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Francofonia e Ensino 1

Prof. Ronaldo Lima


Estudante: _____________________________________ 27-10-2021

TEXTO INTRODUTÓRIO À DISCIPLINA

Observações

Inicialmente, cabe salientar que a presente disciplina se caracteriza pelo


componente PCC, ou seja: Prática como Componente Curricular. Todavia, em
função da adoção da modalidade remota, com aulas síncronas e assíncronas,
adotaremos outros procedimentos para conduzir nossos trabalhos.

O texto que segue, consiste de uma minuta (racunho), redigida, para introduzir a
disciplina e avançar alguns conteúdos previstos em nosso Plano de Ensino. O
presente texto não foi revisado, logo e eventualmente, será possível encontrar
incoerências gramaticais ou falhas de digitação. Ademais, seu conteúdo poderá
ser, a todo instante, criticado, questionado e/ou reescrito pelos estudantes de nossa
turma.

Francofonia e ensino-aprendizagem de língua francesa

Les Schtroumpfs refusent à la fois et le silence et la fois aux mots.

Busca-se, nas linhas abaixo, propor discussões que reflitam fatos, contornando, na
medida do possível, asserções e axiomas sustentados por interesses e orientações
políticas. Assim como a língua – objeto inerentemente ideológico e sempre agindo
(a) ou à serviço de poderes; (b) ou como meio de apropriação de poderes, os relatos
históricos e etnológicos tendem à criação de realidades que acabam sendo fixadas,
tornando-se “verdades”, sobretudo diante do senso comum. Vamos tentar adotar
postura similar a dos Schtroumpfs, personagens de Payo (Pierre Culliford: 28-92,
XX), que “recusam, ao mesmo tempo, e o silêncio e à fé que se atribui às palavras”
(tradução do prof.). Consideraremos, ainda, que um dos maiores males da
humanidade – pelo menos no âmbito da visão dita “ocidental” – consiste em
assimilar e/ou criar realidades duais, isto é, calcadas sobre visão binária e opositiva
a respeito de processos intrínseca e amplamente plurais e flutuantes. Como
afirmou Rousseau:

Le premier qui, ayant enclos un terrain, s'avisa de


dire : Ceci est à moi, et trouva des gens assez
simples pour le croire, fut le vrai fondateur de la
société civile. Que de crimes, que de guerres, de
meurtres, que de misères et d'horreurs n'eût point
épargnés au genre humain celui qui, arrachant les

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pieux ou comblant le fossé, eût crié à ses
semblables : Gardez-vous d'écouter cet
imposteur; vous êtes perdus, si vous oubliez que
les fruits sont à tous, et que la terre n'est à
personne."
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

O primeiro que, ao cercar um terreno, disse: Isto


me pertence – e que encontrou pessoas
suficientemente simplórias para crer no que ele
falou, foi o verdadeiro criador da sociedade civil.
Quantos crimes, guerras, massacres, quanta
miséria e horrores poderiam ter sido
absolutamente evitadas aquele que, arrancando
os moirões ou fechando fossos (fronteiras)
vociferou a seus semelhantes: Poupem-se de
escutar esse impostor. Vocês estarão perdidos se
esquecerem que os frutos pertencem a todos e que
a terra não é de ninguém. (tradução do prof.)

Com efeito, torna-se ato extremamente complexo contornar estados e verdades


postos, uma vez que alguns postulados acabam por se tornarem consubstanciais a
nossos olhares (leia-se pensamento, apreciação, constituição) e, por conseguinte,
também consubstanciais a nossa constituição enquanto sujeitos-psicanalítico-
sociais. Retomaremos a questão da consubstancialidade nas linhas que seguem,
mas cabe um breve exemplo no parágrafo seguinte.

O meridiano de Greenwich, por exemplo, serve como referência internacional de


longitude, se chamando também “meridiano-origem, ou meridiano-original”.
Além de Greenwich, utilizado na elaboração dos mapas, o ponto de referência para
o sistema internacional de geolocalização também se situa a apenas uma centena
de metros de Greenwich. Trata-se do sistema geodésico, de base para a elaboração
de todos os mapas de suporte à navegação marítima e para a organização
hidrográfica do planeta. Também serve como parâmetro para a organização da
navegação aérea civil internacional.

Na figura acima, é possível perceber que o meridiano de Greenwich toma como


orientação a cidade de Londres. Anteriormente a essa questão, a própria

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representação dos continentes já colocava a Europa no centro da representação.
Tal fato está longe de ser aleatório. Há motivações histórico-políticas para a
adoção de tal representação. Logo, trata-se, explicitamente, de posicionamento
arbitrário que desemboca na noção de eurocentrismo e seus sucedâneos que, de
certa forma, sustentam os desejos de “superioridade” de determinados povos e, por
conseguinte, de suas nações. As línguas fazem parte desse processo. Se outrora o
latim e o grego imperaram e, posteriormente, as línguas europeias, provavelmente
em algumas décadas o mandarim e o cantonês serão alçadas ao patamar dos
idiomas hegemônicos.

Ao tratar de língua francesa e de ensino, nosso lugar de discurso será sempre


atraído para vias antropocêntricas e eurocêntricas. Na medida do possível,
tentaremos colocar em evidência orientações filosóficas que nos permeiam e que
sustentam, historicamente, processos de atribuições valorativas – não por acaso
positivas em relação à Europa e depreciativas em relação a outros povos e culturas.
Há razões políticas e sociais para que a língua francesa ainda usufrua de atribuições
positivas, mesmo que se trate de juízos de valor, isto é, sem fundamentação
científica.

Para abordar os conceitos de francofonia e ensino, sobretudo as relações entre


ambos, faz-se essencial discutir e definir algumas noções de base de ordem
linguística e sociocultural, ligadas tanto ao universo francófono quanto às
atividades de ensino-aprendizagem do Francês Língua Estrangeira (FLE) e/ou do
Francês como L2 (para saber mais sobre LE e L2 leia Krashen, 1985). Será
importante considerar também questões filosóficas, psicanalíticas e políticas,
posto que a questão da francofonia, assim como as atividades de ensino-
aprendizagem de FLE e de FL2, envolvem, de modo geral, uma série de aspectos
ligados à história do ensino de línguas estrangeiras e, de forma específica, em
implicados nos universos de ensino-aprendizado do idioma francês. Como não
poderia deixar de ser, a questão também envolve conhecimentos histórico-
políticos e socioculturais ligados à abrangência do idioma em questão. Do ponto
de vista didático-pedagógico, a francofonia e, por extensão, o ensino-
aprendizagem da língua francesa, seja como LE ou como L2, também permitem
aludir a uma série de acontecimentos, como o projeto colonialista europeu (e
francês), assim como crises seguidas por rupturas e consequentes transformações.
Com efeito, alguns eventos históricos, como a Revolução Francesa e o
movimento de Maio de 1968, além de definir traços fundamentais da história da
francofonia e do ensino-aprendizagem do francês, continuam gerando
interferências (impactos) na composição auras artístico-culturais em diferentes
países, entre os quais o Brasil. Apesar do avanço do inglês, segundo Lia Wyler, o
Brasil sofreu intensas influências francesas durante mais de 300 anos.

Em resumo, apesar do esplendor que se narra em relação à riqueza cultural ligada


à França, caberá considerar que a Modernidade possui amplos e diferentes
sentidos. Por certo, a Modernidade conduziu a novas invenções, “avanços sociais,
econômicos, culturais, científicos, tecnológicos e demais. Essa ótica

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desenvolvimentista, oculta o fato de se tratar de um projeto (ou conceito)
eurocêntrico que, concomitantemente, gerou diversas formas de desigualdades
ainda em trâmite em pleno século XXI. O continente europeu, assim como países
ditos “desenvolvidos”, como EUA, Canadá, continuam sendo vistos como
referência mundial de Estados Modernos, de modelos de civilização e de
desenvolvimento. As línguas europeias, como não poderia deixar de ser, também
foram elevadas ao mesmo patamar de suposta excelência, sendo classificadas
como línguas de cultura, da música, da diplomacia, da filosofia, da aviação.
Algumas línguas europeias ainda são eventualmente categorizadas
paradoxalmente como línguas “sensuais”, “lógicas”, “chiques”. Diferentemente,
povos, cultura e nações situadas à margem têm suas línguas estereotipadas, sendo
por vezes chamadas de “língua primitivas”, “feias”, “grosseiras”. Tais questões
merecem ser discutidas, pois algumas apreciações estão atreladas as próprias
variedades da língua francesa, como o créole, que possui 90% do vocabulário
proveniente do francês e que possui aproximadamente 20 milhões de praticantes,
entre habitantes do país e imigrantes espalhados pelo mundo.

A globalização – como fenômeno recente – nada mais é do que uma extensão forte
do projeto de Modernidade, que continua separando o mundo de forma binária e
opositiva em: países-centros (desenvolvidos) e países periféricos
(subdesenvolvidos socioeconomicamente). A superioridade intrínseca à filosofia
subjacente ao projeto de expansão territorial, de dominação e de expansão cultural
é resultado de processos de colonização (em sentido amplo). A Europa se
apropriou de riquezas, de conhecimentos e de experiências e, no que nos interessa,
determinou nossas bases educacionais.

Naturalmente, cabe evitar aqui excesso de hipocrisia, falar em “nós” e “eles” pode
ser conveniente. Com efeito, não somos autóctones. Nossos ancestrais, em grande
maioria, vieram da Europa. Logo, somos peças fundamentais nesse processo
complexo de composição da nação brasileira (para saber mais, leia Raízes do
Brasil de Sergio Buarque de Hollanda e também Veias abertas da América Latina
de Eduardo Galeano). Em síntese, sobretudo no sul do Brasil, não seria sensato
afirmar que “fomos colonizados”, mas que “somos descendentes de
colonizadores”.

A Colonialidade constitui uma das faces mais “obscuras e necessárias da


Modernidade”. Apesar de acreditarmos que o colonialismo foi superado, a
colonialidade continua se manifestando de diferentes maneiras, sobretudo nos
discursos produzidos e reproduzidos cotidianamente. A colonialidade constitui um
braço forte (uma extensão) do pensamento colonial. Trata-se de uma insígnia
(matriz) situada nas bases das relações de poder, saber e ser. A colonialidade
constitui uma estrutura de dominação enraizada nas sociedades (Para saber mais,
leia Roland Barthes, texto proferido em 1977 no Collège de France: “Aula”). Eis
um excerto do referido discurso:

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[...] le pouvoir est, symétriquement, perpétuel dans le temps
historique: chassé, extenué ici, il reparaît là; il ne dépérit
jamais: faites une révolution pour le détruire, il va aussitôt
revivre, rebourgeonner dans le nouvel état des choses. […]
Cet objet en quoi s’inscrit le pouvoir, de toute éternité
humaine, c’est: le langage - ou pour être plus précis, son
expression obligée: la langue».

[...] “o poder é, simetricamente, perpétuo no tempo


histórico: expulso, extenuado aqui, ele reaparece ali; nunca
perece; façam uma revolução para destruí-lo, ele vai
imediatamente reviver, regerminar, no novo estado de
coisas. A razão dessa resistência e dessa ubiquidade é que o
poder é o parasita de um organismo trans-social, ligado à
história inteira do ser humano, e não somente à sua história
política. Esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda
eternidade humana, é a linguagem – ou, para ser mais
preciso, sua expressão obrigatória: a língua.” (Tradução
Leyla Perrone-Moisés).

Na Encyclopédie (ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers)
de D’Allambert e Diderot de 1772, está bem explícito e evidente a visão que se
fazia na Europa de povos de outros continentes. A noção de raça justificava o
estabelecimento de hierarquias. Trata-se da Colonialidade do Saber que
estabeleceu padrões de conhecimento baseado em superioridade racional e
intelectual. Tal fato não é novo. Na Antiguidade, eram considerados bárbaros
todos aqueles que não se exprimiam nem em latim, nem em grego, podendo então
serem enviados para a escravidão. A língua francesa, por exemplo, ainda se reveste
de estereótipos sem nenhum fundamento científico, sendo, até os dias atuais,
considerada como uma língua “bela”, “chique”, “literária”, que veicula saberes
artísticos e culturais. Quando dizemos que falamos francês, muitas vezes ouvimos:
que chique !

Nesse sentido, os saberes ancestrais de povos autóctones (chamados indígenas,


aborígenes, nativos) não poderiam deixar de ser desvalorizados na mesma
proporção que suas línguas, visto que são diferentes dos projeto ditos de “evolução
científico-social” gerados principalmente no ambiente europeu. A Colonialidade
do Ser, remete à inferioridade atribuída aos povos subalternizados. A
inferiorização conduz necessariamente à exploração. Nesse sentido, identidades,
costumes, tradições tendem a ser sufocadas, instaurando sentimento de de não-
pertencimento, de margem.

Apesar de possuirmos plena consciência de que as relações hierárquicas decorrem


de jogos de poder, de vaidades, de prepotências e de arrogâncias, queiramos ou
não, e de um modo ou de outro, como observa Roland Barthes, estamos inseridos
nesse universo. Quando se visita o Louvre, por exemplo, sabe-se que parte

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considerável das obras expostas naquele museu constituem butim. O monumento
mais antigo de Paris, por exemplo, é o Obélisque de Louxor, uma peça milenar
egípcia, de 23 metros de altura, colocado no centro da Praça da Concórdia,
subtraído do Templo de Luxor e ofertado à França com presente. Seria interessante
visitar o Egito e encontrar a referida peça no lugar de onde foi suprimida. Seria
como colocar a Tour Eiffel no Cairo, ou a estátua da liberdade em Florianópolis
(parece um pouco kitsch, ou é preconceito de minha parte?).

Novamente, cabe assumir a hipocrisia do presente discurso, uma vez que quando
vamos morar, estudar ou fazer turismo (refiro-me a mim), geralmente
desembarcamos em Paris, New York, Madrid, Québec. Dificilmente escolhemos
estudar no Gabão, na Mauritânia ou no Equador.

Logo, apesar de quaisquer críticas a países e suas línguas hegemônicas, há questões


que não podem ser contornadas ou superadas facilmente. Todavia, parece
importante que tenhamos consciência mínima a respeito de determinados
processos históricos. Mesmo ciência, somos obrigados a aceitar pressupostos com
os quais não estamos de acordo. Todavia, é bom fazê-lo a partir de posicionamento
crítico.

Francofonia

Em relação ao conceito de francofonia, consideraremos, no âmbito da presente


disciplina, que o termo se define da seguinte maneira: a francofonia remete aos
indivíduos que dominam a língua francesa em algum sentido, isto é, refere-se à
competência e performance (i.e. desempenho) para se comunicar em língua
francesa, seja em termos de compreensão ou de expressão (oral e escrita, ou ainda
gestualmente). Nesse sentido, seria praticamente impossível definir, com exatidão,
o número de francófonos existentes na atualidade. O número de francófonos,
apresentado por diferentes fontes estatísticas, decorre de metas, diretrizes e bases
de natureza política, nas quais os dados em geral são manipulados para responder
a objetivos. Em resumo, os números refletem tão somente aproximações com base
em parâmetros de controle; não propriamente a realidade.

Seria igualmente incoerente, para definir as abrangências do universo francófono,


considerar a população de países que possuem o francês como língua oficial ou
como segunda língua. Novamente, se trataria de posicionamentos politicamente
induzido, isto é, distantes das realidades. O fato de um país declarar determinada
língua como oficial não significa que seus habitantes realmente dominam a
referida língua. Também, e de forma paradoxal, países como Argélia, Tunísia,
Marrocos, Mauritânia, não declaram o francês como língua oficial, mas possuem
grande contingentes de pessoas que dominam o francês. Por certo, as modalidades
de francês que se praticam nesses países são diferentes do dito e esperado “francês
padrão” ou français standard. Logo, a questão está longe de ser elementar.
Naturalmente, os contingentes francófonos naturais de outros países se expressam

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à égide de suas línguas de base (maternas, ou Ln..., exprimindo diferentes
variedades do francês. Assim, é natural que dependendo das características
regionais de cada comunidade linguísticas, haverá interferências e produções
peculiares em todos os patamares da língua (léxico, fonética, semântica) sobretudo
no que concerne aos traços prosódicos (timbre, duração, intensidade, amplitude,
etc.). Aqui no Brasil, por exemplo, é natural que o francês praticado em João
Pessoa, seja diferente do francês praticado em Florianópolis. A aquisição e o
aprendizado do FLE ou FL2 será resultado de amalgamas entre a(s) língua(s) de
base e a língua francesa de referência ao ensino-aprendizado.

Empregando a língua portuguesa como comparação poderíamos remeter ao caso


da região autônoma de Macau. Muito embora o português seja apontado como uma
das línguas oficiais de Macau, ao lado do chinês (ou mais precisamente o cantonês,
expresso em sua forma escrita com caracteres chineses tradicionais), pouquíssimas
pessoas praticam verdadeiramente o português em Macau. Novamente, tratar-se-
ia muito mais de fato político do que de uma realidade presente e atual. O Canadá
constitui outro exemplo interessante. Apesar de ser o segundo país em termos
importância para a francofonia, e do fato de a língua francesa ser considerada uma
das línguas oficiais daquele País, ao lado do inglês, as populações anglófonas
preponderam e, progressivamente, avançam sobre o francês até mesmo na
Província do Québec. Fato similar ocorre com a língua espanhola nos EUA em
relação ao inglês. Pode-se inclusive aventar a hipótese de que o espanhol possa no
futuro se tornar língua majoritária nos Estados Unidos. Os dados apontam que mais
de 50 milhões de americanos possuem o espanhol como língua materna. O
português é praticado por, aproximadamente, um milhão de pessoas nos EUA.

A França foi um país fortemente colonialista. Todavia, maior parte dos países
subjugados pela França, inclusive alguns Territoires d’Outre-mer (TOM), se
tornaram nações independentes sobretudo a partir da segunda metade do século
XX. Países como o Mali, por exemplo, contam com mais de 40 etnias e, por
conseguinte, dispõem de mais de 40 línguas praticadas em seu território. O francês
é apontado como língua oficial do Mali. Todavia, sabemos que não é a língua
nacional, pois há línguas que possuem grande importância local, disputando
espaço com o francês. Ademais, como já sugerido, as modalidades de francês
praticadas no Mali não condizem com o dito “français standard” praticado pelas
elites da região parisiense (leia sobre Amadou Hampâté Bâ).

Como se pode constatar, as estatísticas referentes a número de falantes constituem


tão somente projeções, geralmente baseadas em metas e interesses políticos. No
fundo, não refletem realidades, mas permitem que a França mantenha traços da
imagem e do papel hegemônico que desempenhou no passado por meio de seus
projetos expansionistas.

Com o processo de “independência”, sobretudo de países africanos, o francês se


manteve como língua oficial em muitas nações em função das ações da França
como nação “colonialista”, naturalmente em defesa de seus interesses econômicos

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e militares. A dependência política, historicamente estabelecida entre territórios
ocupados (leia-se invadidos) e a França se manteve parcialmente, pois as
configurações de base, próprias às populações subjugadas se moldaram às ordens
dos ditos “colonizadores”. Com a “saída dos europeus”, ao mesmo tempo em que
a língua dos “invasores” foi incorporada administrativamente, as línguas e culturas
dos povos subjugados, relegada em um primeiro instante ao ostracismo,
progressivamente retomaram parte de suas memórias e espaços. Todavia, as
soluções para maior parte dos novos problemas surgidos em função das
interferências estrangeiras até o presente não foram encontradas. É algo similar o
que experimentamos no Brasil, sobretudo após 1808.

Os povos autóctones alimentavam, entre si, embates históricos centenários e


milenares, possuíam suas regras de convivência, suas especificidades culturais.
Tais pilares foram alterados. Por exemplo, a instauração de fronteiras nacionais,
antes inexistentes, forçaram a fixação de limites, barreiras, restrições,
circunscrições, governos imposto, e demais sucedâneos. Essas imposições – feitas
em nome do progresso – geraram conflitos e guerras ainda em trâmite. Muitos
povos nômades simplesmente perderam o livre trânsito. Outros se viram obrigados
a obedecer a governos formados por etnias historicamente inimigas... Ora, como
escolher o governo de um país que possui mais de 40 povos, cujas tensões eram
administradas à égide de outros sistemas diferentes do modelo presidencialista,
capitalista?

Além de Guerras na África e no Oriente Médio, a França gerou grandes conflitos


em terras mais distantes, como por exemplo na Península da Indochina. Durante a
guerra da França contra o Viet Minh, em 1954 os franceses foram finalmente
derrotados na batalha de Diem Biem Phu, obrigando a retirada dos franceses da
Indochina. A partir dessa data, os Estados Unidos entraram no conflito e
desencadearam a Guerra do Vietnã. Grandes contingentes de soldados não eram
de nacionalidade francesa, mas indivíduos de “colônias” ou “protetorados”
franceses. Ao serem enviados à guerra, receberam o direito à nacionalidade
francesa e, ao regressar, se estabeleceram na França, gerando uma série de
problemas por destoarem ou não fazerem parte do dito “français de souche”, aliás,
uma expressão altamente controversa (podemos discutir mais sobre isso em sala
de aula, caso lhes aprouve).

Se a língua francesa ocupou, durante mais de 300 anos, posição privilegiada em


relação a outras línguas europeias, tal esplendor não se deve unicamente a sua
riqueza literária, filosófica e cultural, mas igualmente a suas ações expansionistas,
impostas e realizadas de forma belicosa sobre outros territórios/povos. Por certo,
além da França, outros países europeus também participaram de projetos ditos
“colonialistas”. A América, como um todo, é resultado desse processo. De fato,
poucos países (novos) receberam “colonos” realmente dispostos a planificar e
construir ambientes para se fixarem. Maior parte dos países invadidos recebeu
desterrados e exploradores (Vocês devem saber que antes de se chamar
Florianópolis – em homenagem ao ditador Floriano Peixoto, a Ilha se chamava

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Desterro, e antes da chegada dos Europeus se chamava Meiembipe (montanha ao
longo do canal). Caso queiram saber mais, levantem a questão em sala de aula).

Rajagopalan compara os processos de “colonização” ao estupro. Naturalmente, o


autor recorre a uma metáfora pedagógica para discutir o processo de invasão
terrotorial e dominação cultural – quase sempre através da força – tal como o fez
a Inglaterra em relação à India.

No que concerne ao ensino-aprendizagem de línguas, nossas bases didático-


pedagógicas, assim como nossos modelos educacionais, ainda nos remetem à
Europa. No caso do Brasil, nos remete à França. Praticamente, todos os nossos
referenciais político-educacionais de base ao ensino ainda provêm do ambiente
europeu. Nesse sentido, a análise da conjuntura educacional brasileira nos
desemboca em perspectivas definidas para países ditos “do primeiro-mundo”.
Além do mais, a parcela elaborada para o País (no nosso caso, para o Brasil), em
geral comporta parâmetros e orientações comuns a todo o território nacional. Ora,
o Brasil, em sendo um país inerentemente plural em termos socioculturais e até
linguísticos, não parece coerente que se adote modelos gerais, como se as
populações brasileiras fossem homogêneas. No caso do francês, sempre se ouvirá
falar em français stardard, sem que se possa saber exatamente quais são as
características dessa modalidade em termos prosódicos, gramaticais, lexicais e
conceituais. Naturalmente, sabe-se que há instrumentos formais prescritivos,
normativos que devem ser obviamente considerados em prol da unidade da língua,
mas a prosódia, por exemplo, é algo complexo de ser controlado.

O termo Terceiro Mundo, foi inicialmente adotado na Conferência de Bandung,


realizada em abril de 1955, em Java, na Indonésia em um encontro de países
asiáticos e africanos, não-alinhados às duas superpotências da época: EUA e
URSS. O termo perdeu seu sentido com o fim da referida polarização (como já
aludimos: sempre binária e opositiva). Terceiro Mundo foi então substituído por
um novo tipo denominação, ou seja, os países passaram a ser chamado de “em
desenvolvimento ou pobres”, situados abaixo daqueles situados em patamar
superior e considerados “desenvolvidos”, ou acima daqueles considerados
“pobres”. A oposição EUA e URSS também perdeu sua força a partir de
Gorbachev (em 1985). Atualmente parece ser mais sensato falar na disputa China
vs EUA que certamente vai incitar novas categorizações.

Sobre o francês “standard”

A exegese consiste na melhor tradução que se possa fazer de um texto. Tal


asserção ultrapassa as atividades de tradução em seu sentido clássico, muitas vezes
restrito aos estudos acadêmicos. Refiro-me aqui à tradução como olhar analítico,
realizada com base na necessidade de interpretação de tudo que se nos apresenta,
ou seja, como ato de estabelecimento de significações e sentidos por meio de
extração e de atribuição de traços semântico-conceituais a objetos e processos.

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Geralmente, trata-se de procedimento ininterrupto e cotidiano: interpretar e
traduzir como suporte para agir e atingir objetivos consiste em ação realizada sem
cessar. Como veremos ao longo da disciplina, o ensino-aprendizagem de LE
experimentou diferentes modelos didático-pedagógicos. Eis os principais:

Metodologia Tradicional (método gramática-tradução)


Metodologia Direta
Metodologia Ativa
Documento Autêntico
Método Global Audio-Visual
LE para objetivos específicos e LE como língua de especialidade
Abordagem Comunicativa
Pós-Método (Abordagem Acional)

Vamos discutir cada uma dessas propostas em nossos encontros, visto que são
fundamentais à formação do professor de LE de modo geral e de língua francesa
de forma específica.

Nenhum desses modelos remete a princípios educacionais praticados por


autóctones brasileiros ou africanos. Todos foram concebidos nas matrizes, ou seja,
provêm da Europa ou de países da América do Norte. Os modelos linguísticos,
tradutológicos e literários, em sua grande maioria, também remetem as mesmas
fontes. Dificilmente, em nossos estudos universitários, dispomos de grandes
teorias em Linguística, Literatura ou Tradução elaboradas por intelectuais
brasileiros. Maior parte de nossos referenciais provêm de fóruns dominantes.
Todavia, cabe observar que há sempre descompassos (décalage) de 10, 20 ou 30
anos para que os modelos (novos para nós) já instaurados na europa ou nos EUA
sejam incorporados. Algo similar acontecia em relação à moda, ao politicamente
correto ou às estratificações sociais atualmente em voga.

Por um lado, há uma série de objetos e processos cuja interpretação e tradução


permanecem opacas (i.e., voilé, assourdie) em função de uma série de restrições
(constrains, contraintes). Evidentemente, objetos e processos envelopados
culturalmente exigem esclarecimentos e compreensão para que se possam localizá-
los e, então, definir idiossincrasias (respostas, posicionamentos) adequadas
socialmente. Por outro lado, desnudar (analisar, examinar) objetos e/ou processos
que nos sejam consubstanciais exige muito mais do que desconstrução. Faz-se
necessário afastamento. Em francês há um termo interessante: dépaysement,
todavia seria necessário acrescentar um traço semântico ao termo dépaysement
(i.e., –agréable). Em geral, as viagens são fatos agradáveis. Buscamos nos sentir
em ambientes culturais diferentes. Naturalmente, um indivíduo “ex-, de fora,
estrangeiro”, possui olhares para discriminar o que já se tornou consubstancial ou
invisível para as populações locais.

O professor mostrará, em aula síncrona, um manual elaborado para franceses que


pretendem viajar ao Brasil. Em síntese, o guia fala de nós. Trata-se de uma

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experiência muito interessante “ouvir” franceses falando sobre como somos.
Muitas propostas parecem muito pertinentes e/ou verdadeiras. Todavia, nós
mesmos, não somos capazes de “ver” certas coisas que nos são consubstanciais.

Nossas realidades, encontradas já construídas e sedimentadas (fixadas), ou mesmo


aquelas fruto de nossas construções ficcionais, resultam de nossas experiências
sensíveis e científicas coletivas e individuais. Em outras palavras, nossos
microuniversos referenciais se restringem àquilo que somos capazes de ver, ouvir
e sentir (leia sobre Paradoxo de Menon). Todavia, como discutiremos ao longo
desse texto introdutório, muitos fenômenos sociais se fundem com nossa
configuração de base, tornando opaca sua identificação. Em outras palavras, nos
tornamos “aveugles” diante de uma série de situações que, paradoxalmente, fazem
parte de nosso cotidiano, de nossas ações e modos de pensar praticados
diariamente. Em síntese, tudo o que nos é consubstancial é também invisível a
nossos olhos. Dessa maneira, jamais conseguiremos identificar eventuais
interferências de nossa língua materna, ou de nossas L2, Ln... em nossa expressão
em língua francesa. Todavia, somos capazes de identificar o sotaque carioca,
paraibano ou baiano no francês.

“Quelque chose s'était cassé dans mon moteur.” (Antoine de St. Exupéry. Le Petit
Prince. – Leia também Marshall Mcluhan, sobre as extensões do corpo humano,
entre elas os meios de comunicação). Do ponto de vista dos processos ditos
“naturais”, há algo supostamente incoerente na frase de St. Exupéry. Ora, nós,
seres humanos, não dispomos de motor, tampouco de asas. Todavia, nada nos
impede de dizer em alto e bom tom:

– Estou sem gasolina!


– Vou voar para Paris!
– “Espere, vou perguntar para um amigo que mora em Montevidéo!

Vivemos constantemente imersos nos processos (ou realidades) aos quais nos
submetemos e fomos submetidos. Logo, a partir do instante em que tais processos
se tornam, a nós, consubstanciais, passam a ser tomados como “naturais” ou
passam a não ser facilmente percebidos. Certo dia, nos demos conta de que
falávamos “prá mim fazer...”, até que alguém nos tenha chamado atenção sobre o
fato. Posteriormente à chamada de atenção, geramos um monitor para detectar
cada eventual uso “inadequado” do sujeito gramatical (eu), até que nosso monitor
pudesse ser descartado por meio da incorporação inconsciente da forma
preconizada e considerada “adequada”. Doravante, passamos a “exergar” no outro
o uso inadequado, geralmente emitindo juízo valorativo mudo.

Por analogia, perceber nosso próprio accent parece algo impossível. Isto
equivaleria a escutar nossa própria voz a partir de uma fonte externa. Ora, quando
emitimos sons (fala) a partir de nosso aparelho fonador, ouvimos nossas elocuções
a partir de nosso sistema auditivo interno. Logo, a voz que ouvimos não condiz
com a (nossa) voz, aquela que ouvem as pessoas que nos escutam. Poderíamos

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ainda remeter à imagem que os outros fazem de nós (de nosso rosto, de nossa forma
de andar, de gesticular) em relação àquela que nós mesmos criamos diante dos
espelhos. Com efeito, o (nosso próprio) rosto, aquele que visualizamos nos
espelhos, é diferente daquele que os outros visualizam. Outrossim, nosso
semblante se completa com a face que projetamos de nós mesmos, gerando
mudanças nas apreciações que os outros fazem de nós (cf. questão da polidez). Um
rosto considerado menos-belo pode ser tornar “mais-belo” quando conjugado com
simpatia, gentileza, graça, bom humor... e vice-versa.

Em relação à detecção de accents, uma experiência interessante consistiria em


morar fora do país – e longe de conterrâneos – durante longos anos (4, 5 ou mais).
No momento da volta, depois de experimentar um idioma, ou mais idiomas
estrangeiros, por longos períodos, seríamos capazes de perceber nosso próprio
accent, ou o sotaque de nossos próximos. Por certo, nos tempos atuais, uma tal
experiência seria quase impossível em função das mídias sociais e da facilidade de
manter interlocuções orais mesmo estando a milhares de quilômetros de nosso país
de origem.

Na Análise do Discurso (disciplina), há dois conceitos fundamentais interessantes


para nós. O primeiro denomina-se Esquecimento 1, também conhecido como
“esquecimento ideológico”, situado na instância do inconsciente e resultante do
modo pelo qual (e como qual) a ideologia nos afeta sem que sejamos capazes de
perceber nossas afiliações políticas. O Esquecimento 1 pode ser comparado às
entidades constitutivas das auras que nos envolvem e que integramos à nossa
totalidade, isto é, a nosso self, tal como termos a impressão do que somos, por meio
de nossa própria apreciação (julgamento), definidas por nossa própria consciência.
Com efeito, nós, humanos, não somos instrumentos de avaliação, muito menos de
auto avaliação.

O segundo, o Esquecimento 2 remete às ordens da enunciação. Ao nos


expressarmos, selecionamos uma maneira e não de outra, estabelecemos, assim,
verdadeiras relações parafrásticas, as quais indicam que os dizeres sempre podem
ser outros. Tenderemos, sempre e porém, a repetir déjà-dits e déjà-vus sem que
sejamos capazes de identificar as polifonias subjacentes a nossas expressões e, por
conseguinte, as nossas formas de conceber realizadas de forma intertextual
(dialógica).

Vejamos o que a Wikipedia francesa diz a respeito da noção de língua “standard”


ou “padrão”:

Le français standard, ou français normé, désigne le français dénué


de tout accent régional ou régionalisme et dont la syntaxe, la
morphologie et l’orthographe sont décrits dans les dictionnaires, les
ouvrages de grammaire et manuels de rédaction tels que le
Bescherelle et Le Bon Usage. (Destaque em negrito do prof.)

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O francês padrão, ou francês normativo, designa o francês livre de
qualquer sotaque regional ou regionalismo e cuja sintaxe,
morfologia e ortografia estão de acordo com os dicionários, com os
livros de gramática e com os manuais de redação, como por
exemplo o Bescherelle e o Bom Uso. (Tradução do prof.)

Antes de mais nada, cabe destacar que a citação acima emite parecer não-
científico, visto que qualquer língua dita “padrão”, ou “standard” consiste em
projeto utópico. Seria, por exemplo, insensato supor a possibilidade de se
expressar em português “sem sotaque”. Do mesmo modo, seria impossível se
expressar em français sans accent (ou dénué de tout accent régional, como sugere
o texto). Se há quem acredite em uma tal hipótese, caberia questioná-lo da seguinte
forma:

– Qual a modalidade do português ou do francês você considera “sem sotaque”?

– Entre tantas possibilidades, como você “escolheria” (ou encontraria) um suposto


modelo canônico (assepsiado, sanitarizado) no meio de tantas variedades
disponíveis?

– Esse dito “falar sem sotaque” seria escolhido em qual país ou cidade da França?

– Se a escolha recair sobre o sul da França, seria de que região? Ou seria de qual
o meio social: periferia, de meios de comunicação, das universidades?

Em síntese, a ideia de “padrão” não se sustenta cientificamente, tampouco


socialmente diante da diversidade linguística inerente a todo e qualquer idioma.
Mesmo que determinada língua possua bases formalmente estabelecidas
(gramáticas, dicionários, manuais), inexistem dicionários, gramáticas, regras ou
normas que contemplem as variações e mudanças em progresso e, por conseguinte,
que viabilizem uniformidade nos falares ditos “periféricos”.

Embora a referida fonte de consulta não seja científica, vejamos o que propõe a
mesma Wikipédia, dessa vez em língua inglesa (aqui traduzida), ainda a respeito
do francês dito “standard”:

Francês padrão é um termo não oficial para uma variedade padrão


da língua francesa. É um conjunto de variedades formais faladas e
escritas usadas pelos francófonos educados de várias nações ao
redor do mundo. Como o francês é uma língua pluricêntrica, o
francês padrão abrange várias normas linguísticas.

Constata-se que um olhar “afastado” (inglês no caso) parece conduzir a um certo


cientificismo definitório. A redução de afiliações ideológicas em relação à cultura
francesa parece permitir uma melhor descrição da realidade linguística da noção
de “padrão”.

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Do ponto de vista da Linguística (large sens), a língua se situa na base das
constituições sociais. Por isso, falamos de comunidades linguísticas. A
indissociabilidade língua- sociedade pode ser comparada à monoliticidade que se
estabelece entre linguagem-pensamento. As comunidades se caracterizam por
identificações entre grupos. Nesse sentido, o termo identidade constitui um dos
aspectos-chave para nossas discussões.

Reiteramos que qualquer língua dita “padrão”, ou “standard” consiste em projeto


utópico. Seria insensato supor a possibilidade de se expressar em um português
“sem sotaque”. Se há quem ainda acredite nessa possibilidade, então caberia lhes
questionar: como seria “escolhido” esse modelo canônico, asseptizado? Seria o
português falado pela imprensa áudio-visual de Portugal, do Brasil, de Angola ou
de Moçambique?

Queiramos ou não, nossa constituição, enquanto sujeitos-psicanalíticos, se ergue a


partir de nossas relações como o meio. Torna-se natural que nossa expressão
linguística, tanto oral quanto escrita, reflita a natureza e a qualidade das fontes
onde bebemos e os processos aos quais fomos submetidos. Logo, nosso
vocabulário, nossas ordens enunciativas e discursivas, assim como nossos traços
prosódicos estarão condicionados, em primeiro plano, a nossas bases: en amont,
hic-nuc et en aval. Em outras palavras: em textos anteriores, presentes e futuros.

Seja por coerência, seja por tradição, é normal que a instrução de base, canônica,
possa estar presente no ambiente familiar e encontrar eco no ambiente formal de
ensino. No caso de falta ou carência de tal suporte e/ou relação, a instrução formal
se desenvolve ao longo da vida no âmbito de instituições de ensino. Assim, nos
ambientes de ensino-aprendizagem, busca-se preservar os elementos de trocas e
de negociação com vistas a promover “unidade” sociocultural. Surge então a
necessidade de se dispor de mecanismos comuns. Nesse sentido, caberia defender
a existência de uma língua de base, situada no carrefour (encruzilhada) de diálogo
entre diferentes e entre diferenças.

Uma das noções-chave para nossas discussões refere-se ao conceito de fronteira,


como espécie de sizígia, de fricção “entre”... não exatamente entre dois, pois por
coerência filosófica, faz-se crucial evitar aqui relações binárias e opositivas. Nessa
via, cabe citar Tisseron (1996, p.76), destacando um excerto de sua obra intitulada:
“Le bonheur dans l’image”:

Si on accepte de croire, ne serait-ce qu’un moment,


à la présence réelle de l’objet dans son image, celle-
ci devient ravissement et paradis artificiel. Si, au
contraire, on privilegie en elle “absente de tous les
bouquets” selon la formule célèbre de Mallarmé,
elle tourne à la reencontre avec le vide. En fait, le
propre de l’image est de se tenir sur cette crête. Elle

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n’est ni présence ni absence, mais “entre deux”. Cela
fait naturellement d’elle une médiatrice.

* Se aceitássemos crer, mesmo que por um breve


instante, na presença real do objeto em sua imagem,
esta se tornaria muito interessante e estaríamos
diante de um paraíso artificial. Diferentemente, se
considerarmos que a imagem de um objeto é
totalmente desprovida de traços que aludam a ele,
caminharíamos ao encontro do vazio. De fato, a
característica mais saliente da imagem é justamente
a que lhe permite permanecer sobre esse cume (em
cima do muro). A imagem não é nem presença, nem
ausência, mas um espaço “entre...”. Isto a torna
naturalmente um agente de mediação (Tradução e
interpretação da proponente).

A arte não imita a natureza criadora; mas podemos aceitar que a arte a
recria. Autrement dit: a arte não imita a vida, mas pode recriá-la O ser humano vive
constantemente permeado por suas criações ficcionais. Muitas vezes se vê
obrigado a decretar a falência do modelo e celebrar a vida autônoma da cópia, tal
como acontece com as cópias manuscritas de textos, cujos ditos “originais” não
mais existem ou cujos manuscritos primevos nunca (ou ainda) não foram
encontrados. As reflexões filosóficas relativas à língua não estão fechadas às
fantasias, tampouco aos pensamentos elevados (en haut, sic!) ou pueris (en bas,
sic!). A consciência de que a literatura não aporta o real, mas mundos possíveis,
constitui justamente sua essência e seu fascínio. A consciência de que as realidades
criadas pela língua podem se fazer onipresentes, eventualmente geram reações
paradoxais, podendo gerar tanto temor, quanto motivação à atribuição de “sangue
novo” à arte, tal como expresso na obra de Bram Stoker, Drácula, ou nas criações
de Murnau (Nosferatu, 1922) ou de Herzog (1979), nas quais o vampiro ama a
vida, é solitário, abandonado, mas é visto como mercador morte ao ser alçado à
oposição dual necessária (leia: Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para
ninguém, de Friedrich Nietzsche).

Por favor, anotem pontos a serem ampliados, discutidos!

Trata-se de um texto redigido especialmente


para a presente disciplina.
Feito em Fpolis, em 27/10/21.

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