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Observações
O texto que segue, consiste de uma minuta (racunho), redigida, para introduzir a
disciplina e avançar alguns conteúdos previstos em nosso Plano de Ensino. O
presente texto não foi revisado, logo e eventualmente, será possível encontrar
incoerências gramaticais ou falhas de digitação. Ademais, seu conteúdo poderá
ser, a todo instante, criticado, questionado e/ou reescrito pelos estudantes de nossa
turma.
Busca-se, nas linhas abaixo, propor discussões que reflitam fatos, contornando, na
medida do possível, asserções e axiomas sustentados por interesses e orientações
políticas. Assim como a língua – objeto inerentemente ideológico e sempre agindo
(a) ou à serviço de poderes; (b) ou como meio de apropriação de poderes, os relatos
históricos e etnológicos tendem à criação de realidades que acabam sendo fixadas,
tornando-se “verdades”, sobretudo diante do senso comum. Vamos tentar adotar
postura similar a dos Schtroumpfs, personagens de Payo (Pierre Culliford: 28-92,
XX), que “recusam, ao mesmo tempo, e o silêncio e à fé que se atribui às palavras”
(tradução do prof.). Consideraremos, ainda, que um dos maiores males da
humanidade – pelo menos no âmbito da visão dita “ocidental” – consiste em
assimilar e/ou criar realidades duais, isto é, calcadas sobre visão binária e opositiva
a respeito de processos intrínseca e amplamente plurais e flutuantes. Como
afirmou Rousseau:
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pieux ou comblant le fossé, eût crié à ses
semblables : Gardez-vous d'écouter cet
imposteur; vous êtes perdus, si vous oubliez que
les fruits sont à tous, et que la terre n'est à
personne."
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
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representação dos continentes já colocava a Europa no centro da representação.
Tal fato está longe de ser aleatório. Há motivações histórico-políticas para a
adoção de tal representação. Logo, trata-se, explicitamente, de posicionamento
arbitrário que desemboca na noção de eurocentrismo e seus sucedâneos que, de
certa forma, sustentam os desejos de “superioridade” de determinados povos e, por
conseguinte, de suas nações. As línguas fazem parte desse processo. Se outrora o
latim e o grego imperaram e, posteriormente, as línguas europeias, provavelmente
em algumas décadas o mandarim e o cantonês serão alçadas ao patamar dos
idiomas hegemônicos.
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desenvolvimentista, oculta o fato de se tratar de um projeto (ou conceito)
eurocêntrico que, concomitantemente, gerou diversas formas de desigualdades
ainda em trâmite em pleno século XXI. O continente europeu, assim como países
ditos “desenvolvidos”, como EUA, Canadá, continuam sendo vistos como
referência mundial de Estados Modernos, de modelos de civilização e de
desenvolvimento. As línguas europeias, como não poderia deixar de ser, também
foram elevadas ao mesmo patamar de suposta excelência, sendo classificadas
como línguas de cultura, da música, da diplomacia, da filosofia, da aviação.
Algumas línguas europeias ainda são eventualmente categorizadas
paradoxalmente como línguas “sensuais”, “lógicas”, “chiques”. Diferentemente,
povos, cultura e nações situadas à margem têm suas línguas estereotipadas, sendo
por vezes chamadas de “língua primitivas”, “feias”, “grosseiras”. Tais questões
merecem ser discutidas, pois algumas apreciações estão atreladas as próprias
variedades da língua francesa, como o créole, que possui 90% do vocabulário
proveniente do francês e que possui aproximadamente 20 milhões de praticantes,
entre habitantes do país e imigrantes espalhados pelo mundo.
A globalização – como fenômeno recente – nada mais é do que uma extensão forte
do projeto de Modernidade, que continua separando o mundo de forma binária e
opositiva em: países-centros (desenvolvidos) e países periféricos
(subdesenvolvidos socioeconomicamente). A superioridade intrínseca à filosofia
subjacente ao projeto de expansão territorial, de dominação e de expansão cultural
é resultado de processos de colonização (em sentido amplo). A Europa se
apropriou de riquezas, de conhecimentos e de experiências e, no que nos interessa,
determinou nossas bases educacionais.
Naturalmente, cabe evitar aqui excesso de hipocrisia, falar em “nós” e “eles” pode
ser conveniente. Com efeito, não somos autóctones. Nossos ancestrais, em grande
maioria, vieram da Europa. Logo, somos peças fundamentais nesse processo
complexo de composição da nação brasileira (para saber mais, leia Raízes do
Brasil de Sergio Buarque de Hollanda e também Veias abertas da América Latina
de Eduardo Galeano). Em síntese, sobretudo no sul do Brasil, não seria sensato
afirmar que “fomos colonizados”, mas que “somos descendentes de
colonizadores”.
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[...] le pouvoir est, symétriquement, perpétuel dans le temps
historique: chassé, extenué ici, il reparaît là; il ne dépérit
jamais: faites une révolution pour le détruire, il va aussitôt
revivre, rebourgeonner dans le nouvel état des choses. […]
Cet objet en quoi s’inscrit le pouvoir, de toute éternité
humaine, c’est: le langage - ou pour être plus précis, son
expression obligée: la langue».
Na Encyclopédie (ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers)
de D’Allambert e Diderot de 1772, está bem explícito e evidente a visão que se
fazia na Europa de povos de outros continentes. A noção de raça justificava o
estabelecimento de hierarquias. Trata-se da Colonialidade do Saber que
estabeleceu padrões de conhecimento baseado em superioridade racional e
intelectual. Tal fato não é novo. Na Antiguidade, eram considerados bárbaros
todos aqueles que não se exprimiam nem em latim, nem em grego, podendo então
serem enviados para a escravidão. A língua francesa, por exemplo, ainda se reveste
de estereótipos sem nenhum fundamento científico, sendo, até os dias atuais,
considerada como uma língua “bela”, “chique”, “literária”, que veicula saberes
artísticos e culturais. Quando dizemos que falamos francês, muitas vezes ouvimos:
que chique !
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considerável das obras expostas naquele museu constituem butim. O monumento
mais antigo de Paris, por exemplo, é o Obélisque de Louxor, uma peça milenar
egípcia, de 23 metros de altura, colocado no centro da Praça da Concórdia,
subtraído do Templo de Luxor e ofertado à França com presente. Seria interessante
visitar o Egito e encontrar a referida peça no lugar de onde foi suprimida. Seria
como colocar a Tour Eiffel no Cairo, ou a estátua da liberdade em Florianópolis
(parece um pouco kitsch, ou é preconceito de minha parte?).
Novamente, cabe assumir a hipocrisia do presente discurso, uma vez que quando
vamos morar, estudar ou fazer turismo (refiro-me a mim), geralmente
desembarcamos em Paris, New York, Madrid, Québec. Dificilmente escolhemos
estudar no Gabão, na Mauritânia ou no Equador.
Francofonia
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à égide de suas línguas de base (maternas, ou Ln..., exprimindo diferentes
variedades do francês. Assim, é natural que dependendo das características
regionais de cada comunidade linguísticas, haverá interferências e produções
peculiares em todos os patamares da língua (léxico, fonética, semântica) sobretudo
no que concerne aos traços prosódicos (timbre, duração, intensidade, amplitude,
etc.). Aqui no Brasil, por exemplo, é natural que o francês praticado em João
Pessoa, seja diferente do francês praticado em Florianópolis. A aquisição e o
aprendizado do FLE ou FL2 será resultado de amalgamas entre a(s) língua(s) de
base e a língua francesa de referência ao ensino-aprendizado.
A França foi um país fortemente colonialista. Todavia, maior parte dos países
subjugados pela França, inclusive alguns Territoires d’Outre-mer (TOM), se
tornaram nações independentes sobretudo a partir da segunda metade do século
XX. Países como o Mali, por exemplo, contam com mais de 40 etnias e, por
conseguinte, dispõem de mais de 40 línguas praticadas em seu território. O francês
é apontado como língua oficial do Mali. Todavia, sabemos que não é a língua
nacional, pois há línguas que possuem grande importância local, disputando
espaço com o francês. Ademais, como já sugerido, as modalidades de francês
praticadas no Mali não condizem com o dito “français standard” praticado pelas
elites da região parisiense (leia sobre Amadou Hampâté Bâ).
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e militares. A dependência política, historicamente estabelecida entre territórios
ocupados (leia-se invadidos) e a França se manteve parcialmente, pois as
configurações de base, próprias às populações subjugadas se moldaram às ordens
dos ditos “colonizadores”. Com a “saída dos europeus”, ao mesmo tempo em que
a língua dos “invasores” foi incorporada administrativamente, as línguas e culturas
dos povos subjugados, relegada em um primeiro instante ao ostracismo,
progressivamente retomaram parte de suas memórias e espaços. Todavia, as
soluções para maior parte dos novos problemas surgidos em função das
interferências estrangeiras até o presente não foram encontradas. É algo similar o
que experimentamos no Brasil, sobretudo após 1808.
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Desterro, e antes da chegada dos Europeus se chamava Meiembipe (montanha ao
longo do canal). Caso queiram saber mais, levantem a questão em sala de aula).
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Geralmente, trata-se de procedimento ininterrupto e cotidiano: interpretar e
traduzir como suporte para agir e atingir objetivos consiste em ação realizada sem
cessar. Como veremos ao longo da disciplina, o ensino-aprendizagem de LE
experimentou diferentes modelos didático-pedagógicos. Eis os principais:
Vamos discutir cada uma dessas propostas em nossos encontros, visto que são
fundamentais à formação do professor de LE de modo geral e de língua francesa
de forma específica.
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experiência muito interessante “ouvir” franceses falando sobre como somos.
Muitas propostas parecem muito pertinentes e/ou verdadeiras. Todavia, nós
mesmos, não somos capazes de “ver” certas coisas que nos são consubstanciais.
“Quelque chose s'était cassé dans mon moteur.” (Antoine de St. Exupéry. Le Petit
Prince. – Leia também Marshall Mcluhan, sobre as extensões do corpo humano,
entre elas os meios de comunicação). Do ponto de vista dos processos ditos
“naturais”, há algo supostamente incoerente na frase de St. Exupéry. Ora, nós,
seres humanos, não dispomos de motor, tampouco de asas. Todavia, nada nos
impede de dizer em alto e bom tom:
Vivemos constantemente imersos nos processos (ou realidades) aos quais nos
submetemos e fomos submetidos. Logo, a partir do instante em que tais processos
se tornam, a nós, consubstanciais, passam a ser tomados como “naturais” ou
passam a não ser facilmente percebidos. Certo dia, nos demos conta de que
falávamos “prá mim fazer...”, até que alguém nos tenha chamado atenção sobre o
fato. Posteriormente à chamada de atenção, geramos um monitor para detectar
cada eventual uso “inadequado” do sujeito gramatical (eu), até que nosso monitor
pudesse ser descartado por meio da incorporação inconsciente da forma
preconizada e considerada “adequada”. Doravante, passamos a “exergar” no outro
o uso inadequado, geralmente emitindo juízo valorativo mudo.
Por analogia, perceber nosso próprio accent parece algo impossível. Isto
equivaleria a escutar nossa própria voz a partir de uma fonte externa. Ora, quando
emitimos sons (fala) a partir de nosso aparelho fonador, ouvimos nossas elocuções
a partir de nosso sistema auditivo interno. Logo, a voz que ouvimos não condiz
com a (nossa) voz, aquela que ouvem as pessoas que nos escutam. Poderíamos
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ainda remeter à imagem que os outros fazem de nós (de nosso rosto, de nossa forma
de andar, de gesticular) em relação àquela que nós mesmos criamos diante dos
espelhos. Com efeito, o (nosso próprio) rosto, aquele que visualizamos nos
espelhos, é diferente daquele que os outros visualizam. Outrossim, nosso
semblante se completa com a face que projetamos de nós mesmos, gerando
mudanças nas apreciações que os outros fazem de nós (cf. questão da polidez). Um
rosto considerado menos-belo pode ser tornar “mais-belo” quando conjugado com
simpatia, gentileza, graça, bom humor... e vice-versa.
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O francês padrão, ou francês normativo, designa o francês livre de
qualquer sotaque regional ou regionalismo e cuja sintaxe,
morfologia e ortografia estão de acordo com os dicionários, com os
livros de gramática e com os manuais de redação, como por
exemplo o Bescherelle e o Bom Uso. (Tradução do prof.)
Antes de mais nada, cabe destacar que a citação acima emite parecer não-
científico, visto que qualquer língua dita “padrão”, ou “standard” consiste em
projeto utópico. Seria, por exemplo, insensato supor a possibilidade de se
expressar em português “sem sotaque”. Do mesmo modo, seria impossível se
expressar em français sans accent (ou dénué de tout accent régional, como sugere
o texto). Se há quem acredite em uma tal hipótese, caberia questioná-lo da seguinte
forma:
– Esse dito “falar sem sotaque” seria escolhido em qual país ou cidade da França?
– Se a escolha recair sobre o sul da França, seria de que região? Ou seria de qual
o meio social: periferia, de meios de comunicação, das universidades?
Embora a referida fonte de consulta não seja científica, vejamos o que propõe a
mesma Wikipédia, dessa vez em língua inglesa (aqui traduzida), ainda a respeito
do francês dito “standard”:
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Do ponto de vista da Linguística (large sens), a língua se situa na base das
constituições sociais. Por isso, falamos de comunidades linguísticas. A
indissociabilidade língua- sociedade pode ser comparada à monoliticidade que se
estabelece entre linguagem-pensamento. As comunidades se caracterizam por
identificações entre grupos. Nesse sentido, o termo identidade constitui um dos
aspectos-chave para nossas discussões.
Seja por coerência, seja por tradição, é normal que a instrução de base, canônica,
possa estar presente no ambiente familiar e encontrar eco no ambiente formal de
ensino. No caso de falta ou carência de tal suporte e/ou relação, a instrução formal
se desenvolve ao longo da vida no âmbito de instituições de ensino. Assim, nos
ambientes de ensino-aprendizagem, busca-se preservar os elementos de trocas e
de negociação com vistas a promover “unidade” sociocultural. Surge então a
necessidade de se dispor de mecanismos comuns. Nesse sentido, caberia defender
a existência de uma língua de base, situada no carrefour (encruzilhada) de diálogo
entre diferentes e entre diferenças.
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n’est ni présence ni absence, mais “entre deux”. Cela
fait naturellement d’elle une médiatrice.
A arte não imita a natureza criadora; mas podemos aceitar que a arte a
recria. Autrement dit: a arte não imita a vida, mas pode recriá-la O ser humano vive
constantemente permeado por suas criações ficcionais. Muitas vezes se vê
obrigado a decretar a falência do modelo e celebrar a vida autônoma da cópia, tal
como acontece com as cópias manuscritas de textos, cujos ditos “originais” não
mais existem ou cujos manuscritos primevos nunca (ou ainda) não foram
encontrados. As reflexões filosóficas relativas à língua não estão fechadas às
fantasias, tampouco aos pensamentos elevados (en haut, sic!) ou pueris (en bas,
sic!). A consciência de que a literatura não aporta o real, mas mundos possíveis,
constitui justamente sua essência e seu fascínio. A consciência de que as realidades
criadas pela língua podem se fazer onipresentes, eventualmente geram reações
paradoxais, podendo gerar tanto temor, quanto motivação à atribuição de “sangue
novo” à arte, tal como expresso na obra de Bram Stoker, Drácula, ou nas criações
de Murnau (Nosferatu, 1922) ou de Herzog (1979), nas quais o vampiro ama a
vida, é solitário, abandonado, mas é visto como mercador morte ao ser alçado à
oposição dual necessária (leia: Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para
ninguém, de Friedrich Nietzsche).
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