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O espalhamento Rayleigh

Bárbara Silva Castelões e José Henrique Monteiro de Azevedo1

1 DFI - Departamento de Fı́sica, Universidade Federal de Sergipe

ABSTRACT
É de certo interesse histórico ressaltar que a busca para entender a causa do céu azul foi primeiramente
abordada por Leonardo da Vinci, por volta de 1500. Foi apenas cerca de 370 anos depois no entanto,
com Lord Rayleigh, que este fenômeno foi melhor compreendido. Levando seu nome, o espalhamento
Rayleigh pode ser explicado a partir da potência total radiada por um dipolo elétrico e sua dependência
com a frequência. Como esta potência tem uma dependência de ω 4 , a energia espalhada é maior para
comprimentos de onda menores. No espectro visível, isso significa que vemos um céu azul. Nosso
trabalho tem como objetivo fazer um resumo da fundamentação teórica que leva à explicação deste
fenômeno, dentro do contexto da disciplina de Eletrodinâmica 2.

Introdução
Por que o céu é azul? Alguns nomes importantes foram relevantes para entender este fenômeno: Entre
outros, podem-se citar Leonardo da Vinci, com seus experimentos relacionados ao espalhamento da luz
pela fumaça de madeira em chamas, e John Tyndall, cujo nome é dado para o efeito Tyndall, que se
trata do espalhamento da luz por suspensão coloidal. Entretanto, a maior contribuição para a explicação
quantitativa para este fenômeno foi dada por John William Strutt, também conhecido como Lord Rayleigh.

Figure 1. Representação do espalhamento Rayleigh.Adaptada[5]

Considere a luz solar atravessando a atmosfera terrestre. A maior parte da luz que chega aos nossos
olhos não vem diretamente da direção do sol, mas sim indiretamente, através de um fenômeno conhecido
como espalhamento. Existem alguns tipos de espalhamento que ocorrem no processo de interação entre
luz e matéria. Para partículas cuja dimensão é muito menor que a do comprimento de onda da luz incidente,
temos o espalhamento Rayleigh. O espalhamento Rayleigh supõe os átomos das moléculas que compõem
a atmosfera como dipolos elétricos, que são excitados pela radiação eletromagnética e oscilam de forma
perpendicular à direção dos raios solares, rerradiando essa energia em forma de ondas eletromagnéticas. A
radiação proveniente do sol cobre uma ampla faixa do espectro eletromagnético, porém observa-se que
o espalhamento Rayleigh possui forte dependência com a frequência da luz incidente. Por isso, por ter
frequências mais altas, a luz azul é mais espalhada que a vermelha, e é ela que vemos ao olhar pro céu.

Fundamentação teórica
O desenvolvimento abaixo foi feito com base no capítulo 11, sessão 11.1.2: "Radiação de dipolo
elétrico" do livro Eletrodinâmica, de David J. Griffiths.
Para entender o espalhamento, consideraremos um átomo da atmosfera como um dipolo. Supomos
que ele é formado por duas esferas condutoras de tamanho desprezível, uma com carga q(t) e outra com
carga −q(t), separadas por uma distância d, sendo que elas estão conectadas for um fio fino (Figura x). Se
oscilarmos a carga no fio, à uma frequência ω, ela será dada por:

q(t) = q0 cos(ωt) (1)


Que dá origem a um dipolo elétrico oscilante, dada pela equação:

p(t) = p0 cos(ωt)ẑ, p0 = q0 d (2)

Seu potencial retardado será:


 
1 p0 cos [ω (t − R+ /c)] p0 cos [ω (t − R− /c)]
V (r,t) = − (3)
4πε0 R+ R−

Onde, usando a lei dos cossenos:


q
R± = r2 ∓ rd cos θ + (d/2)2 (4)

Para estudar os efeitos da radiação desse dipolo, são feitas algumas aproximações - explicadas com
mais detalhes no apêndice - , que nos levam aos seguintes potenciais escalar e vetorial:
 
p0 ω cos θ
V (r, θ ,t) = − sin [ω(t − r/c)]
4πε0 c r

Figure 2. Representação do dipolo. Adptada[1]

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E no caso do potencial vetorial, considerando a corrente que passa pelo fio (Figura x):
dq
I(t) = ẑ = −q0 ω sen(ωt)ẑ (6)
dt
O potencial produzido será:
µ0 p0 ω
A(r, θ ,t) = − sen[ω(t − r/c)]ẑ (7)
4πr
Que, por sua vez, resultam nos campos:

µ0 p0 ω 2 sen θ
 
∂A
E = −∇V − =− cos[ω(t − r/c)]θ̂ (8)
∂t 4π r

µ0 p0 ω 2 sen θ
 
B = ∇×A = − cos[ω(t − r/c)]φ̂ (9)
4πc r
As equações acima representam ondas monocromáticas de frequência ω viajando na direção radial, à
velocidade da luz. Sabemos que a energia radiada por um dipolo pode ser determinada a partir do vetor de
Poynting:
2
µ0 p0 ω 2 sen θ
  
1
S = (E × B) = cos[ω(t − r/c)] r̂ (10)
µ0 c 4π r
Cuja intensidade é dada calculando a media temporal de um ciclo completo:

µ0 p20 ω 4 sen2 θ
 
hSi = r̂ (11)
32π 2 c r2
A potência total radiada por este dipolo será dada, portanto, por:

µ0 p20 ω 4 sen2 θ 2 µ0 p20 ω 4


Z Z
hPi = hSi · da = r sen θ dθ dφ = (12)
32π 2 c r2 12πc
Nesta equação, é possível ver a intensa dependência da potência radiada pelo dipolo com a frequência.

Figure 3. Representação da corrente no fio do dipolo. Adaptada[1]

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Resultados e discussão
Polarização da luz espalhada
É importante ressaltar que o efeito de espalhamento não ocorre de forma igual para todas as direções em
que olhamos o céu. Essa diferença pode ser explicada pela polarização da luz que é rerradiada pelos dipolos
elétricos.

Considere um raio de luz solar vi-


ajando na direção z, atingindo certa
partícula na origem (Fig. 4). Sabemos
que a luz que a atinge é não-polarizada.
Ou seja, sua componente de campo
elétrico aponta para todas as direções
no plano xy (como esperado, já que sua
direção de propagação está em z). A
luz que atinge a partícula à estimula a
oscilar como um dipolo elétrico, que
rerradiará energia, esta sendo a respon-
sável pelo espalhamento. A oscilação
da partícula, assim como o campo in-
cidente, acontecerá no plano xy. Pode-
mos imaginar a oscilação do dipolo
Figure 4. Perfil de intensidade da radiação, com seu máximo no plano
neste plano a partir da decomposição equatorial.[6]
em duas componentes (x,y) quaisquer.
Somente a componente x da oscilação
contribuirá para um dado espalhamento na direção y, assim como somente a componente em y da oscilação
contribuirá para o espalhamento na direção x. E como a luz incidente é transversal, e sua direção de
propagação é no eixo z, não haverá componente nem para a oscilação nem para o espalhamento nessa
direção.
De modo geral, qualquer luz rerradiada pelo dipolo na direção y (E1 e E2 na figura) é linearmente
polarizada na direção x. De modo semelhante, a luz rerradiada por este dipolo na direção x será linearmente
polarizada na direção y.
Como vimos acima, a potência radiada pelo dipolo tem uma dependência com sin2 θ , o que significa
que ela será máxima para um ângulo de 90 graus. Ou seja: No plano perpendicular aos raios incidentes, o
azul será mais pronunciado. A luz vindo de regiões próximas (ou opostas) ao sol continuará não-polarizada.

Figure 5. Representação da intensidade da energia radiada por um dipolo.[7]

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Para regiões intermediárias, a luz será parcialmente polarizada (afetando assim, a intensidade do azul visto
no céu). Uma representação da intensidade desta potência pode ser vista na figura 5.

O vermelho do pôr do sol


Quando o sol está se aproximando da linha
do horizonte, podemos observar outra face deste
fenômeno. A luz que chega à superfície da terra,
de modo praticamente tangente, precisa passar
por uma camada muito mais espessa de atmosfera
do que quando vem de cima. Assim, muito do
azul que chegaria ao observador é removido pelo
espalhamento (ou seja, é rerradiado para outras
direções), e consequentemente o sol (e o céu, na
sua proximidade) aparenta ficar cada vez mais
vermelho, já que a luz nesses comprimentos de Figure 6. Pôr do sol na Lagoa Mundaú, Maceió - AL.
onda continua a propagar aproximadamente na
mesma direção da luz incidente.

Por que não vemos o céu violeta?


Como a luz violeta tem frequência maior que a luz azul, e o espalhamento é fortemente dependente da
frequência, seria de se esperar que o céu fosse violeta, já que ela é ainda mais espalhada que a luz azul.
No entanto, isso não acontece. É possível entender essa questão a partir de basicamente dois fatores:

• O espectro solar

• Sensibilidade do olho humano

No espectro visível, a luz de cor violeta está por volta de 400nm. No entanto, se observarmos o
espectro solar, que representa a intensidade da luz emitida pelo sol em diversos comprimentos de onda,
podemos ver que o sol emite muito pouco nessa faixa.

Figure 7. Figure 8. Espectro solar em


Espectro eletromagnético.[8] amarelo.[3]

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Além disso, é essencial levar em conta a sensibilidade do olho humano. Nossos olhos possuem células
chamadas cones, responsáveis pela detecção das cores. Existem três variedades deles: Longos, para
comprimentos de onda maiores, com o pico perto de 564-580 nanômetros (nm). Médios, com o pico em
cerca de 534-545 nm e curtos, que respondem à luz de comprimento de onda mais baixo, com o pico
em 420-440 nm, aproximadamente. Porém, a sensibilidade desses cones abrange uma larga extensão
em comprimentos de onda, o que significa que nossos olhos podem apresentar a mesma resposta para
conjuntos de luz de comprimentos de onda diferentes.
É isso que ocorre quando olhamos pro céu. A combinação de luz azul e violeta que é espalhada pelas
partículas da atmosfera causa no olho humano a mesma resposta que uma simples combinação de luz azul
e luz branca causaria. Desse modo, acabamos por enxergar o céu como azul, simplesmente.

Conclusão
Concluímos, a partir da teoria proposta por Rayleigh, num modelo onde as partículas que constituem a
atmosfera são consideradas como dipólos elétricos que são excitados pela incidência de luz solar e então
rerradiam essa luz, com intensidade intensamente dependente da frequência, que é possível explicar de
forma contundente o porquê da cor azulada do céu. Além disso, o espalhamento Rayleigh explica também
as variações na intensidade do azul que enxergamos ao olharmos para diferentes direções no céu, assim
como o avermelhado visto durante o pôr do sol.

Apêndice
Potencial Escalar
Para chegarmos às expressões para os campos elétrico e magnético e consequentemente para a potência
total radiada de um dipolo, foi necessário fazer algumas aproximações.
Na passagem da equação 3 para a 5, consideramos que o dipolo é "perfeito", ou seja, a distância de
separação entre eles é muito pequena.
dr aproximação 1
Com isso, expandimos
q q
R± = r2 ∓ rd cos θ + (d/2)2 = r 1 ∓ (d/r) cos θ + (d/2r)2 (13)

1
Chamando η = (d/r) cos +(d/2r)2 , temos que: R± = r(1 ∓ η) 2 , como η  1, podemos expandi-lo:
 
  "  2 # "  2 #2
1 3  1 d d 3 d d 
R± = r 1 ∓ η ∓ η 2 ∓ ... = r 1 ∓ cos θ + ∓ cos θ + ∓ ... (14)
2 2  2 r 2r 2 r 2r 

Desconsiderando os termos quadráticos e de ordem superior, temos que:


 
d
R± ∼= r 1 ∓ cos θ (15)
2r

Portanto,  
1 ∼1 d
= 1 ± cos θ (16)
R± r 2r

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Com isso  
∼ ωd
cos [ω (t − R± /c)] = cos ω(t − r/c) ± cos θ (17)
2c
E usando a propriedade de soma do cosseno, encontramos:
   
ωd ωd
cos [ω(t − r/c)] cos cos θ ∓ sin [ω(t − r/c)] sin cos θ (18)
2c 2c

Se o dipolo é perfeito, significa também que a distância que os separa é muito menor que o comprimento
de onda λ que ele emite e, com isso temos outra aproximação:

dλ aproximação 2

Note que λ = 2π/ω, ou seja, a aproximação 2 implica em d  c/ω. Levando em conta essa
consideração, a expressão 18 se torna:

ωd
cos [ω (t − ı± /c)] ∼
= cos [ω(t − r/c)] ∓ cos θ sin [ω(t − r/c)] (19)
2c
No entanto, essas aproximações nos levam ao seguinte potencial:
 
p0 cos θ ω 1
V (r, θ ,t) = − sen[ω(t − r/c)] + cos[ω(t − r/c)] (20)
4πε0 r c r

Para chegarmos ao potencial da equação 5, é necessário fazer outra aproximação, dessa vez estamos
interessados nos campos que conseguem sobreviver a grandes distâncias da fonte, na chamada zona de
radiação, ou seja:
c
r aproximação 3
ω
Com isso apenas o termo com seno, da equação xx, sobrevive e obtemos assim a equação 5.

Potencial Vetorial
De acordo com a figura 3, o potencial vetorial é calculado da seguinte maneira:
Z d/2
µ0 −q0 ω sin [ω(t − R/c)] ẑ
A(r,t) = dz (21)
4π −d/2 R

Aqui consideramos o valor do integrando da equação 21, na origem, ou seja em z = 0, que implicita-
mente significa usar as aproximações 1 e 2. Com isso obtemos o potencial da equação 7.

Campo Elétrico
Para calculcar o campo elétrico basta calcular seu gradiente:

∂V 1 ∂V
∇V = r̂ + θ̂ (22)
∂r r ∂θ
   
p0 ω 1 ω sin θ
=− cos θ − 2 sin [ω(t − r/c)] − cos [ω(t − r/c)] r̂ − 2 sin [ω(t − r/c)] θ̂ (23)
4πε0 c r rc r

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Considerando a aproximação 3, obtemos:

p0 ω 2
 
cos θ
∇V ∼
= cos [ω(t − r/c)] r̂ (24)
4πε0 c2 r

Que tomando a derivada temporal do potencial vetorial

∂A µ0 p0 ω 2
=− cos [ω(t − r/c)] (cos θ r̂ − sin θ θ̂ )
∂t 4πr
e somando com o gradiente do potencial escalar, obtemos o campo elétrico da equação 8.

Referências
[1] GRIFFTHS, David J., Eletrodinâmica, 3 ed.Pearson, 2011
[2] JACKSON. John D., Classical Electrodynamics, 3 ed. Wiley, 1998
[3] IQBAL, Muhammad, An Introduction To Solar Radiation, 1 ed, Academic Press, 1983
[4] KERKER, Milton, The Scattering of Light: and other electromagnetic radiation, 2 ed. Academic Press,
1969
[5] BLUE SKY, HyperPhysics Concepts, 2019. Disponível em: <http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/atmos/blus
Acesso em: 06 de mar. de 2019
[6] Oregon State University, 2019. Disponível em: <http://physics.oregonstate.edu/ giebultt/COURSES/ph332/Reading/
Acesso em 06 de mar. de 2019
[7] Equazone cartesiana del toro, YouMath, 2019. Disponível em: <https://www.youmath.it/forum/algebra-
lineare/22423-equazione-cartesiana-del-toro-toroide.html>
[8] Espectro eletromagnético, Knoow, 2019. Disponível em: <http://knoow.net/cienciasexactas/fisica/espectroeletromag
Acesso em 06 mar. de 2019
[9] GUYTON e HALL, Tratado de Fisiologia Médica, 13 ed. Elsevier, 2017

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