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Versão em Português do artigo:

Perez, O. C., Vaz de Moura, J. T., & Melo, C. B. de B. (2023). Protests for Women’s
Rights and against the Bolsonaro Administration. Latin American Perspectives, 50(1),
165–178. https://doi.org/10.1177/0094582X221150442

Protestos a favor dos direitos das mulheres e contra a gestão Bolsonaro

Olívia Cristina Perez -


Professora Adjunta na Universidade Federal do Piauí (UFPI), vinculada ao mestrado em
Ciência Política e ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas.
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9441-7517

Joana Tereza Vaz de Moura - Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais.
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9561-1063

Caroline Bandeira de Brito Melo –


Professora Assistente I da Faculdade Integral Diferencial (Facid) Wyden vinculada à
graduação em Direito.
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4688-4388

RESUMO: Este trabalho analisa protestos em defesa dos direitos das mulheres. A partir
de notícias e de documentos produzidos principalmente por movimentos sociais
feministas, são analisadas as pautas de três protestos: “#EleNão”, aqueles que ocorreram
no último dia internacional das mulheres (08 de março) e a Marcha das Margaridas de
2019. Em geral, os protestos defendem os direitos das mulheres e criticam o atual governo
liderado pelo presidente Jair Bolsonaro. O trabalho demonstra mudanças na relação entre
movimentos sociais e governo, bem como alterações nas estratégias dos movimentos
sociais, que estão indo para as ruas reivindicarem direitos e em defesa da democracia.
Palavras-chave: Protestos. Movimentos sociais. Feminismos. Governo Bolsonaro.

INTRODUÇÃO

O Brasil foi comandado por presidentes filiados ao Partidos dos Trabalhadores


(PT) por quase quatorze anos (de 2003 a 2010 com Luiz Inácio Lula da Silva e de 2011 à
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meados de 2016 com Dilma Rousseff). Em 2016, antes de concluir seu segundo mandato,
Dilma Rousseff foi destituída do cargo após controverso processo de impeachment. Em
seu lugar assumiu Michel Temer (do Partido do Movimento Democrático Brasileiro,
PMDB, depois nomeado Movimento Democrático Brasileiro, MDB, partido à direita no
espectro político). Temer era vice de Dilma e ocupou a presidência do Brasil de 2016 a
2018. Antes das eleições de 2018 o candidato com maior intenção de votos, o ex-
presidente Lula, foi preso, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em 2018
foi eleito Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal, PSL) marcando a ascensão de um
governo refratário à participação e pautas de movimentos sociais progressistas, tais como
os feministas.
A ascensão do projeto político liderado por Bolsonaro não acontece sem
resistências, inclusive em grandes protestos. Alguns deles foram liderados por ativistas e
movimentos sociais feministas, tais como: o protesto conhecido como “#EleNão”,
realizado em setembro de 2018 como oposição à eleição de Bolsonaro, aqueles que
ocuparam as ruas em 8 de março de 2019, dia internacional da Mulher, e a Marcha das
Margaridas, que reuniu na capital federal milhares de mulheres trabalhadoras em agosto
de 2019. São esses os objetos de reflexão do presente trabalho. Em que pese o tamanho e
importância desses protestos, pelo fato de serem recentes, ainda não há literatura sobre os
mesmos.
Mas já há conhecimento acumulado sobre os ciclos de confrontos brasileiros da
última década. Embora os ciclos brasileiros tenham variações, impossibilitando a
associação com um único protesto, pauta ou ator, os mais emblemáticos deles foram
chamados de Jornadas de Junho de 2013. Em meados de Junho de 2013 milhares de
brasileiros foram para às ruas com pautas diversas, que pediam desde a concretização de
direitos sociais, incluindo direitos para as mulheres, até mudanças no sistema político
(Tatagiba, 2014; Bringel e Pleyers, 2015; Tavares, Roriz e Oliveira, 2016; Alonso e
Mische, 2016; Alonso, 2017; Purdy, 2017; Tatagiba e Galvão, 2019; Almeida, 2019).
Muitos outros protestos aconteceram depois das Jornadas, alguns deles inclusive
apoiando o projeto político liderado pelo atual presidente Bolsonaro (Tatagiba, 2017,
2019; Tatagiba, Trindade e Teixeira, 2015; Cruz, Kaysel e Codas, 2015). A forte defesa
de pautas feministas nos grandes protestos de rua ou nas redes sociais digitais foi chamada
por parte da mídia brasileira de “primavera feminista no Brasil” (Piscitelli, 2017).
Os protestos não aconteceram somente no Brasil. Em meados de 2010 grandes
protestos ocorreram em outros lugares do mundo, como as jornadas da Praça Tahir no
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Egito, o Occupy Wall Street nos Estados Unidos e os Indignados na Espanha (Pleyers e
Glasius, 2013). Protestos feministas também aconteceram em outros lugares do mundo.
Em 2015, ocorreu o protesto chamado de “Ni una a menos”, na Argentina pelo fim da
violência contra a mulher. Na internet diversas mulheres denunciaram episódios de
assédio, inclusive cometidos por celebridades, o chamado #Yotambién argentino, em
referência ao #MeToo americano. No México, em 2016, foi lançada a campanha
#Miprimeroacoso, inspirada na hashtag brasileira contra o assédio (Agência Patrícia
Galvão, 2018).
De acordo com Alonso e Mische (2016), nos protestos de Junho de 2013 os
atores utilizaram ferramentas de repertórios globais, adaptando-as e as transformando. As
autoras argumentam que os manifestantes construíram performances híbridas,
aproveitando três repertórios: socialista, patriótico e autonomista. Os dois primeiros
foram herdados de ciclos anteriores, enquanto a novidade foi o repertório autonomista.
Junho de 2013 tinha pequenos movimentos sociais horizontalmente organizados,
rejeitando a forma hierárquica e formal das lideranças políticas.
Os protestos como o “#EleNão”, o do dia internacional da Mulher e a Marcha
das Margaridas têm em comum a utilização do confronto como estratégia dos ativistas.
Todos eles buscaram de maneira clara e central se opor aos possíveis rumos que as
políticas públicas e direitos conquistados pelas lutas feministas poderiam tomar.
A literatura sobre confronto político ajuda a entender a relação entre o contexto
político e os protestos. Tarrow (2009:25) explica que os ciclos de confrontos acontecem
“uma vez que os recursos para uma ação coletiva se tornam disponíveis para as pessoas
comuns e para as pessoas que diziam representá-las [...] produzindo os períodos de
turbulência e reorganização”. Quando iniciado o ciclo, há uma redução dos custos da ação
coletiva para outros atores e uma difusão dos quadros interpretativos e de modelos de
ativismo. Ainda segundo Tarrow (2009: 18): “o confronto político é desencadeado
quando oportunidades e restrições políticas em mudança criam incentivos para atores
sociais que não têm recursos próprios”. Conforme essa perspectiva, o sistema político é
essencial para a compreensão dos ciclos de confronto e dos repertórios dos movimentos
sociais. Os ativistas são "estranhos nos portões", uma vez que operam nos limites entre
as políticas instituídas, os aspectos culturais e as instituições (Tarrow, 2012). Ainda
segundo Tarrow (2012), os ativistas atuam na fronteira entre o confronto político e de
rotina, ou seja, escolhem seus repertórios e frames de acordo com as relações que
estabelecem com o campo político. Neste sentido, são parte de um sistema mais amplo
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de conflito e cooperação (Tarrow, 2012), ao mesmo tempo que podem cooperar com o
Estado também podem participar de processos conflitivos para pautar suas demandas na
arena política.
Com base no referencial sobre confronto político, este trabalho responde à
seguinte pergunta: como os movimentos feministas e suas pautas vêm se alterando em
consonância com o contexto político? Para responder essa pergunta o trabalho retoma,
por um lado, posicionamentos do governo Bolsonaro em relação aos direitos das
mulheres, por outro as pautas de protestos em prol desses direitos.
Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva. Primeiramente foram
retomados estudos sobre as relações entre movimentos sociais e governo nas gestões
petistas. Em segundo lugar foram reunidas diretrizes e posições do governo Bolsonaro a
respeito dos direitos das mulheres. Tais posicionamentos foram coletados na grande
imprensa brasileira, em especial do jornal Folha de S. Paulo, entre os meses de agosto e
outubro de 2019. Os resultados da pesquisa sobre algumas posições do governo atual em
relação aos direitos das mulheres encontram-se na seção 1 deste trabalho intitulada
“Mudanças nas diretrizes do governo federal em relação aos direitos das mulheres”.
Para verificar a pauta dos protestos que respondem de certa forma às provocações
de Bolsonaro, foram escolhidos protestos a favor dos direitos das mulheres e organizados
em um contexto político de ascensão do atual presidente. Com base nesses critérios, os
primeiros protestos analisados são conhecidos pelo símbolo que se espalhou nas redes
sociais: “#EleNão”. Eles ocorreram no dia 29 de setembro de 2018, entre o primeiro e o
segundo turno das eleições presidenciais no Brasil. A segunda série de protestos
aconteceu no dia 08 do março de 2019, dia internacional das mulheres. O mais recente
protesto abordado neste trabalho é a “Marcha das Margaridas”, ocorrida em agosto de
2019 em Brasília, capital federal do Brasil. As pautas destes protestos foram coletadas
entre agosto e outubro de 2019 em documentos e entrevistas produzidos pelas
organizadoras dos mesmos1. As pautas desses três conjunto de protestos são expostas na
segunda seção do trabalho: “Os protestos de mulheres contra o governo Bolsonaro”.
A análise de eventos de protesto (AEP), tem sido uma técnica de investigação
utilizada no campo de estudos de movimentos sociais. Esses estudos geralmente

1Todas as informações estão disponibilizadas em sites da internet, principalmente da página virtual da


Marcha Mundial das Mulheres (https://www.marchamundialdasmulheres.org.br), no Transformatório das
Margaridas (http://transformatoriomargaridas.org.br) e na página do facebook que organizou o protesto
#EleNão (https://www.facebook.com/movimentoelenao).
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produzem um catálogo de eventos de protestos comumente extraídas de jornais, embora


mais recentemente outras fontes estejam sendo utilizadas (Tatagiba e Galvão, 2019).
Tal análise permite captar sentidos e significados de fenômenos recentes e de
modo comparativo. No entanto, trata-se de um método limitado, principalmente no
tocante à seletividade das fontes consultadas. Por exemplo, neste trabalho optou-se por
investigar as pautas dos protestos a partir das informações disponibilizadas pelos próprios
movimentos sociais e ativistas feministas. No entanto, os discursos das ativistas são
produzidos justamente para reproduzir e provocar ainda mais revolta em relação aos
governos, em especial ao atual presidente. Do mesmo jeito, os discursos de Bolsonaro e
de seus apoiadores devem ser contextualizados. Os mesmos são construídos para
construir um determinado projeto político próprio que se opõe à gestão petista. Ainda que
não sejam fonte de verdades, o trabalho parte da premissa de que é importante analisar os
discursos, presentes especialmente nas pautas dos protestos, pois eles refletem e
conduzem práticas sociais.
O trabalho contribui para a compreensão sobre a relação entre movimentos sociais
e Estado ao demonstrar como as pautas dos protestos e as próprias estratégias dos
movimentos sociais têm se pautado no confronto com o governo. Passado um período de
relação entre movimentos sociais progressistas e governos petistas, assiste-se a volta dos
movimentos às ruas em explícita oposição ao governo Bolsonaro. Isso não significa que
a via institucional tenha sido abandonada, mas sim o crescimento e mudanças de pautas
dos protestos.

1 Mudanças nas diretrizes do governo federal em relação aos direitos das mulheres

A democracia no Brasil é relativamente recente. De 1964 à meados dos anos de


1980 o Brasil era comandado por ditadores militares. Só em 1989 os brasileiros voltaram
a votar, elegendo Fernando Collor de Mello como presidente. Collor passou por um
processo de impeachment em 1992, preferindo renunciar ao cargo. Em seu lugar assumiu
o vice, Itamar Franco. Seguiram-se dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (entre
1995 e 2002) responsável pela estabilização da economia, mas acusado por alguns
movimentos feministas aqui estudados (Observatório Marcha das Margaridas, 2019)
como responsável pela promoção de políticos neoliberais.
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Em 2002, Luís Inácio Lula da Silva, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), foi
eleito presidente do país e reeleito em 2006. O PT permaneceu no poder com a eleição de
Dilma Rousseff em 2010, também reeleita, em 2104.
A gestão petista aproximou movimentos sociais do Estado em pelo menos dois
sentidos: primeiro, com a ampliação das Instituições de Participação (IPs) em que
membros da sociedade civil decidem junto ao governo diretrizes para políticas públicas.
São exemplos de IPs os Orçamentos Participativos (conhecidos pela sigla OP, em que os
cidadãos definem como gastar parte do orçamento municipal), Conselhos Gestores
(responsáveis pela formulação de políticas públicas a partir da decisão de membros da
sociedade civil e do governo) e Conferências de Políticas Públicas (em que membros da
sociedade civil formulam diretrizes para políticas públicas em diversas áreas, desde a
assistência social, educação e saúde, passando por cultura, meio-ambiente,
desenvolvimento regional até os direitos de segmentos sociais tradicionalmente
desprivilegiados, como jovens, idosos, afrodescendentes, indígenas, mulheres e Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros, conhecidos pela sigla LGBT)
(Lima e Silva, 2012; Pogrebinschi, 2012; Nogueira, 2013; Teixeira, 2013; Araújo, 2014;
Avritzer, 2016; Oliveira, 2016). Na área das políticas para as mulheres, as Conferências
tiveram a importância de legitimar as demandas por equidade de gênero, especialmente
por transformar em “questão de governo” temáticas que tradicionalmente eram vistas
como de cunho intimista e privado (Santos, Perez e Szwako, 2017).
Em segundo lugar, a aproximação entre movimentos sociais com a gestão pública
ocorreu nos governos petistas por meio da escolha de lideranças de movimentos sociais
para cargos centrais na burocracia federal, fenômeno chamado de ativismo estatal (Pires
e Vaz, 2014; Cayres, 2017). Essa aproximação também ocorreu no campo dos direitos
das mulheres, com a ida de feministas para cargos da burocracia federal, o que ficou
conhecido como feminismo estatal (Bohn, 2010; Matos e Paradis, 2014). As interações
entre movimentos sociais e Estado nas gestões petistas resultou em importantes avanços
legislativos para as os direitos das mulheres, como a aprovação da Lei Maria da Penha,
Lei nº 11.340/2006 de 7 de agosto de 2006 (Congresso Nacional, 2006), a qual diz
respeito ao combate à violência doméstica de gênero e da Lei do Feminicídio, Lei nº
13.104/2015 de 9 de março de 2015 (Congresso Nacional, 2015), que converteu em crime
hediondo o assassinato de mulheres em virtude de seu “sexo”. Outro resultado foi a
formulação de políticas públicas mais afinadas com as demandas de movimentos sociais
(Santos, Perez e Szwako, 2017).
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O aumento do ativismo estatal tem relação com o fato de o Partido dos


Trabalhadores (PT) contar com ativistas de movimentos sociais em seus quadros, além
de ter como uma das suas diretrizes de gestão a participação. Os trabalhos sobre tais
relações (Abers e Von Bülow, 2011; Pires e Vaz, 2014; Abers, Serafim e Tatagiba, 2014;
Gurza Lavalle et al., 2017; Carlos, Dowbor e Albuquerque, 2017; Cayres, 2017)
ensinaram que Estado e sociedade civil se influenciam mutuamente, abrindo um campo
de reflexão sobre as chamadas interações socioestatais.
No entanto, a direção do governo e a relação com movimentos sociais, em especial
os feministas, alteraram-se substancialmente nos últimos anos. Desde o governo de
Michel Temer tem se destacado no Brasil uma nova direita resultando em uma
“democracia blindada”, que tem as seguintes características, conforme definição de
Goldstein (2019: 245):

a construção de um inimigo “esquerdista” para justificar a repressão de


ativistas e movimentos sociais, preservando uma base leal e
manipulando a raiva se nenhuma conquista econômica for feita; um
papel partidário político para os poderes judiciais com forte
interferência de lobby e consultores militares; uma democracia fraca
sem participação política; o estabelecimento de uma ordem favorável
ao mercado contra a plataforma votada pela maioria dos brasileiros nas
eleições de 2014; os avanços de direita no discurso público que
reestruturaram a cultura e a discussão política; e a adesão de um
candidato de extrema direita à presidência pela primeira vez desde a
redemocratização começou em 1985.

Esse candidato, Jair Bolsonaro, foi eleito em 2018 e assumiu “as pautas dos
costumes [...] agradando às forças cristãs do Congresso Nacional” (Almeida, 2019:
200). Ainda conforme Goldstein (2019: 257), não é possível se referir a essa nova ordem
de direita como ditadura, e ainda assim não pode se referir a ele como totalmente
democrático, trata-se de uma democracia cujos potencialidades tem sido mutiladas.
A gestão de Bolsonaro deixa bem evidente a diferença que tem em relação ao
período governado pelo PT, especialmente na área dos direitos das mulheres. Na sua
gestão, a Secretaria Nacional dos Direitos das Mulheres, que na maior parte dos governos
petistas tinha status de Ministério, com burocracia e orçamento próprio, foi transferida
para o recém-criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
(MMFDH). O próprio nome dado ao novo ministério (Mulher, Família e Direitos
Humanos) indica a direção do projeto bolsonariano: a mulher aparece ao lado da família.
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Para comandar o Ministério foi escolhida a pedagoga, advogada, evangélica e


pastora, Damares Alves. A ministra causou polêmica após divulgar um vídeo na internet
logo após a vitória de Jair Bolsonaro alegando que “a nova era começou”, e que a partir
de então “menino veste azul e menina veste rosa" (Pains, 2019). A declaração da ministra
vai na contramão das pautas básicas dos movimentos feministas: a igualdade de direitos
entre homens e mulheres.
Mesmo antes da eleição, Bolsonaro chegou a defender que as mulheres não devem
receber o mesmo salário que os homens (Bragon, 2018), ainda que exerçam a mesma
função. O presidente também demonstrou menosprezo às mulheres dizer, em 2017, que
tem 5 filhos: “Foram 4 homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher" (Veja
São Paulo, 2017). Em 2018, o vice de Bolsonaro, general Mourão, afirmou à Folha de S.
Paulo que famílias sem "pai e avô" e com "mãe e avó" são "fábricas de desajustados" que
ingressam no narcotráfico, reafirmando uma suposta supremacia da presença de um
homem nos lares brasileiros (Gielow, 2018). Esses posicionamentos revelam que os
governantes do Brasil consideram mulheres inferiores em relação aos homens, justamente
o que os feminismos combatem.
A agenda anti-gênero foi central na candidatura de Bolsonaro. E foi justamente a
Ministra Damares Alves uma das pioneiras a denunciar durante pregações na Primeira
Igreja Batista, ainda em 2013, a suposta existência de cartilhas escolares “ensinando
homossexualidade”, o que não era verdade. Jair Bolsonaro levou a história ao Jornal
Nacional em 2018, denunciando o PT de “promover a homossexualidade” por meio de
cartilhas distribuídas nas escolas (Mesquita, 2019).
Depois de eleito, o combate à chamada “ideologia de gênero” se tornou uma das
principais bandeiras do presidente e de seus apoiadores. Para eles, haveria um movimento
orquestrado por professores, universidades e escolas que supostamente “ensinam” e
“incentivam” meninos e meninas a serem homossexuais e/ou não exerceram seus papéis
sociais de gênero. Por isso a discussão sobre gênero deveria ser proibida nas escolas e
outros espaços educacionais.
Nesse mesmo sentido do combate à “ideologia de gênero”, a base governista de
Jair Bolsonaro (PSL) defende em âmbito federal o Projeto de Lei 867/2015 de 23 de
março de 2015 (Câmara dos Deputados, 2015) e outros projetos de lei que seguem as
diretrizes do Movimento “Escola sem Partido”. O projeto surgiu como uma reação a um
suposto fenômeno de instrumentalização do ensino para fins político ideológicos,
partidários e eleitorais. Para acabar com a expressão da opinião de professores em sala de
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aula, apoiadores de Bolsonaro defendem a suposta imparcialidade e neutralidade do


docente. Conforme essa defesa, se o professor não pode expressar opinião sobre política,
não poderia também discutir gênero e feminismo.
O governo Bolsonaro também tem combatido o diálogo com movimentos sociais
que lutam pela concretização de direitos. Prova disso é a publicação do Decreto 9.759 em
abril de 2019 (Presidência da República, 2019) que estabelece diretrizes, regras e
limitações para colegiados da administração pública federal, extinguindo todo os
colegiados que não tenham sido regulamentados em lei. No conceito de colegiado estão
incluídos conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas e
qualquer outra denominação dada ao colegiado. O decreto presidencial pode extinguir ao
menos 34 Conselhos, incluindo o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e
Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD), além de outros, tais como: Conselho Nacional
de Segurança Pública (Conasp), Conselho da Transparência Pública e Combate à
Corrupção (CTPCC), Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), Conselho
Nacional de Direitos do Idoso (CNDI), Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência (Conade), Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) etc.
No mesmo sentido, em agosto de 2019, o Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos publicou a Portaria nº 2.046 (Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos, 2019) que declara a revogação de seis comitês, incluindo o de Gênero e o de
Diversidade e Inclusão. O primeiro propunha medidas para prevenir a violência de
gênero contra funcionários do ministério e articulava medidas da pasta para a igualdade
de gênero. O Comitê de Diversidade e Inclusão tinha como uma de suas finalidades apoiar
a "diversidade sexual, com especial proteção às pessoas LGBTI" dentro do ministério.
Mais uma prova de que o governo Bolsonaro é refratário à participação da sociedade civil
e aos ideais feministas básicas, como a igualdade entre homens e mulheres.
No entanto, a dificuldade de participação de movimentos sociais na gestão
Bolsonaro não significa ausência de relações. Instituições de Participação garantidas por
lei continuam a existir e há variações em relação ao funcionamento e efetividade
dependendo da área e esfera em que atuam (municipal, estadual e federal). Ativistas
também continuam a ocupar lugares na burocracia, variando também conforme a área e
a esfera de governo.

2 Os protestos de mulheres contra o governo Bolsonaro


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A reação ao projeto liderado por Bolsonaro, especialmente em relação aos direitos


das mulheres, tem disso feita pela sociedade civil de diversas formas. Uma delas são os
protestos. Nota-se que os protestos são anteriores a 2013 ou ao período de ascensão do
governo Bolsonaro. Ademais, muitos protestos não tem o direito das mulheres como
pauta principal. Ciente dessas variações, este trabalho se centra nos protestos organizados
por movimentos sociais e ativistas feministas que se contrapõem declaradamente ao
projeto liderado por Bolsonaro.
O primeiro deles é conhecido pelo símbolo que se espalhou nas redes sociais:
“#EleNão”. Tais protestos ocorreram no dia 29 de setembro de 2018, entre o primeiro e
o segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, e o principal objetivo era derrotar a
candidatura de Bolsonaro para a presidência. Dezenas de cidades brasileiras tiveram
manifestações contrárias a Bolsonaro, reunindo ao todo mais de 100 mil mulheres nas
ruas. Também houve atos em diferentes cidades do mundo, como Nova York, Lisboa,
Paris e Londres.
Os protestos impressionaram pela capilaridade e grande quantidade de
participantes. Céli Regina Jardim Pinto, professora da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, afirmou em reportagem à BBC (Rossi, Carneiro e Gragnani, 2018) que o
#EleNão de 29 de setembro foi a maior manifestação de mulheres da história do país.
O grupo de mulheres que convocou os protestos publicou um manifesto chamado
“Democracia Sim – Manifesto”. O documento traz uma lista detalhada dos motivos que
levaram as mulheres brasileiras a criarem essa resistência contra Bolsonaro. Entre as
principais razões, está o fato de Bolsonaro apoiar a reforma trabalhista, sua defesa de um
modelo de segurança que incentivaria o extermínio das juventudes negras, o preconceito
contra LGBTs, suas declarações misóginas e o receio quanto a volta da ditadura militar.
A diferença desses protestos em relação aos outros abordados neste trabalho foi a
forma de organização e convocação: não foi a partir de movimentos sociais, mas sim de
ativistas digitais. A hashtag #EleNão foi criada por uma publicitária, após conversas com
suas amigas sobre o que fazer diante do crescimento das intenções de voto para o então
candidato Jair Bolsonaro. Conforme entrevista da publicitária para o jornal O Estado de
S. Paulo, ela “Percebia nas minhas próprias redes muitas amigas comentando e criticando
essas posturas [do Bolsonaro], então decidimos unir todas essas mulheres e criar um fato
político para mostrar que grande parte da população não é favorável a essa candidatura".
Com o crescente uso da hashtag #EleNão como forma de protesto virtual, as
ativistas criaram um grupo na rede social facebook chamado “Mulheres Unidas Contra
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Bolsonaro”. O grupo conseguiu reunir 3,8 milhões de mulheres (Cafardo, 2018). Dentro
da página foram combinados protestos contra a candidatura de Jair Bolsonaro.
Uma das suas particularidades foi o fato dos protestos inicialmente não terem sido
convocados por movimentos sociais. Outra diferença desse protesto deve-se à recusa de
vinculação partidária por parte das organizadoras do grupo. A própria criadora do grupo
declarou que nunca participou ativamente do movimento feminista, nem se filiou a
nenhum partido (Cafardo, 2018). O Manifesto do grupo “Democracia Sim” (2019, s/p.)
ressalta a diversidade e o fato de não estarem vinculada a nenhum partido: “votamos em
pessoas e partidos diversos. Defendemos causas, ideias e projetos distintos.” Essa é uma
resposta e forma de aglutinar mais ativistas em um contexto descrença nos partidos
políticos. Tal descrença foi já estava expressa nas Jornadas de Junho de 2013 (Tatagiba,
2014; Tatagiba e Galvão, 2019). Tal posicionamento também remonta ao repertório
autonomista, descrito por Alonso e Mische (2016) para ajudar a compreender os protestos
de Junho de 2013.

Introdução Confome Perez (2019):

Desenvolveimento Ooooooooooooooooooooooooooooooooooo

Conclusao Comentário

Conforme Silva

00000000000000000000000000

O segundo conjunto de protestos aqui analisados em defesa das mulheres e com


críticas ao presidente ocorreram no dia 08 do março de 2019, dia internacional das
mulheres. Pelo fato de serem organizados localmente, as manifestações do dia 08 de
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março são variadas: aconteceram aulas públicas, cerimônias, assim como protestos, em
especial nas grandes capitais.
Segundo informações da um importante movimento social feminista, a Marcha
Mundial das Mulheres (2017a), em São Paulo (SP), o lema “Mulheres contra Bolsonaro!
Vivas por Marielle, em Defesa da Previdência, por Democracia e Direitos” reuniu mais
de 80 mil pessoas na Avenida Paulista. No Rio de Janeiro (RJ), o ato reuniu mais de 30
mil mulheres. As mulheres também organizaram manifestações em outras partes do
Brasil.
Embora com variações, em geral as pautas se opunham à: “proposta de reforma
da Previdência, o aumento da militarização, a criminalização dos movimentos sociais, a
política de ‘entreguismo’ dos recursos naturais que afeta a soberania nacional [...] o
machismo, a violência de gênero, a desigualdade, o racismo e o preconceito contra
pessoas LGBTs.” (CUT, 2019). A vereadora carioca Marielle Franco, assassinada há um
ano, foi lembrada em diversos atos. As manifestações também denunciaram ainda o
avanço da onda conservadora, os ataques à democracia e a escalada da violência contra
às mulheres (Marcha Mundial das Mulheres, 2017a).
O protesto foi considerado pela Marcha Mundial das Mulheres como responsável
por abrir “o calendário de manifestações de massa contra as reformas e a retirada de
direitos propostas pelo governo de Jair Bolsonaro”. (Marcha Mundial das Mulheres,
2017a, s/p). Logo, os protestos tiveram, além da tradicional defesa dos direitos das
mulheres, críticas ao atual governo.
A crítica ao avanço de um novo projeto no Brasil já apareceu em anos anteriores.
Em 2017 os protestos pediam a saída do presidente interino Michel Temer sob o slogan
“Fora Temer”, mas a pauta central era a oposição à Reforma da Previdência (Marcha
Mundial das Mulheres, 2017b). Em 2018, os protestos do 8 de março foram marcados por
manifestações por democracia e aposentadoria (Marcha Mundial das Mulheres, 2018).
Já nos protestos de 2019 a crítica ao Bolsonaro e ao projeto político por ele
apresentado é que se destacaram. Sônia Coelho, da coordenação nacional da Marcha
Mundial das Mulheres, declarou que: “O sentido desse 8 de março foi mostrar que as
mulheres continuam em resistência contra Bolsonaro, contra o conservadorismo e
fundamentalmente contra a reforma da previdência que vai penalizar mais as mulheres
pobres, as mulheres negras. Nesse sentido, as manifestações cumpriram seu objetivo,
trazendo inclusive de volta, as pessoas que estiveram presentes no #EleNão”. (Marcha
Mundial das Mulheres, 2017a, s/p).
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Nota-se então que os protestos de 2017 e 2018 eram principalmente contra


projetos considerados negativos para a classe trabalhadora, em especial para as mulheres,
como a reforma da previdência. Havia críticas ao governo. Em 2019 o alvo passa a ser
Bolsonaro e todo o projeto político que ele representa.
Em relação à organização dos protestos de 08 de março, todo ano os movimentos
sociais participam da organização em várias cidades do Brasil e do mundo. Além de
contar com movimentos sociais, alguns dos protestos em torno do “8 de março” foram
convocados também por ativistas feministas via redes sociais digitais. Essa forma de
convocação ocorreu como em São Paulo com o evento criado no facebook “Movimento
8 de março”. Conforme estudo de Morgans (2018), movimentos sociais radicais
enfrentam dificuldade de se envolver com o ciberespaço, dominado por atores
hegemônicos. Mesmo assim o protesto contou com canais digitais. Tal informação
demonstra como as redes sociais, a despeito das suas limitações, podem somar aos
protestos organizados por movimentos sociais, em uma sinergia entre o espaço virtual e
a militância dos movimentos. Ademais, os protestos de 8 de março contaram com
estratégias utilizadas pelo #EleNão, como a convocação pelas redes sociais, reafirmando
como a interação entre movimentos e ativistas contribui para o repertório dos movimentos
sociais.
O último e mais recente protesto abordado neste trabalho é a “Marcha das
Margaridas”, ocorrido em agosto de 2019 em Brasília, capital federal do Brasil. Estiveram
no protesto cerca de 100 mil mulheres de todo o Brasil (Marcha Mundial das Mulheres,
2019).
O protesto é organizado pela Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais
Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), em parceria com movimentos
feministas e de mulheres trabalhadoras, centrais sindicais e organizações internacionais,
tais como a Marcha Mundial das Mulheres (MMM,) a Articulação de Mulheres
Brasileiras (AMB), a União Brasileira de Mulheres (UBM) e muitos outros. Em 2019 se
uniram à Marcha das Margaridas a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas, que reuniu
3 mil mulheres, acampadas em Brasília desde 9 de agosto. O protesto ocorre a cada quatro
anos desde o ano de 2000 e é considerado pelos organizadores a maior ação de mulheres
da América Latina.
Por conta do tempo de existência da Marcha das Margaridas e a coesão das suas
propostas (diferente dos protestos anteriores), é possível acompanhar as mudanças das
pautas ao longo dos anos.
14

A primeira Marcha aconteceu em agosto do ano de 2000 e tinha como lema: “2000
razões para marchar: contra a fome, a pobreza e a violência sexista”. Com Fernando
Henrique Cardoso no comentado do governo federal, a Marcha teve um forte caráter de
denúncia do modelo de desenvolvimento rural do país e de como a política de Estado
neoliberal impactava a vida das/os trabalhadoras/es rurais. Mesmo assim, pela primeira
vez na história, o governo brasileiro se dedicou a negociar e analisar uma pauta específica
das trabalhadoras rurais, ainda conforme informações do Movimento (Observatório
Marcha das Margaridas, 2019).
Em agosto de 2003, no início do primeiro mandato do governo Lula, as mulheres
trabalhadoras rurais realizaram a segunda Marcha das Margaridas com pautas
semelhantes ao da marcha anterior (“2003 Razões para Marchar contra a fome, a pobreza
e a violência sexista”). A Marcha posterior, em 2007, manteve o sentido do lema do
protesto anterior. Pela intensa relação entre movimentos sociais e gestões petistas,
exploradas na seção anterior deste trabalho, naquele momento a pauta dos protestos se
centrava nos direitos e diminuição de desigualdades sociais.
Em 2011 a bandeira foi em prol de “2011 Razões para Marchar por:
desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade” passando a
ressaltar a luta por desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e
liberdade. O mesmo correu na Marcha de 2015. Mas em 2015, o tema da democracia se
juntou aos anteriores, em uma clara resposta à ameaça de afastamento de Dilma Rousseff
do cargo de presidente da República. (“Margaridas seguem em marcha por
desenvolvimento sustentável com democracia, justiça, autonomia, igualdade e
liberdade”).
Já em 2019, sob o governo Bolsonaro, a sexta Marcha das Margaridas passou a
ser “Margaridas na luta por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça,
igualdade e livre de violência”. A soberania do povo, diante de um governo refratário à
interlocução com movimentos sociais que defendem a ampliação de direitos, passou a ser
um dos motes dos protestos, assim como a oposição à violência contra a mulher.
Entre 2000 e 2015, a Marcha elaborou duas pautas dirigidas ao Estado com vistas
a negociação das mesmas. Tais pautas incluíam demandas por políticas de acesso à terra
para mulheres, políticas de crédito, políticas sociais para o campo, como saúde, educação
e moradia de qualidade. Já em 2019, a Marcha optou por não elaborar uma pauta política
para o Estado, por entender que o atual governo não negociaria as demandas políticas das
Margaridas. Como alternativa, lançaram um documento intitulado “Plataforma Política -
15

Marcha das Margaridas 2019” na qual apresentam o projeto político de sociedade


defendido pela Marcha.
Em 2019 a Marcha “assumiu um caráter de denúncia, de demarcação de posições
e, sobretudo, de resistência.” Conforme Mazé Morais, da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag)” “Não dá para negociar com governo que retira
direitos. Por isso, este ano apresentamos uma plataforma que anuncia qual é o modelo de
sociedade que as mulheres defendem.” (Peres, 2019, s/p).
Ou seja, nos governos petistas anteriores à Bolsonaro, “[...] a Marcha apresentava
uma pauta de negociações que foi capaz de impulsionar conquistas de direitos e políticas
públicas” (Marcha Mundial das Mulheres, 2019). Já em 2019, conforme consta no
documento “Plataforma Política” (2019, s/p) a Marcha serve para denunciar:

“[...] a violência que estamos sofrendo, o aumento das desigualdades


sociais, pautadas nas relações de classe, gênero e raça, as
desconstruções e violações de direitos, o corte no orçamento de
políticas de assistência social, de saúde, de educação, de moradia, de
incentivo à produção de alimentos, enfim, denunciamos o desmonte do
Estado democrático de direito”.

A pauta do protesto era também contra Bolsonaro e alguns dos seus projetos, tais
como: a reforma da previdência (considerada um ataque aos direitos dos trabalhadores,
em especial das mulheres), as políticas de flexibilização de agrotóxicos e a abertura de
possibilidades para que terras indígenas e zonas protegidas sejam abertas para a
exploração. Mais do que a defesa das mulheres, a marcha das Margaridas pedia a volta
dos direitos para todos os trabalhadores, considerado sob ameaça no contexto político
atual.
No encerramento do ato, Sonia Coelho, da coordenação da MMM, declarou que:
“É para isso que estamos lutando e que vamos voltar para cada canto desse país, para cada
comunidade, cada sindicato, cada grupo de mulheres para dizer: Fora Bolsonaro, Fora
Bolsonaro!” (Marcha Mundial das Mulheres, 2019, s/p). Logo, o protesto se transformou
em uma crítica ao governo Bolsonaro.
A Plataforma Política elaborada pelas chamadas Margaridas (ativistas que
participam da Marcha) também denuncia a mudança do projeto político em curso no país
e em partes do mundo: “Após vivenciarmos um período importante de governos da
esquerda latinoamericana, verificamos recentemente uma guinada mais à direita [...]”.
Resta entender o que é essa nova (ou velha) direita.
16

Desprende-se da exposição das pautas dos protestos que os diversos movimentos


sociais e ativistas em prol dos direitos das mulheres têm escolhido seus repertórios dentro
das possibilidades de reconstituição das políticas públicas de cunho social. A essas
ativistas cabe repensar o seu papel na fronteira entre a política contestatória e a rotineira,
ou seja, os repertórios são escolhidos de acordo com as expectativas do grupo a partir de
uma análise sistematizada dos caminhos possíveis e das experiências compartilhadas.
Conforme Tarrow (2012), as ativistas são "estranhas nos portões" pois utilizam
repertórios de interação com partidos políticos, especialmente via arenas legislativas,
cooperando com alguns mandatos, ao mesmo tempo em que contestam o regime político,
caso dos protestos apresentados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho analisou posições do atual governo brasileiro comandado por Jair
Bolsonaro, em relação aos direitos das mulheres e as resistências organizadas por
movimentos sociais e ativistas para a garantia desses direitos. Especificamente foram
analisados três protestos com pautas a favor dos direitos das mulheres e que se
contrapõem às diretrizes do atual presidente do Brasil.
Na conjuntura atual, as possibilidades de participação foram diminuídas da agenda
política e os movimentos operam nas "franjas" do Estado, utilizando táticas de reação às
ações de um Estado autoritário. Logo, uma das estratégias dos movimentos sociais tem
sido a ocupação nas ruas.
O trabalho também mostra como as pautas dos protestos têm se alterado conforme
o contexto político assumindo um caráter de confronto ao governo Bolsonaro e em defesa
da democracia. Esse é um indicativo importante para compreender a situação atual do
Brasil: o que esta é em jogo não é mais a ampliação dos direitos, mas a própria
preservação de um regime em que haja a possibilidade de discuti-los.
No entanto, é preciso fazer algumas ressalvas. Os protestos existiram mesmo antes
de Bolsonaro. Por outro lado, a aposta no conflito observada nas pautas dos protestos não
significa o abandono das vias institucionais. As Instituições de Particpação (tais como
Conselhos Gestores e Conferências de Direitos) cresceram na gestão petista. Em que pese
uma tentativa de desmonte por parte do governo Bolsonaro, muitas experiências estão
17

resistindo. Ademais, a defesa da pauta das mulheres e outros grupos com mais dificuldade
de acesso a direitos tem sido feita também no Parlamento.
As estratégias dos movimentos sociais são múltiplas, assim como a própria
constituição deles. Por isso sugere-se que os pesquisadores atentem para aquelas que mais
têm ganhado a atenção, como os protestos, sem desconsiderar as outras formas de
atuação, como aquelas exercidas nas instituições de participação e de representação.
Consideramos que é por meio de um olhar ampliado que poderemos entender e fomentar
as diversas formas de resistência da sociedade civil.
18

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