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Carta a Um Profano - Jean-Baptiste Willermoz

Carta a um candidato a admissão em uma Loja Rectificada.


(Conforme o original na Biblioteca Municipal de Lyon)

Caro Senhor,
Vós haveis me confiado vosso desejo de ser recebido maçom no regime
específico que segue a Loja à qual o Senhor (...) está afiliado. O tempo não me
foi suficiente para vos propor algumas reflexões e observações preliminares a
esse respeito, mas como agora estou num momento mais favorável, aproveito
para vos apresentar, convidando-vos a não ser precipitado em vossa resposta.
Sinto-me muito honrado pela confiança que em mim depositastes, pela abertura
que fizestes de vosso objetivo, e agirei conforme este sentimento e consideração
especiais que vós me depositastes, assim como a todos que tem a honra de vos
conhecer. Não duvido que os motivos que hão feito nascer este desejo num
homem tanto honesto quanto prudente não deixam de ser muito honrosos,
assim como duvido também que a Loja à qual devereis afiliar-vos, quando for o
tempo, saberá bem apreciar e não falte à justiça que vos é devida. Limito-me
então, caro senhor, a vos dar uma vaga idéia da instituição em geral, e do
Regime específico ao qual desejai vos associar.
A origem e o objetivo essencial desta instituição são muito antigas e
extremamente pouco conhecidas, sendo muito maior o número daqueles que
levam o título de maçom, porque a maioria se satisfaz com o superficial, mas
pouquíssimos procuram o âmago das coisas. Alguns desejam adquirir este título
apenas para procurar, sob seu véu, alguns divertimentos misteriosos e amizades
que, quase sempre, são tão pouco profundas quanto o gosto que os une; outros o
desejam para realizarem juntos uma beneficência louvável e honrosa, que é o
objetivo ostensível e geral da sociedade; por último, outros puderam pensar que
uma instituição cuja origem primitiva perde-se na noite dos séculos, não
pudesse existir e ter resistido a todos os choques se não estivesse sustentada por
um objetivo fundamental e essencial para os homens de toda classe, idade e
nação, tomando um desenvolvimento mais elevado, de modo que enquanto
alguns rastejam no vestíbulo do Edifício, outros flutuam em seu teto. Os desvios
de alguns na sociedade civil degradaram a Sociedade mais respeitável aos olhos
do povo, freqüentemente imprudente e precipitado em seus julgamentos,
porque fizeram a isso como se faz comumente à Religião, que sempre é
confundida com a conduta desagradável de alguns ministros que lhe pertencem.
Mas esta Sociedade tem nela uma força pura, que não foi e não pode ser
degradada em sua essência, a qual continuará sempre muito respeitável. Desta
diversidade de gostos deve resultar, durante o decurso desta instituição e
mesmo no seu interior, Regimes diferentes, sendo uns com regras mais
austeras, devido a que se aproximam do seu objetivo primitivo, do que outros
que terão preferido continuar mais afastado de suas origens. Como se vê em
algumas partes de certas ordens religiosas, por exemplo, que estabeleceram
reformas específicas e mais severas, sem cessar contudo de pertencer à sua
ordem primitiva, mas antes sim para aproximarem-se da sua origem primitiva.
Penso que esta exposição será suficiente para vos levar a examinar
seriamente qual Regime melhor conviria aos vossos olhos e desejos, e eu não
vos farei seguir um dever e um prazer indicando as portas do que ireis preferir.
Aquele ao qual estou ligado (bem como o "Sr. De S..." sob a denominação de
Regime Retificado) não é o mais cômodo nem o menos exigente de todos, mas
exige muito mais dos seus membros que os outros, deixa-os aguardar mais; tem
seus espinhos, mas ferem apenas aqueles que o tocam com demasiada
sensualidade, ou que, pela impaciência, quer colher antes do seu tempo. Eis,
senhor, para ajudar em vossas reflexões, uma definição geral da Maçonaria no
Regime Retificado do qual vos falarei agora exclusivamente.
A Maçonaria é uma escola na qual o candidato é provado gradualmente
para formar um homem moral, útil em toda a sociedade humana, onde a
Providência Divina o colocou ou quis colocar, e que sob o véu de diversos
símbolos ele forma emblemas e alegorias próprios a exercitar sua inteligência,
conforme sua capacidade, cujo estudo é adocicado por alguns divertimentos
sociais, honrosos e decentes, que são interessantes pelo salgado mistério que os
acompanha. Forma-se ou fortifica-se assim, por um amor a uma prática
constante dos deveres religiosos, morais e sociais, adquirindo o hábito desta
virtude amável e suave, que agrada em todos os lugares onde se mostra desta
maneira, mas que não pode merecer o nome de virtude, pois que é fundada
sobre bases inquebrantáveis da religião cristã. Assim, embora a sociedade dos
maçons não seja uma sociedade religiosa, pois toda controvérsia em matéria de
religião e política é expressamente vedada em todas as assembléias, contudo os
princípios maçônicos que a dirige estão intimamente ligados aos princípios
fundamentais da Religião, sem os quais nenhum tipo de sociedade pode ser
verdadeiramente útil. Desta forma, enquanto o corpo inteiro pode se tornar útil
pela beneficência em relação à parte necessitada da humanidade, cada indivíduo
que o compõe terá também uma vantagem real e inapreciável para toda sua
vida, e mais, se souber avaliar o bem que a instituição pode fazer para si.
Eis, senhor, um rápido esboço geral da maçonaria. È um prazer vos
apresentá-la tal qual a conheço, desejo que ela também vos seja agradável. Não
propomos a ninguém ser recebido entre nós, e nisto diferimos muito dos outros,
mas devemos alguns conselhos e esclarecimentos ao que se apresenta por sua
própria vontade. Devemos lhe fazer entrever que a diligência que se propõe a
fazer é muito mais importante do que se pode imaginar, para que possa refletir
comedidamente antes de pedir sua recepção. É conveniente crer em parte que se
em algum momento de nossa história se tivesse agido desta forma, não haveria
tido a necessidade de reforma, e a sociedade teria tido menos membros em seu
seio que a desonrassem. Contudo, apesar destas precauções, há poucas Lojas,
independente do Regime, que se possa felicitar, mesmo a respeito dos membros
que são recebidos. Mas, senhor, se as forças concentradas da religião nada
podem fazer sobre certos homens, que se deve esperar daquelas menos potentes
de certas instituições? Alguém recém ingressado deve, por conseguinte, cobrir
com a caridade universal os defeitos de uns e procurar nos outros os seus
exemplos, pois em verdade vos posso dizer que os primeiros permanecem por
muito tempo, senão toda a vida, no vestíbulo, mesmo sendo avançados em graus
ou dignidades na instituição.
Se após esta explicação ainda persistes, senhor, na intenção que me
haveis anunciado, devo vos fazer observar que não há nenhuma necessidade
para um homem em ser recebido maçom, mas que é mais importante para um
homem casado não fazer nenhuma escolha essencial que possa alterar a união
em seu lar. Muitas mulheres têm um preconceito contra a maçonaria. Apesar de
ser injusto, um homem sábio não deve enfrentá-lo. Entre as mulheres que
amam seu cônjuge, há aquelas que a vêem o tempo que o marido destina à uma
associação que lhes é estranha como a perda dos instantes de doçura de sua
união. Temem, o que até pode ser aparentemente um bem, temor este presente
apenas para que um divertimento qualquer não se torne causa da separação,
prejudicial ao bem comum do lar. Ouso assegurar-vos que estes temores são
sem fundamento, mas deve-se perdoar aquelas que são as primeiras vítimas dos
seus preconceitos, devendo tratar isto com toda a prudência que a amizade
sugere. O homem honesto que escolheu uma companheira deve tornar sua vida
suave na medida da sua possibilidade, não semeando a amargura
desnecessariamente. A felicidade existe só quando a buscamos em todos os
lugares em que estamos. O verdadeiro maçom deve ser um sujeito fiel, bom
marido, bom pai, bom amigo e por último deve ser qualquer outra coisa que lhe
inspire o amor da virtude e doces deveres. Aí estão as suas características
essenciais. Se não os têm, ou não os adquire, corre grande risco de desonrar a
sociedade se desonrando a si mesmo. Senhor, tens a felicidade de estar unido a
uma esposa também respeitável e amável, e creio que antes de tomar qualquer
compromisso a esse respeito, ser-vos-ia prudente assegurar-vos das disposições
dela contra isso. Se ela recusar, suspenda as vossas decisões, esperando um
momento mais propício. Não procure arrancar um consentimento que poderia
tirar a tranquilidade de uma alma honesta cheia de amizade e dirigida pela
confiança. Quando fordes recebido na instituição, redobra vossa ligação, com
cuidados e virtudes. Provar-lhe-á que a instituição é útil de mais de uma
maneira, e que seu consentimento foi vantajoso. Se ao contrário, como penso
segundo as ideias que concebi da maneira de pensar e do caráter de vossa
esposa, quem me parece estar acima dos preconceitos desta natureza, ela não
sendo contrária ao vosso desejo, podereis me comunicar o resultado das vossas
próprias reflexões, sendo que esperarei para instruí-lo na proposição dos
escrutínios usuais neste caso.
Eu vos solicito, senhor, de não dar publicidade desta carta que uma
estima particular ditou, por medo que se ela chegue ao conhecimento de algum
maçom, não fira, contra minha vontade, aqueles que poderiam se reconhecer
em algumas das descrições feitas.

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