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1.

Rapidez que muda com o tempo

1.1 Rapidez e distância percorrida

Rapidez é um adjetivo de uso corrente. Todo mundo tem uma ideia de quando a
rapidez de um carro está aumentando ou diminuindo. É a informação passada pelo
velocímetro do carro. Temos também uma ideia quantitativa de rapidez. No estudo do
movimento dos corpos, ela tem dimensão de comprimento por tempo:
L
[rapidez] = . (1.1)
T

Lemos a expresão anterior assim: “a dimensão de rapidez é comprimento por tempo”. A rapidez relaciona a
distância percorrida com o intervalo de tempo transcorrido. Se um carro mantém a rapidez constante de 60 km/h, então
podemos inferir que em duas horas o carro percorrerá 120 km. Se, por outro lado, dermos uma informação de espaço
percorrido, podemos inferir o intervalo de tempo gasto: um carro que se move com rapidez constante de 60 km/h levará
quanto tempo para chegar a uma cidade a 300 km de distância? Levará 5 horas.
O conceito de rapidez aparece também em outros contextos, dentro e fora da Física. Por exemplo, podemos falar
na rapidez com que a água sai de uma torneira, ou na rapidez com que a população de um país varia. Em cada caso, a
dimensão de rapidez será diferente. No caso da torneira, a rapidez é medida, por exemplo, em litros por minuto, e
é chamada de vazão. No caso da população, a rapidez é denonimada taxa de crescimento demográfico, medida em
número de pessoas por ano.

Figura 1.1: A quantidade de água que sai de um filtro a cada segundo depende da quantidade de água dentro do filtro.
1.1 Rapidez e distância percorrida 1

Intervalo(s) Rapidez(km/h) Rapidez(m/s) Intervalo(s) Rapidez(km/h) Rapidez(m/s)


0→1 39 10,8 15 → 16 23 6,4
1→2 39 10,8 16 → 17 23 6,4
2→3 38 10,6 17 → 18 19 5,3
3→4 40 11,1 18 → 19 10 2,8
4→5 43 11,9 19 → 20 7 1,9
5→6 41 11,4 20 → 21 7 1,9
6→7 38 10,6 21 → 22 7 1,9
7→8 36 10,0 22 → 23 11 3,1
8→9 33 9,2 23 → 24 14 3,9
9 → 10 33 9,2 24 → 25 15 4,2
10 → 11 29 8,1 25 → 26 17 4,7
11 → 12 26 7,2 26 → 27 17 4,7
12 → 13 25 6,9 27 → 28 19 5,3
13 → 14 23 6,4 28 → 29 19 5,3
14 → 15 23 6,4 29 → 30 23 6,4

Tabela 1.1: Dados de rapidez, segundo a segundo, para o trajeto de 30 s do ônibus.

Saber a ideia básica de rapidez (distância percorrida por intervalo de tempo, litros derramados por minuto,
quantidade de pessoas por ano) não é o suficiente para os nossos propósitos. Isso acontece porque, nas situações de
interesse, raramente a rapidez será constante. Por exemplo, a rapidez com que a população brasileira cresce varia de
ano a ano. A informação de que em 1960 a população brasileira crescia a um ritmo de 2 milhões de pessoas por ano
não pode ser usada para estimar de modo realista o aumento da população de lá até hoje, uma vez que a rapidez de
crescimento da população mudou com o passar do tempo.
Em outro exemplo, um estudante estava analisando o tempo de saída da água em um filtro. Ele percebeu que a
torneira enche um copo de 200 ml em 10 segundos. Quanto tempo levará para escoar os 4 litros de água do filtro?
A resposta não é uma conta simples (regra de três), pelo fato de que, à medida em que o nível da água no filtro vai
baixando, a vazão diminui e leva mais tempo para encher o copo.
Portanto, temos que estar atentos no uso da informação da rapidez. A rapidez sempre dará informação de
variação por intervalo de tempo. Porém, a relação entre a variação medida e o intervalo de tempo correspondente
não será, em geral, uma relação de proporcionalidade. Relacionar essas quantidades vai demandar uma técnica que
passaremos a discutir aqui. Para isso, vamos usar um exemplo do dia-a-dia.
Um estudante acompanhou por 30 segundos o seu trajeto de ônibus para o trabalho usando um aplicativo de
mapas. Ele fez um vídeo que está disponível aqui.
Para estudar o movimento, o estudante anotou, a cada segundo, a rapidez informada pelo aplicativo e construiu a
Tabela 1.1. Observe que o estudante converteu os dados de rapidez de km/h para m/s. Uma vez que 1 km = 1000 m e
que 1 h = 3600 s, temos que:
km 1000 m 1 m
1 = = , ou seja,
h 3600 s 3, 6 s

1 m/s = 3, 6 km/h.

É útil guardar que 72 km/h (uma velocidade comum em rodovias) corresponde a 20 m/s.
2 Capítulo 1. Rapidez que muda com o tempo

Intervalo(s) Rapidez(m/s) Distância percorrida(m)


0→2 10,8 21,6
2→3 10,6 10,6
3→4 11,1 11,1
4→5 11,9 11,9
5→6 10,6 11,4
6→7 10,0 10,6
7→8 11,1 10,0
8 → 10 9,2 18,4
10 → 11 8,1 8,1
11 → 12 7,2 7,2
12 → 13 6,9 6,9
13 → 17 6,4 25,6
17 → 18 5,3 5,3
18 → 19 2,8 2,8
19 → 22 1,9 5,7
22 → 23 3,1 3,1
23 → 24 3,9 3,9
24 → 25 4,2 4,2
25 → 27 4,7 9,4
27 → 29 5,3 10,6
29 → 30 6,4 6,4

Tabela 1.2: Tabela com os intervalos em que a rapidez permaneceu constante e a distância percorrida em cada um
desses intervalos.

O que significa a informação de que a rapidez do ônibus no instante inicial (t = 0 s) é 10, 8 m/s? A frase: “10,8
metros por segundo” soa como uma regra para o cálculo de distâncias percorridas. Por essa regra enganadora, se a
rapidez é 10,8 metros por segundo, em cinco segundos o ônibus teria percorrido 5 × 10, 8 m = 54, 0 m. Mas, pela
tabela, vemos que o ônibus mantém a rapidez de 10,8 m/s por apenas 2 segundos. Portanto, só poderemos usar a
informação “10,8 metros por segundo” nos dois primeiros segundos (de t = 0 s a t = 2 s). Por exemplo, podemos
calcular a distância percorrida pelo ônibus no primeiro segundo ou nos dois primeiros segundos:

d(0→1) = 10, 8 × 1 = 10, 8 m e d(0→2) = 10, 8 × 2 = 21, 6 m.

Entre t = 2 s e t = 3 s, a rapidez do ônibus já era 10, 6 m/s. Que distância ele percorreu neste intervalo?

d(2→3) = 10, 6 × 1 = 10, 6 m.

Podemos fazer o mesmo cálculo de distância percorrida em cada intervalo de tempo em que a rapidez ficou
constante. Obtemos a seguinte tabela: A distância percorrida pelo ônibus nesses 30 segundos pode ser calculada
somando cada parcela. O resultado é 204,4 m.
Em termos gerais, podemos dizer que a rapidez do ônibus foi maior no início, em seguida diminuiu e, depois,
voltou a aumentar. Qual terá sido a rapidez média do ônibus? Temos que fazer uma média ponderada da rapidez pelo
tempo.
1.2 Cálculo de médias no tempo 3

Problema 1. Um automóvel viaja com rapidez constante de 80 km/h por 2, 5 h e, depois, com uma rapidez
de 40 km/h durante 1, 5 h. Calcule a distância total percorrida.
Durante as duas horas e meia em que o carro viajou a 80 km/h, a distância percorrida foi:

80 km/h × 2, 5 h = 200 km.

Analogamente, durante a hora e meia em que o carro viajou a 40 km/h, ele percorreu:

40 km/h × 1, 5 h = 60 km.

Portanto, a distância total percorrida foi 260 km.

1.2 Cálculo de médias no tempo


As situações de interesse para atuação do profissional de C&T envolvem a análise de uma ou mais quantidades que
variam no tempo. Na modelagem dessas situações, uma etapa fundamental é a coleta de dados. A partir dos dados, o
profissional pode conseguir compreender como está acontecendo a evolução temporal das quantidades relevantes e
fazer previsões para seus valores futuros.
Uma informação sempre útil na análise de uma quantidade que varia no tempo é o valor da média.
Armadilha no conceito de média: pensar que a média é pegar o valor inicial somar com o final e dividir por dois.
Quase nunca esse será o procedimento correto. Veremos agora um caso simples que ilustra essa diferença.

Média de idades em uma festa

Em uma festa havia 10 crianças com 8 anos e duas avós, uma com 52 e outra com 60 anos.
(a) Qual é a média das idades das pessoas?

8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 8 + 52 + 60
média = = 16 .
12
(b) Qual é a média entre a menor e a maior idade?
8 + 60
média = = 34 .
2
Claramente, a média das idades não é a média entre a menor e a maior idade.
Perceba que a média não traz toda a informação que precisamos. Por exemplo, na festa acima, a média era 16
anos. Quem tivesse somente essa informação poderia pensar que se tratava de uma festa de jovens, mas na realidade
não era.
Existe uma situação em que a média de uma quantidade coincide com a média do menor e do maior valor da
quantiade. Veja a situação a seguir.

Média de idades em uma fila uniformemente variada

Pessoas se organizaram em uma fila por ordem de idade, começando pelos mais velhos. Havia nove pessoas na
fila e suas idades eram: 26, 24, 22, 20, 18, 16, 14, 12 e 10 anos. Perceba que a diferença de idade entre uma pessoa e a
4 Capítulo 1. Rapidez que muda com o tempo

anterior é sempre a mesma: de uma pessoa para a outra, a idade caía 2 anos. Dizemos que as idades das pessoas na fila
eram uniformemente variadas.
(a) Qual é a média das idades?

26 + 24 + 22 + 20 + 18 + 16 + 14 + 12 + 10
média = = 18 .
9
(b) Qual é a média entre a menor e a maior idade?
10 + 26
média = = 18 .
2
(c) Qual é a idade da pessoa na metade da fila? 18 anos.
Este caso é particular porque a quantidade varia de maneira uniforme. Somente neste caso (e no caso em que
não há variação alguma) acontece de a média da quantidade coincidir com a média entre o valor máximo e mínimo da
quantidade.
Vamos agora focar na média de quantidades que variam no tempo. Tomemos o exemplo do chamado saldo
bancário médio. Uma pessoa iniciou o mês (dia 1) com 8 mil reais na conta, quando entrou o seu salário. Vieram as
contas para pagar (aluguel, condomínio, cartão de crédito, conta de luz, etc) e já no dia 6 o saldo restante era de 1500
reais. Esse dinheiro foi sendo gasto com supermercado ao longo do mês e o saldo final foi de 100 reais.

Saldo Dia
8.000,00 01
4.800,00 03
1.500,00 06
1.000,00 12
600,00 20
100,00 25

Nessa situação, dá pra ver que a conta teve diferentes saldos. Iniciou o mês com 8 mil e terminou com 100 reais.
A média do saldo (chamado de saldo médio) não é simplesmente (8000+100)/2 = 4050. A média tem que levar em
conta o tempo em que o saldo perdurou. No exemplo apresentado, o saldo de 8 mil reais durou apenas dois dias (entre
o dia 01 e o dia 02). Durante a maior parte do tempo (a partir do dia 12), o saldo esteve igual ou abaixo de mil reais.
Portanto, o saldo médio deve ser estar mais perto de mil do que de 8 mil.
O cálculo correto da média do tempo deve ser uma média do saldo ponderada pelo tempo em que aquele saldo
perdurou. Para o exemplo, será:
8000 × 2 + 4800 × 3 + 1500 × 6 + 1000 × 8 + 600 × 5 + 100 × 6 51000
= = 1700.
2+3+6+8+5+6 30

Vimos que o automóvel do Problema 1 viajou com rapidez constante de 80 km/h por 2, 5 h e, depois, com uma
rapidez de 40 km/h durante 1, 5 h. Qual foi a rapidez média no percurso de 4 horas?
Temos que fazer a média ponderada da rapidez pelo intervalo de tempo:
80 × 2, 5 + 40 × 1, 5 260
= = 65 km/h.
2, 5 + 1, 5 4

Perceba que, quando multiplicamos a rapidez pelo intervalo de tempo em que ela se manteve constante, obtemos
a distância percorrida no correspondente intervalo de tempo. Portanto, no cálculo da média ponderada que dá a rapidez
1.3 O gráfico da rapidez em função do tempo 5

média, o numerador corresponde à soma das distâncias percorridas para cada rapidez, isto é, corresponde à distância
total percorrida. O denominador é o intervalo total de tempo considerado. Assim, obtemos a seguinte relação útil em
problemas envolvendo rapidez:

distância percorrida
rapidez média = . (1.2)
intervalo de tempo correspondente

Note que, como o automóvel ficou mais tempo a 80 km/h do que a 40 km/h, a rapidez média ficou mais perto de
80 km/h.

Problema 2. Um automóvel viaja 100 km a 100 km/h e outros 100 km a 50 km/h. Ele ficou mais tempo
viajando com qual rapidez? A rapidez média será igual, maior o menor que 75 km/h? Calcule a rapidez média.

Voltando à viagem de ônibus do estudante, como a distância percorrida nos 30 s analisados foi 204,4 m, a rapidez
média no percurso será:
204, 4m
= 6, 81 m/s ≈ 24, 5 km/h.
30 s

1.3 O gráfico da rapidez em função do tempo


O estudante também representou os dados de rapidez (em m/s) em função do tempo em um gráfico (Figura 1.2).
Olhando para o gráfico podemos ter uma boa ideia de como foi a história do trecho de 30 segundos da viagem de
ônibus, quando ele andou mais rápido ou mais devagar. Note, porém, que o gráfico exibe um comportamento estranho:
pelas informações que temos, a rapidez do ônibus fica constante em intervalos e dá uns saltos. Esses saltos de rapidez
não foram observados pelo estudante no trajeto para o trabalho. Eles aparecem porque ele coletou informações de
rapidez uma vez a cada segundo. Na realidade, ocorrem variações suaves de rapidez dentro do intervalo de tempo de 1
segundo, mas essas variações não são capturadas pela medida do estudante, que pega a variação acumulada (média) a
cada segundo. Portanto,

as distâncias percorridas calculadas a partir das medidas de rapidez são apenas aproximadas.

Vimos que a distância percorrida (aproximada) nos dois primeiros segundos (21, 6 m) é o produto da rapidez
(10, 8 m/s) pelo intervalo de tempo (2 s). Essa quantidade é justamente a área retangular abaixo do gráfico (até o eixo
do tempo), no intervalo de tempo considerado (veja a Figura 1.3). O mesmo será válido para cada intervalo em que a
rapidez se manteve constante. Portanto, obtemos que a distância total percorrida nos primeiros 30 s é numericamente
igual à área abaixo do gráfico da rapidez em função do tempo, considerando todo o intervalo (veja a Figura 1.4).
Se o estudante tivesse acesso à informação da rapidez do ônibus a cada décimo de segundo, o aspecto do gráfico
seria mais próximo ao de uma curva suave. Porém, ainda que o estudante tentasse fazer leituras mais frequentes da
rapidez, ele esbarraria na limitação do aplicativo que não consegue fornecer a informação instantânea da rapidez.
Afinal, como medir rapidez na prática?
6 Capítulo 1. Rapidez que muda com o tempo

Figura 1.2: Gráfico experimental da rapidez do ônibus (em m/s) em função do tempo (em s).

Figura 1.3: Gráfico experimental da rapidez do ônibus em função do tempo (em s). A área do retângulo indicado
corresponde ao produto da rapidez (10,8 m/s) pelo intervalo de tempo correspondente (2 s). Portanto, a área é igual à
distância que o ônibus percorreu enquanto manteve aquela rapidez.

1.4 Como medir a rapidez?


Vamos pensar na seguinte situação. Um motorista avista um pedestre atravessando a rua e pisa no freio, como nesta
simulação. Suponhamos que a rapidez inicial do carro seja 20 m/s. Naturalmente, a rapidez final do carro é 0 m/s.
Esperamos que, durante a frenagem, a rapidez do carro tenha variado continuamente entre 20 m/s e 0 m/s. Ou seja,
esperamos que o carro passe por todos os valores de rapidez entre 20 e zero.
Como medir a rapidez do carro em um instante específico quando ele passa por um ponto de referência?
1.4 Como medir a rapidez? 7

Figura 1.4: Gráfico experimental da rapidez do ônibus em função do tempo (em s). A distância total percorrida é
numericamente igual à soma das áreas dos retângulos indicados.

Vamos considerar que o instante no qual queremos medir a rapidez é o instante representado por esta foto (Figura
1.5), ou seja, o instante em que o carro passa pela linha amarela da foto. Vamos chamar esse instante de instante t1 .

Figura 1.5: Foto do instante em que o carro chegou até o ponto de referência marcado pela linha amarela. Esse é o
instante t1 .

Olhando para uma foto não conseguimos ter informação sobre a rapidez do movimento! Para saber o quão
rápido o carro está e conseguir medir a rapidez, temos que deixar passar um intervalo de tempo e ver o quanto o carro
andou naquele intervalo. Digamos que vamos considerar um pequeno deslocamento após o carro passar pela linha
amarela, até chegar à linha vermelha da foto na Figura 1.6. Vamos chamar o instante em que o carro atinge a linha
vermelha de instante t2 .
Note que, ao deixar transcorrer um tempo, de t1 até t2 , a rapidez do carro já diminuiu (lembre que ele está
freando em todo o percurso). Assim, o quociente
distância percorrida
(1.3)
intervalo de tempo correspondente
8 Capítulo 1. Rapidez que muda com o tempo

Figura 1.6: Foto do instante em que o carro chegou até o ponto de referência marcado pela linha vermelha. Este é o
instante t2 .

vai dar um valor que é menor do que a rapidez do carro em t1 . Na realidade, o referido quociente é a rapidez média do
carro entre t1 e t2 (veja a equação (1.2)), e essa média, naturalmente, será menor do que a rapidez em t1 (e maior do que
a rapidez em t2 ).
Se essa variação não for importante para quem está medindo, a pessoa pode considerar que essa rapidez média é
a rapidez instantânea do carro ao passar pelo ponto de referência (linha amarela). Se, por outro lado, a pessoa que está
medindo desejar uma precisão maior, ela terá que considerar um intervalo de tempo menor. Por exemplo, o intervalo
representado na foto da Figura 1.7. Agora, a nova rapidez média estará mais próxima do valor da rapidez instantânea

Figura 1.7: Foto do instante em que o carro chegou até o ponto de referência marcado pela linha azul, mais próximo da
linha amerela do que estava a linha vermelha.

do carro ao cruzar a linha amarela. Esse processo pode ser feito com a precisão que se desejar. Esse é o processo
experimental para medir rapidez instantânea. Perceba, no entanto, que o que é medido é sempre uma rapidez média.
Suponhamos que se chegue à conclusão de que a rapidez instantânea do carro ao passar na linha amarela é
aproximadamente 12, 5 m/s. Dá para usar essa informação para fazer previsões sobre o movimento do carro? Se você
compreendeu a natureza do problema, deve estar claro que saber a rapidez em um instante não nos permite fazer
previsões razoáveis para outros instantes do movimento. Para obter as previsões, temos que ter as informações de como
a rapidez varia com o passar do tempo.
No problema que estamos analisando, a cada milésimo de segundo a rapidez do carro diminui, até que ele pare.
1.5 A modelagem de movimentos da natureza 9

Figura 1.8: Possível gráfico para a rapidez em função do tempo na frenagem do carro, caso fossem conhecidos os
valores de rapidez a cada pequeno intervalo de tempo (digamos a cada milissegundo) e durante todo o tempo de
frenagem.

É fundamental perceber que a rapidez varia continuamente com o tempo. A cada instante de tempo durante a frenagem
corresponde um valor de rapidez. A rapidez é uma função do tempo que associa a cada instante t um valor de rapidez:

instante de tempo (t) −→ rapidez(t) . (1.4)

Se temos acesso a essa função, é outra questão. Em geral, não temos acesso às funções do movimento de forma exata,
apenas de modo aproximado.
Tal como no caso da análise do trajeto de 30 s de ônibus feito pelo estudante, poderíamos tentar medir a rapidez
do carro a cada segundo, ou a cada décimo de segundo. Com isso, poderíamos obter tantos valores de rapidez que o
gráfico iria se aproximando de uma curva suave. No caso limite em que o intervalo de tempo é tão pequeno que não
conseguíssemos ver os saltos de rapidez entre um intervalo e outro, o gráfico da frenagem seria algo como mostrado na
Figura 1.8.
Na prática, não é comum se realizar a medida direta de rapidez, a partir de distâncias e tempos. Em automóveis,
a rapidez pode ser estimada em tempo real a partir do giro do motor e do raio externo dos pneus. Perceba que essa
medida é indireta: se o carro é suspenso por baixo e o motorista engrena uma marcha e acelera o carro, o velocímetro
vai indicar uma rapidez que não corresponde à realidade. A medida da rapidez em aviões também é feita indiretamente.
O escoamento do ar em certos regimes apresenta um comportamento simples de se modelar. Em um dispositivo como
um tubo de Pitot, a rapidez do ar externo acarreta uma diferença de pressão entre dois ramais do tubo. Medindo-se
essa diferença de pressão, calcula-se a rapidez do ar externo. Condições atmosféricas extremas comprometem o
funcionamento desses dispositivos, o que causar acidentes.
A boa notícia é que, na análise dos movimentos, não teremos necessidade de medir, a cada instante, a rapidez
dos corpos. O conhecimento das causas do movimento e as técnicas de modelagem nos permitirão obter a rapidez e
outras quantidades de interesse como funções contínuas do tempo, a partir de algumas poucas medidas experimentais.

1.5 A modelagem de movimentos da natureza


No trajeto de um veículo, a rapidez varia de maneira confusa. O gráfico da Figura 1.2 exibe bem a variação desordenada
da rapidez do ônibus em um trajeto de 30 s. Esse comportamento constrasta com a suavidade e previsibildade do
movimento de um pêndulo. A diferença entre as duas situações é que um motorista de ônibus não dirige com instruções
rígidas e meticulosas que o obriguem a acelerar ou frear de um certo modo a cada instante do percurso. No máximo,
10 Capítulo 1. Rapidez que muda com o tempo

ele precisa seguir um trajeto determinado pela linha que opera. Por outro lado, o pêndulo não pode escolher o que
fazer. Seu movimento é determinado por alguns parâmetros, como o comprimento do fio e a intensidade da atração
gravitacional no local onde vai se mover.
Assim, ainda que não tenhamos acesso às informações de rapidez de um pêndulo a cada milissegundo, esperamos
conseguir compreender as causas do seu movimento e, a partir delas, descobrir que sua rapidez deve seguir alguma das
funções especiais para a Natureza. Não por coincidência, as funções especiais para a Natureza são as que são estudadas
na matemática, como a função linear, os polinômios, a função exponencial, seno, cosseno, etc.
O procedimento é o seguinte:
(a) Estudamos as causas do movimento do pêndulo;
(b) Descobrimos como essas causas determinam o movimento do pêndulo;
(c) Obtemos o tipo de função que descreve o movimento. A função usada nessa modelagem é uma função da
matemática, com um gráfico contínuo;
(d) Fazemos algumas medidas da rapidez do pêndulo;
(e) Ajustamos os parâmetros da função para que o gráfico da rapidez seja compatível com os valores medidos.
No passo inicial, em que são estudadas as causas do movimento, geralmente são feitas simplificações da realidade. No
cado do pêndulo, é comum, por exemplo, ignorar os efeitos da presença do ar. Ao fazer tais simplificações temos que
saber que a descrição que iremos obter será apenas aproximada. Se a aproximação final obtida é suficiente para os
objetivos do estudo em questão, ótimo. Se não é, é preciso buscar um modelo mais realista e repetir a sequência de
passos do programa de modelagem.
Assim, um modelo simples considera que o pêndulo (um pequena bola presa a uma linha presa na outra
extremidade) se move devido ao efeito combinado da força da gravidade da Terra (a força peso) e da força de tração
da linha. Sobrepondo essa duas influências, conclui-se que existe sempre uma determinada tendência de restauração
do equilíbrio. Como consequência, pode-se mostrar que a função matemática compatível com a função rapidez do
pêndulo é a função:

rapidez(t) = A sen (Bt +C) (1.5)

onde A, B e C são parâmetros (números) que devem ser escolhidos adequadamente para cada movimento do pêndulo.
Então, fazemos algumas medidas de rapidez para podermos determinar a melhor escolha dos parâmetros A, B e C.
Digamos que, para um certo movimento de um certo pêndulo, foram obtidos cinco valores experimentais (aproximados)
para a rapidez, como mostrado na Figura 1.9.
A próxima figura (Figura 1.10) exibe os dados juntos de quatro funções senoidais. Todas as quatro funções
seguem a equação (1.5), porém apenas uma delas tem os parâmetros ajustados aos dados experimentais de rapidez.
A função ajustada tem a seguinte equação:

rapidez(t) = 0, 2 sen (t/2 + π/8) (1.6)

Para obter a distância percorrida pelo pêndulo nos cinco primeiros segundos, temos que calcular a área abaixo
desse gráfico (até o eixo do tempo), entre os instantes t = 0 s e t = 5 s, como mostrado na Figura 1.11.
Sabemos que a área abaixo do gráfico corresponde à integral da função entre dois instantes. No caso, teremos:
Z 5
0→5
d = 0, 5 (sen (t/2 + π/8)) dt. (1.7)
0

Para conseguir obter estimativas numéricas da distância percorrida a partir de funções contínuas é preciso saber integrar
as funções mais comuns da matemática.
Perceba que o ajuste de um modelo aos dados experimentais permite que se faça extrapolações: a rigor, medimos
apenas 5 informações de rapidez (para os tempos t = 1, 2, 3, 4 e 5 s). Porém o conhecimento de um modelo nos permite
1.5 A modelagem de movimentos da natureza 11

Figura 1.9: Gráfico exibindo os cinco valores de rapidez medidos para um pêndulo. Os instantes medidos são
t = 1, 2, 3, 4 e 5 s.

Figura 1.10: Ajuste de um modelo aos dados experimentais. Esta figura exibe o gráfico de quatro funções senoidais
(funções previstas pelo modelo simplificado do pêndulo). Todas elas seguem a equação (1.5), porém apenas uma (a de
cor laranja, mais espessa) tem os parâmetros ajustados aos dados medidos.

trabalhar com uma função contínua que contém muito mais informação. Em particular, a função nos dá informação
sobre tempos anteriores às medidas (passado) e temos posteriores às medidas (futuro). É assim que conseguimos
“prever” o futuro, antecipando o comportamento das quantidades que temos interesse.
Mas, atenção! Não podemos dizer que o pêndulo se move exatamente segundo a função ajustada pelo modelo,
uma vez que foram feitas aproximações. Por exemplo, por essa função o pêndulo irá se mover sempre com a mesma
amplitude, sem ir parando. Isso se deve ao fato de termos desprezado no início o efeito do ar. Como fazer um modelo
que leve em conta a resistência do ar? Precisamos estudar como é a força de resistência do ar. Se a incluirmos no
12 Capítulo 1. Rapidez que muda com o tempo

Figura 1.11: A área abaixo do gráfico de rapidez em função do tempo entre os instantes t = 0 s e t = 5 s é igual à
distância percorrida pelo pêndulo entre t = 0 s e t = 5 s (segundo o modelo considerado).

modelo, uma nova função resultará da modelagem. Esta função não será mais um seno, mas será uma função cujo
gráfico terá oscilações que perdem amplitude com o passar do tempo. Essas funções também são bem conhecidas da
matemática.
Já deu para perceber que, para a modelagem de situações físicas, será muito importante revisar as propriedades
das principais funções.
Perceba que a função da equação (1.5) nem sempre é positiva. Dá para ver pelo seu gráfico (Figura 1.11) que
para valores de tempo entre 6 e 10 segundos a função fica negativa. Mas, rapidez negativa não faz sentido. Ou faz?
Faremos essa discussão na próxima seção.
1.6 Avaliação conceitual 13

1.6 Avaliação conceitual


Com a discussão feita neste capítulo, você deve compreender que:

1. Em geral, a rapidez dos corpos muda a cada instante, de um instante para o outro. Desse modo, o movimento
de um corpo define uma função abstrata que associa a cada instante a rapidez do corpo naquele instante. Essa
função não é conhecida, em princípio, mas, para movimentos da natureza, pode ser estudada e conhecida de
forma aproximada.
2. Um instante do movimento é uma foto. Não conseguimos obter informações sobre rapidez olhando para uma
foto. É preciso deixar passar algum intervalo de tempo para medir a rapidez. Ou seja, só conseguimos medir
rapidez média. Porém, se o intervalo de tempo usado para medir a rapidez média for pequeno o suficiente,
podemos considerar a medida de rapidez média como uma medida da rapidez instantânea, a depender da precisão
que desejarmos.
3. A rapidez média é uma média ponderada da rapidez pelo intervalo de tempo em que cada rapidez se man-
teve constante. Seu cálculo corresponde ao quociente entre a distância percorrida e o intervalo de tempo
correspondente.
4. A rapidez instantânea só permite relacionar distâncias percorridas e intervalos de tempo quando o intervalo
de tempo considerado for pequeno o suficiente para que não se perceba variação na rapidez, seja porque os
equipamentos usados não tiveram precisão para medir alguma variação, seja porque na análise do problema a
variação medida não seja importante.
5. Dizer que a rapidez no instante t = 1 s é 15 m/s, significa que, no entorno do instante t = 1 s (por exemplo,
entre t = 0, 99 s e t = 1, 01 s) o corpo se movia à taxa de 15 m/s. Naturalmente, neste curto intervalo em que
não se percebeu variação na rapidez do corpo ele não terá se movido 15 metros, mas uma distância pequena,
proporcional ao pequeno intervalo de tempo considerado.
6. Na análise de distâncias percorridas, quando se considera um intervalo de tempo em que a rapidez varia, é
preciso dividi-lo em intervalos menores, dentro dos quais não se percebe mudança na rapidez. Conhecendo cada
intervalo e a rapidez do corpo em cada intervalo, podemos obter a distância percorrida como um somatório. Esse
procedimento prático, que no gráfico de rapidez em função de tempo corresponde a calcular a soma de áreas de
retângulos é denominado processo de integração.
7. Movimentos da natureza são suaves e seguem, de modo aproximado, funções matemáticas conhecidas. O tipo
de função depende do movimento e pode ser deduzida a partir das leis da Física (Leis de Newton). Uma vez
definido o tipo de função (afim, polinomial, exponencial, senoidal, etc), podemos encontrar os parâmetros que
melhor se ajustam às informações conhecidas do movimento. Esse processo é denominado ajuste de um modelo
aos dados experimentais.

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