e um xale prateado
na outra. — Você vai se casar?
— Não, mas sua tia parece pensar que sim.
Layla riu.
— Que preço a Tia Nira deu a você?
A boca de Sam abriu e fechou novamente.
— Eu não me importo com o preço. Eu não preciso…
— Veja. — Nira sorriu. — Ele não liga para o preço. Ele sabe
que mil dólares por esta qualidade é um bom negócio.
— Para o estilo do ano passado? — Layla tocou o material.
— Isso não vale mais do que setecentos dólares.
Nira bateu com a mão no coração.
— Setecentos dólares? Você quer que eu doe? Eu vou à
falência. Ele pode ficar com ele por mil e cem dólares e esse é o
preço final.
— O que aconteceu com os mil dólares? — Sam perguntou.
— Esse era o preço antigo. — Nira balançou a cabeça. —
Você deveria ter pegado antes de subir.
— Setecentos e cinquenta dólares — disse Layla. — E você
tem sorte de receber uma oferta como essa, já que está coberto
de poeira por ficar tanto tempo guardado.
Nira dispensou o sherwani.
— Isso não é pó. É ouro puro em pó que borrifamos para
dar sorte. Apenas uma grama custa mais de cem dólares .
— Olhe para este fio. — Estimulado pela presença de Layla,
ele entrou no jogo. Ele negociava com clientes e funcionários
todos os dias. Quão difícil pode ser?
— Não, Sam. — Layla gemeu baixinho e balançou a cabeça.
— Isso é linha de alta qualidade — os lábios de Nira
tremeram nos cantos. — O que eu estava pensando em oferecer
a você por mil e cem dólares quando um sherwani dessa
qualidade geralmente sai por mil e duzentos dólares?
— Na loja da rua, eles estão cobrando setecentos dólares
pelos sherwanis que não têm fios — rebateu Layla. — Talvez
devêssemos ir lá.
— Mil dólares e eu coloco a juti. — Nira sorriu. Pelo menos
Sam pensou que era um sorriso, ou talvez ela estivesse
mostrando os dentes. — Preço especial em sapatos para amigos
da família.
Layla olhou para as fileiras de sapatos formais de casamento.
— Bordado. Não é claro.
Sam fez uma última tentativa de salvar seu orgulho
masculino.
— Estou comprando roupas para minha irmã, então não
posso pagar mais do que oitocentos dólares.
Nira ergueu as mãos.
— Qualquer coisa abaixo de novecentos e cinquenta dólares
e posso muito bem fechar minhas portas.
— Você não vai fechar o negócio por cinquenta dólares,
Tia-ji. — Layla estendeu a mão. — Estamos de acordo em
novecentos dólares?
— Dói meu coração que a família se aproveite de uma
senhora como eu. — Nira balançou a cabeça. — Oitocentos e
setenta e cinco dólares.
— Incluindo o pijama — Sam acrescentou, gesticulando
para as calças que iam com a roupa.
— Vocês dois juntos… patifes. — Nira apertou a mão de
Sam. — Oitocentos e oitenta e cinco dólares. Pague adiantado.
— O que acabou de acontecer? — Sam observou Nira levar
o sherwani embora.
Layla riu.
— Formamos uma dupla e agora você está pronto para o seu
casamento. Só precisa escolher seus sapatos.
— Eu não vim aqui para comprar uma roupa, vim buscar…
— Ele parou de falar quando viu Nisha rindo com Deepa nos
provadores. Ela estava usando um ghagra choli50 de manga
curta azul royal fortemente bordado com fios prateados, uma
saia laranja combinando sobre o colo e um xale prateado sobre
os ombros. Ela claramente não precisava dele. Ela estava
lidando com tudo sozinha, como ele sempre soube em seu
coração que ela podia.

50
Ghagra Choli: é um tipo de roupa étnica para mulheres do subcontinente indiano,
principalmente nos estados indianos de Rajasthan, Gujarat, Punjab, bem como em as
províncias paquistanesas de Punjab e Sindh
— Eu vim para te ver.
Layla terminou seu jalebi e lambeu os lábios.
— Aqui estou.
— Nós precisamos conversar.
— Eu preciso lavar minhas mãos. Eu estava indo para o
banheiro quando vi você prestes a ser enganado pela Tia Nira.
Fiquei tentada a deixá-lo à mercê dela, mas ela tinha aquele
brilho especial nos olhos que significava problemas.
— Ela não parece uma vigarista. — Ele seguiu Layla pelas
prateleiras de roupas até o fundo da loja.
— Você obviamente não viu Os Safados — Layla disse. —
Ninguém acha que uma velhinha doce vai embebedá-los por
todo o seu dinheiro.
Seu pulso disparou quando chegaram ao banheiro. Isso não
estava indo como planejado.
— Eu não deveria ter deixado você no meu apartamento
daquele jeito — ele deixou escapar. — Royce fez uma escala e
pediu para se encontrar no escritório às cinco e meia da manhã.
Eu não sabia como as coisas estavam entre nós, então escolhi o
caminho mais fácil.
Layla abriu a porta.
— Recebi a mensagem quando acordei sozinha e entrei no
escritório para encontrar meus designs no lixo coberto de
comentários horríveis. Mas é assim que as coisas acontecem
comigo. Tenho uma habilidade incrível de escolher os caras
errados.
Sam encostou-se no batente da porta enquanto ela lavava as
mãos na pia.
— Não fui eu; foi Royce. Ele é brilhante no que faz, mas
carece de empatia e habilidades sociais básicas. Depois de ver o
que ele fez, coloquei os papéis no lixo esperando que fossem
retirados antes que os visse. Eu não queria que você se
machucasse.
Ela o estudou em silêncio enquanto secava as mãos.
— Não sei por quê, mas acredito em você.
Ele deixou escapar um suspiro de alívio.
— Fico feliz em ouvir isso.
— Só estou acostumada a ficadas ruins. Alguns deles iam
embora logo depois de fazermos sexo ou chamavam um táxi
para me mandar para casa antes mesmo de eu colocar minhas
roupas.
— Talvez você tenha escolhido esses caras porque eram
seguros — sugeriu ele. — Não havia risco de se envolver
emocionalmente com eles. Nenhuma chance de amá-los e
perdê-los do jeito que perdeu seu irmão.
— Isso faz sentido. Nunca pensei nisso dessa forma. — Ela
se encostou na pia. — Royce está de volta para sempre? E
quanto ao escritório?
— Não se preocupe com Royce — ele prometeu, embora
não tivesse ideia do que ia fazer. Com um contrato de
arrendamento hermético e a importância do local para o campo
Alpha Health Care, não havia como Royce desistir do
escritório. — Vou pensar em algo.
— Isso significa que ainda estamos jogando?
— Eu não sei — ele disse honestamente —, você ainda está
planejando encontrar o resto dos pretendentes da lista de seu
pai? Não posso mais ser objetivo. Vou odiar todos eles.
Uma expressão de dor cruzou seu rosto.
— Eu preciso do escritório, Sam. Eu não posso
simplesmente ir embora. Não estou ganhando dinheiro
suficiente para pagar o aluguel e meu pai ia me deixar usar de
graça. Trabalhar acima do restaurante também significa que
posso ajudar minha família quando eles precisam de mim. E
minhas tias têm dado esse endereço para pessoas que procuram
trabalho.
Sam precisava do escritório também. Por Nisha. Por justiça.
Para sua própria redenção. Mas ele não queria pensar sobre isso
agora, não queria lidar com a complicação. Não estava
interessado em jogar o jogo se isso significasse que qualquer um
deles teria que sair. Não conseguia imaginar não ver Layla todos
os dias. Algo mudou para ele na noite passada. Ele teve um
vislumbre da vida de um homem que era digno de uma mulher
como Layla. Ele queria uma chance de explorá-lo e não queria
perder tempo.
Depois de uma rápida olhada ao redor para se certificar de
que estavam sozinhos, ele entrou no banheiro e trancou a
porta.
— O que você está fazendo?
Vindo por trás de Layla, Sam escovou o cabelo dela sobre
um ombro, deixando à mostra a extensão esguia de seu pescoço.
— Eu quero você — ele sussurrou.
— Aqui? No banheiro? — Ela virou-se para encará-lo.
— Aqui. — Ele passou um braço em volta dela e puxou-a
para perto. — Agora. — Ele mordiscou o lóbulo de sua orelha,
traçando a curva suave com a língua. — Esta noite. —
Deslizando os lábios pelo pescoço dela, ele respirou a luz, o
cheiro floral de seu perfume. — Amanhã. — Ele deu pequenas
lambidas e beliscões ao longo de sua pele nua. — E no dia
seguinte. E no dia seguinte.
Layla soltou um gemido ofegante.
— Esta não é uma boa ideia, Sam.
— Do que você tem medo? — Ele segurou sua bochecha,
inclinou sua cabeça para trás para que pudesse olhar fixamente
no calor de seus olhos. — De se apaixonar por mim?
Seus olhos se fecharam e ela respirou fundo.
— Sim.
• •
O coração de Layla bateu em seu peito. Ele era tão bonito, tão
sexy. A noite deles juntos foi incrível. Mas quando acordou
sozinha, ela sentiu a mesma sensação doentia que sentia toda
vez que conhecia alguém novo. Ela estava farta de homens que
não podiam se comprometer. Ela queria algo mais, uma
conexão mais profunda; um relacionamento real – mesmo que
não envolvesse amor. Mas não sabia se poderia encontrar com
Sam.
Sam segurou sua nuca, seu polegar acariciando sua
bochecha. Ele se abaixou até que seus lábios estivessem a apenas
uma respiração.
— Você cuida de todos. Deixe-me cuidar de você.
— Como?
Ele gentilmente embalou o rosto dela entre as palmas das
mãos. Seus lábios se separaram com uma inspiração aguda e ele
pressionou sua boca tenramente contra a dela.
A suavidade de seu beijo foi inesperada. Escondida no
banheiro, sem chance de ser descoberta, ela cedeu ao desejo.
Seus dedos se enredaram em seu cabelo, e ele a puxou para
mais perto, aprofundando o beijo, sua língua deslizando em sua
boca com a promessa de fazer todas as suas fantasias de sexo no
banheiro se tornarem realidade.
— Como assim? — ele murmurou contra seus lábios.
— Eu não quero me apaixonar por você e te perder do jeito
que perdi Dev.
Ele inclinou a cabeça para trás, os polegares emoldurando
seu rosto.
— Confie em mim, Layla. Eu não vou a lugar nenhum. Mas
não poderei assistir a mais entrevistas com homens que não são
dignos de você. Não serei capaz de ser tão contido como fui
com Baboo.
— Você ameaçou quebrar os braços dele.
— Eu queria quebrar a cara dele.
Ela riu.
— Isso é um pouco demais, não acha?
— Um pouco demais foi me pedir para levá-lo ao banheiro
para um exame pré-matrimonial.
Ela gostava disso em Sam – sua habilidade de entender suas
inseguranças e usar o humor para aliviar seus medos. Suas mãos
deslizaram sobre seus ombros e ela se inclinou para beijá-lo
novamente.
— Eu quero você. — A língua dele varreu sua boca,
fazendo-a estremecer. Ela gostava de sexo com os homens com
quem tinha estado, mas ninguém a queria com uma
intensidade que a deixou sem fôlego.
— Você me tem até que alguém precise fazer xixi.
Ele deu um rugido satisfeito, passando as mãos para cima e
para baixo em seu corpo.
— Abra suas pernas.
E agora, como se ela já não estivesse molhada de ser beijada
e acariciada até que suas terminações nervosas formigassem, a
conversa suja naquele estrondo profundo e escuro de uma voz
espiralou seu corpo em uma aceleração.
Havia apenas um pequeno problema.
— Sam… Estou vestindo…
— Não por muito tempo. — Ele abriu sua saia e a empurrou
para baixo em seus quadris. Mas quando seus dedos deslizaram
entre suas coxas, procurando a ponta de sua calcinha, eles
continuaram deslizando.
— O que é isso? — Ele recuou, estudando confusamente a
forma de elástico que diminuía a cintura, apertava a barriga,
apertava as coxas e levantava a bunda.
Layla puxou o elástico da cintura e o soltou com um forte
estalo de beliscar a pele.
— Eu uso quando vou comprar roupas. Ele mantém as
coisas dentro. — Ela hesitou. — E mantém as coisas fora.
Sam estudou a roupa.
— Como eu te tiro disso? Eu tenho um canivete.
— Nada tão drástico. — Ela olhou para baixo para esconder
sua mortificação. — Ela meio que… rola.
Um som sufocado a fez levantar a cabeça. Sam estava
encostado na pia, os dedos apoiados na testa, tremendo de
tanto rir.
— Você tem alguma roupa íntima normal?
— Claro que sim — Layla bufou. — E pare de rir. Não é
engraçado. Obviamente, eu não esperava que você aparecesse e
me seduzisse em um banheiro. Se soubesse, eu teria usado calças
de fácil acesso.
— Não consigo pensar em nenhuma maneira melhor de
mostrar o quanto eu te quero do que tirando você disso…
— Roupa de forma — ela ofereceu.
— Você não precisa de roupa de forma. Você tem uma
forma. Você é linda e tudo em que consigo pensar quando te
vejo é o quanto quero minhas mãos em você. — Ele estendeu a
mão para ela e ela recuou.
— Não há maneira sexy de tirar isso de mim, então se você
está imaginando algum tipo de strip-tease onde eu lentamente
retiro, revelando meu corpo centímetro a centímetro, apenas
afaste essa imagem e substitua-a por abrindo uma lata de
Pillsbury Crescent Rolls ou, se não está familiarizado com
aquela guloseima deliciosa, imagine lançar algum produto que
esteja sob pressão. Tudo quer sair de uma vez.
Sam colocou o punho na boca como se estivesse perdido em
pensamentos ou lutando contra o riso.
— E se cortarmos um painel de acesso estratégico?
— Você está de brincadeira? Você sabe quanto custam essas
coisas? Além disso, além do fato de que não permito objetos
pontiagudos perto de minhas partes íntimas, dificilmente
posso caminhar pelo resto do dia com minhas regiões inferiores
em exibição para trabalhadores desavisados do metrô que
podem estar trabalhando no subsolo quando ando sobre uma
grelha.
— Então, o que fazemos? — Sam perguntou.
— Você só vai ter que se virar, fingir que não estraguei o
momento e, quando eu disser que é seguro, pode continuar de
onde parou.
Sam obedientemente se virou.
— Danadinho. — Layla olhou para ele pelo espelho. — Eu
vejo você espiando. Encare a outra parede.
— Sua mandona, está me excitando. — Sam encarou a
parede em branco.
— Estou feliz, porque isso claramente não funcionou. —
Ela rolou a roupa de forma sobre sua barriga, grunhindo
enquanto avançava o material elástico sobre seus quadris. O
suor gotejou em sua testa com o esforço. Este foi, sem dúvida,
o momento mais embaraçoso de toda sua vida.
— O que está acontecendo ai? Parece que você decidiu ir em
frente sem mim.
— Se eu tentasse, perderia alguns dedos por falta de
circulação. — Layla se encostou na parede e respirou fundo.
— Isso é respiração pesada porque você gosta da minha
bunda? — Sua voz estava cheia de diversão.
Layla esfregou o suor do rosto com a barra da camisa.
— Você tem uma bunda legal, como sua amiga Karen
apontou tão grosseiramente, e estou tão desesperada para
colocar minhas mãos nela que estou reconsiderando minha
regra contra objetos pontiagudos lá embaixo. — Com outro
grunhido, ela empurrou o elástico na parte mais larga de seus
quadris.
— Você precisa de alguma ajuda?
— Eu honestamente prefiro morrer. — Ela tirou a calcinha
pelas coxas e a empurrou, junto com a saia, até os tornozelos.
Recostando-se na parede, ela bateu a camisa contra o corpo,
tentando absorver o suor.
— Agora eu recebo meu presente?
— Há uma complicação adicional. — Layla olhou para suas
sandálias. — Isso não acontece como nos filmes. — Ela se
abaixou para desatar as correias. — Da próxima vez que decidir
me seduzir de surpresa quando eu estiver fora, você poderia me
avisar com antecedência? Vou usar um vestido largo, uma
tanga de renda rasgável e um par de chinelos para sexo rápido e
fácil.
— Isso significa que haverá uma próxima vez?
Ela tirou as sandálias e as roupas.
— Tudo o que sei é que é melhor haver desta vez, porque
devo ter queimado mil calorias para me preparar para você.
Sam se virou, seu olhar passando sobre seu corpo seminu
enquanto fechava a distância entre eles.
— Agora, isso é uma forma.
— Você está apenas excitado e desesperado. Sorte sua, estou
pronta agora. Tirar aquela roupa já foi as preliminares. — Ela
agarrou a barra de sua camisa e a empurrou para cima, seus
dedos deslizando sobre as ondulações de seu abdômen e os
planos rígidos de seu peito. Com um grunhido irritado, Sam
estendeu a mão e arrancou a camiseta pela cabeça, expondo o
peito para seu prazer.
— Oh Deus. — Ela pressionou os lábios em sua pele firme e
tonificada. — Você parece e tem um gosto melhor do que os
jalebis da minha mãe.
Sam resmungou seu desagrado.
— Sempre teremos que falar sobre sua mãe quando
estivermos fazendo sexo?
— Que tal não conversarmos? — Sua respiração engatou
quando ele deslizou um dedo grosso em seu calor úmido.
Devagar. Firme. Agonizantemente delicioso.
— Você está tão molhada — ele murmurou. — Isso
realmente te excitou.
— Você me excita. — Ela se arqueou contra ele, o prazer
ondulando em seu núcleo. Sam empurrou outro dedo para
dentro, angulando para roçar contra seu ponto ideal.
— Eu pensei que você precisava de mim, como agora — ela
ofegou quando ele espalmou seu seio através de suas roupas.
— Eu preciso te dar prazer primeiro. — Seu olhar aquecido
a prendeu, fazendo seu interior apertar.
— Então você é uma fera-cavalheiro sexual. — Ela colocou
os braços em volta do pescoço dele, passou os dedos pela maciez
de seu cabelo. Seus ombros eram tão largos, seu pescoço cheio
de músculos. Mas, ao contrário do físico aprimorado por
esteróides de Harman, o corpo perfeito de Sam era real.
— Não me sinto um cavalheiro. — Sua voz era mais
profunda do que o normal, grossa e rouca. Ele provocou seu
mamilo até o pico através de suas roupas. — As coisas que
quero fazer com você agora estão longe de ser cavalheirescas.
E ainda assim, ele estava totalmente focado em seu corpo,
seu prazer.
— Eu acho que você provavelmente poderia me fazer gozar
com todas as coisas sujas que diz.
— Beije-me — ele exigiu.
— Agora você é o mandão.
Seus dedos fortes acariciaram seu caminho até seu núcleo.
— Diga meu nome e me beije.
— Sam. — Ela segurou seu rosto e puxou-o para baixo,
beijando-o com uma intenção febril.
Um estrondo de prazer vibrou em seu peito.
— Diga assim quando eu fizer você gozar.
— Aí está aquele ego enorme de novo — ela disse secamente.
— Você sabe o que dizem sobre um homem com um ego
grande...
A risada borbulhou dentro dela. Como o sexo pode ser
divertido e excitante ao mesmo tempo? As pessoas deveriam rir
quando estavam transando? Jonas nunca ria. Sexo era uma
experiência quase religiosa para ele, que envolvia olhares
emocionantes, olhares intensos e letras mal interpretadas de
suas canções favoritas. Antes dele, os namorados dela não eram
nada notáveis, dignos de nota apenas pela monotonia do
uniforme e pelo rápido desaparecimento quando o crime
acontecia.
— Ele usa sapatos grandes?
— Ele tem mãos grandes. — Ele fez bom uso de suas grandes
mãos, provocando-a até que ela estivesse ofegante, não de
medo, mas de excitação, a emoção de estar com um homem que
sabia o que queria, o perigo de ser descoberta e o cansaço
absoluto da remoção da vestimenta.
— Eu quero provar você. — Ele caiu de joelhos e ela viu seu
desejo cru refletido em seus olhos escuros. — Posso?
— Definitivamente sim. — Ela enroscou as mãos em seu
cabelo enquanto ele beijava seu caminho ao longo de sua coxa,
puxando-o para onde ela queria que ele fosse.
— Devagar, querida. Eu quero que isso seja bom para você.
A maioria dos homens com quem ela tinha estado queria
que fosse bom para eles. Era sobre seu prazer, sua necessidade.
Mas Sam tomou seu tempo, sua boca movendo-se para a outra
coxa, provocando-a com a raspagem sensual da barba por fazer
em sua pele sensível, o calor de sua respiração em sua carne.
— Eu não aguento mais — ela gemeu.
Sua boca se fechou sobre a parte mais sensível dela e ele
lambeu e provocou, adorando-a até que ela estava segurando
seu cabelo com tanta força que seus nós dos dedos ficaram
brancos.
Vozes filtradas pela porta. Passos. Sam apertou as mãos nos
quadris dela, segurando-a no lugar enquanto sua língua quente
e úmida fazia coisas que transformavam seus joelhos em
gelatina.
— Olhe para mim — ele sussurrou.
Ela encontrou seu olhar inflamado, manteve-o mesmo
quando os passos desapareceram e sua língua talentosa a enviou
ao limite em uma tempestade de sensações. Ela tapou a boca
com a mão para abafar o gemido.
Sam se levantou e ficou na frente dela, um sorriso lento e
preguiçoso nos lábios.
— Mais doce do que eu imaginava.
— Isso foi incrivelmente excitante. Agora é sua vez. — Ela
alcançou seu cinto.
Sam gentilmente afastou a mão dela.
— Isso não era sobre mim.
Sua testa franziu em confusão.
— Você disse que me queria. Eu me desroupei, se é que isso
é uma palavra.
— E ver você gozar foi a coisa mais excitante que eu já vi. —
Ele pegou as roupas dela. — Mas eu não sou como os caras que
machucaram você. Posso ter tanto prazer em dar a você quanto
em ter o meu próprio.
— Você está falando sério? — De jeito nenhum ele a estava
negando. Sim, suas habilidades orais eram incomparáveis, mas
isso era apenas o aquecimento. Ela estava pronta para o evento
principal.
— Sim.
— Você não quer fazer sexo? — Ela olhou fixamente para a
protuberância abaixo de seu cinto.
Ele hesitou, mudou seu peso, pigarreou.
— Eu não disse exatamente isso.
— Sam?
Ele ergueu uma sobrancelha curiosa.
— Fique nu.

•••

Vinte minutos depois, Layla teve que admitir que Sam tinha
preenchido todos os seus desejos e alguns ela nem sabia que
tinha. Além disso, quem teria pensado que os espelhos do
banheiro eram posicionados tão perfeitamente para ver o
prazer, segurando firmemente a pia? Ou que a água corrente
pode esconder todos os tipos de sons, desde choramingos e
gemidos a um grito suave?
Ela puxou a saia enquanto Sam arrumava suas roupas. De
jeito nenhum ela iria se esforçar para colocar o modelito
novamente. Ela poderia sobreviver a algumas horas de trabalho.
— Acho que isso significa que devo cancelar meu encontro
com Harman — disse ela.
— Só se você quiser que ele viva. — Sam a puxou para seus
braços e beijou sua bochecha, sua mandíbula, seu pescoço e,
finalmente, sua boca, acendendo o fogo dentro dela
novamente. O que havia em Sam que a fazia querer se afogar
em seus beijos, no calor de seu corpo poderoso e na força de
seus braços?
— É melhor nós irmos — ela disse finalmente, se afastando.
— Todos ficarão se perguntando onde estamos.
— Vou garantir que a barra esteja limpa. — Sam saiu,
fechando a porta atrás de si.
Com os joelhos fracos, Layla se encostou na parede. Ela
racionalizou seu último encontro como um caso de uma noite.
Sexo e nada mais. Mas isso parecia diferente. Íntimo. Emoções
estavam envolvidas. E não apenas dela. Para onde eles iam a
partir daqui? Será que ela o prendeu ao jogo? Cancelar o resto
de seus encontros às cegas e expulsá-lo do escritório? Ou ela
estava lendo muito sobre isso, como sempre fez?

•••
Sam soube que algo estava errado no momento em que saiu do
banheiro. Havia uma quietude no ar, uma tensão curiosa. Ele
olhou em volta procurando por Nisha, mas não conseguiu vê-
la.
Quando Layla se juntou a ele, ele apertou a mão dela. Era
um pequeno prazer cuidar de alguém que cuidava de todos ao
seu redor – fosse encontrando trabalho para seus clientes,
ajudando a mãe na cozinha, cuidando das sobrinhas ou
atendendo à necessidade de Daisy de ter Max no escritório. E
agora ela deu a sua irmã um pouco de normalidade.
— Sam. — A voz trêmula e estrangulada de Nisha mal era
audível acima da música e da conversa, mas fez todos os cabelos
de sua nuca se arrepiarem.
— Nisha? — Ele gritou o nome dela, arrastando Layla pelas
prateleiras de roupas. — Onde você está?
— Sam!
Seu pulso disparou, o coração batendo forte no peito. Ele
irrompeu pelas prateleiras perto do caixa apenas para encontrar
Ranjeet parado na frente de sua irmã.
— Bem, olhe quem está aqui. — A voz lisa de Ranjeet abriu
uma fossa de memórias dolorosas. — Sam. É bom ver você de
novo.
As mãos de Sam se fecharam em punhos. Ele não tinha visto
o bastardo desde o processo de divórcio. Contra o conselho de
seu advogado, Nisha concordou em desistir de tudo o que
possuía – incluindo as jóias de casamento, seu interesse no lar
conjugal e seu direito a pagamentos de alimentos – apenas para
se livrar de Ranjeet. O bastardo até tentou pegar o seguro que
pagou por sua reabilitação e reforma da casa, mas a seguradora
resistiu.
Foram necessários três seguranças para arrastar Sam para
fora do prédio depois que os papéis legais foram assinados.
Mesmo assim, ele esperou na calçada, pronto para fazer Ranjeet
sofrer. Ele deveria saber que o bastardo iria escapar. Nisha o fez
prometer não caçar Ranjeet. Ela queria que tudo acabasse. Mas
agora que ele tinha Ranjeet em vista, a raiva cresceu novamente.
— Fique longe dela.
Se não fosse por seus olhos negros penetrantes, o homem à
sua frente teria sido totalmente normal. Seu cabelo escuro era
curto e bem cortado, barba e bigode aparados. Ele tinha um
nariz proeminente, curvado como um bico, e uma estrutura
magra que o fazia parecer enganosamente magro sob sua camisa
de botão azul, apesar dos centímetros extras que ele tinha na
altura de Sam.
— Você não pode me deixar de desejar um momento com
minha adorável ex-mulher. Eu esperava tanto que ela tivesse se
recuperado da lesão cerebral que causou seus delírios após a
queda.
Sam olhou para Nisha, seu estômago recuando quando viu
o olhar de puro horror em seu rosto.
— Se você olhar para ela de novo, vou quebrar cada um de
seus dedos e acabar com sua maldita carreira.
— O que está acontecendo? — Layla deu um passo na
frente dele, seu rosto enrugado em consternação. — Quem é
esse?
— Dr. Ranjeet Bedi.
Layla se virou e o cirurgião sorriu.
— Sam e eu trabalhamos juntos em St. Vincent's. Ele era
meu residente mais promissor. E Nisha, é claro, já foi minha
esposa. — Ele inclinou a cabeça para o lado, estudando Layla
atentamente. — E você é…
— Não é da sua conta. — Sam empurrou Layla para trás.
Aparentemente desanimado, Ranjeet suspirou.
— Ainda tão hostil. Não admira que a pobre Nisha não
tenha se recuperado. Você está alimentando seus delírios. Foi
um acidente. Claro e simples. Não é culpa de ninguém. Deixe
ela seguir em frente, Sam. E você precisa seguir em frente
também.
Cobra pegajosa, com língua de garfo e deslizando. Se Sam
não tivesse confiado totalmente em sua irmã, até mesmo ele
poderia ter sido enganado pelos modos suaves e amigáveis de
Ranjeet, sua angústia quando foi levada ao pronto-socorro, seu
horror quando soube que ela poderia nunca mais andar
novamente. O cirurgião não tinha cedido nenhuma vez. Do
momento em que correu para o pronto-socorro até o dia em
que assinou os papéis do divórcio, ele bancou de tudo, desde o
marido preocupado até a vítima inocente, enganando
funcionários do hospital, assistentes sociais, polícia,
seguradoras e advogados.
A mão de Sam se fechou em um punho. Esta era sua chance
de dispensar uma forma de justiça visceral e imediata. Chega de
pedir arquivos de hospital ou implorar à equipe de segurança
que o deixe ver as fitas de vigilância. Chega de reuniões
infrutíferas com a polícia e investigadores de seguros. Ranjeet
sofreria da mesma forma que Nisha sofrera. Ele sentiria sua dor.
Ele se moveu para atacar apenas para encontrar Layla em seu
caminho.
— Não faça isso. — Ela colocou as mãos em seu peito,
empurrando-o para trás. — Eu não o conheço, Sam. E não sei
o que aconteceu. Mas se você bater nele, o que acontece então?
Este não é Evan. Ele claramente não é um amigo com quem
você pode se reconciliar depois de alguns drinques. Você pode
acabar com uma ficha criminal. Você pode até passar um
tempo na prisão. Seu negócio pode sofrer. E quanto a Nisha?
Quem vai cuidar dela então?
A raiva surgiu em suas veias, varrendo todo o pensamento
racional.
— Saia do meu caminho. Você já fez o suficiente. É por isso
que Nisha nunca saia. Isso é exatamente o que ela temia que
acontecesse. Você deveria tê-la deixado sozinha. Se ela tivesse
ficado em casa, estaria segura. Se eu não estivesse com você,
estaria aqui para protegê-la. — Ele se arrependeu das palavras,
mesmo enquanto elas saíam de seus lábios. No fundo de sua
mente, ele sabia que elas estavam erradas. Isto não era culpa de
Layla. Mas Nisha merecia justiça e Layla estava no seu
caminho.
Seu rosto empalideceu, mas suas mãos permaneceram
pressionadas contra ele.
— Sam, por favor. Não faça isso.
— O que está acontecendo aqui? — Nira se juntou a eles
com Deepa atrás dela.
Ranjeet tirou um cartão do bolso da jaqueta e entregou a ela.
— Dr. Ranjeet Bedi. Liguei mais cedo sobre pegar meu
sherwani para meu casamento. Sam e Nisha são velhos amigos,
mas parece que não estão felizes em me ver.
Inacreditável. Ele estava se casando novamente. Outra
mulher iria sofrer.
— É por aqui. — Nira levou Ranjeet embora enquanto
Deepa pairava no corredor, bloqueando a perseguição de Sam.
Layla baixou as mãos e se virou para Nisha, que não se moveu
desde que Sam chegou.
— Você está bem?
— Eu só quero ir para casa — ela disse calmamente.
— Claro. Eu te levo…
— Eu quero Sam — ela disse. — Eu sinto muito. Só… Eu
quero que Sam me leve para casa.
O rosto de Layla se suavizou com compreensão.
— Vou pegar suas sacolas…
— Não. — Nisha se dirigiu para a porta. — Não quero
nada. Eu nunca deveria ter vindo. Sinto muito, Layla. Você foi
muito gentil em me levar às compras, mas… — Sua voz falhou,
quebrou. — Bhaiya! Tire-me daqui.
Pego em um turbilhão de emoções, o mundo se fechando ao
seu redor, Sam apertou o botão de acesso e empurrou Nisha
para a noite fria e chuvosa.
Foi só quando estava indo embora que percebeu que nem
havia se despedido.
• •
Ele é tão parecido com Jonas…
Layla estudou o barman que estava sacudindo um martini
do outro lado do bar. Com seu cabelo loiro comprido e
desgrenhado, corpo rijo e dedos elegantes, ele poderia ser Jonas
com uma tintura ruim.
— Posso te pagar outra bebida?
Já ultrapassando seu limite, Layla balançou a cabeça sem
nem mesmo olhar para o homem que acabara de se sentar no
banquinho ao lado dela. Ela recusou vários caras na hora em
que estava esperando Harman aparecer para o encontro deles,
e eles continuaram vindo.
— Não, obrigada. — Ela pegou um táxi para que pudesse
desfrutar de alguns drinques, mas era a última coisa que ela
queria que um estranho soubesse.
— Uma garota linda como você não deveria beber sozinha.
— Ele era alguns centímetros mais alto do que ela e tinha uma
constituição sólida – algum tipo de atleta, percebeu,
definitivamente alguém que permanecia em forma. Seu cabelo
castanho claro tinha sido raspado rente à cabeça e ele usava um
medalhão de prata sobre uma camiseta laranja dos Giants.
— Vou encontrar alguém.
— Olá, Vou Encontrar Alguém. Sou Matthias. Parece que
você precisa se animar.
Ele era um homem atraente. Em forma. E obviamente
interessado em levá-la para a cama. Exatamente o tipo de cara
com quem ela teria ficado em Nova York. Mas ela não sentiu
nada quando ele sorriu. Seu coração não bateu forte. Seu corpo
não aqueceu. Sua pele não formigou. E em vez da onda de
adrenalina que sentiu quando Sam entrou em uma sala, ela se
sentiu entorpecida.
Ela se sentiu entorpecida nos últimos quatro dias, mas quem
estava contando?
— Apenas tendo um dia ruim. — Ela não queria encorajá-
lo, mas ele torcia para o seu time. Quão ruim ele poderia ser?
— Acho que você está sofrendo de falta de vitamina Eu —
disse Matthias.
Ela reprimiu uma risada.
— Essa cantada realmente funciona?
— Você ainda está aqui. — Ele se inclinou mais perto, sua
mão deslizando por sua perna.
— Tire sua mão de mim. — Ela se preparou, mentalmente
executando a sequência de movimentos que usaria se ele não
retirasse a mão. Ela não mentiu para Sam sobre aprender Krav
Maga. Isso a salvou de mais de um encontro ruim em um bar.
— Vamos, docinho. Solte-se. Seu encontro não vai aparecer.
— Você a ouviu. Tire as mãos de cima dela. Ou você quer
que eu faça isso por você, quebrando dedo por dedo. — Sam
veio atrás deles, o estrondo baixo de sua voz fazendo-a derreter
por dentro.
Layla acenou para ele se afastar.
— Eu posso lidar com ele, Sam.
— Eu posso lidar melhor com ele. — Sam puxou Matthias
do banquinho e o empurrou para o lado.
— Que porra é essa, cara? — Matthias se virou para Sam,
suas mãos se fechando em punhos.
Vivendo o perigo e irritada com a presunção de Sam de que
precisava ser salva, ela se levantou e agarrou Matthias pela
camisa, virando seu olhar furioso para Sam.
— Você o tratou como um homem das cavernas. — Ela
enfiou o joelho entre as pernas de Matthias e ele se dobrou de
dor. — Eu uso habilidade.
— Chutar um homem nas bolas não é habilidade.
— É, quando eu faço. — Ela soltou Matthias e ele caiu no
chão. — Viu? Eu o incapacitei. Você apenas o deixou com
raiva.
Dois seguranças corpulentos abriram caminho no meio da
multidão e agarraram Sam pelos braços.
— Vamos lá. Você está expulso daqui.
— Fui eu quem começou. — Layla deu um suspiro
exasperado. — Se você vai expulsar alguém por brigar, deveria
ser eu.
— Eu ajudei — Sam ofereceu. — Eu o puxei para fora do
banquinho. É melhor vocês me expulsarem também.
— Você está com ela? — Os seguranças soltaram Sam e ele
alisou a camisa.
— Com certeza estou. — Ele passou um braço possessivo
em volta dos ombros dela. — Vou dormir na casinha do
cachorro esta noite pelo atraso, mas sempre a compenso na
cama. Não é, meri jaan?
Ela dificilmente era sua “querida”. É mais provável que ela
fosse um espinho incômodo. Mas duvidou que os seguranças
entendessem urdu, então forçou um sorriso. No mínimo, ela se
livrou de Matthias sem quebrar as unhas. Daisy havia passado
uma hora pintando minúsculas flores de lótus laranja nas
prensas vermelhas para seu grande encontro.
— O que você está fazendo aqui, Sam?
— O que estou fazendo aqui? — Sam deu uma olhada de
horror fingido. — Eu pensei que era noite de encontro. Não
me diga que a babá está em casa cuidando de nossos seis filhos
à toa.
— Seis filhos? — Um dos seguranças alcançou Layla e
apertou a mão de Sam. — Respeito, cara. Ela não parece ter
mais de vinte e oito anos.
— Vinte e oito? — Layla deu uma fungada afrontada. —
Acabei de fazer vinte e seis anos.
— Casei com ela aos dezessete anos e não perdi tempo. —
Sam deu um tapinha em sua barriga. — Que bom que não sou
fã de esteróide anabolizante. Esta noite vamos para o sétimo.
— Adivinhe quem será o próximo se você não tirar a mão de
cima de mim? — Layla murmurou baixinho.
O segurança riu.
— Não posso dizer que invejo que você volte para uma casa
cheia de crianças, mas você está claramente se divertindo
fazendo elas.
Layla não sabia se devia ficar irritada ou divertida depois que
os seguranças os deixaram escapar com um aviso. Por um lado,
ela era perfeitamente capaz de lidar com a atenção indesejada.
Por outro lado, nunca teve um homem se precipitando para
salvá-la antes e ela não pôde evitar ser tocada pelo gesto, mesmo
depois de seu comportamento na loja de sua tia.
— Seis filhos? — Ela se sentou no bar e Sam se sentou ao
lado dela.
— Sete depois desta noite, a menos que você não me perdoe.
Eu vim me desculpar. — Ele acenou para o barman e pediu
uma mordida de cobra51, recebendo acenos de aprovação de
todo o bar.
— Como você sabia que eu estava aqui? — Ela acenou com
a cabeça quando o barman lhe ofereceu um refil. A noite de
repente se tornou interessante novamente.

51
Snakebite é uma bebida alcoólica do Reino Unido feita, tradicionalmente, com partes
iguais de cerveja e cidra.
— Daisy me contou sobre o seu encontro. Eu verifiquei o
Instagram de Harman para ver se ele postou alguma coisa e vi
que estava fazendo uma sessão de fotos em Baker Beach. Achei
que ele tinha te dado um fora, então vim para ter certeza de que
você estava bem.
— Eu posso cuidar de mim mesma.
— Então, eu vi.
Layla baixou o copo.
— Como está Nisha?
— Ela está bem. — Sam terminou sua bebida em um gole só
e fez sinal para outra. — Eu não deveria ter dito as coisas que
disse para você. Quando vi Ranjeet, não consegui pensar
direito. Ele é a razão pela qual ela usa uma cadeira de rodas.
— Não é um motivo ruim. — Ela apertou a mão dele. — O
que aconteceu? O que ele fez?
Com a voz cheia de emoção, Sam contou a ela sobre o
casamento arranjado de Nisha e sua parte em uni-la com
Ranjeet.
— Ninguém sabia que ele tinha problemas com a bebida ou
que era abusivo. Quando Nisha descobriu, se calou. Ela pensou
que poderia ajudá-lo, mas ele era um bêbado furioso e violento
e nos últimos meses de casamento as coisas pioraram.
A mão de Layla voou para sua boca.
— Ele bateu nela?
— Não. — Sam esvaziou seu copo e pediu ao barman uma
jarra de água. — Mas ele a assustou e ela podia ver isso
acontecendo no futuro. Um dia, ela veio ao hospital para
almoçar com ele. Ela se lembra de ter discutido com ele na
escada dos fundos e então a próxima coisa que ela soube foi que
estava no pronto-socorro com uma vértebra L2 quebrada. Ela
tinha certeza de que ele a empurrou, embora não tenha
nenhuma lembrança do acidente. Ranjeet disse que ele não
estava lá, que a deixou no corredor e só descobriu quando foi
chamado para o pronto-socorro.
Seu coração apertou em seu peito.
— Pobre Nisha.
— Ranjeet convenceu a todos que ela estava delirando
porque havia sofrido um ferimento na cabeça durante a queda,
mas eu conheço Nisha. Eu acredito nela. Eu a transferi para o
Hospital Redwood e fiz tudo que pude para que o hospital
investigasse. Até contatei a polícia. Mas Ranjeet é um cirurgião
altamente respeitado e ela é uma ninguém que não consegue se
lembrar dos detalhes do acidente. Ela se divorciou dele e o caso
foi encerrado, mas ouvi rumores de um acobertamento.
— Isso é horrível.
— Tenho tentado fazer justiça para ela desde então. — Sua
voz falhou. — Infelizmente, eu bato em uma parede em cada
curva. Se houve um acobertamento, foi bom, porque ninguém
falava.
— Ela teve sorte de ter você, Sam.
Ele balançou sua cabeça.
— Ela não teve sorte em tudo. Trabalhei ao lado dele
durante anos e nunca soube que tipo de pessoa ele realmente
era. Fui eu quem os aproximou e ele me recompensou por isso
com privilégios que os outros residentes não tiveram. Ele era
um mentor, e eu pensei que ele fosse um amigo.
Ela apertou a mão dele.
— Você não tinha como saber.
— Eu deveria saber.
— Ele é a razão pela qual você desistiu da sua residência?
Sam suspirou.
— Não podia trabalhar lá e vê-lo todos os dias. Ele era a
antítese de tudo o que um médico representa. Nosso princípio
orientador é não causar danos. Também me sentia indigno de
ser um curador. Eu estava tão cego pela ambição e por todas as
coisas que Ranjeet se ofereceu para fazer pela minha carreira,
que não protegi Nisha como deveria.
— Você está carregando um fardo pesado — ela disse
suavemente. — Um que não é seu para carregar…
Sua voz falhou.
— Eu falhei com ela como irmão e falhei com minha família
como filho. Eu não podia fazer parte dessa cultura ou abraçar
as tradições que permitiram que isso acontecesse. — Ele serviu
um copo d'água e o secou.
— A única pessoa que falhou com ela foi Ranjeet — disse
Layla com firmeza. — Cultura e tradição não têm nada a ver
com o que aconteceu com ela. Mesmo se ela o conhecesse em
uma cafeteria e eles namorassem antes de se casar, não há
garantia de que ele teria mostrado sua verdadeira face. Ela
poderia até ter tido menos informações sobre ele do que
quando seu casamento foi arranjado. Veja os homens que
entrevistamos. Meu pai os rastreou e, no entanto, não sabia que
Hassan era um golpista ou que Dilip era dançarino ou que Bob
queria uma virgem. Foi necessário nós dois para obter essa
informação e esses eram apenas os segredos que eles queriam
compartilhar. A única pessoa honesta foi o agente da CIA.
— Irônico, não? — A tensão diminuiu nos ombros de Sam.
Layla riu.
— Talvez eu devesse escolhê-lo. Ele se ofereceu para me
trazer elefantes.
Ele girou a mão para que ficasse palma com palma e apertou
os dedos dela.
— Acho que você deve considerar suas alternativas.
— Quais alternativas?
— Eu.
Ela inclinou a cabeça para baixo para esconder o sorriso.
— Você não está na lista.
— Eu não me importo com a maldita lista e não me importo
com o jogo. Eu quero você, Layla. E se eu tiver que sair do
escritório…
— Não quero que você saia do escritório — ela disse
suavemente — eu gosto de compartilhar o espaço com você.
Gosto de estar com você. Gosto que você seja atencioso e
protetor. Gosto que alinhe seus lápis e codifique com cores seus
arquivos e que seus sapatos estejam sempre engraxados e suas
gravatas tenham um nó perfeito. Eu gosto que você seja
engraçado e sarcástico e alguns dos melhores momentos que já
tive foram entrevistar pessoas com você. Gosto de como é leal,
mesmo apoiando o time de beisebol errado. Gosto que finja
não conhecer nenhum filme, mas pode listar quase todos os
filmes de terror já feitos. E eu gosto do jeito que você beija.
Seu rosto se suavizou e ele soltou um rugido satisfeito.
— Você gosta dos meus beijos.
— Muito.
— Do que mais você gosta?
Layla lambeu os lábios.
— Leve-me para sua casa e eu mostrarei a você.
Sam jogou algum dinheiro no balcão e a arrancou do banco.
— Vamos lá.
— O que você está dirigindo? — Ela meio que andou, meio
correu para acompanhá-lo.
— BMW M2. Fiz o primeiro pagamento quando me tornei
médico residente e dirigi para casa para mostrar ao meu pai. Ele
estava tão orgulhoso.
— Nada mal.
Sam bufou.
— Pode fazer de zero a sessenta em menos de quatro
malditos segundos. Se você tiver tempo para um desvio, posso
mostrar o que ele pode fazer na 101.
— Eu posso dirigir?
— Você é louca?
Um sorriso se espalhou por seu rosto.
— Talvez um pouquinho.

•••

— Isso foi divertido enquanto durou. — Uma Layla


desgrenhada subiu no reboque e deslizou para o banco do
meio.
Sam se acomodou ao lado dela, estremecendo quando
colocou o peso no pulso esquerdo.
— Acidentes de carro não são divertidos.
— Bem, eu não estou ferida, graças ao seu raciocínio rápido.
— Não pensei muito quando você colocou a mão dentro
das minhas calças. — Ele cerrou os dentes contra o desejo.
Mesmo depois de um acidente de carro, o pensamento de seu
toque travesso o excitava.
— Me desculpe por isso. — Ela sorriu, sem parecer sentir o
menor remorso. — Mas parecia justo, já que sua mão estava sob
a minha saia.
Ele balançou sua cabeça.
— Eu não deveria ter levado você na 101 à noite. Eles não o
chamam de anel da morte por nada.
— Anel da morte? — Ela bufou uma risada. — Um cervo-
mula desonesto pulando na estrada não chega ao Triângulo das
Bermudas.
— Você viu o tamanho daquela coisa? — Ele olhou por
cima do ombro para a parte dianteira destruída de seu carro. —
Devia ter mais de 90 quilos.
— Eu não pude deixar de ver. Ele estava olhando direto nos
meus olhos. Ainda não consigo acreditar que ele foi embora. É
uma pena que não haja policiais de cervos que possam caçá-lo e
fazê-lo pagar pelo crime.
— Não é engraçado, Layla.
Seu sorriso desapareceu.
— Você está certo. Eu sinto muito. Eu só estava tentando te
animar. Eu sinto que estou em algum tipo de alta agora. — Ela
colocou a mão no colo dele. — Que tal começarmos de onde
paramos?
— Tenho certeza de que o motorista do caminhão gostaria
disso.
Sua mão tremia ligeiramente quando ele a afastou e algo
incomodou no fundo da mente de Sam.
— Tudo pronto para ir. — O motorista do caminhão de
reboque subiu ao lado deles. Ele era um homem grande, com
pelo menos um metro e noventa de altura, com um peito largo
e coxas grossas que se estendiam pelo assento até tocar a perna
de Layla.
Isso não ia acontecer.
— Sente direito o seu lugar. Dê espaço a ela. — Sam puxou
a manga dela com a mão direita, puxando-a em sua direção para
que ele pudesse colocar um braço em volta dela. Ela se
acomodou perto, seu calor acalmando seus nervos em
frangalhos, soltando seus pulmões para que pudesse respirar
novamente.
Tap. Tap. Tap.
Sam baixou a janela para o policial que foi o primeiro a
chegar ao local.
— Tudo certo?
— Odeio fazer isso porque sei que você está chateado por
causa do seu veículo. — O policial entregou-lhe sua carteira e
uma multa por excesso de velocidade. — Você estava fazendo
oitenta e cinco em uma zona de setenta.
— Ajay Pataudi? É você? — Layla se inclinou, perscrutando
a semi-escuridão. — Não te vejo desde o casamento de
Mansoor.
— Layla. — O oficial Pataudi estendeu a mão sobre Sam
para apertar a mão dela. — Como está seu pai? Ouvi dizer que
ele estava no hospital.
— Melhorando. Ele ainda não consegue falar, mas já está
mandando nas pessoas. Como está Ayesha?
— Grávida do nosso terceiro.
Sam pigarreou e a cabeça de Layla se ergueu como se ela
tivesse esquecido que ele estava ali.
— Ajay, este é meu amigo Sam. Você pode dar-lhe um
desconto com a multa? Ele comprou esse carro com seu
primeiro salário quando se tornou um médico residente e o
levou direto para casa para mostrar ao pai que todos os
sacrifícios que fez para dar a seu filho uma vida melhor valeram
a pena. Num minuto ele era #desiorgulhoso e no seguinte,
Bambi se vinga ao estilo Thumper.
— Nunca gostei desse filme — disse o policial Pataudi.
— Claro que não, porque você tem um coração. Você sente
pelo rapazinho, por todos os Bambis que perderam suas mães e
todos os imigrantes que vieram aqui para o sonho americano
apenas para serem esmagados pelo cruel cervo do destino.
— Você é muito parecida com seu pai. — O policial Pataudi
riu enquanto rasgava a multa. — Por Bambi.
— Obrigada, Ajay. — Layla sorriu. — Vejo você no
próximo casamento. Dê um beijo em Ayesha por mim.
— O que diabos aconteceu? — Sam perguntou enquanto o
policial se afastava.
— Família. Ele é sobrinho do marido da irmã do primo do
meu pai.
— Onde você encontrou este pequeno foguete? — o
motorista perguntou enquanto se afastavam.
Sam apertou seu braço ao redor dela.
— Eu não a encontrei. Ela me encontrou.

•••

— Pare de ser um bebê. Eu sei o que estou fazendo. — Layla


enrolou a bandagem tensora em volta do pulso de Sam. Depois
de deixar o carro na garagem mais próxima, eles pegaram um
táxi de volta ao escritório para que Layla pudesse fechar e Sam
pudesse desenterrar sua papelada do seguro. Depois que as
verificações finais foram feitas, ela insistiu em envolver seu
pulso, arrastando-o para o escritório dos fundos, onde o kit de
primeiros socorros estava guardado.
Sam estremeceu quando ela apertou a bandagem, mas não
foi a dor que desconcertou tanto quanto os aromas persistentes
da cozinha, o calor do cardamomo, o tempero do cominho, as
fragrâncias ricas de incenso e estragão, tão dolorosamente
familiares que ele sentiu uma pontada inesperada de
arrependimento por ter dado as costas a uma cultura que
amava. Mesmo no escritório, longe da cozinha, não havia como
escapar.
— Eu sou o médico. Se eu disser que está muito apertado,
então está muito apertado — ele resmungou, sua irritação não
realmente com ela, mas com o desastre de uma noite e a atração
da saudade que estava tornando difícil ficar parado.
Sentada em frente a ele em uma cadeira preta desgastada,
Layla congelou.
— Achei que você tivesse abandonado a medicina pela
alegria de demitir pessoas para ganhar a vida.
— Eu não digo apenas: você está despedido e os levo para fora.
Eu faço um discurso motivacional sobre o que pode ser uma
boa redundância de oportunidade.
— Você, Sam Mehta, dá a eles um discurso motivacional?
— Seus olhos se arregalaram, incrédulos. — Consiste em
grunhidos e rosnados ou palavras reais?
— É um bom discurso. Eles apreciam isso.
— Como você sabe que eles apreciam isso? — Ela se
aproximou, rolando a cadeira entre suas pernas abertas. Seu
sangue correu para sua virilha enquanto ele se imaginava
envolvendo os braços ao redor dela, segurando-a com força,
assegurando-se de que ela estava segura e ilesa. Ele a protegeu
esta noite. Quando o cervo saltou na frente deles, ele reagiu
com a velocidade da luz, desviando-se da estrada e indo para o
mato, o dano em seu carro causado não por sua falta de
habilidade, mas pela posição infeliz de uma árvore caída.
Sam encolheu os ombros.
— Eles dizem “obrigado”.
— Talvez digam “obrigado” porque estão em choque. —
Sua voz vacilou um pouquinho. — Eles não sabem o que dizer
ou fazer. Suas mentes estão indo a mil por hora pensando em
pagamentos de aluguel e carro e empréstimos estudantis e
ajudando seus pais. Talvez seja o aniversário do amigo deles e
eles deveriam estar pegando um bolo e um monte de balões
para uma festa surpresa. De repente, a ideia de gastar tanto
dinheiro os deixa doentes. Quase não conseguem acreditar no
que está acontecendo. Talvez o chefe tenha cometido um erro
e amanhã ele estará de volta ao bebedouro com uma caixa de
donuts e uma história sobre um cara que o chefe contratou
para demiti-lo e que deu a ele um discurso estimulante depois
de destruir sua vida.
Pego de surpresa por sua explosão, ele franziu a testa.
— Essas pessoas são hipotéticas ou é sobre você?
— Por que seria sobre mim? Fui demitida, mas estava bem.
Eu tinha acabado de perder meu namorado, meu apartamento,
minha liberdade e minha reputação, mas me mantive otimista.
Tentei pensar nisso como uma oportunidade. Fui à festas, me
diverti muito, enchi minha bolsa de canapés porque não sabia
de onde viria minha próxima refeição, bebi muita bebida de
graça para não sentir a dor e vomitei no chão do banheiro do
meu amigo. Havia um cara naquela mistura, mas não me
lembro de nada sobre ele, exceto que ele saiu antes do
amanhecer.
O pequeno aviso voltou. Ele estudou seu rosto, notando as
linhas de preocupação em sua testa e a ligeira dilatação de suas
pupilas.
— Acho que você está em choque. Eu deveria ter percebido
antes.
— Não estou em choque. — Ela estendeu a mão e afastou o
cabelo dele do corte que ela acabara de fazer, seu toque leve
como uma pena em sua pele. — Você é quem dirigia e se
machucou. Se alguém está em choque, é você.
Sam segurou seu queixo, mantendo sua cabeça imóvel.
— Suas pupilas estão dilatadas.
— É uma falha de design. Acontece quando homens sexys
chegam perto demais.
Um sorriso apareceu em seus lábios.
— Você acha que eu sou sexy?
— Você fica quando fala com aquela voz suave e profunda
e se senta tão perto que posso sentir o calor do seu corpo, usa
aquela colônia de enlouquecer e embala meu rosto como se eu
fosse uma flor delicada. — Ela lambeu os lábios e seu olhar caiu
para sua boca macia e exuberante. Era um convite que ele não
podia ignorar.
— Você esqueceu a parte em que eu tentei te matar batendo
em um cervo em alta velocidade — ele ofereceu, apenas no caso
de estar interpretando mal os sinais.
— Estou tentando não me lembrar porque você deu alguns
movimentos bem habilidosos para nos impedir de cair do
penhasco. Nada mais sexy do que um homem que consegue
manter a calma em uma crise e salvar uma garota para que ela
possa viver para ser despedida outro dia. Você, Sam Mehta, é
um herói.
Ela achava que ele era digno. Foi um bálsamo para sua alma.
Tranquilizado, ele deslizou uma mão por baixo de seu
cabelo para segurar sua nuca.
— Você está tremendo. Esse é outro sinal de choque.
— Estou com frio. Eu me vesti para testar Harman e não
para fazer uma visita noturna à vala.
— Então é melhor esquentar você. — Ele se aproximou e
puxou o cabelo para trás para acariciar a pele macia de seu
pescoço.
— A maioria dos homens ofereceria um suéter ou um
cobertor. Talvez uma xícara de chá. — Ela inclinou a cabeça
para o lado para dar a ele melhor acesso, suas mãos deslizando
entre eles para pressionar contra seu peito.
— Eu não sou a maioria dos homens.
— Definitivamente não. Sua técnica de calor pela sedução é
incomparável. Estou com calor, exceto meus lábios. Eles ainda
estão com frio. — Ela hesitou apenas um instante. — Talvez
você possa aquecê-los também.
— Com prazer. — Ele torceu a mão pelo cabelo dela e
puxou sua cabeça para trás antes de lhe dar um beijo suave, sua
língua deslizando sobre a dela. Ela tinha um gosto doce e
picante, com um toque de especiarias.
— Nada mal — ela sussurrou. — Mas acho que precisamos
voltar a cuidar de seus ferimentos. Onde mais você está ferido?
— Acho que bati com a cabeça. — Ele a puxou da cadeira
para seu colo, incapaz de lutar contra a atração do desejo por
mais tempo.
Rindo, ela beijou sua têmpora.
— Em algum outro lugar?
— Aqui. — Ele bateu na boca.
— Não é uma solução fácil — ela sussurrou. — Os lábios
precisam de muita atenção.
— Então é melhor você começar.
Seu cérebro entrou em curto-circuito quando ela o beijou e
ele cedeu à onda de emoção que vinha contendo desde o
acidente. Ele a beijou forte e feroz, sua língua tocando,
saboreando, possuindo cada centímetro de sua doce boca.
Ela gemeu baixinho, uma mão segurando seu ombro
enquanto ele enterrava o rosto em seu pescoço, lambendo e
sugando sua pele. Ele estava duro como aço sob sua braguilha,
seu corpo pulsando de necessidade. Tudo nela chamava seus
instintos básicos – proteger, reivindicar, manter, possuir. Ele a
queria com uma necessidade feroz e urgente que ele não
entendia completamente, mas se sua resposta entusiasmada aos
beijos rudes dele fosse qualquer indicação, ela o queria
também.
— Se você estava planejando — ele limpou a garganta,
incapaz de sequer formular a pergunta sobre o que ela queria
dizer com o testar Harman — … um encontro esta noite, isso
significa que você está usando roupas íntimas de fácil acesso?
— Talvez você devesse tirar minhas roupas e descobrir.
Ele lambeu os lábios em antecipação e alcançou a saia dela.
— Beta? — A voz de uma mulher soou no corredor. —
Você está aqui?
• •
— Beta?
Layla congelou quando a voz de sua mãe ecoou pelo
restaurante.
— Onde você está? Estou aqui com Mehar.
— Oh Deus. — Layla deu um pulo e ajeitou as roupas. —
Elas não deveriam estar aqui. — Com as mãos tremendo, ela
olhou ao redor em busca de um meio de escapar. — A Tia
Mehar pode sentir o cheiro de homens. Temos que tirar você
daqui.
Sam abotoou a calça jeans.
— Não tenho vergonha de estar com você.
— Você está falando sério? — Ela soltou um suspiro. —
Não é o mesmo para as mulheres e você sabe disso. Vou ficar de
castigo para o resto da vida.
— Você tem vinte e seis anos.
— Estou morando em casa. Não encontrei um novo lugar
ainda. — Ela o empurrou para trás. — Entre no armário e fique
quieto.
Ele fungou indignado.
— Eu não vou me esconder em um armário. Sou o CEO de
uma empresa de reestruturação proeminente…
— Você tem que fazer isso. — Ela o empurrou novamente,
interrompendo-o. — Não posso ficar aqui sozinha à noite com
um homem estranho. Ela vai pensar que estamos tramando
algo, nada de bom.
Sam sorriu.
— Não estávamos tramando nada de bom, pelo menos até
sermos interrompidos.
— Sam. Por favor. Você não entende. Vai ser um grande
drama. Ela fará suposições… — Tentando uma tática diferente,
ela se inclinou e o beijou. — Fique no armário e eu prometo
contar a você a fantasia que tive sobre você e eu e a mesa
Eagerson.
Sam se escondeu atrás das camisas sobressalentes de seu pai.
— Isso envolve algemas?
— Sem algemas.
— Corda?
— Não.
— Correntes?
— Não era Cinquenta Tons de Marrom52, então não fique
animado. — Ela fechou a porta, deixando-a aberta apenas uma
fresta para que ele pudesse respirar.
Nem um segundo tarde demais. Sua mãe e Tia Mehar
entraram no escritório.

52
Uma paródia do filme Cinquenta Tons de Cinzas.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Ela endireitou a
cadeira da escrivaninha, secretamente verificando as evidências
de suas atividades ilícitas. — Eu pensei que estava fechando
para você esta noite.
— Taara não conseguia se lembrar se tinha deixado o fogão
a gás ligado. — Sua mãe balançou a cabeça. — Você não estava
atendendo ao telefone, então vim verificar depois de pegar
Mehar em seu sangeet. Eu vi seu Jeep lá fora e…
— Sinto o cheiro de homem. — Tia Mehar cheirou o ar.
— Tenho certeza que havia muitos homens no restaurante
esta noite. — Layla se inclinou sobre a mesa e pegou uma pilha
de envelopes. — Pensei em passar pelo correio e checar as
faturas. Estão se acumulando desde que papai foi para o
hospital e o contador virá em alguns dias.
— Não. — Sua mãe agarrou os envelopes de sua mão. —
Não é para você se preocupar. Eu cuidarei disso.
— Você tem certeza? Você já tem muito para fazer… — Seus
olhos se arregalaram quando viu a tia Mehar farejando o
caminho até o armário, como um cachorro que sentiu o cheiro.
— Este é um lindo salwar kameez, Tia-ji. — Ela se interpôs
entre sua tia e a porta do armário. — Eu amo os bordados
laranja e vermelho brilhantes. Muito Bollywood. Você
comprou na loja da Tia Nira?
— Ela acabou de recebê-los. — A Tia Mehar sorriu. — Olhe
para este trabalho de missangas. Achei que era muito bom para
usar como convidada, mas ela disse que seria bom para as
vendas quando eu fosse para a pista de dança. — Ela dançou
alguns passos de “You Are My Soniya” de Kabhi Khushi
Kabhie Gham, cantando enquanto fazia grandes círculos com
os braços e batia em seu traseiro.
Layla ouviu um bufo vindo do armário e se moveu para
bloquear a visão de Sam.
— Tenho certeza que você foi um sucesso.
Tia Mehar seguiu para uma parte mais vigorosa da dança,
curvando-se para sacudir os seios.
— Você deveria ter me visto na pista de dança. Os homens
não sabiam a diferença entre mim e Kareena Kapoor, embora
eu seja vinte anos mais velha.
— Eu posso imaginar. — A Tia Mehar era uma hog sangeet,
ocupando o centro das atenções em todas as comemorações
com danças coreografadas que ela praticava em casa com
mudanças de roupa.
Layla ouviu uma risada abafada e tossiu alto, tentando
esconder o som.
— Venha, beta. — A Tia Mehar enxugou o suor da testa. —
Dance comigo.
— Não há espaço suficiente. — Ela recuou para o armário
enquanto sua tia girava, os braços balançando no ar. — E
minha saia é muito justa.
— Você deveria ter visto o que as garotas estavam vestindo
— continuou a Tia Mehar. — Esses jovens de hoje. Tudo é
cortado muito baixo ou muito alto e mostrando muita pele. Eu
disse a eles que um bom homem não quer uma mulher que está
tentando levá-lo para a cama antes de eles se casarem.
— Exatamente. Você é muito sábia. — O pulso de Layla
disparou quando sua mãe a fixou com um olhar severo. Ela
conhecia aquele olhar.
Layla engoliu em seco.
— Os tempos estão mudando, no entanto.
— Isso é verdade. — Tia Mehar fez uma pausa para respirar.
— Todo mundo tinha o que chamavam de nome de cafeteria.
Em vez de Noopur, a garota é Natalie. Em vez de Tarick, o
menino é Ricky. E Hardik quer ser chamado de Harry porque
diz que os americanos acham que seu nome significa que ele
está nos filmes sujos. — Ela hesitou, franziu a testa. — Você
tem um nome de cafeteria?
— Não, tia-ji.
— Você é uma boa menina. — Tia Mehar deu um tapinha
em seu braço. — Mas você precisa de um marido. — Ela se
virou para a mãe de Layla, que estava carrancuda para a porta
do armário. — Precisamos encontrar um marido para ela, Jana.
Talvez quando Nasir sair do hospital, você possa começar a
procurar.
A mãe de Layla ergueu uma sobrancelha.
— Não acho que ela precise da nossa ajuda.
Layla sentiu a mesma sensação de formigamento que teve
quando criança, quando foi pega fazendo algo errado.
— Você deve estar cansada, mãe. Não me deixe atrapalhar
você. Vou terminar de arrumar aqui e encontro você em casa.
Tia Mehar saiu para ligar o carro e Layla seguiu sua mãe até
o restaurante.
— Teremos um jantar em família na quinta-feira para
comemorar a volta de seu pai — disse sua mãe. — Todos estão
convidados, incluindo o homem no armário.
O sangue de Layla foi drenado de seu rosto. Ela nem tentou
mentir.
— Ele sofreu um acidente de carro. Eu estava tratando-o.
Não queria que tivesse a ideia errada.
— Já estou com uma ideia errada, mas se você acha que ele é
um bom homem e se preocupa com você, então ele virá para
conhecer a família e declarar suas intenções.
Layla abriu a boca para dizer à sua mãe que Sam não comia
comida indiana e fechou novamente. Sua mãe não entenderia.
Na verdade, ninguém que ela conhecesse entenderia. Família
era tudo. As tradições eram importantes. Não importa o quão
ruim as coisas tenham ficado, você não as joga de lado.
— Ele estará lá — ela disse com uma convicção que não
sentia nem um pouco.
— Achei que você não estivesse mais namorando — disse a
mãe. — Chega de namorados egoístas e imaturos. Não há mais
dor de cabeça. Seu pai e eu íamos encontrar um homem bom
para você, alguém estável e sério que seria um bom marido e
pai.
— Eu sei. Eu encontrei a lista do papai.
Sua mãe franziu a testa.
— Que lista?
— Ele postou meu currículo de casamento online e
classificou todas as respostas para chegar a uma lista de dez
candidatos adequados. Tenho me encontrado com eles. — Foi
bom tirar o segredo do peito, mas sua mãe não parecia feliz por
ela estar tentando encontrar um marido da maneira tradicional.
— E o homem no armário? Ele é um deles?
— Não. — Ela engoliu em seco. — Ele divide o escritório lá
em cima comigo. Ele é o cara para quem papai alugou o espaço
antes de decidir dar para mim. Ele dirige seu próprio negócio
de reestruturação corporativa.
Sua mãe deu um tapinha em sua mão.
— Conheça os outros homens. Se seu pai os escolheu, então
todos serão bons meninos.
— Sam é bom — disse ela se sentindo na defensiva. — Ele é
engraçado, protetor e gentil e…
— Ele está se escondendo no armário.
— Isso é porque eu o empurrei lá e pedi para ele ficar. — Ela
olhou ao redor em busca da tia Mehar, desconfortável com a
mudança da conversa.
Sua mãe suspirou.
— Em todos os anos que estive com seu pai, nenhuma vez
eu quis escondê-lo. Tive orgulho de chamá-lo de meu marido.
Você deve se sentir orgulhosa do homem com quem escolheu
se casar.
— Eu não vou casar com ele. — Ela brincou com a barra da
camisa. — Nós estamos apenas... Eu não sei o que estamos
fazendo. Havia um problema com o escritório e um jogo que
estávamos jogando...
— Eu não gosto de como isso soa. — Sua mãe empurrou a
porta da frente. — E eu não gosto de como você não sabe que
tipo de relacionamento tem ou que sente a necessidade de
escondê-lo. Se ele é apenas um homem de uma noite…
— Caso de uma noite. — corrigiu Layla, embora ela não
soubesse por quê. — E não, ele não é isso.
Sam era muito mais do que um caso de uma noite, mas onde
ele se encaixa no espectro de namoro? Ela de repente percebeu
que eles nunca tiveram uma conversa séria sobre seu
relacionamento ou o que isso significava para sua busca por um
marido, ou mesmo como iriam lidar com o escritório quando
Royce voltasse. Agora que sua mãe estava fazendo as perguntas
difíceis, ela não podia acreditar que havia transformado sua
busca por um marido em um jogo. Havia questões maiores em
jogo do que quem ficava com o cargo. Ela estava procurando
alguém com quem compartilhar o resto de sua vida.
— A família vai conhecê-lo e dizer o que pensa.
Layla não precisava levar Sam para jantar para saber o que
eles pensariam. A mãe dela já tinha uma má impressão dele. E
se ele não comesse com eles, a família pensaria que era
desrespeitoso. Não só isso, uma vez que descobrissem sobre a
lista de seu pai, eles iriam dizer a ela para esquecer Sam e
escolher um dos homens que seu pai queria que ela conhecesse.
— Não se esqueça por que você veio para casa — disse a mãe
por cima do ombro. — Não voltar para empregos que te
deixam infeliz e homens que não podem se comprometer. Veio
reconstruir sua vida e deixar o passado para trás. Isso não
acontecerá se você perder de vista seus objetivos.
— Eu gosto dele, mãe. — Ela seguiu a mãe até o
estacionamento. — Ele é diferente de qualquer pessoa que eu
já conheci.
— Então traga-o para jantar na quinta-feira — disse a mãe.
— E vamos ver se ele é digno da minha Layla.

•••

— Abra o champanhe!
Aparentemente alheio ao fato de que havia outras pessoas
treinando na academia, Royce gritou o nome de Sam enquanto
avançava pelos sacos de pancada, pesos livres e máquinas de
cardio até o ringue onde Sam estava lutando com Evan.
Deslocado em seu terno risca-de-giz, camisa rosa, gravata rosa e
azul marinho de bolinhas e um par de sapatos de couro
bronzeado de pontas afiadas, Royce tinha uma garrafa de
champanhe em uma mão e duas taças na outra, apesar do fato
que eram sete da manhã.
— O que você está fazendo aqui? — O momento de
distração de Sam rendeu-lhe um soco sólido na mandíbula e ele
cambaleou de volta para as cordas.
— Que porra é essa, cara? — Ele se endireitou e olhou para
Evan. — Eu estava conversando com Royce.
— Quando você está no ringue, você está no ringue. Jogo
justo. A menos que você queira desistir, e então eu ganho.
A última coisa que Sam queria era deixar Evan vencer. Pela
primeira vez, ele ganhou a vantagem em uma luta e quase podia
sentir o gosto da vitória que havia sido negada por anos.
— Me dê um minuto, Royce. — Ele balançou a cabeça para
parar o zumbido nos ouvidos.
— Estamos entre os pré-selecionados para o contrato Alpha
Health Care! — Royce não deu minutos. Era tudo sobre
Royce.
Sam respirou fundo. O que antes parecia ser uma meta
inatingível agora estava à vista. Ele deu um soco de vitória que
Evan evitou facilmente.
— Isso não é tudo — disse Royce, encostado nas cordas. —
Os rumores eram verdadeiros. A lista de pré-selecionados é para
todos os cinco hospitais. Sua jogada mais minhas conexões, um
par de tacadas fingidas perdidas no campo de golfe e uma
mentirinha equivalem a um time infernal.
— Que mentirinha? — Sam ouviu o assobio do ar. A dor
explodiu em sua bochecha. Ele bateu no tapete, viu estrelas. Ou
eram cifrões?
— Você perdeu de novo, cara. — Evan se agachou para
ajudar Sam a se levantar. — Quer fazer outra rodada?
— Você está de brincadeira? — Disse Royce. — Ele não tem
tempo para brigas. Precisamos fazer um plano. Todos na lista
estão lutando para impressionar o conselho. Precisamos nos
destacar da multidão. — Ele abriu a rolha e serviu o espumante.
— Evan, velho amigo, pegue alguns copos para você e… — Ele
acenou vagamente para John. — Esse cara, seja ele quem for.
— Este é John Lee — disse Sam. — Ele é advogado de um
escritório de advocacia no último andar do nosso prédio.
— Olá e tchau, John Lee. — Royce serviu champanhe em
um dos copos de plástico que Evan comprou. — Vamos
precisar do seu espaço de escritório para a nossa expansão, uma
vez que tenhamos a Alpha Health Care em nossos bolsos.
John cruzou os braços sobre o peito.
— Temos um contrato de arrendamento de dez anos com o
atual proprietário. Não vamos a lugar nenhum.
— O restaurante lá embaixo tem o mesmo aluguel? —
Royce encheu a última taça, espirrando gotas de champanhe no
tapete.
— Eu não vi, então não sei os termos. Mas posso dizer que
eles estão aí por um longo prazo. O filho deles, Dev, era um
amigo meu. Ele comprou o prédio com alguns amigos como
um investimento e alugaram o último andar para meu
escritório de advocacia e os dois últimos para seus pais, para que
pudessem mudar o restaurante de Sunnyvale para a cidade. Eles
gastaram uma pequena fortuna em reformas.
— Hmmm. — Royce torceu os lábios para o lado. — Um
pequeno contratempo, mas não intransponível. Eu prometi a
Sam que faria o que fosse necessário para conseguir aquele
contrato e é exatamente o que farei. — Ele baixou os óculos. —
E agora que a triste história acabou, vamos brindar ao sucesso
da Bentley Mehta World Corporation. Não se contenha.
Mandei mais alguns casos para o escritório.
O coração de Sam afundou.
— Você está de volta à cidade?
— Você está de brincadeira? Você é muito bom no lado
comercial, mas não faz chover. Habilidades pessoais não são seu
forte. Você lançou no campo e eu vou trazer para casa. —
Royce bateu os óculos em Sam. — Saúde.

•••

— Sam. — Daisy olhou para ele quando entrou no escritório


após o treino. Ela tinha feito luzes no cabelo em um tom de
vermelho raivoso que combinava com seu batom e, com a
camisa de death metal e braceletes cravejados em seus braços e
pescoço, ela parecia cada centímetro o Demônio do Inferno que
sua camisa dizia que ela era.
— Daisy. — Ele acenou com a cabeça em uma saudação,
sem ter noção do que tinha feito para irritá-la hoje, mas
determinado a não deixá-la destruir seu bom humor. Esta noite
ele iria abraçar seu lado desi novamente. Agora que sua empresa
estava entre os pré-selecionados da Alpha Health Care, ele
poderia começar a olhar para frente, não para trás. O jantar da
família Patel foi a oportunidade perfeita para finalmente
esquecer o passado e mostrar a Layla seu verdadeiro eu. Ele
sentiu algo por ela que nunca sentiu antes e queria que todos
soubessem.
O escritório era a única coisa que os separava. Ele já havia
contatado um corretor de imóveis e feito um pedido urgente
para encontrar um novo espaço na mesma área geral. Se
ganhassem o contrato da Alpha Health Care, teriam apenas
que se mudar, apesar da localização privilegiada. E se não o
fizessem, teria apenas que vender a Royce os benefícios de um
novo escritório, porque ele não perderia Layla por causa de um
jogo.
— Eu deixei alguns contratos em sua mesa — ela disse
firmemente. — E remarquei as reuniões com os Solteirões
números 7 a 10. Está tudo no seu calendário.
Perplexo, Sam franziu a testa.
— Tinha certeza de que Layla tinha cancelado o resto dos
encontros às cegas.
— Ela me disse para reagendá-los. — Os lábios de Daisy se
curvaram. — Você pode querer trazer uma muda de roupa
quando conhecer o Solteirão número 10. Ele é um instrutor de
ioga. Suas calças justas podem rasgar quando você estiver em
pose de vaga-lume. Lembre-se de não entrar em ação.
O estômago de Sam apertou em um nó. Por que Layla ainda
continuava com sua busca por um marido? Ele se abriu ontem
à noite no bar. Desnudou sua alma. Ele não conseguia se
lembrar da última vez que disse a alguém que queria mais do
que um caso de uma noite. Pensando no resto da noite agora,
percebeu que ela tinha ficado estranhamente quieta depois de
falar com sua mãe. Ela recusou sua oferta de passar a noite,
dizendo que precisava examinar a papelada do escritório de seu
pai. Talvez seja verdade. Ou talvez ela tenha mudado de ideia
depois que ele expôs suas falhas e quase bateu com o carro.
Talvez ela não achasse que ele era digno, afinal.
Daisy deixou escapar um suspiro impaciente.
— Algo que você precisa que eu faça hoje ou devo apenas
assisti-lo parado, olhando para o nada?
Ele finalmente mordeu a isca.
— Algo está errado?
— Você vir para um jantar em família esta noite está
completamente errado, mas fora isso está tudo ótimo. — Ela
puxou uma guloseima para cachorro de sua bolsa e ofereceu a
Max, que estava enrolado em sua cesta ao lado de sua mesa.
Sam respirou fundo para se acalmar e deu um passo mental
para trás, para o momento feliz antes de entrar pela porta.
— Descobrimos esta manhã que fomos selecionados para o
contrato Alpha Health Care. Royce está na cidade e quer vinho
e jantar para os clientes. Você poderia encontrar um bom
restaurante que aceite um grande grupo em curto prazo? Fale
com Royce sobre datas e locais. Tenho certeza que ele tem
algumas ideias.
— Claro, chefe.
Sam não conseguia pensar em nada mais divertido do que
assistir Royce e Daisy brigando, mas precisava tirar Layla do
escritório, caso Royce aparecesse. Royce seria menos que
compreensivo se a visse em sua mesa e a última coisa que Sam
queria era que Layla se machucasse. Novamente.
• •
— Você tem certeza de que está pronto para esta noite? —
Layla estendeu a mão para esfregar os ombros de Sam como se
ele fosse um pugilista, deslizando as mãos por seus braços para
apertar os músculos protuberantes sob o paletó. O cheiro de
sua loção pós-barba se misturou com o cheiro do sabonete
líquido que eles usaram quando tomaram banho juntos e ela
ficou tentada a arrastá-lo de volta para seu quarto e ter o que
queria com ele novamente.
— Estou pronto. — Ele endireitou a gravata, ajustando o nó
perfeito.
— Essa foi uma maneira legal, mas perversa, de comemorar
o fato de ser selecionado para o seu grande contrato. Eu gostaria
de ter tido mais tempo, mas minha mãe precisa de ajuda para
cozinhar o grande jantar em família. — Ela se inclinou para
beijar sua bochecha. Sam a tirou do escritório com o pretexto
de ir tomar um café, mas, em vez disso, a fez dirigir até a casa
dele e eles passaram a tarde na cama.
— É mais do que trabalho. — Ele se virou e colocou os
braços ao redor dela. — Um dos hospitais que está sendo
reestruturado é o St. Vincent's, onde Ranjeet trabalha. Se
conseguirmos o contrato, terei acesso ao arquivo de emprego
dele. Poderei descobrir o que realmente aconteceu naquela
escada e, se houver um encobrimento, poderei expô-lo. Nisha
terá sua justiça.
Sinos de alerta tocaram no fundo de sua mente.
— Isso é ético? Você não tem que declarar um conflito de
interesses?
— Farei o que for preciso para que Nisha tenha a justiça que
merece.
— Pode ser o que ela merece, mas é o que ela quer? — Layla
tentou escolher suas palavras com cuidado. — Não consigo
imaginar que ela ficaria feliz se você fosse para a cadeia ou
perdesse o emprego por algo que parece, na melhor das
hipóteses, uma chance remota. Ela parece estar seguindo em
frente com sua vida. Você acha que ela quer começar a
desenterrar o passado?
Sam se irritou.
— É meu trabalho protegê-la. Eu falhei com ela antes, não
vai acontecer de novo.
— Isso é sobre Nisha ou você? Parece que você ainda se
culpa pelos ferimentos dela.
Ele enrijeceu e se afastou.
— Achei que você, entre todas as pessoas, fosse entender.
Layla estremeceu com seu tom áspero. Ela o pressionou
além do limite. Talvez fosse uma verdade que ele não estava
pronto para enfrentar. Toda a justiça do mundo não
significaria nada se ele não pudesse se perdoar.
— Eu sinto muito. Eu só quero que vocês dois sejam felizes.
Depois que terminaram de se vestir, eles subiram no jipe de
Layla. Sam ainda estava esperando que sua seguradora decidisse
se valia a pena salvar seu carro e ela se ofereceu como motorista.
— Você realmente vai fazer isso? — Layla perguntou
enquanto o motor rugia. — Comer comida indiana? Isso
significa que se eu tocar “Tattad Tattad”, você também pode
se levantar e nos mostrar alguns movimentos de Bollywood? —
Ela adorou o enérgico número de dança de Ranveer Singh de
Goliyon Ki Rasleela Ram-Leela, um remake de Bollywood de
Romeu e Julieta.
— Espero estar muito cheio para me mover.
— Qual sua comida favorita? Não acredito que nunca
perguntei a você antes.
— Masala dosas. Abaixe as mãos.
Layla estremeceu por dentro ao sair do estacionamento. Sua
mãe tinha uma receita especial de masala dosas que envolvia
fermentar a massa para os saborosos crepes por oito horas. Mas
o verdadeiro truque era cozinhá-los de modo que fiquem
grossos e com uma crosta dourada. Era uma habilidade que ela
nunca havia dominado. Mas esta seria a primeira refeição
indiana de Sam em anos, e sua primeira vez com a família. O
mínimo que ela podia fazer era tentar preparar seu prato
favorito sozinha.
— Vou me certificar de que você tenha algum.
— Estou ansioso para isso.
— Eu também. — Ela forçou um sorriso. Tudo o que ele
precisava fazer era conquistar sua família.
Quão difícil poderia ser?

•••

— Tente de novo, beta. — O pai de Layla raspou a dosa


queimada da grande panela de ferro fundido. Sua mãe trouxe a
panela com ela da Índia, confiada a ela por sua própria mãe
quando saiu de casa.
— Por que é tão difícil? — Layla enxugou o suor da testa
com a manga. Este foi o terceiro dosa que arruinou, e ela se
sentiu mal desperdiçando a massa que sua mãe havia preparado
no início do dia.
— Tudo precisa ser perfeito. — Ele limpou a frigideira e
temperou novamente. — Temperatura, tempero e você precisa
de uma mão leve na hora de espalhar. Você quer que seja
crocante por fora, mas úmido por dentro. — Ele se sentou
pesadamente no banquinho que sua mãe havia trazido para a
cozinha para ele. Com apenas alguns dias fora do hospital, ele
se cansava facilmente e estava mais magro do que ela já o tinha
visto em sua vida.
— Você está bem? É o marca-passo? Precisamos voltar para
o hospital?
— Pare de se preocupar, beta. Está tudo bem.
Provavelmente apenas o corpo se ajustando a algo novo ou
talvez o coração se sentindo cheio por estar na minha cozinha
com minha família novamente. — Ele olhou para a panela. —
Bata agora.
Layla despejou a massa na assadeira, desenhando círculos
com as costas de um copo para criar um grande crepe.
— Eu fiz chutney de coco, chutney verde e chutney
vermelho para acompanhar, além de sambar. — Ela apontou
para o prato de sopa que era um de seus acompanhamentos
favoritos para masala dosas. A jornada pelos mergulhos com
suas notas de sal, calor, azedo e especiarias era o que tornava o
masala dosas especial.
— Espero que Sam aprecie todo o seu trabalho árduo. — Ele
se inclinou para olhar o crepe. — Gostei dele quando nos
conhecemos. Ele foi muito educado, inteligente, direto e muito
sério.
Layla riu. Ela havia contado a seu pai sobre seus encontros
com sua lista de pretendentes e como ela se interessou por Sam.
Ele tinha ficado surpreendentemente relaxado com o fato de
que ela não gostou de nenhuma de suas escolhas, apesar de todo
o tempo que ele gastou reduzindo uma lista de centenas de
pretendentes aqueles dez homens.
— Você o faz parecer chato.
— Não é chato, mas ele manteve suas emoções dentro de si,
ao contrário de nós, Patels, que as deixamos sair todas. — Ele
olhou novamente para a frigideira e gritou: — Agora! Despeje
agora!
— Acalme-se, Nasir. — A mãe de Layla veio inspecionar a
dosa. — Não se excite.
— Então é melhor você sair da cozinha porque toda vez que
a vejo, meu coração bate forte. — Ele puxou a mãe de Layla
para um abraço e deu-lhe um beijo. Ela se manteve rígida,
mesmo com um sorriso puxando seus lábios.
— Isso não é apropriado, Nasir.
— O que não é apropriado é passar semanas em uma cama
de hospital dormindo sozinho. Não havia ninguém para roubar
as cobertas. Eu sempre fui muito quente.
— Nasir! — Ela se afastou, mas não antes de Layla ouvir sua
risada abafada. — O pessoal vai ver.
— Bom. Então, todos eles vão pensar que Nasir voltou ao
seu estado forte e viril e teremos que parar de relaxar nas costas
de Jana. — Ele olhou para Danny e fez uma careta. — Como
este. Eu vejo você sempre olhando para Layla. Ela tem um
homem e a família irá encontrá-lo esta noite, então volte sua
atenção para outro lugar.
— Você não se importa que eu esteja namorando alguém
que não estava na sua lista? — Layla serviu outra colher de
massa.
— Quero que você seja feliz — disse o pai. — Se ele te faz
feliz, então eu gosto dele; se ele te deixar triste, então eu vou…
— Você não vai fazer nada — disse a mãe de Layla. — Você
é um homem doente. Você deveria estar na cama, não na
cozinha fazendo dosas e causando problemas.
A fumaça subiu da panela e Layla olhou para baixo com
desânimo.
— Eu queimei outro!
— Está tudo bem, beta. — Seu pai pegou a frigideira e deu-
lhe um abraço. — A única maneira de fazer algo certo é errar
muitas vezes. Os Patels não desistem quando queimam suas
dosas. Agora, vamos começar de novo…

•••
No que diz respeito a Sam, um "pequeno" jantar Patel não era
diferente de um casamento indiano..
Da janela de seu escritório, ele contou mais de trinta pessoas
que chegaram ao restaurante em tudo, desde sáris de cores vivas
a camisas floridas e boás de penas, e um homem de meia-idade
com calças de couro justas. Ele alisou a camisa e ajustou os
punhos. O que eles pensariam dele?
Seu estômago roncou. Ele não comia desde o café da manhã
e os aromas que vinham da cozinha abaixo o lembravam da
caixa de masala de sua mãe, cheia com todos os temperos que
usava para fazer suas refeições – cominho picante, canela doce,
folhas de louro perfumadas, sementes de mostarda saborosas,
pimenta rica, garam masala pungente e pimenta picante –
todos eles estavam ligados a um sentimento de casa.
Ele vestiu o paletó e endireitou a gravata. Daisy já havia
descido. Hora de ele conhecer a família de Layla. Ele nunca
esteve tão nervoso em sua vida.
— Ei, parceiro! Vamos começar a festa! — Royce irrompeu
no escritório, batendo a porta de vidro com uma caixa de
champanhe nos braços. Cinco mulheres com vestidos quase
imperceptíveis, cabelo comprido e salto alto se enfileiraram
atrás dele, uma delas carregando uma longa vara prateada. Evan
assumiu a retaguarda com uma morena alta sob um braço e
uma caixa de cerveja sob o outro.
— O que está acontecendo?
— É assim que você conquista o contrato. — Evan largou a
caixa na recepção de Daisy. — Royce e eu juntamos nossas
cabeças esta manhã e criamos um plano para uma noite que o
conselho do Alpha Health Care não esquecerá. Essas senhoras
vêm direto do Platinum Club, o principal clube de strip da
cidade. Nós até trouxemos Tiffany, sua melhor dançarina de
pole dance, para manter seus clientes entretidos.
— Evan tinha os contatos de relações públicas e marketing
para fazer tudo acontecer em curto prazo. — Royce empurrou
os papéis de Layla para o lado e colocou a caixa de champanhe
em sua mesa. — Então eu o convidei para se juntar a nós. Eu
disse ao conselho que é uma festa muito particular e exclusiva.
Membros do conselho, alguns executivos importantes e apenas
o CEO. Para nossa sorte, são todos homens. Eles estão a
caminho de uma limusine agora com alguns anjos muito
especiais e o melhor pó de anjo que o dinheiro pode comprar.
— Você trouxe strippers e drogas para o escritório? — Sam
olhou para Royce horrorizado. — Há crianças lá embaixo. É
um restaurante familiar. E quanto a John e seus parceiros? Eles
dirigem um escritório de advocacia.
— Evan mandou um convite para eles. Ele disse que é a
melhor maneira de evitar que os vizinhos se queixem de uma
festa. E não se preocupe com o restaurante. Eles foram
cuidados. Enviei-lhes uma pequena surpresa para mantê-los
ocupados. — Royce puxou uma garrafa de champanhe e abriu
a rolha. Um líquido efervescente explodiu pela sala,
respingando na mesa de Layla e no aquário, deixando o
peixinho dourado em um frenesi de pânico.
— Jesus Cristo, Royce. Pare. Pessoas trabalham aqui.
— Nossas pessoas. A menos que você não tenha se livrado
da filha do proprietário…
Uma das mulheres instalou dois alto-falantes ao lado da
impressora e “Don't Stop the Music” de Rihanna explodiu pela
sala, fazendo as paredes tremerem e o aquário estremecer.
— Royce, baby. Você está usando roupas demais. — Uma
mulher com cabelo rosa brilhante e um mini vestido de
lantejoulas prateadas puxou a gravata de Royce, puxando-o de
volta para a mesa de Sam. Com um piscar de seus cílios extra
longos, limpou a superfície com um movimento de sua mão,
espalhando canetas e lápis no chão.
— Uh-oh. Ginger tem sido uma garota travessa. — Ela se
inclinou sobre a mesa de Sam e balançou o traseiro.
Royce riu e arregaçou as mangas.
— Peter disse que você era uma garota ativa.
— Quem pediu a bebida? — Dois entregadores estavam na
porta com seis caixas carregadas em um carrinho.
— Jogue essa cesta fora e coloque-os lá — Royce gritou. —
Alguém dê uma gorjeta para esses caras. Ou algumas bebidas.
Ou garotas…
— Essa é a cesta de Max. — Sam se lançou tarde demais. O
entregador agarrou a cesta de Max e a jogou no corredor,
fazendo com que os brinquedos barulhentos de Max voassem.
— Aqui, cara. — Evan entregou-lhe uma taça de
champanhe. — Você precisa relaxar.
— Eu não posso relaxar — Sam disparou. — Eu deveria
encontrar a família de Layla para jantar lá embaixo em cinco
minutos.
— Você não pode ir — Royce disse, abandonando sua
apreciação visual da bunda de Ginger. — Estamos dando uma
festa. Todos entre os pré-selecionados farão o possível para
convencer AH a escolhê-los. Eles estão todos lutando para
reservar uma mesa em algum restaurante chique, mas ninguém
vai fazer isso. Evan é um gênio do caralho. Se isso não nos
garantir esse contrato, não sei o que o fará. Vamos dar a eles um
bom momento.
— Esta não é a minha ideia de um bom momento. —
Conhecer a família maluca de Layla, comer masala dosas e
tornar público seus sentimentos pela mulher que o aceitara
apesar de suas falhas era sua ideia de diversão. Segurá-la em seus
braços enquanto o sol quente da tarde deslizava os dedos
preguiçosos pelas frestas de suas cortinas era sua ideia de
diversão. Levantar os olhos da mesa para vê-la mastigando a
ponta do lápis, imersa em pensamentos, enquanto uma pilha
de donuts jazia intocada ao lado dela, era sua ideia de diversão.
— Bem, vai ter que ser — Royce disse firmemente. — Ou
você não quer o contrato?
— Claro que eu quero. Mais do que tudo.
— Então afrouxe a maldita gravata. Pegue um copo. Beije
algumas garotas e calce seus sapatos de dança. Nossos clientes
em potencial estão visitando o prédio onde toda a mágica vai
acontecer.
— Você não quer dizer o escritório?
— Entrega de artigos de vidro — gritou um motorista de
entrega. — Eu preciso de uma assinatura.
— Quero dizer o prédio. — Royce pediu os óculos. — É
nosso. A maldita coisa toda. Eu comprei, ou para ser claro,
nossa empresa comprou. Dinheiro vivo. Uma semana para
fechar. Você disse para fazer o que fosse necessário para garantir
o contrato, então eu fiz.
Sam soltou um suspiro instável.
— Você comprou o prédio?
— É tudo uma questão de localização, localização,
localização. — Royce sorriu. — Um dos motivos pelos quais
estamos entre os pré-selecionados foi a proximidade dos
hospitais e da sede do AH. Recebi um telefonema na semana
passada de Peter Richards, o CEO da AH. Ele estava
preocupado por não sermos grandes o suficiente para lidar com
a reestruturação de cinco hospitais, então eu menti e garanti
que éramos donos do prédio e tínhamos espaço para expandir
para acomodar as necessidades deles. Então tive que tornar isso
uma realidade. Não foi fácil conseguir o financiamento em
curto prazo, mas consegui. O negócio foi fechado hoje.
Isso não poderia estar acontecendo. Agora não.
— Como você fez uma grande compra de capital sem minha
assinatura?
Royce puxou uma fileira de taças e as encheu de
champanhe.
— Além do fato de eu ter seu consentimento – faça o que
for preciso – eu mantive o controle da sociedade quando você se
juntou à empresa. Você não pode errar ao investir em imóveis.
É um ganha-ganha para nós.
A bile subiu na garganta de Sam.
— E os inquilinos?
Royce abriu outra rolha, derramando champanhe na mesa
de Daisy.
— Você me disse que os donos dos restaurantes estavam
com dificuldades financeiras e foi por isso que tive a ideia de
comprar o prédio. Depois de conversar com seu amigo John
esta manhã, liguei para meu advogado e ele disse que o aluguel
não seria um problema. Durante a devida diligência,
descobriram que os Patels estavam violando seu contrato por
não pagar o aluguel. É perfeito! Nós os serviremos esta noite
com um aviso prévio de três dias. Se eles não pagarem,
iniciamos o processo de despejo. Quando AH tomar a decisão
final, estaremos na posse de tudo, exceto o último andar.
Os joelhos de Sam se dobraram e ele agarrou o balcão para
se apoiar.
— E se não conseguirmos o contrato? Teremos um prédio
de que não precisamos, sem reservas financeiras e os Patel terão
perdido seus negócios.
— Honestamente, seria uma pequena misericórdia para eles
— Royce disse com um sorriso malicioso. — Nunca vi o
restaurante mais do que meio cheio. Boa comida. Localização
ruim. Correção fácil. Eles vão me agradecer em seis meses. E
depois dessa festa, o contrato estará na bolsa e não teremos que
nos preocupar com as finanças novamente. — Royce entregou-
lhe um copo. — Não entendo por que você não está feliz. Isso
é o que queria. Agora melhore essa cara. Nossos convidados
estão aqui e esperam que mostremos a eles o melhor momento
de suas vidas.
Sam olhou para cima no momento em que Peter Richards e
seis homens de meia-idade em ternos escuros entraram pela
porta, acompanhados por três mulheres vestindo shorts
minúsculos e camisetas curtas com o logotipo Platinum.
— Oh querido. Não fique tão triste. Você se sentirá melhor
quando se soltar. Deixe-me ajudá-lo a tirar essa gravata. — Uma
mulher com maquiagem pesada e cabelos castanhos na altura
da cintura desatou a gravata de Sam e a deslizou do pescoço,
jogando-a na cesta de lixo ao lado da mesa de Daisy. — Ai,
agora. Não se sente melhor?
— Não sinto absolutamente nada. — Com uma última
olhada pela janela, Sam enviou uma mensagem rápida para
Layla avisando que tinha uma emergência de trabalho e foi
cumprimentar seus clientes.
Ele estava fazendo isso por Nisha. Por justiça. Para a mulher
desconhecida que não sabia que estava prestes a se casar com
um monstro.
Então, por que parecia tão errado?
• •
Layla jogou sua dosa no prato.
— Eu consegui! Este aqui é perfeito. Isso faz dois!
— Muito bem. — Seu pai se inclinou e deu um beijo em sua
testa. — Eu sabia que você conseguiria.
Layla preparou a dosa, adicionando potes de chutney e
sambar à bandeja segundos antes de seu telefone tocar em seu
bolso. Ela baixou a cabeça, fechando os olhos depois de ler a
mensagem de Sam.
— O que há de errado, beta?
— Sam diz que tem uma emergência de trabalho e não tem
certeza de quando conseguirá descer. Ele disse para ir em frente
sem ele.
Seu pai se levantou.
— Depois vamos subir e dar dosas a ele enquanto ainda
estão quentes para comer. Um homem trabalhador é um bom
homem. Tenho certeza de que ele está tão desapontado quanto
você por não poder vir.
— Eu vou, pai. — Ela pegou o prato. — Eu não quero que
você se canse.
— Eu não estou cansado. O médico disse para não levantar
coisas pesadas. Ele não disse para ficar sentado o dia todo como
um pedaço de massa. Quero ver o que você fez com o escritório
e conhecer Sam antes que a família chegue até ele.
Layla fechou os olhos e respirou fundo.
— Eu decidi ontem à noite que vou sair do escritório. Sam
tem um parceiro de negócios e você o ofereceu primeiro. — Ela
hesitou, relutante em ferir o orgulho de seu pai. — Além disso,
quando estava examinando as contas em sua mesa, percebi que
você precisava do dinheiro do aluguel. Não posso pagar esse
escritório e, se realmente quero ter meu próprio negócio,
preciso encontrar meu próprio espaço por um aluguel que
possa pagar.
A testa de seu pai se franziu em uma carranca.
— Você não precisa se preocupar com sua mãe e eu. Já
passamos por momentos difíceis antes. Você é nossa filha. Se
você quer aquele escritório…
— Pai, você está operando com prejuízo. — Sua voz
aumentou um tom. — Os amigos de Dev têm sido mais do que
complacentes, mas você deve a eles quase um ano de aluguel. O
que você vai fazer se não puderem carregar essa dívida?
— Isto não é da sua conta. — O grito zangado de seu pai
levou sua mãe até o fogão. Ele era um homem orgulhoso e
levava muito a sério sua responsabilidade como chefe da
família. Isso significava que ele não pedia ajuda; ele a dava.
Quando havia um problema, ele o consertava. E quando algo
dava errado, ele o guardava para si mesmo e sofria em silêncio.
— Nasir. — A mãe de Layla colocou a mão gentilmente em
seu ombro. — Acalme-se. O médico disse sem estresse.
— Não estou estressado — disse ele furiosamente. — Por
que você deixou Layla passar por meu escritório? Nossa
situação financeira não é problema dela. Ela tem seus próprios
problemas, sua própria vida para resolver. Não precisa perder
tempo se preocupando conosco.
— Ela é uma mulher adulta. Ela estava apenas tentando
ajudar. Mas talvez seja hora de ela saber o que está acontecendo.
— Vá. — Seu pai dispensou Layla. — Leve os dosas para
Sam enquanto ainda estão quentes. Sua mãe e eu temos coisas
para discutir.
A mãe de Layla ergueu uma sobrancelha.
— Ele não vem para o jantar?
— Ele tem uma emergência de trabalho — explicou Layla.
— Ele descerá assim que terminar.
— Hmmm. — Os lábios de sua mãe se contraíram e ela
voltou para o fogão.
— Não seja assim, mãe. Ele está administrando um negócio
apenas com seu sócio. E quantos indianos aparecem para
alguma coisa na hora certa? Ele vai estar charmosamente
atrasado.
— Eu administro meu próprio negócio apenas com o seu
pai e nenhuma vez nos atrasamos para um noivado, com ou
sem charme. — Seu tom áspero e cortante transmitiu a
extensão de sua desaprovação e Layla rapidamente se dirigiu
para a porta.
— Vou ver se consigo apressá-lo.
— Ei, baby. Deixe-me pegar isso para você. — Danny correu
na frente quando ela tentou equilibrar a bandeja com uma das
mãos para abrir a porta dos fundos. — Você está de matar com
esse vestido, a propósito. — Ele gesticulou para o vestido verde
esmeralda que ela usava para o jantar. — Você está mais doce
do que o gulab jamun que acabei de fazer.
Ela deu um suspiro exasperado.
— Você está mesmo dando em cima de mim na frente dos
meus pais?
— Eu não queria que a oportunidade fosse desperdiçada. —
Ele sorriu. — Eu pensei que talvez você achasse que me devia.
— Por abrir a porta?
— As pessoas dormiram comigo por menos.
Layla desceu o beco até a entrada do escritório e subiu as
escadas até a porta do segundo andar. Música alta encheu o
corredor e ela reconheceu as batidas pesadas de “Break Your
Heart” de Taio Cruz.
— Você foi convidada para a festa também? — John saiu do
elevador com uma garrafa de vinho na mão.
— Eu não sabia que havia uma festa. — Seu coração deu um
salto quando viu a cesta de Max no meio do corredor, seus
cobertores e brinquedos de plástico espalhados pelo tapete.
— Sam? — Ela empurrou a porta de vidro fosco do
escritório e congelou com a cena à sua frente.
Garrafas e latas enchiam a mesa de Daisy, junto com uma
bandeja de presunto pela metade, um prato do que parecia ser
caviar e um prato em camadas de hors d'oeuvres. Uma mulher
com um microvestido vermelho montava um homem de terno
azul em sua chaise roxa, e uma mulher com um biquíni
brilhante girava em torno de um poste que havia sido colocado
entre as duas mesas. O escritório estava lotado, mas com
exceção de dois advogados da firma de John, ela não
reconheceu ninguém.
— O que está acontecendo? — Ela olhou para o caos,
horrorizada.
— Evan disse que era uma festa. Eu não esperava — o olhar
de John se desviou da mulher dançando na mesa de Layla para
o homem enfiando dinheiro em sua tanga — … isso.
— Onde está Sam? — Ela pensou ter sussurrado, mas a
mulher em sua espreguiçadeira olhou e sorriu.
— Ele está na sala de reuniões com Tiffany. — Ela piscou.
— Não acho que eles querem ser incomodados.
— Oh meu Deus. — Suas mãos tremeram e o sambar
espirrou na bandeja.
— Quem pediu comida indiana? — Um homem com uma
camisa justa listrada em azul e rosa e uma gravata de bolinhas
ofereceu a Layla uma nota de vinte dólares. — Fique com o
troco. Eu não tenho nada menor.
— Ela trabalha aqui, Royce. — John bateu em sua mão.
— Ah, a garota com designs ruins! — Royce pegou os dosas
e Layla deu um passo para trás. — Você precisa se concentrar
no que faz bem e não no branding. Mais sorte da próxima vez.
— O que isso deveria significar?
Royce parecia genuinamente perplexo.
— Desejo-lhe boa sorte em seu novo empreendimento,
onde quer que seja. Embora eu recomende que você não abra
uma loja acima do restaurante de seus pais novamente, se eles
decidirem continuar seus negócios em outro lugar. Projeta a
imagem errada.
Ela tinha caído em uma toca de coelho? Entrou em uma
dimensão diferente? Talvez um universo alternativo? Danny
tinha colocado algo em seu chai?
— Meus pais não vão embora.
— Claro que vão. — Negado os dosas, Royce colocou
cuidadosamente caviar em um pequeno biscoito. — Eles estão
sendo notificados com aviso de três dias esta noite. Se não
puderem pagar a dívida do aluguel em três dias, iniciaremos o
processo de despejo.
Toda sua respiração a deixou rapidamente e ela cambaleou
para trás. Se não fosse pela mão forte de John em seu ombro,
ela poderia ter caído.
— Não fique tão surpresa — disse Royce. — Seu pai disse a
Sam que eles estavam com dificuldades financeiras. O que você
esperava que acontecesse? Que os proprietários os deixariam
flutuar para sempre? Achei que você fosse uma empresária. É
assim que acontece. Acorde e cheire o balanço patrimonial.
— Isso é loucura. — Ela enrolou os dedos em torno da
bandeja. — Os donos do prédio são amigos do meu falecido
irmão. Eles nunca despejariam meus pais. Nunca.
Royce mastigou seu biscoito de caviar.
— Mas eu o faria e eu possuo o prédio. Bem, tecnicamente,
pertence à Bentley Mehta World Corporation, mas…
— Sam! — Desta vez, ela gritou seu nome alto o suficiente
para ser ouvido por cima da música.
Momentos depois, a porta da sala de reuniões se abriu e Sam
saiu cambaleando, uma morena alta e curvilínea debaixo do
braço e uma garrafa de uísque pela metade na mão. Seu cabelo
estava despenteado, a camisa aberta no pescoço, a gravata
desatada, as mangas arregaçadas para revelar os antebraços que
um dia haviam sido objeto de suas fantasias. Ela nunca o tinha
visto tão desgrenhado ou totalmente destruído.
Seu olhar foi de Layla para John e de volta para Layla. Seu
rosto se suavizou em uma máscara inexpressiva.
— O que está acontecendo? — Layla perguntou, sua voz
vacilante. — Quem é essa mulher?
— Esta é Amber. — Ele sussurrou algo no ouvido de Amber
e ela deu um beijo em sua bochecha antes de ir até o poste.
— Vamos dar uma festa. — Ele ergueu a garrafa, sua voz
monótona. — Para Alpha Health Care. Estamos entre os pré-
selecionados e estamos dando a eles um bom momento.
Ela respirou fundo, tentando conter o choque e o horror.
— Royce disse que sua empresa comprou o prédio e você
está despejando meus pais.
— Eu sei.
— Você sabe? — Sua voz aumentou de tom quando o
desânimo se transformou em raiva. — Isso é tudo que você tem
a dizer? Por que você não me contou? Por que não fez alguma
coisa? O restaurante é tudo o que eles têm. É tudo o que restou
de Dev.
Sam deu um longo gole na garrafa e enxugou a boca com as
costas da mão.
— Eu não posso.
— Você não pode ou não quer? — Seu corpo vibrou de
fúria. — Esta é a sua empresa também. Ou você estava
planejando expulsá-los o tempo todo? E nosso jogo? Sobre o
que era tudo isso? Você estava apenas se divertindo às minhas
custas enquanto colocava seu plano em ação? Royce disse que
meu pai contou que eles estavam com dificuldades financeiras.
Você usou essa informação para prejudicá-los?
— Você não entende… — Ele estremeceu. — Eu disse a
Royce para fazer o que fosse necessário para conseguir o
contrato e o espaço é necessário.
— De onde você achou que o espaço viria? — ela retrucou.
— Você conhece Royce. Você trabalha com ele todos os dias.
Veja o que ele fez com meus projetos. Ele não tem empatia,
nenhuma preocupação com ninguém ou nada, exceto os
resultados financeiros. Você deveria ter visto isso chegando.
Mas está claro que tudo com o que você se importava era
conseguir seu contrato idiota.
A boca de Sam se abriu como se fosse falar, mas ela não
estava interessada no que ele tinha a dizer. Com o sangue
batendo forte em suas veias que ela mal conseguia pensar, ela
ergueu a voz acima da música, chamando a atenção de todos na
sala.
— Você disse a seus clientes por que realmente quer o
contrato? Você contou a eles seu plano de acessar o banco de
dados do hospital e ler os arquivos pessoais para procurar
evidências de um encobrimento e a verdade sobre o que
aconteceu com sua irmã? Talvez eles devam saber que tipo de
pessoa você realmente é. — Ela se arrependeu das palavras assim
que saíram de seus lábios, mas era tarde demais. Sob a batida
pesada da música, um silêncio desconfortável encheu a sala.
O choque, em seguida, o alarme cintilou no rosto de Sam.
Ela tinha ido longe demais, mas isso era muito pior do que pisar
em Jonas. Ela não tinha amado Jonas. Ela não se abriu pela
primeira vez desde a morte de Dev, apenas para ser destruída
novamente. E Jonas não tinha machucado ninguém além dela.
Um dos homens de terno azul franziu a testa.
— Sam, isso é verdade?
— Não dê ouvidos a ela, Peter. — Royce entregou-lhe uma
taça de champanhe. — Ela é louca. Ela mudou-se para o nosso
escritório e tentou abrir uma empresa chamada “Excellent
Recruitment Solutions”. Esse era o nome. Excelente. Você pode
imaginar? E seu logotipo parecia um guaxinim drogado. Foi
uma piada.
— Eu não sei… — Peter coçou a cabeça.
— Você viu a dança de Tiffany? — Royce o arrastou pela
sala. — Sente-se naquela mesa e ela lhe dará um show pessoal.
— Ele acenou freneticamente para uma mulher em um vestido
prateado enquanto Peter tropeçava para frente. Com os pés
instáveis, Peter tropeçou em uma garrafa e caiu pesadamente
contra a mesa de Layla. O aquário balançou, então caiu no
chão, quebrando-se em pequenos pedaços.
A mão de Layla voou para sua boca.
— Meus peixes!
— Não se preocupe — Royce gritou. — Eles já estavam
mortos. Eles beberam muito champanhe.
— Espero que você esteja feliz agora — disse Layla
amargamente, seu olhar fixo no rosto impassível de Sam. — Eu
espero que tenha valido a pena. Você conseguiu tudo o que
queria: o contrato, o escritório, o prédio…
— Eu quero você.
— Você nunca me quis. — Ela respirou fundo. — Você é
como qualquer outro cara com quem eu já estive. Pensei que
tinha conseguido mudar minha vida, mas é apenas mais do
mesmo. Perdi tudo de novo, mas desta vez não cheguei ao
fundo do poço sozinha. Eu trouxe minha família comigo.
— É o melhor — disse Sam, sua voz queixosa. — Este não é
um bom local para um restaurante. Eles precisam se mudar
para um lugar menor, mais perto de sua base de clientes
principal…
— Não jogue seu discurso motivacional estúpido para mim
— ela gritou. — O restaurante era o sonho de Dev. Ele
comprou este prédio para eles. Planejou toda a renovação. Eles
colocaram todo o seu dinheiro em consertá-lo. E então ele
morreu e isso é tudo o que tinham. Eles não podem
simplesmente seguir em frente. Não é tão fácil.
— Nisha precisa disso — ele implorou.
— Eu não acho que Nisha precisa disso. — Sua voz vacilou.
— O que eu vi foi uma mulher tão super protegida que tem
medo de ser independente. Ela era uma pessoa diferente
quando você não estava por perto. Ela era divertida,
extrovertida e totalmente capaz de cuidar de si mesma. Ela
queria ir às compras e fazer todas as coisas que as mulheres de
sua idade fazem, mas o que precisava era de um empurrão
emocional, não físico. Ela precisava de apoio e encorajamento,
não proteção. Sua culpa a está sufocando.
Ela respirou fundo, as mãos tremendo tão violentamente
sob a bandeja que dois dos pequenos potes de molho tinham
virado.
— Isso não é sobre Nisha. É sobre você. Você quer justiça
para não se sentir mais culpado, mas não funciona assim, Sam.
Mesmo se a polícia prender Ranjeet pelo resto da vida, nada
mudará. Nisha ainda precisará usar uma cadeira de rodas, e
você ainda será o irmão que pensa que falhou com ela.
— Você não sabe nada sobre minha família.
— E você claramente não entende nada sobre a minha — ela
retrucou. — Isso é tudo que nos resta de Dev. Não vamos
desistir.
— Sinto muito, Layla. — Ele engoliu em seco. — Já se foi.
— Vamos sair daqui. — John apertou seu ombro. — Este
não é o meu tipo de festa também.
As mãos de Layla envolveram a bandeja. Os dosas
murcharam um pouco agora que estavam frios e apenas o
chutney verde havia sobrevivido intacto.
— Eu fiz masala dosas para você — disse ela a Sam. — Foi
minha primeira vez. Usei quase toda a massa da minha mãe para
acertar. Também fiz os chutneys e o sambar. Demorou horas.
Meu pai ficou sentado ao meu lado o tempo todo, como
costumava fazer quando eu era pequena, porque sabia o quão
importante era para mim que eles fossem perfeitos.
— Layla… — Uma expressão de dor cruzou seu rosto e ela
tremeu. O desejo de jogar a bandeja nele era tão forte que ela
teve que lutar contra isso.
— Você não valia o esforço — ela disse finalmente. — Não
vale o desperdício se eu jogá-los em você agora, e não vale a pena
perder meu auto-respeito por sua causa. — Ela o encarou com
um olhar furioso quando John abriu a porta do escritório. — E
você certamente não é digno de mim.
• •
— Achei que você teria vergonha de mostrar sua cara na
academia. — John socou a bolsa de velocidade53, sua boca
pressionada em uma linha tensa. — Se você está aqui para
despejar meu escritório de advocacia também, porque vou lhe
dizer agora mesmo que meus sócios e eu já examinamos esse
contrato de locação e não há como você nos tirar daqui.
— Eu vim treinar com Evan. Não sabia se você estaria aqui
ou não. — Com um suspiro, Sam se sentou em um banco de
peso próximo. Ele vinha evitando a academia pelo simples fato
de que John estaria aqui, mas depois de um fim de semana sem
nenhuma maneira de aliviar seu estresse, ele finalmente cedeu.
— Eu quase desejo não ter vindo — John cuspiu.
Sam passou a mão pelo cabelo.
— Eu não sabia que Royce havia comprado o prédio ou que
planejava despejar os Patel.
John diminuiu a velocidade dos socos.
— Mas você não retirou o processo de despejo, não é? Ou
até mesmo acabou com toda essa situação lamentável, o que,
legalmente, você pode fazer.

53
instrumento de academia para treino de lutadores de boxe
— Royce nos colocou em uma situação difícil. — Ele torceu
as mãos entre as pernas abertas. — Conseguimos o contrato por
causa de nossa localização e porque ele disse que tínhamos
espaço para contratar funcionários para atender às suas
necessidades.
— Não. — John o encarou com firmeza. — Não culpe
Royce. Isso é tudo por sua conta.
— Jesus Cristo. Calma, cara — disse Evan, aproximando-se
deles. — Dê um tempo ao Sam. Esta foi uma decisão de
negócios. Se os Patel tivessem pago o aluguel, não estariam
nesta posição. Sam fez o que tinha que fazer. Devíamos
parabenizá-lo por conseguir um grande contrato e encontrar
uma maneira de derrubar o bastardo que machucou sua irmã.
— Ainda não. — John voltou para a bolsa e começou a socar
novamente. — Não tolero ferir pessoas inocentes na busca de
um objetivo pessoal e não engulo essa besteira de decisão de
negócio. Você poderia ter contornado a situação sobre o local.
Você simplesmente não queria.
— Não é pessoal. — Sam disse severamente. — É por Nisha.
— Você tem certeza sobre isso? Você já a perguntou o que
ela pensava? — John perdeu o ritmo e recuou quando a bolsa
atingiu seu queixo. — Você perguntou a Layla?
— Layla não é inocente — disse Evan. Seu apoio significava
que Sam tinha definitivamente cruzado a linha. Ele estava tão
falido moralmente quanto Royce. Talvez até mais. — Ela quase
arruinou o negócio ao revelar os segredos de Sam na frente dos
caras do Alpha Health Care. Isso não ia acontecer.
— Você a culpa? — John socou a bolsa novamente, seu
olhar focado em Sam. — Ela passou a tarde toda fazendo seu
prato favorito, a família dela estava esperando lá embaixo para
conhecê-lo, o pai dela tinha acabado de sair do hospital, e ela
não só subiu para encontrar a festa de fraternidade do século
acontecendo em seu escritório, seu namorado bêbado e
festejando com strippers, também descobriu que você estava
despejando ela e a família. Se fosse eu, teria jogado a comida na
sua cara, chamado a polícia e queimado a porra do escritório.
Achei que ela estava extremamente contida.
Sam nunca tinha visto John tão furioso. Suas ações não
custaram apenas Layla; ele claramente também perdeu um
amigo.
— Isso está ficando chato. — Evan subiu no ringue. —
Vamos. Eu não tenho o dia todo.
— Soque um pouco de bom senso nele — John gritou. —
Está destruindo sua vida e levando para baixo todas as pessoas
de quem gosta porque não consegue aceitar que não é
responsável por todas as coisas ruins que acontecem no mundo.
Evan riu.
— Serei responsável pelas coisas ruins que acontecerem a ele
quando colocar a bunda no ringue.
Sam agarrou suas luvas e calçou uma.
— Lamento que tenham se machucado, mas vale a pena.
Ranjeet vai se casar novamente. Se eu descobrir que ele
empurrou Nisha escada abaixo e o hospital encobriu isso, posso
salvar outra mulher de seu destino.
— Você ainda está tentando se absolver de uma culpa que
não é sua — disse John enquanto ajudava Sam a apertar as
luvas. — Em vez de lidar com a culpa que existe. Você precisa
acertar as coisas com Layla e os Patels. — Ele ajudou Sam com
sua outra luva e o empurrou para dentro do ringue.
— Ela precisa acertar as coisas comigo — Sam respondeu.
— Quase perdemos o contrato por causa dela. E quanto a
Nasir, o que eu diria? Eles violaram o contrato de locação por
mais de um ano e tínhamos o direito legal de despejá-los.
— Não posso acreditar que estou dizendo isso, mas só
porque é legal não significa que seja certo — John cuspiu. —
Você está perseguindo um monstro há tanto tempo que você
se tornou um. — Ele segurou as cordas abertas para que Sam
pudesse escalar e então subiu atrás dele.
— O que está acontecendo? — Evan olhou de John para
Sam e de volta para John.
— Estou com vontade de bater no Sam hoje, então vou
pedir que você se afaste. — John estendeu a mão para pegar as
luvas de Evan.
Sam inclinou o pescoço de um lado para o outro enquanto
Evan ajudava John a amarrar as luvas.
— Não faça isso. Você nunca ganhou uma luta contra mim.
Eu não quero te machucar.
— Você machucou todo mundo. — John assumiu uma
postura de luta. — Acho que é hora de você sentir como é.
Sam teve apenas um segundo de aviso antes que o punho de
John atingisse seu nariz e ele caísse em uma chuva de estrelas.

•••

— Dê-me outro. — Layla acenou para Danny depois que ele


trancou a porta do restaurante. Com o pai ainda em
recuperação e o negócio agora sem escritório, ela estava
colocando toda a sua energia no restaurante, trabalhando de
manhã à noite ao lado da mãe. Eles não tinham dinheiro para
pagar o aluguel em atraso e impedir o despejo, mas ela faria o
possível para garantir que fossem tão bem-sucedidos quanto
entraram.
— Eu acho que você já teve o suficiente. — Ele se juntou a
ela no bar. — Você passou os últimos dias comendo sozinha no
restaurante depois do expediente. não acha que é hora de tentar
uma maneira diferente de afogar suas mágoas?
— O que mais eu devo fazer? — Seus olhos se encheram de
lágrimas. — Eu pensei que tinha chegado ao fundo do poço em
Nova York, mas não estava nem perto. Agora, além de não ter
emprego, escritório, apartamento, namorado e marido, me abri
para o amor e me machuquei de novo, e meus pais estão sendo
despejados. Estou em uma situação ainda pior do que quando
cheguei em casa, só que não acabei de sair da prisão.
Danny respirou fundo.
— Você cumpriu pena?
— Duas horas difíceis no banco da delegacia da polícia local.
— Ela estremeceu com a memória. — Algemada. Foi terrível.
A única razão pela qual não entrei na prisão foi porque
encontrei um emprego para o irmão do gerente do prédio,
Louie “o machado” Moretti, que decidira sair do negócio da
máfia. Ele era casado com a sobrinha do marido da irmã da
esposa do primo do meu pai. Ele mexeu alguns pauzinhos com
seus amigos policiais e eles me deixaram ir. Ainda bem que
Jonas me traiu num sábado à noite porque Louie estava morto
no domingo e eu não pude voltar para casa imediatamente
porque tive que ir ao funeral. — Ela passou um dedo pela
garganta. — Gravata italiana.
— Isso é excitante pra caralho. — Ele lambeu os lábios. —
Você é uma ex-presidiária.
Ela entregou a ele sua tigela.
— Encha. E adicione pimenta caiena extra. Eu não quero ser
capaz de sentir minha língua.
— Existe tal coisa como comer muito dal. — Danny levou a
tigela dela. — Por que você não toma alguns drinks? Posso
preparar um gin tônica para você. Isso é o que a maioria das
pessoas recorrem quando estão para baixo.
— Não são boas garotas desi. Queremos nossa comida
reconfortante. Eu verifiquei o pote ao entrar. Ainda há muito
sobrando.
— Você já comeu quatro tigelas e uma pilha inteira de roti…
— Traga mais roti também. Certifique-se de que estão
quentes o suficiente para queimar meus dedos. Preciso da dor
para me lembrar que ainda estou viva. Acho que meu coração
foi partido muitas vezes.
Danny desamarrou o avental e sentou-se no assento ao lado
dela.
— Um pouco melodramático, você não acha?
— Você deveria comer dal também. — Ela se encostou em
seu ombro, muito perturbada para se preocupar com o decoro.
— O restaurante está fechando. Você vai perder seu emprego.
Com um suspiro, Danny colocou um braço em volta dos
ombros dela.
— Sua mãe me disse para não me preocupar, então eu não
estou me preocupando. Estou apenas fazendo meu trabalho,
cozinhando, ajudando e apoiando pessoas com problemas
emocionais.
Layla ergueu os olhos, fungando após sua hora de soluço.
— Estou com problemas emocionais.
— Eu posso ver — ele disse suavemente.
— Por que as pessoas que amo sempre me traem? Morgan
disse que me amava, mas acabou que só queria alguém para
dividir o aluguel com ele e seus amigos para que não perdessem
seu apartamento em Greenpoint. E então havia Adam, que
contratou um ator para interpretar a si mesmo e quando eu me
apaixonei por ele e pedi que fosse morar comigo, esse cara
careca de quarenta e poucos anos apareceu na minha porta com
duas malas, três gatos e o ukulele de sua avó.
— Coma mais dal. — Danny entregou-lhe a colher e ela
raspou o fundo da tigela.
— E então havia Quentin…
— Já não gosto dele — disse Danny. — Que tipo de cara se
chama Quentin?
— Um professor de filosofia que terminou comigo depois
de três meses, escrevendo uma carta. Ele disse em termos
filosóficos que éramos fundamentalmente incompatíveis.
Disse que era Sartre, que acreditava em casos de amor
contingentes, e eu era Kierkegaard, que acreditava em
relacionamentos firmes.
— Ele te traiu.
— Filosoficamente falando. — Ela enfiou a última colher de
dal na boca. Seu estômago gorgolejou em protesto. — Então
teve Chris. — Suspirou. — Ele terminou comigo, mas não
pode me dizer o porquê já que estava chorando muito. Então,
a cada poucos meses, ele aparecia e me pedia para...
— Eles não parecem bons caras — Danny interrompeu. —
Você realmente os amou?
— Pensei que sim. — Ela hesitou. — Eu queria. Mas agora
que sei como é o amor verdadeiro, não, eu não os amei.
— Acho que o amor é superestimado. — Ele colocou o
braço em volta dela e deu-lhe um abraço amigável. Ela não
tinha notado antes como ele cheirava bem, como roti
queimado e picles de manga.
— Você sabe o que precisa para tirar Sam da cabeça?
— Gulab Jamun? Talvez eu precise de doces.
— Uma massagem. — Sua mão desceu por suas costas,
esfregando pequenos círculos em sua coluna. — Assim está
bom?
Tão relaxante. Se seu estômago não estivesse tão inchado
por causa de todo o dal, ela teria pedido a ele para massagear
enquanto ela estava deitada em uma mesa.
— Sim. — Ela suspirou. — É uma sensação boa.
— Eu posso fazê-la se sentir tão bem, você não vai se sentir
mais mal. — A mão dele deslizou para baixo, para a curva de
seu traseiro. As massagens nas costas eram boas. Massagens na
bunda por um filho da puta, não tanto. A menos que ela tivesse
afundado tanto que quisesse ir por esse caminho.
— Não gosto de me sentir mal — disse ela, considerando. —
Isso faz meu estômago doer.
— Você não terá mais que se sentir mal. — Danny a colocou
de pé. — Minha namorada está fora da cidade, então sou todo
sobre o seu prazer, baby. Eu quero ver aquele lindo sorriso.
— Certo. Por que não? — Se essa fosse sua vida de agora em
diante, ela poderia muito bem começar e aprender a desfrutar
de encontros aleatórios com filhos da puta idiotas em
restaurantes fechados e atrás das sebes em casamentos onde ela
sempre seria a dama de honra e nunca a noiva.
— Doçura. — Ele sorriu, mostrando um dente de ouro. —
Por que não vamos para o escritório de trás e eu faço você
esquecer de Chris e Quentin e Adam e Morgan e Jonas e...
— Sam. — Sua voz falhou. — Eu quero esquecer Sam.
Quero esquecer como ele me fez rir e como é bonito e como era
tão protetor cada vez que eu conhecia um novo cara, como ele
é doce com sua irmã e como ele foi irritante no escritório
quando roubou minha mesa e organizou meus lápis, e como eu
nunca pensei que amaria um fã de A's, mas amo. E, no entanto,
ele não é melhor do que qualquer um dos outros caras que
quebrou meu coração.
Danny passou os braços em volta dela e puxou-a contra ele,
sua ereção espessa pressionando contra sua barriga.
— Eu tenho todo o amor que você precisa aqui.
O estômago de Layla protestou contra a pressão com um
gorgolejo alto.
— Ops. Acho que você estava certo sobre o dal.
— Tudo bem, querida. — Ele a apertou com mais força,
seus dedos cavando como pequenas garras em seu traseiro. —
Não vou ouvir nada além de seus gemidos de prazer.
— Talvez não aperte com tanta força. — Ela tentou se
afastar e aliviar a pressão.
— Eu quero que você sinta o que faz comigo, o quanto
quero a sua bunda sexy de ex-presidiária. — Ele a puxou com
mais força, apertando os quadris contra os dela.
A bile subiu em sua garganta. Sua boca começou a salivar, e
não de um jeito bom.
— Na verdade, estou sentindo outra coisa… Talvez você
deva…
Com um enorme empurrão, ela o afastou, pouco antes de
seu estômago despejar o conteúdo de sua noite de
autoindulgência por todo o chão de ladrilhos.
— Oh Deus. — Ela caiu de joelhos e vomitou novamente.
— Cada vez que penso que é o fim, descubro um novo nível de
inferno.
— Não se preocupe — disse ele. — Eu tenho uma escova de
dente extra.
Ela levantou novamente.
— Talvez não. — Ele consultou o relógio. — Olha as horas.
Eu tenho que encontrar alguém… algum lugar. Você está bem
para fechar?
— Certo. — Ela desabou no chão, enojada com o quão
patética havia se tornado. Se até Danny estava fugindo, ela
havia chegado ao fundo do poço. Ela teve que aceitar que estava
tudo acabado – o jogo, o escritório, o negócio e Sam.
• •
— Sinto muito. A GenSys Medical decidiu encerrar seu
contrato de trabalho a partir de hoje.
Sam não conseguiu reunir mais do que um aceno simpático
para o cara do outro lado da mesa. Ele era um bastardo, nem
mesmo seu melhor amigo havia ficado ao seu lado. Podia muito
bem fazer jus à sua reputação.
— Não. — Jordan bateu na mesa com um punho carnudo.
— Deve haver algum engano. Verifique novamente. — Com
1,80 m de altura e pesando pelo menos 127 quilos, Jordan
parecia mais um lutador profissional do que um cientista de
pesquisa genética com dois Ph.Ds que havia passado os últimos
15 anos em um laboratório sem janelas.
Claire Watson, gerente de RH da GenSys, nem mesmo
piscou com sua explosão. Karen era fria e dura, mas Claire
levou isso a um nível totalmente novo. Ela tinha um aplicativo
que permitia rastrear as reações dos funcionários e, até agora,
ganhou dezenove estrelas por provocar lágrimas.
— Mais um pela vitória — ela sussurrou para Sam antes de
dar a Jordan os detalhes de seu pacote de rescisão.
— Você não tem coração, porra. — Jordan seguiu Sam até a
porta onde dois seguranças esperavam para escoltá-lo para fora
do local. Normalmente, Sam odiava rescisões no mesmo dia
por sua brutalidade absoluta, mas hoje, ele não conseguia se
importar.
— Você não tem alma — Jordan continuou. — Como você
pode fazer isso com pessoas boas, honestas e trabalhadoras? O
que eu fiz para você? Isso não está certo.
Sam se encolheu por dentro, ouvindo a voz de Nasir em vez
da de Jordan. O que os Patel já fizeram com ele? Quando ele
parou de sentir simpatia pelas pessoas cujas vidas tinha que
destruir? John estava certo? Ele realmente se tornou o monstro
que estava caçando? Ele não era melhor do que Ranjeet?
— Não é pessoal — disse ele, mais para se convencer do que
o homem perturbado ao lado dele. — Sacrifícios devem ser
feitos para um bem maior. Se não deixássemos algumas pessoas
irem, ninguém teria um emprego.
— Por que eu? — A voz de Jordan falhou. — Nunca tive
uma crítica negativa na minha vida.
Por que Nasir? Por que Layla? Por que eles tiveram que
sofrer para que Nisha fosse vingada? Em seu coração, Sam sabia
que não estava certo. Quando ele perdeu de vista o que era
realmente importante?
— Eu sei que isso tudo é um choque — Sam começou seu
discurso sem o preâmbulo usual. —… mas pode ser a melhor
coisa que já aconteceu com você. Depois de deixar o passado
para trás, o céu é o limite.
— Não me alimente com essa banalidade de BS — Jordan
cuspiu. — Você claramente não acredita. Por que eu deveria?
Será que ele acreditava em seu discurso? A destruição da
vida de alguém foi a melhor coisa que poderia acontecer com
ele ou ela? O acidente de Nisha o havia tirado de seu sonho de
ser médico e o havia colocado em seu caminho atual. Ele não
sentiu alegria em sua parceria com Royce, mas pagou as contas
e o ajudou a desligar suas emoções para que o fardo da culpa
não pesasse tanto em seu coração. Mas ele não tinha deixado o
passado para trás. Ele o viveu todos os dias e isso o arrastou cada
vez mais para uma escuridão que parecia impossível de escapar.
Até que conheceu Layla.
Antes que ele pudesse responder à pergunta de Jordan, os
seguranças chegaram e escoltaram o cientista para longe.
— Que tal jantar na minha casa hoje à noite? — Claire
sugeriu quando ele voltou para a sala de reuniões. — Não sou
muito de cozinhar, mas não estou te convidando para comer.
— Ela lambeu os lábios. — Não comida, pelo menos.
Ele foi salvo de ter que recusar quando o próximo
funcionário bateu na porta. Layla podia não o querer, mas não
havia outra mulher que ele quisesse além dela.
— Shari Patel — Claire sussurrou enquanto entregava a ele
uma cópia do arquivo de Shari. — Ela e Jordan trabalharam
juntos no mesmo laboratório. Se ela chorar, vou ganhar uma
coroa de ouro.
Patel? Um calafrio percorreu seu corpo quando a próxima
funcionária entrou. Ela era mais baixa do que Layla, seu rosto
era mais macio e redondo e seu cabelo escuro caía direto sobre
os ombros. Ele não conseguia ver nenhuma semelhança, mas
precisava ter certeza.
— Você é parente dos Patels que são donos do The Spice
Mill? — ele deixou escapar depois que ela se sentou.
— Diferentes Patels. — Ela deu a ele um sorriso caloroso. —
Embora eu tenha certeza que se rastrear a árvore genealógica,
descobrirá que somos todos parentes de alguma forma. Você
conhece Jana e Nasir?
— Eu conheço Nasir e sua filha, Layla. — O nome dela
ficou preso na garganta dele, e a memória da dor em seu rosto
quando entrou na festa cortou seu coração como uma adaga.
Estava ficando cada vez mais difícil sentir a justa indignação por
sua tentativa de expô-lo que o sustentava desde a festa.
— Ouvi dizer que estão fechando o Spice Mill — disse ela.
— Que vergonha. Lembro de ir ao restaurante deles em
Sunnyvale quando era menina. Eles faziam os melhores dosas
masala…
Sam estremeceu interiormente com o golpe não
intencional. Até as palavras dosa masala o faziam se sentir mal.
— Que tal fazermos aquela viagem pela estrada da memória
outra vez e movermos as coisas adiante — Claire disse
impaciente. — Infelizmente, seu emprego na GenSys foi
encerrado a partir de hoje…
Sam deu a Shari os detalhes: a necessidade de se reestruturar,
pegar um para a equipe, sua escolha de dinheiro agora ou após
consultar um advogado…
Shari assinou o documento e pegou o cheque sem dizer
outra palavra.
— Você tem alguma pergunta? Alguma questão que queira
levantar? — Claire não ganhava nenhum ponto por
funcionários que assinavam silenciosamente e saíam pela porta.
— Não. — Shari se levantou para ir. — Eu sabia que isso ia
acontecer. Divulguei na comunidade que estou procurando
trabalho. Tenho certeza de que algo vai acontecer. — Ela sorriu
para Sam. — Sabe como é.
Sim, ele sabia como era para os Patel. Os laços que os
prendiam eram tão fortes que podiam resistir a qualquer
tempestade. Lobos solitários, no entanto, mancavam
cegamente pelo deserto nevado, famintos e vulneráveis sem sua
matilha.
— Obrigado por seus serviços à empresa — Sam disse,
abalado por sua calma aceitação da situação.
— De nada.
Com um olhar perplexo para Claire, Sam acompanhou
Shari até a porta.
— Eu sei que isso é um choque, mas… — Ele parou, de
repente se sentindo uma fraude. — Fiz um discurso, mas não
me parece certo dar um conselho de que não estou seguindo.
Eu estou apenas… desculpa. Lamento muito que isso tenha
acontecido com você.
— Está bem. — Ela apertou a mão dele. — Eu sei que você
está apenas fazendo seu trabalho. Eu perdoo você.
Eu perdoo você.
Essas três palavras o quebraram, embora ele não soubesse
por quê. Algo dentro dele desmoronou. Ele não havia pedido
perdão, mas agora se perguntava se era isso que ele estava
procurando o tempo todo.

•••

Sam abriu a porta do escritório acima do The Spice Mill e


acendeu a luz, cambaleando na bagunça. Estava claro que
ninguém tinha estado aqui desde a festa. Garrafas e latas
cobriam todas as superfícies. Frutas e canapés apodreciam nas
bandejas. Alguém derramou vinho tinto na espreguiçadeira de
Layla e a mancha preta se espalhou pelo assento.
Ele largou o material de limpeza e usou a vassoura para abrir
caminho da recepção até o escritório, onde a vara de dança
portátil estava jogada no chão junto com o aquário quebrado
de Layla e os dois peixes mortos.
Não tenho mais tanta sorte.
— Então é assim que você destrói totalmente sua vida. —
Nisha se moveu ao longo do caminho que ele acabara de abrir
para ela. Depois de deixar a GenSys, ele dirigiu direto para a casa
de seus pais e contou a ela sobre tudo, desde o contrato da
Alpha Health Care até o jogo que jogou com Layla. Longe de
julgá-lo, ela insistiu em ir ao escritório para ajudar a limpar a
bagunça.
— Não pensei que as coisas pudessem piorar, mas agora
perdi Layla, possivelmente o contrato e tenho quase certeza de
que apenas dei motivos para Nasir rescindir a sublocação,
embora ele não seja meu senhorio por muito tempo. Royce não
respondeu minhas mensagens de texto ou ligações, então posso
até ter que deixar a sociedade e não falei com John desde que
ele me nocauteou na academia.
— E tudo por minha causa.
— Não, por minha causa.
Nisha se inclinou para pegar uma garrafa de champanhe
descartada.
— Não sabia que você se sentia tão culpado ou que faria
todo o possível para levar Ranjeet à justiça. Eu estava tão feliz
por ser livre; não me importei com o que aconteceu com ele.
— Você não quer justiça? — Sam fez a pergunta que deveria
ter feito anos atrás.
— Não com o preço que você teve que pagar. Meu foco está
em reconstruir minha vida. Quero olhar para frente, não para
trás. Eu amo que você tentou consertar tudo, Sam, mas às vezes
tem que deixar as coisas irem.
Sua irmã não era mais pequena. Apesar dos ferimentos, ela
conseguiu superar a raiva e a amargura que estavam impedindo
Sam de abraçar sua vida.
Nisha olhou quando a porta se abriu.
— Quem é aquele?
Sam seguiu seu olhar, seu estômago apertou quando viu
John na porta acenando com a mão na frente do nariz.
— Que cheiro é esse?
— Caviar podre. — A garganta de Sam apertou quando seu
amigo caminhou em direção a eles. — Viemos para limpar. O
que você está fazendo aqui?
— Eu ouvi vozes e esperava que Layla estivesse de volta com
alguns lanches do restaurante, mas é só você. — Seu olhar caiu
sobre Nisha e ele sorriu. — John Lee de Lee, Lee, Lee &
Hershkowitz, ao seu serviço.
Sam fez as apresentações. John continuou olhando para sua
irmã como se nunca tivesse visto uma mulher antes. Ele
gaguejou durante uma conversa sobre o tempo com tal falta de
domínio do idioma que era difícil acreditar que pudesse dizer
seu próprio nome no tribunal.
— Sério, cara. — Sam parou na frente de Nisha,
bloqueando a visão de John. — Ela é minha irmã.
— Sim, ela é. — Nisha rolou ao redor dele. — E sua irmã
está conversando com seu amigo e não quer ser interrompida.
— Ele nos interrompeu — Sam protestou.
Nisha fungou.
— Estávamos conversando sobre como você precisa
permitir que as pessoas lidem com as coisas por conta própria.
Você não estava prestando atenção?
— Se você está preocupado que a cadeira de rodas dela seja
um problema — disse John — vou apenas lembrá-lo de que sua
deficiência de personalidade não nos impediu de ser amigos.
Perplexo, Sam franziu a testa.
— Que deficiência de personalidade?
— Sua incapacidade de ver as coisas que estão diante de
você.
Nisha riu alto e o olhar que ela compartilhou com John
sugeriu um interesse em mais do que apenas uma amizade.
— A única coisa diante de mim agora é essa bagunça — disse
Sam na tentativa de mudar a conversa desconfortável.
— Bem, vamos nos ocupar. — John pegou um saco de lixo.
— Você vai ajudar?
John colocou uma pilha de latas vazias no saco.
— Eu disse o que tinha a dizer na academia e admito que me
senti um pouco mal por te nocautear, embora nunca vou deixar
você viver isso. Mas agora parece que você está começando a
juntar os cacos. É quando mais precisa dos seus amigos.
— É uma bagunça e tanto.
— Então, vamos lidar com uma peça de cada vez. — John
ergueu um fio dental rosa cintilante. — Vamos começar a festa
da limpeza.

•••

— O que você tem feito desde que deixou Glenlyon Morrell


em Nova York? — Miles Fanshaw, diretor executivo da City
Staffing Solutions, recostou-se na poltrona de couro macio
enquanto tomava seu café da manhã.
Layla sempre imaginou ter um escritório como este. Janelas
enormes. Vista incrível. Mesa gigante. Tapete grosso. Obras de
arte emolduradas na parede… Que foto era essa, afinal? Não era
nada, realmente. Apenas um rabisco de cores aleatórias.
Bagunçado. Sem significado. Caótico. Sam teria odiado.
— Pensei em abrir minha própria agência de recrutamento,
mas não deu certo — disse ela com sinceridade. — Meus pais
têm seus próprios negócios e fazem com que pareça fácil, mas
não fui feita para seguir sozinha. Prefiro a estabilidade e a
segurança de trabalhar em uma empresa estabelecida, onde
posso aprender com pessoas como você, que estão no topo de
seu jogo.
Não só isso, ela precisava de dinheiro para ajudar seus pais,
ambos precisavam de uma mudança. Ela havia chegado ao
fundo do poço outra noite no restaurante com Danny. Depois
de acordar no chão de ladrilhos frio ao lado de uma poça de seu
próprio vômito, decidiu que era o suficiente. Ela já havia saído
do fundo antes e poderia fazer isso de novo. Ela era uma Patel e
os Patels não desistiam.
Miles sorriu.
— A estabilidade é definitivamente uma fraqueza para você.
Ou você só tem dificuldade em controlar suas emoções? Eu sei
que muitas mulheres têm.
Bastardo misógino.
— Muitos homens também — ela disse firmemente. — No
entanto, posso garantir-lhe que sou uma profissional e ajo
assim sempre.
— Talvez nem sempre. — Ele entregou a ela seu tablet com
o vídeo “Fúria Azul” passando na tela. — Conversei com sua
empregadora anterior antes de nossa entrevista. Ela me contou
por que deixou você ir.
O estômago de Layla afundou. Ela nunca seria capaz de
deixar seu passado para trás?
— Eu não sou mais aquela mulher.
Miles riu.
— As pessoas não mudam. Começar um negócio em um
campo altamente competitivo com o mínimo de experiência
não é algo que uma pessoa conservadora faria. — Ele a estudou
atentamente. — Precisamos de mulheres como você, Layla.
Sexy, bonita, apaixonada e disposta a pensar fora da caixa… —
Ele sorriu. — Só precisamos mantê-la longe da varanda.
— Eu não acho que minha aparência é…
— Você poderia ter um futuro muito brilhante aqui — ele
disse, interrompendo. — Claro, você terá que começar de baixo
e nos mostrar que pode manter essas emoções sob controle, mas
em alguns anos você poderá ser minha assistente…
Layla o ignorou enquanto ele explicava o longo caminho de
carreira para a parceria e o que ela precisaria fazer para subir na
escada corporativa. É isso que realmente queria? Começar de
baixo novamente? Sacrificando o respeito próprio pelo
sucesso? Talvez seu negócio não tenha começado forte, mas era
seu negócio. Correu do jeito que ela queria. Ela não respondia
a ninguém. Até Sam, que tinha muito mais experiência em
administrar sua própria empresa, nunca a tratou como algo
menos do que igual.
E Miles estava errado. Ela havia mudado. Sam a machucou
profundamente, mas ela não jogou seus dosas nele. Ela manteve
a cabeça erguida e foi embora, mesmo que seu coração tivesse
partido em dois.
Foi seu coração que a fez diferente. Ela se preocupava com
os funcionários que empregava. Todo mundo a disse para se
concentrar nos clientes corporativos, mas se ela construísse
uma reputação de sólidas colocações de longo prazo com uma
equipe de qualidade, eles procurariam Layla Patel para cuidar
de seu pessoal.
Patel Personnel. O nome a atingiu como um raio. Perfeito
demais. Muito tarde.
Ou era?
— Obrigada pelo seu tempo. Não acho que seja o ajuste
certo para mim. — Layla empurrou rapidamente para se
levantar. Se ela queria voltar a ter um emprego normal, pelo
menos deveria trabalhar para alguém que respeitasse. E se ela
decidisse ser sua própria chefe, precisava seguir em frente,
deixar o passado para trás e descobrir exatamente quem era e
que tipo de negócio queria dirigir.
— Você está cometendo um erro — disse Miles. — Um
grande. Ninguém mais vai contratar você.
Layla sorriu ao sair pela porta.
— Talvez seja exatamente disso que eu preciso.
• •
Suor escorria pela nuca de Sam enquanto ele hesitava na porta
do The Space Mill. Ele vinha evitando essa conversa com Nasir
desde a festa, mas já devia.
— Eu sinto muito. Estamos fechados até às cinco. — Uma
mulher de meia-idade com cabelo curto olhou para cima, seu
sorriso desaparecendo ao vê-lo. — Oh. É você lá de cima. Saia
ou eu atiro meu sapato.
Sam tinha uma vaga memória de vê-la entrando e saindo do
restaurante, mas nunca teve tempo de perguntar seu nome.
— Não estou aqui para causar problemas, Tia-ji. Vim ver o
Sr. Patel.
— Você não acha que já causou danos suficientes? — Seus
olhos se estreitaram. — Você conhece a dor e o sofrimento que
causou? Tudo isso. Todo o trabalho duro. Tudo o que eles
fizeram e você simplesmente os joga na rua.
— Deixe o garoto passar, Pari — Nasir gritou da porta da
cozinha. — Quero ouvir o que ele tem a dizer.
Sam fez o seu caminho através do restaurante vazio. Eles
ainda não tinham aberto para a noite e um homem idoso estava
alisando toalhas de mesa douradas sobre as mesas de madeira
resistentes. A decoração era uma fusão de indiano e moderno,
rica em cores e exibições exageradas.
Nasir acenou para que ele entrasse na cozinha, onde um
jovem chef olhou para ele enquanto mexia uma panela gigante
de rogan josh54. O cheiro delicioso fez Sam ficar com água na
boca.
— Eu não tinha certeza de que você me receberia.
— Somos ambos homens de negócios — disse Nasir. — É
assim que os negócios funcionam. Ficamos muitos meses sem
pagar o aluguel. Eu sabia que estávamos vivendo um tempo
emprestado. Os amigos do meu filho não tiveram coragem de
nos expulsar, mas eles estavam lutando para nos carregar por
muito tempo.
— Ainda quero me desculpar pelo que aconteceu. — As
palavras saíram antes que ele pudesse detê-las. — Meu parceiro
e eu estávamos tentando fechar um contrato e o local era
importante para nossos clientes. Eu disse a ele para fazer o que
fosse necessário para conseguirr um acordo. Não o estou
culpando. A culpa é inteiramente minha. Eu deveria ter
antecipado o resultado.
— Você já desossou um peixe?
Sam quase ficou boquiaberto com a mudança repentina da
conversa.
— Não. Minha mãe não me deixava fazer nada na cozinha.

54
Rogan Josh: é um prato de carne aromática ao curry de origem da Caxemira. É feito com
carne vermelha - tradicionalmente de cordeiro, carneiro ou cabra - e colorido e aromatizado
principalmente por flor alcaneta e pimenta da Caxemira
— Lave as mãos. Pegue um avental. Nunca é tarde para
aprender.
Sam não estava disposto a dizer não a Nasir, especialmente
quando o chef estava segurando uma faca. Ele se lavou e se
juntou a Nasir no balcão de aço inoxidável.
— Faça o que eu faço. — Nasir cortou a barriga do peixe à
sua frente com um movimento do pulso.
Sam copiou seus movimentos constantes e trabalharam
juntos em silêncio até que os dois peixes estivessem desossados
e cortados com cuidado.
— Você é bom com uma faca — disse Nasir.
— Eu era cirurgião. Não deu certo. — Sam pegou outro
peixe e cortou a barriga.
— Você falhou?
— Não. Eu desisti.
— Desistir é pior do que falhar. — As mãos de Nasir
voaram, desossando outro peixe na metade do tempo. Ele
estava se segurando, Sam percebeu, testando-o. Mas agora a
verdadeira competição começou.
— Falhar significa que você tentou e não conseguiu —
continuou Nasir. — Desistir significa que você nem tentou.
— Um cirurgião do hospital onde trabalhei, meu mentor,
machucou minha irmã — disse Sam. — Ele nunca foi punido.
Eu não poderia mais trabalhar lá. Não poderia ser um curador
quando deveria ter reconhecido o tipo de homem que ele era e
quando sua liberdade continua zombando do juramento que
juramos cumprir.
— Egoísta — murmurou Nasir, meio para si mesmo. —
Talvez eu estivesse errado sobre você quando nos
conhecemos…
— Egoísta? — A voz de Sam aumentou de tom e ele lançou
um olhar de desculpas para o chef zangado e os outros dois
cozinheiros que estavam de olho neles enquanto trabalhavam.
— Passei os últimos quatro anos tentando levá-lo à justiça.
Sacrifiquei tudo para me colocar em uma posição onde pudesse
fazer acontecer.
— Você privou o mundo de um cirurgião habilidoso. —
Nasir parou, apoiando-se no banco enquanto respirava fundo.
— Pense em quantas vidas poderia ter salvado. Em vez disso,
você se preocupou apenas com um…
— Minha irmã significa tudo para mim. Ele destruiu a vida
dela. O mínimo que posso fazer é dar-lhe justiça.
— Ela pediu para ser vingada?
John tinha feito a ele a mesma pergunta. Nisha nunca pediu
vingança. Ela só queria terminar com Ranjeet e seguir em frente
com sua vida.
Nasir estendeu a mão às cegas para o banquinho atrás dele.
Alarmado, Sam o ajudou a se sentar. Sem pensar, ele colocou os
dedos no pulso de Nasir e tomou um pulso rápido.
— Estou bem. — Nasir acenou para ele se afastar. — Estou
apenas me acostumando com o novo marca-passo.
— Sua frequência cardíaca está um pouco alta. Precisa
descansar. Vou terminar enquanto conversamos. — Ele lavou
as mãos novamente e pegou a faca de corte, tentando se lembrar
das complicações dos implantes de marcapasso. Nasir tinha se
esforçado demais? Infecção na incisão? Nasir não parecia estar
febril. Sem pele pegajosa. Seus olhos não estavam dilatados. As
mãos não tremiam.
— Então fez isso por você — disse Nasir. — Para fazer a
culpa ir embora. Para se sentir como um homem de novo, para
se sentir digno.
E aí estava em poucas palavras. Sim, a culpa o estava
esmagando. Ele queria voltar no tempo e ser o garoto que havia
espancado uma gangue de valentões por jogar uma pedra em
Nisha no parquinho, o adolescente que a havia buscado nas
festas, o irmão com quem ela podia contar. Não o residente
ambicioso de mente estreita que não conseguia reconhecer um
monstro quando via um todos os dias.
Nasir se moveu para ficar de pé e Sam balançou a cabeça.
— Você deve sentar-se por pelo menos dez minutos. Baixe a
frequência cardíaca. Relaxe.
— Eu já tirei uma carga — resmungou Nasir. — Dezoito
quilos. Se foi. As pessoas vão pensar que meu cozimento não é
bom. Olhe, elas dirão. Nasir está tão magro. Ele não come sua
própria comida. Por que devemos ir ao restaurante dele quando
Manoj Gawli do restaurante Tamarind no final da rua é
saudável e redondo?
Sam deu uma risadinha.
— Não conheço ninguém que meça o sucesso de um
restaurante pelo diâmetro da barriga do dono.
— Você não está no ramo da comida. — Nasir se acomodou
em seu banquinho. — Você está no negócio de demissões.
Como você saberia medir o sucesso?
— Vim ver se poderíamos mantê-lo no negócio de
alimentos. — Sam deslizou sua faca pelo peixe, suas mãos se
lembrando de como cortar e fatiar suavemente a carne. —
Encontrei um espaço de escritório a apenas alguns quarteirões
de distância que atenderia aos requisitos do nosso cliente e
retirei o processo de despejo. Se você estiver disposto a
permanecer conosco como senhorio, tenho certeza de que
posso convencer meu parceiro a se mudar para o novo local.
— Fique com o prédio. — Nasir sacudiu violentamente a
cabeça. — Eu não quero.
Sam não conseguia acreditar no que estava ouvindo.
— Você vai sair?
— É hora de seguirmos em frente — disse Nasir. — Viver
nossa própria vida, nossos próprios sonhos.
— Este não era o seu sonho?
— Este era o sonho do meu filho. — Nasir suspirou. —
Tudo maior. Tudo mais sofisticado. Ele queria mais do que
apenas um restaurante. Queria uma empresa da família Patel:
refeições em pacote nas mercearias, produtos e temperos da
marca Patel, livros de receitas, programas de televisão... — Ele
deu um suspiro cansado. — Tudo ia ser executado do escritório
lá em cima. Ele decorou aquele espaço. Brilhante e moderno,
disse ele. Deixe os canos e as vigas expostas, não cubra o tijolo… —
Nasir jogou a mão no ar. — A única coisa que era minha era a
mesa. Jacarandá legal. Sólida e robusta. Uma mesa assim durará
para sempre.
— É uma ótima mesa.
— Eu trouxe do antigo restaurante. — Nasir deu-lhe um
sorriso melancólico. — Estivemos vinte anos lá. Pequeno, mas
aconchegante. Todas as noites estava cheio. As pessoas faziam
fila do lado de fora da porta, conversando e rindo. Jana
distribuiu jalebis para as crianças. E era perto de casa. Sem
longas viagens todos os dias. Mas para Dev, não foi o suficiente.
Ele queria mais clientes. Um grande nome. Ele comprou este
prédio com seus amigos para que pudéssemos ter este espaço.
Como eu poderia dizer não? Ele era meu filho.
— Ele queria o melhor para você.
— Ele queria isso para ele. Ele simplesmente não se conhecia
bem o suficiente para perceber isso. — Nasir apontou para a
pilha de peixes que Sam acabara de cortar. — Olhe para isso. Eu
não poderia ter feito melhor e estou uma vida inteira no
negócio. Isso é o que suas mãos queriam fazer. Eu me senti mal
e você estava medindo meu pulso. Você é um curandeiro e está
jogando seu dom fora.
— Não sou digno desse presente. — Sam baixou a faca. —
Eu falhei com todos com quem me importava.
— Você falhou ao se afundar em sua culpa — disse Nasir.
— Você não pode estar na cabeça de todos, adivinhando o que
vão fazer. A verdadeira medida de um homem não vem quando
as coisas vão bem, mas o que faz quando as coisas vão mal.
— Estou tentando consertar tudo.
— Você não pode consertar nada até que conserte a si
mesmo.
— E você? — Sam perguntou, tentando desviar a conversa
de suas falhas. — Se você sair deste lugar, o que fará?
— Vamos voltar para a nossa antiga localização. — Nasir
sorriu. — Ainda somos donos do prédio. Já avisei o inquilino.
Vamos atualizá-lá, levar alguns desses novos equipamentos, e
posso voltar a ser um chef e não uma celebridade. Meu médico
acha que isso é uma boa ideia. Menos estresse. Menos trabalho.
E menos deslocamento.
O estômago de Sam apertou em um nó. Ele tinha imaginado
tudo ficando do jeito que estava. Layla ficaria no escritório. Ele
e Royce iriam descer o quarteirão. Nasir estaria lá embaixo. Ele
não podia estar com Layla, mas não conseguia imaginá-la em
nenhum outro lugar.
— Eu fiz um contrato para Layla. — Sam puxou o
documento. — Acha que ela vai voltar para cá?
— Isso não depende de mim. Isso é com você.

•••

Layla fez uma verificação do perímetro do escritório, tendo o


cuidado de inspecionar cada canto e recanto em busca de
qualquer evidência da festa maluca de Royce. Quem quer que
tenha feito a limpeza fez um bom trabalho. Nenhum vestígio
permaneceu. Sua escrivaninha tinha sido arrumada, as fotos em
seus porta-retratos, enfeites no canto, e havia apenas um círculo
fraco onde antes estava o aquário.
Só que a mesa de Sam não era a mesma. Limpo e vazio, sem
os papéis empilhados ordenadamente ou as fileiras de lápis
apontados, estava tão vazio quanto o buraco em seu peito.
Ela e Daisy haviam voltado ao escritório para empacotar
suas coisas, mas agora que ela estava de volta, era difícil sair.
Não apenas por causa das memórias agridoces, mas também
porque ela finalmente havia encontrado seu nome.
Patel Personnel.
Tinha tudo o que Royce e Evan sugeriram: um toque
cativante, aliteração e significado. Mas mais do que isso, era ela.
Ela poderia ter feito o negócio funcionar se tivesse pensado no
nome antes? Ou havia outro segredo para o sucesso?
— Havia vinte e sete mensagens no telefone — Daisy gritou.
— E não são apenas de pessoas à procura de emprego.
Empregadores. Muitos deles. O que você quer que eu faça?
O estômago de Layla deu um nó.
— Eu não sei. Tenho feito entrevistas para empregos, mas…
— Você é louca? — Daisy a interrompeu com um suspiro
exasperado. — Você não tem tempo para um trabalho. Todas
essas pessoas querem você, não uma agência de renome que não
dá a mínima para quem eles são. O que aconteceu com todas as
palavras do seu pai? “Os Patels gostam de serem seus próprios
patrões”, “Os Patels perseveram”, “Os Patels e pakoras são
feitos para ficarem juntos, especialmente na hora do almoço
quando Daisy está com fome”.
— Os Patels também são realistas. Eu tentei e não deu certo.
Pensei que poderia amar alguém novamente, e me magoei.
Pensei que poderia começar de novo e voltei ao ponto em que
estava antes.
— Você está brincando comigo? — A voz de Daisy
aumentou de tom. — Você não é nada como a mulher que
fugiu para Nova York. Essa mulher tinha medo de viver. Ela
namorou caras que sabia que não podia amar e pegou um
emprego que sabia que não gostaria, então não havia chance de
se machucar novamente. Mas olhe para você agora. Não
gostava de como a maioria das agências era administrada, então
começou seu próprio negócio. Queria um relacionamento
sério e estável, então teve encontros às cegas com estranhos e se
apaixonou pelo homem mais estranho de todos.
A risada borbulhou no peito de Layla.
— Sam não é estranho.
— Sim. Ele é estranho. Confie em mim. A coisa toda do
lápis… e as pilhas de papel organizadas… e não me fale do chai.
— Ela suspirou. — E então havia toda a coisa de vingar sua
irmã. Quem faz isso?
— Quase todo mundo em todos os filmes de vingança já
feitos. — Layla os assinalou nos dedos. — Kill Bill, O Corvo,
Busca Implacável, V de Vingança, O Troco, O Justiceiro,
Bravura Indômita, Coração Valente, John Wick, Os
Imperdoáveis…
— Agora você está apenas se exibindo.
— Não importa agora — disse Layla. — Não posso amar
alguém que está destruindo o negócio dos meus pais tão bem
quanto os meus. Eu nunca deveria ter jogado aquele jogo
estúpido com ele. Se eu o tivesse expulsado no dia em que nos
conhecemos, nada disso teria acontecido.
Daisy girou em sua cadeira.
— Aquele jogo nunca foi sobre o escritório. Era sobre ele.
Se realmente o quisesse fora daqui, você o teria mandado
embora.
— Isso não faz sentido. Se eu estivesse interessada nele, por
que entrevistaria os homens da lista do meu pai?
— Por causa de Jonas e de todos os homens antes dele —
disse Daisy. — E por causa de Dev. Porque sabia que podia
levar Sam a sério e isso te assustava. Ir aos encontros às cegas do
seu pai era uma opção segura e o jogo significava que você
poderia manter Sam por perto.
O coração de Layla apertou em seu peito.
— Bem, ele não está por perto agora, e, mesmo se eu pudesse
ficar aqui, não quero.
— E daí? Você não precisa deste escritório para ter sucesso.
— Em um círculo apertado, Daisy ficou de pé e gesticulava
loucamente. — Você pode administrar seu negócio de
qualquer lugar: uma cafeteria, um escritório compartilhado ou
até mesmo a garagem dos meus pais, se não se importar em
dividir com Max.
Max latiu ao som de seu nome. Quem quer que tenha
limpado o escritório também consertou sua cesta e pegou seus
brinquedos, mas Max se recusou a chegar perto dela desde que
entraram.
— Mas isso não vai acontecer se você desistir — continuou
Daisy. — Então você ficou com um cara de quem gostava e o
perdeu. Então tem que ir para outro local. Quando você estava
em Nova York, nunca teria se arriscado. Estava com muito
medo de se machucar. Mas você está mais forte agora. Seus
maiores medos se tornaram realidade e você ainda está de pé.
Um sorriso curvou os lábios de Layla.
— Onde você estava com o discurso motivacional quando
fugi para Nova York?
— Bem aqui, esperando você recuperar o juízo e voltar para
casa.
Layla encostou-se à mesa, brincando com o copo de lápis.
— Já estive em três entrevistas esta semana com agências de
recrutamento e não consegui me ver em nenhuma delas. A ideia
de começar do zero de novo, ter que responder a alguém,
agradar clientes corporativos e jogar a política do escritório
simplesmente não me atrai depois de administrar as coisas
sozinha. Este negócio foi um sonho que nunca pensei que se
tornaria realidade e então aconteceu. — Ela puxou o pedaço de
papel em que havia escrito depois da entrevista e o entregou a
Daisy. — E agora, eu inventei um nome… Patel Personnel.
Acho que a Tia Lakshmi chamaria isso de um sinal.
— É fantástico. Eu amo isso!
A porta se abriu e o pai de Layla entrou no escritório. Ela se
moveu para ajudá-lo e ele a dispensou.
— Estou bem, beta. Peguei o elevador dessa vez. Nunca tive
a chance de ver seu novo escritório, então vim fazer uma visita
enquanto você está aqui. — Seu olhar caiu sobre a
espreguiçadeira roxa. — Tia Deepa deu isso a você?
— Sim. E a mesa do elefante e a lâmpada de contas.
— Ela nunca teve bom gosto.
— Há pakoras frescas na cozinha, tio Nasir? — Daisy já
estava com a bolsa na mão.
— Separei um prato para você e há um presente especial
para Max. É melhor você se apressar antes que desapareçam.
Max abanou o rabinho e seguiu Daisy para fora da porta.
Layla se sentou ao lado de seu pai na espreguiçadeira enquanto
ele olhava ao redor.
— Não fizemos muito com isso — disse Layla. — Achamos
que um de nós iria embora.
— Dev decorou este escritório. — Seu pai deu um tapinha
em seu joelho. — Era para ser o coração da empresa da família
Patel.
— Eu me lembro — ela disse suavemente. — Ele tinha
grandes sonhos e poderíamos tê-los realizado se não fosse pelo
que Sam e seu parceiro fizeram.
Seu pai se recostou, esticando as pernas sob a mesa dos
elefantes.
— Sam retirou o processo de despejo e nos ofereceu um
novo contrato com melhores condições.
— Isso é ótimo, pai. — Uma onda de alívio a invadiu. —
Você não tem que sair.
— Eu disse não a ele — disse o pai. — O grande restaurante,
a empresa Patel… esse nunca foi nosso sonho.
— Mas o que você vai fazer? — Seus pais administravam o
restaurante desde antes de Dev nascer. Ela não conseguia
imaginá-los fazendo outra coisa.
— Vamos mudar o restaurante de volta para Sunnyvale. É
onde pertencemos. Viemos aqui por Dev e ficamos por sua
memória. Mas agora é hora de irmos. Essa doença me fez
perceber que, no pouco tempo que temos aqui, não podemos
nos apegar ao passado. Esta localização não é boa para um
restaurante familiar e não preciso de uma grande empresa Patel
para ser feliz. Preciso da minha filha e da minha esposa, da
minha família e dos meus amigos, e de um pequeno restaurante
no coração da nossa comunidade, onde as mesas estão sempre
cheias e as pessoas aparecem para tomar uma xícara de chai e
compartilhar o dia conosco. O despejo foi o empurrão que
precisávamos para recomeçar. Eu disse isso a Sam para que ele
não se sentisse tão mal.
— Não acredito que você conseguiu falar com ele depois do
que ele fez.
Seu pai sorriu.
— Quando você chega à minha idade, é mais fácil perdoar.
Seus motivos eram bons. Seus métodos nem tanto.
— Ele mentiu para mim, pai. — Suas mãos se torceram no
colo. — Ele me traiu. Destruiu o escritório. Machucou você e
me machucou. Ele tinha uma escolha e fez a errada. — Seu
sangue correu quente e furioso por suas veias. — Ele não é
melhor do que Jonas.
— Ele me pediu para lhe dar isso. — Ele estendeu o envelope
que segurava desde que chegou. — Sam se ofereceu para alugar
o escritório para você nas mesmas condições que ele me
ofereceu.
Layla folheou o documento.
— Eu não quero isso. Ele está tentando me subornar, assim
como tentou subornar seus clientes com uma grande festa. Não
estou interessada em tê-lo como proprietário. Ele é arrogante e
teimoso e um maníaco por controle. Ele não podia começar a
trabalhar até que seus lápis estivessem alinhados em uma linha
organizada e nunca saía do trabalho sem limpar sua mesa. A
única vez que o vi com o cabelo fora do lugar foi na noite da
festa. Não concordamos em nada. E ele é torcedor dos A's. Isso
diz tudo.
— Você é orgulhosa, como sua mãe. Certa vez, ela se
recusou a permitir que um crítico famoso entrasse no
restaurante porque ele havia escrito que faltava sofisticação em
seu dal.
Layla riu.
— Parece a mamãe.
Seu pai se levantou.
— Você sabe por que sua mãe e eu ficamos juntos por tanto
tempo?
— Vocês se tornaram amigos primeiro?
— Não — ele disse. — Porque nós discordamos muito
frequentemente. Ela gostava de seu dal como uma sopa e eu
gosto dele espesso. Ela queria adicionar cúrcuma a um
ensopado e eu queria adicionar cominho. Ela queria embalar
samosas no seu almoço e eu queria que você tivesse comida
americana. Nunca sei o que o dia vai trazer. Entrar na cozinha
todas as manhãs é como entrar em um campo de batalha. Ela
me desafia. Ela me torna uma pessoa melhor. Sou um homem
apaixonado e sua mãe faz meu coração disparar. Talvez seja por
isso que eu precisava de um novo. Para que pudesse continuar
discutindo com ela pelos próximos vinte anos.
Layla engoliu o nó em sua garganta.
— Eu esperava que houvesse alguém assim para mim na sua
lista. Mas não conheci ninguém com quem pudesse me ver tão
feliz quanto você é com a mamãe.
— Talvez porque você se viu feliz com outra pessoa — ele
sugeriu.
— Mesmo se eu fizesse, acabou agora.
— Então por que você não conhece o resto dos homens que
escolhi para você? — ele sugeriu. — Termine o que você
começou. Quando voltou de Nova York, você me disse que
queria reconstruir sua vida com uma carreira gratificante e um
relacionamento estável. Você tem o seu negócio. Talvez o
homem que você está procurando ainda esteja por aí também.
O que tem a perder?
• •
Sam sentou-se ao lado de Royce na sala de reuniões da sede da
Alpha Health Care. Não admira que Royce tenha puxado
todas as paradas na festa. Tudo foi projetado para impressionar,
desde os móveis de couro macio até as caras obras de arte, e
desde a espetacular mesa da diretoria em cerejeira com detalhes
em latão até as esculturas de vidro Chihuly nas prateleiras ao
longo da parede.
— Gostaria de uma bebida? — A anfitriã entregou-lhe um
cardápio com capa de couro que listava trinta sabores de chá e
uma ampla seleção de café e outras bebidas. — O especial de
hoje é chai.
— Nada pra mim. — Ele era tão indigno de sua comida
tradicional quanto do relacionamento que havia destruído
totalmente.
— Espresso duplo e um brioche — disse Royce. — Leve na
manteiga. — Ele se recostou na cadeira de couro Eames e sorriu.
— Eu poderia me acostumar com isso, então não estrague tudo.
Se eu não tivesse convencido Peter de que sua namorada era
louca, teríamos perdido o contrato depois do que aconteceu na
festa.
— Acho que o fato de termos conseguido teve menos a ver
com suas habilidades de persuasão e mais a ver com o fato de
que ele já estava drogado com pó de anjo e champanhe e nem
conseguia se lembrar do próprio nome.
Peter Richards juntou-se a eles alguns momentos depois
com os gerentes de RH dos cinco hospitais que estavam prestes
a ser reduzidos. Royce e Sam se levantaram para cumprimentá-
los.
— Claire, Julie, Paul, Andrew e…
— Karen. — Sam apertou a mão de Karen. Claro que ela
tinha pousado em seus pés. As Karens sempre o faziam. — Nós
nos conhecemos.
— Sam. — Um sorriso se espalhou por seu rosto. — Eu não
sabia que você tinha o contrato AH! Parabéns. Estou tão feliz
por ter topado com você na fonte na outra noite. Quando
mencionou que AH pode estar procurando pessoal extra de
RH, enviei meu currículo e aqui estou! Eu devo muito a você.
— Ela apertou a mão dele. Forte. Deixando-o saber exatamente
como ela queria pagar sua dívida.
Enquanto os lanches eram servidos, Sam distribuiu a
papelada que havia preparado. Depois que Nasir ligou para
avisar a Sam que Layla havia recusado sua oferta, Sam voltou
para o escritório, mas não era o mesmo. Ele sentia falta de suas
brincadeiras sarcásticas e seu sorriso provocador. Sentia falta do
cheiro do chai que Layla preparava todas as manhãs, das caixas
de donuts que ele comia apenas quando ela não estava olhando
e dos encontros às cegas que o ensinaram mais sobre ela do que
os homens que conheceram. Ele até sentia falta da
espreguiçadeira roxa.
— Já analisamos todas as finanças — disse Sam. —
Recomendamos o corte de aproximadamente seiscentos
empregos como parte da reorganização. Isso representa cerca de
cinco por cento dos treze mil e quinhentos funcionários da Bay
Area, espalhados por cinco hospitais e cento e oitenta clínicas.
Cada hospital será responsável por identificar funcionários
individuais para a dispensa. Trabalharemos com o gerente de
RH de cada hospital para garantir que não haja problemas
jurídicos ou de relações públicas com relação ao desligamento
de funcionários individuais, além de auxiliar nas reuniões.
Mais de cem desses empregos seriam cortados de St.
Vincent's, muitos deles de provavelmente pessoas que
apoiaram a carreira de Sam e o ajudaram durante sua residência.
Mas a Alpha Health Care estava perdendo um bilhão de dólares
e, se eles não se reestruturassem, todos os seus hospitais e
clínicas teriam que fechar, e não apenas a equipe, mas também
os pacientes sofreriam.
— O conselho de administração decidiu que as dispensas
não afetarão nenhum profissional médico — disse Peter. —
Cirurgiões, médicos, enfermeiras e profissionais de
enfermagem estarão todos isentos, então não os inclua em suas
avaliações. Não queremos perder nosso melhor talento.
Uma frieza repentina atingiu o centro de Sam. Seu principal
objetivo ao garantir o contrato era acessar o arquivo de
emprego de Ranjeet. Ele sacrificou outras oportunidades por
esta chance. Ele havia perdido Layla. E agora ele não seria capaz
de dar a Nisha a justiça que merecia? A vida poderia ser tão
cruel?
— Eu não recomendaria nenhuma isenção — disse Royce
rapidamente. — Esta é uma oportunidade perfeita para
desenterrar esqueletos, identificar pessoas com baixo
desempenho ou funcionários com problemas disciplinares,
bem como aqueles que podem representar um risco de
responsabilidade.
Sam lançou-lhe um olhar agradecido. Royce não o julgou
quando eles finalmente conversaram depois da festa, embora
não entendesse a necessidade de justiça de Sam. A vida era
simples para Royce. Era tudo uma questão de dinheiro. E como
não havia vantagem financeira em buscar a verdade, ele pensou
que era uma perda de tempo.
— Se você tiver essa convicção, posso levar de volta ao
conselho. Terei uma resposta para você em alguns dias.
— Faça isso — disse Royce. — Temos mais alguns contratos
de reestruturação para terminar, então o tempo funciona para
nós. E diga a sua equipe do receptivo que experimente o
brioche do Chez Michel. Este está extremamente seco.

•••

— Você tem certeza que este é o lugar?


Layla estudou a placa do FLAMING TANDOOR acima
da porta do prédio decadente na Geary Street enquanto Daisy
digitava em seu computador do outro lado do telefone.
— Sim, é esse — disse Daisy. — Não sei por que você
concordou em encontrá-lo em Tenderloin.
— Às vezes, a melhor comida pode ser encontrada nos
bairros mais violentos. — Ela respirou fundo. Esta foi sua
primeira entrevista sem Sam, mas se ela pretendia ter seu
próprio negócio e seguir em frente com sua vida, precisava
saber que poderia lidar com qualquer coisa sozinha, incluindo
terminar a lista de seu pai, apenas para se assegurar de que sua
alma gêmea ainda não estava lá fora.
— Tudo bem. — Daisy suspirou. — O Solteirão número 7
é Salman Khan. Idade: trinta e três. Ele é dono do restaurante
Flaming Tandoor. Possui quatro resenhas. Tudo ruim. Os
comentários incluem: “É possível dar estrelas negativas?”,
“Querida polícia: adivinha onde a gangue de rua All India Boys
está se escondendo?”, “Cinco dias. Ambos os finais. Quebrou
o banheiro.” e “Vadia. Eu vou te encontrar.”
— Isso não parece muito bom.
— Não. — Daisy estalou os lábios. — Vou me arriscar aqui
e dizer que não acho que este seja o seu Westley.
— Bem, ele me viu pela janela, então não posso voltar atrás
agora. — Ela acenou para o homem que se aproximava da
porta. — Rápido. O que mais eu preciso saber sobre ele?
— hmmm. Graduado em Química pela USC. Se isso não
soar o alarme…
— Eu vi Breaking Bad.
— Pais falecidos. Três irmãos. Um morando em San Rafael,
um em Folsom e um em Crescent City. — Ela respirou fundo.
— Você percebe que algumas das piores prisões do estado estão
coincidentemente localizadas nessas três cidades?
— Ele está quase na porta.
— Ele gosta de beisebol, filmes de Bollywood, shows da
Broadway, carros velozes e passar bons momentos com os
amigos. Faz tai chi em seu tempo livre e tem aulas de cerâmica.
Diga a ele que preciso de uma nova caneca de café. Alguém
quebrou a minha.
Layla estendeu a mão para a porta.
— Vou entrar. Se eu não mandar mensagem em meia hora,
mande a polícia.
— Bem-vinda. Bem-vinda. Você deve ser Layla. Sou Salman
Khan. Não o ator. — Salman apertou a mão de Layla e deu-lhe
um largo sorriso, deslumbrando-a com dois incisivos de ouro
brilhantes.
— Esse não é o ator com quem eu teria confundido você. —
Layla o seguiu pelo minúsculo restaurante até uma velha mesa
de madeira perto da cozinha. Os posters desbotados de
Bollywood, o carpete puído e o cheiro forte de especiarias
velhas davam ao restaurante uma sensação de cansaço.
— Com quem acha que sou parecido? — Ele gesticulou
para que ela se sentasse.
— Shoaib Khan em Era uma vez em Mumbai. — Ela
sacudiu a cabeça na direção dos três homens em ternos escuros
sentados em uma mesa próxima. — Você tem até guarda-
costas.
Salman riu.
— Não ligue para eles. Eles são como irmãos para mim.
Exceto que esses não estão presos. Ela quase podia ouvir Sam
resmungando ao lado dela e se sentiu curiosamente confortada
por sua presença imaginária.
Ela estudou o homem do outro lado da mesa enquanto
servia dois copos de água. Ele era quase tão alto quanto Sam,
com um rosto quadrado, olhos próximos e cabelo preto liso.
Seu bigode bem penteado se estendia até a parte inferior de seus
lábios grossos e uma pequena porção de barba preenchia a
depressão em seu queixo. Por baixo de um paletó preto, sua
camisa branca estava aberta no colarinho para revelar uma
grossa corrente de ouro.
— A comida não será tão boa quanto você está acostumada
— disse Salman com um sorriso de desculpas. — Temos um
restaurante simples aqui. Apenas o básico.
— Tenho certeza de que será adorável.
Cinco dias. Ambos os finais. Quebrou o banheiro, sussurrou
Sam Imaginário.
— Freida! — Salman gritou por cima do ombro. — Traga a
comida. Certifique-se de que os roti estão quentes.
Layla se assustou.
— Ela está com problemas de audição?
— De modo nenhum.
— Essas são tatuagens interessantes. — Ela apontou para os
dedos de Salman, cada um dos quais trazendo uma letra preta
em uma caligrafia intrincada que dizia ALL INDIA BZ
quando ele juntou as mãos. — Você estava em uma… gangue?
Cara polícia: Adivinha onde a gangue de rua All India Boys
está se escondendo?
Ela se imaginou encarando Sam. Ele provavelmente já
estaria fora de seu assento ou teria um braço em volta dos
ombros dela. Certamente, estaria tentando encerrar o
encontro.
O sorriso de Salman desapareceu.
— Ah. Loucura da juventude. Mas mudei para coisas
maiores e melhores.
Layla olhou para os três homens que não tinham nada na
frente deles, apenas copos de água.
— Eu pensei que você tinha que apagar a tatuagem quando
deixava uma gangue. Ou talvez sejam apenas motoclubes. Eu
era um grande fã dos Sons of Anarchy.
— Eu não sei — disse Salman com firmeza. — Só assisto
filmes. Principalmente remakes de Bollywood de filmes de
Hollywood. Você viu Chachi 420?
— O remake de Mrs. Doubtfire? — Layla se iluminou. —
Eu vi, embora goste mais do original porque não era tão
obsceno. Nada de cozinheiros lascivos ou cenas de banho
quente.
— Essas foram as melhores partes — protestou Salman. —
E os ursos dançantes em CGI em Ta Ra Rum Pum, o remake
de Talladega Nights?
— Termina com um assassinato! — Layla disse em falso
horror. — Foi louco.
Falando em assassinato… Sam imaginário estava de volta, ou
era sua consciência mesquinha?
— Não tão louco quanto Bichhoo, o remake de Léon. — Ele
sorriu, quase a cegando com flashes de ouro. — Essa última
cena tinha uma contagem de mortes de dezoito e o cara estava
voando quando a explosão aconteceu. Como o Superman.
— Exceto que com muito mais sangue — acrescentou
Layla.
Falando em contagem de mortes… Sam imaginário
interrompeu novamente. Ele claramente queria que ela fosse
embora, mas não era comum falar com alguém que conhecia os
filmes de Bollywood tão bem quanto ela.
— Isto me lembra… — Salman empurrou sua cadeira. — Eu
preciso checar a cozinha para ver o que aconteceu com nossa
comida. Era para estar pronta para sua chegada. — Ele
caminhou rapidamente para a cozinha, seguido por dois dos
homens de terno. O terceiro virou sua cadeira de modo que
ficasse de frente para ela.
— Cadela! Eu vou te encontrar! — Salman gritou tão alto
que a água no copo de Layla ondulou de medo. — Onde diabos
está a porra da comida?
Panelas quebraram. O vidro quebrou. Uma mulher gritou.
Um baque. Um estalo alto. E então silêncio.
E nós estamos saindo daqui. Sam imaginário não precisou
puxar seu braço porque Layla já estava fora de sua cadeira.
— Caramba. Olha só as horas. Por favor, dê meus lamentos
a Salman. Eu esqueci que tenho que...
— Você não desrespeita o Sr. Khan saindo sem se despedir.
— Movendo-se com uma velocidade que desmentia seu corpo
pesado, o guarda bloqueou sua saída, as mãos cruzadas sobre o
peito enorme. — Ele gosta de você. Ele quer que você fique.
Seu coração batia forte no peito.
— E se ele não gostasse de mim?
— Ele iria pedir para você sair.
Layla engoliu em seco.
— Do jeito que Freida saiu?
— A Freida está bem. Ela é muito dramática. — Ele
gesticulou para a mesa e ela relutantemente se sentou. Não é
como se estivessem em uma casa particular. O restaurante
estava aberto para negócios e a janela da frente dava para a rua
movimentada. Se ela podia olhar para fora, as pessoas podiam
olhar para dentro.
Ainda assim, ela não estava interessada em um ex-membro
de gangue que gritava com sua equipe. Sua única chance de se
livrar da situação sem ofender era se tornar o mais desagradável
possível. E a melhor maneira de fazer isso era abraçar a paixão
que tentava esconder. Ela tingiu o cabelo para cobrir as mechas
azuis antes de sua primeira entrevista, mas aquela parte dela
ainda estava lá – crua, emocional e real.
“Fúria Azul”, aí vou eu.
— Desculpas. — Salman se juntou a ela na mesa, sua voz lisa
e suave como se ele simplesmente não tivesse quebrado uma
costela gritando com Frieda antes de provavelmente matá-la e
jogar seu corpo no beco. — Só um pequeno problema na
cozinha.
— Onde está meu almoço? — Layla bateu na mesa e ergueu
a voz para um grito. — Eu estou com fome. — Ela passou a
mão sobre a toalha de mesa, derrubando os talheres e
guardanapos de papel manchados no chão.
Salman e seus guarda-costas olharam para ela em um silêncio
atordoado. E então Salman sorriu.
— Eu gosto de uma mulher com paixão. — Ele gesticulou
para o guarda-costas mais próximo. — Você. Vá para a cozinha.
Traga poppadums e samosas. Diga à Freida que ela vai ter que
cozinhar com uma das mãos e não sujar a comida com sangue.
Incapaz de conter seu horror, Layla respirou fundo, seus
olhos se arregalando.
— Sangue?
— Brincadeira. Estou apenas brincando. — Salman deu um
tapinha na mão dela. — A refeição vai chegar em breve. Posso
pegar algo para você beber?
— Vou tomar meio litro de tudo o que você tiver disponível.
— Layla apoiou uma perna na cadeira ao lado dela, passando o
braço sobre o encosto do assento de Sam Imaginário. — E você.
— Ela apontou para o guarda-costas mais próximo. — Liga a
TV. The Padres estão jogando contra os Diamondbacks. Eu
quero ver o placar. Ambos estão liderando os Giants agora em
vitórias.
— Faça o que a senhora pede — disse Salman ao guarda. —
Ponha o jogo e traga uma bebida para ela. Parece que Layla e eu
temos algo mais em comum.
Não. Não. Não. Ela podia imaginar Sam sorrindo
maliciosamente na cadeira ao lado dela. Preparando-se para o
raio que sem dúvida a atingiria quando ela traísse seu amado
time, ela respirou fundo e afundou-se ao máximo.
— Na verdade, sou fã do A's. — Ela socou o ar. — Vá, A's.
Salman se levantou tão rapidamente que sua cadeira
tombou.
— Eu sinto muito. Você terá que ir embora. Não posso ficar
com uma torcedora do A's. Quando passei meu tempo em San
Quentin, foram os fãs do A’s que… — Ele puxou a gola da
camisa, como se não pudesse respirar o suficiente. — Digamos
que eles elevaram a rivalidade a um nível totalmente novo.
— Então… — Layla lutou para esconder seu deleite. — Você
não me quer?
— Não. — Ele balançou a cabeça, virando-se como se ela
cheirasse mal. — Por favor, saia.
Layla fugiu rapidamente e mandou uma mensagem para
Daisy para que ela soubesse que estava segura.
Eu nunca vou deixar você esquecer isso. Sam imaginário
sorriu.
— Eu sinto sua falta, Sam — ela sussurrou. — Encontros às
cegas não são muito divertidos sem você.
• •
— Receio que temos de deixá-la ir, Diane. Em nome do
Hospital St. Vincent's, obrigado pelo seu serviço.
Sam entregou à mulher perplexa um envelope de rescisão. O
St. Vincent's Hospital foi o primeiro centro de saúde Alpha a
enfrentar demissões. A empresa havia iniciado o processo quase
imediatamente após o lançamento do comunicado à imprensa
e Sam estava agora na infeliz posição de ter de demitir alguns de
seus ex-colegas e amigos.
— Mas eu sou a funcionária mais antiga aqui — protestou
ela, puxando o cabelo prateado para trás. — Fui a primeira
cozinheira que contrataram. Conheço todo mundo. Eu até me
lembro de você, Sam. Acabei de receber meu distintivo de
trinta anos. Quem vai querer alguém da minha idade?
Karen deu um sorriso tenso. Ela havia sido designada para o
Hospital St. Vincent e ficou encantada em trabalhar com Sam
novamente.
— Você viu muitas mudanças nesses trinta anos, Diane.
Mudanças que tornaram o hospital mais eficiente e capaz de
atender melhor às necessidades de nossos pacientes. A
automação do restaurante é apenas mais uma forma de
economizar custos e repassá-los para o atendimento ao
paciente. Você quer o melhor para os doentes e feridos, não é?
— Sim, mas…
— E eu sei que você não gostaria de ficar no caminho do
progresso…
Sam tinha que dar crédito a Karen. Ela tinha aquela rara
habilidade de parecer simpática enquanto era totalmente
brutal por baixo. Royce teria adorado sua técnica.
— Bem, não… Mas…
Sam tentou ignorar sua história, mas seus truques usuais
não funcionaram. As paredes que ele construiu para se proteger
haviam caído. Ele sentia profundamente por essa mulher que
tentara animá-lo nos dias mais difíceis de sua residência e ele
não conseguia esconder sua compaixão por trás de discursos e
mentiras.
Karen continuou com a papelada, entregando o cheque
final de Diane e o contrato de rescisão. Ela explicou os detalhes
e então olhou para Sam com expectativa.
Sam abriu a boca, mas não saiu nada. Como ele poderia
dizer a ela como consertar sua vida se ele não havia descoberto
como consertar a sua?
— Sam tem um pequeno discurso — Karen solicitou.
— Na verdade, não tenho.
Karen deu uma risadinha.
— Você deveria dizer a ela para pensar nisso como uma
oportunidade, tentar algo novo, deixar o passado para trás, blá
blá blá.
Blah. Blah. Blah. Karen acertou em cheio. Seu discurso não
era nada além de ar.
Sam entregou a Diane um dos cartões EXCELLENT
RECRUITMENT SOLUTIONS de Layla. Ela os deixou no
lixo depois de tirar suas coisas do escritório. Ele não tinha
certeza se isso significava que ela decidiu fechar seu negócio ou
se estava começando algo novo, mas ele os guardou e enfiou
alguns em sua carteira por nenhuma outra razão além de gostar
de ver o nome dela.
— Se você está procurando trabalho, tente Layla Patel. Ela
é a melhor. Muito atenciosa e solidária. Ela tem uma boa lista
de empregadores corporativos e fará com que você encontre
algo digno de seus talentos. Ela pode não estar neste endereço,
mas suas mídias sociais e detalhes de telefone são os mesmos.
— Você perdeu o jeito — disse Karen quando ele voltou
depois de sair com Diane.
— Tenho muito em que pensar.
— Bem, é melhor você se concentrar porque o conselho
concordou em incluir profissionais médicos nas demissões.
Lidar com cirurgiões que pensam que são deuses é um jogo
totalmente diferente.
— Eu acho que posso lidar com isso.
— Quase me esqueci de lhe dar isso. — Ela entregou a ele
um token de acesso ao computador. — Royce disse a Peter que
você precisaria de acesso ao banco de dados de funcionários
para sinalizar quaisquer funcionários de alto perfil que
poderiam ser difíceis se fossem alvo de demissão. Ninguém
quer uma ação judicial ou um pesadelo de relações públicas.
A mão de Sam tremia quando ele pegou a ficha. Ou Royce
se sentia culpado pelo que tinha feito aos Patel ou finalmente
entendeu a necessidade de Sam de vingar sua irmã. Em
qualquer caso, ele finalmente estava segurando a chave de sua
redenção.
— Você está bem? — Karen perguntou. — Você meio que
se parece com Charlie quando ele encontrou o Bilhete
Dourado em A Fantástica Fábrica de Chocolate.
Quando Sam deu a ela um olhar perplexo, ela balançou a
cabeça.
— Deixa pra lá. Você não tem filhos.
— Quando é a nossa próxima reunião?
— Depois do almoço. — Ela lambeu os lábios. — Você quer
batizar a sala de reuniões da nossa maneira especial?
Mesmo se não tivesse o Bilhete Dourado na mão, ele a teria
recusado. Havia apenas uma mulher que ele queria e estar com
outra pessoa parecia uma traição.
— Vá em frente e pegue um sanduíche. Acho que vou
colocar o trabalho em dia. Vejo você de volta aqui em uma
hora.
Para o caso de ela não ter recebido a mensagem, ele abriu o
laptop e começou a digitar.
Com um suspiro de decepção, Karen saiu da sala, deixando-
o finalmente e felizmente sozinho.
Demorou apenas alguns minutos para fazer o login e
encontrar o arquivo de Ranjeet. E então ele se perdeu em um
mar de reclamações relacionadas ao problema de álcool de
Ranjeet, incluindo abuso sexual e verbal da equipe,
comportamento inadequado e desempenho de suas funções –
incluindo cirurgias – enquanto estava embriagado. Na maioria
das vezes, os administradores do hospital pareciam ter varrido
as reclamações para debaixo do tapete. Não havia nada sobre
Nisha ou o acidente no arquivo.
— Esse é o tipo de cara que você e Royce temem que possa
representar um risco para a empresa? — Karen perguntou atrás
dele.
Sam congelou, com as mãos no teclado. Ele estava tão
absorto no arquivo que nem ouviu Karen entrar. Agora que ela
havia lido a tela, mentir não era uma opção.
— Sim.
— Isso é bastante normal — disse ela, sentando-se ao lado
dele. — Os cirurgiões têm muito poder no hospital,
principalmente os que trazem muito dinheiro. O hospital se
dobrará para protegê-los para que não os percam para a
competição. Aposto que não há nem mesmo uma nota
disciplinar no arquivo.
— E se fosse algo mais sério? — Ele rolou a página para
baixo. — E se um médico cometesse um crime e o hospital
encobrisse? Haveria algum registro?
Karen torceu os lábios para o lado.
— Se houver um problema sério de responsabilidade para o
hospital, a equipe jurídica se envolve. Muitas vezes, o arquivo é
limpo e os detalhes restritos às pessoas do nível mais alto. — Ela
olhou para ele, considerando. — Os arquivos jurídicos só
podem ser acessados pela equipe jurídica.
— E quanto às antigas filmagens de segurança? — Ele estava
além de se importar se Karen sabia o que estava procurando.
Ele já havia cruzado a linha ao acessar o arquivo.
— É armazenado fora do local e não é facilmente acessível.
— Ela franziu o cenho. — Seu acesso ao computador
provavelmente terá sido limitado a arquivos de RH e empregos,
finanças e administração corporativa.
— Então é isso. Ele ganha. — A esperança definhou e
morreu. Sam havia sonhado com esse momento por tanto
tempo que quase não conseguia acreditar que todos os seus
esforços e sacrifícios haviam dado em nada. Não havia
respostas, não havia justiça e não haveria redenção.
— O que ele fez? — Karen perguntou suavemente.
— Ele empurrou minha irmã escada abaixo neste hospital e
quebrou a coluna dela. Ela está parcialmente paralisada e usa
uma cadeira de rodas agora.
— Oh Deus, Sam. — Sua mão voou para a boca. — E o
hospital encobriu isso?
— Minha irmã pensa assim e eu acredito nela. Queria
encontrar a verdade para que ela pudesse ter justiça.
Karen bateu na tela.
— E está em algum lugar por aqui.
— Ou em uma fita de segurança ou uma declaração de
testemunha… Alguém sabe o que aconteceu e pode ter tido
medo de se manifestar, como você disse. Ou talvez não
houvesse mais ninguém naquela escada e apenas os dois sabem
o que realmente aconteceu.
— Isso é ultrajante. — Seus lábios franziram. — Precisamos
falar com alguém.
— Não. — Sam balançou a cabeça. — Não posso mais fazer
isso. Passei quatro anos e perdi tudo tentando encontrar a
verdade. Eu me culpei por muito tempo. Achei que deveria ter
visto que tipo de homem ele era. Achei que minha família
deveria ter se aprofundado em seus antecedentes. Mas está claro
que ele era muito bom em esconder seu vício e o que não
conseguia esconder, o hospital encobria.
E seria sempre o mesmo, a menos que alguém se
apresentasse. Ele não poderia voltar no tempo para Nisha e não
poderia dar a ela a justiça ou mesmo as respostas que ele
esperava, mas poderia ajudar a melhorar o sistema voltando à
medicina e se tornando uma voz pela mudança.
— Se você sentir que precisa ir até sua gerente e dizer a ela
que tenho um conflito de interesses ou que estava examinando
este arquivo…
— Eu não — disse Karen com firmeza. — Você sabe por que
fiquei com as crianças no meu divórcio? É porque meu ex era
exatamente como esse cara. Ele era um bêbado cruel e eu sabia
que se não saísse de lá, ele voltaria sua raiva para as crianças.
Você estava apenas tentando ajudar sua irmã e eu sinto muito
por não ter encontrado o que estava procurando.
— Eu encontrei algo — disse ele. — Uma maneira de me
perdoar e seguir em frente com minha vida.
Karen puxou as chaves.
— Ainda temos um pouco de tempo antes que o próximo
funcionário chegue…
— Em outra ocasião, eu teria dito sim. — Sam deu a ela um
sorriso caloroso. — Mas uma das coisas que perdi foi a mulher
que amava e agora preciso consertar as coisas.

•••

— Sunil Singh. Gestor de fundos de garantia. Idade: trinta e


cinco. Fundador da Sunkey Capital. Eles empregam oitenta
profissionais em quatro países e gerenciam capital para
fundações e indivíduos de alto patrimônio líquido.
Layla podia ouvir Max latindo para Daisy do outro lado da
linha. Patel Personnel agora estava trabalhando em um espaço
de escritório compartilhado, adequado para cães, em Bernal
Heights, enquanto procurava um novo lugar para abrir um
escritório.
— O que há de errado com Max?
— Ele está faminto pelos pakoras da sua mãe. Não sei o que
farei quando seus pais mudarem o restaurante para Sunnyvale.
Ele desenvolveu sabores com estrelas Michelin.
— O elevador acabou de chegar à recepção — Layla disse a
ela. — Estou entrando.
— Talvez seja ele.
— Eu duvido. — Layla observou os sofás de couro branco
sem encosto, o piso de ladrilhos de vidro e o mural de uma
montanha coberta de neve feita de bolas de algodão. — Seu
escritório se parece com o palácio de gelo da Elsa em Frozen.
Layla se anunciou na recepção e cutucou as bolas de algodão
até que a assistente pessoal de Sunil, vestida com um terno azul-
gelo, seus longos cabelos loiros trançados nas costas, chegou
para escoltá-la ao escritório de Sunil.
Layla ergueu a mão para proteger os olhos do sol que
brilhava através de duas janelas do chão ao teto quando a
assistente abriu a porta. Estreitando os olhos, ela conseguiu
distinguir a forma vaga de um homem atrás de uma mesa.
— Sunil Singh. É um prazer conhecer você.
— Você poderia baixar as cortinas? — Layla tateou em
busca da cadeira e se guiou até o assento enquanto a porta se
fechava atrás dela. — Eu preciso de uma imagem do homem
que estou considerando para o casamento.
— Ah. Acho que seu pai pode ter entendido mal minha
pergunta. — Sunil apertou um botão e as cortinas se fecharam,
envolvendo a sala na semi-escuridão.
Layla piscou enquanto seus olhos se ajustavam à luz e Sunil
entrava em foco. Ele era magro e musculoso, com uma cabeça
de pirulito grande e uma mecha de cabelo brilhante. Seus dedos
longos e finos tinham aparência quase esquelética e, embora
fosse definitivamente moreno, parecia que tomava banho em
pasta de açafrão ou um dos muitos cremes clareadores da pele
que as tias idosas sempre recomendavam para atrair um marido
melhor.
— Aqui está o acordo. — Sunil se inclinou para frente. —
Não posso me casar com você porque você não é Singh.
Layla recostou-se na cadeira e fingiu decepção.
— Sinto muito por ouvir isso. Eu teria pensado que a falha
pessoal teria sido evidente pelo fato de que meu sobrenome está
claramente indicado no meu perfil desilovematch.com.
— Eu a convidei aqui porque estava gostosa na sua foto —
Sunil continuou como se ela não tivesse falado. —, estou
atraído por você, então estou disposto a transar com você.
— Desculpe?
— Bang. — Ele fez um gesto obsceno com as mãos. — Você
e eu. Eu vou fazer isso.
Ela olhou para ele, horrorizada.
— Meu pai não postou meu perfil porque pensou que eu
estava desesperada para transar.
Sunil era exatamente o tipo de homem com quem ela ficou
depois que Dev morreu. Raso, narcisista e interessado em
apenas uma coisa. Ela poderia transar com Sunil sem nenhum
medo de uma conexão emocional. Poderia afogar a dor de
perder Sam em alguns momentos estúpidos de prazer, do jeito
que fez depois de Dev.
Exceto que ela não queria esquecer. Queria manter suas
memórias de Sam desde o dia em que jogou o material de
escritório na cabeça dele até a última tarde que passaram juntos.
Ele tinha mostrado a ela que não havia problema em amar
novamente e que poderia sobreviver a outro desgosto.
— Mas você está desesperada — disse ele. — Eu posso dizer
pelo jeito que você olhou para mim quando entrou. Você me
quer. Desesperadamente.
— Devo ser grata por você estar disposto a dormir comigo?
A impaciência vibrava ao redor dele.
— Sim.
Indesejado e inesperado, ela teve um pensamento fugaz
sobre enviar mensagens de texto para Sam. Ela gostava de
conhecer novas pessoas com ele, não apenas para encontrar um
marido, mas porque aqueles foram os momentos em que ela
descobriu que ele amava filmes de terror e donuts, apoiava o
time errado e era ferozmente protetor com as pessoas com
quem se importava.
— Acho que não. — Em sua imaginação, ela ouviu um
rosnado, o trovão de pés. A porta se abriu e Sam entrou na sala,
agarrou Sunil pelo pescoço e o jogou contra o vidro.
Exceto que não era Sam agarrando Sunil. Era ela. Abrindo a
porta e indo embora. E, caramba, era bom.
Ela ligou para Daisy do elevador.
— Isso foi um fracasso total. Quem é o próximo?
— Akhil Jones. Ele está esperando do outro lado da rua em
um café. Ele está se formando em engenharia na USC. Gosta de
longas caminhadas na praia, piqueniques no parque e
domingos preguiçosos na cama em sua casa, onde ainda mora
com seus pais. As influências musicais incluem R5, Paramore,
Panic! At the Disco e Sleeping with Sirens. — Ela suspirou ao
telefone. — Parece um sonho. Se você não o quer, não me
importo de roubar o berço de um homem que não tem medo
de enviar uma foto gritando na Splash Mountain na
Disneylândia.
Layla estava do outro lado da rua e no café quando Daisy
terminou de exaltar as virtudes dos homens mais jovens. Ela
identificou Akhil imediatamente por causa de sua mochila
Transformers movida a energia solar e do fato de ele ser a única
pessoa no café bebendo suco.
— Akhil? Eu sou Layla. — Ela estendeu a mão e sorriu para
o garoto magricela com uma testa de cinco dedos.
— É um prazer conhecê-la, senhorita.
— Ha ha. Não. — Ela deu a ele um sorriso tenso. — Vou
encurtar bem aqui, Akhil. Estou procurando alguém um
pouco mais… maduro.
Alguém com uma voz profunda, ombros largos e um senso
de humor sarcástico. Um amigo e companheiro que a fazia
sorrir nos piores momentos e rir nos melhores. Alguém que a
tratava como uma igual e a fazia se sentir uma princesa. Alguém
que a queria, quer ela usando calcinhas de algodão pima ou
roupas de modelar ou nada.
— Sinto muito, senhorita.
— Tudo bem, Akhil. — Ela se virou. — Sua Buttercup está
lá fora. Você só precisa saber como encontrá-la.
• •
Sam percebeu para onde estava indo apenas quando parou na
frente da casa de seus pais. Ele estava dirigindo por horas desde
que recebeu a mensagem de Nisha dizendo que ela não
precisava de uma carona da reabilitação para casa. Sam não
sabia se ela tinha descoberto sobre Layla e não queria vê-lo, ou
se ela realmente estava saindo com um amigo, mas como ele
nunca teve uma segunda-feira à noite livre desde o acidente, ele
não sabia como gastar o tempo.
Pela janela, podia ver a luz bruxuleante da televisão. Embora
sua mãe tivesse se adaptado rapidamente aos serviços de
streaming, provavelmente porque eles lhe ofereciam um
estoque infinito de filmes de terror, seu pai se recusava a assistir
a qualquer coisa que não estivesse na TV a cabo.
Seu coração doeu quando viu um movimento atrás das
cortinas. Ele não conseguia se lembrar da última vez que teve
uma conversa de verdade com seus pais. Exceto pelas saudações
mais básicas e discussões sobre o bem-estar de Nisha, ele não
compartilhava nada de sua vida e o que sabia sobre a vida deles
veio por meio de sua irmã.
Uma batida na janela o trouxe de volta ao momento. Ele
baixou a janela e cumprimentou o pai com um aceno de cabeça.
— O que você está fazendo sentado aqui sozinho no escuro?
Sam encolheu os ombros.
— Nisha cancelou comigo. Eu não sabia o que fazer.
Seu pai sorriu.
— Ela tem uma nova amiga na reabilitação e elas saíram
juntas para jantar. Ela vai pegar o ônibus de transporte de
deficientes para casa. Eu disse que iria buscá-la, mas ela disse
que não. Que quer fazer isso sozinha. Tudo isso desde que você
a apresentou a sua amiga Layla. Não conheço essa garota, mas
já gosto dela.
Ela precisava de um impulso emocional, não físico.
— Layla disse que eu a estava sufocando.
— Você a estava protegendo — disse o pai. — Todos nós
estávamos. Mas talvez tenhamos esquecido de deixá-la voar. —
Ele entregou a Sam um saco de papel. — Sua mãe viu você
sentado aqui, então ela fez algo para você comer. Não se
preocupe. É comida ocidental. Algum tipo de sanduíche.
— Obrigado, pai.
— Por que você não entra, onde está quente? Não
precisamos conversar. Você pode assistir a um filme de terror
com sua mãe, como costumava fazer. Não gosto de tanto
sangue e gritos, e as pessoas não têm bom senso. Por que ir
sozinho para um porão sem uma lanterna? Por que todas as
meninas caem quando correm?
— Tive a chance de obter justiça para Nisha e estraguei
tudo. — As palavras saíram antes que ele pudesse detê-las. — E
não de uma forma pequena. Eu perdi tudo.
— Eu pensei que tinha perdido tudo também. — A voz de
seu pai engrossou. — Mas hoje meu filho voltou para casa.
Sam saiu do carro antes mesmo de seu cérebro processar que
ele havia se movido. Ele envolveu seu pai em um abraço.
— Sinto muito, pai. Quando Ranjeet não foi punido, eu
precisava de alguém para compartilhar a culpa.
— Eu perdoo você. — Seu pai deu um tapinha nas costas
dele e eles se abraçaram por mais um momento. — Nos
primeiros meses, eu era como você. E se eu tivesse feito mais
perguntas? E se tivesse ido para a Índia para conhecer a família
dele? E se os fizesse passar mais tempo juntos? Você pode se
torturar para sempre, mas isso não muda nada e, de certa forma,
dá a ele mais poder. Nós o deixamos destruir todas as nossas
vidas ou o mostramos que não podemos ser derrotados? A
melhor vingança é seguir em frente e viver sua vida do melhor
jeito possível e dar a Nisha todo o amor e apoio de que precisa
para viver a dela.
— É difícil aceitar que ele nunca vai pagar pelo que fez.
— Eu acredito em carma. Um dia ele vai pagar. — O pai de
Sam apertou seu ombro. — Você deixou Ranjeet definir sua
vida por muito tempo, deixou a medicina por causa dele,
arranjou um emprego de que não gosta por causa dele e agora
me diz que perdeu tudo por causa dele. Você tem a chance de
fazer uma mudança. Deixe de lado o passado e decida o que
você realmente quer da sua vida. Seja o homem que o criei para
ser.
— Que tipo de homem é esse?
— Um homem bom.

•••

— Tudo bem. Bata em mim. — Segurando o telefone no


ouvido, Layla correu pelo corredor principal do Hospital St.
Vincent's, procurando o estúdio de ioga enquanto Daisy lia os
detalhes do último solteiro da lista. O suor escorria por suas
costas sob a blusa e seu rosto brilhava, apesar de uma rápida
parada no banheiro para examiná-lo. Embora ela tivesse ido ao
hospital uma ou duas vezes ao longo dos anos para visitar
amigos e familiares, não estava familiarizada com a nova ala e
ela perdeu tempo tentando navegar pelos corredores brancos
idênticos.
— Sunny Kapoor. É o gerente do programa de ioga em St.
Vincent's. Ele projeta e gerencia aulas de ioga e gerenciamento
de estresse para funcionários e pacientes. Os empregos
anteriores incluem comissário de bordo e consultor de
marketing. Seu pai faleceu quando ele tinha dez anos. A mãe
trabalha em um banco. Vegano. Adora atividades ao ar livre e
passa alguns meses por ano na Índia aprendendo novas
habilidades de ioga. Tente decepcioná-lo gentilmente se ele não
for o certo. Você não quer um carma ruim.
Layla riu.
— Vou fazer o meu melhor, mas posso não ser capaz de me
controlar se ele quiser que eu aperte minha bunda em um par
de calças de ioga e faça a posição do cachorro de cabeça para
baixo.
— Essa pode ser a sua maneira de verificar a mercadoria. —
Daisy deu uma risadinha. — Só não faça uma pose de bebê feliz
ou ele pode ter uma ideia errada.
Layla dobrou uma esquina e empacou quando viu Sam
parado no corredor, tão sólido e bonito que a deixou sem
fôlego. Infelizmente uma mulher com um cabelo loiro curto
estava enrolada nele.
— Layla? — Um homem de calças esportivas largas e um
top preto apertado passou por Sam em direção a ela. Ele era
todo definido, forte e musculoso, seu abdômen ondulando sob
a camiseta apertada. Com uma mandíbula marcada, feições
atraentes e olhos castanhos calorosos e expressivos, ele poderia
envergonhar qualquer galã de Bollywood.
A cabeça de Sam se ergueu e seus olhos se encontraram, o
mundo ficando estranhamente parado. Ela estava agudamente
ciente de sua respiração áspera, a brisa fresca da porta aberta,
seu olhar aquecido em seu corpo. Um formigamento elétrico
percorreu seu corpo, apenas para desaparecer quando a loira se
inclinou e beijou sua bochecha.
— Oi, Sunny! — Layla desviou o olhar de Sam e tentou
fingir uma familiaridade que esconderia o fato de que ela estava
encontrando Sunny pela primeira vez. Sam tinha claramente
seguido em frente e ela queria desesperadamente que ele
pensasse que ela também.
— Dê-me um abraço — ela sussurrou quando Sunny se
aproximou.
— Sem problemas. — Sunny passou os braços em volta dela
e deu-lhe um aperto enquanto ela olhava para Sam por cima do
ombro de Sunny.
— Estou ansiosa para a próxima semana — disse a mulher,
aparentemente alheia à corrente elétrica que circulava pelo
corredor. — Vai ser muito divertido.
— Você gosta dessas coisas muito mais do que eu, Karen.
Karen. O lábio superior de Layla se curvou. Ela se lembrava
dela agora. Essa foi a mulher que interrompeu o quase beijo na
fonte. Ele estava com ela todo esse tempo? Não admira que não
tenha ligado depois da festa. Layla era apenas mais uma ficante
dele, afinal.
— Tenho uma pequena surpresa para você. — Um sorriso
se espalhou pelo rosto de Karen, revelando incisivos
anormalmente pontiagudos. — Vou dar a você esta noite.
Os lábios de Layla se apertaram com força quando Karen
envolveu seus tentáculos de polvo ao redor do braço de Sam.
Ele percebia que ela era pelo menos dez anos mais velha que ele?
Ou estava cego por seu cabelo loiro descolorido e com mechas?
— Você precisa de mais abraços? — Sunny sussurrou.
Seu corpo inteiro se esforçou para se mover em direção a
Sam. Se não fosse pelos braços de Sunny ao redor dela, ela já
estaria do outro lado do corredor, apesar de seu novo apêndice.
— Sim, e um beijo.
— Lábios ou bochechas? — perguntou Sunny
complacente.
— É melhor voltarmos. — Karen apertou a mão de Sam e
puxou-o suavemente na direção oposta.
Só Sam não se mexeu. Seu olhar se fixou em Layla. Seu
corpo estava totalmente rígido como se ele estivesse congelado
no lugar.
— Bochecha — Layla sussurrou.
Sunny obedientemente pressionou seus lábios frios e secos
em sua pele suada.
— Posso soltá-la?
— Sim.
— Você está pronta para o almoço? — Perguntou Sunny.
— Há um ótimo café vegano ao virar a esquina. Eu prometo
que você não será capaz de diferenciar seu mac 'n' cheese do
autêntico, e seus donuts sem glúten são divinos.
— Sem glúten e donuts não são palavras que deveriam ser
pronunciadas na mesma frase. — Ela colocou um braço em
volta da cintura dele e olhou por cima do ombro enquanto eles
se afastavam. A mandíbula de Sam estava cerrada, seus lábios
pressionados em uma linha apertada, a expressão familiar
fazendo-a doer por dentro.
— Você é tão carinhosa. — Sunny deu outro beijo em sua
bochecha. — As outras mulheres que conheci em
desilovematch.com geralmente tinham família com elas ou
esperavam que eu ficasse a alguns metros de distância.
— Se você quiser, pode apertar minha bunda — Layla
ofereceu.
— Não tenho certeza se isso seria realmente apropriado…
— Aperte.
— Tudo bem. — Ele baixou a mão e apertou sua nádega.
Layla prendeu a respiração, esperando a resposta de Sam.
Estava realmente acabado ou ele ainda se importava?
— Layla! — O grito de raiva de Sam ecoou pelo corredor,
enviando um arrepio de excitação por sua espinha.
— Encontro você lá fora em um minuto. — Ela gentilmente
se separou de Sunny. — Eu acho que conheço aquele cara. Eu
só quero dizer olá.
Eles se encontraram no meio do caminho. Tão perto, ela
podia sentir o cheiro familiar de seu sabonete líquido, ver cada
linha e sombra em seu rosto bonito. Seu sangue esquentou e ela
reluziu.
— Você gritou? — Ela cerrou os dentes enquanto tentava
conter a emoção que crescia dentro dela.
— Quem é ele? — Sua voz suave e profunda fez Layla
derreter por dentro.
— Oi, Layla. — Ela zombou de sua voz profunda. — É bom
ver você de novo depois de todo esse tempo. Como você está?
Como vai o negócio? Como estão seus pais? O que Daisy e Max
estão fazendo?
Ele fechou os olhos por um instante.
— Você está com ele?
Ela olhou para Karen com seu cabelo perfeitamente liso,
corpo esguio, pele sem brilho e os braços que estavam em volta
de seu Sam.
Meu Sam. O peito de Layla se apertou. Por um breve tempo
ele tinha sido dela. Ela queria dizer a ele o quanto sentia falta
dele. Como não era a mesma coisa trabalhar sem ele ou ir a
encontros às cegas sozinha. Queria dizer a ele quantas vezes ela
tinha visto algo que o faria rir e sentiu uma dor em seu coração
por ele não estar ali para compartilhar. Ela queria dizer a ele que
o amava, mas quando ouviu os saltos de Karen batendo no
chão de ladrilhos em direção a eles, tudo o que saiu foi:
— Sim.
Não era mentira. Ela estava com ele hoje.
— Você vai… — Sua voz falhou. —... casar com ele?
— Por quê você se importa?
— Não terminamos o jogo.
Sua boca abriu e fechou novamente.
— Você é o dono do prédio, Sam. O jogo não importa. O
escritório é seu.
Sua garganta rígida apertou quando ele engoliu.
— Nunca foi sobre o escritório.
— Sobre o que foi então? Foi apenas sobre a vitória?
— Sam. — Karen tocou de leve no braço dele. — Nós
precisamos ir.
Layla teve que lutar contra o desejo de dar um tapa na mão
dela. Suas unhas poderiam ser mais longas? Ela tinha visto tigres
no zoológico de San Diego com garras mais curtas.
Ainda assim, Sam não se moveu.
— Era sobre…
— Sam, a CEO acabou de chegar — disse Karen em voz alta.
— Não podemos deixá-la esperando. Este é o único tempo que
ela tem livre antes de você partir para Nova York.
Nova York? Layla não queria perguntar, mas ela perguntou.
— Você está… se mudando?
— Decidi voltar à medicina. — Seu rosto se iluminou com
expectativa esperançosa. — Estou tentando voltar para o
programa de residência aqui e se não der certo, vou com quem
me quiser. Nova York é uma possibilidade porque tenho alguns
contatos lá. Estou longe há tanto tempo que não tenho certeza
se terei muitas opções.
A boca de Layla ficou seca.
— Isso é ótimo. Quer dizer, voltar à medicina é ótimo.
Mas… se mudar? E quanto a Nisha e seus pais?
— Eles estão bem. Estamos todos seguindo em frente. Não
pude ajudar Nisha do jeito que queria, mas espero que, como
cirurgião, eu possa ajudar pessoas como seu pai e defender
mudanças em um sistema que falhou em responsabilizar
Ranjeet por suas ações.
Que irritante. Por que ele não podia ser o arrogante e
detestável de sempre? Por que, quando ele encontrou outra
pessoa, teve que ser tão bom?
— E quanto ao seu negócio de redução de custos?
— Royce e eu estamos procurando alguém para tomar meu
lugar — disse ele. — Preciso aprimorar minhas habilidades
antes de me inscrever para a residência, então temos algum
tempo.
— Layla? — Sunny abriu a porta. — Você vem? Só tenho
quarenta e cinco minutos para o almoço.
— Podemos conversar? — Sam perguntou. — Mais tarde?
Seu olhar se voltou para Karen e ela balançou a cabeça. Uma
coisa era dizer a si mesma que poderia sobreviver amando e
perdendo novamente. Outra coisa era ter Sam parado bem na
frente dela e saber que ele nunca poderia ser dela.
— Não. — Ela engoliu o nó na garganta. — Não podemos.
Se a recusa dela o afetou de alguma forma, ele não deu
nenhum sinal. Em vez disso, ele apenas balançou a cabeça.
— Estamos reformando o escritório. Você deixou alguns
papéis para trás. Eles parecem importantes, então você pode
pegá-los antes que o empreiteiro comece a trabalhar amanhã.
Estarei em Nova York, mas Royce estará por perto se você tiver
algum problema. — Seu tom frio e impessoal doeu mais do que
a velocidade com que ele seguiu em frente.
— Eu farei isso. — Sua mão se fechou ao lado do corpo, as
unhas cravando-se na palma enquanto ela lutava para manter a
compostura.
Sam hesitou e, por um breve segundo, pensou ter visto um
vislumbre de dor em seus olhos. Ou foi arrependimento?
— Se você mudar de ideia sobre conversar…
Isso tinha que acabar. A tortura era insuportável.
— Não vou.
E com um último olhar demorado para o homem que
amava, ela se virou e foi embora.

•••

Layla abriu a porta do escritório acima do restaurante de seus


pais. Com a mudança vindo amanhã para levar a mobília para
o novo The Spice Mill em Sunnyvale, ela queria vê-lo mais uma
vez e pegar os papéis que Sam disse que havia deixado para trás.
— Posso ajudar?
Layla se assustou ao ver a mulher desconhecida sentada na
recepção. Ela estava tão acostumada a ver Daisy quando entrou
pela porta que a mesa limpa e arrumada e a mulher de aparência
perfeitamente comum atrás dela pareciam errados.
— Vim deixar minhas chaves e pegar algumas coisas. Eu
costumava trabalhar aqui.
— Você pode dá-las a Royce. Ele está em sua mesa. Vá em
frente.
Layla passou pelo sofá de couro cinza que agora ocupava o
espaço onde sua espreguiçadeira roxa estivera. Seu novo espaço
de escritório compartilhado era totalmente mobiliado, então
ela trouxe a espreguiçadeira para seu novo apartamento
aconchegante no Marina District, a apenas um quarteirão da
Baía de São Francisco, perto de Fort Mason.
— Olha quem está aqui. É a Excellent Recruitment
Solutions. — Royce se recostou na cadeira enquanto ela dava
uma olhada rápida ao redor. Além da mesa Eagerson, da qual
seu pai felizmente se separou, o resto da mobília foi substituído
por vidro e aço: frio, corporativo e ultramoderno.
— Na verdade, eu mudei o nome para Patel Personnel —
ela disse rigidamente, largando as chaves na mesa dele.
— Bom nome. O outro era irônico.
Ela nunca teve uma conversa adequada com Royce antes.
Claramente ela não tinha perdido nada. Ele não tinha papas na
língua.
— Estou feliz que você aprove.
— Então é isso. — Ele a estudou tão intensamente que sua
pele formigou. — Você e Sam. Acabou.
— Acho que sim. — Ela olhou em volta. — Ele disse que
deixei alguns papéis para trás.
— Na sala de reuniões. — Ele apontou o polegar naquela
direção. — É uma tragédia.
— O que você quer dizer?
— Ele não conseguiu justiça nem a garota... Tenho certeza
que você viu uma ou duas peças de Shakespeare.
— Romeu e Julieta.
— Minha favorita. — Ele a seguiu até a sala de reuniões. —
Garoto conhece a garota. O garoto perde a garota. O garoto
recupera a garota. O garoto morre pela garota. A garota morre
pelo garoto. O público é poupado de um final feliz açucarado.
Layla se virou e franziu a testa.
— Estamos falando do mesmo garoto? Acabei de ver Sam
em St. Vincent's. Com a namorada dele.
— Que namorada?
— Karen.
— A garota do RH? — Royce deu uma risadinha. — Sam e
eu almoçamos com ela outro dia. Esses dois juntos seriam uma
tragédia.
— Mas… eles pareciam... amigáveis. Eles estavam saindo
depois do trabalho...
— Comigo. — Ele se sentou na beira da mesa. — Estou
pensando em contratá-la para tomar o lugar de Sam quando ele
se mudar para Nova York.
O coração de Layla apertou em seu peito.
— Ele disse que está tentando entrar em um programa local.
Royce encolheu os ombros.
— Não há nada para mantê-lo aqui. Ele se reconciliou com
seus pais e sua irmã está saindo com John “Sou tão legal que é
uma falha de caráter” Lee, que a convenceu a viver seu sonho
de se tornar uma advogada porque precisamos de mais
advogados no mundo. — Ele estremeceu e afrouxou a gravata.
— Essa é a minha ideia de pesadelo. Salas de livros cheias de leis
e regras, com palestras de pessoas que não conseguiam se dar
bem no mundo dos negócios… Eu mal consigo respirar
pensando nisso.
Podemos conversar?
Não.
Oh Deus. Ela tinha cometido o maior erro de sua vida?
— Onde estão os papéis? — Ela cerrou o punho em torno
da alça de sua bolsa. — Eu preciso ir. Rápido.
Royce apontou para a caixa.
— Não havia muito. Deve conferi-los aqui e podemos
destruir o que você não precisa.
Layla vasculhou os documentos, a maioria designs de logo
antigos e listas de empresas para as quais ela ligou quando nem
tinha um nome.
— Sam disse que achou os documentos importantes, mas
não há nada aqui.
Royce bufou exasperado.
— Continue olhando.
Ela verificou todos os documentos da caixa até que,
finalmente, no final, encontrou uma cópia do contrato de
aluguel entre seu pai e a Bentley Mehta World Corporation.
— Isso não é meu. — Ela ofereceu a Royce, que levantou a
mão com desdém.
— Você pode achar interessante a opinião jurídica
grampeada no verso, então estou renunciando ao meu
privilégio advogado-cliente.
Layla deu uma olhada na opinião legal. O documento de
uma página afirmava em termos inequívocos que Sam tinha
todo o direito legal de ocupação do escritório e que suas
reivindicações não tinham mérito. John tinha assinado e
datado no final. Instantaneamente, ela entendeu porque Royce
a deixou ler.
— É um dia depois que Sam e eu nos conhecemos.
— Curioso.
Seu coração errou uma batida.
— Ele sempre soube que eu não tinha o direito de estar aqui.
Ele poderia ter me expulsado a qualquer momento.
— Se fosse por mim, você e seu sofá roxo estariam na rua no
primeiro dia, mas eu sou frio assim.
Layla se sentou pesadamente na cadeira mais próxima.
— Então por que ele jogou o jogo?
Royce encolheu os ombros.
— Talvez ele não quisesse que você se casasse com um
idiota.
— Ou com alguém como Ranjeet — disse ela,
considerando. — Ele estava tentando me proteger. Mas se eu
não encontrasse alguém, ele teria honrado as regras e ido
embora?
— Ele tem essa falha de caráter. — Royce se recostou na
cadeira, cruzando os braços atrás da cabeça. — É por isso que
formamos uma boa equipe. Não tenho escrúpulos e ele tem
muitos.
— Você daria a ele uma mensagem minha? — Uma ideia
começou a se formar em sua mente. — Eu apaguei seus dados
de contato do meu telefone.
— Eu pareço uma recepcionista?
— Você parece um cara que finge não se importar, mas cujas
roupas coloridas escondem um coração quente.
Seus lábios se curvaram.
— E isso me torna o que nesta tragédia? O alívio cômico?
— Não é uma tragédia. — Layla escreveu uma nota rápida
no verso da opinião jurídica. — É um romance. Exceto que
nesta versão, o mocinho se salva.
• •
O jogo acabou. Você ganhou. Aproveite o seu prêmio.
Sam olhou para as palavras no documento que Royce havia
lhe dado.
— O que isso significa?
— Como eu deveria saber? — Royce pôs os pés na mesa
enquanto mordiscava seu brioche. — Não tenho uma visão
mágica do funcionamento interno da mente feminina.
— Parece que ela vai se casar. — Sam bateu com o bilhete na
mesa de Royce. — Ela leu a opinião legal? Você deveria ter a
certeza de que ela leria.
— Jesus Cristo. — Royce jogou a cabeça para trás. — Sou
um empresário, não um casamenteiro. Sim, ela leu. Sentei na
sala de reuniões e me certifiquei de que ela chegasse ao fundo
da caixa. Ela percebeu a data imediatamente.
— E depois? — Não era assim que o cenário deveria se
desenrolar. Depois de receber a mensagem de que o jogo tinha
sido realmente sobre ela, ela deveria ligar para ele, e então eles
pediriam desculpas um ao outro e ele puxaria todos os
pauzinhos para assegurar uma residência em São Francisco, e
ela voltaria para o escritório para dirigir seu negócio, e eles
viveriam felizes para sempre.
— Então ela escreveu o bilhete, me disse que era um
romance e saiu pela porta.
— Um romance? Porra. — Ele bateu com o punho na
parede. — Um romance significa casamento. Ela está se
casando com um dos caras da lista do pai. Provavelmente é o
cara da ioga. Você sabe como eles são flexíveis.
— Não era isso que ela queria?
Sam caminhou pela sala.
— Ela deveria me querer. Eu esperei muito tempo. Queria
consertar tudo primeiro. Queria mostrar a ela que eu era digno.
— Digno de quê? — Royce limpou o canto da boca com
um guardanapo.
— Digno dela. Eu queria ser o Westley dela.
Royce congelou, o último pedaço de brioche meio dentro e
meio fora de sua boca.
— Eu pensei que seu nome era Sam, mas claro, se você
quiser ser Westley, vá em frente. Não conheço muitos Westleys
marrons, mas é um novo mundo lá fora.
— Ele é um personagem de A Princesa Prometida. — Sam
dobrou o papel e o enfiou no bolso. — É o filme favorito de
Layla. Assisti três vezes com Nisha e minha mãe. Westley
invade o castelo com seus amigos, derrota os bandidos,
interrompe o casamento e resgata a princesa Buttercup.
— Achei que você gostasse de filmes de terror, embora um
filme com um ator principal chamado Westley e uma princesa
com o nome de uma flor pareça horrível para mim. — Ele
tomou um gole de café expresso, dedos longos enrolados em
torno da xícara de porcelana.
— Estou feliz que você ligou. Temos que encontrá-la. —
Sam abriu a porta. — Temos que impedir o casamento. Vamos
lá.
— Eu pareço um ajudante? — Royce acenou com a mão
vaga sobre seu terno cinza, camisa rosa e gravata com desenho
animado. — Eu acho que você pode encontrar o que está
procurando lá embaixo. Eles estão planejando algum tipo de
festa. Talvez você possa escolher alguns membros dispensáveis
da tripulação para ajudá-lo em sua missão. No mínimo, eles
podem saber onde encontrá-la.
Sam desceu correndo as escadas e abriu a porta dos fundos
do The Spice Mill. Embora o restaurante não estivesse aberto
para negócios, o ar estava perfumado com especiarias e ele
podia ouvir o barulho de panelas e frigideiras.
— O que você quer? — Daisy ficou na frente dele,
bloqueando seu caminho. Sua legging verde brilhante
combinava com o arco em seu cabelo ruivo Kool-Aid. Ela havia
jogado uma jaqueta de couro sobre um vestido de renda de gola
alta que parecia ter pelo menos cem anos.
— É vintage. — Daisy alisou a saia cheia enquanto seguia
seu olhar.
— Estou procurando Layla.
— Ela não está aqui. Adeus.
— Daisy. Espere. — Ele deu um passo à frente. — Ela me
deixou um bilhete. Ela vai se casar? É alguém da lista?
— Você vai ter que perguntar ao tio de Nasir. — Ela deu a
ele um sorriso maligno. — Ele está na cozinha. Isso significa
que você terá que passar pelas garras das tias e, somente se você
sobreviver, terá uma resposta para sua pergunta.
— Isso é ridículo — ele balbuciou. — Você obviamente
sabe. Apenas me diga.
— Você não merece.
Sam inclinou a cabeça de um lado para o outro, fazendo seu
pescoço estalar.
— Tudo bem. Eu vou fazer isso. Mostre a direção certa.
— Você precisa estar solto e relaxado.
Sam saltou para cima e para baixo algumas vezes e sacudiu
as mãos.
— Estou solto.
— Há quatro tias lá mais a Tia Jana. Você é um homem
jovem, bonito e solteiro, embora todo mundo o odeie por
expulsar a família. Vai ser desagradável.
— Eu tenho tias. Sei como elas funcionam. — Ele alisou a
gola da camisa e enxugou a testa com as costas da mão.
— Não as deixe cheirar seu medo. Assim que isso
acontecer…
Sam se inclinou para frente e respirou fundo.
— Eu sei. Eu sei. Elas nunca vão me deixar em paz.
— Nunca — disse Daisy. — Elas aparecerão no seu
escritório com caixas de doces indianos, esbarrarão na sua mãe
no supermercado para convidar todos para um chá, andando
para cima e para baixo na frente de sua casa com as filhas e
sobrinhas a reboque em um passeio fingido de domingo. Você
tem que ser forte.
— Eu sou forte — disse Sam.
— Você tem que ser determinado. Isso é por Layla. Não
concorde em olhar fotos de sobrinhas, netas ou primas. E não
diga a elas onde trabalha ou como entrar em contato com você.
E o que quer que você faça, não sorria. Você é bonito demais
para o seu próprio bem.
— Eu posso fazer isso. — Ele limpou as mãos nas calças
pretas e fez uma careta.
— Max e eu vamos ajudar.
— Espera. — Ele parou na soleira. — Por que você está me
ajudando?
Daisy sorriu.
— Faz parte do meu charme.
Eles caminharam rapidamente para a cozinha. Uma mulher
com um salwar kameez azul espetou pedaços de frango de um
laranja brilhante para ir para o tandoor55. Uma mulher mais
velha estava descascando e fatiando um saco de cebolas. Dois
cozinheiros de aventais brancos mexiam em panelas cheias de
batatas picantes, cordeiro assado e pedaços de paneer56 nadando
em espinafre cremoso. No fundo da cozinha, o cozinheiro que
o encarou quando veio falar com Nasir usou um remo gigante
para mexer uma cuba do que parecia ser curry de cabra.
Sam respirou o doce aroma misto de cardamomo, açafrão,
garam masala57 e pimentas frescas enquanto Daisy o conduzia
passando pelos balcões de aço inoxidável. Era o cheiro da
cozinha de sua mãe na noite anterior, quando jantaram juntos.
O cheiro de casa.
— Esse cheiro é divino. Você está usando feno-grego no
murgh makhani58? — Daisy bloqueou o olhar inquisitivo de
uma tia.

55
Tandoor: é um forno, tradicionalmente feito na forma de uma ânfora de barro de
grandes dimensões, parcialmente enterrada, típico da Ásia Central, mas popular em toda a
Índia, onde se fazem muitos pratos, assim como vários tipos de pão, principalmente os do tipo
naan
56
Paneer: é o queijo mais popular da Índia
57
Garam Masala: é uma mistura de especiarias moídas muito comum na culinária da Índia,
sendo também encontrada nas culinárias de outros países do sul da Ásia. Pode ser usado puro
ou em combinação com outros temperos. O garam masala é forte, mas não picante como uma
malagueta.
58
Murgh Makhani: Manteiga de frango, tradicionalmente conhecido como Murgh
Makhani, um prato indiano que é um tipo de curry feito de frango com molho de tomate e
manteiga temperado. Seu molho é conhecido por sua textura rica. Além disso, às vezes o creme
dá ao molho de curry uma textura rica e sedosa
— É melhor verificar o forno, Tia Lakshmi — ela gritou. —
Eu acho que o naan está cozido demais. Você não quer azar de
três dias.
— Eu amo essa cor em você, Tia Charu. Tão brilhante! —
Ela girou a mulher de terno salwar azul para ficar de frente para
a porta para que Sam pudesse passar por ela.
Muito tarde. Sam percebeu uma mudança na atmosfera. A
conversa baixou e as risadas morreram. A tensão engrossou o
ar.
— Daisy! Você trouxe alguém para visitar. — Uma mulher
com um sári rosa abriu caminho passando pelos cozinheiros em
direção a ele. — Quem é?
— Este é Sam, Tia Salena. Ele tem negócios com o tio Nasir.
— Ele parece um engenheiro. — Salena acenou para outra
tia. — Pari. Venha ver. Daisy trouxe um menino que parece um
engenheiro.
— Um engenheiro! — Pari enxugou as mãos no avental e
correu para cumprimentá-los.
— Na verdade, eu tinha um negócio de redução de custos
— disse Sam. — Mas agora estou…
Um homem alto e magro com a linha do cabelo recuando se
juntou a eles.
— Quem é engenheiro?
— Esse menino, tio Hari.
— Eu não sou realmente um menino…
— Ele não parece um engenheiro. Agora, o filho de Nira…
ele parece um engenheiro.
— Na verdade, eu sou médico — disse Sam.
Daisy gemeu.
— Não vou ser capaz de ajudá-lo agora.
— Médico? — alguém gritou. — Ele é médico!
Daisy puxou o braço de Sam, mas era tarde demais. As tias
rolaram na direção deles como um maremoto, transbordando
de portas e alcovas, batendo em volta de balcões e trovejando
pelo chão.
— Ele é solteiro? — Salena perguntou.
— Quem está solteiro?
— Este homem. Ele é um engenheiro.
— Não, ele é médico.
— Um engenheiro médico? Ele tem um Ph.D.?
— Ele conhece Dagesh Gupta? Ele é engenheiro na Flórida.
A conversa voou densa e rápida em torno dele. Com tantas
pessoas falando, Sam não conseguia acompanhar.
— Meus meninos vão ser médicos. O professor diz que eles
são malandros, mas é porque são tão inteligentes que ficam
entediados na escola.
— Alguém pegue um prato de comida para ele. Ele é muito
magro.
— Quem é a família dele?
— Se mantenha firme — sussurrou Daisy. — Aí vem a tia
Jana, a mãe de Layla.
Os parentes de Layla se separaram como um maremoto para
revelar uma mulher com um avental vermelho gasto, seu cabelo
longo e escuro trançado e puxado para trás em um boné laranja
brilhante dos Giants. Ele podia ver Layla no formato de seu
rosto, mas seus olhos, quando ele encontrou seu olhar, eram
frios e duros.
— Então, é você — ela fungou.
Sam não sabia se ela quis dizer com “é você”, que ele foi o
único que despejou a família, ou aquele que afastou Layla de
um casamento arranjado, ou aquele que distraiu a todos na
cozinha, mas em qualquer caso, era claro que ela não quis dizer
gentilmente.
— É um prazer finalmente conhecê-la, Sra. Patel. — Ele
engoliu em seco. — Estou procurando Layla.
— Ela está no Oracle Park para o jogo. — Ela bateu no
chapéu do Giants. — Primeiro jogo que perdi.
A esperança cresceu em seu peito.
— Então ela não vai se casar?
— Sam! — A voz de Nasir ressoou pela cozinha. — É bom
ver você de novo. Todo mundo, deixe-o em paz. Voltem para o
trabalho. Ele não está no mercado. Guardem suas fotos de
sobrinhas e filhas. Parem de tirar fotos. Quem amarrou aquela
corda em seu tornozelo? — Ele fez um gesto de desprezo com a
mão e instantaneamente a multidão derreteu, a corda
escorregando de seu pé quando alguém a puxou para o meio da
multidão.
— Layla… — Sam fez um gesto impotente com as mãos. —
Eu errei, Sr. Patel. Eu a amo. Ela não pode se casar com outra
pessoa.
Ele ouviu um suspiro coletivo, mas quando olhou por cima
do ombro, todos estavam ocupados cozinhando.
— Sam. — Nasir suspirou e balançou a cabeça. — É tarde
demais. Ela escolheu alguém da minha lista. A família já o
conheceu — ele olhou ao redor da cozinha ocupada, uma
sobrancelha ligeiramente arqueada —… e aprovaram. Estamos
esperando uma grande proposta no estádio, algo espetacular,
talvez na tela grande ou naquela câmera de beijo.
Os olhos de Sam se arregalaram de consternação.
— Eu tenho que pará-lo. Diga-me onde eles estão sentados
e eu irei…
— Eu não sei… — Nasir tamborilou com os dedos nos
lábios. — Acho que ela realmente ama esse menino.
— Ela não o conhece!
— Acho que ela o conhece muito bem. — Ele deu um
tapinha no ombro de Sam. — Bem, foi bom ver você. Acho que
sua irmã está no restaurante com John. Estamos dando uma
festinha de despedida esta tarde e convidamos nossos amigos do
escritório de advocacia lá de cima. Você e seu sócio são bem-
vindos para se juntar a nós. Talvez Layla e seu novo noivo
estejam de volta para comemorar também.
O suor escorreu pelas costas de Sam. Por que nada saiu da
maneira que planejou? Ele lutou por algo que mudaria a
opinião de Nasir.
— Espere! A câmera do beijo. Ele não pode propor a ela
assim. Ela odiaria. Não iria querer sua vida pessoal espalhada
em uma tela grande para um estádio cheio de gente ver. Ela teve
uma experiência terrível sendo filmada em Nova York, e então
houve um incidente aqui em um bar de esportes… Se ele não
sabe isso sobre ela, ele não deveria se casar com ela.
— Hmmm. — Nasir se virou para Jana. — O que você
acha? Devemos dizer a ele onde eles estão sentados? Não quero
estragar o grande dia dela.
Jana encolheu os ombros.
— Ele está certo sobre ela não gostar que fosse tão público.
Mas o jogo já começou. Ele teria que dirigir muito rápido.
Deus. Era apenas um obstáculo após o outro.
— Esbarrei em um cervo e meu carro ainda está sendo
avaliado pelas seguradoras. — Ele puxou seu telefone. — Vou
chamar um Uber.
— Um Uber? — Nasir olhou para ele com horror. — Você
deixaria algo tão importante para um estranho? Este é o futuro
da minha filha. Arun pode dirigir a grande van que usamos para
pegar suprimentos. Todos nós podemos nos encaixar.
— Todos? — Sam franziu a testa. — Nem todos precisam
vir.
— Somos uma família — disse Nasir. — Claro que nós
precisamos.

•••

— Ele pode dirigir mais devagar? — Sam murmurou enquanto


o velho chef Arun avançava lentamente na van ao longo da I-
80.
— É o tráfego. Acalme-se. — Daisy deu um tapinha no
braço de Sam. — Você quer segurar Max? Ele pode lhe dar
algum apoio emocional.
— Obrigado, mas quero chegar lá com todos os dedos
intactos.
— Não calunie o Max. Ele me ajudou em alguns momentos
difíceis. — Ela deu um tapinha na cabeça fofa do cachorro. —
Como agora. É desgastante sentar ao seu lado ouvindo você
murmurar e resmungar como um velho. Chegaremos lá
quando der.
— E se chegarmos tarde demais? — As mãos de Sam se
fecharam em punhos. — E se for hora da câmera do beijo, e ele
a pedir em casamento, e ela estiver humilhada, mas forçada a
dizer sim porque dezenas de milhares de pessoas estão olhando
para ela, mas ela realmente não o ama, e não pode recusar
porque foi tão público, e ela se casa com ele e vive uma vida
infeliz… — Ele fez uma pausa para respirar e Daisy colocou
Max gentilmente em seu colo.
— Faça sua mágica, Maxy.
Max olhou para Sam e se aninhou em seu colo, seus dentes
afiados como navalhas não estavam à vista. Com um suspiro,
Sam deu um tapinha na cabeça de Max, sua tensão diminuindo,
apesar do fato de que eles estavam quase parados.
— Você quer comer algo? — Tia Taara entregou-lhe um
recipiente Tupperware. Ele foi apresentado rapidamente aos
parentes que se juntaram a eles na van e, graças às instruções de
Layla na tarde anterior ao que ele deveria ter conhecido, foi
capaz de se lembrar de todos eles.
— Obrigado, mas não estou com fome agora.
— Layla me disse para nunca comer nada em um recipiente
Tupperware — ele sussurrou para Daisy.
— Muito esperto. A Tia Taara fez doce surpresa com creme
de truta de caranguejo. Qualquer coisa que termine em
surpresa o levará ao banheiro por pelo menos três dias. Não é o
que você quer quando está tentando resgatar a mulher que ama
de se casar com o cara errado.
— Você tem o currículo de casamento dele? Preciso saber
com o que estou lidando antes de chegarmos lá. Nenhum dos
caras da lista de Nasir era digno dela. O que torna este
diferente?
Daisy lançou-lhe um olhar de soslaio.
— Vou ver se consigo encontrar. Enquanto isso, você
precisará baixar o aplicativo do estádio para que eu possa
transferir seu ingresso.
— Posso comprar meu próprio ingresso.
Ela deu um gemido exasperado.
— Claramente você não pensou sobre isso. Acontece que
tenho um ingresso extra bem ao lado dela.
— Por quê?
A van avançou e ele colocou a mão em torno de Max para
mantê-lo seguro. Por enquanto, tudo bem. Max parecia
contente em deitar em seu colo e encará-lo, mas teve o cuidado
de manter os dedos longe da boca do Westie59.
— Arun! — O berro da mãe de Layla desmentia seu corpo
frágil. — Você dirige como um velho. O jogo terminará antes
de chegarmos lá. Encoste no próximo posto de gasolina e deixe-
me dirigir.
Poucos minutos depois, o chapéu do Giants puxado para
baixo sobre os olhos, o assento levantado o mais alto que podia,
a mãe de Layla entrou na estrada e entrou e saiu do tráfego
como um piloto de corrida.
— Estou saindo da I-80 — gritou ela. — Vamos pelas
estradas secundárias. Espere.
Ela puxou o volante para o lado e a van guinchou quando
eles saíram da estrada.
— Essa é minha esposa. — Nasir olhou, orgulho estampado
em seu rosto. — Ela ensinou Layla a dirigir.

59
Raça do Max.
Com os dentes cerrados, uma mão apoiada no assento à sua
frente, a outra segurando Max, Sam cerrou os dentes:
— Por que não estou surpreso?
No momento em que se aproximaram do estádio, as costas
de Sam estavam cobertas de suor, seu coração estava disparado
e ele havia girado o pulso tantas vezes para verificar o relógio
que seu antebraço doía. Mesmo a presença calmante de Max
em seu colo não conseguiu acalmá-lo. Como ele deixou as
coisas irem tão longe? O que estava pensando? Se a perdesse
agora…
— Próxima placa de pare, você pula — a mãe de Layla gritou
enquanto eles viravam na Third Street. — Você pode entrar
pelo portão O'Doul. Temos amigos por perto onde podemos
estacionar. Nos vemos lá dentro.
— Dentro? Você está vindo? Você tem ingressos?
— É claro — disse Nasir. — Nunca perderíamos o final do
jogo.
• •
— Layla!
Ela o ouviu antes de vê-lo e, mesmo quando o viu, quase não
o reconheceu com a camisa laranja dos Giants que ele havia
vestido por cima do paletó e o boné azul marinho e laranja
enfiado na cabeça.
Sam desceu as escadas trovejando, passando por uma
mulher com uma criança e dois adolescentes carregando
cachorros-quentes carregados. Com o pôr do sol e uma brisa
suave soprando da baía, era uma bela noite para um jogo. Ela já
tinha visto Kevin Pillar pegar algumas bolas altas bem perto
dela, terminar seu sanduíche de caranguejo Dungeness,
cantado e aplaudido com a multidão entusiasmada. Era seu
lugar favorito na cidade e ela queria compartilhá-lo com a
pessoa que amava.
— Onde ele está? — Sam olhou para o assento vazio do
corredor ao lado dela. — Ele já fez o pedido? Você está noiva?
Foi difícil não rir de sua expressão feroz. Se ela tivesse trazido
alguém para o jogo, duvidava que ele demorasse muito em seu
assento.
— Não. — Ela deu um tapinha no assento ao lado dela. —
Por que você não se senta? Você está bloqueando a visão das
pessoas.
— É Hassan? Você não pode se casar com ele. Ele é um
golpista.
— Não é Hassan. — Ela estendeu uma bolsa. — Nozes?
Sam acenou recusando.
— Dilip? Você o escolheu porque ele pode dançar? Eu
posso dançar. — Ele juntou os dedos do jeito que ela havia
mostrado na fonte e torceu as mãos. — Lobos. Flores. Veja. Eu
lembro.
Layla o puxou para baixo para se sentar ao lado dela.
— Não acho que dançar agora seja uma boa ideia. As pessoas
estão tentando assistir ao jogo. E não, não é Dilip.
— O bombeiro? Você disse que ele era muito atleta.
— Daisy me mataria se eu me casasse com ele. Ela vai se
encontrar com ele para tomar um drinque na próxima semana.
Sam cerrou e abriu os punhos. Ela nunca o tinha visto tão
agitado. Mesmo quando entrou na festa de Royce, ele ainda se
segurou.
— É melhor não ser Faroz. Ele estava delirando.
Layla riu.
— Fiquei tentada a ser uma esposa espiã e não acho que
muitas pessoas conseguiriam me dar elefantes para o meu
casamento, mas não é Faroz. — Ela ouviu o estalo do bastão e a
multidão aplaudiu. Ela esperava que Sam percebesse o quanto
ela se importava. Poucas coisas podiam tirá-la de um jogo.
— Não… — Sua voz falhou. — Harman? — Ele flexionou
um braço. — Tenho malhado quatro vezes por semana.
— Você está brincando comigo? Não depois que ele me
levantou, embora tenha me inspirado a pensar em minha
própria marca.
— Baboo? — Ele claramente não iria desistir.
— Você meio que me arruinou para Baboo, várias vezes.
Sam deu um grunhido de satisfação, estufando o peito com
orgulho masculino como se fosse o único responsável pelo fato
de que ela não era virgem.
— E não é Salman, o dono do restaurante — ela disse
rapidamente. — Você nunca o conheceu, mas estava lá comigo
em espírito. Ele tinha tatuagens de gangue, guarda-costas e… —
Ela pigarreou. — Um dia, eu vou te contar como eu escapei. —
Ela pegou uma bandeja entre seus pés. — Alho frito?
Sam olhou para as caixas e recipientes no chão.
— Quanta comida você comprou?
— Vamos apenas dizer que o assento vazio ao meu lado não
foi realmente feito para uma pessoa.
Sam olhou ao redor, como se ainda acreditasse que havia
outro homem em sua vida.
— Havia outros?
— Apenas três. Sunil, um gerente de fundo de cobertura,
que não estava interessado em se casar comigo, mas queria me
comer. Eu pensei em você antes de sair pela porta…
Um sorriso apareceu em seus lábios.
— Eu gostaria de ter visto isso.
— E então havia o Solteirão número 9, Akhil. Ele tinha vinte
anos. Preciso dizer mais?
Sam ergueu a mão.
— Por favor, não.
— E finalmente o Solteirão número 10 era Sunny, o
instrutor de ioga. Mas ele é vegano. — Ela ergueu seu Super
Duper Burger. — E você sabe como eu gosto da minha carne.
— É só isso? — Sam franziu a testa. — Você disse em seu
bilhete que eu ganhei. De acordo com as regras do nosso jogo,
isso significa que você tem que se casar com alguém da lista de
seu pai.
— Meu pai adicionou mais um nome. — Ela pegou o
telefone e folheou o currículo de casamento que Nisha a
ajudou a escrever. — Eu vou te contar sobre ele. Solteirão
número 11…
A mandíbula de Sam apertou.
— Eu não me importo com quem ele é. Você não pode se
casar com ele. Você mal conhece esse cara. Ele te faz rir? Pode
te salvar de um cervo encrenqueiro? Ele faria suas fantasias de
elevador se tornarem realidade? Ou salvá-la de avanços
indesejados em um bar? — Ele agarrou sua camisa do Giants.
— Ele trairia seu próprio time e usaria isso para você?
— Sam Mehta. — Ela leu na tela. — Idade: trinta e dois.
Arrogante. Teimoso. Controlador. Obcecado em alinhar seus
lápis.
— Layla… — Sua voz era crua e áspera. — O que você está...
— Eu não faço o briefing tão bem quanto Daisy, mas deixe-
me terminar. Você precisa saber o que está enfrentando. — A
emoção brotou em sua garganta. Esperançosamente, este seria
o último currículo de casamento que ela teria que ler.
— A mãe é uma professora — ela continuou. — O pai é um
programador de computador. Irmã, Nisha, que é uma das
pessoas mais legais que já conheci, está planejando se tornar
uma advogada. Ele tem muitos diplomas e credenciais que
significam que ele salva vidas. Se mantém em forma fazendo
MMA na academia e batendo em caras que machucam as
pessoas de quem ele gosta. Muito prático. Sem imaginação.
Não conseguiu reconhecer um espião quando o cara estava
sentado bem na frente dele. Problemas de ciúme. Incrível na
cama. Reflexos de condução estelares. Gosta de longas
caminhadas em fontes vazias, sexo em banheiros de lojas de
roupas e mulheres com apetite saudável que pedem sua própria
sobremesa. Às vezes ele comete erros, mas suas motivações são
sempre puras. Ele é ferozmente leal, solidário, protetor,
profundamente moral, inteligente, gentil, engraçado e… — Ela
respirou fundo. — Eu o amo.
— Você me ama? — Ele olhou para ela, seu rosto uma
máscara de descrença. — Não há outro cara?
Layla largou o telefone e se virou na cadeira.
— Eu escolho o Solteirão número 11. Sam Mehta, quer
casar comigo?
•••

Paralizado, Sam não podia se mover.


Ela não estava se casando com outra pessoa. Nenhum outro
homem viria sentar nesta cadeira. Ela não sofreria a humilhação
de ser proposta em frente a um estádio cheio de fãs. E ela não
tinha vindo aqui apenas para o jogo.
Era tudo sobre ele.
Mesmo depois que ele a machucou. Mesmo depois de não
conseguir fazer justiça para Nisha. Embora houvesse outros dez
homens que seu pai considerava dignos.
Ela o queria. Sam Mehta. Amigo. Parceiro. Irmão. Filho.
Não apenas por hoje ou esta noite. Não por um curto
período de tempo ou por um bom tempo. Mas para sempre.
Ele não a merecia. Não merecia seu perdão. Mas não iria
deixá-la ir novamente. Ele teria uma vida inteira para se provar
digno de seu amor, de ser seu marido.
Ele tinha vindo para salvá-la, mas em vez disso ela o salvou.
— Sam? — Sua sobrancelha enrugada com consternação.
— Se você não quiser… Quero dizer… está tudo bem. Não há
câmera de beijo nem nada. Somos apenas nós. — Ela olhou por
cima do ombro. — E minha família.
Sam seguiu seu olhar para a multidão atrás de seu assento.
Todos estavam lá: Jana, Nasir, Daisy, Max, Arun, as tias e tios
da van, outros que ele não conhecera, duas garotinhas lindas,
John e Nisha em uma área acessível para cadeiras de rodas. Até
Royce. Em pé no caminho de alguém em seu terno de dois mil
dólares.
— Ele disse sim? — Arun gritou. — Eu não conseguia ouvir.
Há muito barulho.
— Todos eles sabiam? — Sam perguntou.
— Eu tinha que contar a eles. O casamento é um assunto de
família e todos têm que aprovar.
Sam bufou.
— O homem deve fazer a proposta.
— Você vai mesmo começar com aquela coisa de homem de
novo? — O sorriso de Layla desapareceu. — Eu te disse;
quando decidir me casar, vou perguntar ao homem eu mesma.
— Mas eu tenho um anel. — Ele puxou o anel do leque dos
Giants que comprou junto com a camisa e o chapéu e se
ajoelhou. — Layla Patel. Você é apaixonada, doce, engraçada,
generosa e gentil. Você me fez acreditar em mim novamente.
Me devolveu a fé na bondade das pessoas. Cada dia que passo
com você é uma aventura, seja evitando suprimentos de
escritório, encontrando espiões desi, cambaleando pelas ruas
em seu jipe ou me escondendo no armário de um restaurante.
Acho que me apaixonei por você no minuto em que entrou
pela porta, e cada momento que passei com você desde então
me fez amá-la ainda mais.
— Esse é um discurso improvisado muito bom para um cara
que está acostumado a estar no controle.
— Aprendi com os melhores. — Sam deslizou o anel em seu
dedo. — Eu ficaria honrado em me casar com você, Layla. Mas,
por favor, não me peça para apoiar seu time. Depois dessas duas
últimas eliminações, acho que os Giants estão à beira da pior
temporada em casa na história do Oracle Park.
— É um acordo. — Seu sorriso brilhou. — Agora me dê um
beijo. Todo mundo está esperando.
Embalando o rosto dela em suas palmas, Sam pressionou
seus lábios contra os dela e a beijou.
Longo e profundo. Macio e doce. Para sempre.
— Ele disse sim — gritou Nasir.
Uma ovação se ergueu da seção atrás deles.
— Eu trouxe o seu sherwani! — Tia Nira ergueu uma bolsa
de terno. — Está pronto para o casamento. Como eu disse.
— Levante — disse Layla. — Papai quer tirar uma foto.
— Eu não posso. — Sam olhou para baixo. — Eu acho que
me ajoelhei em suas batatas fritas.
• •
Layla entrou no restaurante The Spice Mill para um adeus
final. Sam e Royce haviam permitido que seus pais ficassem até
que as reformas de Sunnyvale fossem concluídas, mas agora
que tudo estava pronto, era hora de seguir em frente.
— As toalhas de mesa vão para a caixa do canto. — Sua mãe
entregou-lhe uma pilha de roupa recém-lavada. — E não se
esqueça dos guardanapos. A Tia Lakshmi bordou elefantes em
cada um. Para dar sorte.
— Você não vai precisar de sorte. Acho que todos em
Sunnyvale sabem que você vai voltar. Papai disse que estão
lotados pelos próximos três meses.
Sua mãe sorriu. Ela estava sorrindo desde o noivado, e agora
que o novo restaurante estava pronto, ela estava positivamente
feliz.
Layla não conseguia imaginar um momento mais diferente
do que a noite em que ela entrou no restaurante seis meses atrás
no ponto mais baixo de sua vida. Não foi fácil, mas ela fez o que
se propôs a fazer, reinventando-se e construindo algo ainda
mais maravilhoso do que jamais imaginou.
Ela passou pelas mesas vazias, as paredes cor de açafrão,
afrescos coloridos e pinturas das cidades natais de seus pais. Eles
venderam a fonte de água para Manoj Gawli na mesma rua, no
Restaurante Tamarind, e mantiveram apenas móveis
suficientes para caber em seu novo espaço aconchegante.
Dev teria ficado desapontado, mas ela sabia em seu coração
que ele teria entendido. Seus pais estavam felizes de novo e isso
era tudo o que realmente importava.
Ela conversou com as tias que vieram para ajudar a
empacotar a mudança. A Tia Pari dava os retoques finais em
um avental novo para a mãe, enquanto os filhos brincavam de
esconde-esconde embaixo das cadeiras. Tio Vij estava
dormindo no canto, seus novos óculos pendurados em seus
dedos enquanto sua esposa, Tia Nira, alisava a bolsa de roupas
que trouxera esta manhã. No espaço vazio onde ficava a fonte,
Tia Mehar estava ensinando a Anika e Zaina a dança “Kajra Re”
de Bunty Aur Babli e Tia Salena e Tia Taara estavam
discutindo sobre algo em um recipiente de plástico.
Rhea, sua cunhada, havia tirado uma folga para ajudar e
estava conversando com Tia Charu e Tia Deepa perto do bar
onde o Tio Hari se servia de mais uma bebida.
O ar ainda estava perfumado com especiarias e ela seguiu o
cheiro até a cozinha, onde seu pai estava derramando massa em
uma panela.
— Pai, o que você está fazendo? Os carregadores chegarão a
qualquer minuto.
— Eu prometi a Sam alguns masala dosas antes de ir para sua
grande entrevista. Ele precisa do estômago cheio se quiser
impressionar o conselho de residência do Redwood Hospital.
— Ele se candidatou em outros lugares…
Seu pai franziu a testa.
— Não. Nenhum outro lugar. Ele precisa ficar na área da
baía. É aqui que está a família – a família dele, a sua família. É
aqui que você está. Você tem seu negócio para administrar lá
em cima. Não há como ir embora. Perdemos você uma vez.
Não vamos perdê-la de novo.
— Você nunca vai me perder, pai. — Ela colocou os braços
em volta dele e deu-lhe um abraço. — Sam e eu ficaremos tanto
em Sunnyvale que você vai se cansar de nós.
— Certifique-se de que ele veja Lakshmi antes de ir. Ela tem
sorte para ele levar para a entrevista. — Ele virou o dosa sem
esforço, ela fez uma nota mental para trabalhar em suas
habilidades de fazer dosa. Depois de se reconciliar com seus
pais, Sam havia compensado por anos de negação comendo o
menu do The Spice Mill e depois, sem vergonha, visitando seus
parentes e pedindo para ficar para jantar.
— Sem mais elefantes. Ela deu a ele tantas coisas de elefante
que ele teve que comprar uma prateleira especial para manter a
todos. — Por uma questão de decoro, os dois tiveram que
manter seus apartamentos separados até o casamento, embora
Layla secretamente passasse a maior parte das noites em sua casa
na Mission.
— Não podemos arriscar. — Ele colocou a dosa cozida em
um prato. — Como ele pode planejar um casamento se está
longe? Não. Eu decidi. Ele conseguirá a residência aqui e
teremos uma grande festa de celebração no novo restaurante.
Layla beijou seu pai na bochecha.
— Eu o avisarei. Ele está vindo para o escritório antes de ir.
Embora Sam tivesse tecnicamente vencido o jogo, ele não
aceitou a adição apressada de seu nome pelo pai à lista. Como
resultado, uma vez que ela não tinha escolhido nenhum dos dez
solteiros originais, ele a declarou a vencedora do jogo do
casamento e de alguma forma convenceu Royce de que o
negócio de reestruturação poderia operar com sucesso no
prédio do outro lado da rua.
Daisy estava arrumando sua mesa quando Layla entrou no
escritório. Max estava brincando com um novo brinquedo que
rangia no canto, um presente de seu novo melhor amigo, Sam.
— Eu digitei uma nota de transferência para sua nova
recepcionista. Tem todos os detalhes de que ela precisa para
administrar as coisas quase tão bem quanto eu, incluindo a
receita do chai da sua mãe.
— Você não precisava fazer isso. — Layla se sentou na
espreguiçadeira roxa – a primeira coisa que trouxe de volta para
o escritório depois que Royce se mudou.
— Quero que tudo corra bem para você — disse ela. —
Você estará ocupada com suas duas novas contratações. Precisa
de pelo menos uma pessoa que saiba o que está acontecendo
enquanto estou ocupada revolucionando o mundo, uma linha
de código por vez.
Daisy decidiu voltar a trabalhar como engenheira de
software e encontrou uma excelente oportunidade em uma
nova start-up. Embora Max não pudesse ir trabalhar com ela,
ele passaria seus dias sendo mimado por tias e tios idosos, e suas
noites comendo pakoras em casa com ela e seu pai.
— Onde está o seu homem? — Daisy perguntou.
— Ele estava na academia esta manhã. Ele finalmente
venceu seu amigo Evan em uma luta e Evan está determinado a
igualar o placar. Depois disso, teve que realizar algumas
reuniões de rescisão – ele trabalhará com Royce em seu novo
escritório até que sua residência seja resolvida. E quando tudo
estiver pronto, ele virá aqui para ajudar com a mudança e
revisar alguns planos finais do casamento.
— Então, ele é um cara legal, afinal — disse Daisy
secamente.
— Ele sempre foi um cara legal; só demorei um pouco para
ver.

•••
— Megan, chamamos você aqui hoje porque o hospital está
passando por uma reestruturação. Lamento dizer que temos
que deixá-la ir. Hoje será o seu último dia.
Karen imediatamente fez um discurso sobre a necessidade
de reduzir o tamanho para permitir que o hospital continuasse
operacional. Sam esperou pacientemente até que ela terminasse
e deu o cartão de visita de Layla a Megan. Ele cancelou o
encaminhamento com o conselho da AH, que ficou feliz em
dar a seus ex-funcionários um pouco de esperança para o
futuro.
— Sinto falta do discurso antigo — disse Karen depois que
Megan saiu da sala. — Era inspirador.
— Não era o momento certo para eles ouvirem. Quando as
pessoas estão em choque, precisam de tempo para processar
antes de estarem prontas para seguir em frente.
Ele levou anos para superar sua culpa após o acidente de
Nisha, mas agora que havia colocado esse fardo para descansar,
ele poderia ajudar outros a lidar com sua dor.
— Você me inspirou de outra maneira. — Karen abriu seu
laptop. — Depois de ler o arquivo do cirurgião que machucou
sua irmã, resolvi resolver o problema por conta própria.
— Você falou com o seu gerente? — Ele só podia esperar
que Ranjeet fosse advertido com redundância. Ele passou as
demissões do St. Vincent para Royce por causa de seu conflito
de interesses, mas com tantas pessoas sendo dispensadas, não
era incompreensível que Ranjeet pudesse ser nomeado.
— Não — disse Karen. — Paul, o chefe de RH da Alpha
Health Care entregou seu aviso há algumas semanas e eu
consegui o emprego. Isso significa que tenho acesso a todo o
banco de dados. E adivinha o que eu encontrei?

•••

— Você viu Nisha? — Sam se esquivou de dois carregadores


que carregavam uma mesa pesada enquanto corria para o
restaurante. Ele mandou uma mensagem e ligou para todos que
poderiam saber onde Nisha estava, mas até agora não tinha
conseguido. Sua entrevista de residência seria em duas horas,
mas tudo o que ele conseguia pensar eram os minutos passando
que Nisha finalmente não sabia a verdade.
— Eu não a vi. — Arun ergueu uma palmeira gigante em
um vaso. — Nasir está na cozinha. Talvez você devesse
perguntar a ele.
Sam correu pelo restaurante e abriu a porta da cozinha.
— Exatamente o homem que eu quero ver. — Nasir acenou
para que ele fosse até o fogão. — Fiz seus masala dosas favoritos
para lhe dar energia para a entrevista.
— Isso é muito gentil, mas eu preciso encontrar Nisha. —
Suas mãos tremiam de excitação. — Eu tenho algumas notícias.
— Ela está com John lá em cima no escritório de Layla. —
Nasir colocou o prato nas mãos de Sam e acrescentou
cuidadosamente uma pequena tigela de sambar e um pouco de
chutney de coco. — Há o suficiente para compartilhar. Não
derrame o molho.
Sam subiu as escadas de dois em dois, diminuindo a
velocidade quando ouviu vozes no segundo andar.
— Sam! — Os olhos de Nisha brilharam quando ele entrou
no escritório. — Adivinha?
— Eu estive procurando por você. — Ele colocou os dosas
na mesa da recepção. — Liguei para todos que conhecia. Eu
dirigi por aí… — Ele respirou fundo. — Acabou, Nisha. A
Karen do RH…
— Você não acreditaria no que aconteceu…
— Vimos a fita de vigilância — disse ele, interrompendo-a.
— E havia uma testemunha. Foi exatamente como você disse.
Você estava discutindo com ele porque ele estava bêbado e
prestes a ir para a cirurgia. Você ameaçou me contar se ele não
cancelasse.
— Todo o elevador estava cheio de flores. — O rosto de
Nisha se iluminou. — E quando cheguei ao topo…
— Ele estava com raiva — Sam continuou. — Tão zangado.
Ele empurrou você. Não sei se ele queria que você fosse
machucada, porque ele pareceu genuinamente chocado
quando você caiu. Mas então ele foi embora e deixou você lá.
Karen o levou direto para a CEO e fez uma cópia para nós para
que possamos ir à polícia se eles tentarem enterrá-lo
novamente…
— John propôs!

•••

Após o choque do anúncio de noivado havia desaparecido e


John e Nisha tinham ido, Sam se sentou na espreguiçadeira
roxa e comeu seus dosas masala enquanto Layla terminava seu
trabalho. Ele não se cansava de sua guloseima favorita e Nasir
tinha sido mais do que complacente. Ele já se sentia parte da
família, embora Layla não pudesse convencê-lo a mudar seu
sobrenome.
— Pronto para a entrevista? — Ela se juntou a ele na
espreguiçadeira e ele a puxou para seu colo.
— Eu tive meus dosas diários e tenho dois bolsos cheios de
amuletos da sorte. Seu pai também contatou a “rede Patel”
secreta para conseguir alguns favores, suas tias e tios estão no
caso e alguém foi até meus vizinhos e pediu-lhes que
mantivessem seus gatos pretos dentro de casa. Com sua família
atrás de mim, a habilidade parece irrelevante.
Layla riu.
— Se você se lembra, foi assim que tirei meu negócio do
chão.
— Eu pensei que tudo começou com material de escritório
voando. — Ele a puxou para um beijo, e ela se derreteu contra
ele.
— Na verdade, acho que começou com um jogo…


1. Qual é a diferença entre comédia, romance e comédia
romântica? Como você classificaria The Marriage Game e
por quê?
2. Se você estivesse fazendo um filme deste livro, quem
você escolheria?
3. Embora a ame profundamente, o pai de Layla adere às
visões culturais tradicionais que colocam expectativas mais
altas e mais responsabilidades nos filhos. Como essas visões
afetam como Layla se vê, se é que o fazem? Essas atitudes
culturais afetam as decisões que ela toma na vida? Como
essas mesmas atitudes entram em jogo em relação a Sam e
que papel elas desempenham em sua decisão de abandonar
sua família depois que sua irmã é ferida?
4. Sam e Layla sentem-se fisicamente atraídos um pelo
outro quando se conhecem. Quando você acha que eles
sentem pela primeira vez um interesse que vai além da
atração física? Como isso muda o comportamento deles, se
é que muda?
5. Vamos falar sobre a grande briga no estacionamento do
centro esportivo. O que a desencadeou? Por que eles se
tornaram íntimos depois de se despojarem
emocionalmente, quando a coisa óbvia a fazer era fugir?
6. Sam se envolve emocionalmente no relacionamento
antes de Layla. Como ele descobre que Layla não sente o
mesmo e como ele reage? O que está segurando Layla neste
momento?
7. Sam se depara com uma escolha impossível quando
Royce aparece no escritório com a diretoria. Por que ele faz
a escolha que faz? Você concorda com a decisão dele?
8. Quando Layla percebe que ainda quer ficar com Sam
apesar de sua traição? Quando ela o perdoa? Como ele
mostra a ela que finalmente é digno de seu amor?

Você também pode gostar